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Curso Marcato – Defensoria Pública São Paulo - 2008 DIREITO CIVIL Indicações: Maria Berenice Dias Site IBDFAM I – UNIÃO ESTÁVEL Clilton 07.12.08 1. Fundamento Constitucional § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. 2. Conceito Corresponde à forma de convivência pública, contínua e duradoura entre homem e mulher com a finalidade de constituir família. 3. Requisitos É uma situação de fato entre pessoas geradora de conseqüências jurídicas necessárias e obrigatórias. Não é necessário um contrato, uma avença. Basta o fato (convivência) para atrair as conseqüências jurídicas, mesmo que um deles não deseje. Todavia, não é uma mera convivência. Ela é qualificada, pois precisa ser pública (conhecida pelas pessoas próximas ao casal), duradoura 1 (representa o vínculo sólido entre o casal) e contínua (não pode sofrer muitas interrupções). 1 Note que o tempo aqui é um fator secundário. O que importa é a intenção de manterem-se vinculados. 1

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Curso Marcato – Defensoria Pública São Paulo - 2008

DIREITO CIVIL

Indicações:

Maria Berenice DiasSite IBDFAM

I – UNIÃO ESTÁVEL Clilton 07.12.08

1. Fundamento Constitucional

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

2. Conceito

Corresponde à forma de convivência pública, contínua e duradoura entre homem e mulher com a finalidade de constituir família.

3. Requisitos

É uma situação de fato entre pessoas geradora de conseqüências jurídicas necessárias e obrigatórias. Não é necessário um contrato, uma avença. Basta o fato (convivência) para atrair as conseqüências jurídicas, mesmo que um deles não deseje.

Todavia, não é uma mera convivência. Ela é qualificada, pois precisa ser pública (conhecida pelas pessoas próximas ao casal), duradoura1 (representa o vínculo sólido entre o casal) e contínua (não pode sofrer muitas interrupções).

4. Diversidade de Sexos

A priori, a união estável é aquela entre pessoas de sexos diferentes. Porém, atualmente a heterossexualidade da relação deixou de ser fator determinante para caracterizar a união estável.

A Constituição Federal não afasta a união homoafetiva, uma vez que também consagra a dignidade humana, a qual implica na realização integral da personalidade do indivíduo (possibilidade de escolher suas opções), inclusive no que diz respeito à liberdade sexual. Em outras palavras, o direito a constituir família é da pessoa humana, não apenas dos heterossexuais.

Recentemente, o STJ julgou um caso no qual se acolheu a ação declaratória de união homoafetiva2, segundo a qual se entendeu que o artigo 1723 do Código Civil apenas “alude” a “homem e mulher”, não significando que isto vedaria a união homoafetiva.

1 Note que o tempo aqui é um fator secundário. O que importa é a intenção de manterem-se vinculados.2 A decisão da Quarta Turma do STJ não reconheceu a união estável homossexual, mas a possibilidade jurídica da ação, possibilitando que o pedido seja analisado em primeira instância. (Resp 820475)

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5. Efeitos

Sociais: não altera o estado civil. Todavia, há quem defenda que, desde a C.F. de 88, existe um novo estado de família, que é o de companheiro. Porém, é voz isolada, já que a informalidade da relação faz os autores entenderem que não cabe a alteração.

Questão: a união estável emancipa? O artigo 5º 3do Código Civil não traz, dentre as modalidades de emancipação, a

ocorrência da união estável. Dessa forma, tendo em vista que a capacidade só pode ser objeto de lei, a corrente majoritária entende que não a união estável não é apta a emancipar. Contudo, Maria Berenice Dias entende que, por analogia ao casamento, seria possível.

Pessoais: a união estável gera direito a tratamento igualitário entre os companheiros e impõe uma série de deveres (comparar com os deveres do casamento).

Questão: a União estável admite a adoção do nome do companheiro?Há duas posições! A 1ª entende que a arquitetura da União Estável é propositalmente

diferente da do casamento justamente para obrigar os companheiros a convertê-la em casamento.

Já a 2ª posição entende que o silêncio da lei não pode retirar dos companheiros o legítimo direito conquistado pela via da legislação anterior, já que a lei de registros públicos (art. 56) previa a possibilidade de que os concubinos acrescentassem os apelidos de família. Logo, esta lei deveria prevalecer. Todavia, a lei de registros públicos dispõe apenas sobre a adoção do nome da mulher, desde que convivam em 5 anos. É justamente estes fatores que deveriam ser atualizados sob o prisma da ordem constitucional vigente, admitindo-se a reciprocidade e abandonando esse prazo.

Patrimoniais: neste plano, a união estável depende de um contrato, porém, poucos companheiros fazem. Assim, na ausência deste, a lei obriga que seja aplicada a comunhão parcial de bens. Ou seja, em regra não há regime definido, salvo se os companheiros não fizerem o contrato de convivência.

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens

Questão: e a situação do sexagenário?A legislação estabelece que a união estável se dê sob a égide de um contrato, regendo-

se, portanto, pela autonomia da vontade. Sob esse prisma, parece pacífico que o sexagenário teria ampla liberdade de contratar. O problema ocorre com a eleição do regime aplicável. Será que, na União Estável, também vale a proibição do artigo 1.641 referente ao casamento?3 Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;II - pelo casamento;III - pelo exercício de emprego público efetivo;IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

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Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;II - da pessoa maior de sessenta anos;III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Há três correntes.A 1ª entende que o artigo 1.641 é inconstitucional, tendo em vista que comprometeria

a dignidade da pessoa maior de 60 anos. Portanto, não se aplica nem à União Estável, nem ao casamento. Esta, possivelmente, seria a posição a ser defendida pela Defensoria Pública.

Já a 2ª entende que, uma vez constitucional, o artigo 1.641 deve incidir tanto no casamento como na união estável, uma vez que, não fosse assim, todos os idosos deixariam de casar, optando apenas pela união estável, na qual poderiam eleger livremente o regime, ao contrário do casamento.

Por fim, a 3ª corrente entende que a união estável é diferente do casamento, logo, não se aplica o artigo 1.641 na união estável. (Jurisprudência majoritária).

Qual a qualificação dos efeitos da União Estável?Nesse aspecto, cumpre lembrar que a união estável dificilmente é “percebida” pelos

companheiros desde o momento em que se inicia. Na verdade, as pessoas vivem um tempo em união estável e, somente depois, a percebem e resolvem regularizar a situação. Dessa forma, a questão se dá quanto aos efeitos do contrato de convivência. Seriam eles ex nunc ou ex tunc?

Basicamente ocorre o seguinte: antes do contrato vigoram as disposições da comunhão parcial de bens. Depois, vigoram as disposições contratuais

* Para Maria Berenice Dias, o efeito é ex tunc , bastando que o casal manifeste tal intenção. O problema é o prejuízo a terceiros. Porém, a autora defende que os terceiros ficarão sempre guarnecidos, desde que comprovem a boa-fé.

6. Conversão em Casamento

Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.

Para que os companheiros transformem a união estável em casamento há dois caminhos: 1ª) simplesmente constituem uma nova relação jurídica consistente no casamento, cumprindo todas as formalidades deste. Contudo, isto não seria uma conversão, mas uma sucessão de relações, incompatível com o propósito constitucional da facilitação da união

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estável em casamento 2ª) Basta converter a relação em casamento. É a mesma relação, porém sob as vestes de casamento. Para tanto, é necessário um pleito judicial.

* A questão que se põe é se essa exigência de pleito judicial é constitucional. Pode o legislador determinar que o juiz decida sobre a conversão? Na Constituição Federal há disposição no sentido de que o legislador ordinário deve facilitar a conversão e não dificultar. Aliás, anteriormente, pelas leis especiais, bastaria um simples requerimento. Todavia, os Tribunais não reconhecem essa inconstitucionalidade, pois a “facilitação” mencionada pela C.F. é de ordem jurídica, não de ordem prática. O que o constituinte pretendia é que o legislador não criasse óbices jurídicos a essa conversão.

Questão: os efeitos da conversão são ex tunc ou ex nunc?Para a posição majoritária, são ex tunc, senão a conversão se tornaria inútil, afinal,

seria mais razoável simplesmente casar. O problema é aquele que manteve a união estável sem condições de mantê-la, pois era casado (ainda que não fosse casado de fato). Nesta hipótese, os efeitos ex tunc da conversão em casamento abrangeriam um período da união estável em que ele estava impedido para o casamento, ou seja, durante esse período se projetariam efeitos de casamento quando ele não podia estar casado! Seria uma contradição.

II – ALIMENTOS

1. Conceito

São prestações periódicas que alguém entrega a terceiro, com a finalidade de lhe garantir assistência quando este não possa fazê-lo por si.

2. Fundamento

Advém do princpipio constitucional da “solidariedade familiar”: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

3. Natureza

É uma relação jurídica obrigacional, porque o objeto desse vínculo diz respeito a mua prestação estimável economicamente.

4. Características

a) Irreptibilidade: é uma decorrência da “atualidade”. Há uma interdição à restituição da prestação já entregue. Essa prestação é consumível com base nas necessidades atuais.

Exceção: a irreptibilidade não é absoluta, já que pode ocorrer quando restar evidenciada a má-fé. Neste caso, a restituição se dá levando em conta a base ilícita da relação (vedação ao enriquecimento ilícito).

b) Imprescritibilidade: o que é imprescritível é a pretensão alimentar, não a execução desta! Fique atento!

c) Incessibilidade: não é um direito cessível. Não dá para transmitir! É personalíssimo.

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d) Irrenunciabilidade: é renunciável, porém, o artigo 1.707, passa a impressão de que essa irrenunciabilidade é ampla. Contudo, ela foi reduzida pelo STJ, que entendeu que são renunciáveis os alimentos entre cônjuges e, por conseqüência, entre companheiros.

e) Transmissibilidade: a obrigação alimentar é transmissível (art. 1.700). O próprio encargo alimentar é transmissível, e.g., pessoa dirigia a execução de alimentos a um falecido e os herdeiros passam a ser responsáveis pelo encargo. Nesta situação vigora o artigo 1792 do CC. Vale ressaltar que os herdeiros respondem na proporção de seus quinhões4, não de seu patrimônio.

Questão: sendo o beneficiário um dos co-herdeiros, prevalece a transmissão da obrigação alimentar?

Pela corrente majoritária não subsiste, pois há confusão entre credor e devedor, logo, a obrigação não se transmite.

f) Incompensabilidade: (art. 1.707) o crédito alimentar não pode ser objeto de compensação, exceto em situações peculiares, e.g., quando o crédito alimentar perde as suas características (quando a pessoa deixa de executar no prazo certo).

6. Espécies

a) Quanto às finalidades

Naturais: voltados ao atendimento das necessidades básicas (art. 1.720), e.g., vestuário, alimentação, saúde e moradia. Educação só entra nesse rol se o alimentante for criança.

Civis: são as condições básicas de vida + condições sociais.

Normalmente, nas relações de família os alimentos são civis e, excepcionalmente, naturais:

1) art. 1. 704, parágrafo único, o cônjuge separado, declarado culpado, bate à porta do inocente. Nesta hipótese o alimento é natural.

2) art. 1.694, § 2º: quando a necessidade do postulante decorrer de sua própria culpa, e.g., mulher que, na separação, fica com boa parte do patrimônio do marido, mas o dilapida, não sobrando nem o suficiente para seus alimentos. Aqui, também são alimentos naturais.

7. Alimentos Gravídicos

7.1. Conceito

Regulado pela Lei 11.408/08, é uma prestação alimentar a ser paga pelo suposto pai durante a gestação da mãe, com a finalidade de garantir o desenvolvimento adequado do feto. Nos termos do artigo 2°, tais alimentos incluem as despesas decorrentes da própria gestação:

Art. 2o  Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas

4 “Mesmo o Antônio Ermírio de Moraes responderia apenas na proporção do que recebesse de herança, não na proporção de suas riquezas...”

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e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.Parágrafo único.  Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos. 

*Questão: são alimentos de fato? A obrigação é alimentar?A relação jurídica que dá suporte à obrigação alimentar é a relação de parentesco. Na

gravidez ainda não restou confirmada a relação de paternidade (é impossível determinar a paternidade durante a gestação...). Ora, se o suposto pai não é parente, a que título é obrigado a prestar alimentos? Poderia ser uma prestação simples baseada na responsabilidade civil, ou então deve-se entender que a afirmação da mãe gera presunção de paternidade juris tantum.

É evidente que, como Defensor Público, o pedido de alimentos gravídicos deve fundar-se nos indícios de paternidade.

7.2. Efeitos

Nos termos do artigo 6°, parágrafo único da Lei 11.804/08, os alimentos gravídicos são estabelecidos como se fossem uma condição resolutiva. Isto é, perduram até que o provável pai ajuíze uma ação para negar a paternidade:

Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.

Não há previsão para restituição dos alimentos já pagos.

7.3. Cabimento

Antes da Lei dos Alimentos gravídicos, a Defensoria Pública já conseguia obter alimentos para o nascituro nos casos em que o cônjuge ou convivente abandona a esposa após o início da gestação. Dessa forma, o professor salienta que a Lei dos Alimentos Gravídicos atende mais àquelas situações em que não há qualquer vínculo matrimonial ou união estável. É o caso do “ficante” que engravida a mulher e foge.

8. Estrutura da Obrigação Alimentar

a) Sujeitos

Devedor – Alimentante (deve prover o sustento alheio)Credor – Alimentando

A obrigação alimentar decorre de lei (obrigação legal) e possui três características:

- Condicionalidade: apenas se estabelece com a necessidade de um e a possibilidade de outro.

- Variabilidade: a prestação alimentar se sujeita à variação, nos termos do artigo 1669 do C.C: Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.

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- Reciprocidade: a condição do alimentante ou de alimentando depende das circunstâncias fáticas, e.g., o pai que presta alimentos hoje, no futuro, poderá necessitar de alimentos a serem pagos pelo filho.

* Quem deve prestar alimentos?

Nos termos do artigo 1.694 do CC, os parentes, cônjuges e companheiros.

Os “parentes” englobam: descendentes, ascendentes e colaterais (até 2° grau5). Note que deve ser respeitada a sucessividade, isto porque, primeiramente, devem prestar alimentos os parentes de grau mais próximo e, somente na impossibilidade destes, os de grau mais remoto. Não há possibilidade de escolha.

b) Fixação

Nos termos do artigo 1.695, o pressuposto da obrigação alimentar é o binômio “necessidade-possibilidade”, mas como se fixam os alimentos?

Em primeiro plano, o juiz deve escolher optar por fixar alimentos civis ou naturais.Os alimentos civis são destinados à subsistência e manutenção da condição social do

alimentando, isto é, manutenção do padrão de vida, educação, etc. Já os alimentos naturais são estritamente voltados à subsistência da pessoa.

Em matéria de relação de família, os alimentos, em princípio, são civis. O elemento que pode modificar essa presunção é o fator culpa eventualmente imbricado na relação:

§ 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

Em outras palavras, se o alimentante conseguir provar que o alimentando está na situação de penúria por culpa própria, deverá prestar apenas os alimentos naturais6.

Além disso, é necessário observar a culpa prevista no artigo 1.704:

Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.

Note que o dispositivo autoriza o pedido de alimentos em face do ex-cônjuge apenas quando o alimentando demonstrar:

5 Lembre-se: não há colateral de primeiro grau. A contagem já se inicia em segundo grau, que são os irmãos.6 Parte da doutrina questiona esse dispositivo, afinal, é difícil provar que alguém deu causa à própria penúria. Além disso, outra parte, mais “garantista” se rebela contra essa divisão entre alimentandos de “primeira” e de “segunda classe”. O fato de dividir a necessidade alimentar dos indivíduos, com fundamento na causa da penúria, não atenta contra a dignidade humana? É justo excluir as necessidades educacionais daquele que deu causa ao fim do casamento ou à própria penúria?

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- Inaptidão para o trabalho7

+ (note que AMBOS os requisitos devem estar presentes. É cumulativo)

- Inexistência de parentes aptos a lhe apoiar alimentarmente.

Demonstrados esses pressupostos, o juiz deve fixar os alimentos naturais (valor indispensável à sobrevivência)

* Quais os efeitos e conseqüências da fixação da prestação alimentar?

A prestação possui natureza obrigacional, logo, há a possibilidade de variação tanto em relação ao valor da prestação (I), como no tocante à possibilidade de mera atualização (II).

(I) O artigo 1.699 apregoa que a prestação pode ser revisável a qualquer tempo, tendo como pressuposto a modificação financeira daquele que supre ou do que recebe. É a ação revisional de alimentos que pode ser proposta tanto pelo alimentando como pelo alimentante.

(II) É a mera correção de valores para adequá-los à situação financeira do momento. É automática (não precisa pedir). Contudo, na maioria dos casos torna-se dispensável, já que a prestação alimentar é fixada em salários mínimos, que, em tese, já possuem uma atualização ínsita.

9. Extinção da Obrigação Alimentar

Sempre que um dos pressupostos da obrigação alimentar deixar de existir (quando não houver mais a necessidade do alimentando ou a possibilidade do alimentante), é possível que ocorra a extinção desta. Há duas situações peculiares:

a) Maioridade dos Filhos

A discussão mais polêmica em torno da extinção da obrigação alimentar diz respeito aos alimentos prestados aos filhos menores de idade.

