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DIDÁTICA E INTERCULTURALIDADE NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
INDÍGENAS
O painel apresenta reflexões sobre a formação de professores indígenas e das práticas
interculturais no fazer do percurso formativo. A discussão é elaborada a partir da análise
do trabalho de duas instituições formadoras, Universidade do Estado do
Amazonas/UEA e Universidade Federal do Amazonas/UFAM. O primeiro artigo
analisa os resultados de uma pesquisa documental em materiais produzidos na disciplina
Didática, cujo objeto de estudo são os subsídios elaborados pelas professoras e as
sequências didáticas e projetos de trabalhos produzidos pelos professores indígenas em
formação. A pesquisa objetivou compreender como se organiza a articulação de saberes
indígenas e não indígenas nos conteúdos trabalhados. O segundo artigo analisa o
processo didático nas formações inicial e continuada de docentes indígenas, alunos da
graduação ou do Curso de Aperfeiçoamento, nos quais se preconiza a relação dos
saberes pedagógicos, conceituais e metodológicos, articulados aos saberes próprios dos
grupos étnicos dos professores, na perspectiva de promover a interculturalidade.
Também se constitui como uma pesquisa documental centrando olhar no planejamento
das disciplinas e oficinas, assim como no produto das atividades orientadas pelos
formadores para alcançar os objetivos estabelecidos nas propostas curriculares do curso.
Por fim, o terceiro artigo apresenta uma reflexão sobre a proposta e a prática
intercultural no Curso de Licenciatura Formação de Professores Indígenas - FPI da
Faculdade de Educação - FACED da Universidade Federal do Amazonas - UFAM,
analisando o conceito de interculturalidade presente nos fundamentos legais e nos
princípios que norteiam a educação escolar indígena e que embasam a proposta do
curso. Os resultados apontam para a importância da interculturalidade nos cursos e
revelam quão necessária se faz a reflexão dos agentes envolvidos neste processo.
Palavras-chave: Interculturalidade. Professores Indígenas. Saberes.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10726ISSN 2177-336X
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DIIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
INDÍGENAS
Jonise Nunes Santos – Universidade Federal do Amazonas
Nataliana de Souza Paiva – UNINORTE
Resumo
O texto aborda a prática pedagógica desenvolvida nas disciplinas da área de Linguagens
do Curso de Licenciatura em Formação de Professores Indígenas - FPI e nos módulos
de Alfabetização e Letramento do Curso de Aperfeiçoamento da Ação Saberes
Indígenas na Escola - SIE, da Faculdade de Educação – FACED, da Universidade
Federal do Amazonas, que tem se fundamentado na Pedagogia de Projetos (DEWEY,
1979; HERNANDEZ, 1998), nas propostas metodológicas de Freinet (1969, 1973,
1979) e na Sequência didática para ensino de línguas (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004). O
objetivo do texto é apresentar o processo didático nas formações inicial e continuada de
docentes indígenas, alunos da graduação ou do Curso de Aperfeiçoamento, nos quais se
preconiza a relação dos saberes pedagógicos, conceituais e metodológicos, articulados
aos saberes próprios dos grupos étnicos dos professores, na perspectiva de promover a
interculturalidade, um dos princípios da Escola Indígena, definido nas Diretrizes para a
Política Nacional de Educação Escolar Indígena (1993). Os procedimentos
metodológicos do texto voltam-se a abordagem qualitativa, ao atribuir significados ao
processo e ensino-aprendizagem de professores indígenas, centrando-se na pesquisa
documental, tendo como foco a relação estabelecida, na formação, entre os
conhecimentos étnicos e prévios dos alunos com a Pedagogia de Projetos,
complementada com as técnicas de Freinet e a sequência didática de ensino de línguas.
No que se refere à formação, teoricamente, são apresentadas outras propostas
metodológicas que possam contribuir com a ressignificação das atividades pedagógicas.
Nas considerações, reafirma-se a preocupação em formar professores para o trabalho
pedagógico diferenciado e significativo, enfocando a necessidade de procedimentos
metodológicos para desenvolvimento de práticas de leitura e escrita, que cumpram os
princípios da educação escolar indígena no processo educacional. Reafirma-se ainda
que todo trabalho desenvolvido na formação de professores indígenas dependerá da
intencionalidade docente, do que e de que como se propõe.
Palavras-chave: Professores Indígenas. Formação Específica. Licenciatura e
Aperfeiçoamento.
INTRODUÇÃO
O processo educacional destinado aos povos indígenas, nas últimas décadas,
vem buscando construir uma Educação Escolar Indígena pautada nos princípios
comunitária, diferenciada, específica, multilíngue e intercultural. Nessa mesma
perspectiva, conceitos como cultura, alteridade, diferença, identidade, memória e
direitos indígenas vêm sendo retomados para compreensão e interpretação do contexto,
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10727ISSN 2177-336X
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que tende a formar uma lacuna entre o que se compreende e traduz como exigência dos
povos indígenas e a forma como pensam os agentes públicos e executam as políticas.
Esse olhar contraditório para escola indígena pode ser observado desde o início
da colonização do Brasil. Conforme Xavier; Ribeiro; Noronha (1994, p. 42), os dados
históricos, referentes ao ensino destinado aos povos indígenas no processo de
colonização, demonstram a utilização de “métodos autoritários e controladores com o
propósito de dominar os povos indígenas, considerados selvagens e ingênuos, com a
finalidade de integrá-los à civilização, a serviço da fé e do império”.
A prática de ensino jesuítica utilizava ações e métodos que alteravam valores
indígenas, pois estes “não aprendiam apenas uma nova língua, uma nova interpretação
da vida e da morte”, pelo contrário, a didática possibilitava “um renascer que alterava
pela base a vida cotidiana daquela população nativa e a sua própria compreensão do
significado da existência” (XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994, p.42).
Esse processo pedagógico oferecido aos indígenas se valia de conteúdos e
métodos que atendiam apenas às classes dominantes, logo não atendiam às
peculiaridades das centenas de povos. Ressalta-se que essa prática atravessou séculos e
ainda é dominante nas escolas indígenas, apesar de já ser garantido em legislação
específica o direito a uma escola que atenda aos projetos societários de cada aldeia.
Dentre os direitos específicos, destaca-se a Formação Específica de Professores
Indígenas, considerando que a escola indígena deve ser conduzida, segundo a Resolução
n˚ 05/2012, por professores indígenas, como docentes e como gestores, pertencentes às
suas respectivas comunidades, mas, para isso, precisa-se que tenham uma boa formação.
A Resolução n˚ 05/2012 destaca que os cursos de formação de professores
indígenas, em nível médio ou supeior, devem enfatizar a constituição de competências
referenciadas em conhecimentos, saberes, valores, pautados nos princípios da Educação
Escolar Indígena; assim como devem estar voltados ao desenvolvimento e à avaliação
de currículos e programas próprios, bem como à produção de materiais didáticos e à
utilização ensino e pesquisa na escola (BRASIL, 2012).
Daí a prioridade por formação que dê subsídios teóricos e práticos aos
professores indígenas, que na Faculdade de Educação – FACED da Universidade
Federal do Amazonas – UFAM vem sendo realizada pelo Curso de Licenciatura em
Formação de Professores Indígenas – FPI e pela Ação Saberes indígenas na Escola, no
âmbito da Diretoria de Ações Afirmativas.
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Ressalta-se que, parte, do êxito da formação perpassa pela didática dos
formadores dos Cursos, que devem refletir sobre suas práticas para ressignificarem a
atuação dos professores indígenas junto de suas aldeias. Nesse sentido, os formadores
do Departamento de Educação Escolar Indígena vêm aperfeiçoando suas práticas
voltadas à formação indígena, ao mesmo tempo, identificando outras demandas.
Assim, o presente texto partirá da apresentação dos cursos voltados à formação
de professores indígenas ofertados no âmbito da FACED/UFAM, para abordar sobre a
didática e a prática de ensino dos formadores da área de linguagens, que foram se
adequando às demandas indígenas, mediante aos desafios linguísticos e culturais
próprios da diversidade étnica do estado do Amazonas.
1 LICENCIATURA EM FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS E
AÇÃO SABERES INDÍGENAS NA ESCOLA: CONTEXTUALIZANDO
A Universidade Federal do Amazonas - UFAM tem atendido a demanda dos
povos indígenas por educação com os Cursos de Licenciatura em Formação de
Professores Indígenas - FPI da Faculdade de Educação – FACED e de Aperfeiçoamento
em Numeramento, Letramento e Alfabetização Monolíngue e Bilíngue/Multilíngue, no
âmbito da Ação Saberes Indígenas na Escola.
