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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO
PSICOLOGIA JURÍDICA MONOGRAFIA
DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS
POR: CARLA CRISTINA CARDOSO VIMERCATI ORIENTADOR: CARLOS ALBERTO CEREJA DE BARROS
TURMA: 482
MATRÍCULA: 25672
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO
PSICOLOGIA JURÍDICA MONOGRAFIA
TEMA: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS
OBJETIVOS DA MONOGRAFIA: Através deste trabalho busco mostrar as modificações na
legislação no que tange ao Direito de Família e apontar a evolução social da Família, que hoje é também chamada de nucleada, posto que o modelo padrão de família utilizado nos primórdios do Direito Romano e no Código Civil de 1916, já não é um padrão e nem modelo a ser seguido. E a necessidade de adequação das Leis ao novo modelo de família é verificado através de hábitos, costumes e comportamentos, onde a profissão da mulher era do lar, e fazia-se necessário protegê-la e a sua prole, freqüentemente abandonada à própria sorte, após dissolvida a relação conjugal. Hoje existe a Lei do Divórcio, o preceito constitucional da isonomia, e a mulher mudou. Ela é tão independente quanto o homem, competindo de igual para igual, consequentemente tendo o mesmo tempo para se dedicar aos filhos, as vezes tendo menos tempo do que o pai. E por conseguinte, o homem também mudou, com a independência da mulher ele aprendeu a fazer os serviços domésticos e muitos cuidam dos filhos.
Com a evolução da sociedade, os costumes também evoluíram, sendo necessário alterarmos também nossos conceitos, nossas idéias pré-concebidas de que o homem não é merecedor e nem tem responsabilidade suficiente para cuidar dos filhos. Assim como aceitar que hoje temos as famílias formadas por homossexuais. E um novo instituto aceito pela nossa Constituição da República Federativa do Brasil, o da União Estável, trazendo uma nova forma de se constituir uma famíla.
Diante de tantas modificações sociais, só restava ao legislador adequar o nosso Código Civil a nova realidade social.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, por ter me permitido chegar até
aqui com saúde. Agradeço a minha mãe pelo carinho e o amor
incondicional, pelas horas de dedicação, respeito e compreensão.
Agradeço ao meu irmão, pelo tempo dedicado a min, pela amizade e o companheirismo.
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RESUMO O trabalho busca mostrar que estamos vivendo um processo
histórico importante de transformação, onde a quebra da ideologia patriarcal
impulsionada pela revolução feminista são os elementos determinantes. Mas não
se pode falar em desagregação. É irrefutável a premissa de que a família é, foi e
será sempre a célula básica da sociedade. É a partir daí que torna-se possível
estabelecer todas as outras relações sociais, inclusive os ordenamentos jurídicos.
Sexo, casamento e reprodução sempre foram paradigmas
estruturadores para a organização jurídica sobre Direito de Família. A evolução do
conhecimento científico - somada ao fenômeno da globalização, ao declínio do
patriarcalismo e à redivisão sexual do trabalho - fez uma grande transformação da
família, especialmente a partir da segunda metade deste século. Como será a
família desse novo século, se aqueles elementos estão dissociados, já não lhe
servem de esteio. Não é necessário mais sexo para reprodução, e o casamento
legítimo não é mais a única maneira de se legitimar as relações sexuais.
A transformação das relações de família e a conseqüente liberdade
dos sujeitos, provoca também uma conscientização maior de direitos e deveres.
Com isto, aumentam as reivindicações ao Estado-Juiz e a expectativa de que este
possa dar uma solução para os desarranjos familiares.
Em razão dessas modificações a Constituição Federal de 1988, em
seu art. 226 § 3º, reconheceu, para efeito de proteção do Estado, a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, e nesse efeito, instituiu,
inclusive, norma programática no sentido de a lei facilitar sua conversão em
casamento, assim como alguns juizes já estão sendo favoráveis ao contrato civil
entre homossexuais, porém nosso Código Civil ainda não faz menção a união
entre homossexuais. Há de se ressaltar que em relação as nossas Leis referente a
Família já houve uma grande evolução. O que tornaria mais fácil a aplicação
dessas leis seria a flexibilidade nas decisões por parte dos operadores do direito.
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METODOLOGIA
A pesquisa se deu através:
De decisões de nossos Tribunais;
Palestras envolvendo o tema;
Das modificações realizadas no Código Civil Brasileira;
De entrevistas realizadas pela TV Justiça, vinculada a OAB - Ordem dos
Advogados do Brasil;
E através de bibliografias sobre o tema.
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Sumário
1-INTRODUÇÃO..........................................................................................................07 2-CÓDIGO CIVIL VIGENTE E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL....................................12 2.1-Breve histórico sobre a tramitação legislativa do Projeto de Código Civil..............................................................................................................................15 2.2-O Projeto de Código Civil em sua fase atual adequação constitucional do Direito de Família...................................................................................................................18 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família e o Projeto de Código Civil na fase atual................................................................................................33
3-INTERESSES DO DIREITO DE FAMÍLIA NO NOVO CÓDIGO CIVIL............................................................................................................................35 4-ALGUMAS NOVIDADES DO NOVO CÓDIGO CIVIL..............................................36 4.1-Para os cônjuges ..................................................................................................36 4.2-Para os companheiros ..........................................................................................37 4.3-Quanto ao regime de bens ...................................................................................38 4.4-Quanto à separação e ao divórcio.........................................................................39 4.5-Quanto à guarda dos filhos....................................................................................39 4.6-Quanto ao parentesco...........................................................................................40 4.7-Quanto a filiação....................................................................................................40 4.8-Quanto a adoção...................................................................................................41 4.9-Quanto ao poder familiar.......................................................................................42 4.10-Quanto aos alimentos..........................................................................................43 5-DIREITO DE FAMÍLIA NESTE SÉCULO .................................................................46 5.1-Incompreensão da família constitucionalizada......................................................47 5.2-A família da travessia do século............................................................................49 5.3-Os restos do amor.................................................................................................50 5.4-Falência dos tribunais de família...........................................................................51 6-NOVO CÓDIGO E A UNIÃO ESTÁVEL...................................................................53 7-UM NOVO MODELO DE FAMÍLIA...........................................................................58 7.1-União civil de homossexuais: por que não?..........................................................58 8-CONCLUSÃO...........................................................................................................61 8.1-BIBLIOGRAFIA......................................................................................................64
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1-INTRODUÇÃO
A primeira e fundamental instituição romana de educação é a
Família de tipo patriarcal, germe de uma sociedade mais vasta, que vai da cidade
ao império: os patres governam a coisa pública. Educador é o pai, que na
sociedade familiar romana desempenha também as funções de senhor e de
sacerdote - paterfamilias.
Nesta obra educativa colaborava também a mãe, principalmente
nos primeiros anos e no concernente aos primeiros cuidados dos filhos, sendo em
Roma, mais considerada a mulher do que na Grécia, dadas as suas
predominantes qualidades práticas. O fim da educação é prático-social: a
formação do agricultor, do cidadão, do guerreiro. Essencialmente práticos e
sociais são os meios: o exemplo, o treinamento ministrado pelo pai que faz o filho
participar de suas atividades agrícolas, econômica, militar e civil, a tradição
doméstica e política - mos maiorum; e a religião - pietas - entendida como prática
litúrgica, sendo a religião, em Roma, diversamente do que era na Grécia,
sumamente pobre de arte e de pensamento. E tudo isso sob uma disciplina
severa. Enfim, prático-social era o próprio conteúdo teórico da educação, a
instrução propriamente dita, que se reduzia a uma aprendizagem mnemônica de
prescrições jurídicas, concisas e conceituosas - as leis das doze tábuas - que
regulavam os direitos e os deveres recíprocos naquela elementar mais forte
sociedade-agrícula-política-militar.
No direito romano, já havia a preocupação com a constituição da
família e dos filhos advindos dessas uniões. A fonte do Pátrio Poder é o
nascimento de filhos havidos em núpcias regulares. Presumia-se a filiação
legítima se o parto se dera, no mínimo, 180 dias da data em que se contraiu o
matrimônio ou, no máximo, 300 dias após a dissolução do casamento.
O reconhecimento da criança dependia do pai. Antigamente fazia-
se mediante a formalidade de tomar o recém-nascido em seus braços, na falta de
tal reconhecimento da paternidade, podia-se através de uma ação especial,
provocar uma decisão a respeito.
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A transmissão do pátrio poder de um paterfamilias a outro, sobre
uma pessoa alieni iuris, chamava-se adoção (adoptio). Por este meio, um
filusfamilias saía de sua família de origem, para entrar na família do adotante.
Para romper o liame com a família de origem era necessário que
se praticasse a venda fictícia do filho. A Lei das XII Tábuas previa a perda do
pátrio poder, caso o filho tivesse sido vendido três vezes pelo pai, depois da
terceira venda, ele era cedido ao adotante, que assim adquiria sobre o adotado o
pátrio poder.
A educação romana sofreu necessariamente uma profunda
modificação quando o antigo estado-cidade, desenvolvendo-se e expandindo-se
para a nova forma do estado imperial - entre o terceiro e o segundo século a.C.
Evidentemente, a família não estava mais à altura de ministrar
esta nova e mais elevada instrução. As famílias das mais altas classes sociais
hospedaram em casa um mestre, geralmente grego, para atender as exigências
culturais e pedagógicas das famílias menos abastadas, vão-se, aos poucos,
constituindo escolas - ludi - de instituição privada sem ingerência alguma do
estado.
A família se constituía a partir do matrimônio. No direito pós-
clássico no primeiro momento é importante salientar que o matrimônio foi sempre
monogâmico. O casamento era considerado pelos romanos como a união entre o
homem e a mulher com o fim de estabelecer uma comunhão de vida íntima e
duradoura.
No modo jurídico era um estado de fato que não surgia, como o
atual, da troca inicial de consentimento, mas da permanência da união com
características matrimoniais. Essas características eram a convivência e a
intenção de ser marido e mulher. A colocação da mulher à disposição de seu
marido era indispensável sendo a entrada da mulher na casa de seu marido a
melhor prova. Para que o casamento fosse válido o direito romano exigia
requisitos. O primeiro concerne a idade. O homem deveria ser pubes (púbere), e a
mulher viripotens (núbil). No direito romano a puberdade e a nubilidade
verificavam-se na base do desenvolvimento físico, ou habitus corporis. Mais tarde
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Justiniano, seguindo a opinião dos Proculianos, determinou que a puberdade
datasse dos catorze anos e a nubilidade dos doze anos. Quanto a idade máxima,
as leis caducarias haviam aconselhado os sessenta e os cinqüenta anos
respectivamente para homens e para mulheres. O direito Justiniano não admitiu
limite máximo de idade. O segundo se baseia no consentimento. Era
indispensável o consentimento dos esposos e, se não fossem sui iuris, o
consentimento daqueles que os tivessem sob o poder, in potestate.
Para o filius familias era obrigatório o consentimento do
paterfamilias, mas para a filia familias bastava o consentimento tácito, ou
subentendido. Em caso do veto por parte de um paterfamilias com conseqüente
insatisfação de um ou dos noivos era previsto em lei o ato de recorrer ao pretor,
que intervinha para obter o consentimento necessário. Em caso de deficiência
mental do paterfamilias, era dispensado o consentimento para as filhas. A loucura
do noivo impedia a conclusão do casamento, mas não obstava ao matrimônio já
concluído.
O casamento no direito clássico, caso o pai fosse prisioneiro de
guerra, o filho podia casar-se sem o seu consentimento, enquanto no direito
justiniâneo essa possibilidade se estendeu a todos os casos, mas prolongada
durante três anos; o filho e a filha somente poderiam matrimoniar-se antes de
esgotado esse prazo se com alguém digno da aprovação paterna.
O terceiro requisito era o connumbium ou faculdade de contrair
casamento válido segundo o ius civile. Essa faculdade desaparece por motivos
oriundos do parentesco, da afinidade, da diferença de condição social ou de outra
natureza. No direito antigo, o matrimônio é também proibido entre parentes em
linha colateral até o sexto grau. No império essa proibição se atenua, pois é
permitido o casamento entre primo-irmãos (quarto grau), com dispensa imperial;
esse casamento foi mais tarde vedado, para ser enfim permitido, sob Justiniano,
mesmo sem dispensa. Não permitido casamento entre tio e a sobrinha ou entre o
sobrinho e a tia, exceção admitida entre tio paterno e sua sobrinha para
possibilitar o casamento de Cláudio com Agripina, filha de seu irmão Germânico, e
que vigorou até o Imperador Constâncio.
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A afinidade é impedimento ao matrimônio. Impossibilita o
casamento entre sogra e genro, sogro e nora, padrasto e enteada, madrasta e
enteado. Na época cristã a proibição alcança a linha colateral, vale dizer, o
casamento entre cunhados e cunhadas. Era proibido o casamento entre patrícios
e plebeus e entre ingênuos e libertos. Mas essas leis desapareceram com a lei da
Canuléia e a Segunda com a lei Iulia de Maritandis Ordinibus. Uma oratio de
Marco Aurélio e Cômodo determinou que o tutor e seus dependentes não
pudessem casar-se com a pupila antes de prestadas as contas da tutela.
O casamento como é de nosso conhecimento não excluía a
mulher de sua família de origem, se ela fosse aliene iuris, ou do poder dos
tutores. O homem não adquiria potesta sobre a mulher. Mas o marido podia
repudia a adúltera e promover sua condenação criminal. O pai podia matar a filha
adúltera e o cúmplice surpreendido em flagrante. Os filhos procriados durante o
casamento eram filhos legítimos e cidadãos romanos, ingressam na pátria
potestas do marido ou do pater deste. A mulher prendia-se aos filhos pelos elos da
cognação, que não derivavam propriamente do matrimônio.
O casamento se dissolvia pela morte de um dos cônjuges, pelo
desaparecimento do connubium, pela superveniência do impedimento e pelo
divórcio.
Dissolvia-se o matrimônio com o desaparecimento da intenção dos
cônjuges de serem marido e mulher. O casamento romano tinha a base
nitidamente consensual. Sendo fundado num acordo, que se devia sempre
renovar e permanecer, extinguia-se quando esse acordo cessasse. O divórcio
corria, portanto, da natureza consensual do matrimônio e exige igualmente o firme
propósito de separação definitiva.
Pode-se definir o divortium como a dissolução do casamento pela
vontade de um dos cônjuges ou de ambos. Os divórcios eram no direito antigo
muito pouco freqüentes. O repudio da mulher pelo marido era autorizado quando a
mulher é adultera, bebe vinho ou aborta. Durante o direito clássico não se chegou
a estabelecer um elenco de causas permissíveis e punitivas do divórcio. Apenas
no Império cristão é que se iniciam as tentativas de combate ao divórcio.
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Justiniano reafirmou a necessidade de formalidade no repúdio e ajuntou novas
causas justas de divórcio à lei Teodosiana de 449 ou, mediante interpolações, a
loucura perigosa e incurável e a captura na guerra depois de um qüinqüênio. O
concubinato, o contubernium, ou união entre escravos cujos efeitos jurídicos se
restringiam em engendrar; No direito Justiniano, um parentesco especial, a
cognation vilis; O casamento realizado entre peregrinos, reconhecido pelo direito
peregrino; O matrimônio iuris gentium ou iniustum, formado pela união entre
romano e peregrino, entre peregrinos de cidades diferentes ou entre deditícios que
o ius gentium regulava; E finalmente, o concubinato. O concubinato era a união
entre o homem e a mulher não ingênua e honesta. A lei Iura de adulteriis, de
Augusto, punia como stuprum a relação sexual extraconjugal com mulher de
condição social honrada (honesta). Entre pessoas in quas stuprum non comititur,
isto é, com mulher de diferente qualidade, era lícita a união, que configurava
precisamente o concubinato.
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2-O CÓDIGO CIVIL VIGENTE E A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL
A importância da codificação do Direito Civil acentua-se pela própria
relevância desse ramo do Direito, que é o direito comum a todas as pessoas.
Dentre os ramos do Direito Civil destaca-se o Direito de Família, que
disciplina as relações de ordem pessoal e patrimonial que afetam a pessoa
dentro do núcleo familiar.
A importância da família, como instituição geradora e formadora de
pessoas, faz dela a célula essencial para a preservação e o desenvolvimento dos
membros que a integram e da nação.
O Código Civil vigente, oriundo do inesgotável saber de Clovis
Bevilaqua, embora seja um diploma legal de inegável valia, entrou em vigor no
início do século XX e não está adaptado aos novos valores e princípios
constitucionais, além de ter sofrido a incidência de múltiplas leis, bem como ter a
seu lado a vigência de tantas outras, o que dificulta a interpretação, em prejuízo
da ordem jurídica.
A preocupação marcante de nossa codificação civil residiu nas
relações patrimoniais, tendo como princípio basilar a autonomia da vontade -
poder da pessoa de praticar ou não um certo ato, de acordo com a sua vontade.
Era preciso, quando nosso Código Civil foi promulgado, garantir a atividade
econômica privada e a estabilidade nas relações jurídicas de cunho privado.
Movimentos sociais, a industrialização, duas Grandes Guerras quebraram aquela
estabilidade e passou a ser inevitável a intervenção estatal na economia e nas
relações privadas, com a chamada socialização do Direito Civil, que perdeu o
caráter individualista e passou a voltar-se à proteção do indivíduo integrado na
sociedade.
As atenções voltaram-se para a pessoa em si mesma, à tutela de
sua personalidade, de sua dignidade como ser humano.
O Código Civil deixou de ser o único diploma legal a regular a
matéria. Várias leis foram promulgadas.
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As Constituições da República Federativa do Brasil passaram a
versar sobre matérias de Direito Privado.
A Constituição de 1988, atualmente em vigor, chegou ao ápice desse
movimento, estabelecendo a dignidade da pessoa humana como fundamento da
República e princípios que tutelam várias relações de Direito Privado, dentre os
quais se destacam aqueles referentes às relações de família.
As profundas transformações ocorridas nas relações de família no decorrer deste
século receberam a devida atenção no plano constitucional, tendo em vista a
almejada e merecida proteção aos membros de uma família, como se verifica na
consagração dos princípios da absoluta igualdade entre pessoas casadas, da total
isonomia entre filhos, independentemente de sua origem, da proteção à união
estável e à família monoparental (arts. 226 e 227).
Merece algumas linhas a chamada constitucionalização do Direito Civil, teoria que
vem ganhando adeptos, em face da interpenetração do Direito Constitucional e do
Direito Civil, da interferência do Estado nas relações privadas e dos vários
dispositivos da Constituição da República que regulam relações entre particulares.
A corrente de pensamento que defende a idéia de um Direito Civil
Constitucionalizado tem embasamento na nova posição que assumiu o Direito
Constitucional, com vistas à defesa da posição do indivíduo não só frente ao
Estado, mas, também, frente a outros indivíduos, inclusive em suas relações
familiares.
Embora a Constituição da República de 1988 regulamente interesses
de ordem privada, não chega a substituir o Código Civil, sendo prejudicial à
uniformidade do sistema legislativo a continuidade do estado atual em que o
Código Civil em vigor não está adaptado à Lei Maior e várias leis regulam,
isoladamente, institutos jurídicos de ordem civil.
Não há uma constitucionalização do Direito Civil, o que ocorre é o tratamento pela
Constituição Federal de institutos de Direito Civil.
Há, hoje em dia, uma unidade hermenêutica, devendo ocorrer a
interpretação das regras de Direito Civil, de acordo com os princípios
constitucionais, sem que isto retire a autonomia desse ramo do Direito.
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Isto se verifica com facilidade no Direito de Família. A Constituição Federal, em
seu art. 226, § 5º estabelece a plena igualdade entre os cônjuges e é sob esse
princípio que devem sem interpretadas as regras de Direito de Família, constantes
do Código Civil em vigor, com a verificação das normas que a Lei Maior
recepcionou (estão em vigor), derrogou (estão parcialmente em vigor) e ab-rogou
(não estão em vigor).
A Constituição da República deu as linhas mestras de alguns dos
principais institutos de Direito Privado, principalmente no Direito de Família, mas
não chega ao ponto de dispensar uma regulamentação mais ampla desses e de
outros institutos do Direito Civil por um novo Código, que urge seja promulgado. A
descodificação não é a solução adequada, em nosso modo de ver é indispensável
que um diploma legal devidamente atualizado forneça as balizas mestras e
regulamente as relações privadas.
Como diz Guy Braibant - vice-presidente da Comissão Superior de
Codificação da França: "codifica-se nos períodos em que o direito chegou a um tal
nível de dispersão e de proliferação que se torna insuportável.
Nesse nível está nossa legislação civil.
A codificação é necessária, eis que sistematiza a matéria, o que
facilita sua compreensão e interpretação, cabendo à legislação especial
regulamentar matérias que nela não estejam previstas, sem, no entanto, substitui-
la.
2.1-Breve histórico sobre a tramitação legislativa do projeto de
código civil
O atual Projeto de Código Civil (634-C/75) tem sua origem no
Anteprojeto elaborado por Comissão constituída em 1969, por Miguel Reale, como
supervisor, José Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio
Marcondes, Ebert Chamou, Clovis do Couto e Silva e Torquato Castro.
No ano de 1975 foi encaminhado ao Congresso Nacional. Teve sua redação
aprovada pela Câmara dos Deputados, onde recebeu várias emendas, e foi
remetido ao Senado no ano de 1984, sob o nº 118/84.
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No Senado foi arquivado, até que em 1991 foi constituída Comissão,
para reapreciá-lo, com a nomeação do Senador Josaphat Marinho como Relator
Geral.
No Senado Federal recebeu inúmeras emendas, sendo 140 delas
referentes ao Livro do Direito de Família.
Teve sua redação aprovada pelo Senado Federal, publicada no
respectivo Diário, em 11.12.1997.
Quando o Projeto encontrava-se no Senado, foi realizado, em co-
autoria com o Professor Álvaro Villaça Azevedo, sugestões legislativas no que se
refere ao Livro do Direito de Família, publicadas na Revista dos Tribunais,
volumes 730/11-49 e 731/11-47, eis que nessa fase da tramitação legislativa
caberiam inúmeras modificações e inovações. Algumas dessas sugestões foram
acolhidas pelo Senado Federal, como se verifica no texto que essa Casa do
Congresso aprovou e no Parecer do respectivo Relator - Senador Josaphat
Marinho.
Em face do longo processo legislativo do Projeto de Código Civil, não
obstante o esforço e a acuidade do Senador Josaphat Marinho, restaram, em sua
redação aprovada pelo Senado Federal, lapsos e inconstitucionalidades,
especialmente na parte referente ao Direito de Família.
Retornou à Câmara dos Deputados, onde foi nomeada Comissão
Especial, tendo o Deputado Ricardo Fiuza como Relator Geral, para apreciar as
emendas feitas no Senado.
De acordo com o processo legislativo, já que o Projeto de Código
Civil estava aprovado pelas duas Casas do Congresso Nacional, competiria,
nesta fase, à Câmara dos Deputados, na qual se iniciou a tramitação, a votação
para o exame da admissibilidade e do mérito da proposição inicial e das emendas
aprovadas pelo Senado Federal.
No entanto, também caberia a apresentação de emenda substitutiva
formal, com vistas ao aperfeiçoamento da técnica legislativa, na conformidade do
Regimento Interno da Câmara dos Deputados, então em vigor.
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Nessa fase, ainda seria possível realizar emendas ou subemendas de redação,
para sanar vício de linguagem ou lapso manifesto.
Existente, também na conformidade daquele Regimento, o instituto
da prejudicialidade, de modo a ser declarada prejudicada a matéria pendente de
deliberação, por haver perdido a oportunidade.
O Deputado Antonio Carlos Biscaia, Relator Parcial da Comissão
Especial da Câmara dos Deputados, realizou, então, profícuo trabalho, quanto ao
Livro do Direito de Família, em que se utilizou dos expedientes regimentais e
procurou suprir falhas do Projeto, de modo a sanar defeitos de redação e lapsos
manifestos, bem como reconhecer a prejudicialidade de dispositivos cuja
oportunidade não se faz presente, principalmente no que concerne à sua
adequação à Constituição da República de 1988.
Conforme apontado em seu Parecer, a simples aprovação ou
rejeição das emendas realizadas pelo Senado Federal, por parte da Câmara dos
Deputados, importaria em grave omissão dessa Casa do Congresso Nacional,
sendo indispensável a utilização dos citados instrumentos regimentais,
especialmente para sanar evidentes inconstitucionalidades.
Enviou-se, por meio do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de
Família, presidido pelo Professor Rodrigo da Cunha Pereira, à Comissão Especial
da Câmara dos Deputados, destinada a apreciar e proferir Parecer sobre as
Emendas do Senado Federal ao Projeto de Lei nº 634, de 1975, outras sugestões,
apontando lapsos evidentes, a legislação promulgada durante a tramitação do
processo e as inconstitucionalidades ainda existentes, inobstante o esforçado
trabalho do Deputado Antonio Carlos Biscaia, em seu Relatório Parcial.
Foi, então, aprovada relevante alteração no Regimento Comum do
Congresso Nacional, por meio da Resolução nº 01, de 2000, pela qual foi
possibilitada a adequação do Projeto de Código Civil às alterações constitucionais
e legais promulgadas no curso de sua longa tramitação.
Essa alteração inserida no Regimento Comum do Congresso
Nacional é de suma importância, eis que possibilita a adequação do Projeto de
17
Código Civil às alterações legais, e não só constitucionais, que estão em vigor
desde sua apresentação.
Como afirmou o Deputado Ricardo Fiuza, o texto do Projeto de
Código Civil continha, ainda, além de inconstitucionalidades, dispositivos
superados pela legislação que entrou em vigor durante sua longa tramitação,
sendo que a rigidez regimental anterior dificultava a sua atualização.
Observamos em artigo anterior, publicado na Revista Qualimetria, nº 103, ano XII,
março 2000, p. 22 a 28, que chegara a oportunidade da qual deveria utilizar-se o
Poder Legislativo, para aprimorar, ainda mais, o Projeto de Código Civil,
especialmente na matéria do Direito de Família, que ainda carecia de
aperfeiçoamentos.
Foram realizadas pelo Relator Geral do Projeto na Câmara dos
Deputados - Deputado Ricardo Fiuza - importantes alterações no Projeto de
Código Civil, com a finalidade de adequá-lo às alterações constitucionais e legais
aprovadas no curso de sua tramitação, especialmente no que se refere ao Direito
de Família.
Consoante estabelece a referida Resolução 01/2000, o Relatório do
Deputado Ricardo Fiuza, contendo aquelas adequações, foi encaminhado ao
Senado Federal, onde foi submetido à respectiva Comissão de Constituição e
Justiça, que ofereceu Parecer votado e aprovado pelo Plenário do Senado.
Os Pareceres conclusivos da Câmara dos Deputados foram votados e aprovados
pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, em 29.11.2000.
Na presente fase, aguarda-se a votação pela Câmara dos Deputados do Projeto
de Código Civil, cujo texto atual, no que se refere ao Direito de Família, acolheu
algumas de nossas sugestões e será a seguir analisado.
2.2-O Projeto de Código Civil em sua fase atual e as adequações
constitucionais e legais no Direito de Família
Nas Disposições Gerais sobre casamento, foram eliminadas todas as
18
referências à legitimidade da família oriunda de matrimônio civil, em respeito à
Constituição da República de 1988.
Enquanto a Constituição anterior previa, em seu art. 175, que "A
família é constituída pelo casamento", a atual Lei Maior estatui, no caput do art.
226, que "A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado", e o
mesmo artigo, em seus §§ 1° e 2°, trata do casamento civil e religioso,
reconhecendo, no § 3°, a união estável como entidade familiar para efeito de tutela
do Estado, e considerando, também como tal, a família monoparental, em seu §
4°.
Dessa forma, tanto a união estável como a família monoparental
perderam o caráter da ilegitimidade, em face do que a criação da família deve ser
havida como efeito do casamento, sem qualquer qualificação.
Além disso, o art. 227, § 6°, da atual Constituição da República, veda as
designações discriminatórias no âmbito da filiação, atribuindo iguais direitos e
qualificações aos filhos oriundos ou não da relação matrimonial.
Não pode mais haver na família a qualificação de legítima ou ilegítima. A família
tanto pode ser constituída pelo casamento, como pela união estável, como, ainda,
por um dos genitores e sua prole.
Assim, ao invés de estabelecer, como ocorria na redação anterior,
aprovada em 1984, que "O casamento estabelece comunhão plena de vida, com
base na igualdade dos cônjuges, e institui a família legítima", o Projeto, em sua
redação atual, suprimiu a parte final do dispositivo.
Para o casamento é necessário o preenchimento de requisitos,
dentre os quais está a idade núbil, que no Projeto, em sua redação anterior,
continha desigualdade entre os sexos, sendo, então, de dezesseis anos para a
mulher e de dezoito anos para o homem.
Insistimos, em nossa sugestões, que deveria ser estabelecido o
mesmo limite de idade para o casamento de homens e mulheres, em face da
igualdade entre os sexos, imposta pelo art. 5º, inciso I da Constituição da
República.
O texto atual do Projeto de Código Civil foi devidamente adequado à
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Constituição Federal, estabelecendo que: "O homem a e mulher com dezesseis
anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus
representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.".
Apontamos a necessidade de modificação do dispositivo que previa o
casamento de quem não alcançou a idade núbil, o qual utilizava a expressão
"menor incapaz", cujo significado trazia dúvida sobre essa idade, se dezesseis ou
dezoito anos.
O texto atual contém a seguinte regra: "Excepcionalmente, será
permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil, para evitar
imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez da mulher.".
Verifica-se, ainda, que foi substituída a inadequada referência à honra da mulher,
como causa do suprimento judicial de idade, pela hipótese de gravidez da mulher,
em atendimento ao princípio constitucional de proteção à família.
É adequado possibilitar não só à mulher, mas também ao homem, a
adoção do sobrenome do outro nubente, pelo casamento, como consta do Projeto
de Código Civil, em consonância com o princípio constitucional da absoluta
igualdade entre os sexos. Sugerimos, em substituição ao termo "patronímico", a
utilização da expressão sobrenome, de conhecimento popular, em consonância
com os almejos da legislação mais moderna, que tem em vista a utilização de
linguagem acessível a todos e não só à pessoas com elevado padrão de cultura e
aos operadores do Direito.
O texto atual estabelece a seguinte regra: "Qualquer dos nubentes,
querendo, poderá acrescer aos seus o sobrenome do outro".
A possibilidade de modificação do regime de bens, após o
casamento foi sugerida por nós e acolhida pelo Senado Federal (v. "Sugestões ao
Projeto de Código Civil - Direito de Família", em co-autoria com Álvaro Villaça
Azevedo, RT 731/17 e 18).
O princípio da irrevogabilidade do regime de bens não pode ser
absoluto; assim como os nubentes podem estabelecer o regime de bens que lhes
aprouver antes do casamento, deve-se-lhes possibilitar a alteração do regime
20
patrimonial durante o casamento, com a fiscalização do Poder Judiciário e a
preservação dos interesses de terceiros.
Essa sugestão já havia sido acolhida pelo Senado, anteriormente,
sendo que constava falha redacional, por nós apontada, com a previsão da
irrevogabilidade do regime de bens, corrigida pelo texto atual, nos seguintes
termos: "O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do
casamento", sendo "admissível alteração do regime de bens, mediante
autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a
procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros"
No que se refere à administração dos bens comuns do casal, alerta-
se para a necessidade de melhores reflexões.
Há atos que podem ser praticados unilateralmente pelos cônjuges,
sem a necessidade de prática conjunta, como a alienação de bens móveis, os atos
de mera administração de bens do casal, a celebração de contrato de locação etc.
Obrigar o casal a praticar todos os atos de direção da sociedade
conjugal em conjunto, como sugeria o Parecer do Relator Parcial, engessaria as
atividades mais comuns das pessoas casadas.
Não se pode pretender que os cônjuges devam praticar
conjuntamente todos os atos de administração dos bens comuns. Se a prática
conjunta viesse a ser exigida, até mesmo a venda de um carro e a mera
transferência de numerário de uma conta bancária para outra, exigiriam a outorga
conjugal.
O texto atual do Projeto de Código Civil contém regra adequada a
essas reflexões: "A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração,
pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos", que já era o
texto aprovado anteriormente pelo Senado Federal.
Discordamos da eliminação, proposta anteriormente pelo Senado e
pelo Parecer do Relator Parcial na Câmara, de dispositivo, que constava da
proposição original da Câmara dos Deputados, sobre a administração dos bens
comuns, segundo o qual "Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá
21
recorrer ao juiz, desde que as questões sejam essenciais e não se trate de
matéria personalíssima".
A inexistência desse dispositivo poderia conduzir à idéia do não
cabimento da intervenção do Poder Judiciário para solucionar contenda sobre a
administração de bens, embora vigore o princípio geral de que a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
O texto atual retomou a proposição original, nos seguintes termos:
"Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá
tendo em consideração aqueles interesses".
Lembramos, em nossas sugestões anteriores, que consta do Projeto
regra pela qual É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir
na comunhão de vida constituída pelo matrimônio. Então, se suprimido o
dispositivo antes referido, poderia surgir a interpretação de que ao Poder
Judiciário estaria vedada a intervenção para solucionar conflitos na esfera da
direção da sociedade conjugal.
O Projeto de Código Civil, em sua redação anterior, previa a medida
cautelar de separação de corpos como medida obrigatória antes da propositura
das ações de nulidade do casamento, de anulação ou de separação judicial.
Acentuamos que tal medida deveria ser facultada aos cônjuges e não
ser-lhes imposta, conforme doutrina e jurisprudência pacífica de nossos tribunais,
em face da desnecessidade, em inúmeros casos, da cautela de separação de
corpos. A imposição da medida cautelar, quando desnecessária, serviria apenas
para onerar os cônjuges.
O texto do Projeto de Código Civil, em sua redação atual, dispõe que
"Antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação, a de
separação judicial ou a de dissolução de união estável, poderá requerer a parte,
comprovando sua necessidade, a separação de corpos, que será concedida pelo
juiz com a possível brevidade".
Em sua redação original, o Projeto de Código Civil, na separação
judicial com fundamento no descumprimento de dever conjugal, ao mesmo tempo
em que reproduziu a norma constante do art. 5º, caput, da Lei do Divórcio:
22
Qualquer dos cônjuges poderá propor ação de separação judicial, imputando ao
outro cônjuge ato ou conduta que importe em violação grave dos deveres do
casamento e torne insuportável a vida em comum, voltou ao antigo sistema do
Código Civil, das causas taxativas, ao estabelecer que Considerar-se-á impossível
a comunhão de vida se ocorrer algum dos seguintes motivos: I - adultério; II -
tentativa de morte; III - sevícia ou injúria grave; IV - abandono voluntário do lar
conjugal durante um ano contínuo; V - condenação por crime infamante; VI -
conduta desonrosa.
Já alertávamos, em trabalho publicado em 1990, sobre as falhas
desse sistema híbrido: uma norma genérica e uma regra limitativa, a gerar dúvidas
de interpretação, além de constituir um retrocesso ao antigo e revogado sistema
do Código Civil e implicar a perda da evolução alcançada, na matéria, pela Lei do
Divórcio, sob a inspiração do Código Civil francês (Regina Beatriz Tavares da
Silva Papa dos Santos: Dever de Assistência Imaterial entre Cônjuges, Rio de
Janeiro, Forense Universitária, 1990, p. 100 e 101). Nas Sugestões ao Projeto de
Código Civil feitas em co-autoria com o Professor Álvaro Villaça Azevedo, renova-
se esse alerta (RT 730/34). E também reitera-se esse posicionamento in
"Reparação Civil na Separação e no Divórcio", São Paulo: Saraiva, 1999, p. 97.
O sistema das causas genéricas é o melhor, eis que o juiz, diante do
fato ou causa concreta da separação, enquadra-o na causa legal.
No sistema das causas taxativas, o Julgador fica atado ao que está determinado
em lei, a causa concreta da separação judicial será obrigatoriamente uma
daquelas elencadas na disposição legal.
Buscando, então, remediar aquele erro, o Senado, na redação
anterior, acrescentou regra pela qual O juiz poderá considerar outros fatos, que
tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.
E o texto atual do Projeto de Código Civil, tendo em vista a
eliminação de interpretações que possam considerar taxativo aquele elenco de
causas, substituiu a expressão "Considerar-se-á impossível a comunhão de
vida..." nos seguintes termos: "Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão
de vida..."
23
Observamos que nossa sugestão legislativa original era de
possibilitar a separação judicial com base na impossibilidade de manutenção da
comunhão de vidas, independentemente de grave violação de dever conjugal ou
de separação de fato, embora deva ser sempre facultado ao cônjuge o pedido de
declaração da responsabilidade do consorte, pelo descumprimento de dever
matrimonial, inclusive pela via reconvencional, com vistas às conseqüências que
daí derivam, incluindo a possibilidade do pedido de reparação de danos morais e
materiais decorrentes do ato ilícito praticado (v. "Sugestões ao Projeto de Código
Civil - Direito de Família", antes referidas, RT 730/32 e 33, Regina Beatriz Tavares
da Silva Papa dos Santos: "Reparação Civil na Separação e no Divórcio", antes
referida.
Na separação fundada em separação de fato prolongada, o texto
atual do Projeto corrigiu o lapso temporal, que na redação anterior do Senado era
de dois anos, estabelecendo, em adequação à Lei 6.515/77, o prazo de um ano de
separação de fato.
Discordamos da proposta anterior, constante do Parecer do Relator
Parcial na Câmara dos Deputados, que sugeria a supressão de outra causa da
separação judicial, pela qual O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial
quando o outro estiver acometido de grave doença mental, manifestada após o
casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que,
após uma duração de cinco anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura
improvável.
A idéia de que esse dispositivo teria perdido a razão de existir, em
face do divórcio direto, baseada em comentário do festejado anotador Theotonio
Negrão, não levava em conta as conseqüências daquela separação remédio, que
devem ser diferenciadas dos efeitos do divórcio direto.
Enquanto o cônjuge mentalmente doente merece proteção especial,
inclusive de benefícios de cunho patrimonial na partilha de bens, como a seguir é
visto, as partes na ação de divórcio direto, que é fundamentada na pura e simples
separação de fato prolongada, devem ser tratadas sem qualquer proteção
especial ao requerente ou ao requerido.
24
Em razão do prazo estabelecido constitucionalmente para a
dissolução do vínculo conjugal, consideramos possível a apresentação de emenda
para diminuir o prazo de duração da doença, de 05 (cinco) para 02 (dois) anos,
sugestão que foi acolhida no texto atual, nos seguintes termos: "O cônjuge pode
ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de grave
doença mental, manifestada após o casamento, que torne impossível a
continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a
enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável".
Outra importante alteração constante do texto atual do Projeto de
Código Civil foi a correção de lapso manifesto, que apontamos no dispositivo
sobre a reversão de bens levados ao casamento e remanescentes, que, no texto
anterior, aplicava-se, indiscriminadamente, ao cônjuge enfermo e ao cônjuge que
pleiteia a separação judicial com fundamento na separação de fato prolongada.
Observamos as notórias diferenças entre essas duas causas de
separação judicial: grave doença mental do cônjuge e simples separação de fato
prolongada, que devem ter, por conseguinte, conseqüências diversas. Aquela
inadequada conseqüência de modificação do regime de bens, em benefício do
cônjuge demandado e com prejuízo ao cônjuge autor da ação de separação
judicial "ruptura", precisava ser eliminada.
O texto atual estabelece aquela alteração do regime de bens
somente em benefício do cônjuge enfermo.
Outro lapso evidente eliminado no texto atual, que constava da
redação anterior, era a manutenção de dispositivo pelo qual a separação judicial
pode ser negada se constituir causa de agravamento das condições pessoais ou
da doença do cônjuge, ou determinar conseqüências morais, mesmo que graves
aos filhos menores.
Quando a desunião se instala, pela separação de fato ou pela
doença mental de um dos cônjuges, não pode haver mal maior à prole do que a
manutenção forçada do casamento de seus pais.
Se a separação de fato ou enfermidade mental desfaz a comunhão
física e espiritual entre os cônjuges, é precisamente em face do desequilíbrio que
25
passa a existir no conjunto familiar que deve haver a possibilidade do
desfazimento desse casamento, resguardando-se o doente mental, conforme
antes salientado (v. "Sugestões ao Projeto de Código Civil - Direito de Família",
antes citadas, RT 730/33).
Como já dizíamos em trabalho anterior, os prejuízos acarretados ao
cônjuge, desde que oriundos do descumprimento de dever conjugal, em face da
ilicitude desse ato, são reparáveis, mas por outra forma, que não a da manutenção
forçada do casamento (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos:
"Reparação Civil na Separação e no Divórcio", antes citada).
O nome é direito da personalidade, que na expressão do saudoso
Professor Carlos Alberto Bittar opera a "ligação entre o indivíduo e a sociedade em
geral", identificando a pessoa em suas relações profissionais e sociais (v. Carlos
Alberto Bittar: "Os Direitos da Personalidade", