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Direito Autor Interesse Publico1

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  • Reis, Jorge Renato dos (org.)R375 O direito de autor e o interesse pblico: inter-relao entre o pblico e o privado [re-

    curso eletrnico] / organizao Renato dos Reis, Grace Kellen de Freitas Pellegrini, Jlia Bagatini Curitiba: Multideia, 2013

    196p.; 23 cm

    ISBN 978-85-86265-67-9

    Modo de acesso: https://web681.uni5.net/~multideiaeditora/ebookpdf/direito_autor_interesse_publico.pdf

    1. Direito autoral. I. Pellegrini, Grace Kellen de Freitas (org.). II. Bagatini, Jlia (org.). III. Ttulo.

    CDD 346.0482(22.ed)CDU 347.78

    Multideia Editora Ltda.Alameda Princesa Izabel, 2.21580730-080 Curitiba PR+55(41) [email protected]

    Conselho Editorial

    Coordenao editorial e reviso: Ftima BeghettoProjeto grfico e capa: Snia Maria Borba

    de inteira responsabilidade do autor a emisso de conceitos.Autorizamos a reproduo dos conceitos aqui emitidos, desde que citada a fonte.

    Respeite os direitos autorais Lei 9.610/98.

    CPI-BRASIL. Catalogao na fonte

    Marli Marlene M. da Costa (Unisc)Andr Viana Custdio (Unisc/Avantis)

    Salete Oro Boff (Unisc/IESA/IMED)Carlos Lunelli (UCS)

    Clovis Gorczevski (Unisc)Fabiana Marion Spengler (Unisc)

    Liton Lanes Pilau (Univalli)Danielle Annoni (UFSC)

    Luiz Otvio Pimentel (UFSC)Orides Mezzaroba (UFSC)Sandra Negro (UBA/Argentina)Nuria Bellosso Martn (Burgos/Espanha)Denise Fincato (PUC/RS)Wilson Engelmann (Unisinos)Neuro Jos Zambam (IMED)

  • Curitiba2013

    O DIREITO DE AUTOR E O INTERESSE PBLICOAS INTER-RELAES ENTRE O PBLICO E O PRIVADO

    Jorge Renato dos ReisGrace Kellen de Freitas Pellegrini

    Jlia Bagatini(ORGANIZADORES)

  • APRESENTAO

    A reflexo que se faz nos artigos que seguem refere-se ideia do direito do autor a partir da Constituciona-lizao do Direito Privado. Neste sentido, verifica-se que o Direito Privado passou por modificaes profundas, as quais desencadearam a perda da viso exclusiva de proteo individual, passando a buscar a solidarizao dos seus institutos. Tal efeito no fez com que este ramo do Direito se desconfigurasse, mas, sim, que adquirisse novos contornos.

    O ordenamento jurdico brasileiro, a partir da Constituio Federal, passou por um processo de reajustamento. O Cdigo Civil, assim como as demais leis civilsticas esparsas, deixaram de ser o centro normativo das relaes entre particulares, determinando que a Constituio com seus princpios passassem a ocupar esse espao. A proteo patrimonial presente no sistema liberal foi substituda pela proteo da dignidade da pessoa humana.

    Nesse contexto, o Direito de Autor, enquanto espcie do gnero Direito Privado, no pode ficar alheio a esse processo de repersonali-zao e solidarizao. Entretanto, ao contrrio dos demais institutos do Direito Privado, o que se verifica, ainda, a sua manuteno com uma viso patrimonialista e individualista.

    Da a necessidade de uma releitura do Direito de Autor, luz dos preceitos determinados na Lei Maior, pois os direitos fundamen-tais, dentro de uma nova hermenutica, passam, obrigatoriamente, a fazer parte da regulao das relaes privadas, o que implica uma leitura completamente nova do sentido das normas autoralistas, le-vando-se em conta os princpios constitucionais definidores de direi-tos e garantias fundamentais.

    Frente a essa realidade, o Grupo de Estudos de Direito de Au-tor, ligado ao Programa de Ps-Graduao em Direito (PPGD), Mes-trado e Doutorado, da Universidade de Santa Cruz do Sul, vinculado ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), busca estabelecer a refle-xo acerca do Direito de Autor frente aos ideais do Constitucionalis-mo Contemporneo.

  • 6 Jorge renato dos reis - apresentao

    Nesse sentido, os trabalhos apresentados nesta obra so fru-to dos debates e ponderaes realizadas nos encontros semanais do Grupo de Estudos do Direito de Autor no Constitucionalismo Contem-porneo e objetivam dar subsdios s reflexes de acadmicos, opera-dores do Direito, de um modo geral, e autoralistas, de modo especial, a fim de se construir um novo paradigma para o Direito de Autor, preocupado em atender, tambm, alm dos interesses do titular do direito de autor, na condio de originrio ou derivado, os interesses pblicos/coletivos direcionados pelos direitos fundamentais de infor-mao, cultura e educao.

    Jorge Renato dos ReisCoordenador do Grupo de Estudos de

    Direito de Autor no Constitucionalismo Contemporneo, vinculado ao Programa

    de Ps-Graduao Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade

    de Santa Cruz do Sul

  • SUMRIO

    A INTERNET E A SOCIEDADE DA INFORMAO: notas introdutrias sobre as suas inter-relaes ...........................0009

    Vinicius Cassio Swarowski

    A INTERPRETAO RESTRITIVA DOS NEGCIOS JURDICOS AUTORAIS NO BRASIL ..............................................................................0029

    Helenara Braga Avancini

    INTERSECES JURDICAS DO DIREITO PBLICO E PRIVADO: uma anlise do direito de autor ..........................................................0045

    Jlia Bagatini & Miguel Genildo GreinerDIREITO EXTRAPATRIMONIAL DO AUTOR: o ser sobrepondo-se ao ter ..............................................................0061

    Michele Braun & Luiz Gonzaga Silva AdolfoO PRINCPIO DA PROTEO DA CONFIANA E SUA APLICAO NOS CONTRATOS DE DIREITO DE AUTOR .............................................0079

    Ana Paula Pinto da Rocha & Arthur Felipe GresslerSOFTWARE: proteo jurdica e penalidades aplicveis ..................0097

    Paulo Renato de Morais Silva

    O CREATIVE COMMONS COMO FOMENTADOR DO CONHECIMENTO ......................................................................................0115

    Augusto Rostirolla & Eduarda Simonetti Pase

    O DOMNIO PBLICO: consideraes acerca do instituto na legislao brasileira e um comparativo com a legislao uruguaia .....................................................................0131

    Jorge Renato dos Reis & Grace Kellen de Freitas PellegriniO SANCIONAMENTO DO DIREITO DE AUTOR NO CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORNEO E O QUESTIONAMENTO ACERCA DA REAL (DES)NECESSIDADE PUNITIVA ...............................................................0147

    Felipe da Veiga Dias & Merycler Marquetto Capalonga

  • 8 Jorge renato dos reis; grace Kellen de Freitas Pellegrini& Jlia Bagatini (organizadores)

    UM PANORAMA GERAL SOBRE A PROPRIEDADE INTELECTUAL NO BRASIL .................................................................................................0159

    Salete Oro Boff & Adam Hasselmann Teixeira

    LA PROTECCIN DEL DERECHO DE AUTOR EN EL CLAUSTRO UNIVERSITARIO ....................................................................0177

    Carlos Alejandro Cornejo Guerrero

  • A INTERNET E A SOCIEDADE DA

    INFORMAO: notAs introdutriAs sobre As

    suAs inter-relAes

    Vinicius Cassio SwarowskiGraduando em Direito na Universidade de Santa Cruz do Sul. Integrante dos Grupos de Estudos Direito do Autor e Interseces Jurdicas entre o Pblico e o Privado, ambos coordenados pelo Prof. Ps-Dr. Jorge Renato dos Reis. Integrante e pesquisador do projeto O Direito de Autor no Cons-titucionalismo Contemporneo: um estudo comparado Brasil x Uruguai, com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfi-co e Tecnolgico.

    Contato: [email protected].

    1. INTRODUO. 2. A SOCIEDADE DA INFORMAO: ASPECTOS INICIAIS. 3. A INTERNET: SUA EVOLUO HISTRICA E SEU PAPEL NA SOCIEDADE DA

    INFORMAO. 4. A INTERNET E A SOCIEDADE DA INFORMAO: NOTAS INTRODUTRIAS

    SOBRE AS SUAS INTER-RELAES. 5. CONSIDERAES FINAIS. REFERNCIAS.su

    mr

    io:

  • 10 Vinicius cassio swarowski

    1 INTRODUOO presente estudo busca desenvolver a ideia da nova socieda-

    de da informao, seus aspectos histricos, conceituais e evolutivos. Com a tecnologia se remodelando o tempo todo, a cada dia surgem novos eletrnicos mais potentes e modernos capazes de desempenhar inmeras funes, causando incertezas na hora da compra por medo de tornar-se ultrapassado em pouco tempo. E o pior de tudo que, na maioria dos casos, o imenso contedo disponibilizado no apro-veitado, por ser muito complexo e por no ter instrues tcnicas adequadas para o uso. Esse processo de renovao traz grandes mo-dificaes nos aspectos culturais, sociais e econmicos.

    Se utilizarmos a internet como exemplo, notrio o desen-volvimento com o advento da sua criao, pois surgiu um novo pa-tamar social. A comunicao presencial que at ento era o princi-pal meio utilizado passou a ser substitudo por redes online, que so acessveis em qualquer lugar onde exista uma conexo virtual. Tal fenmeno chamado internet construiu novo modelo de sociedade, na qual a informao mais rpida, eficaz e com acervo disponvel so-bre qualquer contedo possvel de ser imaginado. Mas at que ponto essa transformao benfica para a sociedade? Quais so as carac-tersticas dessa incrvel ferramenta? Como a sociedade reage a essas tecnologias?

    Essas sero as questes refletidas e analisadas neste estudo, que iniciar com a abordagem sobre os aspectos iniciais da sociedade da informao. Aps, sero tecidas consideraes acerca da internet, sua evoluo e papel na sociedade. E, por fim, a inter-relao da in-ternet com a sociedade da informao.

    2 SOCIEDADE DA INFORMAO: Aspectos iniciAis

    A partir da revoluo tecnolgica, a sociedade mudou seu comportamento e comeou a se estruturar em uma era informativa. O compartilhamento de informao fez com que as regies se co-nectassem e estabelecessem um novo meio de comunicao. Assim, como ponto de partida, o estudo inicialmente estabelece uma aborda-gem histrica, com o fito de situar o leitor.

  • 11A internet e A sociedAde dA informAo

    Muitas foram as descobertas que modificaram a estrutura co-municacional de cada poca. Ao se analisar a histria da comuni-cao, pode-se destacar o telefone, inventado por Bell em 1876, e o rdio, por Marconi em 1898, que, sem dvida, so grandes invenes. Porm, se analisarmos as escalas com que elas atingiram a sociedade, nenhuma se compara aos componentes eletrnicos desenvolvidos a partir de 1970. Conforme Castells,

    [] foi durante a Segunda Guerra Mundial e no perodo se-guinte que se deram as principais descobertas tecnolgicas em eletrnica: o primeiro computador programvel e o transistor, fonte da microeletrnica, o verdadeiro cerne da revoluo da tecnologia da informao no sculo XX.1

    Essa revoluo to significativa que impactou diretamente a economia mundial, muitas empresas cresceram em nveis astro-nmicos investindo nesse campo tecnolgico, as quais at hoje so pioneiras em lanamentos de produtos cada vez mais interativos e avanados. Para ter uma ideia do quanto essa descoberta resultou economicamente para essas empresas, segue trecho da obra de Cas-tells citando uma destas que mais cresceu e que hoje uma das maio-res do mundo: lanada em 1976, com trs scios e um capital de US$ 91 mil, a Apple Computers alcanou em 1982 a marca de US$ 583 milhes em vendas, anunciando a era da difuso do computador2.

    Sem dvida, o marco inicial do que atualmente se chama so-ciedade da informao3, ou, como Castells denomina, Sociedade em

    1 CASTELLS, Manuel. Sociedade em rede. Traduo de Roneide Venancio Mayer, com a colaborao de Klauss Brandini Gerhardt. 8. ed. So Paulo: Paz e Terra, 2005. p. 79.

    2 Idem, p. 79-80.3 Segundo Adolfo: Num segundo plano, no h como negar que a tecnologia o grande

    elemento da sociedade contempornea nas mais variadas reas de conhecimento e de atuao. No Direito Autoral, a grande novidade tambm chamada Sociedade da Informao. Embora haja quem discorde da expresso, como Asceno, para quem Sociedade da Informao no um conceito tcnico: um slogan, e entende que, de-sta forma, seria mais adequado cham-la Sociedade da Comunicao, j que o que se pretendeimpulsionaracomunicao,esomentenumsentidolatopoderiaserqualifi-cada toda mensagem coma informao, no h dvidas de que hoje esta expresso tem variantes e inmeros pensadores das mais diversas reas utilizam expresses prprias para designar esta realidade, sempre, porm, enfatizando seus principais aspectos. o

  • 12 Vinicius cassio swarowski

    Rede, nasce nesse perodo. Mas o grande sucesso dessa revoluo tecnolgica tem um fator decisivo, que na evoluo histrica da so-ciedade no aconteceu, qual seja, a transmisso de todo conheci-mento. Segue abaixo a passagem na qual Castells demonstra esse sucesso:

    [] o contato entre civilizaes de nveis tecnolgicos diferen-tes frequentemente provocava a destruio da menos desenvol-vida ou daquelas que quase no aplicavam seus conhecimentos tecnologia blica, como no caso das civilizaes americanas, aniquiladas pelos conquistadores espanhis, s vezes mediante guerras biolgicas eventuais. Ao contrrio, as novas tecnologias da informao difundiram-se pelo globo com a velocidade da luz em menos de duas dcadas, entre meados dos anos 70 e 90, por meio de uma lgica que, a meu ver, a caracterstica dessa revoluo tecnolgica: a aplicao imediata no prprio desen-volvimento da tecnologia gerada, conectando o mundo atravs da tecnologia da informao.4

    Outros fatores tambm influenciaram essa revoluo, princi-palmente a maneira como passou a ser aplicada pelos cientistas. Cas-tells diz que a caracterstica da revoluo tecnolgica a aplicao de todo conhecimento e informao para gerar dispositivos que trans-mitam esse conhecimento, a ideia de centralizao e concentrao d lugar a um ciclo de inovao e uso de informao.

    Para a poca, toda essa mudana gerou certo entusiasmo no campo da pesquisa tecnolgica e isto contribuiu para a sua ampliao em todos os campos. Gonzaga diz:

    caso de Mattelart, que parte da expresso Sociedade Global da Informao para, pos-teriormente, contextualizar sua origem em 1975, quando surgiu nos organismos interna-cionais, primeiramente na Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), que poca agrupava os 24 pases mais ricos do mundo, a partir de ento gan-hando utilizao freqente em instituies pblicas e privadas, como no Conselho dos Ministros da Comunidade Europia, que quatro anos aps a utilizou como palavra-chave de um programa experimental qinqenal (FAST Forecasting and Assessment in the Filed of Science and Technology) que se iniciou no ano seguinte. (ADOLFO, Luiz Gonza-ga Silva. Obras privadas, benefcios coletivos: a dimenso pblica do direito autoral na sociedade da informao. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008. p. 225-226)

    4 CASTELLS, Manuel. Sociedade em rede. Traduo de Roneide Venancio Mayer, com a colaborao de Klauss Brandini Gerhardt. 8. ed. So Paulo: Paz e Terra, 2005. p. 70.

  • 13A internet e A sociedAde dA informAo

    [] a nova realidade configura-se da virtualizao que afeta no somente a informao e a comunicao, como tambm os corpos, o funcionamento econmico, os quadros coletivos da sensibilidade ou o exerccio da inteligncia.5

    Castells tambm v essa expanso e complementa dizendo o porqu desse crescimento, e menciona que

    [] o processo atual de transformao tecnolgica expande-se exponencialmente em razo de sua capacidade de criar uma interface entre campos tecnolgicos mediante uma linguagem digital comum na qual a informao gerada, armazenada, re-cuperada, processada e transmitida.6

    Visto esta breve introduo sobre a parte histria da sociedade da informao, dar-se- continuidade apresentando conceitos e in-terpretando seu significado nos tempos modernos. A primeira anlise que pode ser feita quanto ao surgimento do termo sociedade da in-formao. Para isto, cita-se Mattelart, o qual fundamenta que:

    [] essa noo de sociedade da informao se formaliza na se-quencia das maquinas inteligentes criadas ao longo da Segunda Guerra Mundial. Ela entra nas referncias acadmicas, polti-cas e econmicas a partir do final dos anos 1960. Durante a dcada seguinte, a fbrica que produz o imaginrio em torno da nova era da informao j funciona a pleno vapor.7

    Cada autor utiliza a expresso que acredita ser a mais coni-vente com o seu estudo. Conforme exposto anteriormente, Castells utiliza a expresso Sociedade em rede para esta nova era da infor-mao. Referido conceito fundamenta sua pesquisa, eis que toma por base a rede como a central de todo o sistema, e a explica dizendo que essas

    5 ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Obras privadas, benefcios coletivos: a dimenso pblica do direito autoral na sociedade da informao. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008. p. 226.

    6 CASTELLS, Manuel. Sociedade em rede. Traduo de Roneide Venancio Mayer, com a colaborao de Klauss Brandini Gerhardt. 8. ed. So Paulo: Paz e Terra, 2005. p. 68.

    7 MATTELART, Armand. Histria da sociedade da informao. Traduo de Nicols Nyimi Campanrio. So Paulo: Loyola, 2002. p. 8.

  • 14 Vinicius cassio swarowski

    [] redes constituem a nova morfologia social de nossas socie-dades e a difuso da lgica de redes modifica de forma substan-cial a operao e os resultados dos processos produtivos e de experincia, poder e cultura.8

    Os processos de transformao social sintetizados no tipo ide-al de sociedade em rede ultrapassam a esfera de relaes sociais e tcnicas de produo: afetam a cultura e o poder de forma profunda. As expresses culturais so retiradas da histria e da geografia e tor-nam-se predominantemente mediadas pelas redes de comunicao eletrnica que interagem com o pblico e por meio dele em uma di-versidade de cdigos e valores, por fim includos em um hipertexto audiovisual digitalizado9.

    Independentemente da nomenclatura utilizada, essa comuni-cao virtual exercida pela sociedade cria um mundo novo chamado ciberespao. Para Lvy, o ciberespao, alm de ser toda a infraestru-tura material da comunicao digital, representa tambm um uni-verso de informaes armazenadas a ela. por ela que surge o novo meio de comunicao mediante uso de computadores. Como caracte-rstica desse ciberespao, Pierre define da seguinte maneira:

    Esse novo meio tem a vocao de colocar em sinergia e interfa-cear todos os dispositivos de criao de informao, de grava-o, de comunicao e de simulao. A perspectiva da digitali-zao geral das informaes provavelmente tornar o ciberes-pao o principal canal de comunicao e suporte de memria da humanidade a partir do incio do prximo sculo.10

    Esse ciberespao ganha campo de modo mais fcil geralmen-te pela sociedade jovem, que adere facilmente ao mundo virtual, sendo que, para Lvy, essa juventude seria o maestro da enorme or-questra que a coletividade. E explica o porqu dessa importncia dizendo:

    8 CASTELLS, Manuel. Sociedade em rede. Traduo de Roneide Venancio Mayer, com a colaborao de Klauss Brandini Gerhardt. 8. ed. So Paulo: Paz e Terra, 2005. p. 565.

    9 Idem, p. 572.10 LVY, Pierre. Cibercultura. Traduo de Carlos Irineu da Costa. So Paulo: Ed. 34, 2000.

    p. 95.

  • 15A internet e A sociedAde dA informAo

    [] a cibercultura a expresso da aspirao de construo de um lao social, que no seria fundado nem sobre links territo-riais, nem sobre relaes institucionais, nem sobre as relaes de poder, mas sobre a reunio em torno de centros de interesses comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber, sobre a aprendizagem co-operativa, sobre processos abertos de cola-borao. O apetite para as comunidades virtuais encontra um ideal de relao humana desterritorializada, transversal, livre. As comunidades virtuais so os motores, os atores, a vida diver-sa e surpreendente do universal por contato.11

    Ento, finalizando estes aspectos iniciais, percebe-se uma grande evoluo tecnolgica como centro das relaes, interligada em diversas reas. Principalmente a comunicacional, pois esta foi re-volucionria. E, por fim, a criao de um ambiente que armazena os dados e serve de base dessa comunicao virtual. Do exposto, passa-se para anlise da internet como servidor dessas relaes.

    3 A INTERNET: suA evoluo histricA e seu pApel nA sociedAde dA informAoDe acordo com os dados citados anteriormente, o desenvol-

    vimento da internet aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial. Essa ferramenta criada para fins militares, segundo Castells, teve origem nas pesquisas da Agncia de Projetos de Pesquisa Avanada (ARPA), do Departamento de Defesa dos Estados Unidos da Amri-ca, o qual no demorou muito para lanar a primeira rede. Tal fato ocorreu em 1 de setembro de 1969, com o nome de ARPANET, em homenagem ao Instituto.

    Desse perodo em diante, a internet comeou a adquirir maior nmero de pesquisadores e, em razo disso, sua capacidade estava em constante crescimento. Surgiu, assim, em pouco tempo, novos produtos que davam suporte a essa conexo, como, por exemplo, o Java, o world wide web e o http. Assim, a sociedade foi ficando cada vez mais dependente dessas tecnologias, o que permite duas anlises

    11 LVY, Pierre. Cibercultura. Traduo de Carlos Irineu da Costa. So Paulo: Ed. 34, 2000. p. 133.

  • 16 Vinicius cassio swarowski

    crticas sobre as redes, ou seja, os prs e os contras desse meio de comunicao. Castells aduz:

    [] por um lado, a formatao de comunidades virtuais, base-adas sobretudo em comunicao on-line, foi interpretada como a culminao de um processo histrico de desvinculao entre localidade e sociabilidade na formao da comunidade: novos padres, seletivos, de relaes sociais substituem as formas de interao humana territorialmente limitadas. Por outro lado, crticos da internet, e reportagens da mdia, por vezes basean-do-se em estudos de pesquisadores acadmicos, sustentam que a difuso da internet est conduzindo ao isolamento social, a um colapso da comunicao social e da vida familiar, na medida em que indivduos sem face praticam uma sociabilidade alea-tria, abandonando ao mesmo tempo interaes face a face em ambientes reais.12

    Para Dominique Wolton, ainda no foram distinguidos todos os efeitos que tais tecnologias trazem em seu corpo. Em trecho de sua obra, relata que

    [] as novas tecnologias se beneficiam de uma publicidade, em todas as direes, h uns quinze anos, como nenhuma outra ati-vidade social, poltica, esportiva ou cultural. Paradoxalmente, quase ningum ousa critic-las, nem questionar se por um lado elas merecem um tal lugar no espao pblico, nem se, por outro lado, elas significam um progresso a tal ponto incontestvel que justifique o clamor incessante pela imperiosa necessidade de modernizao.13

    Apesar de a mdia elevar a internet de tal maneira a torn-la um objeto intocvel, sagrado, ningum se pergunta se esta merecia estar em tal patamar, como se ela fosse o nico meio que o ser hu-mano tem de buscar informao. Enquanto isso, as redes sociais se expandem num piscar de olhos. Segundo Castells,

    12 CASTELLS, Manuel. Sociedade em rede. Traduo de Roneide Venancio Mayer, com a colaborao de Klauss Brandini Gerhardt. 8. ed. So Paulo: Paz e Terra, 2005. p. 98.

