Diogo Velázquez, o nosso e o deles

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    Diego Velzquez

    O nosso e o deles

    Uma reinterpretao do papel percursor do mestre sevilhano

    deveras relevante que partamos, nesta tentativa de reavaliao dosignificado universal da obra de Velzquez, do pressuposto de que duasimponderveis fatalidades condicionam ainda o justo reconhecimento dadimenso universal e percursora da sua obra, bem como a caracterizaodos aspectos mais determinantes da sua singularidade. (1)Em primeiro lugar foi pintor corteso de um Rei estigmatizado por uminevitvel destino de insucesso, que carregou, durante um primeiro ciclo detriunfo, a nefasta herana de ser o carrasco de quase um continente.E embora no tenha sido exclusivamente isso, foi como tal que foirepresentado. a outra fatalidade. A fatia maioritria da sua obra ficoualojada no Museu do Prado, esclerosada instituio de saudosista cultoaristocrtico, que consegue exercer uma incompreensvel tutela exclusivistasobre a imagem do pintor.Com esta tutela, o Museu do Prado conseguiu transformar, talvez sem ocompreender, um dos maiores gnios da pintura mundial num pintor

    provinciano, confinado a um universo corteso dominado por um condevido de ambio e um rei fatalista. De quando em quando desponta umarainha talvez rebelde cercada por conspiraes. (2)Velzquez assunto espanhol, mais propriamente castelhano, e o

    significado ou a avaliao da sua obra disciplina exclusiva dos sbios doMuseu do Prado ou da sua acadmica extenso, a Real Academia de SoFernando.At ao exerccio desta tutela, foi necessrio que o reino soobrasse e a suacoeso autocrtica se desmembrasse, em cclicos perodos do Sculo XIX,

    para que o mundo pudesse olhar para Velzquez reconhecendo-lhe agigantesca dimenso do seu gnio. E foi ento que todos os grandesmestres se alucinaram pela sua obra, Manet, Whistler, Van Gogh, ou at,mais recentemente Francis Bacon.

    Mas, ainda assim, quando o Marqus de Salamanca apresentou a SantaRufina no leilo de 1867 em Paris, ainda teve, por razes comerciais j

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    avaliadas, que apresentar, com o aval de Jos Madrazzo, a pintura atribudaa Murillo, porque os magnates ingleses e americanos valorizavam nomercado Murillo muito mais do que Velzquez. No entanto, o Marqussabia j que a pintura era de Velzquez, Madrazzo muito mais. (3)

    Foi em razo destas fatalidades que na obra de Velzquez nunca sedistinguiu com clareza o que era excrecente e decorria do contexto deexerccio do seu ofcio e o que constitua de facto a sua singularidade edecorria do seu gnio.Ao escrevermos este texto, temos que nos considerar inspirados pela obrade Matias Daz Padrn, nomeadamente pelas suas ltimas avaliaes daobra e do gnio de Velzquez. Ao rebater com toda a solidez a ideia de queVelzquez tem que se libertar do estatuto a que o quiseram confinar, o de

    pintor corteso, o especialista do Prado recoloca Velzquez na sua realdimenso. (4) Porque o que conferiu a Rubens, a Greco, a Van Dick, aosmestre holandeses como Rembrandt ou Vermeer o seu reconhecimentouniversal foi o facto de no poderem ser em exclusividade vinculados a

    patronato algum. Quanto a Greco disfruta ainda da vantagem de, senoquando j estava universalmente consagrado, nunca ter sido muitoestimado pelos espanhis, nem coevos, nem posteriores. Era simplesmenteel grego, ou el greco, o inominado. (5)De melhor fama teria disfrutado Velzquez se o seu estatuto de pintorcorteso no lhe impusera ser Velzquez e pudera ser simplesmente Diogode Silva, ou el portugus.

    Por isso propomos que existem dois Velzquez e que o pintor tem duaspersonalidades, ou atriburam-lhe duas personalidades.Quando chegou a Madrid em 1622, Velzquez deixava para trs uma obramarcada por uma rigorosa escolha dos seus modelos, que utilizavasobretudo numa forma muito individual em tratamento de assuntosreligiosos ou de gnero. Gente rstica, real, mas com uma digna presenavisual. possvel que, integrado na corte desde 1623, a personalidade do jovemrei, Filpe Victor, entronizado numa aura de triunfal desgnio, pudesse ter

    captivado o mestre. Mas no so necessrios mais de sete anos para queVelzquez reconhea o Filipe Victus, o rei que claudicou face ao cercoconspirativo que o Conde Duque montou em seu redor. Ento, uma vez queo seu gnio se reconhecia na capacidade para uma arguta e imediatacaptura do real, mesmo quando transposto para a alegoria, ou pretexto paraastutas aluses de significado, o pintor passa a exercer o seu inexcedvelgnio de caricaturista. (6)A partir de ento, o essencial do seu gnio aplicado no retrato. Tornou-se,

    por isso e porventura, o mais notvel retratista de toda a histria da pintura

    europeia.

