89
1 FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA CURSO DE DOUTORAMENTO EM CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS DISCIPLINA DE DIREITO CONSTITUCIONAL REGENTE PROFESSOR DOUTOR JORGE MIRANDA Estrutura e Aplicabilidade das normas constitucionais de direitos sociais Relatório apresentado pela doutoranda Marcelene Carvalho da Silva Ramos, no âmbito da disciplina de Direito Constitucional, do doutoramento em Ciências Jurídico-Políticas, 2007/2008, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sob regência do Senhor Professor Doutor Jorge Miranda, como requisito parcial para obtenção do grau de doutoramento. Lisboa, Primavera de 2008

Direito Constitucional

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Matéria de Direito Constitucional

Citation preview

  • 1

    FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

    CURSO DE DOUTORAMENTO EM CINCIAS JURDICO-POLTICAS DISCIPLINA DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    REGENTE PROFESSOR DOUTOR JORGE MIRANDA

    Estrutura e Aplicabilidade das normas constitucionais de direitos sociais

    Relatrio apresentado pela doutoranda Marcelene Carvalho da Silva Ramos, no mbito da disciplina de Direito Constitucional, do doutoramento em Cincias Jurdico-Polticas, 2007/2008, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sob regncia do Senhor Professor Doutor Jorge Miranda, como requisito parcial para obteno do grau de doutoramento.

    Lisboa, Primavera de 2008

  • 2

    Do ponto de vista terico-constitucional, a legitimao fundamental das foras pluralistas da sociedade para participar da interpretao constitucional reside no fato de que essas foras representam um pedao da publicidade e da realidade da Constituio, no podendo ser tomadas como fatos brutos, mas como elementos que se colocam dentro do quadro da Constituio: a integrao, pelo menos indireta, da res publica na interpretao constitucional em geral expresso e conseqncia da orientao constitucional aberta no campo de tenso do possvel, do real e do necessrio. Uma constituio, que estrutura no apenas o Estado em sentido estrito, mas tambm a prpria esfera pblica, dispondo sobre a organizao da prpria sociedade e, diretamente, sobre setores da vida privada, no pode tratar as foras sociais e privadas como meros objetos. Ela deve integr-los ativamente enquanto sujeitos.

    Peter Hberle

  • 3

    SUMRIO

    Introduo.

    Consideraes iniciais.

    Captulo I - Normas constitucionais: natureza jurdica, hierarquia, classificao e eficcia.

    1 Natureza jurdica, hierarquia e classificao das normas constitucionais.

    2 Eficcia e aplicabilidade das normas constitucionais.

    Captulo II - Direitos Humanos e Direitos Fundamentais: concepes.

    Classificaes, interconectividade, catlogo, atipicidade, dimenses dos

    direitos fundamentais e estrutura das normas constitucionais de direitos sociais.

    1 Concepes de Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Classificao

    dos Direitos Fundamentais: os direitos, liberdades e garantias e os direitos

    sociais. Interconectividade ou integrao dos direitos fundamentais.

    2 - Catlogo constitucional de direitos fundamentais e a abertura a novos

    direitos: as clusulas abertas ou de no-tipicidade. Fundamentalidade.

    3- A dupla-dimenso dos direitos fundamentais: objetiva e subjetiva.

    4 A estrutura das normas constitucionais de direitos fundamentais sociais.

  • 4

    Capitulo III Aplicabilidade das normas de direitos sociais: maximizao de

    eficcia, vinculao dos poderes pblicos e clusula da reserva do possvel.

    1 - Clusula de maximizao ou otimizao de eficcia dos direitos

    fundamentais e a vinculao dos poderes pblicos. A vinculao do legislador

    aos direitos sociais e o princpio da liberdade de conformao.

    2 - Clusula da reserva do financeiramente possvel.

    Captulo IV Coliso entre Direitos Fundamentais, eficcia horizontal dos

    direitos sociais, limites reviso das normas constitucionais de direitos sociais

    e instrumentos constitucionais-processuais de tutela.

    1 - A coliso entre direitos fundamentais: a ponderao.

    2 - Eficcia e aplicabilidade horizontal dos direitos sociais: eficcia dos direitos

    fundamentais sociais nas relaes jurdico-privadas.

    3 - Limites reviso e reforma constitucional: os direitos fundamentais sociais

    como clusulas ptreas.

    4 - Instrumentos constitucionais-processuais de tutela dos direitos sociais.

    Captulo V - Justiciabilidade dos direitos sociais e a clusula geral de

    igualdade; os princpios da proibio de retrocesso social e da dignidade da

    pessoa humana e o ncleo essencial dos direitos fundamentais sociais.

    Concluses.

    Bibliografia.

  • 5

    Introduo.

    Optou-se por abordar a temtica da aplicabilidade das normas constitucionais de direitos sociais ressaltando trs mbitos tericos de insero do tema, que se apresentaram indispensveis para, em breve sntese, contextualizarem-se os avanos obtidos nessa seara e os desafios dogmticos que a matria ainda comporta.

    Nesse sentido, procura-se tratar a questo da estrutura das normas constitucionais de direitos sociais, comparando-se os ordenamentos constitucionais brasileiro e portugus e lanam-se algumas pistas de como se d a aplicabilidade das normas constitucionais de direitos sociais: se do mesmo modo como se aplicam as normas constitucionais veiculadoras de direitos de liberdades e garantias individuais ou de modo prprio e especfico. E ainda, se so as normas constitucionais de direitos sociais sindicveis perante o poder judicial ou se sua justiciabilidade fica prejudicada pela reserva legal para a elaborao de polticas pblicas nas diversas reas sociais e pela reserva do financeiramente possvel.

    Desse modo, a sistematizao do trabalho obedecer ao seguinte esquema: dar-se- nfase abordagem terica - Teoria Constitucional, Teoria da Norma Constitucional e Teoria dos Direitos Fundamentais-; ressaltando tambm o prisma dogmtico-jurdico - partindo do texto da atual Constituio brasileira (CF/88), traando um quadro comparativo com a vigente Constituio portuguesa (CRP/76). E ainda, de forma supletiva, destacar-se-o os instrumentos processuais-constitucionais de garantia e concretizao dos referidos direitos; e por derradeiro, a prxis acerca do assunto, por meio da anlise da jurisprudncia e no limite da demonstrao do aspecto da justiciabilidade dos direitos sociais nos ordenamentos constitucionais contemporneos do Brasil e de Portugal.

    Os temas inseridos no captulo IV tm propositadamente pouco desenvolvimento, eis que se inserem na temtica de outros doutorandos, servindo como coadjuvantes do tema aqui tratado.

  • 6

    Consideraes iniciais.

    No mbito da Teoria Constitucional o destaque para a revoluo copernicana, assim denominada por JORGE MIRANDA1, que tem correspondncia no discurso de HESSE2 acerca da fora normativa da Constituio ou ainda, no que vem sendo designado pela doutrina constitucional de neoconstitucionalismo3. Todos esses fenmenos tm subjacente a mudana de paradigma operada no Direito Constitucional, qual seja, a superao da supremacia parlamentar pela supremacia constitucional.

    Com o que, verifica-se uma alterao do eixo dos ordenamentos jurdicos dos Estados constitucionais contemporneos, com a Constituio assumindo o centro e o topo das ordens jurdicas dos Estados Democrticos de Direito.

    Mencionados fenmenos tm por fundamentos, todos em comum, o que tem vindo a ser sintetizado por meio de trs marcos que os reconhece e delimita. So eles4:

    1-Marco histrico: verifica-se no ps-Segunda Guerra Mundial na Europa ocidental (meados do sculo XX) e ps-ditaduras na Amrica Latina (no Brasil d-se somente na dcada de 80, pelo que configura-se o que BARROSO denomina de triunfo tardio do constitucionalismo brasileiro).

    2-Marco filosfico: o que tem vindo a ser denominado de ps-positivismo jurdico, pela conjugao dos ganhos do positivismo jurdico - autonomia e impositividade normativas - e do jusnaturalismo por meio do acolhimento pelo direito constitucional do contributo que as outras searas do conhecimento

    1 MIRANDA, Jorge in Manual de Direito Constitucional, IV, Coimbra, 2000, pp. 30-31.

    2 HESSE, Konrad, A Fora Normativa da Constituio, Srgio, Rio Grande do Sul-BR, 1991.

    3Por todos BARROSO, Lus Roberto, in Temas de Direito Constitucional, Tomo. III, Renovar, Rio de Janeiro, 2005. 4 Idem.

  • 7

    humano como a filosofia, as cincias econmicas, as cincias sociais, a histria, dentre outros podem oferecer realidade constitucional.

    3- Marco terico: propriamente o surgimento de um novo direito constitucional, que falta de melhor denominao vem sendo designado pelos doutrinados, modo geral, por neoconstitucionalismo. Esse novo constitucionalismo tem por fundamentos:

    3.1- A fora normativa da Constituio, tema da Aula Magna proferida por KONRAD HESSE, em 1959, na Universidade de Freiburg RFA, a defesa de um constitucionalismo prprio dos Estados Democrticos de Direito em que a Constituio um estatuto jurdico (dos fenmenos polticos, sociais, econmicos, etc.) e, portanto, suas normas so dotadas de eficcia jurdica, aptas, a inovarem a ordem jurdica, criando, extinguindo ou modificando direitos, de forma impositiva, coercitiva, exigvel em face de todos os seus destinatrios e sindicveis perante os poderes pblicos. E ainda, e por conseqncia, o reconhecimento da eficcia dos princpios constitucionais tanto quanto das normas-regras.

    3.2- Expanso dos direitos fundamentais com a incluso dos direitos sociais nos catlogos de direitos fundamentais das Constituies dos Estados Democrticos, para alm de direitos de liberdades e garantias individuais.

    3.3- Expanso da jurisdio constitucional com a adoo por outros Estados da Europa Continental do controle jurisdicional abstrato e concentrado de normas, e tambm por Estados Latino-americanos, ao lado do controle difuso e concreto de constitucionalidade.

    3.4- Construo de uma hermenutica constitucional especfica e apropriada soluo de coliso de princpios constitucionais e de direitos fundamentais, qual seja, a ponderao de valores ou bens jurdicos, para alm dos mtodos de interpretao clssicos de normas, que remetem ao silogismo jurdico ou

  • 8

    subsuno dos fatos s normas, que do conta da soluo dos conflitos entre regras constitucionais (soluo de tudo-ou-nada, na expresso de DWORKIN5).