    13 WOLTON, Dominique. Internet, e depois? Uma teoria crtica das novas mdias. Traduo de Isabel Crossetti. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007. p. 84.

  • 17A internet e A sociedAde dA informAo

    [] cada vez mais, as pessoas esto organizadas no simples-mente em redes sociais, mas em redes sociais mediadas por computador. Assim, no a internet que cria um padro de in-dividualismo em rede, mas seu desenvolvimento que fornece um suporte material apropriado para a difuso do individua-lismo em rede como a forma dominante de sociabilidade. O in-dividualismo em rede um padro social, no um acmulo de indivduos isolados.14

    Passando para outro aspecto da internet, sendo ela benfica ou no, o fato que o nmero de adeptos crescente: todo tipo de infor-mao, de qualquer lugar do globo, passa pela rede. Esse o quadro que se tem atualmente. E, ainda em Castells, temos:

    [] mas a internet mais que um mero instrumento til a ser usado porque est l. Ela se ajusta s caractersticas bsicas do tipo de movimento social que est surgindo na era da infor-mao. E como encontraram nela seu meio apropriado de or-ganizao, esses movimentos abriram e desenvolveram novas avenidas de troca social, que, por sua vez, aumentaram o papel da internet como sua mdia privilegiada.15

    Comunicar-se mediante o uso da internet, hoje, torna-se qua-se essencial, pois possvel criar uma rea de comunicao em um mesmo local na rede. Qualquer dificuldade que se tenha para ir a de-terminado local, seja na mesma cidade ou cidade vizinha, extingue-se com a conexo e, por isso, torna-se para muitos um meio mais rpido e acessvel de resolver seus problemas, tanto na esfera pessoal como na profissional. E, para confirmar essa utilizao da comunicao online, Castells salienta que,

    [] por causa da flexibilidade e do poder de comunicao da internet, a interao social on-line desempenha crescente papel na organizao social como um todo. As redes on-line, quando se estabilizam em sua prtica, podem formar comunidades, co-munidades virtuais, diferentes das fsicas, mas no necessaria-

    14 CASTELLS, Manuel. A galxia da Internet:reflexessobreainternet,osnegcioseaso-ciedade. Traduo de Rita Espanha. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. p. 110.

    15 Idem, p. 115.

  • 18 Vinicius cassio swarowski

    mente menos intensas ou menos eficazes na criao de laos e na mobilizao. Alm disso, o que observamos em nossas socieda-des o desenvolvimento de uma comunicao hbrida que rene lugar fsico e ciber lugar (para usar a terminologia de Wellman) para atuar como suporte material do individualismo em rede.16

    Mas, como a internet no perfeita, h contrapontos quanto ao seu uso. Muitos autores, ao falarem sobre o assunto, tambm en-focam a pesquisa no psicolgico, devido ao vcio que essa ferramenta traz ao usurio. Vcio no sentido de no ser capaz de desconectar do mundo virtual e voltar realidade. Um desses autores Wolton, o qual fundamenta sua teoria arguindo que

    [] as dimenses psicolgicas so de fato essenciais na atra-o pelas novas tecnologias, pois estas vm ao encontro do pro-fundo movimento de individualizao de nossa sociedade. Elas simbolizam a liberdade e a capacidade de dominar o tempo e o espao, um pouco como os automveis nos anos 30. Trs pala-vras so essenciais para compreender o sucesso das novas tec-nologias: autonomia, domnio e velocidade.17

    Portanto, a sociedade deve aprender a utilizar de maneira ade-quada a ferramenta, observar sua funo social, e no apenas, como diz Wolton, usar o nmero de computadores conectados na rede como ndice de desenvolvimento do Pas ou at mesmo de intelign-cia18. preciso us-la com sabedoria, ou seja, entender como intera-gir para no sucumbir na prpria criao. Castells tambm acredita que preciso mudar o aprendizado para essa tecnologia ser aprovei-tada, e acrescenta:

    Alm disso, o aprendizado baseado na internet no apenas uma questo de competncia tecnolgica: um novo tipo de educao exigido tanto para se trabalhar com a internet quanto para se desenvolver capacidade de aprendizado numa economia e numa

    16 CASTELLS, Manuel. A galxia da Internet:reflexessobreainternet,osnegcioseaso-ciedade. Traduo de Rita Espanha. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. p. 110.

    17 WOLTON, Dominique. Internet, e depois? Uma teoria crtica das novas mdias. Traduo de Isabel Crossetti. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007. p. 86.

    18 Idem, p. 84-85.

  • 19A internet e A sociedAde dA informAo

    sociedade baseada nela. A questo crtica mudar do aprendiza-do para o aprendizado-de-aprender, uma vez que a maior parte da informao est on-line e o que realmente necessrio a habilidade para decidir o que procurar, como obter isso, como process-lo e como us-lo para a tarefa especfica que provocou a busca de informao. Em outras palavras, o novo aprendizado orientado para o desenvolvimento da capacidade educacional de transformar em informao e conhecimento em ao.19

    E junto com esse aprendizado tambm est relacionada a for-ma como se utilizam as informaes. Devem-se respeitar os direitos sobre tais obras que so disponibilizadas. Respeito no sentido de que no se cometam atos que prejudiquem os autores e suas obras, qual seja, cpias, distribuies ou modificaes indevidas. Hoje, a pira-taria um dos problemas que afrontam a legislao atual de direito autoral, que ser vista com mais nfase no ttulo seguinte.

    4 INTERNET E SOCIEDADE DA INFORMAO: notAs introdutriAs sobre As suAs inter-relAesQuando se fala em sociedade da informao e sua inter-rela-

    o, abrem-se as portas para todas as reas do conhecimento. Seja ela comunicao, direito, publicidade. Dessa forma, a rede virou o maior desejo da sociedade, e muitos se aproveitam dela para lucrar.

    Na coevoluo da internet e da sociedade, a dimenso poltica de nossas vidas esta sendo profundamente transformada. O po-der exercido antes de tudo em torno da produo e difuso de ns culturais e contedos de informao. O controle sobre redes de comunicao torna-se a alavanca pela qual interesses e va-lores so transformados em normas condutoras do comporta-mento humano. Esse movimento se processa, como em contex-tos histricos anteriores, de maneira contraditria. A internet no um instrumento de liberdade, nem tampouco a arma de uma dominao unilateral.20

    19 CASTELLS, Manoel. A galxia da internet:reflexessobreainternet,osnegcioseaso-ciedade. Traduo de Rita Espanha. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. p. 212.

    20 Idem, p. 135.

  • 20 Vinicius cassio swarowski

    Sero analisadas na pesquisa algumas dessas inter-relaes. A primeira que se pode mencionar o econmico, o consumo. Com o conhecimento mais avanado na computao e se utilizando de um raciocnio muito apurado, possvel utilizar os dados que a rede dis-pe para esquematizar perfis sem muito esforo. Um exemplo disso encontrado nas palavras de Baker, na obra Numerati, na qual ele diz que

    [] com a computao moderna no seria to difcil organizar milhares, ou mesmo milhes, de nossos hbitos nas compras de supermercado em grupos de quatro semelhantes. Sero arbitr-rios, como no censo ou nas categorias dos formulrios de seguro. O objetivo, porm, no modelar com preciso uma pessoa in-teira, mas decodificar os padres do comportamento humano.21

    Nesse caso, estar-se-ia traando um perfil de acordo com os itens comprados e registrados no caixa; com tal informao, que re-passada para uma central, o supermercado poderia ver quais so os produtos que o cliente compra e assim tentar lhe oferecer outros pro-dutos da mesma classe, estimulando o consumo. Essa lgica, segundo Baker, est sendo aplicada em diversos estabelecimentos, sejam eles f-sicos ou por sites. O objetivo final ser sempre instigar o cliente a con-sumir, com ofertas apresentadas de acordo com o perfil encontrado.

    Mas, tambm, h alguns problemas em relao a esse sistema. Primeiro, os excludos, que no conseguem pagar pela rede e acabam ficando para trs no mercado, perdendo fora para a concorrncia, visto que o cliente ser atrado para o estabelecimento que atender melhor suas particularidades. Adolfo refere que as

    [] questes decorrentes da prestao de servios nesta nova realidade so cada vez mais freqentes, e afetam especialmente particulares e empresas de pequeno e mdio porte, que no pos-suem recursos para bancar sistemas de rede fechada.22

    21 BAKER, Stephen. Numerati: conhea os numerati: eles j conhecem voc. Traduo de Ivo Korytowski. So Paulo: Saraiva, 2009. p. 77.

    22 ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Obras privadas, benefcios coletivos: a dimenso pblica do direito autoral na sociedade da informao. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008. p. 243.

  • 21A internet e A sociedAde dA informAo

    Ento, quem no se conecta para oferecer um diferencial esti-mulando o consumo, e at mesmo para divulgao de seus produtos e servios, perece frente a essa nova era digital, que requer grande investimento para ser utilizada.

    O meio comunicacional tambm se altera e muito , prin-cipalmente estabelecendo limitaes quanto ao acesso a essas in-formaes, utilizando a internet nessa nova sociedade. Segundo Kretschmann,

    [] assim como a internet intensifica o acesso ao conhecimen-to, tambm excludente deste mesmo conhecimento. Aqui j surgem dois problemas fundamentais, e os dois de excluso: a primeira excluso a ltima mencionada, daqueles que no tem acesso internet. A segunda excluso a que o presente artigo tem por objetivo tratar: daqueles que, includos, esto includos numa rede que tende a ser manipulada e cujo acesso tende a ser administrado por jogos de interesses e pelo poder. Um poder que pode ser decorrente de um direito autoral.23

    A preocupao da autora no sentido de se estar privatizando as informaes e, consequentemente, diminuindo seu acesso devido a uma grande interveno das indstrias que comercializam essas informaes. Ainda em Kretschmann:

    [] preocupante a observao do aumento constante da pro-teo autoral a bens que, a princpio, no possuem a caracte-rstica tradicional de obra intelectual, artstica ou literria, que seria o objetivo de proteo da lei autoral. Grandes interesses industriais que comandam o mundo cultural trataram de fa-zer inserir proteo a dados nas diversas legislaes do planeta e, logo, a proteo informao que deveria ser um direito de todos, ser apenas de alguns, que tm interesse em comercia-liz-la.24

    A informao tende a se tornar o principal bem de consumo do sculo XXI e, se o conhecimento e a informao so mercantilizados,

    23 SANTOS, Manoel J. Pereira dos (Coord.). Direito de autor e direitos fundamentais. So Paulo: Saraiva, 2011. p. 77.

    24 Idem, p. 85-86.

  • 22 Vinicius cassio swarowski

    tambm so os direitos intelectuais. E no por outra razo que a competncia do tema est sob a Organizao Mundial do Comrcio (OMC)25.

