Direito Administrativo Brasileiro

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    DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

    NOES PRELIMINARES

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    NOES PRELIMINARES

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    DIREITO ADMINISTRATIVO

    BRASILEIRO

    (Obra premiada e approvada pela Resoluo Imperial de 9de Fevereiro de 1861 para uso das aulas das

    Faculdades de Direito do Recife e S. Paulo)

    DR. ANTONIO JOAQUIM RIBAS

    RIO DE JANEIRO

    F. L. PINTO & C, LIVREIROS-EDITORES 87Rua do Ouvidor 87

    1866

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    ADVERTNCIA

    Reputar-se-ho contrafeitos, e portanto sujeitos s penas doart. 261 do Codigo Criminal, todos os exemplares que no seacharem rubricados pelo autor ou por seu procurador, para

    este fim especialmente autorizado.

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    PROLOGO DOS EDITORES

    Folgamos de dar luz uma obra ha muito tempo esperada pelo

    publico. Concluda em 1860. retardou-se a sua publicao por motivos

    independentes da vontade do autor.

    Agora, porm, que estes embaraos desapparecro. julgou

    com razo o autor que devia completar o seu trabalho, incluindo nelle todas

    as leis. decretos e decises do governo, publicadas nos ultimos cinco annos.

    Dest'arte acha-se a obra collocada par da legis

    lao vigente.Nada diremos sobre o seu merecimento scientifico: a

    approvao de ambas as Faculdades de Direito, da Seco

    Negocios do Imperio do Conselho de Estado e do Governo

    Imperial fallo bem alto e dizem mais do que tudo quanto poderamos dizer.

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    PREFAO

    Escrevendo esta obra, no tivemos em vista dar

    um tratado geral de direito administrativo, e simapenas as noes mais syntheticas que lhe servem

    de base.

    Queremos mostrar como o nosso direito publicopositivo se desdobra no direito administrativo, oudeduzir, na esphera deste direito, os corollarios dosprincpios consagrados pela nossa constituiopolitica.

    Ora, estes corollarios so as primeiras e fun-

    damentaes noes da sciencia, de que tratamos.Talvez pensem alguns que se pde fundar ajurisprudencia administrativa patria em theo-riasformuladas pelos jurisconsultos estrangeiros.

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    VIII

    Mas estas theorias no podem conter a explicaoracional de leis muito diversas daquellas de queemano.

    D'ahi os perigos desses escriptos que, lidos semgrande criterio, to graves erros tem entre nspropalado.

    Longe, porm, estamos de pensar que se deva

    proscrever a sua leitura; fra preciso desconhecer as

    immensas vantagens do estudo das legislaes

    comparadas; muito mais em relao a um ramo que

    ainda se est formando. O que affirmamos que se

    no devem aceitar todas as suas doutrinas como

    verdadeiras e applicaveis ao nosso paiz.

    Entretanto, nada mais facil do que deitar-se oespirito desprevenido dominar por ellas, vestidas, comosoem vir, da belleza de frma e rigorismo da dialectica.Modificadas convenientemente, de modo aharmonisal-as com os preceitos da nossa organizaopolitica e administrativa, no est ao alcance de todos.

    Talvez entendo outros que se podem dispensarestas idas geraes; que o estudo deve

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    IX

    consistir no mero conhecimento dos textos de nossas

    leis administrativas.

    Mas a noo material das leis sem a compre-benso do

    espirito que as vivifica, e razo que as explica, nunca pdeconstituir o jurisconsulto e sim o obscuro leguleio, quertrate-se do direito privado, quer do administrativo ou dequalquer outro.

    No ha sciencia sem as syntheses fundamen-taes;tiradas estas, s resta informe acervo de idas, emcujo labyrintho a intelligencia no pde deixar detransviar-se.

    Pelo contrario, dsque se possuem estas syntheses,dissipa-se o cabos, faz-se a lttz e a ordem no pensamento;

    apparece constituda a sciencia.Nem possvel fazer-se acertada applicao de

    conhecimentos, sem nexo e sem systhema; na falta demerito scientifico, nem siquer lhes resta verdadeirautilidade pratica.

    Fora confessar que a nossa legislao ad-ministrativa vai sendo composta aos. retalhos, segundoas exigencias da oceasio e as inspiraes das idas domomento; no ha methodo, nem vestigios de esprito

    systematico. B

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    No s se no filio entre si os actos legislativos e

    administrativos, expedidos sob a influencia de diversos

    gabinetes, como nem siquer se harmoniso os do mesmo

    gabinete.

    Grave dificuldade esta, por certo, para os que

    querem elevar o nosso direito administrativo s

    alturas da sciencia.

    Mas a simples confrontao dessas disposies

    incoherentes e a indicao de suas lacunas j

    constituem grande vantagem, porque lano o espirito

    nas vias de uteis e reflectidas reformas. No porque

    prevalea a inercia na alta administrao ; pelo

    contrario, as nossas leis e regulamentos todos os dias se

    reformo, e estas reformas so no dia seguinte de novo

    reformadas. Ha perenne movimento, mas em sentidos des-

    encontrados e dentro de apertado circulo, esteril

    agitao, no proveitoso progresso. E' uma especie de

    tread-mill administrativo.

    Faamos, porm, serio e leal estudo do espirito de

    nossas instituies politicas e administrativas; elevemo-

    nos aos princpios geradores do nosso direito

    administrativo, e possui-

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    XI

    temos a bussola, que nos guiar com segurana nasenda providencial do progresso.

    No regimen representativo a sciencia e o direito

    administrativo no devem ser arcanos eleusinos,smente revelados a previlegiados adeptos.

    A administrao trata dos interesses de todos eresponde pelos seus actos. Todos devem, pois,habilitar-se para julgar estes actos e conhecer aextenso dos seus direitos e deveres para com aadministrao. Assim, podia-se inscrever neste livroa epigraphe : vestra res agitur.

    E' do interesse da mesma administrao, que aopinio publica se esclarea sobre as questes

    administrativas, afim de que no sirva de cegoinstrumento interesses ou paixes illegitimas, esejo sempre dictadas pela sabedoria suas soberanassentenas.

    Mais tarde daremos o devido desenvolvimentoe applicao s formulas genericas, que oraapresentamos. O trabalho completo constar dasseguintes partes:

    I As noes preliminares que fazem o objecto

    da presente obra.

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    XII

    II A organizao da administrao espontanea.

    III Os servios administrativos relativos aos

    interesses do estado.

    IV Os servios relativos aos interesses dos

    administrados.

    V A administrao contenciosa.

    No podendo agora entrar em mais especiaesdesenvolvimentos, limitamo-nos a dar a nomenclaturadas materias da segunda parte, a organizao daadministrao espontanea; a saber :

    Titulo 1 Da administrao geral. Noes geraes.

    Divises administrativas.

    Do chefe supremo do estado, como imperante,

    depositario do poder moderador, e chefe do executivo.

    Do conselho de estado ; sua historia, organizao,

    funces e processo.

    Do ministerio, sua organizao e responsabilidade .

    Das funces governamentaes do poder executivoem relao administrao interna, aos

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    XIII

    poderes legislativo e judicial, s associaes

    politicas e no politicas estrangeiras.

    Das funces administrativas communs todos os

    ministerios, e especiaes a cada um delles.

    Titulo 2. Da administrao das provncias.

    Noes geraes.

    Dos presidentes de provncia; das suas funcesquanto aos servios geraes e provin-ciaes; necessidadede conselhos de presidencia.

    Dos servios geraes, relativos a cada um dosministerios.

    Dos servios provinciaes; extenso de cada uma das

    attribuies legislativas das assem-blasprovinciaes.

    Titulo 3. Da administrao municipal.

    Consideraes historicas.

    Da organizao das camaras municipaes.Das suas funces.Das reformas necessarias.

    Titulo 4. Das condio, direitos e devores dosfuncionarios e empregados publicos.

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    XIV

    Da sua nomeao, promoo, remoo, apo-

    sentadoria e demisso.

    Das suas vantagens pecuniarias e honorificas.Da subordinao e responsabilidade administrativa.

    Tal o assumpto, que ora elaboramos; assim Deos

    nos auxilie.

    Antes de concluirmos devemos ponderar que este

    livro no uma obra de politica, menos ainda da

    politica cambiante e incomprehensivel dos partidos.

    No o escrevemos sob a influencia de uma ida a cujo

    triumpho queiramos accommodar a legislao do paiz.

    No expozemos aqui o que nos pareceu melhor, mas o

    que existe; e, si algumas vezes comparamos o real com o

    ideal, collocando um par do outro, tivemos sempre o

    cuidado de distingui-los.

    Estudmos desprevenidamente as nossas instituies

    politicas e administrativas, e procurmos expl-as

    fielmente, systematisando-as e deduzindo os seus

    corollarios, no domnio da jurisprudencia.

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    Mas a jurisprudencia no se constitue em um dia;no se completa da intelligencia do jurisconsulto,como Minerva do cerebro de Jupiter; o resultado

    do concurso de muitos, do trabalho lento dosseculos.

    Erguer o monumento da jurisprudencia ad-ministrativa no gloria que possa caber a um sindividuo; contentamo-nos, pois, de ser um dos queprimeiro trabalharo em seus alicerces.

    O AUTOR.

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    DIREITO ADMINISTRATIVOBRASILEIRO

    NOES PRELIMINARES

    TITULO I

    DA SCIENCIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO

    CAPITULO I

    DO DIREITO ADMINISTRATIVO 1. Plano da obra. 2. Origem historica da sciencia do Direito Administrativo

    3. Definio do Direito Administrativo 4. Objecto doDireito Administrativo.

    1.

    PLANO DA OBRA

    No nos propomos a expr neste trabalho umtratado completo do Direito Administrativo Pa-trio; tentar coordenar toda nossa vastssima econfusa legislao administrativa e deduzir Idelia um systema desenvolvido em todos os seus

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    ramos c applicaes, fra empreza sobremaneiraardua e laboriosa para poder ser desempenhada de um

    jacto com feliz exito; e ainda mais para quem tem dedistrahir a sua atteno para outros servios deimperiosa necessidade.

    Assim, apenas pretendemos agora lanar as basesdesse systema; expr as noes mais syn-theticas, quelogicamente decorrem de nossas instituies politicas eadministrativas, e devem servir de preliminares aoDireito Administrativo Patrio, e de fio conductor paramais tarde penetrarmos no vasto e escuro labyrintlio denossa legislao administrativa at s suas maisreconditas profundezas.

