12
1 Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.56-67, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368 semeiosis SEMIÓTICA E TRANSDISCIPLINARIDADE EM REVISTA TRANSDISCIPLINARY JOURNAL OF SEMIOTICS resumo Este artigo apresenta uma proposição teórico-metodológica em semiótica aplicada ao design, baseada nas dimensões semióticas pragmática, semântica e sintática, propostas originalmente por Charles Morris e reaplicadas nas literaturas mais recentes do design, condensadas na obra Design do Objeto: Bases Conceituais, de João Gomes Filho. A partir da compreensão de como articulam tais dimensões em sistemas sígnicos de produtos, foi estabelecida uma correlação entre as dimensões e os aspectos projetuais de um produto, denominados: estratégia, percepção e configuração, variáveis denominadas, nessa proposição, camadas semióticas de design. Tais variáveis foram estendidas a um modelo de processo de design. Em seguida, elaborou-se uma ferramenta para uso em processos colaborativos de design, baseado nos elementos e variáveis dispostos no modelo. A ferramenta foi aplicada no contexto de desenvolvimento de sistemas em instituição de ensino superior, como apoio a projetos colaborativos de interfaces de sistemas web. Como principais resultados obtidos, observaram-se: maior síntese das informações relevantes para o produto, elucidando o processo aos pares; socialização de ideias como estímulo à cocriação; contribuição educacional da ferramenta para graduandos em design envolvidos nos projetos. PALAVRAS-CHAVE: Metodologia. Design. Semiótica. abstract This paper shows a theoretical-methodological proposition in semiotics applied to design, based on the semiotic dimensions – pragmatic, semantic and syntactic –, originally proposed by Charles Morris and incorporated by recent literature of design, as verified in Design of Object: Conceptual Bases, published by Brazilian researcher João Gomes Filho. From the comprehension about the articulation between dimensions in the semiotics of product design, it was established a correlation between dimensions and projectual aspects of product, called as: strategy, perception and configuration, variables which, in this proposition, was considered as semiotic design layers. These variables was extended in a model of design process. After, it was elaborated a visual framework to support collaborative design processes for web systems in an information technology area of a Brazilian university. The main results of intervention was: more synthesis of information relevant and applicable to the project, clarifying the process and evolution of product design; sharing and socialization of ideas, allowing divergent thinking and empowering the creativity; the educational contribution of the framework for undergraduate students involved in the projects. KEYWORDS: Methodology. Design. Semiotics. Dimensões semióticas como suporte a processos colaborativos de design: um modelo teórico-metodológico André Grilo, UFRN | [email protected] Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.56-67, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368

Dimensões semióticas como suporte a processos ... · plataformas iOS e Android, a dimensão sintática sofre alterações, por exemplo, na localização de determinadas funcionalidades

Embed Size (px)

Citation preview

1

Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.56-67, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368

semeiosisSEMIÓTICA E TRANSDISCIPLINARIDADE EM REVISTA

TRANSDISCIPLINARY JOURNAL OF SEMIOTICS

resumoEste artigo apresenta uma proposição teórico-metodológica em semiótica aplicada ao design, baseada nas dimensões semióticas pragmática, semântica e sintática, propostas originalmente por Charles Morris e reaplicadas nas literaturas mais recentes do design, condensadas na obra Design do Objeto: Bases Conceituais, de João Gomes Filho. A partir da compreensão de como articulam tais dimensões em sistemas sígnicos de produtos, foi estabelecida uma correlação entre as dimensões e os aspectos projetuais de um produto, denominados: estratégia, percepção e configuração, variáveis denominadas, nessa proposição, camadas semióticas de design. Tais variáveis foram estendidas a um modelo de processo de design. Em seguida, elaborou-se uma ferramenta para uso em processos colaborativos de design, baseado nos elementos e variáveis dispostos no modelo. A ferramenta foi aplicada no contexto de desenvolvimento de sistemas em instituição de ensino superior, como apoio a projetos colaborativos de interfaces de sistemas web. Como principais resultados obtidos, observaram-se: maior síntese das informações relevantes para o produto, elucidando o processo aos pares; socialização de ideias como estímulo à cocriação; contribuição educacional da ferramenta para graduandos em design envolvidos nos projetos.

