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DIREITO CONSTITUCIONAL Reclamação para o plenário — Pagamento da conta de custas — Litigância de má fé — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 465/2000, de 7-11-2000 ..................................... Código de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações — Prazo de impugnação contenciosa — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 482/2000, de 22-11-2000 ........... Demolição de obras ilegais — Licenciamento municipal de obras — Indeferimento tácito — Princípio da proporcionalidade — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 484/2000, de 22-11-2000 ................................................................................................................ Causas de nulidade da sentença — Esclarecimento ou reforma da sentença — Processamento subsequente — Arguição de nulidades — Acesso ao direito e aos tribunais — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 485/2000, de 22-11-2000 .............................................. Arguição de nulidade — Legitimidade — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 488/2000, de 22-11-2000 ............................................................................................................ Conversão da multa não paga em prisão subsidiária — Suspensão da prisão subsidiária — Prova — Garantias de defesa — Princípio in dubio pro reo Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 491/2000, de 22-11-2000 ............................................................. Processo de execução fiscal — Execução por dívidas ao Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento — Tribunais tributários — Inconstitucionalidade orgânica — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 503/2000, de 28-11-2000 ............... Tabela de Taxas da Câmara Municipal de Sintra — Taxa incidente sobre instalações abastecedoras de combustíveis líquidos inteiramente situadas em terrenos privados — Imposto — Taxa — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 515/2000, de 29-11-2000 .... 40 47 53 58 63 64 72 78

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371 ÍndiceBMJ 501 (2000)

DIREITO CONSTITUCIONAL

Reclamação para o plenário — Pagamento da conta de custas — Litigância de má fé —Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 465/2000, de 7-11-2000 .....................................

Código de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações — Prazo de impugnaçãocontenciosa — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 482/2000, de 22-11-2000 ...........

Demolição de obras ilegais — Licenciamento municipal de obras — Indeferimento tácito —Princípio da proporcionalidade — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 484/2000, de22-11-2000 ................................................................................................................

Causas de nulidade da sentença — Esclarecimento ou reforma da sentença — Processamentosubsequente — Arguição de nulidades — Acesso ao direito e aos tribunais — Ac. doTribunal Constitucional, n.º 485/2000, de 22-11-2000 ..............................................

Arguição de nulidade — Legitimidade — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 488/2000,de 22-11-2000 ............................................................................................................

Conversão da multa não paga em prisão subsidiária — Suspensão da prisão subsidiária —Prova — Garantias de defesa — Princípio in dubio pro reo — Ac. do TribunalConstitucional, n.º 491/2000, de 22-11-2000 .............................................................

Processo de execução fiscal — Execução por dívidas ao Instituto de Apoio às Pequenas eMédias Empresas e ao Investimento — Tribunais tributários — Inconstitucionalidadeorgânica — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 503/2000, de 28-11-2000 ...............

Tabela de Taxas da Câmara Municipal de Sintra — Taxa incidente sobre instalaçõesabastecedoras de combustíveis líquidos inteiramente situadas em terrenos privados —Imposto — Taxa — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 515/2000, de 29-11-2000 ....

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40 BMJ 501 (2000)Direito Constitucional

Reclamação para o plenário — Pagamento da conta de custas —Litigância de má fé

I — Tendo o Tribunal já decidido — e reiterado — que, por força do que se dispõenos artigos 720.º do Código de Processo Penal e 84.º, n.º 8, da Lei do Tribunal Constitu-cional, só lhe é possível decidir os vários incidentes que o reclamante tem suscitado,depois de pagas as custas do processo, ele continua a insistir em suscitar novos inciden-tes e em reclamar que sobre eles se profira decisão.

II — Tal comportamento do reclamante consubstancia má fé processual, pois traduzuso (intencional) manifestamente reprovável do processo e dos meios processuais, com oobjectivo de entorpecer a acção da justiça.

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (Plenário)Acórdão n.º 465/2000, de 7 de Novembro de 2000Processo n.º 937-A/98

ACORDAM no plenário do Tribunal Cons-titucional:

I — Relatório

1. Orlando vem, nes-te traslado, reclamar para a conferência do des-pacho do relator de 20 de Junho de 2000, dizendoque «esse despacho não pode ser sustentado», epedindo que «se proceda ao suprimento de to-das as nulidades arguidas de harmonia com o dis-posto no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeiados Direitos do Homem».

No despacho reclamado, o relator limitou-sea determinar que se lhe abrisse conclusão nosautos, uma vez pagas as custas contadas no pro-cesso. E tal determinou, porque o Tribunal játinha decidido (por último, no acórdão n.º 256/2000) que não era possível conhecer das recla-mações sucessivamente apresentadas pelo orareclamante antes de aquele pagamento ser feito.

O relator, por entender que o comportamentoprocessual do reclamante é susceptível de inte-grar o conceito de má fé processual, lançou noprocesso parecer nesse sentido e mandou quesobre ele fosse ouvido o reclamante.

Este parecer é do teor seguinte:

«O plenário deste Tribunal, no seu acórdãon.º 449/99 (de 8 de Julho de 1999), decidiu man-dar extrair o presente traslado e, entre o mais,que a reclamação apresentada contra o acórdão

n.º 312/99 (de 25 de Maio de 1999), apenas seriadecidida depois de pagas as custas em que o re-clamante Orlando tinhasido condenado.

Tal decidiu, por força do que dispõe o n.º 8 doartigo 84.º da Lei do Tribunal Constitucional,depois de, em 20 de Janeiro de 1999, pelo acórdãon.º 52/99, ter indeferido a reclamação apresen-tada contra a decisão sumária (de 18 de Novem-bro de 1998) que negara provimento ao recursointerposto pelo dito reclamante; depois tambémde, em 24 de Março de 1999, pelo acórdão n.º 197/99, ter confirmado o despacho do relator (de 5 deFevereiro de 1999) que não lhe admitiu recursopara o plenário, e depois ainda de, em 25 deMaio de 1999, pelo acórdão n.º 312/99, ter desa-tendido a reclamação por ele apresentada contraaquele acórdão n.º 197/99, que acusou enfermarde nulidade.

O reclamante não pagou as custas entretantocontadas e apresentou novas reclamações, tendoo Tribunal, novamente em plenário, tirado oacórdão n.º 256/2000 (de 26 de Abril de 2000),para reafirmar — em aplicação, naturalmente,do citado artigo 84.º, n.º 8 — que as reclamaçõesapresentadas apenas seriam decididas depois depagas as custas.

O reclamante continuou a não pagar as custase a apresentar novas reclamações.

Em face disso, o relator proferiu o despachode 20 de Junho de 2000, determinando que se lheabrisse conclusão nos autos, uma vez pagas as

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custas, pois o Tribunal tinha decidido (por úl-timo, no citado acórdão n.º 256/2000) que nãoera possível conhecer das reclamações antes detal pagamento ser efectuado.

O reclamante veio, então, apresentar nova re-clamação (requerimento de fls. 323 a 334, rectifi-cado pelo de fls. 348 a 352), pedindo que recaiaacórdão sobre o citado despacho do relator (de20 de Junho de 2000), ‘no sentido de que essedespacho não pode ser sustentado e, em conse-quência, se proceda ao suprimento de todas asnulidades arguidas de harmonia com o dispostono artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dosDireitos do Homem’.

No entender do relator, o comportamentoprocessual do reclamante, que se deixa sumaria-mente descrito, é susceptível de integrar o con-ceito de má fé processual, pois, não obstante odecidido pelo Tribunal ao abrigo do que a leidispõe, ele insiste na pretensão de ver decididasas reclamações antes de pagas as custas.

Ora, dispõe o artigo 456.º, n.º 2, alínea d), doCódigo de Processo Civil: ‘diz-se litigante de máfé quem, com dolo ou negligência grave: d) tiverfeito do processo ou dos meios processuais umuso manifestamente reprovável, com o fim de[...] entorpecer a acção da justiça [...]’.

Entendendo o relator que o reclamante deveser condenado como litigante de má fé, ordena-seque, ao abrigo do disposto no artigo 84.º, n.º 7, daLei do Tribunal Constitucional, o mesmo sejanotificado para, querendo, responder a este pa-recer, em dois dias.»

O reclamante veio dizer, em conclusão:

1 — O douto parecer de 20 de Setembro de2000 não satisfaz as condições que permitam oexercício, em pleno conhecimento de causa, dosdireitos previstos no artigo 32.º, n.º 10, da Cons-tituição.

a) É da essência das garantias de defesa que aoperação de subsunção que conduz à determina-ção da moldura de ilícito correspondente a deter-minados factos, seja previamente conhecida e,como tal, controlável pelo arguido.

b) A descrição, declaradamente sumária, daconduta processual do recorrente, feita no doutoparecer, não menciona factos, alegados pelo re-corrente, que não correspondam à verdade, nemcontém elementos que permitam identificar a «ra-

zão» pela qual as providências requeridas atra-vés dos meios processuais utilizados condu-ziriam a diligências meramente dilatórias.

c) Por conseguinte, a descrição sumária con-tida no douto parecer de 20 de Setembro de 2000não contém elementos que permitam tomar po-sição, em pleno conhecimento de causa, sobre aacusação formulada contra o recorrente.

2 — Tendo em conta a factualidade que sepode surpreender através da leitura dos autos, orecorrente considera que a sua conduta proces-sual só poderá ser qualificada de litigância demá fé à custa de uma inflexão da objectividade dodireito.

a) O douto parecer de 20 de Setembro de 2000contém elementos que permitem pensar que nãoforam respeitadas as garantias de imparcialidade.

i) Do ponto 1 do douto parecer de 20 de Se-tembro de 2000 decorre que foram apresentadasreclamações nos termos dos artigos 668.º e 669.º,n.º 1, alínea b), e de outras disposições do Có-digo de Processo Civil, nomeadamente, contra osdoutos acórdãos n.os 312/99, 449/99 e 256/2000.

ii) Essas reclamações não foram ainda apre-ciadas.

iii) No entanto, o douto parecer de 20 de Se-tembro de 2000 adopta já a premissa de que oTribunal decidiu «ao abrigo do que a lei dispõe».

iv) A adopção desta premissa, antes de seremapreciadas as razões de facto e de direito expos-tas nas reclamações apresentadas com vista ademonstrar que os doutos acórdãos e despachoscontestados não foram tirados em conformidadecom a lei ou com critérios por ela definidos, nãose coaduna com as garantias de imparcialidade.

b) Nas circunstâncias do caso, no entender dorecorrente, o facto de ele insistir «na pretensãode ver decididas as reclamações apresentadasantes de pagas as custas» nada tem de ilegal oude reprovável.

i) Tendo em conta o disposto nos artigos 677.ºdo Código de Processo Civil e 50.º do Código dasCustas Judiciais, a conduta processual do inte-ressado só poderia enquadrar-se na moldura deilícito desenhada no artigo 456.º, n.º 2, alínea d),do Código de Processo Civil, se a aplicação doartigo 84.º, n.º 8, da Lei do Tribunal Constitucio-nal tivesse por efeito a privação, nos recursosinterpostos para o Tribunal Constitucional, dos

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direitos de reclamação previstos nos artigos 161.º,n.º 5, 700.º, n.º 3, 668.º e 669.º do Código deProcesso Civil.

ii) Mas tal equivaleria a deixar os particularessem quaisquer meios de reacção contra actos dostribunais superiores considerados ilegais, em des-proporcionada homenagem ao valor da econo-mia processual, invocado como fundamento dodespacho de admissão do presente recurso, va-lor esse que seria promovido à custa das garan-tias de defesa.

iii) Uma vez que a interpretação do artigo 84.º,n.º 8, da Lei do Tribunal Constitucional, que pre-sidiu ao douto acórdão n.º 256/2000 e ao doutoparecer de 20 de Setembro de 2000, redunda numalimitação inadmissível e injustificada das possi-bilidades de defesa, o interessado não conseguedescortinar como é que se pôde concluir que oseu pedido no sentido de que se proceda, de har-monia com o disposto no artigo 6.º, n.º 1, daConvenção Europeia dos Direitos do Homem,ao suprimento de todas as nulidades arguidastem por finalidade entorpecer a acção da justiça.

iv) No entender do recorrente, não se afiguralegítimo nem razoável sugerir a condenação dealguém como litigante de má fé por insistir «napretensão de ver decididas as reclamações antesde pagas as custas», quando não pode ignorar-seque:

— Segundo o disposto no artigo 84.º, n.º 1,da Lei do Tribunal Constitucional «os recursospara o Tribunal Constitucional são isentos decustas [...]»;

— Conforme decorre do próprio parecer de20 de Setembro de 2000, há reclamações queainda não foram apreciadas;

— A apreciação objectiva e imparcial das ra-zões de facto e de direito invocadas nessas recla-mações é susceptível de conduzir logicamente àalteração das decisões proferidas sobre as custascujo pagamento é previamente exigido.

Tendo em conta os elementos avançados, orecorrente considera que o douto parecer, segun-do o qual «o reclamante deve ser condenado comolitigante de má fé», é desprovido de qualquerfundamento, pelo que não deve ser seguido.

Esta resposta foi expedida, pelo correio, em29 de Setembro de 2000, como se vê do carimbonela aposta.

A secretaria, por entender que a mesma lhe foiapresentada dois dias depois do termo do prazo,avisou o reclamante para pagar a multa devida,nos termos do artigo 145.º, n.º 6, do Código deProcesso Civil, conjugado com o artigo 18.º, n.º2, do Código das Custas Judiciais.

O reclamante não pagou essa multa e veiodizer, em conclusão, o seguinte:

Tendo em conta os elementos indicados notexto do aviso de 4 de Outubro de 2000, a inter-pretação e aplicação da regra da continuidade dosprazos que presidem ao acto notificado por esseaviso, além de desconhecerem por completo odisposto no artigo 254.º, n.º 2, do Código de Pro-cesso Civil, colidem frontalmente com o direito aum processo equitativo consagrado nos artigos20.º, n.º 4, da Constituição e 6.º, n.º 1, da Con-venção Europeia dos Direitos do Homem.

1 — No entender do reclamante o acto notifi-cado pelo aviso da secretaria do Tribunal Cons-titucional de 4 de Outubro de 2000, pelo qual lheé aplicada uma multa, nos termos do artigo 145.º,n.º 6, do Código de Processo Civil, não contémuma fundamentação expressa e acessível, ha-vendo violação do artigo 268.º, n.º 3, da Consti-tuição.

a) A aplicação de uma multa é susceptível deafectar direitos e interesses legalmente prote-gidos.

b) Nem a nota de 22 de Setembro de 2000,nem o texto do referido aviso indica a data deinício do «prazo contínuo de dois dias».

c) No entender do reclamante, a indicação des-sa data era indispensável para garantir a transpa-rência do processo e da decisão.

2 — No entender do reclamante, tendo emconta os elementos indicados no texto do avisode 4 de Outubro de 2000, o acto de aplicação deuma multa ao interessado, no caso concreto, cons-titui violação clara do artigo 254.º, n.º 2, do Có-digo de Processo Civil.

a) Raciocinando a partir dos elementos quefiguram no texto do aviso de 4 de Outubro de2000, conclui-se que o «prazo contínuo de doisdias» se extinguiu no dia 25 de Setembro de 2000.

i) Com efeito, o registo da carta através daqual se enviou a fotocópia do douto parecer so-bre o qual o interessado foi convidado a tomar

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43 Direito ConstitucionalBMJ 501 (2000)

posição ocorreu em 22 de Setembro de 2000 (vercópia junta).

ii) No aviso de 4 de Outubro de 2000 consi-derou-se que o registo da carta de expedição daresposta ao douto parecer em questão tinha ocor-rido em «27 de Setembro de 2000».

iii) Da leitura do texto desse aviso resulta tam-bém que a multa foi aplicada pelo facto de o actoprocessual do reclamante ter sido praticado no«2.º dia útil após o termo do prazo».

b) Segue-se que a secretaria do Tribunal Cons-titucional considerou que o «prazo contínuo dedois dias», para reagir ao douto parecer de 20 deSetembro de 2000, terminou na data em que, se-gundo o disposto no artigo 254.º, n.º 2, do Có-digo de Processo Civil, se podia considerarnotificado o douto parecer a que o interessadofoi convidado a reagir.

3 — Tendo em conta os elementos indicadosno texto do aviso de 4 de Outubro de 2000 e adata do registo da carta de expedição da fotocó-pia do douto parecer de 20 de Setembro de 2000,a interpretação e aplicação da regra da continui-dade dos prazos que presidem ao acto notificadopelo aviso de 4 de Outubro de 2000 não se coa-dunam minimamente com o correcto funciona-mento do contraditório.

a) Com efeito, através desses elementos, con-clui-se que, para a secretaria do Tribunal Consti-tucional, o prazo para o interessado tomarposição sobre o douto parecer de 20 de Outubrode 2000 terminou no dia em que legalmente sepodia considerar feita a sua notificação.

b) Raciocinando a partir dos elementos indi-cados no aviso de 4 de Outubro de 2000, con-clui-se que, para a secretaria do Tribunal Cons-titucional, a resposta ao douto parecer de 20 deSetembro de 2000 seria necessariamente um actoprocessual praticado após o termo do prazo, jáque a alternativa deixada, de antemão, ao interes-sado era: ou renunciar ao seu direito de respostaou pagar uma multa.

c) Nestas condições, a interpretação e aplica-ção da regra da continuidade dos prazos que pre-sidem ao aviso de 4 de Outubro de 2000 tendema impedir ou a perturbar o correcto funciona-mento do contraditório.

4 — O reclamante considera que o acto pro-cessual pelo qual respondeu ao douto parecer de

20 de Setembro de 2000 só pode ser consideradoapresentado fora de prazo à custa de um graveatropelo do direito a dispor de tempo necessáriopara preparar a sua defesa, que se integra nasgarantias de um processo equitativo.

a) Pela nota de 22 de Setembro de 2000, oreclamante foi convidado a tomar posição sobreo douto parecer de 20 de Setembro de 2000, peloqual é acusado de litigância de má fé, o que lhepode valer uma condenação e a aplicação de umasanção.

b) Diz o artigo 32.º, n.º 10, da Constituiçãoque «[...] em quaisquer processos sancionatórios,são assegurados ao arguido os direitos de audiên-cia e defesa».

c) É do conhecimento directo da secretariado Tribunal Constitucional a circunstância de oreclamante se encontrar fora do País, a mais de2000 km do local onde está sediado o TribunalConstitucional.

d) Nos artigos 252.º-A, n.º 1, alínea b), doCódigo de Processo Civil e 56.º, n.º 4, da Lei doTribunal Constitucional, o legislador prevêdilações ao prazo de defesa do citando quando oréu tenha sido citado fora da área da comarcasede do tribunal onde pende a acção e quando osactos respeitem a entidade sediada fora do conti-nente da República.

e) O reclamante considera que a sua situação éanáloga às situações previstas pelo legisladornesses textos legais.

f) À luz do princípio da igualdade de tra-tamento, não se descortina razão para que nãoacresça uma dilação ao prazo de defesa de doisdias previsto no artigo 84.º, n.º 7, da Lei do Tri-bunal Constitucional, em casos em que um cida-dão se encontre a mais de 2000 km de distânciada sede do Tribunal Constitucional.

g) Além disso, é do conhecimento geral queaos sábados e domingos os serviços postais nãofuncionam em pleno e que não é irrelevante ex-pedir uma carta sexta-feira ou nos outros dias dasemana.

h) Assim, no caso concreto, a inexistência deuma dilação, pelo menos, equivalente ao sábadoe domingo imediatamente a seguir ao do registoda carta em que se enviou o acto a que o interes-sado foi convidado a reagir equivale a privar ointeressado do direito a dispor do tempo neces-

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sário para organizar a sua defesa, que se integranas garantias de um processo equitativo.

Nestes termos, e com o douto suprimento deV. Ex.ª, deve atender-se a presente reclamação e,por consequência, revogar-se o acto pelo qual foiaplicada ao reclamante multa nos termos do ar-tigo 145.º, n.º 6, do Código de Processo Civil,considerar-se a resposta ao douto parecer de 20de Setembro de 2000 como um acto de processoregularmente praticado, seguindo-se os restan-tes trâmites legais.

2. Cumpre decidir.

II — Fundamentos

3. Convém começar por historiar o que sepassou nos autos de recurso de que foi extraído otraslado e neste próprio. Foi o seguinte:

a) Em 18 de Novembro de 1998, o relatorproferiu decisão sumária a negar provi-mento ao recurso (interposto pelo orareclamante de um acórdão do SupremoTribunal Administrativo) e a condenar orecorrente nas custas;

b) Em 20 de Janeiro de 1999, a conferênciada 3.ª Secção, pelo acórdão n.º 52/99, in-deferiu a reclamação apresentada contraa referida decisão sumária e condenou oreclamante em custas;

c) Em 5 de Fevereiro de 1999, o relator pro-feriu despacho a não admitir o recursoque o recorrente interpôs para o plenáriodo Tribunal;

d) Apresentada reclamação desse despachopara a conferência do plenário, este, em24 de Março de 1999, pelo acórdãon.º 197/99, indeferiu a reclamação (e, as-sim, confirmou o despacho de não admis-são de recurso para o plenário) e condenouo reclamante nas custas;

e) Arguindo o recorrente a nulidade do acór-dão n.º 197/99, o plenário, em 25 de Maiode 1999, pelo acórdão n.º 312/99, desa-tendeu a reclamação apresentada e con-denou o reclamante nas custas;

f) O recorrente veio, novamente, reclamarpor nulidade, mas agora do acórdãon.º 312/99.