    Concluido este trabalho, deve-se julgar constituda asciencia; e os estudos posteriores nada mais sero doque desenvolvimentos especiaes e complementaresdeste.

    Cumpre-nos, porm, lembrar que, comquanto sejaformalmente circumscripto o assumpto deste trabalho,contm elle a parte mais difficil e importante da grandeobra da organisao do nosso Direito Administrativo.Com effeito, conhecer as disposies de um numeromais ou menos avultado de leis administrativas no

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    tarefa que demande grande esforo intellectual, epossa satisfazer o jurisconsulto; mas, conhec-lastodas, bem como a doutrina dos jurisconsultos epublicistas sobro este assumpto, e com estes

    materiaes construir theoria verdadeiramentescientifica deste ramo do Direito, que possalogicamente receber todos os desenvolvimentos eapplicaes que a vida pratica da administraoreclama, tarefa que alm de atura-dissimo trabalhoexige a mais profunda meditao.

    Pois que o Direito Administrativo tem por fimregular as relaes reciprocas da administrao edos administradores, o seu estudo deve comearpelo da natureza das duas entidades, assim

    relacionadas. Dividiremos, pois, o assumpto dasnoes preliminares, com que ora nos occupa-mos,em tres titulos, que comprehendem:

    1. Os princpios abstractos e propedeuticos doDireito Administrativo, considerado como sciencia,em relao s demais sciencias e s suas fontes.

    2. As idas elementares, relativas natureza daadministrao em geral, s suas relaes com ospoderes polticos, s condies de sua orga-

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    nisao interna, natureza de suas funces, s

    classificaes de seus agentes e formulas de seus actos.

    3. As que se referem aos administrados, suas

    grandes classificaes e direitos em geral.

    8 2.

    ORIGEM HISTORICA

    A existencia do Direito Administrativo como scienciadistincta o resultado dos ultimos progressos do DireitoPolitico. A data recente do seu nascimento contm em sia explicao das difficuldades com que ainda luta este

    ramo importante dos estudos jurdicos; novo astro queraia no horizonte da sciencia, no pde estar desde jprecisamente determinada a sua orbita, a suaconstituio interna, a influencia que exerce ou recebeem relao s demais entidades, que constituem o systemaa que pertence.

    Estas difficuldades, porm, recrescem em presena doacervo informe das disposies vagas, incoherentes eincompletas que encerro os actos legislativos eadministrativos de que se

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    compe o nosso Direito Positivo. E natural queassim succeda em um Estado de to nova origem, ecujas instituies no podem ainda ter attingido atodo seu desenvolvimento.

    Se, porm, como sciencia distincta, de modernadata este Direito, no se pde outro tanto dizer dosseus primeiros lineamentos, pois encontramo-losnas mais antigas legislaes.

    Ha certos interesses geraes ou collectivos de togrande importancia, que as leis de todas as naesque possuem alguma civilisao no podem deixarde reconhecer e definir; ha certos pontos de contactoto melindrosos entre a orbita desses interesses, e ados direitos privados, que no podem deixar de ser

    precisados, afim de se evitarem os funestosresultados das reciprocas invases dessas orbitas.

    Na verdade, consultando os monumentos historicosdas republicas hellenicas e romana, ou de quaesqueroutros povos civilisados da antiguidade, achamosnumerosas instituies destinadas proteco daordem interna, e da defesa externa desses Estados,bem como dos interesses collectivos maisimportantes dos seus cidados.

    Embora em estado embryonario, e confundi-

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    das as autoridades judiciaria e administrativa, cxistioos servios administrativos,e conseguin-temente direitose deveres entre os agentes incumbidos de perfaz-los, eaquelles a quem devio aproveitar.

    Com. effeito, muitas das instituies dos imperadoresromanos, e principalmente dos que medio entre Severo-Alexandre e Constantino, tm por objecto interessesmeramente administrativos.

    Quasi todo o 1o livro do Digesto desde o tit. 9 emdiante versa sobre regimentos dos principaes funccionariosdaquelle grande imperio; o liv. 39 tit. 4 sobre aarrecadao dos impostos, seus collectores, e multas; oliv. 43 tit. 7 at 15 sobre os lugares, caminhos publicos,ruas, e rios, afim de que se no estraguem ou obstruo,ou se no desviem as aguas, etc.; o liv. 47 tit. 21 sobrecollegios e corporaes; o liv. 48 tit. 12 sobre a policiados viveres, sua deteriorao, e encarecimento ; o liv.49 tit. 14 sobre o direito do fisco (amplamente); o liv. 49tit. 16 e 18 sobre o estado militar e os veteranos; quasitodo o liv. 50 sobre as municipalidades, os seushabitantes e decuries, e a administrao de seus bens;as

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    honras e empregos publicos, suas vagas, escusas eimmunidades; as deputaes e embaixadas; asobras publicas, feiras e mercados, os corretores e ocenso ou arrolamento da populao para o

    lanamento dos impostos.Pelo exame dessa compilao v-se que muitos

    dos jurisconsultos romanos applicro os seusestudos a este ramo do Direito; com effeito algunseserevro sobre as funces anne-xas a certos cargospublicos, como Papiniano sobre o officio dos edis;Ulpiano sobre o do proconsul e syndico da Cidadecurator rcipublicae; Paulo sobre os do consul, eproconsul; Macer sobre o dos presidentes officiumprcesidis; Arcadio-Charisio sobre os cargos civis.

    Outros escrevero sobre certos ramos especiaes deadministrao, como Callistrato sobre o direito dofisco; Gaio ao Edicto do Pretor sobre os collectoresde impostos; o mesmo Paulo e Ulpiano sobre ocenso; Arrio Menandro, Macer e Taruntanus-Paternus sobre o estado militar. Finalmenteaquelles que, como Ulpiano, Gaio e outros,escrevero sobre o Edicto do Pretor urbano, ou,como Paulo e Gaio, sobre o Edicto Provincial, nopodio deixar de occupar-se com

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    as questes de Direito Administrativo, sobre que emparte versavo aquelles edictos.

    Entretanto, este Direito entre os Romanos, estava

    confundido com o Jus Publicamque Ulpiano e asInstitutas de Justiniano definem quod ad statum reiromance spectat(Dig. liv. 1 tit. 1 fr. i 2o; Inst. liv. 1 tit. 1 4o), e no formava corpo distincto de doutrina,fundado em princpios de ordem racional.

    O desenvolvimento da civilisao moderna trouxe emresultado a multiplicao e o estreitamento das relaessociaes, a ampliao dos recursos e necessidadespublicas. Consegui nte-mente a vigilancia, a represso e oimpulso da autoridade devero tornar-se mais vastas e

    energicas, e as instituies administrativas pro-gressivamente mais desenvolvidas.

    Entretanto, com as idas que vogaro nos seculosanteriores sob o regimen da monar.-chia absoluta, noera possivel que o Direito Administrativo, se constitussecomo sciencia distincta. A administrao confundia-se com o governo, e entendia-se que a sua aco noestava sujeita a regras geraes e fixas. A in-coherencia eo arbitrario dos preceitos ad-

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    ministrativos, ou pelo menos a sua falta de apoioem princpios racionacs, impedio que essespreceitos fossem elevados categoria de sciencia.

    Comtudo, semelhana dos jurisconsultosromanos, os modernos no foro estranhos aoestudo da legislao administrativa na parte em quemais estreitamente se relaciona com a civil, e atpublicaro algumas monographias sobre estamateria.

    A ida, porm, de assentar a legislao admi-nistrativa em princpios racionaes, e de constitui-laem corpo de doutrina, filha das tendenciasphilosophicas da revoluo franceza de 1789 (Lei

    de 22 ventose do anno XII, art. 2

    o

    n. 2, Decr. do 4 diacompl. do anno XII, art. 10); mas foi o governo deLuiz XVIII quem realizou esta ida creando umacadeira de Direito Administrativo na escola dedireito de Pariz, e incumbindo De Gerando deinaugurar o ensino da nova sciencia.

    A reaco que nesse paiz ento se operava contraas idas da revoluo, fez que cedo fosse supprimidaesta cadeira. O governo conheceu que a luz dasciencia, penetrando nos mysterio-sos adytos da

    administrao, iria pr pas ao2

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    arbtrio dos funccionarios, e dar novas armas ao elemento

    democratico. Nove annos, porm, mais tarde teve de ceder

    de novo presso da opinio publica, e de restaurar a

    cadeira supprimida, confiando ainda o seu regimen aoillustre ins-tallador. (Ord. de 24 de Maro de 1819,

    art. 3o; 4 de Outubro de 1820, art. 1 n. 3 e 4; 19 de

    Junho de 1828 art. 1o)

    Para preencher sua ardua misso o eminente professor

    teve de compulsar volumosas col-leces, reunir e

    coordenar mais de 80,000 textos de leis e regulamentos, e

    com methodo admiravel extrahir delles uma theoria

    philosophica. Foi assim que elle compoz e deu luz as

    suas Insti-tutas de Direito Administrativo Francez. De entopor diante achou-se constituda naquelle paiz a sciencia

    de que geralmente reconhecido De Gerando como o

    fundador e o pai. Assaz, porm, tardou ella em ser

    importada e nacionalisada entre ns. Achava-se ainda

    supprimida a cadeira de De Gerando quando foro creados os

    cursos superiores de sciencias sociaese jurdicas, em S.

    Paulo e 01inda(Lei 2a de 11 de Agosto de 1827); e o

    Direito Administrativo no foi contemplado no quadro de

    seus estudos.

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    Mas a experiencia afinal mostrou quanto eranecessaria a cultura desta sciencia, tanto para os quese dedico carreira da politica e da administrao,como para os que se vota o vida menos brilhante,

    porm no menos honrosa, do foro.Comquanto j em 1833 houvesse apparecido pela

    primeira vez, no relatorio apresentado s camaraspelo ministro do imperio, o senador N. P. deCampos Vergueiro, a ida da creao de umacadeira de Direito Administrativo, paracomplemento dos estudos de sciencias sociaes e

    jurdicas das nossas academias, foi s em 1851,durante o ministerio do Marquez de Monte Alegre,que essa necessidade foi satisfeita pelo poderlegislativo. Com esta cadeira foi nessa mesmaoccasio creada a de Direito Romano e o governoautorisado a dar novos estatutos a estas acade-mias.(Decreto n. 608 de 16 de Agosto de 1851). Tres annosdepois, sendo ministro do imperio o Sr. conselheiroL. P. do Couto Ferraz, foro decretados os actuaesestatutos (Dec. n. 1,386 de 28 de Abril de 1854), eno anno seguinte (1855) coube ao autor desteescripto a ardua tarefa de leccionar sobre esta

    materia na faculdade de direito de S. Paulo.