Os Cursos de Licenciatura e Aperfeiçoamento se justificam no sentido de suprir
a carência por formação de profissionais da Educação Básica que atuam na escola
indígena, função primordial para a conquista de uma escola autônoma e específica,
enquanto um direito, porém ainda não efetivada. Acredita-se que a partir da formação se
contribuirá para que a escola indígena tenha, de fato, uma educação diferenciada.
A FACED, desde 2007, oferece o Curso de Formação de Professores Indígenas,
com apoio técnico e financeiro do Ministério da Educação, por meio do Programa de
Licenciaturas Interculturais Indígenas - PROLIND. A primeira turma foi finalizada em
novembro de 2013. Atualmente, são sete turmas - Munduruku, Sateré Mawé, Médio
Solimões, Alto Rio Negro, Alto Solimões, Manicoré, Lábrea -, que estão em formação.
O Curso de Licenciatura em Formação de Professores Indígenas objetiva formar,
em nível superior, numa perspectiva intercultural e interdisciplinar, professores
indígenas para atuar na 2ª etapa do ensino fundamental e no ensino médio, nas escolas
indígenas, com habilitação plena nas áreas de Ciências Humanas e Sociais; Ciências
Exatas e Biológicas; Letras e Artes.
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Os objetivos específicos do curso se voltam a contribuir para o avanço do
projeto político-pedagógico das escolas indígenas; oferecer condições para que as
escolas indígenas possam promover o acesso aos saberes científicos historicamente
construídos pela humanidade, bem como a valorização do patrimônio indígena,
propiciando um diálogo intercultural, a partir de suas lógicas e valores; possibilitar aos
professores indígenas um processo de formação que contribua para a promoção de ações
que permitam a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão.
A Licenciatura em Formação de Professores Indígenas caracteriza-se por
princípios, considerados fundamentais, dentre os quais se destacam: a interculturalidade
– do diálogo entre as diferentes histórias e os diferentes saberes; a interdisciplinaridade;
a possibilidade de seleção / escolha conjunta (Universidade e organizações indígenas)
das disciplinas e conteúdos que vão compor o currículo do curso.
Conforme Santos e Santos (2014, p. 2875), a duraçãodo curso é cinco anos.
Nesse período, em dois anos ocorre a formação geral, para estudo de fundamentos
pedagógicos e de noções básicas introdutórias às três grandes áreas. Nessa etapa, todos
os alunos indígenas estudam juntos. Posteriormente, inicia-se a formação específica,
quando os alunos se dividem em três turmas, destinadas ao aprofundamento em uma das
áreas: Ciências Humanas e Sociais – História, Geografia, Antropologia, Sociologia e
Filosofia; Ciências Exatas e Biológicas – Matemática, Química, Física e Biologia; e
Letras e Artes – Língua Portuguesa, Língua Indígena, Expressão Cultural e Práticas
Corporais. Na última etapa ocorre a integração das áreas, quando os alunos voltam a
formar uma única turma para discutirem os resultados das pesquisas, do estágio e outras
questões que surgiram ao longo do Curso e na etapa anterior.
A “Ação Saberes Indígenas na Escola” instituída pela Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI, Ministério da Educação,
por meio das Resoluções n˚ 54 e 57/2013 do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação - FNDE. A Ação Saberes Indígenas na Escola integra a política nacional dos
Territórios Etnoeducacionais, conforme Decreto n˚ 6.861/2009.
O curso está referenciado nas concepções e orientações teóricas e metodológicas
da Ação Saberes Indígenas na Escola, objeto da Portaria MEC n˚ 1.062/2013. O curso
pretende atender professores indígenas alfabetizadores. Toda a rede de profissionais e os
cursistas selecionados, assim como o plano de trabalho e o respectivo Termo de
Referência são cadastrados no SIMEC com a identificação específica SISINDÍGENA.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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A oferta do curso é organizada pelas coordenações específicas. Os calendários
de atividades seguem os tempos e espaços locais para facilitar os processos de
mobilização e diminuir os altos custos de deslocamento, considerando o imenso espaço
geográfico coberto pelo projeto e pelas turmas. Deste modo, as equipes de
coordenações, estabelecem seus calendários e organizam seus espaços próprios.
A Ação Saberes Indígenas na Escola objetiva promover aperfeiçoamento de
professores indígenas no que tange a Metodologias da Alfabetização e Oficina de
construção de material didático, no sentido de articular conhecimentos e experiências
como suporte à prática pedagógica indígena através do aprimoramento das atividades
didáticas e definição de metodologias específicas para o fortalecimento de
conhecimentos e saberes nas escolas.
O curso é organizado em três módulos teórico-práticos compostos de oficinas,
aulas expositivas e dinâmicas de trabalhos em equipes. A integração teoria-prática é
proposta a partir de problemas em situações reais, reflexão-ação-reflexão da prática
vivenciada, estudos de caso, realização de oficinas.
Os Cursos de licenciatura e aperfeiçoamento voltados aos povos indígenas,
conforme Santos e Santos (2014, p. 2875), é resposta institucional da UFAM “às
demandas dos movimentos indígenas por formação específica de professores indígenas
para atuarem nas escolas das aldeias”, materializado em um processo de protagonismo
compartilhado, “tendo como principais sujeitos os próprios professores e lideranças
indígenas, representados por suas organizações, e os professores da UFAM/FACED”.
2 DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
INDÍGENAS
Os Cursos de Licenciatura e de Aperfeiçoamento da FACED destinado aos
povos indígenas adota a modalidade de ensino/formação por módulos e oficinas
pedagógicas, investindo na formação de professores indígenas para que subsidiem seus
currículos escolares, possibilitem a melhoria do trabalho pedagógico nas escolas
indígenas e equacionem as problemáticas vivenciadas nas aldeias e comunidades.
Nesse contexto, a ação do formador deve se pautar no cuidado em dar conta do
que foi planejado, assim como acompanhar o processo educacional, voltado para um
ensino multicultural, desafiador de preconceitos e valorizador da pluralidade cultural.
Destaca-se a ressignificação de metodologias (práticas) de ensino e pesquisa em escolas
indígenas, fundamentado metodologicamente no desenvolvimento de um “per-curso” de
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10731ISSN 2177-336X
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ensino-aprendizagem, que se inicia com diagnóstico da realidade do cursista; seguido de
aprofundamento teórico-conceitual das temáticas planejadas até a realização de
exercícios, por meio da materialização do que foi apreendido.
No entanto, esse processo é um desafio, considerando o contexto linguístico no
qual os cursos são desenvolvidos, a carga horária disponível para realização dos
módulos, o cumprimento das orientações nacionais específicas para educação escolar
indígena e os objetivos dos programas, que provocam a experimentação de uma prática
docente que responda às demandas apresentadas no decorrer da formação.
Partindo de observações, realização de oficinas, leituras, dos conhecimentos
prévios dos alunos e dos saberes próprios de cada povo, foi-se estruturando uma
proposta para contribuir com o processo de ensino-aprendizagem na formação dos
professores indígenas, na qual sejam respeitados os princípios básicos da escola
indígena: Interculturalidade, Comunitarismo, Especificidade, Diferenciação e
Multilinguísmo. Assim, optou-se primeiramente pela Pedagogia de Projetos, que foi
complementada pela ideias de Freinet e pela Sequência Didática de Ensino de Línguas.
Similar ao que se propõe para a escola indígena, Jonh Dewey (1979, p.16)
descreve que a escola deve estar conectada com a vida social em geral, com o trabalho
de todas as demais instituições que envolvem o contexto do aluno, pois a educação é um
processo de vida e não uma preparação para a vida futura, logo a escola deve
representar a vida presente tão real e vital para o aluno como ele vive no cotidiano.
Essa concepção se materializa na pedagogia de projetos, que tende a
ressignificar a escola e colabora para mudanças no ensino e na formação. O método por
projetos objetiva que os saberes escolares sejam integrados com os saberes sociais,
possibilitando um processo intercultural, quando o aluno estiver aprendendo, por meio
de elementos da vida pessoal, sobre outros conhecimentos de outras sociedades.
Hernandez (1998, p. 61) destaca que trabalhar com projetos aproxima a
“identidade dos alunos e favorece a construção da subjetividade, longe de um prisma
paternalista, gerencial ou psicologista, o que implica considerar que a função da escola
não é apenas ensinar conteúdos, nem vincular a instrução com a aprendizagem”.
No que se refere ao trabalho docente, a Pedagogia de Projetos possibilita a
revisão da “organização do currículo por disciplinas” e sua localização “no tempo e no
espaço escolar”, desencadeando na “proposta de um currículo que não fragmenta” o
conhecimento, distante “dos problemas que os alunos vivem e necessitam responder em
suas vidas, mas, sim, solução de continuidade” (HERNANDEZ, 1998, p.61).
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Nesse sentido, na formação dos professores indígenas, orienta-se a realização do
processo educacional por meio da Pedagogia de Projetos, partindo de um tema gerador
sobre a cultura do povo, para então serem abordados outros temas referentes aos
conteúdos das disciplinas e trabalhar as atividades das turmas multisséries. Ressalta-se
que os temas escolhidos se referem sempre aos conhecimentos tradicionais indígenas
que estão deixando de ser considerados na aldeia.
Esse método oportuniza, ainda, que se considere o que acontece “fora da escola,
a produção de informação da sociedade, para dialogar com todos esses fenômenos”,
rompendo “com as limitações do cotidiano, com a postura do professor tradicional”,
possibilitando a circulação de informações na escola em “referência a realidade do
educando”, valorizando “os temas geradores e não mais seguir a risca os livros
didáticos, alunos parados, dentre outros fatores que contribuem para a inovação
educacional” (HERNANDEZ, 1998, p. 61).
A inserção da Pedagogia de Projetos no contexto da escola indígena deve-se ao
fato de que esse método supõe um “enfoque do ensino que trata de ressituar a
concepção e as práticas educativas na escola, para dar resposta às mudanças sociais, que
se produz” na educação, envolvendo “as questões reais para favorecer o
desenvolvimento do aluno” (HERNANDEZ, 1998, p.61).
Nesse sentido, a pedagogia de projetos na escola indígena visa à ressignificação
do espaço escolar, transformando-o em um espaço de interações, tendo o professor
como mediador do processo de construção do trabalho, baseado em atividade de
pesquisa, por meio da qual tanto o professor quanto o aluno tendem a descobrir coisas
novas. É possível ainda fortalecer ou revitalizar conhecimentos que estão sendo
suprimidos pela relação de contato entre os povos indígenas e outras culturas.
A utilização do conhecimento prévio que o aluno traz de casa ajuda na
participação e na valorização dos pais, que pensam não ter conhecimentos para ajudar
os filhos na escola, além de contribuir para a participação da comunidade, na troca de
conhecimento, transformando-se em um círculo contínuo e produtivo à educação e ao
desenvolvimento da aprendizagem. Nesse sentido, a construção de projetos dentro da
proposta pedagógica dos cursos de formação de professores indígenas permite que o
aluno possa vivenciar os conhecimentos de seu povo ao mesmo tempo em que se abre a
múltiplas relações com outros conhecimentos.
Ao desenvolvimento do projeto proposto, no âmbito da Pedagogia de Projetos,
para serem realizados pelos professores indígenas em formação em suas escolas,
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utilizamo-nos das contribuições significativas de Freinet (1969, 1973, 1979) para
repensar as práticas pedagógicas, o papel do professor e do próprio aluno, conduzindo-
os a mudanças nas atitudes frente à experiência que propicia outra forma de se pensar o
processo da apropriação do conhecimento.
As propostas de Freinet se encaixam a escola indígena ao se perceber que ambas
consideram que o trabalho na escola não é só didático, mas também prática ligada ao
contexto histórico-social dos alunos, pautada na cooperação e na atividade, em que o
discente é sujeito das suas aprendizagens e o professor é mediador, renovando-se a cada
dia, em um movimento pedagógico por meio da troca das experiências.
A proposição pedagógica de Freinet (1998, p. 354-355) divide-se em três
momentos que se interpenetram, completando-se: experimentação - observa, compara
por meio de material escolar, de problemas, de leis, suposições; criação - parte do real,
dos conhecimentos formais ou gerados pela experimentação, imaginação para descobrir
a utilidade de determinado conhecimento; e documentação - completa, apoia e reforça a
informação desejada em diferentes fontes.
A pedagogia Freinet se estrutura em um conjunto de técnicas indissociáveis por
meio de organização cooperativa na sala de aula - espaço de diálogo, escolhas e
compartilhamento de conhecimentos -, na qual se pode realizar o jornal escolar, o jornal
mural, a roda da conversa, a correspondência inter/escolar, o livro da vida, o fichário, o
álbum da turma e a aula-passeio, dentre outras técnicas.
As técnicas de Freinet permitem a utilização dos diferentes tipos de linguagens,
para que os discentes expressem seus conhecimentos, valendo-se do desenho, da
música, da escrita, da pintura, da dança. Com a escrita e a leitura das cartas, desafia-se à
realização de investigações sobre o tema proposto no Projeto. O registro e a divulgação
dos conhecimentos construídos são organizados nos álbuns, na correspondência, por
meio de troca de informações não só com os alunos, mas também com a comunidade.
Essas técnicas contribuem para a apropriação da linguagem escrita e oral pelos
alunos, ao elaborarem as cartas, que se transformam em materiais de consulta, uma vez
que devem ficar expostas. Por sua vez, o álbum da turma configura-se em uma
coletânea de materiais elaborados pelos discentes sobre o tema gerador do Projeto, que
desenvolvido, organiza o máximo de informações possíveis sobre o tema pesquisado.
No processo de realização da pesquisa, orienta-se a realização de aula-passeio -
saídas ao ar livre que oportunizam maior contato com o próprio meio -, para ampliar o
conhecimento sobre a aldeia. Dessa maneira, a Pedagogia Freinet, filosoficamente,
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considera o conhecimento do povo e possibilita que o aluno e o professor sejam agentes
no processo de ensino e aprendizagem na escola indígena.
As técnicas de Freinet contribuem para a presença dos conhecimentos indígenas
na escola, porque partem de situações do cotidiano em direção a um processo de ensino
e de aprendizagem que promove a apropriação da cultura, construída ao longo da
história, possibilitando, ainda, um trabalho promotor de aprendizagem, por meio de
situações reais de leitura, de escrita, de pesquisa, de atividades de expressão, das
interações sociais, reafirmando que “[...] não deve haver separação entre as
aprendizagens do meio escolar e da realidade” (ELIAS, 1997, p. 74).
As experiências com as técnicas de Freinet na formação e na escola indígena
cooperam com o processo escolar, garantindo o direito à apropriação da cultura, aos
bens culturais historicamente construídos pelo homem, ao longo da história, oferecendo
acesso e apropriação de conhecimentos sobre seu respectivo povo e de outros.
O registro proposto por Freinet possibilita reflexão e reestruturação das práticas
pedagógicas, tornando-se peças de um processo de formação do educador diante do seu
próprio trabalho, que contribuirá para a apropriação do conhecimento. Ressalta-se que,
quanto mais a produção demonstrar a identidade do povo, maior será o desejo em
partilhar com os outros, de mostrar o que fez, de apresentar suas experiências.
Às técnicas de Freinet no processo de formação de professores indígenas pela
UFAM são acrescidas as sequências didáticas de ensino de línguas, considerando que o
processo de escrita desenvolvido nas atividades propostas por Freinet reafirmam que
não cabe mais o ensino de língua sem a teoria dos gêneros discursivos, que ganham
corpo em textos escritos e orais, aos quais falantes, leitores e escritores empregam
recursos linguísticos e textuais em situações de uso da língua.
A partir dos gêneros ou por meio deles são estabelecidos eixos que direcionam o
ensino da língua materna: “oralidade, leitura, produção de texto escrito e análise
linguística” (BRASIL, 1997, p. 40). Segundo Schneuwly & Dolz (2004, p. 144) “os
gêneros constituem um ponto de referência concreto para os alunos”, implicando na
utilização de uma metodologia centrada em atividades interligadas e planejadas que
possibilitem a apropriação gradual de um gênero.
Essa metodologia denomina-se sequência didática, que permite integrar as
práticas sociais de linguagem – escrita, leitura e oralidade -, guiando as intervenções do
professor. Ressalta-se que apesar das sequências didáticas estarem vinculadas ao estudo
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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do gênero textual, é um procedimento que pode ser utilizado por diferentes áreas do
conhecimento.
A estrutura básica de uma sequência didática segue a apresentação da situação -
visa compartilhar com o aluno a proposta de trabalho a ser desenvolvida; elaboração de
uma primeira produção oral ou escrita - o professor verificará o conhecimento prévio do
aluno a respeito do estudo proposto e quais atividades deverão ser elaboradas; módulos
- atividades a serem desenvolvidas de modo organizado e sistematizado para que o
aluno se aproprie do gênero; e produção final - os alunos demonstrarão os
conhecimentos adquiridos e o professor avaliará os progressos alcançados por eles.
Para Barros-Mendes, Cunha & Teles (2012, p. 22), dessa estrutura desprendem-
se três modalidades de atividades que possibilitam ações didáticas que culminam na
aprendizagem significativa: atividades exploratórias - possibilitam novas aprendizagens
através do levantamento dos conhecimentos prévios; sistematização - aprofundamento
dos conhecimentos a serem adquiridos; e avaliativas - mobilização de vários saberes
construídos em diferentes atividades no decorrer e no final da sequência didática.
Os referidos autores (2012, p. 21) acrescentam que na sequência didática, o
professor poderá incluir várias atividades: “leitura, pesquisa individual ou coletiva, aula
dialogada, produções textuais, aulas práticas”, pois a sequência “visa trabalhar um
conteúdo específico, um tema ou um gênero textual da exploração inicial até a formação
de um conceito, uma elaboração prática, uma produção escrita”, conforme vem se
propondo nas atividades de formação de professores indígenas.
Soma-se a essas atividades o estudo contextualizado de conceitos gramaticais,
objetivando auxiliar na compreensão dos gêneros em estudo. O trabalho com a
gramática é de análise e reflexão sobre os usos da língua oral e escrita, para que os
alunos reflitam sobre a fala e percebam sua organização na propagação dos discursos,
considerando que os alunos já chegam à escola falando, mas “o desempenho de práticas
orais formais pode ser desenvolvido na escola, via apresentação de seminário,
realização de debates, entrevistas” (CAVALCANTE & MELO, 2003. p. 181).
As sequências didáticas promovem a integração de saberes, proporcionando uma
aprendizagem significativa e contextualizada, aproximando os alunos de situações reais
de usos da língua. As sequências conseguem sistematizar conteúdos e temáticas
estabelecidas no currículo escolar, e como proposta sequenciada, um conhecimento
dependerá do outro e se articulará em torno do produto final, oferecendo oportunidades
constantes de mediação e intervenção por parte do professor.
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10736ISSN 2177-336X
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CONSIDERAÇÕES
Os cursos de Licenciatura e Aperfeiçoamento para formação de professores
indígenas da FACED/UFAM corroboram para o entendimento de que novas e diferentes
iniciativas de acesso indígena à formação específica poderão contribuir para a
construção de relações sociais intercultural, constituindo-se como importantes espaços
que fundamentam os projetos educativos das comunidades indígenas.
Para tanto, na área de linguagem do curso, tem-se valido da Pedagogia de
Projetos, inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, para
promover a reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e
operacional, possibilitando aos professores indígenas participarem no reajustamento da
escola indígena, valorizando o conhecimento e a participação dos alunos.
Paralelamente à Pedagogia de Projetos, às técnicas de Freinet e à Sequência
didática de ensino de língua permitem que a formação e escola indígena trabalhem com
os conhecimentos tradicionais dos povos indígenas, vinculados aos conteúdos do
currículo escolar, favorecendo melhor compreensão da realidade do contexto do social,
educacional, político e econômico.
No entanto, essas metodologias ainda não se tornaram procedimentos
metodológicos constantes no espaço escolar, talvez pelas condições de muitas escolas,
mas principalmente, pelas lacunas na formação de muitos professores, pois desenvolver
uma atividade que envolva esses conhecimentos demanda um olhar interdisciplinar para
os conteúdos e habilidades diversas, bem como para realizar a transposição didática.
Diante dessa demanda, reafirma-se a preocupação em formar professores para o
trabalho pedagógico diferenciado e significativo, enfocando a necessidade de
procedimentos metodológicos, como pedagogia de projetos, de Freinet e sequências
didáticas, no desenvolvimento de práticas de leitura e escrita, assim como no
cumprimento dos princípios da educação escolar indígena no processo educacional.
Reafirma-se que todo trabalho desenvolvido na formação de professores
indígenas e na escola dependerá da intencionalidade docente, do que e de que como se
propõe. Se desejam-se que os alunos se apropriem da cultura e fortaleçam a identidade
étnica, precisa-se reorganizar a formação e a escola de maneira que atenda às
especificidades dos povos indígenas .
REFERÊNCIA
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10737ISSN 2177-336X
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BARROS-MENDES, A.; CUNHA, D. A.; TELES, R. Organização do trabalho e
sequências didáticas. PNAIC: alfabetização em foco. Brasília: MEC, SEB, 2012.
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14
A PROPOSTA INTERCULTURAL NO CURSO DE FORMAÇÃO DE
PROFESSORES INDÍGENAS/FACED/UFAM
Rita Floramar F. dos Santos – Universidade Federal do Amazonas
Helenice Aparecida Ricardo – Universidade Federal do Amazonas
Resumo
O texto traz uma reflexão sobre a proposta e a prática intercultural no Curso de
Licenciatura Formação de Professores Indígenas - FPI da Faculdade de Educação -
FACED da Universidade Federal do Amazonas - UFAM, analisando o conceito de
interculturalidade presente nos fundamentos legais e nos princípios que norteiam a
educação escolar indígena e que embasam a proposta do curso. Para tanto, retoma-se a
discussão sobre a proposta pedagógica do curso, como ela se materializa nas disciplinas
e na prática docente e as dificuldades enfrentadas para a efetivação da proposta. Ao
longo dos oito anos de existência do curso, desenvolveu-se uma postura intercultural na
prática dos docentes mais envolvidos com o curso e nas propostas implementadas pela
coordenação pedagógica, no entanto, entraves burocráticos e institucionais dificultam a
vivência da interculturalidade em sua plenitude. Assim, o objetivo do texto é apresentar
a proposta idealizada no projeto do curso, o seu desenvolvimento ao longo dos anos e os
desafios enfrentados na materialização da proposta, pensando as inquietações
concernentes a esse processo e as condições necessárias para seu avanço. Procuramos
elencar aquelas que de forma mais contundentes exemplificam e/ou dificultam a
concretização das práticas interculturais no Curso de Formação de Professores
Indígenas, e, trazendo reflexões sobre. Também, mostrar que é necessário envolver as
identidades dos diversos sujeitos inseridos no curso, as práticas sociais e culturais
desses sujeitos fora desse mesmo contexto. No entanto, pequenos e sucessivos entraves
institucionais dificultam a concretização desse ideal. Constatamos, indiscutivelmente,
uma firme proposta de interculturalidade no projeto do curso e uma postura
intercultural, às vezes individual, às vezes coletiva em docentes e acadêmicos.
Palavras-chave: Interculturalidade. Prática de ensino. Licenciatura em Formação de
Professores Indígenas.
Introdução
Concretizar a proposta de interculturalidade no Curso de Formação de
Professores Indígenas da FACED/UFAM tem sido uma experiência gratificante, mas
bastante desafiadora. Trata-se, primeiramente, de compreender o conceito e, tarefa mais
difícil, cotidianamente, colocá-lo em prática.
Em seus oito anos de trajetória, o curso tem vivenciado de maneira singular os
desafios da interculturalidade.
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É no cotidiano - institucional, da sala de aula, das relações interpessoais, nas
interações entre docentes e discentes e desses entre si - que a proposta adquire
concreticidade.
Dessa forma, refletir sobre a interculturalidade no universo institucional, na
política da educação escolar indígena, nas diretrizes traçadas no projeto político-
pedagógico do curso e sobre sua concreticidade em nossa prática de ensino é a proposta
do texto que apresentamos a seguir.
1 A interculturalidade nos princípios da Educação Escolar Indígena
Segundo Cecchetti e Pozzer (2014, p.9) a interculturalidade é um dos
paradigmas emergentes que tem como proposta novas formas de relacionamento entre
grupos socioculturais diferentes, abrindo caminho para concepções teóricas e
metodológicas que respaldem práticas de ensino inovadoras cuja característica essencial
seja a abertura ao diálogo de saberes entre a cultura ocidental e os saberes tradicionais
dos povos indígenas.
