Upload
dongoc
View
216
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
EPEA 2001 - 1 de 13
Revista Educação: Teoria e Prática. Rio Claro: UNESP – Instituto de Biociências, Volume 9, número 16, 2001. (CD-Rom arquivo: tr62.pdf)
DIAGNOSTICANDO AS REPRESENTAÇÕES DE ESPÉCIES ANIMAIS POR CRIANÇAS DE PRÉ-ESCOLA PELA UTILIZAÇÃO DE ATIVIDADES LÚDICAS
COMO FERRAMENTA PARA ENTREVISTAS. Rodrigo Egydio Barreto UNESP Campus de Botucatu
Marília Freitas de Campos Tozoni Reis UNESP Campus de Botucatu
palavras-chave: Educação infantil; Educação ambiental; Animais Resumo: Este estudo teve como objetivo o diagnóstico das representações de crianças (~ 5
a 6 anos) em relação a alguns animais pela utilização de atividades lúdicas como método de entrevista. Os animais utilizados foram: tubarão, cobra, e aranha (grupo 1, considerados ruins pelo senso comum); e urso, peixe dourado, e golfinho (grupo 2, considerados bons). Diagnosticou-se que os animais do grupo 1 foram considerados ruins para o ser humano e os do grupo 2 bons, sugerindo possível convível harmônico com o ser humano. Ou seja, as crianças reproduzem o senso comum. O presente diagnóstico contribui para que se inicie a superação do conhecimento distorcido, que as crianças têm desses animais, pelo conhecimento científico desses. Essa meta é essencial para a preservação ambiental.
DIAGNOSING PRE-SCHOOL CHILDREN’S REPRESENTATIONS OF ANIMAL
SPECIES THROUGH THE USE OF LUDIC ACTIVITY AS AN INTERVIEWING TOOL
keywords: education of children; environmental education; animals Abstract: The objective of this study is to determine, using ludic activity as an interview method, five- and six-year-old children’s cognitive representations of certain animals. The animals dealt with were: sharks, snakes, and spiders in the first group (animals held by common sense to be harmful), and bears, goldfish, and dolphins in the second (animals generally perceived as being good). As a result of the survey, the authors determined that the animals of the first group were considered dangerous by the children, as opposed to the animals of the second, suggesting that the latter could possibly coexist peacefully with humans. These findings show that children faithfully reproduce common sense. However, the diagnosis also indicates the need to start a process of transforming children’s misconceptions of certain animals into scientifically sound notions, a process that is fundamental for the preservation of the environment.
Educação infantil: Conhecimento Científico X Senso Comum
Educação infantil consiste no trabalho educacional realizado com crianças de 0 a 6
anos, inserida ou não a um espaço de Creche ou Pré escola. Por sua vez, não deve
restringir-se a funcionar apenas com caráter assistencial, mas também educativo; pois pode
EPEA 2001 - 2 de 13
Revista Educação: Teoria e Prática. Rio Claro: UNESP – Instituto de Biociências, Volume 9, número 16, 2001. (CD-Rom arquivo: tr62.pdf)
desempenhar um papel social importante tanto na democratização da educação assim como
proporcionando condições concretas para o desenvolvimento infantil (Kramer, 1988).
A função primordial da educação infantil, no que diz respeito a aquisição de novos
conhecimentos, é o da valorização e ampliação dos conhecimentos. Relacionado-se à
realidade social e cultural, ao estágio de desenvolvimento, e ao mundo físico, biológico e
social no qual a criança está interagindo. Logicamente, estes conhecimentos devem ser, na
medida do possível, conhecimentos científicos. O intuito deve ser a superação do senso
comum.
Pode-se considerar que vários temas, termos e conceitos são definidos, utilizados e
compreendidos pela comunidade científica definindo assim esta gama de conhecimentos
como conceitos científicos, caracterizando assim um consenso. Por outro lado temos as
representações sociais consiste no senso comum sobre determinado tema ou conceito,
embutindo-se ainda os preconceitos, ideologias e características específicas das atividades
cotidiana dessas pessoas (Reigota, 1995).