PALAVRAS-CHAVE: Metodologia. Design. Semiótica.abstract

This paper shows a theoretical-methodological proposition in semiotics applied to design, based on the semiotic dimensions – pragmatic, semantic and syntactic –, originally proposed by Charles Morris and incorporated by recent literature of design, as verified in Design of Object: Conceptual Bases, published by Brazilian researcher João Gomes Filho. From the comprehension about the articulation between dimensions in the semiotics of product design, it was established a correlation between dimensions and projectual aspects of product, called as: strategy, perception and configuration, variables which, in this proposition, was considered as semiotic design layers. These variables was extended in a model of design process. After, it was elaborated a visual framework to support collaborative design processes for web systems in an information technology area of a Brazilian university. The main results of intervention was: more synthesis of information relevant and applicable to the project, clarifying the process and evolution of product design; sharing and socialization of ideas, allowing divergent thinking and empowering the creativity; the educational contribution of the framework for undergraduate students involved in the projects.

KEYWORDS: Methodology. Design. Semiotics.

Dimensões semióticas como suporte a processos colaborativos de design: um modelo teórico-metodológico

André Grilo, UFRN | [email protected]

Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.56-67, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368

2

Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.56-67, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368

1. IntroduçãoO esforço em transportar para os meios de produção as necessidades dos

usuários de um produto constitui uma das principais competências do designer ao longo da evolução e consolidação de seu ofício na indústria (MUNARI, 1981). Ao observar as especificidades dos sujeitos e a dinâmica do mercado no qual está inserido, o designer articula para balizar a definição do produto entre a estratégia das organizações e subjetividade do ser humano (MOZOTA, 2006; KALBACH, 2017). Cabe ao profissional de design, entretanto, advogar abordagens centradas no usuário dos artefatos e sua experiência com estes, considerando que as tecnologias devem ser desenvolvidas para se adequarem à maneira como o ser humano se comporta, evitando distorções que provoquem o condicionamento do usuário a produtos que desconsiderem suas características individuais (NORMAN, 2010; ROGERS, SHARP & PREECE, 2015).

Esta lide é desafiadora para o designer inserido nas organizações. No segmento das tecnologias da informação e da comunicação, é preciso estabelecer diretrizes que antecipam e influenciam a superfície visual (interface), para gerar sistemas web pertinentes ao usuário e ao negócio (GARRETT, 2010; CYBIS, BETIOL & FAUST, 2015). Ao executarem suas atividades, os atores envolvidos nos processos de decisão sobre o sistema podem cometer equívocos ou desvios ergonômicos, pelo fato de não estarem municiados de informações que deem respaldo para atender às demandas do usuário. O distanciamento entre processo de produção e a voz do usuário pode desencadear, além de frustrações nos utilizadores, consequentes retrabalhos para a equipe de desenvolvimento do sistema, em um círculo vicioso de tentativas e erros. Destarte, como o designer poderia, como articulador no processo de produção, evidenciar tais dados qualitativos sobre os usuários para os times de desenvolvimento, convergindo as ações da organização para uma ação conscientizada sobre a experiência do usuário? Entende-se, aqui, a necessidade de compreensão sobre o significado do produto para o usuário e para a organização, e de como concebê-lo promovendo equilíbrio entre essas duas variáveis.

Neste artigo, descreve-se um modelo teórico-metodológico de design, proposto a partir das dimensões semióticas propostas por Charles Morris (1938) – pragmática, semântica e sintática –, reaplicadas por Gomes Filho (2006) ao contexto do design de produtos. A partir desse arcabouço teórico, amparado em literaturas clássicas e recentes publicações, estabelece-se uma relação entre a semiótica do design e processos de design, relatando a aplicação do modelo proposto no contexto de um setor de tecnologia da informação de instituição de ensino superior.

Considerou-se, aqui, a semiótica peirciana, proposta por Charles Sanders Peirce (1839–1914), influenciador de Charles Morris.

3

Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.56-67, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368

2. Fundamentação teóricaNo âmbito do design, tem se consolidado nas últimas décadas o estudo de

como produtos de design transmitem significados para as pessoas (NIEMEYER, 2003), observando como as qualidades inerentes ao produto dialogam com seus usuários, expressando diferentes formas de linguagem.