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    Captivo na mesma torre de marfim em que o Rei foi agrilhoado pelospartidos conspirativos que o envolveram, o mestre ficou confinado a umdomstico horizonte de gente feia. Entre os bufes, consegue aindadescobrir algumas personalidades com carcter. Algumas crianas, como o

    malogrado Prncipe Baltazar ou a Infanta Margarida, conseguem aindatransmitir a iluso de que o reino se poder recompor da hecatombe. Emalguns temas religiosos, alegadamente j pouco frequentes, como Santo

    Antnio Abade e So Paulo Eremita, ou a Coroao da Virgem, ainda podealudir dignidade da figura humana.A todas estas fatalidades sobrepe-se todavia o gnio do mestre. At queManet, Monet e Van Gogh, ou Whistler, sorvam a sua inspirao, o Retratoda Infanta Margarida de 1653, a sequncia dos retratos da Rainha Marianaentre 1653 e 1657 e algumas obras da fase madrilena at 1628 ou dosderradeiros anos de produo, ficaro como um dedo estendido a apontaruma direco, que s trezentos anos aps ser retomada. Foi da que se

    partiu para tudo o resto, at ao presente. (7) bastante difcil de compreender a razo por que, a par de um esclerosadonacionalismo provinciano, a crtica de arte espanhola atribui umadesmesurada relevncia s duas viagens de Velzquez a Roma e influncia que na sua formao teria tido Peter Paul Rubens. Uminesperado complexo de inferioridade, do foro da sociologia histrica, quenos remete para Oliveira Martins, Causas da Decadncia dos Povos

    Peninsulares. (8)

    provvel que Rubens tenha extasiado, com o brilho barroco das suasrealizaes e da sua personalidade cortes, a aristocracia madrilena. Quantoa Velzquez, a presena de Rubens em Madrid deve ter-se imposto comouma grilheta, que aprisionava a sua personalidade a cnones que nuncaforam os seus, nem tinham sido os dos grandes mestres espanhis.Bem, tudo o que Velzquez poderia ver de novidades em Roma j o viraem Madrid. E no nos parece ter sido em Roma que Velzquez,subitamente, descobriu as novidades tcnicas que, por coincidncia, passoua aplicar aos seus procedimentos a partir de 1629. (9)

    Mas o que nos parece importante registar a forma como Velzquezconsegue vincular os novos procedimentos sua singular forma deexpresso.

    Nos ltimos anos, nomeadamente aps a aquisio doRetrato do Barbeirode Papa nos Estados Unidos, o Museu do Prado simulou envolver-se numaempresa sistemtica com o objectivo de impor a Velzquez o estatutouniversal dos grandes mestres europeus do Sculo XVII, Rubens, VanDick, Rembrandt, Vermeer, Franz Halls, etc. E porque dizemos simulou?Porque, na realidade, com os burlescos jogos que administrou nos

    bastidores e com o presumido reforo do seu estatuto exclusivista naidentificao e culto da obra do mestre, o Museu do Prado no conseguiu

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    mais do que tornar a matria respeitante a Velzquez cada vez mais numamatria provinciana, que respeita aos espanhis e nem a todos.Grande vitria, a do Museu do Prado, ao situar a fasquia do valor demercado de uma emblemtica obra do mestre sevilhano em cerca de