É sabido que no advento da modernidade, a cultura ocidental fundamentou-se na
crença na superioridade do saber científico e racional para a compreensão do mundo e a
intervenção nos fenômenos que nele se manifestam. Porém, nas últimas décadas, grupos
excluídos e historicamente subjugados e inferiorizados nesse processo, têm reivindicado
o respeito às suas identidades, suas culturas e seus saberes tradicionais.
Dessa forma, a ação dos movimentos indígenas, sobretudo a partir da década de
1980, obteve importantes conquistas no campo político que culminaram na
institucionalização do direito indígena à educação escolar específica e diferenciada que
respeite e reforce suas especificidades culturais, subsidiada pelo § 2º. do artigo 210 da
Constituição Federal de 1988 que assegura que:
Artigo 210 – Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de
maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais
e artísticos, nacionais e regionais.
2. O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,
assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem. (PDE, 2007, p. 37).
Além disso, a Portaria Interministerial MJ e MEC nº 559 (16/04/1991)
reconheceu o histórico processo de aculturação e destruição das diversas etnias e a
reivindicação de todos os povos indígenas brasileiros por uma escolarização formal com
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características próprias e diferenciadas, respeitadas e reforçadas suas especificidades
culturais.
Com tais conquistas, procura-se transformar a escola indígena, tradicionalmente
um instrumento de imposição de valores e normas culturais da sociedade envolvente,
em novo espaço de ensino-aprendizagem onde possam aflorar metodologias e práticas
de ensino que visem articular os conhecimentos tradicionais de cada povo indígena, em
suas diferenças e especificidades, com os conhecimentos entendidos como dos outros
povos e com os conhecimentos científicos.
As Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena, assim
define a interculturalidade:
A interculturalidade, isto é, o intercâmbio positivo e mutuamente
enriquecedor entre as culturas das diversas sociedades, deve ser característica
básica da escola indígena. Isso significa passar da visão estática da educação
para uma concepção dinâmica. Não se pode ficar satisfeito só em “valorizar”
ou mesmo ressuscitar “conteúdos” de culturas antigas. Deve-se, pelo
contrário, ter em vista o diálogo constante entre culturas, que possa
desvendar seus mecanismos, suas funções, sua dinâmica. Esse diálogo
pressupõe que a interrelação entre as culturas, o intercâmbio entre as mesmas
e as contribuições recíprocas são processos aos quais todas as sociedades são
e foram submetidas ao longo de sua história. (MEC/SEF/DPEF, 1994, p.11).
O princípio da interculturalidade pretende o intercâmbio de conhecimentos entre
povos diferentes, através de uma relação de ensino-aprendizagem dialógica, como
proposto por Paulo Freire (1982). A efetivação dessa proposta pressupõe o respeito a
visões de mundo diferentes da ocidental e prevê a construção coletiva de conhecimentos
através de uma relação de respeito à diversidade étnica e cultural dos povos, o que
constitui um desafio de grandes proporções.
2 A Interculturalidade no Curso de Formação de Professores Indígenas
O Curso de Formação de Professores Indígenas foi criado em 2008, na
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas, atendendo à demanda
do povo Mura por formação específica para professores indígenas. Nos anos posteriores
sete novas turmas foram iniciadas, em resposta à demanda dos povos Munduruku,
Sateré-Mawé, Médio Solimões (8 etnias), Alto Solimões (3 etnias), Alto Rio Negro (12
etnias) e ainda por iniciar, Madeira - Manicoré (4 etnias) e Lábrea – Purus (5 etnias).
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A construção dos projetos político - pedagógicos de cada turma envolveu um
processo de elaboração participativa das propostas, cujo princípio se fundamentou em
ouvir as comunidades, indo às aldeias, reunindo a população indígena para debater e
construir o projeto que lhes interessava através dos fóruns de consulta às comunidades:
Esses fóruns se constituem em significativos espaços de participação das
comunidades, possibilitando o diálogo entre suas necessidades, aspirações
frente à escolarização, o projeto de escola que os povos indígenas
desejam/almejam e a formação de seus professores. (DEEI/FACED/UFAM,
2008, p.04).
Esse processo de diálogo na elaboração do projeto político-pedagógico já
pressupõe uma postura intercultural na medida em que são debatidas ideias de grupos
étnica e culturalmente diferenciados, sendo respeitadas as opiniões dos povos indígenas
e das lideranças que demandam sua formação através do curso. Entre debates acirrados,
as propostas vão sendo elaboradas e os compromissos de lado a lado vão sendo
assumidos. Tal processo não se dá sem conflito, no entanto, concordamos com Morin
(2000) quando afirma que o conflito também é fonte de aprendizagem.
Dentre os objetivos do curso destaca-se o reconhecimento de que através do
trabalho educativo nas escolas, com o apoio da comunidade, pode-se promover o acesso
dos povos indígenas aos saberes científicos, bem como a valorização do patrimônio
territorial, cultural e ambiental indígena, propiciando um diálogo intercultural, que
inclua suas visões de mundo e valores tradicionais.
A construção de identidades sociais e o reconhecimento das diferenças culturais
tem papel fundamental e, ao mesmo tempo, procura-se sustentar a relação crítica e
solidária entre as diversas etnias e a sociedade envolvente.
A elaboração das ementas das disciplinas do currículo e dos seminários
temáticos que deverão atender as especificidades de cada turma embasa-se também no
princípio da interculturalidade. Respalda-se a prática de ensino dos professores em um
conjunto de propostas que tem na interculturalidade seu ponto chave.
Dessa forma, um grande desafio se impõe aos professores da UFAM que fazem
parte do quadro ou que colaboram com o curso de Formação de Professores Indígenas
da UFAM: como tornar a postura intercultural inerente à proposta do curso uma prática
de ensino realmente intercultural?
Se formos sinceros em nossas reflexões, temos de nos defrontar com a
dificuldade, quase que inerente a nossa condição humana, de assumir uma postura de
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alteridade, de aceitar visões de mundo diferentes daquelas de nossa própria cultura
confrontando nossa própria identidade.
Assim, o cotidiano dos professores, e acredito dos acadêmicos do curso, tem
sido um exercício constante de estranhamento, de predisposição ao reconhecimento de
nossas diferenças e de vivência da diversidade em suas mais diversas manifestações.
Consideramos que as mais bem sucedidas práticas de ensino interculturais
vivenciadas no curso, só se tornaram possíveis através da tolerância, do respeito mútuo
e da união em torno do objetivo comum de construção de um conhecimento mais
diverso, complementar e menos excludente.
3 Os entraves burocráticos e institucionais que dificultam a vivência da
interculturalidade no Curso de Formação de Professores Indígenas
A Universidade Federal do Amazonas, embora localizada em pleno coração da
Amazônia brasileira, se esforça para escrever uma nova história de política afirmativa
em prol dos povos indígenas, no entendimento de que essa política combata a
discriminação racial e corrija os efeitos presentes da discriminação praticada no
passado, tendo por objetivos a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso dos
povos indígenas a bens fundamentais como a educação. (GOMES, 2003).
Descrevemos, pois, neste texto, um pouco da realidade vivenciada na Faculdade
de Educação, no Departamento de Educação Escolar indígena, a partir do entendimento
de que qualquer percurso traçado dentro da perspectiva da interculturalidade, aqui
abordada nos impulsiona a não esquecer que as diferenças estão aí, para serem
devidamente trabalhadas; que, a cada nova reflexão, caem por terra pré-conceitos e o
chão de nossas verdades costuma ruir; enfim, que as inquietações se tornam uma
constante em nosso viver.
A educação que se faz nessa opção de trabalho, de luta, de autonomia e
emancipação não quer perder de vista o valor do humano, da dignidade. Estamos, pois,
diante do desafio intercultural, que nos oferece a possibilidade de interação mesmo em
meios a conflitos, a dissensos e consensos (MELO, 2008).
Tal desafio, nos remete à problematização do consenso e dissenso na política de
acesso e permanência dos indígenas na Universidade. Talvez por isso, as universidades
encontrem-se invadidas por discursos que empobrecem, culpabilizam e aprisionam o
outro, estabelecendo entre eles e nós uma fronteira densa que não facilita compreendê-
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lo ou reconhecê-lo. A presença dos acadêmicos indígenas, ainda, é reduzida e não
permite uma aproximação maior - para “olhar” seu rosto, “ouvir” sua voz e nos “ver”
em seu olhar. (ATHAYDE e BRAND, 2016).