O plenário, porém, pelo acórdão n.º 449/99 (de 8 de Julho de 1999), mandou ex-trair traslado de várias peças do processo,a fim de a reclamação ser decidida depoisde pagas as custas em que o reclamantehavia sido condenado neste Tribunal,mandando, bem assim, contar tais custase que, extraído o traslado, os autos derecurso fossem imediatamente remetidosao Supremo Tribunal Administrativo;

g) Contado o processo (conta n.º 329/99, de16 de Julho de 1999) e extraído o trasla-do, foram os autos de recurso, em 19 deJulho de 1999, remetidos ao Supremo Tri-bunal Administrativo. Na mesma data foio recorrente notificado daquele acórdãon.º 449/99 e da conta de custas (cota defls. 195);

h) Em 4 de Agosto de 1999, apresentou orecorrente nova reclamação, a pedir a anu-lação do acórdão n.º 449/99 e a emissãode decisão sobre a reclamação apresen-tada contra o acórdão n.º 312/99;

i) O relator, em 20 de Setembro de 1999,proferiu despacho, dizendo que se pro-nunciaria sobre a reclamação referida naalínea h), «depois de cumprido, nos seusprecisos termos, o acórdão n.º 449/99»;

j) Em 11 de Outubro de 1999, o recorrenteapresentou nova reclamação, pedindo,desta vez, que se revogasse o despachode 20 de Setembro de 1999 e se decidissea reclamação por si apresentada em 4 deAgosto de 1999;

l) Em 19 de Outubro de 1999, o relator pro-feriu despacho a não admitir a reclamaçãoapresentada em 11 de Outubro de 1999,em virtude de ela visar um despacho (o de20 de Setembro de 1999), que é de meroexpediente;

m) Foram, entretanto, devolvidas as guiasdestinadas ao pagamento das custas, coma nota de «não pagas»;

n) Em 2 de Novembro de 1999, veio o recor-rente reclamar do despacho do relator de19 de Outubro de 1999, pedindo a suarevogação, bem como a do despacho de20 de Setembro de 1999;

o) O relator, em 3 de Novembro de 1999,proferiu despacho do teor seguinte: «abrir-

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-se-á conclusão nos autos só depois depagas as custas contadas neste Tribunal»;

p) Em 21 de Fevereiro de 2000, o recorrenteapresentou nova reclamação, dirigida aoPresidente do Tribunal, pedindo-lhe aadopção das «medidas que entender ade-quadas à reparação dos prejuízos [que lheforam] causados pelos actos da secreta-ria», que considera irregulares, a saber, re-messa dos autos de recurso à conta, se-guida da sua remessa ao tribunal recor-rido na mesma data em que se notificou aorecorrente a conta e o acórdão n.º 449/99;

q) Apresentados os autos de traslado aoEx.mo Presidente do Tribunal (cfr. despa-cho do relator de 24 de Fevereiro de 2000e termo de conclusão de fls. 244 v.º), foipor este proferido o despacho de 1 deMarço de 2000, no sentido de que lhe nãocabe decidir a reclamação apresentada em21 de Fevereiro de 2000;

r) O relator proferiu, então, despacho, em16 de Março de 2000, dizendo que, pornão terem sido pagas as custas contadasno processo, não podia — por forçado que tinha sido decidido no acórdãon.º 449/99 — apreciar a reclamação apre-sentada contra o acórdão n.º 312/99, nem,obviamente, as que o ora reclamante apre-sentou depois de tirado aquele acórdãon.º 449/99;

s) Desse despacho (de 16 de Março de 2000)reclamou ele, novamente, para a confe-rência, pedindo que se decidisse que «nãoé condição para se conhecer das reclama-ções apresentadas o prévio pagamento dascustas [...]»;

t) O Tribunal, em plenário, no acórdãon.º 256/2000, indeferiu a reclamação apre-sentada, reafirmando, desse modo, o en-tendimento de que, mandando-se extrairtraslado, a lei (artigo 720.º do Código deProcesso Civil e artigo 84.º, n.º 8, da Leido Tribunal Constitucional) apenas per-mite que se decida o incidente pendente(e, obviamente, todos os que, posterior-mente, se requererem), uma vez pagas ascustas do processo;

u) O reclamante veio, então, pelo requeri-mento de fls. 227, reclamar do acórdão

n.º 256/2000 e, pelo requerimento defls. 304, reclamar do acto da secretaria,«pelo qual lhe foi aplicada uma multa nostermos do artigo 145.º, n.º 6, do Códigode Processo Civil, pela apresentação da-quela reclamação fora de prazo»;

v) Sobre estes requerimentos recaiu o des-pacho do relator, de que ora se reclama.Nesse despacho, como se referiu logo deinício, o relator ordenou que se abrisseconclusão nos autos, uma vez pagas ascustas, pois só então era possível conhe-cer das reclamações.

4. Como decorre do que se disse, não obstanteo Tribunal já ter decidido — e reiterado — que,por força do que se dispõe nos artigos 720.º doCódigo de Processo Civil e 84.º, n.º 8, da Lei doTribunal Constitucional, só lhe é possível deci-dir os vários incidentes, que o reclamante temvindo a suscitar, depois de pagas as custas doprocesso, ele continua a insistir em suscitar no-vos incidentes e em reclamar que sobre eles seprofira decisão.

Como o Tribunal já decidiu que só pode pro-nunciar-se sobre os incidentes depois de o recla-mante pagar as custas, esgotou-se sobre essaquestão o seu poder de cognição. E, por isso, nãohá, sequer, que conhecer da reclamação ora apre-sentada, que, de resto, incide sobre um despachode mero expediente.

O comportamento do reclamante consubs-tancia má fé processual, pois traduz uso (inten-cional) manifestamente reprovável do processoe dos meios processuais, com o objectivo de en-torpecer a acção da justiça [cfr. artigo 456.º, n.º 2,alínea d), do Código de Processo Civil], comotudo bem resulta do que, sumariamente, se disseno parecer e, mais desenvolvidamente, se expôssupra, sob o n.º 3.

Impõe-se, por isso, a sua condenação, comolitigante de má fé, na multa correspondente, nostermos das disposições conjugadas dos artigos456.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, 84.º,n.º 6, da Lei do Tribunal Constitucional e 102.º,alínea a), do Código das Custas Judiciais. E,sendo o reclamante advogado em causa própria,há que, ao abrigo do disposto no artigo 459.º doCódigo de Processo Civil, comunicar o facto àOrdem dos Advogados, com cópia deste acórdão.

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46 BMJ 501 (2000)Direito Constitucional

É o que vai fazer-se.

5. Antes, porém, sublinha-se que a respostaao parecer do relator foi apresentada dois diasdepois de findo o respectivo prazo, razão porque a sua validade está dependente do paga-mento da multa que a secretaria deste Tribunalliquidou (artigo 145.º, n.os 5 e 6, do Código deProcesso Civil).

De facto, o parecer do relator (de 20 de Se-tembro de 2000) foi notificado ao reclamante,por carta registada de 22 desse mês de Setembro,considerando-se, por isso, a notificação feita nodia 25 de Setembro de 2000 (artigo 254.º, n.º 2,do Código de Processo Civil). Sendo o prazo dedois dias, o mesmo terminava no dia 27 de Se-tembro de 2000. Ora, a resposta foi enviada pelocorreio no dia 29 de Setembro de 2000, sendo detodo irrelevante a indicação de qualquer outradata que, acaso, conste do aviso para o paga-mento da multa.

Não obstante a validade da resposta ao pare-cer do relator estar dependente do pagamento damulta e de esta não ter sido paga, deu-se conta damesma, do mesmo modo que se deu nota da«reclamação» apresentada contra a liquidação damulta.

Tal se fez porque, na «reclamação» por úl-timo referida, o reclamante, entre o mais, ques-tiona a constitucionalidade da exigência do paga-mento de multa num caso como o dos autos, emque se está em presença de um prazo muitocurto, a justificar, em seu entender, o acréscimode uma dilação.

Ora, há que dizer que não existe qualquer ana-logia entre as situações do artigo 252.º-A do Có-

digo de Processo Civil, em que está em causa acitação para uma acção, e a dos presentes autos,em que se trata de ouvir o interessado sobre umparecer do relator lançado num processo em queaquele teve já múltiplas intervenções.

Acresce que nem a exigência do pagamento demulta pela prática do acto processual fora deprazo, nem a curteza do prazo para respondersão susceptíveis de pôr em causa o direito dedefesa do reclamante.

III — Decisão

Pelos fundamentos expostos, o Tribunaldecide:

a) Não conhecer da reclamação apresentada;b) Condenar o reclamante, como litigante de

má fé, na multa correspondente a 10 UCs;c) Condenar o reclamante nas custas, com

25 UCs de taxa de justiça;d) Mandar fazer a comunicação a que se re-

fere o artigo 459.º do Código de ProcessoCivil à Ordem dos Advogados, remeten-do-se-lhe cópia deste aresto.

Lisboa, 7 de Novembro de 2000.

Messias Bento (Relator) — Guilherme daFonseca — Alberto Tavares da Costa — MariaFernanda Palma — Maria dos Prazeres PizarroBeleza — Maria Helena Brito — José de Sousae Brito — Vítor Nunes de Almeida — PauloMota Pinto — Bravo Serra — Luís Nunes deAlmeida.

Acórdão ainda inédito.

(G. R.)

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47 Direito ConstitucionalBMJ 501 (2000)

Código de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações —Prazo de impugnação contenciosa

Não é inconstitucional a norma do artigo 97.º, § único, do Código do ImpostoMunicipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, na parte em que fixa paraimpugnação contenciosa um prazo de oito dias para o contribuinte, contados desde adata em que a avaliação tiver sido notificada.

TRIBUNAL CONSTITUCIONALAcórdão n.º 482/2000, de 22 de Novembro de 2000Processo n.º 328/99 — 2.ª Secção

ACORDAM na 2.ª Secção do Tribunal Cons-titucional:

I — Relatório

1. CÉRCEA — Sociedade de InvestimentosImobiliários, L.da, impugnou no Tribunal Tribu-tário de 1.ª Instância de Aveiro a avaliação efec-tuada de acordo com o disposto no artigo 109.ºdo Código de Sisa e do Imposto sobre as Suces-sões e Doações e a liquidação de sisa adicional,imposto extraordinário e imposto do selo quelhe fora efectuada, tendo em 6 de Novembro de1995 sido proferida sentença que julgou impro-cedente a impugnação deduzida.

2. Inconformada, interpôs a impugnante re-curso para o Supremo Tribunal Administrativo,sustentando no que para o presente recurso re-leva que:

«[...]4.ª — O artigo 20.º da Constituição da Repú-

blica Portuguesa determina que ‘a todos é asse-gurado o acesso ao direito e aos tribunais paradefesa dos seus direitos e interesses legítimos’,compreendendo esta garantia o direito a prazosrazoáveis e adequados de acção ou de recurso,proibindo-se ao legislador ordinário a consagra-ção de prazos de caducidade exíguos e despro-porcionados (cfr. artigo 268.º, n.º 4, da Consti-tuição da República Portuguesa).

5.ª — O artigo 97.º do Código da Sisa e doImposto sobre as Sucessões e Doações deter-mina que, depois de notificado do resultado daavaliação, o contribuinte teria um prazo de qua-

tro ou cinco dias úteis (v. artigo 279.º do CódigoCivil) para procurar e conseguir patrocínio judi-cial, organizar a sua defesa, reunir os meios deprova necessários e apresentar a sua pretensãoem juízo, o que é manifestamente insuficiente.

6.ª — A ora recorrente impugnou judicialmenteo acto de avaliação sub judice em 1 de Março de1991, dentro do prazo e nos termos previstosnos artigos 89.º e seguintes do Código de Pro-cesso das Contribuições e Impostos (cfr., ac-tualmente, artigos 118.º e seguintes e 155.º doCódigo de Processo Tributário), pelo que,consubstanciando o artigo 97.º uma norma clara-mente inconstitucional, por violação dos artigos20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da RepúblicaPortuguesa, nunca poderia determinar a intem-pestividade da presente impugnação (v. artigos207.º e 290.º da Constituição da República Por-tuguesa).

7.ª — A douta sentença recorrida enferma as-sim de manifestas nulidades e erros de julgamen-to, tendo violado frontalmente, além do mais, odisposto nos artigos 18.º, 20.º, 207.º, 268.º e 290.ºda Constituição da República Portuguesa, no ar-tigo 120.º do Código de Processo Tributário, noartigo 89.º do Código de Processo das Contribui-ções e Impostos, no artigo 4.º, n.º 3, do Estatutodos Tribunais das Administrativos e Fiscais enos artigos 660.º e 668.º, n.º 1, alínea d), do Códi-go de Processo Civil.»

Em resposta, a Fazenda Pública considerounão merecer a sentença recorrida qualquer cen-sura, devendo o recurso ser julgado improce-dente. Por sua vez, o Procurador-Geral Adjuntoem funções junto do Supremo Tribunal Admi-nistrativo considerou existir a invocada nulidade

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48 BMJ 501 (2000)Direito Constitucional

da decisão recorrida por omissão de pronúncia,não chegando a pronunciar-se sobre o seu fundo.

A Secção de Contencioso Tributário do Su-premo Tribunal Administrativo, por acórdão de17 de Março de 1999, conheceu da suscitadainconstitucionalidade, concluindo que «não seconfigura [...] como inconstitucional o artigo 97.ºdo Código do Imposto Municipal de Sisa e doImposto sobre as Sucessões e Doações, o prazode que dispunha o recorrente para deduzir a pre-sente impugnação era de oito dias contados apartir de 7 de Dezembro de 1990 (data da notifi-cação), os quais estavam transcorridos em 5 deMarço de 1991 (data da apresentação da peti-ção)», cindindo o objecto do recurso em víciosimputados ao acto avaliativo — que por ser umacto intermédio prejudicial e destacável, sujeitoa impugnação autónoma não intentada no prazoreferido, se consolidou — e vícios imputados àliquidação ou referentes aos seus pressupostos,e determinando, quanto a estes, a ampliação damatéria de facto «com oportuna prolação de novasentença».

3. Deste acórdão, «na parte em que nestese manteve a rejeição por intempestividade daimpugnação deduzida pela ora recorrente relati-vamente ao acto avaliativo», veio a referida im-pugnante interpor recurso para o Tribunal Cons-titucional, «com fundamento na inconstitucio-nalidade do artigo 97.º do Código do ImpostoMunicipal de Sisa e do Imposto sobre as Suces-sões e Doações, por violação das garantias cons-titucionais do acesso aos tribunais e do recursocontencioso, bem como dos artigos 20.º e 268.º,n.º 4, da Constituição da República Portuguesa».

Em alegações produzidas junto deste Tribu-nal, a recorrente concluiu do seguinte modo:

«1.ª — As garantias do acesso aos tribunais edo recurso contencioso consagradas nos artigos20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, impõem-se, como direi-tos de natureza análoga aos direitos, liberdades egarantias, a todas as entidades públicas e priva-das (v. artigos 17.º e 18.º, n.º 1, da Constituiçãoda República Portuguesa), bem como aos tribu-nais, que estão sujeitos à Constituição e à lei(v. artigos 205.º, 206.º e 207.º da Constituição daRepública Portuguesa);

2.ª — As garantias do acesso aos tribunais edo recurso contencioso incluem claramente o di-reito a prazos razoáveis e adequados de acção oude recurso, proibindo-se assim ao legislador or-dinário a consagração de prazos de caducidadeexíguos e desproporcionados (v. acórdão do Tri-bunal Constitucional n.º 148/87, Acórdãos doTribunal Constitucional, vol. 9.º, pág. 708);

3.ª — O artigo 97.º do Código do ImpostoMunicipal de Sisa e do Imposto sobre as Suces-sões e Doações determinava que, depois de noti-ficado do resultado da avaliação, o contribuintetinha um prazo de quatro a cinco dias úteis(v. artigo 279.º do Código Civil) para procurar econseguir patrocínio judicial, organizar a sua de-fesa, reunir os meios de prova necessários e apre-sentar a sua pretensão em juízo, o que é manifes-tamente insuficiente;

4.ª — A manifesta exiguidade e desproporçãodo prazo de oito dias em análise resulta, desdelogo, do facto de ao Ministério Público ser con-cedido um prazo de dois anos para o mesmoefeito (v. artigo 97.º do Código do Imposto Mu-nicipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessõese Doações, in fine), bem como de, actualmente, oCódigo de Processo Tributário fixar um prazode noventa dias para a dedução de impugnaçãocontra actos de fixação de valores patrimoniais(v. artigo 155.º do Código de Processo Tribu-tário);

5.ª — Contrariamente ao decidido no doutoacórdão recorrido, é assim manifesto que o artigo97.º do Código do Imposto Municipal de Sisa edo Imposto sobre as Sucessões e Doações violafrontalmente as garantias de acesso ao direito eaos tribunais e o direito ao recurso contencioso,consagrados nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, daConstituição da República Portuguesa;

6.ª — A ora recorrente impugnou judicialmenteo acto de avaliação sub judice, em 1 de Março de1991, dentro do prazo e nos termos previstosnos artigos 89.º e seguintes do Código de Pro-cesso das Contribuições e Impostos (cfr., ac-tualmente, artigos 118.º e seguintes e 155.º doCódigo de Processo Tributário), pelo que,consubstanciando o artigo 97.º do Código do Im-posto Municipal de Sisa e do Imposto sobre asSucessões e Doações uma norma claramenteinconstitucional, por violação dos artigos 20.º e268.º, n.º 4, da Constituição da República Portu-

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49 Direito ConstitucionalBMJ 501 (2000)

guesa, nunca poderia determinar a intempes-tividade da presente impugnação.»

Por parte da recorrida, não foi apresentadaqualquer alegação no prazo legal.

Sem vistos, cumpre apreciar e decidir.

II — Fundamentos

a) Objecto do recurso:

4. O presente recurso de constitucionalidadefoi interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alí-nea b), da Lei do Tribunal Constitucional. Ora,tratando-se de um recurso de constitucionalidadee tendo em conta que a decisão ora sob sindicância— a do Supremo Tribunal Administrativo de 17de Março de 1999 —, determinou a «oportunaprolação de nova sentença» sobre questões sus-citadas pela recorrente, o primeiro ponto a escla-recer é o da sua utilidade do presente recurso deconstitucionalidade.

Dir-se-á, porém, que tal utilidade é evidenteporquanto, mesmo que a nova sentença do Tri-bunal Tributário de 1.ª Instância de Aveiro venhaa dar satisfação às pretensões da recorrente noque toca ao acto de liquidação (determinação damatéria colectável, erro no cálculo da colecta e nataxa, falta de fundamentação da liquidação, faltade notificação da avaliação do prédio recebidoem permuta) e aos juros, virá a deixar in-tacta aavaliação do prédio dado em permuta.

E, aliás, independentemente da decisão quevenha a ser proferida sobre essas outras ques-tões — e que poderá, até, dar satisfação aos inte-resses da recorrente —, resta outra possibilidadede a posição da ora recorrente obter satisfação:através de um eventual julgamento de inconstitu-cionalidade da norma que foi invocada para con-siderar precludida a possibilidade de impugnar aprópria avaliação.

Está, pois, preenchido o requisito dito de uti-lidade para o processo, ligado à instrumentalidadedo recurso de constitucionalidade — nos termosdo qual o Tribunal Constitucional só deve co-nhecer das questões que se possam repercutir deforma útil nas decisões das questões de fundo(cfr., entre muitos outros, os acórdãos n.os 322/90, 159/93, 272/94 e 41/96, publicados no Diá-rio da República, II Série, de 15 de Março de

1991, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional,vol. 24.º, 1993, págs. 371-380, no Diário da Re-pública, II Série, de 7 de Junho de 1994, e nosAcórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 33.º,1996, págs. 235-245, respectivamente).

Também não obsta ao conhecimento da ques-tão de constitucionalidade, suscitada a propó-sito do artigo 97.º do Código do Imposto Muni-cipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões eDoações, o facto de o artigo 155.º do Código deProcesso Tributário, aprovado pelo Decreto--Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, ter fixado emnoventa dias o prazo para dedução de impugnaçãocontra actos de fixação de valores patrimoniais,uma vez que tal diploma não vigorava ainda àdata da impugnação, que foi intentada ao abrigodo artigo 89.º do Código de Processo das Con-tribuições e Impostos [cfr. artigos 97.º, n.º 1, alí-nea f), e 102.º do actualmente vigente — desde1 de Janeiro de 2000 — Código de Procedimentoe de Processo Tributário, aprovado pelo De-creto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro].

A norma invocada para, neste ponto, funda-mentar a decisão recorrida foi a do artigo 97.º doCódigo do Imposto Municipal de Sisa e do Im-posto sobre as Sucessões e Doações, e é essanorma, cuja redacção seguidamente se trans-creve, que constitui o único objecto do presenterecurso:

«O valor fixado em avaliação não é suscep-tível de impugnação contenciosa.

§ único. Com fundamento em preterição deformalidades legais, poderá o contribuinte ou oMinistério Público impugnar tanto a primeiracomo a segunda avaliação, nos termos do Códigode Processo das Contribuições e Impostos.