Saviani (1991), refere-se ao senso comum como uma forma de conhecimento
desarticulado, que se constitui de elementos superficialmente explícitos caracterizados por
conceitos herdados da tradição ou veiculados pela concepção hegemônica e acolhidos sem
crítica.
Deve ser papel da educação extrair os pontos válidos do senso comum e modela-lo a
uma expressão científica da realidade. Para existir esta superação de concepções deve-se
partir de instrumentos lógico - metodológicos: a lógica dialética e a lógica formal, onde,
segundo Saviani (1991) consistem respectivamente no processo de construção do
pensamento concreto e no processo de construção da forma do pensamento, onde a lógica
concreta supera, por incorporação, a lógica formal. Porém ambas estão ligadas sendo
indispensável a passagem pela lógica formal para atingir o concreto, ou seja, a construção
do pensamento se desenvolveria a partir do empírico passando pelo abstrato atingindo o
concreto. Assim, o empírico e o abstrato são partes do processo do conhecimento (de
apropriação do concreto), que por sua vez é um momento do processo concreto, consistindo
um todo construído e em construção. Portanto a lógica dialética tem como causa a
internalização do real no pensamento.
EPEA 2001 - 3 de 13
Revista Educação: Teoria e Prática. Rio Claro: UNESP – Instituto de Biociências, Volume 9, número 16, 2001. (CD-Rom arquivo: tr62.pdf)
Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo diagnosticar as representações
de espécies de animais por alunos de pré-escola (conhecimento empírico) como ponto de
partida para a ampliação desses conhecimentos. Para esse diagnóstico utilizou-se atividades
lúdicas como método de entrevistas. As crianças entrevistadas, de ambos os sexos, tinham
entre 5 e 6 anos.
Estudando animais na pré-escola: os procedimentos metodológicos.
O diagnóstico empreendido compreendeu três etapas: a coleta de dados, a análise
dos dados e a sistematização do diagnóstico.
Este estudo foi realizado nos moldes de uma pesquisa qualitativa. Esta modalidade
de pesquisa parte de pressupostos não embasados em modelos experimentais e também
considera uma íntima relação entre o sujeito (o pesquisador) e o objeto (o pesquisado),
onde o pesquisador não se detêm a um mero relator passivo, mas mantém uma conduta
participante. A pesquisa qualitativa tem como uma das técnicas de coleta de dados as
entrevistas não diretivas (Chizzotti, 1991).
Neste estudo elaborou-se a coleta de dados para o diagnóstico a partir de entrevistas
não diretivas. Esta técnica de pesquisa permite colher informações baseadas no discurso
livre do entrevistado, possibilitando a expressão com clareza de suas experiências e,
comunicar suas representações e análises no contexto em que se realizam (Chizzotti, 1995).
Estas entrevistas foram organizadas no formato de atividades lúdicas por serem
características fundamentais das atividades infantis. Segundo Leontiev (1988), as crianças
pré escolares desenvolvem atividades caracterizadas por uma estrutura que o motivo está no
próprio processo, que é o ato de brincar. Este é o motivo pelo qual as entrevistas foram
organizadas em atividades lúdicas.
As atividades infantis utilizadas foram: rodas de história, pintura com tinta guache e
com lápis de cor e modelagem com massa. Além disso, outras atividades foram
desenvolvidas desvinculadas da coleta de dados, mas com objetivo de integração do grupo
com o pesquisador.
Os dados foram registrados nas histórias contadas pelas crianças, pelos desenhos
das crianças, por fotos e por anotações diárias, tanto em conversas formais quanto
informais com alunos da creche e com os professores.
EPEA 2001 - 4 de 13
Revista Educação: Teoria e Prática. Rio Claro: UNESP – Instituto de Biociências, Volume 9, número 16, 2001. (CD-Rom arquivo: tr62.pdf)
Totalizou-se nove encontros com as crianças, em um mês e meio. Desses apenas no
primeiro não houve coleta de dados, pois seu objetivo foi a integração com a professora e
com os alunos. Cada encontro durava de duas a quatro horas, dependendo de quanto tempo
durava a atividade de coleta de dados e as demais atividades lúdicas com caráter de
integração. Estas atividades de integração foram realizadas, em todos os nove encontros
pois acreditou-se necessário manter um bom relacionamento com as crianças para
condução ideal do estudo.