Pontuamos nesse cenário, dentre tantos outros, os seguintes desafios em relação
à educação escolar indígena na Universidade Federal do Amazonas:
1 – Acolher os povos indígenas.
O financiamento para mantê-los está assegurado pelo PROLIND (Programa de
Apoio às Licenciaturas Indígenas). O Programa é uma ação de apoio à formação de
professores indígenas em nível superior para docência nos anos finais do Ensino
Fundamental e Ensino Médio. Essa formação ocorre em cursos específicos – as
Licenciaturas Interculturais – de acordo com a realidade sociocultural, sociolinguística e
os projetos societários do(s) povo(s) envolvido(s). No entanto, a presença dos indígenas
nos corredores da UFAM, no restaurante universitário e demais espaços institucionais
ainda causa estranheza, desentendimentos e conflitos de interesses. A invisibilidade
desses sujeitos é uma luta que travamos diariamente no entendimento da
interculturalidade, uma vez que não se respeita o que não se conhece. Uma vez não
conhecendo, o entrelaçamento cultural se torna um discurso paradoxal para quem quer
efetivar a interculturalidade.
2 - Travar diariamente um diálogo de indianidade nos muitos setores da
Universidade.
A expressão indianidade a que nos referimos faz alusão à dificuldade em
conciliar a demanda indígena às possibilidades de atendimento da Universidade lutando
para assegurar o direito indígena, reconhecendo as limitações da Universidade e ao
mesmo tempo tentando exceder os limites impostos pela burocracia, pela dificuldade em
simplesmente fazer diferente aquilo que pode ser feito, abrindo espaço para novos
posicionamentos da Universidade, sem ônus à ordem ou à legislação, que pelo
contrário, assegura o direito e o respeito à diversidade em relação aos povos indígenas.
É uma demanda específica, o acesso é diferenciado, a atenção desdobra-se em garantir o
novo que se constrói paulatinamente pela diversidade cultural e regional onde a
Universidade através do curso está presente. Essa indianidade no aspecto institucional e
pedagógico.
3 - O entendimento da interculturalidade no campo formativo – que currículo
oferecer?
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Na definição do currículo, o curso oferece uma base comum baseada no
princípio de disseminação do saber científico pela Universidade, mas aberto à
construção de novos conhecimentos. Assegurando o princípio da interculturalidade na
construção do currículo, os saberes tradicionais dos povos indígenas se tornam
constituintes do projeto, com o objetivo de resguardar e fortalecer suas culturas e gerar
mecanismos de afirmação de suas identidades.
Na prática, a concretização da interculturalidade na formação, depende de
diversos fatores, como a disponibilidade financeira do curso, a formação dos
professores e suas trajetórias individuais, as possibilidades de reflexão e reformulação
coletiva das práticas de ensino, das demandas apresentadas pela academia e pelos
acadêmicos (nem sempre somente ligadas aos assuntos acadêmicos, mas também,
culturais, políticos e sociais) e da qualidade do diálogo entre os diversos agentes
envolvidos. É importante frisar que, os requisitos acima referem-se tanto aos
representantes da academia quanto aos acadêmicos indígenas, suas lideranças e suas
comunidades.
Trabalhar em nós o entendimento de novas lógicas, no que diz respeito à questão
linguística e a cosmológica das etnias com quem vivenciamos dessa formação, faz com
que seja difícil chegar de imediato nos princípios da interculturalidade. Para
exemplificar, outro dia, em uma das programações de Seminário Parcial de Avaliação
(ponto chave para a definição de quem vai para a área específica do curso e de como
avaliam o curso até então) a equipe que iria trabalhar com a etnia Sateré-Mawé,
elaborou determinada dinâmica de grupo, com intuito de que a priori, todos tivessem
que usar o crachá (fixados com uma espécie de grampos) para serem identificados pelos
novos professores e convidados que estavam presente no Seminário. Logo ao distribuí-
los a professora encarregada percebeu certa estranheza na medida que fixava os crachás
que deveria ser usado nos três dias de trabalho , contudo, nada disseram. Ao final da
tarde, quase todos já haviam retirado o mesmo. Apenas percebemos que isso não foi
bem aceito e não entendemos o porquê. Ao final das atividades, tentamos conseguir
respostas da razão em não terem usado os crachás como programado. Alguns disseram
que não era legal serem furados, mesmo que na roupa. Furar não era um sinal bom.
Trazia coisas não positivas. Aprendemos envergonhados essa lição...
Acima discorremos apenas um exemplo, todavia, no enfrentamento das lutas
cotidianas, muitas vezes constatamos a seriedade do compromisso com a causa indígena
e a boa-vontade dos envolvidos em assumir uma postura flexível e aberta, com medo da
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possibilidade de errar ao romper paradigmas mas com coragem de assumir práticas mais
coerentes com a proposta de educação intercultural do curso. Em outras, constatamos a
dureza dos posicionamentos pré-estabelecidos, dos preconceitos arraigados ou o descaso
dos que simplesmente deixaram de acreditar.
4 - A região Amazônica: uma logística de acesso a ser conhecida.
A questão geográfica da Amazônia tem se mostrado outro desafio nesse
encontro com o outro. A cidade versus a aldeia; o que nós sabemos versus o que eles
sabem; a lógica de como lidamos com o tempo cronológico versus a lógica de como
lidam com o tempo, e assim por diante.
A grandeza do território amazônico não se traduz apenas em sua extensão, sua
rede hidrográfica, diversidade das paisagens e complexidade de seus ecossistemas.
Traduz-se, também, na diversidade dos povos que a habitam e que vivenciam sua
realidade.
Assim, vencer as dificuldades logísticas para a realização do curso só é possível
com a ajuda dos nossos acadêmicos e das lideranças locais, indígenas e não indígenas,
que nos apoiam nas localidades em que oferecemos o curso, após muito diálogo e
conhecimento mínimo do que vivenciaremos. Sem as parcerias com as prefeituras,
instituições federais e estaduais, autoridades locais, FUNAI (Fundação Nacional do
Índio), lideranças indígenas Sateré-Mawé, Munduruku, do Alto Rio Negro, Alto
Solimões, Médio Solimões, Madeira-Manicoré e Lábrea-Purus e os movimentos
indígenas que representam os povos da Amazônia, realizar o curso seria impossível.
Nossa experiência diária nos faz reconhecer a veracidade do conceito de
geograficidade em Eric Dardel (2015) que constata a capacidade de compreensão
geográfica do espaço por aqueles que o vivenciam e sua superioridade na interpretação
dos fenômenos e na vivência dos desafios geográficos de cada lugar. Assim, contamos
com os parceiros para nos guiar por esses caminhos, conscientes da nossa inaptidão em
certos lugares.
Diversas outras dificuldades poderiam ser apontadas, no entanto procuramos
elencar aquelas que de forma mais contundente, dificultam a concretização das práticas
interculturais no Curso de Formação de Professores Indígenas. É necessário envolver as
identidades dos diversos sujeitos inseridos no curso, as práticas sociais e culturais
desses sujeitos fora desse mesmo contexto, enfim, pensar os sujeitos e suas relações
além dos processos sociais.
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Considerações
Vivenciar a experiência do curso tem despertado diversos questionamentos
acerca das condições necessárias para que a interculturalidade realmente aconteça.
Constatamos, indiscutivelmente, uma firme proposta de interculturalidade no
projeto do curso e uma postura intercultural, às vezes individual, às vezes coletiva em
docentes e acadêmicos. No entanto, pequenos e sucessivos entraves institucionais
dificultam a concretização desse ideal. Em outras palavras, nosso curso tem a
responsabilidade de compreender, pelo menos minimamente, as diversas identidades
que surgem nesse contexto e modos de estar no mundo que afetam as relações entre
formandos e formadores, entre curso e a burocracia institucional, afirmando que a
interculturalidade envolve outras dimensões para além do cotidiano universitário.