Os prazos para a impugnação serão de oitodias para o contribuinte e dois anos para o Mi-nistério Público e contam-se da data em que aavaliação tiver sido notificada.»

5. Logo no requerimento de impugnação, au-tuado em 5 de Março de 1993 na Repartição deFinanças de São João da Madeira, a recorrentesuscitou a inconstitucionalidade desta norma.Fê-lo, porém, sob pretexto de a limitação daimpugnabilidade contenciosa das avaliações àpreterição de formalidades legais, prevista noprimeiro período do § único, contradizer «fron-

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50 BMJ 501 (2000)Direito Constitucional

talmente o disposto no artigo 268.º, n.º 4, daConstituição da República Portuguesa, que ga-rante aos particulares o direito de impugnaçãocontenciosa de todos os actos ilegais da Admi-nistração, sem que seja possível limitar o uni-verso de vícios aí arguidos».

Quer a resposta do representante da FazendaPública, de 24 de Janeiro de 1994, quer o parecerdo Ministério Público, de 20 de Setembro de1994, consideraram, porém, que a discussão detal questão carecia de interesse face ao dispostono n.º 2 do artigo 155.º do Código de ProcessoTributário, que admite a invocação de qualquervício.

A decisão da 1.ª instância (de 6 de Novembrode 1995), por sua vez, delimitou o seu âmbito apartir da formulação de duas questões: saber se«o artigo 97.º do Código do Imposto Municipalde Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doa-ções é ou não materialmente inconstitucional, porviolação dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Consti-tuição da República Portuguesa, e, em caso nega-tivo (se) ocorre ou não caso decidido sobre aavaliação que suportou a liquidação impugnada».

Porém, em vez de retomar o fundamento deinconstitucionalidade invocado pela recorrente,invocou «jurisprudência corrente do TribunalConstitucional» para concluir que «a garantiaconstitucional de recurso contencioso não im-pede que a lei ordinária fixe prazos diversifica-dos para a impugnação de diferentes actos».Em consequência veio a julgar que «o acto da1.ª avaliação, por não oportunamente impug-nado, pelo modo devido, ainda mesmo que feridode irregularidades (que no caso nem se demons-tram), constitui caso decidido ou resolvido, peloque adquiriu estabilidade e consolidou-se na or-dem jurídica, não podendo ser arredado nemagora controvertido».

Ao alegar no Supremo Tribunal Administrati-vo a recorrente manteve a invocação da incons-titucionalidade do artigo 97.º do Código doImposto Municipal de Sisa e do Imposto sobreas Sucessões e Doações, mas, em face da deci-são, agora com fundamento em que o artigo 20.ºda Constituição da República Portuguesa im-pede que o legislador ordinário fixe prazos decaducidade exíguos e desproporcionados, comoo que resultaria desse artigo, no segundo períododo seu § único.

Este Supremo Tribunal considerou, porém,que «os argumentos da recorrente para defendera excessiva exiguidade do prazo estabelecido noartigo 97.º do Código do Imposto Municipal deSisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doaçõesnão são decisivos».

É, pois, esta a dimensão da norma, resultantedo segundo período do § único do artigo 97.º,que cabe a este Tribunal avaliar. E apenas esta,não porque um juízo de inconstitucionalidadesobre uma norma impugnada não se pudesse fa-zer com fundamento diverso do que tivesse sidoalegado — cfr. o artigo 79.º-C da Lei do TribunalConstitucional (e tendo aliás no presente casotal fundamento já sido invocado pelo recorrentedurante o processo) —, mas porque, tendo orecurso por fundamento a alínea b) do n.º 1 doartigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,um dos seus requisitos específicos é o de quetenha havido uma efectiva aplicação da norma— ou segmento da norma — cuja inconstitu-cionalidade haja sido suscitada durante o pro-cesso: ou seja, no caso, a norma do artigo 97.º,§ único, 2.º período, ao estabelecer o prazo paraa impugnação de oito dias para o contribuinte.

Ora, muito embora tivesse havido, durante oprocesso, impugnação da constitucionalidade dalimitação dos fundamentos da impugnação con-tenciosa da avaliação, a verdade é que a decisãorecorrida, tal como a decisão da 1.ª instância, nãoaplicaram a norma impugnada com esse sentido, ea própria impugnação desse sentido perdeurelevo, deixando de ser invocada (aliás, poderádizer-se, mesmo, que a inconstitucionalidade oraimputada à norma se configura logicamente comoprévia em relação à questão de constitucionalidadeque começou por ser suscitada e que encontrariaprecedente no acórdão da 2.ª Secção do SupremoTribunal Administrativo de 12 de Janeiro de 1977,publicado nos Acórdãos Doutrinais do SupremoTribunal Administrativo, ano XVI, n.º 183, págs.69-78, que julgou o corpo do artigo 97.º do Có-digo do Imposto Municipal de Sisa e do Impostosobre as Sucessões e Doações inconstitucional àface do artigo 8.º, n.º 21, da Constituição de 1933).

b) Apreciação da questão de constituciona-lidade:

6. Para fundamentar a inconstitucionalidadeda norma do § único do artigo 97.º do Código do

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51 Direito ConstitucionalBMJ 501 (2000)

Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobreas Sucessões e Doações, invoca a recorrente oacórdão n.º 148/87 (publicado no Diário da Repú-blica, II Série, de 5 de Agosto de 1987), onde setratou das razões que justificavam a existênciade um prazo para o exercício do direito de im-pugnação do despedimento, acrescentando-se oseguinte:

«Ponto essencial é que o prazo assim justifi-cado e desta forma definido não se apresentecomo exíguo, por forma que de uma dimensãotemporal desproporcionada possam resultarmanifestas e efectivas limitações do direito tute-lado.»

Tratava-se aí, porém, de um prazo de um ano.A propósito de prazos mais curtos, já este

Tribunal proferiu julgamentos de inconstitucio-nalidade no domínio do processo penal.

Assim, no acórdão n.º 34/96 (publicado noDiário da República, II Série, de 29 de Abril de1996) julgou-se inconstitucional o artigo 428.º,em conjugação com os artigos 431.º, n.º 1, e 434.ºdo Código de Justiça Militar; no acórdão n.º 41/96 já citado, julgou-se inconstitucional o artigo328.º do Código de Processo Penal de 1929; noacórdão n.º 611/96 (Diário da República, II Sé-rie, de 6 de Julho de 1996), julgou-se inconstitu-cional a conjugação dos artigos 428.º e 431.º doCódigo de Justiça Militar; no acórdão n.º 225/97(Diário da República, II Série, de 20 de Junho de1997) julgou-se inconstitucional o artigo 431.º,n.º 2, do Código de Justiça Militar, e no acórdãon.º 406/98, ainda inédito, julgou-se inconstitu-cional o artigo 287.º, n.º 1, do Código de Pro-cesso Penal de 1987 (na versão anterior ao De-creto-Lei n.º 317/95, de 27 de Novembro), em-bora com votos de vencido.

Em todos os casos referidos, o prazo emcausa era de cinco dias, e o parâmetro constitu-cional invocado era o do artigo 32.º (n.º 1) daConstituição («Garantias de processo criminal»).E também em todos esses casos — com excep-ção do último citado —, foi decisivo para a con-clusão um juízo comparativo: onde esteve emcausa o Código de Justiça Militar, a comparaçãocom os prazos previstos no Código de ProcessoPenal, onde esteve em causa uma norma desteCódigo (acórdão n.º 41/96), a comparação do

prazo previsto para o arguido (requerer diligên-cias de instrução contraditória) com o prazo pre-visto para o mesmo efeito para o MinistérioPúblico.

7. Destes traços, comuns à jurisprudênciacitada publicada, só um parece poder ser invo-cado em relação à norma ora em apreço: o da dis-paridade entre o prazo concedido ao contribuintepara impugnar a avaliação (oito dias) e o prazoconcedido ao Ministério Público para tal efeito(dois anos).

Parafraseando o que se escreveu no acórdãon.º 34/96, também no presente caso, porém, «pri-meiro momento da análise implica que se averiguese, em si, um prazo de (oito) dias para interpor emotivar (a impugnação) é limitativ(a) do direitode acesso aos tribunais [...]. Ora, a resposta po-sitiva só se imporia se o prazo fosse ostensiva-mente exíguo [...]. Fora deste âmbito, não há,obviamente, um direito a um certo prazo».

Ponderando que o prazo normal para as par-tes requererem qualquer acto ou diligência, argui-rem nulidades ou deduzirem incidentes emprocesso civil era, até à revisão de 1995-1996, decinco dias (cfr. artigo 153.º do Código de Pro-cesso Civil) e que, até à mesma altura, o prazopara apresentarem alegações era de oito dias(cfr. artigos 743.º, n.º 1, e 760.º, n.º 1, do Códigode Processo Civil) não pode deixar de concluir--se que o prazo então fixado para a impugnaçãodas avaliações fiscais — embora actualmentetambém já substituído por outro bem mais alar-gado — se encontrava em relação com um certoentendimento do tempo por parte do legislador,entendimento esse que levava à fixação de pra-zos mais reduzidos do que os que hoje são regra.

Acrescente-se, aliás, que já este Tribunal teveocasião de afirmar, em matéria de prazos em pro-cesso do trabalho, como no acórdão n.º 148/87invocado pela recorrente, que «a exigência de aalegação ter de constar do requerimento deinterposição do recurso ou, quando muito, de terde ser apresentada no prazo de interposição erecurso de oito dias, não diminui, por si mesma,as garantias processuais das partes, nem acarretaum cerceamento das possibilidades de defesa dosinteresses das partes que se tenha de considerardesproporcionado ou intolerável». (Primeiro itá-

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lico aditado — acórdão n.º 266/93, publicado noDiário da República, II Série, de 10 de Agosto de1993.)

E, mesmo em sede de processo penal, já noacórdão n.º 186/92, publicado no Diário da Re-pública, II Série, de 18 e Setembro de 1992, sejulgou que não era inconstitucional a reduçãopara metade de qualquer prazo previsto no Có-digo de Processo Penal (salvo os de 24 horas) emmatéria de crimes de imprensa, considerando-se,designadamente, que um prazo de quatro diaspara apresentação de alegações não dá origem aum «encurtamento inadmissível das possibilida-des de defesa.»

No acórdão n.º 646/99 (Diário da República,II Série, de 14 de Novembro de 2000), o TribunalConstitucional julgou não inconstitucional anorma contida no artigo 86.º, n.º 2, do Código doImposto sobre o Valor Acrescentado, que prevêum prazo de oito dias a contar da data da notifi-cação, para a impugnação do acto de liquidação.

Conclui-se assim que, ao menos na falta doparâmetro constitucional das garantias de defesaque justificou anteriores posições deste tribunalsobre a exiguidade dos prazos — e sobre o dife-rente sentido que a mesma norma pode assumirpara efeitos penais e civis vejam-se, por exem-plo, os acórdãos n.os 269/97 e, de certa forma,463/97, o primeiro publicado no Diário da Repú-blica, II Série, 23 de Maio de 1997, e o segundoainda inédito —, um prazo de oito dias para im-pugnar uma avaliação fiscal não a dificulta demaneira dificilmente ultrapassável, tanto mais que«como se sabe, [...] não são habitualmente com-plexas as questões que se levantam a propósitoda (i)legalidade dos actos avaliativos no âmbitodo citado diploma», não sendo necessário «arro-lar testemunhas, requerer prova pericial, juntardocumentos de demorada obtenção, etc.» (parao dizer como na decisão recorrida).

Acresce que, muito embora a recorrente con-sidere reiteradamente que o prazo em causa ésubstantivo (com a alegada consequência de que«o contribuinte teria, na prática, quatro ou cincodias úteis para preparar a impugnação da avalia-ção»), a posição do Supremo Tribunal Adminis-trativo é a de que tal prazo «reveste a naturezade um recurso» pelo que «o prazo referido no§ único do artigo 97.º do Código do Imposto

Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Suces-sões e Doações para a impugnação judicial daavaliação [é] de natureza adjectiva ou proces-sual, com a consequente aplicação do artigo 144.ºdo Código de Processo Civil». Que, à altura, re-corde-se, determinava a suspensão do prazo«durante as férias, sábados, domingos e dias fe-riados» (cfr. o acórdão da 2.ª Secção do Su-premo Tribunal Administrativo tirado em 26 deFevereiro de 1986 no processo n.º 3383 e pu-blicado em apêndice ao Diário da República, de22 de Dezembro de 1987, a págs. 280 e segs.),irrelevando para o caso a última reforma do pro-cesso civil uma vez que esta ocorreu já no do-mínio da aplicação do Código de ProcessoTributário.

8. Nesta medida, o que se poderia ter por, dealguma forma, desproporcionado é a diferençaem relação ao prazo de dois anos que se concediaao Ministério Público em situações em que ocontribuinte gozava de um prazo, digamos nor-mal, de oito dias.

É certo que, como se escreveu no acórdãon.º 611/96 (e se transcreveu no acórdão n.º 225/97):

«A vinculação jurídico-material do legisladorao princípio da igualdade não elimina a liberdadede conformação legislativa, pertencendo-lhe, den-tro dos limites constitucionais, definir ou quali-ficar as situações de facto ou as relações da vidaque hão-de funcionar como elementos de refe-rência a tratar igual ou desigualmente.»

Ora, pode certamente distinguir-se a interven-ção do contribuinte ao impugnar a avaliação e aintervenção do Ministério Público para o mes-mo efeito, desde logo, na medida que a primeirase fará sempre em benefício do impugnante, aopasso que a segunda tanto pode ocorrer em be-nefício do contribuinte como em benefício daFazenda Pública.

Acresce ainda, porém — eventualmente deforma decisiva —, que, enquanto o prazo pre-visto para a impugnação pelo contribuinte é umprazo de prescrição, o prazo previsto para aintervenção do Ministério Público é um prazode caducidade cujo dies a quo — a notificação

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ao contribuinte — lhe não é levado ao conheci-mento.

Assim, há um conhecimento directo, pessoale interessado do resultado da avaliação pelo con-tribuinte (nos termos do artigo 95.º do Código doImposto Municipal de Sisa e do Imposto sobreas Sucessões e Doações, o resultado da avaliaçãoé notificado ao contribuinte, após ser reduzido atermo no processo e o termo assinado por todosos que nela intervieram).

Já o conhecimento pelo Ministério Públicoda mesma situação é indirecto, fortuito, come-çando, designadamente, o prazo para ele a correra partir de um dies a quo que lhe não é levado aoconhecimento — o que justifica que o prazo quecomeça a correr a partir de então seja muito maisdilatado.

Aliás, se alguma desconformidade constitu-cional existisse aqui, ela residiria apenas na dife-rença de prazos — ou seja, resultaria do diversoprazo fixado para o Ministério Público e não daexiguidade do prazo da recorrente.

III — Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, oTribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucional a norma doartigo 97.º, § único, do Código do Im-posto Municipal de Sisa e do Impostosobre as Sucessões e Doações, na parteem que fixa para impugnação contenciosaum prazo de oito dias para o contri-buinte, contados desde a data em que aavaliação tiver sido notificada;

b) Por conseguinte, negar provimento ao re-curso e manter o juízo de constituciona-lidade da decisão recorrida;

c) Condenar a recorrente em custas, fixan-do-se a taxa de justiça em 15 UCs.

Lisboa, 22 de Novembro de 2000.

Paulo Mota Pinto (Relator) — Bravo Serra —Guilherme da Fonseca — Maria FernandaPalma — Luís Nunes de Almeida.

Foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 3, de 4 de Janeiro de 2001, pág. 133.

(G. R.)

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Demolição de obras ilegais — Licenciamento municipal deobras — Indeferimento tácito — Princípio da proporcionalidade

A invocação do princípio da proporcionalidade com sede no n.º 2 do artigo 18.º daConstituição não é de molde a fundar um juízo de inconstitucionalidade da soluçãonormativa adoptada pelo legislador em sede de licenciamento de obras particulares jáexecutadas, mesmo se desconforme com a que foi adoptada em sede de licenciamento deobras particulares não executadas.

TRIBUNAL CONSTITUCIONALAcórdão n.º 484/2000, de 22 de Novembro de 2000Processo n.º 631/99 — 2.ª Secção

ACORDAM na 2.ª Secção do Tribunal Cons-titucional:

I — Relatório

1. Em 26 de Março de 1999, Albino apresentou, no Tribunal Ad-

ministrativo do Círculo do Porto, pedido de sus-pensão de eficácia do despacho do vereador daCâmara Municipal da Póvoa de Varzim de 16 deMarço de 1999, que determinou, ao abrigo dodisposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 92/95, aposse administrativa de um prédio naquela loca-lidade por forma a proceder à demolição das obras

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nele realizadas e tidas por ilegais por aquela Câ-mara Municipal.

Por decisão de 6 de Maio de 1999 o juiz da-quele tribunal considerou preenchidas as alí-neas a) e b) do n.º 1 do artigo 76.º da Lei deProcesso nos Tribunais Administrativos, mas nãoa sua alínea c) — por ter entendido que o actocuja eficácia se pretendia ver suspensa era umacto confirmativo de uma anterior decisão de idên-tico conteúdo com data de 10 de Julho de 1998,e, portanto, insusceptível de lesar os direitos ouos interesses legalmente protegidos do requeren-te e, como tal, irrecorrível —, razão pela qualindeferiu o requerimento de suspensão de eficá-cia.

Recorreu o requerente para o Tribunal Cen-tral Administrativo que, por acórdão de 22 deJulho de 1999, negou provimento ao recurso,confirmando o indeferimento do pedido de sus-pensão de eficácia — embora por razões diver-sas das do Tribunal Administrativo do Círculodo Porto —, entendendo que o acto lesivo dosdireitos e interesses do recorrente não era nem«o acto recorrido, nem o acto confirmado de 10de Julho de 1998, mas sim o acto que ordenou ademolição da obra do recorrente» (e que datavade 10 de Fevereiro de 1998). Nesse recurso, orecorrente suscitou a inconstitucionalidade danorma do artigo 167.º do Regulamento Geral dasEdificações Urbanas, em conjugação com o dis-posto no artigo 109.º do Código do Procedi-mento Administrativo.

2. Após arguição de nulidade das duas subse-quentes notificações, veio Albino interpor recurso para o Tribunal Cons-titucional, ao abrigo do disposto na alínea b) don.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 deNovembro, concluindo desta forma as alegaçõesproduzidas neste Tribunal:

«A — O exercício do ius aedificandi, perten-cendo aos particulares, é condicionado pelos en-tes públicos, por forma a conformar tal exercíciocom as normas de ordenamento do território, asquais, contribuindo para um interesse fundamentaldo Estado, impõem aos entes locais a responsa-bilidade de velar pelo seu respeito;

B — O processo de licenciamento de obrasparticulares tem por finalidade assegurar a con-formidade do exercício do direito com as normasvigentes. Da mesma forma, o pedido de legaliza-ção de obra executada sem licença tem igual-mente por finalidade verificar que o exercício dodireito se processou em respeito com as normasde ordenamento do território em vigor;

C — No âmbito do reforço de competências ede reforço das garantias dos particulares, confi-gurou-se o princípio do deferimento tácito paraa falta de resposta dentro do prazo nos pedidosde licenciamento de obras particulares;

D — Não obstante o princípio do deferi-mento tácito, a protecção das normas de ordena-mento do território encontra-se salvaguardadapela imposição do regime de nulidade do deferi-mento contra legem;

E — A tramitação do processo de licen-ciamento de obras particulares e de legalizaçãode obra executada sem licença obedece às mes-mas exigências, nomeadamente, através da inter-venção de técnico, a cujas declarações de con-formidade se reconhece a idoneidade suficientepara dispensar de verificação e vistoria a cons-trução;

F — A imposição da regra do indeferimentotácito do pedido de legalização de obra construídasem licença, é um meio excessivo para se alcan-çar o respeito pelas normas legais e regulamenta-res em vigor, criando uma dicotomia intolerávelno sistema, atribuindo um poder discricionárioaos entes locais que se lhes não reconhece noprocesso de licenciamento prévio;

G — A prefiguração de um juízo sancionatório,não é justificativo da dicotomia, dado que esta sealcança já por força da tributação com taxa agra-vada, aquando do licenciamento, o que constituiregime sancionatório suficiente;

H — A norma do artigo 167.º do Regula-mento Geral das Edificações Urbanas, em conju-gação com a norma do artigo 109.º do Código doProcedimento Administrativo, ofende de formamanifesta o princípio da proporcionalidade, de-vendo por tal facto declarar-se a sua inconstitu-cionalidade.»

O recorrido não apresentou alegações.

Cumpre apreciar e decidir.

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II — Fundamentos

3. É a seguinte a redacção da norma impug-nada do Regulamento Geral das Edificações Ur-banas:

«Artigo 167.º

A demolição das obras referidas no artigo 165.ºsó poderá ser evitada desde que a câmara munici-pal ou o seu presidente, conforme os casos, re-conheça que são susceptíveis de vir a satisfazeros requisitos legais e regulamentares de urbani-zação, de estética, de segurança e de salubridade.

§ 1.º — O uso da faculdade prevista nesteartigo poderá tornar-se dependente de o proprie-tário assumir, em escritura, a obrigação de fazerexecutar os trabalhos que se reputem necessá-rios, nos termos e condições que forem fixados, ede demolir ulteriormente a edificação, sem direitoa ser indemnizado — promovendo a inscriçãopredial deste ónus —, sempre que as obras con-trariem as disposições do plano ou anteplano deurbanização que vier a ser aprovado.