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    3.

    DEFINIO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

    Sendo incontestavel a superioridade do metho-dosynthetico para a exposio didactica de qualquer

    sciencia, e devendo-se sempre proceder das syntheses mais

    geraes para as menos geraes, evidente que a questo

    preliminar de todo o tratado scientifico a definio da

    sciencia; questo difficil e sujeita a incessantes disputas

    nas sciencias estudadas durante seculos e por muito

    maior razo nas que, sendo de recente origem, ainda se

    no acho perfeitamente constitudas, nem fixados os seus

    limites, de modo que o olhar da intelligenoia pareceperder-se em horizontes indecisos. Pde-se dizer que as

    definies acho-se collocadas no portico das sciencias,

    como sphinges mysteriosas que as res-guardo de serem

    devassadas pela curiosa leviandade que no tem bastante

    perspicacia e perseverana para decifrar seus enigmas.

    Indaguemos como alguns dos mais distinctos

    escriptores desta sciencia tm procurado solver a

    questo: o que o Direito Administrativo ?

    Segundo De Gerando elle tem por objecto,

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    as regras que regem as relaes reciprocas daadministrao com os administrados.

    Os autores dos Elementos de Direito Adminis-trativo na Belgica, adoptando e desenvolvendo as

    idas de De Gerando, dizem: Por um lado o Direito Administrativo fixa a

    natureza das funces administrativas, faz conhecero seu fim; estabelece a organisao administrativa,isto , a hyerarchia dos funcciona-rios que exercemas funces administrativas; fixa a competencia decada um, bem como as attribuies de cada funco.O Direito Administrativo marca a extenso dodominio administrativo, d as regras do processo,isto , as frmas que se devem seguir nas relaesentre os administrados e a administrao, ou entreos diversos agentes; assim se percebe que se-guranas so offerecidas a uns e outros. Por outrolado o Direito Administrativo determina a naturezadas relaes que ligo a autoridade civil forapublica, autoriza certo direito de padroado e tutelasobre certos estabelecimentos publicos ou privados,ou communidades civis ou religiosas. Autoriza aadministrao, com um fim de utilidade publica, a

    tomar certas me-

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    didas para a sustentao da ordem, salubridade,viabilidade, segurana individual, moral publica, etc.Regula a gesto da fortuna publica.

    Laferrire diz que o Direito Administrativo o que

    regula a aco e a competencia da administrao central,

    das administraes locaes, e dos tribunaes

    administrativos, em suas relaes com os direitos ou

    interesses dos administrados, e o interesse geral do

    Estado, ou o interesse especial dos centros parciaes

    da populao. De accordo com De Gerando, ensina que

    este Direito tem por objecto as relaes da administrao

    com os cidados para a execuo das leis e

    regulamentos, isto , os direitos e deveres reciprocos

    dos administradores e dos administrados, e accrescentaque este se prende administrao no momento em que

    esta se manifesta em relao aos administrados, no

    mesmo instante em que ella exerce a sua aco sobre os

    cidados.

    A definio de Laferrire tem sido adoptada, com

    diversas mas leves alteraes, pelos Srs. Pradier-Foder,

    (Prncipes du Droit Admin.), Dr. F. V. P. do Rego

    (Elem. de Dir. Admin.

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    Bras.) Conselheiro F. M. de S. Furtado deMendona (Elem. de Dir. Admin. Patr.) eConselheiro Cabral (Dir. Admin. Bras.)

    Macarel, ampliando estas naes, diz que o corpo

    do Direito Administrativo o complexo das leis:I. Que determino os direitos e deveres

    recprocos da administrao e dos administrados.

    II. Que organiso os servios administrativos, isto , que estabelecem a natureza, hyerar-chia e attribuies dos agentes institudos.

    III. Que trao a frma pela qual a adminis-trao e os cidados devem obrar para preencherem

    suas obrigaes reciprocas.IV. E dos regulamentos que desenvolvem estasleis, provendo sua execuo.

    As primeiras elle denomina leis de princpios ;as segundas leis de organizao e de attribuies,as terceiras leis de processo administrativo; etodas formo o grande ramo das leisadministrativas.

    O Sr. Senador Jos Antonio Pimenta Bueno(Direito Publico Brasileiro) define o Direito Ad-

    ministrativo de dous modos diversos, conside-

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    rando-o como sciencia, ou como Direito Po-sitivo.

    No primeiro caso, diz elle, a sciencia daadministrao, a theoria racional dacompetencia e da aco do poder executivo e dosseus agentes em sua gesto e relaes com osdireitos e obrigaes dos administrados, emvista do interesse collectivo ou geral dasociedade. E' a sciencia que estuda e proclamaas regras e condices geraes, que soapropriadas para segurar o melhor desempenhodo servio administrativo, o bem, a prosperidadesocial; quem examina e esclarece os elementos

    da administrao, as discusses dos negociospublicos, as opinies e actos dos conselhos edemais orgos do poder executivo; finalmente quem assignala os vicios, indica aslacunas, as reformas, os melhoramentos,princpios e leis positivas de um Estado, (OBrasil por exemplo), que re-gulo acompetencia, direco ou gesto do seu poderexecutivo, quanto aos direitos, interesses eobrigaes administrativas da sociedade e dos

    administrados, na esphera do interesse geral.Desta variedade de definies deduz-se evi-

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    dentemente que nem todos se colloco no mesmoponto de observao para o estudo desta scien-cia; donde provm, que o seu horizonte se tornamais ou menos vasto, e parallelamente amplia-seou restringe-se a materia a que applico a suaintelligencia.

    Para ns tambem o Direito Administrativo seapresenta sob dous aspectos diversos, segundoo estudamos no sentido restricto ou amplo.

    Considerado no sentido restricto, isto ,como verdadeira disciplina juridica, no pdeabranger mais do que o estudo de direitos edeveres, e estes no podem ser outros seno

    os que emano das relaes da administraopara com os indivduos sobre quem exerce asua aco.

    No sentido amplo, deve elle comprehendertambem o conhecimento synthetico dos elemen-tos ; assim collocados em face um do outro, nasua intima natureza c mutua aco, ou nasrelaes que os ligo.

    Assim, no sentido restricto, o Direito Admi-nistrativo a sciencia dos direitos e deveres

    recprocos da administrao e dos administra-dos, e no sentido amplo a sciencia que ensina

    3

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    a organisao administrativa, tanto nos seuselementos fundamentaes e universaes, como no seudesenvolvimento pratico em um povo dado; o modopelo qual ella actua sobre a massa geral dapopulao, ou os seus centros parciaes, isto , osservios incumbidos aos seus agentes geraes oulocaes; as frmas de que os seus actos se revestem,e as modificaes juridicas que em face delles e sobsua influencia sofrem os administrados em seusdireitos e obrigaes.

    4.

    OBJECTO DO DIREITOADMINISTRATIVO

    Pois que a definio de qualquer sciencia tem porfim patentear, e circumscrever precisamente o seuestudo, evidente que o objecto do DireitoAdministrativo ha de variar e tornar-se mais oumenos amplo, segundo o ponto de observao emque cada um se collocar e a definio que preferir.

    Considerado o Direito Administrativo no sentido

    restricto e proprio, tem exclusivamente porobjecto os direitos, e deveres da adminis-

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    trao para com os administrados e destes paracom aquella.

    Adoptado o sentido amplo, este objecto com-prehende:

    I. As noes mais syntheticas e fundamentaesacerca das duas entidades administrao eadministrados.

    II. A exposio da organisao administrativaou da hyerarchia dos funccionarios e empregadosda administrao.

    III.O estudo das funces e servios da admi-nistrao activa, tanto em relao aos interessesdo Estado, como aos dos particulares.

    IV.A doutrina da competencia e formulas daadministrao contenciosa.

    Pde-se pr em questo qual das duas acce-pes da expressoDireito administrativo deveser a preferida, e conseguintemente qual a am-plitude que deve ter o seu objecto.

    No sendo possivel o estudo regular e com-pleto dos direitos e deveres recprocos da admi-nistrao e dos administrados, sem que se co-nheo estas duas entidades em sua natureza eno modo por que reciprocamente actuo e reagemuma sobre outra, deve ser preferida a accepo

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    mais ampla da definio e objecto do DireitoAdministrativo.

    Entretanto, em um plano de organisao

    escholar mais vasto, e harmonico do que o dasnossas Faculdades, onde se quizesse fazer estudomais aprofundado e satisfactorio, fra sem duvidaconveniente separar-se a substancia propriamente

    juridica destes conhecimentos das suas partescomplementares, e que se referem organisaoadministrativa e s suas attribuies hyerarchicas.

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    CAPITULO II

    DAS SCIENCIAS AUXILIARES E FONTES DO DIREITOADMINISTRATIVO

    1.Sciencias auxiliares em geral. 2. Sciencias da Administrao. 3. Direito Publico positivo.

    4. Direito Privado. 5. Fontes do Direito Administrativo. 6. Bibliographia do Direito Administrativo.

    1.SCIENCIAS AUXILIARES EM GERAL

    Todas as sciencias acho-se proxima ou remo-tamente relacionadas umas com outras, quertenho por objecto o mundo moral ou o physico;porque todas tm por alvo o conhecimento dasleis que regem a creao e constituem a univer-sal harmonia, que se funda sobre a unidade dopensamento divino.

    Como uma synthese se decompe em outrasmenos vastas, e estas em outras ainda maisrestrictas, e assim por diante, cm uma serie maisou menos longa, at chegar-se s noes singu-lares ; do mesmo modo as sciencias ramifico-sede um tronco commum, de sorte que ou subindoou descendo nessas series, systematicamente

    12770565

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    coordenadas, pde-se passar por transio logica deuma sciencia a outra, ou de um a outro co-nhecimento, por mais desligados e afastados que primeira vista pareo.

