Diana Vidal - Culturas Escolares OCR

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  • Diw (jotalws l//daf Estuco sobre prticas de leitura e escrita via escola -pblica primria (Brasil e Frana, fii^ al do sculo xix) AUTORES /p5\ ASSOCIADOS vJ | Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP Brasil) Vidal, Diana Gonalves Culturas escolares: estudo sobre prticas de leitura e escrita na escola pblica primria

    (Brasil e Frana, fina! do sculo XIX) / Diana Gonalves Vidal - Campinas, SP: Autores

    Associados, 2005. - (Coleo Memria da Educao) Bibliografia. ISBN 85-7496-131-0

    1. Educao - Brasil - Historiografia 2. Escolas pblicas - Brasil - Sculo 19 3. Escrita 4.

    Leitura 5. Prticas de ensino - Brasil - Histria I. Ttulo. II. Srie. 05-3097 CDD - 371.3098J04 ndices para catlogo sistemtico:

    1. Escolas pblicas primrias: Prticas de leitura c escrita: Brasil: Sculo 19: Histria da educao 371.3098104 2. Prticas de leitura e escrita: Escolas pblicas primrias: Brasil: Sculo 19: Histria da educao 371.3098104

    Impresso no Brasil - setembro de 2005 Copyright 2005 by Editora Autores Associados Depsito legal na Biblioteca Nacional conforme decreto n. 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

    Nenhuma parte da publicao poder ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer

    meio, seja eletrnico, mecnico, de fotocpia, de gravao, ou outros, sem prvia autorizao por escrito

    da Editora O Cdigo Penal brasileiro determina, no artigo 184:

    "Dos crimes contra a propriedade intelectual

    Violao de direito autoral

    Art. 184. Violar direito autoral

    Pena - deteno de trs meses a um ano, ou multa.

    1" Se a violao consistir na reproduo, por qualquer meio, de obra intelectual, no todo ou em parte,

    para fins de comercio, sem autorizao expressa do autor ou de quem o represente, ou consistir na

    reproduo de fonograma e videograma, sem autorizao do produtor ou de quem o represente: Pena - recluso de um a quatro anos e multa".

    SUMRIOAGRADECIiMENTOS APREiSENTAAO INTRODUO XI XV i CAPITULO UM

  • Material com direitos autorais

    CULTURA E PRATICAS, ESCU.LAR.^. A.. LSCULA. UMU.

    OBJETO DE PESQUISA . ........................................... . ......................... 21

    1. Cultura escolar: significados concorrentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 3

    2. Forma cscolar c gramtica da cscola: um estudo das invariantes estruturais ......................... . . . . . ......... .. 37

    3. Matizes do debate na historiografia da educao brasileira ........ 46

    4. Prticas escolares: um desafio pesquisa histrica .................. 55

    5. Possibilidades e limites da histria conectada ....................................... 66

    CAPITULO DOIS

    Contos infantis e LA comfdie fnfantjnf: livro e

    CULTURA ESCOLARES NO FJNAL DO OITOCENTOS BRASILEIRO ... _____________ 71

    1. La cotncdie enftintine ................................................................... . 73 2. Contos infantis ............................................................................... 86

    3. Pistas sobre cultura escolar primria e prticas

    de leitura no final do oitocentos brasileiro ....... .. ...................... lio

    Comentrios finais ...... .......................................................... 120

    CAPITULO TRES

    Prticas escolares de escrita no fim do sculo XIX:

    O FRACASSO DE UMA INOVAO PEDAGGICA COMO MOTE ......................... 125 1. O fracasso como objeto histrico ...... ................. . ........................... 129

    2. A estenografia como soluo para o ensino da escrita na escola primria

    (Frana, 1890) ........................................................... ............................. 132

    3. O fracasso de uma inovao pedaggica ................................. 145

    4. O ensino da escrita na escola primria brasileira: semelhanas e contrastes ...................................................... 152 Comentrios finais .......................................................................... .. . 164 CONSIDERAES FINAIS ................................................... .. .......................... i7 REFERNCIAS BiBLIQGRFICAS ..................................... . ............... izi Revistas pesquisadas ........ .......... ............................................... . ............ . 187

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  • Material com direitos autorais

    A P R ES E N T A O

    Diana C. Vidal historiadora da educao j bastante conhecida dos

    estudiosos do campo. Nesses ltimos 10 anos, sua produo, alicerada

    em slidos e encadeados projetos de pesquisa desenvolvidos em estreito

    compromisso com a docncia universitria, vem instigando e orientando

    alunos, colegas e leitores, especialmente aqueles interessados na

    histria do livro e da leitura escolares e domnios conexos. Mas no

    apenas esses, j que, recolhendo o melhor da tradio acadmica, ela

    recusa o enquadramento temtico e, sabiamente, mantm-se aberta aos

    avanos da teoria, de modo que todos os historiadores da educao,

    quaisquer que sejam os seus objetos de estudo, sempre tm o que

    referir dela. Quem no conhece O exerccio disciplinado do olhar: livros,

    leituras e prticas de formao docente tio Instituto de Educao do Distrito

    Federal (1932-37), bela tese de doutorado defendida em 1995 na Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo (Feusp)

    e publicada como livro em 2001, na qual construa a histria de uma

    reforma educacional e de uma instituio de ensino do perodo esco-

    lanovista a partir do ngulo pouco usual do cotidiano escolar, ao conferir

    inteligibilidade s prticas de leitura que conformavam a formao

    docente nela realizada? Na qual j operava os conceitos de representao

    e de cultura escolar, atestando, para ns historiadores da educao

    brasileira, a fecundidade analtica dessas importantes contribuies da

    historiografia francesa?

    Diana , pois, desses historiadores da educao que vo frente,

    disseminando e criando a linguagem, ocupando novos territrios com

    seus recortes, dilatando as fronteiras e demarcando o campo disciplinar.

    Porque se trata disto, no seu fazer de ofcio: mediante suas atividades de

    leitura, reflexo e escrita e de pesquisas de campo que delas decorrem,

    Diana vai se informando sobre o que est sendo discutido aqui e no

    exterior, elaborando as possibilidades terico-me- todolgicas que

  • APRESENTAO XVII

    Material com direitos autorais

    reconhece na literatura, testando essas contribuies nas fontes que

    recolhe e enunciando os resultados do seu labor, para serem por sua vez

    discutidos e apropriados. Trabalho duro, prtica diuturna, realizaes

    modelares.

    Este Culturas escolares: estudo sobre prticas cie leitura e escrita na escola

    pblica primaria (Brasil e Frana, final do sculo XIX], que d publicidade ao

    trabalho de livre-docncia defendido em 2004, tambm na Feusp,

    acrescenta s demais qualidades de suas produes anteriores a dupla

    marca dos atuais textos de Diana: a da plena maturidade intelectual e a

    do frescor de quem explora um novo perodo e um novo terreno.

    Entretecidos, esses elementos conduzem a escrita deste texto de ponta a

    ponta. E de um lugar de maestria, bravamente conquistado pelo domnio

    da teoria e pela prtica de pesquisa, que ela se debrua, na Introduo,

    para olhar de novo a cultura escolar do final do oitocentos brasileiro. Uma

    das coisas que se diz comumente a respeito do nosso sistema escolar

    pblico e elementar que ele foi construdo, nesse perodo, similitude

    do sistema francs. Ela escuta essa posio, mas,

    alertada pelas contribuies da nova historiografia da educao, nacional

    e internacional, cujas conceituaes recupera, examina, explora e

    termina por endossar (ou abandonar) como categorias de anlise, nas

    ricas pginas de discusso terica do Captulo 1, Diana presta ateno

    nas diferenas entre eles e, perquirindo as respectivas culturas escolares

    a partir de prticas de leitura e escrita indiciadas pela documentao

    conservada em acervos brasileiros e franceses, dispe-se a trazer tona

    tambm as especificidades e dessemelhanas de cada um deles. Assim

    que, com redao clara, fluncia narrativa e inteligentes procedimentos

    analticos, apanha no Captulo 2 a circulao de dois livros de leitura

    escolares e seus respectivos usos nos sistemas de ensino brasileiro e

    francs, em conexo com representaes de infncia e de educao do

    perodo,- e de duas modalidades de prticas de escrita, a estenografia e

  • XVIII CULTURAS ESCOLARES

    Material com direitos autorais

    os cadernos, propostas aqui e l, mas com resultados diferentes e

    inflectidos nos dois casos, devido s *

    peculiares circunstncias sociais e culturais, no Captulo 3, E desse

    percurso cognitivo realizado pela autora que se constri este livro, no

    mais, revelador tambm de uma trajetria de sensibilidade intelectual,

    pois, quem se atreveria a discutir, como faz na ltima parte do texto,

    uma questo da histria da educao pela sua ausncia, isto , falando

    da presena de outra prtica da cultura escolar, seno quando

    impulsionado por uma combinao de segurana no seu mtodo e

    encantamento a respeito do seu objeto de estudo?