Mas o que me parecem tentadoras são as relações que se podem estabelecer entre desenho, desígnio (tão patentes na palavra inglesa design) e significado, pois essas relações parecem confluir para o entendimento do "signo" como "projeto significante", como "projeto que visa a um significante". Considere-se, por exemplo, no campo do desenho industrial, o protótipo como signo (desenho, propósito, significação), para se constatar que não é arbitrário estender ao mundo dos produtos industrializados a visão da linguagem, ainda mais que desenho, propósito e significação podem emparelhar-se, pela ordem, aos níveis sintático, semântico e pragmático do signo. (PIGNATARI, 2002:28)

Como explicado por Pignatari (2002), o design de um produto estabelece formas de linguagem, fenômeno que pode ser compreendido pelo campo da semiótica, área da linguística e comunicação em que se estudam as relações simbólicas e de significação dos elementos. Niemeyer (2007) afirma que a semiótica aplicada ao design permite ir além dos aspectos funcionais de um produto, buscando garantir uma comunicação mais eficiente da mensagem que se deseja transmitir aos grupos de interesse, englobando assim usuários do produto e os atores envolvidos no desenvolvimento deste. Ou seja, um produto pode ser semioticamente estudado, sendo considerado um signo, isto é, um elemento capaz de produzir significados e representar algo para um determinado observador, estabelecendo comunicação com aqueles que com ele interagem.

Gomes Filho (2006) explica que há uma compreensão robusta existente na literatura do design, a qual aponta para a análise do design do produto a partir de três níveis ou dimensões semióticas, propostas originalmente pelo semioticista Morris (1938):

• Dimensão pragmática: caracteriza o propósito do produto, isto é, a função para a qual ele foi concebido.

• Dimensão semântica: corresponde à maneira como diferentes observadores interpretam e se relacionam com o produto.

• Dimensão sintática: explica como o produto foi constituído, suas partes, morfologia, etc.

4

Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.56-67, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368

Exemplifica-se aqui a aplicação desses conceitos. Seja o objeto uma bicicleta (Figura 1). Em uma dimensão pragmática, constitui-se um veículo de tração humana. Em sua dimensão semântica, pode significar lazer para um jovem ou um meio de transporte para um entregador. Na dimensão sintática, uma bicicleta é constituída por duas rodas formadas por pneus que recobrem o aro, um quadro que possui a correia com a qual se traciona a roda traseira, um guidom, com o qual o usuário conduz o veículo.

As dimensões semióticas de um produto, conforme Gomes Filho (op. cit.), atuam em interdependência. Ao comparar, por exemplo, um automóvel esportivo e um automóvel utilitário, como um ônibus, ambos possuem características sintáticas distintas, embora compartilhem dos mesmos elementos de sintaxe. No entanto, as finalidades dos produtos mencionados distinguem-se entre si, modificando a relação pragmática dos artefatos. Consequentemente, um mesmo usuário pode interpretar de maneiras distintas um automóvel esportivo e um caminhão, em uma relação semântica sobre o design.

Tal relação se estabelece também no contexto de artefatos digitais. Ao comparar as interfaces gráficas de um mesmo aplicativo (e.g., Skype) em plataformas iOS e Android, a dimensão sintática sofre alterações, por exemplo, na localização de determinadas funcionalidades de navegação (Figura 2). A percepção de navegação de um usuário nativo Android e iOS pode desencadear diferentes significados numa dimensão semântica, em função da dimensão sintática que diferencia tais interfaces. No entanto, ambas as interfaces são versões de um mesmo produto, o qual desempenha as funções pragmáticas para as quais foi projetado.

Figura 1: Diferentes significados de uso para produtos com similar composição sintáticaFonte: Extraído de <https://www.pexels.com/photo/man-person-summer-driving-526> e <https://www.pexels.com/photo/bicycle-bike-biker-cyclist-241831>, em jun. 2018.

Figura 2: Diferenças sintáticas entre interfaces gráficas do aplicativo Skype, nas plataformas Android e iOSFonte: Extraído de <http://softgallery.ru/wp-content/gallery/skype-ios/skype-ios_1.jpg> e <https://cdn.vox-cdn.com/uploads/chorus_asset/file/4027098/skype-for-android.0.png> em jun. 2018.

5

Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.56-67, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368

3. ProposiçõesDa relação entre as dimensões semióticas do design, observou-se

aplicabilidade em uma perspectiva metodológica de design. Para tanto, assumiu-se que:

I. A dimensão pragmática equivale à estratégia do produto;

II. A dimensão semântica equivale à percepção do usuário sobre o produto;

III. A dimensão sintática equivale à configuração formal e funcional do produto.

A partir desses três enunciados, foi elaborado um modelo denominado camadas semióticas de design, composto pelas camadas Estratégia, Percepção e Configuração (Figura 3).