Os filhos menores de idade recebem alimentos em razão de uma necessidade presumida, isto é, os pais possuem o dever de assistência que perdura enquanto existir o poder familiar, logo, presume-se que devem prestar alimentos aos filhos.

O problema surge quando o filho se torna maior e se extingue o poder familiar. Nessa hipótese, extingue-se, também o dever de prestar alimentos?

Não! Embora caia a presunção da necessidade, os alimentos não estão vinculados ao poder familiar, mas sim à relação de parentesco. Tanto que o pai destituído do poder familiar pode ser obrigado a prestar alimentos.

Com o fim da presunção haverá a possibilidade de extinção da obrigação alimentar (ou seja, quando o filho completar 18 anos e já conseguir se manter às próprias custas).

Contudo, pode ocorrer a continuidade (quando completar 18 anos, mas ainda estudar, sem poder se manter). Justamente por isso, STJ aprovou recentemente uma súmula que veda a

7 É a impossibilidade material: condições físicas e mentais que lhe impeçam a atividade laborativa. Atualmente, é difícil encontrar alguém que não consiga qualquer emprego, isto porque há uma situação acolhedora no mercado de trabalho para os deficientes.

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exoneração automática do pai que presta pensão alimentícia, quando o filho completar 18 anos:

Súmula 358: O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu amaioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório,ainda que nos próprios autos.

Explicando: antes da Súmula, quando os filhos completavam 18 anos, muitos pais que prestavam alimentos judicialmente, pediam a extinção da obrigação. Agora, há a necessidade de se ouvir o filho, mediante contraditório, para que se manifeste sobre a real necessidade de continuidade da prestação alimentar. Somente o juiz pode exonerar! Não há exoneração automática!

b) Conduta Indigna do Alimentando

Nos termos do artigo 1.708, cessa o dever de prestar alimentos ao alimentando (credor), quando este constituir novo casamento, união estável ou concubinato. Note que não é uma causa de extinção apenas em relação ao ex-cônjuge que presta alimentos ao outro, mas sim em relação a qualquer obrigação alimentar.

O que mais importa, porém, é que, quando o credor cometer procedimento indigno em relação ao credor, a obrigação se extinguirá (parágrafo único). Isso reflete a boa-fé objetiva que permeia o Código Civil. É uma questão ético-moral.

10. Alimentos Transitórios

São os alimentos com prazo fixo, isto é, estabelecidos por determinado prazo. Visam ao atendimento das necessidades circunstanciais do indivíduo, mas não se eterniza, e.g., cônjuge que, após a separação, dá um prazo de prestação alimentar para que o outro possa “arrumar a vida”: “prestarei alimentos nos próximos 3 anos, depois, você se vira”. Serve justamente para evitar que o ócio se torne habitual (que a pessoa se acomode na situação de alimentando). Também é muito utilizado em relação aos filhos maiores.

O professor não concorda com essa formulação doutrinária, pois implica na presunção de má-fé do alimentando. Além disso, o sistema jurídico resolveria a questão sem necessidade desse instituto, afinal, é permeado pelo princípio da boa-fé objetiva, logo, jamais seria possível a obrigação alimentar fundada em um abuso de direito.

11. Aspectos Processuais Relevantes

- A ação de alimento rege-se pela Lei 5.478/68 e visa à constituição do vínculo alimentar.

- Segue o rito Sumaríssimo.

- Somente pode ser ajuizada por pessoas que podem provar, de antemão, uma relação de parentesco, casamento e união estável.

- Há previsão para conciliação.

* Alimentos Provisórios e Provisionais

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Nos termos do artigo 4° da Lei 5.478/68, ao despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita.

Note, portanto, que os alimentos provisórios são concedidos liminarmente, como uma espécie de antecipação da tutela dos efeitos da demanda. Em regra, estabelecem-se como alimentos civis e não podem ser revogados até a decisão final transitar em julgado.

Já os alimentos provisionais são alimentos “ad litem”, isto é, “para a lide”. Garantem a subsistência do demandante durante o processo, bem como as despesas decorrentes do próprio processo. Destinam-se ao indivíduo que ainda não conseguiu comprovar a relação de parentesco necessária para a obrigação alimentar, e.g., indivíduo que move a ação investigatória. Geralmente são obtidos por meio de uma ação cautelar.

11.2. Execução

Obtida a constituição do vínculo alimentar e estabelecidas as prestações, inicia-se a fase executória.

Depois da reforma do CPC, discutiu-se se o artigo 475-J (execução de quantia certa) vigora na execução da obrigação alimentar ou se esta deve ser feita por meio do artigo 733 do CPC. Para a maior parte da jurisprudência e da doutrina, atualmente, aplica-se o artigo 475-J na obrigação alimentar, incluindo as decisões que concederem alimentos provisórios ou provisionais.

Além dessa execução por quantia certa, ainda é possível a execução de rito especial, prevista no artigo 733, mas que fica vinculada à Súmula 309 do STJ8, isto é, somente pode executar a partir das últimas 3 prestações vencidas antes da distribuição da ação + as vincendas.

Em razão disso, é comum que o juiz cinda a execução das prestações anteriores para serem processadas nos moldes do artigo 475-J, e o resto pelo rito especial que permite a prisão civil.

(Estudar capítulo de Alimentos no livro da Maria Berenice Dias)

III – DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

1. Distinção

Prevista no artigo 1.571, implica apenas na dissolução da vida em comum, o que a diferencia da dissolução do casamento (dissolução do vínculo matrimonial).

Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:I - pela morte de um dos cônjuges;II - pela nulidade ou anulação do casamento;III - pela separação judicial;IV - pelo divórcio.

2. Causas

2.1. Separação

8 O débito alimentar que autoriza a prisão do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que se vencerem no curso do processo

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Há duas espécies: consensual ou litigiosa.

2.1.1. Separação Consensual

2.1.1.1. Espécies

Art. 1.574. Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção.

É aquela em que o casal, por força da vontade comum, estabelece as condições da vida pós-sociedade conjugal. As partes, em razão da própria vontade, dissolvem consensualmente a sociedade conjugal. É um “distrato do casamento9”.

Note que o inciso III está desatualizado, pois, hoje em dia, permite-se a separação administrativa, desde que feita de forma consensual (lei 11.441/07). A separação consensual, portanto, possui duas espécies: judicial ou administrativa (art. 1.124-A do CPC).

2.1.1.2. Prazo

Note que, para que seja possível a separação consensual, o casal deve conviver há pelo menos 1 ano. Isso porque o casamento durante um ano seria necessário para o amadurecimento dos cônjuges sobre a oportunidade e conveniência da sua separação. Esse prazo também vale para os casais que possuem condições de se separar administrativamente.

* É possível acumular o período da união estável com o tempo de casamento?Não, pois a lei fala 1 ano “de casados”. É uma interpretação restritiva.

2.1.1.3. Requisitos

- Capacidade (afinal, a separação diz respeito a direito personalíssimo).- Antes havia necessidade de processo judicial, mas, atualmente, há a separação

administrativa.- Realizar convenções obrigatórias: nome, assistência recíproca, assistência à prole,

partilha de bens10.

2.1.1.4. Convenções

4.1. Nome

Com relação ao nome, o casal determina o que quiser. Podem deliberar sem necessidade de justificar a continuidade ou não do apelido de família (art. 1.578, § 2º).

4.2. Assistência Recíproca

A assistência recíproca diz respeito aos alimentos recíprocos.

9 O distrato é um contrato que tem por objeto extinguir as obrigações estabelecidas em um contrato anterior, que ainda não foi executado na sua totalidade. Nesse aspecto, vale lembrar que o casamento é um contrato que não possui apenas natureza patrimonial. É a concretização de um direito de personalidade voltado à realização pessoal de constituição da família.10 Quando houver regime patrimonial comunitário.

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* Pode haver renúncia? (art. 1.707)Não! Copiando uma Súmula do STJ, o legislador determinou que o alimentando pode

renunciar ao exercício do direito, mas não a este.

ATENÇÃO: recentemente houve um caso em que se entendeu que não cabe mais interpretação literal do art. 1.707. Decidiram que o artigo deve ser interpretado restritivamente, ou seja, a irrenunciabilidade só é eficaz na hipótese de alimentos entre parentes, de modo que ela não vale em relação a alimentos entre cônjuges e companheiros. Logo, depois dessa decisão, não há mais certeza sobre essa irrenunciabilidade.

* Seria possível no acordo de separação a previsão temporária de alimentos? (alimentos transitórios), e.g., “pago alimentos apenas nos próximos 3 anos”

Isso equivaleria a uma renúncia marcada pela condição temporal (hoje eu aceito, mas renuncio a partir da data x). Justamente por conta da modificação cultural que acomete o Judiciário em relação aos alimentos entre ex-cônjuges, o Judiciário tem admitido esse tipo de acordo.

4.3. Assistência à Prole

Em relação aos filhos, a novidade é a guarda compartilhada (art. 1.583), que se tornou prioritária. É o modelo de arranjo preferencial. Consiste na modalidade de arranjo em que o casal estipula, em favor de ambos, a guarda jurídica sobre os filhos, ficando a sua guarda (em sentido material, de fato) determinada de modo alternado ou fixo junto a um deles, com facilidade de acesso para o outro.

A idéia é suavizar a relação pais e filhos em razão da dissolução da sociedade conjugal. Em suma: do ponto de vista jurídico a guarda é de ambos. Todavia, sob o ponto de vista fático, ou ela é alternada, ou é fixada a um deles, com franquia de acesso ao outro, dispensando-se a regulamentação de visita. Tudo é acordado verbalmente entre os ex-cônjuges.

* Se a guarda compartilhada é o arranjo preferencial, o juiz tem autoridade para vetá-la quando entender pela sua conveniência?

Note, não se está falando da separação administração, mas sim a judicial. No parágrafo único do art. 1.574 o juiz pode deixar de homologar o acordo quando entender que este desfavorece as partes ou a prole. Para responder, precisa-se perguntar se, dos pressupostos da guarda compartilhada, é relevante o pressuposto da boa convivência entre os ex-cônjuges?

Para os familiaristas, a guarda compartilhada sempre teve como pressuposto a boa relação entre os cônjuges11. Por isso que o juiz podia exigir uma avaliação social do casal para, antes de decidir, ter uma segurança mínima sobre o caso (evitando, assim, a modificação posterior da cláusula).

Ocorre que o CC 02 silenciou a respeito desse pressuposto, sugerindo que o casal pode decidir sem intromissão do juiz. De qualquer forma, deve-se entender que esse pressuposto continua valendo! Ou seja, o juiz pode analisar a conveniência da guarda compartilhada.

Outro problema da guarda compartilhada é a posse alternada (casal delibera que os filhos fiquem 1 semana com o pai, outra com a mãe, um semestre com um, um semestre com outro). A Defensoria Pública aceita esse tipo de posse, mas é minoritária, pois entende-se que

11 Senão vira um cenário para abusos e omissões. A guarda compartilhada foi elaborada para um casal que se respeita.

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poderia criar problemas para o desenvolvimento da criança (seria criada sob regras estabelecidas pelo pai em uma semana e sob outras regras na semana seguinte).

4.4. Partilha de Bens

É obrigatória a menção à partilha de bens no acordo de separação consensual? O art. 1.121 do CPC diz que o casal pode relegar a partilha para um segundo momento (pois talvez eles ainda não tenham consenso sobre os bens).

Isso provavelmente foi introduzido por influência do art. 1.581 do CC. Ora, se o divórcio pode ser concedido sem prévia partilha, não há motivo para obstar a separação sem a mesma. O divórcio é a ruptura mais grave e definitiva do que a mera dissolução da sociedade conjugal. É o fim do casamento! Irreversível! “Se na situação mais definitiva a partilha não impede, por que impediria na solução mais simples?”.

Nessa situação, os cônjuges passam a ser condôminos do patrimônio, ou seja, este passa a ser regido pelo sistema do condomínio.

2.1.1.5. Separação Consensual Administrativa

Art. 1.124-A.  A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.

Somente serve aos casais que entendem ao pressuposto do 1.574, caput (pelo menos 1 ano), além de não terem filhos menores ou incapazes. Caso contrário, a separação consensual será forçosamente judicial.

Caso cumpram os requisitos, poderão escriturar os termos do cartório, desde que presente o advogado (é obrigatório).

* Na separação consensual administrativa a partilha é obrigatória?Lendo o artigo, passa-se a impressão que a partilha é obrigatória (o que se deu por

lobby de tabelião). Há quem defenda que, pelo art. 2º da LICC, o art. 1.124-A teria derrogado o art. 1.121 do CC.

Para a Defensoria deve-se entender que não houve derrogação. Isso porque não necessariamente a lei posterior derroga a anterior (diálogo das fontes – as normas ficam no sistema e dialogam). Ora, a partilha não pode superar o direito pessoal e potestativo à separação. É o fenômeno da “repersonalização do direito civil”. O direito privado deve ser despatrimonializado. Essa obrigatoriedade de partilha é antiquada e cartorial.

* Na separação consensual os cônjuges podem resolver sobre alimentos. Em caso de inadimplemento, a execução se baseará em qual título?

A separação administrativa se realiza com simplicidade, isto é, se dá pela escritura levada a registro. Se o ex-marido não pagar os alimentos convencionados, o mais eficiente seria executar pelo art. 733 do CPC. Ocorre que este somente é aplicável a alimentos fixados por sentença judicial.

Contudo, Francisco Cahali defende que os alimentos fixados pela separação consensual podem ser executados pelo art. 733, pois deve-se equiparar a escritura pública à sentença arbitral do art. 475-N. O professor, contudo, afirma que o doutrinador está errado,

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pois não se pode equiparar o tabelião ao árbitro, afinal, possuem funções totalmente diferentes. Além disso, a via arbitral não permite discussão sobre alimentos, já que somente pode analisar direitos disponíveis.

Para a Defensoria Pública deve-se defender a impossibilidade de execução pelo art. 733. Tampouco é possível executar essa escritura pública pelo art. 475-J. Para o professor, a execução desses alimentos deveria ocorrer pelo art. 732.

2.1.2. Separação Litigiosa

2.1.2.1. Conceito

É aquela decretada pelo juiz em atendimento ao pedido unilateral de um dos cônjuges (arts. 1.572 e 1.573).

2.1.2.2. Modalidades

Isso significa que, diante da separação litigosa, vislumbra-se duas hipóteses:

a) Com Causa Culposa

É aquela fundada em grave violação do dever conjugal (art. 1.573). As situações do artigo, contudo, são exemplificativas, isto é, podem surgir novas situações que ensejem a separação com causa culposa, dado o permissivo do parágrafo ao artigo (desde que causem a insuportabilidade da vida comum).

I - adultério12;II - tentativa de morte;III - sevícia ou injúria grave;IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;V - condenação por crime infamante;VI - conduta desonrosa13.

Depende de dois pressupostos: i) grave violação de dever conjugal ii) insuportabilidade da vida em comum.

O problema é que cabia ao juiz, discricionariamente, resolver sobre a insuportabilidade da vida em comum. Hoje, contudo, essa insuportabilidade é vista de forma presumida, isto é, se há a grave violação, presume-se que ensejou a insuportabilidade.

* Maria Berenice Dias recrimina a separação culposa, uma vez que a culpa não é passível de ser apurada em um processo. O casamento acaba “quando ele acaba”, é difícil identificar quem colaborou mais ou menos com aquilo. Em verdade, ambos colaboram com aquilo.

12 O quase-adultério é equiparado a adultério (esse significa contato sexual carnal com pessoa estranha ao cônjuge). Além disso, o adultério casto não é adultério (quando a mulher se submete a inseminação heterológa sem autorização). Isso é visto como conduta desonrosa. O adultério precoce (o marido percebe que a mulher não é mais virgem) não é mais considerado adultério. Em relação ao adultério virtual (baseado nas relações de Internet) não há posição doutrinária consolidada, pois este não contempla o contato físico, requisito do adultério propriamente dito, logo, caracteriza conduta desonrosa. Há, porém, quem entenda que o conceito de adultério não é meramente carnal, mas sim “espiritual”, logo, o virtual seria equiparado.13 É uma causa muito flexível, e.g., mulher descobre que o marido trafica drogas.

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Ela defende, inclusive, que ofenderia o princípio constitucional da dignidade humana, pois este exame da culpa afrontaria o direito à intimidade.

Atualmente, o legislador não restringe direitos tão somente em razão da declaração de culpa: e.g., o culpado “pode” perder o direito ao nome do outro cônjuge. Isto porque se acarretar prejuízo insuportável, o juiz não pode decretar a perda do nome (art. 1.578 – ler incisos).

Além disso, a culpa passou a ser um indiferente jurídico em relação a guarda dos filhos (antes o culpado não poderia ter a guarda dos filhos). Hoje, a guarda fica com o cônjuge que tenha melhores condições espirituais (há maridos que são mais dedicados à prole do que as mulheres).

Hoje em dia, a culpa somente permanece como sanção no art. 1.702.

b) Sem Causa Culposa

Previstas nos § do art. 1.572, a separação litigiosa sem causa culposa é fundada em um impedimento objetivo à continuidade do matrimônio: separação da vida em comum por mais de 1 ano (separação falência), doença mental incurável (separação remédio).

2.2. Divórcio

2.2.1. Conceito

É o instituto por meio do qual os cônjuges, unilateral ou consensualmente, ficam autorizados a dissolver o vínculo matrimonial. Ou seja, implica na dissolução do próprio casamento.