    Entrelaados esto ainda, neste Culturas escolares, texto, autora e campo

    disciplinar, na medida em que, ao transitar entre as duas obras, do

    recorte temporal da dcada de 1930 para o ltimo quartil do sculo XIX;

    da viso de uma histria recortada de um momento da educao

    brasileira para uma histria comparada entre Brasil e Frana e desta para

    uma histria conectada da educao,- do enfoque em reformadores

    educacionais para o de sujeitos mediadores e leitores- consumidores-

    produtivos que circulam nas e fazem circular as culturas escolares, Diana

    opera, ela prpria e simultaneamente no campo, uma passagem, como

    autntica portadora e criadora que de um exemplar discurso

    historiogrfico.

    O crtico Harold Bloom disse uma vez que o diferente somente

    diferente quando faz a diferena: lendo este livro de Diana, no tenho

    como discordar!

    Maria Lcia Spcdo HilsdorJ Professora de histria da educao na USP.

    I N T R O D U O m

  • Material com direitos autorais

    eu sorrisando deslizo. Eu na i/rande via tf em escarlate nado,

    dizendomente.

    (Voc sabe?) o sim. mundo provavelmente \eito de rosas & al: (de atlotjos e, cinzas)

    CUMMINCS, E. E. traduzido por Augusto de Campos, 1986, p.

    t

    Neste texto introdutrio procuro explorar as maneiras como fui me

    constituindo como historiadora da educao com base no dilogo com as

    investigaes empreendidas, os referenciais de anlise utilizados e os

    pesquisadores da rea. "Sorrisando, deslizo" numa narrativa que no se

    pretende terica, mas apenas indicativa de "rosas & al" e "de atlogos e,

    cinzas" desta "grande viagem" acadmica que para mim tem sido o

    percurso no campo historiogrfico educacional.

    Meu envolvimento com a pesquisa em histria da educao comeou em

    1990, quando formulei o projeto de doutorado. At aquele momento, a

    trajetria no campo resumia-se ao trabalho como professora da

    disciplina em uma faculdade particular. Aps ter cursado histria e em

    meio aos meus estudos de mestrado, tambm em histria, repetia os

    passos de muitos profissionais do ensino superior privado: especializava-

    me no prprio exerccio da docncia. Foi nessa experincia que encontrei

    o objeto de pesquisa de doutorado e conheci um personagem que tem

    me acompanhado nos ltimos anos. Por indicao do professor de

    filosofia da casa, li A cultura brasileira, de Fernando de Azevedo. Em A

    cultura, descobri que o prdio do Instituto de Educao do Rio de Janeiro

    (Ierj), em que eu havia cursado o magistrio, tinha sido erguido durante a

    administrao Azevedo da instruo pblica carioca. Nasceu, assim, a

    proposta de analisar a criao do Instituto e, com ela, o interesse por

    Fernando de Azevedo.

    A investigao acerca da formao docente levou-me aos meandros de

    uma histria do livro e da leitura1. Procurando fugir s malhas da

    1 A pesquisa coniou com apoio financeiro da CAPF.S e foi realizada na Faculdade de Educa- o-USP

  • INTRODUO 3

    Material com direitos autorais

    memria institucional excessivamente presa a marcos institudos pela

    historiografia, alertada que estava sobre a retrica azevediana por Marta

    Carvalho (1986-1989) e contando com a bagagem trazida da histria,

    intentei capturar o cotidiano escolar nos anos de 1930. Utili-

    zanclo-me de farta documentao - encontrada na prpria escola, nos

    Arquivos Loureno Filho e Ansio Teixeira do Centro de Pesquisa e

    Documentao de Histria Contempornea do Brasil (CPDOC), no Arquivo

    Fernando de Azevedo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) qual

    acrescentei um conjunto de entrevistas realizadas com antigas alunas - a

    familiaridade com a histria oral vinha do trabalho do mestrado centrei a

    abordagem nas prticas de leitura e formao constitudas no intramuro

    da Escola de Professores do Ierj. Nesse percurso, debrucei-me tambm

    sobre os fazeres ordinrios das escolas primria e secundria,

    entrelaados que estavam ao exerccio do preparo para o magistrio na

    instituio.

    Para compreender o valor do livro e do ler nos discursos dos educadores

    que dirigiam a escola naquele momento ou que se associavam a seu

    funcionamento, todos vinculados ao movimento escolanomsta, recorri a

    peridicos, relatrios de professores e diretores, correspondncias,

    programas de aula e livros publicados. Para perceber como se

    materializavam tais discursos nas prticas dirias, analisei a constituio

    do acervo da biblioteca da Escola de Professores, a partir dos registros de

    aquisio de livros, das faturas de compras, dos ofcios emitidos pelo

    diretor do Ierj e pela bibliotecria-chefe. Para entender como se

    produziam as prticas de leitura pesquisei o livro de consultas da

    biblioteca, os textos prescritivos sobre como ler adequadamente ela-

    borados por professores e as publicaes posteriores de trabalhos de

    algumas ex-alunas e recolhi depoimentos orais.

    sob a orientao de Marta Carvalho. O trabalho foi concludo em 1995 e publicado apenas em

    2001.

  • 4 CULTURAS ESCOLA RES

    Material com direitos autorais

    A elaborao da tese permitiu-me vislumbrar a importncia daquela

    experincia (Thompson, 1987) de formao docente para a constituio de

    uma cultura profissional que, forjando a representao (Chartier,

    1990) de bom professor e de excelente exerccio do magistrio, persistiu

    como elemento distintivo por geraes de professoras cariocas. Refinei

    conceitualmente o meu olhar para com o objeto do campo educacional. A

    um interesse pelo cotidiano, constitudo pelo contato com uma

    historiografia que valorizava a histria vinda de baixo (Thompson, 1987,

    Hill, 1987, e Davis, 1987) e uma antropologia histrica (Le Goff, 1980* 1984;

    De Certeau, 1982, e ClNZBURC, 1987- 1989), mesclada aos alertas sobre os

    condicionantes estruturais (FoCAULT, 1984-1986), acrescentei a

    sensibilizao pelos saberes e, principalmente pelas prticas escolares no

    reconhecimento de sua relevncia na construo de uma cultura escolar

    (Chervel, 1990, Julia, 2001 [1993]), conformada historicamente pelas lutas

    sociais, mas modeladora da ao dos sujeitos da educao, ainda que

    permevel a distintas apropriaes.

    Duas perspectivas se abriram com o trmino do doutorado. Por um lado,

    o interesse em perscrutar os fazeres desses sujeitos femininos da

    educao carioca lanou-me no estudo do trabalho docente realizado

    pelas egressas da Escola de Professores do Iekj nos anos 1930 e 1940. Por

    outro, o contato com o Arquivo Fernando de Azevedo do IEB-USP e a

    curiosidade em conhecer mais detidamente a materialidade da escola no

    perodo estimularam-me a propor o tratamento arquivstico do acervo ao

    mesmo tempo que investigava na documentao as pistas sobre os

    materiais e mtodos utilizados na escola primria carioca entre 1927 e

    1930, perodo em que Azevedo a administrara.

    No primeiro caso, um projeto com o intuito de explorar as relaes de

    sexualidade e gnero na escola primria carioca foi encaminhado e

    aprovado pela Fundao Carlos Chagas. Fazendo uso de entrevistas,

    exerccios propostos na Escola de Professores, inquritos efetuados pela

  • INTRODUO 5

    Material com direitos autorais

    Prefeitura Municipal e mapas de matrcula e distribuio de escolas no

    estado, logrei retraar os itinerrios percorridos pelas professoras recm-

    formadas e moradoras das regies centrais do Rio de Janeiro para chegar

    aos locais de trabalho, em geral situados na periferia da cidade; perceber

    os perigos encontrados nesse deslocamento dirio por bondes e trens,

    avaliar os temores das iniciantes, moas entre 17 e 21 anos de idade, no

    confronto com classes mistas e alunos de at 14 anos das zonas

    suburbanas e rurais, e conhecer os expedientes utilizados na gerncia

    das situaes de aprendizagem e do trato com alunos maiores e os

    procedimentos implementados na convivncia com superiores

    hierrquicos majori- tariamente do sexo masculino. As urgncias da

    classe (e da educao nos vrios mbitos administrativos) e as tticas (De

    Certeau, 1994) usadas pelas professoras para sobrevivncia profissional (e

    pessoal) destacaram a relevncia das condies materiais de trabalho e

    da convivncia entre pares na constituio da cultura docente, compondo

    com as instituies formadoras o trip da experincia do magistrio.