    25.000.000,00 de Euros!...O que queremos dizer que, para que Velzquez possa voltar a ser, nopatrimnio dos espanhis, de alguns, recalcitramos, mas da culturaeuropeia e universal, o genial mestre tem que se libertar da tutela do Museudo Prado.Surgiu a altura de confrontar o mundo da arte e da crtica e histria da artecom factos incontornveis. Como se sentir Jonathan Brown, ou at CalvoSerraller, ao saber que durante anos, um mesmo aps a aquisio da pintura

    pela Fundao Abengoa, se pronunciou sobre a autoria da Santa Rufina nodesconhecimento de que o Museu do Prado estava secretamente em possede documentos laboratoriais incontestveis desde 1993, de acordo comalgumas fontes, ou 1995, de acordo com outras, no se sabe ao certo,enfim?...Jonathan Brown, nem mais, o grande amigo e colaborador de CarmenGarrido.Com a exclusivista e tenebrosa tutela do Museu do Prado, o mundo afasta-se de Diogo Velzquez. Excluindo um, ou dois ingleses que partilham comos sbios do Museu do Prado a tutela exclusivista, todos os outrosespecialistas em pintura antiga europeia passaro a passar em claro a obra

    de Velzquez. E ento, em breve saberemos com que objectivos obscuros,o Museu do Prado pode situar a fasquia do valor comercial de umemblemtico Velzquez trs ou quatro vezes abaixo de qualquer dosgrandes mestres europeus do Sculo XVI ou XVII, Rubens, Rembrandt,Vermeer, ou at Greco, embora o Prado se prepare para exercer sobre ogrego a mesma tutela que exerce sobre o sevilhano.Convm ressalvar que, para ns, a questo no de valor comercial. Mas

    para o Museu do Prado . (10)Superando pois este tpico preliminar, que ser desenvolvido com

    exaustiva documentao em ensaio adjacente a este, passemos ideia axialque queremos propor.Consecutivamente reinvidicado como El Pintor de los Pintores,El Gnio,o que certo que as discusses sobre a sua obra se continuam a centrarsobre questes excrecentes de atribuio de obras ainda em inexplicvelcontencioso, em pormenores biogrficos, em questes, por vezes poucorelevantes, concernentes ao contexto histrico-cultural de realizao destaou daquela obra. O que carece de fundamentos consistentes, por falta deestudo consequente, a avaliao das razes por que, independentemente

    do contexto de realizao de cada obra, Velzquez o gnio, o pintor dospintores.

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    Velzquez foi, indiscutivelmente, assumido sem reservas como o grandeinspirador dos naturalistas pr-impressionistas e dos impressionistas. Ora,

    propomos ns agora que o sevilhano foi tambm, inquestionavelmente, ogrande inspirador ou percursor do fauvismo e do cubismo. Como inspirador

    do fauvismo ter que partilhar os louros com Vermeer.E, quanto a cubismo, no h como explorar as contradies de CarmenGarrido, ou de Prez Sanchez, quando se pronunciam sobre a perspectivana obra de Velzquez, para escourar a nossa doutrina. As atribuies aVelzquez podem, de acordo com os especialistas do Museu do Prado,rechaar-se ou fundamentar-se alegando a falta de perspectiva, ou uma

    peculiar relao com ela. (11)Ora, o pressuposto do cubismo o de que a perspectiva no se revelaimediatamente ao observador, nem indispensvel para a descodificaoda imagem, pois no seno um cdigo de representao pictrica, seja,

    planificada.Quando um mestre clssico distorceu subtilmente a perspectiva paraorientar o observador para uma dada percepo, orientou, com meiomilnio de antecedncia, os mestres das rupturas contemporneas para aformulao do cubismo, ou at de diversas formas de abstraccionismo.E deveras curioso que, quase simultaneamente, j estejam oscontemporneos em demanda do paradigma perdido, a regra de ouro da

    perspectiva. Almada.No podemos considerar como prenncios de abstraccionismos as

    descargas de pincel reveladas no fundo monocromtico da metade direitade Sante Rufina, to comuns em toda a obra de Velzquez que puderamservir a Prez Sanchz para, antes de revelados os resultados das anliseslaboratoriais realizadas por Garrido em 1993, ou 1995, considerar que essemero registo fundamentava a atribuio da pintura?

    A perspectiva em Velzquez

    A perspectiva um cdigo de representao planificada de algo que seapresentou ao observador em trs dimenses. Respeita ao desenho,

    pintura, ao baixo-relevo.A perspectiva no existe na natureza, que no altera as suas formas ou a sua

    posio relativa quando a observamos. Existe presumidamente na formacomo os nossos olhos registam a profundidade e a sucesso de planosquando observam um objecto ou um panorama, foi como tal que se

    codificou como estruturador da representao.

