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Alfabetização, letramento e uma prática pedagógica sob a visão interacionista e
dialógica da linguagem1
Jaqueline Laís de Salles (UNIOESTE – Unioeste)2
Jaqueline de Alencar Schlindvein (UNIOESTE – Unioeste)3
Resumo: Na Região Oeste do Paraná, a educação ofertada nas redes municipais de ensino tem
como documento norteador das práticas linguageiras desenvolvidas em ambiente escolar o
Currículo Básico da AMOP (Associação dos Municípios do Oeste do Paraná). Este currículo,
interligando o proposto por Geraldi (1997), destaca que o primeiro compromisso político do
professor de Língua Portuguesa é promover o uso e domínio concreto da língua padrão por
parte dos alunos. Contudo, o professor, como mediador, deve possibilitar a seus alunos uma
nova visão de aprendizagem da língua padrão em sala de aula, de modo a focar na adequação
do uso da linguagem em diferentes contextos e atendendo a diferentes propósitos. O citado
currículo se pauta no conceito sociointeracionista e dialógico de linguagem, ou seja, da língua
como lugar de interação. Portanto, neste trabalho, apresenta-se um relato de uma proposta de
atividades para alunos em fase de alfabetização, entendendo-as como práticas de letramento,
que se enquadram nessa concepção de linguagem.
Palavras-chave: Interacionismo; Práticas Pedagógicas; Letramento; Alfabetização.
Abstract: In the West of Paraná (Brazil), the education offered in the municipal school systems
is guided, concerning the language practices developed in schools, by the Basic Curriculum of
AMOP (Association of the Municipalities of the West of Paraná). This curriculum, based on
Geraldi’s (1997) propositions, highlights that the first political commitment of the Portuguese
teacher is to promote the students’ use and real mastery of the standard language. However,
the teacher, as a mediator, should allow the students a new vision of learning the standard
language in the classroom, in order to focus on the adequacy of language use in different
contexts and for different purposes. The aforementioned curriculum is based on the socio-
interactionist and dialogical language conception, which conceives language as a place of
interaction. Therefore, in this paper, we present a report on a proposal of activities for students
in the literacy phase that fit into this conception of language, understanding these activities as
literacy practices.
Keywords: Interactionism; Pedagogical Practices; Literacy.
Introdução
Em nossa experiência com alunos em fase de alfabetização, tivemos a oportunidade de
vivenciar momentos significativos e de efetiva contribuição para a formação leitora-escritora
1 Trabalho desenvolvido sob orientação da Profa. Dra. Clarice Cristina Corbari, docente do Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu do Mestrado Profissional em Letras (Profletras), da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (Unioeste). 2 Graduada em Letras/Inglês pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Marechal
Cândido Rondon. e-mail: [email protected]. 3 Mestranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Mestrado Profissional em Letras (Profletras), da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Cascavel. e-mail: [email protected].
de nossos alunos, mas também pudemos verificar que, entre os problemas enfrentados na área
da educação, está o distanciamento da relação entre alfabetização e letramento. Essa
constatação vivenciada no âmbito escolar advém da percepção de que os alunos, muitas vezes,
não estão preparados para fazer uso da leitura e da escrita de forma efetiva nas práticas sociais
de seu cotidiano.
Por isso, este trabalho tem por objetivo discutir, ainda que brevemente, a relação entre
alfabetização e letramento, numa perspectiva de “alfabetizar letrando”, as concepções de
linguagem que permeiam o ensino de Língua Portuguesa e os princípios norteadores do
Currículo Básico da AMOP (2015), bem como apresentar um relato da aplicação de uma
proposta de atividade com base na perspectiva acima mencionada. Dessa forma, recorremos às
contribuições teóricas de autores como Travaglia (1996), Geraldi (1997), Soares (1998; 2003;
2004), Riolfi et al. (2008), entre outros, que permitem reflexões que auxiliam os professores
em sua tarefa de formação de alunos capazes de refletir sobre a forma como estão lendo e
escrevendo os textos em sala de aula e utilizar práticas efetivas de leitura e escrita em seu
cotidiano.
