40

Dificultades del aprendizaje

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Dificultades del aprendizaje

Citation preview

  • 2 Diversidades

    ndice

    Ficha Tcnica

    Diretor Joo Manuel Almeida Estanqueiro

    Redao Servios da Direo Regional de Educao e Colaboradores Externos

    Reviso Diviso de Apoio Tcnico

    Morada Rua D. Joo n. 57 9054-510 FunchalTelefone: 291 705 860Fax: 291 705 870

    E-mail [email protected]

    Grasmo e Paginao Diviso de Apoio Tcnico

    ISSN 1646-1819

    Distribuio Gratuita

    Fotos Direo Regional de Educao / Bindaas Madahavis / Chefranden / Courosa / doviende / JaeYong BAE / Kendall Lister / mcmrbt (Capa) / Neighborhood Centers / One Laptop per Child / Renato Paiva / The Real Estreya

    Editorial

    Diculdades de Aprendizagem no Adolescente e no Adulto: Formas de Apresentao e Diagnstico Diferencial

    Particularidades da Educao dos Alunos com Diculdades de Aprendizagem Especcas

    DSM-5: O que h de novo relativamente s Diculdades de Aprendizagem?

    Diculdades Especcas de Aprendizagem: Um Desao Escola

    O Ensino da Leitura na Dislexia

    Discalculia: Questes por Resolver

    As Diculdades do Clculo: Proposta de Caracterizao

    Abordagem Motivacional e Multisensorial nas Diculdades de Aprendizagem

    ProDis: No Reino dos Fonemas - Software para (Re)educao da Leitura na Lngua Portuguesa

    Testemunho

    Legislao

    Espao

    Espao

    Espao TIC

    Livros

    Notcias

    3

    4

    8

    10

    12

    16

    18

    21

    23

    25

    28

    29

    30

    31

    33

    34 35

  • abril - junho 2012 3

    Antnio LucasAdjunto do Secretrio Regional

    da Educao e Recursos Humanos

    Editorial

    Um conhecido pedagogo brasileiro armou que todos os seres humanos nascem livres e iguais. Neste contexto, conguram-se como seres naturais que, em resultado de um processo transformacional contnuo, passam a seres culturais, assumindo um trao personalstico e identitrio que os integra numa determinada comunidade. Nesta trajetria, permanente ao longo da vida, a escola assume um papel primordial por ser promotora do desenvolvimento intelectual, tico e emocional dos indivduos.

    Neste processo de apropriao da cultura todos os indivduos so diferentes e todos apresentam necessidades educativas especcas: o tempo que precisam de dedicar ao estudo, as condies de estudo de que cada um necessita, as tcnicas e os momentos de estudo so variveis de aluno para aluno. Porque cada trajeto nico e individual, as diculdades de aprendizagem e consequentes medidas de apoio educativo podem ser necessrias em qualquer momento. Face a esta constatao de diversidade, compete escola encontrar respostas educativas adequadas s necessidades de cada um, construindo processos facilitadores da aprendizagem e do sucesso.

    Percorremos um tempo em que se pensou ser adequado a escola proporcionar iguais condies a todos os alunos: com uma resposta educativa uniforme conceberam-se todos os alunos de forma igualitria. No entanto, constatou-se que, nesta tentativa, a escola foi excluindo muitos indivduos por no se aperceber ou aceitar as suas diferenas: massicou-se o acesso educao mas no se massicou o sucesso educativo que cou destinado ao considerado aluno mdio, proveniente de contextos socioculturais mais identicados com essa oferta educativa massicada e com as solues organizacionais da escola. A elitizao do sucesso tpica da escola reprodutora das assimetrias da sociedade e que no consegue assumir-se como espao de oportunidade e de promoo social.

    Hoje, a escola inclusiva deve ser destinada a todos os alunos, concebidos e aceites na sua diversidade. Daqui decorre a necessidade de construir respostas educativas e proporcionar percursos diferenciados em funo das caractersticas especcas dos destinatrios. esta, anal, a verdadeira conceo de escola democrtica: aquela que se apresenta como soluo e responde s particularidades, no excluindo os que apresentam especicidades.

  • 4 Diversidades

    Artigos

    As Diculdades de Aprendizagem (DA) diagnosticadas na infncia, seja por no terem sido adequadamente tratadas, seja por no serem mesmo tratveis, prolongam-se, necessariamente, pela vida adulta. Estes casos, que a ningum surpreendem, seguiro, eventualmente, um percurso prossional alternativo com menor exigncia acadmica o qual, idealmente, dever ser antecipado e preparado com tempo. H, contudo, outros casos em que as DA e o consequente insucesso acadmico s se manifestam claramente na adolescncia ou mesmo mais tarde, no incio da vida adulta. , por isso, relativamente frequente que adolescentes e jovens adultos recorram a consulta mdica ou de psicologia na sequncia de insucesso escolar ou de DA que, at ento, no sentiam. Essas diculdades so, tambm com frequncia, referidas como tendo tido um incio ou um agravamento relativamente recentes, coincidindo com uma mudana de ciclo escolar ou com a entrada na

    universidade. Por vezes, h ainda coincidncia com uma mudana de residncia ou de estilo de vida, implicando um aumento de autonomia e a consequente necessidade de se tornarem autossucientes no que respeita gesto do tempo e organizao das tarefas escolares e do dia a dia. Tipicamente so adolescentes ou jovens adultos que tiveram um percurso escolar considerado aceitvel, sem muitas reprovaes e que enfrentam a partir de determinada altura o insucesso acadmico. Na maioria destes casos, percebe-se depois, o sucesso escolar na infncia s foi possvel devido existncia de bons enquadramentos e suportes familiar e escolar, boa denio e organizao dos programas acadmicos, ao recurso a apoio exterior escola (explicadores, etc.) ou menor exigncia curricular. Seria, por isso, na altura em que os currculos se tornam mais exigentes e impem uma maior capacidade de trabalho, de abstrao e de organizao, que as diculdades, at a mascaradas, se revelariam. Por esta razo, muitos destes casos tendem a surgir nas mudanas de ciclo (do 2. para o 3. ciclo de escolaridade) e, em particular, entrada na universidade. Surpreendidos pelo insucesso, pais e lhos tendem a atribuir o fracasso a diferentes causas, a equvocos na orientao da vocao escolar e prossional, aos professores incapazes ou retorcidos, desorganizao das faculdades, mudana de colegas e de ambiente, a perdas afetivas, a fases do crescimento ou da vida Em quase todos os casos assumido que o problema se iniciou nessa altura, no antes, ou no seja verdade que s ento se manifestaram claramente as DA, aps um percurso de uma vida de (relativa) normalidade acadmica. As mudanas de curso so ento tentadas com

    Diculdades de Aprendizagem no Adolescente e no Adulto:

    Formas de Apresentao e Diagnstico Diferencial

    Carlos Nunes Filipe1 - Faculdade de Cincias Mdicas da Universidade Nova de Lisboa / Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil (CADIn)

    Neighborhood Centers

  • abril - junho 2012 5

    frequncia, em geral para reas que eventualmente no correspondem a uma legtima reorientao vocacional, mas a uma suposta menor diculdade acadmica. Em muitos outros casos acontece a permanncia no mesmo curso, apesar de mltiplas reprovaes. O insucesso leva com frequncia baixa autoestima e ao desnimo e estes so, por sua vez, potenciadores de insucesso. So cursos que se prolongam, que frequentemente no se terminam, so vidas que se arrastam.

    Mltiplas so as causas que podem levar ao insucesso acadmico e, por isso, dever ser cuidadosa a avaliao clnica. Neste artigo s falarei de algumas delas, por serem das mais esquecidas, as que resultam de perturbaes do desenvolvimento.

    A entrevista clnica , muito para alm de qualquer outro exame ou meio complementar de diagnstico, o procedimento mais importante quando se avaliam DA em adolescentes ou jovens adultos. Uma entrevista clnica completa e bem estruturada permite fazer o diagnstico diferencial das DA na quase totalidade dos casos de adolescentes e adultos que, por esse motivo, recorrem a consulta.

    Para alm dos sintomas atuais e do incio dos mesmos, deve ser feita uma cuidadosa avaliao de toda a histria pregressa, nunca esquecendo que, entre outras, as DA no adolescente e no adulto (tal como nas crianas) so frequentemente consequentes a perturbaes do (neuro)desenvolvimento. Assim

    sendo, deve ser feita uma pesquisa de sintomas e sinais precoces indiciadores de qualquer perturbao. As alteraes na aquisio do controlo motor e da linguagem, sinais de dce de ateno e/ou hiperatividade-impulsividade desadequadas em relao idade e envolvente sociocultural, enquanto criana, as diculdades na interao social e na sociabilizao, tiques motores ou vocais, interesses peculiares ou restrio de interesses, perturbaes alimentares ou perturbaes do sono, so exemplos de sintomas que devem ser sistematicamente investigados quando se faz a colheita da histria clnica pregressa. A idade de aparecimento e a evoluo dos sintomas so determinantes no diagnstico. As alteraes do (neuro)desenvolvimento manifestam-se desde cedo e invadem todas as dimenses da vida do indivduo (por esta ltima caracterstica, so muitas vezes designadas como pervasivas, numa adaptao direta do termo ingls pervasive). sabido, tambm, que a sintomatologia das perturbaes do desenvolvimento no esttica mas evolui e modica-se ao longo da vida. Esta modicao ocorre, necessariamente, num contnuo e, ao contrrio do que acontece na maioria das restantes perturbaes psiquitricas, nomeadamente nas reativas, no possvel indicar, com clareza, um antes e um depois. Por tudo isto, sendo o insucesso escolar de incio recente e os sintomas de ansiedade e depresso aparentemente com ele relacionados, s sobre estes que, com demasiada frequncia, se centra

  • 6 Diversidades

    a ateno do clnico. Nunca ser demais lembrar que, na clnica como em tantas outras reas da vida, s encontramos aquilo que conhecemos e, geralmente, s aquilo que andamos procura.

    O facto de determinada sintomatologia se manifestar tarde na vida no exclui o facto de ela poder ser consequente a uma perturbao do desenvolvimento. Nesses casos, as manifestaes s se produziriam quando o grau de exigncia das solicitaes a que o indivduo exposto ultrapassa as suas capacidades. S nessa altura se tornaria ntida a diferena entre as capacidades do jovem e as que seriam suposto ter, atendendo sua idade e condio. por esta razo que o conceito atraso do desenvolvimento perigoso, na medida em que pode levar a pressupor que se se esperar tempo suciente, a criana ir adquirir, mais tarde ou mais cedo, competncias equivalentes s de qualquer outra. Como sabemos, no esse o caso na maioria das perturbaes do desenvolvimento.

    Entre todas estas perturbaes que podem estar na origem de DA (mesmo das que s se manifestam tardiamente, no nal da adolescncia), a perturbao de hiperatividade e dce de ateno e as perturbaes do espetro do autismo (em particular as classicadas como sndrome de asperger), so as mais frequentes.

    No que se refere perturbao de hiperatividade e dce de ateno (PHDA), num estudo por ns realizado numa populao de 848 estudantes universitrios, alunos do 1. e do 2. ano de diferentes faculdades (Filipe & Rodrigues, 2009) identicmos sinais e sintomas que preenchiam os critrios de diagnstico desta perturbao em 5% da populao estudada,

    sendo que em 2% os sintomas eram referidos infncia. Estes valores so semelhantes aos referidos na literatura para a populao de jovens adultos em geral. Dado curioso que sobressaiu desse estudo foi o de a sintomatologia de PHDA poder inuenciar a orientao prossional e o sucesso acadmico, sendo que a percentagem mais elevada de indivduos acima do ponto de corte de diagnstico se observou nos estudantes de desporto e a mais baixa entre os estudantes de veterinria e de medicina. De assinalar que a prevalncia de sintomas de PHDA foi idntica em ambos os sexos, sendo sabido que, em geral, as raparigas so diagnosticadas com menos frequncia que os rapazes. Tal como acontece nas crianas e nos jovens, os adolescentes e jovens adultos com PHDA tm frequentemente DA, que se agravam quando as tarefas acadmicas so mais prolongadas e envolvem persistncia e nveis de ateno/concentrao mantidos e elevados. A grande diculdade em se organizarem, em iniciarem e terminarem tarefas, a incapacidade de estabelecerem prioridades e de terem a noo do tempo so fatores agravantes. Estas pessoas esquecem-se com frequncia de compromissos, chegam atrasados ou ltima hora, perdem objetos ou simplesmente no se recordam onde os deixaram. Iniciam numerosos projetos entusiasticamente, mas acabam muito poucos e levam tempo excessivo a acab-los. A desorganizao sistemtica pode tambm dicultar o desempenho das tarefas acadmicas, para alm de causar grande incomodidade aos que com eles vivem ou se relacionam de perto. O insucesso escolar, as mudanas de objetivos, os projetos que se iniciam com entusiasmo e se largam de seguida, a preguia, o desencontro dos ritmos de sono e viglia so tambm habituais. O receio de falharem, tambm comum nesta populao, pode levar a que evitem situaes em que possam ser avaliados, levando-os a faltar sistematicamente aos exames e avaliaes o que, mais uma vez, contribui para o ciclo vicioso do insucesso. Nestes casos, o diagnstico e a consequente interveno teraputica na PHDA pode reverter decisivamente o ciclo do insucesso e contribuir para a resoluo, no s do fracasso acadmico como, consequentemente, das diferentes perturbaes relacionais e pessoais que lhe possam vir associadas.

    Courosa

  • abril - junho 2012 7

    Tambm nas Perturbaes do Espetro do Autismo (PEA) nomeadamente nos casos em que o QI mais elevado e as alteraes de linguagem discretas, pode haver um percurso acadmico considerado normal at entrada na universidade. Casos h mesmo em que s depois de concluda a licenciatura ou o mestrado comeam as referidas diculdades de integrao e de cumprimento das solicitaes prossionais ou da vida diria, uma vez fora do ambiente organizado da vida acadmica e da casa dos pais. No caso das PEA a diculdade de abstrao e de generalizao de conceitos e a rigidez cognitiva que acabam por estar na origem tanto das DA como na das diculdades de integrao social e prossional. Durante os primeiros ciclos de escolaridade, enquanto o sucesso acadmico depende fundamentalmente da capacidade de memorizao e relato de factos, de datas, nomes ou frmulas, sem grande necessidade de interpretao, enquadramento ou adaptao dos conhecimentos a diferentes contextos, podem no s no se vericar diculdades, como pode vericar-se mesmo um desempenho acima da mdia. Sossegados, no seu canto, educados e formais (por vezes mesmo demasiado formais), com interesses peculiares para a idade (interesses de gente crescida), relacionando-se preferencialmente com os adultos, fugindo das confuses do recreio e evitando entrar em conito com os colegas (por vezes evitando mesmo os colegas...) estas crianas e jovens podem chegar a ser tidos como o exemplo a seguir, quando no considerados sobredotados. Sobre eles podem ter sido, por isso mesmo, colocadas grandes espectativas, que o aparecimento inesperado de diculdades acadmicas a todos (ou a quase todos) pode apanhar desprevenidos.

    Nestes casos, no sendo passvel de tratamento ou resoluo a perturbao base que lhe est na origem das incapacidades referidas, ser necessrio ajustar as condies do meio s capacidades do indivduo. Para tal ser necessrio fazer uma avaliao cuidadosa, caso a caso, assinalando tanto as reas de incapacidade como as de competncia de cada sujeito. S assim ser possvel ajustar a natureza das tarefas ao perl individual, identicando e respeitando as suas caractersticas, utilizando ao mximo as suas capacidades e elaborando estratgias adaptativas para que este possa lidar melhor com as suas limitaes.

    Em concluso, so mltiplas as causas que podem levar a que se manifestem DA no adolescente e no adulto e s uma investigao clnica cuidadosa pode levar a um diagnstico e a uma consequente interveno teraputica ajustada. Entre essas causas, devem ser sempre consideradas as Perturbaes do Desenvolvimento, nomeadamente perturbaes como a PHDA e as PEAs, em que a evidncia de disfuncionalidade pode surgir s no nal da adolescncia ou incio da vida adulta.

    Bibliograa

    American Psychiatric Association (2000) DSM-IV-TR Manual de Diagnstico e Estatstica das Perturbaes Mentais. 4. Edio, Texto Revisto (edio portuguesa de 2002). Lisboa: Climepsi Editores.

    Atrigas-Pallars, J. & Narbona, J. (2011). Transtornos del neurodesarrollo. Barcelona: Viguera Editores.

    Filipe, C. (2012) Autismo: conceitos, mitos e preconceitos. Lisboa: Editora Babel / Verbo.

    Filipe, C. (2004) A perturbao de hiperactividade com dce de ateno no adulto. Revista Portuguesa de Clnica Geral, 20:733-737.

    Filipe, C & Rodrigues, A. (2009). ADHD Symptoms in a Sample of University Students. 17th European Congress of Psychiatry.

    Klin, A.; Volkmar, F. & Sparrow, S. (Eds.) (2000) Asperger Syndrome. New York: The Guilford Press.

    Klin A.; Volkmar F.; Sparrow S.; Cicchetti D., Rourke B. (1995). Validity and neuropsychological characterization of Asperger syndrome: convergence with nonverbal learning disabilities syndrome. Journal of Child Psychology and Psychiatry 36(7):1127-40.

    Mannuzza S.; Klein, R.; Bessler A., Malloy, P., La-Padula, M. (1993). Adult outcome of hyperactive boys. Educational achievement, occupational rank, and psychiatric status. Arch Gen Psychiatry 50:565-76.

    Kooij1, S.; Bejerot, S.; Blackwell, A.; Caci, H.; Casas-Brugu, M.; Carpentier, P.; Edvinsson, D.; Fayyad, J.; Foeken, K.; Fitzgerald, M.; Gaillac, V.; Ginsberg, Y.; Henry, C.; Krause, J.; Lensing, M.; Manor, I.; Niederhofer, H.; Filipe, C.; Ohlmeier, M.; Oswald, P.; Pallanti, S.; Pehlivanidis, A.; Ramos-Quiroga, J.; Rastam, M.; Ryffel-Rawak, D.; Stes, S.; Asherson, P. (2010) European consensus statement on diagnosis and treatment of adult ADHD: The European Network Adult ADHD. BMC Psychiatry, 10:67.

    Spek, A.; Scholte, E.; Van Berckelaer-Onnes, I. (2008) The use of WAIS-III in adults with HFA and Asperger syndrome. Journal of Autism and Developmental Disorders, 38(4):782-7.

    1 Endereo de correio eletrnico:

    [email protected] / [email protected]

  • 8 Diversidades

    Neste artigo abordo o tema das Diculdades de Aprendizagem Especcas (DAE) que tem intrigado e desaado muitos prossionais do campo da medicina, da psicologia e da educao e que muitos tm considerado dos mais incompreendidos, controversos e complexos.

    Tendo por base a investigao e a prtica nacional e internacional que se tem desenvolvido no contexto da escola pblica, apresento de seguida algumas particularidades da educao dos alunos com diculdades de aprendizagem especcas, com o intuito de contribuir para o aumento da qualidade da educao que lhes proporcionada. Isto, para que, tal como alerta Correia (2005), os alunos com diculdades de aprendizagem especcas no continuem a sentir desde cedo o peso da negligncia poltica e cvica por parte do sistema educativo em Portugal.

    1. Aceitar que o conceito de diculdades de aprendizagem especcas real e identica um grupo de alunos com necessidades educativas especiais.

    A evidncia da existncia de diculdades de

    aprendizagem especcas particularmente impressionante porque provm de diferentes indicadores e metodologias. Ignorar a signicncia das diculdades de aprendizagem especcas implica ausncia de apoio de qualidade para os alunos e o agravar das suas diculdades (Correia, 2007; Correia, 2008b; Kauffman & Hallahan, 2005). De facto, tal como sublinha Correia (2007), face a uma evidncia irrefutvel com respeito pertena das DAE como uma categoria das necessidades educativas especiais (p. 170) importante que estes tenham direito a receber um apoio de qualidade nas escolas regulares.

    2. Aceitar a responsabilidade dos servios de educao especial.

    Todos os investigadores que participaram nos encontros da Iniciativa para as Diculdades de Aprendizagem Especcas tiveram em considerao a importncia e a necessidade de serem providenciados servios de educao especial para todos os alunos que, sendo identicados com diculdades de aprendizagem especcas, sejam considerados elegveis para apoio. Neste sentido, para Correia (2008d), a educao especial deve ser vista como um conjunto de servios especializados no mbito educativo, teraputico, mdico, social e psicolgico destinados a responder s necessidades especiais do aluno com base nas suas caractersticas e com o m de maximizar o seu potencial (p. 40).

    3. Promover um modelo de interveno que preventivo e multinvel.

    Segundo vrios autores (Bradley, Danielson, & Hallahan, 2002; Correia, 1997; Gresham, 2002; Lane & Beebe-Frankenberger, 2004), as escolas devem incrementar um apoio proativo baseado na implementao de um sistema integrado de deteo precoce e progressivos nveis de interveno.

    Particularidades da Educao dos Alunos com Diculdades de

    Aprendizagem EspeccasAna Paula Martins - Instituto de Educao da Universidade do Minho

  • abril - junho 2012 9

    O objetivo que as escolas implementem um modelo de apoio multinvel, no sentido de, progressivamente, providenciarem intervenes mais intensivas que, de forma direta e explcita, promovam o desenvolvimento das capacidades acadmicas, comportamentais e sociais dos alunos com diculdades de aprendizagem especcas e/ou em risco (Bradley et al., 2002; Gresham, 2002; Lane & Beebe-Frankenberger, 2004). Em Portugal o Modelo de Atendimento Diversidade (Correia, 2008a; Correia, 2008c) tem vindo a ser utilizado e investigado no contexto da escola pblica tanto a nvel da preveno como do apoio dos servios de educao especial.

    4. Utilizar intervenes baseadas na investigao.A investigao tem mostrado que existem

    intervenes que so ecazes para os alunos com diculdades de aprendizagem especcas. Como tal, urgente utilizar esse conhecimento no ensino promovido nas escolas (Bradley et al., 2002).

    5. Reconhecer a importncia da advocacia.Segundo o National Center for Learning Disabilities

    (2005), necessrio que os pais e os prossionais, individualmente, ou organizados em associaes, trabalhem com os polticos a nvel local, regional ou nacional, no sentido de as suas vozes serem ouvidas e consideradas nas aes governamentais. , igualmente, pertinente que se utilizem os meios de comunicao social para se chamar a ateno para aspetos especcos deste tipo de necessidades educativas especiais, para se educar a populao civil e para se chamar a ateno dos polticos para o impacto das suas decises. Os meios de comunicao

    social tm grande poder na nossa sociedade e, usando uma linguagem clara e cienticamente correta, as associaes podem tornar visveis as necessidades e os direitos das crianas, jovens e adultos com diculdades de aprendizagem especcas, bem como das suas famlias.

    Os alunos com diculdades de aprendizagem especcas apresentam diculdades especcas e persistentes ao nvel da aprendizagem que os levam a no responderem instruo oferecida maioria dos alunos ou ao ensino que se baseia em pequenas adaptaes curriculares (Hallahan, Lloyd, Kauffman, Weiss, & Martinez, 2005; Kauffman & Hallahan, 2005). Como tal, a escola pblica inclusiva deve assegurar--lhes uma educao de qualidade, que incluir as particularidades anteriormente apresentadas, caso contrrio no estaremos na presena de uma escola inclusiva.

    Bibliograa

    Bradley, R., Danielson, L., & Hallahan, D. P. (2002). Specic learning disabilities: Building consensus for identication and classication. In R. Bradley, L. Danielson & D. P. Hallahan (Eds.), Identication of learning disabilities: Research to practice (pp. 791-804). Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates.

    Correia, L. M. (1997). Alunos com necessidades educativas especiais. In L. M. Correia (Ed.), Alunos com necessidades educativas especiais na classe regular (pp. 45-70). Porto: Porto editora.

    Correia, L. M. (2005). Diculdades de aprendizagem: Factos e estatsticas. Retrieved December, 19th, 2005. from www.educare.pt/NEDESP/N_palavra.asp

    Correia, L. M. (2007). Para uma denio portuguesa de diculdades de aprendizagem especcas. Revista Brasileira de Educao Especial, 13(2), 155-172.

    Correia, L. M. (2008a). Avaliao e programao para alunos com necessidades educativas especiais com base no Modelo de Atendiemnto Diversidade. In L. M. Correia (Ed.), Incluso e necessidades educativas especiais: Um guia para educadores e professores. Porto: Porto Editora.

    Correia, L. M. (2008b). Diculdades de aprendizagem especcas: Contributos para uma denio portuguesa. Porto: Porto Editora.

    Correia, L. M. (2008c). A escola contempornea e a incluso de alunos com NEE: Consideraes para uma educao de sucesso. Porto: Porto Editora.

    Correia, L. M. (2008d). Princpios gerais para a construo de uma escola contempornea. In L. M. Correia (Ed.), Incluso e necessidades educativas especiais: Um guia para educadores e professores (2 ed., pp. 33-42). Porto: Porto Editora.

    Gresham, F. M. (2002). Responsiveness to intervention: An alternative approach to the identication of learning disabilities. In R. Bradley, L. Danielson & D. P. Hallahan (Eds.), Identication of learning disabilities: Research to practice (pp. 467-519). Mahwah, NJ: Erlbaum.

    Hallahan, D. P., Lloyd, J. W., Kauffman, J. M., Weiss, M. P., & Martinez, E. A. (2005). Introduction to learning disabilities: Foundations, characteristics, and effective teaching. Boston: Allyn and Bacon.

    Kauffman, J. M. & Hallahan, D. P. (2005). Special education: What it is and why we need it. Boston: Pearson and Allyn and Bacon.

    Lane, K. L. & Beebe-Frankenberger, M. (2004). School-based interventions: The tools you need to succeed. Boston: Pearson and Allyn Bacon.

    National Center for Learning Disabilities. (2005). LD advogates guide. Retrieved October, 14th, 2005. From www.LDadvogate.org

    * Uma descrio mais detalhada destas particularidades pode ser lida na revista de Educao Especial e Reabilitao (2011).

  • 10 Diversidades

    DSM-5: O que h de novo relativamente s Diculdades de Aprendizagem?

    Catarina Prior - Centro de Desenvolvimento Infantil do Porto e Centro Hospitalar do Porto, EPEGabriela Pereira - Centro Hospitalar de Trs-os-Montes e Alto Douro, EPE - Unidade de Chaves

    e Centro de Desenvolvimento Infantil de Braga

    O Manual de Diagnstico e Estatstica das Perturbaes Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM), publicado pela American Psychiatric Association, uma das principais referncias a nvel internacional para a classicao dos distrbios do neurodesenvolvimento. A edio atualmente utilizada - DSM-IV - foi publicada em 1994 e revista em 2000 - DSM-IV-TR. Encontra-se presentemente em elaborao a prxima edio DSM--5, cujos trabalhos podem ser consultados no stio da internet www.dsm5.org, sendo aceites comentrios s classicaes propostas at 15 de junho de 2012. A publicao desta nova edio ocorrer em maio de 2013.

    As diculdades de aprendizagem esto tipicadas no DSM-IV-TR sob a designao de Perturbaes da Aprendizagem, distinguindo-se a Perturbao da Leitura, a Perturbao do Clculo, a Perturbao da Escrita e a Perturbao da Aprendizagem Sem Outra Especicao. Para o estabelecimento dos trs primeiros subtipos necessrio que o rendimento individual nas provas habituais de leitura, aritmtica ou escrita, respetivamente, seja substancialmente inferior

    ao esperado para a idade, nvel de escolaridade e nvel intelectual do sujeito. ainda necessrio que os problemas de aprendizagem interram signicativamente com o rendimento escolar ou com as atividades da vida quotidiana que requerem aptides de leitura, aritmtica ou escrita. Dene-se como substancialmente inferior uma discrepncia superior a dois desvios-padro entre o desempenho e o quociente de inteligncia (QI). O diagnstico de Perturbao da Aprendizagem Sem Outra Especicao aplica-se quando as diculdades no preenchem os critrios das perturbaes especcas anteriores, como por exemplo em situaes em que se veriquem diculdades nas trs reas (leitura, aritmtica e expresso escrita) que no seu conjunto interferem signicativamente com o rendimento acadmico, apesar de o desempenho em testes que avaliam cada uma das competncias no se encontrar substancialmente abaixo do esperado para a idade cronolgica do sujeito, QI e escolaridade prpria para a sua idade.

    Ao longo do processo de elaborao do DSM-5 e no que s diculdades de aprendizagem concerne, a proposta de reviso anteriormente disponvel foi muito recentemente alterada. A anterior considerava sob o mbito das Perturbaes da Aprendizagem quatro subtipos, a saber: Perturbao da Aprendizagem, Dislexia, Discalculia e Perturbao da Escrita. Nesta proposta deixava de ser necessria a existncia de uma discrepncia entre o desempenho do sujeito em uma rea especca e o seu QI e passavam a utilizar-se as designaes internacionalmente utilizadas de dislexia e discalculia. Esta proposta foi abandonada e em seu lugar, desde o dia 1 de maio de 2012, surge agora um nico diagnstico, Perturbao Especca da Aprendizagem, ao qual dever associar-se um especicador do domnio

    Kendall Lister

  • abril - junho 2012 11

    acadmico afetado (leitura, expresso escrita ou matemtica), bem como a(s) subcompetncia(s) que se encontra(m) comprometida(s) nesse mesmo domnio. assim proposto que o diagnstico de Perturbao Especca da Aprendizagem seja estabelecido com base na associao da histria do sujeito (neurodesenvolvimental, mdica, familiar e educacional), relatrios psicoeducacionais de resultados obtidos em testes e avaliaes, e resposta interveno, utilizando os seguintes critrios de diagnstico:

    A - Antecedentes ou ocorrncia atual de diculdades de aprendizagem persistentes na aquisio da leitura, escrita, aritmtica ou raciocnio matemtico, durante os anos de escolaridade formal (durante o perodo desenvolvimental). O sujeito dever apresentar pelo menos um dos seguintes sinais:

    1 - Leitura de palavras imprecisa ou lenta e com esforo.

    2 - Diculdade na compreenso do que lido (por exemplo, pode ler um texto com preciso mas no compreende a sequncia, relaes, inferncias ou signicados profundos do que lido).

    3 - Articulao medocre (por exemplo, pode adicionar, omitir ou substituir vogais ou consoantes).

    4 - Expresso escrita medocre (por exemplo, comete mltiplos erros gramaticais ou de pontuao em frases, expresso de ideias pouco clara, organizao de pargrafos medocre ou caligraa ilegvel).

    5 - Diculdade em recordar os factos numricos.6 - Clculo aritmtico impreciso ou lento.7 - Raciocnio matemtico inecaz ou impreciso.8 - Evitao de atividades que requeiram leitura,

    articulao, escrita ou artitmtica.

    B - As capacidades atuais em uma ou mais destas competncias acadmicas esto substancialmente abaixo do intervalo mdio para a idade ou inteligncia, grupo cultural ou lingustico, sexo ou nvel educacional do sujeito, tal como indicado pelos resultados obtidos em testes de avaliao do desempenho acadmico na leitura, escrita ou matemtica, individualmente administrados, estandardizados, cultural e linguisticamente adequados.

    C - As diculdades de aprendizagem no so melhor explicadas por uma perturbao do desenvolvimento intelectual, atraso global do desenvolvimento, ou distrbios neurolgicos, sensoriais (viso, audio) ou motores.

    D - As diculdades de aprendizagem identicadas no critrio A (na ausncia de instrumentos, apoios ou servios que tenham sido proporcionados para permitir que o sujeito compense estas diculdades) interferem signicativamente com as aquisies acadmicas, desempenho ocupacional ou atividades da vida diria que requerem estas competncias acadmicas, individualmente ou em alguma combinao.

    Uma vez vericados estes critrios de diagnstico, devero ser identicados os Especicadores Descritivos de Caractersticas, isto , devero ser apontados entre os seguintes domnios das diculdades acadmicas e suas subcompetncias, quais os que se encontram comprometidos no momento da avaliao.

    1 - Leituraa) Preciso na leitura de palavrasb) Velocidade ou uncia leitorac) Compreenso leitora

    2 - Expresso escritaa) Preciso ortogrcab) Preciso gramatical e de pontuaoc) Legibilidade ou uncia da caligraad) Clareza e organizao da expresso escrita

    3 - Matemticaa) Memorizao dos factos aritmticosb) Preciso ou uncia do clculoc) Eccia do raciocnio matemtico

    Esta proposta de classicao fundamentada em vrios pontos, a saber, a inexistncia prvia de critrios gerais para Perturbaes da Aprendizagem, a interferncia das Perturbaes de Aprendizagem

  • 12 Diversidades

    com a aquisio e utilizao de uma ou mais das seguintes competncias acadmicas: linguagem oral, leitura, linguagem escrita, matemtica. Estas perturbaes afetam indivduos que de outro modo revelam competncias essenciais pelo menos mdias de pensamento e raciocnio, sendo portanto distintas das Perturbaes do Desenvolvimento Intelectual. Os critrios de diagnstico no cam, assim, dependentes de comparaes com o QI global. De referir que o diagnstico agora proposto,

    Perturbao da Aprendizagem Especca passa a incluir a todas as subcategorias existentes no DSM-IV--TR, nomeadamente a Perturbao da Aprendizagem Sem Outra Especicao.

