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Diana da Veiga Mandelert REPETÊNCIA EM ESCOLAS DE PRESTÍGIO: quanto, quando e como Tese de Doutorado Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação do Departamento de Educação da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para obtenção do título de Doutor em Educação. Orientador: Profª Zaia Brandão Rio de Janeiro Junho de 2010

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Diana da Veiga Mandelert

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DE PRESTÍGIO:

quanto, quando e como

Tese de Doutorado

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Departamento de Educação da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para obtenção do título de Doutor em Educação. Orientador: Profª Zaia Brandão

Rio de Janeiro Junho de 2010

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Diana da Veiga Mandelert

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DE PRESTÍGIO: quanto, quando e como

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Educação do Departamento de Educação do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profª Zaia Brandão Orientadora

Departamento de Educação - PUC-Rio

Profª Isabel Alice Oswald Monteiro Lelis Departamento de Educação - PUC-Rio

Profª. Fatima Cristina de Mendonça Alves Departamento de Educação - PUC-Rio

Prof. Marcio da Costa

UFRJ

Profª. Maria Ligia de Oliveira Barbosa UFRJ

Prof. Paulo Fernando C. de Andrade Coordenador Setorial do Centro de

Teologia e Ciências Humanas

Rio de Janeiro, 21 de junho de 2010.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do orientador.

Diana da Veiga Mandelert

Graduou-se em Direito pela UERJ em 1992 e em Pedagogia pela PUC-Rio em 2002. Mestre em Educação pela PUC-Rio em 2005. Atualmente é pesquisadora do SOCED – Grupo de Pesquisa em Sociologia da Educação da PUC-Rio, coordenado pela professora Zaia Brandão.

Ficha Catalográfica

CDD: 370

Mandelert, Diana da Veiga Repetência em escolas de prestígio: quanto, quando e como / Diana da Veiga Mandelert ; orientadora: Zaia Brandão. – 2010. 158 f. : il. ; 30 cm Tese (doutorado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação, 2010. Inclui bibliografia 1. Educação – Teses. 2. Pedagogia da repetência. 3. Reprovação. 4. Camadas médias e altas. 5. Escolas de prestígio. 6. Capital cultural. I. Brandão, Zaia. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Educação. III. Título.

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Para minhas queridas: Gaby e Lilian.

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Agradecimentos À Zaia Brandão, professora e amiga: sem o seu apoio eu de fato não teria chegado ao fim. Às escolas estudadas com seus excelentes profissionais, pela confiança em terem aberto a instituição para mim. Aos meus filhos Sofia e Théo, amores incondicionais. A José Maurício Arruti pela leitura amorosa e cuidadosa, além de ter aceitado discutir em todos os momentos de angústias e dúvidas. Aos meus avós Fabio e Lygia queridos para sempre. Aos meus pais, Anna Maria e Jean Pierre por terem sido leitores fiéis. A todos os professores da Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio, especialmente Fátima Alves por ter participado do projeto desde o seu nascedouro com críticas e sugestões fundamentais e Isabel Lelis A todos os meus colegas da Pós-Graduação em Educação e do SOCED da PUC-Rio, em particular Jorge Cássio, Cristina Galvão, Glauco Aguiar e Hustana Vargas. À Marylink Kupferberg, Estevão Mandelert e Marcelo Versiani colaboradores fundamentais pela manutenção da minha sanidade mental. À Rosa Xavier Rodrigues, Débora Chagas e Joacir da Silva pelo apoio inestimável e funcionários do departamento de Educação sempre gentis e solícitos: Geneci, Janaína, Sandra, Nancy e Eduardo. À minha família Buziana: André Valverde, Rogério Fulgêncio, Mag Paletta, Luciana Ramos, Andrea Weinberg, Mario Salonikius, Vinícius, Mabel, Mila, Erik, Bruno e Rafael. Aos meus queridos de sempre: Clô e Flavio Franklin, Bernardo Mandelert e Valéria Celano, Fabiana Graça, Bel Osborne e Monica Urman. Ao CNPq, FAPERJ e à PUC-Rio, pela ajuda financeira recebida.

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Resumo

Mandelert, Diana da Veiga; Brandão, Zaia. Repetência em escolas de prestígio: Quanto, quando e como acontecem. Rio de Janeiro, 2010. 158p. Tese de Doutorado – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Esta pesquisa estudou o fenômeno da repetência em um contexto pouco

pesquisado– colégios de prestígio e camadas médias e altas. Apoiada em Revel

(1998), assumi como estratégia para o estudo o “jogo de escalas”. O trabalho se

divide em quatro partes que, em escalas diferentes, buscam analisar o fenômeno: na

sua magnitude e no processo concreto de reprovação. A primeira parte com os dados

do PISA de 2006 realizei uma comparação do risco de atraso escolar no Brasil com

outros três países: o México, a Argentina e a Colômbia, considerando o nível

socioeconômico e a dependência administrativa da escola, controlando os resultados

pelo desempenho dos estudantes em leitura. Vi que o risco de defasagem é muito

maior no Brasil do que nos outros países mesmo entre os alunos das camadas mais

altas. Na segunda parte construí um panorama do fluxo escolar em 15 escolas entre as

de maior pontuação pelo ranqueamento feito pelo Enem. Constatei que todas as

escolas reprovam seus alunos, mas que existem diferentes padrões de reprovação. Na

terceira parte do trabalho analisei a entrada e a saída dos alunos ao longo dos 11 anos

necessários para a formatura de uma geração em duas escolas de prestígio, fiz o que

chamei de ciclo de série. Observei que os níveis de reprovação têm dois pontos altos:

na 6ª e na 7ª série, e no 1º ano do ensino médio, praticamente inexiste a reprovação no

1º segmento do ensino fundamental. Para cada dez alunos que entram nessas escolas

apenas três se formam sem reprovações. A última parte do trabalho foi a observação

dos conselhos de classe de uma das escolas pesquisadas anteriormente. A enturmação

das turmas e a manutenção das médias em zona de corte favoreceram a possibilidade

de reprovar os alunos. No momento da avaliação final destaca-se a importância de um

tipo específico de envolvimento familiar e a melhor adequação dos alunos das

camadas médias no projeto de escolas de prestígio.

Palavras-chave: Pedagogia da repetência; reprovação; camadas médias e altas; escolas de prestígio; capital cultural.

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Abstract

Mandelert, Diana da Veiga; Brandão, Zaia. (Advisor) Repetition in prestige’s schools: amount, when and how they happen? Rio de Janeiro, 2010. 158p. Thesis - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

This dissertation analyzed the phenomenon of school failure in the light of an

under-studied context: that of prestigious schools and middle to upper and classes.

Based upon Revel (1998), we adopted the "game of scales" as our analytical strategy.

The dissertation is divided into four parts which, in different measures, endeavor to

study this phenomenon both in its magnitude and in the concrete process of school

failure, by means of a microanalysis. Beginning with the PISA 2006 data, we compared

the risk of being held back on probation in school in Brazil with that of three other

countries: Mexico, Argentina and Colombia, considering their socioeconomic status

and the schools’ management dependencies, using the students’ reading performance as

a control measure. We found that the risk of probation holdup is much higher in Brazil

than in other countries, even among students from high income social classes. In the

second part of this study we charted the school attendance flux in 15 schools amongst

those of highest standing in the Enem ranking. We found that all schools fail their

students, but that there are different failure standards. In the third part of this study we

sought to understand the entry and exit of students throughout the 11 years required for

one generation to graduate by examining two prestigious schools, and establishing what

we named a ‘Cycle series’. We observed that school failure levels reach their three

critical moments in the 6th and 7th grades, and that for the junior (1st) year of high

school, they are practically nonexistent in the first segment of basic education. For

every ten students entering these schools, only three graduate without ever failing a

grade. The last part of this study was the observation of student evaluation board

meetings in the previously surveyed schools. Class composition and maintenance in

the cutoff section favored the possibility of failing students. Our final evaluation

highlights the importance of a specific sort of family involvement and how middle-

income students tend to fit in better with these prestigious schools’ projects.

Key-words:

Repetition; school failure; upper and middle classes; prestigious schools; cultural capital.

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Sumário 1. Introdução .................................................................................... 13

1.1. Desenhando o problema ....................................................... 13

1.2. Estudos sobre os efeitos da repetência ................................ 19

1.3. Estudos no Brasil sobre o modelo alternativo à reprovação:

as escolas em ciclos ........................................................................

24

1.4. Estudos sobre a repetência nas camadas médias e altas e

em escolas de prestígio ...................................................................

26

1.5. Perguntas e métodos ............................................................ 32 2. A Defasagem escolar em camadas altas no Pisa 2006: Brasil,

Colômbia, México e Argentina .........................................................

36

2.1. Objetivos ................................................................................... 36

2.2. Métodos e Dados ...................................................................... 37

2.3. Análise exploratória ................................................................... 40

2.4. Modelo de risco para a repetência ............................................ 41 3. Panorama da repetência em escolas de prestígio do Rio de

Janeiro ..............................................................................................

46

3.1. Objetivos e o Censo Escolar ..................................................... 46

3.2. Observações Gerais ................................................................. 48

3.3. As Escolas ................................................................................. 49

3.4. Considerações parciais ............................................................. 62 4. Escolas de prestígio: da qualidade à distinção ............................ 63

4.1. Objetivos ................................................................................... 63

4.2. Dados e Tratamento ................................................................. 64

4.3. Ciclos de Séries ........................................................................ 65

4.3.1. Recrutamentos de alunos ...................................................... 65

4.3.2. Ciclos dos alunos ................................................................... 67

4.4. Coorte de turma ........................................................................ 74

4.5. Alunos bolsistas ........................................................................ 77

4.6. Considerações parciais ............................................................. 78

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5. Apreciações e Mecanismo de Corte: conselhos consultivos ....... 80

5.1. Introdução ................................................................................. 80

5.2. Questões sobre a observação dos conselhos de classe .......... 81

5.3. Conselhos Consultivos e Conselhos Deliberativos ................... 84

5.3.1. Descrição geral das reuniões ................................................. 86

5.3.2. Diferenças entre os conselhos do 8º EF e do 1º EM ............. 87

5.4. Conselhos Consultivos .............................................................. 89

5.4.1. “Perfis das turmas” ................................................................. 89

5.4.2. Perfis dos alunos .................................................................... 93

5.4.3. Estratégias ............................................................................. 102

5.4.4. Zona de desconforto .............................................................. 107 6. Aprovações e Reprovações: conselhos deliberativos .................. 112

6.1. Descrição geral ......................................................................... 112

6.2. Uma escola menos “excludente” ............................................... 113

6.3. Matérias que reprovam e que não reprovam ............................ 115

6.3.1. Ensino Fundamental .............................................................. 116

6.3.2. Ensino Médio ......................................................................... 118

6.4. Conselhos pós-provas finais ..................................................... 121

6.4.1. Regras gerais ......................................................................... 121

6.4.2. Os resultados e as regras pontuais ....................................... 123

6.4.2.1. Ensino Fundamental ........................................................... 123

6.4.2.2. Ensino Médio ...................................................................... 127

6.5. Conselhos pós-recuperação ..................................................... 133

6.5.1. Ensino Fundamental .............................................................. 133

6.5.2. Ensino Médio ......................................................................... 134

6.6. Reprovações Benéficas ............................................................ 136

6.7. Transferências ........................................................................... 137

6.8. Considerações Parciais ............................................................ 138 7. Considerações Finais ................................................................. 142 8. Referências Bibliográficas ............................................................ 148 Anexos ............................................................................................. 156

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Lista de Quadros, Tabelas e Gráficos

Quadro 1 – Distribuição das tarefas de leitura, considerando os

processos de compreensão textual .................................................

39

Tabela 1 – Valores médios de desempenho em leitura segundo os

cinco aspectos avaliados .................................................................

39

Tabela 2 – Valores médios das características dos alunos ............. 40

Tabela 3 – Valores médios das características dos alunos

defasados e não defasados .............................................................

41

Tabela 4 – Parâmetros estimados pelos modelos de risco de estar

defasado ..........................................................................................

44

Tabela 5 – Dados da escola A1 comparados com os dados do

Censo Escolar de 2003 a 2005 ........................................................

47

Tabela 6 – Dados da escola A2 comparados com os dados do

Censo Escolar de 2003 a 2005 ........................................................

47

Tabela 7 – Taxa de repetência dos quatro ciclos da escola A1 ....... 69

Tabela 8 – Taxa de repetência dos quatro ciclos da escola A2 ....... 69

Tabela 9 – Frequência absoluta e relativa dos alunos da 1ª série e

dos concluintes em cada coorte da escola A1 .................................

74

Tabela 10 – Frequência absoluta e relativa da zona de moradia

dos alunos da coorte de 1997 da escola A1 conforme moradia na

1ª série e os concluintes ..................................................................

76

Tabela 11 – Número de alunos que não passaram por nota em

cada disciplina do 8º EF nos anos de 2008 e 2009 ........................

117

Tabela 12 – Número de alunos que não passaram por nota em

cada disciplina do 1º EM nos anos de 2008 e 2009 ........................

118

Tabela 13 – Resultados pós provas finais do 8º ano do ensino

fundamental de 2008 – diferença entre a nota alcançada e a nota

necessária ........................................................................................

124

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Tabela 14 – Resultados pós provas finais do 8º ano do ensino

fundamental de 2009 – diferença entre a nota alcançada e a nota

necessária ........................................................................................

125

Tabela 15 – Resultados pós- provas finais do 1º ano do ensino

médio de 2008 – diferença entre a nota alcançada e a nota

necessária ........................................................................................

128

Tabela 16 – Resultados pós- provas finais do 1º ano do ensino

médio de 2009 – diferença entre a nota alcançada e a nota

necessária ........................................................................................

129

Tabela 17 – Resultados pós-recuperação do 1º ano do ensino

médio de 2008 - diferença entre a nota alcançada e a nota

necessária ........................................................................................

134

Tabela 18 – Resultados pós-recuperação do 1º ano do ensino

médio de 2009 - diferença entre a nota alcançada e a nota

necessária ........................................................................................

135

Tabela 19 – Motivos dos pedidos de transferência do 8º EF e do

1º EM de 2008 e 2009 ......................................................................

138

Gráfico 1 – Taxa de não aprovação da escola A1 de 2003 a 2005 . 50

Gráfico 2 – Taxa de não aprovação da escola A2 de 2003 a 2005 . 51

Gráfico 3 – Taxa de não aprovação da escola A3 de 2003 a 2005 . 52

Gráfico 4 – Taxa de não aprovação da escola A4 de 2003 a 2005 . 52

Gráfico 5 – Taxa de não aprovação da escola A5 de 2003 a 2005 . 53

Gráfico 6 – Taxa de não aprovação da escola A6 de 2003 a 2005 . 54

Gráfico 7 – Taxa de não aprovação da escola B1 de 2003 a 2005 . 55

Gráfico 8 – Taxa de não aprovação da escola B2 de 2003 a 2005 . 55

Gráfico 9 – Taxa de não aprovação da escola B3 de 2003 a 2005 . 56

Gráfico 10 – Taxa de não aprovação da escola C1 de 2003 a 2005 57

Gráfico 11 – Taxa de não aprovação da escola D1 de 2003 a 2005 58

Gráfico 12 – Taxa de não aprovação da escola E1 de 2003 a 2005 59

Gráfico 13 – Taxa de não aprovação da escola F1 de 2003 a 2005 60

Gráfico 14 – Taxa de não aprovação da escola G1 de 2003 a 2005 61

Gráfico 15 – Taxa de não aprovação da escola G2 de 2003 a 2005 61

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Gráfico 16 – Número de alunos por série dos quatro ciclos de

série da escola A1 ............................................................................

66

Gráfico 17 – Número de alunos por série dos quatro ciclos de

série da escola A2 ............................................................................

67

Gráfico 18 – Consolidado dos quatro ciclos da Escola A1 com a

porcentagem na composição das séries ..........................................

68

Gráfico 19 – Consolidado dos quatro ciclos da Escola A2 com a

porcentagem na composição das séries ..........................................

68

Gráfico 20 – Consolidado dos quatro ciclos da Escola A1 e A2 com a

proporção e o número absoluto de alunos: concluintes, reprovados,

reprovados e transferidos no mesmo ano e dos transferidos ..............

70

Gráfico 21 – Médias das reprovações e transferências nos quatro

ciclos de série da escola A1 .............................................................

71

Gráfico 22 – Médias das reprovações e transferências nos quatro

ciclos de série da escola A2 .............................................................

72

Gráfico 23 – Consolidado dos quatro ciclos da Escola A1 e A2

com os alunos que foram reprovados e seus destinos ...................

73

Gráfico 24 – Coorte da turma de 1997 da escola A1 ....................... 75

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1 Introdução 1.1 Desenhando o problema

O tema da repetência é sabidamente antigo e de grande importância social

e política no Brasil. Desde a década de 20, quando houve movimentos mais

efetivos de implantação de um sistema público de ensino, até o estado da arte feito

no início da década de 80 (Brandão, Baeta e Rocha, 1983), os altos índices de

repetência mantiveram-se praticamente constantes, apesar de várias políticas de

correção de fluxo adotadas (Barreto e Mitrulis, 1999)1.

A partir de 1985 o tema da repetência sofreu uma alteração radical na sua

abordagem, quando uma série de artigos (Fletcher, 1985; Fletcher e Castro, 1986;

Costa Ribeiro, 1991; Klein e Ribeiro, 1991) mostrou que sua dimensão era ainda

maior do que a considerada até aquele momento.

Desde a década de sessenta estudos internacionais2 indicavam que as

estatísticas governamentais da América Latina não apuravam corretamente os

dados de fluxo escolar. A partir dessas críticas, pesquisadores das áreas de

estatística e economia começaram a questionar os dados oficiais brasileiros.

Esses artigos mudaram os rumos da política educacional brasileira. Até

aquele momento considerava-se que seus problemas, para além da qualidade do

ensino, estavam na falta de acesso, na evasão e na repetência, principalmente as

que ocorriam na 1ª série do ensino fundamental.

Neles mostrava-se que a repetência não era bem apurada, que a evasão era

superdimensionada e que a maior causa da evasão escolar era a repetência. A

argumentação avançava ainda dizendo, ao contrário do que se imaginava até

então, o problema do acesso à escola no Brasil estava praticamente resolvido3.

1 Pernambuco e São Paulo em 1968, e Santa Catarina em 1970. 2 Davis, Russel (1966); Schiefelbein, Ernesto (1975); Schielfelbein, Ernesto e Grossi, M.C. (1982) – apud Costa Ribeiro (1991) 3 Para ver o histórico dos artigos consultar: Ferraro (1999), Bonamino e Franco (1999), Gatti (2004).

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Essa mudança foi possível graças à utilização do modelo matemático

denominado de Profluxo. Este permitiu estimar vários índices sobre o fluxo

escolar utilizando dados demográficos das PNADs e dos Censo, em lugar dos

dados do Censo Escolar que eram menos precisos. Costa Ribeiro (1991)

demostrou que a evasão era mal calculada porque, dentre outras situações, o aluno

de 1ª série reprovado era considerado fora do sistema. No entanto, esse mesmo

aluno ou era matriculado como novo na própria escola ou matriculava-se em uma

nova escola. Em outras palavras, o aluno não abandonava a escola, ele continuava

inscrito na mesma série em outra escola, ou até na mesma com outra matrícula. Os

dados do Censo Escolar faziam com que houvesse mais alunos na primeira série

do que era possível, tendo em vista as coortes de idade à época. Segundo o estudo,

a evasão só ocorria após várias repetências, quando o aluno abandonava a escola

devido à precariedade das suas chances de concluir mais uma etapa do ensino,

fosse no nível fundamental, fosse no médio4.

De acordo com o modelo do Profluxo, observou-se que as taxas de evasão

eram muito baixas, que a cobertura de ensino da população em idade escolar era

de 93%, portanto maior do que a calculada na época e o problema no atraso do

início da escolarização não era tão grande quanto se imaginava.

Consequentemente, mais do que construir escolas, era necessário melhorar a

qualidade do ensino.

Costa Ribeiro adotou em outros artigos5 uma perspectiva histórico-cultural

e funcional para a discussão sobre a repetência no Brasil. Para o autor, as altas

taxas de repetência aconteciam porque existia um componente cultural na nossa

práxis pedagógica que se convertia em uma “pedagogia da repetência”. Esta,

portanto, não poderia ser atribuída às diferenças de “dons e aptidões” dos alunos

ou às suas “deficiências culturais”, interpretações que predominaram na educação

até a década de setenta. Segundo essa tese a reprovação estaria fortemente

integrada às práticas escolares.

4 Pesquisas internacionais também apontam para a repetência como um forte preditor de evasão escolar (Rumberger, 1995; Cairns, Cairns & Neckerman, 1989; Ensminger & Slusarick, 1992; Grissom & Shepard, 1989; Roderick, 1994, 1995, apud Jimerson, 2001). 5 Costa Ribeiro, 1993; 1994; Costa Ribeiro e Paiva, 1995.

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15

Não quero dizer com isso que no Brasil os desempenhos escolares dos

alunos oriundos das classes favorecidas é equivalente ao das classes

desfavorecidas. É claro que existe uma diferença enorme da duração dos estudos e

o nível atingido é substancialmente correlacionado à origem social do aluno. O

que ressalto é que a reprovação pode ser observada em todos os estratos sociais.

Podemos entender com isso que as altas taxas de repetência não são fruto apenas

da extrema desigualdade que o país apresenta. Costa Ribeiro afirma que “a

repetência não é privilégio da escola dos pobres e muito menos da escola pública”

(1991, 16). Ainda que muito pouco estudada, a repetência também acontece nas

escolas particulares e com alunos de camadas mais altas, só que de forma

diferenciada. Como mostram Mello Souza e Valle Silva (1994) usando dados da

PNAD de 1999, nas escolas particulares, as taxas de repetência são mais altas no

segundo segmento do ensino fundamental; e, na escola pública, no primeiro

segmento do ensino fundamental.

Por isso alguns autores passaram a considerar que a questão da repetência

assume no Brasil um contorno específico, pois ela não é um fenômeno meramente

classista, ainda que tenha um forte componente social (Costa Ribeiro, 1993, Costa

Ribeiro e Paiva, 1993). Costa Ribeiro afirma que a repetência constitui um

importante traço da nossa cultura pedagógica, pois:

Mesmo nas populações mais privilegiadas as taxas de repetência são sempre muito altas, o que faz supor que, mesmo aumentando a qualidade da instrução, as escolas aumentam simultaneamente seus critérios de promoção de série de tal forma que a repetência se mantém aproximadamente constante (Costa Ribeiro, 1991, p. 16).

A explicação histórico-cultural de Costa Ribeiro (1994) começa na nossa

origem colonial. Portugal não teria sido influenciado pelas revoluções liberais do

século XVIII que tinham um ideário de cidadania marcado pela “pregação

inédita” de uma universalização da educação. Pelo contrário, nossa educação teria

começado com os jesuítas (marcados pelos valores da Contrarreforma) e com

nosso modelo extrativista e de plantation. Nenhum dos dois preconizava ou

necessitava de uma população escolarizada. Ele afirma que esse processo foi se

atualizando no decorrer da nossa história por não termos um projeto de nação, em

que a população tivesse na escola a possibilidade de aprender os conteúdos

básicos para poder exercer a sua cidadania de forma plena. A sociedade brasileira

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caracteriza-se por ser patrimonialista6, e de status. Costa Ribeiro considera que tal

problema é provavelmente resultante de uma mentalidade “autoritária, imediatista

e individualista”, que se traduz na seleção feita pelo que ele chamou de

“pedagogia da repetência”.

A hipótese de que a repetência seja um traço cultural é corroborada por

Eisemon (1997). Este autor baseia sua hipótese nos estudos em que comparou as

taxas de repetência dos países africanos francófonos e anglófonos,

latinoamericanos e do sul da Ásia. De acordo com seus achados, a herança

educacional do período colonial ajuda a explicar as diferenças entre os países.

Assim, países africanos francófonos têm a tradição de equiparar seletividade com

altos padrões educacionais. Considera-se que um alto nível de reprovação

signifique rigor e altas expectativas de desempenho, ou seja, prova de qualidade.

Já nos países anglófonos, as altas taxas sugerem justamente o oposto: ineficiência,

maus professores, gestão e supervisão inadequadas.

Eisemon (ibid) entende que a repetência tem causas sistêmicas, isto é, altas

ou baixas taxas de repetência têm raízes culturais. Isto porque a repetência varia

enormemente de um país para outro em termos de incidência, causas e

consequências, ainda que exista a importância relativa da família ou da escola de

cada lugar (ibid, 33). Os países, inclusive, seguem padrões: naqueles em que as

taxas de repetência no nível primário são da ordem de 15%, no nível secundário

são acima de 10%; ao contrário, aqueles que apresentam baixas taxas no nível

primário, também têm baixas taxas no nível secundário. Mesmo no nível superior,

apesar de as taxas não serem sistematicamente colhidas nem divulgadas, o padrão

aparentemente se repete.

Considero, no entanto, que atribuir o fenômeno das altas taxas de

repetência a nossa origem colonial parece algo muito remoto. Não digo que não

haja influência, mas atribuir o que acontece hoje inteiramente a isso, enfraquece a

6 De acordo com Schwartzman (2006): “O uso do termo “patrimonialismo” nas ciências sociais tem sua origem nos trabalhos de Max Weber, e foi utilizado para caracterizar uma forma específica de dominação política tradicional, em que a administração pública é exercida como patrimônio privado do chefe político. Mas ela remonta à diferença estabelecida por Maquiavel entre duas formas fundamentais de organização da política, uma mais descentralizada, do “Príncipe e seus barões”, e outra mais centralizada, do “Príncipe e seus súditos”. No seu uso mais recente, o termo “patrimonialismo” costuma vir associado a outros como “clientelismo” e “populismo”, por oposição ao que seriam formas mais modernas, democráticas e racionais da gestão pública, também analisadas por Weber em termos do que ele denominou de “dominação racional-legal”, típica das democracias ocidentais.”

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meu ver esta interpretação. Até porque considerar a mentalidade autoritária

responsável pelos altos índices de reprovação inclusive das camadas médias e

altas parece ser pouco convincente.

Na perspectiva funcional, Costa Ribeiro e Paiva (1995) consideram que a

repetência serve também para transferir para o aluno a responsabilidade de uma

tarefa que é de todos: pais, professores e alunos. Isso porque, no Brasil, os

professores não se sentem integralmente responsáveis pelo aprendizado de todos

alunos. É o que constatou Earp (2006) no estudo de caso realizado em duas

escolas públicas do Rio de Janeiro. Baseada na perspectiva de Costa Ribeiro, a

pesquisadora procurou entender como a escola reproduz esse modelo de

repetência, ou seja, quais seriam as estruturas e os mecanismos escolares

responsáveis pela produção da repetência. A autora concluiu que, para além da

reprodução descrita por Bourdieu, os alunos são reprovados pelos professores

porque há uma lógica que os faz reprovar, e não porque os professores não saibam

ensinar. Observou que alguns alunos eram escolhidos para serem ensinados e

outros eram deixados à sua própria sorte. Por isso classificou os primeiros de

alunos do “centro” e os segundos, de “periferia”. Seus dados não lhe permitiram

estabelecer uma relação entre as condições sociais dos alunos e sua situação como

“centro” ou “periferia”. Existiam alunos nas duas categorias com condições

sociais mais elevadas e mais baixas.

Podemos dizer que a conclusão de Earp se aproxima da interpretação dada

por Costa Ribeiro para a existência de uma mentalidade na escola em que

considera que “não adianta ensinar aos alunos, pois eles não vão aprender” (1994,

19). Earp cita frases dos professores, nas quais eles dizem textualmente sobre os

alunos: “não sabem nada”, “não se interessam”, “não querem nada” e “não têm

jeito” (2006, 315).

Com relação às famílias, Costa Ribeiro e Paiva (1995) interpretam sua

atitude de aceitação desta forma:

Por outro lado, a violência simbólica da repetência em meios afeitos à violência física, na ausência de mecanismos de mediação (como a discussão com os pais sobre os efeitos da repetência e a dependência de sua concordância com o conceito a ser dado), reforça a cultura familiar da submissão e do conformismo. Talvez por isso, ela não é suficiente para afastar o aluno da escola; mas o é para a aceitação da vitimização. (1995,643)

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Com isso a explicação que seria culturalista por ser válida para toda a

sociedade nacional, revela-se, porém, novamente, classista. Pois seriam as

camadas populares que, por não se considerarem capazes de ajudar seus filhos,

aceitam o veredicto escolar por conformismo e submissão. A “cultura colonial”

que explica a opção pela reprovação se realizaria na forma de uma diferenciação

de segmentos de status, repondo a explicação que Bourdieu produziu a partir do

contexto francês, aclimatada ao Brasil.

A razão pela qual as camadas médias e altas aceitam a repetência de seus

filhos, ajudando a perpetuar esse sistema continua, portanto, sem uma explicação

aceitável. Existem poucos estudos no Brasil que analisam a repetência na escola

particular ou nas camadas mais altas da população. O que existe é um razoável

acervo de estudos e reflexões sobre a escolarização das camadas populares e sobre

as práticas pedagógicas nas escolas públicas. Costa Ribeiro (1991, 9), por

exemplo, assinala que “as teses e pesquisas realizadas nesta área raramente

mencionam a ordem de grandeza deste percentual nem o fato de ser alta, mesmo

nas camadas mais privilegiadas da população, seja por falta do dado ou por não o

considerarem relevante.” (grifo meu).

De fato, o conjunto de trabalhos sobre os processos de escolarização de

jovens de meios favorecidos é ainda bastante reduzido, tanto no Brasil quanto no

exterior, como já apontaram Nogueira (2004) e Cattani e Kieling (2007). Até

porque essa mudança do olhar da “desvantagem social para o privilégio” (Sirota,

2000) é razoavelmente nova na Sociologia da Educação.

Um esforço nessa direção tem sido feito pelo conjunto de trabalhos

desenvolvidos pelo SOCED7. Também digno de nota é o livro A escolarização

das elites (Almeida e Nogueira), publicado em 2002. Talvez a falta de interesse se

deva à crença consolidada de que a origem social é um fator de proteção do

fracasso escolar, isto é, de que jovens de camadas médias e altas estatisticamente

teriam menos probabilidades de ter problemas de desempenho escolar. De

qualquer forma, essa pauta mantém a teoria restrita ao corte de classe, quando na

verdade, a generalidade do fenômeno nos leva a pensar a uma explicação que seja

independente dessas variáveis.

7 SOCED - Grupo de Pesquisas em Sociologia da Educação, da PUC-Rio coordenado por Zaia Brandão.

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As notícias na mídia mostram a penetração desse consenso, tornado senso

comum e um raciocínio naturalizado quando versam quase exclusivamente sobre

as deficiências do ensino público e a superioridade do ensino privado8. Assim, a

escola particular, talvez por essa ausência de estudos sobre a questão, é para

muitos um lugar onde não há problemas, existindo, aqui no Brasil, a crença na

superioridade da escola particular em relação à pública (Brandão,1985).

Entretanto, como já apontamos anteriormente na escola privada, assim

como na escola pública o fenômeno da repetência também está presente. Como

podemos ver na reportagem da Folha de S.Paulo:

Um país que ostenta uma das maiores taxas de reprovação do mundo não poderia produzir outro resultado que não o revelado pela Datafolha: mais da metade (54%) dos jovens brasileiros já repetiu o ano na escola. Esse percentual é maior entre homens, nordestinos e mais pobres. O problema, porém, não é restrito a esses grupos. Quase metade (44%) dos jovens das classes A ou B, por exemplo, já repetiu. (Grifo meu. Folha de S.Paulo, Especial, 27/08/2008).

1.2 Estudos sobre os efeitos pedagógicos da repetência

Levando a expressão de Costa Ribeiro da “pedagogia da repetência” ao

limite, realizei uma revisão de literatura sobre a reprovação como uma medida

pedagógica. Considerei que a compreensão mais profunda do tema seria uma

importante colaboração para examinar a questão.

Seria a repetência escolar de fato uma boa solução para alunos com

desempenhos piores? Ainda que seja uma prática pedagógica bastante utilizada, a

discussão sobre a repetência escolar parece estar mais no centro de uma polêmica

do que discutida nas faculdades de Educação. Qual seria uma boa reprovação, ou,

como ouvi posteriormente na escola que foi objeto desta investigação, uma

“reprovação benéfica”? Seria a solução para um aluno que demonstrasse

8 PEREIRA, Gilson R. de M. e ANDRADE, Mª da Conceição, no trabalho intitulado Socioanálise de pré-noções no discurso jornalístico sobre educação, mostram a oposição entre o público e o privado, revelando a hierarquia de valores nas expressões utilizadas na matéria da revista Isto É (1633, 17/10/2001, p. 44-45): Privado: novidade, boa escolha, desafio, proposta lúdica, muito sucesso, programação nova e interessante, desenvolver o raciocínio. Público: salas lotadas, a chamada “recuperação”, ineficiente, repetência, imposição, não valoriza o aprendizado, sistema de reforço. (Trabalho publicado no CD-Rom da 26ª reunião anual da Anped – Novo Governo. Novas Políticas: o papel histórico da ANPEd na produção de políticas nacionais. Poços de Caldas, 2003).

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desconhecer o conteúdo de uma matéria? Seria uma boa opção quando fosse

percebida uma imaturidade do aluno? Com a reprovação o aluno repetente

realmente teria mais oportunidades de aprender do que o aluno promovido mesmo

com carências de aprendizagens?

Os estudos sobre os efeitos pedagógicos da repetência sobre o desempenho

escolar do aluno começaram a ser realizados no início do século XX. Na revisão

de literatura feita por Crahay (1996, 2006), foi feito o histórico das pesquisas com

alunos do ensino fundamental (excluindo o ensino médio). Os primeiros estudos

feitos nos Estados Unidos foram feitos realizando-se medições sobre o estado dos

conhecimentos e performances de um grupo de alunos com dificuldades escolares

antes e depois do ano repetido, inseridos em uma amostra maior de alunos. É o

que Crahay chamou de esquema “antes-pós” ou “pré-teste-pós-teste”. Apesar de

serem observados ganhos no desempenho, não era possível afirmar que os ganhos

haviam sido produzidos pela repetência e não pela maturidade dos alunos,

mudanças pedagógicas e/ou psicológicas, ou outros fatores. Esses estudos

apontaram para uma evolução desses alunos, mas sem que ficasse claro a qual

variável ou variáveis essa evolução seria devida.

Tendo em vista os limites no desenho desses estudos, os pesquisadores

passaram a adotar a metodologia “quase-experimental”, de acordo com a qual são

comparados dois grupos equivalentes: um sofre o “tratamento”, no caso a

repetência, e o outro, chamado grupo de controle, é promovido para a série

seguinte. Limitando-se aos estudos que obtiveram diferenças nos planos

estatísticos, Crahay, observou que das 27 pesquisas apenas duas concluíram a

favor da repetência no testes de conhecimento. No critério sobre escalas de

ajustamento social, das 104 análises 67 foram favoráveis aos alunos promovidos.

Posteriormente, utilizando a técnica da “meta-análise”, desenvolvida por

Glass (1977), de acordo com a qual é possível agregar os resultados de várias

pesquisas sobre um tema específico, Crahay descreveu o estudo feito por Holmes

e Mattews (1984) e o que se seguiu feito apenas por Holmes (1990). Eles

revisaram 650 pesquisas sobre repetência. Dessas apenas 44 foram consideradas

como dotadas do rigor metodológico necessário para a investigação,

principalmente no que tange à equivalência inicial do grupo experimental e do

grupo de controle em dimensões como testes de desempenho, nível

socioeconômico, gênero, série e outras. A conclusão a que chegaram, no estudo de

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1984, é de que os ganhos de conhecimento com a repetência são negativos e esses

resultados são muito consistentes.