§ 2.º — A legalização das obras ficará depen-dente de autorização do Ministro das Obras Pú-blicas, solicitada através da Direcção-Geral dosServiços de Urbanização, quando possa colidircom plano ou anteplano de urbanização já apro-vado ou, na área do plano director da região deLisboa, nos casos em que a licença estivesse con-dicionada àquela autorização.»

É a seguinte a redacção do artigo 109.º doCódigo do Procedimento Administrativo:

«Artigo 109.º

Indeferimento tácito

1 — Sem prejuízo do disposto no artigo ante-rior, a falta, no prazo fixado para a sua emissão,de decisão final sobre pretensão dirigida a órgãoadministrativo competente confere ao interes-sado, salvo disposição em contrário, a faculdadede presumir indeferida essa pretensão, para po-der exercer o respectivo meio legal de impugnação.

2 — O prazo a que se refere o número ante-rior é, salvo o disposto em lei especial, de 90 dias.

3 — Os prazos referidos no número anteriorcontam-se, na falta de disposição especial:

a) Da data da entrada do requerimento oupetição no serviço competente, quando a

lei não imponha formalidades especiaispara a fase preparatória da decisão;

b) Do termo do prazo fixado na lei para aconclusão daquelas formalidades ou, nafalta de fixação, do termo dos três mesesseguintes à apresentação da pretensão;

c) Da data do conhecimento da conclusãodas mesmas formalidades, se essa foranterior ao termo do prazo aplicável deacordo com a alínea anterior.»

Tendo em conta que este artigo do Código doProcedimento Administrativo confere uma pos-sibilidade que não foi actuada no presente caso— presumir o indeferimento tácito para efeitode impugnação —, estabelecendo prazos para aexercer, conclui-se que não está em causa o seuconteúdo directamente «preceptivo» para efeitode impugnação, mas antes o facto de se presumiro indeferimento — nas palavras do recorrente,«a imposição da regra do indeferimento tácito dopedido de legalização de obra construída semlicença», que seria «um meio excessivo para sealcançar o respeito pelas normas legais e regula-mentares em vigor».

E o artigo 167.º do Regulamento Geral dasEdificações Urbanas tipificaria uma situação emque, justamente, existiria indeferimento tácito,não obstante o disposto na alínea a) do n.º 3 doartigo 108.º do Código do Procedimento Admi-nistrativo, que considera sujeito a deferimentotácito o licenciamento de obras particulares, sen-do essa disparidade que é tida por inconstitu-cional:

«Traduzindo o licenciamento a comprovaçãode que as regras de ordenamento do territórioforam respeitadas [...] não [se] aceita [...] que talcomprovação possa ser considerada de formatácita quando a obra não se encontra levantada, enão possa ser tacitamente deferida se a obra seencontra executada.»

É, portanto, apenas isto que constitui o ob-jecto do recurso, podendo desconsiderar-se nopresente recurso as normas dos dois parágrafosdo artigo 167.º do Regulamento Geral das Edi-ficações Urbanas e dos n.os 2 e 3 do artigo 109.ºdo Código do Procedimento Administrativo —e, até, o remanescente de cada um dos artigos emsi mesmo considerados.

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4. Delimitado o objecto do recurso, poderiapôr-se em dúvida que tal objecto fosse pertinen-te para o meio processual que originou o presen-te recurso de constitucionalidade, uma vez quetal meio processual era um pedido de suspensãode eficácia, indeferido na decisão recorrida porexistirem fortes indícios de ilegalidade dainterposição do recurso [alínea c) do n.º 1 doartigo 76.º da Lei de Processo nos Tribunais Ad-ministrativos — Decreto-Lei n.º 267/85, de 16de Julho]. Ora, na medida em que tal questão deconstitucionalidade se não repercutisse em taljuízo, de nada valeria resolvê-la, dada a funçãoinstrumental do recurso de constitucionalidade(cfr. v. g. acórdãos n.os 169/92, 257/92 e 272/94,publicados, respectivamente, no Diário da Re-pública, II Série, de 18 de Setembro de 1992, de18 de Junho de 1993 e de 7 de Junho de 1994).

Acontece, porém, que a própria decisão re-corrida se interrogou sobre a interferência do pe-dido de legalização da obra na situação definidaao recorrente pela ordem de demolição — tidocomo o acto que verdadeiramente lesou os seusdireitos e interesses — e sobre o sentido do si-lêncio face a tal pedido, concluindo que «pareceque só pode ser de indeferimento [...]». Admitiu,portanto, que a atribuição de um outro sentido atal silêncio tivesse repercussão no pedido de sus-pensão de eficácia.

Uma vez que o que constitui objecto desterecurso de constitucionalidade é saber se esseoutro sentido é constitucionalmente imposto,conclui-se que a decisão que o Tribunal Consti-tucional vier a proferir pode vir a projectar-seutilmente sobre a decisão tomada pelo tribunala quo, pelo menos a julgar pelo seu discursoargumentativo.

Assim, e porque estão preenchidos os requi-sitos do recurso de constitucionalidade interpos-to, nada obsta ao seu conhecimento.

5. O que está em causa é, portanto, saber se«a norma do artigo 167.º do Regulamento Geraldas Edificações Urbanas, em conjugação com anorma do artigo 109.º do Código Penal, ofendede forma manifesta o princípio da proporcio-nalidade, devendo por tal facto declarar-se a suainconstitucionalidade», como conclui o recor-rente, porquanto, como o escreveu nas alegaçõesde recurso para o Tribunal Central Administra-

tivo, «manifesto é pois que a autorização conti-da no licenciamento de obra que se encontra jáexecutada deve enquadrar-se no elenco dos actosem que o silêncio da Administração vale comodeferimento e não no elenco de actos em que osilêncio deve ser entendido como indeferimento».

Ora, «o princípio do excesso [ou princípio daproporcionalidade] aplica-se a todas as espéciesde actos dos poderes públicos. Vincula o legisla-dor, a administração e a jurisdição. Observar--se-á apenas que o controlo judicial baseado noprincípio da proporcionalidade não tem exten-são e intensidade semelhantes consoante se tratede actos legislativos, de actos da administraçãoou de actos de jurisdição. Ao legislador (e, even-tualmente, a certas entidades com competênciaregulamentar) é reconhecido um considerável es-paço de conformação (liberdade de conforma-ção) na ponderação dos bens quando edita umanova regulação. Esta liberdade de conformaçãotem especial relevância ao discutir-se os requi-sitos da adequação dos meios e da proporcio-nalidade em sentido restrito. Isto justifica queperante o espaço de conformação do legislador,os tribunais se limitem a examinar se a regulaçãolegislativa é manifestamente inadequada» (assim,Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teo-ria da Constituição, Coimbra, 1998, pág. 264).

Ora, estando em causa a constitucionalidadede uma norma, é apenas a intervenção do legis-lador que tem de ser aferida — com os limitesassinalados.

6. Delimitado o objecto do recurso e o alcancedo controlo que incumbe a este Tribunal efec-tuar, logo se conclui que a invocação do princí-pio da proporcionalidade — com sede no n.º 2do artigo 18.º da Constituição e não, como invo-cado pelo recorrente, nos artigos 13.º, n.º 2, e226.º (onde se estabelecem os princípios fun-damentais de actuação da Administração Pú-blica)— não é de molde a fundar um juízo deinconstitucionalidade da solução normativa adop-tada pelo legislador em sede de licenciamento deobras particulares já executadas, mesmo se des-conforme com a que foi adoptada em sede delicenciamento de obras particulares não exe-cutadas.

Por um lado porque, como foi referido na de-cisão recorrida — o acórdão de 22 de Julho de

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1999 do Tribunal Central Administrativo — nãose pode reputar tal diferença de regimes comomanifestamente inadequada:

«Trata-se de duas realidades distintas. E, porisso, o legislador distinguiu-as, inclusive deu di-ferente relevo ao silêncio da administração num enoutro caso. O requerente do licenciamento pre-tende construir, mas precisa de licença, por isso,impõe-se que a Administração actue de formarápida e eficiente. E daí que ao silêncio da Admi-nistração durante determinado lapso de tempo,o legislador fez presumir o deferimento tácito dapretensão (artigo 61.º do Decreto-Lei n.º 445/91e artigo 108.º do Código do Processo Adminis-trativo). Pelo contrário, no caso de pedido delegalização de obra, o requerente já desrespeitoua lei, de forma ilegal e abusiva construiu semobter o consentimento da Administração. Dadoeste comportamento, o legislador não entendeupremiar o infractor. Pelo que, no silêncio da Ad-ministração, presume-se o indeferimento da pre-tensão (artigo 109.º do Código de ProcessoAdministrativo).»

[...]A demolição das obras construídas ilegal-

mente e, portanto, ilegais, ‘só poderá ser evitadadesde’ que se reconheça que poderão vir a satis-fazer os requisitos legais. Isto é, a demolição é ofim previsto na lei para as obras ilegais, a qual sóexcepcionalmente poderá ser evitada. E daí que opedido de legalização dessas obras se presuma in-deferido no caso de silêncio da Administração.»

Por outro lado, como se escreveu no acórdãon.º 634/93 (publicado no Diário da República,II Série, de 31 de Março de 1994), invocando adoutrina:

«O princípio da proporcionalidade desdobra--se em três subprincípios: princípio da adequa-ção (as medidas restritivas de direitos, liberda-des e garantias devem revelar-se como um meiopara a prossecução dos fins visados, com salva-guarda de outros direitos ou bens constitucional-mente protegidos); princípio da exigibilidade(essas medidas restritivas têm de ser exigidas paraalcançar os fins em vista, por o legislador nãodispor de outros meios menos restritivos paraalcançar o mesmo desiderato); princípio da justamedida, ou proporcionalidade em sentido estrito

(não poderão adoptar-se medidas excessivas, des-proporcionadas para alcançar os fins pretendi-dos).»

Ora, a medida restritiva atinge verdadeiramenteo ius aedificandi, sendo discutido se este se inte-gra no direito de propriedade ou radica antes noacto administrativo autorizativo (cfr. os acórdãosn.os 329/99, 517/99 e 602/99, os dois primeirospublicados no Diário da República, II Série, de20 de Julho de 1999 e 11 de Novembro de 1999,e o último ainda inédito, e Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portu-guesa Anotada, Coimbra, 1993, pág. 333, ano-tação VII ao artigo 62.º; em sentidos opostospodem ver-se Alves Correia, O Plano Urbanísti-co e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989,págs. 372-382, e Freitas do Amaral, «Aprecia-ção da dissertação de doutoramento do licen-ciado Fernando Alves Correia», Revista da Fa-culdade de Direito da Universidade de Lisboa,vol. XXXII, 1991, págs. 99-101; um inventário eapreciação das diferentes posições da doutrinaportuguesa encontra-se em Mário Esteves de Oli-veira, «O direito de propriedade e o ius aedificandino direito português», Revista Jurídica do Urba-nismo e do Ambiente, n.º 3, 1995, págs. 187-198).

Pode, assim, desde logo duvidar-se de queesteja em causa uma «restrição» de direitos,liberdades e garantias e, consequentemente, oâmbito de aplicação do princípio consagrado non.º 2 do artigo 18.º da Constituição. No primeirodaqueles referidos acórdãos escreveu-se:

«Mesmo quando se entenda que o direito aconstruir [...] é uma dimensão do direito de pro-priedade, as proibições decorrentes dos planosurbanísticos [...] resultam da necessidade de re-solver as situações de conflito entre o direito depropriedade e as exigências de ordenamento doterritório. E os conflitos de direitos ou bens jurí-dicos resolvem-se harmonizando esses direitosou bens jurídicos em toda em que tal seja possí-vel ou, quando o não for, fazendo que uns preva-leçam sobre outros, que, desse modo, são emparte sacrificados.

Significa isto que a especial situação da pro-priedade [...] importa uma vinculação tambémespecial (uma vinculação situacional), que maisnão é do que uma manifestação da hipotecasocial que onera a propriedade privada do solo.

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E, por isso, essa proibição, sendo, como é, im-posta pela própria natureza intrínseca ou pelasituação da propriedade, não pode ser havidacomo inconstitucional.»

Ora, tendo isto em conta, não pode conside-rar-se que a demolição de obras tidas como ile-gais — por não terem sido autorizadas — ofendaqualquer dos três subprincípios do princípio daproporcionalidade mesmo, como se disse, «quan-do se entenda que o direito a construir [...] é umadimensão do direito de propriedade».

7. Finalmente, a aferição da disparidade deconsequências do silêncio das entidades compe-tentes em caso de obras particulares a realizar ejá realizadas à luz do princípio da igualdade, nãoaltera as conclusões já obtidas, uma vez que talprincípio, distinguindo-se embora do da propor-cionalidade, se resolve em dimensões (proibiçãodo arbítrio, proibição de discriminação e obriga-ção de diferenciação) que também não são pos-tas em causa, pelas razões já constantes da de-cisão recorrida, por tal diferenciação de regime(cfr. pareceres n.os 1/76 e 26/82 da ComissãoConstitucional, Pareceres da Comissão Consti-

tucional, vols. 1.º e 20.º, e acórdãos n.os 44/84,142/85 e 336/86, publicados no Diário da Repú-blica, II Série, de 11 de Julho de 1984 e 7 deSetembro, e I Série, de 24 de Dezembro de 1986,respectivamente).

Não havendo razões, também, para formularum juízo de inconstitucionalidade com outrosfundamentos (cfr. artigo 79.º-C da Lei n.º 28/82,de 15 de Novembro, na redacção da Lei n.º 85/89,de 7 de Setembro), há que concluir pela improce-dência do presente recurso.

III — Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostosnega-se provimento ao recurso, confirmando adecisão recorrida no que à questão de cons-titucionalidade diz respeito e condenando-se orecorrente em custas, fixando-se a taxa de justiçaem 15 UCs.

Lisboa, 22 de Novembro de 2000.

Paulo Mota Pinto (Relator) — Bravo Serra —Guilherme da Fonseca — Maria FernandaPalma — Luís Nunes de Almeida.

Foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 3, de 4 de Janeiro de 2001, pág. 136.

(G. R.)

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58 BMJ 501 (2000)Direito Constitucional

Causas de nulidade da sentença — Esclarecimento ou reformada sentença — Processamento subsequente — Arguição denulidades — Acesso ao direito e aos tribunais

É inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, a interpreta-ção dos artigos 668.º, n.º 1, alínea d), 669.º, n.º 1, alínea a), e 670.º, n.º 3, do Código deProcesso Civil, segundo a qual, apresentado o requerimento de aclaração do acórdão,não pode a mesma parte arguir a respectiva nulidade, em virtude de a apresentaçãodaquele requerimento permitir concluir que a parte concorda com a decisão.

TRIBUNAL CONSTITUCIONALAcórdão n.º 485/2000, de 22 de Novembro de 2000Processo n.º 18/2000 — 2.ª Secção

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59 Direito ConstitucionalBMJ 501 (2000)

ACORDAM na 2.ª Secção do Tribunal Cons-titucional:

I — Relatório

1. Barclays Bank PLC instaurou, junto do10.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, acçãoexecutiva contra José , para pagamento de32 794 121$00, com base numa livrança avalizadapelos executados.

O executado deduziu embargos, que foramjulgados improcedentes, por despacho saneador.

Dessa decisão recorreu o embargante, invo-cando vício de forma da livrança, por dela cons-tar a expressão «letra, aliás, livrança» e «pagará»em vez de «pagarei». O recurso foi julgado im-procedente por acórdão do Tribunal da Relaçãode Lisboa de 7 de Janeiro de 1997.

Já após o trânsito em julgado do acórdão de7 de Janeiro de 1997, José requereu a rejeiçãoda execução. Tal requerimento foi indeferido pordespacho de 18 de Setembro de 1997, com fun-damento em caso julgado formado pelo acórdãode 7 de Janeiro de 1997.

Dessa decisão foi interposto recurso para oTribunal da Relação de Lisboa, invocando o re-corrente que o caso julgado apenas terá abran-gido a questão relativa à utilização da expressão«letra, aliás, livrança», continuando em aberto aquestão relativa ao uso da expressão «pagará».

Por acórdão de 25 de Junho de 1998, o Tribu-nal da Relação de Lisboa negou provimento aorecurso, em virtude da excepção de caso julgado.O recorrente foi ainda condenado por litigânciade má fé.

Do acórdão de 25 de Junho de 1998 foi inter-posto recurso para o Supremo Tribunal de Jus-tiça, que, por acórdão de 20 de Janeiro de 1999,negou provimento ao recurso.

2. José requereu a aclaração do acórdãode 20 de Janeiro de 1999, pedindo que fosseexplicitado o critério legal que permitiu concluirque os acórdãos do Tribunal da Relação haviamponderado e decidido, ainda que implicitamente,

a questão relativa às consequências jurídicas deno título exequendo ter sido mantida a expressão«pagará» em vez da expressão «pagarei». O re-querente pediu ainda que se explicitasse o crité-rio legal que fundamentou a condenação porlitigância de má fé.

O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdãode 16 de Março de 1999, considerando não haverqualquer obscuridade ou ambiguidade a aclarar,indeferiu a aclaração.

3. José arguiu a nulidade do acórdão de20 de Janeiro de 1999. Para tanto, sustentou queo Supremo Tribunal de Justiça conheceu de ques-tões que não podia conhecer, ao considerar que oacórdão da Relação de Lisboa de 7 de Janeiro de1997, não declarando a livrança ineficaz, apre-ciou também, ainda que implicitamente, o funda-mento relativo à utilização da expressão «pagará»em vez de «pagarei». Em consequência, concluiuo reclamante pela nulidade do acórdão de 20 deJaneiro de 1999, por excesso de pronúncia e ain-da por contradição entre os fundamentos e a de-cisão [alíneas d) e c) do n.º 1 do artigo 668.º doCódigo de Processo Civil].

O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdãode 18 de Maio de 1999, considerou que «quempede uma aclaração de um acórdão, na óptica dosartigos 667.º e 669.º, ambos do Código de Pro-cesso Civil — aplicáveis na lógica dos invoca-dos artigos 716.º, n.º 2, e 749.º — mostra queconcorda com a essência da decisão». Em con-sequência, concluiu pela impossibilidade da ar-guição de nulidade, indeferindo a pretensão dedu-zida.

4. José interpôs recurso de constitucio-nalidade do acórdão de 18 de Maio de 1999, aoabrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei doTribunal Constitucional.

Não tendo o recurso de constitucionalidadesido admitido, o recorrente reclamou da decisãode não admissão, ao abrigo dos artigos 76.º, n.º 4,e 77.º da Lei do Tribunal Constitucional, recla-mação que foi julgada procedente, pelo acórdãodo Tribunal Constitucional n.º 642/99, de 24 deNovembro.

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60 BMJ 501 (2000)Direito Constitucional

5. Junto do Tribunal Constitucional, o recor-rente apresentou alegações que concluiu do se-guinte modo:

1.ª — No caso em apreço o acórdão recor-rido, que recaiu sobre uma reclamação por nuli-dades, predeterminou-se por um critério erigidoa norma, nos termos do qual um prévio requeri-mento de aclaração de acórdão prejudica umaposterior reclamação por nulidades.

2.ª — É esta norma que constitui o objectodo presente recurso de fiscalização concreta deconstitucionalidade.

3.ª — Ao fim e ao cabo foi criada uma normaque varreu do ordenamento jurídico portuguêso preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 669.ºe no n.º 3 do artigo 670.º do Código de ProcessoCivil. Além disso,

4.ª — Criou-se uma nova norma de preclusãoprocessual que, como óbvio se torna, contendecom o direito fundamental de acesso ao direito etutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da Cons-tituição da República Portuguesa).

5.ª — A elaboração da questionada normaviolou, ainda, o princípio da legalidade, por-quanto os tribunais estão sujeitos à lei (artigo203.º da Constituição da República Portuguesa).

6.ª — Violou também a feitura da mesmanorma o princípio da separação dos poderes, in-vadindo a esfera das competências legislativasda Assembleia da República e do Governo [alí-nea e) do artigo 164.º, alínea q) do artigo 168.º,alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 201.º e n.º 5 doartigo 115.º, todos da Constituição da RepúblicaPortuguesa, na redacção anterior à ora vigente].

A recorrida não apresentou contra-alegações.

6. Corridos os vistos, cumpre decidir.

II — Fundamentação

7. O objecto do presente recurso de constitu-cionalidade é constituído pelas normas dos arti-gos 668.º, n.º 1, alínea d), 669.º, n.º 1, alínea a), e670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicá-veis, in casu, por força do disposto nos artigos716.º, n.º 1, 732.º e 749.º do mesmo Código.

É a seguinte a redacção daqueles preceitos:

«Artigo 668.º

Causas de nulidade da sentença

1 — É nula a sentença:....................................................................d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se so-

bre questões que devesse apreciar ou co-nheça de questões de que não podia tomarconhecimento;

....................................................................

Artigo 669.º

Esclarecimento ou reforma da sentença

1 — Pode qualquer das partes requerer notribunal que proferiu a sentença:

a) O esclarecimento de alguma obscuridadeou ambiguidade que ela contenha;

....................................................................