2.2.2. Fonte

O art. 226, § 6º da C.F. admite a possibilidade do divórcio, oferecendo as diretrizes formais para que isso aconteça. Ou seja, o divórcio possui fonte constitucional.

2.2.3. Modalidades

Em qualquer dos casos abaixo, a dissolução prévia da sociedade conjugal é obrigatória. O que os difere é o modo pelo qual a dissolução se deu.

a) Divórcio Conversão: fica reservado aos casais já separados administrativa ou judicialmente. Daí o título, já que se converte uma separação judicial ou administrativa em divórcio.

b) Divórcio Direto: refere-se aos casos em que há uma prévia dissolução de fato da sociedade conjugal. É baseado em uma ruptura de fato da vida em comum.

* Quem disse que cabe divórcio conversão na hipótese de separação administrativa?O Constituinte determina a admissibilidade de conversão nas hipóteses em que os

casais estão judicialmente separados. Obviamente, a separação administrativa não está prevista na C.F., uma vez que foi criada apenas em 2007.

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A conversão seria possível, pois o texto constitucional admite uma interpretação “conforme”, isto é, atualizadora. O propósito seria permitir o divórcio após a separação formal (o que fica alcançado com a separação administrativa) ou após uma separação informal, após certo lapso de tempo. Em razão disso, tem-se entendido que a falta de previsão da separação administrativa no texto constitucional é superável por meio da interpretação constitucional extensiva.

2.2.4. Pressupostos

a) Divórcio Conversão

Para o divórcio conversão é um pressuposto temporal. Só pode haver a conversão após 1 ano da separação judicial ou administrativa.

* Esse termo a quo é fixo, ou pode variar? Ele deve ser contado a partir do trânsito em julgado da sentença de separação?

Em princípio, o trânsito é o termo a quo, mas não necessariamente, pois, de acordo com o art. 1.580, o prazo pode ser contado a partir da data da decisão cautelar de separação de corpos. ATENÇÃO: o legislador permite essa possibilidade, pois, a partir da decisão da cautelar de separação de corpos, nasce a certeza de que não há mais sociedade conjugal, isto é, de que o casal não mais conviverá.

* Mas e se se tratar de uma decisão administrativa, qual é o termo a quo?Há duas respostas: i) da data do registro, pois, a partir desta não há mais dúvida de

que o casal não mais convive ii) da lavratura da escritura: pois já haveria certeza de que não há mais sociedade conjugal, afinal, se eles se dispõe a enfrentar fila, falar com o tabelião, etc, já não deve mais existir vontade de conviver (é a mesma lógica da cautelar). Como não há parâmetro legal, na prova é mais seguro optar pela “data do registro”.

* Inconstitucionalidade do art. 36 da lei do divórcioO art. 36 daquela lei foi declarado inconstitucional pelo STF. Antigamente, baseando-

se nesse artigo, havia corrente que agregava um segundo pressuposto, além do decurso do prazo: a inexistência de inadimplemento relativamente a obrigações assumidas na separação. O STF decidiu pela inconstitucionalidade, uma vez que a lei ordinária não pode acrescentar outros requisitos além daqueles previstos na C.F e esta nunca exigiu o adimplemento das obrigações para conversão do divórcio.

b) Divórcio Direto

É aquele baseado na ruptura de fato da vida em comum pelo período contínuo de 2 anos. Na verdade, não é tão direto, já que o legislador exige a passagem pelo estágio da ruptura da vida em comum e pelo período de 2 anos.

Esse prazo de 2 anos é contínuo e não se interrompe, salvo pelo retorno do casal (recaídas afetivas).

* Antonio postulou a separação judicial litigiosa do tipo sanção em face de Ana. O processo vinha transcorrendo e, no instante de encerramento da instrução, o período de separação de 2 anos se consuma. Nesse momento, o advogado de Antônio pode postular o divórcio direto?

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Sim, afinal, o prazo é contínuo. Assim, o divórcio será distribuído por dependência ao juiz que julga a separação, o qual terá que julgar primeiramente o divórcio, extinguindo a separação.

2.2.5. Problemas

a) Nome

O Divórcio importa na extinção do direito ao uso de nome? Não, pois o divorciado pode prosseguir utilizando o nome de casado (art. 1.571, § 2º). Esse direito somente não poderá ser usufruído se já houve a extinção dele em separação litigiosa anterior.

b) Ausência de Partilha

A ausência de partilha não impede o divórcio. Não é porque haverá a dissolução do vínculo matrimonial que necessariamente terá de ser realizada a partilha. Pode ocorrer de o casal ainda não ter feito acordo em relação à partilha. Diante disso, permanecerão como condôminos dos bens até que seja feita a partilha.

O princípio da dignidade humana repersonaliza as relações de família, ou seja, os valores morais e psicológicos prevalecem sobre questões materiais. O importante é que o casal resolva o seu problema moral. A questão patrimonial pode ficar para mais adiante, é uma questão secundária.

IV - SUCESSÕES

1. Introdução

É o último livro do C.C. Inicia-se no artigo 1.784. Sucessão é a possibilidade de transmissão do patrimônio deixado por alguém, aos seus sucessores, em razão de sua morte.

É um fenômeno gerador do direito fundamental à sucessão (art. 5º, XXX), que compreende tanto o direito de transmitirmos os bens aos nossos sucessores, como o direito dos sucessores em receber o patrimônio do autor da herança.

2. Espécies

O art. 1.786 sinaliza duas espécies:

a) Legítima

É aquela que decorre da lei (art. 1.829).

b) Testamentária

É a que ocorre em razão da vontade do autor da herança.

c) Anômala

É a terceira via. Rege-se por norma especial (lei especial), e.g., caso em que o indivíduo falecido deixou o dinheiro do FGTS para ser levantado por meio de alvará previsto

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no CPC (Lei Ministro Hélio Beltrão – Lei 6.081/81). O legislador não exige inventário, arrolamento ou fórmulas mais complexas, já que se trata de situação que clama soluções sem burocracia.

Outra hipótese de sucessão anômala é aquela prevista no art. 10 da LICC: estrangeiro casado com brasileira ou com filhos brasileiros. Caso haja sucessão de patrimônio deixado em território nacional, pode-se valer da lei estrangeira (de seu domicílio) caso esta seja mais benéfica para o cônjuge ou filhos.

3. Regulamentação

A lei que regulamenta a sucessão é a lei vigente à data da morte do autor da herança (art. 1.787)

4. Aspectos Gerais

a) Sucessores

São os sujeitos da sucessão. Sucessor é aquele que arrecada o patrimônio deixado pela morte de alguém. Há duas espécies:

i) Legatário: sucede a título singular, isto é, em bem específico da herança (art. 1.913). Uma das grandes características é que, como ele herda a título singular, não encara os ônus da herança (as dívidas).

ii) Herdeiro: sucede a título universal. Ingressa na sucessão para arrecadar uma parcela da universalidade da herança. É uma pessoa distinta do legatário. O herdeiro suporta as dívidas da herança, já que ele arrecada uma parcela do todo e não é possível cindir a herança. Esse encargo é suavizado, pois o herdeiro tem em seu favor a garantia do art. 1.792 (benefício de inventário). Ou seja, ele não responde por encargos superiores ao seu quinhão.

Para ser sucessor, portanto, é preciso que a pessoa reúna um título. Ou de herdeiro ou de legatário. Essas duas situações não são necessariamente excludentes, pois uma pessoa pode reunir a dupla condição (herdeiro + legatário).

Os herdeiros, contudo, não são iguais, isto é, são passíveis de serem qualificados, e.g., alguns são entendidos como legítimos, outros como instituídos. Alguns serão necessários, outros como facultativos. Vejamos, pois, a classificação dos herdeiros:

* Classificação dos Herdeiros

- Em relação à fonte do título

- Herdeiros Instituídos: o título é outorgado pela vontade do autor da herança (art. 1.897)

- Herdeiros Legítimos: a origem de seu título é legal (art. 1.829)

- Em relação às garantias com que ingressa na sucessão

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- Herdeiros Necessários: previstos no art. 1.845, são titulares da “garantia da legítima”, não podem ser afastados da sucessão por ato imperial14 do autor da herança (art. 1.846). Pela legítima, pertence aos herdeiros necessários a metade dos bens da herança. É por isso que se pode afirmar que o sistema do Código Civil é o sistema da sucessão necessária (reserva uma parcela do patrimônio do autor da herança que obrigatoriamente será encaminhada aos herdeiros necessários).* Os companheiros são herdeiros necessários?O legislador optou por não inserir os companheiros entre os herdeiros necessários. A doutrina e a jurisprudência se dividem. Quem os inclui dentre os necessários fundamenta no fato de que a forma da sucessão, os companheiros são tratados da mesma forma que os cônjuges (o problema é que, na substância, os companheiros são prejudicados). Há, porém, quem entenda que essa seria uma garantia tão importante que somente poderia ser atribuída por lei. Se esta não o fez, não cabe ao intérprete fazê-lo, sendo o companheiro um herdeiro facultativo.

- Herdeiros Facultativos: não ingressam com qualquer garantia: pode ser afastado da sucessão por ato imperial do autor da herança (art. 1.850). Basta, na verdade, ele testar em favor de alguém. A lei determina que os colaterais são facultativos (irmãos, tios e sobrinhos).

Veja que, realmente, a diferença é a garantia. O facultativo não entra nem com a garantia de suceder...

b) Objeto (Herança)

Herança corresponde àquele complexo de relações jurídicas de cunho patrimonial e não personalíssimo deixado pelo autor da herança em razão da sua morte.

* Há, porém, relações jurídicas de caráter patrimonial que não compõe a herança.O direito real de habitação (art. 1.414), embora seja suscetível de apreciação

econômica, possui caráter personalíssimo, logo, não se transmite, razão pela qual não pode compor a herança. O direito de usufruto também não é transmissível pela via hereditária, pois possui cunho personalíssimo.

O direito ao recebimento do valor do seguro de vida possui natureza contratual. É uma estipulação em favor de terceiro que nada tem a ver com a herança. É objeto de estipulação em favor de terceiro!

* Herança dos CompanheirosÉ diferente! A herança dos companheiros resume-se apenas aos aquestos.

* Qual é a natureza jurídica da herança?É uma universalidade jurídica (de direito) (art. 91).

* IncindibilidadeA herança é incindível, é um todo unitário até o momento da partilha. Somente nesta

dá para saber o que cabe a A, B, C... (art. 1.791). Isso porque nunca se sabe se todos os bens da herança resistirão até o inventário (pode haver bens que se deterioram, que já foram vendidos antes da morte do autor, etc). Pode ser que aquele montante inicial não seja o

14 Através do qual se decide, sem necessidade de justificar.

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mesmo ao final. Por isso todos os co-herdeiros possuem partes ideais sobre o todo unitário da herança, sem saber claramente a que parte da herança essa parte-ideal se refere.

* Os co-herdeiros podem alienar o direito sucessório? Os co-herdeiros podem alienar o direito sucessório, desde que não coligue a sua

parte ideal a um bem específico (art. 1.793), e.g., “estou alienando o 1/15 que tenho de direito sobre essa herança”. Não pode especificar o 1/15 que tem sobre determinado bem, por exemplo. No § 2º há a determinação de ineficácia desse tipo de cessão.* Há exceção a essa regra do art. 1.793?

Sim, existe exceção quando todos os herdeiros forem maiores, capazes e já procederam uma partilha amigável. Neste caso, não há problema em que cada um ceda uma parte de um bem específico.

* O que é herança vacante / jacente?O natural é que toda herança já esteja vinculada a sucessores pré-determinados. Em

alguns casos, porém, é possível que a herança não tenha sucessores a quem ser encaminhada. Isto porque os herdeiros pré-estabelecidos a ela renunciaram em bloco, ou porque os herdeiros pré-estabelecidos são desconhecidos. Nesses casos, há a herança vacante, ou seja, é aquela em que não há sucessores a quem ser encaminhada (art. 1.819, 1.820). O destino da herança vacante é o Estado, aqui entendido como Município ou D.F., aos quais estejam vinculados os bens da herança (art. 1.822).

Por seu turno, a herança jacente é um estágio transitório da herança, quando ainda não se tem certeza quanto a quem ela deva ser encaminhada. O juiz decreta o estado de jacência e nomeia um curador, enquanto procura eventuais sucessores (por meio de editais publicados a cada 3 meses). Se durante um ano ninguém se habilitar, ou aqueles que se habilitaram tiverem a habilitação indeferida, o juiz declarará a herança vacante.

* Qual é a natureza jurídica da sentença que declara vacante a herança?Essa pergunta é para saber se você sabe se os bens da herança jacente podem ser

usucapidos.No momento em que o juiz declara a herança vacante, a propriedade é transmitida ao

Estado. Para que tivesse natureza declaratória, deveria haver a certeza prévia de que aquilo já seria um patrimônio pertencente ao Estado. O juiz apenas certificaria uma situação de fato e encaminharia ao Estado algo que já lhe pertencia. Isso somente ocorreria se o Estado fosse herdeiro, mas ele não é! Justamente por não o ser, ele somente se assenhora dos bens da herança na data da decisão que declara a vacância. Logo, esta decisão possui caráter constitutiva.

Para que a sentença tenha carga constitutiva, a realidade subjacente deve ser a de que a herança ainda não pertenceria ao Estado até o momento daquela decisão. Esta foi o fator constitutivo da propriedade do Estado. É com a decisão que a herança passa ao domínio do Estado.

Entende-se, portanto, que a sentença declaratória da vacância possui caráter constitutivo (sic). (é importante saber os motivos acima delineados).

Diante disso, os bens jacentes podem ser usucapidos, afinal, somente passarão a ser “públicos” após a sentença constitutiva. Porém, não é possível o usucapião da herança vacante, pois já serão públicos e não poderão ser afetados pela usucapião.

* Qual é a diferença entre herança e legado?Enquanto a herança é uma universalidade, o legado é um bem singular destacado dessa

universalidade (art. 1.912). Há uma variedade enorme de bens que podem corresponder ao

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legado: materiais móveis e imóveis, imateriais (de crédito, de alimentos, de quitação de dívidas). Ele pode ser “recortado” ao gosto do testador. A única exigência é que os bens relativos ao legado devem existir dentre os bens da herança ao momento da abertura da sucessão, embora haja bens que não existam objetivamente (precisam ser adquiridos com a verba reservada para esse fim pelo testador).

10.01.09

5. Sucessão Legítima

a) Conceito

É aquela disciplinada pela Lei (art. 1.829). Nesta, apenas os herdeiros legítimos possuem título para suceder. Estão ordenados em diversas classes de herdeiros:

I – DescendentesII – AscendentesIII – CônjugesIV – Colaterais

Note que estas classes estão colocadas em uma ordem denominada “vocação hereditária”. É uma ordem de precedência. Somente quando não há descendentes serão convocados os ascendentes e assim por diante.

b) Técnica

Enquanto houver sucessor de uma classe precedente, não se convoca herdeiros de uma classe posterior.

EXCEÇÃO: salvo na hipótese de concorrência. Isso porque há duas classes de herdeiros que podem concorrer com as demais, quebrando a regra geral: cônjuges e companheiros. Ou seja, pouco importa que o cônjuge esteja depois dos descendentes... Ele poderá concorrer com estes.

A lei privilegia os cônjuges e companheiros visando garantir melhor condição patrimonial na viuvez.

c) Classes

I – Descendentes

Regulada pelo art. 1.831 até o 1.835. Os descendentes são sempre herdeiros de primeira vocação (a primeira classe a ser chamada).

Ora, descendente é contado do primeiro grau ao infinito. Contudo, para fins sucessórios considera-se que o descendente em grau mais próximo repele os de grau mais remoto, salvo o direito de representação (art. 1.833).

A representação corresponde à possibilidade de convocar parentes do herdeiro pré-falecido a fim de que sucedam em seu lugar. Ou seja, a pré-condição para a representação é a pré-morte do herdeiro. A segunda é que ele tenha parentes convocáveis para, em seu lugar, receberem aquilo que lhe caberia. São os filhos que representam o pai que faleceu antes do autor da herança cuja sucessão está aberta. Ele corrige a injustiça que seria excluir os netos de

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um falecido da sucessão de seu avô apenas pelo fato de que seu pai morreu antes. É uma questão de equidade.

Diante disso, os filhos são convocados a representar o pai na sucessão do avô e compartilharão o quinhão do pai. Imagine: A morre e tem 2 filhos, B e C (este tinha dois filhos). Estes filhos compartilharão 50% da herança de A (25% para cada), e B ficará com os outros 50%.* Como sucedem os descendentes?

A pergunta quer saber se os descendentes estão na sucessão por direito próprio ou por representação. Ora, eles podem estar na sucessão por direito próprio ou por representação.

O professor alerta que no art. 1.835 o legislador retratou o modo de arrecadar (não de suceder). Ou você arrecada por estirpe ou por cabeça. Arrecadar por cabeça significa arrecadar quinhão próprio (só dele!). Por estirpe significa compartilhar um quinhão. Note que, no exemplo anterior, os dois sobrinhos arrecadam por estirpe15. Já o irmão B arrecadará por cabeça.

Com relação aos descendentes, a igualdade é o critério básico da sucessão. Eles não podem ser tratados distintamente em razão da sua origem, desde que pertençam ao mesmo grau dentro da classe dos descendentes. Ou seja, se o irmão B é filho adotivo e o filho C é biológico, o direito de ambos é o mesmo (art. 1.834 c.c. art. 227, § 6º da C.F.).