    Os direitos intelectuais, dado os fatos iniciais acima, uma rea que est em alta; existe uma valorizao, especialmente no que tange proteo e, para explicar tal questo, importa referir o traba-lho de Adolfo, o qual argumenta que,

    [] no atinente ao Direito Autoral, o que se pode visualizar o surgimento de uma nova realidade em torno dele, pois, como se v em uma dezena de observaes pontuais que faz Akester, a informao em formato digital pode ser reproduzida instan-taneamente, com perfeita exatido e sem esforo significativo; a inexistncia de qualquer diferena entre o original digital e a respectiva cpia possibilita a efetivao de um nmero ilimita-do de cpias.26

    O que se percebe com a chegada da internet no direito auto-ral a maneira como as obras autorais passam a ser distribudas e ganham relevante alterao, comparando-se a perodos anteriores, quando sequer pensavam nessa tecnologia atual e, portanto, no construram tal pensamento. Um exemplo que Adolfo cita a manei-ra de envio das correspondncias, utilizando navios, correios, avies, o que hoje pode ser feito com alguns cliques no computador, envian-do-se de modo instantneo via rede.

    Mas existem situaes que requerem ateno especial, as quais devem ser analisadas para no gerarem maiores conflitos. Ga-nha destaque aqui o exemplo das bibliotecas, citado por Adolfo e outros autores na rea autoral , alegando que,

    [] no instante em que bibliotecas inteiras podem ser disponi-bilizadas em banco de dados, novos mtodos desafiam o sur-gimento de um novo Direito Autoral. Como no alerta correta-

    25 SANTOS, Manoel J. Pereira dos (Coord.). Direito de autor e direitos fundamentais. So Paulo: Saraiva, 2011. p. 86.

    26 ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Obras privadas, benefcios coletivos: a dimenso pblica do direito autoral na sociedade da informao. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008. p. 245.

  • 23A internet e A sociedAde dA informAo

    mente empreendido por Negroponte, se as bibliotecas foram conquista do passado, nenhum de nossos antepassados jamais considerou a possibilidade de 20 milhes de pessoas terem aces-so eletrnico a uma biblioteca digital podendo dela extrair o material desejado, sem nenhum custo.27

    Em geral, as limitaes que o direito autoral sofre devem ser analisadas em razo dessa diversidade de novos equipamentos e ser-vios na rea da comunicao. Ainda em Adolfo, tem-se sua observa-o quanto a este assunto.

    Em sentido mais estrito, na rbita das limitaes, tambm h necessidade de melhorias a enfrentar, pois se ampliam as possibi-lidades de conflitos entre os interesses do autor e dos utilizadores das obras. Se as limitaes j podiam ser consideradas insuficientes no padro antigo de suportes materiais das obras, quem dir agora, no modelo em que livros, filmes, videoclipes, textos dispersos, foto-grafias e ilustraes cabem to bem no figurino digital como cabiam outrora na mdia grfica, eletrnica ou magntica, com previses de alguns especialistas de que num futuro prximo no se ter mais li-vros, CDs ou DVDs, estando tudo disponibilizado na rede28.

    Tais limitaes tambm ocorrem, pois a sociedade est mu-dando seus costumes em relao procura do conhecimento, hoje, devido ao acesso ser facilitado e, por bvio, o nmero de pessoas que buscam uma formao tcnica ou um diploma superior muito maior e todas se deparam com a barreira que a legislao desatualizada. Segue uma passagem que expressa este tpico, analisada pelas pes-quisadoras Pellegrini e Muller:

    [] a evoluo social est imprimindo na comunidade a ideia, cada vez mais presente, que o interesse coletivo ao individual, com o estreitamento, cada vez maior, de seu campo de ao, por meio de normas inspiradas por exigncias pblicas. Logo, cada vez mais incontestvel interesse coletivo na difuso de obras intelectuais; existe a necessidade de acesso de diferentes

    27 ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Obras privadas, benefcios coletivos: a dimenso pblica do direito autoral na sociedade da informao. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008. p. 230.

    28 Idem, p. 275-276.

  • 24 Vinicius cassio swarowski

    camadas populacionais principalmente professores, estudan-tes e pesquisadores aos textos e obras pblicas, pois permite a ampliao da cultura e, consequentemente, o desenvolvimen-to social.29

    Ento, essa barreira que se criou jurdica, dado o momento diferente que a tecnologia se apresenta. Para a resoluo desse confli-to, uma harmonizao entre os direitos pblicos e privados atender as necessidades de que a sociedade atual carece, protegendo todas as partes envolvidas nesse litgio. Tal observao objeto de pesquisa das mesmas autoras supracitadas, ao dizerem que

    [] as limitaes e excees previstas na LDA no so suficien-tes para resolver os conflitos entre o direito individual do autor e o interesse pblico livre utilizao de obras intelectuais pois as limitaes, na forma como concebidas pela doutrina autoralista tradicional, no tm servido de forma clara con-cretizao da funo social do Direito Autoral. Logo, o conflito que paira no Direito de Autor reside especialmente nas formas de limitaes e de excees aos direitos exclusivos assegurados aos autores, tanto nos pases desenvolvidos como nos em de-senvolvimento e, nestes, acompanhados de frmulas redutivas do nvel de proteo.30

    Portanto, as limitaes ao Direito de Autor so incompatveis com os desenvolvimentos tecnolgicos atuais e consequentemente com a funo social do direito de autor, pois acabam por servir de empecilho difuso da informao e da cultura31. Destaca-se um dos grandes problemas que se enfrenta devido a essas limitaes: a pirataria.

    29 MULLER, Eli Carla da Silva; PELLEGRINI, Grace Kellen de Freitas. Apontamentos acerca das limitaes da Lei 9.610/98 e a difuso do copyleft e o creative commons como meios de garantia aos direitos de acesso informao, cultura, educao e ao desenvolvimento. Anais... CONPEDI, XX ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, Belo Horizonte, 2011. p. 12.574-12.575.

    30 Idem, p. 12.576.31 PIRES, Eduardo; REIS, Jorge Renato dos. A utilizao das obras intelectuais autorais

    frente s novas tecnologias: funo social ou pirataria? Revista do Direito da UNISC, Santa Cruz do Sul, n. 34, p. 27-40, jul./dez. 2010, p. 32.

  • 25A internet e A sociedAde dA informAo

    De maneira breve, ser ressaltado o conceito de pirataria fren-te funo social do direito de autor para melhor esclarecer tal rela-o. Segundo Eduardo Pires e Jorge Renato dos Reis,

    [] o termo pirataria, atualmente, tem sido utilizado indis-tintamente, especialmente pelo chamando setor da indstria de direitos autorais, ou seja, tem-se caracterizado com pirataria, no mbito do direito de autor, uma mirade de atividades to distintas quanto a clonagem industrial, em larga escala, para comrcio no autorizado de produtos protegidos pelo direito de autor ou a simples cpia domstica, desses mesmos produtos, para uso particular.

    Sobre o olhar da atual legislao, ao se fazer uma cpia do CD de msica para os demais aparelhos eletrnicos, como um computa-dor ou um pen drive para uso pessoal sem fins lucrativos, conside-rado crime. Nesse sentido, conforme os autores acima citados,

    [...] o que se busca, portanto, com a defesa da efetivao da fun-o social do direito de autor , principalmente, uma amplia-o das possibilidades de utilizao social dos bens intelectuais. Isto em razo de direitos fundamentais a serem tutelados, mui-to especialmente, os j referidos direito informao, cultura e educao.32

    E mais:

    [] dessa forma, deve-se entender que a sociedade quando faz uso dos bens intelectuais, para uso prprio, ou mesmo para uso coletivo com fins educacionais ou culturais e sem fins lucrati-vos, estar dentro do mbito do que se entende por funo so-cial do direito do autor, no podendo taxar-se, de modo algum, tais utilizaes das obras como pirataria.33

    E, finalizando, outro campo afetado pela inter-relao o psi-colgico. Com base em Marcondes Filho, possvel identificar o papel

    32 PIRES, Eduardo; REIS, Jorge Renato dos. A utilizao das obras intelectuais autorais frente s novas tecnologias: funo social ou pirataria? Revista do Direito da UNISC, Santa Cruz do Sul, n. 34, p. 27-40, jul./dez. 2010, p. 35-36.

    33 Idem, p. 36.

  • 26 Vinicius cassio swarowski

    social que essa tecnologia cria. O referido autor, em sua obra, men-ciona a imagem de um mundo zerado, isto porque o ser humano est se adaptando ao virtual e quer tudo na hora, nada pode esperar, e isto modifica toda a sociedade, a qual vive conectada, pois acredita que algo de ruim ir acontecer se algum precisar de voc, somente naquela hora.

    Este novo mundo representa o rumo a que tais tecnologias avanadas, independentes e autnomas, esto levando a socieda-de. Pois apenas com uma tecla pode-se construir ou destruir em fraes de segundo. Com essa construo, Ciro expressa a ideia da possibilidade de destruio de arquivos textos inteiros ou qual-quer contedo armazenado no computador com apenas uma tecla. Assim, ele faz analogia com a comunicao, mostrando que, com as novas tecnologias, acaba-se por apagar o que se aprende quando mais jovens na fase de desenvolvimento, quando ainda bebs, na da comunicao frente a frente, gestual, sentimental , substituindo tudo por um objeto que imparcial, incapaz de representar nossas expresses.

    5 CONSIDERAES FINAIS

    Ante o estudado neste trabalho, foi possvel notar a grande evoluo da tecnologia e, consequentemente, da sociedade em um curto espao temporal. Tomaram-se por base as datas histricas da revoluo tecnolgica e da criao da internet at a contemporanei-dade, em que se passaram apenas trs dcadas, e pde-se sair de um estgio inicial e chegar ao avanado conhecimento atual.

    Ento, buscou-se transmitir, mesmo que de maneira sucinta neste trabalho, um pouco dos pontos importantes de toda essa evolu-o coletiva, seja ela em reas humanas, exatas e/ou qualquer outra, e quais suas consequncias, qual o seu impacto social, pois, a partir de agora, tudo est interligado e cada campo se tornou essencial para essa modernizao.

    O que se pode destacar quanto ao uso dessas ferramentas que ainda deve-se aprender a maneira correta de utiliz-las, uma vez que muitas pessoas no tm acesso a essas tecnologias e, aqueles que

  • 27A internet e A sociedAde dA informAo

    a tm, grande parte ainda no adquiriu plena capacidade e conheci-mento tcnico necessrio para manuse-las.

    Em um mundo onde a informao o bem mais precioso, para que toda a sociedade cresa, essencial que a grande maioria tome conhecimento dessas informaes. E este o grande desafio como sociedade atualmente: estar informado e transmitir essas in-formaes.