    Assim consideradas, todas as sciencias so au-xiliares umas das outras. Algumas, porm, ha que,achando-se mais estreitamente relacionadas,pres-to-sereciprocamente mais prompto e efficaz auxilio ; a estas que commumente se costuma denominarauxiliares. (Falck-Juristische Encyklo-paedie.) E'neste sentido que qualificamos como scienciasauxiliares do Direito Administrativo:

    I. A Sciencia da Administrao.

    II. O Direito Publico Positivo.III. O Direito Privado.Cumpre-nos indagar quaes as relaes do Direito

    Administrativo com.estas tres sciencias que so asprincipaes auxiliares, e o faremos nos seguintesparagraphos. Antes, porm, de entrarmos nesteexame, de novo advertiremos que o DireitoAdministrativo tem relaes mais ou menosproximas ou remotas com todas as outras sciencias, edelias recebe auxilios mais ou menos valiosos, e com

    especialidade os recebe daquellas que tm porobjecto o homem ou a sociedade.

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    2.

    SCIENCIA DA ADMINISTRAO

    Muitos ha que confundem o Direito Adminis-

    trativo com a Sciencia da Administrao; grandeporm, a differena que os separa, como vamosexpr.

    A Sciencia da Administrao a que ensina omodo pelo qual se acha, ou deve achar-se, consti-tudo o mecanismo administrativo para poderpreencher satisfactoriamente a sua misso, asrelaes hyerarchicas dos seus funccionarios eempregados, e a parte material e technica dosservios que lhes so individualmente incumbi-

    dos. Assim, esta sciencia tem duas partes : umatoda positiva, que se occupa exclusivamente coma exposio das instituies administrativas deum povo em uma poca dada; outra que seoccupa com os princpios philosophicos que emparte servem-lhes de base e em parte so o typoa cuja realizao devem approximar-se por meiode progressivas reformas.

    Comparada esta noo com a do Direito Ad-ministrativo no sentido restricto, torno-se evi-

    dentes as suas profundas differenas. A pri-

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    meira abrange todos os preceitos positivos queconstituem a administrao e dirigem a sua aco,e os princpios geraes que explico ou devemexplicar aquelles preceitos; emquanto a segunda,sem occupar-se com a boa ou m constituiointerna do mecanismo administrativo, s trata dosdireitos e deveres que nascem das suas relaesexternas com os particulares. A primeira sciencia propria do politico e do administrador;entretanto a segunda propria do jurisconsulto,e interessa totalidade dos administrados.

    Cumpre, porm, advertir-se que o DireitoAdministrativo, tomado na sua ampla accep-o,

    comprehende parte da Sciencia da Administrao.Gomquanto no se occupe com os largos eminuciosos desenvolvimentos expositivos ecrticos em que entra esta sciencia, aceita os seusresultados geraes, e nelles funda as relaes

    jurdicas dos administrados, que constituem a suamateria peculiar.

    Qualquer que seja o sentido em que tomemosas palavrasDireito Administrativo, evidente oestreito nexo que liga esta sciencia da

    Administrao; pois no possvel que

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    se comprehendo bem as relaes externas daadministrao para com os administrados, semque se conhea a administrao em si mesmae as relaes internas dos seus agentes.

    0 estudo do Direito Administrativo presuppe,portanto, at certo ponto o da Sciencia da Ad-ministrao, e por este motivo que preferimosa accepo ampla deste direito, afim de poder-mos comprehender em nosso quadro ao menosos resultados geraes daquella sciencia, j queella entre ns no frma o objecto especial doestudo de instituio alguma.

    Devemos observar que, em regra, a economiapolitica e a estatstica no so immediatamenteauxiliares do Direito Administrativo e sim daSciencia da Administrao.

    A economia politica, ensinando qual o po-der e as funces dos grandes instrumentos daproduco da riqueza:o trabalho humano ac-tual, o trabalho passado accumulado nos capi-taes e os agentes naturaes que lhe servem dematria ou de auxiliar; as condies e os effei-tos da circulao dos valores; a influencia damoeda e dos seus signaes representativos; athcoria dos bancos, do salario, dos juros, da

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    renda territorial, do imposto, do credito publico edo consumo; fornece conhecimentos in-dispensaveis para a Sciencia da Administrao, masque no tm immediata influencia sobre o DireitoAdministrativo, porque quaesquer que sejo osprincpios da economia politica, no tm forapara alterar os preceitos daquelle direito, isto ,para alargar ou restringir a es-phera dos direitos edeveres dos administrados.

    O mesmo diremos respeito da estatstica, quecom Moreau de Jons definimos:a sciencia dosfactos naturaes, sociaes e polticos, expressos portermos numericos. Ensinando-nos qual a exteno,

    divises e condies topographicas do paiz, o estadoactual e os desenvolvimentos por que tem passado apopulao, a industria agrcola, manufactureiraecommercial, a navegao, finanas, foras militares,instruco publica, e outras instituies do Estado,por certo que fornece sciencia da administraoconhecimentos que ella no pde preterir, mas queno influem immediatamente sobre o DireitoAdministrativo.

    Assim, por mais evidente que seja a theoria da

    economia politica sobre a inconveniencia dosgrandes exercitos permanentes, das leis restric-

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    tivas do commercio ou dos impostos sobre oscapitaes, e quaesquer que sejo os dados com-probativos da estatstica sobre estas ou outrasquestes, no podem servir de defesa aos adminis-trados para se eximirem dos onus que as leis de-creto, embora aquellas sciencias os condemnem.Podero, sim, servir, para que o politico ou oadministrador reformem a administrao; masemquanto as suas theorias no forem trado sidasem leis e regulamentos que operem esta refrma,no podero influir de modo directo no DireitoAdministrativo.

    Ambas estas sciencias por certo que influem

    poderosamente na constituio do Direito Admi-nistrativo, e no desenvolvimento da aco daadministrao; mas, em regra, no influem di-recta e immediatamente nas relaes jurdicasda administrao e dos administrados.

    3.

    DIREITO PUBLICO POSITIVO

    O Direito Publico Positivo, em sua generalida-

    de, ensina os princpios constitutivos do podersocial em seus diversos ramos, e reguladores da

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    sua aco, tanto em relao aos proprios subditoscomo s sociedades estranhas.

    Elle se divide em :Direito Publico Interno e Direito Publico

    Externo.O primeiro subdivide-se em:Direito Politico ou Governamental, eDireito Administrativo.O segundo subdivide-se em:Direito Internacional ou das Gentes, eDireito ecclesiastico.Se util para o estudo do Direito Administrativo

    o conhecimento das leis que organiso a

    administrao, no menos util o dos princpios queconstituem o poder que nellas se irradia, e todos osoutros grandes poderes polticos.

    O Direito Politico, ou Governamental que nosfornece estas noes, bem como as das normas queregulo as relaes desses poderes entre si, e aparte de interveno nos negocios publicosdeixada aos cidados, ou os seus direitospolticos, no pde deixar de achar-se em intimarelao com o Direito Administrativo e de

    prestar-lhe valioso auxilio.Sendo uma das partes mais importantes

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    da misso da administrao a vigilancia eproteco aos interesses do Estado, e aos indi-viduaes dos subditos, em relao s naesestrangeiras; incumbindo-lhe a organisao e

    gerencia de importantes servios, destinados aexercer aquella vigilancia e proteco, tor-na-se evidente a relao estreita que existe entreo Direito Internacional, que trata das relaesexternas dos Estados entre si ou com ossubditos dos outros Estados, e o DireitoAdministrativo, tanto no sentido restricto, comoprincipalmente no amplo.

    O Direito Publico Ecclesiastico, que ensinaa constituio da igreja e os poderes conce-

    didos hyerarchia sacerdotal pelo seu DivinoInstituidor, que define e regula as relaes dopoder politico para com o ecclesiastico, nopde tambm deixar de ser considerado comoum dos poderosos auxiliares do Direito Admi-nistrativo. Cumprindo advertir-se que, tendoos deveres religiosos incontestavel suprema-cia sobre todos os outros, um dos mais im-portantes direitos dos administrados o con-seguir da administrao, tanto quanto delia

    depende, as facilidades precisas para o preen-

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    chimento desses deveres; ao mesmo tempoque incumbe administrao o defender asociedade politica das possveis invases daautoridade ecclesiastica, ou da exaltao edesvios do sentimento religioso.

    Cumpre observar-se que, alm deste ramo ex-terno e politico, o Direito Ecclesiastico tem outrointerno, (o Direito Canonico), que regula a cons-tituio da hyerarchia ecclesiastica, e as suas re-laes para com os membros da sociedade eccle-siastica. Assim mais, que alguns destaco doDireito Administrativo o ramo relativo gestoda fortuna publica, e com elle constituem o Di-

    reito Financeiro, como sciencia distincta; e queos publicistas allemes subdividem a este emDireito Camarario, e Financeiro no sentidorestricto, segundo se occupa com a administra-o dos bens e rendas publicas, ou com a dis-tribuio e fiscalisao das despezas.

    4.

    DIREITO PRIVADO

    O Direito Privado, que os jurisconsultosromanos definioquod ad singulorum utilita-

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    tem spectat, (Inst. I. 1o tit. 1o 4o, D. I. 1o tit.1 c. 1 2o), o complexo das leis queregem as relaes dos indivduos entre si, edetermino os seus direitos e deveres recpro-cos. De accordo com o Sr. Senador PimentaBueno (Dir. Publ. Bras. tit. prelim. cap. 1o sec-o 3a) o dividimos em :

    Gommum e especial.

    O Direito Privado Gommum o que tambemse denominaCivil. O Direito Privadoespecial subdivide-se em:

    Commercial, eInternacional privado.

    Direito Civil o que regula as relaes in-dividuaes e reciprocas dos membros da asso-ciao, quer emanem da posio de cada umno seio da famlia, quer emanem dos bens,dos contratos, ou das successes.

    Direito Commercial uma modificao doDireito Civil, na sua appliao aos commer-ciantes.

    Direito Internacional Privado o que regeas relaes individuaes dos subditos de di-versos Estados, e mostra quando o Direito

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    Privado de uma nao deve ser applicado noterritorio das outras.