Para o diagnóstico utilizou-se, na coleta de dados, dois grupos de animais. Animais
que no senso comum possuem a imagem de prejudiciais aos seres humanos, principalmente
no mundo infantil, por serem agressivos (grupo 1); e animais que são tidos como “afável”,
“bondoso”, “meigo” (grupo 2). Pertencem ao grupo 1 os seguintes animais: tubarão,
serpente, aranha; e grupo 2: golfinho, peixe dourado (kinguio), urso.
Este princípio metodológico, partir dos conhecimentos das crianças para sua
ampliação, norteia a elaboração da contribuição deste estudo para superar o conhecimento
distorcido que as crianças têm de alguns animais.
O que as crianças dizem sobre os animais? – Organizando os resultados.
Ao longo das observações sobre a representação das espécies de animais pelas
crianças pode-se, de maneira geral, afirmar que as crianças reproduzem o senso comum
sobre as características deles. Dessa forma, aos animais do grupo 1 são atribuídos a
qualidade de “maus”, enquanto que para os do grupo 2 de “bons”. Essas considerações
prévias podem ser compreendidas na atividade relatada abaixo. A descrição a seguir
consiste da primeira atividade de coleta de dados do presente estudo e, este relato funciona
como um exemplo da situação geral de representação das espécies de animais pelas
crianças.
Atividade 1: Tubarão E Golfinho
Ao entrar na sala de aula os alunos começaram a perguntar várias coisas, entre elas,
algumas perguntas sobre histórias em quadrinhos, aproveitou-se a pergunta para propor a
atividade planejada para o dia, que era roda de história sobre tubarões e golfinhos. Assim
durante a conversa sobre quadrinhos, propôs-se fazer uma história também, com os animais
citados acima.
EPEA 2001 - 5 de 13
Revista Educação: Teoria e Prática. Rio Claro: UNESP – Instituto de Biociências, Volume 9, número 16, 2001. (CD-Rom arquivo: tr62.pdf)
Sugeriu-se que sentássemos em círculo e apresentou-se a eles uma foto de tubarão e
uma de golfinho. Em seguida perguntou-se sobre esses animais, para averiguar se já sabiam
algo. As perguntas foram sobre a cor, o tamanho, o habitat, e a alimentação desses animais.
As respostas obtidas foram satisfatórias pois a maioria delas estava correta, por exemplo:
Qual a cor do golfinho? “É cinza”. Existe de outra cor? “Sim, tem preto”. Onde
vive o tubarão e o golfinho? “ No mar.” Só no mar?
Não sabiam esta resposta. Porém não é uma pergunta simples, pois refere-se a
situações específicas da presença destes animais em água doce. Quando falou-se sobre a
alimentação do tubarão, citaram a presença de humanos como item alimentar, e esta foi a
única resposta incorreta do ponto de vista do conhecimento científico acerca deste animal.
Após a conversa sobre esses animais partiu-se para a confecção da história.
Primeiramente, indagou-se a eles sobre quais personagens iriam ser colocados na nossa
história, alem do tubarão e do golfinho. Escolheram então: o peixe, o homem, o menino, a
menina e a baleia (que não foi citada por eles na história) Ainda escolheram que a história
aconteceria no mar e que iria ter onda. Dando seqüência explicou-se como seria feito a
história: foi dito que cada um ia falar um pouco da história dizendo uma frase para
continuar o que o colega havia falado, assim começou-se a história pelo pesquisador, foi
dito: Era uma vez..., e na ordem que foi estabelecida, o próximo a falar, e assim por diante.