* Maria era casada com João Pedro. Este faleceu. Antes de morrer, João Pedro depositou em um banco de sêmen o material seminal. Maria, após sua morte, realiza uma inseminação assistida, da qual resultou João Pedro Júnior. Aberta a sucessão de João Pedro, o Júnior pode sucedê-lo, mesmo tendo sido concebido após a sua morte?

Não lhe falta título para suceder, afinal, João Pedro autorizou a mãe a utilizar o material seminal. O problema é que, para a sucessão, as pessoas convocadas devem apresentar duas pré-condições (art. 1.798):

- Título de herdeiro- Ter sobrevivido ao autor da herança. Ou seja, deve ter sido concebido ou já ter nascido antes da morte do autor da herança (capacidade sucessória)

Ou seja, Júnior não possui capacidade sucessória, afinal, ele foi concebido após a morte do pai. A doutrina nos oferece a seguinte alternativa: tratá-lo como prole eventual, ampliando o conceito de prole eventual para albergar esta pessoa concebida após a morte do pai.

Prole eventual é a prole futura de pessoa indicada pelo testador no testamento 16 . Ela possui capacidade sucessória ainda que não tenha sido concebida a época da morte do autor da herança (art. 1.791).

* Mas quanto tempo pode se esperar pela “concepção” da prole eventual, isto é, pela realização da inseminação artificial?

Aguarda-se pelo período de 2 anos a contar da abertura da sucessão (art. 1.800, § 4º), senão os bens reservados voltam para o monte e serão distribuídos para os herdeiros legítimos.

15 Eles são os representantes da estirpe (linhagem) paterna! Daí o nome, “por estirpe”.16 Note que o conceito original de prole eventual diz respeito à prole eventual de terceiro, não à própria. Mas aqui é feita uma análise extensiva.

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ATENÇÃO: veja que esse § 4º não foi elaborado especificamente para a inseminação artificial. Logo, há quem defenda que esse prazo não se aplicaria ao filho resultante de inseminação artificial, já que ele não seria propriamente uma “prole eventual”, mas sim um autêntico filho do autor da sucessão. Essa é a posição mais indicada para a Defensoria.

II – Cônjuge

A vocação hereditária do cônjuge sofre restrição em razão do art. 1.830. Os vocacionados para a sucessão são apenas os cônjuges:

- Que mantinha casamento com o autor da herança e, na ocasião da morte, ainda mantinha a sociedade conjugal ativa (vida em comum).

Ou seja, isto já exclui os cônjuges separados legalmente na data da morte do autor da herança (judicial ou administrativamente).

- Cônjuges separados de fato, desde que há menos de 2 anos.

Neste caso ainda não houve partilha, ou seja, não houve desvencilhamento patrimonial adequado, razão pela qual o separado de fato pode vir à sucessão.

O legislador estabelece esse prazo de 2 anos, pois os separados de fato há menos de 2 anos não possuem qualquer obrigação para suceder. Já os separados de fato há mais de 2 anos possuem um encargo: somente podem suceder se provarem que não foram culpados pela ruptura da vida em comum. Isso se prova por ação declaratória, mas esse dispositivo é questionado pela doutrina, pois seria um “ataque a quem já morreu”.

* Como sucedem os cônjuges?

O cônjuge somente sucede por direito próprio, não há hipótese de representação (está fora do art. 1.851, tal como os ascendentes).

Ele arrecada por cabeça. Porém, há modos distintos para essa arrecadação por cabeça:

1ª) Totalidade da Herança

2ª) Arrecadação em Concorrência:

- Direito Real de Habitação: é o direito ao uso de determinado bem imóvel para o exclusivo e personalíssimo fim de moradia (art. 1.814). Isto é oferecido ao cônjuge independentemente de qualquer condição (e.g., regime de bens), desde que, dentre os bens da herança haja um único bem destinado à moradia17.

- Classes Precedentes: concomitantemente ao direito de real de habitação, o cônjuge pode concorrer com os:

- Ascendentes: quando não houver descendentes – art. 1.837. Ou ele arrecada 1/3 ou metade da herança. Ele arrecadará 1/3 quando houver ascendentes nas duas linhas e em primeiro grau (sogro e sogras vivos). Agora, se tiver apenas ascendente em segundo grau em uma linha

17 O legislador quer proteger o viúvo contra os filhos que desejem vender o imóvel em que aquele reside.

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(apenas um dos sogros vivos), ou apenas ascendentes a partir do segundo grau, ele arrecadará metade. Note que aqui o regime de bens não interfere em nada.

- Descendentes: (art. 1.829 e 1.832) a vocação do cônjuge em regime de concorrência somente é possível quando o regime de bens permitir (não pode em comunhão universal, separação obrigatória ou comunhão universal quando o falecido não deixou bens particulares18). Ou seja, pode no regime da separação final, separação convencional e comunhão parcial, caso o autor da herança tenha deixado bens particulares (neste caso, a concorrência se dá sobre o patrimônio próprio do autor da herança, não sobre a meação19).

* Note que os cônjuges somente podem concorrer com herdeiros de classes precedentes (ascendentes e descendentes)

* Quando há um problema visando descobrir a cota do cônjuge concorrente com os descendentes, tudo depende do modo de organização da família.

A família pode ser organizada de 3 formas:

a) Descendentes exclusivos

São os descendentes exclusivos do autor da herança. Pedro já tem filhos e casa com Mariana. Neste caso, Mariana terá direito a um quinhão equivalente àquele que caiba a cada um dos filhos. Ou seja, se Pedro tinha R$ 100 mil e 3 filhos, o valor será dividido em 4, ¾ para os filhos e ¼ para Mariana

b) Descendentes comuns

Mariana e Pedro tinham 3 filhos comuns. Ao cônjuge competirá um quinhão equivalente àquele que cabe a cada um dos filhos, porém, com a garantia desse quinhão nunca ser inferior a 25%.

Suponha que Mariana está disputando a herança do marido que já morreu com 5 filhos comuns. Nesse caso, se a herança foi de R$ 1 milhão, Mariana terá direito a, no mínimo, 25%. Então tira a quarta parte de um milhão e entrega para ela (R$ 250 mil). Divide o restante em 5 para os descendentes (R$ 750 mil dividido por 5).

c) Híbridas 20 (descendentes comuns + exclusivos) – não foi contemplada pelo legislador.

O legislador não determina como fazer. O critério a ser aplicado depende do ponto de vista de quem deve solucionar a questão: ou oferece uma solução para garantir uma situação ao viúvo, ou para agredir menos o patrimônio dos filhos.

18 Isso porque não faria sentido ele concorrer naquele patrimônio comum, já que, quando faleceu o autor da herança, o cônjuge já levou a meação do patrimônio comum. Se ele avançar sobre a outra metade, ele tirará “o pão da boca” dos descendentes.19 Lembre-se que, no caso de comunhão parcial, a herança engloba a meação (dos bens adquiridos durante o casamento), mais os bens particulares do cônjuge falecido. Na sucessão por concorrência, o cônjuge sobrevivente concorre apenas pelos bens particulares!20 Família Pluriparental.

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Maria Helena Diniz, por exemplo, acredita que não se pode prejudicar os filhos. Diante disso, ela busca uma solução que agrida menos o patrimônio dos filhos, ou seja, a solução dos filhos exclusivos.

Por outro lado, a doutrina majoritária pensa que deve-se garantir o direito dos cônjuges, mandando aplicar a regra relativa aos filhos comuns. Ora, se o legislador prestigiou melhor o cônjuge que mantinha filhos comuns com o autor da herança, esta é a regra a ser aplicada no caso de família pluriparental!

* Companheiro

O direito sucessório dos companheiros está reunido no art. 1.790. É importante lembrar que a herança dos companheiros possui tamanho reduzido aos aquestos.

Nesse aspecto, é importante o inciso IV do art. 1.790, e.g., Mariana vivia em união estável com Paulo José que tinha um patrimônio de R$ 40 milhões, mas não possuía ascendentes, colaterais ou descendentes. Mariana não possuía patrimônio. Nesse caso, Mariana terá direito á totalidade da herança.

ATENÇÃO: por uma regra de hermenêutica, essa totalidade corresponderia apenas aos aquestos (interpreta-se o inciso de acordo com o caput). Contudo, temos que interpretar o art. 1.790 em concordância com o artigo 1.844 do CC (Nelson Nery). (O Estado somente pode arrecadar herança se não sobreviveu cônjuge, companheiro ou outros parentes sucessíveis). Isto significa que, como Mariana sobreviveu, o Estado não poderá arrecadar. Logo, Mariana arrecadará a totalidade efetiva da herança! Ou seja, os R$ 40 milhões!

* Mas qual é a ordem da vocação hereditária dos companheiros?O art. 1.790 deixa claro que os companheiros estão colocados na última posição na

ordem da vocação hereditária. Eles vêm após os colaterais. Para o companheiro ter o direito de arrecadar a totalidade, não pode sobrar um primo!

* O que o princípio da proibição de retrocesso pode fazer para melhorar a situação dos companheiros na sucessão hereditária?

Na atualidade, boa parte da jurisprudência e doutrina não se convence da constitucionalidade do art. 1.790. Isso porque, ao se comparar o CC com as leis especiais anteriores (8.971/94 e 9.278/96) percebe-se que houve uma diminuição nos direitos do companheiro em relação ao campo sucessório. O legislador afetou o “bolso” dos companheiros para obrigá-los a converter a união estável em casamento.

A doutrina, todavia, entende que o legislador não poderia ter “regredido”, afinal, as leis anteriores equiparavam o companheiro ao cônjuge, herdando, inclusive, na mesma ordem de vocação hereditária destes. A Lei de 96, aliás, concedeu até mais direitos ao companheiro do que ao cônjuge. Ou seja, o direito fundamental dos companheiros foi aviltado pelo novo C.C.

Isso viola o princípio da igualdade, pois companheiros e cônjuges devem ser tratados em pé de igualdade, afinal, a C.F. se destina a proteger a família, o que é proporcionado tanto pelo casamento como pela união estável. Essa tese, contudo, não sensibilizou o Judiciário.

Foi formulado, então, um novo entendimento baseado na diretriz geral dos direitos fundamentais da “proibição do retrocesso”. É que, através da lei ou de decisão judicial é possível relativizar/restringir um direito fundamental (nenhum direito é absoluto). Porém, não se admite jamais que o legislador ou juiz, sob o fundamento de relativizar um direito fundamental, agrida o seu núcleo principal, e.g., restringir o direito de liberdade suprimindo o direito de opinião.

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A partir disso, alguns doutrinadores entendem que, quando o legislador do código retirar do companheiro o status de igualdade com o cônjuge em matéria sucessória, ele suprime parcialmente um direito fundamental já conquistado. Isto agride o preceito geral da proibição de retrocesso. (já há alguns julgados nesse sentido).

Lembre-se que o direito à sucessão é um direito fundamental constitucional (art. 5º, XXX)

* Concorrência dos Companheiros

- Direito Real de Habitação

O legislador se omitiu, o que pode levar à interpretação de que o companheiro não teria esse direito, a fim de estimular a conversão da U.E em casamento. Zeno Veloso, porém, entende que os companheiros continuam a ter o direito real de habitação, pois as leis especiais anteriores previam especificamente este direito. Ora, se o novo legislador silenciou a respeito, pelas regras de hermenêutica, leis especiais anteriores não contrariadas pelas leis especiais posteriores, prevalecem as primeiras.

- Concorrência com outras classes

À vista da lei, os companheiros podem concorrer com colaterais, ascendentes e descendentes. Isso porque estão na última colocação (posição para a primeira fase do concurso). Agora, se se aceitar que eles devem retomar o terceiro posto, somente poderão concorrer com as duas classes precedentes (afinal, estarão acima dos colaterais).

* Colateral ou Ascendente

Em relação ao colateral ou ascendente, o companheiro concorre com quota única de 1/3. Ora, mas é 1/3 dos aquestos ou 1/3 da totalidade (polêmica acima)? É 1/3 da herança do caput (dos aquestos)! Aqui não se cogita da totalidade!

* Descendente

O companheiro não é obrigado a observar regime de bens21. Logo, ele concorre sempre com os descendentes! Porém, tudo depende do tipo de família:

- Filhos Comuns: o companheiro terá direito a um quinhão equivalente àquele que cabe a cada filho, no que diz respeito aos aquestos! Não terá direito ao mínimo de 25% (pois isto somente cabe ao cônjuge).

- Filhos Exclusivos: terá direito a metade do quinhão que cabe a cada filho e só em relação aos aquestos.

- Família Híbrida: tudo depende de como se analisa a questão. Se quiser proteger os herdeiros, usa o critério dos filhos exclusivos. Se quiser proteger o companheiro, utiliza-se o critério dos filhos comuns (mais utilizado).

21 O regime de bens é próprio do casamento. O art. 1.725 fala apenas na aplicação análoga das regras do regime à união estável.

26

(Ler bem o art. 1.790, especialmente em relação à concorrência do companheiro com os filhos exclusivos ou não do falecido).

6. Sucessão Testamentária

6.1. Introdução

É a sucessão governada pela vontade do autor da herança (art. 1.857). Ele nomeia os herdeiros, legatários, realiza a partilha do modo como desejar. É realizada por intermédio do testamento.

Testamento é, portanto, um instrumento solene por meio do qual o autor da herança realiza as suas disposições de última vontade.

Ela não exclui a sucessão legítima, pois, em algumas situações, pode haver sucessão legítima e testamentária em relação ao mesmo autor de herança. Isso porque, pelo caput do art. 1.857, aquele que vai testar pode fazer sobre a totalidade ou apenas sobre parte do patrimônio. Nesta última hipótese, o que restar do patrimônio será encaminhado para a sucessão legítima.

6.2. Conceito Técnico

Testamento corresponde ao negócio jurídico personalíssimo, solene, revogável, gratuito e condicional, por meio do qual alguém realiza disposições para valerem após a sua morte.

- Negócio jurídico: afinal, há uma declaração prévia de vontade orientada para a constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas.

- Personalíssimo: nenhuma outra vontade que não a do testador pode intervir. É exclusivamente a vontade do testador. Nada impede, porém, que o testador contrate alguém para redigir o testamento. A vontade é sempre do testador, ainda que outro a descreva mecanicamente.

* Preste atenção! Um menor de 16 anos pode testar. Caso seja assistido pelos pais o testamento será nulo, pois a vontade pode ter sido maculada. Porém, isso não tem mais cabimento nos dias atuais por força do art. 1.860.

- Solene: as formas estão previstas em lei. A forma é da essência do ato, e.g., exigência de 2 testemunhas.

- Revogável: o titular do direito de testar pode rever o seu testamento a qualquer tempo (art. 1.858). É proibida a cláusula derrogatória (que o testador coloca “se proibindo” de revogar o próprio testamento). A revogabilidade é da essência do testamento.

- Gratuito: todas as disposições testamentárias não podem ser onerosas, senão o testamento será convertido em um contrato, o que é incompatível com o seu espírito (de negócio personalíssimo). Se você legar a sua casa a fulana de tal que me pagará o valor de R$ ... será um contrato de compra e venda, não um testamento.

- Condicional: porque a sua eficácia depende de um fato futuro e incerto: morte.

27

* Mas e o reconhecimento de filho por meio do testamento? Ora, o reconhecimento de filho é irrevogável (art. 1.610). Após a extradição da

certidão, o filho pode pleitear alimentos imediatamente? Na verdade, ninguém reconhece filhos em testamento aberto. Contudo, como o testamento é um ato condicional, tudo que está ali contido somente pode ser exigido após a morte. Por outro lado, reconhecimento de filho não pode ser condicional.

Embora o testamento somente pode ser eficaz após a morte, neste caso, por tratar-se de direito constitucional e pertinente a estado de família (além de vital, subjetivo e inerente à pessoa), há de se fazer um sopesamento entre as regras, prevalecendo a regra da incondicionalidade do reconhecimento a fim de que o filho possa imediatamente fazer valer os seus direitos.

- Disposições: pode abarcar disposições patrimoniais e não-patrimoniais. Aliás, pode fazer o testamento apenas com cláusulas não-patrimoniais, e.g., nomeação de tutor, reconhecimento de filho (art. 1.857).

6.3. Formas

Há dois grupos:

a) Forma Ordinária: é testamento realizado em circunstâncias normais.

I – Público

O testador verbaliza sua vontade para o tabelião, perante 2 testemunhas, com a respectiva transcrição em livro próprio.

A maior característica é a unidade de ato (tudo se realiza em um único ato: começo, meio e fim). O testador não pode falar metade do testamento e voltar no dia seguinte para continuar...

Além disso, deve haver a verbalização da vontade (ainda que o testador leve anotações – pré-escritos)22. No encerramento, deve ser lido para que todos tenham consciência sobre seu conteúdo.

* Somente pode ser redigido em português. Se o testador não falar português, deve haver tradutor.

* Pode ser realizado por qualquer pessoa, inclusive analfabeto.

* Lembre-se, porém, que o cego somente pode fazer esse testamento! (e o cego possui direito a duas leituras, para ter certeza de que tudo que ele disse foi de fato transcrito).

II – Cerrado

Seu maior atributo é conservar sob sigilo as declarações do testador. O testador redige a cédula pessoalmente ou por via de alguém que o faça a seu rogo.

* Pode redigir em outra língua.

22 Na prática, ninguém verbaliza. O advogado leva por escrito, o tabelião escreve no livro, depois há a leitura e a assinatura.