    Quanto ao Direito Criminal, muito se temdiscutido, se ramo do Direito Publico ouPrivado. Entre ns a punio de alguns crimes direito do offendido, que elle pde annullar peloperdo, ou pelo no uso no prazo da prescripo; enaquelles mesmos em que se procede ex-officio, asociedade, representada pelo ministerio publico,apparece como parte offendida, como pessoa

    jurdica, perante o poder judicial, a requerer aapplicao da lei penal.

    O Direito Administrativo e Privado acho-se

    estreitamente ligados, e reciprocamente se auxi-lio. AssimI. Em certos casos a applicao do Direito

    Administrativo pela autoridade administrativapresuppe outra applicao do Direito Privadopela autoridade judiciaria.

    II. E' o Direito Privado que regula o exerccio de certas attribuies administrativas, comoa tutela sobre as corporaes e instituies pias,e ento torna-se subsidiario do Direito Adminis

    trativo.III. E' tambem o Direito Privado que em-

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    presta as formulas que so imitadas pelo pro-cesso contencioso-administrativo.

    Por outro lado o Direito Administrativo auxilia oPrivado:

    I. Protegendo o exerccio dos direitos particulares que deste emano.

    II. Instituindo e regulando a organisao judiciaria, e dando as necessarias providenciaspara que ella possa livremente funccionar.

    III. Providenciando tambem sobre a preven-odos factos que o Direito Penal prohibe, ouauxiliando as autoridades judiciarias a tornaremeffectivas as applicaes deste direito aosdelinquentes.

    IV. Incumbindo s autoridades judiciarias oexerccio de algumas attribuies administrativas,de que ellas necessito para o bom preenchimentode sua misso.

    Quando tratarmos das relaes da administrao e do poder judicial, teremos occasiode estudarmos mais largamente os pontos decontacto entre estas duas ordens de autoridades,

    e os das leis que ellas so incumbidas de realizar. (V. t. 2o, cap. 2o 3).

    5

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    5.

    FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

    O Direito Administrativo, no sentido restricto,tem por fonte primitiva as leis administrativas,ou aquellas que, embora no tenho es-pecialmente este caracter, occupo-se aciden-talmente com qualquer ramo da organisao ou dosservios administrativos.

    Visto que ninguem obrigado afazer,ou deixar defazer, qualquer cousa seno em virtude da lei (Const.art. 179 1o), claro que smente esta pde creardireitos ou obrigaes novas para os administrados,

    ou ampliar, restringir, modificar ou extinguir osexistentes. (Sr. Pimenta Bueno Dir. Publ. Bras. tit.6o seco 2a n. 326).

    Entretanto os actos regulamentares do poderexecutivo, emquanto contidos dentro da orbitaconstitucional, isto , emquanto smente tm por fima boa execuo das leis, participo da foraobrigatria destas, e so fonte secundaria doDireito Administrativo.

    Mas estes actos, comquanto no posso crear

    direitos ou obrigaes absolutamente novas para osadministrados, isto , que se no deduzo de

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    uma lei, nem modificar ou extinguir os existentes,podem comtudo crea-los, modifica-los ou estin-gui-los em relao s diversas series hyerarchicasde administradores. Porquanto, no sendo estesmais do que agentes ou instrumentos do poderexecutivo, devem aceitar todo o pensamento e adireco que a este poder aprouver impremir-lhes, guardando as relaces hyerarchicas queelle julgar conveniente estabelecer, sem que dequalquer modo posso recalcitrar.

    Fica, porm, entendido que a esphera regu-lamentar se amplia em relao aos funcciona-rios e empregados administrativos, no sentido

    de estatuir o poder executivo, na ausencia ou si-lencio da lei, mas nunca em manifesta opposio ella.

    Em lugar conveniente trataremos de extremarmais clara e precisamente os actos administra-tivos dos legislativos, e determinar a extenso daesphera regulamentar (Tit. 2o, cap. 2o 2o ecap. 7o).

    Cumpre-nos advertir que, no obstante asprofundas reformas operadas em consequencia

    da proclamao da independencia nacional, oadopo do systema representativo, grande

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    parte da legislao administrativa de Portugal,anterior a estes successos, ainda se acha em vigor.

    A Constituinte brasileira, comprehendendo queno era possvel reformar e substituir de um jactotoda a legislao que vigorou durante o perodocolonial, determinou expressamente pela lei 6a de20 de Outubro de 1823 que ella continuasse emvigor emquanto no fosse substituda por novoscodigos, ou especialmente alterada.

    Assim, o Direito Administrativo Patrio Geral tempor fontes:

    I. Os actos do Poder Constituinte, a Constituio Politica do Imperio, e o Acto Addi-

    cional ella: so estes os ttulos da legitimidade de todos os poderes politicos, a matrize o padro de todas as leis, a origem primitiva de todos os direitos e obrigaes na sociedade politica.

    II. Os do Poder Legislativo Ordinario; nestaclasse acha-se comprehendida, no s a legislao posterior independencia, como a anterior ella, mandada vigorar pela citada leide 20 de Outubro de 1823.

    III. Os do Poder Executivo, a saber: os seus

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    decretos, instruces, regulamentos, as reso-lues sobre consulta do conselho de estado, esupremo tribunal militar, ou sobre pareceresdas sesses daquelle, as provises deste, osavisos, portarias, ordens do thesouro e dosministros, etc.

    (Sobre a nomenclatura dos actos adminis-trativos no antigo regimen e no actual, videtit. 2o, cap. 7o).

    6.

    BIBLIOGRAPHIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO

    Para o estudo dos princpios geraes queconstituem esta sciencia julgamos util que seconsultem os seguintes escriptores:

    B. De Gerando.Instituas de Direito Admi-nistrativo Francez.

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    Publico e Administrativo.Macarel.Curso de Direito Administrativo.Vivien.Estudos Administrativos.Cabantous. Repeties escriptas sobre o

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    Serrigny. Questes e Tratados de Direito

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    Judiciario, e Codigo Administrativo.Chauveau. Princpios de Competencia

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    Bruno. Codigo Administrativo Belga.Magnitot. Diccionario de Direito Publico

    Administrativo.Cormenin.Direito Administrativo.Ducrocq.Curso de DireitoAdministrativo.Girardin.Questes administrativas e

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    Dreste.Justia Administrativa.Chevillard.Estudos de administrao.Rabaud-Laribire.Estudos historicos e ad-

    ministrativos.Lambert. Estudo sobre a organisao admi-

    nistrativa dos Estados.Batbie.Tratado theorico e pratico do Di-

    reito Publico e Administrativo.Batbie.Resumo do Curso de Direito Pu-

    blico e Administrativo.Chantagrel.Direito Administrativo theo-

    rico e pratico.Gougeon.Curso de Direito Publico e Ad-

    ministrativo.Mallein.Consideraes sobre o Direito Ad-

    ministrativo e seu ensino.Fooz.O Direito Administrativo Belga.Minghetti.Organisao administrativa do

    reino da Italia.Pozl.Direito Administrativo Bavaro (Baye-

    risches Verwaltungsrecht).Roenne.A administrao Prussiana (Die

    Preussische Verwaltung).Jacobson.O Estado Prussiano (Die preus-

    sische Staat).

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    Stubenrauch. Manual da administraoAustraca (Handbuch der OesterreichischenVerwaltung).

    Gneist.Direito Constitucional e Administra-tivo actual da Inglaterra (Das heutige Engl-sche Verfassungs und Verwaltungs-recht).

    P. G. de la Serna.Instituciones de Dere-cho Administrativo.

    Colmeiro.Derecho Administrativo Espa-nhol.

    Omittimos muitos excellentes tratados espe-ciaes, que alis tambem podem ser consultadoscom proveito.

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    TITULO II

    DA ADMINISTRAO

    CAPITULO I

    DA NATUREZA E DIVISESDO PODER POLITICO

    l.a Da natureza do poder poltico. 2.Das divises do poder politico. 3.Theoria constitucional.

    DA NATUREZA 00 PODER POLITICO

    O poder social uma instituio de direito

    absoluto, porque uma condio indeclinaveldas sociedades humanas; quer remontemos regio das theorias, ou desamos analyse dosfactos, no se encontra, nem sequer se concebe,a vida das naes sem este orgo essencial.

    Se, porm, esta instituio quanto sua essen-cia est alm do alcance da influencia humana,

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    no o est igualmente quanto sua frma, intenso e extenso da sua actividade. Doando aProvidencia ao homem a intelligencia e a liberdade,armou-o de dous poderosos instrumentos parainfluir sobre os seus proprios destinos no circulopor ella traado. E' modificando as condies dasua existencia individual e social que a acohumana alcana esta instituio fundamental doEstado, combina por diversos modos os seuselementos, reveste-a de novas frmas, amplia ourestringe a sua es-phera.

    Entretanto, fascinado por falsas theorias, ou porpaixes irrazoaveis, o homem quebra algumas

    vezes caprichosamente a estructura do poder, e comos seus fragmentos despedaados tenta utopicas,phantasticas combinaes. Mas essas tentativas sosempre ephemeras e infecundas ; porque todo o poderem desaccordo com as condies da vida nacionalbaqua por si mesmo, carecedor de base.

    A sociedade a condio imposta realizaoda lei suprema da perfectibilidade, que resume eexplica os destinos do homem na terra. O poder ao mesmo tempo a arma com

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    que a sociedade se defende, e a mola mais po-derosa com que facilita e auxilia o desenvolvi-mento da perfectibilidade humana.

    O Estado, porm, no abrange toda a sociedadee seus multiplos fins. Elle apenas o orgo, quetem por funco exprimir e applicar a ida dodireito. Ora, alm deste ha outros elementosconstitutivos da natureza humana, como asidas de religio, de sciencia, de esthetica e deindustria, cada uma das quaes tende a crear-sena sociedade um organismo especial para a suamanifestao e desenvolvimento. At agora, po-rm, s o direito e a religio so revestidos de

    organismos amplos e completos, o Estado e aIgreja.As relaes sociaes concernentes a cada um

    destes elementos so regidas por leis providen-ciaes, mais ou menos fielmente traduzidas pelasinstituies humanas. E to infinitamente sabia a combinao dessas leis, que a liberdade indi-vidual pde mover-se largamente sem quebrar aharmonia geral do mecanismo social, nem in-terromper as evolues logicas do seu desenvol-

    vimento.Esses organismos especiaes so to distinctos

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    e independentes como as idas que lhes servem degermen. Mas.assim como estas se harmoniso naunidade da natureza humana, devem ellesharmonisar-se na unidade da vida social. Cada umdesses organismos tem, pois, uma misso dupla.realizar a sua ida especial e auxiliar a realizaodos outros elementos sociaes. salvas a autonomia eindependencia destes.

