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A CONSTRUÇÃO DA MINEIRIDADE NA TV 1 As contribuições de Alfred Schutz e Erving Goffman para a análise de programas regionais BUILDING THE MINING IDENTITY ON TV Alfred Schutz and Erving Goffman’s contributions to analyze regional TV programs Marcos Vinicius Meigre e Silva 2 RESUMO Este artigo é um exercício analítico que toma por base três programas regionais, responsáveis por difundir relatos de mineiridade em emissoras distintas. Valendo-se das conceituações da Fenomenologia Social de Alfred Schutz e dos aportes teóricos de Erving Goffman, articulamos uma análise que buscou se ater às formas como os sujeitos eram enquadrados nas atrações, bem como as localidades consideradas relevantes para estarem em cena e as temáticas tipicamente recorrentes. A partir do uso de conceitos como footing, enquadramento (Goffman), mundo da vida, relevância e tipificações (Schutz), notamos que determinadas generalizações prevalecem ao se tratar da identidade regional. Porém, algumas rupturas foram notadas – como o papel da mulher em cena, desvinculado de tarefas domésticas. PALAVRAS-CHAVE: Mineiridade; Programas regionais; Fenomenologia Social; Enquadramento; Relevância ABSTRACT 1 Trabalho apresentado no GT Processos Sociais e Práticas Comunicativas. 2 Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais; [email protected] . VIII Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais https://ecomig2015.wordpress.com/ | [email protected]

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A CONSTRUÇÃO DA MINEIRIDADE NA TV1

As contribuições de Alfred Schutz e Erving Goffman para a análise de programas regionais

BUILDING THE MINING IDENTITY ON TVAlfred Schutz and Erving Goffman’s contributions to analyze regional TV programs

Marcos Vinicius Meigre e Silva2

RESUMO

Este artigo é um exercício analítico que toma por base três programas regionais, responsáveis por difundir relatos de mineiridade em emissoras distintas. Valendo-se das conceituações da Fenomenologia Social de Alfred Schutz e dos aportes teóricos de Erving Goffman, articulamos uma análise que buscou se ater às formas como os sujeitos eram enquadrados nas atrações, bem como as localidades consideradas relevantes para estarem em cena e as temáticas tipicamente recorrentes. A partir do uso de conceitos como footing, enquadramento (Goffman), mundo da vida, relevância e tipificações (Schutz), notamos que determinadas generalizações prevalecem ao se tratar da identidade regional. Porém, algumas rupturas foram notadas – como o papel da mulher em cena, desvinculado de tarefas domésticas.

PALAVRAS-CHAVE: Mineiridade; Programas regionais; Fenomenologia Social; Enquadramento; Relevância

ABSTRACT

This article is an analytic exercise based on three regional TV programs that broadcast mining identity in different channels. We collect theories from Social Phenomenology, by Alfred Schutz, and theoretical contributions from Erving Goffman, and develop an analysis focused in the personal frame in each TV program, the most important locations to put in scene, and the recurrent themes. Using concepts like footing, frame analysis (Goffman), life world, relevance and typifications (Schutz), we observed that some generalizations prevail about regional identity. But, some ruptures were observed – like the woman’s representation at scene, dissociated from domestic works.

KEYWORDS: Mining identity; Regional TV programs; Social Phenomenology; Frame analysis; Relevance

1 Trabalho apresentado no GT Processos Sociais e Práticas Comunicativas.2 Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais; [email protected].

VIII Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Geraishttps://ecomig2015.wordpress.com/ | [email protected]

1. Introdução

No presente trabalho, pretende-se articular os conceitos de relevância social,

tipificação e mundo da vida, tratados pela fenomenologia sociológica de Alfred Schutz, às

ideias de enquadramento e footing defendidas por Erving Goffman. Assim sendo,

intenciona-se evidenciar como programas de caráter regional produzem relatos sobre a

identidade mineira a partir de escolhas que julgam ser relevantes e, por tal razão, passam a

ser enquadradas na TV. Para tanto, valeremo-nos da análise de 3 atrações regionais (Terra

de Minas, da TV Globo Minas, Bem Cultural, da Rede Minas, e Triângulo das Geraes3,

produzido por produtora independente e exibido no canal por assinatura Cine Brasil TV),

responsáveis por difundir construtos acerca do “ser mineiro”. Para efetivar a análise, foi

selecionada 1 edição de cada um dos referidos programas, exibidos à semana de 15 de abril

de 2015 (data elencada de modo aleatório, apenas por conta do início desta pesquisa), e que

estivessem disponibilizados no site das emissoras. Desse modo, nossa intenção é verificar

se os enquadramentos midiáticos perpassam pelas mesmas diretrizes, apesar dos programas

serem produzidos por emissoras de naturezas distintas (comercial, pública e canal por

assinatura).