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* O testador deve saber escrever.

Quando a cédula estiver pronta, é obrigatória a aprovação por tabelião (condição de validade e eficácia). Este é o momento solene do testamento cerrado (art. 1.868). O testador apresenta o testamento ao tabelião, na presença de 2 testemunha e diz: esse é o meu testamento, cuja aprovação eu desejo.

Caberá ao tabelião recorrer a cédula, examiná-la formalmente e redigir, no corpo da cédula, o auto de aprovação (a partir da última linha, fechando os espaços em branco). Ao término, deve ler o auto de aprovação em presença do testador e das mesmas duas testemunhas.

Após, deve lavrar no livro a certidão do auto de aprovação (no cartório fica apenas o registro da aprovação, afinal, o resto permanece sob sigilo). Em seguida, o tabelião apanha a cédula, coloca em um invólucro opaco e costura o envelope, lacrando com parafina quente, devolvendo ao testador que será o guardião da cédula.

Na morte do testador, o testamento será aberto na presença do juiz. Se for apanhado aberto, entende-se que o testamento foi revogado (desde que se tenha certeza que o testador sabia dessa violação).

III - Particular

Previsto no art. 1.876, é redigido exclusivamente pelo testador ou por alguém a seu rogo, cuja validade dependerá de sua leitura posterior perante 3 testemunhas desimpedidas que deverão firmá-lo juntamente com o testador23.

* Pode redigir de qualquer maneira e em qualquer língua.

* Caso redija em língua estrangeira, as testemunhas devem ter condições de compreendê-la.

* As testemunhas devem ser obrigatoriamente ouvidas após a morte do testador e seus depoimentos deverão ser incontestes (coerentes entre si).

* A única coisa que a lei exige que as testemunhas lembrem é que elas ouviram a leitura e reconheçam as próprias assinaturas no termo.

* Mas e se as testemunhas morrem? No caso de morte ou ausência de até 2 testemunhas, o juiz poderá considerar o depoimento de apenas uma para validar o

testamento.

* O que é o testamento particular especial?É o realizado por alguém em uma circunstância na qual não havia como pedir a

presença de testemunhas. A lei então permite que o testador realize o testamento particular desde que:

- O faça de próprio punho

23 É o que garante a produção dos efeitos do testamento, afinal, garantirão a autenticidade do documento após a morte do testador.

29

- Narre, na cédula, quais eram as circunstâncias excepcionais enfrentadas no momento24.

* É proibida qualquer forma de testamento conjuntivo (há interferência de mais de uma vontade), seja:

- Simultâneo: A testa em favor de B, e B testa em favor de A, ainda que em documentos separado.

- Recíproco: alguém lega algo a fulano que, em contrapartida, deve legar algo em seu proveito.

- Correspectivo: alguém testa em favor de uma pessoa, sob a condição de receber benefício equivalente, e.g., deixo para Ângela a casa no bairro X, desde que

ela me doe valor equivalente a 40% do imóvel...

b) Forma Especial: realizados em circunstâncias especiais que impedem o testador de realizar as disposições de última vontade de forma regular ou ordinária.

I – Marítimo

São realizados por pessoas embarcadas em aeronaves ou navios e congêneres, em viagem de tal modo a não lhe ser permitida a realização de um testamento pelas vias ordinárias. Podem fazer 2 tipos de testamento:

- Público- Cerrado

Fazem as narrativas perante o comandante do avião ou o capitão do navio. Se estes estiverem ocupados, o imediato pode cumprir essa tarefa.

* Serão sempre referidos e anotados no diário de bordo do navio e do avião.

* O capitão e o comandante reterão os documentos (seja cerrado ou público), para, ao retorno ao porto ou aeroporto, levar o testamento a registro na capitania dos portos ou na representação local da ANAC.

* Ficam sujeitos a caducidade (art. 1.891). Eles possuem eficácia prolongada por, no máximo, 90 dias após o pouso do avião ou o navio ancorar no porto brasileiro.

* Se o testador sobreviver à viagem ele terá 90 dias após o retorno para ratificar o testamento de modo regular, senão ele caduca25.

II – Aeronáutico

III - Militar

24 É o caso do seqüestrado que redige os testamento na eminência de sua morte.25 Retira a eficácia do testamento em função de uma circunstância que impede a sua execução. Essa circunstância pode decorrer de um fato ou de uma norma legal, e.g., caducidade por fato natural (o testador faz uma deixa para Fulano que morre antes do testador).

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Previsto no art. 1.893 é o realizado por militar (ou particular que preste serviço às forças armadas) em campanha dentro ou fora do país, em praça sitiada ou em local sem comunicações.

* Note que não é apenas o militar! O particular pode testar, desde que esteja engajado.

* Pode ser público ou cerrado, ou até testamento particular.

* Qualquer tipo de militar, inclusive os analfabetos. A lei exige, porém, 2 testemunhas em situação regular e 3 se a pessoa for analfabeta.

* São sempre realizados perante a autoridade militar local (Comandante ou Oficial) ou perante Auditor (militar que possui função burocrática e jurisdicional.

Seria uma espécie de juiz)

* Fica sujeito à caducidade. Vencida a situação de perigo, se, após 90 dias, o testador sobreviver e não ratificar de forma ordinária, salvo se forem observadas algumas formalidades do art. 1.894 (art. 1.895).

* Existe o testamento militar nucumpativo?Todo ato nucumpativo é aquele que se consuma com a mera verbalização da vontade.

A única hipótese de testamento nucumpativo do sistema é exatamente a do testamento militar, desde que verbalize a vontade para 2 testemunhas (art. 1.896).

6.4. Capacidade Testamentária

(ver no CC e completar aqui)

V - PARTE GERAL

I - Capacidade

1. Pessoa

De acordo com o art. 2º, pessoa não é necessariamente ser humano, mas sim o sujeito apto a adquirir direitos e a exercitá-lo, seja sozinho ou por intermédio de alguém. É o sujeito que tem a personalidade jurídica.

* O nascituro possui personalidade jurídica?

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O tema é controvertido. A principal causa da divergência está na idéia filosófica de que o nascituro não é um ser humano, ainda que em formação. O argumento é que seria um sujeito de direitos sem um “suporte” humano. É que não havia certeza de que o nascituro nasceria com forma humana. Isso gerou algumas correntes de pensamento:

- Conceptualista: sempre reconheceram no nascituro a condição de ser humano. Ele detém personalidade jurídica desde a concepção (é uma corrente progressista) (Clóvis Bevilacqua, Teixeira de Freitas).

- Natalista: para haver personalidade jurídica é necessário que o nascituro nasça com vida. A partir do nascimento com vida ele será detentor de personalidade jurídica (Silvio Rodrigues, Washigton de Barros – inspirados pelo CC de 16).

- Personalidade Condicionada: o nascituro detém personalidade desde a concepção, porém, sujeita a confirmação por intermédio do nascimento com vida (é uma corrente intermediária entre as duas acima citadas).

O problema de defender o natalismo é que o Código Civil determina que “a personalidade começa com nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a sua concepção, os direitos do nascituro”. O que o legislador quis dizer com isso? Qual a teoria adotada?

Muita gente defende que esse dispositivo não é natalista, afinal, se a lei põe a salvo os direitos do nascituro, significa que, ainda que de uma maneira indireta, o legislador garante a personalidade jurídica do nascituro. Em verdade, a visão natalista está em crise. Tanto que alguns autores começam a cultivar a teoria da personalidade condicionada: “o nascituro deterá uma personalidade jurídica formal, enquanto não nascido, e, após o nascimento, deterá uma personalidade jurídica material” (Maria Helena Diniz). Isso não é nada mais do que a personalidade do nascituro condicionada ao nascimento.

A professora Diniz foi obrigada a reconhecer isso pelas evidências. Isto porque, se a C.F. estabelece, dentre os direitos de personalidade (art. 5º, X), o direito à vida e o direito ao nascimento em condições adequadas. Além disso, há a responsabilidade civil de atos que atentem à vida do nascituro.

Diante disso, hoje em dia há autores que são essencialmente conceptualistas: Francisco Amaral26, Silmara Quinelato, Limonge França: o Código Civil reserva ao nascituro a expectativa de direito (põe a salvo os direitos). Ora, até para ter expectativa de direito é absolutamente indispensável possuir personalidade jurídica.

A Defensoria Pública defende posições conceptualistas ou, no mínimo, a posição da personalidade condicionada.

O STF, contudo, se mantém em uma posição natalista. Isso foi constatado no julgamento da lei de biossegurança. Isso porque os conceptualistas são obrigados, por decorrência lógica, a defender a personalidade jurídica também dos embriões. É que, por ocasião do julgamento das experiências científicas com células-tronco27, o STF entendeu que os embriões podem ser sujeitos à experiência, pois não têm personalidade jurídica, já que esta somente pode ser atribuída ao nascituro que nasce com vida (teoria natalista), algo que seria difícil defender se adotasse a teoria conceptualista.

26 Leitura indicada.27 A Lei de Biosegurança permitia a pesquisa com embriões excedentários. A medicina entende que, como o embrião está fora do útero, é uma coisa, não pessoa. Somente será pessoa se estiver no útero materno.

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2. Capacidade de Fato

A personalidade jurídica dota a pessoa natural e jurídica de capacidade jurídica. Esta é a aptidão geral para a aquisição de direitos. Não confunda, porém, a capacidade jurídica com a capacidade de fato (aptidão para o exercício autônomo dos direitos).

O legislador reconhece que, embora a pessoa natural tenha aptidão para possuir direitos, nem toda possui aptidão para exercitá-los de forma autônoma, já que isto exige lucidez, capacidade de entendimento, etc.

Há uma parte das pessoas naturais que não possuem esta aptidão por falta de amadurecimento ou experiência (menores de 16 anos), razão pela qual são absolutamente incapazes (art. 3º). Além disso, pode haver pessoas acometidas de doenças mentais que as impeçam desta mesma consciência e lucidez (enfermidade / deficiência mental / desenvolvimento incompleto ou impossibilidade de manifestar a vontade, ainda que de forma transitória28). Eles precisam de um representante para exercer direitos (é a voz do representado).

Outras pessoas possuem uma capacidade relativa, isto é, de algum modo, já possuem aptidão do discernimento, embora este seja turvado por alguma circunstância. Isto pode se dar ainda pela falta de experiência (púberes – maiores de 16 e menores que 18 anos). São também os ébrios habituais, os toxicômanos, os excepcionais sem desenvolvimento mental completo e os pródigos (estes possuem discernimento, mas são sufocados por uma vontade inata de dispersar recursos). Necessitam de assistência para exercer direitos.

A partir de certo estágio o legislador entende que as pessoas adquirem capacidade plena. Em regra, ocorre quando a pessoa completa 18 anos e possuem plenas condições de exercer os respectivos direitos. Mas há a possibilidade de emancipação (tópico 4).

* Capacidade da pessoa é objeto de presunção?Sim, a capacidade se presume, senão não haveria segurança jurídica. Ora, se a

capacidade é presumida, a incapacidade deve ser demonstrada por procedimentos próprios (interdição).

3. InterdiçãoA incapacidade somente pode ser declarada por intermédio de um processo judicial

previsto no CC, que constitui um dos procedimentos especiais do CPC.

a) Sujeitos

Quem pode ser interditado? Pelo art. 1.767 do CC, a interdição será necessária quando alguém manifestar uma enfermidade mental grave que eventualmente apague o seu discernimento para os atos da vida civil, não puder exprimir a vontade ou ser pródigo.

b) Conceito

Interdição corresponde ao procedimento necessário ao reconhecimento da causa determinante da incapacidade.

Aqui a prova é fundamental! E ela é praticamente toda pericial. O juiz não pode descobrir “no olho” se alguém é incapaz.

c) Procedimento

28 Pessoa hipnotizada.

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O juiz possui uma grande responsabilidade. Deve inquirir o interditando. Inclusive, se ele não puder ir ao fórum, o juiz deve se deslocar ao local em que se encontra. É necessária a participação do Ministério Público.

* Quem pode pedir a interdição?

A preferência é por familiares (art. 1.768).

I – Pais ou tutoresII- Cônjuges, ou por qualquer parenteIII – Ministério Público

Hoje em dia, entende-se que há uma legitimação constitucional para a atuação do MP na interdição, pois ele deve atuar na defesa “dos interesses individuais indisponíveis”.

* O relativamente incapaz pode ser interditado?Sim, aliás, a lei outorga ao tutor a possibilidade de pedir a interdição! O adolescente

púbere, além da inexperiência, pode possuir uma doença mental grave que enseje a interdição.

* Como fica a situação do interditando durante o processo?Enquanto o processo se desenvolve, há a possibilidade da interdição cautelar /

curatela provisória29. Somente é possível em função de uma apreciação por parte do juízo, por meio de uma cognição superficial, quanto à capacidade do sujeito.

* Quem determina o “tamanho” da incapacidade (relativa ou absoluta)?Conforme o art. 1.772, o juiz é que determinará a profundidade da interdição, com

base nos laudos e exames, e.g., a lei diz que o ébrio é relativamente incapaz. Contudo, pode ser que, em determinado caso, o álcool tenha afetado tanto a pessoa, que leve o juiz a interditá-lo de forma absoluta. É que, em alguns casos crônicos de toxicomania e alcoolismo, é possível a interdição para fins de gerar a incapacidade absoluta.

d) Sentença

Possui efeitos desde logo, ainda que sujeita a recurso.

* Natureza da sentençaO art. 1.773 diz que a sentença possui cunho declaratório. Contudo, pode ocorrer que,

depois da declaração, venha à tona a notícia de que, 3 meses antes da interdição, o incapaz realizou um contrato de compra e venda de um terreno de sua propriedade. É um contrato válido?

Note que há duas coisas em conflito. De um lado a realidade natural da incapacidade do indivíduo. Do outro, há a necessidade de segurança jurídica, afinal, pode ocorrer da pessoa não perceber a incapacidade da pessoa com quem contrata. Aquele que age com boa-fé não pode ser prejudicado por uma circunstância que desconhecia.

Há a corrente que entende que o contrato seria inválido, já que, decretada a interdição e nomeado o curador, haveria uma certeza plena quanto à incapacidade do indivíduo, inclusive à época da celebração do contrato. É uma posição boa para o interdito, mas que prejudica o terceiro.

29 É quase uma antecipação de tutela. Só não o é, pois é praticamente irreversível.

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A segunda alternativa é: a decisão que declara a incapacidade e que decreta a interdição constitui uma situação nova, modificando uma realidade natural, isto é, somente “a partir da decisão que se constata a incapacidade”. A decisão, portanto, teria efeitos ex nunc. Logo, todos os negócios realizados no passado não podem ser invalidados. Isso prejudica o interdito.

Há uma terceira posição intermediária. Em princípio o contrato anterior é válido, a não ser que se demonstre a violação da boa-fé por parte do adquirente, e.g., demonstrar que o adquirente sabia negociar com um incapaz e, para auferir lucro, com este realiza o negócio para se locupletar indevidamente. Ou seja, se o adquirente agiu de má-fé, o negócio é inválido. Senão, o negócio permanece hígido .

4. Emancipação

Organiza-se de 3 maneiras:

a) Legal

Há outras situações em que a lei presume a capacidade por emancipação: cargo público, empreendimento comercial, trabalho que gera renda suficiente para a própria emancipação.

b) Negocial

Quando o pai ou a mãe outorgam, por escritura, a emancipação. Em princípio ambos outorga, mas, na impossibilidade de um deles, o outro pode.

c) Judicial

Exige-se a interferência do juízo.

* Se o tutor quiser emancipar o pupilo por meio da via negocial, ele pode?O tutor não pode, pois, se o fizesse, seria uma forma de se liberar do encargo. Por isso

a lei exige que o tutor o faça de forma judicial.

* Fulana se casa em razão de gravidez (suprimento de idade). Contudo, posteriormente, descobre-se que havia um impedimento, pois ela era irmã do marido e o casamento foi declarado nulo. Ora, neste momento ela tinha 16 anos. Ela volta a ser incapaz?

Ela não volta a ser incapaz, pois não há possibilidade de retrocesso no que diz respeito ao status pessoal. É uma questão de segurança jurídica. A doutrina aqui é majoritária.

5. Morte

É o que extingue a capacidade jurídica da pessoa. Pode ser presumida ou demonstrada.

II – Direitos de Personalidade

A Defensoria costuma perguntar muito sobre direitos de personalidade, pois, para o Defensor Público, o direito hoje é cada vez mais antropocêntrico, isto é, cada vez mais

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centrado no valor pessoa humana. Vale mais a pessoa e os atributos de sentido moral, espiritual (art. 5º, X).

1. Conceito

Personalidade é um complexo em que se aninham de modo dinâmico e permanente atributos da pessoa humana com expressão física, intelectual e moral. Ou seja, toda pessoa natural é dotada de uma personalidade jurídica que contempla esses atributos.

2. Objeto

O objeto dos direitos de personalidade é justamente esse complexo de atributos físicos, intelectuais e morais. São direitos sobre aspectos subjetivos humanos imprescindíveis a uma existência digna.

Toda pessoa humana possui direitos sobre esse complexo! Os direitos de personalidade são reflexo do domínio que cada pessoa possui sobre si e sobre como manter seus atributos longe de investidas externas (os direitos de personalidade são “direitos de afastamento”). Eles obrigam a todos não se imiscuírem em nossa intimidade, por exemplo.