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    Na verdade, face introduo de outros cdigos na expresso grfica, podeser dispensada. No necessrio ser algum gnio para descodificar odesenho ou a representao grfica de uma criana, porque nela foramintroduzidos outros referentes de expresso.

    fundamentalmente deste pressuposto que parte a formulao do cubismo.Seria todavia ingnuo partir do pressuposto de que a referncia recorrentemais imediata do cubismo a chamada arte primitiva ou a expressoinfantil, ideia que malogradamente se tornou trivial.Porque o cubismo, nas suas formulaes axiais, no a negao da

    perspectiva, mas sim o estudo analtico das diversas formas, sobretudo asmais engenhosas, de relao com ela.

    No pretendemos, de momento, escrever um tratado sobre perspectiva.Queremos analisar a relao singular e engenhosa de Velzquez com ela. Eavaliar a forma como o mestre seiscentista se imps como paradigmaestruturante aos mestre contemporneos.

    No seria despropositado se propusssemos que o primeiro grandeexerccio de engenhosa anlise crtica da perspectiva foram As Meninas deVelzquez, que obrigaram Pablo Picasso a perder horas a fio, a tentardecifrar qual o ponto de que partira a observao do pintor. Mas

    poderamos ainda propor a anlise da matria relativamente a Vnus aoEspelho, em que podemos pressupor pelo menos trs possveis pontos detomada da imagem, ou desde logo em Cristo em casa de Marta e Maria,em que a perspectiva do primeiro plano rompe em antagonismo com a do

    plano de fundo, de tal forma que, para justificar esta pressuposta distoro,e antes da limpeza derradeira da pintura, a cena do plano de fundo foiconsiderada como uma pintura que ornamentava a parede, justificando uma

    perspectiva autnoma.Mas sobretudo a partir do retrato do Infante Dom Carlos, de 1628, queVelzquez utilizar o seu engenhoso jogo de relao com a perspectiva,exactamente quando exerce a disciplina do retrato. Se atentarmos exausto, a mo que se presume em proximidade mais imediata ao ponto detoma da imagem, a direita, apresenta-se mais pequena do que a mais

    afastada, a esquerda. Como o prprio p esquerdo avana em relao aodireito, parecem cruzar-se dois pontos antagnicos de toma. Esta

    perturbao fica absolutamente diluda face expresso e impresso deesttico movimento que este engenho confere pintura.Ora, de que forma contribui este engenhoso artefcio para criar a iluso deque o modelo est vivo e vai sair da pintura?Vamos propor um exerccio analtico sobre um obra de aparentesimplicidade estrutural, para compreendermos por que razo, algo deindecifrvel numa relao imediata a transformou numa das realizaes

    mais celebradas de Velzquez.

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    Quando observamos o retrato do Papa Inocncio X, logo nos impressiona ojogo de luz e sombra, a cor, o vermelho e o carmim em contraste com obranco luminoso, a sugesto do detalhe. Mas sobretudo o olhar grave doPapa, a forma como nos observa, como se no fssemos ns mas ele quem

    nos analisa, sonda e perscruta a alma. No somo ns mas ele quem nosobserva. Ora, isto induz-nos desde logo a imaginar o pintor no local deonde observamos a pintura. Para mais, o Papa ostenta na mo esquerdauma folha de papel dobrada com explcita referncia ao pintor, fazendo

    presumir que ele est sua frente e o seu interlocutor.Mas a verdade que, se analisarmos as linhas de fuga que estruturam a

    perspectiva do componente mais arquitectnico do retrato, a cadeira, opintor no se encontra, de forma nenhuma, no local para onde o Papa dirigeo seu olhar, que aquele de onde, numa posio de acesso frontal, ns,como observadores, o olhamos. Isto , o vector do olhar do retratado cruzaem diagonal o eixo estruturador da perspectiva.Para alm do mais, a orientao do eixo estruturador da perspectiva deabordagem figura do Papa, que apresenta a face direita visvel,

    presumindo o pintor situado no lado direito, oposto ao eixo da perspectivada abordagem da cadeira, abordada da esquerda. Este engenho produz asensao de movimento rotacional do Papa, da esquerda para a direita,enquanto a cadeira foge da direita para a esquerda. O Papa deixou de olhar

    para o pintor para olhar para mim, ou ns, observadores. bvio que, emboscada pela impresso imediata que a obra transmite, no

    seu realismo, na sua cor, no seu esquemtico detalhe, este artefcio nacomposio s se torna perceptvel aps uma observao analticaexaustiva. talvez o mais genial e mais imediato exemplo da rebuscadarelao de Velzquez com a perspectiva.Recorrendo a um velho tpico de anlise do processo de execuo da

    pintura de retrato no Sculo XVII, quer se trate do retrato individual, querde gnero ou de ambiente domstico, deveramos invocar o tema dosespelhos.A sensao que transmite a maior parte da pintura de Velzquez, sobretudo

    o retrato ou a imagem de ambientes domsticos, a de que o pintor nuncase encontra em frente do retratado. Encontra-se por detrs, observando oque pinta reflectido num espelho. A bem dizer, pode usar dois ou trsespelhos, colocando-se, por conseguinte, em dois lugares, ou trs.