Na meta-análise de 1990, com estudos longitudinais, Holmes fez dois tipos

de comparação:

• A primeira com alunos de mesma idade. Comparam os alunos que

foram reprovados com aqueles que foram promovidos, a despeito

de terem ambos os grupos um desempenho mais fraco.

• A segunda é a comparação entre alunos com o mesmo grau escolar.

No final do ano, comparam-se os alunos reprovados e que,

portanto, foram expostos duas vezes ao mesmo conteúdo e os

alunos que estão passando pela série pela primeira vez.

É importante perceber que, nos dois casos, os alunos repetentes têm

vantagens. Na primeira situação, porque os repetentes realizam testes de menor

dificuldade, pois os repetentes estariam fazendo o teste, digamos, da 1ª série, e os

promovidos estariam fazendo o teste da 2ª série, portanto mais difícil. Na

segunda, porque os alunos repetentes já foram expostos duas vezes ao conteúdo e

os outros apenas uma, e contariam com o benefício de um ano a mais de

maturidade.

Holmes concluiu que os resultados são equivalentes em quaisquer das

situações, não apresentando nenhuma vantagem a mais refazer a série. Assim,

conclui Crahay, a ideia de que a reprovação faz com que os alunos recomecem

com uma base melhor para a sua trajetória escolar não se sustenta empiricamente.

Crahay ainda traz os estudos sobre os efeitos da retenção nos primeiros anos de

escolaridade e mostra que os resultados empíricos apontam para os efeitos

prejudiciais da retenção, principalmente no início e no fim da escolaridade de

base, isto é, o fim do ensino fundamental. Do mesmo modo, a prática de atrasar

em um ano a entrada do aluno na escola básica também não é eficaz para a

melhora do desempenho do aluno.

Jimerson (2001) fez nova revisão de literatura e meta-análise sobre efeitos

da repetência com as pesquisas publicadas entre 1990 e 1999. A seleção dos

trabalhos obedeceu a critérios rigorosos, como ter sido publicada, em forma de

artigo ou livro, por exemplo, e ter um grupo de controle com alunos promovidos.

Foram selecionados 20 estudos, e as variáveis para a escolha do grupo de controle

foram: QI, desempenho acadêmico, nível socioeconômico, gênero e atitudes em

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relação à escola. Os resultados são muito similares aos dos últimos 90 anos, de

acordo com os estudos de Jackson, 1975, Holmes & Matthews, 1984 e Holmes

1990.

Há, portanto, uma convergência nessas revisões de pesquisa com relação à

demonstração de que a repetência não beneficia os alunos, seja academicamente,

seja para aqueles com dificuldades de comportamento. Jimerson chega a sugerir

que, em vez de serem realizadas mais pesquisas sobre o tema, o que deveria ser

feito é um esforço para o desenvolvimento de novas pesquisas sobre outros tipos

de intervenção para a melhoria dos alunos.

Brophy (2006) também fez uma síntese baseada em evidências empíricas

das pesquisas sobre repetência e chegou aos mesmos resultados, isto é, que a

repetência não só é ineficaz como é contraproducente. As ideias de que o

desempenho mais fraco resulta de uma falta de empenho e de que a ameaça da

repetência estimularia o estudo são verdadeiras apenas para uma minoria. Pelo

contrário, os alunos retidos ao longo da trajetória escolar vão ficando cada vez

mais para trás, mesmo em relação aos colegas que tinham um perfil de

desempenho próximo ao deles no ano da reprovação. Para o aluno, a repetência é

estressante e está associada a uma baixa de autoestima, além de prejudicar sua

relação com os colegas e com a escola. A maioria dos alunos repetentes precisa

trabalhar arduamente para realizar o progresso que alcançam.

M.L.Smith (apud Crahay) tentou explicar a razão para a persistência da

crença dos professores nos benefícios da repetência. Os professores não possuem

grupo de controle, isto é, para aquilatar a validade da prática eles só têm a sua

experiência com os alunos retidos. A comparação dos alunos repetentes com os

alunos do mesmo nível de competências que foram promovidos não pode ser feita

por eles. Isto porque como os alunos reprovados geralmente permanecem no ano

seguinte com os mesmos professores por terem ficado na mesma série, estes

percebem vantagens temporárias nos alunos que sustentam essa crença. Isto

porque o aluno, ao ser defrontado com o mesmo conteúdo, costuma ter um

desempenho melhor do que no ano da retenção. Além de ser possível que o aluno

se sinta mais competente na comparação com os seus condiscípulos. Depois,

quando os alunos repetentes são promovidos para a série seguinte, e o professor já

não é o mesmo, as vantagens iniciais percebidas se desfazem, porque os alunos se

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deparam com um novo material de estudo e voltam a ter dificuldades semelhantes,

um ano atrasados.

Precisa ser dito ainda que muitos países com excelentes resultados em

avaliações internacionais são os mesmos que aboliram a possibilidade de

repetência. São exemplos disso Dinamarca, Noruega, Suécia, Reino Unido, Coréia

do Sul, Malásia, Japão, entre outros. Podemos incluir a Finlândia, que teve o

melhor desempenho no Pisa de 2000. Naquele país, não há repetência, porque esta

não é praticada, embora não haja uma proibição formal para isso.

O estudo exploratório feito por Soares (2007) é mais um indício de que a

repetência não colabora para que se obtenham melhores desempenhos dos alunos.

O autor fez uma investigação para tentar apreender qual é o impacto das políticas

de combate à repetência sobre o desempenho dos estudantes em testes

padronizados internacionais dos quais o Brasil não participa. Apesar de a amostra

ser pequena, o que ele verificou foi que existe um impacto positivo de políticas de

progressão continuada sobre os resultados dos exames.

No Brasil, os estudos sobre o efeito da repetência no desempenho são

poucos. Na primeira etapa de um estado da arte9 sobre o fracasso escolar realizado

por Angelucci, Kalmus, Paparelli e Patto (2004), nem mesmo são citados estudos

sobre a validade pedagógica da repetência. De acordo com as autoras, o que se vê

são estudos em que o fracasso é visto como um problema psíquico - havendo

nesse discurso uma culpabilização das crianças; como um problema técnico - com

a culpabilização do professor; como uma questão institucional - que é devida à

lógica excludente da educação escolar; e finalmente, o fracasso visto como uma

questão política - gestado na cultura escolar e nas relações de poder. Nessa última

categoria estão as pesquisas em que o foco são as relações de poder estabelecidas

dentro das instituições escolares, centrando as análises “na violência praticada

pela escola ao estruturar-se com base na cultura dominante”(ibid, 63), quando

desconhece e desvaloriza a cultura popular.

Na área de economia, encontrei um único estudo que focaliza

especificamente o tema, realizado por Luz (2008). Utilizando uma amostra

retirada da pesquisa Fatores Associados ao Desempenho Escolar (INEP/MEC), a

9 As autoras desenvolveram uma análise das teses e dissertações defendidas entre 1991 e 2002, na Faculdade de Educação e no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, pois consideraram que as duas instituições ocupam um papel de destaque na produção sobre o tema.

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pesquisadora observou os efeitos da repetência no desempenho dos alunos. Seus

achados vão na mesma direção dos dados empíricos internacionais assinalados

anteriormente: os alunos repetentes, apesar de terem uma melhora entre os dois

anos considerados, têm ganho menor do que seus colegas que foram promovidos.

Outra resultado interessante é que os alunos retidos têm um resultado semelhante

aos alunos novatos, o que não sustenta a suposição da repetência como

metodologia válida para a melhoria do desempenho. Por fim, a autora observou

que a repetência se mostra ainda menos vantajosa quanto mais precárias as

condições do sistema escolar.

O desenho de pesquisa de Paes de Barros e Mendonça (1996) não foi

exatamente o estudo do efeito da repetência no desempenho, mas seus achados

demonstram que o aluno repetente tem uma probabilidade maior de repetir mais

uma vez se comparado aos alunos promovidos. Na pesquisa, foram usados os

dados da PNAD de 1985.

Importante ressaltar que esses estudos não comprovam que a promoção

dos alunos potencialmente sujeitos à reprovação por si só aumente seu

desempenho. Não se trata disso. O que se procura demonstrar com essas pesquisas

é que a repetência não é um recurso que melhore a qualidade do ensino ou que

promova um aumento no desempenho dos alunos, pois os ganhos são menores do

que para aqueles que foram promovidos.

1.3 Estudos no Brasil sobre o modelo alternativo à reprovação: as escolas em ciclos

As pesquisas no Brasil que analisaram a diferença de desempenho entre as

escolas seriadas ou em ciclos são outras referências que ajudam a problematizar

os efeitos da repetência. Em algumas pesquisas, apesar de as escolas seriadas

apresentarem um desempenho melhor, a diferença a favor delas não é

estatisticamente significativa.

Ferrão, Beltrão e Santos (2002) utilizaram dados do SAEB de 1999. Os

resultados não apontaram diferenças significativas na proficiência dos alunos de

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4ª série do ensino fundamental em matemática e leitura com organização escolar

ciclada ou não.

Menezes-Filho e outros(2008) fizeram uma avaliação do impacto da

progressão continuada nas taxas de rendimento e desempenho escolar. Foi

observada uma menor taxa de abandono nas escolas que implantaram o sistema.

Em relação ao desempenho, na progressão continuada, houve uma redução na

proficiência dos estudantes da 8ª série do ensino fundamental, enquanto que, na 4ª

série, os resultados não foram significativos.

Alves (2008) analisou a associação entre as políticas públicas adotadas nas

redes de ensino das capitais brasileiras e o desempenho dos alunos, utilizando

dados do SAEB de 1999, 2001 e 2003. Com relação à organização em ciclos, o

resultado não foi significativo, apesar de o desempenho médio das redes em ciclos

ter sido um pouco abaixo das redes organizadas em séries.

Almeida (2009) traz um resultado diferente. A pesquisadora mediu a

eficiência das escolas públicas cicladas e não cicladas do ensino fundamental,

centrando-se nos municípios de Campinas, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, com

a base de dados do Projeto Geres10. Suas conclusões são que não é possível

afirmar que as escolas cicladas ensinem mais do que as escolas não cicladas. É

possível, no entanto, afirmar com os dados disponíveis que as proficiências

médias das escolas cicladas são significativamente maiores do que as não

cicladas.

Podemos, portanto, observar que a questão no Brasil ainda deve ser mais

pesquisada. Com o aprimoramento dos dados do censo escolar, aliado a

possibilidade fazer estudos comparativos das avaliações governamentais, talvez

possamos incrementar essa área que carece de um aprofundamento maior.

O balanço feito por Gomes (2005) das pesquisas sobre desseriação escolar

no ensino fundamental do Brasil apresenta outras questões sobre a comparação

entre as escolas cicladas ou não. Conforme seu estudo, as experiências de

desseriação brasileiras se ressentiram de problemas na sua implantação, além de

terem enfrentado a resistência tanto dos professores, como das famílias e dos

alunos. O que se vê é que com a desseriação há uma quebra do que Crahay (apud

10 Geres - projeto de pesquisa longitudinal (2005 a 2008) que focalizou a aprendizagem nas primeiras fases do ensino fundamental para estudar os fatores escolares e sócio-familiares que incidem sobre o desempenho escolar.

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Gomes, 2005) denominou de “contrato social” escolar, em que a ameaça da

reprovação é um dos esteios principais. A promoção automática, para alcançar

efeitos positivos, necessita de ser acompanhada de intervenções complementares

que auxiliem os alunos com dificuldades durante todo o ano letivo, assim como

pressupõe o envolvimento de professores, famílias e alunos. Como na maioria das

experiências de ciclos, as intervenções não foram feitas, nem houve um

envolvimento maior dos interessados, a política ficou prejudicada.

As diferenças nos desempenhos médios das escolas organizadas em ciclos

ou seriadas reforçam a tese culturalista da “pedagogia da repetência”.

Demonstram, inclusive, que a pedagogia da repetência não é uma cultura

exclusiva dos professores. Toda a comunidade escolar trabalha com essa lógica.

Como diz Fernandes a possibilidade de não reprovação provoca uma

“desestabilização nos habitus dos agentes escolares envolvidos no processo

educativo” (3,2003).

1.4 Estudos sobre a repetência nas camadas médias e altas e em escolas de prestígio

Pelos estudos anteriores vemos que para estudar o fenômeno em toda a sua

extensão seria importante lançar mão da análise da reprovação em camadas

médias e altas e nas escolas que não estão sujeitas aos problemas de infraestrutura

correntemente associados à rede pública.

Na revisão de literatura específica sobre a repetência nas camadas médias

e altas, encontrei variadas abordagens e modalidades explicativas. Focalizados

nos alunos de camadas médias e altas e/ou em suas famílias, temos os trabalhos na

França de Fourastié (1972) e Ballion (1977), e os brasileiros de Rodriguez (2004)

e Salomon (2001).

Fourastié realizou, entre 1964 até 1968, sete enquetes sobre a escolaridade

dos filhos de politécnicos, professores e egressos da École Normale Supérieure,

industriais, artistas, altos funcionários e juízes. O objetivo geral da pesquisa era

conhecer os resultados escolares e universitários daqueles que por definição não

teriam os obstáculos clássicos de ordem econômica e social. As taxas de

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escolarização encontradas por ele foram bem mais altas do que as que eram

reveladas pelo censo sobre a média da população. No entanto, muitos não tinham

alcançado o ensino superior (30%, em média), ou tinham alcançado escolaridade

menor do que a dos pais. Na análise, as variáveis sexo, nível escolar dos pais e

lugar na fratria11 tiveram correlação estreita com a trajetória escolar. Meninas

obtinham pior resultado do que os meninos12, a maior escolaridade dos pais

resultava em melhor resultado escolar, além disso, os primogênitos tinham

vantagens em relação aos irmãos.

As diferenças de mentalidades e, portanto, a menor importância conferida à

escolaridade dos filhos por industriais e artistas também se configurou como um

fator que contribuiu para a menor escolaridade. Apesar disso, Fourastié concluiu

que, na medida em que o contexto cultural tomado no seu sentido mais amplo é

favorável, são as capacidades psico-biológicas do sujeito que têm um papel

preponderante na explicação do sucesso escolar. Mesmo sem focalizar a

repetência propriamente dita, o estudo desperta interesse por levantar hipóteses

sobre variáveis que levam a um menor rendimento escolar por parte das camadas

médias e altas.

Ballion publicou em 1977 o livro L’argent et l’école, sobre o fracasso escolar

nos meios economicamente favorecidos. Sua pesquisa foi feita com duas amostras

diferentes, em dois períodos. A primeira amostra foi com 170 alunos em ano de

formatura escolar, e a segunda, com 500 alunos dos denominados établissements

de rattrapage, o que poderia ser traduzido como estabelecimentos de recuperação,

isto é, escolas especializadas em proteger os filhos dos meios favorecidos da

seleção feita pela escola pública, criando um ambiente de estudo mais adequado

para eles13.

11 Posição na fratria significa qual lugar que o aluno ocupa em relação aos irmãos (ex: primogênito ou caçula) 12 Nos últimos 30 anos, a situação das meninas mudou bastante, conforme os estudos de BAUDELOT, e ESTABLET, Allez les filles (1992) sobre a ascensão escolar das meninas na França e no mundo. No Brasil, as mulheres tendem a ter um desempenho educacional superior ao dos homens, conforme Alves, 2007; Paes de Barros e outros, 2001. 13 Segundo Ballion (1977) existem diferentes tipos de estabelecimento de rattrapage, uns são mais permissivos, outros mais autoritários, assim como para diferentes tipos de aluno: com problemas específicos, como dislexia etc., ou por idade. Como essas escolas não estão submetidas por contrato com a Educação nacional, eles são inteiramente responsáveis por sua organização pedagógica. Assim podem oferecer condições pedagógicas melhores do que aquelas do ensino público francês, oferecendo aulas de apoio.

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O autor demonstrou que o número de insucessos era bem maior do que se

esperava nessas camadas sociais14. Além disso, descobriu que “l’argent efface

l’échec”, ou seja, o capital econômico consegue “apagar” as trajetórias irregulares

desses alunos. As famílias conseguem, por meio de estratégias variadas, corrigir

os efeitos possivelmente perversos do fracasso escolar.

Uma das estratégias que nesse sentido é a opção por essas escolas de

rattrapage, que funcionam como uma ponte para esses alunos, pois podem

facilitar sua ascensão escolar. A hipótese explicativa dada por Ballion para a

trajetória acidentada desses estudantes é individualizada e de base psicológica. Os

alunos de um estabelecimento de rattrapage dos quais o autor foi professor na sua

experiência docente eram perfeitamente normais no que tange à inteligência, por

vezes eram até acima da média. Por isso a razão do insucesso era para ele e para

os outros professores, colegas seus, um mistério.

Ao analisar a questão na pesquisa, atribuiu ao temperamento do aluno, em

francês caracteriel, um traço da personalidade que diante do fracasso e de

experiências negativas escolares faz com que faça um desinvestimento na escola,

piorando cada vez mais a situação.

No Brasil, alguns trabalhos apontam as trajetórias irregulares nas camadas

médias e altas, mas não estudam o tema especificamente15. Recorrendo ao banco

de dados da CAPES16, encontrei a dissertação de mestrado de Rodrigues (2004)

sobre a repetência nas camadas médias, com foco nas famílias.

Inicialmente, Rodrigues tentou entrevistar alunos de escolas particulares,

mas não obteve êxito. Primeiramente, as coordenadoras contatadas disseram que a

reprovação era muito baixa, pois era feito um acompanhamento pedagógico

intenso ao longo do ano escolar, depois afirmaram que a maioria dos alunos

reprovados troca de estabelecimento. A pesquisadora tentou realizar a

aproximação com as famílias das escolas particulares de outras formas, mas não

teve êxito. Optou por realizar sua pesquisa em escolas públicas com clientela

reconhecidamente de camadas médias. Conseguiu entrevistar 20 famílias que se

encaixavam no perfil adotado. Verificou que tanto as escolas como as famílias

14 Os dados do autor são de 1962, à época quase a metade dos alunos dos meios favorecidos não conseguia obter o baccalauréat (equivalente ao vestibular brasileiro). 15 Paes de Carvalho (2004), Brandão e Lelis (2003) 16 http://www.capes.gov.br/servicos/bancoteses.html - último acesso em 14/07/2009

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explicavam a repetência como resultado de problemas biológicos, médicos ou

psicológicos, isto é, centrados no indivíduo. Portanto, tal qual Ballion (1977)

seriam aspectos do aluno que explicam a reprovação.

A autora detectou “acordos” entre as escolas e as famílias para que o aluno

não fosse reprovado, fazendo inclusive uma diferenciação entre “reprovação” e

“repetência”. Com a primeira, haveria o registro no histórico escolar; na segunda,

a criança é aprovada na escola e é matriculada em outro estabelecimento na

mesma série no ano seguinte. A autora considera que esses “acordos” podem

colocar em dúvida as estatísticas oficias nas escolas particulares. A reprovação

escolar enquanto experiência familiar pode ter diferentes significados para as

famílias pesquisadas: “dinheiro ou tempo perdido”, “aprendizado” e “sofrimento”,

são alguns dos mais citados.

Entre as principais conclusões do trabalho figuram a verificação de que a

reprovação escolar repercute sobre o cotidiano das famílias mesmo antes de

acontecer de fato e a percepção de que isto se deve, entre outras coisas, à

centralidade que a escolaridade dos filhos tem de fato para essas famílias de

camadas médias. Outro dado importante é que todas as famílias consideram que a

reprovação é um evento que deixa uma marca muito difícil de apagar, tanto para a

família quanto para o aluno.

A segunda pesquisa foi encontrada na bibliografia de Rodrigues (2004),

foi a tese de doutorado de Salomon (2001). É um estudo de caso de dez jovens de

classe média em situação de fracasso escolar ou de vida escolar fragmentada. A

pesquisadora tentou estabelecer uma amostra em que os alunos não apresentassem

nenhuma das variáveis comuns que interferem na aprendizagem. Assim, os alunos

selecionados não apresentavam nenhum distúrbio específico, também não eram

oriundos de famílias de pais separados na primeira infância. Este segundo critério

também foi adotado porque a relação dos pais com a vida escolar dos alunos era

uma dimensão importante do estudo.

Como na pesquisa anteriormente citada, a autora também teve dificuldades

de acesso aos alunos por meio das escolas privadas. Muitas disseram não viver a

situação de fracasso escolar, pois ofereciam um atendimento individualizado às

necessidades dos alunos, realizando um trabalho conjunto escola-família. Outras

alegaram problemas éticos para não indicar nomes de alunos nessa situação. Duas

escolas foram claras no seu receio em participar da pesquisa por problemas de

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imagem. Mesmo nas escolas “pagar-passar”17, ela não obteve uma resposta

rápida. Após uma longa espera, ela conseguiu compor sua amostra com famílias

de alunos que a procuraram por indicação de algumas das coordenadoras

previamente contatadas, e por uma escola que atualmente é reconhecida como

uma instituição do tipo “pagar-passar”.

Tendo por base o estudo de Lahire, seu objetivo era compreender as

formas como a família pode condicionar a situação de fracasso escolar e como os

alunos e suas famílias percebem as formas de participação da escola nesse

processo de exclusão ou de "construção" de uma situação considerada como

fracasso escolar, isto é, buscava um modelo de configurações familiares que

levasse ao fracasso.

A autora concluiu que estas famílias possuem uma postura caracterizada

pela valorização do consumo e do lazer, em detrimento da produção, do trabalho e

do estudo, ou seja de valores ligados à cultura escolar. Os alunos, por sua vez,

apresentaram uma relação sócio-afetiva essencialmente negativa com a

aprendizagem. Os estudantes questionam os professores e até mesmo os

responsabilizam pelos seus resultados. A autora ainda salienta que os alunos

demonstraram uma alienação da escola, o desinteresse pela aula, a falta de

autoridade do professor, o desrespeito, o autoritarismo, a intransigência, além de

processos de seleção e discriminação por parte da escola. Com o recorte da

pesquisa não é possível compreender se os alunos têm essa postura por terem sido

reprovados, ou se esse comportamento já era anterior ao evento. De acordo com

Ballion (1977), podemos pensar que as atitudes descritas também são uma

consequência da reprovação e não apenas a geradora do evento.

O estudo de Nogueira (2004) apesar de não ter o foco em trajetórias

escolares irregulares nos meios favorecidos apresenta interesse nesta revisão de

literatura. A autora pesquisou em Minas Gerais 25 famílias de grandes

empresários. Teve que incluir na amostra, por dificuldades de acesso, médios

empresários também. O objetivo era conhecer as trajetórias escolares dos jovens e

as estratégias educativas postas em prática pelos pais desses jovens ao longo de

suas trajetórias. Ela verificou que mais da metade dos jovens pesquisados tinham

sofrido alguma reprovação ao longo de sua escolarização. Nas conclusões, a

17 Nomenclatura usada pela autora, no Rio de Janeiro conhecida como “pagou-passou”.

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autora considera que esses itinerários irregulares devem ser fruto do tipo de

relação que essas famílias estabelecem com a escola de investimento moderado18.

Coloca, portanto, a explicação da reprovação mais uma vez dentro do corte de

classe. Como esses alunos “não precisam” da escola, pois já têm nas empresas da

família uma perspectiva de futuro, não há razão para investir nos estudos. Como

foco da autora é nas famílias e não na escola, não há um estranhamento no

número de reprovações.

Tendo por foco a reprovação e retenção de alunos de instituições de

prestígio, encontrei apenas uma dissertação de mestrado. Galvão (2003) analisou

com base nos estudos de Bourdieu a experiência de democratização do acesso ao

Colégio Pedro II, quando este passou a ser por sorteio para a Classe de

Alfabetização e não por uma prova de conhecimentos – como ocorre no 6º e no 1º

ano do ensino médio.

Para realizar essa tarefa, a autora realizou a análise de meios, modos e

condições em que os alunos foram excluídos. Assim, estudou as jubilações que

ocorreram ao longo de 18 anos de existência de uma das unidades do Colégio

Pedro II, o percurso escolar de 178 crianças que ingressaram no colégio por

sorteio e, finalmente, tentou estabelecer uma correlação entre a origem social dos

alunos e seu desempenho escolar.

Desse grupo apenas 48 alunos (27%) conseguiram completar sua trajetória

escolar sem nenhuma reprovação, sendo que 58 alunos saíram da escola por

pedidos de transferência ou jubilações. Ela constatou que os alunos que

concluíram o 3º ano do ensino médio eram oriundos na sua maior parte das

classes favorecidas, ao contrário dos que entraram na classe de alfabetização que

eram de classes desfavorecidas. Concluiu que, apesar de o acesso para as classes

de alfabetização ser por sorteio, a origem social continuou tendo uma forte

associação com o desempenho escolar no período pesquisado (1990/2002).

18 Para os jovens a percepção geral é de que a escola era “pouco” em sentido múltiplo. Era uma pequena porção do seu cotidiano, não constava entre suas preferências pessoais e afetivas e por fim, porque a escola representa um papel secundário em sua preparação profissional. Já em relação às estratégias familiares, a autora considerou que estas famílias não “apostam todas as suas fichas na escola”.

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É possível verificar que nas pesquisas de Rodrigues (2004) e Salomon

(2001) o objetivo não é explicar as causas escolares da reprovação ou seus efeitos

e sim investigar o fenômeno como um evento familiar. A pesquisa de Nogueira

(2004), apesar não estudar o fenômeno em si, também o estuda na esfera familiar.

A pesquisa de Galvão está inserida nas pesquisas que analisam a escola sob uma

perspectiva reprodutivista, em outras palavras, como a escola traduziria, por meio

de mecanismos internos, as hierarquias sociais.

1.5 Perguntas e Métodos

Apesar de já ter sido amplamente estudado que a repetência não é uma

intervenção que trate de forma eficaz os problemas de aprendizagem dos alunos,

ela continua a ser praticada. Sua incidência, as causas e as consequências desse

fenômeno não são comuns a todos os países. Essa constatação reforçou a

importância de estudar a repetência dentro de uma perspectiva sociológica.

Conforme vimos com Costa Ribeiro (1991), os níveis de reprovação no

Brasil são muito altos e estão presentes em todas as classes sociais. As

explicações correntes são todas produzidas no contexto das escolas públicas e nas

camadas populares. Seria, portanto, interessante buscar entender como essa

repetência é produzida na escola, principalmente naquelas escolas que são

consideradas e avaliadas como as melhores do país. Onde alunos e professores

encontram uma estrutura pedagógico-administrativa que funciona a seu favor.

O foco deste estudo é, portanto, o fenômeno da repetência estudado em um

contexto pouco pesquisado entre nós (colégios de prestígio) para testar as

explicações correntes. Existiria de fato esse alto índice de repetência? Quais

seriam os mecanismos e as lógicas que os profissionais de escolas de prestígio

acionam para manter a cultura da repetência (Costa Ribeiro, 1991)? Quais são os

processos escolares que definem a repetência de um aluno em escolas de

prestígio? Como escolas que têm um excelente desempenho médio nas avaliações

oficiais decidem reprovar seus alunos? Haveria uma característica comum a esses

alunos que socialmente fadados ao “sucesso escolar”, passam por revezes nas suas

trajetórias escolares?

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O desenho desta pesquisa assumiu como uma estratégia importante para o

estudo o “jogo de escalas”. Apoiada em Revel (1998), considerei que a mudança

de escala não seria uma troca de lentes que me daria uma visão de binóculo ou

microscópio. Considerei que veria aspectos diferentes, assim como não vemos

uma cidade melhor pelo seu mapa ou pelas fotografias. Sendo a repetência um

fenômeno complexo, as abordagens macro e a micro permitiram construir um

corpus empírico que possibilitou mudar o que estava sendo analisado, mantendo o

foco sobre o objeto de interesse. Essa variação foi fundamental porque não

havendo literatura disponível sobre o tema, e a produção desse compósito de

informações permitiu uma tentativa de compreensão um pouco mais abrangente

sobre o fenômeno.

Assim, meu trabalho se divide em duas partes que, em escalas diferentes,

buscam analisar o fenômeno da repetência em dois âmbitos: na magnitude do

fenômeno neste contexto pouco estudado e no processo de construção da

reprovação realizando uma microanálise.

A primeira parte apresenta um desenho quantitativo tomando por foco a

questão da repetência no Brasil e na América Latina. Foi realizado um

levantamento estatístico sobre a repetência nas camadas mais altas com o objetivo

de observar se o Brasil reprova mais do que os outros países, mesmo em se

tratando dos alunos de nível socioeconômico mais alto. Com os dados do PISA de

2006 realizei uma comparação do risco de atraso escolar no Brasil em relação a

três países latinoamericanos, o México, a Argentina e a Colômbia, considerando o

nível socioeconômico e a dependência administrativa da escola e controlando os

resultados pelo desempenho dos estudantes em leitura.

Continuando a análise quantitativa, tentei entender como se dava a questão

no município do Rio de Janeiro. Em lugar de observar os alunos de nível

socioeconômico mais alto, busquei os dados das escolas de prestígio. Para a

escolha das instituições, relacionei as 30 escolas da cidade que tiveram os

melhores resultados no Enem de 2005 e 2006. Como a intenção era observar o

fluxo escolar e seria importante considerar a trajetória completa de onze anos,

desconsiderei as escolas técnicas e as que não oferecem a escolaridade desde o

ensino fundamental. Posteriormente, com os dados do censo escolar de 2003 a

2005, foi criada uma taxa de não aprovação nessas escolas. Esse indicador foi

feito como uma tentativa de abranger os casos de transferência no meio do curso

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para outras escolas com vistas a escapar de uma possível repetência, como já foi

salientado por Salomon (2001), Rodrigues (2004) e Lelis (2005). Isso permitiu

conhecer quantos alunos não foram aprovados desde a 1ª série do ensino

fundamental até o 3º ano do ensino médio em cada um dos três anos levantados

pelo censo. Construí um panorama do fluxo em 15 escolas, mostrando que

existem diferentes padrões de reprovação.

Valendo-me do mapeamento feito do fluxo escolar nos estabelecimentos

de melhor pontuação no Enem, mudei mais uma vez a escala para desenvolver a

última parte do meu trabalho com uma abordagem macro. Apesar do panorama

construído, sabe-se que os dados do censo escolar não oferecem a acuidade

necessária, pois como no Censo a unidade de análise é a escola, e não os alunos,

as estimativas de repetência e de evasão escolar não são exatas. Como o objetivo

da pesquisa era entender a entrada e a saída dos alunos ao longo dos 11 anos

necessários para a formatura de uma geração, fiz o que chamei de ciclo de série.

No caso, quatro ciclos de série, pois fiz o mesmo trabalho para os anos de 1995,

1996, 1997 e 1998 até a provável formatura em 2005, 2006, 2007 e 2008,

respectivamente. Além disso, desenvolvi uma estratégia que viabilizasse a análise

da coorte da turma de 1997 de uma das escolas: verifiquei os nomes dos alunos

que entraram na primeira série de 1997, série de entrada nas escolas, até os que

conseguiram se formar no ensino médio em 2007.

A segunda parte teve uma abordagem qualitativa focada no processo de

decisão da reprovação. Ciente de que os dados anteriores traduzem experiências

sociais bastante diversas, adotei como estratégia a observação dos conselhos de

classe de uma das escolas, em que fiz o mapeamento do ciclo de série, para tentar

captar como são os mecanismos de decisão da reprovação. Pretendi com essa

abordagem registrar as interações que ocorrem nessas instâncias para ter a

possibilidade de compreender as motivações e os movimentos dos agentes

educativos que constroem a decisão da reprovação dos alunos. Optei por observar

os conselhos de classe do atual 8º ano do ensino fundamental e do 1º ano do

ensino médio, pois são esses os anos escolares em que os níveis de repetência são

maiores.

Observei os conselhos finais de 2008 e todos os que ocorreram em 2009

no 8º ano do ensino fundamental e no 1º ano do ensino médio. Os conselhos de

classe não foram todos deliberativos. Apenas nos conselhos de dezembro foram

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feitas avaliações pelo colegiado que decidiram a aprovação ou reprovação dos

alunos. Diferente do que observou Mattos (2006)19 em duas escolas públicas do

Rio de Janeiro onde todos os conselhos foram deliberativos. Na escola observada,

os conselhos de junho e outubro a questão mais importante foi o gerenciamento

das turmas, feito pela troca das impressões dos professores sobre o perfil dos

alunos e das turmas. Por isso, para discriminar, decidi denominar os conselhos de

junho e outubro de consultivos20 e os de dezembro de deliberativos.

Com esse trabalho foi possível delinear como se constroem as opiniões a

respeito dos alunos, que tipos de avaliações são feitas pelos professores, e quais

são os fatores levados em conta para tomar a decisão de fazer um aluno repetir o

ano. Estas observações também possibilitaram identificar o que foi dito sobre cada

aluno e, ao final do ano letivo, comparar quais foram os alunos que repetiram,

quais os que se retiraram no meio do ano, e quais os que, apesar de todas as

críticas, conseguiram passar de ano.

Não considero que esse recorte fez com que se tivesse uma visão completa

e abrangente do problema. Considero apenas que a possibilidade de desenvolver

estratégias de pesquisas alternativas foi a mais adequada à complexidade do

fenômeno, pois cada uma das escalas permitiu uma perspectiva diferente.

19 Neste estudo, todos os conselhos foram deliberativos, pois mesmo nos conselhos de abril e julho foi tomada a decisão pelo colegiado sobre quais alunos receberiam o conceito “I” de insuficiente. Os outros alunos que tinham recebido um conceito acima de “R” (regular), isto é, bom (B), muito bom (MB) e ótimo (O), a decisão foi tomada fora do conselho. 20 Verbete no Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa para consultivo: “diz-se das corporações que emitem parecer sem voto deliberativo”.

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2 A Defasagem escolar em camadas altas no Pisa 2006: Brasil, Colômbia, México e Argentina

2.1 Objetivos

Numa tentativa de buscar as possíveis especificidades da repetência na

realidade brasileira, utilizei dados internacionais como referências para uma

percepção mais ampla e comparativa. Assim, usei os dados do Pisa (Programme

for International Student Assessment) de 2006 para explorar o risco de ocorrência

da defasagem do estudante brasileiro em comparação com outros países da

América Latina, com sistemas educacionais de dimensões análogas.

Como método de pesquisa, cotejei os efeitos de alguns dos fatores que são

considerados pela literatura como condicionantes da escolarização do aluno.

Nessa perspectiva, foi pesquisado em que medida o nível socioeconômico do

estudante estaria associado aos riscos de defasagem no Brasil em comparação com

outros países. Como os alunos de estratos sociais mais privilegiados são, em

média, menos sujeitos à possibilidade de defasagem do que os alunos dos estratos

mais baixos, para que a tese de Costa Ribeiro relativa à "Pedagogia da

Repetência" fosse confirmada, seria necessário que, entre nós, o efeito da origem

social fosse menos importante. Em outras palavras, se existe de fato um

componente cultural que faça da repetência uma práxis pedagógica este fenômeno

deveria ultrapassar os marcadores das diferenças socioeconômicas e se generalizar

por todos os estratos, ao menos em comparação com os outros países da amostra

do Pisa.

Também foram observados os efeitos da dependência administrativa da

escola, pois a frequência às escolas privadas estaria associada, pelo menos no

Brasil, à redução dos riscos de defasagem, pelo fato de as escolas privadas

reprovarem menos do que as escolas públicas.