Portanto, este artigo se estrutura em: a) uma parte teórica, em que se abordam: o modo
como a alfabetização e o letramento se diferenciam, atuam e se interligam em contexto escolar;
as três concepções de linguagem que permeiam o ensino de língua materna e suas relações com
a alfabetização e o letramento; e o modo como o professor pode atuar como mediador nas
práticas desenvolvidas em ambiente escolar (GERALDI, 1997; RIOLFI et al., 2008;
OLIVEIRA; ANTUNES, 2013); e b) uma parte destinada a descrever uma proposta
sistematizada de leitura, produção e reescrita textual em uma turma multisseriada de 1º e 2º
anos do Ensino Fundamental, de uma escola municipal da Região Oeste do Paraná.
Discussão teórica
No contexto da educação básica brasileira atual, o objetivo da área de Língua
Portuguesa está voltado para propostas de ensino que auxiliem na formação de alunos
efetivamente leitores-escritores, que refazem continuamente seu sistema de referências e de
compreensão de mundo, e não meros reprodutores das ideias apresentadas pelo autor do texto.
Desse modo, para que esse entendimento se concretize em contexto escolar,
especialmente no início do processo de escolarização do aluno, atualmente, o conceito de
alfabetização vem sendo interligado ao de letramento, já que
o termo letramento, referenciado paralelamente à alfabetização, nomina o
estado ou a condição de quem faz uso da leitura e da escrita em suas práticas
sociais, pois não basta ao sujeito adquirir o código, é preciso que ele participe
das necessidades sociais exigidas pela leitura e pela escrita na sociedade atual
(AMOP, 2015, p. 103).
A educação ofertada nas redes municipais de ensino da Região Oeste do Paraná tem
como documento norteador das práticas escolares o Currículo Básico para a Escola Pública
Municipal elaborado pela Associação dos Municípios do Oeste do Paraná (AMOP), doravante
designado Currículo Básico da AMOP (2015). Nesse contexto, após discussões e análises dos
dados obtidos nos índices do IDEB, chegou-se à efetivação, no ano de 2015, de uma alteração
na forma como os conteúdos seriam abordados nesse currículo. Nesse sentido, “em relação aos
eixos da escrita/produção de texto, oralidade e variedade linguística, leitura, análise linguística
e reescrita, entendemos que não devem ser trabalhados separadamente, mas sim de forma
articulada, uma vez que um pressupõe o outro” (AMOP, 2015, p. 109).
O que se propõe no Currículo Básico da AMOP está interligado ao proposto por Geraldi
(1997), que destaca que o primeiro compromisso político do professor de Língua Portuguesa é
possibilitar o domínio efetivo da língua padrão e que, para isso, o ensino dessa disciplina deve
ser efetivamente uma proposta de formação crítica do discente e de uso e domínio concreto da
língua padrão, permeando três práticas:
leitura de textos; produção de textos e análise linguística. Essas práticas,
integradas no processo de ensino-aprendizagem, têm dois objetivos
interligados: a) tentar ultrapassar, apesar dos limites da escola, a
artificialidade que a institui na sala de aula quanto ao uso da linguagem; b)
possibilitar, pelo uso não-artificial da linguagem, o domínio efetivo da língua
padrão em sua modalidade oral e escrita (GERALDI, 1997, p. 88).
Assim, ao trabalhar sob os pressupostos do Currículo Básico da AMOP (2015) e de
Geraldi (1997) apresentados, o professor possibilita o enquadramento do ensino da Língua
Portuguesa em um contexto de interação entre todas suas áreas.
As concepções de linguagem e suas relações com a alfabetização e o letramento
Podemos estabelecer uma contextualização do ensino de Língua Portuguesa a partir de
três concepções de linguagem, pois
[...] o ensino do sistema da escrita, bem como o ensino de língua, relaciona-
se aos modos como o homem compreende a si mesmo, a linguagem, o
universo em que se situa, e disso decorrem as diferentes concepções de
linguagem, de língua, de ensino e de alfabetização que foram produzidas ao
longo da história (AMOP, 2015, p. 93).