    Por essa corrente, possvel afirmar que tais conexes vir-tuais so a maior criao desenvolvida pelo ser humano at o mo-mento. S de imaginar que o acesso pode ser feito em qualquer lugar do mundo seja para conversar com outras pessoas, para divulgar eventos ou qualquer outro interesse , transmitida uma sensao de liberdade, ao navegar na rede buscando o que desejamos. Evoluo esta nunca antes idealizada: que um dia ter-se-ia o mundo em uma tela de computador.

    Finaliza-se com o argumento de que, para a construo de uma sociedade mais avanada, a sociedade precisa se adaptar ao sistema novamente, em todas as reas do conhecimento, visto que essas rela-es so diferentes e no se pode cogitar perder esse controle diante da sociedade, pois os pensamentos precisam evoluir conjuntamente com a tecnologia para que as regras de convvio no se tornem ultra-passadas.

    REFERNCIASASCENSO, Jos de Oliveira. Direito da Internet e da sociedade da informa-o. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

    ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Obras privadas, benefcios coletivos: a dimen-so pblica do direito autoral na sociedade da informao. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008.

    BAKER, Stephen. Numerati: conhea os numerati: eles j conhecem voc. Traduo de Ivo Korytowski. So Paulo: Saraiva, 2009.

    CASTELLS, Manuel. A galxia da Internet: reflexes sobre a internet, os negcios e a sociedade. Traduo de Rita Espanha. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003.

    CASTELLS, Manuel. Sociedade em rede. Traduo de Roneide Venancio Mayer, com a colaborao de Klauss Brandini Gerhardt. 8. ed. So Paulo: Paz e Terra, 2005.

  • 28 Vinicius cassio swarowski

    LVY, Pierre. Cibercultura. Traduo de Carlos Irineu da Costa. So Paulo: Ed. 34, 2000.

    MARCONDES FILHO, Ciro. Fascinao e misria da comunicao na ciber-cultura. Porto Alegre: Sulina, 2012.

    MATTELART, Armand. Histria da sociedade da informao. Traduo de Nicols Nyimi Campanrio. So Paulo: Loyola, 2002.

    MULLER, Eli Carla da Silva; PELLEGRINI, Grace Kellen de Freitas. Aponta-mentos acerca das limitaes da Lei 9.9610/98 e a difuso do copyleft e o cre-ative commons como meios de garantia aos direitos de acesso informao, cultura, educao e ao desenvolvimento. Anais... CONPEDI, XX ENCON-TRO NACIONAL DO CONPEDI, Belo Horizonte, 2011.

    PIRES, Eduardo; REIS, Jorge Renato dos. A utilizao das obras intelectuais autorais frente s novas tecnologias: funo social ou pirataria? Revista do Direito da UNISC, Santa Cruz do Sul, n. 34, p. 27-40, jul./dez. 2010.

    SANTOS, Manoel J. Pereira dos (Coord.). Direito de autor e direitos funda-mentais. So Paulo: Saraiva, 2011.

    WOLTON, Dominique. Internet, e depois? Uma teoria crtica das novas m-dias. Traduo de Isabel Crossetti. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007.

  • A INTERPRETAO RESTRITIVA DOS

    NEGCIOS JURDICOS AUTORAIS NO BRASIL

    Helenara Braga AvanciniBolsista da CAPES Proc. n 3109/12-7 (Ps-Doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil Constitucional e Constitucionalismo Contempo-rneo da Universidade de Santa Cruz do Sul.

    1. INTRODUO. 2. DIREITO AUTORAL E A INTERPRETAO RESTRITIVA DE SEUS NEGCIOS. 3. O SILNCIO, AS DECLARAES IMPLCITAS E O COMPORTAMENTO

    CONCLUDENTE NOS CONTRATOS DE DIREITO AUTORAL. 4. CONSIDERAES FINAIS. REFERNCIAS.s

    um

    r

    io:

  • 30 Helenara Braga avancini

    1 INTRODUOA interpretao restritiva do negcio jurdico de direito auto-

    ral e o comportamento posterior das partes, durante a execuo do mesmo, capaz de alterar o que fora firmado, por expresso, pelas par-tes tema tortuoso para os intrpretes/aplicadores do Direito.

    Via de regra, no se encontra na jurisprudncia e na doutrina maiores consideraes sobre a interpretao dos contratos de direito autoral no ordenamento brasileiro.

    de notar que a relevncia do trabalho situa-se na complexi-dade que envolve o prprio direito autoral, que limita o exerccio de outros direitos, como o da concorrncia, do consumidor, liberdade de expresso, apenas para citar alguns exemplos.

    Para alm de ser um direito de carter excepcional, ele tem por prerrogativa inata a capacidade de excluir terceiros da explorao econmica da obra, sem que ocorra a devida autorizao, portanto, tem em si a natureza restritiva e de excluso.

    Isso se traduz na maneira pela qual o autor e titular origin-rio da obra vai negociar as clusulas contratuais, dando a lei autoral contornos especficos que vo desde as regras para interpretao dos negcios at a possibilidade de firmar contratos que envolvam a ces-so total da obra ou apenas a cesso parcial de modalidades espec-ficas desta.

    As partes tm, assim, liberdade para estabelecer as regras con-tratuais que desejam, tendo em ateno o disposto na Lei Autoral, at porque h um pressuposto de, no ato da declarao de vontade, que ambos estejam de boa-f e conheam razoavelmente o que esto contratando.

    No entanto, podem surgir problemas como o do afastamento da aplicao da regra de interpretao restritiva do contrato de direi-to autoral face anuncia tcita de uma das partes, notadamente o autor/titular de direito.

    Ora, a anuncia tcita empregada nos contratos de direito civil? Estaria o direito autoral subordinado a ela? Mais: se a Lei Au-toral obriga a interpretao restritiva, ela deve sempre favorecer ao autor, titular originrio da obra? O que diz o anteprojeto da lei Auto-ral brasileira? O que diz o Direito portugus?

  • 31A interpretAo restritivA dos negcios jurdicos AutorAis no BrAsil

    Da o presente trabalho procurar abordar a questo em torno da possibilidade de derrogar ou incluir clusula contratual face ao comportamento concludente da parte, em que pese a lei exigir que a interpretao do contrato de direito autoral deva ser restritiva.

    2 DIREITO AUTORAL E A INTERPRETAO RESTRITIVA DE SEUS NEGCIOSEm princpio, o estudo da interpretao dos contratos de direi-

    to autoral no deveria suscitar muitas dvidas, eis que tanto o diplo-ma legal brasileiro quanto o portugus do norte acerca da matria.

    No entanto, a prtica demonstra uma obviedade, que consiste na certeza de no existir norma legal que seja alheia interpretao num caso concreto, em especial quando h o descumprimento das regras ali traadas durante a execuo do contrato. Nesses casos, a interpretao do contrato fundamental.

    Convm, de plano, fazer uma distino entre a interpretao do contrato e da lei, isto porque ela obriga que os negcios jurdicos de direito autoral sejam interpretados restritivamente, mas o contra-to em si tambm deve ser interpretado.

    Na verdade, tratam-se de conceitos paralelos, como bem aduziu Domingues de Andrade ao mencionar que h portanto uma notvel correspondncia entre a interpretao das leis e a dos negcios jurdi-cos. Mas intercorrem aqui, certamente, as diferenas ocasionadas pela diversa funo das estatuies legais e das declaraes negociais1.

    O Cdigo Civil brasileiro apresenta inmeros artigos que pro-curam dar o norte aos negcios jurdicos, tendo como princpio ba-silar a autonomia da vontade e a boa-f contratual, como se pode observar da redao dos artigos 112 e 113, respectivamente:

    Art. 112. Nas declaraes de vontade se atender mais inteno nelas consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem.

    Art. 113. Os negcios jurdicos devem ser interpretados confor-me a boa-f e os usos do lugar de sua celebrao.

    1 ANDRADE, Manuel A. Domingues. Teoria geral da relao jurdica Facto jurdico. Em especial negcio jurdico. Coimbra, Coimbra, 2003. v. II. p. 307.

  • 32 Helenara Braga avancini

    Assim, na interpretao dos negcios jurdicos, o que se busca a fixao da vontade e como ela se manifesta exteriormente. Como destaca Pedro Pais de Vasconcelos, a interpretao tem como objecto a declarao negocial e como finalidade a compreenso do seu conte-do e sentido2.

    J o Cdigo Civil portugus dedica quatro artigos para auxiliar o processo de interpretao. Para o presente trabalho destacam-se os artigos 236 e 237, respectivamente:

    Art. 236, 1 A declarao negocial vale com o sentido que um declaratrio normal, colocado na posio do real declaratrio, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este no puder razoavelmente contar com ele. 2 Sempre que o de-claratrio conhea a vontade real do declarante, de acordo com ela que vale a declarao emitida.

    Art. 237. Em caso de dvida sobre o sentido da declarao, prevalece, nos negcios gratuitos, o menos gravoso para o dis-ponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilbrio das prestaes.

    Pedro Pais de Vasconcelos, a respeito do artigo 236, observa que existe uma forma de tipicidade, no sendo importante o sentido que o declaratrio real tiver entendido em relao ao declaratrio concreto, o que importa o sentido tpico que um declaratrio tpico teria tipicamente entendido naquela situao tpica3.

    Dessa forma, o importante na interpretao do negcio jur-dico relevante que o declaratrio concreto tenha compreendido a declarao sob o ponto de vista tpico, ou seja, dentro das perspectivas razoveis do declarante, pois o artigo 227 do Cdigo Civil obriga o de-ver de boa-f do declarante. A esse respeito, oportuno reproduzir ip-sis litteris as observaes do autor luso acima citado no sentido de que

    [...] o declarante tem o dever de boa-f (artigo 227 do Cdigo Civil) de se pr na posio da parte contraria, na posio do de-claratrio, e de prever como que esse declaratrio ir entender a declarao que lhe vai fazer. Deve formar a sua declarao de

    2 VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria geral do Direito Civil. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 547.

    3 Idem, p. 552.

  • 33A interpretAo restritivA dos negcios jurdicos AutorAis no BrAsil

    modo a que o declaratrio real a compreenda com o seu verda-deiro sentido. Se o no fizer, se agir culposamente de modo a que o declaratrio seja induzido em erro sobre o sentido real da de-clarao, estar a agir com culpa in contrahendo. A divergncia poder suscitar-se ainda que o declarante tenha agido sem culpa. Independentemente das normas mais conseqncias da culpa in contrahendo, que cabe tratar aqui, ter-se- ento uma situao de divergncia entre o sentido real subjectivo e o sentido objecti-vo, em que o declaratrio no conhece o sentido real subjectivo.4

    Como se pode observar, importante que se consiga extrair o real sentido da manifestao da vontade, partindo-se do pressuposto de que as partes estejam imbudas de boa-f.

    Esses ditames interpretativos previstos nos Cdigos Civis, brasileiro e portugus, so plenamente aplicveis aos contratos de direito autoral, como se falou alhures. O problema que a legislao autoral j d alguns critrios para a interpretao e, portanto, quan-do ocorrem problemas na interpretao dos negcios jurdicos, o in-trprete/aplicador do direito deve se valer dessas regras.

    No que se refere s especificidades da legislao autoral, te-mos como regra central a contida no artigo 4 da Lei 9.610/98. O referido artigo dispe que interpretam-se restritivamente os neg-cios jurdicos sobre os direitos autorais. Oportuno observar que o anteprojeto de Lei Autoral brasileira prev que os negcios jurdicos relativos aos direitos autorais devem ser interpretados restritiva-mente, de forma a atender finalidade especfica para a qual foram celebrados.