    No segundo caso, o trabalho arquivstico no acervo Fernando de

    Azevedo e o levantamento dos objetos em uso pelas escolas primrias

    cariocas nos anos de 1920' nos 16 mil documentos do arquivo, dos quais

    mais de 8 mil se cingiam a recortes de notcias de jornal veiculadas sobre

    a reforma azevediana de 1927, levaram-me ao reconhecimento de que

    estender a escolarizao a uma parcela maior da populao envolvia

    ampliar os recursos materiais e metodolgicos para o ensino. As

    interrogaes, ento, repousaram sobre o duplo enfoque que a

    materialidade e os mtodos suscitavam. Na dimenso dos dispositivos de

    poder (vigilncia e controle), perguntava-me sobre a eficcia atribuda

    aos novos objetos e mtodos includos no repertrio docente. No mbito

    das apropriaes, interessava-me pelas mil maneiras de Jazer com (De

    Certeau, 1994) os materiais e mtodos que eram postos em circulao na

    escola, questionando como alunos e professores deles se utilizaram,

  • 6 CULTURAS ESCOLA RES

    Material com direitos autorais

    como subverteram os dispositivos que lhes estavam inscritos, na

    concepo da escola como um lugar de produo de uma cultura

    especfica, em que constantemente atu- ahzavam-se estratgias

    modeladoras e tticas de subverso (idem). O desenrolar da pesquisa e do

    exerccio arquivstico propiciou a constituio do Ncleo Interdisciplinar

    de Estudos e Pesquisa em Histria da Educao (Niephe), congregando

    inicialmente os alunos de Iniciao Cientfica2.

    A percepo do magistrio como uma experincia de classe profissional

    e de gnero3, e o entendimento da escolarizao de massas como

    resultante da ampliao material e metodolgica de recursos

    pedaggicos, associada ao exerccio do doutorado em torno das prticas

    de leitura, propiciaram-me a incurso pela histria das disciplinas

    elementares, notadamente ler e escrever. Partindo das referncias

    presentes na Escola Primria do Ierj acerca da caligrafia muscular,

    debrucei-me sobre o ensino da escrita. Primeiramente, ative-me aos

    enunciados escolanovistas presentes nos anos de 1920 e 1930 e colhidos

    em livros e peridicos educacionais, guias de programa e legislao. De

    posse desse arsenal de conhecimentos, alarguei a periodizao do estudo

    aos anos finais do Imprio. A operao envolveu um novo investimento

    de pesquisa em histria da educao, aumento da massa documental a

    analisar e da historiografia a percorrer, e foi facilitada pela participao

    em grupos de trabalho.

    Ainda no momento inicial de transio, beneficiei-me do contato com

    investigadores argentinos e brasileiros que compunham o Seminrio

    Escola Nova no Brasil e Argentina4 Os debates portavam sobre as

    2 Andr Paulilo, Rosnne Nunes Rodrigues, Jos Cludio Sooma Silva, Rachel D Abdala, Isabel de

    Lourdcs Estevcs, Tcreza Marcela Meza Baeza e lomar Barbosa Zaia.

    '1 Na construo de um referencial para estudos de gnero foi importante minha participao no

    Grupo Educao, Gnero c Sexualidade (EdcES), composto, na poca, por Marlia Carvalho, Cludia

    Vianna, Sandra Gouretti Unbehaum e Daniela Auad, dentre outras pesquisadoras.

    4 No primeiro encontro o grupo foi constitudo por Mariano Narodowski, Silvina Gvirtz, Ovidc Menin

    e Silvia Roitenburd, pela Argentina, e Marta Carvalho, Clarice Nunes e eu, pelo Brasil. No segundo,

    ausentaram-se Mariano e Silvia. Nos eventos posteriores, Ovide e Silvia deixaram de participar da

  • INTRODUO 7

    Material com direitos autorais

    especificidades que o escolism tomou nos dois pases e foram

    importantes para despertar-nos a percepo para as semelhanas e con-

    trastes que o movimento assumiu. Ficou-nos claro que, na Argentina, a

    instituio do estado educador j na dcada de 1830 e a consolidao da

    expanso escolar nos anos de 1870, com ndices de alfabetizao em

    torno de 80% da populao, relegaram a Escola Nova a uma experincia

    restrita a poucas escolas particulares. Contrariamente, no Brasil, a difuso

    dos princpios escolanovistas nos anos de 1920 coincidiu com o ingresso

    de educadores partidrios desses ideais nos cargos de direo da

    instruo pblica em vrios estados, ao mesmo tempo que se expandia o

    sistema escolar com objetivo de combater as baixas taxas de

    alfabetizao, aproximadamente 20%. A Escola Nova havia assumido no

    Brasil um carter estatal. A homogeneidade das propostas

    governamentais argentinas, fruto da centralizao administrativa

    efetuada desde a primeira metade do oitocentos, contrastava com a

    disperso das reformas brasileiras da educao preliminar, decorrentes

    da interpretao do Ato Adicional de 1834 que consolidara, por cerca de

    100 anos, uma gesto provincial/estadual das escolas primrias e

    normais.

    As diferenas histricas impunham dificuldades ao projeto comparativo

    da equipe. Tentando superar os impasses, Silvina Cvirtz e eu decidimos

    enfrentar a questo do ensino escolar da escrita nos dois pases. As

    vrias aproximaes ao objeto nos levaram a ampliar progressivamente o

    recorte temporal, voltando a pesquisa ao sculo XIX, mais precisamente

    dcada de 1870. O procedimento revelou-

    se profcuo. Dispondo de um perodo mais lato para o estudo, pudemos

    avaliar diferenas e aproximaes entre a escolarizao do escrever na

    Argentina e no Brasil e conseguimos avanar na compreenso da Escola

    equipe. Foram includos, no entanto, Luciano Mendes de Faria Filho e Mirian Warde. Outros

    pesquisadores como Joseph Coquoz, da Sua ,Jean Hbrard, da Frana, e Antnio Vinao Frago, da

    Espanha, tambm tiveram assento nos trabalhos do grupo.

  • 8 CULTURAS ESCOLA RES

    Material com direitos autorais

    Nova como uma categoria histrica de anlise, o que no dizer de De

    Certeau (1982) significa perceber os conceitos na concretude das relaes

    sociais e histricas.

    O recuo ao oitocentos implicou dirimir noes que aparentemente eram

    equivalentes. O primeiro obstculo com que deparei foi a expresso

    mtodo simultneo: ora associada aprendizagem da escrita e da leitura

    realizada a um s tempo - defendida pelo mtodo mutuo ou monitorial

    desde o inicio do sculo XIX no Brasil ora ligada situao de sala de aula

    em que um professor regia um grupo de alunos (classe) no mesmo nvel

    de conhecimento - resduo das escolas francesas de Jean Baptiste de La

    Salle surgidas no sculo XVIII. A ambigidade do termo remetia a duas

    possveis leituras acerca da escolarizao brasileira no oitocentos, ambas

    bastante profcuas como caminhos de investigao. A primeira, no mbito

    dos saberes pedaggicos, sinalizava para dupla representao de mtodo

    no sculo XIX: (1) modo de organizao dos estudantes em uma classe e

    (2) critrio de distribuio de contedos em uma disciplina como j

    destacou Faria Filho (2000). A segunda, na dimenso

    das prticas escolares, indiciava a maneira inventiva com que os mestres

    oitocentistas haviam combinado princpios dos vrios mtodos

    disponveis no perodo (mtuo, simultneo e individual) na resoluo dos

    problemas enfrentados pela docncia, criando o denominado mtodo

    misto.

    Somente depois que me despi da representao hegemnica (Chartier,

    1991) de mtodo, como critrio de distribuio de conhecimentos em

    uma disciplina escolar, consolidada com a instalao da escola graduada,

    inicialmente em So Paulo em 1890, que pude me deixar sensibilizar

    pelas representaes concorrentes que existiam no sculo XIX. Ao

    organizar o ensino em classes homogneas, regidas por um nico

    professor ou professora, com recurso aula expositiva, os grupos

    escolares consagraram um nico modo, simultneo, de ordenao dos

  • INTRODUO 9

    Material com direitos autorais

    alunos em sala que pouco devia s escolas lassalistas, mas que surgia da

    superao de entraves materiais ao fazer da classe, como distribuio de

    livros comuns a todos os alunos de uma mesma sala, oferecendo

    condies de aprendizagem em um mesmo ritmo,- uso da pena metlica

    em lugar da de ave, reduzindo o tempo do professor nas aparas,- e

    difuso de cadernos, possibilitando o controle das tarefas efetuadas

    sucessivamente. Permitiram tambm a progressiva cristalizao dos contedos

    ensinados nas escolas elementares em disciplinas escolares. As exaus-

    tivas descries dos saberes a transmitir nos programas publicados no

    corpo da legislao educacional, distribudos por matrias, a partir do fim

    do oitocentos, davam a medida da importncia que as disciplinas

    escolares assumiam na uniformizao da ao da escola. Ao mesmo

    tempo, a profuso de artigos em revistas educacionais destinados a

    propalar o mtodo intuitivo e a nfase em seu uso no texto das leis

    deslocavam o debate metodolgico unicamente para a questo da lgica

    que deveria reger a organizao dos contedos. Condenando o ensino

    que partia do abstrato, as novas orientaes defendiam que a

    aprendizagem infantil se fazia pelo contato com o concreto. O empirismo

    chegava escola primria abolindo a antiga escolstica que, no entanto,

    se manteria como modelo do curso secundrio.

    Ao tornar invisvel a concorrncia de significados anterior, a difuso da

    escola graduada restringia mtodo ordenao de contedos de uma

    disciplina escolar, ao que associava o debate em torno da intuio, e

    simultneo aprendizagem ao mesmo tempo das habilidades da leitura e

    da escrita, o que limitava o termo a um procedimento disciplinar interno.

    A discusso em torno do modo de organizar os alunos em classe parecia

    superada.

    Rever as representaes concorrentes de mtodo no sculo XIX me

    permitiu perceber a combinao entre mtodos individual, mtuo e

  • 10 CULTURAS ESCOLA RES

    Material com direitos autorais

    simultneo como uma inveno dos mestres oitocentistas, com carter

    puramente escolar e operatrio. E, na esteira de Chervel (1990),

    considerar o mtodo misto um produto da cultura escolar brasileira,

    gestado no conflito entre a urgncia em solucionar os problemas

    cotidianos da aula e as dificuldades com que se deparavam os

    professores para prover materialmente o ensino, denunciadas

    seguidamente ao longo do sculo XIX. Ao se tornar matria lecionada nas

    escolas normais e referida nos exames prestados pelos nor- malistas, na

    segunda metade do oitocentos, o mtodo misto foi alado a saber

    pedaggico legtimo, enobrecendo a criatividade docente, mas,

    paradoxalmente, apagando as marcas de sua constituio histrica. O

    pequeno interesse que o mtodo misto suscita hoje na historiografia da

    educao no se deve posio menor no interior da cultura escolar -

    pode-se explorar sua recorrncia como prtica docente nas escolas

    isoladas at recentemente } mas invisibilidade a que foi lanado no

    debate educacional pela implantao dos grupos escolares.

    Essas descobertas repercutiram na necessidade de operar outra

    distino: entre escola graduada e ensino graduado. Novamente a equiva-

    lncia era enganadora. Os grupos escolares, pela diviso dos contedos

    em sries, identificando ano escolar a ano civil e supondo o exame como

    mecanismo de passagem, aliceravam-se na concepo de ensino

    graduado. No entanto, essa forma escolar (Vincent, 1980) no era a nica a

    reivindicar a gradao do contedo. O mtodo mtuo, implantado no

    Brasil mesmo antes de 1827, quando a primeira lei de ensino tornou seu

    emprego obrigatrio nas escolas elementares, j a supunha. Em geral

    percebido como um modo de organizar os alunos em sala, o mtodo

    mtuo partilhava dessa ambigidade da noo de mtodo mencionada

    anteriormente e comportava, tambm, a ordenao de saberes quanto a

    ler, escrever, contar e moral crist, como demonstraram os vrios autores

    reunidos por Bastos e Faria Filho (1999) na coletnea A escola elementar no

  • INTRODUO 11

    Material com direitos autorais

    sculo XIX. A escola graduada, assim, no havia produzido o ensino como

    graduado, mas dele se apropriado, acolhendo a lenta conformao dos

    princpios da educao escolar que se foram produzindo ao longo do

    oitocentos. Isso explicava porque era possvel encontrar sries graduadas

    de leitura, como o Primeiro e Segundo Livros de Leitura, de Ablio Csar

    Borges publicadas em 1866, praticamente 30 anos antes da instalao dos

    grupos escolares no Brasil.

    Se as duas primeiras equivalncias escondiam representaes

    concorrentes do sculo XIX que foram hegemonizadas pelas noes

  • INTRODUO 1 1

    Material com direitos autorais

    de escola e ensino consagradas com o modelo dos grupos escolares, a

    terceira criara-se a partir dos anos de 1920: ensino ativo e escola ativa.

    Apesar de surgirem como similares em muitos discursos do perodo,

    ensino ativo e escola ativa distinguiam-se na fala dos escolanovistas pela

    prpria concepo de atividade. Se a primeira acepo concernia

    maneira como o contedo deveria ser trazido ao aluno e supunha a

    atividade dos professores na realizao de experincias e no ofereci-

    mento de imagens e objetos que concretizassem a aula; a segunda

    deslocava para os alunos a feitura das tarefas. Era pela ao dos mtodos

    de projeto e centros de interesse que as crianas deveriam solucionar

    problemas e construir experimentos, ainda que sempre orientadas pelos

    docentes. Os educadores renovados dos anos de 1920 e de 1930,

    entretanto, no lograram instituir a nova representao como

    hegemnica. A consolidao dos grupos escolares como forma escolar do

    ensino primrio, que unia gradao de contedos a mtodo intuitivo,

    desdobrado em ensino ativo, parece ter borrado as diferenas e mantido

    a concorrncia entre as representaes de escola e ensino ativos, de sorte

    que, mesmo hoje, ambas emergem como similares na fala de educadores.

    Considerar os grupos escolares como tradio inventada da escola

    primria no Brasil republicano, apropriando-me da frmula elaborada por

    Hobsbawm (1997), pode ser, aqui, operatrio. Implementando um

    conjunto de prticas rituais e simblicas, muito bem analisado por Souza

    (1998) e Faria Filho (2000), disseminando-se como imagens em cartes

    postais, como denunciou Barros (1997), e constituindo-se como

    monumentos pblicos, como sugerimos Faria Filho e eu, em artigo

    publicado na Revista Brasileira de Educao (2000), os grupos escolares

    fundaram uma representao de ensino primrio que no apenas regulou

    o comportamento, reencenado cotidianamente, de professores e alunos

    no interior das instituies escolares, como disseminou valores e normas

    sociais (e educacionais). Assumiu, especialmente nas cinco primeiras

  • INTRODUO 1 1

    Material com direitos autorais

    dcadas do sculo XX, a posio de

  • 12 CULTURAS ESCOLA RES

    Material com direitos autorais

    uma escola de verdade (Tyack & CtJBAN, 1999) a uma parcela da sociedade

    brasileira, para a qual funcionou como smbolo de coeso e status.

    Operar essas distines conceituais levou-me tempo e no consegui

    realiz-las no espectro do trabalho em colaborao a Silvina e o Grupo

    Escola Nova. Desfolharam-se nas minhas participaes no Grupo

    Educao, Histria e Modernidade (Gehm)5 e nas investigaes efetuadas

    no mbito do projeto integrado Materiais e mtodos na escola brasileira

    republicana: investigaes acerca de estratgias de modelizao e tticas

    de apropriao postas em uso no espao escolar, financiado pelo

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq)6.

    Reunindo pesquisadores envolvidos com estudos sobre a escolarizao

    no oitocentos brasileiro, o GEHM oferecia a oportunidade de uma

    interlocuo qualificada ao novo investimento que iniciava, lanando-se

    ao mesmo tempo como desafio a enfrentar. A necessidade de elaborar

    intervenes para participar dos encontros do grupo e a prtica do

    debate permitiam-me alargar os horizontes de pesquisa e interpretao.

    O exerccio entretecia-se s necessidades do desenvolvimento do

    trabalho de campo no projeto integrado.

    Aglutinando as investigaes que efetuvamos, meus orientandos e eu,

    a proposta encaminhada ao CNPq consolidava um percurso de pesquisa e

    um referencial terico - expressos ambos no ttulo - bem como a

    trajetria de um grupo - o Niephe, que passava a contar com mestrandos

    e doutorandos7. A preocupao com os materiais e mtodos postos em

    circulao na escola primria e com os dispositivos de difuso e

    5 O grupo j teve vrias configuraes e aglutinou os pesquisadores Luciano Mendes de Faria

    Filho, Cynthia Creive Veiga, Maria Cristina Gouveia, Maria Lcia S. Hilsdorf, Mrcia Hilsdorf Dias,

    Heloisa Pimenta Rocha, Helosa Villela, Cludia Alves, Jos Gonalves Gondra, Maria Cecilia C. C. de

    Sousa c Lilian Margotto. 6 Processo n. 301.136/96-3.

    7 Ingressaram no Programa de Ps-Graduao da FEUSP Andr Paulilo, Rosane Nunes Rodrigues, Jos

    Cludio Sooma Silva, Rachel D. Abdala, Isabel de Lourdes Esteves e lomar Barbosa Zaia Todos j

    obtiveram o ttulo de mestre em Histria da Educao. Andr realiza seus estudos de

    doutoramento, com data prevista de concluso cm 2007.

  • INTRODUO 13

    Material com direitos autorais

    apropriao indicava as escolhas efetuadas. O recorte

    temporal abrangia o fim do sculo XIX e as primeiras dcadas do sculo

    XX. A meno escola brasileira sinalizava uma nova abrangncia da

    anlise. A permanncia em So Paulo fizera-me freqentar os arquivos e

    as bibliotecas do estado e progressivamente ampliar o enfoque. Aos

    levantamentos efetuados no Rio de Janeiro foi sendo acrescentado o

    trabalho de campo realizado em So Paulo. Nesse movimento, fui

    percebendo diferenas na constituio da escolarizao nos dois estados.

    A primeira questo que se apresentou como problema para mim foi a

    diversa importncia que os grupos escolares tiveram na construo

    simblica de escola primria. Se em So Paulo a escola graduada assumiu

    a representao hegemnica de ensino preliminar,- no Rio de Janeiro, a

    presena dos grupos escolares era escassamente referida na

    documentao e praticamente inexistente na historiografia educacional.

    Foi-me ficando claro, ento, a existncia de dois modelos de

    escolarizao, constitudos em tempos e espaos distintos, cujos

    contornos apareciam borrados no olhar retrospectivo.

    So Paulo, no fim do oitocentos, gestou o primeiro: a frmula da escola

    graduada. Emergindo na confluncia da defesa da escola laica, da

    liberdade de ensino, da obrigatoriedade da instruo ensino elementar,

    do direito educao e do dever do Estado e da famlia em

    oferec-la, como bem destacou Moraes (198 1), difuso dos princpios e

    prticas norte-americanos de escolarizao, pioneiramente explorados

    por Hilsdorf (Barbanti) (1977), os grupos escolares aglutinavam os

    esforos da ilustrao paulista (Barros, 1959) na propagao de um ideal

    civilizatrio. A reorganizao administrativa e pedagoggica da escola

    vinha a par de um ousado plano de edificaes escolares, que em menos

    de 30 anos (entre 1894 e 1911) chegou a erguer 44 novos prdios, e de

    um investimento significativo tanto na formao de professores - em

    igual perodo haviam sido criadas quatro escolas normais primrias e

  • 14 CULTURAS ESCOLA RES

    Material com direitos autorais

    duas normais secundrias no estado quanto na aquisio de objetos e

    materiais didticos - da importao e fabricao de carteiras compra e

    produo de quadros e museus escolares necessrios ao ensino intuitivo.

    Partindo das terras paulistas, em 1893 (criao) e 1894 (implantao), o

    modelo apareceu no Rio de Janeiro em 1897, no Paran, em 1903; em

    Minas Gerais, em 1906, no Rio Grande do Norte e Esprito Santo, em

    1908; no Mato Grosso, em 1910; e em Santa Catarina e na Paraba, em

    1911, para citar alguns exemplos. Sua influncia foi particularmente

    marcante at os anos de 1920, quando o eixo da poltica educacional

    deslocou-se para a sede do governo republicano.

    O Rio de Janeiro trouxe o segundo modelo: a Escola Nova. As seguidas reformas da instruo pblica implementadas por Carneiro

    Leo (1922-1926), Fernando de Azevedo (1927-1930) e Ansio Teixeira

    (1931-1935) tinham produzido o solo frtil e consolidado uma nova

    frmula de organizao administrativa e pedaggica do ensino, de

    orientao laica, que, no negando as conquistas da escola graduada,

    apresentava outros contornos s prticas e aos saberes escolares.

    Mtodos de projeto, centros de interesse, sistema pLuoon foram novos

    vocbulos incorporados ao exerccio da docncia carioca. A criao do

    Ministrio da Educao e Sade em 1930 e a presena nele do educador

    escolanovista M. B. Loureno Filho por mais de 40 anos em diversos

    cargos tcnicos assegurava a disseminao das propostas a todo o Brasil,

    ainda que a semntica da Escola Nova no fosse nica e as disputas com

    educadores catlicos acirradas. Interessante constatar o lugar que

    Escola Nova ocupava nos discursos de educadores nos dois estados. Em

    So Paulo, Oscar Thompson e Sampaio Dria identificavam-na, ainda na

    dcada de 1910, a mtodo intuitivo. No Rio de Janeiro, a expresso

    ganhou relevo somente aps a aprovao da reforma de 1927. A partir de

    ento, guindado por Azevedo, o termo passou a significar os esforos de

    renovao escolar, o novo, em detrimento do passado, do ve- lho.

  • INTRODUO 15

    Material com direitos autorais

    Negava (e relegava ao esquecimento) as experincias anteriores

    implementadas no Brasil, constituindo-se como verdadeira representao

    da escola preliminar.

    No mago dessa luta de representaes foram-se delineando os

    contornos da escola primria brasileira. Por um lado a fora simblica da

    frmula dos grupos escolares persistia como representao de ensino.

    Por outro, a nova gramtica escolanovista lanava uma representao

    concorrente. Os grupos escolares s foram extintos em 1971, na mesma

    dcada em que os principais defensores da Escola Nova se afastaram das

    contendas polticas. M. B. Loureno Filho faleceu em 1970, Ansio

    Teixeira em 1971 e Fernando de Azevedo em 1974. Como exemplo das

    muitas apropriaes entre os dois modelos est a manuteno das

    expresses ensino ativo e escola ativa como equivalentes no vocabulrio

    educacional, mencionada anteriormente.

    A segunda problemtica com que me deparei foram as referncias

    constantes a educadores e impressos norte-americanos e franceses,

    histria da escola nos Estados Unidos e na Frana e ao papel das misses

    de estudo efetuadas aos dois pases, entre o fim do sculo XIX e o incio

    do XX, nos discursos de professores e reformadores brasileiros.

    Interrogando-me sobre o lugar dessas presenas, interessei-me em

    analisar as vrias maneiras de apropriao inventadas no perodo. A

    remisso s escolas primrias estrangeiras emergia na representao da

    obrigatoriedade escolar, na anlise das estatsticas escolares, na

    constituio das disciplinas elementares de escrita e leitura,- ou, ainda,

    na materialidade do mobilirio escolar,- produzindo contornos prprios

    do universo da escola a alcanar pela educao brasileira e servindo de

    recurso retrico na legitimao de prticas educativas. Os Pareceres sobre

    o ensino primrio, de Rui Barbosa, e a Histoirede L 'htstruction Publicfueau

    Brsil, de Jos Ricardo Pires de Almeida so apenas duas dentre muitas

    obras em que as referncias ao panorama norte-americano ou francs no

  • 16 CULTURAS ESCOLA RES

    Material com direitos autorais

    fim do sculo XIX estruturavam a narrativa, organizando o estudo

    comparativo.

    Estimulada pela experincia anterior com os pesquisadores argentinos e

    embalada pelos contatos iniciados durante o doutorado com Anne-Marie

    Chartier, elaborei o projeto de ps-doutorado Prticas escolares de

    leitura e escrita no Brasil (l 870-1930)9, que pretendia compreender as

    mltiplas maneiras como se estabeleceu o intercmbio entre educadores

    brasileiros e franceses, no perodo entre 1870 e 1930. Para tanto,

    dispunha-me a pesquisar na coleo de revistas pedaggicas e de livros

    da Biblioteca do Institut National de Recherche Pdagogique (INRP) e da

    Biblioteca Nacional da Frana traos dessas relaes binacionais, tanto na

    forma de circulao de impressos brasileiros na Frana, quanto na de

    relatos de visitas efetuadas por educadores dos dois pases e de notcias

    de fatos acontecidos no Brasil. Visava, ainda, consolidar a colaborao

    iniciada

    com o Servio de Histria da Educao do INRP, explorando categorias

    histricas de anlise e aprofundando contornos de uma histria

    comparada da educao.

    9 O projeto foi aprovado pela FAPnsp (processo n. 01/ 09.978-6) com concesso de cinco meses de

    bolsa de estudos no exterior.

    Nos seis meses em que residi em Paris, os desafios foram muitos e os

    limites da investigao precisaram ser progressivamente reavaliados.

    Inicialmente, reduzi o recorte temporal, concentrando- me apenas no fim

    do sculo XIX, quando a remisso Frana era mais freqente na

    documentao brasileira. A seguir, selecionei dois objetos precisos para

    estudo, mantendo a proposta de me debruar sobre o ensino escolar da

    leitura e da escrita, com base em levantamentos efetuados em peridicos

    educacionais franceses, escolhidos em razo da longa permanncia

    editorial e da influncia que tiveram junto a professores e inspetores da

    instruo primria. Aps percorrer as duas dcadas finais do oitocentos

    na leitura da Revue Pdajojicjue,

  • INTRODUO 17

    Material com direitos autorais

    /

    L'Education e Manuel Gnral de L'Instruction Primaire, optei por duas tpicas.

    A primeira cingia-se ao cotejo de duas obras de leitura que circularam

    nas escolas primrias francesas e brasileiras. La comdie enfatine, de Louis

    Ratisbonne, e Contos infantis, de Julia Lopes de Almeida e Adelina Lopes

    Vieira. A estratgia parecia pertinente, posto que 17 poesias de

    Ratisbonne haviam sido traduzidas e incorporadas a Con- Jos Infantis. A

    segunda dizia respeito tentativa de implementar o ensino da

    estenografia na escola elementar francesa, que no encontrava

    paralelismo no Brasil. Favorecia, assim, a uma descomparao, como

    posteriormente sugeriu Mirian Warde (2003).

    A remisso freqente s exposies universais na documentao

    localizada na Frana, as tradues de artigos norte-americanos e de

    pases europeus nas revistas pedaggicas francesas, o trnsito de edu-

    cadores entre os dois continentes registrados em relatrios disponveis

    consulta em bibliotecas, a curiosidade em conhecer aspectos dos

    sistemas educativos dos pases sul-americanos, africanos e asiticos

    perceptvel nas sees de notcia do estrangeiro veiculadas nos

    peridicos educacionais franceses fizeram-me perceber o final do

    oitocentos como um tempo de intensa circulao de objetos e pessoas e

    de modelos culturais. Lidar com as estratgias dessa difuso e as tticas

    das apropriaes efetuadas emergia como problema na recusa aos

    primados de uma histria aprisionada pelas noes de tradio, influncia e

    evoluo como alertara Foucault (1986). Na busca de uma categoria que

    viabilizasse a anlise, deparei-me com a noo de histria conectada

    (Subrahmanyam apud Gruzinski, 2001), guiada pelas mos competentes de

    Maria Lgia Prado (2003).

    Os resultados desse percurso compem o cerne da tese de livre -

    docncia ora transformada em livro, que passo a apresentar. O texto foi

    dividido em trs captulos. No primeiro, a maneira como concebo

  • 18 CULTURAS ESCOLA RES

    Material com direitos autorais

    algumas das categorias histricas mobilizadas nas anlises elucidada.

    Particularmente detenho-me ao estudo da cultura escolar, explorando as

    acepes de Andr Chervel, Dominique Julia, Antnio Vinao Frago

  • 1 8 CULTURAS HSCOLARES

    Material com direitos autorais

    e Agustin Escolano, e diferenciando-as de categorias que por vezes *

    se apresentam como similares. E o caso de forma escolar, enunciada por

    Guy Vincent, e de gramtica da escola, cunhada por Lary Cuban e Dnvid

    Tyack. Discorro brevemente sobre maneiras como a historiografia

    educacional no Brasil vem utilizando essas categorias. Detenho-me,

    ainda, nos conceitos de prticas e representaes, esposados por Roger

    Chartier, e de tticas e estratgias, da lavra de Michel de Certeau,

    interrogando-me sobre o desafio do estudo das prticas escolares na

    dimenso histrica. Findo por abordar a categoria histria conectada, criada

    por Subrahmanyam, mas tomada da leitura que fez Serge Gruzinski,

    estendendo-me sobre outros conceitos a ela associados pelo mesmo

    Gruzinski, como mestiagem e mediadores culturais. A circulao dos

    conceitos no Brasil e as perspectivas que oferecem anlise, com base

    nas apropriaes diversas e criativas que deles tem feito a investigao

    nacional, so o que me instiga a realizar essa explorao terica.

    No segundo captulo, abordo a constituio do livro escolar Contos

    infantis, publicado em 1886, e aprovado pela Inspetoria Geral de

    Instruco Primria e Secundria em 1891 para uso nas escolas primrias

    brasileiras, com base nos elementos internos e externos obra e no

    dilogo que estabelece com a publicao La comedie enfantine pela

    traduo de poesias. As categorias explicitadas no primeiro captulo aqui

    so entrecruzadas s referncias histricas, mobilizando as pesquisas

    realizadas em arquivos e bibliotecas brasileiras e francesas, na

    compreenso do livro como mensageiro de relaes, como afirma Natalie

    Davis (1990, p. 159).

    O terceiro e ltimo captulo empreende o esforo de refletir sobre as

    prescries escolares de ensino da escrita no Brasil e na Frana, tomando

    como objeto de anlise uma inovao pedaggica que fracassa; a

    proposta de escolarizao elementar da estenografia. O intuito colocar

    sob suspeita as afirmaes, correntes entre educadores no Brasil, que

  • 1 8 CULTURAS HSCOLARES

    Material com direitos autorais

    insistem em imputar os insucessos ou atrasos no

  • INTRODUO 19

    Material com direitos autorais

    desenvolvimento da escola brasileira cpia de modelos estrangeiros.

    Nesse captulo, reafirma-se a compreenso da cultura escolar como

    constituda pela apropriao criativa de modelos, baseada na relao

    entre determinantes sociais e histricas e as urgncias prprias da

    organizao e do funcionamento escolares8.

    Em Consideraes Finais, so sintetizadas as anlises efetuadas nos

    dois ltimos captulos. Cumpre esclarecer que, elaborado em um mo-

    mento determinado da investigao, este texto no encerra um per-

    curso,- abre-se a novas leituras e propostas de estudo. As questes sus-

    citadas no exerccio da pesquisa instigaram-me a alargar a interlocuo

    com pesquisadores europeus e brasileiros e a estender o trabalho de

    campo. Duas iniciativas foram realizadas nessa direo. Procurando

    perceber como circularam objetos e pessoas entre Portugal e Brasil, no

    fim do sculo XIX e incio do XX, passei a integrar desde 2002 o Grupo de

    Trabalho para a Histria da Infncia e dos Materiais Educativos e Ldicos

    (GRUTIMEL), no mbito do projeto de cooperao internacional, apoiado pela

    Capes/Grices, 'A infncia e sua educao (1820-1950): materiais,

    prticas e representaes ', coordenado em Portugal por Rogrio

    Fernandes" e no Brasil por Luciano Mendes de Faria Filho9. Intentando

    consolidar o levantamento de fontes e as anlises sobre a histria da

    educao brasileira, elaborei, em 2003, com Maurilane Biccas, colega de

    Histria da Educao da Faculdade de Educao da Universidade de So

    Paulo (Feusp), e nossos orientandos no

    Programa de Ps-graduao da Instituio, todos integrantes do Niephe,

    o projeto dAs Mltiplas Estratgias de Escolarizao do Social Cons-

    tituio da Forma Escolar no Brasil (1870-1970). Os dois investimentos

    delineiam o horizonte de trabalhos futuros.

    8 Devo esclarecer que excertos do primeiro capitulo foram publicados eni Faria Filho & Vidal et al.

    2004; e do terceiro captulo em Vidal, 2004

    9 A equipe brasileira conta com Cynthia Grcive Veiga, Maria Cristina Gouveia, Tarcsio Mauro Vago

    Jos Gonalves Condra e Moyss Kulhmann Jr.

  • Material com direitos autorais

    CA P T U L O U M

    CULTURA E PRTICAS ESCOLARES Imagem com direitos autorais

    A E S C O L A C O MO O B J E TO D E P ES Q U IS A A constituio de corpos " conceituais por um recorte ao mesmo tempo a causa e o meio de uma

    leuta hemorragia.

    A estrutura de uma composio no mais retm aquilo (fue representa, mas deve tambm enunciar" o

    bastante,

    para (jue com esta fuga sejam verdadeiramente encenados - produzidos" o passado,

    o real ou a morte de Que fala o texto.

    Assim se encontra simbolizada a relao do discurso

    com aquilo (jue ele designa perdendo, quer dizer com o passado (Jue ele no , mas (Jue no seria

    pensvel sem a escrita (jue articula composies de lugar com uma eroso destes lugares MICHEL DE CERTEAU, 1982, pp. 105-106

    Discorrendo sobre a escrita da histria, Michel de Certeau (1982) nos

    prope refletir acerca da relao entre a prtica da pesquisa de campo e

    a produo do discurso historiogrfico. Conferir inteligibilidade aos fatos,

    recolhidos na documentao, por meio de uma narrativa compreensiva,

    o exerccio privilegiado da interpretao histrica. Para realiz-lo, o

    historiador lana mo de conceitos que, para De Certeau (idem, p. 104),

    podem ser considerados categorias histricas, na medida em que,

    simultaneamente, se constroem como unidades de significado,

    conferindo ordem documentao, e se desconstroem pelo prprio

    movimento do arquivo.

    As categorias histricas, assim, conferem um sentido ao passado,

    incorporado pela escrita historiogrfica, no duplo registro de uma

    condio da pesquisa de campo e dc uma recriao da anlise pelo

    manuseio das fontes. Para o autor, o confronto constante entre empiria

    c teoria que assegura densidade aos conceitos. Reinventados no fazer da

    investigao, os conceitos nem determinam previamente o resultado da

    narrativa histrica, nem saem ilesos do combate com os dados

  • CULTURA li PRTICAS ESCOLARES 23

    Material com direitos autorais

    encontrados nos arquivos.

    Tomadas essas precaues, algumas categorias com as quais venho

    operando na tessitura da escrita em histria da educao so, aqui,

    escrutinadas. Inicialmente, debruo-me sobre os significados

    concorrentes de cultura escolar. No segundo item, abordo forma escolar

    e gramtica da escola. No terceiro, estendo-me sobre os modos como

    esses conceitos tm sido apropriados pela historiografia da educao

    brasileira. Tal qual nos tpicos anteriores, a preocupao no

    inventariar exaustivamente as posies no campo, mas desenhar

    diferentes aproximaes. A seguir, interesso-me pelas questes relativas

    a um estudo que pretenda contemplar as prticas escolares. Por fim,

    discorro acerca de histria conectada e mediadores culturais. Ao longo

    do texto, espero descortinar os modos como tenho constitudo a escola

    (pblica primria) como objeto de investigao. 1. CULTURA ESCOLAR: SIGNIFICADOS CONCORRENTES'

    H aproximadamente 10 anos, a categoria cultura escolar vem subsi-

    diando as anlises historiogrficas e assumindo visibilidade na estrutura-

    o de eventos do campo da Histria da Educao10. Talvez porque enun-

    ciado no prestigioso frum do International Standing Conference for

    History of Education (Ische), talvez porque difundido no Brasil nos pro-

    gramas de Ps-Graduao da Faculdade de Educao da Universidade de

    So Paulo (USP) e da Pontifcia Universidade Catlica (PUC-SP), ainda na

    verso mimeografada, ou talvez por situar a cultura escolar como um

    objeto da investigao em histria, o artigo de Dominique Julia, "A cultu-

    ra escola como objeto histrico", publicado em 1995 na Paedagogica

    Histrica e traduzido para o portugus somente em 2001, pela Revista

    Brasileira de Histria da Educao, como artigo de abertura ao primeiro

    nmero do peridico, tenha sido insistentemente citado, tanto nas

    investigaes estrangeiras como nas nacionais. Entre o texto

    10 Algumas das formulaes utilizadas neste captulo (oram publicadas no artigo Faria Filho et al.

    (2004).

  • 24 CULTURAS ESCOLA RES

    Material com direitos autorais

    pronunciado na conferncia de encerramento do Ische e o editado nos

    peridicos algumas diferenas so perceptveis. Apesar da similitude das

    formulaes, um interesse pelas culturas infantis como integrantes da

    cultura escolar emergiu na segunda verso, matizando a nfase conferida

    anteriormente ao que poderamos chamar "culturas docentes", sem o

    aval, entretanto, do prprio Julia. A definio vinha j no segundo pargrafo do artigo:

    Para ser breve, poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de

    normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto

    de prticas que permitem a transmisso desses conhecimentos e a incorporao

    desses comportamentos,- normas e prticas coordenadas a finalidades que podem

    variar segundo as pocas (finalidades religiosas, sociopolticas ou simplesmente de

    socializao). Normas e prticas no podem ser analisadas sem se levar em conta o

    corpo profissional dos agentes que so chamados a obedecer a essas ordens e,

    portanto, a utilizar dispositivos pedaggicos encarregados de facilitar sua apli-

    cao, a saber, os professores primrios e os demais professores. Mas, para alm

    dos limites da escola, pode-se buscar identificar em um sentido mais amplo,

    modos de pensar c de agir largamente difundidos no interior de nossas

    sociedades, modos que no concebem a aquisio de conhecimentos e de

    habilidades seno por intermdio de processos formais de escolarizao: aqui se

    encontra a escalada dos dispositivos propostos pela schooled society que seria

    preciso analisar,- nova religio com seus mitos e ritos contra a qual Ivan Illich se

    levantou, com vigor, h mais de 20 anos. Enfim, por cultura escolar conveniente

    compreender tambm, quando possvel, as culturas infantis (no sentido

    antropolgico do termo), que se desenvolvem nos ptios de recreio c o

    afastamento que apresentam cm relao s culturas familiares [JULIA, 2001, pp. 10-1

    1],

    Partindo do diagnstico de que desde a dcada de 1970 a histria da

    educao havia refinado suas problemticas de investigao, a proposta

    de Julia almejava acrescentar ao excessivo peso das normas a ateno s

  • CULTURA li PRTICAS ESCOLARES 25

    Material com direitos autorais

    prticas.

    Era esse o argumento fundamental. Criticando as anlises que, na

    esteira de Bourdieu e Passeron, pretendiam ver na escola apenas o lugar

    de reproduo social, e as que, em virtude das comemoraes dos 100

    anos de obrigatoriedade escolar na Frana, percebiam a ins-

  • CUl.TURA E PRTICAS ESCOLARES 26

    Material com direitos autorais

    tituio como um triunfo tcnico e cvico (ambas excessivamente

    apoiadas na idia de uma pujana da ao da escola, que identificava

    inteno com resultados), Julia convidava os historiadores da educao a

    se interrogarem sobre as prticas cotidianas, sobre o funcionamento

    interno da escola. A metfora aeronutica da "caixa-preta'f adquiria valor

    de argumentao Recusando estudos essencialmente externalistas, como

    a histria das idias pedaggicas, das instituies educativas e das

    populaes escolares, que tomavam como fontes privilegiadas os textos

    legais, propunha uma histria das disciplinas escolares, constituda com

    base em uma ampliao das fontes tradicionais, A defesa de uma viragem

    nos estudos histricos em educao no se fazia acompanhar, contudo,

    por um desdm s anlises macropolticas. Pretendia, ao contrrio, a

    aproximao entre estas e os estudos voltados ao interior das

    instituies de ensino.

    A decisiva questo das fontes emergia como problema, o qual Julia

    contornava sugerindo a capacidade do historiador para fazer flecha com

    qualquer graveto e lembrando o inusitado das surpresas dos arquivos,

    reveladas apenas queles que se deixavam sensibilizar por novos

    objetos, a despeito de reconhecer as dificuldades inerentes a uma

    investigao sobre as prticas culturais, uma vez que elas no costumam

    deixar traos. Alertava, por fim, para a necessidade de se recon-

    textualizarem as fontes, suspeitando que a "grande inrcia que perce-

    bemos em nvel global pode estar acompanhada de mudanas muito

    pequenas que insensivelmente transformam o interior do sistema" (Julia,

    2001, p. 15). Externava sua crena, assim, nas inovaes pedaggicas,

    esposando uma concepo de cultura escolar como inventiva.

    Para demonstrar as possibilidades de um estudo acerca das prticas,

    que se originasse da anlise de textos normativos, debruou-se sobre o

    Ralio Studiorum.

    A verso de 1586, Julia identificava-a como um programa de lies e

  • CULTURA li PRTICAS ESCOLARES 27

    Material com direitos autorais

    exerccios graduados de teologia a gramtica. Quanto verso de 1591,

    percebia-a como uma descrio da hierarquia de funes e poderes

    especializados da Companhia de Jesus. Para Dominique Julia, a

    comparao dos dois documentos evidenciava que o colgio deixara de

    ser apenas um local de aprendizagem de saberes para tornar-se tambm

    um lugar de incorporao dos comportamentos e hbitos exigidos por

    uma "cincia de governo7' que transcendia e dirigia a formao crist e as

    aprendizagens disciplinares.

    Embora o artigo de Julia aparea como seminal em vrios estudos a

    partir da dcada de 1990, o debate em torno da cultura escolar lhe

    anterior. Em texto publicado no Brasil no ano de 2002 mas disseminado

    em lngua espanhola j em 2000, fruto do seminrio organizado pela

    Universidade Complutense de Madri em 1997 (Berrio, 2000, p. 15),

    Dominique Julia chamava a ateno para a forte inspirao que tivera do

    trabalho de Andr Chervel (Julia, 2002, p. 42), referindo-se

    particularmente ao artigo "Histria das disciplinas escolares: reflexes

    sobre um campo de pesquisa", editado pela revista Histoire de lducation,

    em 1988, e publicado no Brasil em 1990.

    Contrapondo-se ao conceito de transposio didtica defendida por

    Yves Chevallard (1985), Andr Chervel advogava a capacidade da escola

    para produzir uma cultura especfica, singular e original. Ao discorrer

    sobre construo das disciplinas escolares, em particular sobre a

    ortografia francesa, Chervel criticava os esquemas explicativos que

    posicionam o saber escolar como um saber inferior ou derivado dos

    saberes superiores fundados pelas universidades, bem como a noo da

    escola como simples agente de transmisso de saberes elaborados fora

    dela, lugar portanto do conservadorismo, da rotina e da inrcia. Para ele,

    a instituio escolar era capaz de produzir um saber especfico cujos

    efeitos estendiam-se sobre a sociedade e a cultura, e que emergia das

    determinantes do prprio funcionamento institucional.

  • 28 CULTURAS ESCOLA RES

    Material com direitos autorais

    Lingista, Chervel produziu uma srie de estudos no mbito da histria

    das disciplinas escolares sobre o ensino do francs. A ortografia (1969), a

    gramtica (1977), o ditado (1989) e a composio francesa (1999), nos

    sculos XIX e XX, estiveram sob suas lentes e fundaram sua compreenso

    da dimenso histrica da cultura escolar, tanto no que ela se apropriava

    das circunstncias sociais quanto no que interferia na sociedade. O

    estudo sobre a ortografia foi a base da interpretao. Partindo da

    interrogao sobre os efeitos que a instituio escolar produzia, por sua

    existncia, na sociedade e na cultura, e recorrendo a um conjunto

    documental localizado nos Archivcs Nationales e s primeiras estatsticas

    sobre as escolas primrias, procurou averiguar o estado real dos

    conhecimentos ortogrficos dos professores primrios franceses em 1830

    e a importncia do sistema de formao inicial e contnua, instalado pela

    Lei Guizot de 1833, na configurao dos saberes docentes a partir de

    ento (Chervel, 1998, p. 188 e ss ). Constatou que se, em 1829, 63% dos

    professores desconheciam a gramtica, em 1850 essa porcentagem havia

    cado para nveis insignificantes. Com a criao das escolas normais

    masculinas e a obrigatoriedade de sua freqncia por parte dos mestres

    em exerccio, em 20 anos todo o corpo docente primrio havia adquirido

    o saber da gramtica.