Nesta proposta, portanto, o foco analítico se sustenta na seguinte indagação: com

base nos pressupostos de Alfred Schutz e Erving Goffman, quais aspectos da identidade

mineira são considerados relevantes a ponto de serem enquadrados e difundidos por

programas televisivos de cunho regionalista? Antes, porém, discorremos sobre os autores e

suas respectivas contribuições teóricas utilizadas neste trabalho.

2. Alfred Schutz e a Fenomenologia Social: reconhecimento do mundo da vida

Alfred Schutz não fora um acadêmico tradicional e por pouco tempo se dedicou

exclusivamente a esse universo. Nascido em Viena, na Áustria, o estudioso se exilou em

Paris e depois em Nova York, onde se firmou como banqueiro, em 1939 (CORREIA,

2005). A partir de então, começou a se empenhar numa vida duplamente orientada, pois

não se afastou de seu trabalho burocrático enquanto realizava seus escritos (de caráter 3 O programa Terra de Minas só está disponibilizado integralmente para assinantes. Quanto aos outros:

Bem Cultural: (bloco 1: https://www.youtube.com/watch?v=rrgqe8jrubE e bloco 2: https://www.youtube.com/watch?v=bB1Pj4aIbhs;

Triângulo das Geraes: (https://www.youtube.com/watch?v=5LK-jcc8u_M). VIII Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais

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ensaístico, mas embasados em termos teóricos). Por este motivo, passou a ser caracterizado

por Husserl, com quem se comunicava através de cartas, como um “banqueiro de dia e

fenomenólogo de noite” (CORREIA, 2005, p. 31).

As análises de Alfred Schutz perpassam pelos estudos predecessores de dois

importantes nomes: Edmund Husserl e Max Weber. Do primeiro advêm as noções de se

colocar o mundo exterior entre parênteses e, conforme bem explicita Correa (2005, p. 47),

“o que é colocado entre parênteses é a dúvida de que o mundo e seus objetos possam ser

diferentes de como aparecem”, enquanto do segundo são trazidas as contribuições da ordem

sociológica, pontuando que a atitude humana só se configura enquanto ação quando os

sujeitos conferem a ela um significado. Nesse sentido, a obra de Schutz pode ser

interpretada como uma síntese dos trabalhos dos dois referidos autores, a ponto de

condensar o que, para ele, poderia ser apontado como fundamental dentro do pensamento

destes estudiosos. Contudo, a obra de Schutz é também influenciada pelos pragmatistas da

Escola de Chicago, com destaque para Williams James, interessado em analisar interações

sociais e relações estabelecidas entre os sujeitos (GARCÍA, 2010), num processo de

intersubjetividade.

O conceito de intersubjetividade de Schutz remete ao entendimento de que os

indivíduos se colocam em interação com outros sujeitos no mundo da vida, ou seja, existe

um lugar em que o cruzamento dos sujeitos se configura. Este lugar não é da ordem do

individual, e sim da esfera coletiva, onde o social se expressa. Nesse mundo do senso

comum é que se manifestam elementos culturais e históricos, que fazem parte do

conhecimento familiar dos indivíduos. Tal conhecimento é “transmitido por outros sujeitos

que ensinam seus semelhantes a definir o ambiente, a significar o seu redor.” (GARCÍA,

2010, p. 228). Por esta razão, podemos considerar que, para a fenomenologia, a interação

com o outro é o mote central de suas pontuações. Na visão fenomenológica, a realidade é

resultado de uma construção coletiva, reflexo das interações ocorridas entre sujeitos. A

realidade, sob este ponto de vista, é socialmente arquitetada, a partir das ações interpessoais

praticadas pelos indivíduos.

É no contato com o outro que estabelecemos parâmetros sobre a realidade, sobre o

mundo da vida que nos cerca e orienta nosso posicionamento social. Assim, o VIII Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais

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conhecimento transmitido por outros indivíduos constrói nossa percepção acerca dos

elementos ao nosso entorno. É por isso que não questionamos categorias padronizadas

coletivamente – por exemplo, não precisamos duvidar constantemente do que representa a

figura de um médico em nossa sociedade, pois temos preconcebido o lugar de protetor da

vida, dentre outros atributos relegados a tal profissional. O mundo da vida é a realidade já

conhecida, que não nos eleva à condição da dúvida. É o mundo da vida cotidiana que

“existia muito antes do nosso nascimento, vivenciado e interpretado por outros, nossos

predecessores, como um mundo organizado” (SCHUTZ, 1979, p. 72).

Mesmo com o mundo da vida nos acondicionando a certezas epistemológicas, para

o pesquisador fenomenológico, é preciso romper com a previsibilidade das situações e se

articular de modo a observar a realidade, questionando-a. Ao vislumbrar o real, o estudioso

deve se valer da redução fenomenológica, proposta por Husserl: colocar o mundo da vida

entre parênteses. Em outras palavras, distanciar-se dos valores e pressupostos enraizados

nos sujeitos a fim de visualizar a origem dos fenômenos e entender como se processa a

construção dos significados antes de se tornarem como dados em si. Essa vertente de

análise se tornou elementar para estudos subsequentes a Schutz e um grande exemplar é a

obra A construção social da realidade, de Berger e Luckmann, que também apresenta a

realidade da vida cotidiana como “um mundo intersubjetivo, um mundo de que participo

juntamente com outros homens” (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 40).