3. Objetividade

Os direitos de personalidade visam à proteção da:

a) Integridade física

- Direito à vida- Direito ao próprio corpo (inclusive às partes separadas)

b) Integridade psíquica

c) Integridade moral

- Direito à imagem- Direito à honra- Direito à privacidade- Direito à identidade

Contudo, a lei apenas exemplifica os direitos de personalidade.

4. Natureza Jurídica

Nos termos do art. 11, os direitos de personalidade são intransmissíveis, irrenunciáveis (e, portanto, indisponíveis), imprescritíveis, inatos.

A priori, ninguém pode renunciar a estes direitos30. Contudo, alguns direitos de personalidade podem ser negociados, e.g., direito à imagem física (imagem-retrato)31.

5. Integridade Física

30 Ninguém pode renunciar à dignidade humana, lembrar do caso “arremesso de anões”.31 É uma das únicas hipóteses que envolvem direito patrimonial e direito de personalidade.

36

Nos termos do art. 13, é proibida a disposição do próprio corpo quando importar em diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes.

* TransplantesA Lei 9.434/97 regulamenta os transplantes. A disposição do próprio corpo é possível

quando para fins de transplante. Quando se está vivo, apenas na hipótese de órgãos duplos e de forma gratuita (ler a lei).

* Pode-se comercializar sangue?Há quem defenda que o sangue é um bem jurídico e poderia ser disponível (mas não é

pacífico).

Nos termos do art. 15, ninguém pode ser constrangido a se submeter a intervenção cirúrgica que enseje risco de morte. Isto somente pode ser feito com esclarecimento consentido do paciente32.

6. Identidade

Previsto no art. 16. É o direito ao elemento identificador da pessoa. O legislador protege o nome (elemento complexo – prenome + sobrenome) e o pseudônimo (é o nome escolhido para a identificação de alguém em uma atividade específica, normalmente de cunho artístico).

* O heterônomo pode ser protegido?Não se confunde com pseudônimo. O heterônomo são personagens distintos, com

identidade psicológica própria, mas que são elementos de ficção, e.g., Fernando Pessoa era Alberto Caiero, Álvaro de Campos, etc. Entende-se que também devem ser protegidos.

7. Imagem / Privacidade

Nos termos do art. 20, a divulgação da imagem de alguém pode ser proibida se prejudicar a privacidade e intimidade de alguém. A imagem é o modo público pelo qual a pessoa se apresenta. O direito à privacidade significa o direito ao controle das informações que digam respeito exclusivamente ao sujeito. Também corresponde ao direito de estar só e ter controle absoluto sobre assuntos que somente digam respeito à zona de intimidade de alguém.

8. Memória

A ofensa a memória de alguém falecido pode render a tutela aos direitos de personalidade, e.g., Ruy Castro, ao escrever sobre a vida de Chateaubriand, resvalou na memória de Nelson Hungria (insinuou que possuía relações homoafetivas).

Em se tratamento de morto, terá legitimação para obter a tutela o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta ou colateral até o quarto grau (parágrafo único do art. 12).

“Os direitos de personalidade subsistem à morte do indivíduo”.

9. Tutela

32 Os pais podem recusar transfusão de sangue quando isto for necessário à criança? Não, pois havendo choque entre vontade dos filhos e a convicção religiosa dos pais, deve prevalecer a proteção integral.

37

A tutela dos direitos de personalidade é predominantemente inibitória, isto é, a lei não espera a violação ocorrer. Ela considera ilícita apenas a mera ameaça, dando ensejo à tutela inibitória, sem prejuízo da respectiva indenização.

III – Ausência

1. Conceito

É um fato determinado pelo desaparecimento de pessoa natural, de seu domicílio habitual, sem deixar procurador ou notícia sobre seu paradeiro. Portanto, o fato gerador da ausência é o desaparecimento.

Note, porém, que a ausência nem sempre significa a morte. Ela apenas representa uma insegurança do sistema, em razão do desaparecimento. O problema é que a ausência gera a falta de administração ao patrimônio do ausente. A ausência sequer teria importância jurídica a não ser por isso. É um problema de gestão patrimonial.

2. Estágios

A ausência possui três estágios básicos (art. 22 a 39).

1º) Incerteza quanto ao desaparecimento

Desaparecendo alguém, há necessidade de se provocar o juízo para que promova a arrecadação dos bens do ausente. Como subsiste a incerteza, o juiz deve nomear um curador para aquele ausente, pois esta pessoa terá de zelar pelo patrimônio até que se estabilize a ausência ou não. Enquanto isso, o juiz publica editais de 3 em 3 meses por 1 ano, até que se tenha certeza da ausência, declarando-na.

2º) Declaração de ausência, mas incerteza com relação à morte.

Declarada a ausência, o curador sai de cena, pois o legislador abre a possibilidade da sucessão provisória (art. 26). O patrimônio é transmitido sobre condição aos sucessores. Note que é uma sucessão sem morte (daí ser provisória). Aqueles que não forem parentes muito próximos deverão promover uma caução (cônjuge e filhos não precisam).

3º) Subsistência do desaparecimento e da necessidade da transmissão definitiva do patrimônio.

Inicia-se 10 anos após a abertura da sucessão provisória (ou 5 anos se for maior de 80 anos), se o ausente não aparecer. Há a certificação da ausência e uma probabilidade muito grande de morte (presunção da morte). Quando o legislador permite a sucessão definitiva, é porque se presume a morte do ausente (art. 37 e 38).

Ainda assim, se o ausente retornar, poderá retomar os bens no estado em que se encontram.

* O cônjuge do declaradamente ausente pode casar após 1 ano da declaração de ausência?

38

A ausência não gera, inicialmente, presunção de morte. Ela somente gera essa presunção após a abertura da sucessão definitiva. Se ele quiser se desvencilhar do casamento, ou ele se separa, ou aguarda o prazo legal para se divorciar.

* O que acontece se o ausente retornar após o 3º estágio?Se o ausente retorna, ele reassume todo o status pessoal que possuía antes, inclusive o

de casado. Há, portanto, a possibilidade de declarar o novo casamento da mulher, porém, há entendimento contrário, sob o fundamento de que, pela teoria da aparência e pela boa-fé, o novo casamento não poderia ser declarado nulo. Sob essa perspectiva, ele assumiria o status de divorciado.

IV - Pessoa Jurídica

1. Conceito

Corresponde a um grupo de pessoas organizado em função de um ideal comum ou um certo patrimônio aos quais a pessoa atribua personalidade jurídica. Por isto há duas categorias:

- Corporações: grupo de pessoas organizados sob um objetivo comum.

- Associações (art. 53)- Sociedades (art. 982)

- Fundações: patrimônio revestido de personalidade jurídica para atender a uma finalidade imutável (art. 63).

2. Fundamento Teórico

O fundamento da existência das pessoas jurídicas é a teoria da realidade técnica33. A pessoa jurídica é uma entidade que existe de fato, mas em função de uma técnica que o sistema jurídico permite.

3. Pressupostos

As pessoas jurídicas de direito privado dependem:

1) Manifestação consensual de vontade: no caso da sociedade, expressa-se no contrato social. No caso da associação ou fundação, expressa-se pelos estatutos.

2) Atendimento às formalidades legais: a constituição de determinada pessoa jurídica sempre deverá atender àqueles pressupostos formais, e.g., art. 54.

3) Atendimento a pressupostos específicos: por exemplo, a sociedade sempre exige a constituição de um capital. A fundação exige a disposição de um patrimônio. Já a associação não precisa de nada, basta a manifestação de vontade.

4) Registro: art. 45. É o elemento que dá nascimento à pessoa jurídica.

33 Contrapõe-se à teoria da realidade que advoga a tese de que a pessoa jurídica faz parte do mundo natural. Isto é meio absurdo, pois “eu nunca bati um papo com a Ford”. A pessoa jurídica tampouco rege-se pela teoria da ficção, pois ela atua efetivamente, criando, modificando e desconstituindo relações jurídicas.

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* Tomados os pressupostos de constituição da pessoa jurídica, em qual hipótese você incluiria a pessoa jurídica informal34, condomínio, a massa falida e o espólio?

Esses três são considerados entes despersonalizados. Eles não atendem a esses pressupostos indispensáveis à personificação. Contudo, lembre que eles podem estar em juízo por força do art. 12 do CPC (é uma personalidade tipicamente judiciária, embora não seja uma personalidade jurídica).

Lembre-se, também, que, quando os entes estão agindo, há a possibilidade de responsabilidade civil.

4. Conseqüências da Personificação

a) Constituição de uma pessoa distinta e autônoma em relação às pessoas que a constituíram.

b) Constituição de uma pessoa com patrimônio autônomo em relação ao das pessoas que a constituíram.

c) Nasce uma pessoa com objetivos próprios e distintos.

* Constituída a pessoa jurídica, ela possui capacidade jurídica e de fato?A capacidade de fato é prontamente atribuída à pessoa jurídica após a sua constituição.

Basta a constituição para que a pessoa jurídica possa gerir os seus direitos.

5. Associações (art. 53)

São corporações, isto é, são pessoas jurídicas decorrentes da reunião de pessoas em torno de um objetivo comum, o qual não possui caráter econômico. Naturalmente são atividades de recreio, culturais, religiosas.

Além disso, a associação não implica em relação jurídica entre os associados (art. 55). A entidade pode até dispensar o sócio, mas há de obedecer ao devido processo.

6. Sociedade (art. 982)

Também é uma corporação, mas o objetivo é de cunho estritamente econômico-financeiro.

* A associação cristã de moços de Maceió explora quatro restaurantes, dos quais aufere toda a renda necessária para a sua subsistência. A ACMM é uma associação ou sociedade?35

Depende. Se o estatuto dela for promover atividades de lazer entre os jovens cristãos de Maceió. O restaurante é apenas um modo de sustento dessa associação. Logo, o restaurante é um meio, não é um fim. Dessa forma, isso não desnatura aquela associação.

7. Fundações

34 Ainda não registrada. No caso, os sócios respondem ilimitadamente.35 Essa é uma pegadinha clássica em concursos.

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São um patrimônio ao qual se agrega uma personalidade jurídica a fim de se alcançar uma finalidade de caráter permanente e imutável36. É impensável a modificação de seu objetivo!

Deve ser constituída, o que se faz por 3 estágios:

1º) Ato de vontade de sua constituição (por parte do titular do patrimônio, que o faz por ato inter vivos ou por testamento). É o momento da concepção.

2º) Locação do patrimônio, que deve estar sempre livre e desembaraçado. Aqui também devem ser concebidos os estatutos (que podem já estar feitos pelo constituinte, ou este pode nomear alguém de sua confiança para fazê-lo. Se ninguém faz o Ministério Público o faz).

3º) Aprovação dos estatutos pelo Ministério Público e o registro.

O parágrafo único do art. 62 determina quais são as finalidades que podem alimentar uma fundação: religiosos, morais, culturais ou de assistência.

* É possível uma fundação com objetivo científico?A jurisprudência admite uma interpretação extensiva do parágrafo do art. 62, fazendo

caber fundações com objetivos correlatos aos temas ali descritos.

* Quem fiscaliza as fundações?É o Ministério Público. Lembre que é o MP do Estado respectivo. Quem cuida das

Fundações do DF é o MPDF (o § 1º foi julgado inconstitucional).

8. Direitos de Personalidade

9. Desconsideração da Personalidade Jurídica

a) Conceito

Corresponde à decisão judicial que, episodicamente, desconsidera a autonomia da pessoa jurídica frente aos seus sócios e os responsabiliza por seus atos (da pessoa jurídica) na eventualidade de abuso de direito ou desvio de finalidade na sua gestão e administração (Disregard Doutrin).

É uma medida de exceção, razão pela qual somente pode ser episódica. Nenhum juiz pode decretar genericamente a desconsideração. Somente mediante um fato concreto, desde que haja gestão fraudulenta, com abuso de direito ou desvio de finalidade.

Verificada estas hipóteses, o juiz responsabiliza pessoalmente os sócios por atos praticados por meio da pessoa jurídica.

No nosso sistema, há a desconsideração no CC (art. 50), no CDC (art. 28), bem como situações análogas inseridas no art. 2º da CLT, como no CTN.

b) Teorias

36 É uma das coisas que distinguem a fundação da associação.

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- Teoria Maior da Desconsideração: exige, para a desconsideração, desvio de finalidade, gestão fraudulenta ou abuso de direito. Dentro dessa teoria, há uma subdivisão:

- Teoria Maior Objetiva: a fraude e o desvio de finalidade são presumidos em algumas hipóteses, ou seja, independem de prova37.

- Teoria Maior Subjetiva: o desvio, abuso, fraude, precisam ser provados para que haja a desconsideração.

- Teoria Menor da Desconsideração: segundo a qual a desconsideração se viabiliza a partir do momento em que haja ameaça patrimonial ao contratante, independentemente de discussão sobre fraude, gestão fraudulenta, abuso...

No Código Civil foi adotada a teoria maior, mas no CDC foi adotada a teoria menor38.

9.1. Desconsideração Inversa da Pessoa Jurídica

A desconsideração da pessoa jurídica leva em conta o abuso de direito, gestão fraudulenta, desvio de finalidade, tudo em prol do interesse da empresa (é a própria pessoa jurídica que sem beneficia). Contudo, pode ser que alguém execute a gestão da pessoa jurídica não para atender o interesse da empresa visando proteger interesses patrimônios individuais por meio da pessoa jurídica, e.g., constitui pessoa jurídica e, durante o casamento, compra tudo em nome da empresa e acarreta no prejuízo da família. Pode ocorrer, então, que, após eventual separação e os filhos e ex-cônjuge pleiteiem alimentos e a partilha. Diante disso, o oportunista alegará que não possui bens e que a empresa somente lhe paga por um pro labore ínfimo.

O que ocorre na desconsideração inversa é, portanto, a situação na qual o sócio, visando benefício particular, utiliza a pessoa jurídica, para prejudicar a família. A partir disso, o juiz decreta a desconsideração da personalidade jurídica para alcançar em benefício da família, patrimônio que seria supostamente da pessoa jurídica, mas que, na verdade, foi maliciosamente a ela destinado.

V – Negócio Jurídico

1. Conceito

Corresponde a uma declaração de vontade exteriorizada com o objetivo de se alcançar no plano jurídico uma finalidade amparada ou não vedada pela lei.

2. Teoria Dualista

Em face da teoria dualista adotada pelo Código Civil, não se deve confundir negócio jurídico com ato jurídico. Isso porque o negócio jurídico é fincado em uma declaração de vontade qualificada pela intenção / objetivo daquele que a manifesta. Já o ato jurídico é um

37 Lembre que, pelo art. 187, abuso de direito enseja responsabilidade civil objetiva.38 Veja que, pelo CDC, apenas a falência autoriza a desconsideração.

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ato voluntário que atrai consequências jurídicas necessárias, nem sempre queridas e, algumas vezes, contrárias ao interesse daquele que o produz (ato ilícito).

3. Elementos

a) Declaração da vontade.

b) Objetivo amparado pelo sistema jurídico.

4. Vontade (Teorias)

De um modo geral, a vontade é o elemento principal do negócio jurídico. Em um primeiro lugar, a vontade expressada deve ser concordante com a vontade daquele que a manifestou. Havendo dúvida, há dois critérios para apurar essa concordância:

i) pelas condições subjetivas de quem a declarou ii) pelas declaração de vontade propriamente dita.

Para solucionar esse problema há 3 teorias:

a) Teoria da Vontade: no negócio jurídico a vontade é tão importante que, havendo dúvida, o intérprete deve buscar a intenção do declarante, pouco importa a incerteza que a declaração possa gerar.

b) Teoria da Declaração: a melhor solução se ateria à declaração, não à intenção. Esta corrente nos manda examinar não a intenção interna, mas sim a vontade expressada por meio da declaração.

c) Teoria da Confiança: Orlando Gomes defende que, na apuração da dúvida, deve-se levar em conta o destinatário daquela declaração. Isso porque, quando a declaração gera uma expectativa legítima em terceiro, esta interpretação deve prevalecer, independentemente da vontade daquele que a emitiu. Ora, se eu prestei uma declaração usando termos que faça os outros acreditarem que a declaração se voltava à intenção X, caso estes terceiros estejam de boa-fé, prevalece a vontade “aparente”, isto é, a que induziu os destinatários, em nome da segurança jurídica (teoria da aparência). Senão a proteção se dirige somente ao declarante...

O CC adota a teoria da vontade no art. 112, contudo, no art. 113 o legislador menciona que, havendo dúvida, deve-se interpretar com base nos princípios da boa-fé, lealdade e usos do lugar em que houve a celebração. Veja que estes elementos do art. 113 não possui relação com a intenção, mas sim com dados objetivos.

Por qual critério interpretamos? Pela intenção ou pela boa-fé, usos e costumes? O legislador impõe que, havendo dúvida, primeiramente deve-se tentar resolver pela intenção do contratante. Subsidiariamente, a interpretação deve pender pela alternativa que corresponda com o espírito de boa-fé e se adeque aos usos e costumes do lugar. Ou seja, nossa legislação fica no meio-termo, adota ambas, além da teoria da confiança.

* O silêncio vale como declaração de vontade?

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A resposta depende do caso. Isso porque o silêncio somente vale como manifestação de vontade quando a lei não exige uma manifestação expressa ou quando os usos e costumes nos fizerem entender que o silêncio valeria como uma tomada de posição (art. 111).