    A Lei 9.609/98, que dispe sobre a proteo dos programas de computador, deixa claro, no artigo 2, que o regime de proteo propriedade intelectual de programa de computador o conferido s obras literrias pela legislao de direitos autorais e conexos vigentes no Pas, observado o disposto nesta Lei. Disto deduz-se que, em caso de lacunas na Lei de Software, esta deve se valer da Lei de Direito de Autor e dos que lhe so conexos, para, posteriormente, se socorrer das regras previstas no Cdigo Civil.

    4 VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria geral do Direito Civil. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 552-553.

  • 34 Helenara Braga avancini

    Essa lgica est presente, em regra, na maior parte das legis-laes dos pases que foram signatrios de tratados internacionais sobre a matria.

    Em Portugal, o Decreto-lei 252/94 dispe no artigo 1/2 que: Aos programas de computador que tiverem carcter criativo atri-buda proteco anloga conferida s obras literrias; e o artigo 11, que fala sobre a autonomia privada, prev que:

    1 Os negcios relativos a direitos sobre programas de com-putador so disciplinados pelas regras gerais dos contratos e pelas disposies dos contratos tpicos em que se integram ou com que ofeream maior analogia. 2 So aplicveis a estes ne-gcios as disposies dos artigos 40, 45 a 51 e 55 do Cdigo do Direito de Autor e dos Direitos Conexos. 3 As estipulaes contratuais so sempre entendidas de maneira conforme boa f e com o mbito justificado pelas finalidades do contrato.

    Ao contrrio da legislao brasileira, que obriga a interpreta-o restritiva dos negcios jurdicos autorais, a portuguesa nada fala a respeito, nem no Decreto-lei 252/94, nem no Cdigo de Direitos de Autor e Direitos Conexos.

    Existe mesmo uma dificuldade de encontrar maiores subsdios sobre o que vem a ser a interpretao restritiva ou estrita na doutrina autoral, pois a maioria dos doutrinadores cinge-se a replicar o texto legal. E, em geral, os doutrinadores pouco esclarecem o alcance da interpretao restritiva, apenas limitam-se a dizer que ela estrita, ou seja, dizem nada.

    No entanto, h alguns aspectos que giram em torno desse tipo de interpretao. A mais conhecida aquele corolrio de que as leis especiais e excepcionais devem ser interpretadas restritivamente. Da observar que a interpretao restritiva abarca situaes jurdicas es-pecialssimas e que, via de regra, no admitem o alargamento da inter-pretao, nem o emprego da analogia, exceto se tiverem a mesma ratio.

    Trcio Sampaio diz que

    [...] uma interpretao restritiva ocorre toda vez que se limita o sentido da norma, no obstante a amplitude de sua expresso literal. Em geral, o intrprete vale-se de consideraes teleol-

  • 35A interpretAo restritivA dos negcios jurdicos AutorAis no BrAsil

    gicas e axiolgicas para fundar o raciocnio. Supe, assim, que a mera interpretao especificadora no atinge os objetivos da norma, pois lhe confere uma amplitude que prejudica os inte-resses, ao invs de proteg-los.5

    Pode-se constatar que as normas relativas a direitos funda-mentais e quelas que tenham carter excepcional devem ser inter-pretadas restritivamente. As normas especiais devem sofrer inter-pretao restritiva no sendo recomendada a extenso desta, porque, como bem destaca Trcio Sampaio, uma exceo , por si, uma res-trio que s deve valer para os casos excepcionais. Ir alm contra-riar sua natureza6.

    O legislador brasileiro quis dar ao direito autoral um carter excepcional que lhe particular, pois, naturalmente, um direito que restringe outros como o de livre acesso informao e cultura. Alm de apresentar esse vis, tambm considerado como um direito fundamental consagrado na Constituio Federal Brasileira, portan-to, quer pela excepcionalidade, quer por ser um direito fundamental, o direito autoral deve ser interpretado restritivamente.

    Assevera, ainda, Trcio Sampaio que

    [...] a interpretao restritiva corresponde a uma parfrase que decodifica uma mensagem codificada num cdigo fraco por meio de um cdigo forte. O intrprete altera, pois, o cdigo, mas com o objetivo de aumentar o poder de violncia simblica em nome do telos global do sistema. Supe, assim, que o legislador racional, por coerncia com os valores que o ordenamento aga-salha, deseja uma imposio de sentido rigoroso.7

    Isso no quer dizer que haver sempre preponderao s nor-mas de direito autoral, pois, num caso concreto, a interpretao deve buscar a harmonia frente a eventuais conflitos de normas de mesma grandeza. O que se quer dizer que no se admite um alargamento

    5 FERRAZ JNIOR, Trcio Sampaio. Introduo ao ensino do direito. Tcnica, deciso dominao. 6. ed.So Paulo: Atlas, 2008. p. 269.

    6 Idem, p. 269.7 Idem, p. 270.

  • 36 Helenara Braga avancini

    interpretativo capaz de deturpar o instituto jurdico de carter espe-cial ou excepcional.

    Quando se fala em direito autoral, esse pormenor de extrema relevncia para aquele que faz a aplicao do direito. Mas, se her-meneuticamente a interpretao nesses casos deveria ser restritiva, porque a Lei brasileira disps de forma expressa acerca do assunto?

    Para auxiliar a resposta, pode-se tomar emprestada a regra contida no artigo 114 do Cdigo Civil, que contm dispositivo seme-lhante ao prever que os negcios jurdicos benficos e a renncia interpretam-se estritamente.

    Ora, o que quis dizer o legislador que nesses casos excepcio-nais no se admite a interpretao extensiva e, no caso concreto, esse norte deve ser observado. Como esclarece Slvio Venosa,

    [...] a interpretao dos negcios jurdicos e da lei em geral mes-cla-se, na prtica, com a aplicao do Direito. Interpretar e apli-car o Direito traduz-se em uma nica operao. No h sentido de interpretar seno para aplicar a norma a um caso concre-to. H todo um substracto filosfico a embasar essa atuao do juiz, do rbitro e da sociedade em geral.8

    A resposta, portanto, evidente e se traduz na opo feita pelo legislador, que foi a de carter metodolgico e pragmtico, tendo em vista que o direito autoral um ramo da cincia jurdica desconhe-cido para a maioria dos operadores do Direito; assim, a regra auxilia na aplicao das normas jurdicas. No entanto, como se viu no caso apresentado, mesmo assim os julgadores e, por vezes, os prprios ad-vogados desconhecem a regra.

    O problema amplia-se quando se comea a sair do plano abs-trato para o concreto, eis que no plano legal tudo edlico, mas, na prtica, muitas das regras traadas para os contratos de direito auto-ral sofrem mudanas, por vezes j no incio da execuo do contrato e por vezes ao longo deste at o seu trmino.

    Ento, a questo que se pe saber se h possibilidade de al-terao tcita de clusulas contratuais quando a lei diz que a inter-pretao dos negcios jurdicos de direito autoral deve ser restrita.

    8 VENOSA, Silvio de Salvo. Cdigo Civil Interpretado. So Paulo: Atlas, 2010. p. 126.

  • 37A interpretAo restritivA dos negcios jurdicos AutorAis no BrAsil

    Assim, surgem questes intrnsecas s prprias declaraes implcitas e da concludncia, se elas podem ser interpretadas estrita-mente ou no. Para tanto, deve-se ter em mente que as normas legais sobre interpretao no so vinculativas, mas sim critrios a serem utilizados pelos operadores do Direito.

    Importante destacar que a lei um argumento e, como tal, as premissas utilizadas so extremamente relevantes para o intrprete. Nesse sentido, Cham Perelman ensina que todo debate judicirio, e toda lgica jurdica, apenas concernem escolha das premissas que sero mais bem motivadas e que levantam menos objees. papel da lgica formal tornar a concluso solidria das premissas, mas o da lgica jurdica mostrar a aceitabilidade das premissas9.

    Logo, as normas de interpretao so maleveis no caso con-creto, porque as normas so critrios e, por isso, quando se passa a utiliz-los, haver sempre o risco do subjetivismo, mas esse aspecto no h como afastar. No direito autoral, esse perigo maior em face do desconhecimento da matria pela maioria dos intrpretes/aplica-dores do Direito.

    2 O SILNCIO, AS DECLARAES IMPLCITAS E O COMPORTAMENTO CONCLUDENTE NOS CONTRATOS DE DIREITO AUTORALO que se prope aqui dar as noes basilares acerca do tema,

    eis que seria necessria a anlise isolada de cada figura jurdica fren-te s peculiaridades dos negcios jurdicos autorais.

    De incio, ressalta-se que existe uma grande confuso entre si-lncio, declarao implcita e comportamento concludente. Trata-se de institutos que tm afinidade, porque envolvem espcies de decla-rao de vontade implcitas, mas so figuras jurdicas diversas.

    Para se falar dessas figuras, necessrio ter em mente que a manifestao pode ser expressa e tcita, como bem observa Jos de Oliveira Ascenso10:A declarao expressa o comportamento fina-

    9 PERELMAN, Cham. Logique juridique. Nouvelle Rhtorique. Paris: Dalloz, 1976. p. 176.10 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito Civil teoria geral. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2003.

    V. III, p. 51.

  • 38 Helenara Braga avancini

    listicamente dirigido a exprimir ou a comunicar algo. E Pedro Pais de Vasconcelos complementa, explicando que, de uma declarao ex-pressa, que finalisticamente dirigida expresso de um certo conte-do, pode resultar ainda implicitamente uma outra, esta agora tcita, desde que, segundo o n 1 do artigo 217, dela se deduza com toda a probabilidade11.

    De regra, quando a lei exigir, as declaraes devem ser expres-sas; assim, quando a lei brasileira e a portuguesa exigem a forma es-crita para a transmisso total do contedo patrimonial do direito de autor. Porm, como a declarao implcita decorre do comportamen-to da parte, admite-se que este possa ser uma declarao expressa ou tcita.

    No entanto, pode ocorrer a incidncia de manifestao expres-sa e implcita em determinada declarao. Assim que Pedro Pais de Vasconcelos, ao falar sobre as declaraes escritas, observou que uma comunicao escrita pode conter uma declarao expressa, com o contedo que o seu autor lhe quis directamente imprimir, e tambm uma declarao tcita com um contedo que lhe implcito12.

    Deduz o mesmo autor que assim, com acerto, que o Cdigo Civil, no n 2 do artigo 217, determina que a forma da declarao tcita aquela de que se revista o comportamento do qual ela, com toda a probabilidade, se deduz. Um negcio jurdico, para o qual a lei exija, por exemplo, a forma solene da escritura pblica, poder ser celebrado tacitamente desde que se deduza com toda a probabilidade de uma escritura pblica13.

    Por essa razo, tanto as declaraes expressas como as impl-citas carecem de interpretao, aplicando-se as diretrizes do artigo 236 do Cdigo Civil portugus. As declaraes implcitas ou tcitas decorrem do sentido da concludncia, ou seja,

    [...] da determinao de qual o sentido negocial, ou no negocial, que deve ser tido como deduzindo-se com toda a probabilidade

    11 VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria geral do Direito Civil. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 461.