    Assim, o poder politico no tem s por fim in-terpretar e applicaro direito ; cumpre-lhe tambmcoadjuvar o desenvolvimento e realizaro dareligio, da sciencia, da esthetica e da industria.

    No lhe compete smente proteger a existencia

    externa da sociedade, baldando todas as ameaas eperigos que venho de fra, e subordinar ao fimsocial todos os fins parciaes das individualidadesou fraces dscolas.

    Alm desta misso puramente negativa, tem elleoutra mais vasta e mais importante: cumpre-lhecrear e manter aquellas instituies, que sendoindispensaveis aos fins da universalidade, ou dasgrandes fraces da sociedade, no podem subsistirpelos esforos segregados dos indivduos, e sem oprestigio da autoridade e os re-

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    cursos financeiros do Estado; promover es in-teresses geraes ou collectivos, que, por isso mes-mo que a todos ou a muitos dizem respeito, eno exclusivamente a alguem, ficario delei-xados sem a vigilancia protectora do poder ;finalmente, concentrando em si mesmo, comoem um foco, todas as luzes esparsas na nao,tomar a dianteira na carreira da civilisao,abrir sociedade larga e facil estrada, e evitarque ella se transvie por perigosos atalhos.

    O poder no , pois, mal necessario, que con-vm smente supportar tanto quanto fr indis-pensavel; no inimigo implacavel, sempre

    avido de conquistas, que cumpre circumvallar emlinhas cada vez mais apertadas, e contra o quala sociedade deve estar constantemente armada ede atalaia; no,o poder instituio ligadaindissoluvelmente substancia da sociedade eindispensavel sua existencia; principioprotector de todos os interesses lcitos; auxi-liador da actividade humana, emquanto se es-fora para alcanar os seus fins dentro da es-phera do direito; e tutelador das individuali-

    dades physicas ou moraes, que no tm a ntel-

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    ligencia, a vontade, ou as foras precisas paravelarem sobre si mesmas.

    Guiada pela mo occulta e irresistvel da Pro-videncia, caminha livremente a sociedade humanapara o seu ultimo e mysterioso fim. Ao poderpolitico incumbe investigar as vias mais adequadaspara a realizao do direito, e auxiliar o multiplodesenvolvimento da natureza humana, designando osfins secundarios que servem da meios para esseultimo e providencial, e que so como que os marcosmilliarios na longa jornada da vida das naes.

    Nas espheras estranhas ao direito elle no pdeimpr o seu pensamento por meio da coaco ; deve

    limitar-se a exclarecer, a persuadir, a conceder ounegar o seu auxilio. Mas na es-phera peculiar dodireito, depois de esgotados os meios suasorios, elletem o dever e a attribuio de empregar oscoercitivos, no por certo contra a sociedade inteira,que representa, mas para cohibir o movimentocentrifugo das vontades individuaesrecalcitrantes.

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    2.

    DAS DIVISES DO PODERPOLITICO

    Denomina-se poder politico, em geral, o que incumbido de realizar a misso do Estado.

    As suas funces se resumem nestas duas su-premas :prescrever as normas que devem di-rigir os associados, em relao ao interesse so-cial, e tornar effectiva a realizao dessas normas.Quanto natureza de suas funces, o poderdivide-se, pois, em legislativo e executivo.

    A esphera, porm, da aco do poder varia,

    porque diversa a materia sobre que se exercemas suas funces. Com effeito :

    1. Umas vezes elle se applica inspirar aosseus principaes orgos o pensamento que devedirigir a politiea internacional, ou as suas pro-prias relaes geraes para com os associados.

    2. Outras vezes desce applicao indivi-duada desse pensamento director, na gesto dosinteresses diplomaticos e internos; na organiza-o das instituies, que servem de instrumentoe auxilio sua multipla actividade; ou na admi-nistrao dos interesses collectivos e dos in-

    7

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    dividuaes, que em atteno ao interesse socialcumpre serem protegidos.

    3. Finalmente, tomando por objecto as relaes

    individuaes e reciprocas dos associados, cumpre-lhetambem defender e conter a actividade destesdentro de suas respectivas orbitas juridicas.

    Nestas tres espheras actuo successivamente oPoder Legislativo prescrevendo as normas ge-raes, eo Executivo tornando effectiva sua realizao.

    O complexo das normas relativas primeiradessas espheras constitue o Direito Publico, ouPolitico em seus diversos ramos; as que se referem

    segunda fazem o objecto especial do DireitoAdministractivo; as que dizem respeito terceiraconstituem o Direito Privado.

    O Poder Legislativo, embora exercido por mais deuma camara, e com dependencia do Chefe doEstado para a sanco, sempre unico, qualquer queseja a esphera em que funccione; porque alei nopde ser formada por uma s dessas entidadesseparadamente, e sim pelo concurso harmonico detodas; s no caso de descentra-

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    lisao poltica ou administrativa elle se frac-ciona em relao s divises territoriaes.

    O Poder Executivo divide-se em governamen-tal, administrativo e judiciario, segundo a es-phera dentro da qual actua.

    O ramo governamental, que tambem se de-nomina politico, no sentido restricto, tem umamisso inteiramente morale de superitendencia.Incumbe-lhe perscrutar attento. as tendencias daopinio publica para esclarec-las, e guia-las;estudar as paixes do povo para modera-las,dirigi-las e aproveita-las em prol da causa pu -blica; sondar todas as suas necessidades, todosos seus soffrimentos para sana-los, ou ao menos

    attenua-los; finalmente cumpre-lhe, inspirando-se do pensamento nacional, formular princpiosclaros e exequveis, transmtti-los aos agentes daadministrao, e traar-lhes as vias que no seudesenvolvimento devem trilhar. O seu codigo o Direito Publico externo e interno.

    Ao ramo administrativo incumbe a gerenciapratica dos interesses publicos, j em relaos potencias estrangeiras, j em relao aosproprios membros da associao; cumpre que

    elle se dissemine hierarchicamente por todos os

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    pontos do territorio nacional e estrangeiro, paraestar presente sempre e em qualquer parte ondeprecisarem ser representados e defendidos osinteresses sociaes; finalmente resolve-se a suamisso na execuo das leis de interesse geral oucollectivo, j por medidas de conservao ou depreveno, j por medidas ge-raes, locaes, ouindividuaes. O seu codigo especial a legislaoadministrativa.

    Pertence ao ramo judiciario velar sobre asrelaes individuaes e reciprocas dos associados,fazer respeitar os direitos e deveres que deliasnascem, e applicar as leis de penalidade

    commum. O seu codigo o Direito Privado emseus diversos ramos.Quando a administrao se apresenta como

    representante da pessoa juridica o Estado, ereclama de algum individuo um direito, oucontesta-lhe uma obrigao em virtude de ttulosde Direito Privado, ou quando, como autora oucomo r, sustenta um letigio sobre materiapertencente ao direito dos bens, acha-se emidentica posio daquelle com quem litiga, e, no

    devendo fazer-se justia por suas proprias mos,submette-se autoridade do

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    Poder Judiciario, a quem cabe decidir entreella e o outro litigante, com a independenciae soberania que lhe so proprias.

    A distinco que acabamos de esboar entreos poderes do Estado, posto que essencial emrelao sciencia, no importa a absolutaseparao entre elles. Distinctos e at indepen-dentes, so comtudo intima e substancialmenteentre si ligados, como orgos componentes deum ser unico e vivo.

    Eis porque a sua harmonia de aco con-dio indeclinavel de sua vida commum. Semella as foras affluirio anormalmente para um

    dos orgos, com prejuzo dos outros; dahi aplethora e atrophia politica, que constituem umestado morbido cujas funestas consequenciascumpre prevenir.

    Para manter essa harmonia mister queexista uma autoridade suprema, que mais oumenos participe das funces de todos os po-deres, de sorte que possa estimula-los ou re-primi-los, segundo fr necessario.

    Taes so os princpios e as distinces que

    a sciencia formula; mas achar-se-ho elles de

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    accordo com as theses de nossa Lei Funda-mental? Examinemo-lo.

    3.

    THEORIA CONSTITUCIONAL

    O nosso systema politico reconhece os podereslegislativo e executivo; e, desmembrando deste asfunces judiciarias, com ellas cons-titue umpoder distincto. (Const. art. 10,)

    A todos proclama independentes, e consideracomo delegaes da nao. (Const. art. 12 a98.)

    Embora, porm, tenha elle procurado atten-tamente equilibrar e harmonizar as funces destespoderes, previo que a sua independenciafacilmente degeneraria em rivalidade e luta, ouna sua final absorpo por um delles, isto , naanarchia, ou despotismo, seno existisse umaentidade superior todas; quem competisse velarincessantemente sobre elles, para contel-os dentrode suas orbitas proprias.

    Para este fim foi institudo o poder moderador,

    quem se incumbio esta suprema mis-

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    so de superintendencia, ponderao e dire-osobre os mais podereres. (Const. art. 98)

    Difficil por certo era a tareia de crear umpoder com sufficiente fora para conter os ou-tros, mas incapaz de absorvl-os, ou simples-mente de attentar contra a sua independencia.

    O legislador constituinte, porm, com admi-ravel sagacidade, realizou este desideratum, com-pondo o sublime apanagio do poder moderadorcom funces taes, que a sua influencia sobreos outros poderes no pde deixar de ser sem-pre salutar. (Const art. 101), e confiando-o

    privativamente um Monarcha hereditario(Const. art. 3.e 117), que qualifica de ChefeSupremo da Nao, e seu primeiro Represen-tante. (Const. art. 98.)

    Embora pois a Nao tambem seja represen-tada pela Assembla Geral (Const. art. 11), apreeminencia na attribuio de representa-lacabe ao Monarcha, cujo caracter de soberaniaemana da sua irresponsabilidade (Const. art.99) e da posio sobranceira do poder modera-dor em relao aos outros poderes do Estado.

    O Monarcha tambem o chefe do poder exe-

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    cutivo, cujas attribuies so em parte gover-namentaes, e em parte administrativas.