    3.4.1- Fortalecimento da argumentao jurdica como mtodo racional de fundamentao das decises, em especial dos denominados casos difceis, na difundida expresso de DWORKIN6, em que o intrprete constitucional, mormente o juiz v-se, no caso concreto, com a difcil misso de, no limite, no podendo preservar os princpios ou direitos fundamentais colidentes, ter que afastar um e aplicar o outro, de acordo com princpios hermenuticos, em especial os da proporcionalidade (justa medida) e da razoabilidade (bom-senso), relevando, assim e tambm a importncia da interpretao principiolgica, sobretudo, repita-se, o princpio da proporcionalidade, no sentido da idoneidade ou adequao dos meios utilizados, a verificao quanto necessidade da sua utilizao para obteno dos fins ou resultado reclamados e a proporcionalidade em sentido estrito, pela ponderao dos bens jurdicos em contraposio 7.

    GARCIA DE ENTERRA assim sumaria a temtica, em traduo livre: a Europa do segundo ps-guerra viu liquidado o tema da titularidade da soberania pelo triunfo do princpio democrtico como princpio nico de organizao do poder, compreendido como pacto social bsico que todo o povo se d a si mesmo e que por isso vem erigir-se em norma suprema de todo o ordenamento que rege esse povo (conceito norte-americano de Constituio). Trs so os fatores que contribuem para capital transformao: (i) a desapario, com o estigma dos totalitarismos derrotados, de qualquer alternativa ao princpio democrtico puro, que passa a ser o nico e indiscutvel princpio de organizao poltica, tendo como suporte essa concepo de Constituio; (ii) a consagrao definitiva do sistema de justia constitucional, com base no sistema americano e na reelaborao do controle concentrado de constitucionalidade das leis de matriz kelseniana, pelo Tribunal Constitucional, 5 DWORDIN, Ronald in Los Derechos en serio, Barcelona, Ariel, 1989.

    6 DWORDIN, Ronald in Los Derechos en serio, Barcelona, Ariel, 1989.

    7ALEXY, Robert, Teoria de Los Derechos Fundamentales, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997.

  • 9

    com jurisdio exclusiva; (iii) a defesa intransigente do sistema democrtico e a proteo do sistema de direitos fundamentais e dos valores substantivos em que se apia, criando um sistema especial de proteo frente s maiorias eleitorais eventuais e mutveis, capaz de fazer valer esse ncleo essencial frente s leis ordinrias, fruto de possveis maiorias ocasionais. Sendo que, somente a normatividade superior da Constituio pode oferecer eficaz garantia aos valores superiores que se encontram no seio da sociedade.8

    Captulo I - Normas constitucionais: natureza jurdica, hierarquia, classificao, eficcia e aplicabilidade.

    1 Natureza jurdica, hierarquia e classificao das normas constitucionais.

    No mbito da Teoria da Norma Constitucional sobressai contempornea concepo das normas constitucionais como gnero do qual so espcies as regras e os princpios constitucionais 9 e insere-se na revoluo copernicana como um dos seus principais elementos. Disso decorre que:

    As normas constitucionais tm a mesma natureza, qual seja, natureza jurdica e de Direito Constitucional. Desse modo, no h hierarquia entre as normas constitucionais10, eis que sendo de mesma natureza e no havendo uma escala axiolgica das normas constitucionais - todos os valores e bens jurdicos tutelados pela Constituio tm valor constitucional. Assim, encontrando-se as normas constitucionais na mesma posio hierrquica no

    8 GARCA DE ENTERRA, Eduardo, in La Constitucin como norma y El tribunal constitucional,

    Thomson, Civitas, 2006, pp. 293-4. 9 Cfr.CANOTILHO, J.J. Gomes, in Direito Constitucional e Teoria da Constituio, Almedina,

    1998. 10

    Cf. ALEXY in Teoria ..:. a diferena entre princpios e regras qualitativa e no de grau.

  • 10

    ordenamento constitucional-, no h entre elas, a priori, uma ordem de precedncia.11

    Ao menos no h abstratamente. Admitir o contrrio seria compactuar com a idia de existncia de antinomias na Constituio, quando o que melhor se coaduna com a unidade da Constituio e harmonia do sistema constitucional um posicionamento que rechaa antinomias ou contradies na Constituio.

    Diferentemente se passar nos casos concretos, quando direitos subjetivos encontram-se em conflito, com o que, ter-se- a situao de coliso de direitos fundamentais, para o que as formas de busca da melhor soluo esto genericamente acima apontadas, qual seja, por meio da ponderao dos bens jurdicos em contraposio. O mesmo se passa entre coliso de princpios constitucionais.

    As normas constitucionais, contudo, diferem qualitativamente, com o que, regras e princpios constitucionais tm atributos ou qualidades prprias que os distinguem.

    Com efeito, os princpios constitucionais caracterizam-se pela vaguidez (so vagos ou fuzzy12), grande abertura exegtica, maior incompletude, impreciso, baixa densidade jurdica, contedo apriorstico, prima facie, definvel. Ainda, maior proximidade com a idia de Direito (LARENZ13) e irradiao a todo o sistema jurdico projetando-se sobre os preceitos constitucionais, inclusive sobre as regras, com o que, sobressai a caracterstica normogentica dos princpios constitucionais. Tambm de ressaltar-se a convivncia harmnica entre os princpios, pelo que no h excluso de nenhum deles do sistema em caso de coliso.

    11

    Em sentido semelhante JORGE MIRANDA in Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Coimbra, 2000, pp. 194-195, elabora um rol de direitos fundamentais por ordem preferencial, ressaltando, contudo, sua aplicabilidade apenas nos casos em concreto, diante da coliso de direitos fundamentais. 12

    Metodologia fuzzi e camalees normativos na problemtica atual dos direitos econmicos, sociais e culturais, 1996, in Estudos sobre Direitos Fundamentais, Coimbra, 2004. 13

    LARENZ, Karl, Metodologa de La Ciencia Del Derecho, Ariel Derecho, Barcelona, 2001.

  • 11

    J as regras constitucionais tm alta densidade ou densificao ou concretude jurdica e, por isso menor abertura hermenutica e ainda, contedo preciso, determinado e definitivo e, portanto, maior completude. Sua convivncia conflituosa ou excludente (tudo-ou-nada).

    De modo que, as regras constitucionais tm a qualidade de proporcionar maior segurana jurdica, em contrapartida, ensejam menor liberdade de conformao ao intrprete constitucional. Os princpios constitucionais nada obstante ensejarem menor segurana jurdica proporcionam ao sistema (e ao intrprete) constitucional maior liberdade de conformao da ordem jurdica, propiciando, ainda, a mutao constitucional, que enquanto mudana operada na constituio de maneira informal (por meio da interpretao e aplicao das normas), mantm a constituio viva (living constitution), em mtua influncia no que respeita s transformaes sociais.

    2 - Eficcia e aplicabilidade das normas constitucionais.

    As normas constitucionais diferem tambm quanto eficcia ou aplicabilidade. Eficcia e aplicabilidade, conquanto categorias jurdicas autnomas, so conexas, eis que imbricadas na temtica da concretizao constitucional. Enquanto a eficcia aponta para a potncia da norma (o potencial ou aptido para a produo de efeitos jurdicos) a aplicabilidade remete reazabilidade concreta da norma constitucional, ou seja, realizao de seu contedo. Sendo ainda fenmeno conexo a ambos a efetividade ou eficcia social da norma, que remete concretizao de seu contedo social14.

    H vrias classificaes na doutrina no que pertine eficcia da norma constitucional. Todas convergem para uma diferenciao na potencialidade de densificao ou concretizao das normas constitucionais, o

    14

    Cfr. BARROSO, Lus Roberto In O direito constitucional e a efetividade de suas normas, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 85.

  • 12

    que resultar num maior ou menor grau de aplicabilidade de tais normas ou em sucessivos graus de efectividade (ou eficcia) intrnseca das normas15.

    Por todas, destaquem-se as classificaes de J.MIRANDA e J.A.SILVA16. So elas, respectivamente: normas preceptivas exeqveis por si mesmas e normas preceptivas no exequveis por si mesmas e normas programticas (contendo fins e programas a serem prosseguidos pelo Estado); e normas de eficcia plena e aplicabilidade direta e imediata, de eficcia limitada ou reduzida e aplicabilidade indireta e mediata, dependentes de intermediao legislativa, que se desdobram em normas de princpios institutivos ou regulativos e normas de princpios programticos e normas constitucionais de eficcia contida e aplicabilidade direta, imediata, mas possivelmente no integral (ex: art. 5, XIII, CF/8817).

    A propsito de tratar acerca da eficcia das normas constitucionais, J.A.SILVA aponta as dificuldades que a doutrina em geral encontra no que pertine existncia mesma do direito, questo essa que ultrapassa as fronteiras do direito constitucional, sendo afeta prpria teoria geral do direito.

    Da que categorias jurdicas diversas como positividade, vigncia, eficcia, observncia, facticidade e efetividade do Direito, por vezes so tomadas pelo mesmo sentido semntico, sendo que, a teoria egolgica do Direito18 distingue apenas validez e vigncia, tomando os demais termos como sinnimos.

    J para a sociologia jurdica a vigncia da norma reconduz sua eficcia e assim, de acordo com EVARISTO DE MORAIS FILHO vigente o 15

    MIRANDA, Jorge In Teoria do Estado e da Constituio, Rio, Forense, 2005, pp. 212-223. 16

    MIRANDA, Jorge In Teoria do Estado e da Constituio, Rio, Forense, 2005, pp. 212-223 e SILVA, Jos Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, So Paulo, Malheiros, 7. Edio, 2007, pp. 62-87 17

    Art. 5, XIII, CF/88: livre o exerccio de qualquer trabalho, ofcio ou profisso, atendidas as qualificaes profissionais que a lei estabelecer. 18

    COSSIO, Carlos in Teora de La verdad jurdica, p. 180, cfr. SILVA, Jos Afonso, in Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 63.

  • 13

    Direito que obtm, em realidade, a aplicao eficaz, o que se imiscui na conduta dos homens em sociedade e no o que simplesmente se contm na letra da lei, sem ter conseguido fora real suficiente para impor-se aos indivduos e grupos sociais.19

    SILVA perfilha-se ao normativismo kelseniano20, que diferencia vigncia de eficcia, reconduzindo aquela ordem do dever-ser e esta do ser, significando vigncia a prpria existncia da norma no direito positivado no presente, atual21 e eficcia a sua aplicabilidade ou efetividade.