A história foi:
O TUBARÃO E O GOLFINHO
“O golfinho estava pulando na água.” (Larissa)
“O peixinho foi ver o golfinho pular.” (Mônica)
“O tubarão também estava pulando.” (Murilo)
“O tubarão comeu o peixe.” (André)
“O tubarão e o golfinho começaram a brigar.” (Talita)
“O golfinho ganhou a briga. E disse:
- Sai fora!!! Você parece um imbecil!!!” (Guilherme)
“O golfinho foi ver o peixe mergulhar.” (Gustavo)
“O homem nadava onde o tubarão estava e o menininho se afogava.” (Nikolas)
“O tubarão comeu o menininho e a menininha.” (Pedro)
“A onda levou o peixinho.” (Renam)
EPEA 2001 - 6 de 13
Revista Educação: Teoria e Prática. Rio Claro: UNESP – Instituto de Biociências, Volume 9, número 16, 2001. (CD-Rom arquivo: tr62.pdf)
Terminada a história, propôs-se que cada criança desenhasse uma frase da história
com lápis de cor. Aprovaram a atividade com empolgação, e em seguida cada um pegou
sua carteira e arrumaram a sala. Uma pergunta que faziam constantemente enquanto
estavam desenhando era se estava ficando bom o desenho. Para findar a atividade pediu-se
que trouxessem o desenho para mim conforme acabassem.
O que as crianças dizem X O que a ciência diz sobre os animais. – Interpretando os
resultados.
Para a análise das representações das crianças sobre os animais esse estudo discutiu
os dados referentes às representações observadas confrontando-os com dados da literatura
científica sobre estes animais. Nessa reflexão, sentiu-se a necessidade de abordar outros
tópicos da literatura científica, além das referentes aos animais. São eles: comportamento
agressivo e cadeia alimentar.
A luz solar é a fonte de energia que possibilita a vida na Terra, mas nenhum animal
tem a capacidade de absorver diretamente a luz solar, apenas as plantas. A seqüência de
organismos pelos quais esta energia passa desde que foi absorvida pelas plantas denomina-
se cadeia alimentar, porém a maioria dos organismos não se alimentam apenas de um único
tipo de organismo, assim falamos em rede ou teia alimentar, que é uma seqüência não
linear, mas unilateral. A cada passo de uma teia, da energia que foi absorvida por um
organismo, uma parte é transferida para o próximo. Então encontramos as plantas como os
primeiros organismos que compõe a cadeia e os últimos, pode-se dizer que são aqueles que
não são consumidos por nenhum outro (salvo situações especiais), por exemplo: o tubarão,
o golfinho, o homem.
Nos relatos das crianças sobre tubarões aparecem os humanos como item alimentar
da dieta desses animais, por exemplo: o aluno Pedro disse: “ O tubarão comeu o menininho
e a menininha.”. Quando compara-se golfinhos e tubarões, encontramos os tubarões como
animais ruins e os golfinhos como animais bons, por exemplo: a aluna Larissa disse: “O
golfinho é bonzinho. Ele é amiguinho, ele joga bola e ele não morde (referindo-se ao
tubarão)”. Nesta atividade tratavamos exclusivamente de tubarões e esta observação da
aluna apareceu espontaneamente. E ainda relacionando estes dois animais com os peixes, o
EPEA 2001 - 7 de 13
Revista Educação: Teoria e Prática. Rio Claro: UNESP – Instituto de Biociências, Volume 9, número 16, 2001. (CD-Rom arquivo: tr62.pdf)
golfinho aparece como um “amigo”, enquanto que os tubarões aparecem comendo os
peixes. Um exemplo que apareceu foi do aluno Gustavo, que disse: “O golfinho foi ver o
peixe mergulhar.” e o aluno André disse: “O tubarão comeu o peixe.”.
No entanto, segundo Gadig (1998) a alimentação dos tubarões é de
aproximadamente 70 a 80% de peixes, e o restante de invertebrados (como a lula e os
caranguejos), mamíferos marinhos (como as focas e alguns golfinhos pequenos). Podem
também se alimentar de outros tubarões, neste caso pode aparecer o canibalismo. Existe
tubarões sem dentes, que possuem em seu lugar barbatanas filtradoras, e estes se alimentam
exclusivamente de plâncton.
Pode-se notar que os seres humanos não aparecem na gama de alimentos presentes
na rede alimentar que os tubarões fazem parte.