    Elle, porm, no pde exercitar estas func-esseno por meio de agentes responsaveis (Const. art.102 e 132.) As mais importantes, que aConstituio ennumera no artigo 102, so exercidaspor intermedio dos Ministros distado; as outras,cujo complexo constitue a legislaoadministrativa, so postas em pratica por agentes decathegoria inferior, que compem a immensahierarchia administrativa.

    Assim, na nossa organisao politica o Im-perador impera (Const. art. 4o, 15 7o, 36 3o e

    116), governa (Const. art. 98,122124, 126 e127), e administra (Const. art. 15 6, 37 1.,102, 142 e 165).

    No existe pois um poder administrativodistincto e independente do executivo. O poderadministrativo, ou a administrao, o mesmoexecutivo abstraco feita das suas funcesgovernamentaes,diffundido pelas in-numerasramificaes de seus funccionarios e empregados,desde o Monarcha, que o seu Chefe, at os mais

    subalternos agentes. A administrao o corao do Estado, e

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    sua mola central; della deve partir a vida eenergia para animar todos os meios do bem serpublico; deve por isso recolher todos os escla-recimentos necessarios, organisar os elementosda sua aco, circumdar-se de coadjuvao pres-tante, emfim desempenhar em gro elevado oque faz um bom administrador particular quan-do quer e sabe desempenhar seu cargo; nadaolvidar, tudo prever, e reprimir quanto nocivo,promover, secundar e realizar tudo que util. (Pimenta Bueno t. 6 cap. 2o secc. 9 n. 350).

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    CAPITULO II

    DAS RELAES DA ADMINISTRAO COM OS PODERESDO ESTADO

    1. Das relaes da administrao com os poderes Moderador, e Executivogovernamental. 2. Das relaes da administrao com o PoderLegislativo. 3. Das relaes da administrao com o Poder Judicial.

    1.

    DAS RELAES DA ADMINISTRAO COM OS PODERES

    MODERADOR E EXECUTIVO GOVERNAMENTAL

    A administrao, posto que distincta dos poderespoliticos, acha-se ligada a elles por intimas eperennes relaes. Destas nasce a sua reciproca

    influencia, que, em vez de ser um mal, a condiode sua existencia. Mas esta influencia tem umamedida e um limite. Demarca-los com a possvelexactido a ardua e melindrosa tarefa que vamosencetar.

    Colloquemos a administrao em face decada umdos poderes do Estado, e indaguemos que relaesos devem ligar, sem que se comprometta a suaindependencia.

    Comquanto ao Poder Moderador no perten-ofunces administrativas, cabe-lhe uma in-

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    fluencia indirecta, mas efficacissima na adminis-trao pela sua attribuio de nomear e demittirlivremente os ministros de estado (Gonst. art.101 6o), a cujas diversas reparties se prendetoda publica administrao.

    Quanto ao Poder Executivo governamental,tointimamente entranhadas so as suas relaescom a administrao, que muito arduo se tornatraar entre elles a linha divisoria. Com effeito,exercidos ambos, em parte, pelos mesmos func-cionarios, sendo como que o desenvolvimentoou o prolongamento um do outro, a sua aco einfluencia se entrelao e mesclo a ponto de

    confundirem-se frequentemente.Em theoria facil discriminar as funcespoliticas e administrativas dos agentes do PoderExecutivo (cap. 1o 2o huj. tit.); mas na praticanem sempre se pde determinar quando elles

    exercem umas ou outras, quando governo ouadministro.

    Ao governo, como poder governamental oupolitico, compete indicar a direco, inspirar opensamento geral e imprimir o impulso a todo o

    funccionalismo administrativo, tanto nas rela-es internacionaes como nas internas.

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    A misso da administrao, pelo contrario, porassim dizer toda material ou mecanica; cumpre-lheorganisar os meios praticos, e p-los em aco, paraa realizao do pensamento governamental.

    Ella deve, pois, ser um instrumento docil e seguronas mos do governo, emquanto este obra dentro dasua esphera propria. Assim, no deve imprimir nosservios publicos um impulso contrario ou diversodaquelle que o governo lhe quer dar; no pde terum pensamento, uma vontade, queno sejo opensamento e a vontade do governo, emquanto estese limita s suas funces de iniciativa, deapreciao e de direco geral.

    Aqui, porm, deve parar a subordinao e co-mear a sua independencia.

    Quando a administrao trata de organisar osservios publicos, no deve postergar as vantagensdelle em atteno s predileces ou anti-pathiaspoliticas; quando se occupa com a execuo de umpreceito legislativo, no deve so-phistica-lo, torc-lo, ou illudi-lo para comprazer ao systema preferidopelo governo; quando se acha em presena doscidados, dos seus di-

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    reitos e obrigaes, deve, como verdadeira ma-

    gistratura, fazer respeitar esses direitos e cum-prir essas obrigaes, collocando a sua rectidoe imparcialidade acima de todas as considera-es da politica.

    Descrever em torno de cada uma destas duasentidades um circulo dentro do qual se possamover larga, harmoniosa e independentemente,nada ha mais difficil do que isso. No falta atquem sustente os systemas oppostos e extremos,da completa absorpo da administrao pelapolitica, ou da inteira annullao desta na pre-sena daquella. Nos perodos de febril excitao,ou de atonia politica, em que por vezes cahemas sociedades, v-se ordinariamente dominaremestes princpios exagerados.

    Quando o poder governamental ou politicosente a sua existencia, ou a da sociedade, amea-ada por opinies hostis, audazes, poderosas, ede ardente proselytismo, arma-se ordinaria-

    mente de todos os seus meios de influenciapara combat-las, e, infiltrando o seu pensa-mento interesse, e talvez paixes, em todos osagentes e auxiliares da administrao, ostransforma em outros tantos soldados seus, de-

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    votados, disciplinados e passivamente obedientes. Ento a luta torna-se o seu servio capital, ea victoria o seu primeiro interesse.

    Desviada assim a administrao do seu fimnatural, e convertida em immensa machina deguerra, quasi sempre o governo consegue a victoria,pois raras vezes as opinies dissidentes possuemorganisao igualmente vasta, completa,disciplinada, prestigiosa e dotada dos mesmosconhecimentos e habitos do commando, dos mesmosrecursos pecuniarios e da mesma clientella. Sim,consegue a victoria; mas quantas vezes custa dasleis violadas, dos dinheiros publicos esbanjados,

    dos direitos dos cidados conculcados, dasnecessidades do servio publico olvidadas!

    Outras vezes, porm, a sociedade cahe em atonia, ea politica se eclipsa. Ento desapparecem essasdeploraveis exageraes da theoria da confiana, e oseu mesmo principio fundamental ficaesquecido.

    No meio desta calmaria equatorial o poderpolitico, no enxergando adversarios, afrouxa a suavigilancia, abandona a sua iniciativa e impulso, e

    deixa o machinismo administrativo

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    funccionar de per si, entregue aos proprios ins-tinctos. A administrao toca ento ao maximoda independencia; trabalha como fora para-mente mecanica e fatal, que, privada de prin-cipio intelligente e livre que a dirija e lhe abra aproposito as valvulas de segurana, faz as suasevolues, sem desvar-se perante os obstaculos,sem suspender-se perante os soffrimentos ou pe-rigos, e esmaga a sociedade sob as suas rodasinsensveis, at que se despedace perante umobice insuperavel, ou faa exploso pelo excessoda propria fora. Ento, quando ao estampido dacatastrophe disperto de seu somno culpado os

    indolentes timoneiros, ouvem muitas vezes umavoz desconhecida proferir as fatdicas palavras tarde.

    O systema da absoluta subordinao da ad-ministrao politica, entre outros males, traz ode tornar necessaria a completa inverso nopaiz official, todas as vezes que a mudana depensamento se faz sentir nas altas regies dopoder. Esta inverso, que frequente na UnioAnglo-Americana e nos paizes que obedecem

    aos governos absolutos das democracias puras,repugna com o principio de estabilidade e per-

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    manencia, que uma das bases do regimenmonarchico, embora modificado pelo elementorepresentativo-nacional. As destituies em massa dos funccionarios eempregados administrativos, alm de affectardolorosamente a sua sorte e a de suas famlias,so prejudiciaes ao servio publico, que perdeos seus mais experimentados agentes e passa aser confiado a outros novatos, cujo tituloprincipal no a aptido profissional, e sim aopinio politica. Demais, essa multido defunccionarios destitudos, que pela mr parte setm tornado improprios para outras profisses,

    torna-se naturalmente um nucleo terrvel deopposio, a tramar de continuo contra ogoverno, afim de recuperar as posies perdi-das, e, vencido, ou fatigado da luta, o governoafinal succumbe,

    A sua queda ento seguida de reaco togrande e to funesta como a primeira inverso,e assim a administrao, lanada como uma pellade reaco em reaco, desnorta-se, desmora-lisa-se, esquece as tradies officiaes, perde o fiodos negocios, bem como perde toda a aco eprestigio.

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    Mas, se a divergencia de opinies politicas nodeve servir de motivo para a demisso de func-cionarios meramente administrativos, ou paraarredar candidatos profissionalmente habilita-

    dos, tambem o cargo administrativo no deveservir de instrumento de guerra contra o pensa-mento politico que domina a situao.

    Os agentes da administrao devem guardarintacta a sua liberdade de consciencia; cumpre,porm, que se abstenho de hostilisar o poderpolitico, ou de pr-lhe tropeos. Pelo contrario,no exerccio das funces do seu cargo, devemtomar lealmente a direco que este poder su-

    perior lhes quizer imprimir, ficando-lhes sempresalva a liberdade de pedirem a sua exonerao,quando entenderem que essa obediencia com-promette a fidelidade que devem guardar suasopinies. Mais tarde nos occuparemos de novodeste assumpto, e ento mostraremos mais pre-cisamente quaes os direitos e deveres especiaesdos agentes administrativos em relao ao poderpolitico.

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    DAS RELAES DA ADMINISTRAO COM O PODER

    LEGISLATIVO.

    O legislador a intelligencia que formula aregra; a administrao a fora mecanica quea executa. E' a administrao quem transporta opensamento legislativo do mundo subjectivopara o objectivo, quem o torna sensvel e activo,quem o traduz em phenomenos materiaes so-ciaes.