Dentre os conceitos de Schutz, além do mundo da vida, as noções de relevância e

tipificação são fundamentais para apreendermos a maneira como se organizam os discursos

midiáticos acerca da realidade que nos circunscreve.

2.1. Relevância e tipificação

Schutz afirma que “um sistema de relevâncias e tipificações tal como existe em

qualquer momento histórico é ele próprio uma parte da herança social transmitida aos

membros do grupo interno no processo educacional” (SCHUTZ, 1979, p. 119). Assim, é

através das categorizações criadas pela sociedade a qual pertencemos que somos instruídos

acerca da realidade que nos rodeia, do mundo da vida que nos cerca. O autor aponta para a

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existência de quatro regiões de relevância: a primeira delas é onde se podem materializar

nossos projetos, é a instância que se coloca a nosso alcance e pode ser por nós moldada; a

segunda diz respeito a zonas interligadas à primeira, que não estão ao nosso alcance

imediato, mas com as quais mantemos familiaridade; a terceira contempla “zonas que, no

momento, não têm ligação com os interesses à mão” e, por isso, Schutz as denomina de

“relativamente irrelevantes” (SCHUTZ, 1979, p. 111); por fim, a quarta região abarca

questões “absolutamente irrelevantes”, nas palavras de Schutz, pois não se colocam como

ferramentas a serem utilizadas em nossos propósitos.

Os elementos considerados relevantes podem ser de natureza intrínseca ou com base

na imposição. O primeiro é da ordem das escolhas e interesses dos sujeitos que,

estabelecendo um objetivo, ficam automaticamente submetidos ao conjunto de fatores

determinados que se agregam ao elemento relevante. Contudo, podemos alterar nossa

escolha e romper com tais preconizações. Já as relevâncias impostas não são resultado de

nossas escolhas e devem ser absorvidas conforme nos são transmitidas. Estas são tidas

como questões que não se ligam a objetivos escolhidos por nós, porém podem se tornar

uma relevância intrínseca. (SCHUTZ, 1979).

Já tipificação, um dos conceitos centrais em Schutz, é onde se nota a retomada dos

tipos ideais pontuados por Max Weber. Tipificar os objetos ao nosso redor diz respeito à

estabilidade da qual nos valemos para experienciarmos o mundo da vida. Dito de outro

modo, os tipos são categorizações que orientam nossas experiências em relação à realidade

que nos circunda. Por esta razão, eles se consagram como elementos estáveis, dotados de

certa fixidez, de modo que “o que foi vivenciado na percepção real de um objeto é

aperceptivamente transferido para qualquer outro objeto semelhante, meramente percebido

como o seu tipo (SCHUTZ, 1979, p. 115).” Por outro lado, as tipologias não devem ser

entendidas como unidades estanques e imutáveis. Pelo contrário, a partir das experiências e

das situações concretas dos sujeitos, elas podem ser atualizadas em conformidade com as

experiências do porvir.

As tipificações podem ser vislumbradas à luz da mídia, haja vista a atuação dos

meios de comunicação sobre as generalizações da vida social. Assim, a mídia é capaz de

reproduzir determinados padrões do mundo da vida, reforçando ou rechaçando estereótipos. VIII Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais

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A atuação dos jornalistas é crucial nesse processo, pois eles são responsáveis por trabalhar

arquétipos/tipos da sociedade e difundi-los como naturais:

Os jornalistas são elementos essenciais na construção de imagens que só tem sentido insertas numa história exemplar em que colaboram todas as formas institucionais de narradores e o próprio público. A estrutura subjacente acaba por percorrer formas diversas de relato de modo a proporcionar a adesão ou a repulsa. As imagens funcionam como os arquétipos que se usam para criar esse relato, inserindo-o de modo articulado no conjunto de narrativas dominantes numa dada cultura. De acordo com esta estratégia, a sociedade cria imagens negativas e positivas mas inscreve-as na concepção relativamente natural da comunidade. (CORREA, 2005, p. 134)

Os sistemas de relevância e tipificação assumem diversas funções dentro do

contexto social. Um deles, todavia, diz respeito à transformação de ações individuais em

papéis sociais típicos – melhor dizendo, é o reconhecimento da postura que os indivíduos

devem assumir a depender das funções que exercem: o papel de pai, o papel de professor,

de agricultor. É por esse caminho que aproximamos as noções de Schutz com as

problemáticas teóricas desenvolvidas por Erving Goffmann.

3. Erving Goffman: enquadramento e footing na análise interativa

O canadense Erving Goffman foi um importante sociólogo que influenciou as

pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. É um dos herdeiros do Interacionismo

Simbólico preconizado pela Escola de Chicago. Suas contribuições teóricas refletem um

interesse profundo em dimensionar a vida em sociedade, a partir da cotidianidade (da

análise em nível microssociológico), entendendo os sujeitos a partir das relações

interpessoais que estabelecem no dia-a-dia. Assim sendo, é também notória a influência dos

preceitos da sociologia fenomenológica de Alfred Schutz na composição dos pilares

teóricos de Goffman.