Conforme ilustrado na Figura 3, propõe-se que a articulação entre as camadas deva ocorrer influenciada pela camada percepção do usuário, como forma de centrar as decisões estratégicas e morfológicas em função da maneira como este percebe e significa o produto. Assim, estratégia e configuração são variáveis dependentes de percepção (Figura 4).

Figura 3: Camadas semióticas de designFonte: Elaborado pelo autor

Figura 4: Dinâmica de design centrado no usuário entre as camadas.Fonte: Elaborado pelo autor.

6

Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.56-67, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368

A partir de ciclos e iterações, uma estratégia de produto pode ser refinada e aprimorada, conforme confrontada com a opinião dos potenciais usuários, obtidas na camada percepção (1). Em seguida, são conduzidas as definições visuais e funcionais do produto na camada configuração (2), e posteriormente validadas com o usuário (3), retornando a percepção destes para aprimoramentos na interface. Considera-se estes ciclos (exploração e validação) os mais próximos de uma abordagem centrada no usuário, sendo denominado anti-design o processo de configuração de um produto a partir de estratégias não confirmadas na camada percepção.

3.1 Elementos das camadas

Dessa compreensão, foi elaborado um modelo expandido que reúne os elementos pertencentes a cada camada semiótica de design (Figura 5). A camada estratégia contém os objetivos e propósitos do produto, alinhados a requisitos, diferenciados entre requisitos de produto (o que é o produto) e de projeto (como deve ser produzido), além das restrições (tempo, custos etc.), cf. Sotille et al. (2014). Consideram-se, ainda, os grupos de interesse (stakeholders) envolvidos no desenvolvimento do produto (BATCHELOR, 2013). As três camadas de design pertencem à esfera do planejamento do produto, que é inserida na esfera contexto dos usuários (contextualização).

O que deve preceder a definição de tais elementos estratégicos é o diagnóstico de problemas, oriundo de um ciclo de exploração sobre a percepção do usuário. Em definições, a percepção é um processo mental influenciado pelo contexto do sujeito, o qual produz diferentes modelos mentais, isto é, sua compreensão sobre a realidade a seu redor e os artefatos com os quais interage, resultantes dos acúmulos experiências de vida (ROCHA & BARANAUSKAS, 2003; WIND, CROOK & GUNTHER, 2006; MARTINS, 2013). É a partir da

Figura 5: Elementos e dinâmica entre as camadasFonte: Elaborado pelo autor

7

Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.56-67, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368

percepção, influenciada pelos sentidos, que o sujeito atribui significados aos elementos da realidade, tecendo pensamentos e questionamentos acerca destes, bem como relacionando-os com seus objetivos, questões e necessidades. Da percepção do usuário, advêm os principais problemas de design que se tornam objetivos da camada estratégica. Uma vez definidas, as estratégias são materializadas em alternativas, na camada de configuração do produto. Nesta, são gerados protótipos a serem avaliados pela perspectiva do usuário, em um ciclo de validação, do qual se verbalizam feedbacks para refinamento das configurações do produto para sua implementação.

3.2 Processo de design

A Figura 6 exibe uma visão geral para um processo de design suportado pelas camadas semióticas de design.

O processo se descreve abrigado por dois níveis: planejamento e contexto, e seus respectivos ciclos de design. No nível da organização, os ciclos de exploração auxiliam na obtenção do diagnóstico de problemas encontrados na experiência do usuário com um produto ou serviço existente, favorecendo a estratégia do produto. A partir dos dados levantados, é definido o design da interface do usuário, na camada de configuração, por meio de ciclos de resolução. A camada configuração materializa as ideias virtualizadas na camada estratégia, concebendo a interface do produto em um nível operacional da organização. O protótipo ou produto mínimo viável é distribuído aos potenciais usuários para que se inicie um ciclo de validação, a partir das primeiras interações dos sujeitos com o novo produto. Após os aprimoramentos, o produto segue para interação com usuários, gerando novas experiências. O processo pode ocorrer de maneira contínua, com progressivos aperfeiçoamentos na experiência do usuário (Figura 7).