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SABERES ESCOLARES E SABERES INDÍGENAS: A DIDÁTICA E AS
PRÁTICAS INTERCULTURAIS
Célia Aparecida Bettioli - Universidade do Estado do Amazonas; Universidade Estadual
Paulista, Câmpus de Presidente Prudente
Adria Simone Duarte de Souzaii - Universidade do Estado do Amazonas
Resumo: O texto apresenta os resultados e reflexões de uma pesquisa documental cujo
objetivo foi compreender a relação entre os saberes na formação de professores
indígenas. O estudo orientou-se pelas seguintes questões norteadas: Como se articula a
organização dos saberes na formação de professores indígenas? Quais os elementos
possibilitadores e dificultadores neste processo? A metodologia empregada para a
pesquisa foi a análise documental e o objeto de estudo foi os subsídios produzidos na
disciplina Didática e os trabalhos produzidos pelos acadêmicos, no caso, professores
indígenas do curso de Pedagogia Intercultural ofertado pela Universidade do Estado do
Amazonas/UEA. O curso atendeu diferentes sujeitos amazônicos, sendo feito um
recorte na especificidade de professores indígenas para esta pesquisa. Os trabalhos
produzidos referem-se às sequências didáticas e projetos de trabalho construídos pelos
acadêmicos durante a referida disciplina. A análise dos resultados do trabalho realizado
identificou que há certa fragilidade de práticas interculturais no tocante a organização e
articulação dos saberes, embora se evidencie um esforço nessa direção, no sentido de
compreender a escola indígena como espaço e lugar de formação desses diferentes
saberes. Dentre os elementos possibilitadores destacou-se a organização dos conteúdos
por projetos de trabalho como uma proposta mais capaz de atender à
interdisciplinaridade e interculturalidade, imprescindíveis no trabalho das escolas
indígenas, lócus de atuação dos cursistas em questão. No tocante às dificuldades
verificaram-se reproduções do modelo não indígena nos trabalhos organizados
(sequências didáticas) pelos cursistas, reflexos do colonialismo a que fomos
submetidos. A pesquisa nos provoca a pensar que precisamos avançar em práticas
interculturais e essa tarefa deve ser de todos.
Palavras-chave: Articulação de Saberes. Didática. Interculturalidade.
Introdução
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24
O componente curricular Didática no curso de Pedagogia Intercultural
insere-se no quarto período e propõe o estudo e reflexão da didática enquanto área de
estudos da Pedagogia e a análise de suas formas no contexto escolar. Muitas questões
apresentam-se neste processo, entretanto neste trabalho nos deteremos na discussão
sobre a articulação de saberes na formação de professores indígenas.
As análises e discussões presentes neste texto são resultado de uma
pesquisa de abordagem qualitativa que objetivou compreender a relação entre esses
saberes na formação desses professores. O estudo foi organizado a partir da seguinte
problemática: como se articula a organização dos saberes na formação de professores
indígenas? Quais os elementos possibilitadores e dificultadores neste processo? A
metodologia empregada para a pesquisa foi a análise documental dos subsídios
produzidos na disciplina e dos trabalhos produzidos pelos acadêmicos, sendo aqui as
sequências didáticas e os projetos de trabalho.
O curso de Pedagogia Intercultural/PROIND (Programa de Formação do
Magistério Indígena)
O Curso de Licenciatura em Pedagogia com formação em Interculturalidade
é o resultado do redimensionamento do projeto original do curso Pedagogia –
Licenciatura Intercultural Indígena criado pela Resolução nº 010/2010 – CONSUNIV/
UEA, de 11 de maio de 2010.
Os pressupostos epistemológicos que nortearam a proposta deste curso se
fundamentam a partir do conceito de interculturalidade, entendido a partir da
diversidade de sujeitos que compõem os chamados povos e comunidades tradicionais
presentes na Amazônia nos diversos contextos sociais, tais como, aldeias, comunidades,
pequenos e grandes centros urbanos.
Segundo Candau (2010, p.764) “[...] a perspectiva intercultural procura
estimular o diálogo entre os diferentes saberes e conhecimentos, e trabalha a tensão
entre universalismo e relativismo no plano epistemológico, assumindo os conflitos que
emergem deste debate”.
O curso constituiu-se como oferta especial na modalidade presencial,
mediado por tecnologia e o perfil dos egressos do referido curso, enfatiza que os
cursistas “serão capazes de investigar, diagnosticar, avaliar e atuar no magistério e nos
serviços de gestão pedagógicas das Escolas da rede educacional que ofertem as
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25
modalidades de Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º
ano).” (UEA, 2014).
De modo geral, a proposta curricular do Curso apontou para uma pedagogia
que valorizou a problematização da realidade das comunidades e povos tradicionais
existentes no Estado do Amazonas (indígenas, não indígenas, ribeirinhos, quilombolas,
pescadores, dentre outros), bem como a análise e a capacidade de indicar alternativas
para a própria práxis educativa, priorizando a pesquisa como base do processo
formativo (UEA, 2014).
O recorte deste trabalho foca-se no grupo de acadêmicos indígenas e,
portanto, é nesta especificidade que as análises foram realizadas.
Articulações no currículo e a ressignificação da Didática
O campo de trabalho de estudo situa-se nas discussões estabelecidas pela
disciplina Didática. Segundo Pimenta (et al 2013, p. 143) “A didática, como área da
pedagogia, estuda o fenômeno ensino”. Os autores, se referindo ao ensino como prática
social salientam que:
Considerá-lo como uma prática educacional em situações
historicamente situadas significa examiná-lo nos contextos sociais nos
quais se efetiva – nas aulas e demais situações de ensino das diferentes
áreas do conhecimento, nas escolas, nos sistemas de ensino, nas
culturas, nas sociedades –, estabelecendo-se os nexos entre tais
contextos. [...] Reafirmar que o ensino, como prática social, constitui o
seu campo de estudo significa também a interpretação desse objeto
como fenômeno complexo que requer uma abordagem dialética e
multirreferencial. O ensino como prática social vai tomando formas,
transformando seus contextos e sendo transformado por eles; assim,
ao continuar buscando a compreensão desse objeto em suas múltiplas
formas e configurações, e fiel à sua perspectiva epistemológica, vai
tomando feições cada vez mais perfiladas a esse processo de contínua
transformação. Nesse diálogo, há compassos e descompassos, há
ritmos afiados e ruídos dissonantes, há acertos e desacertos. (2013, p.
144).
A afirmação dos autores nos questiona a respeito de uma necessária
ressignificação da didática, pensada para o contexto das escolas indígenas e para a
formação de seus professores, pautando-se num diálogo que busca estabelecer os nexos
entre os diferentes saberes e, consequentemente, desloca-se para o sentido que as
comunidades indígenas vão atribuindo à escola e aos conteúdos nela ensinados. Desta
feita, entendemos que a articulação dos saberes indígenas e não indígenas deve ser
preocupação do currículo que forma esses professores.
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Situar esta escola nos seus diferentes contextos, como lócus onde se ensina e
se aprende, onde somos ensinantes e aprendentes como diz Freire (1997) deve ser um
imperativo neste processo. Consequentemente, pensar a escola como algo real, concreto,
situada num tempo e espaço histórico, com sujeitos reais que, por sua vez, trazem para
esse contexto seus saberes e suas experiências é urgente e necessário.
Entendemos que só nessa situação é que podemos entender e vivenciar o
ensino como prática social. Dessa forma, afirmamos que ao adentrar as diferentes
feições de escola assumidas por diferentes sujeitos, cabe aos docentes abrir-se às
transformações necessárias à organização do modo de ensinar e aprender.
Neste sentido, o material analisado, objeto de estudo desta pesquisa, traz no
seu interior as tensões próprias de um diálogo que pretende ser intercultural e, portanto,
vai articulando saberes e transformando-se durante o caminho percorrido. Neste trajeto
originaram-se registros de diferentes naturezas: os que orientaram o trabalho das
professoras e os feitos pelos acadêmicos. Os resultados foram agrupados em duas
categorias sendo a articulação e a organização dos saberes na formação de professores
indígenas e os elementos possibilitadores e dificultadores neste processo, cujas análises
e discussões apresentamos a seguir.
Resultados e discussão
O material elaborado para subsidiar o trabalho docente traz no seu conteúdo
quatro eixos a serem trabalhados durante as aulas, sendo eles: ensino-aprendizagem; a
escola e seus contextos, o ensino pela pesquisa e a mediação do professor nesse
processo enquanto intelectual que intervém numa realidade específica.
A análise do mesmo mostrou que a organização das sequências didáticas
utilizadas em aula foram replanejadas conforme o andamento dos trabalhos. Houve
inserção de questões importantes como o uso da língua indígena na escola e um intenso
trabalho de produção própria dos cursistas.
Os registros dos trabalhos dos acadêmicos em forma de sequências didáticas
mostrou grande ênfase em temas transversais como o meio ambiente da comunidade,
práticas culturais comunitárias, alguns destacaram o uso de grafismos e arte indígenas e
um número considerável abordou a leitura e a produção de textos.