A noção de enquadramento (frame) foi desenvolvida por Erving Goffman, partindo

de pressupostos teóricos iniciados por Gregory Bateson. O conceito tem sido bastante

explorado no campo dos estudos comunicacionais, a partir de apropriações que buscam

compreender a complexidade do processo comunicativo e as maneiras de estruturação do

conteúdo midiático. A noção de enquadramento remete a “princípios de organização que

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governam os acontecimentos – pelo menos os sociais – e nosso envolvimento subjetivo

neles” (GOFFMAN, 2012, p. 34). Dessa forma,

(...) tendemos a perceber os eventos e situações de acordo com enquadramentos que nos permitem responder à pergunta: “O que está ocorrendo aqui?”. Neste enfoque, enquadramentos são entendidos como marcos interpretativos mais gerais, construídos socialmente, que permitem às pessoas dar sentido aos eventos e às situações sociais. (PORTO, 2004, p. 78)

Antunes (2009), ao elaborar um panorama acerca da empregabilidade adquirida pelo

termo, afirma que os enquadramentos colaboram na organização das experiências de vida

dos sujeitos a partir dos sentidos que atribuem a elas. O autor cita alguns pesquisadores

que, imbuídos no trabalho de assimilação do conceito, aplicam-no à comunicação com

diferentes visadas. Uma delas é Anabela Carvalho, que dá as seguintes dimensões para o

uso de frame:A primeira trata dos enquadramentos como modalidades pelas quais os sujeitos organizam sua cognição do mundo. As informações fragmentárias que compõem a experiência social são significativamente organizadas a partir de esquemas de interpretação. Uma segunda concepção trata de frames como formas ligadas à estruturação do discurso, uma espécie de idéia de fundo que, a partir de determinados elementos postos em destaque, organiza a construção e interpretação dos textos. Por fim, frame tem também sido entendido como outra idéia de representações sociais, modelos sócio-culturais que organizam formas de pensamento sobre o mundo. (ANTUNES, 2009, p. 87)

Diretamente atrelado à noção de enquadre, está o conceito de footing, que diz do

“alinhamento, ou porte, ou posicionamento, ou postura, ou projeção pessoal do

participante” (GOFFMAN, 2002, p. 113) durante a dinâmica interativa. Como o próprio

autor afirma, a reorganização dos enquadres leva a uma consequente realocação dos

sujeitos na relação interpessoal, de modo que “uma mudança em nosso footing é um outro

modo de falar de uma mudança em nosso enquadre dos eventos” (GOFFMAN, 2002, p.

113). O conceito de footing trabalha como uma nova dimensão entre emissores e

receptores, rechaçando a vertente tradicionalista, já que os participantes do processo

interativo podem mudar de posicionamento ao longo da interação. São nos momentos de

fala que os sujeitos delimitam o turno a ser dado a seus papéis. Apesar de Goffman

ponderar acerca das interações face a face, valeremo-nos da ideia de footing e

enquadramento para tratarmos de interações midiáticas – no caso, a TV e seu público

regional – nas quais prevalece um interlocutor massificado imaginado.

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Pelas assertivas elencadas até aqui, percebe-se que tanto Schutz quanto Goffman

detêm suas ponderações na análise da vida cotidiana, de modo que a experiência social

interativa é o principal elemento norteador. Os programas selecionados se configuram

como construções simbólicas, recortes da realidade mineira operados pelas emissoras que

os produzem. As emissoras, entendidas como todos os agentes envolvidos no processo de

produção, elaboração, coleta e difusão da mensagem televisiva, proferem discursos

relativos ao “ser mineiro” a partir das escolhas temáticas, de enquadres e tipificações que

coloca em cena.

Portanto, para entrever de que maneira esses conceitos são articulados nos

programas regionais, faremos uma breve análise do conteúdo exibido pelas atrações. Na

tentativa de não incorrer sobre os frequentes erros que análises desta natureza cometem,

seguimos a recomendação de Porto (2004) e elencamos os elementos prioritários de nossa

análise. Dessa forma, atentamo-nos para os seguintes itens, que serão nossos operadores

metodológicos nesta análise de conteúdo: 1) temáticas abordadas; 2) ambientação

(localidades geográficas e cenários); 3) contagem e categorização das fontes, bem como o

tempo de fala concedido a cada categoria (trabalharemos com duas grandes categorias:

cidadão comum ou especialista detentor de um saber legitimado); 4) atividades pelas quais

as fontes são identificadas (profissão); e 5) participação dos gêneros (homem/mulher). Por

esta razão, situamo-nos nas análises que Mendonça e Simões (2012) classificam como

análises de conteúdo discursivo, mas buscamos referências do contexto sócio-cultural como

forma de embasamento.