    Entendendo por eficcia a capacidade de atingir objetivos previamente fixados como metas. Tratando-se de normas jurdicas, a eficcia consiste na capacidade de atingir os objetivos nela traduzidos, que vm a ser, em ltima anlise, realizar os ditames jurdicos objetivado pelo legislador.22

    Sendo que distingue - a eficcia social, que designa uma efetiva conduta acorde com a prevista pela norma, refere-se ao fato de que a norma realmente obedecida e aplicada.., ou o que BARROSO23 designa de efetividade da norma de eficcia jurdica, que a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurdicos, ao regular, desde logo, as situaes, relaes e comportamentos de que cogita.24

    19

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., p. 64. 20

    KELSEN, Hans, in Teoria Pura do Direito, v I, 18 e 19. 21

    Resume o autor, p. 65, que a Positividade do Direito exprime a caracterstica de um Direito que rege, in concreto, a conduta humana, mediante normas bilaterais e atributivas, socialmente postas; pode ser histrico, como atual; ope-se a direito natural e a Vigncia do Direito ou Direito vigente, caracteriza o Direito que rege, aqui e agora, hic et nunc, as relaes sociais; refere-se ao Direito presente; designa a existncia especfica de uma norma,opondo-se ao direito histrico. 22

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., p. 66. 23

    BARROSO, Lus Roberto, in O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas, pp. 78 e ss.

    24 Para BARROSO, Lus Roberto, in A doutrina brasileira de efetividade, Temas de Direito

    Constitucional, tomo III, Renovar, Rio de Janeiro, 2005, pp. 61 e ss., Tradicionalmente, a doutrina analisa os atos jurdicos em geral, e os atos normativos em particular, em trs planos distintos: o da existncia (ou vigncia), o da validade e o da eficcia. As anotaes que se

  • 14

    Anota ainda, que uma norma pode ter eficcia jurdica sem ser socialmente eficaz, significando que pode gerar certos efeitos jurdicos, como o de revogar normas anteriores e todavia, no ser efetivamente cumprida no plano social. Contudo, tais categorias so conexas.25

    Observa, ainda o doutrinador, que o Direito depara-se com a problemtica da classificao das normas para explicar a maneira como o imperativo se manifesta26, questo que no concerne apenas ao direito constitucional, mas tambm cincia do Direito. Assim, assevera que o carter imperativo das normas jurdicas revela-se no determinar uma conduta positiva ou uma omisso, um agir ou um no-agir; da distinguirem-se as normas jurdicas em preceptivas as que impem uma conduta positiva e em proibitivas as que impem uma omisso, uma conduta omissiva, um no-atuar, no fazer. Destacando ainda, que as normas constitucionais so na sua grande maioria dos dois tipos e que, todavia, tal distino reduz-se, no mais das vezes a uma significao filosfica (DEL VECCHIO), j que um mesmo comando pode traduzir-se sob forma preceptiva ou proibitiva, em especial, no que respeita ao direito constitucional no tocante s normas veiculadoras de direitos e garantias fundamentais, onde a afirmativa de direitos subjetivos em favor dos indivduos importa a negativa da ao do Poder Pblico.27

    Ressalta, tambm, que para DEL VECCHIO tais espcies de normas so primrias porque so suficientes por si mesmas, isto , exprimem diretamente uma regra obrigatria do agir; outras so secundrias, visto que no so bastantes por si mesmas, mas dependem de outras, a que devemos

    seguem tm por objeto um quarto plano que por longo tempo fora negligenciado: o da efetividade ou eficcia social da norma. A idia de efetividade expressa o cumprimento da norma, o fato real de ela ser aplicada e observada, de uma conduta humana se verificar na conformidade de seu contedo. Efetividade, em suma, significa a realizao do Direito, o desempenho concreto de sua funo social. Ela representa a materializao, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximao, to ntima quanto possvel, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. 25

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., p. 66. 26

    DEL VECCHI, Giorgio, in Philosophie Du Droit, p.206. 27

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., p. 67.

  • 15

    reportar-nos para compreender aquelas exatamente. Contudo, no se tratam das denominadas normas constitucionais auto-aplicveis e as no auto-aplicveis, aquelas bastante em si e estas no-bastantes em si, eis que para DEL VECCHIO as normas secundrias so as regras declarativas ou explicativas, excluindo de tal classificao as interpretativas, incluindo porm, as ab-rogativas (com o que no concorda SILVA).28

    Assevera, que a clssica distino das normas jurdicas sob o ponto de vista da eficcia a qual resume todas as outras que as separa em normas coercitivas (ius cogens, normas cogentes, taxativas, na terminologia de Del Vecchio) e normas dispositivas (ius dispositivum). Sendo que, coercitivas so as que impem uma ao ou uma absteno independentemente da vontade das partes, classificando-se, por isso, em normas preceptivas (ou, segundo outros, imperativas) e em normas proibitivas, como doutrinam HERMES LIMA (Introduo cincia do Direito), BENJAMIM DE OLIVEIRA FILHO (Introduo cincia do Direito), VICTOR NUNES LEAL (Classificao das normas jurdicas), alm de DEL VECCHIO. E dispositivas so aquelas que completam outras ou ajudam a vontade das partes a atingir seus objetivos legais, porque da natureza imperativa do Direito no se segue que ele no leve em conta ou suprima sempre a vontade individual (HERMES LIMA), sendo certo que tambm gozam de imperatividade, eis que, dadas certas condies ou hipteses previstas, incidem obrigatoriamente.29

    Adverte, que as normas constitucionais situam-se na esfera do direito cogente e que as normas constitucionais dispositivas afiguram-se to

    28

    Cf. SILVA, J.A, in op. cit., pp. 68-70: Normas permissivas (ou facultativas so as que atribuem uma permisso, sem determinar a obrigatoriedade de uma conduta positiva ou omissiva o que teria induzido parte da doutrina a afirmar que nem todo Direito imperativo. Alerta SILVA para o equivoco, eis que as normas permissivas constituem, em princpio, excees a regras proibitivas existentes na ordem jurdica o que freqente no mbito do direito constitucional e de onde precisamente decorre sua imperatividade (as excees). Sendo exemplo de regras ao mesmo tempo permissivas e proibitivas no ordenamento constitucional brasileiro as regras de competncia as quais contm simples faculdade ou autorizao para o exerccio do poder outorgado, como exemplo frisante a competncia para decretar tributos. 29

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., pp. 70-1.

  • 16

    vinculantes como as demais, j que ao facultarem um modo de agir, excluem qualquer outro (...) ou vedam a obteno dos fins nelas previstos de outro modo que no na forma, limites e condies que autorizam (...) e portanto, um ato ou lei que estatua de outro jeito ser fulminado de inconstitucionalidade.30

    E destaca do pensamento de FRANCISCO CAMPOS, que sendo todas elas de ordem constitucional, tero, igualmente, a mesma fora, que lhes provm no de sua matria, mas do carter do instrumento a que aderem, no podendo conceber que se reserve ao legislador o arbtrio de distingui-las, para o efeito de sua observncia, em essenciais ou substanciais, a saber, imperativas ou mandatrias e em acessrias ou de mera convenincia, isto , diretrias.31

    Lembra, que a jurisprudncia e a doutrina norte-americanas elaboraram uma classificao das normas constitucionais sob o ponto de vista de sua aplicabilidade em self-executing provisions e not self-executing provisions, o que foi traduzido na doutrina brasileira, em especial por RUY BARBOSA por, respectivamente, normas auto-aplicveis ou aplicveis por si mesmas, ou ainda, bastantes em si e normas no auto-aplicveis ou no auto-executveis ou no executveis por si mesmas, ou ainda, no-bastantes em si. Tal distino decorre da constatao de que as constituies consubstanciam normas, princpios e regras de carter geral, a serem convenientemente

    30

    Afirmando no haver no direito constitucional normas supletivas no sentido usado no direito privado, SILVA (pp.71-2) recorda que a jurisprudncia norte-americana pretendeu distinguir as normas constitucionais em duas categorias: a) as mandatory provisions (prescries mandatrias), que seriam clusulas constitucionais essenciais ou materiais cujo cumprimento obrigatrio e inescusvel; b) as directory provisions (prescries diretrias), de carter regulamentar, podendo o legislador comum dispor de outro modo, sem que isso importasse inconstitucionalidade de seu ato, tendo recebido crticas de COOLEY (Treatise on the constitutional limitations). Sendo que tal formulao repelida por FRANCISCO CAMPOS, porque remeteria quela que distingue leis constitucionais formais e materiais e tambm por SILVA, a quem repugna ao regime da constituio escrita ou rgida a distino entre leis constitucionais em sentido material e formal; em tal regime, so indistintamente constitucionais todas as clusulas constantes da constituio, seja qual for o seu contedo ou natureza. 31

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., p. 72.

  • 17

    desenvolvidos e aplicados pelo legislador ordinrio, j que no podem, nem devem, descer s mincias de sua aplicao.32

    As normas constitucionais self-executing ou self-enforcing ou ainda self-acting, so aquelas desde logo aplicveis porque revestidas de plena eficcia jurdica, por regularem diretamente as matrias, situaes, comportamentos de que cogitam; as normas constitucionais not self-executing ou not self-enforcing ou not self-acting so aquelas no auto-executveis, no auto-aplicveis, no-bastantes em si, em suma, so as de aplicabilidade dependente de leis ordinrias.33

    Todavia, sublinha que tal classificao no consentnea com o constitucionalismo contemporneo, sendo por isso, tal matria sido reelaborada sob outros ngulos e de acordo com o contedo scio-ideolgico das constituies do aps-guerra, eis que, como formulada sugere a existncia nas constituies de normas ineficazes e destitudas de imperatividade, destacando que o prprio RUY j reconhecia que no h, numa Constituio, clusulas, a que se deva atribuir meramente o valor moral de conselhos, avisos ou lies. Todas tm fora imperativa de regras, ditadas pela soberania nacional ou popular aos seus rgos. Advertindo ainda que: Nem as normas ditas auto-aplicveis produzem por si mesmas todos os efeitos possveis pois so sempre passveis de novos desenvolvimentos mediante legislao ordinria, nem as ditas no auto-aplicveis so de eficcia nula, pois produzem efeitos jurdicos e tm eficcia, ainda que relativa e reduzida.34

    Como anota sobre CRISAFULLI:

    32

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., pp. 72-3. Na expresso de RUY BARBOSA in Comentrios Constituio Brasileira, v. 2, pp. 475 e ss.: so largas snteses, sumas de princpios gerais, onde, por via de regra, s se encontra o substractum de cada instituio nas suas normas dominantes, a estrutura de cada uma, reduzida, as mais das vezes a uma caracterstica, a uma indicao, a um trao. 33

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., pp. 74. 34

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., pp. 75-6.