Artigo 670.º

Processamento subsequente

.......................................................................3 — Se alguma das partes tiver requerido a

rectificação ou aclaração da sentença, o prazopara arguir nulidades ou pedir a reforma só co-meça a correr depois de notificada a decisão pro-ferida sobre esse requerimento.

.....................................................................»

O Supremo Tribunal de Justiça interpretoutais preceitos no sentido de a apresentação dorequerimento de aclaração do acórdão permitirconcluir que o requerente concorda com a deci-são, pelo que não pode este depois arguir a nuli-dade do mesmo acórdão.

O recorrente sustenta que tal dimensão nor-mativa dos preceitos indicados viola o dispostono artigo 20.º da Constituição, o princípio dalegalidade (artigo 203.º da Constituição) e o prin-cípio da separação de poderes, dado o juiz, aoelaborar a norma que subjaz à decisão recorrida,ter invadido a esfera da competência legislativada Assembleia da República Portuguesa e doGoverno [alínea e) do artigo 164.º, alínea q) doartigo 168.º, alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 201.ºe n.º 5 do artigo 115.º, todos da Constituição].

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61 Direito ConstitucionalBMJ 501 (2000)

Apreciar-se-á, primeiramente, a alegada vio-lação do artigo 20.º da Constituição.

8. A aclaração da sentença visa, fundamen-talmente, o esclarecimento de alguma obscuri-dade ou ambiguidade da decisão [cfr. artigo 669.º,n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil].Trata-se, pois, e nesta dimensão, de um meioprocessual que possibilita a superação de dúvi-das relativas a eventuais imperfeições que se re-portam ao texto da sentença, mas que não aafectam enquanto acto jurídico.

A nulidade da sentença, por outro lado, jáconsubstancia um vício (substancial ou formal)da decisão, constituindo a sua arguição um meiode reagir contra a própria sentença defeituosa(cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil,2.ª ed., 1985, págs. 693 e segs., Fernando LusoSoares, Processo Civil de Declaração, 1985,págs. 845 e seguintes).

Verifica-se, assim, que a aclaração da sentençae a arguição de nulidades têm finalidades diver-sas e efeitos distintos.

Nos presentes autos está em causa a articula-ção dos dois mecanismos.

Em face do artigo 670.º, n.º 3, do Código deProcesso Civil, pode afirmar-se que, tendosido requerida a aclaração, a arguição de nulidadeterá lugar após a decisão daquele requerimento(cfr. Antunes Varela, ob. cit., pág. 694).

Porém, o Supremo Tribunal de Justiça, inter-pretando os preceitos impugnados de modo di-ferente, considerou que a apresentação do reque-rimento de aclaração significa que a parte con-corda com a decisão, não podendo, nessa me-dida, arguir a nulidade da sentença depois de de-cidida a sua aclaração. Fez, portanto, e implicita-mente, uma interpretação restritiva do artigo 670.º,n.º 3, do Código de Processo Civil, pois, se assimnão o tivesse feito, teria encontrado no teor detal preceito um obstáculo intransponível à solu-ção a que chegou.

Será tal dimensão normativa conforme à Cons-tituição?

9. No presente recurso de fiscalização con-creta de constitucionalidade não cumpre, natu-ralmente, apreciar a correcção dos critérios deinterpretação da lei que o julgador utilizou nafixação do sentido dos preceitos infracons-

titucionais, nomeadamente na interpretação doartigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Também não cabe, por outro lado, avaliar arazoabilidade dos fundamentos invocados na acla-ração e na arguição de nulidades apresentadas,nem se tais mecanismos foram utilizados de modoadequado.

Tais questões, situando-se no plano infracons-titucional, estão evidentemente fora da fiscaliza-ção concreta da inconstitucionalidade normativaque compete ao Tribunal Constitucional, nostermos da Constituição.

Apenas compete, pois, ao Tribunal Consti-tucional apreciar a conformidade à Constituiçãoda dimensão normativa que subjaz à decisão re-corrida, segundo a qual a arguição de nulidadesda sentença não pode ter lugar depois de ter sidorequerida e decidida a sua aclaração.

O artigo 20.º da Constituição consagra, non.º 1, a garantia de acesso ao direito e aos tribu-nais para tutela dos interesses legalmente prote-gidos.

A concretização dessa garantia, nomeadamenteem matéria cível, é conferida ao legislador infra-constitucional, que dispõe de uma ampla mar-gem de decisão no que respeita ao âmbito dasespecíficas soluções a consagrar (cfr., neste sen-tido, e no que respeita ao direito ao recurso, en-tre outros, os acórdãos n.os 239/97 e 479/98 —Diário da República, II Série, de 15 de Maio de1997 e de 24 de Novembro de 1999, respectiva-mente).

Contudo, e no que se refere à questão deconstitucionalidade em apreciação, o legisladorterá sempre de respeitar a dimensão da garantiade acesso ao direito e aos tribunais que se traduzem assegurar às partes uma completa percepçãodo conteúdo das sentenças judiciais e em assegu-rar a possibilidade de reacção contra determina-dos vícios da decisão. O legislador terá, pois, deconsagrar na legislação processual mecanismosque viabilizem, de modo eficaz, a prossecuçãode tais finalidades.

No que respeita aos vícios e reforma da sen-tença, o legislador instituiu o quadro legal cons-tante dos artigos 666.º e seguintes do Código deProcesso Civil. Nesse regime, consagrou a pos-sibilidade de requerer a aclaração da sentença,assim como de arguir a sua nulidade. A arguiçãode nulidades constitui, verdadeiramente, o único

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62 BMJ 501 (2000)Direito Constitucional

meio processual de reacção contra determinadosvícios da decisão, consubstanciando, nessa me-dida, a aludida dimensão da garantia constitucio-nal de acesso ao direito e aos tribunais. Por outrolado, e em função do recorte legal dos respecti-vos mecanismos processuais, o legislador esta-tuiu que, tendo sido requerida a aclaração da sen-tença, o prazo da arguição de nulidades só come-ça a correr depois da notificação da decisão daaclaração (artigo 670.º, n.º 3, do Código de Pro-cesso Civil).

Ora, exprimindo o regime em vigor, nos seustraços essenciais, um modo de concretização dagarantia constitucional, não pode, nessa medida,ser por via interpretativa restringido ou trun-cado naqueles aspectos que materializam o exer-cício (no caso) do direito constitucionalmentegarantido. A limitação da utilização dos meiosprocessuais em causa (máxime, da arguição denulidades), quando a parte observa o condiciona-lismo legal (nomeadamente no que respeita a pra-zos), atentará, pois, contra o direito de acessoaos tribunais constitucionalmente consagrado, setal limitação não se fundar num outro valor ouprincípio com dignidade constitucional.

Nos presentes autos, o Supremo Tribunal deJustiça, no acórdão recorrido, considerou que aarguição de nulidades não podia ter lugar, umavez que tinha sido requerida a aclaração doacórdão. Entendeu, para esse efeito, e apenas,que a apresentação do requerimento de aclaraçãopermite concluir, inevitavelmente, que o recla-mante concorda com a sentença e que preclude apossibilidade de arguir a respectiva nulidade.

Tal conclusão impede a autonomização daaclaração face à arguição de nulidades enquantomeios processuais com finalidades distintas. Comefeito, e numa outra interpretação possível dasnormas que prevêem tais mecanismos, a aclara-ção do acórdão pode até constituir um momentopreparatório da arguição de nulidades (como acon-tece in casu), havendo a possibilidade de a parte

apenas poder formar fundadamente a sua deci-são de arguir nulidades após a decisão do reque-rimento de aclaração.

Verifica-se, assim, que a interpretação feitapelo Supremo Tribunal de Justiça das normasem causa limita, não justificadamente, o direitode acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º,n.º 1, da Constituição. Trata-se, na verdade, dainviabilização do recurso a um mecanismo pro-cessual com uma finalidade singular, e, por essavia, da denegação da única possibilidade legal dereacção contra determinados vícios da decisãojurisdicional.

10. Alcançada esta conclusão, afigura-seinútil apreciar os demais argumentos de incons-titucionalidade invocados pelo recorrente.

III — Decisão

11. Em face do exposto, decide-se julgarinconstitucional, por violação do artigo 20.º,n.º 1, da Constituição, a interpretação dos arti-gos 668.º, n.º 1, alínea d), 669.º, n.º 1, alínea a),e 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, se-gundo a qual, apresentado o requerimento de acla-ração do acórdão, não pode a mesma parte arguira respectiva nulidade, em virtude de a apresenta-ção daquele requerimento permitir concluir que aparte concorda com a decisão. Em consequência,concede-se provimento ao recurso de constitucio-nalidade, revogando-se a decisão recorrida, quedeverá ser reformulada de acordo com o presentejuízo de inconstitucionalidade.

Lisboa, 22 de Novembro de 2000.

Maria Fernanda Palma (Relatora) — PauloMota Pinto — Bravo Serra — Guilherme daFonseca — Luís Nunes de Almeida.

Foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 3, de 4 de Janeiro de 2001, pág. 138.

(G. R.)

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63 Direito ConstitucionalBMJ 501 (2000)

Arguição de nulidade — Legitimidade

Não pode conhecer-se do objecto do requerimento de arguição de nulidade, por arequerente (que não é nem recorrente nem recorrida) não ter legitimidade para a suaapresentação. Na realidade, uma vez que optou por não recorrer (podendo, embora,fazê-lo) para este Tribunal da decisão proferida, não pode agora pretender vir exercerdireitos processuais (no caso, arguir a nulidade da decisão proferida no âmbito dorecurso) cuja existência pressupõe a qualidade (que não tem) de parte no recurso.

TRIBUNAL CONSTITUCIONALAcórdão n.º 488/2000, de 22 de Novembro de 2000Processo n.º 72/2000 — 3.ª Secção

ACORDAM na 3.ª Secção do Tribunal Cons-titucional:

1. Nos presentes autos, em que é recorrente oMinistério Público e recorrido Cardoso & Borges,L.da, vem Maria arguira nulidade do acórdão deste Tribunal de 17 deMaio de 2000 (fls. 552 a 558), em que tinha sidodecidido não conhecer do objecto do recurso in-terposto.

2. É, porém, manifesto que não pode conhe-cer-se do objecto do requerimento apresentado,porquanto a requerente (que não é nem recor-rente nem recorrida nos presentes autos de re-curso) não tem legitimidade para a sua apresen-tação. Na realidade, uma vez que optou por nãorecorrer (podendo, embora, fazê-lo) para este Tri-bunal da decisão proferida pelo Tribunal da Re-lação de Évora, não pode agora pretender virexercer direitos processuais (no caso, arguir a

nulidade da decisão proferida no âmbito do re-curso) cuja existência pressupõe a qualidade (quenão tem) de parte no recurso.

3. Em sentido semelhante decidiu recente-mente este Tribunal (e esta Secção) no seu acórdãon.º 239/99, que não tinha legitimidade para im-pugnar perante a conferência uma decisão sumá-ria quem, podendo ter recorrido para o TribunalConstitucional, optou por não o fazer.

4. Pelo exposto, decide-se não conhecer doobjecto do requerimento apresentado.

Custas pela requerente, fixando-se a taxa dejustiça em 10 UCs.

Lisboa, 22 de Novembro de 2000.

José de Sousa e Brito (Relator) — MessiasBento — Alberto Tavares da Costa — Mariados Prazeres Pizarro Beleza — Luís Nunes deAlmeida.

Foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 3, de 4 de Janeiro de 2001, pág. 139.

(G. R.)

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64 BMJ 501 (2000)Direito Constitucional

Conversão da multa não paga em prisão subsidiária — Sus-pensão da prisão subsidiária — Prova — Garantias de defesa —Princípio in dubio pro reo

A regra prevista no n.º 3 do artigo 49.º do Código Penal, enquanto faz depender asuspensão da execução da prisão subsidiária da demonstração pelo condenado de queo não pagamento da multa lhe não é imputável não contraria o n.º 1 do artigo 32.º daConstituição, onde se consagra a plenitude das garantias de defesa, nem o princípioin dubio pro reo.

TRIBUNAL CONSTITUCIONALAcórdão n.º 491/2000, de 22 de Novembro de 2000Processo n.º 159/2000 — 3.ª Secção

ACORDAM na 3.ª Secção do Tribunal Cons-titucional:

1. Por acórdão do Tribunal de Círculo dePombal de 30 de Outubro de 1997 (de fls. 318 eseguintes), Armindo foi con-denado, como autor material de um crime de re-ceptação, punido pelo artigo 231.º do CódigoPenal com a pena de prisão até 5 anos ou commulta até 600 dias, na pena concreta de 150 diasde multa, à taxa diária de 5000$00.

O acórdão condenatório foi integralmente con-firmado pelo Supremo Tribunal de Justiça (poracórdão de fls. 367 e seguintes), na sequência derecurso interposto pelo arguido.

Perante a falta de pagamento da multa, o Tri-bunal de Círculo de Pombal notificou o ora re-corrente para se pronunciar sobre a conversãoem prisão da multa em que tinha sido condenado(cfr. o despacho de fls. 480 e 480 v.º).

Armindo veio, em res-posta à notificação, afirmar a insusceptibilidadede conversão, nos seguintes termos:

«1.º — Os factos que levaram à condenaçãodo arguido ocorreram no âmbito da aplicação doanterior Código Penal, ou seja, antes da entradaem vigor do actual Código Penal revisto, que ocor-reu em 1 de Outubro de 1995.

2.º — Conforme se vê da douta sentença pro-ferida, o arguido Armindo foicondenado na pena de 150 dias de multa à taxadiária de 5000$00,

3.º — Não sendo fixado na sentença qualquertempo de prisão em alternativa, conforme previao n.º 3 do artigo 46.º na anterior redacção.

4.º — O actual artigo 49.º do Código Penal épois inaplicável ao arguido já que a lei penal nãotem aplicação retroactiva salvo se lhe for maisfavorável.

5.º — Acresce que o não pagamento da multanão é imputável ao arguido porquanto este nãodispõe actualmente de meios ou recursos finan-ceiros próprios que lhe permitam efectuar o pa-gamento do valor elevado da multa.

6.º — Acresce que o n.º 3 do artigo 49.º doCódigo Penal, na sua actual redacção, ao exigirtambém para que o arguido não seja privado daliberdade a prova de um facto negativo, é in-constitucional por duas ordens de razões:

7.º — Em primeiro lugar, por violar o princí-pio constitucional da igualdade dos cidadãos pe-rante a lei (artigo 13.º da Constituição da Repú-blica Portuguesa).

8.º — Em segundo lugar, por violar o dispostono artigo 32.º do mesmo diploma por, ao exigir aprova de um facto negativo, não assegurar aoarguido todas as garantias de defesa já que a pro-va irrefutável de um facto negativo é de todo emtodo impossível, ficando pura e simplesmentena disponibilidade incontrolada do julgador quenão da sua livre convicção que terá de ser semprefundamentada.

É ainda inconstitucional por violar o dispostono artigo 29.º do mesmo diploma.»

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65 Direito ConstitucionalBMJ 501 (2000)

O juiz do Tribunal de Círculo de Pombal con-siderou, por um lado, que «o disposto nesse ar-tigo 49.º em nada agrava a situação dos arguidose é de aplicação imediata». Por outro lado, afas-tou a alegação de inconstitucionalidade, por vio-lação do princípio da igualdade, ou dos artigos29.º e 32.º da Lei Fundamental.

2. Do despacho do juiz do Tribunal de Cír-culo de Pombal que procedeu à conversão emprisão da pena de multa não paga recorreu o con-denado para o Tribunal da Relação de Coimbra(por requerimento de fls. 501 e seguintes), tendoconcluído, no que agora interessa, do seguintemodo:

«1 — Sendo o arguido condenado como autormaterial de um crime de receptação por factosque contra ele foram dados como provados e queteriam ocorrido na vigência do Código Penal de1982 na pena de 150 dias de multa e bem aindano pagamento solidário das indemnizações arbi-tradas, é-lhe inaplicável o artigo 49.º do actualCódigo Penal se a sentença não fixou desde logo,ao abrigo do n.º 3 do artigo 46.º do Código Penalna sua redacção anterior, qualquer pena de pri-são em alternativa por não ser de aplicação re-troactiva.

2 — O n.º 3 do artigo 49.º do actual CódigoPenal, ao exigir ao arguido, sob pena de privaçãoda liberdade, a prova de um facto negativo, ouseja, de que a razão do não pagamento lhe não éimputável equivale à consagração da prisão pordívidas ou à sua possibilidade violando designa-damente princípios fundamentais de direito pro-cessual penal que têm no nosso direito constitu-cional consagração inequívoca designadamente osprincípios do acusatório, do princípio in dubiopro reo e o princípio de que o processual penaldeverá assegurar todas as garantias de defesa.(Cfr. artigos 29.º e 32.º da Constituição da Repú-blica Portuguesa.)

3 — A interpretação e aplicação do artigo 49.ºdo Código Penal com o sentido adoptado na de-cisão recorrida é pois manifestamente inconsti-tucional, já que viola designadamente os artigos13.º, 29.º e 32.º da Constituição da RepúblicaPortuguesa. Padecendo,

[...]5 — Inconstitucionalidades que se suscitam.

6 — A douta decisão recorrida violou, como jávimos, de entre outras, as seguintes normas: arti-go 46.º, n.º 3, do Código Penal na sua redacçãoanterior, actual redacção do artigo 49.º do mesmodiploma e artigos 13.º, 29.º e 32.º da Constituiçãoda República Portuguesa.»

O Tribunal da Relação de Coimbra negou pro-vimento ao recurso (por acórdão de fls. 530 eseguintes), afirmando designadamente o seguinte:

«Efectivamente, o recorrente foi condenadoem 1997 por factos ocorridos em 1994, portantoantes da entrada em vigor do Código Penal re-visto, circunstância que obrigou o Tribunal a pon-derar na sentença entre a aplicação ao caso doCódigo Penal na redacção inicial ou na redacçãointroduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 deMarço, aliás em obediência ao estabelecido non.º 4 do artigo 2.º do Código Penal, em qualquerdas redacções, referindo a propósito que, apli-cando-se o Código Penal na redacção de 1982, oarguido seria condenado em 18 meses de prisão eem 45 dias de multa à taxa diária de 5000$00 eque, aplicando-se o Código Penal revisto, o ar-guido seria condenado na pena de 150 dias demulta à mesma taxa diária, pelo que optou, natu-ralmente, por ser o regime concretamente maisfavorável, por aplicar o Código Penal na redac-ção de 1995 (cfr. fls. 7 v.º).

Ora, tendo-se optado, como se impunha, poreste regime, não se deveria ter fixado na mesmasentença, como não se fixou, a pena subsidiária,como era necessário na vigência do n.º 3 do ar-tigo 46.º da versão originária do Código Penal,quanto à prisão alternativa, antes, e bem, a or-dem de cumprimento da prisão subsidiária foidada através do despacho ora impugnado, apósverificados os pressupostos enunciados no n.º 1do artigo 49.º do Código Penal revisto e depoisde ter sido dada oportunidade ao Ministério Pú-blico e ao recorrente para se pronunciarem sobretal questão, ou seja, depois de ter sido respei-tado o princípio do contraditório.

E dissemos que bem se procedeu dado que,embora a prisão subsidiária corresponda, apósmodificações levadas a cabo no Código Penal peloDecreto-Lei n.º 48/95, à então denominada pri-são em alternativa, verificou-se alteração não sódo respectivo nome, mas também das assinala-das ocasião e forma da sua fixação devido a uma

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melhor técnica legislativa, porquanto a prisão re-sultante da conversão da multa criminal não estápara com tal multa numa relação de alterna-tividade, mas de subsidiariedade, já que só deveser aplicada e, consequentemente, cumprida de-pois de esgotados todos os meios de cumpri-mento da multa (neste sentido, cfr., v. g., MaiaGonçalves, Código Penal Anotado, 12.ª ed., 1988,pág. 200).

Por outro lado, o regime pelo qual se opte temde ser aplicado em bloco, não sendo lícito aojulgador respigar de cada uma das versões doCódigo Penal aplicáveis disposições isoladas, deforma osmótica ou simbiótica (neste sentidocfr., v. g., acórdão do Supremo Tribunal de Jus-tiça de 18 de Outubro de 1989, Boletim do Mi-nistério da Justiça, n.º 390, pág. 142).

Aliás, misturando ou combinando as disposi-ções legais mais favoráveis de cada uma das leisconcorrentes, o juiz estaria arvorado em legisla-dor, criando uma terceira lei dissonante, no seuhibridismo, de qualquer das leis em jogo (nestesentido cfr. Leal Henriques e Simas Santos, Có-digo Penal, vol. 1.º, pág. 100, edição de 1995).

Carece, pois, claramente de razão o recor-rente quando defende que lhe é inaplicável o ar-tigo 49.º do actual Código Penal, se a sentençanão fixou desde logo, ao abrigo do n.º 3 do artigo46.º do Código Penal na sua redacção anterior,qualquer pena de prisão em alternativa.

Assim como carece de razão no que concerneàs inconstitucionalidades que suscita.

Com efeito, a lei criminal não foi aplicadaretroactivamente, uma vez que, como vimos, aprisão subsidiária corresponde à prisão em alter-nativa, prevista na lei à data do crime que o re-corrente praticou, pelo que não se verifica a vio-lação do artigo 29.º da Constituição da Repú-blica Portuguesa.