* Qual é o elemento fundamental da vontade?A vontade deve ser livre, espontânea e concordante com o espírito interno do

declarante.

* A reserva mental vincula o declarante?Imagine que Antônio foi a um leilão de artes sem qualquer dinheiro. Durante o leilão,

resolveu dando um lance de R$ 2 milhões. Quando o leiloeiro bateu o martelo, Antônio alegou que estava brincando e que a manifestação de vontade não concordava com o seu real desejo. Houve o fechamento de um negócio jurídico?

Sim, pois a manifestação de vontade subsiste, ainda que o autor haja feito reserva mental, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento (art. 110). Ou seja, tudo depende da consciência do destinatário acerca da reserva mental.

No caso, portanto, o ato de Antônio geraria responsabilidade contratual, salvo se tivesse avisado o leiloeiro de que estava ali para brincar...

O nosso sistema está menos individualista. Hoje em dia se presta atenção não apenas no sujeito que presta a declaração, mas também sobre o destinatário dela. * O que significa autonomia negocial?

É um poder conferido a cada indivíduo a fim de que ele possa regulamentar assuntos de seu interesse a partir da declaração da vontade.

5. Defeitos

Os defeitos do negócio jurídico podem ser motivados por dois fatores: vícios da vontade ou vícios sociais.

a) Vícios da Vontade

A partir do art. 138, o CC trata dos vícios da vontade. Estes ocasionam causas de anulabilidade (art. 171). A pessoa age com a vontade turbada, o que impede a manifestação consentânea da vontade.

- Erro

- Dolo

- Coação

- Estado de Perigo: é um vício da vontade, pois corresponde a uma circunstância na qual a consciência do declarante se vê turbada por um problema externo que o afeta emocionalmente, colocando em risco a lucidez e a liberdade com que ele se manifesta, obrigando-o de forma excessivamente onerosa, para salvar-se ou a alguém próximo. É incerta até a espontaneidade da manifestação daquela vontade, e.g., João está se afogando e uma pessoa afirma que lhe salvará caso lhe dê R$ 1 milhão. É óbvio que aquela vontade de João não foi espontaneamente manifestada, já que João não tinha alternativa, em razão da circunstância à qual era submetido.

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Lembre-se que a pessoa que está sob grave risco de dano pode não ser parente (parágrafo único do art. 156), devendo o juiz investigar em cada caso concreto.

* Dos elementos subjetivos exigidos para o estado de perigo, qual é o mais relevante?Para haver estado de perigo é necessário que aquele que assumiu a obrigação onerosa

estivesse sofrendo um grave risco de dano pessoal ou à sua família. Além disso, é necessário que o receptor da vontade tenha consciência do perigo, bem como tenha agido com dolo de aproveitamento (ou seja, ele sabe e utiliza o risco para aproveitar-se da circunstância, obtendo um proveito subjetivo).

- Lesão: assemelha-se ao estado de perigo, pois possui o “encargo assumido além das forças”. Contudo, a lesão ocorre quando a pessoa, sob premente estado de necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta (contraprestação). Veja que, no estado de perigo, a contraprestação não importa, afinal, “salvar a vida de um irmão não tem preço”.

Contudo, na lesão, há a afronta ao princípio do equilíbrio contratual (justiça contratual), pois as partes não extrairão benefícios proporcionais.

* O que é indispensável para a caracterização da lesão?De um lado, exige-se que alguém assuma um encargo muito superior aos benefícios a

serem extraídos dos negócios. Esta parte deve ter agido assim em razão de inexperiência pessoal ou de um estado de necessidade do ponto de vista material (vendeu porque estava precisando de dinheiro).

Por outro lado, é necessário que a outra parte aufira um benefício muito mais vantajoso do que o dispêndio que realiza naquele contrato. Em segundo lugar, exige-se que esta pessoa tenha consciência da inexperiência ou do estado de necessidade.

* X procura Y para vender um sítio de R$ 2 milhões, em visível estado de necessidade, pois além de endividado, estava sabidamente doente, etc. Por conta disso, X propôs a venda por R$ 500 mil reais. O comprador sabia de todos os aspectos subjetivos de X (endividamento e doença) e, embora tenha refutado a compra em um primeiro momento, acabou comprando, embora tivesse alertado X do baixo preço do valor e este tenha afirmado que sabia que estava vendendo por um preço barato e insistiu na venda. Houve lesão?

SIM! Por mais incrível que pareça, há a lesão, pois a lesão do CC atual é objetiva, ou seja, não exige dolo de aproveitamento. O fato de exigir a consciência, isto não implica na exigência do dolo. Basta, portanto, que o favorecido conheça a situação, ainda que não queira se aproveitar disso. Ela gera a anulabilidade do contrato, pois o declarante não estava em condição de manifestar a vontade.

b) Vícios Sociais

Há um atentado à lei. Não há vício de consciência, pois o declarante age com consciência, mas agride o sistema jurídico.

- Fraude contra Credores: embora seja um vício social, a fraude contra os credores é anulável em razão do risco potencial que possa acarretar aos credores. Significa promover a realização de negócios jurídicos que reduzam ou sejam capazes de reduzir alguém à condição de insolvência, em prejuízo de seus credores quirografários.

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Quando alguém contrai obrigações, o elemento que garante eventual inadimplemento é o patrimônio (art. 391). Em outras palavras, o objetivo da fraude contra credores é garantir o art. 391, de forma a evitar qualquer atitude do devedor capaz de conduzi-lo à insolvência.

* O que caracteriza a fraude contra credores?É composto pelo consilium fraudis (é o liame psicológico que determina a consciência

do credor sobre a situação do devedor) e o eventum damnis (dano conseqüente da conduta fraudulenta = redução à insolvência ou a forte possibilidade de..).

Em alguns tipos de negócio o legislador dispensa um desses elementos, e.g., no art. 158 o legislador dispensou o consilium fraudis, pois é o caso do indivíduo endividado que faz uma doação ou perdoa dívidas.

* Antônio era credor hipotecário (não era quirografário, presta atenção) da Benedito Imóveis Ltda. A certa altura, se dá conta de que os bens daquela empresa estavam sendo dispersados de modo que o patrimônio do devedor não cobria mais o seu crédito. Pode promover uma ação pauliana e reclamar para si o direito à reintegração do patrimônio ao patrimônio da empresa para receber o seu crédito?

Pode, por força do § 1º do art. 158. Normalmente apenas os credores quirografários (que não possuem garantia) podem se valer da fraude contra credores. Contudo, o CC abre caminho para que os credores com garantia real também tenham direito, desde que demonstrem que a garantia que possuem já se tornou insuficiente.

Vale lembrar que somente aqueles que já eram credores ao tempo daqueles atos podem pleitear a respectiva anulação.

* Terceiro de boa-fé e presunção de fraudePelo art. 159 são exigidos os dois elementos, contudo, quando a insolvência for

notória, ou houver motivos para que o contratante tenha conhecimento disso, presume-se a existência do concilium fraudis (admite-se, porém, a prova em contrário). Ou seja, o terceiro adquirente deve provar que desconhecia a situação para que não seja anulável, afinal, será terceiro de boa-fé.

* Pagamento em favor dos credores

Se o adquirente ainda não tiver pago o preço, poderá depositar em favor dos credores e, com isso, conservar o negócio em seu favor (art. 160).

* Ação PaulianaÉ uma ação revocatória que visa desconstituir o negócio celebrado em situação de

fraude contra credores, reintegrando o patrimônio ao patrimônio do devedor, para que possa ser cumprido o art. 391.

- Simulação: é uma causa de nulidade do negócio jurídico (art. 166). É caracterizada por uma declaração de vontade conscientemente realizada, mas com uma aparência absolutamente distinta daquela que corresponderia à intenção verdadeira dos declarantes, que assim agem para a obtenção de benefícios em prejuízo de terceiro. As duas hipóteses mais perguntadas são:

a) absoluta: quando a declaração realizada não se refere a um negócio verdadeiramente existente, ou seja, quando há um negócio cuja declaração foi apenas formalmente realizada, sem a base fática, e.g, Fulano pretendendo salvar a sua

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casa de uma execução de crédito emite uma nota promissória em favor de um amigo próximo como se houvesse ali um contrato de mútuo entre ambos para permitir que esta pessoa o execute antes que seu verdadeiro credor.

b) relativa: quando as partes realizarem uma declaração pertinente a um negócio jurídico existente, mas só foi realizado para alcançar um objetivo distinto daquele que de fato elas têm em mente, e.g., Clilton possui uma concubina,

pode fazer uma doação a ela? Não. Diante disso, faz um contrato de compra e venda com um amigo e este doa para a concubina.

* O que é simulação inocente?É aquela que não acarreta prejuízo por não haver aparentemente ilegalidade no ato

simulado, e.g., o namorado, imaginando que não possa fazer uma doação à namorada (pois acha que é uma concubina), acaba simulando um contrato de compra e venda. É inocente, pois, na verdade, não estaria impedido de realizar a doação.

Estudar representação do art. 115 do CC.

VI - CONTRATOS

1. Conceito

Os autores tradicionais sempre defenderam que o contrato corresponde a uma manifestação da vontade comum das partes com intenção de constituir, modificar ou extinguir relações jurídicas.

Hoje em dia este conceito está em choque, em face do princípio da boa-fé objetiva e da função social: contrato corresponde à manifestação comum da vontade de duas ou mais partes, com a intenção de, mediante colaboração recíproca e esforço comum, alcançarem a satisfação de interesses, respeitado o princípio da proporcionalidade.

2. Princípios Contratuais

São produto da interpretação da doutrina dos contratos à luz da Constituição. É um direito privado constitucional.

a) Autonomia da Vontade: corresponde ao poder que a ordem jurídica oferece a cada pessoa, natural ou jurídica, de organizar ou disciplinar seus interesses por declaração de vontade. Está vinculada ao direito de fundamental de liberdade. Disso deriva o princípio da liberdade contratual (ter liberdade para escolher se contrata, com quem se contrata e de modelar o conteúdo do contrato). Acontece que essa liberdade é, em termos, limitada. Isso, pois há o dirigismo contratual, que tolhe parte da liberdade de contratar.

b) Consensualismo:

c) Relatividade dos Efeitos: os efeitos de uma relação somente podem atingir as partes. Isso é “relativamente” verdade, pois uma relação contratual pode afetar uma terceira pessoa, e.g., proteção externa do crédito é uma forma das diretrizes de um contrato obrigarem terceira pessoa que não faz parte daquela relação contratual, e.g., Shell contrata com cláusula proibindo o posto de gasolina a comprar combustível de outro posto. Se uma terceira

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companhia começa a vender gasolina para o Posto, a Shell poderá demandá-la, independentemente de ter relação contratual com ela.

d) Obrigatoriedade dos Contratos: as partes são serviçais do pacto que fizeram (pacta sunt servanda). Eventualmente, esse princípio é mitigado, pois havendo uma circunstância extraordinária que altere o equilíbrio entre as partes, a relação contratual deixará de ser obrigatória (cláusula rebus sic stantibus).

e) Função Social dos Contratos: nos termos do art. 421, a liberdade de contratar somente será legítima se se enquadrar nos limites da função social do contrato. A função social do contrato serve como ferramenta de interpretação e aplicação da lei. Há duas vertentes i) vertente interna ao contrato39: gera para as partes deveres recíprocos (lealdade, colaboração, etc) ii) vertente externa: as partes não podem construir relação contratual em sentido contrário a interesses sociais relevantes. Além disso, a função social obriga terceira pessoas à tutela externa do crédito consagrado no contrato40.

f) Boa-fé Objetiva: prevista no art. 422, obriga as partes ao cumprimento das normais expectativas decorrentes da relação contratual: colaboração, lealdade. Obriga a uma ação cooperativa, colaborativa, leal. É um estado ativo! Implica em três coisas: i) cria deveres anexos ii) função integradora, isto é, nas lacunas do contrato, o critério da boa-fé resolve iii) controle sobre o abuso de direito.

* O que a violação positiva do contrato tem a ver com a boa-fé objetiva?Ao firmar um contrato, as partes se obrigam pelas prestações + deveres anexos (que

não precisam estar escritos – colaboração, cooperação, informação), e.g., quando você contrata alguém para pintar sua sala, não precisa pedir para que ele não quebre a janela, não pinte a televisão, etc.

Mesmo que ele pinte a sala, ele cumpriu de um modo anormal, insuficiente. Isso é violação positiva do contrato.

* Controle do Abuso de Direito

Há dois institutos que decorrem do princípio da boa-fé objetiva:

- Supressio: proibição de comportamento contraditório “non venire contra factum propium”. O comportamento habitual de alguém em uma relação contratual vincula, isto é, gera direitos, ainda que uma cláusula contratual o favoreça. É um abuso de direito (art. 187), que deve ser controlado.

- Surretio:

g) Justiça Contratual (Equilíbrio dos Contratos): determina que as partes hão de retirar benefícios proporcionais aos ônus que eventualmente venham a despender. Isso é resolvido pelo instituto da lesão41 (art. 157).39 Confunde-se com a boa-fé objetiva.40 Professor Tepedino criou uma outra posição mais radical: a função social é um critério técnico-jurídico criador de deveres. Significa obrigação! Ela não cria facilidades ou garantias, mas sim deveres! Ela obriga que as partes construam uma relação contratual conforme os interesses sociais que recaiam sobre o objeto do contrato.41 A lesão é um vício justamente por ferir a justiça contratual.

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3. Efeitos

a) Contratos Bilaterais e Comutativos

O contrato bilateral é aquele no qual ambas as partes, para cada bônus, possuem um ônus em contrapartida. No unilateral, apenas uma das partes assume ônus, enquanto a outra não terá (e.g., mútuo). O contrato comutativo é o oposto do contrato aleatório.

Esses contratos possuem garantias previstas em lei, independentemente de previsão contratual:

- Direito de Retenção: é o direito à conservação de uma detenção inicialmente legítima sobre determinado bem, para além do prazo de restituição, em decorrência de um crédito líquido e certo do retentor frente ao possuidor ou proprietário em decorrência do zelo pela coisa. (art. 1.219 – benfeitorias nas hipóteses de locação).

- Exceptio non adimplet contratus (exceção do contrato não cumprido): (art. 476): ninguém que cumpriu a sua obrigação pode exigir o cumprimento alheio. É uma exceção de direito substancial (é uma forma de defesa contra uma pretensão). O objetivo é ser um meio de defesa contra o argumento da inadimplência. Não leva o contrato à extinção. Tem alguns pressupostos:

i) existência de um contrato bilateral e comutativo válido

ii) inadimplemento de uma das partes em decorrência do inadimplemento da outra, sem que haja previsão contratual de uma ordem sucessiva das prestações (“depois que você pagar eu entrego”).

iii) não pode haver a cláusula solve et repet (obriga as partes a cumprirem as respectivas prestações ainda que a outra tenha inadimplido). É muito típica dos contratos de direito público.

* Cabe exceção do contrato não cumprido na violação positiva do contrato?Sim, pela cláusula “exceptio rite non adimplet contratus”.

* Contrato de Seguro é aleatório?Para a doutrina tradicional, é aleatório, pois você paga o prêmio e não sabe se vai

receber a indenização. Porém, há parte da doutrina entende que não é, pois a prestação da empresa seguradora é oferecer estabilidade e isto ela cumpre.

- Vícios Redibitórios: é a garantia que tem a parte adquirente, em contratos comutativos, relativamente em relação aos vícios ocultos que causem perda de funcionalidade da coisa ou a diminuição de seu preço. A finalidade dessa garantia: i) permitir a redibição do contrato (extinção) ii) redução do preço da coisa.

Os mecanismos processuais para a defesa desses direitos são as ações edilícias: ação redibitória ou ação quanti minoris.

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O vício há de ser oculto, isto é, quando ele não é perceptível à normal sensibilidade das pessoas no primeiro contato. É sempre vício grave, isto é, capaz de atingir a funcionalidade da coisa, eliminando-a ou reduzindo o seu valor.

- Evicção: a evicção é uma garantia própria dos contratos comutativos onerosos, em razão da qual na hipótese de o adquirente sofrer a perda do direito de propriedade sobre a coisa adquirida em razão de decisão judicial posterior ao contrato e motivada por causa que lhe seja anterior, terá ele direito pelo menos ao reembolso das despesas com o contrato, dos frutos que eventualmente tenha sido obrigado a entregar, etc.

O fundamento dessa garantia é justamente o equilíbrio do contrato, pois há de garantir ao adquirente o pleno exercício das faculdades do domínio sobre a coisa adquirida.

Em suma:

- Serve para contratos onerosos (ambas as partes possuem dispêndio e bônus), comutativos (no momento de sua realização o conjunto das prestações é exigível, é o oposto do aleatório) e bilaterais (sinalagmáticos, para cada ônus há um bônus).

- Além disso, também as aquisições decorrentes de hasta pública podem ensejar a garantia. * Somente decisão judicial que determina a perda gera a possibilidade da garantia de evicção?

Não, a jurisprudência e a doutrina entendem que decisões administrativas podem ensejar o manejo da garantia da evicção.

* Qual é a natureza desta garantia? É disponível ou indisponível?De acordo com o art. 448, as partes podem reforçar, diminuir ou recusar a garantia da

evicção. Ora, é disponível, afinal, estamos em sede de direito patrimonial.