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2.2 Método e Dados

A análise baseou-se num exame exploratório das relações bivariadas entre

o percentual de alunos defasados em função do país, do nível socioeconômico e

da dependência administrativa da escola. Em seguida, utilizei um modelo

logístico, que estima riscos de um aluno estar defasado em função do país, do

nível socioeconômico e da rede de ensino, utilizando seu desempenho escolar

como variável de controle.

O Pisa é um programa internacional de avaliação de estudantes

desenvolvido e coordenado pela Organização para Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em 2006, participaram, além dos trinta

países membros da OCDE21, mais 27 países convidados22. A finalidade principal é

produzir dados que ajudem a gerar informações sobre a efetividade dos sistemas

educacionais dos países participantes, avaliando o desempenho de alunos na faixa

dos 15 anos. Entre estes, foram considerados elegíveis apenas aqueles que tinham

pelo menos sete anos de escolarização. Essa idade foi escolhida por ser, na

maioria dos países, o ano de término da escolaridade básica.

Como pelo recorte feito pelo Pisa não foram considerados os estudantes

com mais de dois anos de atraso escolar, é importante salientar que o número de

alunos defasados é, na realidade, maior do que o considerado, pois o nível de

escolaridade média da população de 15 anos ou mais no Brasil é de apenas 6,7

anos (Sampaio e Nespoli, 2004). O que em fez com que a cobertura do Pisa fosse

de apenas 70%, pois a população de 15 anos era de 3.390.471, mas os alunos

elegíveis eram apenas 2.374.044.

A amostra do Pisa no Brasil foi construída com base no Censo Escolar,

tendo como estratos principais as unidades da federação e, posteriormente, a

dependência administrativa, o Índice de Desenvolvimento Humano do município

e a localização da escola, se rural ou urbana, se da capital ou do interior.

21 Membros da OCDE: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coréia, Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Nova Zelândia, Noruega, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Tcheca, Suécia, Suíça e Turquia. 22 Argentina, Azerbaijão, Brasil, Bulgária, Chile, Colômbia, Croácia, Eslovênia, Estônia, Federação Russa, Hong Kong, Indonésia, Israel, Jordânia, Quirguistão, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Macao, Montenegro, Qatar, România, Sérvia, Tailândia, Taiwan, Tunísia e Uruguai.

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A análise baseia-se na comparação dos dados do Brasil com os de três

outros países participantes da avaliação que, de certa forma, possuem realidades

escolares mais próximas, como a Colômbia, a Argentina e o México, pois, como

afirma Nélio Bizzo23, são países com grandes contingentes de alunos e com

desempenho muito baixo. Como no questionário da avaliação não há o quesito

referente à identificação de repetência prévia na trajetória escolar do estudante, mas

apenas a informação do ano de escolaridade em que ele se encontrava, utilizei a

defasagem do aluno como variável a ser observada. Defini que aqueles que haviam

assinalado estar no 7º ou 8º ano de escolaridade corresponderiam a essa condição.

O nível socioeconômico (SES), no Pisa, é medido por uma variável índice

calculada para todos os países da OCDE. Nela estão incluídos os dados sobre o

prestígio ocupacional e o nível educacional dos pais, a renda familiar e a posse de

bens culturais. A partir dessa variável contínua, foram calculados os quintos de

nível socioeconômico e criada uma variável ordinal, que indica os estudantes dos

cinco quintis, sendo o primeiro quintil o que reúne os alunos de menor nível

socioeconômico; e o quinto quintil, onde estariam aqueles de nível socioeconômico

mais alto. A partir da variável ordinal, foi construída uma variável dicotômica,

indicando os alunos do quintil superior e os dos outros quintis.

Codifiquei, para fins de análise, como categoria de referência, o sexo

feminino na variável sexo, assim como as escolas privadas, na variável sobre a

dependência administrativa. Em relação à dependência administrativa da escola, a

variável presente no Pisa era composta por três categorias: escola privadas

independentes, privadas subvencionadas pelo governo e as públicas. Na Argentina

e na Colômbia, a proporção das escolas privadas subvencionadas pelo governo

que participaram do Pisa foi de 24,8% e 5,1% respectivamente, já no Brasil e no

México esse tipo de instituição não se apresentou.

A medida de desempenho em leitura do Pisa 2006 considera cinco

diferentes processos associados ao domínio textual, levando em conta situações

autênticas de leitura de tal forma que os estudantes devem demonstrar sua

proficiência em: (1) recuperação da informação, (2) formação de um entendimento

amplo e geral, (3) desenvolvimento de uma interpretação, (4) reflexão e avaliação

do conteúdo de um texto e (5) reflexão e avaliação da forma de um texto. A

23 Informação obtida por meio do site http://oglobo.globo.com/educacao/mat/2007/12/04/327447994.asp, acessado em 04/12/08.

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metodologia de avaliação considera que esses processos, em conjunto, envolvem a

plena compreensão de um texto, seja este contínuo ou descontínuo.

O Quadro 1 mostra a distribuição das tarefas propostas na avaliação,

considerando três subescalas formadas pelos cinco aspectos citados. É possível

verificar que o aspecto 1 possui, individualmente, o maior número de tarefas

associadas.

Quadro 1 Distribuição das tarefas de leitura, considerando os processos de compreensão textual

Processo de compreensão textual Porcentagem de tarefas

Recuperação da informação (1) 29

Interpretação de textos (2), (3) 50

Reflexão e avaliação (4), (5) 21

Total 100 Fonte: The Pisa 2006 – Assessment Framework

A Tabela 1 mostra que as médias das medidas de desempenho dos cinco

aspectos que avaliam a proficiência em leitura são bastante homogêneas entre os

países analisados. Além disso, os resultados das análises realizadas tendo como

base cada um dos aspectos não se alteraram substancialmente24. Assim, utilizei

como medidas do desempenho em leitura, para esta pesquisa, o primeiro aspecto

avaliado: a recuperação da informação.

Tabela 1 Valores médios de desempenho em leitura segundo os cinco aspectos avaliados

País Valores plausíveis do desempenho em leitura

Recuperação da informação

Formação de um entendimento amplo e geral

Desenvolvimento de uma

interpretação

Reflexão e avaliação do

conteúdo

Reflexão e avaliação da

forma

Argentina 374,6 373,7 373,2 372,5 374,6 Brasil 393,1 393,1 393,4 391,6 393,3 Colômbia 385,2 385,6 386,3 385,5 383,9 México 410,2 410,2 411,1 410,7 410,2 Total 394,7 394,6 395,0 393,9 394,6 Fonte: Pisa 2006, elaboração minha.

24 Essas análises não são aqui apresentadas.

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2.3 Análise exploratória

A Tabela 2 apresenta os valores médios das variáveis que contextualizam a

situação em cada país. Podemos observar que a defasagem no Brasil é muito

maior do que nos outros países. O Brasil tem três vezes mais alunos defasados do

que o México e mais que o dobro da Argentina. Até mesmo comparado à

Colômbia, onde os índices são altos, o Brasil tem uma proporção maior.

Tabela 2 Valores Médios das Características dos Alunos

País Argentina Brasil Colômbia México

N 4339 9295 4478 30971*

Alunos defasados 0,135 0,336 0,187 0,105

SES 0,292 -0,089 0,002 0,012

Gênero feminino 0,5291 0,5380 0,5386 0,5314

Escolas privadas 0,33 0,076 0,17 0,13

Desempenho em leitura 374,60 393,13 385,21 394,67 Fonte: Pisa 2006, elaboração minha. * A amostra do México foi ampliada por decisão do país.

Entre os países analisados, o SES médio é menor no Brasil, seguido de

Colômbia, México e Argentina. A proporção de estudantes do sexo feminino é

semelhante em todos os países. Em relação às escolas privadas, vemos realidades

distintas: o Brasil tem menos escolas privadas do que os outros países (7,6%). A

Argentina possui cerca de 30% de escolas privadas, pois, como vimos

anteriormente, ali muitas escolas privadas são subvencionadas pelo governo. O

desempenho em leitura no Brasil foi inferior ao do México, mas superior tanto ao

da Colômbia quanto ao da Argentina.

A Tabela 3 apresenta os valores médios das características dos estudantes

defasados e não defasados. Podemos observar que, na Argentina e no México, o

número de alunos defasados do quintil superior é proporcionalmente quatro vezes

menor que o de alunos dos outros níveis. Já na Colômbia e no Brasil, a proporção

é apenas o dobro, isto é, o número de alunos dos quintis inferiores defasados é

duas vezes maior que o do quintil superior. Isso mostra que, pelo menos

percentualmente, o Brasil tem mais alunos de alto nível socioeconômico e de

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escolas privadas que estão defasados do que a Argentina e o México. Na

Colômbia, a situação é parecida com a brasileira.

Tabela 3 Valores médios das características dos alunos defasados e não defasados

País Argentina Brasil Colômbia México

Variável Não defasado Defasado Não

defasado Defasado Não defasado Defasado Não

defasado Defasado

Quintil superior 0,220 0,056 0,241 0,112 0,223 0,098 0,218 0,042

Gênero feminino 0,551 0,423 0,576 0,462 0,559 0,450 0,536 0,378

Escolas privadas 0,370 0,082 0,110 0,016 0,180 0,130 0,110 0,017

Desempenho em leitura 397,6 245,2 427,0 326,2 404,5 301,4 421,3 315,0

Fonte: Pisa 2006, elaboração minha.

Em relação ao gênero, é possível verificar que, em todos os países, os

estudantes do sexo feminino são representados em menores proporções no grupo

de alunos defasados do que os estudantes do sexo masculino. O mesmo ocorre nas

escolas privadas. A maior proporção de alunos defasados nessa dependência

administrativa está na Colômbia. O Brasil é o segundo país com maior proporção

de estudantes defasados nas escolas privadas. Finalmente, como esperado, o

desempenho em leitura dos alunos defasados é sensivelmente menor que o dos

estudantes não defasados, em todos os países.

2.4 Modelo de risco para a repetência

Para analisar os dados, fiz a regressão logística para cada um dos países

utilizando modelos idênticos, de tal forma que a análise foi feita por comparação

do risco de defasagem para cada uma das variáveis independentes. Antes de

continuar na demonstração do modelo, faz-se necessária a explicação de que as

regressões são ferramentas estatísticas que conseguem relacionar uma

determinada variável, chamada de independente ou explicativa, com um conjunto

de outras variáveis, chamadas de dependentes ou de desfechos. Isto é,

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conseguimos observar se a variável independente ajuda ou não a explicar as

variáveis dependentes, podendo inclusive ser feita uma estimativa do efeito da

variável independente sobre as dependentes com os coeficientes calculados.

Dependendo do tipo de variável que se tem, podem-se realizar vários tipos

de regressão. No caso do meu trabalho, a variável era dicotômica, pois o aluno era

defasado ou não era defasado; para esse tipo de variável a regressão mais

adequada é a logística. No modelo de regressão logística, é possível estimar a

probabilidade de ocorrência de um evento, no caso a defasagem do aluno, a partir

de uma combinação particular dos efeitos de um conjunto de fatores,

representados pelas medidas dos valores das variáveis presentes no modelo,

segundo uma equação do tipo

)10(

1

1)(

ixip

ie

ypββ

=Σ+−

+

= .

Os efeitos de cada um dos fatores são determinados pelos valores

assumidos por parâmetros iβ , pi ..., 2, 1, 0,= , associados às variáveis

independentes ix . Estes parâmetros são calculados de forma a garantir o melhor

ajuste entre as probabilidades previstas pelo modelo e as ocorrências de cada caso

individual, sendo p o número de variáveis incluídas no modelo.

A interpretação dos parâmetros iβ é feita em função dos valores

assumidos por p(y) na equação do modelo de regressão. Quando uma determinada

variável não apresenta efeitos para a determinação da probabilidade de ocorrência

de um evento, o valor iβ é igual a zero. Valores de iβ maiores que zero indicam

um aumento da probabilidade, e valores menores que zero, sua redução.

Outra possibilidade de interpretação dos parâmetros da equação de

regressão, que utilizaremos para a análise das probabilidades de defasagem, se dá

por meio da utilização do conceito de razão de chance(odds). A razão de chance

de ocorrência de um evento é definida como a razão entre a probabilidade de

ocorrência de um evento e a probabilidade de sua não ocorrência, para cada uma

das variáveis incluídas no modelo. O valor ie β , denominado razão das razões de

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chance (odds ratio), corresponde à variação nas razões de chances de ocorrência

do evento na presença da variável. Caso a odds ratio assuma o valor 1, a razão de

chance não sofre alterações em sua presença; caso assuma valores maiores que a

unidade, a razão de chance sofre um aumento; e se o valor assumido é menor que

1, a razão de chance sofre uma redução.

A variável de desfecho (dependente) é a defasagem dos estudantes (codificada

como defasado = 1, não defasado = 0). Devemos, desta forma, ler que se odds ratio é

maior do que 1, estaremos estimando o fator de risco e não de proteção. A principal

variável independente é o pertencimento ao quinto superior da escala de nível

socioeconômico, que está relacionada com a segunda questão da pesquisa levantada.

Caracterização do desfecho do modelo de análise do risco de defasagem

Incluí ainda como variáveis de controle: uma característica individual do

estudante, seu gênero, codificada para indicar os estudantes do sexo feminino

(feminino = 1, masculino = 0); uma variável relacionada à escola, sua dependência

administrativa, também dicotômica, codificada para indicar as escolas privadas

(escolas privadas = 1, públicas = 0); uma medida da habilidade do estudante, o seu

desempenho em leitura, medido de acordo com a escala do Pisa.

A Tabela 4 apresenta os resultados para cada um dos países. Os valores do

intercepto, representado pelas constantes dos modelos, confirmam o resultado da

análise exploratória, a qual indica que os riscos de repetência brasileiros são muito

mais elevados do que nos outros países. Além disso, vemos que estudantes do

sexo feminino estão mais protegidos do risco de defasagem em todos os países.

Entretanto, existem diferenças entre cada um deles. No México e na Colômbia, a

proteção é maior, sendo que na Argentina quase não há diferença no risco de

defasagem entre os gêneros.

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O desempenho em leitura é fator de proteção para a defasagem de forma

quase uniforme em todos os países. A frequência à escola particular também se

apresenta, conforme esperado, como um fator de proteção. No entanto, os graus

de proteção são muito diferentes, sendo na Colômbia muito menor do que nos

outros países.

Tabela 4

Parâmetros estimados pelos modelos de risco de estar defasado – Exp(B)

ARGENTINA BRASIL COLÔMBIA MÉXICO

Quintil superior 0,654 0,979 0,664 0,340

Gênero feminino 0,945 0,840 0,731 0,702

Escolas privadas 0,340 0,316 0,881 0,329

Desempenho em leitura 0,990 0,988 0,991 0,989

Constante 5,192 55,720 7,052 9,839

Obs: Todos os resultados são significativos, com p-valor < 0,001.

A análise dos resultados referentes ao nível socioeconômico confirma a

hipótese de que no Brasil a probabilidade de defasagem é maior, a despeito do

quintil de pertencimento. Embora os alunos do quintil superior estejam protegidos

da defasagem em relação aos alunos dos outros quintis, como já demonstrado

largamente pela literatura sobre o tema, essa proteção é sensivelmente menor do

que nos outros países. No Brasil, os alunos do quintil superior estão 2,1% mais

protegidos do que os dos outros quintis. Trata-se de um resultado muito distinto

dos demais países. Na Colômbia, essa proteção é de 34%, na Argentina, 35%, e

no México, 66%.

Foi possível observar que o risco de defasagem é muito maior no Brasil do

que nos outros países, risco esse que provavelmente está subestimado, tendo em

vista que a amostra utilizada não incluiu estudantes com mais de dois anos de

defasagem. É importante destacar que esse risco é maior mesmo para estudantes

que têm o mesmo desempenho em leitura, o que parece reforçar a tese de a

repetência ser um componente cultural de nossa práxis pedagógica.

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Outro forte indicador de que existiria no Brasil uma “pedagogia da

repetência” foram os achados em relação à defasagem e o nível socioeconômico

do estudante. No Brasil, estudantes do quintil superior de nível socioeconômico

estão muito menos protegidos da defasagem do que nos outros países. Tendo em

vista que os alunos de estratos sociais mais altos normalmente estudam em escolas

de qualidade superior e têm mais recursos familiares – possuindo, portanto,

melhores condições de escolarização – seria de se esperar que tais fatores

permitissem que a defasagem escolar não acontecesse em taxas tão equiparáveis

às dos alunos de estratos sociais menos favorecidos. Poderíamos dizer, se

desconsiderarmos o absurdo da afirmação, que, diferente dos outros países, no

Brasil, temos a “equidade” da defasagem, isto é, os estudantes sofrem maior risco

de defasagem em relação aos estudantes de outros países, independentemente de

sua situação socioeconômica e de seu desempenho.

Não podemos considerar, portanto, esse fenômeno apenas como a tradução

de um sistema educacional de pior qualidade, ou mal aparelhado. Mais do que

isso, a defasagem nos parece ser resultado de uma cultura escolar própria, que faz

com que nossos resultados sejam sempre piores do que os esperados, o que

reforça o interesse de ver como essas reprovações acontecem nas escolas que são

consideradas as melhores do Rio de Janeiro.

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3 Panorama da repetência em escolas de prestígio do Rio de Janeiro

3.1 Objetivos e o Censo Escolar

Após o estudo sobre a defasagem escolar na América Latina, passei para

uma escala menor, o Rio de Janeiro, e em lugar de focalizar a análise nos alunos,

passei a analisar as instituições. Assim, neste capítulo observaremos o fenômeno

da repetência por outro ângulo: como ele ocorre nas escolas que têm o melhor

desempenho no Enem no Rio de Janeiro. Relacionei as 30 escolas que tiveram os

melhores resultados no Enem de 2005 e 2006. Só considerei, no entanto, as 15

escolas que oferecem do ensino do fundamental até o ensino médio, pois me

interessava justamente ver essas transições escolares numa mesma instituição.

O censo escolar oferece para analisar a Educação Básica três taxas de

rendimento que são as taxas de aprovação, reprovação e abandono. Todas

referentes à proporção de alunos da matrícula total na série k, no ano t, que são

aprovados, reprovados ou que abandonaram a escola. Como o meu interesse era

saber a proporção de alunos que não era promovida na escola para a série

posterior, seja por transferência, seja por reprovação, criei uma taxa de não

aprovação, subtraindo a taxa de aprovação por cem25. Consegui desta forma

fundir as taxas de reprovação e abandono. Utilizei os dados do censo escolar de

2003 a 2005 que foram os disponibilizados pelo Inep em 2008.

Os dados são aproximativos e servem apenas para ter uma visão geral da

questão dada sua imprecisão. Esse fato já é conhecido tendo em vista que os

censos escolares utilizados tinham como unidade de análise a escola e não o

aluno, pois apenas no Censo Escolar de 2007 foi introduzida a identificação do

aluno e de professor na coleta de dados.

Esta imprecisão fica ainda mais reforçada com a comparação com os dados

das escolas do capítulo 4. Fiz o cálculo da taxa de reprovação que é “a proporção de

25 É preciso dizer que nestas escolas as taxas de abandono foram tendentes a zero. As taxas de não aprovação refletem, portanto, na sua maior parte a taxa de reprovação.

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alunos da matrícula total na série k, no ano t, que são reprovados”26 e apurei na escola

A1 disparidades muito grandes: as taxas do censo escolar estão muito menores do que

de fato são. Os dados da escola A2, com exceção do 1º ano do ensino médio de 2003

e 2005, os dados são parecidos, como podemos ver na tabela a seguir.

Tabela 5 - Dados da escola A1 comparados com os dados do Censo

Escolar de 2003 até 2005.

taxa de Reprovação 

Escola A1 Total Alunos  Reprovados  Escola 

Censo Escolar 

2003  1EM  103  21  20,4%  7,3% 2003  8EF  98  3  3,1%  1,1% 2003  7EF  109  6  5,5%  4% 2003  6EF  166  2  1,2%  1,3% 2004  2EM  78  16  20,5%  3,3% 2004  1EM  107  15  14,0%  4,3% 2004  8EF  98  1  1,0%  0% 2004  7EF  162  11  6,8%  4% 2005  3EM  60  3  5,0%  5,1% 2005  2EM  91  9  9,9%  2,7% 2005  1EM  99  19  19,2%  9,5% 2005  8EF  145  4  2,8%  2,2% 

Tabela 6 - Dados da escola A2 comparados com os dados do Censo Escolar de 2003 até 2005.

taxa de Reprovação 

Escola A2 Total Alunos  Reprovados  Escola 

Censo Escolar 

2003  1EM  139  18  12,9%  2,2% 2003  8EF  132  8  6,1%  6,2% 2003  7EF  141  8  5,7%  5,8% 2003  6EF  126  8  6,3%  6,4% 2004  2EM  120  13  10,8%  10,3% 2004  1EM  124  9  7,3%  7,3% 2004  8EF  142  11  7,7%  7,8% 2004  7EF  130  8  6,2%  5,4% 2005  3EM  99  4  4,0%  4,1% 2005  2EM  125  6  4,8%  5,8% 2005  1EM  105  24  22,9%  17,8% 2005  8EF  142  4  2,8%  3,5% 

26 O censo escolar possui ainda a taxa de repetência que é uma taxa de transição, de fluxo escolar, que é a “proporção de alunos da matrícula total na série K, no t, que se matricula na série K, no ano t + 1.” (Glossário – edudata, site: inep.org. BR)

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3.2 Observações Gerais

A leitura dos próximos gráficos mostra que todas as escolas recorrem à

repetência. Isso provavelmente pode ser explicado por Crahay (apud Gomes,

2005): para que a ameaça de repetência seja de fato um estímulo para o trabalho

dos alunos, é necessário que ela ocorra de forma constante com um determinado

grupo de alunos. As não aprovações, no entanto, não ocorrem de maneira

indistinta, de certa forma, tendem a ter padrões.

No primeiro segmento, há poucas não aprovações. Essa tendência talvez

seja explicada pelo que foi apontado no trabalho de Negreiros (2005), sobre séries

no ensino privado e ciclos no ensino público de Belo Horizonte. As escolas

particulares adotam uma “solução de compromisso”, na qual existe uma

incorporação das características dos ciclos sem a utilização da nomenclatura nem

de uma regulamentação própria, mas adotam a seriação para atender as exigências

da comunidade escolar, principalmente das famílias27. Negreiros explica que uma

das razões para a não adoção dos ciclos de maneira formal seria a representação

polarizada que existe na sociedade sobre o regime de ciclos e a seriação. O

primeiro surge como sinônimo de ensino de qualidade duvidosa e o segundo,

como um ensino exigente, de qualidade.

Muitas escolas têm uma queda acentuada da taxa de não aprovação na 8ª

série. Uma interpretação é que as escolas preferem não repetir seus alunos na 8ª

série, atual 9º ano, porque normalmente nesse período é feita a formatura de

conclusão do ensino fundamental e, dado o caráter simbólico do fato, é complicado

reter o estudante nesse momento. Outra explicação possível é que nas transições

escolares, isto é, da 4ª série do ensino fundamental para a 5ª, da 8ª série para o 1º

ano do ensino médio, muitos alunos cogitam transferir-se das escolas por mudanças

de interesse. Por exemplo, da 8ª série para o 1º ano, muitos alunos preferem estudar

em “cursinhos” preparatórios de vestibular. Como a reprovação é em geral um forte

motivo para a mudança de escola, talvez a baixa taxa de reprovação seja uma

estratégia que as escolas adotem para não estimular a saída dos alunos.

27 Conforme foi noticiado no jornal O Globo em 23/05/2010, o próprio Conselho Nacional de Educação vai recomendar às escolas públicas e às privadas que não reprovem os alunos nos primeiros três anos do ensino fundamental.

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Algumas escolas mostram ter maiores índices de não aprovação no

segundo segmento, decrescendo no ano final do ensino fundamental, voltando a

crescer nos primeiros anos do ensino médio; outras têm suas taxas de não

aprovação crescentes atingindo o ápice nos dois primeiros anos do ensino médio.

Para as duas situações, podemos levantar como possível explicação que esse tipo

de reprovação tenha um caráter seletivo: frente à iminência do vestibular, as

escolas escolhem os melhores alunos para assegurar a boa imagem da escola. Tal

imagem é a que “garante” a manutenção do fluxo de entrada dos alunos.

As taxas de não aprovação encontradas em algumas escolas são muito

altas. Taxas em torno de 20% podem ser o equivalente a quase uma turma inteira

da escola, o que significa que, no fim de um ano, 1/5 dos alunos da série tiveram

suas trajetórias escolares descontinuadas, seja por terem sido transferidos para

outros estabelecimentos, seja por terem ficado repetentes na própria escola. As

altas taxas e a manutenção de um determinado padrão indicam possivelmente o

caráter altamente seletivo de algumas dessas escolas.

3.3 As Escolas

Os dados do censo foram fornecidos para fins de análise e não foi

permitida, pelo Inep, a divulgação dos nomes das instituições. Para caracterizá-

las, utilizarei as taxonomias construídas por Ballion (apud Nogueira, 1998, p. 53),

a partir da rede de estabelecimentos particulares da região parisiense, e a de Paes

de Carvalho (2004), elaborada a partir dos percursos escolares dos graduandos de

Engenharia Elétrica e Direito da PUC-Rio no ano de 2000. Para outras que não se

enquadram nas categorias, fiz uma pequena descrição. Faço essa opção, porque

ela oferece os elementos necessários para a compreensão do tipo de escola, sem

possibilitar a sua identificação por meio das características que eu possa oferecer.

Assim, apresentarei as categorias, as escolas de cada categoria e os gráficos

correspondentes.

A. Seis escolas confessionais

Estes estabelecimentos poderiam ser incluídos nas seguintes categorias:

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Ballion - Estabelecimentos de excelência:

são estabelecimentos tradicionais, reputados pela qualidade do ensino fornecido e pelo rigor da disciplina. Seu alto nível de exigência acadêmica aparece associado a uma forte seleção na entrada, como por exemplo a recusa de candidatos com histórico escolar insuficiente. Sua clientela é recrutada entre os favorecidos cultural e economicamente. ( p. 53)

Paes e Carvalho - Empreendimentos institucionais:

correspondem fundamentalmente ao conjunto das escolas confessionais tradicionais, nas quais podemos identificar duas características particulares: todas possuem uma Congregação Religiosa como mantenedora e, a definição da missão institucional propõe uma formação integral baseada em valores humanistas e religiosos, sem perder de vista a necessidade de uma integração socialmente responsável dos alunos à sociedade. (Paes de Carvalho, 2004, 113)

Gráfico 1 – taxa de não aprovação da escola A1 de 2003 a 2005

O gráfico da escola A1 apresenta linhas que quase se sobrepõem. Vemos,

portanto, que o fluxo da escola é muito parecido todos os anos, com maiores

reprovações na 6ª e 7ª série, um forte declínio na 8ª para ter um crescimento

abrupto no 1º ano do ensino médio. Vale lembrar que de acordo com os dados

apurados na escola as taxas de não aprovação do 1º e do 2º do ensino médio são

muito maiores, pois são todas pelo menos duas vezes mais altas do que as

indicadas pelo censo. No 3º ano do ensino médio, houve a maior variação nos

anos de 2003 e 2004, quando foram todos aprovados, mas, em 2005, a escola teve

5% de não aprovações.

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Gráfico 2 – Taxa de não aprovação da escola A2 de 2003 a 2005

No primeiro segmento do fundamental, assim como na escola A1,

observamos uma grande aprovação na escola A2. Esta manteve uma curva

acentuada no segundo segmento do ensino fundamental, como na escola A1, a

diferença significativa é que a taxa de não aprovação é muito maior. No ensino

médio, a escola A2 não tem um padrão, em 2003, teve uma não aprovação muito

baixa (menos de 5%), para no ano de 2005 ter uma taxa muito alta (de quase

20%).

As escolas A3 e A4, como veremos a seguir, mantêm um padrão parecido

nos três anos do censo. As curvas de não aprovação têm um crescente que chega

ao máximo no 2º ano do ensino médio para ter um forte declínio no último ano

escolar. Aqui mais uma vez observamos que, no primeiro segmento do ensino

fundamental, o fluxo de alunos é contínuo, com a maioria sendo aprovada. A

diferença entre essas duas escolas, a A3 e a A4, é que na A4 as taxas de não

aprovação nos dois primeiros anos do ensino médio são quase duas vezes maiores

do que na A3, mas o sentido da curva é o mesmo.

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Gráfico 3 – taxa de não aprovação da escola A3 de 2003 a 2005

Gráfico 4 – taxa de não aprovação da escola A4 de 2003 a 2005

A escola A5 mantém o padrão das outras escolas, sua diferença maior está

no fato de que os índices do segundo segmento apresentam uma elevação, embora

muito pequena em relação às outras.

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Gráfico 5 – taxa de não aprovação da escola A5 de 2003 a

2005

A escola A6 é a que apresenta um gráfico completamente diferente das

outras escolas. Para começar, como ela teve uma taxa de não aprovação muito

alta, chegando a quase 40% na 5ª série do ano de 2005, seu gráfico está em uma

proporção diferente dos demais. Assim, se nos gráficos das outras escolas o

limite é de 30%, na escola A6 o limite será de 40%. Apenas a curva de 2003 é

semelhante à das demais escolas confessionais: quase nenhuma não aprovação no

1º segmento, uma elevação no segundo segmento do fundamental, uma queda

abrupta na 8ª série para haver uma ascensão 10% no 1º ano do ensino médio.

As curvas de 2004 e 2005 apresentam situações muito diferentes. Em

2004, houve uma grande não aprovação na passagem da 4ª para a 5ª série.

Podemos imaginar que mais do que uma taxa de reprovação muito alta, as

famílias tenham tirado seus filhos da escola para evitar futuros fracassos

escolares. Ballion (1977) já havia demonstrado que as famílias dessas camadas

têm a chance de “apagar” o fracasso escolar. Aqui o que podemos interpretar é

que as famílias mais do que apagar conduzem a escolarização dos filhos com

muito cuidado para que não haja esse tipo de acontecimento. As taxas de não

aprovação do 1º ano do ensino médio são altas, como as das demais escolas, por

volta de 10%, para ter quase nenhuma não aprovação no 3º ano do ensino médio.

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Gráfico 6 – taxa de não aprovação da escola A6 de 2003 a 2005

B. Três escolas alternativas:

Ballion - Estabelecimentos inovadores:

sua especificidade consiste na busca da inovação pedagógica, colocando grande ênfase no cuidado com a realização pessoal do educando. Sua clientela preferencial é composta de famílias originárias das frações modernistas das camadas favorecidas. Nesse tipo de estabelecimento, a excelência escolar não é explicitamente colocada como um objetivo, ela é mediatizada pela ação a ser exercida sobre a personalidade da criança com vistas ao desenvolvimento de suas múltiplas potencialidades. O que não impede a maior parte dessas escolas de fornecer a sua clientela as bases objetivas de um brilhante êxito escolar ulterior (p. 53).

Paes e Carvalho - Empreendimentos pedagógicos:

apresentam-se como empreendimentos construídos em torno de um ideário pedagógico sem, no entanto, deixar de enfatizar também o êxito alcançado no que se refere ao vestibular(2004, 117).

As escolas B1 e B2 seguem o padrão das demais analisadas até agora, qual

seja, ter uma pequena taxa de não aprovação no primeiro segmento do ensino

fundamental, ter uma elevação no segundo segmento e mais uma no ensino

médio, ainda que com pequenas variações. Na escola B3, vemos uma diferença

nas curvas. No ano de 2005, a grande não aprovação aconteceu na 7ª série e não

no 1º ano do ensino médio. Nas curvas de 2003 e 2004, a B3 além de apresentar,

diferente das demais, uma taxa de não aprovação baixa no segundo segmento,

possui uma taxa muito alta, de quase 20%, no 1º ano do ensino médio.

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Gráfico 7 – taxa de não aprovação da escola B1 de 2003 a 2005

Gráfico 8 – taxa de não aprovação da escola B2 de 2003 a 2005

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Gráfico 9 – taxa de não aprovação da escola B3 de 2003 a 2005

C. Escola de elite:

Ballion - Estabelecimentos para as classes altas:

aproximam-se do tipo anterior [estabelecimentos de excelência] no que concerne à clientela atendida. Porém, não se caracterizam pela excelência escolar, mas sim pela garantia de um meio social seleto e por um tipo de socialização, feito de práticas ‘mundanas’ – que reforça o pertencimento às elites (exemplo: dança clássica, concerto, teatro etc.). (ibid, p. 53)

Este estabelecimento fez parte do survey desenvolvido pelo SOCED em

2002 e 2004, aplicado em nove escolas de prestígio28 da cidade do Rio de Janeiro.

O universo desta investigação foi constituído por duas escolas confessionais, duas

bilíngues, duas “alternativas”29, duas escolas públicas e uma escola judaica. O

survey foi composto de três questionários – alunos, pais e professores – e foi

aplicado nas turmas de 8ª série. Como a aplicação do questionário dos alunos foi

em sala de aula, tivemos pouquíssimas abstenções. No survey, na resposta do

bairro de moradia da escola C1, apenas três alunos entre 77 assinalaram bairros da

28 As escolas investigadas foram selecionadas principalmente com base no desempenho de seus egressos aprovados nos exames de vestibular para os cursos e universidades mais procurados, assim como nas notícias da mídia impressa carioca, que anualmente divulga rankings das escolas consideradas melhores, conforme a aprovação no vestibular da UFRJ. 29 Dentro da categorização de Ballion: “estabelecimentos inovadores”.

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zona norte. Além disso, os pais assinalaram as maiores rendas familiares, junto

com outra escola bilíngue, dos nove estabelecimentos da pesquisa do SOCED30.

A escola C1 é a que apresenta as menores taxas de não aprovação, que

provavelmente se devem ao tipo de clientela que a escola possui. Sendo famílias

das camadas mais altas, que pagam mensalidades nada modestas, normalmente

esse grupo não se expõe ao fracasso escolar, porque seu futuro não é tão

dependente de seu resultado escolar, como o é para as camadas médias. Uma das

coordenadoras da outra escola bilíngue, que tem um perfil muito parecido com a

escola C1, disse textualmente que eles não reprovavam seus alunos, pois não

haveria nenhuma escola similar no Rio de Janeiro para onde eles pudessem ir caso

tivessem problemas escolares. Muito diferente da escola A1 como veremos nos

próximos capítulos onde a reprovação é alta.

Gráfico 10 – taxa de não aprovação da escola C1 de 2003 a 2005

30 Ver Mandelert(2005).

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D. Empresas educacionais:

em comum, todas têm o fato de serem estabelecimentos leigos e possuírem como mantenedora uma empresa privada de médio ou grande porte que mantém diversas filiais (Paes e Carvalho - 2004,114)

Essa escola não possui filial, mas é um estabelecimento leigo e é uma

empresa. Sua curva é similar às curvas das escolas confessionais, mas com

diferenças básicas no ensino médio: quase 30%, no primeiro ano do ensino médio,

acima de 20% no 2º ano, em contrapartida nenhuma reprovação no 3º ano.

Gráfico 11 – taxa de não aprovação da escola D1 de 2003 a 2005

E. Uma escola judaica –

A escola judaica que pode ser caracterizada entre os “estabelecimentos de

excelência” e os “para as classes altas”. Ao mesmo tempo em que busca e

oferece uma alta performance acadêmica, garante à sua clientela um meio

social seleto. Vemos características semelhantes às escolas que reprovam

muito no início do ensino médio para depois não reprovar ninguém no 3º ano.