E o n.º 3 do artigo 49.º do actual Código Penalnão viola o princípio da igualdade consagrado noartigo 13.º da Constituição da República Portu-guesa, dado que a execução da prisão subsidiáriapode ser declarada extinta se o condenado pro-var que a razão do não pagamento da multa lhenão é imputável.

Exigência que de modo algum põe em causa asgarantias de processo criminal a que se reporta oartigo 32.º da Constituição da República Portu-guesa, porquanto o aforismo negativa non sunt

probanda não quer dizer que os factos negativosnão têm de ser provados, mas apenas que a sim-ples negação pelo demandado da alegação do au-tor não precisa de ser provada.

Por isso esta regra, quando entendida no sen-tido de que não carecem de prova os factos nega-tivos, não é de aceitar, pois, se o direito, que sefaz valer, tem como requisito um facto negativo,deve esse facto ser provado por quem exerce odireito, precisamente como os factos positivosque sejam requisitos dos direitos exercidos. Nãohá nenhum motivo para soluções diferentes nosdois casos, dado que os factos negativos não têmque se presumir pela mera circunstância de oserem (cfr. Vaz Serra, Provas, pág. 64).

In casu, ninguém melhor que o recorrentepoderia fazer a prova de que não tinha condiçõeseconómicas para efectuar o pagamento da multa,prova que nunca se propôs fazer, não obstanteter sido notificado para se pronunciar sobre aeventualidade de vir a cumprir prisão subsidiáriae depois de efectuadas as averiguações possíveissobre aquelas condições. E só se o recorrentetivesse tido essa preocupação de se propor pro-var que não tinha condições económicas para efec-tuar o pagamento da multa, a existirem dúvidasno espírito do julgador sobre tais condições, se-ria ocasião de se fazer apelo ao princípio indubio pro reo, princípio só invocável, como éóbvio, quando são colocadas dúvidas.»

3. Inconformado, o condenado recorreu parao Tribunal Constitucional (cfr. requerimento defls. 534), pretendendo a «apreciação em sedeconstitucional nos termos da alínea b) do n.º 1 doartigo 70.º da Lei n.º 28/82, da norma do n.º 3 doartigo 49.º do actual Código Penal, n.º 3 do artigo46.º do Código Penal na sua anterior redacção namedida em que, ao exigir ao recorrente sob penade privação da sua liberdade a prova de um factonegativo, ou seja, de que a razão de não paga-mento lhe não é imputável equivale à consagra-ção da prisão por dívidas ou à sua possibilidade,violando designadamente princípios fundamen-tais do direito processual penal, designadamenteos princípios do acusatório, in dubio pro reo e oprincípio de que o processo penal, deverá asse-gurar todas as garantias de defesa, violando emsuma, designadamente, os artigos 29.º e 32.º daConstituição da República Portuguesa».

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67 Direito ConstitucionalBMJ 501 (2000)

Chamado a alegar neste Tribunal, veio orecorrente afirmar o seguinte, nas conclusões dasalegações (de fls. 99 e seguintes):

«1 — Tendo todos os cidadãos a mesma dig-nidade social e sendo iguais perante a lei, a subs-tituição das penas de multa por prisão viola odisposto no n.º 2 do artigo 13.º da Constituiçãoda República Portuguesa. Já que

2 — Privilegia e beneficia quem tem podereconómico e financeiro para efectuar o paga-mento da multa e

3 — Prejudica quem não dispõe desses recur-sos que por falta de ‘dinheiro’ corre o risco dever substituída a multa em dias de prisão efec-tiva. Ou seja,

4 — Por falta de dinheiro não tem o recor-rente possibilidade de comprar a liberdade! ...

Acresce que,5 — Fazendo o n.º 3 do artigo 49.º do Código

Penal depender a suspensão da execução da pri-são subsidiária da prova a cargo do arguido, quelhe exige que prove que o não pagamento damulta lhe não é imputável é por demais óbvio,

6 — Que a prova de tal factualidade negativaé muito difícil se não impossível pelo que, im-pondo-se tal ónus ao arguido, põe-se em causaem processo penal princípios fundamentais aosquais foi conferida dignidade constitucional comosejam os princípios do acusatório, o do in dubiopro reo consagrados nos artigos 29.º e 32.º daConstituição da República Portuguesa que tam-bém se mostram violados.

7 — A douta decisão recorrida violou, assim,salvo o devido respeito pelos fundamentos in-vocados e por outros que VV. Ex.as se dignarãosuprir como pessoas que, além de guardiões daConstituição, não deixam de ser os últimosguardiões da liberdade, o disposto designada-mente nos artigos 13.º, 29.º e 32.º da Constitui-ção da República Portuguesa. Pelo que

8 — Deve declarar-se a inconstitucionalidadeda norma do n.º 3 do artigo 49.º do actual CódigoPenal, n.º 3 do artigo 46.º do Código Penal na suaredacção anterior, na medida em que permita asubstituição da multa por prisão quando aquelanão é paga voluntária ou coercivamente.»

4. O Ministério Público, nas suas contra-ale-gações (de fls. 104 e seguintes), veio começar por

afirmar que o objecto do recurso deveria consi-derar-se «reportado à redacção actual do n.º 3 doartigo 49.º do Código Penal (disposição efectiva-mente aplicada ao arguido), carecendo de sentidoa ‘invocação’ do n.º 3 do artigo 46.º do mesmoCódigo, na sua anterior redacção».

Relativamente ao mérito do recurso, o magis-trado do Ministério Público defendeu a respec-tiva improcedência. Antes de mais, por não estarem causa uma — «obviamente inconstitucio-nal» — «prisão por dívidas». E acrescentou: «Osprincípios constitucionais invocados pelo recor-rente não obstam, deste modo, a que uma penade multa, não paga pelo arguido condenado, pos-sa implicar a ‘conversão’ ou o ‘ressurgimento’ dapena de prisão que — no caso sub juditio —podia ser cominada como consequência da prá-tica de certo tipo legal de crime) o previsto noartigo 231.º, n.º 1, do Código Penal) ressalvandointeiramente a norma questionada no presenterecurso a relevância de um incumprimento nãodevido a causa imputável ao próprio arguido.»

Em segundo lugar, entende que «o sistemainstituído pelo legislador penal garante, aliás, deforma suficiente, os interesses legítimos do ar-guido que se defronte com uma efectiva dificul-dade económica no pagamento da multa, só comoúltima ratio admitindo a sua ‘conversão’ em pri-são efectiva», citando, para ilustrar tal afirma-ção, a relevância da situação económica do arguidona determinação do montante da multa (n.º 2 doartigo 47.º), a possibilidade de proceder ao paga-mento desta a prestações ou de diferir no tempoo momento do cumprimento (n.º 3 do artigo 47.º),a faculdade de requerer a substituição da multapor dias de trabalho (artigo 48.º do Código Pe-nal) e a possibilidade de suspensão do cumpri-mento da prisão sob a condição do cumprimentode deveres ou regras de conduta (n.º 3 do ar-tigo 49.º).

Por último, o Ministério Público defendeu que«não é desproporcionado e lesivo das garantiasde defesa a imposição ao arguido do ónus deconvencer o tribunal de que ocorre uma situaçãode real e efectiva impossibilidade de cumpri-mento da pena de multa, fundado na alegação deque tal traduziria a imposição do ónus de provarum ‘facto puramente negativo’: é que a prova detal ‘facto’ radicará, naturalmente, na demonstra-ção convincente pelo arguido de que ocorre uma

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situação de real carência económica que o im-possibilita de solver a multa que lhe foi cominada(mesmo com a concessão dos ‘benefícios’ con-sentidos pelo n.º 3 do artigo 47.º do Código Pe-nal)», e lembrou que o arguido, no caso dos autos,«não diligenciou minimamente proceder a tal de-monstração, limitando-se a invocar genericamenteque ‘não dispõe actualmente de meios ou recur-sos financeiros próprios que lhe permitam efec-tuar o pagamento do valor elevado da multa’,sem concretizar factos, nem oferecer quaisquerprovas — e impugnando a decisão proferida combase em razões que nada têm que ver com umpossível ‘excesso’ ou desproporção na interpre-tação do nível de exigência com que deve ser ava-liado o cumprimento satisfatório de tal ónusprobatório».

5. Cabe começar por delimitar o objecto dorecurso. Segundo consta do respectivo requeri-mento de interposição, o recorrente pretende aapreciação da constitucionalidade «da norma don.º 3 do artigo 49.º do actual Código Penal, n.º 3do artigo 46.º do Código Penal na sua anteriorredacção, na medida em que, ao exigir ao recor-rente sob pena de privação da liberdade a provade um facto negativo, ou seja, de que a razão denão pagamento lhe não é imputável equivale àconsagração da prisão por dívidas ou à sua pos-sibilidade [...]».

O n.º 3 do artigo 49.º do Código Penal, na redac-ção em vigor (resultante da reforma operada peloDecreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, e não alte-rada pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro), dispõe:

«Artigo 49.º

Conversão da multa paga em prisãosubsidiária

........................................................................3 — Se o condenado provar que a razão do

não pagamento da multa lhe não é imputável,pode a execução da prisão subsidiária ser sus-pensa, por um período de 1 a 3 anos, desde quea suspensão seja subordinada ao cumprimentode deveres ou regras de conduta de conteúdo nãoeconómico ou financeiro. Se os deveres ou regrasde conduta não forem cumpridos, executa-se aprisão subsidiária; se o forem, a pena é declaradaextinta.

.....................................................................»

Por seu turno, o n.º 3 do artigo 46.º, na redac-ção anterior ao Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 deMarço, tinha o seguinte teor:

«Artigo 46.º

Pena de multa.......................................................................3 — Quando o tribunal aplicar a pena de

multa será sempre fixada na sentença prisão emalternativa pelo tempo correspondente reduzidoa dois terços.

.....................................................................»

Do citado requerimento de interposição derecurso, bem como das alegações apresentadasneste Tribunal, resulta com clareza que a normaque o recorrente considera inconstitucional é aque impõe ao condenado, para evitar a execuçãoda prisão subsidiária, o ónus de «provar que arazão do não cumprimento da multa lhe não éimputável». O cumprimento de tal ónus impli-caria a difícil, se não impossível, prova de um«facto negativo», equivalendo o regime fixado auma verdadeira prisão por dívidas.

Nas alegações, porém, o recorrente, além demanter a invocação de inconstitucionalidade aque acaba de se fazer referência, sustentou aindaque «a substituição das penas de multa por pri-são viola o disposto no n.º 2 do artigo 13.º daConstituição da República Portuguesa», porque«privilegia e beneficia quem tem poder econó-mico e financeiro para efectuar o pagamento damulta». Todavia, e ainda que se possa entenderter sido colocada uma questão de constitucio-nalidade normativa, não pode o objecto do re-curso ser alargado nas alegações relativamente àdelimitação efectuada no requerimento de inter-posição do recurso. Assim, neste processo nãoestá propriamente em causa o regime de conver-são da multa não paga em prisão subsidiária, re-gulado designadamente nos n.os 1 e 2 do artigo49.º do Código Penal, normas cuja inconstitu-cionalidade o recorrente não invocou em devidotempo.

Por outro lado, não questionando o recor-rente verdadeiramente a constitucionalidade doregime previsto na anterior redacção do n.º 3 doartigo 46.º do Código Penal (apesar de lhe fazerreferência na parte em que delimita o objecto dorecurso), apenas pode o Tribunal Constitucional

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69 Direito ConstitucionalBMJ 501 (2000)

apreciar a constitucionalidade do n.º 3 do artigo49.º do Código Penal em vigor, na parte em quefaz depender a suspensão da execução da prisãosubsidiária da prova, pelo condenado, de que «arazão do não pagamento da multa lhe não é im-putável».

6. Na perspectiva do recorrente, o regimeprevisto no n.º 3 do artigo 49.º do Código Penalporia em causa os princípios do acusatório, indubio pro reo, e da plenitude das garantias dedefesa, violando designadamente os artigos 13.º,29.º e 32.º da Constituição.

Importa antes de mais afirmar que não se vis-lumbra em que é que a norma impugnada contra-ria a «estrutura acusatória do processo penal»constitucionalmente garantida (n.º 5 do artigo32.º), não tendo de resto o recorrente procedidoa qualquer explicitação que permitisse compreen-der o sentido desta imputação de inconstitucio-nalidade.

O mesmo pode dizer-se relativamente à alegadaviolação do artigo 29.º da Constituição, cujo sen-tido o recorrente também não indica em nenhumadas peças processuais produzidas.

Afirma também o recorrente, nas suas alega-ções, ter sido violado o princípio da igualdade(artigo 13.º). Todavia, na medida em que a lesãodo referido princípio é referida à «substituiçãodas penas de multa por prisão» (conclusão n.º 1das alegações apresentadas neste Tribunal), pre-vista em norma que não integra o objecto do pre-sente recurso, não tem também sentido a análisedessa alegada lesão.

Resulta do exposto que a norma do n.º 3 doartigo 49.º deverá ser confrontada com o princí-pio de que o processo penal assegura todas asgarantias de defesa (n.º 1 do artigo 32.º) e, emespecial, com o princípio in dubio pro reo.

7. Um dos aspectos da argumentação do re-corrente consiste na afirmação de que é «muitodifícil, se não impossível», a prova de que o nãopagamento da multa não é imputável ao conde-nado, dado tratar-se da demonstração de uma«factualidade negativa». Dessa excessiva dificul-dade ou mesmo impossibilidade resultaria a con-trariedade à plenitude das garantias de defesa,consagrada no n.º 1 do artigo 32.º

Salta à vista a falta de procedência desta im-putação. Na verdade, a demonstração de que onão pagamento da multa não é imputável ao con-denado pode naturalmente fazer-se por via daprova de factos positivos, de onde resulte essanão imputabilidade. Basta pensar, por exemplo,na apresentação de determinados documentos(declaração de rendimentos, recibo do subsídiode desemprego, atestado da Junta de Freguesia,declaração relativa a eventual internamento hos-pitalar, entre outros), dos quais se deduza nãoser imputável ao condenado o não pagamento damulta em que foi condenado.

Conclui-se, pois, que não é à prova de umfacto ou (factualidade) negativo que o n.º 3 doartigo 49.º do Código Penal faz apelo, mas antesà demonstração dos factos, que regra geral serãopositivos (insuficiência económica, doença, etc.),de onde se extrai a conclusão de que o não paga-mento se deveu a causa não imputável ao conde-nado.

Não se pode, pois, considerar, em função darazão apontada pelo recorrente, que a norma im-pugnada contrarie o n.º 1 do artigo 32.º, onde seconsagra a plenitude das garantias de defesa.

8. Importa ainda verificar se o regime emcausa no presente recurso de constitucionalidaderesiste incólume à invocação do princípio in dubiopro reo.

Este princípio, que se aceita decorrer da Cons-tituição em estreita ligação com o princípio dapresunção de inocência [cfr., quanto à relaçãoentre a presunção de inocência e o in dubio proreo, Helena Magalhães Bolina, «Razão de ser,significado e consequências do princípio da pre-sunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da Cons-tituição da República Portuguesa)», Boletim daFaculdade de Direito da Universidade de Coim-bra, vol. LXX, 1994, págs. 440-446], assenta naideia de que a impunidade do culpado é maistolerável do que a condenação de um inocente(Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Pe-nal, II, reimpressão da Universidade Católica,Lisboa, 1981, pág. 310). Noutros termos, podeafirmar-se que é «resultante de dois postuladosprocessuais — o postulado processual geral daexigência dirigida ao juiz de decidir sempre [...] eo postulado processual criminal que tem por in-condicionalmente inadmissível uma condenação

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70 BMJ 501 (2000)Direito Constitucional

penal em que se não tenha ‘convencido’ o réu dasua efectiva responsabilidade e culpabilidade»(Castanheira Neves, Sumários de Processo Cri-minal, policopiado, Coimbra, 1968, págs. 55-56).

Assim, decorre do in dubio pro reo que «to-dos os factos relevantes para a decisão (quer res-peitem ao facto criminoso, quer à pena) que,apesar de toda a prova recolhida, não possam sersubtraídos à ‘dúvida razoável’ do tribunal, tam-bém não possam considerar-se como ‘provados’»(Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I,reimpressão, Coimbra, 1984, pág. 213).

9. Como já se disse, não se integra no objectodeste processo a constitucionalidade da conver-são da multa não paga em prisão subsidiária, emsi mesma considerada, nem dos diferentes as-pectos da sua regulamentação actual.

Importa tão-só apurar se viola a Constituiçãoa regra prevista no n.º 3 do artigo 49.º, enquantofaz depender a suspensão da execução da prisãosubsidiária da demonstração pelo condenado deque o não pagamento da multa lhe não é impu-tável.

Cabe desde já dizer que não se verifica ainvocada inconstitucionalidade por lesão do prin-cípio in dubio pro reo. E isto pelas seguintesrazões.

Antes de mais, importa ter presente que, comorefere o magistrado do Ministério Público nascontra-alegações apresentadas neste Tribunal, oCódigo Penal prevê diversos mecanismos dirigi-dos a tornar a prisão subsidiária um instrumentode «última ratio», e nos quais a situação concretado arguido é objecto de ponderação relevante.Particular importância têm, aqui, a tomada emconsideração da condição económico-financeirae dos encargos pessoais do arguido na determi-nação do montante correspondente a cada dia demulta (n.º 2 do artigo 47.º), a possibilidade deautorização judicial para o cumprimento damulta em prestações, ou num prazo que não ex-ceda um ano, bem como a faculdade de o conde-nado requerer a substituição da multa por trabalhoa favor da comunidade.

Deve concluir-se, a partir do regime vigente,que a imposição de pena de multa tem comocondição necessária a possibilidade de o arguidoproceder ao seu cumprimento. Conclusão con-trária a esta, de resto, poderia revelar-se violadora

do princípio da igualdade, por levar a que apenasaqueles que não tivessem condições de pagar amulta viessem a ter de cumprir a prisão subsi-diária. Note-se, de resto, que o Tribunal Consti-tucional, através do seu acórdão n.º 149/88(Diário da República, II Série, 17 de Setembrode 1998, pág. 8570), embora reportando-se aoregime (diferente) decorrente da versão inicial doCódigo Penal de 1982, afirmou: «[...] se o juiz,no momento de ditar a pena, já apurou que o réunão tem, efectivamente, possibilidades de pagara multa, não faria sentido que tivesse sempre decondená-lo numa pena efectiva de multa [...]»(cfr. ainda Figueiredo Dias, Direito Penal Portu-guês — As Consequências Jurídicas do Crime,Lisboa, 1993, págs. 131-132 e 146).

Do exposto resulta que o âmbito de aplicaçãodo n.º 3 do artigo 49.º é, no fundo, circunscritoaos casos em que a falta de pagamento da multapelo condenado se deve a alguma alteraçãosuperveniente da situação que fora anterior-mente dada como provada pelo tribunal [nestesentido, relativamente ao regime da versão inicialdo Código Penal, ver Figueiredo Dias, ob. cit.,pág. 145, que se refere à «[...] deterioração for-tuita das condições económico-financeiras docondenado após a condenação, ligada a paraleladeterioração das condições pessoais para cum-prir os dias de trabalho sucedâneos, com os quaiso condenado tenha concordado»].

Tendo em conta que o objecto do recurso deconstitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1da Lei do Tribunal Constitucional é constituídopor normas jurídicas aplicadas na decisão recor-rida, e que tais normas são tomadas no sentidocom que foram aceites e aplicadas nessa decisão— isto é, normas interpretativamente mediadaspelo tribunal recorrido —, há que apurar oexacto alcance que foi dado ao n.º 3 do artigo 49.ºpelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.Ora, cabe destacar do acórdão o seguinte trecho,especialmente significativo para o problema emapreciação:

«In casu, ninguém melhor que o recorrentepoderia fazer a prova de que não tinha condiçõeseconómicas para efectuar o pagamento da multa,prova que nunca se propôs fazer, não obstanteter sido notificado para se pronunciar sobre aeventualidade de vir a cumprir prisão subsidiária

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71 Direito ConstitucionalBMJ 501 (2000)

e depois de efectuadas as averiguações possíveissobre aquelas condições. E só se o recorrentetivesse tido essa preocupação de se propor pro-var que não tinha condições económicas para efec-tuar o pagamento da multa, a existirem dúvidasno espírito do julgador sobre tais condições, se-ria ocasião de se fazer apelo ao princípio in dubiopro reo, princípio só invocável, como é óbvio,quando são colocadas dúvidas.»

Daqui resulta claramente que o tribunal a quo,salientando que não viola a Constituição a normaque prevê a necessidade de provar factos negati-vos, não interpretou a disposição em causa nosentido de impor um estrito ónus a cargo do con-denado de demonstrar que a causa do não paga-mento da multa lhe não é imputável. Pelo con-trário, o tribunal considerou existir antes um de-ver de cooperação do condenado, cujo cumpri-mento é pressuposto da própria intervenção doprincípio in dubio pro reo.

Que o acórdão recorrido não entendeu o n.º 3do artigo 49.º no sentido de prescrever um verda-deiro ónus a cargo do condenado resulta da afir-mação de que as dúvidas que viessem a existir noespírito do julgador haveriam de ser resolvidasnão contra o arguido (como aconteceria se talónus tivesse efectivo lugar) mas a seu favor. Poroutro lado, não deixou o tribunal de considerarque seria necessário que o condenado «tivesse apreocupação de se propor provar que não tinhacondições económicas para efectuar o paga-mento da multa». Foi por o condenado não se tersequer proposto fazer essa prova (e não por ter

omitido a respectiva demonstração cabal) da nãoimputabilidade do não pagamento da multa, quelhe foi negada a suspensão da execução da prisãosubsidiária.