Outros peixes podem ocupar o mesmo lugar do que o tubarão na cadeia alimentar,
porém pelo fato de serem muito pequenos ou não atacarem os humanos, passam
despercebidos. Muitos peixes ornamentais ou de piscicultura são agressivos, ocupam ou
não o topo da cadeia alimentar, porém são apreciados e não sofrem preconceitos. Por
exemplo: as donzelas, são peixes apreciados na aquariofilia. Segundo, Lowe-McConnell
(1995), as donzelas (Família Pomacentridae) herbívoras de recifes de coral, não ocupam o
topo da cadeia alimentar, e são muito agressivas. O peixe Gymnotus carapo (família
Gymnotoidae), é carnívoro, topo de cadeia alimentar, e interagem agressivamente em
situações de hierarquia social (Lissmann, 1958). A tilápia (Oreochromis niloticus),
apreciada em piscicultura, é herbívora e não ocupa o topo da cadeia alimentar, mas se
manifesta agressivamente em situações de interação social (Volpato & Fernandez, 1993).
Quanto aos golfinhos, se alimentam basicamente de peixe, porém podemos
encontrar em sua dieta crustáceos e moluscos. E em poucos tipos de golfinhos encontra-se
mamíferos (exemplo: focas) como item alimentar (Hetzel & Lodi, 1993). Segundo Pough et
al (1993) muitos golfinhos que são predadores de superfície, descem para regiões mais
profundas em busca de alimento, assim estes animais estão entre os vertebrados que são
considerados predadores vorazes que visitam estas regiões profundas.
O comportamento agressivo não é unitário, isto é, existem diferentes tipos de
agressão entre os animais, e cada um especificado pela situação em que ocorre. Exemplos
são o comportamento agressivo entre machos, a agressividade maternal e a predação. A
EPEA 2001 - 8 de 13
Revista Educação: Teoria e Prática. Rio Claro: UNESP – Instituto de Biociências, Volume 9, número 16, 2001. (CD-Rom arquivo: tr62.pdf)
defesa de um território está ligada a agressividade assim como o medo ou a impossibilidade
de fuga. Neste último caso o animal se vira e agride quem o ameaçar. Finalmente a
agressividade pode ser dita instrumental, desde que animais podem ser treinados ou
condicionados a tornarem-se agressivos (Palermo Neto, 1988). Por estas razões, não se
pode atribuir o comportamento agressivo a um animal em particular, este é um
comportamento presente em praticamente todos os animais, em qualquer posição da cadeia
alimentar. Desse modo, tubarões, golfinhos e muitos tipos de peixes, ou ainda qualquer
animal que é predador, tem comportamento agressivo nesta prática de busca de alimentos.
Além disso, um animal acuado, seja ele herbívoro ou carnívoro, pode se comportar
agressivamente. Então não podemos atribuir a agressividade, como causa única e principal,
de um ataque de tubarão, ou cobra por exemplo, a um ser humano.
Com relação à representação das crianças sobre as cobras, embora os estudos
científicos demonstrem que nem todas as cobras inoculam veneno, por ser esta uma
característica que pode representar risco aos humanos, torna-se muito evidente em relação
às demais características e acaba sendo generalizadas a todas as cobras. As crianças fizeram
modelagem de cobras fazendo alguma ação: apareceram cobras picando ou soltando
veneno em seres humano.
As cobras, segundo Pough et al (1993), possuem uma gama muito grande de
métodos para capturarem seus alimentos, deste modo, especializações morfológicas que
proporcionam estas ações. Algumas serpentes não possuem dentes, algumas possuem
dentes na parte posterior da mandíbula, outras possuem dentes inoculadores de veneno.
Cada tipo de dentição permite com que a cobra se alimente de determinados tipos de
alimentos. As cobras sem dentes comem ovos, as demais são predadoras. A maioria das
serpentes seguram a presa e a deglute, muitas vezes essas se debatem, representando um
risco real de injurias. Várias características das serpentes fornecem proteção contra a presa,
segundo Greene (1983), a constrição (o esmagamento) e a peçonha (o veneno)
correspondem a especializações que permitem a serpente manipularem as presas,
principalmente as presas grandes, com menos riscos de injúrias.
A função da inoculação de veneno para captura de presas, segundo a representação
das crianças, acaba ficando distorcida e passam a atribuir a função da inoculação para o
envenenamento de seres humanos.