    As conseqncias sociais e polticas dessa transformao levaram

    substituio do padre pelo professor nos cargos da administrao

    municipal, abrindo as portas para a escola laica francesa. A esse efeito

    mais conhecido da historiografia, Chervel acrescentou outros trs, mais

    propriamente concernentes cultura escolar. O primeiro, considerado

    lingstico, refere-se a uma cristalizao da ortografia. No momento em

    que todos os mestres aprenderam a grafar as palavras da mesma

    maneira, a ortografia teria deixado de evoluir. O segundo efeito, de

    cunho cultural, concorre ao estatuto que a ortografia alcanou na opinio

    pblica a partir da segunda metade do oitocentos na Frana. Seu

  • CULTURA li PRTICAS ESCOLARES 29

    Material com direitos autorais

    prestgio teria levado a identificar como inculto o indivduo que no

    soubesse escrever corretamente. O terceiro efeito, que incide sobre a

    gramtica propriamente dita, tambm o que sustenta a argumentao

    de Chervel acerca da originalidade da cultura escolar. Para o autor, o

    difcil aprendizado da ortografia deu origem elaborao de uma teoria

    das funes, puramente escolar e

  • 30 CULTURAS ESCOLA RES

    Material com direitos autorais

    operatria, constituda no intramuros da escola por mestres em ati-

    vidade (e no por eruditos), que respondia s urgncias do ensino.

    Acrescentou, ainda, a estes, um efeito indireto, ligado economia das

    relaes disciplinares: as dificuldades ortogrficas da lngua francesa

    teriam favorecido a permanncia da soletrao como mtodo de leitura

    privilegiado a despeito das mudanas metodolgicas posteriores. Sua

    concluso sobre a cultura que a escola legava sociedade comportava

    dois aspectos. Por um lado, ela traduzia os resultados esperados pelo

    programa oficial. Por outro, revelava efeitos imprevisveis, engendrados

    pelo sistema escolar independentemente (Chervel, 1998, p. 190). Esse

    duplo escopo e a importncia que assumiram as disciplinas escolares na

    conformao da cultura escolar fizeram Chervel afirmar:

    Desde que se compreenda em toda a sua amplitude a noo de disciplina, desde

    que se reconhea que uma disciplina escolar comporta no somente as prticas

    docentes da aula, mas tambm as grandes finalidades que presidiram sua

    constituio e o fenmeno de aculturao de massas que ela determina, ento a

    histria das disciplinas escolares pode desempenhar um papel importante no

    somente na histria da educao mas na histria cultura!. Se se pode atribuir um

    papel "estruturante" funo educativa da escola na histria do ensino, devido a

    uma propriedade das disciplinas escolares. O estudo dessas leva a pr em

    evidncia o carter eminentemente criativo do sistema escolar, e portanto a

    classificar no estatuto dos acessrios a imagem de uma escola encerrada na

    passividade, de uma escola receptculo dos subprodutos culturais da sociedade.

    Porque so criaes espontneas c originais do sistema escolar que as disciplinas

    merecem um interesse todo particular. E porque o sistema escolar detentor de

    um poder criativo insuficientemente valorizado at aqui que ele desempenha na

    sociedade um papel o qual no se percebeu que era duplo: de fato ele forma no

    somente os indivduos, mas tambm uma cultura que vem por sua vez penetrar,

    moldar, modificar a cultura da sociedade global 11990, p. 184) .

    Apesar de prximos e da influncia que o trabalho de Chervel exerceu

  • CULTURA li PRTICAS ESCOLARES 31

    Material com direitos autorais

    sobre Julia no que concerne discusso em torno da constituio das

    disciplinas escolares e dos efeitos sociais da escolarizao, h diferenas

    nas acepes de cultura escolar enunciadas pelos pesquisadores. Chervel

    parece afirm-la de maneira mais contundente como original e se

    interessa principalmente pela construo dos saberes escolares. Julia

    enfatiza a importncia de que a anlise recaia particularmente sobre as

    prticas escolares, o que lhe permite distinguir entre uma cultura escolar

    primria e uma cultura escolar secundria.

    Sensibilizado tambm pelas questes relativas constituio das

    disciplinas escolares, mas atuando na interseco com os estudos sobre

    currculo, Jean Claude Forquin, em artigo publicado pela revista Jeoria &

    Educao, em 1992, e no livro Escola e cultura, frutos de sua tese de

    doutorado, sado a lume em portugus no ano seguinte, caracterizava a

    cultura escolar como seletiva, no que concerne cultura social, e

    derivada, no que tange sua relao com a cultura de criao ou

    inveno das cincias-fonte. Quanto ao primeiro aspecto, asseverava:

    A educao no transmite jamais a cultura, considerada como um patrimnio

    simblico e unitrio c imperiosamente coerente. Nem sequer diremos que ela

    transmite fielmente uma cultura ou culturas, elementos de cultura, entre os quais

    no h forosamente homogeneidade, que podem provir de fontes diversas, ser de

    pocas diferentes, obedecer a princpios de produo e lgicas de desenvolvimento

    heterogneos e no recorrer aos mesmos procedimentos de legitimao. Isto

    significa dizer que a relao entre educao e cultura poderia ser mais bem

    compreendida atravs da metfora da bricolage fcomo reutilizao, para fins

    pragmticos momentneos, de elementos tomados de emprstimo de sistemas he-

    terogneos) do que atravs da metfora do reflexo ou da correspondncia

    expressiva fFORQUIN, 1993, p. 15J.

    E como efeito de um trabalho de reinterpretao e reavaliao contnua

    do que devia ser conservado, ao lado de um movimento de esquecimento

    de parcelas da experincia humana, que se operaria a seleo, na

  • 32 CULTURAS ESCOLARES

    Materal com direitos autorais

    herana cultural, de contedos tidos por imprescindveis educao do

    homem e fundamentais perpetuao da sociedade, includos no

    currculo escolar. Essa seleo decorreria de fatores sociais, polticos e

    ideolgicos, que, de acordo com o autor, comportam algo de arbitrrio e

    de constante questionamento da escola legada pelos antepassados, e se

    realizaria pelo entrecruzamento de aes institucionais (currculo oficial),

    docentes (currculo real) e discentes (currculo aprendido?). Far-se-ia

    acompanhar, ainda, de uma transformao do conhecimento produzido

    pela academia. E, nesse sentido, no apenas recorta saberes e materiais

    culturais disponveis em um dado momento na sociedade, mas efetua a

    reorganizao e reestruturao desses saberes, perante a necessidade de

    transposio didtica.

    Forqutn identificava trs imperativos na conformao da transposio

    didtica. O primeiro, a transposio propriamente dita, provinha do

    reconhecimento da diferena entre a arte de ensinar e a arte de inventar.

    Cabia ao professor levar o aluno a redescobrir um conhecimento j

    inventado pela cincia, tendo em conta o estado do conhecente, do

    ensinado e do ensinante, sua posio respectiva com respeito ao saber e

    forma institucionalizada da relao entre um e outro, em cada contexto

    social. O segundo, a interiorizao, decorria do uso dos dispositivos de

    repetio e exame como formas de assimilao. O terceiro, os

    imperativos institucionais, referiam-se ao tempo de aula, diviso do

    conhecimento por sries, aos ritmos de exerccios e aos mecanismos de

    controle. Eram essas trs ordens de questes que faziam Forquin afirmar

    a cultura escolar como uma cultura segunda.

    A cultura escolar apresenta-se assim como uma cultura segunda com relao

    cultura de criao ou de inveno, uma cultura derivada e trans-

  • CULTURA L PRTICAS ESCOLARES 3 1

    Material com direitos autorais

    posta, subordinada inteiramente a uma funo de mediao didtica e

    determinada pelos imperativos que decorrem desta funo, como se v atravs

    destes produtos e destes instrumentos caractersticos constitudos pelos

    programas e instrues oficiais, manuais c materiais didticos, temas de deveres

    e de exerccios, controles, notas, classificaes e outras formas propriamente

    escolares de recompensas c de sanes [FORQUIN, 1992, pp. 33-34].

    Cabe destacar que, tanto na tese, defendida em 1987, em que a reflexo

    de Chevallard (1985) sobre a transposio didtica predominava, quanto

    no artigo publicado inicialmente em 1991, em cuja bibliografia figurava o

    texto de Chervel, "Histria das disciplinas escolares: reflexes sobre um

    campo de pesquisa", j apontado por Julia como emulador de sua escrita,

    Forquin parecia transitar da apreciao da cultura escolar como uma

    cultura derivada sua percepo como original. Alertava, no artigo, que a

    transposio didtica ou a rotinizao acadmica no permitiam a

    compreenso de certos aspectos mais especficos do funcionamento

    escolar, como prticas internas s salas de aula, competncias

    operatrias de curto alcance e de funo puramente adaptativa, rituais,

    rotinas e receitas, indagando-se se a escola no poderia ser pensada

    como "verdadeiramente produtora ou criadora de configuraes

    cognitivas e de hdbitus originais que constituem de qualquer forma o

    elemento nuclear de uma cultura escolar sui gtwtris" (idem, p. 35).

    Tentava, assim, conciliar duas vertentes analticas que se haviam

    produzido como opostas.

    No 111 Congresso Luso-Brasileiro de Histria da Educao, realizado

    em Coimbra, em 2000, quando participou da mesa-redonda "Culturas

    escolares", Agustn Escolano Benito props uma outra concepo de

    cultura escolar. Em texto que no foi editado no Brasil mas que circulou

    em Portugal como parte das publicaes decorrentes do III Encontro

    Ibrico de Histria da Educao, Escolano

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