  • 18

    no se saberia verdadeiramente em que fazer consistir o carter completo de uma norma; cada norma, em certo sentido, incompleta, porque geral e abstrata, tanto que necessita do trabalho do intrprete para tornar-se concretamente aplicvel aos casos singulares da vida social, compreendidos na respectiva categoria; existem demais disso, normas mais ou menos (...) incompletas, ou, em outros termos, que requerem operaes mais ou menos demoradas e complexas de interpretao para preencher-se o hiato que sempre separa a regra abstrata do caso historicamente individual que se trata de regular concretamente.35

    Buscando uma reelaborao da temtica, sem desprezar de todo a formulao norte-americana, constata SILVA, que na Itlia do ps-guerra os doutrinadores dedicaram-se anlise do tema movidos por decises dos tribunais acerca da eficcia e aplicabilidade nas normas constitucionais, partindo de pontos de vista desde os mais extremados36 at chegarem a um resultado mais satisfatrio, em especial no que pertine s normas programticas, salientando sua importncia no ordenamento jurdico onde esto inseridas. O que seria mesmo de estranhar houvesse numa constituio rgida instrumento jurdico dotado de supremacia e superlegalidade normas que no fossem de natureza jurdica. O simples fato de serem inscritas nela atribui-lhes natureza de normas fundamentais e essenciais, e no se pode duvidar de sua juridicidade, nem de seu valor normativo.37

    Ressalta que no se nega que as normas constitucionais tm eficcia e valor jurdico diversos umas de outras, mas isso no autoriza recursar-lhes juridicidade. (...) Todo princpio inserto numa constituio rgida 35

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., p.76. 36

    Cfr. SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., p 76: AZZARITI in Problemi attualli di diritto constituzionale acolheu a tese judicial que distingue as normas constitucionais em programticas e de natureza jurdica, o que equivale a negar juridicidade s primeiras, sustentando que tais normas puramente diretivas se limitam a indicar uma via ao legislador futuro, no sendo nem mesmo verdadeiras normas jurdicas, negando-lhes qualquer eficcia e, mesmo que a lei delas divirja, ainda sero vlidas. 37

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., p.76-7.

  • 19

    adquire dimenso jurdica, mesmo aqueles de carter mais acentuadamente ideolgico-programtico (...), exemplificando com a norma inserta no art. 170 da CF/88, que trata da ordem econmica que tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social.38

    Ao final e ao cabo, a doutrina e a jurisprudncia italianas formularam a seguinte classificao das normas constitucionais, quanto eficcia e aplicabilidade: a) normas diretivas, ou programticas, dirigidas essencialmente ao legislador; b) normas preceptivas, obrigatrias, de aplicabilidade imediata; c) normas preceptivas, obrigatrias, mas no de aplicabilidade imediata.

    Repele SILVA veementemente uma tal classificao pela qual as normas diretivas no contm qualquer preceito concreto, mas do somente diretivas ao legislador futuro, e no excluem, de modo absoluto, a possibilidade de que sejam emanadas leis no conforme com elas, e menos ainda atingem, de qualquer maneira, as leis preexistentes - eis que se fundamentam na distino entre normas constitucionais jurdicas e no-jurdicas, advertindo que normas puramente diretivas no existem nas constituies contemporneas, j que todas as normas jurdicas so dotadas de imperatividade, mesmo as permissivas. E mais, que as normas programticas exercem relevante funo no ordenamento jurdico, tendo efeitos jurdicos e no se dirigindo apenas aos legisladores.39

    Assevera, que a eficcia jurdica constitui a base da aplicabilidade das normas constitucionais e que no h norma constitucional alguma destituda de eficcia irradiando, todas elas, efeitos jurdicos e inovando a ordem jurdica, admite porm, que a eficcia de certas normas constitucionais no se manifesta na plenitude dos efeitos jurdicos pretendidos pelo constituinte enquanto no se emitir uma normao jurdica ordinria ou

    38

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., p. 80. 39

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., pp. 80-1.

  • 20

    complementar executria, prevista ou requerida. Desse modo, diferenciam-se as normas constitucionais apenas quanto ao grau de seus efeitos jurdicos.40

    Todavia, prossegue, insuficiente classificar as normas constitucionais em apenas dois grupos como apregoam alguns autores, como CRISAFULLI41, dividindo-as em a) normas constitucionais de eficcia plena, que seriam aquelas de imediata aplicao; b) normas constitucionais de eficcia limitada42; propondo, ao invs, uma trplice classificao das normas constitucionais em I normas constitucionais de eficcia plena; II normas constitucionais de eficcia contida; III normas constitucionais de eficcia limitada ou reduzida. As primeiras so normas que produzem todos os seus efeitos essenciais, ou tm a possibilidade de produzi-los e portanto, todos os objetivos visados pelo constituinte, porque criadas com normatividade suficiente e incidem direta e imediatamente sobre a matria que lhes constitui objeto. As segundas tambm incidem imediatamente produzindo ou podendo produzir todos os efeitos desejados, todavia, prevem meios ou conceitos que permitem manter sua eficcia contida em certos limites, dadas certas circunstncias. As ltimas so todas as que no produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos, porque o legislador constituinte, por 40

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., pp.81-2. 41

    CRIZAFULLI, Vezio, in La Costituzione elLe sue disposizioni di principio, 1952. 42

    MEIRELLES TEIXEIRA, J.H. in Curso de Direito Constitucional, 1991, p. 317 e ss., j na dcada de 50 sob inspirao da classificao de Crisafulli criticou a doutrina norte-americana que silenciava acerca da ingerncia do legislador no cumprimento de normas auto-executveis, ausncia de reconhecimento de efeitos jurdicos s normas no auto-executveis e acerca de situaes intermdias. Para M.Teixeira as normas de eficcia plena so as que produzem, desde o momento de sua promulgao, todos os seus efeitos essenciais, isto , todos os objetivos especialmente visados pelo legislador constituinte, porque este criou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matria que lhes constitui objeto. As normas constitucionais de eficcia limitada ou reduzida so as que no produzem, logo ao serem promulgadas, todos os seus efeitos essenciais, porque no se estabeleceu, sobre a matria, uma normatividade para isso suficiente, deixando total ou parcialmente essa tarefa ao legislador ordinrio. Sobre as normas programticas e de legislao, subcategorias das normas de eficcia limitada ou reduzida, ensinou que: As primeiras, versando sobre matria eminentemente tico-social, constituem, verdadeiramente, programas de ao social (econmica, religiosa, cultural, etc.), assinalados ao legislador ordinrio. As normas de legislao, todavia, no possuem contedo de natureza tico-social, mas inserem-se na parte de organizao da Constituio, e, excepcionalmente, na relativa aos direitos e garantias (liberdades).

  • 21

    qualquer motivo, no estabeleceu, sobre a matria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinrios ou a outro rgo do Estado.43

    Desse modo, as normas de eficcia plena tm aplicabilidade direta, imediata e integral sobre os valores ou interesses normatizados constitucionalmente; as normas de eficcia limitada so de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida porque dependentes de uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a eficcia, conquanto venham uma incidncia reduzida e surtam outros efeitos no-essenciais, ou melhor, no dirigidos aos valores-fins da norma, mas apenas a certos valores-meios e condicionantes; e as normas de eficcia contida so de aplicabilidade direta, imediata, mas no integral, porque sujeitas a restries previstas ou dependentes de regulamentao que limite sua eficcia e aplicabilidade.44

    Observa, que as constituies contemporneas contm categorias distintas de normas de eficcia limitada: algumas dependem apenas de atuao posterior do legislador para conferir-lhes executoriedade (vg as normas que estabelecem organizao e competncias estatais, como as dos arts. 90 2 e 91,2, CF/88) e outras que no remetem lei, mas estabelecem apenas uma finalidade, um princpio, mas no impem propriamente ao legislador a tarefa de atu-las, mas requerem uma poltica pertinente satisfao dos fins positivos nelas indicados, como por exemplo, a norma contida no art. 196, CF/88 acerca do direito sade.45

    Diante disso, a doutrina estabeleceu uma sub-diviso na classificao das normas constitucionais de eficcia limitada: a) normas programticas, que versam sobre matria eminentemente tico-social, constituindo verdadeiramente programas de ao social (econmica, religiosa, 43

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., pp.82-3. 44

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., pp.82-3. 45

    Art. 196. A sade direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao.

  • 22

    cultural etc.) e b) normas de legislao, que no tm contedo tico-social,mas se inserem na parte organizativa da constituio.46

    Contudo, tal terminologia no adequada realidade, eis que h normas programticas que tambm so de legislao, porque remetem lei para incidir, como exemplo a do inciso V do art. 203 da Constituio: garantia de um salrio mnimo de benefcio mensal pessoa portadora de deficincia e ao idoso que comprovem no possuir meios de prover prpria manuteno ou de t-la provida por sua famlia, conforme dispuser a lei. Demais, a expresso normas de legislao no indica o contedo da norma, critrio em que se baseia a distino.47

    Reconhece a dificuldade de dar tratamento cientfico adequado classificao das normas constitucionais quanto sua eficcia e aplicabilidade e observa, que todas as normas de eficcia limitada ou reduzida positivam princpios ou esquemas sobre a matria objeto de cogitao do constituinte, o qual deixa ao legislador ordinrio ou a outros rgos de governo sua concreo normativa, refiram-se ou no a uma legislao futura. A diferena que umas declaram princpios regulativos ou institutivos, e outras, princpios programticos.48

    Todavia, por si s o critrio de legislao futura no fundamenta o fenmeno, eis que h normas constitucionais de eficcia direta e aplicabilidade imediata que tambm mencionam uma legislao futura, como ilustram algumas normas que outorgam direitos e garantias constitucionais.49

    Em casos assim, o direito conferido no fica na dependncia da lei futura; as restries ao exerccio desse direito que dependem de legislao. Esta, em conseqncia, servir para limitar a expanso da eficcia 46

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., p.84. 47

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., p.84. 48

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., pp.84-5. 49

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., p .85. De que exemplo o art. 37,I,CF: os cargos, empregos e funes pblicas so acessveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;.

  • 23

    normativa, pelo qu se poder admitir, como j admitimos, a classe das normas de eficcia contida, isto , normas cuja eficcia contida em certos limites pelo legislador ordinrio ou por outro sistema (poder de polcia, bons costumes, ordem pblica etc.). Se a conteno, por lei restritiva, no ocorrer, a norma ser de aplicabilidade imediata expansiva.50

    Com isso, conclui apresentando a j clebre classificao tricotmica das normas constitucionais quanto eficcia e aplicabilidade mais consentnea com a realidade constitucional contempornea, em (1) normas de eficcia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral (2) normas de eficcia contida e aplicabilidade direta e imediata, mas possivelmente no integral (3) normas de eficcia limitada (a) declaratrias de princpios institutivos ou organizativos (b) declaratrias de princpio programtico.51

    Rerefe ainda, a classificao apresentada por JORGE MIRANDA52 salientando sua utilidade sob vrios aspectos, objetando, todavia, que do ponto de vista da eficcia e aplicabilidade, sua classificao se reduz a no mais do que: a) normas constitucionais preceptivas e normas constitucionais programticas; b) normas constitucionais exequveis e no-exequveis; c) normas constitucionais a se e normas sobre normas constitucionais.