    A lei deve ser geral e permanente, e portanto

    exprimir-se por meio de syntheses applicaveis todos os pontos do territorio, e todos os mo-mentos do longo periodo que cumpre que ellaviva. As circumstancias sociaes, entretanto, semodifico e se transformo perennemente no es-pao e no tempo; e a lei no pde prever e pro-videnciar acerca dessas transformaes de todosos momentos, desses milhares de emergenciassempre novas.

    Assim, para que a sua execuo no encontre

    tropeos, incumbe administrao applicar sis-tematicamente s hypotheses variaveis da vida

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    pratica o pensamento da lei, esclarecendo ecompletando a palavra de que ella se serve, edecretando as medidas secundarias de mera exe-cuo. E' esta a attribuio que no art. 102 12a Const. concede ao poder executivo, quando oautorisa a expedir decretos, instruces e re-gulamentos adequados boa execuo das leis.

    Esta misso supplementar confere adminis-trao caracter quasi legislativo; no se tratada faculdade de interpretar as leis, que attri-buio exclusiva do poder legislativo (Gonst.art. 15 8o); e sim apenas da faculdade de faci-litar e dirigir a execuo da lei, adaptando-a s

    circumstancias variaveis das localidades, ou snovas emergencias do tempo, suprindo a ausen-cia do legislador, quem no convem invocar decontinuo para solver as pequenas e sempre re-nascentes difficuldades de execuo.

    Onde, porm, cessa o dominio da lei, e comeaa tarefa regulamentar da administrao? Emthese j respondemos: a lei formula synthesesgeraes e permanentes; a administrao des-envolve estas syntheses, applicando-as s cir-

    cumstancias especiaes e variaveis do logar e dotempo; a lei proclama os princpios, a adminis-

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    trao deduz e organisa as consequencias. Naapplicao pratica, porm, desta these, numerosasdifficuldades apparecem, que no acho fcil e

    completa soluo na nossa legislao, nem nasciencia; entretanto, cumpre que entremos emalguns desenvolvimentos.

    Para que a lei conserve os seus caracteresproprios de generalidade e permanencia, precisoque no desa s medidas modificaveis segundo asnecessidades locaes; que, attendendo smente aoque ha duradouro e estavel nas relaes sociaes,ponha de parte as circumstancias accidentaes,transitorias e ephemeras que podem modificar estas

    relaes.Nem o poder legislativo, com a solemnidade e

    a lentido de suas discusses periodicas, seriaproprio para entrar neste estudo longo, minucioso,e sempre a renovar-se; para elle somente adaptada a administrao, cuja aco perenne eininterrompida, cujos agentes hierarchicamentedistribudos por todos os pontos do territorio etodos os ramos do publico servio, podem e

    devem estudar essas circumstancias locaes eephemeras, e de prompto providenciar a respeitodelias.

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    Dest'arte, a lei que organisou as Municipa-lidades, as eleies, a reforma judiciaria e to-das as outras importantes, tm sido acompanha-das de Decretos, Avisos, Portarias, etc., accom-modando as suas theses geraes s circumstan-cias especiaes que no correr dos tempos tm denovo emergido.

    Assim tambem, as materias, cujo estudo exi-ge conhecimentos especiaes e technicos, noconvem que sejo desenvolvidas pela lei, queneste caso deve limitar-se decretar bases ge-raes, e sobre estas cumpre administrao for-mular a organisao dos servios technicos.

    As assemblas legislativas no podem sercompostas de intelligencias encyclopedicas emtodas as especialidades que constituem os va-rios ramos do servio publico; demais, domi-nadas mais ou menos pelo espirito politico ehabituadas s discusses ruidosas, e por vezesapaixonadas e tumultuarias, no podem fazer oestudo sereno e reflectido que a soluo dessasdifficeis questes exige. Pelo contrario, a ad-ministrao, cercada de conselhos numerosos

    e especiaes, auxiliada pelas notabilidades dassciencias, amestrada pela pratica dos negocios,

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    pde na tranquillidade do gabinete perscrutartodos os arcanos desses servios especiaes, demodo que satisfaa completamente cada uma de suasnecessidades.

    Esta a razo que explica diversas autori-saesconcedidas ao governo, como a de reformar asalfandegas e sua pauta, os consulados, as mesasde rendas, as recebedorias e a arrecadao dediversos impostos (Lei. n. 243 de 30 deNovembro de 1841, art. 10, n. 369 de 18 deSetembro de 1845, art. 28 e 30, n. 514 de 28de Outubro de 1848 art. 46, e n. 1040 de 14 deSetembro de 1859 art. 19), o regimento das

    custas judiciarias (D. n. 604 de 3 de Julho de1850), os Estatutos das Faculdades do Imperio (D.n. 608 de 16 de Agosto de 1851), a instrucoprimaria e secundaria do Municpio da corte (D.n. 630 de 17 de Setembro de 1851), o ThesouroPublico e Thesourarias Provinciaes (D. n. 563 de 4de Julho de 1850), a Contadoria Geral da Guerra(D. n. 574 de 28 de Agosto de 1850), a qualificao,organizao e servios dos Guardas Nacionaes dasProvncias limitro-phes (D. n. 520 de 14 deFevereiro de 1850),

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    as secretarias de Estado e de Policia (D. n.781 de 10 de Setembro de 1854), etc.

    Outras vezes a materia de natureza tal, queno possvel formularem-se medidas definiti-vas ; cumpre que se faco ensaios, estudos pra-ticos, que habilitem a optar-se, sem perigo dedeploraveis erros, entre systemas reluctantes.

    O governo quem por meio dos seus regula-mentos deve fazer estes ensaios, e s depoisque se completa o estudo, que as idas se as-sento e tomo as suas frmas definitivas, que o poder legislativo deve intervir com a suaautoridade, para sanccionar e tornar perma-

    nente o resultado destes estudos, adoptando osystema que se houver mostrado prefervel.Quanto, porm, s leis que dizem respeito

    s relaes individuaes e reciprocas dos cida-dos, ou que directamente affecto os seus di-reitos primordiaes, cumpre que sejo bem ex-plicitas e desenvolvidas, afim de que os grandese sagrados interesses da liberdade, da honra,da segurana e da propriedade dos associadosno fiquem dependentes do arbtrio, da igno-

    rancia ou da m f daquelles a quem incumbea applicao destas leis.

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    No se entenda, entretanto, que, por seremmenos sagrados ou preciosos os interesses geraes doEstado, devem ser tratados com menor amplidopelo poder legislativo; mas sim que estesinteresses so suficientemente protegidos pelasformulas geraes que a aco administrativa estadstricta, pela superintendencia das camaraslegislativas, pelos debates livres da imprensa, pelaresponsabilidade dos agentes administrativos, peloexame inquisitorial com que as opinies politicasdivergentes do governo es-quadrinho todos osactos deste.

    As pequenas leses dos direitos ou dos interesses

    meramente individuaes no so tidas em igualconsiderao pelos orgos da opinio publica, emais facilmente passo desapercebidas; por issoque as leis, que estes direitos ou interesses sereferem, devem ser bem explicitas e amplamentedesenvolvidas, para que suas lacunas ouomisses no dm lugar a abusos e leses, quepor falta de cho poderoso, que as repercuta,fiquem sem reparao e represso.

    Taes so as linhas divisorias que possi-siveltraar entre a aco legislativa, e a admi-

    v

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    nistrativa, em vista da natureza das funcesde que emano ; no so, porm, universaes, fixas e permanentes; pelo contrario, se restringemou amplio, segundo a maior ou menor ex

    tenso do territorio, ou os costumes do povo deque se trata, ou segundo o gro de confiana queo poder legislativo e a administrao reciprocamente se inspiro.

    Quando o poder legislativo tem em perspectivaum paiz extenso, cuja populao, produces, ne-cessidades e accidentes necessariamente variomuito, no pde descer das suas theses genericas;alias emprebenderia tarefa incompativel com osseus recursose a natureza desua misso,e que por-tanto seria forosamente mal desempenhada.

    Fraccionado porm, o territorio, e por elledisseminado em parcellas analogas o poder le-gislativo, diminuda conseguintemente a exten-so de sua tarefa, fica este habilitado a descerdessas theses geraes para outras menos amplas;e tal ser o fraccionamento deste poder, que seminconveniente possa entrar na apreciao dosfactos mais especiaes e individuaes, identifi-

    cando assim em parte as suas funces com asda administrao.10

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    Tal a razo justificativa da disseminao dopoder legislativo pelas provncias e municpios;porquanto, o poder legislativo geral, preoccupado comas necessidades communs do Imperio, no pde

    convenientemente estudar e satisfazer os numerosose complicados interesses de cada uma das vinteprovncias, e neste servio vantajosamentesubstitudo pelas assemblas pro-vinciaes; assimcomo estas, por no poderem conhecer as pequenasnecessidades e as espe-ciaes circumstancias de cadamunicpio, so com igual vantagem substitudasneste servio pelas camaras municipaes, cujasattribuies em parte so de natureza puramente

    legislativa, como se expe no Cap. 8o

    4o

    .Tambem o genio, os costumes, as tradies dos

    povos, podem influir na ampliao, ou res-trico, daaco dos poderes polticos.

    Paizes ha, onde a propriedade se acha con-centrada em poucas mos; onde se encontrograndes influencias hereditarias, nomes pres-tigiosos, corporaes poderosas pela sua riqueza eclientela. Ahi a aco do Estado muitas vezeslimitada pela concurrencia destes indivduos oucorporaes, que esto na posse de

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    dirigir certos ramos do servio publico e deprover s suas necessidades.

    Outros, porm, ha, como o nosso, onde o nivelda igualdade havendo passado por todas as for-

    tunas e todos os nomes, nenhuma outra grandeinfluencia resta alm da do Estado; de sorte queos cidados, deshabituados de todo o esforoespontaneo em prol dos interesses geraes ou col-lectivos, confio inteiramente a gerencia destes vigilancia e recursos dos poderes publicos.

    Finalmente a maior ou menor confiana queo poder legislativo deposita na administraoinflue poderosamente na amplitude relativa desua aco. Facil fra apontar na historia dospaizes estranhos expressivos exemplos destasalternativas.

    Assaz , porm, lembrarmos que no primeiroreinado o poder legislativo, dominado talvez porpanicos terrores, se esforava por limitar quantoera possvel a aco da administrao; havendodepois, durante o periodo