    Da proposta agora apresentada, e em contraponto com a classicao atualmente em vigor, regista-se como positiva a ausncia de necessidade de comparao do desempenho acadmico com o QI, bem como a tentativa de melhor caracterizao das diculdades especcas de cada sujeito, atravs do recurso s subcompetncias. Esta constitui uma aproximao, na sua forma atual inequivocamente incompleta, ao modelo de abordagem desenvolvimental, que apesar de altamente complexo, o nico que permite denir com preciso as reais diculdades de cada sujeito.

    Bibliograa

    American Psychiatric Association. (2000). Learning Disorders. In: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4th Edition, Text Revision (pp. 49-56). Washington, DC: American Psychiatric Association.

    American Psychiatric Association. (2012). DSM 5 Development - Proposed Revisions / Neurodevelopmental Disorders / A 08 Specic Learning Disorder / A 08 Specic Learning Disorder [em linha]. Disponvel em http://www.dsm5.org/ProposedRevision/Pages/proposedrevision.aspx?rid=429#

    Enquadramento Concetual

    As crianas com Diculdades Especcas de Aprendizagem (DEA) esto um pouco por todas as salas de aula, em todas as escolas. Apesar de possurem uma inteligncia normal ou mesmo superior e no haver distrbios emocionais signicativos, manifestam diculdades nas realizaes acadmicas bsicas como leitura, escrita e matemtica. Associadas, andam quase sempre diculdades de reteno (compreende, parece saber, mas no memoriza) e a manifestao de insegurana ou angstia no desempenho de tarefas escolares comuns, sendo muitas vezes atingido severamente o seu autoconceito.

    Segundo dados divulgados recentemente a partir de um estudo cientco efetuado na Universidade de Trs-os-Montes e Alto Douro (UTAD), com um nmero signicativo de crianas do 1. ciclo do ensino bsico, em que se considerou apenas as diculdades de leitura (dislexia), constatou-se que afeta 5,4% das crianas. Mas, mesmo no 3. ciclo ou no ensino secundrio, os professores constatam que h alunos dislxicos que no compreendem o que leem, podendo at efetuar uma leitura aparentemente uente e com uma velocidade de leitura prxima do esperado, mas mantm diculdade particular em descodicar palavras por falta de automatizao (a descodicao ocorre no por automatizao, mas

    Diculdades Especcas de Aprendizagem: Um Desao EscolaHelena Serra - DISPLEX - Associao Portuguesa de Dislexia

  • abril - junho 2012 13

    como resultado de esforo). De acordo com a corrente defendida por Shaywitz (2008), apesar de parecerem desenvolver sistemas compensatrios nas reas cerebrais anteriores, esquerda e direita e no hemisfrio direito, no descodicam automtica e rapidamente as palavras. Da que o leitor dislxico, mesmo acedendo ao material escrito, portanto descodicando, mantenha uma velocidade de leitura lenta (ou mais lenta) comparativamente com os seus pares, facto que os coloca sempre em desvantagem.

    Para denir o conceito DEA poderamos reportar--nos a diversas denies construdas no percurso evolutivo do estudo cientco desta temtica. Aqui, damos preferncia que resultou do trabalho conjunto de uma comisso integrada por: American Speech-Language Hearing Association for Children With Learning Disabilities, Council for Learning Disabilities, Division for Children with Communication Disorders, International Reading Associatin e Orton Dyslexia Society:

    Distrbios de aprendizagem um termo genrico referente a um grupo heterogneo de distrbios que se manifestam por diculdades signicativas na aquisio e no emprego das capacidades para ouvir, falar, ler, escrever, raciocinar ou computar. Esses distrbios so intrnsecos ao indivduo e presumivelmente se devem disfuno do sistema nervoso central. Embora um distrbio de aprendizagem possa concorrer concomitantemente com outras condies decientes (por exemplo, decincia sensorial, decincia mental, distrbio social e emocional) ou inuncias ambientais (por exemplo, decincias culturais, instruo insuciente/inadequada, factores psicogenticos), no

    resulta directamente dessas condies ou inuncias (Kirk & Gallagher, 2002. p. 367).

    Outras denies disponveis tm em comum o facto de considerarem que um fator psicolgico ou neurolgico intrnseco que inibe ou interfere no desenvolvimento normal das operaes mentais da linguagem, afetando a aprendizagem dos contedos acadmicos propostos criana. Esto portanto excludas da denio situaes como decincia intelectual, decincias sensoriais, falta de oportunidade para aprender. Foi logo a partir do nal da dcada de 70, que o Bureau of Education for the Handicapped of the U.S. Ofce of Education formulou esquemas para a identicao destas diculdades nas seguintes reas: expresso oral, compreenso oral, expresso escrita, habilidades bsicas de leitura, compreenso de leitura, clculos matemticos, raciocnio matemtico (Federal Register, 1977). Isto , os problemas das DEA foram desde logo referenciados a trs reas: linguagem (recetiva e expressiva); leitura e escrita; matemtica. No entanto, em numerosos estudos disponveis feita referncia, para alm destes, a distrbios no desenvolvimento motor, na ateno, na perceo, na memria, na capacidade para ouvir, nas habilidades de autoconceito e sociais. Correntes cientcas mais recentes, relacionam as diculdades em leitura e escrita basicamente com problemas de fonologia. Como fatores contribuintes so elencados os que podem advir de causas endgenas ou exgenas: os fsicos, os ambientais (incluindo educacionais) e os psicolgicos. Nos fsicos incluem-se, entre outros, os problemas de lateralidade, de orientao espaciotemporal e a m imagem corporal. Nos psicolgicos incluem-se a perceo e discriminao auditiva ou visual inferiores, os atrasos ou distrbios de linguagem, a capacidade inadequada de pensamento, a memria auditiva ou visual de curto, mdio ou longo prazo deciente, distrbios na ateno, etc. Quanto aos fatores ambientais ou condies contextuais, elas podem afetar adversamente o desenvolvimento e o progresso acadmico da criana (por exemplo, experincias traumticas, presses, inadequao de mtodos de ensino), mas s podero ser consideradas como fatores, se tiverem alterado os processos psicolgicos de memria, ateno e outros. Esto descritos os tipos de DEA que mais se manifestam no Chefranden

  • 14 Diversidades

    desempenho escolar: dislexia, disortograa, disgraa e discalculia. A dislexia refere-se diculdade na aquisio das competncias de leitura e reete-se na diculdade com o prprio ato de ler e na compreenso de textos. As manifestaes mais comuns so silabaes, hesitaes, alteraes, palavras mal agrupadas, paragens, arritmia, lentido, pontuao no respeitada, interpretao, anlise ou sntese de textos impossibilitada ou prejudicada, reconto ou resumo dicultados. A disortograa a diculdade em escrever corretamente, em comunicar e partilhar ideias atravs da escrita. Os fatores etiolgicos so os mesmos que se encontram subjacentes s diculdades em leitura. As manifestaes mais comuns ao nvel da composio so frases mal estruturadas, inacabadas, com falta de elementos ou elementos repetidos, vocabulrio mnimo, linguagem empobrecida, erros de pontuao, de concordncia, inconsistncia na ligao de ideias, opo por um estilo telegrco; ao nvel ortogrco, pode vericar-se a inverso na ordem das letras na slaba ou de slabas nas palavras ou a sua repetio, omisso, substituio; ao nvel da gramtica podem evidenciar diculdades em categorizar, em dividir oraes, em utilizar corretamente tempos verbais, etc. A disgraa refere-se a diculdades relacionadas com a caligraa. Os fatores que podem estar na base desta perturbao so a alterao espaciotempral, alteraes de lateralidade, o transtorno do esquema corporal, alteraes da linguagem e dces percetivos ou gnsicos e ainda problemas na motricidade na. As crianas com esta diculdade mudam a forma das letras, aumentam ou diminuem o seu tamanho, no respeitam margens, ultrapassam a linha, a presso no lpis ou caneta ou excessiva ou decitria, tm diculdades de direcionalidade dos giros das letras e apresentam ligamentos entre as letras defeituosos. Optam por movimentos parasitas, traados angulosos e irregulares, anarquia nos trabalhos, apresentao deciente, muitas vezes carateres indecifrveis. A discalculia manifesta-se na diculdade em efetuar clculos, utilizar corretamente smbolos, compreender o mecanismo da numerao e ordenao, realizar operaes, reter o vocabulrio matemtico, fazer erros na disposio dos algarismos e parcelas, perder elementos, no compreender relaes espaciais, nem enunciados mesmo simples.

    Organizao da Interveno

    Em todos estes tipos de DEA necessrio efetuar a avaliao compreensiva da criana, a m de diagnosticar as suas reais diculdades, ou seja a ausncia de pr-requisitos imprescindveis para que o seu crebro efetue o processamento de linguagens simblicas. Isto , conrmar-se- o atraso ou nas competncias fonolgicas, lingusticas, percetivas, ou nas competncias visuo-espaciais, motoras e psicomotoras e ainda na ateno e memria ou noes de conservao, quantidade, ordem, equivalncia, etc.

    Em sntese, as DEA relacionam-se com distrbios nas reas bsicas de aprendizagem: linguagem (compreenso e expresso e conscincia fonolgica), psicomotricidade (esquema corporal, lateralidade, orientao espaciotempral), perceo (auditiva, visual, tctilo-quinestsica, gustativa e olfativa), desenvolvimento motor (motricidade ampla e na), desenvolvimento social (interao e aceitao de regras), autonomia (cuidado de si e das coisas). A falta destes pr-requisitos vai causar diculdades nas realizaes acadmicas bsicas: leitura (uncia, correo, expresso, compreenso), escrita (correo ortogrca e estrutura de frases e textos), matemtica (clculo mental, raciocnio, tcnica operatria). Portanto, pela avaliao da criana que se recolhem dados para traar o seu perl desenvolvimental e de realizao acadmica. Depois, a partir de tais dados, ter de ser feita a interveno diferenciada para enriquecer, com abordagens especcas, as reas fracas detetadas. Um aspeto a realar o facto de as crianas com DEA, sob o ponto de vista psicoemocional, darem em geral sinais de ansiedade,

  • abril - junho 2012 15

    de depresso, de insegurana, de isolamento, de frustrao e de inibio. Frequentemente sofrem acusaes injustas de preguia, de distrao, de lentido, de mau comportamento, ou outras, que se podem adensar durante toda a escolaridade.

    So mltiplas as referncias que, no dia a dia da escola, os docentes fazem sua impotncia para resolver ou lidar com as diculdades destes alunos. Logo no incio do 1. ciclo do ensino bsico os sintomas emergem e tornam-se evidentes, no quotidiano das tarefas escolares, todavia, na sua generalidade, as escolas no fazem nenhuma interveno diferenciada com tais alunos, mesmo sendo encaminhados para apoios educativos que se desenvolvem no modelo ensinagem comum ou mais-do-mesmo. Se no houver um envolvimento adequado em que se incluam sesses de trabalho individualizado, em pequeno grupo, para serem treinadas, com estratgias especcas, as reas bsicas que em cada caso se revelarem com fraco desempenho e, a par, as matrias escolares, com mtodos adequados, estes alunos vo somando insucessos, aumentando a desmotivao e o desencanto com a escola. Nos ciclos seguintes, agravam-se as razes e acentuam-se os comportamentos cando, muitas vezes, a um passo do abandono ou da marginalidade. Dada a elevada percentagem e a especicidade das abordagens a ser promovidas, constituem um enorme desao escola.