    JORGE MIRANDA, em sua obra Teoria do Estado e da Constituio,53 tambm confronta seu pensamento com o de JOS AFONSO DA SILVA. Antes porm de retratar tal cotejo, mister destacar a formulao

    50

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., p.85. 51

    SILVA, Jos Afonso, Aplicabilidade..., p.86. Em nota de rodap de n. 6851, SILVA analisa as classificaes formuladas por autores brasileiros como CELSO ANTNIO BANDEIRA DE MELLO, LUS ROBERTO BARROSO, CELSO RIBEIRO BASTOS e CARLOS AURES DE BRITO, MARIA HELENA DINIZ E PINTO FERREIRA aludindo a impropriedades ou insuficincias de cada uma delas, em contraposio tipologia que construiu. 52

    MIRANDA, Jorge, in Manual de Direito Constitucional, t.II, pp.212-223. 53MIRANDA, Jorge in Teoria do Estado e da Constituio, Rio, Forense, 2005, p. 445.

  • 24

    classificatria das normas constitucionais quanto eficcia e aplicabilidade54 de JORGE MIRANDA, no que sobressai:

    Normas constitucionais preceptivas e normas constitucionais programticas sendo preceptivas as de eficcia incondicionada ou no dependente de condies institucionais ou de facto e programticas aquelas que, dirigidas a certos fins e a transformaes no s da ordem jurdica mas tambm das estruturas sociais ou da realidade constitucional (da o nome), implicam a verificao pelo legislador, no exerccio de um verdadeiro poder discricionrio, da possibilidade de as concretizar. Normas constitucionais exeqveis e no exequveis por si mesmas as primeiras aplicveis s por si, sem necessidade de lei que as complemente; as segundas carecidas de normas legislativas que as tornem plenamente aplicveis s situaes da vida;.

    Observa JORGE MIRANDA,55 que sobre as normas preceptivas e normas programticas e ainda as normas exeqveis e as no exeqveis por si mesmas no h uma diferena de natureza ou de valor. S existem diferenas de estrutura e de projeco no ordenamento. So normas umas e outras jurdicas e, desde logo, normas jurdico-constitucionais, integrantes de uma mesma e nica ordem constitucional; nenhuma delas mera proclamao poltica ou clusula no vinculativa. To pouco se vislumbram dois graus de validade, mas s de realizao ou de efectividade.

    As normas programticas, ensina JORGE MIRANDA:

    so de aplicao diferida, e no de aplicao ou execuo imediata; prescrevem obrigaes de resultados, no obrigaes de meios; mais do

    54

    MIRANDA, Jorge in Teoria do Estado e da Constituio, Rio, Forense, 2005, p. 440, item c) e tambm p. 441, item d). Deixamos de debruarmo-nos sobre as normas constitucionais a se e normas sobre normas constitucionais por entendermos que no se reportam eficcia e aplicabilidade, eis que, de acordo com JORGE MIRANDA as primeiras contm uma especfica regulamentao constitucional, seja a ttulo de normas materiais, seja a ttulo de normas de garantia, e reportando-se estas a outras normas constitucionais para certos efeitos (como as normas sobre reviso constitucional ou as disposies transitrias). 55

    MIRANDA, Jorge in Teoria do Estado e da Constituio, Rio, Forense, 2005, p. 441.

  • 25

    que comandos-regras explicitam comandos-valores; conferem elasticidade ao ordenamento constitucional; tm como destinatrio primacial embora no nico o legislador, a cuja opo fica a ponderao do tempo e dos meios em que vm a ser revestidas de plena eficcia (e nisso consiste a discricionariedade); no consentem que os cidados ou quaisquer cidados as invoquem j (ou imediatamente aps a entrada em vigor da Constituio), pedindo aos tribunais o seu cumprimento s por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas constam, mxime os direitos sociais, tm mais natureza de expectativas que de verdadeiros direitos subjetivos aparecem, muitas vezes, acompanhadas de conceitos indeterminados ou parcialmente indeterminados.56

    Contudo, alerta JORGE MIRANDA nenhum desses traos definidores (...) briga com a juridicidade das normas programticas: nem a eficcia diferida ou a elasticidade queridas pelo legislador constituinte porque a dimenso prospectiva (CANOTILHO) tambm uma dimenso do ordenamento jurdico, pelo menos no Estado social e pelo menos de certas Constituies; (...) nem mesmo a indeterminao pois, segundo os cnones de interpretao, o que importa a determinabilidade dos conceitos.57

    Revendo posio anterior, MIRANDA entende que a distino entre normas preceptivas e as programticas inerente ao Estado social de Direito e democracia pluralista; e que ela confere maleabilidade a adaptabilidade ao sistema. Mais: admitimos at, dentro de certos limites, variaes de estrutura das normas consoante as Constituies, os tempos histricos e as circunstncias dos pases.58

    Ressalta MIRANDA, ainda, que muito embora haja uma sobreposio na classificao das normas constitucionais em preceptivas e

    56

    MIRANDA, Jorge in Teoria do Estado e da Constituio, Rio, Forense, 2005, p.442. 57

    MIRANDA, Jorge in Teoria do Estado e da Constituio, Rio, Forense, 2005, pp.442-3. 58

    MIRANDA, Jorge in Teoria do Estado e da Constituio, Rio, Forense, 2005, p.443.

  • 26

    programticas e a classificao em exeqveis e no exeqveis por si mesmas, elas no se confundem, eis que entre as normas preceptivas e as programticas a diferenciao se situa na interaco com a realidade constitucional susceptvel ou no de ser, s por fora das normas constitucionais, imediatamente conformada de certo modo entre as normas exequveis e as normas no exeqveis o critrio distintivo est nas prprias normas e vem a ser a completude ou incompletude destas.59

    Em ltima ratio o que caracteriza as normas no exeqveis a necessidade de edio de legislao ulterior. E mais, todas as normas exeqveis por si mesmas podem considerar-se preceptivas, mas nem todas as normas preceptivas so exeqveis por si mesmas. Em contrapartida, as normas programticas so todas (ou quase todas0 norma no exeqveis por si mesmas.60

    E avana JORGE MIRANDA, ensinando:

    Quer as normas programticas quer as normas preceptivas no exeqveis por si mesmas caracterizam-se pela relevncia especfica do tempo, por uma conexa autolimitao e pela necessidade de concretizao, e no s de regulamentao legislativa. Separam-se, no entanto, por as normas preceptivas no exeqveis por si mesmas postularem apenas a interveno do legislador, actualizando-as ou tornando-as efectivas, e as normas programticas exigirem mais do que isso, exigirem no s a lei como providncias administrativas e operaes materiais. As normas no exeqveis por si mesmas preceptivas dependem apenas de factores jurdicos e de decises polticas; as normas programticas dependem ainda (e sobretudo) de factores econmicos e sociais.61

    59

    MIRANDA, Jorge in Teoria do Estado e da Constituio, Rio, Forense, 2005, p.443. 60

    MIRANDA, Jorge in Teoria do Estado e da Constituio, Rio, Forense, 2005, p.444. 61

    MIRANDA, Jorge in Teoria do Estado e da Constituio, Rio, Forense, 2005, p.444.

  • 27

    E prossegue, ressaltando a maior liberdade de conformao de que goza o legislador perante as normas programticas, j que sua concretizao somente se exige quando se verificarem os pressupostos de fato (especialmente econmicos e sociais). O mesmo no se passa com as normas preceptivas no exeqveis, que devero ser completadas pela lei nos prazos relativamente curtos delas decorrentes; (...).62

    J com relao s normas exeqveis por si mesmas, os comandos constitucionais actualizam-se s por si; nas norma no exeqveis preceptivas, aos comandos constitucionais acrescem as normas legislativas; e nas normas no exeqveis por si mesas programticas tem ainda de se dar uma terceira instncia a instncia poltica, administrativa e material, nica com virtualidade de modificar as situaes e os circunstancialismos econmicos sociais e culturais subjacentes Constituio.63

    Ao final e ao cabo, JORGE MIRANDA prope uma classificao alternativa, livre de sobreposies, e correspondente a sucessivos graus de efectividade (ou eficcia) intrnseca das normas: 1) normas preceptivas exeqveis por si mesmas; 2) normas preceptivas no exeqveis por si mesmas; 3) normas programticas.64

    E ento, ao confrontar com a trplice classificao de SILVA, conclui que as normas de eficcia plena de SILVA correspondem s normas exeqveis; as normas declaratrias de princpios institucionais e organizatrios correspondem grosso modo s normas preceptivas no exeqveis e as normas declaratrias de princpios programticos s normas programticas. (...) E as normas de eficcia contida, entende JORGE MIRANDA que bem podem reconduzir-se s normas preceptivas.65

    62

    MIRANDA, Jorge in Teoria do Estado e da Constituio, Rio, Forense, 2005, p.444. 63

    MIRANDA, Jorge in Teoria do Estado e da Constituio, Rio, Forense, 2005, p. 444. 64

    MIRANDA, Jorge in Teoria do Estado e da Constituio, Rio, Forense, 2005, p. 445. 65

    MIRANDA, Jorge in Teoria do Estado e da Constituio, Rio, Forense, 2005, p.445.

  • 28

    possvel realmente compreender-se de tal forma. Todavia, parece-nos que a classificao da norma constitucional em contida, ou seja, aquela cuja aplicabilidade direta e a eficcia imediata, porm, possivelmente no integral eis que pode vir a ser restringida pelo legislador, vg art. 5, XIII ( livre o exerccio de qualquer trabalho, ofcio ou profisso, atendidas as qualificaes profissionais que a lei estabelecer), oferece um grau de eficcia e aplicabilidade diverso das normas preceptivas, cuja eficcia incondicionada ou no dependente de condies institucionais ou de facto66, nada dizendo o ilustrado autor quanto s restries jurdicas ulteriores impostas pelo legislador.

    Assim, perfilhamo-nos classificao de SILVA, quanto contribuio da tipologia das normas constitucionais de eficcia contida, na taxionomia das normas constitucionais, que quanto ao mais, convergem as classificaes propostas por ambos os renomados doutrinadores.