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    Notas

    1. Embora o consideremos esboo orientador para uma abordagem de adequada dimenso eprofundidade que contamos apresentar em breve, este texto tem como motivo prximo um

    episdio concreto e a anlise de uma realizao concreta, o esboo preliminar do retratoequestre de Filipe IV, que recentemente publicmos e acerca do qual mantivemos com CarmenGarrido um contencioso que no conseguimos ainda explicar.Ora, foram precisamente as reservas colocadas, oral e brevemente, sem a fundamentao que oseu estatuto requeria, que nos convocaram para escrever este texto. As reservas colocadas porCarmen Garrido limitavam-se ao assinalar de aquilo que denominou distores de perspectiva,concretamente na representao da mo e brao direito do Rei, bem como da perna direita.Depois, as pinceladas livres e sem definio que sugerem os motivos herbceos no solo, noprimeiro plano da pintura. No mais.A nossa surpresa advm do facto de que, em nossa opinio, um analista que faz um tal reparopode saber muito acerca de muitos aspectos especficos da obra de Velzquez, mas nunca foicapaz de compreender em profundidade um vasto universo de aspectos estticos,

    nomeadamente a relao do pintor com a perspectiva e com o detalhe.2. A forma e os procedimentos objectivos atravs dos quais o Museu do Prado subverteudurante as ltimas dcadas a imagem de Velzquez, confinando-a a pouco mais do que questesperifricas de execuo tcnica e de reduo consecutiva das atribuies conclusivas, de formaa reduzir ao mnimo as obras originais exteriores ao Museu, ser ilustrada ao longo destetrabalho circunstanciadamente. Mas desde j relevante que os mais consagrados estudosanalticos dedicados ao papel da composio e do significado esttico na obra do mestrecontinuem a decorrer em contexto alheio ao Prado.3. Embora este embrulhado episdio seja, em nossa opinio, difcil de estabelecer, a confusoque sobre ele estabelece Prez Sanchz na sesso de apresentao da pintura no Hospital doVenerveis em Sevilha, anunciando o Simposium Internacional que decorreu em Abril de 2008, deveras sintomtica. Segundo Prez Sanchez a pintura foi registada por Madrazzo na colecode Celestino Garcia Fernndez, classificada como Santa Justa de Velzquez. Em 1867 apareceno leilo Salamanca como Santa Clara, de Velzquez. Todavia foi a adquirida por Cooke, comorepresentante de Lord Dudley, como de Murillo. Em 1925, volta a aparecer como Santa Justa,mas permanece atribuda a Murillo. Vamos aguardar pelos resultados do Symposium, para vermais esclarecida esta sucesso de episdios de atribuio, mas a este propsito j citmosanteriormente Arnaiz, Jos Manuel, Nuevas Andanzas de Goya III. Las Majas en el

    Metropolitano. Revista Antiquaria, 137, 1996.4. As mais recentes intervenes de Matias Diaz Padrn em que prope um reolhar sobreVelzquez, tentando distinguir na sua obra o que respeita aos seus cnones singulares e o querespeita transposio de cnones alheios em obras em que um determinado estatuto e maneirase lhe impem, tem-se vindo a manifestar de forma consistente mas dispersa, em comunicaes

    circunstanciais, quer em contexto pblico quer cientfico, no seguimento da incontestvelatribuio a que procedeu das Meninas de Kingston House, Dorset, que andavam j

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    irreversivelmente atribudas a Mazo. pois difcil citar, por enquanto, referncias bibliogrficasespecficas.Curiosamente, uma das obras de que Padrn se utiliza como exemplo axial o retrato equestredo Conde Duque, propondo mesmo que a composio no se enquadra nos cnonesvelazquianos e que veio a ser concebido daquela forma por requisito da encomenda.Talvez seja avanar demais, mas um exemplo da vontade de rever Velzquez que se comea amanifestar nos meios ligados ao Prado e ao meio cientfico e artstico espanhol.