4. Os quadros da mineiridade na TV: a relevância da identidade regional

No primeiro programa considerado, Triângulo das Geraes, foram abordadas duas

temáticas: a produção do queijo no estado e como ela está sendo reconfigurada conforme

novas diretrizes sanitárias; e a atuação de um luthier de Ouro Preto, que se utiliza de

materiais recicláveis para produzir instrumentos musicais.

Na primeira parte, o programa buscou mostrar como os produtores estão se

adaptando às leis sanitárias, que interferem nas próprias tradições de produção do queijo. A

fala da apresentadora Nara Sbreebow demarca a posição de destaque que o queijo ocupa

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dentre as tradições culturais do estado, sendo considerado um importante elemento da

história regional. Assim, a edição reafirma o lugar de relevância que o referido produto

ocupa no imaginário coletivo:

Apresentadora Triângulo das Geraes: Olá, vamos começar o programa de hoje falando de um alimento que é, bem dizer, sinônimo da mineiridade: o queijo. Estudiosos e trabalhadores (...) falam sobre este patrimônio imaterial e a luta para preservação do tradicional quarto de queijo.

Ao adentrarmos no conteúdo da primeira parte, identificamos que o programa se

vale de apenas duas fontes para conduzir a narrativa: uma historiadora e uma produtora de

queijo. Em termos absolutos, há uma equidade no número de fontes consultadas, dando a

entrever que a atração concede igualmente espaço para cidadãos comuns e membros do

saber legitimado. Porém, ao nível discursivo, o que se evidencia é uma discrepância entre o

tempo de fala dedicado à historiadora em detrimento da produtora rural: a primeira fonte

assume o lugar de fala durante 6 minutos, em média, enquanto a produtora tem apenas 2

minutos para proferir suas declarações. Além da distinção em termos de temporalidade, o

teor das falas das entrevistadas é marcado por divergências significativas. A historiadora é

um sujeito relevante dentro da narrativa por conta de sua autoridade científica, capaz de

agregar ao enredo uma série de informações relativas à evolução do queijo desde os seus

primórdios. Já a produtora rural é posta em cena para exemplificar as agruras que os

produtores enfrentaram para se adaptar às novas leis.

Vale destacar, ainda, que a edição, ao tratar do queijo, trouxe apenas mulheres para

o lugar de fala. Em se tratando de produtores rurais, por exemplo, a iniciativa do programa

é bastante significativa porque rompe com concepções tradicionalistas e patriarcais,

tipicamente interioranas, que alçam sempre o homem como o responsável pelo trabalho

rural, enquanto a mulher estaria subjugada aos afazeres domésticos.

A narrativa é totalmente construída num único local, identificado pela fala da

apresentadora como “região do Serro”. A região é considerada promissora no trabalho de

conservação e difusão do queijo enquanto patrimônio imaterial do estado, por isso é o

cenário escolhido para representar Minas Gerais. Em termos de locações, a narrativa se

desenrola num ambiente rural, possivelmente uma fazenda humilde, onde se visualizam

bois, cachorros e outros animais, enquanto as fontes são ouvidas. Outro aspecto

fundamental a se ressaltar é a localização igualitária das fontes: ambas, quando proferem

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suas falas, têm ao fundo a imagem de um ambiente rural (a historiadora parece ter ao fundo

a imagem de uma casa, enquanto a produtora rural parece ter ao fundo um curral). Desse

modo, o enquadramento que se dá à narrativa perpassa pela ideia de rural, reforçando

tipificações que atrelam o mineiro a zonas campesinas.

A segunda parte do programa conta apenas com uma fonte, pois se desenvolve no

formato de entrevista. Nessa parte, entrevistador e entrevistado estão de pé, lado a lado, no

próprio ambiente de trabalho do luthier. Este, por sua vez, cercado pelos objetos com os

quais trabalha, aponta para suas produções, toma-as nas mãos e esclarece sobre o processo

criativo. A cidade é Ouro Preto, mas a entrevista não é enquadrada sob o enfoque histórico-

religioso característico do local. Dessa maneira, a construção que se quis dar acerca da

mineiridade surgiu imbricada ao aspecto musical e criativo do luthier, alçando o mineiro ao

papel de sujeito inovador (neste caso, capaz de transformar materiais que iriam para o lixo

em instrumentos musicais). Outro ponto a se enfatizar é o espaço dado a um senhor,

aparentemente da terceira idade, negro, como sujeito representante da cultura mineira,

construída a partir do auge da mineração, numa época em que a escravidão imperava no

estado e, certamente, delimitou contornos étnicos dos moradores de Minas.