    Captulo II - Direitos Humanos e Direitos Fundamentais: concepes. Classificaes, interconectividade, catlogo, atipicidade, dimenses dos direitos fundamentais e estrutura das normas constitucionais de direitos sociais.

    1 Concepes de Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Classificao dos Direitos Fundamentais: os direitos, liberdades e garantias e os direitos sociais. Interconectividade ou integrao dos direitos fundamentais.

    PREZ LUN, diz que, ao se interrogar ao cidado mdio sobre o que se entende por direitos humanos, na maioria dos casos se dir que esta cuestin es suprflua, por la pretendida evidencia que cada ser humano tiene de sus prprios derechos. Em traduo livre, pode se entender que a expresso direitos humanos j no sculo XVIII apresentou-se como critrio 66

    MIRANDA, Jorge, in Teoria do Estado e da Constituio. p. 440.

  • 29

    inspirador e medida de todas as instituies jurdico-polticas a partir do segundo ps-guerra mundial erigiu-se em idia guia da doutrina e prxis poltica, contudo com o alargamento do mbito do uso do termo direitos humanos seu significado foi-se tornando mais impreciso, com uma perda gradual de seu significado descritivo de determinadas situaes ou exigncias jurdico-polticas, na mesma medida em que sua dimenso emocional foi ganhando terreno.67

    Destaca o autor, a equivocidade do termo direitos humanos, que tem sido empregado com muitas diversas significaes e com indeterminao e impreciso (vaguidade) notveis.68

    Diante da significao heterognea da expresso direitos humanos, detecta PREZ LUN trs definies: a) tautolgica, pela qual os direitos do homem so os que correspondem ao homem pelo s fato de ser homem; b) formal, sem especificao de contedo, limitando a afirmar que direitos do homem so aqueles que pertencem ou devem pertencer a todos os homens, e dos quais nenhum pode ser privado; c) teleolgicas: as que apelam a certos valores ltimos, suscetveis de diversas interpretaes, v.g. os direitos

    67

    PRES LUN, Antonio Enrique in Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucin, Tecnos, Madrid, 2005, pp. 23-24. 68

    PRES LUN, Antonio Enrique in Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucin, Tecnos, Madrid, 2005, p25. Para algunos, los derechos humanos suponen una constante histrica cuyas races se remontan a las instituciones y el pensamiento del mundo clsico. Otros, por el contrario, sostienen que la Idea de los derechos humanos nace com la afirmacin cristiana de la dignidad moral del hombre em cuanto persona. Frente a estos ltimos, a su vez, hay quien afirma que el cristianismo no supuso un mensaje de libertad, sino ms bien uma aceptacin conformista del hecho de la esclavitud humana. Sin embargo, lo ms frecuente es considerar que

  • 30

    do homem so aqueles imprescindveis para o aperfeioamento da pessoa humana, para o progresso social ou para o desenvolvimento da civilizao.69

    Sem embargo, o autor apresenta a seguinte definio de direitos humanos, em traduo livre: conjunto de faculdades e instituies que, em cada momento histrico, concretam as exigncias de dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurdicos a nvel nacional e internacional.70

    Tambm a questo terminolgica entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, tem ocupado a doutrina, sendo oportuno salientar nossa opo pela designao de direitos fundamentais assim concebidos aqueles direitos essenciais ao ser humano e que se encontram positivados nas Constituies, observada a relao espao/tempo, e de que se ocupa de sua teorizao o Direito Constitucional.

    Segundo entendemos, a designao direitos humanos invariavelmente compe a terminologia usada no mbito do Direito Internacional, onde os Direitos Humanos tm pretenses de universalidade e ainda, pela filosofia do direito, sociologia do direito e outros campos das cincias ou conhecimento humano que no propriamente o Direito Constitucional.71

    Contudo, sublinhe-se, todos convergem (ou devem convergir) para os direitos essenciais dignidade da pessoa humana.

    69

    PRES LUN, Antonio Enrique in Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucin, Tecnos, Madrid, 2005, p. 27. 70

    PRES LUN, Antonio Enrique in Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucin, Tecnos, Madrid, 2005, p.50 conjunto de faculdades e instituciones que, em cada momento histrico, concretan las exigncias de la dignidad, la libertad y la igualdad humanas, las cuales deben ser reconocidas positivamente por los ordenamientos jurdicos a nvel nacional e internacional.

    71 No mesmo sentido, dentre outros: MIRANDA, JORGE, in Manual ..... e VIEIRA ANDRADE,

    JOS CARLOS, in Os Direitos Fundamentais na Constituio Portuguesa de 1976, Almedina, Coimbra, outubro d 2007. Em sentido diverso: OTERO, PAULO in Instituies Polticas e Constitucionais, vol. I, Almedina, Coimbra, setembro de 2007. Quanto caracterstica de universalidade dos direitos ver especialmente PREZ LUN, Antonio Enrique in La Tercera Generacin de Derechos Humanos, Thomson, Navarra, 2006, pp. 205 e ss.

  • 31

    Os direitos humanos tm como uma de suas caractersticas a historicidade, pelo que, sua aquisio se faz de modo histrico, acompanhando a evoluo da humanidade.

    Assim que os direitos de liberdade (civis e polticos) reportam ao Estado Liberal do perodo das revolues burguesas (em especial em Frana no sculo XVIII) em que se conquistou a garantia da no-interveno estatal (absteno) sobre tais direitos. So tambm denominados direitos negativos em oposio aos direitos de ao que so direitos designados positivos e que impem um facere ou dare ao Estado.72

    J os direitos de ao so contemporneos formao da sociedade de massa em que os direitos conquistados referem vivncia em uma sociedade urbana e remetem ao ideal de igualdade no sentido de igualdade de acesso aos bens jurdicos e exigem uma atuao do Estado no nvel de assegurar direitos prprios de tais necessidades, como direitos moradia, ensino, sade, segurana social, dentre outros, de ndole de uma prestao jurdica (nomativa- organizativa) e material (disponibilizao de bens materiais). So por isso tambm designados por direitos prestacionais em sentido estrito. A contraposio so os direitos prestacionais em sentido amplo, quais sejam, os direitos aos procedimentos jurdicos e organizativos e direitos de participao na organizao do sistema de direitos de ao ou a prestaes.

    Contudo, h evidente conectividade ou conexo entre os direitos de liberdade e os direitos sociais. Os direitos de liberdade tambm dependem em grande parte de prestaes do Estado, especialmente normativas e organizacionais (v.g. segurana pblica). Por outro lado, h direitos sociais que exigem uma absteno do Estado (v.g. livre iniciativa escolha do trabalho).

    Para ALEXANDRINO, hoje relativamente consensual a no identificao entre direitos fundamentais sociais e direitos a prestaes, do mesmo modo que no seria menos grosseira a identificao dos direitos, 72

    As expresses esto p. 103 de MIRANDA, Jorge, in Manual.... p. 103.

  • 32

    liberdades e garantias com os direitos negativos ou de defesa. Desde logo porque o conceito de direitos a prestaes um conceito alargado, em que podem naturalmente reentrar distintas classes de posies jurdicas, que no apenas direitos fundamentais sociais (entre as quais, os direitos proteco ou os direitos organizao). Em segundo lugar, porque, mesmo junto dos direitos de liberdade, so concebveis (a ttulo auxiliar e instrumental e at a ttulo principal) componentes positivas e pretenses a prestaes.73

    Da evidente a integrao entre os direitos de liberdades e os direitos sociais, sendo sua interconectividade destacada pela unanimidade da doutrina.

    2 - Catlogo constitucional de direitos fundamentais e a abertura a novos direitos: as clusulas abertas ou de no-tipicidade. Fundamentalidade.

    As Constituies dos Estados Democrticos contemporneos plasmaram um feixe de direitos fundamentais, incluindo catlogos de direitos individuais e coletivos de liberdades e direitos sociais, econmicos e culturais, e ainda outros direitos fora dos catlogos, de forma expressa, como os direitos ao meio ambiente (difusos) ou de forma implcita como veremos a seguir.

    VERGOTINNI, em traduo livre, ressalta que a disciplina dos direitos se contm principalmente no texto das Constituies ou s vezes nos atos substancialmente constitucionais com uma denominao diversa. Historicamente, figuram atos como as declaraes de direitos do perodo da Revoluo Francesa de 1789 e as cartas de direitos das colnias inglesas da Amrica do Norte (Bills of Rigths) de 1776.74

    73

    ALEXANDRINO, Jos de Melo, in A estruturao do sistema de direitos, liberdades e garantias na Constituio Portuguesa, vol. II, A construo dogmtica, Almedina, p. 234. 74

    VERGOTTINI, Giuseppe de, in Derecho Constitucional Comparado, SEPS Secretariado Europeo per Le Publicazioni Scientifiche, 2004, pp. 153-4. Esses atos, prossegue o autor, proclamam de forma solene os direitos considerados naturais, como a propriedade, a liberdade pessoal, a segurana, a resistncia opresso, que precederam o Bill of Rigths

  • 33

    ALEXANDRINO pe em relevo o sentido da existncia de um catlogo detalhado de direitos sociais, tendo em vista a distino que a CRP faz quanto natureza desses direitos e dos direitos, garantias e liberdades. E afirma que o sentido antes de tudo poltico, servindo para lembrar ao legislador, politicamente legitimado na sua qualidade de principal destinatrio desses direitos, a imposio permanente de justia social e bem-estar pretendida pela Constituio e o patamar por ela requerido para o desfrute, em termos de igualdade de oportunidades e de condies para o desenvolvimento da personalidade de cada um, de todos os demais direitos fundamentais.75

    Mas no s poltico, tambm jurdico (...) e projecta ao nvel do texto constitucional o modelo de sociedade bem ordenada imaginada pelo constituinte, que obriga pelo menos imposio de polticas pblicas com ele condizentes e que envolve pelo menos um segmento da proibio de recriar omisses inconstitucionais.76

    Tambm as constituies contemporneos prescrevem a integrao ao ordenamento constitucional ou ordem jurdica infra-constitucional de outros direitos decorrentes dos prprios princpios por ela adotados77 ou direitos anlogos aos de liberdade78 ou ainda decorrentes de

    ingls, de 1689, que ratificou os direitos tradicionalmente garantidos ao cidado no marco da Common Law. Correntemente as declaraes e os Bill os Rights aparecem como prembulo da Constituio (vg Constituio Canadense de 1960), porm, podem ser posteriores Constituio, como nas emendas incorporadas a partir de 1789 Constituio Americana de 1789. Ou ainda, como em Frana, em que o Conselho Constitucional francs considerou parte integrante da Constituio os direitos enunciados pela Declarao de 1789 atravs do reenvio realizado pelo prembulo da Constituio de 1958. 75

    ALEXANDRINO, Jos de Melo, in A estruturao do sistema de direitos, liberdades e garantias na Constituio Portuguesa, vol. II, A construo dogmtica, Almedina, p. 224. 76

    ALEXANDRINO, Jos de Melo, in A estruturao do sistema de direitos, liberdades e garantias na Constituio Portuguesa, vol. II, A construo dogmtica, Almedina, p. 224-226: eis que, ao ocupar um espao prprio na estrutura constitucional, alm de concretizar e qualificar um tipo de Estado juridicamente legitimado a intervir e da um importante efeito ao nvel do reconhecimento de uma eventual liberdade geral de aco na configurao da vida econmica e social, pode incluir um conjunto de garantias pontuais, obriga institucionalizao e organizao, impe determinados modelos de cooperao, participao e integrao e, no final, fixa a direco da concretizao arquetpica do princpio do Estado social. 77CF/88, art. 5, 2: Os direitos e garantias expressos nesta Constituio no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte.