Pelo art. 449, mesmo renunciando, o adquirente tem direito ao ressarcimento do preço, senão haverá enriquecimento ilícito. Isto não descredencia a idéia de disponibilidade.

* Para o manejo da garantia da evicção é importante a consciência do alienante sobre a possibilidade da evicção?

Não, se o alienante sabia desta possibilidade é irrelevante, porém, se ele sabia e negou essa informação ao adquirente, infringirá a boa-fé objetiva, que enseja a reparação de danos.

4. Extinção do Contrato

O contrato é forjado sob as obrigações. Elas nascem, existem e se extinguem. Diante disso, pode-se dizer que todo contrato também possui um ciclo vital. Começa nas negociações preliminares, consuma-se através da aceitação e ingressa na fase de execução, tendendo a se extinguir. É, aliás, essa a diferença entre direito pessoal e direito real (tende à perpetuidade).

A extinção do contrato é o fenômeno jurídico por meio do qual as partes se liberam completamente dos vínculos contratuais que os amarram.

Os contratos possuem dois modos gerais de extinção: i) normalidade ii) anormalidade. A extinção normal do contrato se dá com a quitação recíproca das partes. Já a extinção

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anormal ocorre independentemente das vias usuais de extinção. A extinção anormal pode se dar:

a) Invalidade do Contrato: é um vício que contamina o contrato no momento da sua constituição. Pode ser motivada por:

i) nulidade (art. 166 CC)

- Celebrado por absolutamente incapaz.- Objeto ilícito ou impossível- Motivo for ilícito- Não possuir a forma legal prescrita42.- For preterida alguma solenidade essencial.- Tiver por objetivo fraudar a lei (aqui entra a simulação?)- A lei declará-lo nulo.

ii) anulabilidade (art. 171 CC)

- Incapacidade relativa da parte.- Vício de consentimento + fraude contra credores.

b) Arrependimento das Partes: o arrependimento é possível, já que aqui impera a autonomia da vontade. Dá-se por duas vias:

i) legal

ii) convencional (art. 420): as partes podem convencionar o arrependimento. As arras são uma garantia que, no caso do arrependimento, se converte em uma pena ressarcitória, e.g., eu faço o depósito das arras, mas tenho direito ao arrependimento e, caso me arrependa, a parte prejudicada fica com as arras.

Contudo, o arrependimento deve ser exercido antes do início da execução do contrato. Se se arrepender depois da execução, fere a boa-fé objetiva, pelo exercício anormal de um direito.c) Resilição: (art. 472). Corresponde ao desfazimento do contrato no curso de sua execução. É uma manifestação de vontade extintiva do vínculo. A resilição pode ser produto de uma vontade comum das partes ou de uma vontade unilateral:

i) distrato: é a expressão da resilição realizada por vontade comum das partes. Elas chegam ao entendimento de que aquele contrato não lhes convém mais. A única exigência é que deve ser feita pela mesma forma que o contrato.

ii) denúncia: é a resilição unilateral: determinados contratos permitem. Correspondem à manifestação unilateral no sentido de extinção do vínculo. Somente tem cabimento em determinados contratos:

- execução diferida- contrato de depósito

42 Exemplo: art. 108

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* O princípio da conservação dos contratos (ou qualquer outro princípio contratual) pode impedir a resilição em alguma hipótese?

O examinador quer saber você sabe o par. único do art. 473. Isso porque, se uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral somente produzirá efeitos depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.

Ou seja, a lei permite a autonomia da vontade, mas garante a justiça contratual. Aqui entra em campo o princípio da conservação dos contratos, pois a lei determina a manutenção do vínculo para diferir a eficácia da resolução unilateral que somente se realizará no momento em que houver equilíbrio entre certos eventos e a liberdade contratual da parte.

d) Resolução: possui como suporte fático um inadimplemento. Está fundada em duas hipóteses (art. 474 e 475):

i) cláusula resolutória tácita (implícita): todo contrato bilateral sinalagmático possui essa cláusula. Isso significa que, havendo o inadimplemento de uma das partes poderá haver como decorrência a resolução do contrato.

ii) pacto comissório:

* Ora, mas se todo contrato possui essa cláusula implícita, por que o legislador fala em cláusula expressa?

É que são cláusulas distintas em relação aos efeitos. Isso porque se não há cláusula resolutória explícita, para extinguir o contrato é necessário entrar em juízo para declarar a extinção do vínculo. Ou seja, a tácita depende de interpelação judicial. A expressa não, pois a resolução se dá de pleno direito!

* Violação positiva do contrato autoriza o manejo da cláusula resolutória?Em princípio não, mas, dependendo da circunstância, isso poderá ocorrer. Isso porque,

na maioria das vezes, a violação positiva do contrato demanda apenas reparação de danos, mas não a resolução.

* O manejo da cláusula depende do inadimplemento voluntário ou involuntário? É o inadimplemento voluntário, com efeitos ex tunc, reparação de danos, além da reposição econômica e social da partes.

O involuntário também enseja a resolução do contrato, mas com efeitos ex nunc , sem possibilidade de reparação de danos.

iii) por onerosidade excessiva (art. 478): é uma hipótese de resolução que decorre de inadimplemento involuntário. Tem lugar sempre que, nos contratos de execução continuada, sobrevier um acontecimento extraordinário e imprevisível (no momento da contratação) em decorrência do qual uma das partes tem a sua prestação exageradamente agravada, com um uma extrema vantagem para a parte co-contratante.CUIDADO: essa hipótese admite a revisão (e não extinção) do contrato em um único caso: quando aquele que tem a vantagem abrir mão dela para reequilibrar as condições do contrato (art. 479).

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* Por que a doutrina e jurisprudência possuem resistência em relação à revisão do contrato por onerosidade excessiva?

É que, quem daria a última palavra na revisão seria o Juiz, isto é, o Estado. Seria, então, uma intervenção estatal na autonomia negocial (essa é uma das crises do contrato43).

* É possível que o acontecimento extraordinário e imprevisível não implique em extrema vantagem para uma das partes?

Sim, pois em decorrência do mercado, o ganho da outra parte pode não ser tão desproporcional. Na verdade, a expressão “extrema vantagem” foi uma marotagem do legislador justamente para dificultar a prova da onerosidade excessiva.

Justamente por isso, a onerosidade excessiva do CDC se contrapõe à essa sistemática do CC, pois naquela não se exige a vantagem extremada do fornecedor.

Até em razão disso, doutrinadores civilistas afirmam que esses “ganhos excessivos” devem ser interpretados sob o prisma da lógica do razoável. Não há termos matemáticos para tal apuração.

e) Morte: nem sempre a morte enseja a extinção dos contratos, pois muita gente contrata, falece e os deveres inerentes ao contrato se transmitem aos herdeiros. Aliás, normalmente, a morte de um dos contratantes gera aquele efeito do contrato que atinge terceiros (herdeiros). A morte somente enseja a extinção do contrato quando este for personalíssimo, isto é, a prestação assumida somente puder ser prestada pela parte contratante.

CONTRATOS EM ESPÉCIE

1. Contrato Preliminar

É aquele que as partes se obrigam à realização de uma contratação futura.

O contrato preliminar, exceto quanto a forma, deve conter todos os requisitos essenciais do contrato celebrado. Isso porque as partes já chegaram, objetivamente, a conclusões positivas sobre o que desejam na futura relação contratual.

É um contrato puramente obrigacional, pois, na normalidade das situações, se houver descumprimento (isto é, se não vier a ocorrer), a situação se resolve em perdas e danos.

Excepcionalmente (art. 463), o juiz pode determinar o cumprimento do contrato preliminar, caso todos os requisitos do contrato principal estiverem plenamente entendidos.

* O contrato de compromisso de compra e venda é uma hipótese de contrato preliminar? Seria um contrato preliminar comum?

O compromisso de compra e venda é uma terminologia utilizada para a aquisição de propriedade imobiliária, normalmente loteada. Esse contrato era necessariamente utilizado para aquisição de imóvel loteado com pagamento parcelado. É, portanto, uma hipótese contratual muito específica. Hoje, pode-se dizer que o contrato de compromisso de compra e venda pode ser utilizado para a aquisição de propriedade imobiliária loteada ou não loteada.

As características principais são:

43 Note que a dupla crise do contrato envolve a judicialização do contrato. Questiona-se se o Estado teria, do ponto de vista jurídico, licença para intervir em uma relação contratual, reconfigurando-a.

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- Por seu intermédio, o promitente vendedor transfere ao compromissário comprador as faculdades do domínio sobre a coisa: direito de gozo, fruição e, até mesmo, o direito de disposição (possibilidade de cessão de direitos sobre o contrato). O promitente comprador conserva em suas mãos o domínio sobre o bem, notadamente a faculdade de disposição.

Os efeitos são:

- Gera algumas obrigações concomitantes (de fazer, dar), isto porque gera direitos reais de aquisição em favor do promitente comprador (art. 1.417 e 1.418).

* O que é indispensável no contrato de compromisso para que haja o direito real de aquisição?

- Quitação do preço (pagamento).- Ausência da cláusula de arrependimento- Registro no cartório de registro imobiliário.

26.02.08

* Mas é mesmo necessário o registro? Os arts. 462 e 463 tratam do contrato preliminar. O parágrafo único do art. 463

determina que o contrato preliminar deverá ser levado a registro competente. Contudo, em relação ao contrato de compromisso de compra e venda de bens imóveis, a jurisprudência decidiu pela dispensabilidade desse registro (Súmula 239 do STJ).

Ou seja, pela jurisprudência, mesmo sem o registro, há o direito de aquisição44.

* É possível a cláusula de arrependimento?Desde 1930 a cláusula de arrependimento é proibida em contratos de loteamento. Ela

só pode constar em um compromisso de um imóvel urbano comum. Em imóveis relativos a loteamento, a cláusula é absolutamente ineficaz, justamente para garantir a parte mais fraca (compromissário comprador)45.

2. Compra e Venda

É um contrato pelo qual uma das partes se obriga a transferir à outra, a propriedade de determinado bem, mediante o pagamento de determinado preço.

É um contrato translativo, contudo, não é um contrato real (que por seu intermédio já se permita a tradição). Isso porque ele estabelece uma relação de cunho obrigacional. O vendedor se obriga a transferir o domínio. Isso pode constituir em uma obrigação de fazer (facilitar o registro).

44 A grande dificuldade seria a ausência de publicidade, o que pode gerar interposição de terceiro (visando, por exemplo, adjudicação compulsória). No entanto, haverá sempre uma alternativa, pois o mais relevante é proteger um direito real de aquisição em face de um contrato quitado.45 Aliás, a lei de parcelamento do solo institui uma série de garantias em favor do promitente comprador. Ele deve ser notificado para que se constitua a mora. Além disso, havendo inadimplemento, o alienante, descontadas as despesas, deverá devolver os valores pagos pelo comprador (Sistema de Defesa do Consumidor – art. 53 do CDC)

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Além dos três pressupostos básicos de validade (partes capazes, objeto lícito, forma não prescrita em lei), possui três pressupostos básicos de existência: i) objeto ii) consenso iii) preço.

2.1. Legitimidade (Nulidade e Anulabilidade)

* Qual a diferença entre legitimidade e capacidade?Capacidade é um requisito genérico exigido pela lei para a manifestação de uma

vontade capaz de vincular o declarante. A legitimidade é uma exigência legal específica aditada ao quesito de capacidade em face de certas circunstâncias do contratante.

A legitimidade é um conceito tomado do direito processual e está ligado a questões práticas. Muitas vezes o indivíduo é capaz, mas não possui legitimidade para realizar uma compra e venda.

* Venda a descendentesNos termos do art. 496, é anulável, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do

alienante expressamente houverem consentido. Logicamente isso visa evitar a desigualdade das legítimas.

Se for separação obrigatória o cônjuge não precisa anuir. Contudo, lembre-se da Súmula 377 do STF: no regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.

* CUIDADO: na doação não precisa disso, pois, pela colação, cada descendente que receber a coisa será descontado na legítima. Ou seja, não haverá problema na sucessão.

* NULIDADE

Algumas pessoas, embora capazes, não podem adquirir bens, mesmo em hasta pública. (art. 497)

I - que estejam confiados à sua guarda, e.g., tutores, curadores, testamenteiros e administradores.

II – Servidores em relação aos bens da pessoa jurídica a que servirem.

III – Juízes, secretários e peritos no lugar onde servirem.

IV – Pelos leiloeiros e seus prepostos.

* Vênia Conjugal

A falta da vênia conjugal é caso de anulabilidade, nos termos do art. 1.649, podendo o cônjuge anular em até 2 anos.

2.2. Cláusulas Especial

São inseridas no contrato por meio de um pacto adjeto à compra e venda.

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a) Retrovenda: confere ao vendedor o direito potestativo46 de recobrar a coisa no prazo máximo de 3 anos, desde que, restituindo o preço corrigido e outras despesas (art. 505). Nesse caso, o adquirente terá uma propriedade resolúvel. (art. 507)* O direito do alienante (direito de retrato) cessível, transmissível a terceiros.

b) Preempção: as partes podem estabelecer, em favor do alienante, o direito de preferência na reaquisição sobre a coisa quando o adquirente vendê-la ou dar em pagamento (art. 513). Também pode ser oposto ao Poder Público, quando há um desvio de utilização do bem destinado.

c) Venda com reserva de domínio: o alienante reserva para si o domínio sobre a coisa, sob condição da transmissão da propriedade quando do pagamento integral do preço, transferindo, desde logo, para o adquirente, a posse, o uso e o gozo sobre o bem, objeto da avença. Ou seja, a transmissão do domínio fica condicionada ao pagamento do preço, mas sem prejuízo da tradição da coisa. Caso seja paga a parcela final, ocorrerá a transmissão da propriedade desse bem. Só pode ser estabelecido sobre bens móveis e duráveis. Havendo inadimplemento é obrigatória a constituição em mora e o alienante terá duas alternativas: i) cobrança ii) reintegração de posse. CUIDADO: o adquirente não é depositário! Ele é adquirente! Não há falar-se em depositário infiel.

VII - DIREITOS REAIS

1. Posse

1.1. Generalidades

O legislador tratou a posse como um fato suscetível de tutela, já que é um fato importante para o interesse social. É o poder de fato sobre determinada coisa.

Essa concepção baseia-se na teoria objetiva de Ihering47 (art. 1.196). Para este, para haver posse basta: i) corpus: relação entre titular do direito e a coisa ii) que o indivíduo aja como se for titular do domínio. Ou seja, Ihering dispensava o animus domini. Não precisa haver intenção de ser proprietário (o que não se confunde com agir como se fosse proprietário).

* O que diferencia o detentor do possuidor?O possuidor é o “fâmulo” da posse, é quem exerce a detenção de determinado bem, em

nome de terceiro e no interesse de terceiro. Dentro da filosofia do Código, a detenção é uma “posse degradada” pelo impedimento legal à aquisição da posse naquela situação específica (art. 1.198).

* Quais são as pessoas que, eventualmente, poderiam ser vistas como possuidores, mas a lei diz que não são.

Pelo art. 1.208, não induzem a posse os atos de mera permissão ou tolerância48, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou clandestinidade.46 Permite ao titular interferir na esfera jurídica de terceiro sem que este possa fazer coisa alguma para evitá-lo.47 Em contraposição, Savigny (t. subjetiva) entendia que a posse se compunha dos seguintes requisitos: i) corpus: relação jurídica entre alguém e determinada coisa ii): agir como se fosse titular do domínio. iii) animus domini: deseje ser o proprietário da coisa.48 Se alguém te visita e você oferece o quarto, isso não significa que a pessoa possuirá aquele cômodo.

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Ocorre que, no art. 1.200 o legislador diz que é justa a posse que não seja violenta, clandestina ou precária.

* Ora, mas então a posse violenta ou clandestina é posse ou é detenção?A doutrina e a jurisprudência entendem que, sendo violenta ou clandestina, não há

posse. Esta somente se dá quando cessa a violência ou clandestinidade. Antes é detenção!

* Em regra, a posse viciada mantém-se viciada. Ocorre que, ultrapassado o momento da violência ou clandestinidade, a posse pode se legitimar.

1.2. Modos de Aquisição

A posse pode ser objeto de aquisição pelo art. 1.205 e pelo art. 1.207: sucessão ou alienação (permite-se a soma de posses).

1.3. Efeitos

- Direito à tutela da posse, inclusive jurisdicional.- Direito a benfeitorias- Direito aos frutos da coisa (sempre quando for de boa-fé).

* BenfeitoriasSerão direito do possuidor, desde que esteja de boa-fé (art. 1.219). É aquele que

desconhecia o vício inicial da posse.

2. Propriedade

2.1. Características

É o direito de usar, gozar e fruir a coisa, além do direito de reivindicá-la de quem injustamente a possua. É dotado de:

- Exclusividade: não se permite a concorrência de outro titular do mesmo direito (isso não leva em conta o condomínio)

- Perpetuidade: a função social tende a afetar a perpetuidade (§ 4º do art. 1.228).

- Elasticidade: permite que as faculdades do domínio sejam parcialmente cedidas.

- Função Social: a propriedade é função social. Significa que só existe em razão do seu exercício segundo o interesse social predominante. É uma situação complexa, pois o titular do direito de propriedade não é dotado apenas de prerrogativas, mas sim de deveres (exercitá-la em consonância com a função social). Em relação à propriedade urbana, é regulada pelo art. 182 da C.F. e pelo E. da Cidade. A propriedade rural é regulada pelo art. 184.

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