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Imagem 1: Os ambientes rurais e o “botar a mão na massa” prevaleceram nos enquadramentos do cidadão comum; no caso do luthier, ele aparece em seu próprio local de trabalho

Partindo para o segundo objeto de análise, o programa Terra de Minas,

identificamos duas temáticas centrais: a adaptação culinária da paella espanhola para se

transformar em paelha mineira; e a reprodução de obras de arte representando o Divino, um

símbolo religioso. A primeira reportagem trouxe a religiosidade para o centro da narrativa,

enquadrando o mineiro como um sujeito indissociável da esfera religiosa. Foram

entrevistadas 3 fontes, sendo duas delas artistas responsáveis pelas obras apresentadas no

ar, e a terceira fonte era a curadora/idealizadora da exposição. Dos cidadãos comuns, o

espaço de fala foi dado a um homem e uma mulher, mas, assim como no programa anterior,

não houve equidade no tempo de fala. O tempo dado à artista plástica foi de 14 segundos,

enquanto o artista visual discursou durante 41 segundos. Porém, foi a curadora que ocupou

o maior espaço de fala em cena, num total de 1 minuto e 40 segundos, além de ter sido a

única fonte mostrada transitando pelo cenário (o local onde a exposição acontecia)

enquanto proferia seus discursos. Dessa maneira, por ser a responsável pelo evento e estar

num posicionamento (footing) de autoridade, a reportagem apresentou-a em profundidade

em cena – ao passo que os artistas foram rapidamente focalizados em seus processos

criativos.

Em termos de ambientação, a reportagem é realizada em Congonhas, e o cenário

especificamente utilizado não é identificado, mas, conforme a dimensão visual que se

apreende dele, remete a uma casa de arquitetura tradicional, com grandes janelas azuis e

chão de madeira. A casa, pelo que se pode captar em termos de imagem, não está localizada

em área rural, e sim numa região em que é possível vislumbrar a presença de igrejas ao

redor. O forte apelo religioso é um enquadramento comumente dado a reportagens sobre o

estado. Neste caso, não houve a recorrência a igrejas como ambientação, mas a temática

religiosa esteve discursivamente presente na narrativa, reforçando que o mundo da vida

cotidiana mineira está arraigado ao aspecto religioso.

A segunda reportagem da edição mostrou a adaptação que cozinheiros de Araxá

desenvolveram para transformar a paella espanhola em paelha mineira. A principal fonte

entrevistada foi Juninho Lemos, vice-presidente do Clube dos Cozinheiros de Araxá, que

ocupou quase a totalidade da condução da narrativa. O repórter acompanhou o processo de

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produção da paelha mineira e, enquanto o prato era preparado, ele proferia questionamentos

ao entrevistado. Nesta parte, o formato entrevista prevaleceu, mas assim como ocorrido em

Triângulo das Geraes, ele não se estabeleceu dentro de estúdios ou seguindo indumentárias

típicas do telejornalismo: a entrevista ocorreu num ambiente aberto, numa espécie de

galpão que parecia ser uma área de lazer de uma propriedade rural. Os envolvidos –

repórter e cozinheiro – permaneceram o tempo todo de pé, em torno da grande peça onde se

preparava o prato. Em alguns instantes, até mesmo o repórter intervinha no processo e

auxiliava na feitura da paelha, alternando-se o footing e assumindo brevemente a posição de

autoridade na cozinha.

Além do entrevistado principal, foram ouvidas duas outras fontes, ao final da

reportagem: um médico e um empresário, assim identificados pelos geradores de

caracteres. Entretanto, a forma de identificação profissional não esteve atrelada aos

discursos que enunciaram. Pelo contrário, as duas últimas fontes apenas surgiram como

validadores do sabor do prato “mineirizado”, de modo que suas falas não acrescentavam

dados nem continham teor de autoridade – ao contrário do entrevistado principal, que era o

detentor do saber (por possuir o domínio culinário):

Vitor Manera (médico): Ficou excelente, ficou excelente a paella (...)

João Castela (empresário): Tá muito bom. Tá tudo bem equilibrado: sal, pimenta. Tá excelente. O gosto de todas as carnes. Tá muito, muito, muito gostoso e bem diferente da paella original, espanhola ou argentina, mas pro nosso paladar brasileiro, eu acho até melhor do que a original.

Ainda no início da reportagem, um escritor declamou um poema sobre Araxá. Por

ter domínio da história cultural da cidade, enquadramos o personagem na categoria dos

especialistas. E para efeitos de comparação, nesta parte do programa não houve nenhuma

mulher a ser entrevistada, o que contraria uma tipificação bastante arraigada ao imaginário

popular – o papel da mulher intrinsecamente vinculado à culinária. Neste caso, contudo, foi

um homem o responsável pela adaptação do prato e a reportagem não faz menção a

mulheres, dando a entender que o Clube dos Cozinheiros é majoritariamente composto por

homens.