Figura 6: Processo de designFonte: Elaborado pelo autor

8

Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.56-67, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368

4. Aplicação do modeloComo aplicação metodológica, uma ferramenta visual foi elaborada com

base nas variáveis dispostas no modelo teórico supracitado, e incorporada no âmbito da Superintendência de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (SINFO/UFRN), órgão responsável pela gestão de tecnologia da informação da Instituição. A ferramenta visual tem sido utilizada no aprimoramento de sistemas acadêmicos e páginas institucionais desenvolvidos e adotados pela Universidade, sendo aplicado no desenvolvimento de interfaces desses artefatos digitais. A natureza investigativa é de observação participante, isto é, há envolvimento do pesquisador na organização investigada (GIL, 2017).

A motivação se deu com a identificação da necessidade de aproximar designers e desenvolvedores dos sistemas ao longo do processo de planejamento dos sistemas e de aprimoramento pós-produção.

Deste cenário, surgiu o desafio de tornar os dados oriundos de pesquisas de usabilidade mais inteligíveis e compartilháveis com os times multidisciplinares. A Figura 8 ilustra a ferramenta visual utilizada em sessões colaborativas entre designers, desenvolvedores e outros stakeholders.

O quadro visual divide-se em quatro domínios, correspondentes aos elementos pertencentes às camadas semióticas de design e oriundos dos ciclos

Figura 7: Melhoria contínua da experiência do usuárioFonte: Elaborado pelo autor

Figura 8: Ferramenta visual colaborativa de designFonte: Elaborado pelo autor

9

Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.56-67, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368

de design. À esquerda, estão os domínios relacionados ao problema. À direita, estão aqueles relativos à solução. Abaixo, estão os domínios referentes ao contexto do usuário. Acima, os domínios de planejamento (design) do produto.

O uso do quadro consiste em registrar anotações de insights no quadro, a serem compartilhados e refletidos por toda a equipe de trabalho, durante sessões colaborativas. Os principais projetos de interface apoiados pela ferramenta foram:

• Ambiente virtual de aprendizagem no sistema acadêmico SIGAA;

• Área de concursos públicos para docente no sistema de recursos humanos SIGRH;

• Painel de gerenciamento de memorandos eletrônicos no sistema administrativo SIPAC;

• Versão de acessibilidade para surdos da página oficial da UFRN.

Cada projeto permitiu o aperfeiçoamento do uso e da organização e leiaute da ferramenta visual. Por exemplo, aumentou-se o espaço destinado para alternativas e feedbacks, que ao longo do projeto realizado para memorandos eletrônicos, comprovou ser uma área de intenso uso do espaço para incluir não apenas anotações, mas também rascunhos da interface. A ferramenta visual tem possibilitado aos designers do setor tornarem mais claros como se dá o processo de planejamento em design, colocando o desenvolvimento do sistema ou website como estratégia de um produto ou serviço. Assim, diferentes perspectivas de colaboradores geram pensamento divergente, catalisando a criatividade das soluções, porém contextualizadas à realidade do usuário. A Figura 9 contém o registro fotográfico de um quadro visual utilizado em projeto de acessibilidade, preenchido em sessões colaborativas de design para website.

Figura 9: Quadro visual de projeto de acessibilidade digital para website da InstituiçãoFonte: Acervo do autor

10

Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.56-67, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368

O quadro visual foi impresso em formato A2, sendo posto à mesa junto a materiais de anotações e notas autoadesivas. As anotações possuem diferenciações de cores, para distinguir as alternativas consideradas pertinentes ao projeto, daquelas rejeitadas durante os feedbacks. O projeto mencionado envolve uma equipe multidisciplinar, formada por diferentes profissionais e pesquisadores, das áreas de estudos da linguagem, acessibilidade, comunicação, design, interação humano-computador e desenvolvimento web, além da participação de usuários surdos para fornecer feedbacks e sugerir alternativas.

A geração de conhecimento oriunda do projeto deveu-se à socialização proporcionada pelo uso do quadro em sessões colaborativas, em que cada sujeito pôde-se colocar sua vez e voz no processo de design, contribuindo para o aprimoramento das soluções apresentadas. Os principais avanços obtidos foram:

• Socialização das ideias e desafios vivenciados pelos colaboradores ao longo das etapas do projeto;

• Estímulo ao pensamento divergente, produzido pelas diferentes áreas de atuação dos participantes;

• Reconhecimento do usuário como elemento central das decisões de design;

• Entendimento mais claro do processo de design e de desenvolvimento (programação) da solução em planejamento;

• Produção de conhecimento técnico e científico encaminhado para publicações das áreas correlacionadas ao projeto, divulgando resultados acadêmicos com os pares.