    Necessidade de Formao dos Professores e de Organizao da Escola

    Importa formar todos os professores de apoios educativos (e facultar aos professores especializados a atualizao e retoma desta temtica, em formao acreditada e eventualmente tornada obrigatria) de forma a fundamentarem cientca e ecientemente as suas aes diretas e/ou de orientao de outros professores e implementar a adequada organizao das respostas em todas as escolas, a m de saberem e poderem atender a tais alunos com segurana e motivao.

    Dessa forma lograramos a possibilidade de lhes facultar um adequado envolvimento psicopedaggico que passa pela/por:

    - denio de critrios e procedimentos de referenciao;

    - avaliao compreensiva de cada caso, com traado do perl do aluno;

    - recolha e criao de dossiers especcos: objetivos, competncias, atividades, estratgias, outros recursos pedaggicos;

    - interveno diferenciada;- espaos que potenciem a eccia; - um trabalho de equipa (psiclogo, professor

    especializado, terapeutas) atempado, sistemtico, estruturado, dirigido s reas bsicas decitrias e aos contedos escolares;

    - aposta sria na melhoria do desempenho em leitura, escrita e matemtica;

    - comprometimento com a melhoria do desempenho escolar em geral destes alunos;

    - observncia dos seus direitos enquanto alunos dislxicos.

    urgente redenir a direo que se est a seguir nas escolas portuguesas com os alunos dislxicos. Neste momento, muitos cam excludos de um apoio especializado (isto , no esto abrangidos pelo Decreto-Lei n. 3/2008, de 7 de janeiro) por se pressupor que bastam apoios educativos/pedaggicos para os conduzir ao xito nas aprendizagens. Todavia, como neles h um conjunto de reas desenvolvimentais fracas que no foram trabalhadas precocemente ou no o foram de forma adequada e por isso permanecem comprometidas, resultando da as suas diculdades nas aprendizagens em geral. Ora, para intervir nesse campo necessrio que as equipas disponham de formao neste mbito e saibam organizar nas escolas respostas condignas.

    Bibliograa

    Flemming, L. (2010). Reading for Results. Boston: Wadsworth. Fonseca, V. (2008). Diculdades de Aprendizagem: abordagem neuropsicolgica

    e psicopedaggica ao insucesso escolar. Lisboa: ncora Editora. Galaburda, A. M. (1989). Introduction. In A. M. Galaburda (edit), From Reading to

    Neurons (pp. xix-xxii). Massachusetts: Institute of Technology.Kintsch, W. & Rawson, K. (2007). Comprehension. In M. J. Snowling & C. Hulme,

    The Science of Reading (pp. 209-226). Victoria: Blackwell Publishing. Ramus (n.d.b). A neurological model of dyslexia and other domain-specic

    developmental disorders with an associated sensorimotor syndrome. Disponvel em http://www.lscp.net/persons/ramus/docs/ramusforTDFweb.pdf.

    Shaywitz, S. (2008). Vencer a Dislexia: Como dar resposta s perturbaes da leitura em qualquer fase da vida. Porto: Porto Editora.

    Sim-Sim, I. (2007). O Ensino da Leitura: A Compreenso de Textos. Lisboa: PNEP.

  • 16 Diversidades

    O que a Dislexia?

    Na sua etimologia, a palavra dislexia constituda pelos radicais dis, que signica diculdade ou distrbio, e lexia, que signica leitura em latim e linguagem em grego, ou seja, o termo dislexia refere-se a diculdades na leitura ou a diculdades na linguagem. No entanto, a ideia de que se refere a um distrbio na leitura parece ser aquela que mais consensual (Cruz, 2007).

    Deste modo, o termo dislexia atualmente aceite como referindo-se a um subgrupo de desordens dentro do grupo das Diculdades de Aprendizagem Especcas, mas que frequentemente usado de um modo abusivo, pois tem sido dada a ideia incorreta de que todas as pessoas com problemas de leitura ou de instruo, de um modo geral, tm dislexia (Caldas, 1999; Morais, 1997).

    Embora existam muitas denies e explicaes, e no obstante as diferenas entre as vrias denies, parecem existir aspetos de consenso. Ou seja, parece ser consensual que quando falamos em dislexia estamos a referir-nos a uma diculdade primria para a leitura, devida um funcionamento diferente do crebro (que no est lesado), no existindo portanto uma causa aparente para o problema, aspeto este que est associado excluso de um conjunto de critrios

    eventualmente originadores de problemas na leitura. Por ltimo h que referir um critrio da discrepncia, no qual se sugere que o problema que surge no esperado (Cruz, 2007).

    Processos Cognitivos e Leitura

    Entre os autores consensual que dos vrios processos associados ao reconhecimento ou descodicao das palavras, o processamento fonolgico surge como um aspeto fundamental para a aquisio e domnio da leitura. Mais ainda, parecem existir cada vez mais evidncias de que dces no processamento fonolgico so a principal causa das diculdades na leitura, particularmente na dislexia, pois bloqueiam precocemente o caminho para a leitura uente e consequentemente para a compreenso (Shaywitz, 2008).

    No entanto, para alm dos dces de processamento fonolgico, h cada vez mais evidncias de que so outros processos cognitivos que podem ajudar a explicar diculdades na leitura e que permitem diferenciar os bons dos maus leitores (Das, Naglieri, & Kirby, 1994). De outro modo, como explicar o facto de haver crianas que, no obstante uma instruo fonolgica explcita, continuam a falhar na leitura.

    Deste modo, devido ao facto de lidar diretamente com a estrutura dos sons da linguagem falada, estando assim muito proximamente associados com a leitura, o processamento fonolgico pode ser considerado um processo cognitivo proximal (Das et al., 2001).

    Em contraste com os processos proximais, existem processos cognitivos que podero ser chamados distais, os quais, sendo mais gerais e no especcos, facilitam o desenvolvimento dos processos proximais, ou seja, os processos cognitivos distais no tm necessariamente uma inuncia direta na leitura, mas essa inuncia pode ser mediada por um ou vrios processos proximais (Das et al., 2001).

    O Ensino da Leitura na Dislexia

    Vtor Cruz1 - Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Tcnica de Lisboa

    The Real Estreya

  • abril - junho 2012 17

    Tendo por base o trabalho de Luria, o modelo de funcionamento cognitivo PASS (Planicao, Ateno, processamento Simultneo e processamento Sucessivo) desenvolvido por Das e os seus colaboradores, tem surgido com particular relevncia e pertinncia no que se refere compreenso da leitura e das diculdades na sua aprendizagem (Das et al., 2001; Das, Naglieri, & Kirby, 1994).

    Na realidade, duas das quatro componentes do referido modelo, nomeadamente o processamento Sucessivo e o processamento Simultneo, esto grandemente relacionadas com as habilidades de leitura, com o processamento Sucessivo mais fortemente relacionado com a descodicao de palavras e o processamento Simultneo mais eminentemente relacionado com a compreenso (Das et al., 2001; Das, Naglieri & Kirby, 1994).

    De facto, o processamento Sucessivo determinante na anlise sequencial e na combinao dos fonemas e das slabas, enquanto o processamento Simultneo permite relacionar unidades de signicado e realizar a sua integrao em unidades de nvel superior.

    No obstante o atrs exposto, tendo em considerao que o papel desempenhado pelos processos fonolgicos nas fases iniciais da aquisio da leitura um tema com mais consenso do que o papel de outros processos cognitivos, a referncia a estes ltimos envolve certas restries. Primeiro, os processos cognitivos distais, bem como as tarefas usadas para os operacionalizar tm de ser signicativos teoricamente e apropriados em termos de aquisio da leitura. Segundo, o diagnstico de tais processos no

    suciente por si s, pois deve ter implicaes para a reeducao (Das, Garrido, Gonzlez, Timoneda, & Prez-lvarez, 2001; Das, Naglieri & Kirby, 1994).

    Por outras palavras, para alm de examinar a relao entre os processos cognitivos distais e a descodicao de palavras, tambm precisamos de conceber programas de interveno prticos que providenciem treino dos processos que suportam e so subjacentes leitura. Os processos cognitivos do modelo PASS e as tarefas usadas para os operacionalizar respeitam estes dois requisitos.

    Assim, para alm das relaes entre as componentes do PASS e as habilidades de leitura, das quais se salienta o processamento Sucessivo pelas suas correlaes elevadas e consistentes com as habilidades de leitura iniciais, associado teoria PASS, existe tambm o Programa de Reeducao do PASS (PREP).

    Neste sentido, o PREP um instrumento de interveno (re)educativa, que tem como objetivo a promoo dos processos proximais (isto , aqueles que contribuem para o desenvolvimento do processamento fonolgico e das habilidades fonolgicas), tendo como ponto de partida os processos distais. Ou seja, o PREP incorpora tanto os processos distais, de ordem superior, como a concretizao destes nos processos proximais, de processamento fonolgico (Das, Naglieri, & Kirby, 1994).

    Em sntese, tendo ido para alm do paradigma da memria de trabalho e chegando mais longe nos processos cognitivos que esto subjacente leitura, a combinao da teoria e da prtica do modelo PASS e do PREP parecem corresponder s atuais necessidade de interveno nas diculdades de aprendizagem na leitura, particularmente na dislexia.

    Bibliograa

    Caldas, A. C. (1999). A Herana de Franz Joseph Gall - O Crebro ao Servio do Comportamento Humano. Lisboa: McGraw-Hill.

    Cruz, V. (2007). Uma Abordagem Cognitiva da Leitura. Lisboa: Lidel.Das, J., Garrido, M., Gonzlez, M., Timoneda, C., & Prez-lvarez, F. (2001).

    Dislexia y Dicultades de Lectura: Una Gua para Maestros. Barcelona: Paids.Das, J., Naglieri, J. & Kirby, J. (1994). Assessment of Cognitive Processes: the

    P.A.S.S. theory of intelligence. Toronto: Allyn and Bacon.Morais, J. (1997). A Arte de Ler - Psicologia Cognitiva da Leitura. Lisboa: Edies

    Cosmos.Shaywitz, S. (2008). Vencer a Dislexia: Como dar resposta s perturbaes da

    leitura em qualquer fase da vida. Porto: Porto Editora.

    1 Endereo de correio eletrnico

    [email protected]

  • 18 Diversidades

    A necessidade de manipular nmeros e fazer clculos intervm em diversas atividades do dia a dia. Contudo, algumas crianas deparam-se com diculdades inesperadas: tm diculdade em descobrir qual de dois nmeros o maior, tm que contar sempre pelos dedos para realizar operaes simples, no conseguem ver as horas sem ser em relgios digitais e enganam-se facilmente a estimar o que vo pagar pelas compras ou a conferir os trocos. Provavelmente estas crianas manifestam uma perturbao especca da aprendizagem do clculo ou discalculia. Se as suas diculdades no forem atempadamente reconhecidas e remediadas, limitaro seriamente o seu percurso escolar e vocacional. No entanto, comparativamente aos estudos sobre a dislexia, a investigao sobre a discalculia est ainda na infncia. Temos ainda muitas dvidas por esclarecer, quer quanto sua denio e causas, como relativamente ao que deve ser avaliado e quais os modelos de interveno mais ecazes.