Segundo Travaglia (1996) e Geraldi (1997), as três concepções de linguagem que se
destacam e influenciam a prática em sala de aula na atualidade são: a) a concepção de
linguagem como expressão do pensamento; b) a concepção de linguagem como instrumento
de comunicação; e c) a concepção sociointeracionista de linguagem.
Conforme os autores, na primeira concepção – linguagem como expressão do
pensamento –, o sujeito produz a linguagem no interior de sua mente. Trata-se de explicar a
linguagem com base no entendimento de que a enunciação se forma no psiquismo e se
exterioriza objetivamente a partir do uso de um código. Em outras palavras, nessa concepção,
a expressão (linguagem) constrói-se no interior e sua exteriorização configura-se em mera
tradução. Decorre dessa concepção a ideia de que, se o sujeito fala/escreve bem, com
logicidade, é porque é capaz de pensar – e, em contrapartida, se não consegue se expressar, é
porque não pensa.
Nessa concepção, a língua é vista como produto acabado, como sistema estável. O
ensino da língua, consequentemente, reflete-se na mera difusão da gramática normativa ou
prescritiva, que não possibilita a prática da leitura e da escrita de textos significativos para a
formação crítica e leitora dos alunos; ou seja, é o ensino da gramática completamente
descontextualizado. O ensino parte do pressuposto da aprendizagem, primeiramente, das “[...]
letras (primeiro as vogais, depois as consoantes), sílabas (das famílias silábicas simples às
complexas), palavras, frases e textos (ou pseudotextos), que deveriam ser memorizados, sem
que tivessem significado para a criança” (AMOP, 2015, p. 93). Consequentemente, na
perspectiva desta primeira concepção, que não incorpora ainda o conceito de letramento, a
alfabetização se pauta em métodos sintéticos.
A segunda concepção – linguagem como instrumento de comunicação –, de acordo com
Travaglia (1996) e Geraldi (1997), é a responsável por permitir ao falante adquirir o código
para transmitir a mensagem a outro sujeito; portanto, o falante se restringe a um destinatário
passivo, que deve apenas tentar compreender seu locutor.
A língua, nessa concepção, é considerada um fato objetivo externo à consciência
individual e independente desta; é um sistema abstrato de formas linguísticas, de caráter
estável, monolítico, imutável (TRAVAGLIA, 1996; GERALDI, 1997). No que se refere ao
ensino da língua, observa-se que essa concepção se pautava em “realizar descrição gramatical
de fragmentos textuais recortados principalmente do registro escrito [e] priorizavam-se
atividades que veiculavam modelos de estrutura gramatical” (AMOP, 2015, p. 93), acabando
por de deixar de lado o aluno-leitor e reforçando-se o estudo da gramática.
No contexto de difusão dessa segunda concepção, ainda não se discutia o conceito de
letramento, sendo a alfabetização baseada tanto em métodos analíticos quanto sintéticos:
Os métodos analíticos, assim como os sintéticos, compreendiam o processo
de alfabetização como aquisição do código gráfico (letras, vogais e
consoantes, juntando-se para formar sílabas e palavras), dissociado dos usos
sociais da língua. Ao se restringir o reconhecimento das letras como simples
tarefa de decodificação/codificação, produziam-se leituras e escritas
mecânicas, distanciadas dos sentidos (AMOP, 2015, p. 93, grifos nossos).
A terceira concepção de linguagem – a linguagem como forma de interação – emergiu
com o intuito de reformular a noção de aluno-sujeito e de ensino, tornando-se base fundamental
para a elaboração do currículo básico aqui mencionado. Nesta concepção, diferentemente das
outras, os sujeitos interagem socialmente mediados pela linguagem, pois a verdadeira
substância da linguagem é constituída pelo fenômeno social da interação verbal, realizada
através da enunciação (TRAVAGLIA, 1996; GERALDI, 1997). No conceito
sociointeracionista de linguagem, esta não é a expressão de nosso pensamento e nem somente
instrumento de comunicação, mas consiste na contínua tentativa de atender a nossos objetivos,
que são distintos em cada contexto histórico-social, por meio do estabelecimento de relações
sociodiscursivas. Assim,
é preciso considerar que as questões que envolvem o uso da língua não são
apenas de natureza linguística, mas cognitivas e sociais, uma vez que
dependem do contexto histórico e dos sujeitos que representam fatos sociais
por meio do discurso. [...] Ao interagir, os sujeitos produzem novos discursos
que são materializados em gêneros do discurso, internalizando valores sobre
o outro e sobre o mundo, (re)organizando o seu pensamento (AMOP, 2015,
p. 95).
Ao buscarmos integrar esse novo conceito de uso da língua em sala de aula, estaremos
lutando por mudanças significativas no processo de ensino-aprendizagem em todos os âmbitos
da Educação Básica de nosso país. Todavia, ao pensar em sujeitos que produzem significados
a partir dos contextos nos quais estão inseridos, verifica-se que
Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da
palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação
à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os
outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre
o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor
(BAKHTIN; VOLOCHINOV, 2006, p. 115, grifos dos autores).
Portanto, efeitvar o ensino da Língua Portuguesa sob essa concepção envolve refletir
sobre ações na escola que favoreçam a interação verbal e não apenas atividades de cunho
gramatical. Ainda, a alfabetização perpassa a decodificação e o entendimento da estrutura da
língua, e é nesse momento em que podemos perceber que a alfabetização está interligada ao
letramento, desde a aquisição inicial do código escrito.
Avaliar deste modo abrirá caminhos que nos levarão a um ensino que perpassa todas as
camadas sociais e contextos históricos e se adapta às atuais mudanças que estão se
manifestando, mudanças que mostram sujeitos capazes de dar sentido aos discursos que se
revelam a seu redor.
Alfabetização interligada à perspectiva do letramento
Para pensarmos a alfabetização interligada sob a perspectiva do letramento, precisamos
entender a diferença entre esses dois conceitos. Durante muito tempo, a alfabetização foi
entendida como mera aquisição de um código fundado na relação entre fonemas e grafemas.
Em uma sociedade constituída em grande parte por analfabetos e marcada por reduzidas
práticas de leitura e escrita, bastava o sujeito ter a simples consciência fonológica para associar
sons e letras e produzir/interpretar palavras e frases curtas para ser considerado alfabetizado.
Contudo, a crescente complexidade da sociedade implicou o surgimento de maiores e mais
variadas práticas de uso da língua, especialmente escrita, de forma que já não é mais suficiente
que o sujeito seja capaz de desenhar letras ou decifrar o código da leitura. É nesse contexto que
surge o conceito de letramento, introduzido no Brasil por Mary Kato (1986) e difundido
especialmente por meio dos estudos de Magda Soares (1998; 2003; 2004), entre outros autores.
Nas primeiras propostas sobre a diferenciação entre alfabetização e letramento,
evidencia-se que a alfabetização privilegia as relações estabelecidas pelos sistemas ortográfico
e alfabético e o sistema fonológico, e estas relações “devem ser objeto de instrução direta,
explícita e sistemática, com certa autonomia em relação ao desenvolvimento de práticas de
leitura e escrita” (SOARES, 2004, p. 14); ou seja, a entrada da criança no mundo da leitura e
da escrita acontece pela aquisição por parte dela do sistema convencional de escrita em si, da
identificação das letras e sons do alfabeto.
O letramento, em contrapartida, “veio suprir a necessidade de distinguir entre processos
em que haja somente a aprendizagem do sistema de escrita e processos em que o aprendiz é
capaz de utilizar sua leitura e escrita para a realização de práticas sociais” (OLIVEIRA;
ANTUNES, 2013, p. 66). Esse novo termo (letramento) revela que as relações não se instituem
especificadamente como objeto de ensino, na suposição de que o indivíduo seja “capaz de
descobrir por si mesma as relações fonema-grafema, em sua interação com material escrito e
por meio de experiências com práticas de leitura e de escrita” (SOARES, 2004, p. 14). Dessa
forma, por meio do desenvolvimento de capacidades de utilização do sistema alfabético e
fonológico nas práticas sociais, que envolvem atividades de leitura e de escrita, a criança se
ajusta à perspectiva do letramento, de maneira que a aprendizagem ocorra de forma implícita
e assistemática.
Contudo, no ambiente escolar, nas práticas de leitura especificamente, não podemos
dissociar um conceito do outro, pois isso seria um equívoco, já que esses dois processos
ocorrem de forma simultânea e interdependente em contexto escolar e fora dele:
[...] a alfabetização se desenvolve no contexto de e por meio de práticas
sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e
este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da/e por meio da
aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é, em dependência da
alfabetização (SOARES, 2003, p. 14, grifos do autor).
Em uma sociedade como a nossa, em que as práticas de leitura e escrita são abundantes,
a alfabetização é geralmente estimulada por práticas e eventos de letramento, como, por
exemplo, ouvir histórias, ver propagandas televisivas, observar cartazes, etc. No entanto,
indivíduos provenientes de comunidades analfabetas ou de meios com reduzidas práticas de
leitura e escrita podem apresentar baixo nível de letramento, de modo que esses sujeitos só têm
a oportunidade de vivenciar tais eventos por meio da escola, com o início do processo formal
de alfabetização. Como afirmam Tavares e Ferreira (2009, p. 258), “comunidades de baixo
poder aquisitivo e/ou de risco social são consideradas ‘meios iletrados’ por apresentarem
baixos níveis de rendimento escolar ou de competências de leitura e escrita”.
Oliveira e Antunes (2013) apresentam o conceito de “alfabetizar letrando”, ao
afirmarem que “crianças e adultos podem aprender a ler e a conhecer os sons que as letras
representam sem que se negligencie sua formação como leitores” (OLIVEIRA; ANTUNES,
2013, p. 66).
Assim, a alfabetização associada à perspectiva do letramento permite que a leitura e a
escrita a tenham um papel fundamental, pois estas permitirão que os sujeitos realizem,
constantemente, a reflexão sob os diferentes discursos presentes no ambiente em que
convivem.
Alfabetização e letramento: a mediação do professor e os desafios da atualidade
A partir de discussões feitas durante a disciplina de Alfabetização e Letramento, no
Mestrado Profissional em Letras, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, verifica-se,
diante das experiências mencionadas em âmbito escolar, a existência de algumas dificuldades
quando se propõe trabalhar sob a perspectiva da alfabetização aliada ao letramento: a) O
contexto no qual o aluno está inserido influencia no estado de alfabetização e letramento em
que ele se encontra; b) As crianças que têm acesso fora da escola a situações de letramento
estão propícias a se desenvolverem mais facilmente na escola; c) O processo de letramento e
alfabetização é longo; d) Letramento e alfabetização devem andar juntos, mas são processos
individuais que devem ser claros para um melhor desenvolvimento na educação; e) Os
mecanismos para sanar as dificuldades, hoje, precisariam ser focados para a melhoria do
trabalho docente; f) A alfabetização está, por vezes, sendo relegada do restante do processo.
Portanto, a partir das considerações feitas até o momento, podemos considerar que as
práticas de letramento antecedem a escola. No entanto, para que haja uma reflexão
sistematizada sobre a língua, a mediação do docente torna-se relevante. Ele será o instrumento
para que essa forma de olhar para a alfabetização e o letramento se concretize e haja uma maior
contribuição para ensino, visto que foi
a partir da chegada do termo “letramento” às escolas brasileiras, [que] o
ambiente escolar passou a demandar mais de seus alunos, pois já não basta a
habilidade de decodificar sons. A competência de compreensão e
interpretação de textos torna-se uma exigência. Portanto, é imprescindível a
inserção de um novo componente no processo de aquisição de leitura, a
mediação pedagógica (grifos nossos) (OLIVEIRA; ANTUNES, 2013, p. 66).
Ainda de acordo com Oliveira e Antunes (2013, p. 66-67), com o advento das
discussões sobre letramento, “[...] uma nova relação entre professor e aluno passou a ser
cultivada, assim como a formação de cidadãos participativos e preocupados com a
transformação e o aperfeiçoamento da sociedade”.