Em sentido substancialmente não muito dife-rente, afirma o Ministério Público, nas suas ale-gações, que «no caso dos autos — o arguido nãodiligenciou minimamente proceder a tal demons-tração, limitando-se a invocar genericamente que‘não dispõe de meios ou recursos financeirospróprios que lhe permitam efectuar o paga-mento do valor elevado da multa’, sem concreti-zar factos, nem oferecer quaisquer provas — eimpugnando a decisão proferida por razões quenada têm que ver com um possível ‘excesso’ oudesproporção na interpretação do nível de exi-gência com que deve ser avaliado o cumprimentosatisfatório de tal ónus probatório».

Entendida nos termos apontados a norma queconstitui objecto deste processo, revela-se semconsistência a imputação de violação do princí-pio in dubio pro reo.

Assim, decide-se negar provimento ao re-curso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa dejustiça em 15 UCs.

Lisboa, 22 de Novembro de 2000.

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Rela-tora) — José de Sousa e Brito — MessiasBento — Alberto Tavares da Costa — LuísNunes de Almeida.

Acórdão ainda inédito.(G. R.)

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72 BMJ 501 (2000)Direito Constitucional

Processo de execução fiscal — Execução por dívidas ao Institutode Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento —Tribunais tributários — Inconstitucionalidade orgânica

É inconstitucional a norma do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 387/88, de 25 deOutubro, na interpretação segundo a qual cabe aos tribunais tributários o processamentodos processos de execução fiscal nela previstos.

TRIBUNAL CONSTITUCIONALAcórdão n.º 503/2000, de 28 de Novembro de 2000Processo n.º 658/99 — 2.ª Secção

ACORDAM na 2.ª Secção do Tribunal Cons-titucional:

I — Relatório

1. Em 2 de Outubro de 1995, o IAPMEI —Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Em-presas e ao Investimento propôs, na Repartiçãode Finanças do 4.º Bairro Fiscal do Porto, acçãoexecutiva, segundo o processo das execuções fis-cais, contra o Banco Comercial de Macau, comfundamento em garantia bancária por este pres-tada à empresa Litomarco, beneficiária de umincentivo financeiro no âmbito do SIBR — Sis-tema de Incentivos de Base Regional, estabele-cido no Decreto-Lei n.º 483-B/88, de 28 deDezembro, e que, em virtude de não cumpri-mento do contrato de concessão de incentivos,se encontrava obrigada a repor os valores trans-feridos, acrescidos de juros.

Em 11 de Abril de 1996, o Banco Comercialde Macau deduziu oposição, ao abrigo do dis-posto no artigo 286.º do Código de Processo Tri-butário, a tal acção de execução, desde logo invo-cando a inconstitucionalidade do artigo 30.º doDecreto-Lei n.º 387/88, de 25 de Outubro (quecriou o Instituto de Apoio às Pequenas e MédiasEmpresas e ao Investimento).

O Tribunal Tributário de 1.ª Instância doPorto, por sentença de 14 de Junho de 1999,invocando o acórdão n.º 268/97, do TribunalConstitucional (publicado no Diário da Repú-blica, II Série, de 22 de Maio de 1997), conside-rou que tal norma, aprovada no exercício decompetências próprias do Governo, violava os

termos do artigo 168.º, n.º 1, alínea q), da Cons-tituição, porquanto a partir da sua entrada emvigor «os processos para cobrança coerciva dasdívidas ao IAPMEI passaram a ser da compe-tência material dos tribunais tributários» e «é daexclusiva competência da Assembleia da Repú-blica, salvo autorização ao Governo, legislar so-bre a organização e a competência dos tribunais»,considerando-se, consequentemente, incompe-tente em razão da matéria e absolvendo o opo-nente da instância.

2. Desta decisão trouxe o Ministério Públicorecurso para este Tribunal, em cumprimento dodisposto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82,de 15 de Novembro, tendo concluído assim asalegações aqui produzidas:

«1.º — São matérias perfeitamente diferen-ciadas as que se reportam à determinação do âm-bito do processo de execução fiscal e à delimitaçãoda competência material dos tribunais tributá-rios, só esta última estando incluída na reservade competência legislativa da Assembleia da Re-pública — e sendo, pois, lícito que, mesmo emdiploma não credenciado por autorização parla-mentar, se possa determinar a aplicação do re-gime procedimental da execução fiscal à cobrançade certos créditos de que sejam titulares entida-des públicas, mantendo-se o processo no âmbitoda competência dos tribunais comuns.

2.º — São organicamente inconstitucionais asnormas que — constando de diplomas editadospelo Governo sem autorização parlamentar —afectem, em termos inovatórios e de forma di-

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recta e autónoma, o núcleo de competência ma-terial dos tribunais tributários (face aos tribunaiscomuns) tal como está definido no quadrolegislativo na altura em vigor.

3.º — O preenchimento e concretização da«cláusula geral» constante do artigo 37.º, alínea c),do Código de Processo Tributário, segundo a qualcompete aos serviços de justiça fiscal a tramitaçãodas execuções que respeitem a créditos equipa-rados aos do Estado — e que é possível cobraratravés do processo de execução fiscal, cujo âm-bito é definido pelo artigo 144.º do mesmo Có-digo — pressupõe, para além da existência depreceito legal expresso, prescrevendo tal equi-paração, que esta se possa considerar material-mente fundada, atenta a natureza do crédito emcausa.

4.º — Não podem equiparar-se aos créditosdo Estado, referidos no artigo 114.º do Código deProcesso Tributário, quaisquer relações creditó-rias, integralmente regidas pelo direito privado,de que sejam titulares institutos públicos perso-nalizados.

5.º — O preenchimento pelo legislador da«norma em branco» que consta do artigo 62.º,n.º 1, alínea c), do Estatuto dos Tribunais Admi-nistrativos e Fiscais [e que actualmente integra aalínea o) do n.º 1 do mesmo preceito], incluindona competência dos tribunais tributários a co-brança coerciva de dívidas a pessoas colectivaspúblicas, diversas do Estado, pressupõe que olegislador que prescreve tal regime, ampliando onúcleo da competência em razão da matéria dostribunais tributários, disponha da indispensávelcredencial parlamentar, sob pena de inconstitucio-nalidade orgânica.

6.º — É organicamente inconstitucional a in-terpretação normativa do artigo 30.º, n.º 1, doDecreto-Lei n.º 387/88, de 25 de Outubro, que setraduza em inferir da ampliação do regime pro-cedimental da execução fiscal à cobrança de cré-ditos do IAPMEI a necessária competência dostribunais tributários, independentemente da na-tureza de tais créditos e da sua integral submis-são a um regime de direito privado, por força dodisposto no artigo 2.º, n.º 2, do mesmo diplomalegal.

7.º — Termos em que deverá confirmar-se ojuízo de inconstitucionalidade orgânica constan-te da decisão recorrida.»

Não tendo sido apresentadas alegações porparte do recorrido, cumpre agora apreciar e de-cidir.

II — Fundamentos

3. É a seguinte a redacção da norma do ar-tigo 30.º (com a epígrafe «Execução fiscal dasdívidas») do Decreto-Lei n.º 387/88, de 25 deOutubro:

«1 — Os créditos devidos ao Instituto deApoio às Pequenas e Médias Empresas e ao In-vestimento ficam sujeitos ao regime de execuçãofiscal.

2 — Para a cobrança coerciva dos créditosreferidos no número anterior, constitui título exe-cutivo a certidão de dívida emitida pelo IAPMEI,acompanhada de cópia dos contratos ou outrosdocumentos a ele referentes.»

Ora, como notou o Ex.mo Procurador-GeralAdjunto em funções neste Tribunal, «o objectodo presente recurso não será propriamente anorma desaplicada na decisão recorrida — que selimita a determinar, na sua literalidade, que a co-brança coerciva dos créditos devidos ao IAPMEIfica sujeita ao regime processual da execução fis-cal, sem se pronunciar minimamente sobre qual éo tribunal competente para tal execução — mas ainterpretação normativa de tal preceito que setraduz em inferir da forma de processo aplicávelqual o tribunal para ele competente — ligando,deste modo, a aplicação do regime da execuçãofiscal à competência dos tribunais tributários».

Actualmente, vigorando o Código de Procedi-mento e de Processo Tributário que prevê que aexecução fiscal possa, em certas circunstâncias,decorrer perante os «tribunais comuns» — ca-bendo então a estes tribunais o integral conheci-mento dos incidentes, embargos, oposição,graduação e verificação de créditos e reclamaçõesdos actos materialmente administrativos prati-cados pelos órgãos da execução fiscal (artigos149.º e 151.º, n.º 2) —, poderia não se ter talinterpretação normativa como necessária.

À data dos factos vigorava, porém, o Códigode Processo Tributário, aprovado pelo Decreto--Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, que previa quefossem cobradas mediante processo de execuçãofiscal dívidas ao Estado ou a quaisquer outros

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serviços ou institutos públicos «equiparadas porlei aos créditos do Estado» [alínea b) do n.º 2 doartigo 233.º] e que estabelecia a competência dotribunal tributário de 1.ª instância da área ondecorresse a execução para decidir os «incidentes»ou «fases processuais» da execução, designa-damente a oposição do executado (n.º 2 do ar-tigo 237.º).

Acresce que, de toda a forma, foi esta inter-pretação, que infere da forma de processo deexecução fiscal a competência dos tribunais tri-butários para a cobrança coerciva dos créditosdevidos ao IAPMEI, aquela cuja aplicação foirecusada, com fundamento em inconstituciona-lidade, na decisão recorrida. E foi-o, note-se, peloTribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto,para onde o processo foi remetido em aplicaçãodaquela norma.

Assim, muito embora se pudesse sustentarque a interpretação normativa tida por inconstitu-cional não coincide com a literalidade da norma— não interessando curar da questão de saber sepadeceria de inconstitucionalidade enquanto, naspalavras do Ministério Público, «estabelece umverdadeiro processo executivo especial para acobrança (nos tribunais comuns) de dívidas acertas pessoas colectivas públicas, delineando asua tramitação segundo o modelo da execuçãofiscal, prosseguindo os objectivos de celeridadee simplicidade normalmente associados àquelaforma de processo» —, não há dúvida de queà norma impugnada foi recusada aplicação noexacto sentido que é tido por inconstitucional,preenchendo-se o requisito para a sua aprecia-ção sub specie constitutionis por este Tribunal,ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º daLei n.º 28/82, de 15 de Novembro.

4. A questão está, portanto, em confirmar ouinfirmar o juízo de inconstitucionalidade que le-vou à recusa de aplicação de tal norma.

Como se escreveu no citado acórdão n.º 268/97 (publicado no Diário da República, II Série,de 22 de Maio de 1997), a propósito de taxascobradas pelos tribunais judiciais que passa-ram a sê-lo pelos tribunais administrativos:

«[...] a norma sub iudicio [...] transferiu paraos tribunais fiscais uma competência que, então,era dos tribunais judiciais.

[...]Tribunais fiscais e tribunais judiciais perten-

cem [...] a duas diferentes ordens judiciais: osprimeiros, à ordem dos tribunais administrati-vos e fiscais [...]; os segundos, à ordem dos tri-bunais judiciais [...].

[...]O Governo tem [...] de estar munido de auto-

rização legislativa para editar normas que alte-rem a distribuição de competências entre tri-bunais pertencentes a ordens judiciais diferen-tes, uma vez que só desse modo ele pode legislarsobre matérias da competência legislativa parla-mentar delegável.

É que, seja qual for o alcance a atribuir à reser-va legislativa, no ponto em que ela tem por ob-jecto a definição da ‘competência dos tribunais’,há-de incluir-se aí, sem dúvida, a definição dequais as matérias que são da competência dostribunais judiciais e quais as que o são da dostribunais fiscais [cfr., sobre esta questão, entreoutros, os acórdãos n.os 36/87, 356/89, 72/90 e271/92 (publicados nos Acórdãos do TribunalConstitucional, vols. 9.º, 13.º, tomo I, 15.º e 22.º,respectivamente págs. 243 e segs., 443 e segs.,67 e segs. e 813 e segs.) e o acórdão n.º 172/96,ainda por publicar].»

Neste acórdão n.º 172/96 (entretanto já publi-cado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional,vol. 33.º, págs. 361-371), julgou-se «inconstitu-cional a norma constante da alínea b) do n.º 2 doartigo 233.º Código de Processo Tributário, apro-vado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril[...] com o sentido de que ela alterou a competên-cia dos tribunais tributários definida no artigo61.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 48 953,de 5 de Abril de 1969, na redacção do Decreto--Lei n.º 693/70, de 31 de Dezembro, e no artigo62.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto dos TribunaisAdministrativos e Fiscais, aprovado pelo De-creto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, por violaçãodo artigo 168.º, n.º 1, alínea q), da Constituição».

No presente caso, a interpretação tida comoconstitucionalmente desconforme na decisão re-corrida, e que se entendeu decorrer da normaimpugnada [por ser ela que equiparava o trata-mento concedido às dívidas ao IAPMEI ao queera concedido às dívidas ao Estado, preenchendoa hipótese normativa da alínea b) do n.º 2 doartigo 233.º do Código de Processo Tributário,

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que só indirectamente foi convocada — e nemsequer referida na decisão recorrida —, e nãointegra o objecto do recurso], conduz a modifi-car a competência em razão da matéria para con-duzir as acções de execução em que o exequentefosse o IAPMEI, subtraindo-as aos tribunaiscomuns e atribuindo-as aos tribunais fiscais.

Ora, tratando-se de atribuir aos tribunais tri-butários competências para decidir acções exe-cutivas em que o exequente, sendo embora uminstituto de direito público (artigo 1.º, n.º 1, doDecreto-Lei n.º 387/88), se rege pelo direito pri-vado (artigo 2.º, n.º 2, do referido Decreto-Lein.º 387/88) — mais a mais onde o que está emcausa é a execução de uma garantia bancária e,portanto, relações de direito privado entre oIAPMEI (como beneficiário) e uma entidade pri-vada que, no âmbito da sua liberdade e autono-mia contratual, se constituiu garante de certoscompromissos assumidos pelo garantido peran-te o beneficiário, e à margem destes —, poderiaadmitir-se que o Governo não teria invadido aárea de competência reservada da Assembleia daRepública em matéria de organização e compe-tência dos tribunais tributários se não alterassea prévia distribuição de competências entre umae outra ordem de tribunais (como se decidiu,designadamente, nos acórdãos deste Tribunaln.os 114/2000, ainda inédito, 468/98, publicadono Boletim do Ministério da Justiça, n.º 482,págs. 55 e segs., 500/97, publicado no Diário daRepública, II Série, de 12 de Janeiro de 1998, e271/92, publicado no Diário da República, II Sé-rie, de 23 de Novembro de 1992), ou se tal alte-ração de competências se revelasse um efeitoreflexo necessário da adopção de uma certaforma procedimental (como se decidiu no acórdãon.º 404/87, publicado no Diário da República,II Série, de 21 de Dezembro de 1987 — cfr. tam-bém o já citado acórdão n.º 172/96 e o acórdãon.º 329/89, publicado no Diário da República,II Série, de 22 de Junho de 1989).

Porém, no caso sub iudicio não existe nenhu-ma norma anterior que possa retirar cariz ino-vador à norma ora sob apreciação: no Decreto-Lein.º 51/75, de 7 de Fevereiro, que criou o Institutode Apoio às Pequenas e Médias Empresas In-dustriais, que deu lugar ao Instituto de Apoio àsPequenas e Médias Empresas e ao Investimento(para o qual foram transferidos todos os direitos

e obrigações do primeiro), não havia normaalguma que estabelecesse a competência para oefeito de uma específica ordem de tribunais. Apli-cavam-se, pois, as regras gerais de competência.Ora, segundo estas — e, desde logo, nos termosdo n.º 3 do artigo 212.º e do n.º 1 do artigo 211.ºda Constituição —, «compete aos tribunaisadministrativos e fiscais o julgamento das acçõese recursos contenciosos que tenham por objectodirimir os litígios emergentes das relações jurí-dicas administrativas e fiscais», cabendo aos tri-bunais judiciais exercer a «jurisdição em todas asáreas não atribuídas a outras ordens judiciais»,pelo que uma norma que atribuísse — comoatribui a norma do artigo 30.º do Decreto-Lein.º 387/88, na interpretação questionada pelooponente e cuja aplicação foi recusada pelo tri-bunal a quo — aos tribunais tributários com-petência para proceder à «execução fiscal» dedívidas, com natureza diversa, sujeitas à aplica-ção do direito privado, teria necessariamentecaracterísticas inovadoras.

Além disso, não podia ter-se como alterada aorganização e competência dos tribunais comunspelo simples facto de lhes caberem processosexecutivos que seguissem os trâmites da execuçãofiscal, pelo menos até à entrada em vigor dodisposto no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lein.º 241/93, de 8 de Julho, que veio estabelecerque «o processo de execução fiscal passa a apli-car-se exclusivamente à cobrança coerciva dasdívidas ao Estado e a outras pessoas de direitopúblico».

Do preâmbulo do diploma infere-se que oobjectivo do legislador era não só restringir oacesso à jurisdição fiscal, mas também, aparen-temente, o acesso ao processo de execução fiscalque ficaria liberto «para a função para que foiconcebido, que é a cobrança coerciva das receitasdo Estado e outras pessoas de direito público noâmbito das relações administrativas e fiscais»,excluindo-se «do processo de execução fiscal aexecução de dívidas a entidades que não integrema Administração Pública e actuem no âmbito dodireito privado» (itálicos aditados). Qualquer quefosse o entendimento posterior a este diploma,facto é que, anteriormente a ele, «por vezes, acobrança coerciva de certas dívidas, emborafosse da competência dos tribunais comuns, ti-nha de observar o processo de execução fiscal»

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(Alfredo José de Sousa/José da Silva Paixão,Código de Processo Tributário Comentado eAnotado, 3.ª ed., Coimbra, 1997, pág. 479, ano-tação 9 ao artigo 233.º). E, portanto, podia admi-tir-se que o legislador do Decreto-Lei n.º 387/88tivesse, dentro das suas competências próprias,escolhido uma forma de processo específica paraa cobrança coerciva dos créditos do IAPMEI seminterferir na distribuição de competências dostribunais. Não é essa, porém, a interpretação queestá em causa nos presentes autos: de tal normafez-se decorrer a competência dos tribunais tri-butários e, perante a oposição do executado quesuscitou a inconstitucionalidade de tal enten-dimento, o Tribunal Tributário de 1.ª Instânciajulgou-se incompetente.

O que demonstra que a interpretação danorma podia ser outra, constitucionalmente com-patível, e que, et pour cause, a fixação da formaprocessual não implicava, ao contrário do queocorria na jurisprudência supracitada (acórdãosn.os 404/87, 329/82 e 172/96), uma alteração nacompetência dos tribunais que se possa dizerdecorrer necessária e reflexamente da fixação daforma processual.

Assim, como diz o Ministério Público nassuas alegações:

«Não é [...] possível — sob pena de clarainconstitucionalidade orgânica — que um di-ploma editado pelo Governo, no exercício da suacompetência legislativa própria, ‘desloque’ pro-cessos, até então cometidos aos tribunais judi-ciais, para o âmbito da competência dos tribunaisadministrativos e fiscais, ou vice-versa.

[...]A inconstitucionalidade orgânica, verificada

pela decisão recorrida, não radica, deste modo[...] em se mandar seguir o regime da execuçãofiscal para realizar a cobrança coerciva de dívidasao IAPMEI, mas em se pretender inferir neces-sariamente de tal forma procedimental qual o tri-bunal materialmente competente para o pro-cessamento de tais execuções.»

5. A esta conclusão não obsta a existência deuma «norma em branco», como o era a da alí-nea c) do n.º 1 do artigo 62.º do Estatuto dosTribunais Administrativos e Fiscais [alínea o) do

mesmo número na redacção do Decreto-Lei n.º229/96, de 29 de Novembro], que atribui compe-tência aos tribunais tributários de 1.ª instânciapara conhecer da «cobrança coerciva de dívidas apessoas colectivas públicas quando a lei o pre-veja [...]», norma essa emanada ao abrigo de au-torização legislativa e não revogada pela entradaem vigor da alínea b) do n.º 2 do artigo 233.º doCódigo de Processo Tributário (ver o acórdãon.º 172/96, já citado).

E não obsta porque a norma do artigo 30.º doDecreto-Lei n.º 387/88, na interpretação emcausa, previa uma autónoma alteração da com-petência dos tribunais (comuns e tributários)— quer resultasse implicitamente formulada,como no caso, quer fosse explicitamente consa-grada — no caso específico das dívidas aoIAPMEI, que só a intervenção da Assembleia daRepública (directamente, através de lei, ou indi-rectamente, mediante autorização legislativa) tor-naria legítima (ver, neste sentido, o citado acórdãon.º 268/97, quanto a este ponto não contraditadopelos acórdãos n.os 331/92, 371/94 — publica-dos no Diário da República, II Série, respectiva-mente de 14 de Novembro de 1992 e 3 de Se-tembro de 1994 —, 500/97, já citado, e 157/98,inédito).