    12 Idem, p. 460.13 Idem, p. 462.

  • 39A interpretAo restritivA dos negcios jurdicos AutorAis no BrAsil

    do comportamento concludente. A concludncia pode resultar de pressuposio ou de implicao, consoante esse sentido pressuposto ou implicado com toda a probabilidade pelos factos de que se deduz.14

    Na interpretao do negcio jurdico autoral importante ter em mente no s o carter restritivo, mas tambm o efeito que essas manifestaes de vontade implcitas podem gerar no plano concreto.

    Figura similar declarao tcita ou implcita o comporta-mento concludente. Jos de Oliveira Ascenso15 entende que do com-portamento da parte possvel extrair a manifestao tcita; este tambm o entendimento de Pedro Pais de Vasconcelos16.

    Para o autor luso-angolano, os comportamentos concludentes, num sentido amplo, abrangem as declaraes expressas no verbais e que no sejam com o uso de linguagem, como, por exemplo, o aceno afirmativo ou negativo da cabea. No sentido restrito, os compor-tamentos concludentes correspondem a declaraes tcitas, naquilo em que no sendo directamente destinados a significar e comunicar algo, deles se conclui um contedo negocial17.

    Sem dvida, na doutrina alem que a noo de comporta-mento concludente mais bem estudada, podendo-se citar como exemplo Werner Flume, o qual faz importante anlise do ato con-cludente como execuo de um negcio jurdico18. Para tanto, deve a parte conhecer as circunstncias; isto porque, se a parte atua de forma concludente de maneira consciente no querendo o negcio que se deduz, ento se estar diante de um caso de reserva mental.

    Adverte o autor alemo que:

    14 VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria geral do Direito Civil. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 463.

    15 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito Civil teoria geral. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2003. V. III, p. 34.

    16 VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria geral do Direito Civil. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 463.

    17 Idem, p. 463.18 FLUME, Werner. El negocio Jurdico. Traduo espanhola de Jos Maria Miquel

    Gonzlez e Esther Gmez Calle. 4. ed. Madri: Fundacin Cultural del Notariado, 1998. T. II. Parte general del derecho civil, p. 99 e seguintes.

  • 40 Helenara Braga avancini

    La declaracin de voluntad por actos concluyentes, como acto consciente de configuracin jurdica, debe separarse tajante-mente de los casos en que una actuacin despierta en el otro la apariencia de una declaracin de voluntad por actos con-cluyentes, pero no siendo consciente el que acta de lo con-cluyente de sus actos. En estos casos no existe un acto final por parte del que acta respecto del negocio que el otro ha consi-derado cerrado por actos concluyentes. Estos casos se deberan incluso terminolgicamente de la declaracin de voluntad por actos concluyentes y hablar de conducta concluyente.19

    Assim, quando no existir conscincia de que o ato conclu-dente, ser necessrio fazer prova da existncia do comportamento jurdico20 relevante. No caso jurdico mencionado neste trabalho, o ponto central , justamente, o comportamento concludente da par-te, pois na deciso o juiz sustenta que o autor tinha conhecimento do uso do programa de computador nas filiais e nada fez, portanto, o seu comportamento de prestar assistncia tcnica e de ter cincia do que estava ocorrendo seria suficiente para modificar as condies estabelecidas no contrato.

    Mas possvel que um comportamento concludente altere o contrato autoral considerando que este deve ter uma leitura restriti-va? um caso de soluo complexa e depende da anlise de diversos fatores concretos que permeiam a relao obrigacional, tais como a boa ou m-f das partes, a harmonia quanto ao aspecto econmico, sendo um contrato oneroso, e a prpria compreenso razovel que as partes tenham acerca da vontade expressada inicialmente.

    No que diz respeito ao silncio, como a prpria expresso de-nuncia, um nada, mas que pode gerar efeitos jurdicos, quando a lei ou o contrato permitirem. Mota Pinto entende que o silncio pode ser considerado um fato concludente (declarao tcita) no sentido da aceitao de propostas negociais21. No mesmo sentido o entendi-

    19 FLUME, Werner. El negocio Jurdico. Traduo espanhola de Jos Maria Miquel Gonzlez e Esther Gmez Calle. 4. ed. Madri: Fundacin Cultural del Notariado, 1998. T. II. Parte general del derecho civil, p. 105.

    20 Idem, p. 105.21 PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1980. p.

    337.

  • 41A interpretAo restritivA dos negcios jurdicos AutorAis no BrAsil

    mento de Werner Flume: o silncio pode ser um meio de declarao assim como a palavra o 22.

    O Cdigo Civil portugus, no artigo 218, enuncia que o silncio vale como declarao negocial quando esse valor lhe for atribudo por lei, uso ou conveno. Assim sendo, na doutrina portuguesa, para o silncio ter valor jurdico e produzir efeitos, ele tem que decorrer da lei ou do contrato. Ou seja, s se a lei atribuir valor ao silncio ou se as partes assim estabelecerem em contrato que se pode atribuir consequncia jurdica ao silncio23.

    O Brasil segue o mesmo entendimento24 de que, em situaes excepcionais, juridicamente reguladas ou valoradas na lei ou no con-trato, o simples silncio pode produzir efeitos jurdicos25. O artigo 111 do Cdigo Civil assim disps: o silncio importa anuncia, quando as circunstncias ou os usos o autorizem, e no for necessria a declara-o de vontade expressa.

    As declaraes tcitas nos negcios de direito autoral devem ser interpretados de forma restritiva, a fim de coibir eventuais abu-sos de ambas as partes, mas, somente no caso concreto e em carter excepcional que se pode determinar a ocorrncia ou no de modifi-cao do contrato por comportamento concludente.

    4 CONSIDERAES FINAISO disposto no artigo 4 da lei autoral brasileira obriga a inter-

    pretao restritiva dos negcios de direito autoral, dispondo algumas regras acerca da transmisso total ou parcial desses direitos. J o anteprojeto de Lei acrescenta que esses negcios devem atender a finalidade especfica para qual foram celebrados.

    22 FLUME, Werner. El negocio Jurdico. Traduo espanhola de Jos Maria Miquel Gonzlez e Esther Gmez Calle. 4. ed. Madri: Fundacin Cultural del Notariado, 1998. T. II. Parte general del derecho civil, p. 93.

    23 Idem, p. 105.24 ANDRADE, rico. O silncio no ato e no negcio jurdico. Revista Brasileira de Estudos

    Polticos, v. 98, 2008. Disponvel em: . Acesso em: 17 maio 2012, p. 100-101.

    25 Idem, p. 104.

  • 42 Helenara Braga avancini

    Mesmo no estando em tramitao no Congresso Nacional, o anteprojeto refora a ideia de que a explorao da obra exclusivi-dade do titular de direito autoral, o qual tem liberdade e poder para negociar parcial ou totalmente sua obra.

    O aspecto finalstico apontado no suficiente para resolver os problemas que permeiam a interpretao dos contratos de direito autoral, at porque se est diante de uma rea do Direito que ex-cepcional, que exige interpretao restritiva e tal conjuno pode no beneficiar a parte mais frgil, qual seja o autor.

    Ao contrrio do que ocorre no Brasil, a legislao autoral por-tuguesa, ao dispor sobre as regras de transmisso do direito autoral, no obrigou os operadores do Direito a fazerem interpretao res-tritiva dos negcios autorais. Dentre outras razes, porque o Cdigo Civil estabelece regras basilares para a interpretao dos contratos aplicando-se ao direito autoral o que couber.

    Tanto no Brasil como em Portugal existem regras advindas do Cdigo Civil que auxiliam na interpretao dos negcios jurdicos, tais como a noo de que as pessoas devem conhecer a lei, que devem agir de boa-f, e, portanto, o artigo 4 da lei autoral brasileira, embo-ra desnecessrio, fundamental por apresentar um carter didtico.

    As normas sobre interpretao so diretrizes que o intrprete/aplicador do direito se vale para solucionar eventuais conflitos no caso concreto. evidente que na prtica o exerccio da interpretao seja imbudo de grande subjetivismo, pois a existncia de critrios legais para apreciao do problema tortuoso quando se est diante de uma legislao especial, como a lei autoral.

    Em casos prticos, a questo pode apresentar contornos maiores, porque no h, ainda, o domnio dos julgadores sobre essa legislao especial, que, no obstante, aplicam pura e simplesmente regra do direito civil, sem que haja uma fundamentao adequada para tanto. No se quer dizer com isto que no se possam utilizar as normas do Cdigo Civil, mas esse uso deve ser realizado com parci-mnia e desde que seja compatvel com as demais regras do direito autoral.

    A interpretao restritiva tem por fim destacar o princpio de que o elo mais fraco na relao autoral o autor, que nem sempre ser o titular de direito. Porm, at mesmo esse princpio pode ser

  • 43A interpretAo restritivA dos negcios jurdicos AutorAis no BrAsil

    ponderado em um caso concreto, pois a qualificao de hipossufi-ciente depende da observao do poder econmico das partes e do conhecimento das nuances do direito autoral no momento em que estes firmaram o contrato.

    Nessa perspectiva, o silncio, as declaraes implcitas e os comportamentos concludentes so argumentos utilizveis num con-trato de direito autoral, mas sob a luz da restritividade.

    No havendo abuso de direito das partes no exerccio do con-trato, no estando elas de m-f, deve prevalecer o que consta ex-pressamente no documento contratual, at porque, normalmente, aquela parte que questiona uma das figuras acima citadas pode no ter razo.

    Por fim, as regras de interpretao nos contratos de direito autoral merecem um estudo mais aprofundado; porm, essa tarefa far-se- em momento futuro, servindo o presente trabalho como uma provocao inicial para o desenvolvimento posterior do tema.

    REFERNCIASABRAHO, Eliane Y. Direitos de Autor e Direitos Conexos. So Paulo: Editora do Brasil, 2002.

    AFONSO, Otvio. Direito Autoral: conceitos essenciais. Baueri: Manole, 2009.

    ANDRADE, rico. O silncio no ato e no negcio jurdico. Revista Brasilei-ra de Estudos Polticos, v. 98, 2008. Disponvel em: . Acesso em: 17 maio 2012.

    ANDRADE, Manuel A. Domingues. Teoria geral da relao jurdica Facto jurdico. Em especial negcio jurdico. Coimbra: Coimbra, 2003. v. II.

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    HAMMES, Bruno Jorge. O Direito da Propriedade Intelectual subsdios para o ensino de acordo com a Lei 9.610, de 19.02.1998. 2. ed. So Leopoldo: Editora Unisinos, 1996.

  • 44 Helenara Braga avancini

    NEVES, A. Castanheira. Metodologia Jurdica problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2011.

    PERELMAN, Cham. Logique juridique. Nouvelle Rhtorique. Paris: Dalloz, 1976.

    PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1980.

    PONTES, Hildebrando. Os contratos de cesso de direitos autorais e as li-cenas virtuais creative commons. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

    VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria Geral do Direito Civil. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2010.

    VENOSA, Silvio de Salvo. Cdigo Civil Interpretado. So Paulo: Atlas, 2010.

  • INTERSECES JURDICAS DO DIREITO

    PBLICO E PRIVADO: umA Anlise do direito de Autor

    Jlia Bagatini

    Mestranda em Direito pela UNISC, bolsista CAPES, tipo II. Graduada em Direito pela UNIJU. Professora da FAI Faculdades. Integrante do grupo de pesquisa Interseces Jurdicas entre o Pblico e o Privado e do gru-po de estudos Direito do Autor, ambos coordenados pelo Prof. Ps-Dr. Jorge Renato dos Reis. Advogada.