  • 34

    acordos, convenes ou tratados de que sejam os respectivos Estados signatrios79.

    Tratam-se dos direitos fundamentais que ingressam na ordem jurdica por meio das clusulas abertas ou de no tipicidade dos direitos fundamentais. Respectivamente, no direito brasileiro por meio da previso constitucional do art. 5 2, CF e no direito portugus pela prescrio do artigo 16/1, CRP, que consagram a abertura constitucional a novos direitos fundamentais provenientes de outras fontes, em especial os tratados e convenes e declaraes internacionais de direitos, ressaltando que o catlogo constitucional (ou os catlogos) no taxativo.

    Acresa-se que no direito portugus, alm do regime especfico dos direitos, liberdades e garantias e do regime especfico dos direitos sociais, econmicos e culturais, e ainda do regime do direito dos trabalhadores, a CRP prev os direitos anlogos aos direitos, liberdades e garantias, atribuindo-lhes o mesmo regime dos direitos, liberdades e garantias (diverso do regime dos direitos sociais, econmicos e culturais, a teor do art. 17, CRP).80

    JORGE MIRANDA entende que, por ser Portugal um Estado social de Direito, podem os direitos sociais (econmicos e culturais tambm) serem acrescidos aos que j se encontram prescritos constitucionalmente, mormente como medida de solidariedade, promoo das pessoas e correo das desigualdades. Exemplifica invocando o art. 74/2, a), CRP, que prescreve a incumbncia do Estado em assegurar o ensino bsico universal, obrigatrio e

    78

    CRP/76, art.17: O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no ttulo II e aos direitos fundamentais de natureza anloga. 79

    CRP/76, art. 16, n.1: Os direitos fundamentais consagrados na Constituio no excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicveis de direitos internacional. E tambm, CF/88, art. 5, 2, acima transcrito. 80

    Cfr. MIRANDA, Jorge, in Manual de Direito Constitucional ..., p. 145 no domnio dos direitos fundamentais, encontram-se dois nveis de regimes: a) regime comum a de todos os direitos fundamentais os direitos de liberdade e os direitos sociais e,bem assim, comum a todos os direitos previstos na ordem jurdica portuguesa; b) regime especfico dos direitos, liberdades e garantias, por uma banda, e regime especfico dos direitos econmicos, sociais e culturais, por outra banda.

  • 35

    gratuito, sendo que tem-se verificado um alargamento da durao do ensino bsico desde a vigncia da Constituio/76.

    Todavia, alerta para o problema real que se verifica quando da criao ou atribuio de novo direito e suas implicaes sobre os j existentes, j que, nenhum direito absoluto ou ilimitado e cada novo direito tem que coexistir com os demais direitos, sem quebra da unidade do sistema. E assim, apenas alguns direitos podem ser considerados fundamentais: so aqueles que por sua finalidade ou fundamentalidade, pela conjugao com direitos fundamentais formas, pela natureza anloga destes (cfr. Ainda o art. 17.), ou pela sua decorrncia imediata de princpios constitucionais, se situem a nvel da Constituio material.81

    3- A dupla-dimenso dos direitos fundamentais: objetiva e subjetiva

    Os direitos fundamentais tm dupla dimenso (i) so direitos objetivos - eis que, para alm de estarem positivados na ordem jurdica e como tal geram um dever estatal de proteo e promoo e vinculam os poderes pblicos - pertencem a toda a coletividade e (ii) constituem ainda direitos subjetivos, titularizados individualmente e sindicveis perante os poderes pblicos e particulares e ainda justiciveis, ou seja, exigveis perante o poder judicial.

    Essa dupla perspectiva: direitos fundamentais como direitos subjetivos e por outro lado como elementos objetivos fundamentais da comunidade , sem dvida, uma das mais relevantes formulaes do direito constitucional contemporneo.82

    81

    MIRANDA, Jorge in Manual de Direito Constitucional ..., pp. 166-168. 82

    Cfr. SARLET, Ingo Wolfgang in A Eficcia dos direitos fundamentais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001, pp. 142-151;

  • 36

    A fundamentalidade objetiva, que demonstra a importncia das normas jusfundamentais para o sistema jurdico, tambm comporta uma dupla percepo: formal e material, segundo ALEXY: (i) a fundamentalidade formal resulta de sua posio no topo da estrutura escalonada do ordenamento jurdico enquanto direito diretamente vinculante para a legislao, para o poder executivo e para o poder judicial; (ii) a fundamentalidade material reside no fato de que as normas jusfundamentais representam decises sobre a estrutura normativa bsica do Estado e da sociedade.83

    A dimenso subjetiva, que partida aquela que maior complexidade confere problemtica dos direitos fundamentais sociais, e que norteia e perpassa todo o presente ensaio, sustenta-se em dois argumentos com base em ALEXY: (i) a finalidade precpua dos direitos fundamentais reside na proteo do indivduo e no da coletividade, ao passo que a perspectiva objetiva consiste, em primeira linha, numa espcie de reforo da proteo jurdica dos direitos subjetivos; (ii) argumento de otimizao ou de carter principiolgico dos direitos fundamentais, pelo qual, o reconhecimento de um direito subjetivo significa um grau maior de realizao do que a previso de obrigaes de cunho meramente objetivo.84

    A proteo dos direitos individuais d-se sob a forma de direito subjetivo (CANOTILHO), justificado o valor outorgado autonomia individual como expresso da dignidade humana (ANDRADE) muito embora, acrescenta SARLET, a presuno em favor da perspectiva subjetiva (individual) no exclui a possibilidade, inclusive reconhecida pela nossa Constituio, de atribuir-se a titularidade de direitos fundamentais subjetivos a certos grupos ou entes coletivos, que todavia, e em que pese a distino entre as noes de pessoa e

    83

    ALEXY, Robert in Teora de los derechos fundamentales, Madrid, Dentro de Estudios Polticos y constitucionales, 1997, pp. 503-506. 84

    ALEXY, Robert in Teora de los derechos fundamentales, Madrid, Centro de Estudios Polticos y constitucionales, 1997, pp. 506 e ss.

  • 37

    indivduo, gravitam, em ltima anlise, em torno da proteo do ser humano em sua individualidade.85

    4 A estrutura das normas constitucionais de direitos fundamentais sociais.

    Se no h uma diferena de natureza entre as normas constitucionais veiculadoras de direitos fundamentais de liberdade, como vimos, pode haver entre elas e as normas de direitos sociais uma diferenciao de estrutura. Tal depende de como os direitos sociais so positivados na Constituio, isto , como tais normas foram configuradas pelo constituinte e da como elas se projetam no ordenamento jurdico. A variao depende do momento histrico e das circunstncias fticas - sociais, polticas, econmicas, culturais - e ainda do tipo de Constituio elaborada.

    Os direitos de liberdade, por conterem impedimento de indevida interveno na autonomia privada, e portanto imporem uma absteno estatal -com as ressalvas j feitas quanto interconectividade entre os direitos de liberdade e os direitos sociais, eis que os primeiros tambm demandam uma organizao e estrutura estatal/administrativa para o exerccio de muitos desses direitos, vg, no que respeita ao processo eletivo - so inscritos, invariavelmente, em normas constitucionais de eficcia direta e aplicabilidade imediata, sem qualquer necessidade de intermediao legiferante.

    J as normas constitucionais veiculadoras dos direitos sociais so plasmadas nas constituies, sobretudo, com carter aberto (aqui no no sentido de atipicidade, mas de configurao aberta, principiolgica, incompleta, com baixa densidade jurdica), dependentes para sua efetivao da concretizao legislativa, administrativa ou, em ultima ratio, judicial. Em suma,

    85

    Cfr. SARLET, Ingo Wolfgang in A Eficcia dos direitos fundamentais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001, pp. 142-151;

  • 38

    dada a sua maior incompletude dependem da conformao do intrprete constitucional para serem aplicadas.86

    So essencialmente normas constitucionais de aplicabilidade indireta ou mediata e de eficcia reduzida ou ainda, normas de eficcia contida, de aplicabilidade direta e imediata, todavia, possivelmente no-integral, pela restrio que tais normas podem sofrer quando integralizadas, sobrevindo lei87.

    de salientar, contudo, que todas as normas constitucionais consagradoras de direitos fundamentais, inclusive as veiculadoras de direitos sociais, possuem eficcia mnima ou negativa, que impede que o legislador aniquile o ncleo ou contedo essencial do direito fundamental.

    Por outro prisma, o constituinte pode ainda inscrever tais direitos como programas e metas por meio das denominadas normas programticas (no meramente programticas88) a serem atingidos pelo estado e pela sociedade, por meio da formulao, implementao e execuo de polticas pblicas. o que ocorre com muitas normas da CF/88 acerca do direito sade, educao, previdncia social, dentre outros.89 Nada obstante tais

    86

    H, contudo, normas de direitos fundamentais sociais formuladas pelo constituinte com densidade jurdica e completude suficientes o que as fazem normas imediatamente aplicveis. Confira no seguinte julgado do STF acerca da gratuidade do transporte coletivo para idosos: ADI 3768 / DF - Relator(a): Min. CRMEN LCIA . Julgamento: 19/09/2007 - rgo Julgador: Tribunal Pleno Publicao:DJE-131 DIVULG 25-10-2007 PUBLIC 26-10-2007.DJ 26-10-2007. EMENTA: AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 39 DA LEI N. 10.741, DE 1 DE OUTUBRO DE 2003 (ESTATUTO DO IDOSO), QUE ASSEGURA GRATUIDADE DOS TRANSPORTES PBLICOS URBANOS E SEMI-URBANOS AOS QUE TM MAIS DE 65 (SESSENTA E CINCO) ANOS. DIREITO CONSTITUCIONAL. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATA. NORMA LEGAL QUE REPETE A NORMA CONSTITUCIONAL GARANTIDORA DO DIREITO. IMPROCEDNCIA DA AO. 1. O art. 39 da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) apenas repete o que dispe o 2 do art. 230 da Constituio do Brasil. A norma constitucional de eficcia plena e aplicabilidade imediata, pelo que no h eiva de invalidade jurdica na norma legal que repete os seus termos e determina que se concretize o quanto constitucionalmente disposto. 2. Ao direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. 87

    Ou normas no exeqveis por si mesmas, na terminologia adotada pelo Professor Jorge Miranda.