Acompanhando novamente o Ministério Pú-blico nas suas alegações:

«O preenchimento — em termos inovató-rios — da verdadeira ‘norma em branco’ cons-tante do citado artigo 62.º, n.º 1, alínea c), doEstatuto dos Tribunais Administrativos e Fis-cais pressupõe que o legislador disponha da in-dispensável credencial parlamentar.

[...] não estamos aqui perante um simples con-ceito indeterminado ou cláusula geral, a densificarou concretizar por outras normas de desenvolvi-mento, mas perante uma verdadeira ‘autoriza-ção em branco’, que não pode ser exercida pelolegislador, de forma discricionária, sem que dis-ponha de autorização legislativa para tal.

Não se trata, deste modo, de admitir que daregulação (legítima) de certas medidas possamprovir efeitos indirectos ou reflexos no tema dacompetência dos tribunais — mas de realizar opreenchimento de uma ‘autorização em branco’para incluir a cobrança de quaisquer débitos aentidades públicas (directamente) no âmbito dacompetência dos tribunais tributários.»

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6. Aliás, logo se notou também a semelhançaessencial entre esta questão e a que, a propósitoda competência do Ministério Público, fora de-cidida pelo acórdão n.º 678/95 (publicado noDiário da República, I Série-A, de 5 de Janeirode 1996). Tal aresto remetia para o acórdãon.º 329/89 (publicado no Diário da República,II Série, de 22 de Junho de 1989), também sobrea mesma questão, mas onde se escrevia, a propó-sito do já citado acórdão n.º 404/87: «tal reservaestava em causa, então, na parte respeitante à‘competência dos tribunais’, mas as situaçõessão perfeitamente paralelas». E ainda, citando--se este último aresto a propósito do critério emsede de delimitação da reserva da Assembleia daRepública quanto à competência (dos tribunais edo Ministério Público):

«Ora, qualquer que seja o nível ou grau dedefinição da competência dos tribunais reserva-do à Assembleia da República, seguramente quenele não entram as modificações da competênciajudiciária a que deva atribuir-se simples carácterprocessual.»

Tendo-se já estabelecido que não se trata, nopresente caso, de uma mera definição da formaprocessual, e tendo-se igualmente concluído quea alínea c) do n.º 1 do artigo 62.º do Estatuto dosTribunais Administrativos e Fiscais não consti-

tui credencial (parlamentarmente autorizada,muito embora) para a alteração da competênciados tribunais, em consonância com a anteriorjurisprudência deste Tribunal, resulta clara ainconstitucionalidade da interpretação normativaa que o tribunal a quo recusou aplicação.

III — Decisão

Assim, nos termos e pelos fundamentos ex-postos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Julgar inconstitucional a norma do artigo30.º do Decreto-Lei n.º 387/88, de 25 deOutubro, na interpretação segundo a qualcabe aos tribunais tributários o proces-samento dos processos de execução fis-cal nela previstos;

b) Em consequência, negar provimento aorecurso, confirmando a decisão recorridano que diz respeito à questão de constitu-cionalidade.

Lisboa, 28 de Novembro de 2000.

Paulo Mota Pinto (Relator) — Bravo Serra —Guilherme da Fonseca — Maria FernandaPalma — Luís Nunes de Almeida.

Foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 4, de 5 de Janeiro de 2001, pág. 190.

(G. R.)

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78 BMJ 501 (2000)Direito Constitucional

Tabela de Taxas da Câmara Municipal de Sintra — Taxa incidentesobre instalações abastecedoras de combustíveis líquidosinteiramente situadas em terrenos privados — Imposto — Taxa

É inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 42.º do Edital camarário n.º 230/89,de 6 de Novembro, que aprovou a Tabela de Taxas da Câmara Municipal de Sintra, porviolação do artigo 168.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa(versão da Lei n.º 1/89, de 8 de Julho).

TRIBUNAL CONSTITUCIONALAcórdão n.º 515/2000, de 29 de Novembro de 2000Processo n.º 46/2000 — 1.ª Secção

ACORDAM no Tribunal Constitucional:

I — Relatório

1. José veio im-pugnar judicialmente a liquidação da taxa relativaà instalação abastecedora de combustíveis líqui-dos, ar e água que a Câmara Municipal de Sintra,invocando o Regulamento de Taxas em vigor parao ano de 1994 e ao abrigo do seu artigo 42.º, n.º 5,entende ser devida a título de taxa de ocupaçãoda via pública, pela existência de uma instalaçãoabastecedora de carburantes que, no entender doimpugnante, está «inteiramente em propriedadeparticular, com abastecimento no interior da pro-priedade».

A Câmara de Sintra contestou a impugnaçãodeduzida, tendo suscitado a questão da incom-petência do tribunal para apreciar a questão.

O Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lis-boa, por decisão de 16 de Junho de 1997, depoisde considerar improcedente a excepção deduzida,julgou a impugnação procedente e anulou a liqui-dação efectuada.

2. A Câmara Municipal de Sintra, não se con-formando com tal decisão, interpôs recurso parao Supremo Tribunal Administrativo, defenden-do que a taxa em questão tem plena cobertura ouna alínea c), ou na alínea o), do artigo 11.º da Lein.º 1/87, de 6 de Janeiro — Lei de FinançasLocais — e que o facto gerador da referida taxa éa renovação da licença de funcionamento do pos-

to de abastecimento em causa, considerando ve-rificados todos os condicionalismos que permi-tem qualificar a quantia exigida como uma taxaverdadeira e própria, pelo que devia ser revogadaa decisão da 1.ª instância.

O recorrido José nas suas alegações defendeu o entendimento deque, no caso em apreço, não se trata de uma taxamas antes de um verdadeiro imposto, uma vezque se não verificam os necessários requisitospara qualificar o pagamento exigido como taxa,pelo que além de ilegal «a exigência da quantia emcausa ofende ainda o disposto no artigo 168.º,n.º 1, alínea i), da Constituição da República Por-tuguesa».

O Supremo Tribunal Administrativo, poracórdão de 24 de Novembro de 1999, decidiunegar provimento ao recurso, confirmando a de-cisão recorrida.

Para assim concluir, o Supremo Tribunal Ad-ministrativo, com fundamento na jurisprudênciado Tribunal Constitucional, entendeu que «so-frendo o artigo 42.º, n.º 5, da Tabela de Taxasaprovada pela Assembleia Municipal de Sintraem 20 de Outubro de 1989, em que se fundou aliquidação impugnada, de inconstitucionalidadeorgânica, é ilegal a liquidação efectuada à suasombra».

Face a esta decisão, o representante de Mi-nistério Público junto do Supremo Tribunal Ad-ministrativo veio interpor recurso obrigatório deconstitucionalidade, pretendendo que o Tribu-nal Constitucional aprecie se a norma do artigo42.º , n.º 5, da Tabela de Taxas da Câmara Muni-cipal de Sintra, publicada no Edital n.º 230/89,

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afronta a Constituição por violação do artigo 168.º,n.º 1, alínea i) (versão de 1989).

3. Foram produzidas as pertinentes alega-ções, tendo o Ministério Público concluído asque apresentou pela forma seguinte:

«1.º — Padece de inconstitucionalidade orgâ-nica e formal, por violação dos princípios consa-grados na Constituição fiscal, a norma regu-lamentar que autoriza a Câmara Municipal deSintra a liquidar taxa directamente incidente so-bre instalações abastecedoras de combustíveislíquidos, inteiramente situadas e abastecidas emterrenos privados, já que o montante pecuniáriodevido não corresponde a qualquer utilidade oucontraprestação facultada pela autarquia.

2.º — Na verdade, não é facultado ao parti-cular que explora na sua propriedade o referidoposto de combustíveis a utilização de qualquerbem colectivo ou semipúblico e não sendo a refe-rida taxa configurável como uma contraprestaçãode quaisquer despesas da Câmara inerentes àsdiligências que devam preceder a renovação dalicença de exploração.

3.º — Termos em que deverá confirmar-se ojuízo de inconstitucionalidade constante da deci-são recorrida.»

Pelo seu lado, José , ora recorrido, também alegou, formulandouma única conclusão, pela qual «adere sem reser-vas à posição manifestada pelo digno procura-dor-geral adjunto, e conclui nos mesmos termos».

Corridos que foram os vistos legais, cumpreapreciar e decidir.

II — Fundamentos

4. Nos presentes autos foi recusada a aplica-ção da norma do artigo 42.º , n.º 5, da Tabela deTaxas aprovada pela Assembleia Municipal deSintra em 20 de Outubro de 1989 por violaçãodo artigo 168.º, n.º 1, alínea i), da Constituição(versão de 1989).

Vejamos antes de mais o teor da norma emcausa.

O Edital n.º 230/89 aprovou a Tabela de Ta-xas da Câmara Municipal de Sintra, que entrouem vigor, como consta do próprio edital, em 2 deDezembro de 1989.

O artigo 42.º da Tabela, que se insere no capí-tulo IX sobre «As instalações abastecedoras decarburante líquidos, ar e água», estabelece o se-guinte:

«Artigo 42.º — Bombas de Carburantes lí-quidos — cada uma e por ano:

.......................................................................5) Instaladas inteiramente em propriedade

particular com abastecimento no interior da pro-priedade 235 520$00.»

De acordo com a decisão recorrida, o postode abastecimento de carburante de que é pro-prietário José estáintegralmente instalado em terreno privado, exi-gindo a Câmara Municipal de Sintra a quantia de2 364 620$00 a título de taxa de instalaçõesabastecedoras de carburantes líquidos, ar e águarelativa ao ano de 1995.

A decisão recorrida recusou a aplicação anorma em causa com fundamento na sua incons-titucionalidade orgânica.

Será assim?

5. As autarquias locais gozam de autonomiafinanceira de acordo com o que se preceitua noartigo 240.º da Constituição (versão de 1989 —hoje, artigo 238.º). As receitas das autarquias «in-cluem obrigatoriamente as provenientes da ges-tão do seu património e as cobradas pelautilização dos seus serviços (n.º 3 do artigo 241.º).

De facto, o artigo 4.º da Lei das FinançasLocais então em vigor (Lei n.º 1/87, de 6 deJaneiro — hoje substituída pela Lei n.º 42/98,de 29 de Março), prevê como receitas do municí-pio, entre outras, o produto da cobrança de taxaspor licenças concedidas pelo município, o pro-duto da cobrança de taxas ou tarifas resultantesda prestação de serviços e as provenientes dagestão do seu património.

A competência legal para o estabelecimentode taxas municipais (e do respectivo montante)encontra-se prevista no Decreto-Lei n.º 100/84,de 29 de Março, no seu artigo 39.º , n.º 2, alínea l),na redacção da Lei n.º 18/91, de 12 de Junho,

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sendo atribuída à Assembleia Municipal, sob pro-posta da Câmara Municipal.

Uma vez encontrada a entidade com compe-tência para fixar taxas municipais, constata-seque o âmbito dessa competência está nitida-mente demarcado pela lei (artigo 11.º da Lei dasFinanças Locais) que define quais os benefíciosou utilidades proporcionadas aos munícipescomo contrapartida do pagamento de uma taxa.

De entre os fundamentos susceptíveis de, le-galmente, poderem levar ao estabelecimento deuma taxa municipal importa salientar a conces-são do domínio público e aproveitamento dosbens de utilização pública e prestação de servi-ços ao público por parte das repartições ou dosfuncionários municipais. As restantes utilidadesou benefícios elencados no preceito não têm apli-cação ao caso em apreço.

Podendo os municípios criar taxas e fixar, sem-pre através das assembleias municipais, os res-pectivos montantes, não podem porém criarimpostos ou tributos que devam ser tratadoscomo impostos, uma vez que a criação e defini-ção dos elementos essenciais destes tributos estásujeita a reserva de lei parlamentar [artigo 106.º ,n.º 2, e artigo 168.º , n.º 1, alínea i), da Constitui-ção — revisão de 1989]

No caso dos autos, concluiu-se que «a normaimpositora do encargo em apreciação, porquecriada por diploma não emanado pela Assembleiada República (ou pelo Governo devidamentecredenciado por aquela)» deve «ser consideradacomo enfermando do vício de inconstituciona-lidade orgânica». Constata-se, assim, que a deci-são recorrida considerou o encargo em questãoou como um imposto ou como uma contribuiçãoespecial que, não sendo imposto, deve ser tra-tada como se, de facto, o fosse, isto é, sujeita àreserva de lei do Parlamento.

Vejamos.

6. A averiguação sobre a conformidade cons-titucional do regime jurídico de uma dada receitapública impõe a determinação prévia da sua na-tureza. A determinação da natureza de taxa ouimposto de um certo tributo tem consequênciasdiversas face ao regime constante da Constitui-ção em vigor no momento da criação do encargo(revisão de 1989).

De facto, a criação de impostos e a definiçãodos seus elementos essenciais está sujeita areserva de lei formal (ou a decreto do Governodependente de autorização) enquanto que astaxas podem ser estabelecidas por regulamento.

Importa, assim, apurar se o encargo que recaisobre as instalações abastecedoras de carburan-tes líquidos, ar e água, quando instaladas inteira-mente em propriedade particular, com abaste-cimento no interior da propriedade, a que se re-portam os autos, tem a natureza de uma taxa oude um imposto, ou ainda de um tributo que devaser tratado como um imposto.

A lei geral tributária, aprovada pelo Decreto--Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, no seuartigo 4.º , n.º 2, dá-nos um conceito legal de taxa,quando estabelece que «as taxas assentam naprestação concreta de um serviço público, nautilização de um bem de domínio público ou naremoção de um obstáculo jurídico ao comporta-mento dos particulares».

Este Tribunal para distinguir o imposto dataxa tem utilizado como critério geral o de saberse a prestação exigida tem carácter unilateral— correspondente ao imposto — ou bilateral ousinalagmático — correspondente à noção de taxa(cfr. acórdãos n.os 76/88 e 348/86, Acórdãos dosTribunal Constitucional, vol. 11.º, pág. 331, evol. 8.º, pág. 93, e mais recentemente o acórdãon.º 410/2000, tirado em plenário, de 3 de Outu-bro de 2000, publicado no Diário da República,I Série-A, de 22 de Novembro de 2000). Assim,estar-se-ia perante um imposto sempre que aobrigação do seu pagamento não esteja ligada aqualquer contraprestação específica por parte doEstado.

Segundo Teixeira Ribeiro (Lições de FinançasPúblicas, Coimbra, 1977, pág. 262), o «impostoé uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral,sem carácter de sanção, exigida pelo Estado comvista à realização de fins públicos». A taxa, se-gundo o mesmo autor («noção jurídica de taxa»,Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano117.º, págs. 289 e segs.), «é a quantia coac-tivamente paga pelo utilização individualizadade bens semipúblicos» (isto é, de bens que «sa-tisfazem, além de necessidades colectivas, ne-cessidades individuais, necessidades de satisfaçãoactiva, cuja satisfação exige a procura das coisas

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pelo consumidor») «ou como preço autoritaria-mente fixado de tal utilização».

Refere ainda o mesmo autor, «precisamenteporque os bens semipúblicos satisfazem neces-sidades individuais, o Estado já pode conhecerquem é que particularmente pretende utilizá-los,e pode, por conseguinte, tornar essa utilizaçãodependente de, ou relacioná-la com, o pagamentode certa quantia. Se o fizer, tal quantia, ou é pagavoluntariamente, e temos uma receita patri-monial, ou o é coactivamente, e temos uma taxa».

Assim, enquanto que os «impostos são pres-tações pecuniárias, coactivas, unilaterais e defi-nitivas, sem carácter de sanção, exigidas adetentores de capacidade contributiva por entesque exercem funções públicas, com vista à reali-zação destas», nas taxas, «à prestação do parti-cular corresponde uma contraprestação espe-cífica, uma actividade do Estado ou de outrosentes públicos especialmente dirigida ao respec-tivo obrigado, actividade esta que se há-de con-cretizar na prestação de um serviço público, noacesso à utilização de bens do domínio públicoou na remoção de um limite jurídico à actividadedos particulares» (veja-se José Casalta Nabais,Contratos Fiscais, Coimbra, 1994, pág. 236).

Quando a actividade do Estado ou de outroente público pela qual se exige ao particular opagamento de uma certa quantia se traduz naremoção de um limite jurídico à actividade dosparticulares, só se está perante uma taxa se essaremoção possibilitar a utilização individualizadae efectiva de um bem semipúblico. Se tal nãoacontecer, a quantia a pagar terá a natureza deum imposto (cfr. Teixeira Ribeiro, Revista deLegislação e de Jurisprudência, citada, pág. 292).

A menos que se entenda que se está perante afigura das contribuições especiais que, como sereferiu, devem ser tratadas como impostos quersejam contribuições de melhoria (imposiçõesinstituídas com o fundamento económico-finan-ceiro de tributar os aumentos de valor dos bensdos contribuintes imputáveis a obras financia-das pelos entes públicos e para o qual os deve-dores em nada contribuíram), quer contribuiçõespara maiores despesas (encargos destinados aobrigar os respectivos devedores a contribuir paraas maiores despesas públicas imputáveis às suasactividades económicas). Estas contribuiçõesespeciais determinadas por maiores despesas

públicas ou por aumentos de valor resultantesde investimentos públicos são, no entender deNuno Sá Gomes («Alguns aspectos jurídicos eeconómicos controversos da sobretributaçãoimobiliária no sistema fiscal português», Ciênciae Técnica Fiscal, Abril-Junho 1997, n.º 387, pág.67) «impostos preponderantemente locais».

Tem, portanto, de se concluir que, para preen-cher o conceito de taxa, tem de existir uma con-traprestação, que nem sempre pode significar parao particular o gozo de uma vantagem ou benefí-cio nem tem que constituir o exacto correspectivoeconómico de um serviço ou de uma actividadeda Administração. Assim, «a sinalagmaticidadeque subjaz ao conceito de taxa não se alcançacom qualquer prestação por parte do Estado: seesta não tem que representar sempre um benefí-cio ou vantagem, e se não tem que existir umaexacta equivalência económica entre o paga-mento do particular e a acção individualizada doEstado, a contraprestação há-de, pelo menos,apresentar uma natureza material [...] deveráser possível identificar na esfera do cidadão ouso de um bem semipúblico» (P. Pitta e Cunha/J.Xavier de Bastos/A. Lobo Xavier, «Conceitosde taxa e imposto», Revista Fisco, n.os 51-52,pág. 6).

7. No caso em apreço, a Câmara Municipalde Sintra liquidou ao recorrido, proprietário deum posto de abastecimento de carburante, a taxade instalações abastecedoras de carburantes lí-quidos, ar e água, de acordo com o n.º 5 do artigo42.º da Tabela de Taxas da Câmara Municipal,nos termos do qual são taxadas as bombas decarburantes líquidos «instaladas inteiramente empropriedade particular com abastecimento nointerior da propriedade».

Ora, através de uma taxa como a que vemidentificada nos autos, o obrigado ao pagamentonão beneficia da utilização dos serviços de repar-tição ou funcionários municipais nem da remo-ção de qualquer obstáculo jurídico ao exercícioda actividade em causa. Assim, a imposição dataxa em apreciação apenas poderia fundar-se naocupação do domínio público e aproveitamentode bens de utilização pública.

Porém, é manifesto que este tipo de contra-partida não pode concretizar-se na situação dosautos: de facto, estando o posto de abasteci-

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mento instalado inteiramente em terreno privadoe decorrendo também na propriedade privadatodos os actos relativos ao abastecimento e acti-vidades complementares (como vem provado nosautos — ponto 3), a actividade de abasteci-mento das viaturas não implica qualquer utiliza-ção de bens semipúblicos, inexistindo qualquerconexão da taxa exigida com a ocupação de benspúblicos, não sendo sequer possível ligá-la a umaeventual renovação de licença ou a quaisquer di-ligências que o município deva realizar para aconceder, como bem refere o Ministério Públiconas suas alegações.

Não tem assim a referida taxa de instalaçõesabastecedoras de combustíveis nem natureza nemestrutura sinalagmática, pois o respectivo mon-tante não é contraprestação ou contrapartida denada.

Não existindo qualquer contrapartida para aexigência do encargo em causa, que represente autilidade recebida pelo particular, o pagamentoda quantia imposta no caso não constitui umataxa, mas antes um imposto. E tendo sido criadoatravés de simples edital camarário, foi violado oartigo 168.º, n.º 1, alínea i), da Constituição daRepública Portuguesa (versão de 1989).

De acordo com tudo quanto fica exposto, opresente recurso tem de improceder.

III — Decisão

Nestes termos, o Tribunal Constitucionaldecide:

a) Julgar inconstitucional a norma do n.º 5do artigo 42.º do Edital camarário n.º 230/89, de 6 de Novembro de 1989, que apro-vou a Tabela de Taxas da Câmara Munici-pal de Sintra, por violação do artigo 168.º,n.º 1, alínea i), da Constituição da Repú-blica Portuguesa (versão da Lei n.º 1/89,de 8 de Julho); e,

b) Em consequência, negar provimento aopresente recurso, confirmando o acórdãorecorrido na parte impugnada.

Lisboa, 29 de Novembro de 2000.

Vítor Nunes de Almeida (Relator) — ArturMaurício — Maria Helena Brito — Luís Nunesde Almeida.

Foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 19, de 23 de Janeiro de 2001, pág. 1462

(G. R.)