A escola judaica oferece também uma educação judaica que é muito difícil de

receber em outros meios acadêmicos. Daí a necessidade de manter uma taxa

mais baixa até a 8ª série do ensino fundamental. No ensino médio a

preparação para o vestibular torna-se o foco do estabelecimento a formação

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judaica fica com um papel secundário. A escola para manter-se como uma

opção interessante para própria comunidade tem que oferecer não só a

formação judaica como o bom desempenho no vestibular.

Gráfico 12 – taxa de não aprovação da escola E1 de 2003 a 2005

F. Uma escola pública federal – escola sempre presente no ranking das

melhores do Rio de Janeiro, mas não faz parte nem da tipologia de

Ballion, nem da de Paes e Carvalho.

A escola pública que esteve entre as melhores do Enem não teve dados do

censo para o ano de 2003. Por isso coloquei no gráfico os dados de 2002.

Interessante notar que as curvas de 2004 e 2005 são muito parecidas e mais uma

vez repetem o padrão das demais com duas elevações de não aprovação, uma no

segundo segmento do ensino fundamental e outra no 1º ano do ensino médio. A

curva de 2002 é diferente, pois não tem essa acentuação no ensino médio; o ápice

é atingido na 7ª série.

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Gráfico 13 – taxa de não aprovação da escola F1 de 2003 a 2005

G. Escolas Bilíngues

Presentes entre as melhores do Enem, essas duas escolas bilíngues atendem

alunos das camadas médias altas. As linhas do gráfico da escola G1 sugerem que

mantenha os padrões das outras escolas, com a diferença de a não aprovação ser

um pouco alta na 8ª série. A escola G2, no entanto, apresenta na linha de 2005

nenhuma não aprovação a partir da 3ª série, pode ser que tenha havido uma

mudança de política na escola, ou então os dados não refletem a realidade escolar.

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Gráfico 14 – taxa de não aprovação da escola G1 de 2003 a 2005

Gráfico 15 – taxa de não aprovação da escola G2 de 2003 a 2005

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3.4 Considerações parciais

O alto valor das taxas em algumas escolas aponta para a reprovação como

um mecanismo de seletividade fundamental na construção da imagem de

excelência dessas escolas. Mesmo que os dados do censo possam não retratar

perfeitamente a situação das não aprovações nestas escolas, tendo em vista as

diferenças encontradas para a escola A1 e A2

Este primeiro panorama fez com que fosse possível perceber mais uma vez

que a repetência nas escolas privadas de prestígio, assim como nas escolas

públicas de prestígio, não é um acontecimento isolado.

O fato das reprovações apresentarem um padrão no momento em que elas

acontecem é uma indicação de que a reprovação é um mecanismo escolar

firmemente implantado no sistema educacional brasileiro. As características

individuais dos alunos devem ter sua importância, mas mais do que isso, a

reprovação, faz parte da lógica dessas escolas.

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4 Escolas de prestígio: da qualidade à distinção 4.1 Objetivos

Observamos no capítulo anterior com os dados do censo o fenômeno de

forma sincrônica. Em outras palavras, vimos as não aprovações em cada ano

(2003, 2004 e 2005) sem levar em conta o processo evolutivo do fenômeno. Este

capítulo tem o objetivo de analisar o fenômeno de forma diacrônica, isto é,

observando o processo para compreender os padrões de reprovação de duas

escolas. Para isso é necessário entender como as escolas administram o alto índice

de reprovação recompondo as coortes, pois este é um componente essencial do

mecanismo de manutenção das turmas afetadas pelas taxas de reprovação.

Isso também é importante de ser analisado porque é na conjugação de

desempenho e fluxo que está inserido o conceito qualidade. O Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica, o IDEB, foi criado pelo Inep para as

escolas públicas justamente pensando nisso. Considerou-se que qualidade de

ensino não seria compatível com a exclusão e pré-seleção, daí a importância da

relação do fluxo com o desempenho escolar. Como todas essas instituições são de

prestígio, portanto têm bons desempenhos e figuram entre as melhores do Rio de

Janeiro e do Brasil, julgamos importante observar o fluxo para entender como se

mantém a qualidade nestas escolas.

Emerique (2008) no seu estudo sobre o percurso do conceito “qualidade de

ensino” observou que esta seria uma expressão derivada da expansão escolar,

enquanto que a excelência acadêmica derivaria de seleção escolar. Como vimos

na introdução, a partir do momento que se observou que a questão do acesso

escolar tinha sido praticamente resolvida, a qualidade passou a ser o foco da

questão. Considero que o estudo em duas escolas de prestígio nos ajuda a

aprofundar esse tema, na medida em que nos mostra com relação ao fluxo como

esta excelência é alcançada.

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4.2 Dados e tratamento

Para realizar esta análise criei o que chamei de ciclo de série, considerei o

percurso ideal das séries que começaria na 1ª série do ensino fundamental até o 3º

ano do ensino médio31. Esta categoria me permitiu analisar o impacto das

reprovações e das transferências dos alunos nas estratégias de composição das

turmas pelas escolas. Em outras palavras, o objetivo era verificar como estava

composta a 1ª série do ensino fundamental de 1995 e as subseqüentes até a

formatura no 3º ano do ensino médio em 2005, computando o número de alunos

que tinham sido promovidos, reprovados ou transferidos no ano anterior e o

número de alunos novos.

O censo não oferece isso no fluxo escolar com as taxas de promoção,

repetência e abandono do fluxo escolar. O que é possível com esses dados é a

análise da progressão dos alunos pertencentes a uma coorte, em determinado nível

de ensino seriado, em relação à sua condição de promovido, repetente ou evadido.

Logo, não temos um dado importante que é se o aluno é novo na escola.

Para analisar os ciclos de série, construí um banco com os dados das

escolas A1 e A232. Acompanhei a entrada e saída dos alunos ao longo dos 11 anos

necessários para a formatura de uma geração. No caso, quatro gerações, pois fiz o

mesmo trabalho para os anos de 1995, 1996, 1997 e 1998 até a provável formatura

em 2005, 2006, 2007 e 2008, respectivamente. Considerei cada 11 anos um grupo

diferente e assim denominei de ciclo de série de 2005, ciclo de 2006 e assim por

diante. Não denominei de coorte, nesta parte da análise, porque não acompanhei a

trajetória dos alunos, e sim a sucessão das séries.

A base de dados foi construída colocando o nome do aluno, a matrícula,

ano de entrada na escola, depois série por série as informações sobre sua turma,

promoção, reprovação, transferência. Nas séries em que o aluno não estava

matriculado na escola considerei dado faltante. Foi necessário retornar às escolas

para conferir dados a partir da conferência feita nos registro. Por exemplo, alunos

31 Utilizarei a denominação de 1ª série, e não de 2º ano do ensino fundamental, porque era a vigente à época e seria um anacronismo fazer de outro modo. 32 Estas duas instituições estão no capítulo 3 com essa denominação e participaram da pesquisa maior desenvolvida pelo SOCED, denominado “O efeito escola na produção dos habitus dos estudantes”.

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que constavam como reprovados tinham sido afinal promovidos, outros em cujo

registro não constava a sua transferência e assim por diante.

Ao realizar o acompanhamento das séries, pude entender o movimento das

instituições na regulação do seu fluxo escolar. Esse tipo de construção não seria

possível de se realizar com os dados do censo, pois este não acompanha a trajetória

de alunos individualmente, e sim, como já foi dito anteriormente, das instituições.

Em seguida, fiz o acompanhamento da coorte da turma de 1997 da escola

A133: verifiquei os nomes dos alunos que entraram na primeira série de 1997(série

de entrada na escola), pois ela não tem educação infantil, até os que conseguiram se

formar no ensino médio em 2007. Adotei como critério básico a coorte que tinha

um número intermediário de formandos na escola sem nenhuma defasagem escolar.

Na análise da coorte de turma fiz uma tentativa de estabelecer o perfil do

aluno que permanece nesse tipo de instituição com os dados de ocupação de pai e

mãe, endereço e desempenho acadêmico.

4.3 Ciclos de Série 4.3.1 Recrutamentos de alunos

Nas duas escolas a seleção já é demonstrada por uma realidade de quatro

candidatos por vaga no primeiro ano do ensino médio34. Para a 1ª série do ensino

fundamental, por exemplo, a informação dada pela supervisora da escola A1 é que

foram 148 candidatos para 75 vagas no ano de 2010.

A primeira questão de interesse era saber quantos alunos estavam

matriculados nas séries ao longo dos anos. Como poderemos ver no gráfico a

seguir, o recrutamento de alunos novos para a primeira série variou no tempo nas

duas escolas. A primeira série da escola A1 teve 78 alunos nos anos de 1996 e

1997, mas teve 90 em 1998; já na Escola A2, em 1995, entraram na 1ª série 127

33 Os gráficos das coortes de turma de ambas as escolas dos anos de 1995, 1996, 1997 e 1998 estão no anexo nº 1. 34 De acordo com a informação veiculada na imprensa - ALMEIDA, Lívia de. O caminho para a vitória. Veja Rio, Rio de Janeiro, 4 nov. 2009. Educação, p. 24-30.

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alunos, mas, em 1998, entraram apenas 104 alunos novos35. O número máximo de

alunos em todos os anos é na 5ª série, pois há uma entrada grande de alunos

novos, provavelmente provenientes de escolas que só vão até a 4ª série. Ou, como

denominou Paes de Carvalho (2006), como resultado de um “refinamento” do

investimento escolar; essa grande quantidade de trocas de escola que se observa

entre o final do primeiro e o início do segundo segmento do ensino fundamental.

Nas duas escolas, o menor número de alunos é sempre no 3º ano do ensino

médio36. Conforme se verá, apesar de não haver um número fixo de matrículas ao

longo das séries, podemos ver que existe um fluxo mais ou menos regular de

alunos, isto é, as escolas mantêm a mesma ordem de grandeza em cada série. A

diferença é que na Escola A1 a curva descendente é mais acentuada do que na

Escola A2, pois nesta o número de alunos nas séries é mais próximo.

Outro dado interessante de se ressaltar é que na Escola A1, no ciclo de

1998/2008, apesar de ter havido uma entrada muito grande de alunos a partir da 3ª

série (coluna lilás do gráfico), chegando a ter na 7ª série quase 40 alunos a mais

do que nos outros ciclos37, o número de formados não acompanhou a proporção, e

a diferença entre o menor número de formandos que foi o ciclo de 1995/2005 caiu

para 17 alunos, o que pode parecer um ajuste para um número desejável de alunos

no 3º ano do ensino médio.

Gráfico 16: Número de alunos por série dos quatro ciclos de série da

Escola A1

35 Chamarei de alunos novos aqueles que estão ingressando naquele ano na escola, e alunos antigos aqueles que estão há mais de um ano na instituição. 36 Com exceção dos formandos de 2008 da Escola A2, que foram em maior número do que os matriculados na primeira série de 1998, 122 e 104, respectivamente. 37 De 1995/2005, 1996/2006 e 1997/2007.

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Gráfico 17: Número de alunos por série dos quatro ciclos de série da

Escola A2

4.3.2 Ciclo dos alunos

Para compreender melhor essa flutuação de número de alunos, apresento o

que chamarei de consolidado das séries das duas escolas. Somei os dados dos

quatro ciclos de série em cada escola, formando uma coluna para cada série.

Assim obtive a coluna da primeira série agregando os dados das primeiras séries

de 1995, 1996, 1997 e 1998, e assim nas séries subsequentes. Nele coloquei em

cada série a proporção de alunos novos, alunos antigos, repetentes e repetentes em

anos anteriores. A ideia era entender como era a composição das séries.

Podemos ver em ambos os gráficos que, na primeira série, não há

repetentes, apenas alunos novos. Depois da primeira série, o maior número de

alunos novos é na 5ª, com quase 30% do total na Escola A1 e pouco menos de

20% na Escola A2. A Escola A2 aceita, em proporções variadas, novos alunos em

todas as séries, já a Escola A1 não admitiu alunos novos na 6ª nem na 7ª, pois,

como vimos anteriormente, houve uma entrada maior de alunos na 5ª série. Nas

duas escolas, vemos que, no 1º ano do ensino médio, há um aumento de

matrículas novas (em torno de 10% em ambas).

É possível observar nos gráficos que uma boa proporção dos alunos

repetentes do primeiro segmento do fundamental praticamente não permanecem nas

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escolas. Isso corrobora o achado de Rodrigues (2004) que, em escolas de prestígio em

Belo Horizonte, não conseguiu reunir famílias com alunos repetentes desse segmento

para fazer parte de sua mostra. A autora foi informada de que são poucos os alunos

que repetem e os que são, em geral, pedem transferência para outras escolas. De fato,

o número de alunos que repete no 1º segmento do ensino fundamental é muito

pequeno, como se verá nos próximos gráficos e já visto no capítulo anterior.

Gráfico 18: Consolidado dos quatro ciclos da Escola A1 com a porcentagem na composição das séries

Gráfico 19: Consolidado dos quatro ciclos da Escola A2 com a composição das séries

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Nas tabelas abaixo, apresento a porcentagem de alunos reprovados por série

de todos os ciclos de série. Podemos ver mais uma vez que, no primeiro segmento

do ensino fundamental, quase não há reprovações. Nestas escolas a primeira e a

segunda série não retêm quase nenhum aluno em todos os quatro anos estudados.

Nas escolas públicas é diferente, de acordo com os dados do Inep de 2005, a taxa de

reprovação da 1ª e da 2ª série do ensino fundamental nas escolas públicas do estado

do Rio de Janeiro, em 2005, foi de 10% e 20,6%, respectivamente. Nas escolas

investigadas, o número aumenta um pouco na 3ª e na 4ª série, mas, na comparação

com os outros anos, é muito pequeno. A situação, no entanto, muda bastante a partir

do segundo segmento do ensino fundamental, aí a reprovação acontece em maior

número e atinge seu ápice no 1º e 2º ano do ensino médio 38.

Na comparação com os dados do Inep das escolas privadas do Rio de

Janeiro de 2005, as taxas de repetência do ensino médio dessas escolas são mais

altas com 17,4% e 13,5% quando a média das escolas particulares é de 12%,

sendo a da escola pública de 18,6%. Nas outras séries, os números são próximos

ou um pouco acima. Com essas informações, mais as do capítulo anterior é

possível pensar que a reprovação nestas escolas seja um sinônimo de distinção.

Não é fácil entrar nem passar por elas.

Tabela 7 – Taxa de repetência dos quatro ciclos da Escola A1 Porcentagem de reprovados da Escola 1 para as quatro coortes etárias

% 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 1EM 2EM 3EM 2005 0,0% 0,0% 3,0% 0,0% 6,5% 10,4% 6,7% 2,8% 20,4% 20,5% 3,4% 2006 0,0% 0,0% 0,0% 1,9% 2,9% 5,2% 14,4% 3,1% 15,0% 11,0% 0,0% 2007 0,0% 0,0% 2,0% 2,9% 3,6% 17,3% 5,6% 2,0% 16,2% 10,0% 0,0% 2008 0,0% 0,0% 0,8% 0,7% 5,8% 3,0% 8,0% 2,7% 17,9% 16,3% 0,0% Média 0,0% 0,0% 1,4% 1,3% 4,8% 8,5% 8,8% 2,7% 17,4% 14,4% 0,7%

Tabela 8 – Taxa de repetência dos quatro ciclos da Escola A2 Porcentagem de reprovados da Escola 2 para as quatro coortes etárias

% 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 1EM 2EM 3EM 2005 0,0% 0,0% 0,0% 2,3% 10,7% 3,5% 7,7% 9,4% 14,0% 10,8% 4,0%2006 0,8% 0,8% 1,7% 4,2% 5,9% 4,8% 7,0% 6,1% 7,3% 4,8% 0,0%2007 0,0% 1,7% 0,8% 6,7% 11,3% 3,6% 5,7% 7,7% 22,9% 6,3% 0,0%2008 1,0% 0,9% 0,0% 5,0% 5,6% 6,3% 6,2% 2,8% 11,6% 3,8% 1,6%Média 0,4% 0,8% 0,6% 4,6% 8,5% 4,5% 6,7% 6,5% 13,5% 6,4% 1,4%

38 A exceção foi a 6ª série de 2007 da Escola A1, que reprovou mais do que o ensino médio.

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No próximo gráfico, agreguei os dados de todos os ciclos formando um

consolidado por escola, por conta de os valores serem muito próximos e a leitura ficar

mais fácil dessa maneira. Nele poderemos ver a proporção e o número total de alunos:

a) Concluintes do 3º ano do ensino médio;

b) Transferidos no mesmo ano da reprovação;

c) Reprovados e que permaneceram na escola para refazer a série;

d) Transferidos sem terem sido reprovados.

Vemos que muitos alunos entraram e saíram ao longo dos anos para o

grupo que se forma no 3º ano do ensino médio, os concluintes. Na Escola A1, são

concluintes apenas 34% dos alunos matriculados ao longo dos 11 anos de cada

ciclo; na Escola A2, a porcentagem é maior, com 42%. O número de alunos

reprovados na Escola A1 é maior do que na Escola A2, pois, somando-se os

reprovados e transferidos com aqueles que ficaram na escola, temos 36% na

Escola A1 e 29% na Escola A2.

Outro dado importante é que os alunos da Escola A2 tendem a permanecer

mais na escola do que os da Escola A1 quando são reprovados. O número de

transferidos é praticamente o mesmo nas duas escolas: na Escola A1 com 30% e

na Escola A2 com 29%.

Gráfico 20: Consolidado dos quatro ciclos da Escola A1 e Escola A2 com a proporção e o número absoluto de alunos: concluintes, reprovados,

reprovados e transferidos no mesmo ano e dos transferidos

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No gráfico 21, vemos a comparação das médias das reprovações com as

transferências em cada escola nos quatro ciclos. Na Escola A1, a linha das

transferências é muito semelhante à das reprovações. Uma das coordenadoras

disse que a escola costuma encaminhar alguns alunos para outras instituições por

considerar que não tenham o perfil necessário e serão mais felizes em outro

estabelecimento. Quando comentei esse dado com uma das orientadoras

educacionais da Escola A1, ela disse que muito poucos saem por outra razão que

não a reprovação. A escolha e a adesão ao estabelecimento é muito forte, pois não

é uma escola de bairro, quem faz a escolha pela instituição só pede transferência

quando é reprovado. As transferências, assim como as reprovações, são baixas nas

três primeiras séries, na 4ª, se elevam um pouco para atingir 15% na 6ª série,

quando voltam a diminuir, até atingir o ápice no 1º ano do ensino médio, quando

também é a maior média de reprovações.

Uma indicação de que as transferências estão ligadas de alguma forma às

reprovações é que elas não acontecem igualmente em todas as séries. Como

veremos no próximo gráfico, muitas vezes elas acontecem no mesmo ano em que

o aluno é reprovado, assim sua maior incidência geralmente é nas séries de maior

retenção. Em alguns anos, elas são tão numerosas que o equivalente a uma turma

de 25 a 30 alunos pede transferência.

Gráfico 21: Médias das reprovações e transferências nos quatro ciclos de série da Escola A1

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O gráfico 22 da escola A2 mostra um padrão diferente de transferências, o

movimento é distinto, a linha das transferências não é tão simétrica a das

reprovações. Até porque, como veremos no gráfico 23, os reprovados da escola A2

tendem a permanecer na escola, ao contrário dos reprovados da escola A1 que

pedem transferência logo na primeira reprovação. Os picos de transferências são nas

mudanças de segmento. Apesar da pouca retenção no primeiro segmento do ensino

fundamental, a média de transferência na Escola A2 foi alta: nas três primeiras

séries, em torno de 7%, até chegar a 14% na 4ª, o que pode ser uma indicação de

que, apesar das poucas reprovações, as dificuldades encontradas pelos alunos

podem ser catalisadoras da decisão de mudar de escola. Podemos pensar que essas

famílias se antecipam, ou trata-se do “refinamento” do investimento escolar,

conforme Paes de Carvalho (2006).

As transferências diminuem na 5ª, 6ª e 7ª, para voltarem a aumentar na 8ª série.

Já as reprovações aumentam na 5ª, diminuindo em seguida, para voltar a aumentar no

1º ano do ensino médio, como na Escola A1. O alto índice de transferência na 8ª série

talvez seja uma indicação de que os próprios alunos queiram tentar novos horizontes

em outras escolas, pois é nesse momento que o aluno adquire mais autonomia em

relação aos pais e pode fazer escolhas. Outra possibilidade é que no 1º ano do ensino

médio a pressão pelo vestibular começa, e alguns optam por fazer os últimos anos de

escolarização em estabelecimentos do tipo “cursinho”, preparatórios para o vestibular,

ainda que a Escola A2 tenha ótimo desempenho no Enem.

Gráfico 22: Média das reprovações e transferências nos quatro ciclos de série da Escola A2

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Na revisão de literatura, vimos que a repetência não é uma boa estratégia

para melhorar o desempenho do aluno. Conforme a listagem nominal dos alunos

levantada na escola foi possível observar o destino dos alunos reprovados, se eles

se formaram na escola ou se pediram transferência. Foi possível acompanhar

apenas os alunos que foram reprovados e permaneceram nas escolas nos ciclos de

1995, 1996 e 1997, pois seus nomes reaparecem no ciclo seguinte. Só não foi

possível no de 1998, tendo em vista que não tenho os dados de 1999. Os dados

parecem se direcionar para o que foi apresentado anteriormente: poucos alunos

conseguem formar-se na escola após a reprovação.

Gráfico 23: Consolidado dos quatro ciclos da Escola A1 e da Escola A2 com os alunos que foram reprovados e seus destinos

Na Escola A1, apenas 8,5% (17 alunos)39 conseguiram se formar a

despeito de terem sido reprovados uma vez. Desses formandos, nenhum é do

primeiro segmento do ensino fundamental. Na Escola A2, os repetentes têm mais

chance de se formar, e vemos que 18% (40) terminam sua trajetória na mesma

escola, sendo que desses apenas um foi da 3ª série do ensino fundamental.

Os dados das duas escolas corroboram, portanto, que o tratamento da

reprovação não tem um resultado muito positivo. Mais do que recuperar o aluno,

o que ocorre é a evasão da escola, pois 64,5% dos alunos reprovados na Escola

A1 pediram transferência no mesmo ano e, na Escola A2, foram 55%. Esse fato

39 Como o gráfico não aponta o valor da porcentagem, optei por colocar no texto a porcentagem, seguida do valor absoluto de alunos entre parênteses.

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também ocorre na escola pública, como foi demonstrado por Costa Ribeiro

(1991). As escolas particulares não costumam reter os estudantes que foram

reprovados nas últimas quatro séries do 1º grau (Mello e Souza e Valle

Silva,1994), talvez seja esse um dos motivos pelos quais tantos alunos reprovados

pedem transferência. Dos alunos que são reprovados e permanecem nas escolas,

12,5% da Escola A1 e 15% da Escola A2 são reprovados mais uma vez e pedem

transferência na segunda reprovação. O pedido de transferência sem ser atrelado à

reprovação ocorre com 13,5% dos alunos da Escola A1 e 7% dos alunos da Escola

A2. É necessário dizer que desses que pediram a transferência, a metade dos

pedidos foi feita no meio do segundo semestre, o que reforça a tese já mencionada

anteriormente da transferência como uma estratégia de não reprovação. Dos

alunos que pediram a transferência no final do ano letivo, não tive o resultado do

seu desempenho para saber se porventura notas ruins teriam influenciado na sua

decisão. Dos 12 alunos que reprovaram uma terceira vez, só tenho a informação

de três: um se formou, um foi reprovado de novo e pediu transferência, e o outro

apenas pediu transferência.

4.4 Coorte de turma Como disse anteriormente, escolhi a coorte de 1997 da Escola A1 para

uma análise mais aprofundada por ser a coorte que teve um número intermediário

de formandos que estavam desde a 1ª série, como podemos ver na tabela a seguir:

Tabela 9 - Frequência absoluta e relativa dos alunos matriculados da

1ª série e dos concluintes em cada coorte da escola A1

Coortes 1ª série % Concluintes %

1995 89 100 22 25

1996 78 100 31 40

1997 77 100 28 37

1998 90 100 34 38

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Interessante notar que no estudo de Galvão (2003) mencionado na

introdução, a porcentagem de alunos formados na escola sem nenhuma

reprovação foi de 27%, portanto, um pouco abaixo da encontrada na escola A1.

Como no estudo foi demonstrada a seletividade social feita pela escola, talvez a

explicação da diferença esteja por ser por sorteio a forma como os alunos são

selecionados no Pedro II para a 1ª série. Os alunos da escola A1 são selecionados

socialmente antes de entrar na escola.

Pelo gráfico 24 podemos ver mais uma vez a preponderância das

reprovações na 6ª e 7ª do ensino fundamental e no 1º ano do ensino médio. As

transferências ocorrem em maior número nas séries nas quais temos um maior

número de reprovações e na 2ª, na 5ª e na 8ª série do fundamental. Podemos

pensar que na 2ª e na 5ª os pais decidem mudar o aluno de escola por ver que

talvez o perfil do filho não seja adaptado ao nível de exigência e de disciplina da

escola. Na 8ª série, como já citado, a transferência se dá provavelmente por uma

decisão do aluno em busca de novas experiências escolares. Ou talvez pela

percepção de que as suas opções de carreira sejam menos seletivas e por isso o

ensino médio da escola A1 seja exigente demais para as expectativas.

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Numa tentativa de aprofundar a análise e tentar correlacionar desempenho

escolar com origem social dos alunos, fiz o levantamento dos dados nas fichas dos

alunos na secretaria da Escola A140.

Como análise exploratória, usei a informação da zona do bairro de moradia

dos alunos como proxy de sua posição social para observar se haveria uma

diferença entre os alunos que começaram na 1ª série do ensino fundamental

daqueles que se formaram no 3º ano do ensino médio. Assim, considerei que

provavelmente os moradores da zona sul teriam o nível socioeconômico mais alto

do que a maioria dos moradores das outras zonas. Apesar de os números serem

pequenos, a indicação da proporção é interessante para ser investigada. Conforme

vemos a seguir, 50% dos alunos da zona norte se formaram na Escola A1, sendo

que os alunos da zona sul foram em menor proporção, com apenas 39%.

Tabela 10 – Frequência absoluta e relativa da zona de moradia dos alunos da coorte de 1997 da escola A1 conforme moradia na 1ª série e os concluintes

Coorte de 1997 Escola A1  Alunos na 1ª série  Concluintes 

Zona Sul  36  11 %  47%  39% 

Zona Norte   33  14 %  43%  50% 

Zona Oeste   7  3 %  9%  11% 

Itaipu   1  0 %  1%  0% 

Total  77  28 

%  100%  100% 

Talvez possamos imputar essa pequena diferença ao que Bourdieu (2005)

chamou de disposição ascética da pequena burguesia (soma norte e oeste), que a

transforma na clientela ideal da escola, pois reúne boa vontade cultural e espírito

econômico, seriedade e afinco no trabalho, absolutamente necessários ao sucesso da

instituição. Já os alunos provenientes da zona sul têm “uma segurança

proporcionada pela certeza íntima de poder contar com uma série de “redes de 40 O envelope de cada aluno continha os contratos de prestação de serviço por ano escolar, uma ficha de matrícula onde constava o endereço e a profissão dos pais. Nos envelopes também estavam os históricos escolares, mas infelizmente não havia mais informações, nem mesmo se os pais eram casados ou não. O cadastro preenchido pelas famílias permanece com o serviço de orientação educacional e não tive acesso a essas informações.

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proteção’” (Ibid, p. 95), levando-os a considerar o esforço exigido pela instituição

como algo penoso, exagerado, tendo em vista que seu futuro de classe não depende

inteiramente dela. Essa segurança faz com que eles possam ter a “audácia” de falhar

no projeto escolar. Preciso salientar, no entanto, que essa foi a única diferença que

consegui encontrar. Nenhuma outra característica distinguiu os alunos que

terminaram em 11 anos no mesmo estabelecimento sua trajetória escolar.

4.5 Alunos bolsistas Busquei na escola A1 informação sobre os alunos que receberam bolsa

desde 1995 até 2008, visando avaliar se a condição de bolsista ajudaria a

estabelecer uma diferenciação entre as trajetórias escolares dos alunos bolsistas e

não bolsistas. Esta estratégia não pode ser realizada de forma acurada, pois a

Escola A1, até o ano de 2004, concedia bolsas de porcentagens variadas para 40%

dos alunos da instituição41, e não tive acesso às porcentagens das bolsas, apenas à

informação sobre quais eram os alunos bolsistas. A partir de 2005 o número de

bolsas caiu radicalmente para 192 bolsas. Em 2008 o número caiu ainda mais para

92, isto é, menos de 10% dos alunos do colégio. Além disso, foi tomada a decisão

de que não seriam mais oferecidas bolsas no primeiro ano do ensino fundamental,

pois só após o pagamento de um ano letivo é que a família do aluno poderá

solicitar a bolsa.

Diante disso, decidi trabalhar com os dados de 2005 até 2008, do ciclo de

2008. Fiz uma variável que era a razão entre os anos que o aluno recebeu bolsa em

relação ao tempo de permanência na escola. Depois fiz um corte entre os alunos

que receberam mais tempo de bolsa e menos tempo de bolsa. Fazendo o

cruzamento dessa variável com a repetência, não houve diferença significativa

entre os grupos. Os alunos que tiveram mais bolsa não ficaram mais reprovados

do que aqueles que receberam menos bolsa.

41 Por volta de 400 alunos, em um total de mais de 800.

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4.6 Considerações Parciais

Diante dos dados podemos considerar, portanto, que de fato como

salientou Emerique (2008) qualidade e excelência escolar são expressões que não

se confundem. Se as escolas de excelência escolar tivessem o IDEB calculado

perderiam muitos pontos por conta da seletividade escolar operada pela

reprovação.

Isso não é uma novidade tendo em vista a análise de Bourdieu (1989) e

aqui no Brasil a pesquisa de Galvão (2003). A diferença que se observa neste

trabalho é que são duas instituições privadas, ao contrário das estudadas por

Galvão e Bourdieu. Aqui no Brasil, portanto, podemos considerar que a

seletividade é ainda mais alta, pois começa com o valor das mensalidades. Nem

todos podem pagar mais de R$900,0042 por mês, por isso não vemos diferenças na

origem social entre os alunos que entram, daqueles que se formam, como pode ser

verificado por Galvão (2003).

Em segundo com a prova de nivelamento para entrar no colégio. Os alunos

que ingressam em escolas de excelência possuem um repertório acadêmico que os

permitiria passar para pelo menos um nível acima em outras instituições.43.

Bourdieu considera que a precocidade exigida pelas escolas de excelência permite

uma economia do lento trabalho de aquisição que é necessário para alunos

medianos, e é “uma das retraduções escolares dos privilégios culturais”(1989,

34)44. No caso em tela, podemos dizer que a escola seleciona primeiro

economicamente e depois culturalmente.

Finalmente, ao longo dos anos, a seleção por desempenho continua com as

reprovações. Os dados deixam claro que existem pontos de corte nas escolas, como

são os casos da 6ª, 7ª série do ensino fundamental e do 1º ano do ensino médio. A

teoria da reprovação calcada na personalidade e na capacidade de estudo dos alunos

repetentes de Fourastié (1972) e Ballion (1977) não parecem suficientes. Afinal no

caso da Escola A1 vemos que somente 42% dos alunos têm o perfil escolar desejado.

42 Em torno de 470 dólares. 43 De acordo como depoimento da educadora Claudia Horta feito à Revista Veja (2009) especialista em preparar alunos para os testes seletivos das melhores escolas do Rio de Janeiro, “um aluno que se apronta para o 2º ano do Santo Agostinho poderia perfeitamente passar para o 3º de qualquer outro lugar”. Em: ALMEIDA, Lívia de. O caminho para a vitória. Veja Rio, Rio de Janeiro, 4 nov. 2009. Educação, p. 24-30. 44 No original: “En fait, la précocité n’est qu’une des retraductions scolaires du privilège culturel”.

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Aparentemente, a escola no Brasil é algo para poucos e “bons”. Sua

atividade principal é separar “o joio do trigo”, como disse um coordenador de uma

escola tradicional do Rio de Janeiro, com excelentes resultados no Enem, que faz

parte da pesquisa do SOCED. É claro que em escolas de alto prestígio não se pode

ter o mesmo discurso das escolas públicas, não é esse o contrato que com elas é

estabelecido, afinal são escolas de elite, logo para poucos. O processo analisado

indica um número excepcionalmente elevado.

Considero, portanto, que temos aqui um reforço, pelo menos em parte, da

tese da “pedagogia da repetência”, como denominou Costa Ribeiro. A seletividade

escolar tão forte se transforma em marca de qualidade, pois sendo essas escolas de

prestígio, elas são de alguma forma a imagem do que é considerado padrão em

uma escola de excelência. Dentro disso, a reprovação maciça de alunos passa a ser

um sinônimo de escola puxada, séria, que exige dos alunos uma boa performance.

O contrato é claro: caso o aluno não consiga ter o desempenho esperado, ele será

excluído do grupo. Talvez essa seja uma das explicações para que os nossos

índices de reprovação sejam tão altos, pois, se esses alunos que, pela literatura em

sociologia da educação, possuem todas as características que geralmente

conduzem ao sucesso escolar são reprovados nessa proporção, muito mais razão

tem a escola pública de reprovar os alunos que estão longe do “ideal”.

A comparação dos gráficos 16 e 17, mais as informações obtidas pelo

panorama feito no capítulo 3, entretanto, nos permitem ir um pouco além para

propor uma tipologia de escolas no que tange à repetência. As instituições não

reprovam indistintamente, existem padrões que podemos observar pelas curvas

mais ou menos acentuadas, e que por isso têm na reprovação uma marca

institucional. Quanto maior a reprovação, maior a distinção. O número de

concluintes é outro indicador. Na escola A1 vemos pelo gráfico 21 que se formam

em torno de 70 alunos, já na escola A2 se formam no mínimo 90. A diferença do

número de formandos não pode ser imputada ao tamanho das escolas, pois em

metros quadrados a escola A1 é muito maior do que a escola A2.

Ainda que não tenhamos o número de concluintes das escolas incluídas no

capítulo 3, podemos ver pelas curvas de não aprovação que outras escolas

apostam nessa alta taxa de reprovação como símbolo de distinção. Poderíamos

incluir nesta categoria as escolas: A4, A6, B2, B3, D1 e E1. Todas elas com taxas

de acima de 15% de reprovação no 1º ano do ensino médio.

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5 Apreciações e Mecanismos de Corte: conselhos consultivos 5.1 Introdução

Nesta segunda etapa da pesquisa, usando a metáfora de Elias (1939), saí da

perspectiva aérea e quis ter o olhar do nadador. Minhas perguntas eram: o que é

considerado importante na avaliação? Como são decididas as reprovações que eu

havia apurado anteriormente? Após ter analisado os dados mais gerais cabia

observar os encontros microssituacionais que, de acordo com Collins (2000), são

o ponto de partida de toda ação social e de toda evidência sociológica. Todas as

informações que eu tinha apurado até então me davam o volume das reprovações

e os momentos em que estas aconteciam, faltava saber como eram decididas.

Assim, para entender como são construídas as decisões de aprovação e

reprovação dos alunos, observei os conselhos de classe da escola A1, uma das

melhores escolas do Brasil, de acordo com o Enem dos últimos quatro anos.