Assim, analisar o ensino aprendizagem sob essa perspectiva é compreender que há um
aluno-sujeito capaz de dar significados aos textos que circulam em seu meio a partir dos
contextos histórico e social no qual estão inseridos. Portanto, pensar no professor mediador
como facilitador no processo de compreensão da alfabetização e do letramento em âmbito
escolar é olhar para o aluno e entender que é preciso ter respeito à caminhada que ele já tem. E
é nesse sentido que a experiência que descrevemos neste artigo se apresenta como uma
sugestão, já que, da mesma forma que pontuam Oliveira e Antunes (2013, p. 74-75), “[...] não
temos aqui a intenção de elaborar uma receita pronta, rígida e imutável. Pelo contrário,
acreditamos que cada comunidade escolar e cada aluno têm suas particularidades que devem
ser consideradas e respeitadas”.
Dessa forma, partindo desses princípios, seguimos na perspectiva Geraldi (1997), que
enfatiza que o professor, na condição de mediador das aprendizagens do aluno, deveria se
importar em ensinar a língua e não somente a gramática em sala de aula, pois, ao ensinar a
língua, o docente possibilita que seus alunos conheçam, produzam e pratiquem a linguagem
em vez de apenas conhecê-la e reproduzi-la.
Metodologia do trabalho
Para o desenvolvimento deste trabalho, que segue uma abordagem qualitativa, partiu-
se, primeiramente, de revisão bibliográfica sobre temas relacionados aos conceitos de
letramento e alfabetização e às concepções de linguagem que permeiam o ensino de Língua
Portuguesa. Também se pesquisou o Currículo Básico da AMOP (2015) com o objetivo de
verificar qual é a concepção de linguagem que guia o documento e quais são os princípios sobre
os quais deve se basear a educação nas séries iniciais na Região Oeste do Paraná. A aplicação
da proposta na escola, por sua vez, encaixa-se na pesquisa-ação, voltada para intervir na
realidade social. Os procedimentos utilizados para a elaboração e aplicação da proposta são
descritos ao longo do relato, na próxima seção.
Plano de intervenção
A escola em que a proposta de intervenção foi aplicada está localizada em meio rural,
em um município da Região Oeste do Paraná. Na escola, atualmente, há um total de 18 alunos,
seis professores (três professores de turma, um professor de Educação Física, um professor de
Artes e um professor que trabalha com as disciplinas de Educação Ambiental, Inglês e
Ciências) e uma merendeira que exerce também a função de zeladora. O profissional que atua
na direção do estabelecimento no período matutino é professora no período vespertino, não
havendo ninguém específico para trabalhar na parte pedagógica e na secretaria. A turma em
que o projeto foi aplicado foi a turma multisseriada, no ano de 2016, de 1º e 2º anos. Essa turma
era composta de nove alunos, todos moradores do campo.
Esta proposta de atividades foi sugerida pelo Caderno Pedagógico 1 – “Sequência
Didática”, da Amop (2015) e adaptada para turma, conforme as dificuldades encontradas no
decorrer da efetivação da prática em sala de aula.
A primeira semana de aplicação da proposta foi destinada à apresentação e às atividades
de reconhecimento do gênero discursivo “contos de fadas”. Realizou-se leitura de um texto
explicando o que seriam os contos de fadas e de onde eles surgiam. Além disso, o
encaminhamento consistiu em produzir uma pesquisa com os familiares (pais, irmãos e avós)
levantando histórias que eram ouvidas pelos membros da família durante a infância. Os alunos
foram questionados se as histórias eram contos de fadas ou histórias reais, tendo de justificar
suas respostas.
Os alunos foram informados de que a proposta final de produção textual seria uma nova
versão individual do conto de fadas da Chapeuzinho Vermelho. A partir das atividades e
leituras propostas, elaborar-se-ia um livro com as novas versões das histórias produzidas por
eles. Esse livro ficaria disponível na biblioteca para acesso dos demais alunos da instituição,
além de ser encaminhado para casa para que os discentes lessem as histórias junto de suas
famílias.
Na segunda semana, apresentou-se aos alunos o conto de fadas da Chapeuzinho
Vermelho e duas diferentes versões, sendo elas Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque, e
Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Bom, este último de autor desconhecido, mas facilmente
acessível na Internet. Foram elaboradas atividades tanto orais quanto escritas para a
identificação do gênero discursivo, objetivando levar os alunos ao entendimento de quem eram
os personagens dos textos, para quem estes textos eram escritos, o que se passou nas histórias,
quando e onde elas se passaram, com o intuito de contextualizar os alunos.