EPEA 2001 - 9 de 13
Revista Educação: Teoria e Prática. Rio Claro: UNESP – Instituto de Biociências, Volume 9, número 16, 2001. (CD-Rom arquivo: tr62.pdf)
Quanto às aranhas, o conhecimento científico demonstra que elas não representam
muito perigo aos humanos. No entanto, assim como para as cobras, a característica da
inoculação de veneno foi generalizada pelas crianças a todas as aranhas, assim como a
distorção da função do veneno, de paralisar suas presas, atribuindo a função de
envenenamento de humanos. Estas informações podem ser ilustradas pelas citações de
alguns alunos, na qual as crianças desenharam aranhas fazendo alguma ação. Por exemplo:
o aluno Ivan disse “A aranha está soltando veneno no homem.”, e o aluno Pedro disse “A
aranha está soltando sangue na criança para mata-la, porque a aranha é brava.”.
As aranhas são predadoras e se alimentam praticamente de insetos, pouquíssimas
aranhas se alimentam de pequenos vertebrados. Algumas aranhas podem capturar suas
presas pelas teias, outras, que não as produzem, capturam suas presas ativamente. Assim
como as cobras, as aranhas também inoculam veneno nas suas presas para capturá-las. O
veneno da maioria das aranhas não causam maiores problemas para os humanos. As
aranhas que possuem venenos mais perigosos são as do gênero Latrodectus spp (viuvas
negras), cujo veneno é neurotóxico, mas raramente causa morte; as aranha dos gêneros
Loxosceles spp, Phoneutria spp, e Lycosa spp, possuem venenos proteolíticos que podem
causar necrose, raramente letal (Ruppert & Barnes, 1996).
Os ursos são tidos como animais “afáveis” ou “bondosos”. Pode-se ilustrar com a
citação da aluna Izabella: “O urso estava com o menino e a menina na casa da árvore.”
Pode sugerir um convívio harmônico do urso com um humano sem que este se manifeste
agonisticamente.
Os ursos são onívoros, ou seja, se alimentam de vegetais e animais. O urso polar é
uma exceção, é exclusivamente carnívoro e, o urso panda é exclusivamente herbívoro só se
alimenta de bambu. Os ursos ocupam o topo da cadeia alimentar e não possuem predadores.
São tidos como animais pacíficos, porém podem relacionar-se agressivamente (Nowak &
Paradiso, 1991).
Na literatura científica existem relatos de ataque de ursos a seres humanos, quando
são perturbados ou quando possuem seu território invadido (Nowak & Paradiso, 1991).
Comparando os ursos com os tubarões, ambos atacam os humanos em situações especiais,
que são raras. Todavia, para as crianças os tubarões são tidos como “monstros” e os ursos
não. Pode-se sugerir que esta representação tenha origem nas informações que os meios de
EPEA 2001 - 10 de 13
Revista Educação: Teoria e Prática. Rio Claro: UNESP – Instituto de Biociências, Volume 9, número 16, 2001. (CD-Rom arquivo: tr62.pdf)
comunicação trazem. Ao mesmo tempo que eles apresentam o filme Tubarão de Spilberg,
temos, por outro lado, o urso Zé Colmeia, ou ainda, ursos de pelúcia com feições
humanizadas e meigas. Pode-se observar pelas informações científicas sobre os animais
mencionadas anteriormente, que tanto os ursos quanto os tubarões se relacionam
agressivamente com o homem de forma semelhante. Mesmo assim, apresentaram neste
estudo distorções opostas, ou seja, o urso é “bom”, o tubarão é “mal”.
Um aspecto relevante para este estudo é o fato das crianças, em nenhum momento,
apresentarem resistência às atividades que foram propostas. As atividades constituíam uma
situação de novidade para as crianças. Segundo Nicolau (1985), a novidade tem um efeito
desafiador nas crianças da pré escola, e desse modo é uma maneira muito positiva para
despertar o interesse infantil. Também observou-se a importância para as crianças de
sugerirem encaminhamentos para as atividades, que é um modo de interagirem mais com
esta. Neste estudo isto ocorreu com freqüência em relação a organização da atividade
dentro da sala de aula, na qual os alunos sugeriam, por exemplo, qual material usaríamos
para realização da atividade. Observou-se que a participação efetiva e respeitada das
crianças na organização das atividades funcionou como elemento motivador da
aprendizagem.