O conselho de classe é um espaço coletivo de avaliação dos alunos, que

podemos considerar excepcionalmente adequado para compreender como se

produz e reproduz o sistema de classificação da instituição por intermédio da fala

de seus agentes. É o lugar onde podemos observar a estrutura das hierarquia das

propriedades a reproduzir e, desta forma, as “escolhas” que são feitas pelo sistema

(Bourdieu, 1998). Nessa reunião, os professores se sentem à vontade para

expressar suas impressões sobre os alunos, conforme já havia apurado

anteriormente Mattos (2005), na pesquisa sobre os conselhos de classe em escolas

públicas do Rio de Janeiro.

Como não seria possível observar todos os conselhos da escola, optei por

fazê-lo apenas nas séries onde eu já havia verificado ocorrer a maioria das

reprovações, portanto presenciei os conselhos de classe do 8º ano, antiga 7ª série

do ensino fundamental, e os do 1º ano do ensino médio.

O trabalho se desenvolveu em duas etapas, a primeira foi a de

“aquecimento dos motores”, no final de 2008, quando observei os três últimos

conselhos de cada série (outubro, pós-provas finais, pós recuperação).

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A segunda etapa foi a do ano de 2009, quando observei todos os conselhos

do ano letivo de ambas as séries, com exceção de um do ensino médio. Nas duas

séries, os conselhos aconteceram com diferenças apenas de dias. Houve um

conselho chamado “pré-coc” em abril, depois, em junho, o primeiro propriamente

chamado de “conselho de classe”, o segundo, em outubro, o terceiro, logo após as

provas finais e o último, após a recuperação. Foi justamente o último conselho do

ensino médio que não pude observar45.

5.2 Questões sobre a observação dos conselhos de classe

A observação dos dois anos dos conselhos foi muito importante para

perceber que se trata de uma dinâmica em construção, pois não foram eventos

exatamente iguais. Também foi fundamental como estratégia para que houvesse

uma adaptação mútua à minha presença nos conselhos.

Antes de mencionar o costumeiro desconforto dos observados com o

observador, devo falar que a posição de pesquisadora no conselho, como já foi

assinalado por Sá Earp (2006), foi muitas vezes extremamente incômoda. Em

primeiro lugar, por ser uma intrusa em uma região de bastidores46 (nos termos de

Goffman). Dessa forma, presenciei revelações de dramas familiares e individuais

dos alunos, circunstâncias em si mesmas penosas, sobre as quais os professores se

viam na posição de avaliar a gravidade e a extensão. Em segundo lugar, pela

ocorrência de situações claras de desconforto, quando as minhas reações

tornaram-me mais “visível” do que o desejável. Um exemplo foi o momento

quando descreveram uma peripécia de um aluno e só eu achei graça. Isso fez com

45 Mudaram a data e não fui avisada. Cheguei à escola e o conselho de classe tinha acontecido no dia anterior. A orientadora educacional ficou bastante aborrecida com o acontecido, dizendo que ela mesma fora avisada da troca de horário no próprio dia do conselho pelo coordenador do ensino médio. Ela, no entanto, me passou as decisões que foram tomadas. 46 De acordo com Goffman, os bastidores são a região de fundo, “onde o ator pode confiantemente esperar que nenhum membro do público penetre. Como os segredos vitais de um espetáculo são visíveis nos bastidores, e como os atores se comportam libertando-se de seus personagens enquanto estão lá, é natural esperar que a passagem, da região de fachada para a de fundos seja conservada fechada aos membros do público ou que toda a região do fundo se mantenha escondida deles.” (2003, 107).

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que a minha postura ficasse dúbia. A “fachada”47 (Goffman, 2003) sustentada de

pesquisadora que tinha até então um afastamento do que estava sendo realizado ali

ficou confusa para o grupo, criou uma incoerência expressiva. Não que a minha

reação em si fosse censurável, apenas não era a esperada pelo grupo.

Sustentar uma expressão facial que traduzisse menos meus pensamentos

também foi difícil. Professores e coordenadores falam e buscam o olhar do

pesquisador para saber o que ele está pensando sobre o que eles, membros do

conselho, estão dizendo. Dessa forma, temos mais uma confirmação de que o

conselho, normalmente região de bastidor, adquiriu características de fachada:

estava sendo feita para mim uma representação, nos termos de Goffman.

A escrita das minhas observações no meu caderno de campo ajudou muito

a fugir dessa cumplicidade. Além disso, procurei me posicionar em frente ao

datashow, o que fez com que a troca de olhar com os professores fosse menor.

Outra situação que dificultou a interação foi a de que, em alguns conselhos, eu

não fui apresentada aos professores. Como a presença dos professores não é

sempre a mesma, alguns não me conheciam e ficavam perguntando uns aos outros

quem eu era. Nesses momentos, pensei em alertar as orientadoras educacionais

quanto ao problema, mas optei por me calar. Considerei que, quanto menos eu

falasse, melhor seria. Não estou certa de que tenha sido uma boa solução, pois a

informação sobre quem eu era serviria para colaborar na definição da situação e

nos papéis que cada um representaria.

Os professores, no princípio, não ficaram à vontade com a minha presença.

Nessa escola, no primeiro CoC – como são chamados os conselhos pelos

coordenadores e professores –, e em outras escolas também, pude perceber

nitidamente que um dos professores estava falando um pouco mais do que me

parecia o razoável, impressão confirmada pela fala de uma das professoras no

decorrer da reunião, fazendo menção a um certo exibicionismo. A coordenadora

de segmento48 também falou do incômodo manifestado pelos professores,

mencionando, inclusive, esse professor cujo comportamento destoou do normal.

47 Fachada “é o equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação”. (Goffman, 2003, 29) 48 O coordenador é a referência imediata entre alunos, professores e responsáveis para o desenvolvimento do dia a dia do colégio. Sua atuação repousa na articulação dos processos escolares em ação, tendo o apoio direto de auxiliares de educação com os quais cria as condições favoráveis a uma rotina que propicie o pleno desenvolvimento do projeto pedagógico do seu segmento, em todos os aspectos.

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Em outro conselho, a situação ficou ainda pior, quando esse mesmo professor deu

várias alcunhas pejorativas para os alunos. A supervisora pedagógica49, que estava

observando o conselho, comentou depois comigo seu próprio desconforto com a

atitude do professor.

A minha observação no conselho resultou numa reunião em que fui

chamada pela supervisora pedagógica, com a presença da coordenadora do

segmento de 8º e 9º ano. A conversa foi para me alertar sobre o quanto a minha

presença teria alterado o comportamento dos professores do 8º ano, mais

especificamente de dois professores. Não que eles tivessem agido de forma

incomum, apenas comportamentos habituais teriam ficado mais exacerbados. Elas

comentaram que a escola não tem o costume de receber pessoas para observação e

que a presença dos pesquisadores já tinha causado desconforto desde a fase da

pesquisa maior do SOCED, quando estivemos em sala observando as aulas.

A entrada de um estranho numa região de bastidor, sem dúvida, gera

alterações nas representações e traz características de região de fachada. Goffman

alerta que devemos analisar a situação não pelas alterações em si, mas pela

representação considerada adequada para uma região de fachada. Nesse caso,

tendo em vista o que foi dito pela supervisora, pelos orientadores e coordenadores,

vemos que, mais do que realizar uma mudança radical de comportamento, esses

professores exageraram o que já fazem normalmente. Na caracterização de uma

turma, por exemplo, alguns professores, para falar de sua dificuldade em dar aula

para aqueles alunos, disseram que, em todo o seu tempo de magistério, nunca

tinham vivido situação semelhante. Essa opinião foi, no entanto, relativizada pela

supervisora.

Considero que a diferença maior produzida pela minha presença foi a

expressão das opiniões sobre os alunos de forma mais categórica e loquaz. Essa

impressão foi reforçada pela entrevista com a orientadora educacional. Ela

somente percebeu como a fala de um professor estava carregada de preconceitos,

quando a supervisora pedagógica a orientou a conversar com ele sobre a questão

da impropriedade do seu comportamento, dizendo que ele estava se expondo

49 Segundo as informações contidas no site da escola, a supervisão pedagógica é responsável pela preservação da harmonia entre os princípios filosófico-pedagógicos da instituição e sua realização prática, por meio de contato permanente com a Reitoria e de um trabalho de equipe com o Serviço de Orientação Educacional – SOE, com os coordenadores de segmento e coordenadores de matéria. Zela, essencialmente, pela identidade do colégio expressa na sua proposta pedagógica.

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agindo daquela forma. Convém mencionar que, após esse alerta, a conduta do

professor mudou e não aconteceram mais os comentários pejorativos.

Os professores do ensino médio ficaram um pouco menos desconfortáveis

do que os do ensino fundamental. Em reunião posterior com a supervisora

pedagógica, pude confirmar essa impressão. Um exemplo de menor desconforto

foi a reação de um professor do ensino médio: ele me observou longamente.

Depois de um tempo, acho que passei por seu crivo e ele começou a fazer

comentários e a olhar minha reação de forma cordial. Acredito que o

estranhamento menor tenha sido uma decorrência da maneira como eles

conduzem o conselho de classe, pois parecem mais seguros de suas decisões em

relação aos alunos.

O fato de não ter sido avisada da última reunião não me pareceu uma

decorrência de um desconforto com a minha presença. Até porque na tentativa de

suprir as informações que faltaram, a orientadora me enviou um e-mail com todas

as decisões tomadas no conselho, alertando-me, inclusive, que uma das

reprovações decididas no conselho ao qual não fui chamada foi modificada em um

conselho extraordinário, marcado para depois do natal.

5.3 Conselhos Consultivos e Conselhos Deliberativos

Os conselhos de classe, ao longo do ano, tiveram objetivos bem diferentes.

Aqueles os quais denominei de consultivos aconteceram em abril (“pré-coc”),

junho e outubro. Nessas três reuniões, nada foi decidido sobre os alunos em

termos de avaliação, nem mesmo os conceitos50 que os alunos recebem no

boletim.

Podemos ver que esse não era mesmo o objetivo, inclusive pela definição

encontrada na agenda distribuída para toda a comunidade escolar. Nas

“orientações gerais”, está registrado que o conselho de classe:

50 A atribuição de conceito foi realizada apenas em uma ocasião, no pré-coc de abril de 2009 do ensino médio. A decisão de fazê-lo em conselho foi tomada no momento da reunião. Em nenhum outro conselho se falou do assunto. Os conceitos da avaliação qualitativa não foram mencionados nos conselhos deliberativos de dezembro nem uma única vez, conforme será dito mais adiante. Os conceitos possíveis são: ótimo (OT), Bom (B), Regular (R), Sofrível (S).

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Define-se como o colegiado que tem como objetivo avaliar o processo ensino-aprendizagem, buscando identificar e trabalhar as causas que estão dificultando o crescimento intelectual e sócioafetivo dos alunos, assim como destacar alunos com efetivo desempenho acadêmico. (“orientações gerais” – agenda escolar)

A dinâmica dos conselhos foi variada, conforme apresentarei

posteriormente, seja na comparação entre os anos de 2008 e 2009, seja entre as

séries em que se realizaram. Os itens da pauta que estiveram mais presentes

foram:

a - Perfil das turmas. Para termos noção da importância do tema, um dos

agentes escolares entrevistado na pesquisa do SOCED classificou o conjunto de

alunos de cada ano como “safra”, fazendo uma metáfora com as safras de vinho.

Assim, por exemplo, a safra de alunos da turma B do 1º ano de 2007 pode não ter

sido muito boa, mas a do 1º ano de 2009 pode ter sido ótima51. Cada uma tinha

suas características, umas melhores do que outras, formando um conjunto único

pelas suas atribuições.

b – Perfil dos alunos. Foi debatida a situação de aproximadamente metade

dos alunos de cada série. Os critérios de escolha dos alunos avaliados foram

relacionados a problemas de nota ou de comportamento, ou os dois.

c – Estratégias. Finalmente, os conselhos serviram para definir estratégias

para a resolução daquilo que identificavam como problemas das turmas e dos

alunos. Algumas estratégias foram individuais, mas a maioria foi coletiva,

adotadas pelo colegiado no trato das turmas e dos alunos.

Os conselhos que aconteceram em dezembro denominei de deliberativos,

pois foram neles que as aprovações ou reprovações se decidiram. Diferente dos

consultivos, não há uma descrição nas “orientações gerais” sobre o que deve ser

feito nos conselhos deliberativos. Está escrito apenas, além das regras descritas

anteriormente, que

“a recuperação final será facultada somente em, no máximo, duas matérias. Em caso contrário, NÃO OCORRERÁ PROMOÇÃO”. (“orientações gerais” – agenda escolar – grifo no original)

51 Este é um exemplo fictício. As turmas da escola A1 não são denominadas por letras, nem estou me referindo a uma turma que tenha existido.

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Verifiquei, no entanto, que a função dos conselhos deliberativos de

dezembro é justamente essa: a de verificar quais alunos precisam de ajustes nas

notas para serem aprovados ou para irem à recuperação. Assim, o primeiro conselho

deliberativo aconteceu em dezembro, logo após as provas finais. O segundo

conselho deliberativo ocorreu após a recuperação, também em dezembro. Nele foi

decidido, dentre os alunos que não passaram por nota, em uma ou nas duas matérias

em que fizeram recuperação, quais seriam aprovados e quais seriam reprovados.

Mais uma vez, apresenta-se uma regra não escrita nas orientações gerais.

5.3.1 Descrição geral das reuniões

As reuniões de conselho foram nas salas de aula ou em um auditório com

as carteiras dos alunos dispostas em semicírculo. Os alunos não têm aula em dia

de conselho. Com auxílio de um datashow, foram projetadas as planilhas de nota

com as fotos dos alunos quando estes eram citados. A maioria dos conselhos foi

precedida de uma “pausa”, que é como os participantes chamam uma pequena

reflexão antes do início de qualquer reunião para que o grupo comece a ficar

sintonizado no que vai acontecer.

Nos primeiros conselhos, a “pausa” foi feita pelo SOE e houve a leitura de

um texto do Ruben Alves, que estabelecia uma distinção entre o professor e o

educador. Posteriormente, essa dinâmica foi conduzida pela pastoral, e as leituras

passaram a ter uma base religiosa, às vezes com a oração do pai-nosso ou da ave-

maria; no penúltimo conselho do ano, foi avisado que as pausas passariam a ser

leituras do evangelho. Os professores não discutiram nenhum dos textos,

ocasionalmente houve pequenos comentários para em seguida começar a reunião.

A condução das reuniões foi feita pela parceria da orientação educacional

com o coordenador do segmento52. A supervisora pedagógica compareceu a

algumas reuniões, nem sempre ficando presente durante todo o tempo, sendo que

sua participação, na maioria das vezes, restringiu-se a fazer anotações em um

caderno. Raras vezes manifestou-se sobre os assuntos, quando o fez foi para

52 Houve apenas uma reunião do 8º ano da qual a coordenadora não participou, pois teve de dar aula no mesmo horário.

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prestar esclarecimentos sobre regras. No organograma, ela ocupa um cargo mais

alto do que as coordenadoras de segmento e as orientadoras educacionais. O reitor

do colégio compareceu a duas reuniões do ensino médio e a uma do ensino

fundamental. Ficou basicamente calado e não fez qualquer anotação. No passado,

o reitor controlava tudo no colégio, mas atualmente há uma delegação de poderes

e sua presença tem uma função simbólica. A nova configuração demarca que a

escola é comandada por essa ordem religiosa.

A reunião é marcada buscando o horário em que haja mais professores na

casa, pois o comparecimento só é obrigatório para aqueles que estão em horário

de trabalho na instituição. As datas são definidas no calendário que é distribuído

para toda comunidade escolar no início do ano. A maioria dos conselhos do 8º ano

do fundamental teve a presença de quase todos os professores. Nos conselhos do

1º ano do ensino médio, houve mais faltas, o professor de Francês não foi a

nenhuma das reuniões, e os professores de História e Geografia só estiveram em

duas reuniões. Os professores cujas disciplinas não têm nota também

comparecem, como é o caso de Educação Física e Estudo Dirigido.

5.3.2 Diferenças entre os conselhos do 8º ano do ensino fundamental e do 1º do ensino médio

Os conselhos de classe do ensino fundamental e do ensino médio cumprem

aparentemente funções diferentes. No fundamental, a escola ainda está

preocupada com a formação dos alunos, com a função pedagógica da escola e, de

certa forma, ainda não tem muitas certezas de quais alunos devem permanecer no

grupo. O debate pedagógico é mais forte, e as questões individuais das famílias

têm um peso maior do que no ensino médio.

No ensino médio a função é outra. Os alunos já são maiores e, portanto,

mais autônomos em relação às suas famílias. O momento da avaliação dos alunos

no vestibular e, consequentemente, da instituição está mais perto. O número de

matérias duplica. A maioria dos professores deixa de ser feminina para ser

masculina. Assim, o ensino médio o sentimento é de uma “corrida de obstáculos”,

na qual alguns alunos vão ficando pelo caminho. Nas palavras dos professores:

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“entregaram os pontos”. Alguns, inclusive, pedem transferência e escrevem

explicitamente que não se acostumaram com o ritmo de ensino. Parte do que está

sendo feito é relativo à “safra” de alunos que se formará em dois anos e que levará

o nome da escola adiante.

Essa diferença pode ser percebida nas “pausas” realizadas em 2009 para os

primeiros conselhos deliberativos do 8º ano do ensino fundamental e do 1º ano do

ensino médio. No 8º ano, foi feita a leitura do texto evangélico “A cura do

paralítico em Cafarnaum” (Marcos 2.1-12). dando o tom à reunião: todos erram e

devem ser perdoados, emprestando assim um caráter moral ao que estava sendo

feito ali. No conselho do 1º ano do ensino médio, a “pausa” foi a leitura da

celebração de natal, pedindo a Deus que iluminasse todos para que pudessem

atuar com sabedoria. Nos outros conselhos, a “pausa” tinha sido em geral igual

nas duas séries, o que ajuda a construir o significado de cada conselho. No 8º ano,

pede-se aos professores que sejam tolerantes com os alunos. Já no 1º ano, o que se

pede é sabedoria para escolher quem será retido e quem poderá seguir adiante.

Essa tolerância maior do 8º ano também aparece nos números: no ensino

fundamental, houve muito menos reprovados do que no ensino médio. Foram 16

alunos reprovados em 2008, no 1º ano do ensino médio53, e 17 em 2009; no 8º ano

do ensino fundamental, foram 4 em 2008 e 3 em 2009.

Importante salientar que essa diferença apurada nos conselhos não quer

dizer que exista um empenho maior de ensino dos professores do 8º ano ou do 1º.

Em escolas de excelência, como bem explicou Bourdieu, os professores estão:

Pessoalmente interessados no sucesso de cada um dos seus alunos, – pelo menos dos melhores entre eles –, fazendo todas as tarefas implicadas na definição completa do seu papel professoral 54(Tradução minha, 1989, 126).

Os professores sabem que seus alunos são bons, estão acima da média

deste nível de ensino. Uma prova disso é que quando os alunos pedem

transferência, seja por terem sido reprovados, seja por outro motivo, o destino

escolhido não são instituições “pagou-passou”, e sim instituições situadas

igualmente entre as melhores nos rankings elaborados pelo Enem. 53 Em 2008, oito alunos do 1º ano do ensino médio pediram transferência ao longo do ano. 54 No original: “Personnellement intéressés à la réussite de chacun de leurs élèves – en tout cas des meilleurs d’entre eux – , accomplissant toutes les tâches impliquées dans la définition complète du rôle professoral ...”.

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5.4. Conselhos Consultivos 5.4.1. “Perfis das turmas”

A descrição do perfil das turmas foi um item importante dos conselhos

consultivos de ambas as séries. O serviço de orientação educacional55, SOE,

utiliza essa informação para dar o que foi chamado de “retorno aos alunos” do que

é dito no conselho. Não só do que é dito sobre a turma, como também do que é

dito sobre os alunos. O SOE não tem um horário específico na grade, mas, quando

solicita aos professores, não tem dificuldade em obter espaço para o diálogo. Esse

retorno é feito de forma sistemática. São esses perfis que compõem as qualidades

da “safra” de cada turma.

Os perfis das turmas do fundamental, no entanto, não pareceram

caracterizar uma forma de profecia sobre as futuras reprovações, inclusive porque,

ao longo dos conselhos de 2009, as caracterizações das turmas foram mudando.

Uma delas, por exemplo, em abril, foi considerada como a mais rápida para

começar o trabalho, já no conselho de junho disseram que os mesmos alunos

faziam um teste de paciência aos professores, davam muito trabalho.

Os perfis foram importantes, entretanto, para observar o que a escola

valoriza. De acordo com Bourdieu (1989), as disposições consideradas

fundamentais nas escolas de excelência são a docilidade e a aptidão acadêmica,

sendo que a primeira é quase mais importante do que a segunda. As falas dos

professores traduzem essa preocupação, pois o que é avaliado é a capacidade de

trabalho dos alunos e sua relação com os professores, conforme veremos a seguir:

A. “resistente ao trabalho, mas não hostil”. Os alunos se desorganizam

rápido, apresentam uma “rebeldia vazia”. Adoram conversar com os

professores sobre outros assuntos que não os da aula.

B. A segunda turma foi descrita como “hostil”, disseram que houve uma

mudança na turma em decorrência dos maus resultados nas notas,

“estão sob pressão”.

C. A terceira foi definida como uma turma de “trabalho, amistosa”.

55 Essa informação me foi dada na entrevista que realizei com a orientadora educacional do 8º ano do ensino fundamental da escola.

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D. Grupo agradável, mas estão entrando na adolescência e “trabalham na

base do chicote”.

Os perfis estabelecidos para as turmas do ensino médio corresponderam,

em parte, à composição das turmas que a escola fez. Como a forma de

agrupamento dos alunos reflete as práticas pedagógicas da escola (Alves e Soares,

2007), levantei qual era o critério.

De acordo com coordenadora pedagógica, as turmas que entram no 1º ano

permanecem unidas até o 5º ano do ensino fundamental. Do 5º para o 6º ano, as

orientadoras do fundamental fazem o que ela chamou de “sociograma”: cada

aluno diz com quem se relaciona bem ou mal na própria turma e nas outras turmas

da série e assim por diante. Do 6º até o 9º ano, as coordenadoras com o SOE

continuam fazendo o “sociograma”, mas também usam como subsídio as

informações obtidas nos conselhos de classe ou em outros espaços, como, por

exemplo, os grupos de alunos que não formam parcerias produtivas. Também

tentam atender pedidos das famílias que versam sobre a facilidade de carona de

um colega para outro, por exemplo, ou então uma mãe que pediu para que seu

filho ficasse em uma mesma turma porque ele tomou gostou pelo estudo com

aquele grupo.

Costuma-se manter as turmas do 9º ano do ensino fundamental no 1º ano

do ensino médio para facilitar a transição de um segmento para o outro, pois essa

passagem é considerada bastante “turbulenta”. Outro critério de enturmação é se

são alunos de período integral ou parcial. Não me foi dito se existe algum critério

especial para os bolsistas.

Pelo critério do “sociograma”, o que parece ser mais relevante é a

socialização entre os alunos. De fato, esse foi um tema bastante comentado, como

veremos nos perfis dos alunos. Pude ver que existia uma preocupação com

aqueles que pareciam solitários e tristes. Até a concentração dos repetentes em

uma turma só teve como explicação a socialização dos alunos. Foi dito que muitas

vezes eles são colocados juntos para terem companheiros na mesma situação e

não ficarem isolados. No caso em tela, contudo, talvez exista uma

correspondência entre esta enturmação e o resultado, pois as turmas do ensino

médio com mais reprovações também foram aquelas com mais repetentes e

consideradas ao longo do ano letivo como problemáticas, conforme veremos a

seguir.

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A descrição das turmas do ensino médio de 2008 no conselho de classe de

outubro foi muito sucinta. A primeira turma foi considerada “agitada”, a segunda,

“heterogênea” e a terceira, “ótima”. A turma “agitada” foi a que teve mais

reprovações, sete, e foi também a que tinha um número maior de repetentes:56

cinco57. A “heterogênea” teve quatro reprovações e nenhum repetente na turma.

Por fim, a considerada “ótima” teve cinco reprovações e tinha três repetentes.

Em 2009, as descrições das turmas do 1º ano do ensino médio foram mais

longas e podemos dizer que os perfis parecem ter derivado quase que diretamente

do critério de enturmação adotado.

A turma considerada “padrão do colégio” tinha seis alunos oriundos de

escolas públicas que estudam na instituição com bolsa de desempenho

acadêmico58 e nenhum repetente. Reuniam, portanto, as características

preferenciais descritas por Bourdieu (1989): docilidade e aptidão acadêmica.

Consideraram a acolhida da turma muito boa, simpática, parceira. Os professores

tinham prazer de dar aula lá e de corrigir os trabalhos. Por isso cobravam mais dos

alunos, pois eles podiam dar muito. Tinham uma postura mais adulta. Foi a turma

que teve menos reprovados: quatro.

A turma considerada mais complicada tinha o maior número de repetentes

(nove alunos - somando os de 2008 mais os de anos anteriores), também era o

grupo que tinha mais alunos novos. 90% da turma era de alunos que foram do

horário parcial em 2008 e estavam tendo muita dificuldade de se habituar ao novo

ritmo de estudo. Era o grupo também que tinha o maior número de advertências.

A própria orientadora educacional falou que muitos meninos tinham

acompanhamento psicológico, alguns tomando até remédios e as famílias foram

consideradas angustiadas. Os alunos foram descritos como hostis, mas cordiais

entre si. Essa turma foi também considerada heterogênea, alguns alunos

precisariam de paz para expor suas dúvidas e não conseguiam. Maior número de

reprovados: sete.

56 Não mencionei os repetentes no ensino fundamental porque foram poucos. Em 2008, havia três repetentes no 8º ano do ensino fundamental, em 2009, apenas um. 57 Dois ficaram em recuperação, todos foram aprovados. 58 A escola é uma das parceiras operacionais de um programa do Instituto Social Maria Telles (ISMART). Esta organização oferece bolsas de estudos para alunos que despontam nas escolas públicas pelo seu desempenho. Esses alunos frequentam a escola durante um ano à tarde, fazendo uma preparação para fazer a prova de seleção no final do 9º ano, para entrar como um aluno comum da escola no 1º ano do ensino médio.

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A última turma não teve uma composição marcada por nenhuma

característica anterior. No decorrer dos conselhos, o aspecto que mais se falou foi

sobre a desorganização e a sujeira constantemente espalhada pelos alunos na sala

de aula. Em outubro, foi considerada a mais “agitada” e “imatura”. Os professores

consideraram fácil dar aula lá, pois os alunos eram acolhedores. Para alguns

professores, uns quatro alunos tinham “entregado os pontos” e por isso passaram a

chegar atrasados, a não trazer os deveres de casa. Nesse grupo foram reprovados

seis alunos.

O efeito dos pares ou efeito contextual já foi comprovado na literatura. Os

alunos aprendem não só com seus mestres, mas também com seus colegas. As

características e realizações destes últimos são importantes no desenvolvimento

de cada estudante, (Goldestein, 2001). Vemos que um grupo tanto pode ajudar a

melhorar o desempenho do aluno, como pode piorá-lo, por isso a composição das

turmas é considerado um ponto sensível para o desempenho acadêmico.

De acordo com as pesquisas empíricas59, foi visto que o efeito-turma é

maior do que o efeito-escola. Em outras palavras, há mais diferenças de

desempenho entre as turmas de uma mesma escola do que entre várias escolas. A

razão disso é que há uma grande variação no nível das salas de aula. Essas

discrepâncias se revelam no número de alunos, no conteúdo curricular, nos

critérios de enturmação, no perfil do professor, além das diferenças no

desempenho acadêmico. De acordo com Alves e Soares (2007), os critérios de

composição de turmas colaboram para que diferenças menores entre os alunos se

convertam em grandes diferenças entre os grupos e aumentem a estratificação

escolar. Podemos dizer, portanto, que a construção da turma por habilidades tende

a aumentar os desníveis entre os alunos.60

Não queremos com isso estabelecer uma correlação direta entre a

formação das turmas por habilidade ou nível socioeconômico e seu resultado,

mesmo porque é complicado aplicar a experiência de uma escola em outra (Alves

e Soares, 2007). A enturmação por competências dos alunos pode ter um grande

impacto em um grupo em uma escola e menor impacto em outras, havendo uma

relação com o número de alunos em sala, o número de turmas por escola e até

59 (Creemers; Jonag, 2002; Hallinan, 1994; Lamb; Fullanton, 2002. Apud Alves e Soares 2007). 60 Nas escolas estudadas por Alves e Soares (2007), essas habilidades muitas vezes acompanhavam o nível socioeconômico dos alunos.

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mesmo quantas turmas a escola tem por nível de competência (Halinan, apud

Alves e Soares, 2007).

Na escola, vemos que colocar juntos os bons alunos, no caso, os bolsistas

por desempenho acadêmico colaborou para formar uma turma dócil e estudiosa. A

reunião dos alunos com as características mais difíceis como os repetentes, alunos

novos etc, no entanto, contribuiu para não ter um ambiente adequado para a

aprendizagem, como os próprios professores falaram. É importante salientar que,

embora os alunos repetentes tenham tido problemas de desempenho, não foram os

que na maioria sofreram novas reprovações. Como veremos nos conselhos

deliberativos, os repetentes ficaram todos em recuperação, mas por serem

repetentes61 obtiveram junto aos professores um olhar benevolente. Podemos

pensar que a estratificação escolar salientada por Alves e Soares (ibid) com a

divisão das turmas por habilidades se operou na escola. Pode ser que essa

estratificação seja um dos mecanismos de corte que a escola opere para selecionar

os bons alunos.

5.4.2 Perfil dos alunos

Minha observação dos conselhos de classe foi uma tentativa de ser uma

taquígrafa do que era dito. Dessa forma, o que mais ficou registrado por mim

foram as expressões adotadas pelos professores para classificar os alunos. Foi

certamente o que consegui captar melhor dos conselhos. Ficou muito difícil,

diante da quantidade de informações que eram ditas, ter uma apreciação melhor

do ambiente, analisar melhor as expressões faciais dos professores, inclusive

porque, como já disse antes, essa minha atitude me ajudou a não ter que trocar

olhares com os professores que tantas vezes me observavam buscando minha

reação com aquilo que estavam dizendo. Fiz tal escolha também porque me

pareceu que as anotações das expressões orais eram bastante expressivas do

comportamento dos avaliadores (professores) o que havia de mais valioso. É claro

que, ao passar a limpo meus apontamentos, consegui desenvolvi minhas próprias

interpretações, mas estas ficaram marcadas pela forma que optei por fazer os 61 Com exceção de um aluno repetente que foi reprovado.

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registros. Se eu tivesse filmado, como fez Mattos (2005), teria sido possível ter

acesso a mais detalhes do conselho.

Tentei fazer uma correspondência entre a avaliação dos professores nos

conselhos consultivos e a indicação de reprovação, mas nenhuma foi indicativo

seguro de repetência. A única avaliação feita pelos professores que demonstrou

ser uma indicação precisa de insucesso foi o desejo do aluno de sair da escola.

Todos os alunos apontados nessa condição foram reprovados62. Foram oito alunos

no total63. Perguntei se isso era comum à orientadora educacional e ela respondeu

que era uma minoria. Pelo que foi dito, no entanto, esse é um movimento comum

dos alunos que querem sair da escola, cujos pais não concordam com a decisão.

As outras avaliações não foram indicativas de reprovação. Vários alunos

do 8º ano, cujas situações familiares complicadas foram debatidas em outubro de

2008, tiveram mau resultado e ficaram em recuperação. Em 2009, no entanto, dois

alunos que estavam com um familiar doente não foram sequer para recuperação. É

preciso salientar também que não tenho certeza de que todos os alunos com

questões familiares foram mencionados. As orientadoras educacionais várias

vezes preferiram não relatar esses problemas que são da privacidade do aluno e de

suas famílias. Essa, no entanto, não é a percepção dos agentes escolares, como

veremos no item “estratégias”.

Sobre os outros alunos que estavam com problemas de nota, nem as

“profecias” dos professores sobre quem ia repetir ou não se realizaram: um aluno

considerado “safo” foi reprovado e outro considerado sem condições conseguiu

passar de ano. Da mesma forma que alunos observados como fracos, dispersos, ou

com famílias parceiras ou não, todos tiveram destinos variados. Os próprios

professores que arriscaram vaticínios disseram que era difícil de prever o futuro,

pois certos alunos apresentavam uma grande capacidade de superação.

Preciso dizer que a maioria dos alunos citados no conselho de outubro de

fato continuou com problemas de nota. Note-se que no conselho de outubro o

aluno já está com quatro médias, faltando apenas a última avaliação do ano, que

ocorre em novembro para fechar o quadro de notas, o qual define as provas finais

e recuperações. Porém, cinco alunos do ensino médio citados no conselho de 62 Um deles foi reprovado, mas entrou com recurso e acabou sendo aprovado e pediu transferência da escola. 63 Um aluno do 1º ano do EM de 2008, seis alunos no 1º ano do EM de 2009, um aluno do 8º ano do EF de 2009.

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outubro de 2008 com problemas de nota não foram sequer para recuperação, e o

oposto também aconteceu: alunos que não foram citados em conselhos

consultivos de 2009 foram para a recuperação.

Os alunos que foram definidos como não se enquadrar no “perfil da

escola” não tiveram um resultado final tão ruim. Nessa categoria, estavam

incluídos cinco alunos64. Apenas dois foram reprovados. Um deles tinha o

diagnóstico de TDAH e foi considerado “atendido”, isto é, acompanhado pela

escola e pela família, mas não estava adequado ao nível de exigência da escola. O

outro não queria continuar estudando lá. Dos outros três, apenas um ficou em

recuperação. Este foi considerado por um professor como “descomprometido,

dorme em sala. Postura ruim, até fisicamente ele não está nem aí, não está

preocupado”.

Com os outros alunos considerados fora do “perfil” da escola, o problema

era o “excesso de dinheiro”. Disseram de um deles que tinha uma relação muito

ruim com o dinheiro, já que nada tinha importância, qualquer coisa que ele perdia

podia ter “rapidamente de volta”. Sobre o outro aluno, um dos professores assim o

descreveu:

O pai foi meu aluno. Ele é muito rico, as coisas vão sempre até ele. Mora num apartamento de 1000m², se quer um copo d’água telefona para a empregada. Ele não presta atenção na aula e depois tem “doses cavalares” de aula particular. Disse para ele que o dinheiro não dura para sempre e o aluno ficou muito impressionado com isso.

Poucos alunos com baixo nível socioeconômico também foram citados

com surpresa, até mesmo por estarem na escola. Só não foi feito o comentário que

não faziam o “perfil da escola”. Via-se, no entanto, que eles não faziam parte do

grupo. De acordo com os professores, os próprios alunos se ressentiam da

condição de não ter aquilo de que os outros poderiam usufruir. Essa questão,

disseram os professores, aparecia nessa época da escolarização, o que gerava

insatisfações e problemas de socialização.

Fiz uma listagem dos comentários mais recorrentes, buscando o difícil

equilíbrio de uma síntese, que é garantir o essencial perdendo minimamente a

riqueza das situações a partir das quais se constroem as opiniões dos membros dos

64 Houve um quinto aluno do 1º ano do ensino médio de 2009 considerado fora do perfil da escola, mas o comentário foi feito no conselho deliberativo, que decidiu a sua reprovação.

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conselhos de classe. Depois de feito levantamento, organizei o material empírico

nas diferentes expressões utilizadas. Observei que estas expressões podiam ser

reunidas em grupos temáticos. Os grupos ficaram assim definidos:

1.Subterfúgios discentes:

Assim designei todas as observações que salientavam atitudes

denominadas por Charlot (2000) como uma “relação instrumental com o saber”.