    Como se dene esta Perturbao?

    O termo discalculia de desenvolvimento foi introduzido na literatura na dcada de 70 por um psiclogo checoslovaco, Ladislav Kosc, caracterizando-a como uma diculdade especca na matemtica resultante de uma perturbao nas reas do crebro implicadas no clculo, sem perda

    concomitante das funes cognitivas gerais. No campo da educao, tem sido mais utilizado o termo mais abrangente de diculdades de aprendizagem na matemtica (Geary, 2004) e a classicao americana das perturbaes mentais (DSM-IV-TR, 2000) utiliza a designao perturbao do clculo, caracterizando-a como uma capacidade para o clculo (medida por provas padronizadas, aplicadas individualmente) acentuadamente abaixo do nvel esperado para a idade cronolgica, a inteligncia e a escolaridade do indivduo. O DSM 5, a editar em 2013, pretende retomar o termo discalculia, denindo--a de um modo mais especco como a diculdade na compreenso ou produo de quantidades, smbolos numricos ou operaes aritmticas bsicas no consistentes com a idade cronolgica, oportunidades educacionais ou capacidade intelectual.

    um Dce em Processos Cognitivos de Domnio Especco ou Geral?

    A hiptese do dce de domnio especco defende que a discalculia causada por um problema na representao de quantidade. Assim como o dce fonolgico parece ser central na dislexia, pode considerar-se central para a discalculia o dce no sentido do nmero, ou seja, na capacidade para compreender e manipular quantidades (Butterworth, 1999; Dehaene, 1997) ou no acesso automtico a este sentido quando se manipulam os smbolos verbais ou numerao rabe (Rousselle & Noel, 2007; Wilson & Dehaene, 2007). Diversos estudos comportamentais mostram que as crianas com discalculia tm diculdades em tarefas bsicas como o subitizing (determinao sbita do cardinal de um conjunto at 4 elementos), a contagem e a discriminao numrica (capacidade para comparar dois nmeros ou dois conjuntos). Estudos de imagem cerebral tm contribudo para fortalecer esta hiptese pois mostram sistematicamente que alteraes no funcionamento ou na estrutura do crebro, mais

    Discalculia: Questes por ResolverJoana Castelo Branco - Instituto de Cincias da Sade, Universidade Catlica Portuguesa

    Bindaas Madhavi

  • abril - junho 2012 19

    especicamente no sulco intraparietal, interferem seriamente com o desenvolvimento das competncias numricas (Isaacs, Edmonds, Lucas, & Gadian, 2001; Molko, Cachia, Riviere, Mangin, Bruandet, & LeBihan, 2003). A hiptese do dce de domnio geral defende que a discalculia melhor compreendida se tivermos em conta os dces ao nvel de processos cognitivos como a memria de trabalho, as funes executivas, a ateno ou o processamento visuo-espacial (Henik, Rubinsten, & Ashkenazi, 2011). De facto, algumas das manifestaes tpicas da discalculia tais como os problemas com a recuperao de factos numricos como as tabuadas, a utilizao de estratgias pouco ecazes de contagem ou as diculdades na sequenciao dos vrios passos para calcular e resolver problemas podem ser conceptualizadas a este nvel. Alm disso, a discalculia pura extremamente rara, sendo muito mais frequente a associao a outras perturbaes do desenvolvimento, como a dislexia ou a PHDA (perturbao de hiperatividade com dce de ateno).

    Qual a sua Prevalncia?

    difcil de estabelecer, depende dos critrios de denio, da idade de diagnstico e dos instrumentos utilizados. Estima-se que entre 3 a 6% da populao escolar possa sofrer desta perturbao. Ao contrrio da maioria das perturbaes do desenvolvimento que so mais frequentes nos rapazes, a incidncia da discalculia equivalente entre rapazes e raparigas. O facto de a sua incidncia ser muito superior entre familiares e ainda maior entre gmeos monozigticos faz pensar que pode ter uma componente gentica.

    Haver diferentes Sub-tipos?

    Uma proposta um pouco simplista distinguia entre discalculia de tipo verbal, associada a disfuno no hemisfrio esquerdo, e espacial, associada a disfuno no hemisfrio direito (Rourke, 1993). Uma outra proposta (Jordan, Hanich, & Kaplan, 2003) defende que se deve diferenciar o grupo das crianas que tem diculdades apenas na matemtica daquelas que tm diculdades acrescidas de leitura, tendo estas ltimas um pior desempenho tanto ao nvel do clculo exato como dos problemas com enunciado verbal.

    Finalmente, Geary (2004) distingue entre trs sub- -tipos: (i) Discalculia de memria semntica, em que uma disfuno na memria verbal provoca sobretudo diculdades na aprendizagem e recuperao de factos numricos, como a sequncia dos nmeros e as tabuadas, sendo provvel a coocorrncia de dislexia; (ii) Discalculia de procedimentos, em que predominam problemas nas funes executivas levando utilizao de estratgias de clculo inadequadas e a diculdades na sequenciao dos vrios passos de resoluo de problemas, com a possvel coocorrncia de PHDA; (iii) Discalculia visuo-espacial, na qual os problemas de perceo e integrao visuo-espacial interferem com a leitura e representao de nmeros, a representao espacial de conceitos matemticos e com a compreenso de informao apresentada de forma espacial. Apesar destas distines fazerem sentido dum ponto de vista terico, at agora a investigao no tem encontrado padres consistentes de dces que permitam suportar diferentes abordagens teraputicas para estes grupos.

    O que Avaliar?

    Uma vez que no nosso pas no possumos testes normalizados que permitam uma avaliao por referncia ao que seria esperado para a idade ou nvel de escolaridade da criana, necessrio fazer uma avaliao mais funcional. O diagnstico deve ser feito com base nos efeitos ao nvel das competncias numricas e matemticas. necessrio obter uma histria clnica detalhada com informao da criana, dos pais e dos professores. Devemos comear por utilizar tarefas que avaliem as competncias

  • 20 Diversidades

    mais bsicas, ao nvel no-simblico (pedindo, por exemplo, a comparao de dois conjuntos de pontos ou de objetos do quotidiano e a localizao de diversas quantidades numa reta) e simblico (enumerao e contagem livre, conhecimento dos princpios de contagem, estimao de quantidades, comparao de dgitos, compreenso do sistema de numerao). As competncias de clculo devem ser tambm pesquisadas, comeando pelas operaes adquiridas mais precocemente, como a adio e a subtrao sem transporte nem emprstimo, vericando as estratgias utilizadas e tambm o tempo despendido na sua realizao. Consoante o ano letivo da criana, h que pesquisar tambm o domnio de contedos relacionados com o tempo, o dinheiro, os sistemas de medida ou a geometria importante lembrar que, ao pedir criana para resolver situaes problemticas, para alm de avaliarmos competncias matemticas, estamos a exigir competncias de compreenso verbal, de representao, de planicao e de vericao da soluo encontrada.

    A avaliao do funcionamento cognitivo nas suas diversas dimenses (ateno, memria, funes executivas, linguagem, pensamento abstrato) tambm necessria para identicar pontos fortes e fracos e tentar perceber o que pode estar subjacente a algumas das diculdades. No nos devemos ainda esquecer de vericar se existem sinais de ansiedade face matemtica ou se a criana interiorizou crenas desajustadas que estejam a reforar o desinvestimento face a esta disciplina.

    Que Modelos de Interveno?

    O principal objetivo da interveno ser facilitar a aquisio das competncias matemticas em dce: sentido do nmero, sistema de numerao, clculo e resoluo de problemas. Poder ser necessrio tratar as perturbaes associadas, como os dces de ateno ou de memria de trabalho e prevenir o aparecimento de problemas emocionais.

    Algumas tcnicas de reabilitao baseadas no treino do sentido do nmero parecem ser ecazes. Uma abordagem promissora aquela que tem procurado desenvolver software informado pela investigao ao nvel das neurocincias. The Number Race (disponvel em: www.unicog.org/main/pages.

    php?page=NumberRace), que procura melhorar a preciso ao nvel da comparao numrica e reforar as ligaes entre representaes simblicas e no-simblicas de quantidade e o Grapho-game-Maths (disponvel em: www.number-sense.co.uk/numberbonds/), que procura fortalecer a semntica dos nmeros at 10, so dois exemplos desta tentativa de unir as neurocincias e a educao. Ser ainda necessrio percorrer um longo caminho para conseguirmos compreender os efeitos destes programas ao nvel cerebral, nomeadamente se permitem uma ativao dos mesmos mecanismos utilizados no desenvolvimento tpico ou se ativam mecanismos compensatrios.

    No sabemos tambm se programas de treino de competncias mais gerais como a memria verbal, a ateno visuo-espacial ou as funes executivas sero ecazes, nem se ser possvel uma interveno precoce, antes da escolaridade formal, para prevenir o aparecimento de diculdades de aprendizagem na matemtica.

    fundamental que os investigadores das neurocincias trabalhem em conjunto com os prossionais da educao para podermos avanar no conhecimento sobre a discalculia e tornar a matemtica uma BOAtemtica para todos!

    Bibliograa

    Butterworth, B. (1999). The Mathematical Brain. London: Macmillan.Dehaene, S. (1997). The Number Sense. Oxford: Oxford University Press.Geary, D. C. (2004). Mathematics and learning disabilities. Journal of Learning

    Disabilities, 37(1), 4-15.Henik, A. Rubinsten, O., & Ashkenazi, S. (2011). The where and what in

    developmental dyscalculia. The Clinical Neuropsychologist, 25(6), 989-1008.Isaacs, E. B., Edmonds, C. J., Lucas, A., & Gadian, D. G. (2001). Calculation

    difculties in children of very low birth weight: A neural correlate. Brain, 124(9), 1701-1707.

    Jordan, N. C., Hanich, L. B., & Kaplan, D. (2003). A longitudinal study of mathematics competencies in children with specic mathematics difculties versus children with comorbid mathematics and reading difculties. Children Development, 74(3), 834-850.

    Molko, N. Cachia, A., Riviere, D. Mangin, J. F. Bruandet, & M. LeBihan, D. (2003). Functional and structural alterations of the intraparietal sulcus in a developmental dyscalculia of genetic origin. Neuron, 40(4), 847-858.

    Rourke, B. P. (1993). Arithmetic disabilities, specic and otherwise: A neuropsychological perspective. Journal of Learning Disabilities, 26(4), 214-226.

    Rousselle, L., & Noel, M. P. (2007) Basic numerical skills in children with mathematics learning disabilities: A comparison of symbolic vs non-symbolic number magnitude processing. Cognition 102, 361-395.

    Wilson, A., & Dehaene, S. (2007). Number Sense and Developmental Dyscalculia. In: D. Coch, G. Dawson, & K. Fisher (Eds.) Human Behavior, Learning and the Developing Brain: Atypical Development. New York: Guilford Press.

  • abril - junho 2012 21

    O estudo encetado pelo Conselho Nacional de Educao, denominado Estado da Educao 2011, revelou que apenas cerca de metade dos alunos que frequenta o 12. ano tem 17 anos (ou seja, nunca reprovou) e um em cada oito alunos reprovou pelo menos trs vezes ao longo da sua escolaridade.