A seguir, destacamos como as duas questões foram trabalhadas a partir da
análise desses materiais.
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A articulação e a organização dos saberes na formação de professores indígenas
Entendemos que a escola é um espaço formativo onde diferentes conteúdos
são trabalhados numa relação que envolve o professor, o educando e o currículo que se
organiza para formar um sujeito a partir de objetivos estabelecidos por ela em
consonância com a sociedade em que está inserida.
Segundo Grupioni (2006) a escola enquanto instituição surge para os povos
indígenas a partir do contato com os europeus. Nesse percurso ela assumiu diferentes
modelos e formas. Maher (2006) apresenta a trajetória da escola indígena a partir de
dois paradigmas: assimilacionista (abrigando o modelo de submersão e o de transição) e
emancipatório (modelo de enriquecimento cultural e linguístico).
Segundo o documento Parâmetros em Ação – Educação Escolar Indígena
(2001, p. 5) a escola diferenciada
acontece pelo acesso aos conhecimentos universais, pelo uso da língua
materna e pela valorização dos conhecimentos e práticas tradicionais
dos povos indígenas, que se materializa com calendários escolares
adaptados às atividades do povo, no uso de materiais didáticos
próprios e na docência de professores indígenas, membros de suas
respectivas comunidades.
Assim, é função do professor indígena mediar essa articulação de saberes
em vistas de preparar seus sujeitos para os desafios da relação inevitável com a
sociedade envolvente sem, contudo, desvalorizar suas próprias culturas. Neste sentido,
estabelecer as relações entre os conteúdos aprendidos na sua formação universitária e
aqueles de seus povos sem submetê-los a hierarquização no lugar ocupado no currículo,
é uma tarefa que exige comprometimento dos cursistas e dos professores.
A análise do material utilizado na disciplina e as atividades propostas
indicam um esforço conjunto nessa direção. No entanto, percebemos que “falar de um
lugar para tantos lugares diferentes” é trabalho árduo e que deixa a desejar nos
resultados.
Uma das unidades de trabalho da disciplina abordou a organização dos
conteúdos trazendo para a discussão os tipos de conteúdos enfatizando a importância de
cada um deles na formação dos educandos. Nos roteiros produzidos foi possível
identificar a presença de saberes indígenas e não indígenas.
Os trabalhos dos cursistas por sua vez apresentam o esforço de
problematizar os conteúdos a partir do contexto de cada realidade presente.
Identificamos nas sequências didáticas elaboradas por eles proposições de atividades de
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campo para uma imersão na realidade objetivando imprimir sentido aos conteúdos
ministrados. Em outros casos, propõe a mediação de um conhecimento a partir de falas
dos mais velhos para contação da história e das tradições de seus povos, buscando uma
valorização da cultura na escola.
A análise dos trabalhos mostra uma busca por práticas interculturais a partir
da didática como forma de mediação do processo ensino aprendizagem. Nesse caso é
importante salientar que carregamos ainda o peso de séculos de silenciamento das
diferentes culturas na escola e, consequentemente, no currículo de formação de
professores.
Romper com a imposição de uma cultura homogênea e de um saber como o
único possível e aceitável, exige abrir-se a uma relação intercultural entre os diferentes
elementos que compõe a didática no seu objeto de estudo, pois o ensino implica em algo
a ensinar e uma relação entre os sujeitos envolvidos nesse processo.
Conforme Souza e Fleuri (2003, p. 63),
Assim, as relações interculturais, em certa medida, perturbam a visão
hierarquizada e purificada das culturas, do poder e do conhecimento.
Possibilitam o questionamento da ordem institucional educacional
estabelecida sob a óptica do poder hegemônico de educadores e
educadoras sobre os(as) alunos(as). Ensejam a possibilidade de
problematizar a pretensa procedência universalizante e
homogeneizante do conhecimento.
Entender o conhecimento na perspectiva da interculturalidade, portanto, é
um desafio tanto para formadores como para os professores indígenas em formação e
exige avaliação contínua. O estudo demonstrou constante replanejamento das
atividades, retomadas diárias e reflexões oriundas das discussões com os cursistas e seus
contextos bem como a inserção de novos elementos que a principio não faziam parte do
material pré-elaborado para a disciplina.
Os elementos possibilitadores e dificultadores neste processo
Nesta categoria analisamos elementos que a nosso ver possibilitam a
articulação de saberes indígenas e não indígenas e outros que dificultam esse mesmo
processo. Destaca-se tanto no material das docentes quanto no dos acadêmicos a
propositura do trabalho por projetos como uma forma de articular diferentes saberes,
desencadeados por uma problematização de algo significativo no contexto da escola
onde o mesmo se desenvolve.
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O trabalho por projetos organiza-se numa perspectiva interdisciplinar/e ou
transdisciplinar onde se destaca a participação intensa dos alunos e a vinculação ao
contexto escolar e comunitário. Tais proposições vão ao encontro do que dispõe a
Resolução 05/2012 que define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Escolar Indígena na Educação Básica.
§ 4º O currículo na Educação Escolar Indígena pode ser organizado
por eixos temáticos, projetos de pesquisa, eixos geradores ou matrizes
conceituais, em que os conteúdos das diversas disciplinas podem ser
trabalhados numa perspectiva interdisciplinar. (BRASIL, 2012, p. 8).
As sequências elaboradas pelos professores indígenas em formação
evidenciaram as questões culturais, havendo também outras que se focaram em
conteúdos da língua portuguesa, como a leitura e a produção de textos.
Entretanto, em alguns casos, os projetos pouco diferiram dos de alunos não
indígenas demonstrando a dificuldade de dar organicidade aos saberes trabalhados na
escola, revelando que a imposição secular do modelo didático tem raízes fortemente
instaladas mesmo nas escolas indígenas.
Esses dificultadores são, sem dúvida, reflexos do colonialismo presentes nas
práticas escolares e organização de conteúdos reproduzida das escolas não indígenas. O
Documento Base da I Conferência Nacional de Políticas Indigenistas esclarece que “o
colonialismo ocorre quando uma parcela dominante da sociedade se legitima numa
posição superior por meio da subjugação ou invisibilização de outras formas de
organização social e valores societários existentes” (BRASIL, 2015, p. 4).
É importante salientar que a dificuldade se apresenta tanto para os
acadêmicos, quanto para os docentes e, ousamos dizer, para a instituição formadora.
Souza e Fleuri (2003, p. 57) chamam a atenção para o fato de que,
Na maioria das vezes, as relações entre culturas diferentes são
consideradas a partir de uma lógica binária (índio x branco, centro x
periferia, dominador x dominado, sul x norte, homem x mulher,
normal x anormal) que não permite compreender a complexidade dos
agentes e das relações subtendidas em cada polo, nem a reciprocidade
das inter-relações, nem a pluralidade e a variabilidade dos significados
produzidas nessas relações.
Essas relações também se fazem presentes na organização dos saberes
trabalhados nos cursos de formação de professores indígenas, pois durante muito tempo
o currículo priorizou somente conhecimentos não indígenas e o impôs às escolas
indígenas.
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Não obstante as dificuldades, o estudo permite-nos afirmar que há uma
reflexão sobre o tema e importantes passos vão sendo dados neste processo.
Considerações finais
As discussões oriundas do estudo aqui apresentado nos possibilita
considerar que a atividade de ser professor em um contexto plural deve estar permeada
pela necessidade de se desfazer de algumas certezas e a abrir-se ao novo, ao diferente.
Somente a partir disso poderemos começar a pensar em práticas interculturais.
A análise dos materiais construídos pelas docentes e pelos acadêmicos
demonstra o prenúncio de uma perspectiva intercultural no tratamento dos conteúdos e
objetivos didáticos.
Buscar a articulação dos saberes indígenas e não indígenas é um desafio
presente nos cursos de formação desses professores e, nesse sentido, o texto aqui
apresentado é um convite á reflexão a todos. Entendemos que o assunto não se esgota
nesse estudo e nos provoca a outras pesquisas e caminhos neste percurso que pretende
ser formativo aos professores indígenas, aos professores da universidade e à instituição
formadora.
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i Pedagoga, Doutoranda em Educação pela FCT/UNESP Campus de Presidente Prudente,
docente da Universidade do Estado do Amazonas, bolsista da FAPEAM. Atuou como
professora e coordenadora Geral do PROIND/UEA. ii Pedagoga, Mestre em Educação, docente da Universidade do Estado do Amazonas,
coordenadora Geral do PROIND/UEA.
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