Somando-se aos resultados mencionados, o uso da ferramenta também tornou-se importante recurso educacional de apoio ao trabalho dos estagiários da graduação em Design, que atuam como bolsistas no setor. O uso do quadro pelos graduandos estimulou discussões relevantes sobre seus papéis como designers na Instituição, além de resultar em publicações destes alunos em congressos especializados, despertando também o interesse em utilizar a ferramenta em seus trabalhos acadêmicos no âmbito de disciplinas de metodologia de projeto. Desse modo, tem-se contribuído para uma formação acadêmica aliada à prática, combinando conceitos de teoria dos signos e de metodologia de design na concepção de sistemas sígnicos presentes em artefatos.

5. Conclusões e desdobramentosNeste artigo, descreveu-se a fundamentação semiótica de um modelo teórico-

metodológico para apoiar processos colaborativos de design, sendo este aplicado no contexto do desenvolvimento de sistemas na gestão de tecnologia da informação em instituição federal de ensino superior.

11

Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.56-67, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368

É mister considerar que o modelo apresentado descreve sobretudo um processo, o qual é suportado por parâmetros semióticos e suas respectivas correspondências a aspectos considerados relevantes no desenvolvimento de um produto. Aqui, não se estabelece uma sequência metodológica restrita, mas um guia para que o designer possa conduzir processos colaborativos de design, reunindo as técnicas e métodos mais apropriados a cada situação de projeto, dentro de uma abordagem centrada no usuário.

A ferramenta visual, apresentada como extensão do modelo proposto, tem permitido a síntese das informações qualitativas geradas ao longo de um processo colaborativo de design, tornando mais cristalina a atividade de design para as partes envolvidas, além de promover a conscientização sobre o design centrado no usuário por meio da integração entre profissionais e pesquisadores de diferentes formações, confluindo no aprimoramento e inovação de soluções de interface para otimização da experiência do usuário.

Referências BATCHELOR, M. Os segredos do gerenciamento de projetos. São Paulo: Editora Fundamento Educacional, 2013.

CYBIS, W.; BETIOL, A. H.; FAUST, R.. Ergonomia e Usabilidade: Conhecimentos, Métodos e Aplicações. 3 ed. São Paulo: Novatec, 2015.

GARRETT, J. J. The Elements of User Experience: User-Centered Design for the Web and beyond. 2nd ed. New Riders, 2010.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2017.

GOMES FILHO, J. Design do objeto: bases conceituais. São Paulo: Escrituras, 2006.

KALBACH, J. Mapeamento de experiências. Rio de Janeiro: Alta Books, 2017.

MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas – SP: Autores Associados, 2013.

MORRIS, C. Foundations of the Theory of Signs. University of Chicago Press, 1938.

MOZOTA, B. The Four Powers of Design: A Value Model in Design Management. In: Design Management Review, Boston, MA, v. 17, n. 2, Design Management Institute, 2006.

12

Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.56-67, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368

autor

André Grilo.Coordenador de Design na Superintendência de Informática na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Mestre e graduado em Design pela

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN | [email protected]

SEMEIOSIS 2018. ALGUNS DIREITOS RESERVADOS. MAIS INFORMAÇÕES EM SEMEIOSIS.COM.BR

MUNARI, B. Das Coisas Nascem Coisas. Lisboa: Edições 70, 1981.

NIEMEYER, L. Elementos de Semiótica aplicados ao Design. Rio de Janeiro: 2AB, 2007.

NORMAN, D. Design do futuro. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.

PIGNATARI, D. Informação, linguagem e comunicação. 1 ed. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2002.

ROCHA, H.; BARANAUSKAS, C. Design e avaliação de interfaces humano-computador. Campinas, SP: NIED/UNICAMP, 2003.

ROGERS, Y.; SHARP, H.; PREECE, J. Interaction Design: beyond human-computer interaction. 4th ed. New Jersey: Wiley & Sons, 2015.

SOTILLE, M. A.; MENEZES, L. C. M.; XAVIER, L. F. S.; PEREIRA, M. L. S. Gerenciamento do escopo em projetos. 3 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2014.

WIND, Y.; CROOK, C.; GUNTHER, R. A força dos modelos mentais. Porto Alegre: Bookman, 2006.

AgradecimentoÀ Fundação Norte-Rio-Grandense de Pesquisa e Cultura (FUNPEC), pelo financiamento desta pesquisa.

Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.8, n.1, p.56-67, Jul. 2018 | ISSN 2178-5368