    Uma das possveis causas de insucesso escolar no mbito do desenvolvimento infantil so as diculdades especcas de aprendizagem. Nelas se incluem a dislexia, a disgraa e a discalculia.

    Desde a dcada de 70, do sculo passado, que muitos trabalhos cientcos tm abordado as diculdades especcas de aprendizagem, no obstante a prevalncia da dislexia e da discalculia serem semelhantes (cerca de 3 a 6% da populao), a grande maioria destes estudos debruava-se apenas sobre a dislexia.

    A investigao das diculdades do clculo surgiu apenas mais recentemente. No entanto, nos ltimos anos, os trabalhos cientcos a elas dedicados tm sido efetuados com grande enfoque.

    A discalculia uma diculdade especca de aprendizagem, persistente a curto prazo em cerca de metade da populao afetada. A longo prazo, as consequncias englobam a limitao em termos de sucesso acadmico nas disciplinas de Matemtica e outras que necessitam das capacidades a ela associadas (como a Fsica-Qumica), a no progresso para cursos superiores que requerem estas capacidades e outras limitaes que abrangem o manuseamento do dinheiro, horas e sistema mtrico. O seu prognstico mais reservado, quando comparado com outras diculdades de aprendizagem.

    Por estes motivos, tornou-se premente caracterizar estas diculdades e muitos autores tm publicado as suas classicaes de diculdades do clculo, de acordo com o mecanismo subjacente que se encontra alterado e que condiciona a normal progresso do desenvolvimento das competncias matemticas.

    A caracterizao exposta neste artigo baseia-se nas diculdades de concretizao apresentadas por crianas e adolescentes, de forma a enquadrar-se no desenvolvimento infantil destas mesmas competncias, com o objetivo mximo de facilitar a interveno, de reeducar e de recuperar o sucesso acadmico.

    Dado que a aprendizagem da matemtica um processo cumulativo (isto , se uma das etapas no for adquirida, no existe aprendizagem das etapas subsequentes), torna-se essencial detetar a etapa em falha, a ser trabalhada, para permitir a concretizao das aprendizagens posteriores.

    Para tal, efetuou-se um levantamento das diversas etapas do desenvolvimento infantil relacionado com as aptides matemticas, assim como um levantamento de todas essas aptides por idade e grau acadmico.

    As Diculdades do Clculo:Proposta de Caracterizao

    Ana Soa Branco1 - Centro de Desenvolvimento Infantil Diferenas

    doviende

  • 22 Diversidades

    Esta caracterizao permite, desta forma, a identicao do ponto a ser trabalhado por tcnicos especializados, bem como a denio do estdio do desenvolvimento das competncias matemticas numa dada criana, face ao seu grupo etrio.

    Neste sentido e de acordo com trabalhos cientcos de alguns autores (Geary, 2004) foi efetuada uma primeira diviso entre competncias pr-acadmicas e acadmicas.

    Nas competncias pr-acadmicas encontram- -se algumas competncias inatas (comuns maioria das espcies animais, incluindo insetos) como, por exemplo, o sentido numrico (Dehaene,1999) que corresponde conscincia e compreenso dos nmeros e suas relaes, quantidade e operaes numricas. Nos lactentes observvel atravs das noes de quanticao e ordinalidade. Em idade pr-escolar engloba aprendizagens como a contagem automtica, os princpios de contagem de Gelman e Gallistel [1. correspondncia um a um (uma palavra para cada objeto); 2. ordem estvel (a ordem das palavras tem que ser igual para todas as contagens); 3. cardinalidade (a ltima palavra corresponde quantidade de objetos); 4. abstrao (para qualquer tipo de objetos); 5. irrelevncia de ordem (pode-se contar a partir do princpio ou m da sequncia de objetos)], a linha numrica mental, operaes simples com recurso concretizao e estimativa.

    Uma segunda categoria inserida nas competncias pr-acadmicas o sentido de espao e tempo (Dehaene, 2011) que rene noes pr-escolares de forma, padres, medidas de espao e tempo.

    Estas competncias inatas possibilitaram, ao longo do tempo, a sobrevivncia de muitas espcies animais dado permitirem a estimativa de distncias e a fuga de eventuais predadores.

    Sem a aquisio das noes acima mencionadas no possvel a normal aprendizagem das competncias matemticas posteriores.

    Nas competncias acadmicas so includas todas as aprendizagens efetuadas desde o ensino bsico, necessrias para o sucesso acadmico a partir dessa altura (sequenciao e seriao, conceitos numricos e/ou verbais), reconhecimento de smbolos matemticos, procedimentos aritmticos e resoluo de problemas, geometria, sistema monetrio, mtrico e temporal.

    Esta caracterizao torna possvel elaborar programas individuais de interveno que vo ao encontro das necessidades especcas de cada criana e suas diculdades. Mais ainda, possibilita a programao a longo prazo, das reas em que ser necessrio trabalhar, posteriormente, para a reabilitao das diculdades e consequente sucesso na progresso acadmica. Por ltimo, permite uma estimativa da gravidade da situao: quanto mais precoce a competncia matemtica afetada maior a diculdade que a criana apresenta.

    Dada a sua estrutura e carcter abrangente, esta caracterizao passvel de ser utilizada em qualquer tipo de diculdade do clculo (tanto na discalculia como nas diculdades mais ligeiras de aquisio das competncias matemticas, que no preenchem critrios para diculdade especca de aprendizagem).

    Bibliograa

    Geary, D. C. (2004). Mathematics and learning disabilities. Journal of Learning Disabilities, 37, 4-15.

    Dehaene S. & Brannon, E., editors. (20119. Space, Time and Number in the Brain. Searching for the Foundations of Mathematical Thought. Academic Press.

    Dehaene S. (1999). The number sense. Oxford University Press. Penguin press: New York.

    1 Endereo de correio eletrnico

    [email protected]

  • abril - junho 2012 23

    As crianas com diculdades de aprendizagem (DA) so um desao constante para quem com elas convive de forma diria, pois as incitaes so constantes e levam por vezes ao limite.

    As crianas com DA devem ter um acompanhamento teraputico com uma preocupao individual de salvaguardar a criana e desenvolver as suas competncias menos adquiridas. Esse acompanhamento pode ser realizado tanto dentro como fora da escola, desde que se fale numa s direo. Clnica1, famlia e escola devem estar de mos dadas, com discursos e modos operandos articulados e estruturados. importante que a criana sinta uma preocupao nica, no mesmo sentido que lhe d segurana e perceber que os esforos para a ajudar vo no mesmo sentido. No s no mesmo sentido como complementares entre si. Certamente que pais, tcnicos e professores tm diferentes conhecimentos e diferentes possibilidades de interao que devem ser aproveitadas, como tambm complementares entre si. No signicando que a vida da criana seja um constante apoio.

    A interveno multissensorial deve ser considerada como pilar fundamental no trabalho com as crianas com DA. Diferentes crianas aprendem de diferentes modos e a maneira como proporcionamos experincias de aprendizagem infere nos resultados obtidos. As estratgias de ensino muito expositivas assentes numa comunicao verbal sero facilitadoras de aprendizagem a alguns, mas a outros no. necessrio diversicar com estratgias musicais, visuais, quinestsicas, entre outras. fundamental salvaguardar aos alunos estratgias que lhes favoream a aprendizagem minimizando partida as suas diculdades pela questo apenas estratgica. Apelar aos diversos sentidos salvaguardar, partida, condies de aprendizagem mais favorveis.

    A diversidade estratgica que colocamos em prtica na sala de aula, em famlia ou em consultrio favorecem a motivao, apelam participao ativa dos alunos e minimizam o entorpecimento do desalento ao longo do tempo em que os alunos convivem com diculdades acadmicas.

    Os pais tambm tm uma voz muito ativa na interveno motivacional dos seus lhos. Diariamente os pais convivem com as diculdades dos seus educandos. Que os desgastam, que os levam exaustam, que os fazem perder foras e ter maior diculdade em acreditar. frequente ver os pais mais desmotivados que os lhos com diculdades de aprendizagem. desde logo um princpio preocupante, pois sendo os pais os modelos e impulsionadores de conduta relacional e de ao, esta desmotivao e descrena transmite-se pelos sinais mais subtis, pelas expresses verbais mais insignicantes, mas que so persentidas e apreendidas pelos lhos. Ter um discurso otimista, encorajador faz toda a diferena em oposio a um discurso crtico, destrutivo que tudo pe em causa. Armaes como ele no consegue, j experimentei de tudo, transmitem uma incapacidade permanente que no verdadeira. A criana, hoje,

    Abordagem Motivacional e Multisensorial nas Diculdades de Aprendizagem

    Renato Paiva - Clnica da Educao

  • 24 Diversidades

    pode ter diculdades na leitura ou escrita, na graa ou matemtica, mas ter a mesma diculdade daqui a 10 anos? Muito provavelmente no. Poder ainda manifestar alguma diculdade a esse nvel, mas sem que seja to inuente no seu dia a dia. Antecipar os 10 anos que deve ser a preocupao dos pais, que tm um papel enorme sobre como os seus lhos encaram a escola. Devem encorajar, incentivar, motivar, salientar os sucessos, reetir nos fracassos, sem nunca, nunca desistir.

    Para que os pais saibam tambm posicionar-se nestas matrias s quais no so especialistas como os tcnicos ou os professores, estes necessitam de os orientar e auxiliar frequentemente. Desde logo tornando muito claro qual a diculdade do seu lho. importante que os pais percebam desde logo o que se passa com os seus lhos. Perceber o primeiro passo e torna-se fundamental efetuar sugestes bibliogrcas para uma melhor compreenso da situao dos seus lhos! Aqui professores e tcnicos tm de ser interventivos e cautelosos. Os pais devem ser aliados e necessitam de informao. Do que fazer,

    como fazer, o que evitar, como reagir, etc. Tm de ser ensinados e apoiados. Ensinados sobretudo no saber fazer. No basta que conheam a fundo a dislexia do seu lho se no souberem como se posicionar no trabalho com as crianas. importante que tcnicos e professores ensinem o saber fazer e agir nas crianas com diculdades.

    Nas DA procura-se uma mudana de realidade. Quanto mais cedo a criana conseguir ultrapassar as suas diculdades mais salvaguardada estar. Mas no apenas a criana que tem de mudar. Se queremos provocar mudana na criana, pais, professores e tcnicos tm de mudar o modo como nos posicionamos perante as crianas com diculdades de aprendizagem. Cada criana nica. Temos de as encarar desta forma, para que a criana se sinta no s valorizada, mas sobretudo entendida e respeitada.

    1 Clnica da Educao

    Morada: Av. 5 de Outubro n. 151 6. A, 1050-053 LisboaTelefone: 933 420 177E-mail: [email protected] Pgina Web: http://www.clinicadaeducacao.com

  • abril - junho 2012 25

    Perturbaes Especcas da Aprendizagem: o Conceito

    O termo Perturbaes do Desenvolvimento um conceito que no desperta, na maioria dos casos, a ateno de pais, educadores, ou mesmo de professores ou outros prossionais de Educao ou de Sade.

    No entanto, se falarmos de dislexia, dce de ateno, ou mesmo de diculdades de aprendizagem, a sim, j teremos uma maior audincia.