Ainda no percurso das atividades da segunda semana, houve a leitura de diferentes
outros tipos de contos de fadas para que os discentes pudessem perceber e contextualizar os
demais contos também, além de terem a oportunidade de se caracterizarem para dramatizarem,
em trios, as histórias lidas e trabalhadas e apresentarem a dramatização em sala de aula e depois
para os alunos das turmas de 4º e 5º anos.
Na terceira semana de atividades, os alunos produziram sua primeira versão da história
da Chapeuzinho Vermelho, com o auxílio da professora. Tendo a primeira versão, a professora
realizou leitura e correção individual de cada uma das histórias. Ao corrigir os textos, foi
possível listar as principais dificuldades dos alunos e seus principais erros ortográficos; tendo
esta lista em mãos, desenvolveu-se um trabalho na sala de informática, visando a ajudar os
alunos com as principais dificuldades ortográficas encontradas ao longo da atividade. Os alunos
puderam pesquisar as palavras escritas de forma correta na Internet e depois digitá-las no
programa Word. Além disso, utilizou-se o alfabeto móvel para que os alunos pudessem
identificar os sons corretos das letras e grafar as palavras corretamente.
Após essa atividade, foram realizadas as pinturas das ilustrações de cada história que
seriam utilizadas quando a versão final da história estivesse pronta. Encerrando os trabalhos da
terceira semana, a professora auxiliou os alunos na reescrita de suas primeiras versões da
história.
Na quarta e última semana, todas as histórias foram reunidas e organizadas para que
pudessem formar o livro. Em seguida, realizou-se um trabalho de escolha de uma capa para o
livro. Cada aluno ilustrou uma capa, as quais foram votadas por todos os alunos da escola e
professores, e o trabalho com a maior pontuação foi eleito para ilustrar a capa do livro da turma.
Estando o livro pronto, o trabalho de cada aluno, que até então apenas havia sido
mostrado à professora, passou a ser coletivo. Cada aluno apresentou oralmente sua história para
a turma. A partir dessa apresentação, o livro pôde ser levado para casa pelas crianças para que
a família pudesse ler as produções. Encerrando a sequência de atividades dessa produção
textual, a turma levou o livro para a biblioteca da escola.
Considerações finais
As reflexões feitas na fundamentação teórica deste trabalho e a realização da proposta
de atividades permitiram constatar que o sucesso de práticas pedagógicas de alfabetização e
letramento depende do esforço de todos os envolvidos na educação, desde o nível macro
(sistema de ensino, legisladores etc.) até o micro (equipe pedagógica, professores e comunidade
escolar). Os professores não conseguirão sozinhos fazer com que o ensino alcance resultados
gratificantes se não tiverem o apoio da equipe pedagógica e administrativa, da administração
pública e dos demais membros da sociedade.
Os professores têm o compromisso, enquanto mediadores, de possibilitar a seus alunos
uma nova percepção sob as questões sociais, culturais e históricas presentes na sociedade em
que eles estão inseridos. E as práticas de alfabetização associadas ao letramento apresentam-se
como uma ferramenta que permite ao professor mostrar a seus alunos um olhar diferenciado
para aquilo que o cerca. Por isso, nossa escolha de trabalho e elaboração de material pedagógico
sob esta visão de ensino.
Além disso, a partir das considerações teóricas e da proposta metodológica apresentada,
podemos perceber que as perspectivas da alfabetização (ligadas às atividades de identificação
aprendizagem da escrita) e do letramento (relacionadas às atividades em que os alunos puderam
efetivar a leitura e a escrita em práticas sociais) aprendidas foram trabalhadas
concomitantemente, pois uma auxiliou a outra para que houvesse êxito na finalização do
trabalho. Portanto, a teoria associada à prática permitiu com que contribuíssemos para a prática
com a atividade de realização da nova versão do conto da Chapeuzinho Vermelho.
Referências
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