Outra possibilidade que apareceu como importante para despertar o interesse das
crianças em relação às atividades foi a estimulação da curiosidade de conhecer o mundo, de
conhecer a realidade. Quando a criança quer conhecer algo isto deve ser abordado pela
escola, e também valorizado de modo a estimular o pensamento e a curiosidade. E uma
maneira prática para estimular a curiosidade e o pensamento é propor às crianças perguntas
que levam-nas a operarem mentalmente (Nicolau, 1985). Várias vezes, no desenvolver das
atividades deste estudo, as crianças foram estimuladas a pensarem pelas perguntas que
eram feitas nas conversas que antecediam as entrevistas com atividades lúdicas. As
perguntas feitas para avaliar o que as crianças sabiam sobre os golfinhos, pode ser um
exemplo deste procedimento. Entretanto observou-se que outra forma de estimular a
curiosidade e o pensamento das crianças foi a presença dos animais vivos na sala de aula.
Desse modo, ressalto a relevância que o material didático, concreto (vivo), pode
proporcionar na construção do conhecimento. Fato também observado no trabalho de
Weffort (1983) que sugere a comparação dos animais com as próprias crianças para a
EPEA 2001 - 11 de 13
Revista Educação: Teoria e Prática. Rio Claro: UNESP – Instituto de Biociências, Volume 9, número 16, 2001. (CD-Rom arquivo: tr62.pdf)
estimular a curiosidade e motivação para o conhecimento do mundo. Assim se está
respeitando o principio metodológico de partir do conhecimento que as crianças possuem
para sua ampliação. Weffort (1983) relata que ao estudar uma dissecação de uma cobra, as
crianças perceberam que as cobras possuíam alguns órgãos semelhantes.
A preocupação de interação com os alunos é fundamental para a aprendizagem, pois
o conhecimento vai resultar de trocas que se estabelecem na interação entre o meio (natural,
social, cultural) e o sujeito (aluno). Na fase de coleta de dados na Creche, observou-se a
importância da relação do pesquisador - educador. O professor é o mediador, desse modo, a
relação pedagógica consiste no provimento das condições em que professores e alunos
possam colaborar para fazer progredir essas trocas. O papel do professor como mediador é
insubstituível, porém a participação dos alunos é primordial. Deve ser papel do professor
adotar métodos de ensino que garantam a participação dos alunos, contextualizem os alunos
em um perfil sócio cultural e que valorizem o conhecimento prévio dos alunos (Libâneo,
1986; Coll & Solé, 1996).
No processo de mediação o professor deve se preocupar com a diretividade. A não
diretividade abandona os alunos a seus desejos, como se eles tivessem uma tendência
espontânea, natural, a alcançar os objetivos esperados da educação e do ensino. E a busca
do conhecimento não é uma tendência espontânea, natural, mas é decorrente das condições
de vida e do meio. Ser diretivo não significa impor coisas aos alunos, ser autoritário, e
exigir que esses aceitem como verdade absoluta o que o professor diz, como se os alunos
fossem desprovidos de qualquer conhecimento prévio, parcial. Ser diretivo significa
intervir para que os alunos acreditem em suas possibilidades, para ir mais longe, para
aumentar suas experiências, ou seja, proporcionar que os alunos superem sua visão inicial,
parcial por uma visão mais elaborada do conhecimento, é criar condições para garantir que
os sujeitos se apropriem do conhecimento. E tudo isso partindo do conhecimento da
realidade dos alunos sobre o conteúdo a ser conhecido (Libâneo, 1986).
Este estudo experimentou a mediação diretiva, nas rodas de história, nas sugestões
das atividades de desenho, pintura, etc. Nas atividades de histórias cada aluno falava uma
frase da história, para que esta procedesse de forma organizada e o maior número de dados
possíveis fossem coletados.