    Embora no exista um consenso entre os estudiosos acerca da denio, poderemos dizer que se tratam de Perturbaes Especcas das Aquisies Acadmicas (PEAA) quando uma criana, apesar de apresentar um bom estado de sade geral, um desenvolvimento convencional e de ter frequentado um ensino escolar regular, no adquire, ou adquire de uma forma muito laboriosa, as competncias de leitura e/ou escrita e/ou clculo.

    Desta feita, excluem-se as PEAA que ocorrem em situaes de dce cognitivo (atraso mental), perturbao de espetro autista e paralisia cerebral, bem como as do foro psiquitrico/psicolgico ou outras limitaes relacionadas com inuncias externas (m qualidade de ensino, privao sociocultural, entre outras).

    Dentro deste conceito abrangente, podemos incluir um conjunto de perturbaes do desenvolvimento mais especcas, como a dislexia (diculdade na leitura), a disortograa (diculdade na ortograa), discaligraa (caligraa ilegvel) e a discalculia (diculdade na aprendizagem do clculo, da aritmtica e de conceitos matemticos).

    Sabia que cerca de 8% das crianas em idade escolar apresentam Diculdades Especcas da Aprendizagem nos Estados Unidos da Amrica? E que

    em Inglaterra, de acordo com estudos recentes, 6 em cada 1000 pessoas tm diculdades de aprendizagem? E qual a situao no nosso pas?

    Em Portugal, no existe nenhum estudo recente realizado acerca da prevalncia e distribuio por idade, sexo, nvel de escolaridade ou rea geogrca das perturbaes do desenvolvimento, concretamente relacionado com as perturbaes especcas da aprendizagem.

    Deparamo-nos com a frequente situao de professores e outros tcnicos das reas da sade e da educao no disporem de formao tcnica especca e dos meios de diagnstico, avaliao, encaminhamento e interveno nas perturbaes especcas da aprendizagem.

    Por outro lado, atualmente so diminutas as publicaes portuguesas especcas para a reeducao de crianas com perturbaes especcas da leitura (dislexia), da escrita (disgraa) e do clculo (discalculia).

    As perturbaes especcas da aprendizagem esto frequentemente associadas a outras perturbaes do desenvolvimento, designadamente, perturbao de hiperatividade e dce de ateno, perturbaes especcas da linguagem, sndrome de asperger, entre outras.

    Diculdades de Leitura ou Dislexia?

    Aprender a ler constitui uma das tarefas mais desaantes com que as crianas se deparam nos nossos dias enquanto alunos.

    A evidncia cientca revela-nos que cerca de 80% das crianas que apresentam atraso de linguagem aos 4 anos de idade vo ter diculdades na aprendizagem da leitura aos 6/7 anos de idade, o que nos deve deixar

    ProDis: No Reino dos FonemasSoftware para (Re)educao da Leitura

    na Lngua PortuguesaFtima Trindade & Sandra Silva - Centro de Desenvolvimento Infantil Diferenas

  • 26 Diversidades

    de sobreaviso, caso tal situao nos bata porta. Neste caso, recomendvel um ensino precoce da leitura, ainda em idade pr-escolar.

    Uma das grandes questes para quem tem esta fantstica tarefa de ensinar a ler, qual ser o melhor mtodo para o fazer. Ou partindo das letras, passando para as slabas e chegando palavra, ou utilizando o percurso inverso, qualquer destas abordagens poder ser uma das vias para que a criana comece a ter a possibilidade de entrar no reino da leitura.

    Se tal no ocorrer no primeiro ano de escolaridade ou se representar uma tarefa muito rdua, onde letras de forma e som semelhante se confundem, ento poderemos estar perante uma situao de dislexia, uma perturbao do desenvolvimento de carter permanente e prolongado, que ir dicultar o desempenho da criana em todo o seu percurso escolar, pois a leitura o porto que nos permite aceder ao conhecimento.

    Nesse caso, compete ao professor e aos pais procurarem ajuda especializada, por forma a se poder efetuar uma avaliao psicopedaggica especializada e se mobilizarem os recursos humanos e materiais necessrios para uma ecaz reeducao.

    A investigao neurosiolgica e educativa que se tem debruado sobre as perturbaes da aprendizagem, em especial a dislexia (que de uma forma simplista podemos denir como: uma perturbao do desenvolvimento que se manifesta pela diculdade na aquisio da leitura), tem sido alvo de evoluo

    nos ltimos anos, trazendo novos conhecimentos acerca das metodologias mais ecazes de despiste e reeducao das crianas com estas perturbaes.

    No entanto, vo surgindo algumas propostas reeducativas e remediativas que, embora no comprovadas cienticamente, vo ganhando nfase no seio da comunidade educativa, causando assim confuso entre professores, pais e terapeutas.

    Ganha cada vez mais terreno o entendimento da dislexia como uma perturbao da linguagem inscrita num continuum, desde as perturbaes da linguagem at disortograa (diculdade na escrita). Esta viso suportada por estudos cientcos longitudinais, em que se seguiram crianas com perturbaes fonolgicas da linguagem e em quem se demonstraram dces do processamento fonolgico na adolescncia, mesmo quando o problema de linguagem e de leitura estava aparentemente resolvido.

    Assim, cada vez mais aceite a Teoria do dce fonolgico (dce cognitivo especco na converso dos grafemas: letras/smbolos, em fonemas: sons), como explicao da dislexia.

    Com o recurso s tcnicas de neuro-imagiologia funcional (PET), vericou-se que o crebro das pessoas com dislexia menos ativado em algumas zonas, comparativamente com o das pessoas sem dislexia.

    Desta feita, torna-se importante aqui realar que:- no existem frmacos que, comprovadamente,

    proporcionem algum benefcio na dislexia;- no existe utilidade na execuo de treinos

    posicionais, utilizao do leitoril, palmilhas especiais, ginstica ocular ou uso de lentes oftalmolgicas (prismticas ou coloridas). O seu uso no traz benefcios cienticamente comprovados, sendo que, para alm de serem bastante dispendiosas, criam nos pais, professores e alunos, falsas expectativas, atrasando o processo de reeducao.

    A Academia Americana de Pediatria e a Academia Americana de Oftalmologia Peditrica apresentaram um estudo em 2000, comprovando para toda a comunidade cientca, que estes tipos de terapias no tinham base cientca, pelo que no teriam qualquer tipo de utilidade na reeducao das crianas com dislexia.

  • abril - junho 2012 27

    ProDis: No Reino dos Fonemas - Software para (re)educao da leitura na Lngua Portuguesa: Aprendizagem do Princpio Alfabtico

    A leitura, no nosso idioma, baseia-se num sistema alfabtico que se traduz na converso de smbolos grcos, a que chamamos letras (grafemas), em ondas sonoras, isto sons (fonemas).

    O que pode ser um processo simples e motivante para algumas, pode representar uma verdadeira batalha, onde letras, sons, slabas e palavras parecem um cdigo indecifrvel.

    O ProDis: No Reino dos Fonemas um programa de (re)educao da leitura na Lngua Portuguesa, concebido com base nos programas estruturados elaborados e utilizados pelos tcnicos do Centro de Desenvolvimento Infantil Diferenas e pela Associao Portuguesa de Portadores de Trissomia 21 (APPT21), na interveno direta e estruturada com crianas com diculdades especcas de aprendizagem.

    Assim, de uma forma ldica, o jogador passa por etapas sequenciais, num ensino explcito, progressivo e cumulativo, de acordo com os princpios orientadores da International Dyslexia Association (2000).

    O primeiro jogo, No Reino dos Fonemas, contempla o ensino do princpio alfabtico, atravs da apresentao e identicao da graa das letras e do ensino dos sons das mesmas, com base em exerccios de conscincia fonolgica de nvel e complexidade crescentes. O jogador ter propostas prticas apelativas no treino e consolidao da graa e sons das letras, que vo sendo apresentadas, com constante feedback quer nos erros, quer nas conquistas que vo ocorrendo.

    Na sua conceo foram considerados diferentes tipos de pressupostos:

    - lingusticos, na sequncia de apresentao das letras e seleo lexical (com especial contribuio da Dra. Tnia Toscano).

    - metacognitivos e emocionais, atravs da promoo da autonomia, aumento da autoestima, capacidade de autocorreo, aumento da capacidade de ateno, memria, perceo e conscincia fonolgica;

    - instrumentais, pela abordagem de ensino multissensorial, progressivo e cumulativo assim como diversidade de interfaces (teclado, rato ou toque), presena de instruo/aprendizagem, diferentes

    hipteses de jogo, feedback da performance, enredo cativante, numa histria onde todos os pormenores (nome e design) foram pensados e;

    - grcos, na preocupao com a graa comum, mais utilizada em Portugal, sendo abordados os quatro grasmos das letras (de imprensa e manuscrita, maiscula e minscula) e no design das personagens, sendo a indumentria facilitadora da memorizao da forma/graa das letras e os nomes selecionados, facilitadores da aprendizagem e memorizao dos sons das mesmas.

    No Reino dos Fonemas apresenta uma histria fascinante, que se encontra organizada atravs um jogo de plataformas, onde as tarefas vo tendo complexidade crescente.

    Uma vez que pode ser utilizado como uma ferramenta de reeducao, o tcnico, professor ou educador poder ter acesso ao registo do percurso do jogador, podendo monitorizar as prximas sesses de ensino, planeando um treino especco nas letras onde apresentou maior diculdade.

    Contando com a ajuda de alguns parceiros para a realizao deste jogo, os cenrios e toda a histria tm vindo a cativar os alunos que o tm experimentado, com resultados muito satisfatrios na letra-E.

    O ProDis apresenta-se como um facilitador da desaante tarefa que constitui a aprendizagem da leitura na Lngua Portuguesa, tendo obtido a aprovao para ser includo no Plano Nacional de Leitura (PNL).

    One Laptop per Child

  • 28 Diversidades

    Vontade de Vencer!Alcides Fernandes & Duarte Sousa - Clube Desportivo Os Especiais

    Testemunho

    Alcides Fernandes, nascido h 31 anos no concelho de Cmara de Lobos, iniciou-se no basquetebol h cerca de 15 anos Nessa altura, frequentava o curso de carpintaria no Centro Regional de Formao Prossional de Decientes, da ento Direo Regional de Educao Especial, e ainda hoje exerce a prosso de ajudante de mestre/carpinteiro numa empresa familiar. O seu percurso escolar foi integralmente feito na Educao Especial contudo, o facto de possuir uma necessidade especial no o impediu de conquistar o topo do basquetebol nacional e internacional para pessoas com necessidades especiais, com lugar cativo na Seleo Nacional de basquetebol, da Associao Nacional de Desporto para a Decincia Intelectual (ANDDI - Portugal).

    Do alto do seu 1,89m, Alcides tambm um colosso na vontade de vencer e na determinao, o que o fez alcanar, pela primeira vez, uma participao nos Jogos Paralmpicos de Sidney 2000, na Austrlia, e outras participaes internacionais, como os Jogos Paralmpicos de Atenas 2004, na Grcia, e os Campeonatos da Europa e do Mundo, at presente data.

    Calmo e discreto, Alcides revela que a prtica desportiva foi um empurro fundamental para se integrar na