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Imagem 2: Os populares são mostrados sentados, enquanto os detentores do saber estão de pé

Por fim, o terceiro programa analisado é um produto da Rede Minas e se intitula

Bem Cultural. Na referida edição, que recebeu o nome de “Mercados: cores e sabores”4, o

programa concede espaço a um único assunto: os processos de interação que se

estabelecem nos mercados populares e como é a vida de quem depende deles para

sobreviver. Há uma notória discrepância entre este programa e os outros analisados no que

concerne ao número de fontes entrevistadas. Ao todo, foram 17 fontes colocadas em cena,

proferindo discursos das mais variadas naturezas e duração. Dentre este total, 5 delas eram

estudiosos que ocupavam posições de destaque na narrativa, pois suas falas se

caracterizavam pela essência de transmissão de saberes acumulados – haja vista a presença

de uma socióloga e um geógrafo, por exemplo, a explicar como se dão as interações

populares nos mercados e a importância deles na socialização de indivíduos moradores de

áreas rurais.

Em se tratando de espaço de fala, os cidadãos comuns foram enquadrados de

maneira conjunta, em falas seqüenciais, tanto que a maioria de suas falas é visivelmente

curta – se comparada a dos estudiosos – e condensam um amontoado de declarações dadas 4 “Mercados: cores e sabores” é um especial composto por 4 programas. A edição aqui analisada foi a primeira parte exibida pelo Bem Cultural.

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por eles. Em termos temporais, portanto, a elevada quantidade de representantes do popular

não foi suficiente para atingir a mesma proporção cronológica dentro da narrativa, pois suas

falas ocuparam um tempo relativo a 5 minutos e 20 segundos, aproximadamente, enquanto

os detentores do saber totalizaram 5 minutos e 48 segundos, em média, apesar de

aparecerem numericamente em quantidade inferior.

Já em relação aos cenários, houve uma demarcação espacial bem clara: o primeiro

bloco se ambientou em Diamantina, e o segundo bloco teve locações no Vale do

Jequitinhonha. A escolha por uma região geográfica deslocada dos grandes centros e de

pouca expressividade no cenário estadual (em termos de representatividade econômica e

política, no caso do Vale) permitiu ao programa inovar nesse segmento e exibir um

enquadramento da realidade mineira que, geralmente, não adquire visibilidade. Já

Diamantina não foi enquadrada em termos de sua relevância histórica para o estado, apenas

dando a ver a forma de organização do mercado popular da cidade. Analisando

especificamente os cenários, Bem Cultural não rompeu com tipologias tradicionais acerca

do estado: focalizou estradas rurais, o caminhar de camponeses por tais estradas,

acompanhados por animais e charretes. Dessa forma, todas as vezes que os populares eram

alçados ao centro da narrativa, proferiam seus discursos a partir dos ambientes rurais ou dos

mercados onde interagiam. Os estudiosos, por sua vez, nunca eram mostrados no mercado:

a socióloga e o geógrafo foram entrevistados em estúdio, enquanto as outras fontes

legitimadas do saber apareciam em ambientes abertos rurais (mas nunca nos mercados,

como ocorria aos populares).

Quanto à temática, a colocação do mercado como eixo central da narrativa reforçou

a representação do estado fortemente atrelada à culinária. Além disso, quando se

enquadrava os populares em suas rotinas de trabalho (na lavoura, preparando a charrete ou

indo para o mercado), o que se pretendia transmitir como relevante acerca da cultura

mineira é o labor rural da vida no campo, marcada por dificuldades de transporte e pela

exacerbação do uso da força física. Mesmo assim, é importante salientar que o programa

deu lugar de fala para diversas mulheres trabalhadoras do campo, que não eram

representadas como donas-de-casa ou simplesmente mães de família, mas também como

mulheres que atuavam nos trabalhos rurais, assumindo o papel social de trabalhadora.

Assim sendo, a maneira de enquadrar a mulher nesta narrativa não se orientou a partir de

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uma concepção arcaica, apesar de conceder um tempo relativamente ínfimo para as falas

das mulheres comuns (se comparada com o tempo individual de fala da socióloga).

Imagem 3: Fontes especialistas entrevistadas em estúdio, enquanto o popular se expressa no mercado

Considerações finais

Os autores abordados neste trabalho não estabeleceram suas análises a partir de

ambientes midiáticos, como são as nossas sociedades contemporâneas. Goffman e Schutz

estiveram voltados para análises situacionistas, e não de cunho generalista ou que buscasse

dimensionar uma totalidade social. As considerações de Goffman sobre enquadramento,

por exemplo, não tinham como pretensão a análise de estruturas comunicativas complexas,

e sim um foco determinado nas interações rotineiras que orientam os indivíduos no mundo,

o chamado mundo da vida de Schutz. Nessa articulação entre os dois estudiosos,

interessados nas relações sociais como objeto de pesquisa, buscamos aplicá-las ao nível da

comunicação midiática, considerando a pertinência das teorizações de ambos para se

vislumbrar os recentes modos de comunicação mediados por suportes técnicos. Em nosso

caso, a TV foi o meio elencado e, com base em atrações específicas, apropriamo-nos dos

preceitos de enquadramento, footing, mundo da vida, relevância e tipificações para atualizá-VIII Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais

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los a partir de um breve exercício analítico do conteúdo midiático dos programas regionais

selecionados. A tabela a seguir é uma tentativa de tornar visualmente acessível as

ponderações obtidas nas análises dos programas, articuladas aos conceitos anteriormente

citados.