    88 Referimo-nos s normas meramente programticas aquelas da superada doutrina italiana de

    AZZARITI, Gaetano, in Problemi attuali di diritto constituzionale, Milo, Dott. A. Giuffr Editore, 1951, ou seja, normas de cunho meramente poltico destitudas de qualquer eficcia jurdica. 89

    Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de aes de iniciativa dos Poderes Pblicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos sade, previdncia e assistncia social. Art. 196. A sade direito de todos e dever do Estado,

  • 39

    direitos comporem o catlogo de direitos sociais (art. 6, captulo II, Ttulo II, dos Direitos e Garantias Constitucionais, CF/88), o so na forma da Constituio.

    de se ressaltar, por oportuno, que a CRP/76 positivou de forma diversa os direitos de liberdades e os direitos sociais. Com efeito, h uma diferena expressa de regime para os direitos de liberdade e para os direitos sociais. o que prescreve o art. 17: O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no ttulo II e aos direitos fundamentais de natureza anloga.

    Corroborando tal distino, o art. 18/1, da CRP, que trata da fora jurdica dos preceitos de direitos fundamentais, prev que: 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias so directamente aplicveis e vinculam as entidades pblicas e privadas.

    preciso ressalvar, contudo, que a doutrina e mesmo a jurisprudncia do Tribunal Constitucional portugus vm aproximando os dois regimes: o regime especfico de direito fundamental dos direitos e liberdades - aplicveis tambm aos direitos que lhe sejam anlogos -, do regime aplicado aos direitos sociais.90

    V-se que do enunciado do art. 18/1,CRP tm-se um importante esteio para a autonomizao do conjunto formado pelos direito, liberdades e garantias e para a definio de alguns dos mais relevantes traos jurdicos constitucionais. Todavia, ressalva, que em face da leitura do artigo 17,CRP,

    garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao. Art. 205. A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia, ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho. 90

    Cfr. ALEXANDRINO, Jos de Melo, in A estruturao do sistema de direitos, liberdades e garantias na Constituio Portuguesa, vol. II, A construo dogmtica, Almedina, p. 216, que h na doutrina portuguesa trs grupos de orientaes: teses absolutizadoras da contraposio entre direitos, liberdades e garantias e direitos econmicos, sociais e culturais; teses negadoras de uma distino entre esses dois tipos de direitos; e teses intermdias ou relativizadoras.

  • 40

    pelo qual os elementos do regime desses direitos podem ser estendidos a outros direitos, resulta no ser afinal to ntida e cortante a autonomia desse conjunto.91

    Destacando um conjunto de postulados acerca dos direitos sociais,92 ALEXANDRINO ressalta que de todos os traos caractersticos dos 91

    ALEXANDRINO, Jos de Melo, in A estruturao do sistema de direitos, liberdades e garantias na Constituio Portuguesa, vol. II, A construo dogmtica, Almedina, p. 198-9.

    92 ALEXANDRINO, Jos de Melo, in A estruturao do sistema de direitos, liberdades

    e garantias na Constituio Portuguesa, vol. II, A construo dogmtica, Almedina, pp. 200-210: (i) Os direitos econmicos, sociais e culturais, embora mergulhem as suas razes numa arreigada tradio nacional, constituem uma expresso qualificada e historicamente situada (correspondendo a uma nova escala de objetivos e funes) do Estado Social, ou, segundo a locuo da CRP, do Estado de Direito democrtico, que justamente constitui uma verso especfica do Estado social, tendo, tambm eles, como telos fundamental a consecuo da justia social e do bem-estar (a que podem ser dadas outras designaes) e com base especfica na Constituio portuguesa a idia, princpio ou valor da solidariedade, cuja organizao envolvem; (ii) Os direitos econmicos, sociais e culturais constituem um tipo de direitos constitucionais fundamentais positivados em normas constitucionais vinculativas, assistidos de formas variveis de proteco jurdica e dotados de uma multidimensional relevncia jurdica; (iii) os direitos econmicos, sociais e culturais integram realidades dspares e heterogneas, acomodveis na generalidade das classificaes dos direitos fundamentais, sendo, por sua vez, susceptveis de ulteriores subdivises, mormente, luz de critrios como os do respectivo substracto material, do carcter prestacional (ou no prestacional), do carcter originrio (ou no originrio) da prestao, do carcter prima facie ou definitivo, abstracto ou concreto, compreensivo ou analtico, da assistncia de uma especfica tutela jurisdicional, do carcter estatudo ou adscrito, etc.; (iv) Heterogneas so ainda as respectivas normas consagradoras, que revestindo estruturalmente, como as demais, a qualidade de regras ou de princpios tanto podem ser normas de cunho programtico (nas suas diversas formas de constitucionalizao, especialmente nas vestes de normas-programa, de normas-fim e de normas-tarefa), ou outras normas (princpios ou regras) constitucionais impositivas (imposies constitucionais concretas), como normas constitucionais preceptivas (exeqveis e no exeqveis por si prprias) e que tanto podem ser expressas como implcitas ou adscritas; (v) Positivamente configurados na Constituio, como os demais, na sua dupla qualidade de princpios e de realidades jurdicas multidimensionais e complexas (e no imediatamente como posies jurdicas prototpicas), tambm em cada um dos direitos econmicos, sociais e culturais se podem detectar vrios tipos de normas, vrios tipos de posies (ou outras garantias jusfundamentais ou pretenses) e vrios tipos de relaes entre tais normas e posies; (vi) Em termos constitucionais positivos, o recorte da distino entre a categoria dos direitos econmicos, sociais e culturais e a dos direitos, liberdades e garantias deve ser previamente operado numa perspectiva ampla (como a do direito fundamental como um todo ou da dimenso principal), que tenha justamente em conta a forma como nos surgem essas situaes jurdicas compreensivas;(vii) Em conseqncia, a esse nvel, no parece ser logicamente possvel: (1) uniformizar a qualidade, densidade e a natureza jurdica das respectivas posies de vantagem; (2) afirmar ou recusar o seu indistinto carcter de direitos subjectivos (de direitos subjectivos pblicos, de direitos condicionados, de pretenses, etc.), a menos que de um conceito abstracto e geral ou de um no-conceito se trate; (3) determinar a que regime estaro globalmente sujeitos; (viii) Respostas que, ao invs, s em resultado das diferenciaes necessariamente resultantes do trabalho analtico podero ser conseguidas, mediante: (1) a fixao conceptual, caso a caso, do objecto de proteco e dos deveres e imposies constitucionais associados; (2) a identificao e a qualificao jurdica de cada uma das posies (garantias ou pretenses) amparadas pelo enunciado jusfundamental ou que sejam por ele pressupostas em termos da relao meio/fim; (3) a identificao das eventuais

  • 41

    direitos sociais, revela acrescida aceitao, ao lado da dependncia de tais direitos da reserva do possvel, a caracterstica da determinabilidade constitucional do contedo. Sendo reconhecido o carter de condicionante sistmica (CANOTILHO).93

    Todavia, esse trao, por si s, no soluciona a questo, j que h mesmo normas de direitos, liberdades e garantias dependentes de conformao legislativa. Assim, adere ao contributo de NOVAIS, que parte de critrios de estrutura da relao jurdica entre o cidado e o Estado e da natureza da relao entre o titular e o bem protegido constitucionalmente para eleger dois critrios estruturais: >, chegando ao seguinte resultado: h direitos que, por serem fctica e juridicamente realizveis, cuja observncia depende apenas da vontade poltica do Estado e h direitos que dependem de factores que o Estado em grande medida no domina. Estes ltimos, os direitos sociais no constituem na esfera jurdica do titular um espao de autodeterminao no acesso ou fruio de um bem jurdico, mas antes uma pretenso, sob reserva do possvel, a uma prestao estatal, de contedo indeterminado e no directamente aplicvel, sendo o correspondente dever que imposto ao Estado de realizao eventualmente diferida no tempo.94

    E pe em relevo, ainda, que a procura por critrios de distino no pode ser mais importante que a busca do significado da diferenciao

    dimenses do direito fundamental susceptvel de uma determinao mnima de contedo; (ix) Em todo caso, pode afirmar-se que, em regra e no actual estdio de desenvolvimento de uma dogmtica aplicada, na generalidade das normas de direitos econmicos, sociais e culturais da CRP (pese a declarada intencionalidade de situarem um direito fundamental no plano existencial do cidado, e afastados j os quesitos da auto-exequibilidade e da justiciabilidade), por no conferirem, no momento originrio, directamente, ao respectivo titular um poder de exigir que seja imediatamente exeqvel e independente de uma opo do legislador, predomina a dimenso objetiva (de imposies legiferantes) sobre a dimenso subjectiva, predominam as funes programtica e harmonizadora sobre a funo de fundamento de pretenses. 93

    CANOTILHO, J.J. Gomes, Mtodos de proteco de direitos, liberdades e garantias in BFDC, volume comemorativo (2003), p. 793-814.. P. 805. 94

    NOVAIS, Jorge Reis, in As restries aos direitos fundamentais no expressamente autorizadas pela Constituio, Coimbra Editora, Coimbra, 2003 pp. 126-132.

  • 42

    entre os direitos, liberdades e garantias e os direitos sociais, conjecturando que a Constituio portuguesa, talvez para compensar a sobrecarga dos direitos sociais apostou-se no aprofundamento mais do que na relativizao da distino. Toma como vetores dessa reflexo os pontos nucleares que emergiram na formao da Constituio: a expresso do primado dos direitos, liberdades e garantias e a diferente reconduo estrurual dos dois tipos de direitos. Acrescentando ainda, que com a supresso do artigo 50 na Reviso Constitucional de 1982, a distino perdeu o carcter absoluto que inicialmente apresentava, ao mesmo tempo que se operava a adaptao no convencional ao nvel dos elementos de base, que deixaram de ser o princpio socialista e o princpio da tra