EPEA 2001 - 12 de 13
Revista Educação: Teoria e Prática. Rio Claro: UNESP – Instituto de Biociências, Volume 9, número 16, 2001. (CD-Rom arquivo: tr62.pdf)
Optar por uma educação infantil que atenda às peculiaridades físicas, psicológicas e
sociais das crianças, respeitando-as e favorecendo a sua livre expressão, é condição para
que elas interajam, participem e busquem novas maneiras de interagir com a realidade, até
para poder modifica-la. Desse modo, formar um indivíduo com uma mentalidade nova, um
ser crítico, é completamente possível desde a infância. As crianças estudadas demonstraram
ser totalmente receptivas a novos estímulos, a novas informações. Assim, é totalmente
possível o incentivo a valorização da vida e da preservação do meio ambiente com crianças
na educação infantil.
Referências bibliográficas
CHIZZOTTI, A. Da pesquisa qualitativa. In: CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências
humanas. São Paulo: Cortez, 1991. p. 66-106.
CHIZZOTTI, A. Entrevista não-diretiva. In: CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências
humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 1995. p. 92-95.
COLL, C. ; SOLÉ, I. A interação professor/aluno no processo de ensino e aprendizagem.
In: COLL,C. ; PALACIOS, J. ; MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico e educação
II. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p.281-297.
FERNANDES, M. O. ; VOLPATO,G. L. Heterogeneous growth in the Nile tilapia: social
stress and carbohydrate metabolism. Physiol. Behav., v.54, p.319-23, 1993
GADIG, O. B. F. Tubarões. São Paulo: Ática, 1998. 48p.
GREENE, H. W. Dietary correlates of the origin and radiation of snakes. Amer. Zool. v.23,
p.431-441, 1983
HETZEL, B., LODI, L. Baleias, Botos e Golfinho: guia de identificação para o Brasil. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. 279p.
KRAMER, S. O papel da pré escola pública: contribuição para um debate. In: SOUZA, S.J.
e, KRAMER, S. Educação ou tutela?: a criança de 0 a 6 anos. São Paulo: Loyola, 1988. p.
49-57.
LEONTIEV, A. N. Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. In: VIGOTSKI,
L.S. et al Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Cone, 1988. p. 119-
142.
EPEA 2001 - 13 de 13
Revista Educação: Teoria e Prática. Rio Claro: UNESP – Instituto de Biociências, Volume 9, número 16, 2001. (CD-Rom arquivo: tr62.pdf)
LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico social dos
conteúdos. São Paulo: Loyola, 1986. 149p.
LISSMANN, H. M. On the function and evolution of eletric organs in fish. Jour. of
Exper. Biol. v.35, p.156-91, 1958
LOWE-McCONNELL, R. H. Ecological studies in tropical fish communities.
Cambridge: Cambridge University Press, 1995. 382p.
NICOLAU, M. L. M. A educação pré-escolar: fundamentos e didática. São Paulo: Ática,
1985. 320p.
NOWAK, R. M. ; PARADISO, J. L., Walkers Mammals of the World. The Johns
Hopkins University Press: Baltimore and London, v. 2, p. 1083-1097, 1991.
PALERMO NETO, J. Considerações sobre a psiconeuroendocrinologia do comportamento
agressivo. Rev. Pesq. Méd., v.22(1), p.65-8, 1988
POUGH, F. H.; HEISER, J. B. ; MCFALAND, W. N. A vida dos vertebrados. São Paulo:
Atheneu, 1993. 839p.
REIGOTA, M. Meio ambiente e representação social. São Paulo: Cortez, 1995. 87p.
RUPPERT, E. E., BARNES, R. D. Quelicerados In: RUPPERT, E. E., BARNES, R. D.
Zoologia de invertebrados. São Paulo: Roca, 1996. p.599-651
SAVIANI, D. Introdução. In: SAVIANI, D. Do sens o comum a consciência filosófica.
São Paulo: Cortez, 1991. p. 9-15.
WEFFORT, M. F. A paixão de conhecer o mundo: relato de uma professora. Rio de
Janeiro: Paz e terra, 1983
Agradecimento: Os autores agradecem o Dr. G. L. Volpato pela confecção em inglês do
resumo; e o Dr. J. Buratini Jr. por sugestões no texto em inglês.
Departamento de Educação, IB, Unesp, Botucatu - SP – Brasil, 18618-000; Fone: (14)
68206251; Fax: (14) 68213744; E-mail: [email protected]