Alunos que não possuem interesse no conhecimento por ele mesmo, pois têm uma

visão utilitarista da escola.

“Administrando resultado” foi uma expressão que apareceu no conselhos

deliberativo de outubro, tanto no 1º ano do ensino médio, como no 8º ano do

fundamental de 2009. É o aluno que é capaz academicamente, mas não dá tudo de

si. Como foi dito de outro aluno, “contenta-se com a média”, “economiza no

esforço, no empenho”. São alunos que não assumem o projeto de excelência da

escola. De acordo com Bourdieu (1989), nessas escolas existe uma pedagogia que

tenta realizar a concentração de toda a existência dos alunos em torno de

preocupações exclusivamente escolares. O aluno que não está em sintonia é um

problema.

Esses alunos, no entanto, às vezes são limítrofes com os alunos que têm

reais dificuldades acadêmicas. Um deles foi exemplar nesse aspecto. Ele já tinha

sido aprovado em conselho para poder fazer uma recuperação no ano anterior.

Consideraram que essa liberalidade da escola fez com que o aluno ficasse

“relaxado”, apostando na possibilidade de uma nova liberação. O professor,

inclusive, questionava que, se fosse dada uma nova chance que ideia seria criada

junto à comunidade escolar. Outro professor disse que já tinha ajudado

suficientemente e que, a partir de outubro, seria a “lei seca” e ele deveria dar conta

sozinho. Nesse momento, a orientadora perguntou se seria uma falta de esforço do

aluno, ou seria uma dificuldade. A resposta de outro professor iniciou-se com a

falta de esforço, mas terminou falando da dificuldade que o aluno tinha de

perceber seus erros. Ballion (1977) aponta exatamente esta questão: normalmente

o que acontece é que o aluno, diante de dificuldades iniciais, perde o interesse.

Aqui o projeto da escola de excelência opõe-se à situação individual do aluno: ele

será ajudado até certo ponto, depois deverá resolver sozinho, pois é uma escola

exigente, e o aluno tem de estar adequado ao padrão de exigência, conforme

podemos ver na entrevista da coordenadora pedagógica:

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às vezes, refazer uma série aqui é quando a gente percebe que o menino não está ajustado dentro da exigência que precisa para o colégio. Então meninos às vezes que têm uma dificuldade muito grande de acompanhar uma aula, e de fazer anotações, e que aquilo não é numa determinada disciplina, aquilo é uma questão geral do menino. Agora a escola em nenhum momento diz assim, ele não poderá refazer aqui. O que a gente percebe é que isso tudo é costurado através do serviço de orientação, o olhar da coordenação. Não é que ele não tenha possibilidade, mas dentro da exigência que essa escola tem, quer dizer, ele tem que ter um controle, um autocontrole, uma coisa muito maior do que ele possa oferecer para estar adequado à exigência que a escola tem. Então a gente leva a família a refletir assim, se num outro espaço ele não teria uma tranqüilidade maior para estar gerando aprendizagem para aquele menino; ele não sofrer tanto no sentido de que aquela demanda de exigência ser tão grande para ele, tão grande pra ele, que ele não consegue dar conta. (coordenadora pedagógica do 8º ano do ensino fundamental)

A aula particular é uma estratégia das famílias e dos alunos, tratada de

forma ambivalente pela escola, por isso a coloquei entre os subterfúgios discentes.

Se, de um lado, os professores mencionaram que poderia ser de grande valia para

um dos alunos que foi reprovado no 8º ano de 2008, também falaram que o uso

intensivo de aula particular fazia com que os alunos não se empenhassem durante

as aulas, pois têm a impressão de que estão garantidos com as aulas extras. Outra

demonstração da ambivalência da escola com os professores particulares foi o

comentário da orientadora educacional sobre a mãe que tinha reclamado que não

fora informada da necessidade de seu filho ter aula particular. A orientadora se

perguntou: qual escola diria isso? Podemos pensar que o aluno que precisa desse

expediente não é adequado à escola. É um aluno que demonstra ter dificuldades

maiores, o que não é bom.

“Reclamar por nota” é muito mal visto. Essa expressão não foi levantada

no 8º ano, foi mencionada para quatro alunos do 1º ano do ensino médio. Talvez

porque os alunos mais velhos estejam mais perto do vestibular e saibam que

alguns décimos podem ser a diferença entre o bem e o mal, entre a aprovação e a

reprovação. É um exemplo da aprendizagem centrada no binário aprovação-

reprovação. Foi com grande desagrado que os professores comentaram isso de

seus alunos.

2. Características de resistência

Denominei dessa forma em oposição à disposição considerada importante,

que é a da “docilidade”, conforme Bourdieu (1989). Nenhum dos alunos do 8º ano

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do fundamental, seja de 2008, seja de 2009, inseridos nessa categoria foi

reprovado. Alguns foram considerados mal-educados ou sem limites. Sobre um

dos alunos, consideraram que seu comportamento era devido ao fato de ter

dinheiro, “se garante por isso”, não tinha limites. Sobre um deles, o comentário

foi feito e, em seguida, foi dito que o pai era grosseiro e indelicado. Quanto aos

outros, os comentários foram centrados nos alunos. Apenas um foi para a

recuperação.

No ensino médio, apareceu o seguinte dado: 18 alunos foram descritos

com os adjetivos “cínico”, “arrogante”, “dissimulado”, “sonso”, “camuflado”.

Três foram reprovados. Nenhuma dessas características foi conectada com a

família, o comentário era centrado no próprio aluno. Nem todos os professores

concordavam com o que era dito. A discrepância fez com que um dos professores

falasse para o outro se aproximar do aluno, pois ele era um bom garoto.

Apenas um dos alunos considerado “inteligente, mas brinca demais” foi

reprovado. Ele teve também problemas disciplinares e foi inclusive suspenso por

dois dias. Esse tipo de comentário foi feito com mais frequência pelo grupo de

professores do ensino fundamental. Uma das professoras falou “fico doente de ver

os meninos que podem e não se esforçam”.

3. Aspectos da sociabilidade

A socialização dos meninos, isto é, a maneira com que se relacionam entre

si, foi vista como muito importante. Vimos que a escola está preocupada com isso

desde a construção das turmas. A literatura aponta que, apesar da importância das

características socioeconômicas e individuais na predição da probabilidade de

repetir, vemos que as variáveis de aceitação pelos colegas e a saúde emocional do

aluno são distintivas na capacidade de discriminar repetentes de não repetentes

(Jimerson e outros, 1997).

O bullying escolar é um problema no mundo inteiro e a escola parece estar

atenta a esse tipo de situação. A orientadora educacional mencionou que é um

problema difícil de lidar, porque, se é dito algo ao grupo, pode haver retaliação.

Além disso, tem de haver uma “implicação do aluno no problema”. Disse que a

atuação dos professores é muito importante.

Para três meninos foi dito pelos membros do conselho que eles estavam

sofrendo bullying ou assédio, um deles foi reprovado, estava também isolado e

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triste. Outros também sofreram constrangimentos, como a imposição de apelidos,

mas não foi falada a palavra assédio, e por isso incluí esses casos entre os que

tinham problemas de socialização. Apenas um aluno foi responsabilizado por

assediar outros alunos. Ele ficou reprovado em 2008 e, em 2009, foi aprovado em

conselho.

Nas expressões sobre “problemas de socialização”, inseri os alunos que

foram descritos como discriminados ou isolados do grupo, num total de 19. Dois

desses foram reprovados: a turma considerava o primeiro “burro”, e o segundo

irritava os colegas com suas perguntas desconexas. Outros motivos listados para a

discriminação foram ser novo no colégio, ser considerado gay, ter diferenças

econômicas em relação aos outros, ou sua atitude não ser considerada adequada.

Sobre alguns foi apenas dito que não eram acolhidos pelo grupo.

Sobre os alunos considerados como “triste”, “solitário”, “muito fechado”,

“tímido”, na maioria das vezes, não houve uma explicação maior para esse

comportamento, apenas o comentário. Nessa categoria, foram inseridos 17 alunos.

Desses, seis foram reprovados, um deles queria sair da escola.

4. Déficits dos alunos

Nessa categoria, inseri as qualidades que eram atribuídas aos alunos que os

tornavam menos competentes para as tarefas acadêmicas. Na maior parte das

vezes, o aluno apresentava um problema em conjunto com outros.

Vários alunos foram considerados “fracos”, ou então se comentava que

“estuda, mas não consegue”, ou tinham “dificuldades”, ou problemas com

“limites”. Uns foram aprovados fazendo apenas as provas finais, outros foram

para recuperação e três foram reprovados.

Outro grupo salientado nos conselhos foi o dos que “tinham diagnóstico”.

Sobre uns alunos, foi dito claramente que o problema era, muitas vezes, TDAH65,

outro tinha síndrome de Tourette, para muitos era dito apenas “tem diagnóstico”.

Alguns tomavam medicação. Dois foram reprovados, mas outros foram

aprovados.

Uma grande reclamação dos professores, no ensino médio, foi a

imaturidade dos alunos, denominados por vezes de “infantis”. De acordo com a

65 Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade.

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fala dos professores, os alunos vêm para a escola cada vez mais imaturos. Um dos

professores disse que, no passado, a maioria dos alunos do 1º ano do ensino médio

chegava à escola sozinho; hoje em dia, a maioria vem acompanhada pelos pais.

Apenas um aluno com essa característica foi reprovado posteriormente.

5. As famílias

As famílias, como veremos na descrição das estratégias, são consideradas

fundamentais para o bom desempenho dos alunos. Os comentários foram sobre

separações, doenças, relações familiares complicadas, famílias com dificuldades

financeiras, “ausentes”. Famílias que “cobram muito dos filhos”, famílias que

“trabalham demais” e não conseguem acompanhar os filhos. Famílias que

consideraram que os filhos “não davam conta da escola”. Todos esses comentários

foram distribuídos de forma aleatória entre os alunos que ficaram em recuperação,

que foram reprovados ou aprovados. Não foi possível estabelecer nenhuma

relação. Dos 40 alunos reprovados nas duas séries, nos dois anos observados, 21

tiveram comentários sobre as suas famílias nos conselhos consultivos. Apenas

duas famílias dos alunos reprovados foram descritas como “ausentes”66, outras

seis foram descritas como parceiras, dando suporte ao que a escola pedia. Uma

das mães, inclusive, pediu licença do trabalho para poder acompanhar melhor o

estudo do filho. Em entrevista a própria orientadora educacional do 8º ano do

ensino fundamental considerou as famílias e o apoio que elas dão para a escola

como uma das chaves do sucesso da escola A1.

6. Relação com a escola

A relação do aluno com a escola e com os professores também foi

mencionada várias vezes. Ainda se comentou sobre atrasos e faltas e do interesse

do aluno pelos estudos.

A seguir, apresento o quadro síntese com as expressões subdividas em

grupos temáticos, com exemplos dos perfis feitos pelos professores.

66 Uma família de um aluno aprovado também foi descrita ausente, assim como de um aluno que ficou em recuperação.

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Subterfúgios

Discentes

Administrando resultado, contenta-se com a média, “economiza no

esforço, no empenho”

Tem aula particular

Reclama de nota

Cola

Características

de resistência

“Cínico”, “arrogante”, “dissimulado”, “sonso”, “camuflado”

“Indisciplinado”, “menino difícil”, “mal-educado”

Inteligente, mas brinca demais; “é uma Mercedes-Benz sem gasolina”

Sonolento

Fala demais

Brinca, “atrapalha a aula”

Aspectos da

Sociabilidade

Sofre “bullying”

Problemas de socialização; “não tem amigos”; “é isolado do grupo”;

“não gosta de interagir”

“triste”, “solitário”, “fechado”, “assustado”

Assedia os colegas

Turma boa

Turma ruim

Déficits

“tem diagnóstico”, alunos com TDAH e outros

“dificuldades”; “limites”; “mistura chuchu com cenoura”

“estuda, mas não consegue”; “é esforçado, mas é limitado”

“fraco”, “devagar quase parando”

“disperso”; “distraído”

“Imaturo”, “infantil”

“não faz perguntas, não tira dúvidas”

“não entrega os trabalhos”

“desorganizado”

Nervosismo, ansiedade em dias de prova

É repetente, ou já teve alguma aprovação em conselho de classe

Inadequado, “não tem perfil do colégio”

Família

Parceira – colabora com o trabalho da escola, ou foi descrita de forma elogiosa: “jurado de morte pela mãe”, isto é, a família estava atenta Com problemas pontuais: doença, separação ou morte

Não apóia a escola ou foi descrita com ressalvas: “pais velhos”, “mãe depressiva”, “um dos problemas do menino é a mãe” Nível socioeconômico alto

Nível socioeconômico baixo, bolsista

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Comentário neutro sobre a família

Movimentos

O desempenho do aluno melhorou

O desempenho do aluno piorou

“safo”, “malandro”, “se estudar passa”

“vai repetir”; “não acredito no poder de recuperação”

“lacuna”, “não agüenta o próximo ano”, “não tem repertório para o ano seguinte”

Relação com a

escola

“quer sair da escola”

Relação boa com os professores

Relação ruim com os professores, “agressivo”

“sem interesse pela escola, notas ruins”, “sem esforço”, “abandonou os

estudos”

“as regras não são para ele”

Atrasos e faltas

Elogios Elogios de qualquer tipo: “bom nos esportes”, “malandrinho simpático”, “cordial”, “voz linda de locutor” etc.

5.4.3 “Estratégias”

Dentro da definição do conselho de classe, vemos que o próprio conselho

seria a primeira estratégia para tentar melhorar o desempenho dos alunos. Nos

conselhos consultivos do 8º ano do fundamental, o espaço reservado para pensar

as estratégias específicas, após a fala de cada turma, foi garantido tanto como

ponto de pauta, isto é, havia um momento para falar sobre isso, como também os

professores dividiram suas experiências sobre como faziam para estimular seus

alunos. Já nos conselhos do 1º ano do ensino médio, foi um item menos

importante, como veremos a seguir.

A análise dos conselhos de classe permitiu observar como em outros

trabalhos (Mattos, 2005; Prado, 2005; Sá Earp 2006; Santos, 2007) que os

professores nos conselhos consultivos pouco ou nada falam do processo de

ensino-aprendizagem. Estratégias mais específicas para aprendizagem só

aconteceram em um conselho para uma turma do 8º ano. No conselho de outubro

de 2009, foi combinado que os professores deveriam investir na leitura, porque

parecia ser um problema recorrente entre os alunos. Nesse mesmo conselho, a

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coordenadora pedagógica levantou que os professores deveriam ter um olhar

diferenciado, personalizado dos alunos. Quando um professor disse que não sabia

fazer atividades individuais que estivessem inseridas no coletivo, ela explicou

como poderia ser feito. A sugestão, no entanto, não foi bem recebida por todos,

um dos professores salientou que ficar “na cola” poderia gerar incômodo para

alguns dos alunos. No ensino médio não houve nenhuma discussão sobre isso.

A estratégia mais significativa nas duas séries é chamar os pais para uma

conversa. Isso é uma regra. A orientadora educacional falou em entrevista que, ao

constatar o mau desempenho do aluno, a primeira coisa a ser feita é telefonar para

os pais. Faz parte da rotina do seu trabalho. Em Mandelert (2005), observamos a

mesma estratégia em outra escola de prestígio do Rio de Janeiro. A psicóloga da

escola estudada chamava os pais quando verificava diminuições na média ou

problemas de comportamento, pedindo o comparecimento de ambos.

Perrenoud (2001) salienta que a escola espera que a família seja responsável

por seu filho dentro do contexto escolar, pois a escola trabalha com as famílias de

forma interdependente. A instituição escolar tem a expectativa de que seu trabalho

seja auxiliado e reforçado pela atitude das famílias, tanto no aspecto cognitivo como

no comportamental. As famílias devem ter, portanto, a capacidade de acompanhar

os filhos na escola. Como foi dito sobre um dos alunos reprovados no ensino médio

no conselho de outubro: ele morava na Rocinha com o pai e uma madrasta, e estes

não tinham uma escolaridade que permitisse ajudá-lo nas suas tarefas escolares.

Ainda que não tenha sido possível verificar uma correlação nas minhas

observações entre a parceria da família e o aluno ser sido reprovado ou não, essa é

uma representação muito forte entre os agentes escolares, como vemos na fala da

orientadora em um dos conselhos consultivos:

“Ando fazendo uma aposta: quando a família apoia, faz toda a diferença. Se a mãe não tem uma relação de respeito e consideração com a escola, faz muita diferença; é claro que tem a parte do sujeito, do desejo, do querer, mas essa afinidade é muito importante.” (orientadora educacional, 8º ano do ensino fundamental).

A fala dos professores do ensino médio corrobora essa impressão: “parece

que todo menino bom tem boa família”, “nasce em família”. A família, de

qualquer modo, é considerada a grande responsável pelo desempenho do aluno. A

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orientadora educacional do 1º ano do ensino médio declarou em conselho, falando

sobre alunos que estavam com problemas de nota:

“Não podem (as famílias) apontar as setas pra a escola, não é a escola que tem que dar conta. Tem que devolver para os alunos e famílias. Não é a escola que tem que dar conta”. (orientadora educacional, 1º ano do ensino médio)

A indicação de terapia pelo SOE também ocorreu, mas para muito poucos

e, em geral, para aqueles que tinham dificuldades de relacionamento com o grupo.

Esse direcionamento é diferente do que foi visto por Mattos (2005) e Sá Earp

(2006), nos quais se observa que a solução da maioria dos problemas era fora da

escola, com o encaminhamento para tratamentos variados. Talvez essa diferença

possa ser explicada pela faixa etária do primeiro segmento do ensino fundamental

pesquisada nos dois estudos.

De qualquer forma, a impressão que se tem é a de que muitas famílias já se

antecipam ao encaminhamento escolar. Quando algum diagnóstico foi informado,

como foi o caso de um aluno portador de TDAH, os professores não ficaram à vontade,

um considerou que o diagnóstico poderia transformar-se num “rótulo”, o que foi

considerado prejudicial. Esse tipo de diagnóstico poderia fornecer uma “desculpa” ao

aluno para que não houvesse uma adesão total ao projeto de escola de excelência.

Outra estratégia foi ter um discurso único, isto é, além do SOE, os próprios

professores darem um retorno para as turmas, para reforçar o que foi dito em

conselho. Até na situação da possibilidade de fazer um elogio, foi uma decisão em

conjunto no colegiado para fazê-lo ou não.

A estratégia mais usada após a discussão sobre cada turma, no 8º ano, foi a

mudança de lugar dos alunos; já no 1º ano, foi bem menos utilizada. No 8º ano, a

reorganização do mapa de lugares da sala de aula foi feita por um dos professores

presentes, durante a reunião, e repassada depois aos outros para ser aprovada. A

localização do aluno em sala de aula foi considerada muitas vezes como sendo a

causadora dos maiores problemas. Esse dado é interessante, porque essa variável

foi pouco medida na literatura sobre desempenho. O que se estuda geralmente é a

composição das turmas, mas não a localização do aluno na turma.

Para uma turma, a equipe combinou que incentivaria os bons alunos a

reagirem aos maus alunos. Em outra, combinou-se que seriam valorizadas as

lideranças positivas no grupo.

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Em 2008, no último conselho de classe, os professores pediram que fosse

feito um breve histórico dos alunos67, considerando que a falta das informações

atrapalhava um possível trabalho preventivo com os que tivessem problemas de

aprendizagem. Houve uma discussão à época se as informações não poderiam

deixar os alunos “marcados” pelos professores, mas a decisão foi que eles não

seriam influenciados. Assim, em 2009, o documento ficou na sala da

coordenadora à disposição dos professores. Também foi usado no conselho de

outubro, quando a orientadora leu informações resumidas sobre a família dos

alunos e seus desempenhos acadêmicos anteriores.

A conversa particular com um aluno foi uma sugestão de conduta por parte

do SOE para um professor, também utilizada por outros professores

espontaneamente, e denominada de “conversa no cantinho”.

Alguns professores falaram sobre suas próprias estratégias para estimular

os alunos:

a) Comentários nas provas – um professor disse que a cada prova

escrevia bilhetinhos para os alunos comentando o resultado. Em uma

das provas, em vez de escrever, pediu aos alunos para pensarem o que

deveria ser escrito no bilhete.

b) A conversa particular com determinados alunos com problemas de

nota ou comportamento foi mencionada por vários professores. Um

deles tinha até uma denominação para essa estratégia, que era falar no

“cantinho”. Mais uma demonstração de empenho pessoal desses

profissionais no projeto de excelência escolar da instituição.

c) Alunos como monitores - outra estratégia utilizada foi a designação de

alguns alunos como padrinhos de outros, para ajudá-los nos estudos.

d) Atenção individualizada - um dos professores falou de contato pessoal

que teve com um aluno e depois mandou trabalhos por escrito

específicos para esse menino.

e) Nota - a nota foi comentada por dois professores. Um falou que evitava ao

máximo dar nota zero, porque acreditava ser um desestímulo ao aluno. Já

outro professor falou que um determinado aluno precisava de umas notas

67 Não foi dito o que constaria no documento, mas pelas informações que passaram a ser dadas em 2009 vi quer era: o ano de entrada na escola, trajetória escolar, referências familiares, possíveis problemas de desempenho, familiares etc.

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vermelhas para saber que não é tão bom quanto pensava e que quase deu

nota baixa para ele aprender. Falou desse seu ponto de vista para outros

três alunos. Em uma dessas situações, inclusive, incitou outros professores

a agirem da mesma forma: “é bom começar a espremer”. Não sei qual é a

postura dos demais sobre o tema, pois ninguém verbalizou da mesma

forma. As notas, sem dúvida, têm um efeito forte sobre os alunos, pois o

que foi levantado como motivo na alteração do comportamento dos

alunos de uma das turmas foi justamente o mau resultado nas notas. De

acordo com os professores, os alunos teriam ficado “sob pressão” e isso

teria gerado a mudança positiva. Sá Earp (2006) também identificou o uso

da nota como forma de monitoramento do aluno. No caso, dar nota baixa

serviria para “assustar” o aluno ou para “prevenir” um desempenho

indesejável nos bimestres seguintes.

f) Elogios - um dos professores falou que a atitude do aluno mudou

depois de ter recebido um elogio seu.

g) Auto-avaliação – a professora de Estudo Dirigido fez com os alunos

uma auto-avaliação que ela considerou muito eficaz, continha itens

como higiene pessoal, relação com os professores, com os outros etc.

h) Afeto – um professor do 1º ano do ensino médio comentou numa pausa

do conselho que ficou impressionado com a importância do afeto com

os alunos. Disse que bastava tocar no braço que eles se

“desmanchavam”. A orientadora educacional concordou, dizendo que,

de fato, vários alunos estão muito sozinhos e que a demonstração de

afeto é realmente importante, repetindo essa fala durante o conselho.

i) O professor de Educação Física relatou que estava tendo muitos

problemas com o aquecimento antes das atividades desportivas, pois os

alunos não estavam querendo fazer. Para resolver o problema, os

professores elaboraram uma apostila na qual estavam escritas as razões

científicas de se fazer um aquecimento.

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5.4.4 Zona de desconforto

Os conselhos consultivos do ensino médio de 2009 tiveram algo a mais do

que as dinâmicas dos outros conselhos, pois houve um espaço para o debate sobre

as avaliações que estavam sendo feitas pelos professores. Pude ver que existe uma

preocupação manter os alunos no que denominei de zona de desconforto,

conforme descreverei a seguir.

No conselho de junho, o coordenador do ensino médio pediu para que o

professor de Matemática explicasse porque seus alunos ficaram com média 3,4. O

pedido não foi nada agressivo, foi apenas uma explicação que qualquer

profissional teria que fazer se os resultados não fossem dentro do esperado. A

explicação dada foi a mudança na estruturação do currículo no ensino médio, pois

decidiram colocar Geometria e Análise Combinatória, matérias ensinadas

tradicionalmente no final do ano, para o início. Essas matérias têm um grau de

dificuldade maior, pois não têm o algoritmo, isto é, não têm uma “fórmula” para

solucionar os problemas, é necessário fazer análise, o que é mais difícil.

Outro problema foi que a prova, que normalmente era no sábado, teve de

ser durante a semana. Além disso, o tempo da prova foi menor do que deveria ser.

Disse ainda que esse resultado não havia comprometido a relação dos alunos com

os professores. O professor salientou que a nota da maioria dos alunos já tinha

aumentado e a média tinha subido para 5,2. Declarou também que as famílias

tinham sido avisadas, embora não tenha explicado como isso foi feito nem o que

tinha sido avisado.

Um argumento a mais utilizado para explicar o mau resultado foi que,

tradicionalmente, no primeiro momento do ensino médio, as notas são mais

baixas, mas não disse a razão disso. O que preocupava esse professor eram

aqueles alunos que ainda não tinham conseguido se recuperar e estava sendo feito

um trabalho específico com eles para isso acontecer. Dada a explicação, o

conselho seguiu adiante dentro do planejado e não se voltou mais ao assunto.

No conselho de outubro, o coordenador pedagógico mostrou com um

gráfico de colunas como tinha sido o desempenho das turmas. Salientou que todas

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as médias das disciplinas estavam acima de 568, que é o que a escola está tentando

ter como mentalidade. Em seguida, veio o pedido de explicação para a professora

de Química sobre as médias altas dos alunos naquele bimestre (a média das

turmas nessa disciplina tinha sido sete), alertando, no entanto, que isso não era um

problema. Apesar do aviso, a resposta foi dada com certo constrangimento, a

melhora das médias teria sido em decorrência do menor número de alunos em

sala, o que “facilitava e muito” o trabalho escolar.

De acordo com a professora, foi possível fazer muitos exercícios e

arguições com os alunos. A prova tinha sido feita com questões de vestibular.

Provavelmente, para acalmar o coordenador, e talvez a si própria, a professora

disse que na próxima prova “tiraria o ‘pé do freio’ para que os alunos não

ficassem ‘muito soltos’, haveria um ‘aperto’”. Ela mesma tinha ficado assustada

com a média 7,4 de uma das turmas. Como o coordenador não retrucou nada,

parece que a resposta foi considerada satisfatória, portanto tudo indica que a

atitude correta para o grupo seria pressionar os alunos nas avaliações futuras. O

exemplo apresentado pela professora – dar mais exercícios e fazer mais arguições

– não foi utilizado como exemplo para os outros professores.

Com essas duas situações, vemos que a escola considera que o ideal é

manter as médias um pouco acima de cinco. Convém entender a lógica das notas

nesse momento. O aluno, para ser promovido, precisa atingir em cada matéria:

- média anual maior ou igual a 7,0 – promovido;

- média anual maior ou igual a 3,5 e menor que 7,0 – prova final;

- média anual maior que 2,5 e menor que 3,5 – direto em recuperação, sem

direito à prova final (no máximo em duas matérias);

- média anual menor ou igual a 2,5 – não promovido (sem direito à prova

final e à recuperação final);

- para ser promovido na prova final é necessário em cada matéria obter uma

pontuação maior ou igual a 2,5 e [(média anual x 7) + (Prova Final x 3)]÷10 ≥ 5,0;

- para ser promovido na recuperação, o aluno precisa obter em cada

matéria a média maior ou igual a 5,0, de acordo com o seguinte cálculo: [(média

anual x 6) + (Prova de recuperação x 4)]÷10 ≥ 5,0.

68 A média geral de todas as turmas foi de 6,2.

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Como para ser promovido o aluno tem que ter média sete, podemos ver

que, ao manter as notas em torno de cinco, a escola garante que a maioria dos

alunos precisará fazer as provas finais. Além disso, mantêm os alunos em uma

zona de desconforto, pois sabem que não estão com um resultado garantido para

serem aprovados. Provavelmente, ter médias muito baixas não interessa, pois

exclui mais do que é necessário. Ter os alunos com a média maior do que sete

também não é bom, mesmo que isso tenha sido o resultado de um bom trabalho

pedagógico, calcado em exercícios e provas adequadas ao que os alunos irão

enfrentar nos vestibulares. Uma escola de excelência, além de ter alunos com

ótimos desempenhos, precisa para se distinguir formar poucos alunos. Talvez

possamos fazer aqui um paralelo com as escolas preparatórias estudadas por

Bourdieu (1989) e a manutenção da zona de desconforto seja apenas mais uma

das práticas de construção da excelência.

Na escola A1, como naquelas pesquisadas por Bourdieu (1989), vê-se a

definição de cultura e do trabalho intelectual subordinado aos imperativos da

urgência. Por intermédio de uma série de práticas institucionais, incitações,

constrangimentos e controles, a existência dos alunos fica concentrada em torno de

preocupações exclusivamente escolares. Na escola A1, seria o perigo da reprovação.

Uma das formas de manter os alunos em zona de desconforto pode ser

exemplificada em dois depoimentos de professores sobre uma turma considerada

melhor do que as outras. Ambos revelaram que tinham um padrão de cobrança

maior com essa turma, por isso, na comparação, a melhor turma não tinha médias

muito melhores. O perigo da reprovação deve ser mantido constante para todos.

Essa interpretação, portanto, não entra em desacordo com a pedagogia da

repetência referida por Costa Ribeiro (1991). Antes, podemos, como assinalou

Eisemon (1997), correlacionar a pedagogia da repetência à tradição francófona, na

qual existe uma equiparação de seletividade com altos padrões educacionais, pois

um alto nível de fracasso significa rigor e altas taxas de desempenho. Ou como

Emerique (2008) definiu: excelência acadêmica deriva de seleção escolar e,

portanto, a reprovação é constituinte da construção da excelência.

Nesse sentido, as falas dos professores no conselho de classe de junho de

2009 do ensino médio ajudam a ilustrar essa perspectiva. Os professores foram

dizendo um a um como estavam vendo o desenvolvimento dos alunos. Nesse

contexto, um deles falou que talvez a exigência da escola fosse grande demais. De

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acordo com ele, os alunos queriam ser crianças e os professores queriam que eles

fossem adultos. Terminou falando que talvez o desejo da escola de ser a primeira

no Enem estivesse fazendo mal aos alunos. O depoimento desse professor indica

que a exigência da precocidade dos alunos faz parte dos esforços realizados para

que a escola tenha uma boa colocação no Enem.

A fala do um professor logo em seguida demonstra, no entanto, como a

lógica da reprovação faz parte da lógica escolar. Ele disse que não via o mesmo

problema do exagero na demanda sobre os alunos, pois para ele “era só um

processo: um grupo vai conseguir e outro não”. Esse corte faz parte do mecanismo

escolar, pois como disse ainda outro professor, determinados alunos seriam

“expelidos naturalmente”.

A reprovação, portanto, é parte inseparável do ensino em muitas das

“instituições de excelência” como vimos nos capítulo 3. Um dos maiores

estímulos para que os alunos estudem é o permanente perigo da reprovação, mais

do que qualquer outro. A mesma apreensão é reforçada nos pais. No decorrer da

mesma reunião, quando estavam discutindo as estratégias de como alertar o mau

comportamento dos alunos aos pais, um professor disse que

é necessário sinalizar, sim, existem as peneiras, sim. Tem que ter argumento, quando chega o mês de setembro, os pais vêm discutir quando o perfil da reprovação começa a ser delineado. (grifo meu)

Nesse depoimento, podemos ver a naturalização do corte, denominado aqui

de “peneira”, e como os pais devem ser mantidos cientes da possibilidade de

reprovação. O coordenador pedagógico afirmou, inclusive, que as famílias esperam

ser avisadas, mesmo recebendo o boletim e vendo que as notas do filho não são boas.

A manutenção na zona de desconforto, ou sob os imperativos da urgência,

pode ser vista na organização do calendário de provas. Nos três anos do ensino

médio, vemos que, durante o ano letivo, a maioria dos sábados é dedicada às

provas. Os sábados em que não estão programadas avaliações são os que ficam no

meio de um feriado, logo, em alguns meses, os alunos têm provas todos os sábados.

Essa linha de corte ainda pode ser percebida em outra situação. Durante o

conselho de classe de outubro de 2008, em meio aos comentários sobre um aluno, a

coordenadora pedagógica do ensino médio pediu sugestões para a montagem das

turmas no ano seguinte. Um professor perguntou quantas seriam, ela disse que duas,

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provavelmente. Ainda estávamos em outubro, o resultado dos alunos não havia

chegado para a reunião, portanto não havia um quantitativo dos alunos que estavam

com problemas. Sua resposta deve ter tido por base o que ocorre todos os anos, isto é,

na passagem do 1º ano para o 2º, a escola perde mais ou menos uma turma de alunos

que se transferem, ou são reprovados, ou ainda são reprovados e se transferem. É o

que já vimos no capítulo 4 com a análise dos ciclos de série das duas escolas.

Essa supressão de turmas conforme vai se elevando o nível de ensino

também foi verificada por Prado (2005) na etnografia feita em outra escola

particular de prestígio do Rio de Janeiro. Na instituição pesquisada, havia 18

turmas de ensino médio, sendo que sete de 1º ano, seis do 2º ano e cinco do 3º.

Todo ano, o equivalente a uma turma é reprovado, além dos que pedem

transferência ao longo do ano letivo.

Interessante notar que esse corte de alunos não é feito a partir de um

quantitativo fixo, isto é, os professores não chegam ao final do ano querendo

cortar uma turma inteira, ou 20% dos alunos. É um processo naturalizado que,

provavelmente, é uma decorrência do efeito de Posthumus:

qualquer que seja a distribuição das competências no início do ano escolar, a distribuição das notas no fim respeita grosso modo uma forma gaussiana (forma de curva normal). (apud Crahay, 68, 1996)

Em outras palavras, não importa quais alunos estão inseridos no grupo, os

professores têm a tendência de, ano após ano, conservar a mesma distribuição de

notas na forma de uma curva normal. Assim, dentro dessa distribuição sempre se

pode reprovar os que ficam com as piores médias, pois o aluno é avaliado em

relação aos seus colegas, mais do que em relação a um conteúdo. Com isso, é

importante notar que um aluno pode ser mediano em uma turma e ruim em outra.

Essa mudança de inserção faz com que ele possa ser aprovado em um contexto e

reprovado em outro.

É por esse efeito que a escola consegue manter o número de alunos sempre

dentro de um padrão. Os professores sabem que em determinadas séries devem

ser mais rigorosos do que em outras. Eles mesmos identificam que existem as

peneiras e consideram que a seleção é inerente ao processo pedagógico.

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6 Aprovações e Reprovações: conselhos deliberativos

6.1 Descrição geral

Os conselhos deliberativos, que ocorrem em dezembro, são a instância de

decisão das aprovações e reprovações dos alunos que não alcançaram a média

para aprovação depois das provas finais.

Assim, o primeiro conselho deliberativo aconteceu em dezembro, logo

após as provas finais. Relembro aqui que, de acordo com as regras de promoção

da escola, é permitido ficar apenas em duas matérias em recuperação. Os alunos

que são reprovados e os que ficam em recuperação são discutidos em conselho.

Caso o aluno fique em três matérias, pode receber um ajuste na nota para poder

fazer a recuperação. É importante salientar que essa regra não está escrita nas

orientações gerais69 citadas anteriormente. Do texto consta: “a recuperação final

será facultada somente em, no máximo, duas matérias. Em caso contrário, NÃO

OCORRERÁ PROMOÇÃO”.(grifo no original).

O segundo conselho deliberativo ocorre após a recuperação, também em

dezembro. Nele é decidido, dentre os alunos que não passaram por nota, em uma

ou nas duas matérias em que fizeram recuperação, quais poderão ser aprovados e

quais serão reprovados. Mais uma vez é uma regra não escrita nas orientações

gerais.