Temáticas Ambientes Fontes

Triângulo das Geraes

1) Adaptações sanitárias na produção do queijo;

2) Luthier produz instrumentos com materiais reciclados

1) região do Serro (fazenda/zona rural)

2) Ouro Preto (local de trabalho do luthier/zona urbana)

3 fontes no total =

2 cidadãos comuns (8min05seg)

1 especialista (6min15seg)

Divisão por gênero:

2 mulheres/ 1 homem

Terra de Minas

1) Obras de arte representam o Divino;

2) Paella espanhola transformada em paelha mineira

1) Congonhas (casa em arquitetura tradicional/ zona urbana)

2) Araxá (espécie de galpão/zona rural)

7 fontes no total =

4 cidadãos comuns (1min30seg)

3 especialistas (9min 10seg)

Divisão por gênero:

2 mulheres/ 5 homens

Bem Cultural

1) O mercado como ambiente de socialização

1) Diamantina e Vale do Jequitinhonha (mercados populares e ambientes rurais – lavouras, estradas, etc.)

17 fontes no total =

12 cidadãos comuns (5min20seg)

5 especialistas (5min48seg)

Divisão por gênero

6 mulheres/ 11 homens

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Desse modo, a partir das ponderações elencadas no decorrer deste trabalho,

podemos afirmar que a mídia é, de fato, uma importante instância produtora de sentido e

construtora da realidade social – no caso, da realidade regional. Cada uma das emissoras

selecionadas – através de seus respectivos programas – assumiu um lugar de representação

da cultura mineira a partir das escolhas discursivas que fez. Nesse sentido, em muitas

situações o que se percebeu foi um reforço de tipificações já amplamente difundidas entre o

imaginário mineiro, tais como a relevância que a culinária e a religião assumem nesta

sociedade em específico.

Porém, em se tratando de aspectos considerados relevantes pelas mídias em questão,

vale enfatizar que as escolhas temáticas, mesmo tendo seguido elementos tradicionais da

cultura regional, permitiram a construção de narrativas com peculiaridades que romperam

com possíveis elementos sedimentados em nossa cultura. O ponto mais significativo nesse

sentido é a presença das mulheres nas narrativas, assumindo lugares de relevância e se

posicionando (footing) discursivamente em papéis que fogem a estereótipos tradicionais.

As mulheres eram enquadradas como sociólogas, historiadoras, curadoras de arte (em

relação às fontes legitimadas), ou ainda como produtoras de queijo, feirantes, artesãs, artista

plástica e agricultoras (no âmbito das populares), mas não foram identificadas

(enquadradas) sob a esfera dos papéis de mãe, esposa, dona-de-casa, etc.

Por outro lado, as fontes populares sempre possuíam espaços menores de fala,

geralmente para reforçar e exemplificar o saber legitimado já transmitido por uma fonte

letrada. Nesse sentido, os programas demonstram que, em termos de relevância, preferem

dar voz ao saber institucional, mesmo quando abordam temáticas populares. Uma

significativa exceção foi a segunda reportagem do Terra de Minas, que alçou um popular

ao lugar de fonte detentora de saber, por conta dos ensinamentos culinários que transmitia.

Neste mesmo programa, o fato de um homem ser o transmissor do saber gastronômico

rompe com possíveis paradigmas culturais – geralmente encontrados em localidades

interioranas – que delegam à mulher o papel social de estar à frente da cozinha. Uma

situação similar se deu na edição estudada do Triângulo das Geraes, em que a voz

representante do popular era a de uma mulher produtora de queijo, de modo que o labor

rural não é enquadrado como espaço apenas do gênero masculino.

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Em síntese, intenciona-se afirmar que a construção da cultura mineira através dos

programas regionais não correspondeu, em sentido pleno, a generalizações comuns em

nosso estado – principalmente no interior. As fontes colocadas em cena, os ambientes e

cenários mostrados e as temáticas abordadas ajudaram a enquadrar outros aspectos da

realidade social mineira, tais como o papel da mulher e seu trabalho no campo, ou ainda a

relevância de áreas pouco abordadas no cenário regional (como o Vale do Jequitinhonha).

Por fim, ressaltamos que os aspectos aqui elencados não devem ser tomados como

assertivas definitivas para qualquer programa regional – nem mesmo aos próprios

programas consultados. O mundo da vida mineira, por seu turno, é bem mais amplo,

complexo e entremeado por inúmeros outros quadros que aqui não nos foi possível

ponderar. Não houve pretensão de se processar um recuo histórico das atrações, mas apenas

desenvolver um exercício analítico que pudesse sinalizar para possíveis recorrências de

aspectos relevantes enquadrados pelas emissoras que se prestam a falar do estado.

Consolidou-se, ainda, como uma alternativa para atualizar os conceitos de Schutz e

Goffman e salientar que, metodologicamente, eles seguem atuais e passíveis de serem

estudados em situações interativas midiáticas.

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