    Contato: [email protected]

    Miguel Genildo GreinerGraduando em Direito na Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Bolsista CNPq. Participante do grupo de estudos Direito de Autor no Constitucionalismo Contemporneo e integrante do grupo de pesquisa Interseces Jurdicas entre o Pblico e o Privado, ambos coordenados pelo Prof. Ps-Dr. Jorge Renato dos Reis.

    1. INTRODUO. 2. INTERSECES JURDICAS ENTRE O DIREITO PBLICO E PRIVADO:

    BREVES DIGRESSES; 2.1 A origem dA dicotomiA; 2.2 A constitucionAlizAo do direito privAdo; 2.3 A constitucionAlizAo do direito no BrAsil.

    3. UMA ANLISE DO DIREITO DE AUTOR; 3.1 Aspectos introdutrios Ao direito de Autor; 3.2 Breve ABordAgem histriA Ao direito de Autor; 3.3 Funo sociAl do direito de Autor.

    4. CONSIDERAES FINAIS. rEFERNCIAS.s

    um

    r

    io:

  • 46 Jlia Bagatini & Miguel genildo greiner

    1 INTRODUOO presente estudo tratar sobre as interseces jurdicas entre

    o pblico e o privado, desde a origem da dicotomia at os dias atuais, a forma como os dois grandes clssicos ramos do Direito interpene-tram na esfera um do outro, constitucionalizando o direito privado de forma que os institutos privados passam a funcionar de modo a atingir o bem social , e o direito pblico ir empregar os institutos privados para concretizar aqueles valores dotados na Constituio.

    Em um segundo momento, far-se- uma anlise do direito de autor luz dessas mudanas hermenuticas. O direito de autor, que surgiu para proteger o aspecto moral e patrimonial do criador sobre a sua obra intelectual, seja ela cientfica, artstica ou literria, dever atender funo social a qual se destina, para que se legitime em razo de a criao ser fruto do legado cultural de uma sociedade , mas observada e exteriorizada pelo esprito criativo de seu autor.

    Buscam-se mecanismos para se poder adaptar a lei realidade social, facilitando o acesso s obras, pois por intermdio da educa-o, da cultura e da informao que a sociedade vai desenvolver-se plenamente.

    No se pretende aqui polemizar situaes que possam causar prejuzos aos autores, mas sim ponderar at que ponto se faz neces-sria uma legislao to protetiva dos direitos de autor e to pouco conformadora com os princpios constitucionais, como os de acesso cultura, educao, informao e ao desenvolvimento, os quais podem ser alcanados por meio do direito de autor.

    2 INTERSECES JURDICAS ENTRE O DIREITO PBLICO E PRIVADO: breves digressesEste tpico trata das interseces das normas, conceitos e ins-

    titutos entre os dois grandes clssicos ramos do Direito, que abran-gem todos os demais: o pblico e o privado. O ponto de partida a anlise histrica, o fenmeno recente da constitucionalizao do di-reito privado. Essa verificao torna dbia a definio se algum ramo ainda atina-se a galgar apenas pelo seu determinado campo, pblico ou privado. De fato, percebe-se hoje que os institutos privados de-

  • 47Interseces jurdIcas do dIreIto pblIco e prIvado

    vem funcionar em consonncia com os interesses sociais, atingindo aqueles valores elencados constitucionalmente, e a administrao pblica, para efetivar esses valores, acaba por se valer dos institutos privados, agindo como um ente privado, conquanto pblico.

    2.1 A origem dA dicotomiADesde o Imprio Romano, o Direito foi divido classicamente

    em dois grandes ramos, cada qual com normas e princpios distin-tos, conforme sua seara de gerncia, carregando uma gama de valo-res diferentes. De um lado, abrangia a sociedade como um todo. De outro, regulava as aes de individuais sob manto da autonomia da vontade1.

    O direito pblico zelava pelos interesses da coletividade, de modo que estes prevaleciam sobre os interesses individuais, funda-mentando-se no princpio da subordinao, de que todas as normas impostas pelo Imprio deveriam ser obedecidas, a bem da paz social2.

    J o direito privado era atrelado s situaes domsticas e de propriedade. Abrangia os institutos da famlia, da sucesso, da pro-priedade e do contrato. Esses institutos importavam somente ao ho-mem, no cabendo ao Estado qualquer gerncia nos atos que diziam respeito vida privada do indivduo, o qual se compunha de ampla liberdade para atuar nessa esfera, inclusive contendo o poder sobre a vida e a morte, de sua mulher e de seus filhos. Igualmente, possua total poder sobre a sua propriedade3.

    Durante os longos anos da era medieval, essa dicotomia en-tre direito pblico e privado, oriundo do Imprio Romano, tornou-se obscura, j que o soberano detinha todo o poder. No havia uma esfe-ra em que o particular pudesse exercitar sua autonomia da vontade. Mas um absoluto contraste se deu por meio da Revoluo Francesa, com o nascedouro do Estado liberal, em que o Estado teria a carac-

    1 LEMKE, Nardim Dacy. Dicotomia direito privado x direito pblico. Disponvel em: . Acesso em: 27 nov. 2012.

    2 Idem.3 MARQUESI, Roberto Wagner. Fronteiras entre o direito pblico e o direito privado. Jus

    Navigandi, Teresina, ano 10, n. 908, 28 dez. 2005. Disponvel em: . Acesso em: 16 nov. 2012.

  • 48 Jlia Bagatini & Miguel genildo greiner

    terstica de no intervir no mbito privado dos indivduos, se no em raras ocasies, como para manter a ordem social, pois entendia-se que todos os homens nasciam iguais e possuam iguais condies para buscar o que era melhor para si, fundamentando-se no princpio da igualdade formal4.

    No mbito do direito civil, impende mencionar que com o intui-to de afastar a interveno estatal das relaes civis, surge, em 1804, o Code de France, conhecido tambm por Cdigo Napolenico. Tal C-digo, lanado logo aps a Revoluo Francesa, trouxe uma viso apri-morada e estruturada do direito civil, na qual o Estado encontrava-se absolutamente afastado das relaes ditas, nesse momento, privadas.

    A codificao do direito civil pelo Cdigo Napolenico trouxe, como todas as demais codificaes, a sistematizao da matria ob-jeto de estruturao, arraigada em valores bastante contundentes. A codificao civil francesa trazia, pois, dois v45+53*7688/alores basi-lares, j mencionados acima: o individualismo e o patrimonialismo. Tais valores, tidos como pedras toque do sistema civil, eram impres-cindveis para que o Estado se mantivesse distante das relaes civis.

    A primazia do individualismo e do patrimonialismo era vis-vel, no qual o brocado da pacta sunt servanda era principiolgico, inserindo a premissa de que qualquer acordo jurdico deve ser respei-tado. Nesse sentido, Klber Martins de Arajo menciona:

    Esse princpio (pacta sunt servanda) teve origem na Escola Clssica francesa e foi adotado pelo Art. 1.134 do Cdigo de Na-poleo. Por essa regra, os contratos fazem lei entre as partes e, por isso, devem ser cumpridos ou os pactos ho de ser observa-dos, no obstante o advento de situaes e resultados imprevi-sveis, mesmo que levem runa um dos contratantes.5

    Em 1896, seguindo o modelo e os valores do Cdigo francs, surge o Cdigo Civil alemo (BGB), que entrou em vigor em 1900.

    4 MARQUESI, Roberto Wagner. Fronteiras entre o direito pblico e o direito privado. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 908, 28 dez. 2005. Disponvel em: . Acesso em: 16 nov. 2012.

    5 MARTINS DE ARAJO, Kleber. Contratos administrativos: clusulas de reajuste de preosereajustesendicesoficiais.Disponvelem:.Acesso em 10 fev. 2012, p. 02.

  • 49Interseces jurdIcas do dIreIto pblIco e prIvado

    Nesse momento histrico h a distino patente entre o direito pbli-co e o direito privado, aquele caracterizado pela interveno estatal, enquanto o este calcado na autonomia das partes, sem qualquer in-gerncia do ente poltico Estado.

    Em 1824, no Brasil, surge a primeira Constituio Imperial do Estado. Nela, entre outros dispositivos, havia a meno expressa da necessidade da confeco de um Cdigo Civil e de um Cdigo Penal, a fim de regular as relaes sociais e a vida em sociedade. Mais tarde, em 1855, o Estado brasileiro contrata Teixeira de Freitas para elabo-rar um Cdigo Civil brasileiro, cujo esboo foi apresentado em mea-dos de 1862, contando com mais de cinco mil artigos em sua codifi-cao. Em tal esboo, verificou-se que Freitas trouxe a tutela jurdica do nascituro, a reviso contratual, a dissoluo do casamento, entre outros artigos de suma importncia. Ocorre, no entanto, que, para a poca, tais situaes no se mostravam condizentes com a estrutura brasileira. Eram muito avanadas para o perodo.

    Assim, apesar do grandioso trabalho de Teixeira de Freitas, o Estado brasileiro no aceitou o Cdigo Civil por ele proposto, pois, conforme j dito, estava em dissonncia com o momento histrico brasileiro. Vale mencionar, entretanto, que os temas trazidos por Freitas so hoje aps mais de cem anos discutidos no sistema jur-dico brasileiro, inclusive com ares de atualidade.

    Foi em 1899 que o Estado brasileiro, na nsia por um Cdigo Civil, contratou o ento professor Clvis Bevilqua, docente da Facul-dade de Direito do Recife e disciplinador da matria de Filosofia, j que no havia direito civil no Brasil. Em 1916, surge o to esperado Cdigo Civil brasileiro.

    Assim, o Brasil passa a ser um pas codificado em matria ci-vil, fato que se estende at os dias atuais. O Cdigo Civil de 1916 sur-giu com a mesma ideologia dos diplomas confeccionados na Frana (Cdigo Napolenico) e na Alemanha (BGB), ou seja, valia-se dos pre-dicados do individualismo e do patrimonialismo, no dando espao interveno Estatal nas relaes jurdicas civis.

    A estrutura do Cdigo Civil manteve-se a mesma por muito tempo, sendo que vrias Constituies foram criadas e nenhuma de-las trouxe questes e normas referentes ao direito civil, at porque as Constituies disciplinavam questes relacionadas ao at ento

  • 50 Jlia Bagatini & Miguel genildo greiner

    direito pblico, enquanto o Cdigo Civil disciplinava questes afetas ao direito privado. O Cdigo Civil era chamado por muitos juristas de a Constituio do Direito Privado.

    Nesse sentido, enquanto o direito pblico atinha-se apenas a regular o Estado e no intervir na esfera individual, a no ser em estritos casos, o direito privado garantia ampla liberdade aos indiv-duos, sem se preocupar com os valores sociais, que dizem respeito dignidade humana6.

    Fato que comeou a se transformar pelas revolues despon-tadas em diversos pontos do planeta, pela populao insatisfeita com a inrcia do Estado frente s desigualdades que a sociedade vinha to-mando. Documentos como a Constituio de Weimar de 1919, Consti-tuio Mexicana de 1917 e a Declarao dos Direitos do Povo Traba-lhador e Explorado, na Rssia revolucionria de 1918, inovaram tra-zendo direitos sociais e traba