O ritual do conselho deliberativo consistiu na nomeação dos alunos,

seguida da exposição em datashow de uma planilha com o resumo das notas e da

foto do aluno. Os professores falavam o que lhes parecia pertinente, conforme

apresentarei adiante. Depois era tomada a decisão: no 8º ano, sempre por

consenso; no ensino médio, por votação. Em entrevista com a orientadora

educacional do ensino fundamental, comentei essa diferença entre os conselhos de

cada segmento. Ela disse que provavelmente o certo seria fazer por votação, mas

as decisões nos outros encontros continuaram a ser por consenso.

69 Relembro que as “orientações gerais” estão escritas na agenda anual distribuída para toda a comunidade escolar.

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A escola tem um documento que a família e o aluno devem assinar caso

ocorra uma aprovação em conselho. Nele, o responsável declara estar ciente da

aprovação pelo Conselho de Classe Final e que será necessário o

acompanhamento acadêmico do aluno naquela disciplina, no ano seguinte. De

acordo com a orientadora, o documento mais do que representar uma obrigação

que a escola imputa à família, representa uma advertência da fragilidade do aluno

na matéria.

6.2 Uma escola menos “excludente”

As reprovações já eram esperadas, conforme vimos nas análises de ciclo

de séries do capítulo 4. Em 2008 e 2009, as reprovações do 1º ano do ensino

médio mantiveram-se no mesmo patamar dos ciclos de série de 1996/2006 e

1997/200770, com 16 reprovados em 2008 e 17 em 2009. No 8º ano do ensino

fundamental, no entanto, ela foi menor. De fato, se nos anos das análises a escola

tinha reprovado sete, quinze, seis e onze alunos no 8º ano, foram apenas quatro

alunos no ano de 2008 e três no de 2009.

Acredito que essa variação seja decorrência de uma mudança interna que

vem acontecendo ao longo dos últimos anos na instituição. Não me dei conta de

que a minha escolha tinha se baseado em dados de 2001, 2002, 2003 e 2004, que

foram os anos correspondentes ao 8ª ano das análises de ciclo de série que

realizei.

Caso fosse adotado o critério antigo, que era exclusivamente pela nota,

teria havido pelo menos quatro reprovações a mais nos dois anos observados do 8º

ano do ensino fundamental. A diferença no ensino médio seria ainda maior:

seriam pelo menos nove reprovações a mais em 2008 e mais 16 em 2009,

contabilizando os ajustes feitos nos dois conselhos deliberativos em cada ano.

De acordo com a supervisora pedagógica, a escola está paulatinamente

introduzindo desde 2001 uma dimensão qualitativa na avaliação dos alunos. É

uma tentativa de sair da “nota fria”, que, no passado, decidia tudo. Para explicar o

70 O número de reprovados nas análises de ciclos de série no 1º ano do ensino médio foram 21 alunos no ciclo de 1995/2005 e 27 no ciclo de 1998/2008.

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que acontecia, ela me relatou que muitos alunos eram reprovados por meio ponto

em uma matéria. Havia pouco diálogo com os pais, e, se a família não estivesse

satisfeita com a escola, deveria retirar seu filho do estabelecimento. Ela salientou

que o resultado da mudança na forma de avaliar dos alunos pode ser visto na

formatura de três turmas no ensino médio em 2009.

Numa tentativa de entender o porquê dessa mudança, perguntei, nessa

mesma entrevista com a supervisora, se isso não estaria ligado a uma decisão

administrativa pela diminuição expressiva no número de candidatos interessados

na escola. No passado, de acordo com os depoimentos de vários profissionais, o

dia de inscrição era um só e apenas para determinadas séries. A fila de inscrições

para a escola dava “volta no quarteirão”. Atualmente são vários dias de inscrição e

em todas as séries há entrada de novos alunos. Essa informação, aliada ao

conhecimento do perfil do novo gestor da escola, marcadamente uma pessoa que

se importa com a boa administração financeira, motivou a minha pergunta Essa

característica, inclusive, foi salientada em entrevistas por diversos profissionais e

pelo próprio gestor.

A resposta da supervisora foi negativa. A decisão da mudança seria uma

decorrência das trocas de liderança ocorridas na escola nos últimos dez anos, e

que teria sido uma questão exclusivamente pedagógica, pois o que se queria é que

mais alunos pudessem aproveitar a formação oferecida pela escola. O desejo é que

a escola fosse “menos excludente”.

Esse é um processo, no entanto, que ainda está em andamento. A diferença

no modo de votar entre os segmentos e o número de reprovações reforça a

interpretação dada no capítulo 5, sobre as diferenças nas funções de cada

conselho. No 8º ano do fundamental, como a escola está formando os alunos, o

alinhamento à proposta da escola é mais simples; a decisão por consenso e o

número de reprovados seriam uma demonstração disso.

No ensino médio, a situação é diversa. Para começar, como temos no

mínimo o dobro de professores, talvez o consenso seja mais difícil de ser

alcançado. Depois, a nova mentalidade da escola confronta com a função seletiva

que o 1º ano deve operar para estabelecer a distinção da escola. A possibilidade do

voto no ensino médio mostrou esse desacordo atual entre os professores, pois

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muitas vezes não houve o consenso71. Pareceu, inclusive, permitir que alguns

professores manifestassem sua discórdia com o que estava sendo dito pelos

professores mais eloquentes. O voto demonstrava a opinião divergente sem a

necessidade do desgaste normalmente acarretado pelo debate. Infelizmente, como

não filmei, não pude captar as diferenças entre os professores, apenas o somatório

dos votos.

Essa modificação na mentalidade provocou rupturas. Conforme relato da

supervisora pedagógica, diversos professores acabaram saindo da escola. Alguns

foram mandados embora e outros saíram por discordar do novo sistema.

Interessante notar que Fernandes (2003) observou o mesmo com a implementação

da política de ciclos. De acordo com seu estudo, a introdução da experiência em

ciclos desestabilizou o habitus dos agentes escolares, produzindo uma situação de

tensão e conflito. Vemos na pesquisa de Fernandes como a mudança no sistema

de avaliação repercute intensamente na comunidade escolar. Na escola A1, ainda

que não tenha sido uma mudança tão radical quanto a introdução dos ciclos, uma

pequena mudança já alterou o equilíbrio pré-existente, gerando o desligamento de

muitos professores.

6.3 Matérias que reprovam e que não reprovam

Durante os conselhos deliberativos, foi possível perceber diferenças entre

as matérias. Tais diferenças se manifestavam não só pelo número de alunos que

ficavam em recuperação, mas também pelo peso que tinham na hora da

reprovação, o que nos leva a pensar que existe uma hierarquização na importância

das disciplinas na escola.

71 No primeiro conselho deliberativo de dezembro de 2008, do ensino médio, havia a possibilidade da abstenção e vários professores se valeram disso para não votar.

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6.3.1 Ensino Fundamental

As disciplinas nas quais os alunos tiveram mais dificuldades variaram um

pouco em cada ano. Se, em 2008, Português teve 12 alunos que não passaram por

nota nas provas finais, em 2009, teve apenas três; Matemática também apresentou

uma grande variação: seis, em 2008, e dois, em 2009.

Geografia se manteve sempre em segundo lugar: nove, em 2008, e sete,

em 2009. As falas desse professor em conselho com frequência foram em direção

à reprovação dos alunos, seja na utilização da nota como estratégia para conter os

alunos indisciplinados, seja na hora de expor sua opinião sobre cada um.

Já em Ciências, se, em 2008, apenas quatro alunos não obtiveram as notas

necessárias, em 2009, foram 17. A fala da professora de Ciências no conselho

talvez explique em parte o aumento do número de alunos: corrigiu as provas à

noite, deixando as notas “cruas” para não cometer nenhum engano. Apesar de ela

não ter explicado o que ela queria dizer com isso, entendi que ela deu as notas

sem olhar para quanto cada aluno precisava para ser aprovado. Desse modo, não

fez os ajustes necessários que já faria normalmente antes do conselho. Mesmo

assim, a diferença foi grande, já que, em 2009, dez alunos ficaram em

recuperação. Essa professora também demonstrou frequentemente acreditar na

importância da reprovação. Com esses dois profissionais, vemos a importância da

personalidade do professor nas reprovações. Conforme a sua concepção de ensino,

o professor tende a diminuir as notas ou não, situação que também se apresentou

no ensino médio.

História não teve nenhum aluno fazendo recuperação, e Francês, apenas

um. Em ambas as disciplinas, a situação foi parecida, poucos alunos ficaram nas

duas matérias e, na maioria das vezes, foram aqueles que ficaram sem nota em

diferentes matérias, por isso foram reprovados antes mesmo da recuperação.

Inglês ocupou uma posição intermediária entre as disciplinas de Geografia

e História. A escola atualmente tem uma grande exigência na língua estrangeira,

pois o aluno teria um ensino de alta qualidade, não sendo necessário estudar em

nenhum curso extracurricular.

Teologia não teve nenhum aluno em recuperação, nem no fundamental,

nem no ensino médio. Provavelmente, por ser uma matéria que não é avaliada no

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vestibular, nem em nenhum outro concurso, não está entre as que possam

reprovar, apesar de ser avaliado com nota. Imagino que seria difícil para a escola

sustentar uma reprovação em Teologia junto às famílias. O investimento dos pais

é muito alto para que a Teologia, por suas características, possa ser configurada

como um obstáculo na trajetória escolar desses alunos.

Vemos também que as disciplinas não têm o mesmo estatuto em outras

situações. Por exemplo, um aluno, em 2008, teve a nota de Geografia ajustada, em

vez da de Português, para poder fazer recuperação, ainda que, em Português, ele

só precisasse de oito décimos e, em Geografia, 1,7. O critério definido pela

coordenadora foi a matéria que faria mais falta no ano seguinte. Como em

Geografia o tema seria outro, mesmo que o aluno fosse ficar com “lacunas”,

conforme foi dito para outros alunos, decidiu-se que era melhor a recuperação em

Português. O que demonstra, mais uma vez, a hierarquia entre as disciplinas.

Em 2008, no conselho deliberativo final, que aconteceu após a

recuperação, um aluno ficou apenas em Inglês precisando de 2,5. No ano seguinte,

nesse segundo conselho deliberativo, um aluno ficou em Geografia precisando de

nove décimos. Em ambos os casos, os alunos foram aprovados. Não sei se o

resultado seria diferente se fosse Matemática ou Português, mas nas duas

situações não eram bons alunos, foram considerados fracos, mesmo assim foram

aprovados. A própria professora de Inglês disse não se sentir confortável de

reprová-lo só na sua matéria. Provavelmente, a nova mentalidade da escola de

tentar reprovar menos também tenha influído na decisão.

Tabela nº 11 - Número de alunos que não passaram por nota em

cada disciplina do 8º EF nos anos de 2008 e 2009

Matéria 2008 2009

Português 12 3

Matemática 6 2

Ciências 4 17

Geografia 9 7

Inglês 2 5

Francês 3 1

História 2 1

Teologia 0 0

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6.3.2 Ensino Médio

No ensino médio, a grande “vilã”, ao contrário do ensino fundamental, foi

a Matemática. Sem dúvida, foi a matéria que mais levou alunos à recuperação e à

reprovação. Em 2008, foram 28 alunos, em 2009, provavelmente pelo problema já

relatado anteriormente, com a mudança de currículo, os números foram ainda

maiores e, dos 42 que não passaram por nota nas provas finais, 35 ficaram em

Matemática. A Física manteve um padrão alto nos dois anos com muitos alunos

em recuperação. Química e Português tiveram um comportamento distinto nos

dois anos, e acredito que tenha acontecido em decorrência da mudança dos

professores. Digo isso em função do comportamento dos professores no conselho

de classe, pois os novos tiveram um discurso mais voltado para a liberação dos

alunos do que os antigos. Mais uma vez, vemos a importância da personalidade

dos professores no desempenho dos alunos.

Pouquíssimos alunos ficaram em recuperação em História, Redação e

Artes. Em Sociologia e Filosofia, ainda que o número de alunos que não passaram

por nota tenha sido maior, apenas dois ficaram efetivamente em recuperação em

cada ano.

Tabela nº 12 - Número de alunos que não passaram por nota em cada disciplina do 1º EM de 2008 e 2009 Matéria 2008 2009 Português 4 10 Redação 2 1 Francês 1 2 Inglês 5 11 História 0 2 Geografia 4 2 Física 19 21 Química 17 8 Biologia 3 6 Matemática 28 35 Teologia 0 1 Artes 2 2 Sociologia 5 6 Filosofia 6 1

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A hierarquização das disciplinas foi possível de ser observada no primeiro

conselho deliberativo do ensino médio. Um dos alunos ficou em três matérias:

Matemática, precisando de 1,6, Sociologia, de 1,4 e Filosofia, de 3,4. A professora

de Sociologia imediatamente se prontificou a dar a nota por ser o aluno “muito

gente boa”. O professor de Matemática disse que poderia liberá-lo em sua matéria.

A professora replicou que o aluno tinha sido reprovado no ano anterior em

Sociologia e não seriam os dez dias da recuperação que fariam a diferença. O

professor de Matemática insistiu, dizendo que, pelo quadro de notas, era claro que

o maior problema do aluno eram as disciplinas de área humana, usando como

argumento que seria até bom para desfazer a imagem da escola de só privilegiar as

exatas. Foi feita uma votação para decidir se o ajuste seria realizado em

Matemática e não em Sociologia, houve quatro votos a favor, sete contra. Ao meu

lado, um professor disse que não poderiam mudar essa imagem, porque ela era

verdadeira.

Inúmeras vezes, esse professor de Matemática demonstrou, nos conselhos,

ter uma opinião diferente da dos outros professores. O que outros professores

consideraram como um comportamento inadequado ele mostrou outro ponto de

vista dizendo que a escola devia tomar cuidado para não enquadrar demais os

alunos, por exemplo. De acordo com a orientadora educacional, ele fez a grande

diferença no segundo conselho deliberativo de 2009, pois vários alunos foram

aprovados precisando de notas muito altas. Parece que seu argumento era de que o

aluno tinha condições e, como eles tinham mudado o currículo, isso não seria um

problema. Acabou pedindo demissão no fim do ano.

Houve mais um debate sobre esse tema, dessa vez em um dos conselhos

consultivos do ensino médio. Numa discussão sobre uma das turmas de 2009, o

coordenador disse que os alunos não respeitavam algumas matérias por falta de

maturidade e que eles respeitavam mais quem “come o fígado deles”. Com sua

declaração, deu uma pequena mostra da visão dos alunos de que professor bom é

aquele que pode reprovar, exatamente como mencionou Eisemon (1977) para os

países de influência francófona, onde o rigor na nota é compreendido como

qualidade.

Outro professor falou que precisou explicar para os alunos que as

disciplinas da área de humanas eram muito importantes na vida deles e foi um

discurso forte. O próprio coordenador, que é professor da área de exatas, disse que

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sentia falta dessas disciplinas. O professor de Geografia manifestou seu espanto

diante da fala, pois nunca tinha ouvido nada parecido naquele colégio, diferente

do outro onde ele dá aula. O pensamento sobre a importância das exatas era “meio

institucional”.

Uma demonstração desse pensamento tinha acontecido quando um

excelente aluno manifestou seu desejo de fazer Direito e vários disseram para ele

que seria um desperdício. A orientadora educacional concordou, pois, na definição

das profissões, os alunos só mencionavam as que estavam no grupo das exatas.

O fato é que todos os alunos que foram reprovados em apenas uma

disciplina da área de humanas foram aprovados em conselho. O mesmo não

aconteceu com Física e Matemática. Os alunos que foram reprovados em alguma

disciplina do grupo das humanas foram reprovados também em alguma da área

das exatas.

Pela diferença do número de alunos que ficou em cada matéria e,

posteriormente, pela possibilidade de reprovação que demonstraram, vemos que

no ensino médio a escola prestigia as exatas. Bourdieu (1989) explicou a

hierarquização das disciplinas nas escolas preparatórias francesas da seguinte

forma: considerou que Francês, Filosofia e as matemáticas seriam disciplinas que

necessitariam de talento e de dom, por isso estariam associadas a um capital

cultural herdado muito importante, o que é diferente da Geografia e das Ciências

Naturais, que necessitam principalmente de trabalho e de estudo. História e as

línguas modernas e arcaicas ocupariam uma posição intermediária.

Essa explicação dada por Bourdieu é adequada para o contexto francês, no

qual a escola é pública. No caso da escola A1 e acredito que das outras escolas de

prestígio também, parece que essa interpretação no ensino médio não é adequada.

Para essas escolas, o capital cultural herdado já está razoavelmente garantido com

a seleção social que é feita na entrada da escola, com as mensalidades e a

avaliação inicial. Além disso, os alunos foram intensamente ensinados e exigidos

em Português até o fim do ensino fundamental. No ensino médio a seleção feita

pela reprovação não pode se basear nisso, pois todos partem de um patamar

razoavelmente comum. As matérias que fazem diferença são aquelas menos

ensinadas no contexto doméstico, por isso Matemática, Física e Química são tão

importantes. É nessa área do conhecimento que a escola fará diferença e mostrará

o valor agregado que oferece. Isso é necessário porque a baliza é o vestibular, é a

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prova do Enem, e são essas avaliações que determinam as disciplinas que

distinguem os alunos nesses rankings.

Precisa ser dito que essa opção pelas disciplinas da área de exatas não se

repete nas escolas definidas por Ballion (apud Nogueira, 1998) como

“estabelecimentos para as classes altas”. Tais escolas prestigiam uma socialização

feita de práticas ‘mundanas’. A diferença observada na escola também é possível

de ser observada no investimento feito pelas famílias dos alunos nas práticas

culturais mundanas.

Em pesquisa anterior (Mandelert, 2005), a escola A1 e uma escola

bilíngue, considerada do tipo para as classes altas, responderam a um questionário

elaborado pelo grupo SOCED72. As frequências apuradas mostravam que as

famílias da escola bilíngue iam mais ao teatro, ópera, espetáculos de dança,

museus, além dos pais terem um domínio maior de línguas estrangeiras e

possuírem mais diplomas de mestrado e doutorado.

6.4 Conselhos pós-provas finais

6.4.1 Regras gerais

De acordo com minhas observações, três regras funcionaram em todos os

conselhos:

a) Os alunos que ficaram em quatro ou mais matérias foram reprovados73.

b) Todos os alunos que ficaram por até dois décimos foram aprovados nas

matérias respectivas, sem discussão, mesmo quando consideraram que um aluno

economizou esforço, por exemplo;

c) Quando o professor considerava que podia dar a nota, seu desejo era

respeitado, mas o oposto não foi verdadeiro, isto é, algumas vezes o professor teve

que fazer o ajuste, mesmo não sendo inteiramente a favor.

72 Fonte: Soced: Pesquisa Processos de Produção de Qualidade de Ensino, Escola, Família e Cultura. 2004. 73 Apenas um aluno fugiu a essa regra: teve a nota de Português ajustada em um décimo e a de Inglês em seis décimos, ficando em recuperação em duas matérias.

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Outras regras foram criadas por equidade, isto é, se um aluno tinha

recebido o benefício, outros também receberam, mas nem sempre isso foi seguido

à risca, houve decisões ad hoc, como veremos adiante.

A decisão da ausência de um critério geral foi explicitamente dita pela

coordenadora de segmento do ensino médio no segundo conselho deliberativo de

2008. Nesse conselho, antes de começar a avaliação aluno por aluno, um

professor tentou fazer com que houvesse uma regra geral para a análise de todos

os alunos. A coordenadora de segmento não concordou com as sugestões, dizendo

que não poderiam generalizar, teriam de ver caso a caso. Não houve um debate

maior sobre o assunto, quando a coordenadora falou, todos se calaram.

Provavelmente, ver caso a caso significava dar peso à avaliação qualitativa que

eles almejavam realizar na escola. Criar regras gerais iria contra essa nova

mentalidade.

Em 2009, esse pensamento, no entanto, mudou. A orientadora educacional

do ensino médio disse que em 2010 queriam fazer uma reunião, para realizar a

avaliação qualitativa cada vez melhor, tentando fazer um “registro dos

combinados”, para não ficar no caso a caso. Apesar dela não ter explicado melhor

o que seria isso, até porque ainda não tinha sido feita a reunião, considero que eles

queriam estabelecer mais regras gerais para ajudar os conselhos a decidir as

questões dos alunos. Mais uma demonstração de que o conselho de classe é uma

dinâmica em processo, ainda não cristalizado.

Outro item que me chamou a atenção foi o modo como a orientadora

educacional conclamou os professores para votarem sobre cada aluno: se, pelo

andamento da conversa, o aluno estava com poucas chances de ser aprovado, ela

perguntava quem era a favor da reprovação, se fosse o contrário, ela perguntava

quem era a favor da aprovação, isto é, já demonstrando o que devia ser feito pelos

professores.

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6.4.2 Os resultados e as regras pontuais

6.4.2.1 Ensino Fundamental

A seguir, apresento o resultado dos alunos do 8º ano do ensino

fundamental, em 2008 e 2009, após as provas finais. Os valores apresentados em

cada matéria são a diferença entre a nota alcançada na prova final e a nota que o

aluno deveria ter tirado para ser aprovado sem fazer recuperação. Os valores em

vermelho são aqueles que sofreram ajustes no conselho de classe. Os alunos são

apresentados conforme o número de matérias em que ficaram em recuperação, do

maior para o menor.

Como dito anteriormente, os alunos que ficaram em quatro disciplinas

foram todos reprovados. Ficaram nessa situação três alunos em 2008 e dois em

2009. O primeiro a ser reprovado foi um bolsista, descrito como um aluno triste,

deslocado, muito quieto, nunca tinha dúvidas, consideraram “uma tragédia

anunciada”. A coordenadora falou que alguns bolsistas apresentam problemas no

sentido de “ter ou não ter”. Este bolsista pediu transferência sem explicitar o

motivo. O segundo foi descrito como “assustado”, no conselho de outubro, tinha

“buracos enormes” em sua formação. No conselho, considerou-se que ele foi um

caso bem acompanhado, a família estava plenamente ciente. No pedido de

transferência, foi o único que explicitou o motivo: dificuldades em matérias como

Matemática, Inglês, Ciências etc. O terceiro teve problemas familiares sérios

durante o ano, decidiram rápido sua reprovação, pois tinha sido avisado o ano

todo; também pediu transferência. Quanto aos dois reprovados de 2009, um foi

considerado “imaturo”, com “muitas deficiências de estudo”, além de “não ter se

esforçado muito”. O segundo foi um aluno considerado “fraco”, “sem empenho”,

que queria sair da escola.

Três matérias Os alunos que ficaram em três matérias tiveram destinos variados. Não

houve uma regra única para decidir, dentre os alunos que ficaram em três

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matérias, quais seriam reprovados e quais receberiam uma nova chance. Foi feita

a discussão sobre o ajuste ou não até de três décimos em Ciências.

Tabela 13 - Resultados pós provas finais do 8º do ensino fundamental de 2008 – Diferença entre a nota alcançada e a nota necessária

Aluno Port. Franc. Ingl. Hist. Geo. Cien. Mat. Teol. Quatro Matérias

1 1,3 4,4 4,5 3,9 Rep 2 2,2 3 2,5 3,4 Rep 3 1,5 0,8 3,4 1,6 0,6 Rep 4 1,7 1,4 1,7 Rep

Três Matérias 5 0,8 1,4 1,7 Rec 6 1,2 3 0,3 Rec 7 1 1,4 0,1 Rec

Duas Matérias 8 1,2 1,1 Rec

Uma Matéria 9 1,8 Rec

10 1,8 Rec 11 1,9 Rec 12 1,2 Rec 13 0,9 Rec 14 0,1 Apr 15 1,1 Apr 16 0,1 Apr 17 0,6 Apr 18 0,7 Apr 19 0,7 Apr

Obs: Os valores em vermelho são aqueles em que houve ajuste de nota posteriormente.

A professora de Ciências disse não ter problema em dar a nota para o

aluno nº 6, mas achava que o aluno não devia passar. Todos os professores

concordaram que o aluno tinha muitas dificuldades (não sabia como estudar,

como anotar), mas a orientadora educacional lembrou que ele estava passando por

problemas familiares graves e assim foi decidido que seria feito o ajuste.

Os outros dois alunos que precisavam de um décimo em Matemática e

cinco décimos em Geografia receberam a chance, porque consideraram que eles

conseguiriam fazer uma boa recuperação. O terceiro foi uma das decisões ad hoc,

o aluno faltou à prova final por um mal entendido e por isso teve um ajuste de 1,7.

Esse aluno também foi o único caso em que a matéria escolhida para ocorrer a

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aprovação não foi aquela em que o ele precisava de menos, Geografia, mas na que

seria mais necessária, isto é, Português, na qual ele precisava apenas de 0,8.

Tabela 14 - Resultados pós provas finais do 8º ano do ensino fundamental de 2009 - Diferença entre a nota alcançada e a nota necessária

Aluno Port. Franc. Ingl. Hist. Geo. Cien. Mat. Teol. StatusQuatro Matérias

1 1,4 1,2 2,1 0,7 Rep. 2 0,5 1,7 8,9 0,7 Rep.

Três Matérias 3 1,7 3,0 2,0 Rep. 4 0,5 1,9 0,7 Rec

Duas Matérias

5 9,3/ 0,7 Rec 6 2,3 1,2 Rec 7 3,3 0,2 Rec 8 2,3 0,2 Rec

Uma Matéria 9 2,5 Rec

10 2,1 Rec 11 2 Rec 12 0,7 Rec 13 2,3 Rec 14 2,3 Rec 15 1,1 Rec 16 1,4 Rec 17 1,3 Apr 18 0,5 Apr 19 0,3 Apr 20 0,6 Apr 21 0,2 Apr 22 0,4 Apr

Obs: Os valores em vermelho são aqueles em que houve ajuste de nota posteriormente.

Os dois alunos (nº 5, de 2008, e nº 3, de 2009) que ficaram em recuperação

em três matérias e não receberam ajustes, a nota em que precisavam menos era

1,4, em Francês, em 2008 e 1,7, em Inglês, em 2009. O primeiro a ser reprovado

foi considerado um aluno que não tinha perfil para ser reprovado, mas que

naquele ano não tinha conseguido se concentrar na escola. Tentaram fazer contato

diversas vezes com a mãe do aluno, mas ela se furtou ao encontro. Os professores

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consideraram que, pela falta de informações, não poderiam decidir de outra forma.

Talvez, se a escola soubesse qual era o problema, teria dado uma chance para o

aluno, como fez com outros.

O segundo reprovado já tinha sido aprovado em conselho no 7º ano, tinha

diagnóstico de TDAH, perdia as coisas, “não dava conta”. Consideraram que ele

não tinha os pré-requisitos para o 9º ano. Esse aluno pediu transferência por ter

sido reprovado e pela perda de emprego do pai. Para ambos, foi feito o que eles

denominaram de uma reprovação benéfica.

Duas matérias

Apenas um aluno ficou em duas matérias em 2008. Foi com pesar que os

professores viram o seu resultado. Um deles, inclusive, disse que se arrependia de

não tê-lo reprovado. Considerava que era a “prova da impunidade do país”. O

aluno fez aula particular de tudo e por isso conseguiu um bom resultado nas

provas finais. Foi um dos alunos para quem consideraram que o excesso de

dinheiro o atrapalhava.

Em 2009, quatro alunos ficaram em duas matérias. Dois receberam ajustes

de dois décimos em Ciências. O terceiro, nº 5, ficou direto em uma das matérias e

precisava de sete décimos em Ciências. Foi um resultado que surpreendeu a todos,

consideraram que ele não conseguiria passar, pois tinha problemas familiares

sérios, os pais são separados e têm um relacionamento conflituoso. Foi

considerado que ele iria para o 9º ano com sequelas de conteúdo. Os professores

estavam de certa forma lamentando seu resultado, a coordenadora falou que ele

ainda não tinha passado, faltava alcançar a nota em Inglês. Não se discutiu a

possibilidade de ter sua nota ajustada. Já tinha sido aprovado em conselho no ano

anterior duas vezes. Provavelmente, não queriam lhe dar uma nova chance.

Conseguiu passar por nota na recuperação.

Com relação ao segundo, não houve discussão, comentaram que ele tinha

uma postura “desligada”, “desagradável” e que deveria fazer recuperação.

Uma matéria

Com os alunos que ficaram em uma matéria e foram dispensados de fazer

recuperação, o critério, na maioria das vezes, foi mais uma vez o quantitativo.

Alunos que precisavam de pouco, isto é, até menos de um ponto foram liberados.

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Apenas dois alunos foram aprovados precisando de mais de um ponto, em ambos os

casos foram em Português por decisão das professoras, considerando o esforço que

o aluno tinha feito. Outros dois alunos que precisavam de pouco não foram

liberados por conta de indisciplina. Quando a coordenadora perguntou ao grupo

qual era o critério para um ser aprovado e o outro não, um dos professores

respondeu dizendo que o aprovado tinha uma boa redação, era mais atento e

respondia, já o outro não era responsável, conversava muito, mas não era um aluno

para ser reprovado. Preciso dizer que nas duas vezes foi bastante discutido se a

decisão era um castigo ou não, pois, se fosse, não era considerado o correto, mas

como era apenas uma etapa do processo, foi visto como um “dado de realidade”.

6.4.2.2 Ensino Médio

A seguir, apresento o resultado dos alunos do 1º ano do ensino médio em

2008 e 2009, após as provas finais. Como fiz no ensino fundamental, os valores

apresentados em cada matéria são a diferença entre a nota alcançada na prova

final e a nota que o aluno deveria ter tirado para ser aprovado sem fazer

recuperação. Os valores em vermelho são aqueles que sofreram ajustes no

conselho de classe.

A maneira de conduzir os dois conselhos influenciou nos resultados. No

primeiro conselho deliberativo do ensino médio de 2008, nem todos os alunos

foram debatidos, apenas 18 alunos, outros 20 foram direto para a recuperação

sendo apenas nomeados. Em 2009, aconteceu uma situação muito diferente: como

as notas só chegaram na hora exata do conselho, o coordenador pedagógico foi

lendo aluno por aluno para ver quem estava com nota insuficiente.

Acredito que o atraso das notas, além da presença de dois professores mais

tolerantes que não participaram dos outros conselhos, colaborou para que

houvesse uma variedade maior de decisões. Esse atraso foi bastante incomum na

escola, tendo em vista que eles têm o calendário definido desde o início do ano,

mas, como em 2009 tivemos a pandemia da gripe suína, a escola, assim como as

outras do Rio de Janeiro, só pôde recomeçar as aulas no segundo semestre com

duas semanas de atraso. Isso fez com que todo o planejamento fosse alterado. Se,

em 2008, o primeiro COC de dezembro foi no dia 03, em 2009, foi no dia 14.

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Tabela 15 - Resultados pós provas finais do 1º ano do médio de 2008 –

Diferença entre a nota alcançada e a nota necessária Port Reda Fra Ing Hist Geo Fis Quí Bio Mat Teo Art Soc Fil Status

Mais de Quatro Matérias 1 4,7 3,5 2,0 3,3 4,8 3,2 4,4 2,0 3,2 4,5 Rep 2 2,6 1,9 2,3 2,4 9,1 1,0 4,0 Rep 3 2,8 7,1 5,4 11,3 0,8 Rep 4 1,1 1,4 1,3 0,5 Rep 5 0,8 2,5 2,2 0,6 Rep 6 3,3 6,7 3,8 10,9 3,6 Rep 7 4,4 3,9 0,4 10,0 Rep 8 2,3 1,2 3,1 9,1 Rep

Três Matérias 9 0,8 3,7 5,7 Rep

10 2,8 2,3 4,7 Rep 11 3,4 3,0 5,6 Rep 12 5,5 3,4 3,3 Rep 13 1,8 2,2 4,5 Rec 14 4,7 3,2 9,0 Rec 15 1,6 1,4 3,4 Rec 16 1,2 2,1 2,8 Rec 17 1,4 2,8 9,4/ Rec 18 1,6 1,1 1,7 Rec

Duas Matérias 19 0,4 1,7 Rec 20 4,1 1,8 Rec 21 1,5 1,5 Rec 22 1,1 1,4 Rec 23 3,8 4,5 Rec

Uma Matéria 24 2,8 Rec 25 4,3 Rec 26 3,4 Rec 27 4,2 Rec 28 1,0 Rec 29 5,2 Rec 30 1,7 Rec 31 4,1 Rec 32 0,9 Rec 33 4,6 Rec 34 1,7 Rec 35 1,3 Rec 36 1,6 Rec

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Tabela 16 - Resultados pós provas finais do 1º ano do médio de 2009 –

Diferença entre a nota alcançada e a nota necessária Port Reda Fra Ing His Geo Fis Quí Bio Mat Teo Art Soc Fil Status

Quatro ou mais matérias 1 1,2 0,5 0,6 8,2 0,2 2,3 11,3 0,9 3,3 4,6 Rep 2 1,0 3,2 5,2 5,1 9,7 10,5 4,7 9,4 8,6 8,6 Rep 3 0,2 2,2 1,8 5,3 2,5 3,5 Rep 4 4,3 4,3 0,6 5,9 Rep 5 1,1 2,5 2,2 3,0 Rep 6 2,9 0,9 1,3 3,7 Rep 7 1,4 4,5 3,5 DIR Rep 8 3 2,9 1,0 2,1 2,4 Rep 9 0,1 0,6 2,7 3,2 Rec

Três Matérias 10 3,7 1,3 9,2 Rec 11 0,3 0,7 10 Rec 12 1,5 3,5 1,4 Rec 13 0,7 4,3 1,9 Rec 14 1,3 5,3 3,6 Rec

Duas Matérias 15 1,1 4,1 Rec 16 2,2 5,0 Rec 17 0,6 2,3 Rec 18 1,4 4,9 Rec 19 1,2 4,8 Rec 20 0,3 2,1 Rec 21 3,8 9,7 Rec 22 0,4 1,4 Rec 23 6,1 7,0 Rec 24 0,8 5,1 Rec 25 0,9 6,3 Rec 26 1,6 2,4 Rec 27 3,7 3,2 Rec 28 0,8 5,9 Rec

Uma Matéria 29 0,4 Aprov 30 2,0 Rec 31 2,9 Rec 32 1,2 Rec 33 3,1 Rec 34 1,1 Rec 35 1,6 Rec 36 3,3 Rec 37 7,8 Rec 38 2,4 Rec 39 1,3 Rec 40 4,3 Rec 41 1,3 Rec 42 2,2 Rec

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No ensino médio, oito alunos em cada ano74 foram reprovados por terem

ficado em mais de quatro matérias. A equivalência dos números reforça a tese do

efeito Posthumus. Como o tamanho do grupo é sempre relativamente o mesmo, e

a tendência é fazer com que as avaliações façam uma curva normal, o número de

reprovados tende a se manter. Os motivos expostos pelos professores foram

variados: a atitude frente ao trabalho, comentários dizendo que alguns

“entregaram os pontos”, ou eram “descompromissados”, “não quis nada, não tem

o perfil da escola, não presta atenção, atrapalha, se acha engraçado”. Sobre um

aluno, foi considerado que, apesar dos esforços, não conseguia, porque era fraco,

“típico aluno que se esforça, mas não consegue, não é brilhante, não adianta”.

Para alguns, a reprovação foi considerada benéfica, assunto de que falarei

posteriormente. Apenas um foi liberado em quatro matérias, precisava de um

décimo em Português e seis décimos em Inglês, em ambas as matérias a decisão

foi dos professores.

Três matérias

No ensino médio, os alunos foram liberados precisando de mais pontos.

Em 2008, só foram liberados quatro alunos inicialmente, outros dois alunos (nºs

16 e 17), apesar de terem sido reprovados em conselho, receberam uma nova

chance após as famílias apelarem para a reitoria da escola.

Pelos argumentos, podemos dizer que três cujas notas foram ajustadas

tinham o que eles chamam de qualitativo bom: dois foram denominados como

cordiais e o terceiro como “muito gente boa”. Outros argumentos utilizados

foram: um deles tinha sofrido uma cirurgia durante o ano, o que o prejudicou, e o

outro vivia uma situação de extrema pobreza, o que atrapalhava muito os estudos,

“mas não tinha entregado os pontos”, como eles denominaram, e recebeu um

ajuste de 3,2 pontos.

O quarto aluno, nº 16, recebeu um ajuste de 1,8 em Física, mas não entendi

com base em que foi tomada essa decisão, pois o aluno nº 9, que precisava de 0,8

na mesma matéria, não foi liberado. A descrição do que recebeu a nova chance

não foi das melhores: um professor teve dúvidas se ele poderia fazer um 2º ano de

74 Desse total, nove pediram transferência, sendo que seis destacaram como motivo o fato de terem sido reprovados.

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qualidade, pois não tinha demonstrado nenhum “compromisso de melhora”,

também não foi considerado um aluno de iniciativa.

Para o que não teve a mesma sorte, o argumento mais forte foi que ele

deixou a prova em branco, no entanto, dos registros não consta nenhum zero. Um

dos argumentos usados para reprovação foi que sua família receberia com

tranquilidade a notícia.

Vemos aqui a importância da família no processo de reprovação e não

reprovação. Um dos alunos que recebeu uma nova chance pela interferência

familiar junto à reitoria tinha família considerada como uma que receberia bem a

notícia. A família do outro que precisava de menos pontos, como aceitou o

veredicto escolar, não teve a mesma oportunidade.

A decisão das reprovações para os outros alunos (nº 10,11 e 13) que

ficaram em três matérias, em 2008, foi feita considerando-se que seria benéfico

para eles refazerem a série. Aquele que precisava de menos necessitava de 2,3

pontos.

Em 2009, todos os alunos que ficarem em três matérias tiveram suas notas

ajustadas. Dois precisavam de muito pouco e foram liberados por decisão dos

próprios professores das disciplinas. A decisão sobre os outros três foi em

decorrência da avaliação sobre um deles que, apesar de ser excepcional, gerou

uma regra momentânea, válida apenas naquele conselho por uma questão de

equidade. Explico melhor: um dos alunos era parente de um dos professores, este

expôs o seu desconforto por ficar vinculado à reprovação do aluno. Além disso, o

aluno tinha crises de ansiedade nos momentos de prova, o que o levou a ter um

acompanhamento médico. Consideraram que agora, medicado, talvez pudesse ter

um desempenho melhor nas provas. Assim, foi feito um ajuste de 1,3.

Com essa decisão, outros dois alunos que precisavam do mesmo ajuste

foram agraciados com uma nova chance, apesar de ter sido dito de um deles que

não tinha perfil para o 2º ano e do outro que tinha um “comportamento ruim”,

“não se esforçava” etc. Nos dois casos, foi avaliado que deveria ser aplicada a

mesma regra. Vê-se, portanto, que o favorecimento em decorrência do capital

social recebido por um dos alunos, levou a mesma solução para mais dois que não

apresentaram o mesmo capital.

A dispensa de uma ou duas matérias para fazer apenas uma recuperação

só aconteceu em 2009. No ensino médio, foi algo bastante excepcional. Como

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mencionei anteriormente, por conta da pandemia da gripe suína, o calendário

ficou confuso porque o prazo entre a comunicação da recuperação e a última

prova seria muito curto. Assim, a regra começou a ser estabelecida quando a

professora de Português, de moto próprio, deu três décimos para o aluno nº 20,

com a justificativa de que ficar em duas matérias poderia prejudicá-lo na

recuperação em Matemática. O argumento também foi utilizado para outros

alunos, pois, como mencionei no capítulo cinco, o currículo de Matemática sofreu

alterações que provocaram uma baixa de desempenho muito grande entre os

alunos.

O processo de dispensa de duas matérias para fazer apenas a recuperação

em Matemática ocorreu da seguinte forma: um dos alunos ficou direto em

recuperação em Matemática, além de ficar em Inglês por 1,3 e em Português por

três décimos. Os professores de Português e Inglês disseram que poderiam dar os

pontos.

O professor de Português declarou que o estudante deixou muito a desejar

o ano inteiro, que era um aluno esforçado, mas limitado. Já o professor de Inglês

disse que, nesses dias de recuperação, o aluno não conseguiria melhorar muito o

seu desempenho. Em nova consideração, o professor de Português alegou que não

gostaria de deixá-lo reprovado direto, mas, se ele fosse aprovado em Inglês,

gostaria de deixá-lo em recuperação, porque considerava que o aluno tinha de

estudar mais.

Um terceiro professor sugeriu que o aluno fosse aprovado nas duas

matérias, mudando o curso das decisões. Houve um debate, uns professores

achando que, se fosse aberta essa possibilidade, muitas famílias pediriam exceção.

A supervisora pedagógica disse que não deveriam temer isso, porque a escola está

sempre vulnerável aos pedidos. Quiseram saber a opinião do professor de

Matemática, se o menino teria muita dificuldade na prova de matemática, pois se

fosse o caso, não precisariam mudar a nota. O professor disse que, com 32 anos de

trabalho era difícil predizer, até porque como educador, não poderia pensar de

outra forma. Deveria sempre acreditar na possibilidade de superação do aluno.

Foram feitas duas votações, primeiro para saber quem era favorável à

aprovação em Português e a segunda para ver quem era favorável a deixar em

recuperação somente em Matemática. A primeira venceu por unanimidade, e a

segunda, de 14 professores, três foram contra. Com o mesmo propósito de

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possibilitar o estudo de Matemática, outros dois alunos foram dispensados da

recuperação em Física, recebendo respectivamente o ajuste de nove e oito

décimos.

Pelo quantitativo, podemos considerar que mais dois alunos poderiam ter

sido liberados para ficar em apenas uma matéria, os alunos 17 e 24. O primeiro

precisava de seis décimos em Física. Julgo que não recebeu o ajuste por ter sido o

primeiro caso a ser debatido em conselho. Quando decidiram a nova regra, o caso

dele já tinha sido resolvido. O número 24 foi um aluno que teve muitos problemas

de disciplina e, na hora da votação, nove professores foram a favor de ele ficar nas

duas matérias e cinco foram a favor de sua liberação. Os outros alunos que não

receberam ajustes estavam precisando de mais de um ponto.

6.5 Conselhos Pós-Recuperação

6.5.1 Ensino Fundamental

Após o período das recuperações, houve um novo conselho deliberativo

para decidir, dentre aqueles que não passaram por nota, quais seriam reprovados e

quais seriam aprovados. No 8º ano, nenhum aluno foi reprovado no último

conselho, sendo que dois tiveram ajuste de nota, um em 2008, outro em 2009.

O primeiro precisava de nove décimos em Geografia, e o professor, por

considerar pouco e ser apenas em uma matéria, disse que não se incomodava em

passar o aluno. Foi dito que ele era “imaturo”, “não tinha autonomia”, mas era

“muito capaz” e assim decidiram aprová-lo em conselho.

O segundo ficou em Inglês precisando de 2,5. A professora não se sentiu à

vontade de reprová-lo apenas na sua matéria. Aqui vemos a hierarquia das

disciplinas, pois vários alunos no ensino médio foram reprovados apenas em

Matemática e não houve problemas com isso. Esse aluno apresentava dificuldades

com linguagem figurada e ortografia, mas sua família não teve mobilidade para

resolver suas questões, pois era bolsista. Como ele demonstrou ser “maduro”,

“organizado” e “correr atrás”, fizeram o ajuste necessário.

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6.5.2 Ensino Médio

No último conselho do ano de 2008, primeiramente foi feita uma rodada

sobre todos os alunos de quem iam falar naquele dia, disseram quanto cada um

tirou e de quanto cada um precisava. Não falaram nada de específico sobre os

alunos que passaram na recuperação. Comentaram que vários tinham

surpreendido positivamente. Depois falaram um a um.

Como veremos na tabela a seguir, foram três alunos aprovados em

conselho em Matemática, no ano de 2008. Os três alunos foram descritos da

seguinte maneira: “excelente, só não é brilhante em matemática”, “bom garoto”.

Todos precisavam de um pouco mais de um ponto. Os quatro alunos reprovados

ficaram em duas matérias e por muito, por conta disso não receberam ajustes.

Também não quiseram fazer mais ajuste para um aluno que já havia recebido

chance no outro conselho.

Um dos alunos reprovados foi o bolsista que tinha péssimas condições de

estudo. Com ele e com outros bolsistas, os professores demonstraram a

preocupação com o destino dos alunos, questionando se seria possível a

permanência deles na escola, o que se verificou ser muito difícil. No pedido de

transferência, sua mãe escreveu: “devido não ter passado, deve ter perdido a bolsa

e eu não tenho condições de arcar. Meu filho está desolado”.

Tabela 17 - Resultados pós recuperação do 1º ano do médio de 2008 –

Diferença entre a nota alcançada e a nota necessária Física Química Matemática Status

1 -4 43 Reprovado 2 11 52 Reprovado 3 59 50 Reprovado 4 29 52 Reprovado 5 16 Aprovado 6 16 Aprovado 7 12 Aprovado

Em 2009, como já relatei, não observei o último conselho de classe. Tive,

no entanto, uma reunião com a orientadora educacional, que me passou muitas

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informações sobre como havia transcorrido o conselho. Apresento a seguir o

quadro de notas, mais uma vez com o mesmo critério das tabelas anteriores.

Tabela 18 - Resultados pós recuperação do 1º ano do médio de 2009 – Diferença entre a nota alcançada e a nota necessária

Português Inglês Física Química Matemática Status 1 Aprov 2,5 Aprov 2 0,7 Aprov Aprov 3 1,6 Aprov Aprov 4 Aprov 3,5 Aprov 5 0,4 Aprov Aprov 6 1,1 Aprov Aprov 7 0,8 Aprov Aprov 8 1,6 Aprov Reprov 9 2,5 5,3 Reprov

10 1,0 1,9 Reprov 11 2,6 3 Reprov 12 1,9 5,5 Reprov 13 3,4 1,4 Reprov 14 0,6 2,0 Reprov 15 1,4 Aprov 16 3,5 Aprov 17 0,4 Aprov 18 4,5 Aprov 19 4,5 Reprov 20 3,0 Reprov

Os alunos que ficaram em duas matérias e foram reprovados em ambas

não receberam nenhum tipo de ajuste. Somente foram ajustadas as notas do que

conseguiram obter a aprovação em uma das matérias e se não tinham recebido

ajustes no primeiro conselho deliberativo. Por isso o número 8 não foi aprovado.

Além disso, foi considerado um aluno mediano, “brincalhão”, não houve da parte

dele, na percepção dos professores, um empenho em melhorar.

Quanto aos alunos que ficaram em uma matéria, quatro tiveram suas notas

ajustadas. O aluno nº 18 foi uma exceção, pois já tinha recebido um ajuste no

conselho anterior. Foi um aluno repetente que todos consideraram que teve uma

grande melhora em 2009. Segundo o professor de Matemática, seu problema

estava concentrado no conteúdo novo, o que o habilitava para ser aprovado.

Vemos que os quatro ajustes feitos com as notas mais altas foram em Matemática,

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justamente a matéria do professor já mencionado anteriormente. Se não fosse a

sua atuação, provavelmente todos esses alunos teriam sido reprovados.

Um dos alunos que foi reprovado em uma matéria, o de número 18, já

tinha recebido ajustes em Português e Inglês para fazer a recuperação. Foi

considerado imaturo, precisaria aprofundar seus estudos. Talvez tenha sido uma

reprovação benéfica.

O outro aluno que ficou em apenas uma matéria, o número 19, foi avaliado

como tendo uma postura de descaso. Esse aluno, nos conselhos, nunca foi

comentado de forma positiva, acredito que o seu maior problema seria certa

antipatia. Diferente do aluno 19, que em todos os conselhos foi considerado um

aluno problema - dormia em sala de aula, perturbava quando estava acordado,

indisciplinado -, mas que deve ser muito carismático. Por conta de uma pequena

melhora, recebeu um ajuste de 1,1 em Química, sendo que na votação apenas um

professor foi contra sua aprovação.

Finalmente o aluno nº 7, cuja reprovação foi mantida pelo segundo

conselho deliberativo, pediu revisão de prova. Como ele conseguiu um aumento

de um ponto, a família apelou para a reitoria. Foi feito um conselho de classe

extraordinário para discutir a situação. Conforme explicou a orientadora, os

argumentos para a reprovação estavam relacionados a uma avaliação qualitativa

do aluno e para aprovação o fato de ser somente uma disciplina e, com a revisão

de prova, seriam apenas oito décimos. O aluno foi aprovado com a votação de 6x4

e pediu transferência, alegando querer ficar mais perto de casa.

6.6 Reprovações benéficas

Com a observação de 2008 e 2009, pude avaliar e comparar o que

aconteceu com os alunos reprovados em 2008. Pude fazer a observação melhor no

ensino médio, pois, no ensino fundamental, apenas um dos reprovados

permaneceu na escola, os outros pediram transferência. Esse único aluno teve um

ano melhor. Provavelmente, o problema familiar era o que estava impedindo que

ele tivesse um aproveitamento razoável.

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No ensino médio, dos sete alunos que refizeram a série na escola, apenas

um foi reprovado e pediu transferência. Todos os outros ficaram em recuperação e

precisaram de um olhar mais benevolente dos professores nos conselhos para

serem aprovados, seja recebendo uma chance no primeiro para poder fazer

recuperação, ou para poder estudar melhor Matemática, seja no segundo, para

serem aprovados. Os professores foram mais tolerantes de modo geral com esses

alunos, sendo que um deles recebeu ajustes nos dois conselhos, pois consideraram

que ele teve uma melhora.

Na revisão de literatura, vimos que a reprovação não é uma boa solução

para a melhora do desempenho do aluno. Ainda que esses resultados sejam

numericamente muito poucos, verificamos que apenas o aluno do ensino

fundamental teve efetivamente uma melhora visível. Os outros continuaram tendo

problemas, sem contar que a reprovação levou a maioria dos alunos de 2008 a

pedirem transferência.

6.7 Transferências

Apesar de não constar das análises do conselho de classe, observar os

pedidos de transferência da escola, sem dúvida, faz parte de como o desempenho

dos alunos e a avaliação interferem nos destinos escolares. De acordo com

levantamento numérico feito nas quatro coortes, vimos no gráfico 7 do capítulo 3

que, nessa escola, a média dos pedidos de transferência é sempre um pouco maior

do que a média das reprovações. Com base no documento do pedido de

transferência, no qual o solicitante deveria preencher o motivo e as notas do

último boletim do aluno, verifiquei o que segue:

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Tabela 19 – Motivos dos pedidos de transferências do 8º EF e do 1º EM

de 2008 e 2009

8º EF 1ºEM

No fim do ano: 2008 2009 2008 2009 Total

Mudança de estado 0 1 2 1 4

Ficar mais perto da escola 0 1 0 1 2

Financeiros 0 1 1 1 3

Reprovação 0 1 5 4 10

Sem alegação de motivo e reprovados 3 0 2 5 10

Sem alegação de motivo 2 0 0 0 2

Na metade do ano

Sem alegação de motivo 1 0 2 1 4

Sem alegação de motivo, c/ problemas de nota 0 0 3 0 3

Com problemas de nota 0 0 2 1 3

Problemas de adaptação 1 0 0 0 1

Pela tabela, podemos constatar que o maior motivo para os pedidos de

transferência são as reprovações. Se contarmos também com aqueles que não

disseram a razão, mas foram reprovados ou estavam com problemas de nota, esse

número cresce ainda mais. Os alunos que alegaram como motivo trocar de escola

para uma mais perto de casa também estavam com problemas de desempenho.

Um quase repetiu e o outro só foi aprovado por ter a família apelado para a

reitoria da escola. Quanto aos que alegaram motivos financeiros, dois tinham sido

reprovados e o terceiro teve sérios problemas de nota.

6.8 Considerações Parciais

Pelas decisões do conselho, vimos que a família tem uma função muito

importante no destino dos alunos. De fato, a variável do envolvimento dos pais

com a escola é uma das que tem maior poder de discriminação entre os alunos

repetente dos não repetentes (Jimerson e outros, 1997).

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A ausência do envolvimento dos pais pode ser decisiva, como foi para o

aluno do 8º ano do ensino fundamental, reprovado pelo fato de os professores não

terem nenhuma informação sobre a família que pudesse explicar o mau

desempenho do aluno. Já o outro aluno que, apesar de ter problemas de anotar, de

prestar atenção na aula, foi aprovado por saberem que a família estava passando

por graves problemas.

Ocorre que, ao falar com a escola, a família expõe sua privacidade, isso

cria uma fenda na esfera privada e as famílias podem ficar extremamente

desconfortáveis com essa exposição (Perrenoud, 2001). A crença, no entanto, de

que o sucesso escolar é fundamental para a vida adulta promove que a maioria das

famílias faça uma adesão às exigências escolares, inclusive no que tange à sua

intimidade.

A família foi importante também na aceitação ou não do veredicto escolar.

Dois alunos receberam a chance de fazer a recuperação por conta disso. Um

terceiro foi aprovado em um conselho extraordinário, depois de a família ter feito

um apelo à reitoria. Já os alunos que aceitaram o veredicto mais facilmente

ficaram com o primeiro julgamento feito pela escola.

Outro ponto para ser salientado é a questão do nível socioeconômico dos

alunos. Os dados qualitativos demonstram o que os dados quantitativos já tinham

apontado: são os alunos das camadas médias que mais se formam lá75. Vemos

que, na escola A1, os alunos pertencentes às camadas altas ou às camadas mais

pobres foram considerados de certa forma inadequados para o estabelecimento.

Podemos observar isso com vários comentários feitos nos conselhos.

Ainda que, em muitos momentos, os professores tenham sido benevolentes

com os alunos de situação financeira mais delicada, vemos que essa limitação

repercute na vida escolar. Por exemplo, um dos alunos do fundamental recebeu a

indicação de buscar um atendimento terapêutico, mas a família dele não teve o

que se chama de mobilidade para resolver esses problemas. O aluno foi

reprovado. Outro não tinha nem mesa para estudar. São casos mais raros na

escola, uma professora até se assustou com a situação de um dizendo que não

sabia existir na escola aluno com aquele perfil.

75 Conforme a tabela 9, da página 78.

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O problema é ainda maior porque, de acordo com a fala dos professores,

para os alunos de poder aquisitivo mais baixo surge a questão do “ter ou não ter”.

A comparação com os colegas de turma gera um comportamento que não colabora

com o desempenho do aluno. Para um dos alunos, o professor tentou explicar que

a escola seria sua grande oportunidade, mas o aluno continuou a apresentar um

distanciamento pela diferença existente entre ele e seus pares. Essa questão

começa a aparecer nos alunos no final do ensino fundamental, por isso podemos

imaginar que seja um processo cumulativo: o aluno vai aos poucos se

desengajando do contexto escolar pelas diferenças que vão se apresentando.

Transcrevo o trecho do primeiro conselho de classe deliberativo:

Coord. Segmento – disse que ele é bolsista, que vem de família muito pobre. Vive em comunidade carente, começou a se comparar, não aceita a vida que ele leva. Começou a faltar. Pediu para os professores falarem com ele. Não conta com estrutura nenhuma, a família é doente. Uma situação que ela nunca pensou que fosse existir na escola. Não tinha nem mesa para estudar. Os livros que eram pedidos não conseguia comprar... Matemática – disse que falou docilmente para o menino que a única saída dele era o estudo. Redação – conversou com ele e recebeu todos os trabalhos. Coord. Segmento – no início do ano encarou como indisciplina, mas depois viu que o problema era outro. Hist. Música – é um garoto cordial. Biologia – não entregou os pontos. Hist. Mus. – ele é esforçado porque a despeito de tudo ele tem notas. Sociologia – é ótimo aluno. Lab. Física – disse que o caso dele não era como os meninos do ISMART76 que chegam na escola com a moral lá em cima por serem escolhidos como alunos especiais. No caso dele tem uma questão social, ele é um elemento estranho. Lab. Biologia – está lá desde o primário. Lab. Física – é na adolescência que isso aparece.

Os alunos das camadas altas são inadequados por não apresentarem a boa

vontade cultural necessária para realizar o projeto de excelência da escola. Em um

dos conselhos consultivos, sobre um aluno considerado fora do perfil da escola,

foi dito que ele era muito rico, que não prestava atenção na aula e depois tinha

“doses cavalares” de aula particular. Sobre outro, foi dito textualmente que o

excesso de dinheiro era um problema.

76 Programa do qual falei anteriormente, que seleciona alunos com bom desempenho em escolas públicas e paga bolsas de estudos em boas escolas particulares.

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Essa percepção de inadequação também é vista pelos alunos. O filho de

uma pessoa importante no cenário político nacional foi um dos alunos que não

queria mais estudar na escola e foi reprovado. A razão do seu desejo de sair era

por ser a escola “puxada” demais. O coordenador também o considerava fora de

seu contexto, pois suas ambições de socialização juvenil iam se chocavam com o

projeto da escola de ter seus os primeiros colocados do vestibular. A transferência

foi para uma escola bilíngue, que começa no meio do ano, e por isso ele

conseguiu não ser reprovado.

De acordo com a orientadora, um segundo aluno, filho de uma família com

muito dinheiro, também usou a reprovação como estratégia para sair da escola.

Não queria ter todo o seu tempo dedicado aos estudos. Pediu transferência para

uma escola onde poderia fazer em dependência as duas matérias em que fora

reprovado e, portanto, não perderia o ano.

Nos dois exemplos, vemos que como Ballion (1977) afirmou “l’argent

efface l’échec”, ou seja, o dinheiro consegue “apagar” as reprovações que os

alunos sofrem. Os alunos das camadas altas conseguem superar as reprovações

com soluções que não afetam as suas trajetórias escolares.

A supervisora pedagógica relatou o caso de outro aluno que é interessante

para entendermos o que a escola quer. Um dos alunos do último ano do ensino

médio tinha deixado os estudos em segundo plano durante o ano letivo e foi

reprovado. No entanto, ele fez o vestibular e passou para uma boa universidade

pública. Tentou que o aprovassem na escola com esse argumento. Além do mais,

ele tinha estudado desde o primeiro ano lá. Os professores em conselho de classe

se negaram a aprová-lo, consideraram que um aluno nessas condições não pode

ter o diploma da instituição.

Parece, pois, que a seleção operada pela reprovação tem como função

oferecer um selo de distinção para os alunos advindos das camadas médias. Os

alunos formados pela escola serão poucos e bons.

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7 Considerações finais: por que?

O trabalho aqui realizado propôs-se a descrever e compreender o

fenômeno da repetência nas escolas de prestígio. Tentei contemplar da melhor

forma possível as perguntas quanto, quando e como acontecem as reprovações em

escolas de prestígio. Minha proposta era tornar visível o que era invisível, isto é a

reprovação dos estratos mais altos, conforme Costa Ribeiro havia salientado. Foi

possível observar que efetivamente nas camadas médias e altas os níveis de

reprovação não são desprezíveis, e que, se comparados a outros países os alunos

brasileiros têm muito mais chance de estarem defasados.

O fato das reprovações apresentarem um padrão no momento em que elas

acontecem é uma indicação de que a reprovação é um mecanismo escolar

firmemente implantado no sistema educacional brasileiro.

Costa Ribeiro na tentativa de explicar as causas das nossas altas taxas de

repetência considerou seus aspectos histórico-culturais e funcionais. Sá Earp

(2006) também em uma visão culturalista explicou que os professores reprovam

por uma lógica que os faz reprovar e não por uma incapacidade de ensino.

Concordo que existe essa lógica, só não é possível estender para as escolas de

prestígio a eleição aleatória de quem será ensinado, como ela verificou na escola

pública. O próprio coordenador do ensino médio da escola A1 declarou que “aqui

não tem aquela história de turma do fundão, que não presta atenção na aula”.

Alguns alunos foram até considerados fracos, com dificuldades de estudo, mas a

reprovação não pareceu ser uma decorrência da eleição de alguns alunos para

serem ensinados

O meu ensaio explicativo toma outros rumos. Começo com o apoio do

estudo feito por Reis (2004) sobre a desigualdade na visão das elites e do provo

brasileiro, no que ela chamou de termos cognitivos e normativos. Para analisar a

questão, Reis partiu do pressuposto de que as noções de desigualdade e igualdade

são relacionais e que é no terreno das policies “que logramos explicitar nosso

entendimento da igualdade, pois tais políticas têm necessariamente que precisar

igualdade em relação a quê.” (ibid, p. 40). Seu estudo teve como referências

empíricas entrevistas e um survey onde foram questionados vários aspectos: os

principais problemas nacionais, políticas prioritárias no combate à desigualdade etc.

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Reis verificou sobre a educação que para a elite brasileira este é um

“recurso privilegiado para se assegurar igualdade de oportunidades” (ibid, 48).

Em uma postura normativa, isto é, do que deve ser feito, as elites consideram que

a educação deve ser oferecida para todos, pois a igualdade para as elites está na

igualdade da oferta e não na igualdade de resultados ou de condições. Na verdade,

as elites apresentam um claro repúdio à ideia de igualdade de resultados ou

mesmo de igualdade de condições. Por isso as ações afirmativas são rejeitadas

como soluções políticas para os problemas da desigualdade (ibid).

É compreensível dentro deste contexto pensar que numa escola de

prestígio, a mentalidade seja a das elites. Garante-se um ensino de excelência, mas

existe um repúdio à ideia de igualdade de resultados. Até porque se todos forem

excelentes, ninguém o será (Perrenoud, apud Crahay, 1996). Por isso garantir o

aprendizado de todos poderia ser considerado aceitar a igualdade de resultados. A

repetência, portanto, seria apenas uma maneira razoável de separar aqueles que

podem seguir adiante daqueles que não se esforçaram o suficiente e devem ficar

para trás.

Até porque a própria ideia de escola meritocrática contribui para que

ocorra essa separação feita pela reprovação. A escola deixa de ser um direito de

todos e passa a ser algo para quem merece, pois existe para quem tem mérito, e

não para todos. O êxito pertence ao aluno e deve ser o resultado da combinação

talento e mérito.

Os professores incorporam esse modo de ver das elites pela posição que

ocupam. Eles mesmos se consideram elite, conforme foi possível apurar no survey

aplicado pelo SOCED em 200477. Além do mais como afirma Bourdieu:

sem dúvida os agentes constroem a realidade social, sem dúvida eles lutam e fazem transações que tem como objetivo a imposição de sua visão, mas eles fazem sempre com pontos de vista, com interesses e princípios de visão determinados pela posição que eles ocupam no mundo que eles querem transformar ou conservar.78 (tradução minha)

77 Tabela 30 – Frequência absoluta e relativa da auto-representação de ser da elite dos professores segundo a tipologia das escolas, escolas confessionais 70,4% - Mandelert(2005, 69) 78 Em francês: sans doute les agents construisent-ils la réalité sociale, sans doute entrent-ils dans des luttes et des transactions visant à imposer leur vision, mais ils font toujours avec des points de vue, des intérêts et des príncipes de vision déterminés par la position qu’ils occupent dans le monde même qu’ils visent à transformer ou à conserver. (1989, 8)

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Por isso operam dentro das representações de uma elite. E assim, garantem

um excelente ensino a todos, mas não podem garantir o sucesso de todos. Essa

situação é bem clara, por exemplo, na discussão no conselho de classe sobre o

aluno bolsista que foi reprovado: como tinham oferecido as condições de ensino,

não se sentiram responsáveis pela sua reprovação. De certa forma, o aluno é que

não aproveitou a chance oferecida.

Já a população brasileira não considera tanto a educação como uma

política que pode assegurar igualdades de oportunidades. Acredita-se mais no

fator sorte para melhorar de vida. Demonstram assim uma visão mais cognitiva,

ou seja, do que é vivido, do que acontece dentro de sua percepção, a partir dos

horizontes possíveis. A alta escolaridade que possibilita uma mobilidade social é

uma oportunidade para poucos das camadas populares. As informações levantadas

por Soares (2006) com os dados de 2000 mostram como a visão do povo está

alinhada com a nossa realidade, pois no Brasil a possibilidade de se completar a

escolarização é muito pequena: apenas 8 crianças a cada 100 consegue completar

a educação fundamental sem nenhuma reprovação, 14 terminam com uma

repetência, 34 se arrastam com múltiplas repetências até o fim do fundamental. As

44 crianças restantes não conseguem completar o ensino obrigatório de 9 anos.

Uma segunda interpretação para as reprovações é a lógica das instituições

escolares de prestígio para se distinguir no campo educacional. Nesta lógica, a

seleção dos melhores candidatos para que estes representem a escola nas

avaliações de entrada para a universidade é fundamental para garantir sua posição

de distinção nos rankings escolares.

De fato com os dados das duas escolas foi possível observar a estreita

relação que existe entre a excelência acadêmica e a seleção escolar. A seleção,

entretanto, começa bem antes da reprovação efetuada pela escola. Com o prestígio

que as boas escolas alcançam por seus bons resultados, elas normalmente têm

mais alunos interessados em entrar do que vagas que elas possam oferecer. Isso

porque a oferta das melhores escolas é inelástica, isto é, conforme a qualidade das

escolas aumenta, não é possível aumentar na mesma proporção o número de

alunos matriculados. Isso faz com que elas possam selecionar os candidatos que

se inscrevem para serem seus alunos. Além disso, essas escolas realizam também

uma seleção econômica e social, pois são poucas as famílias que podem investir

na escolarização dos seus filhos com valores tão altos.

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É claro que não podemos imputar o sucesso da escola apenas à forte

seletividade operada ao longo da trajetória dos alunos. A escola tem um empenho

enorme para que o aluno aprenda, mas sem dúvida a seletividade é um dos

elementos chaves do seu sucesso.

Talvez essa seletividade não tenha se operado sempre da mesma forma.

Ainda que não tenhamos dados históricos sobre o fluxo escolar nessas

instituições, podemos imaginar que talvez a expansão do acesso e a permanência

no sistema escolar por um contingente cada vez maior da população – inflação

dos títulos – tenha gerado uma desvalorização dos patamares anteriores. Essa

situação exige a criação de “distinções horizontais”- o que distingue não é mais

em que patamar os alunos chegaram, mas sim com qual “selo” – sobressaem-se aí

os colégios mais seletivos, os que formam as “elites escolares” (dentre esses “os

que se distinguem”.) Ou seja, a distinção não só no setor privado, mas dentre os

que situam nos patamares superiores das avaliações sistêmicas (ENEM, ENADE).

Esse tipo de construção de distinção já foi observado em Paes de Carvalho

(2004) e Vargas (2008) no caso do ensino superior. É o que Boudon chama de

“efeito perverso”:

Trata-se dos efeitos individuais e coletivos que resultam da justaposição de comportamentos individuais sem estarem incluídos nos objetivos procurados pelos atores.(1979, 12).

Com um maior número de adolescentes entrando no ensino médio, as

escolas criam mecanismos para que os títulos que elas conferem tenham mais

valor do que outros oferecidos por instituições do mesmo nível. O nível de

dificuldade das escolas aumenta. Até porque com a entrada das avaliações

nacionais como o Enem a competição por um lugar de destaque se opera em nível

nacional, não mais municipalmente como era outrora. A luta é por ser a melhor

escola do Brasil.

As camadas médias e altas aceitam a repetência dos filhos porque

consideram legítima a hierarquização feita pela escola. Pois parte do valor do

diploma que eles almejam vem da reprovação, da redução do número de

diplomados. A reprovação, portanto, é o efeito perverso da busca individual dos

atores pelo mesmo diploma. A reprovação é o preço que se paga para obter um

capital cultural objetivado na forma do diploma da escola de prestígio.

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Até porque as camadas médias e altas podem acionar múltiplas estratégias

que de certa forma “apagam” o fracasso escolar, como demonstrou Ballion

(1977). Caso não alcancem o diploma que a instituição oferece, outro de menor

valia será conquistado que, apesar de possivelmente não oferecer o mesmo valor

de troca, com certeza não deixará seus filhos fora do jogo social.

Dessa forma, as escolas de prestígio podem selecionar apenas os alunos com

“perfil” adequado aos padrões de exigência da instituição, ou seja, aqueles com

condições de alcançar elevados patamares nas seleções para as universidades ou

nas avaliações estatais que confirmam a “excelência” dessas escolas.

Esse investimento, no entanto, não é o mesmo para todas as camadas

sociais. São os alunos das camadas médias que mais se adéquam ao projeto da

escola, por “colocarem todas as suas fichas” no valor que o diploma confere. Eles

são diferentes de alguns dos alunos de camadas mais altas, que por vezes optam

por outras instituições por considerarem o investimento e esforço necessário alto

demais, para se manterem nessas escolas e podem prescindir do selo deste capital

cultural institucionalizado.

A explicação pelo corte de classe se mantém, porém de uma forma

diferente da descrita por Bourdieu (1989) nas escolas públicas francesas. São

poucos os alunos das camadas populares que ingressam nessas instituições desde

o 1º ano do fundamental. Portanto, não é na escola que se traduz a desigualdade

social em desigualdade escolar, pois a desigualdade social impede até a entrada na

escola.

A seletividade social nas escolas estudadas passa a ser uma seletividade

distintiva. O corte de classe vai se operar no tipo de atitudes frente à escola, e à

possibilidade de ascensão pela escola (ibid, 49). São os alunos das camadas

médias que possuem o perfil desejado. São suas famílias que aderem mais

facilmente aos valores escolares e que possuem a boa vontade cultural necessária.

Disposições fundamentais para que o aluno e a sua família se mantenha

permanentemente sob pressão na zona de desconforto institucionalizadas dessas

escolas.

A crença de algumas famílias dessas escolas na alquimia que o diploma

oferece é tão forte que consideram que são seus filhos que não são merecedores

do diploma. Nas palavras ditas pelos professores nos conselhos de classe: as

famílias consideram que seus filhos “não dão conta da escola”. Em outras

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palavras, são os filhos que não estão adequados, à altura da escola de prestígio na

qual eles ingressaram.

Também não podemos levar esta interpretação como uma camisa de força.

A realidade social é dinâmica. Apesar da reprovação ser importante na construção

da distinção ela encontra entraves para ser realizada. Nem todas as famílias

aceitam os veredictos escolares. Esse processo não é feito sem lutas. A escola por

sua vez também não pode exagerar na sua seleção sob o perigo de perder alunos

demais e desta forma perder sua saúde financeira. É o que vimos no novo

movimento da escola de inserir uma dimensão qualitativa na avaliação final dos

alunos.

Com esse trabalho várias perguntas surgiram e ficaram sem resposta. A

questão dos bolsistas ficou em aberto: como funciona a inserção desse grupo em

uma escola de prestígio? Pela opção do desenho de pesquisa a observação da

decisão de reprovação se circunscreveu ao espaço coletivo do conselho de classe.

Seria importante entender como se constrói o processo individual dos professores

na decisão das notas.

Centrei o meu trabalho nas escolas de prestígio, a visão dos alunos sobre

sua reprovação, e posteriormente sua vivência como repetente não foi

contemplada. Assim, como a perspectiva das famílias. Por isso considero que

minha pesquisa foi uma primeira aproximação de um fenômeno complexo sobre o

qual é necessário haver uma maior visibilidade - a reprovação das escolas de

prestígio.

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Anexos

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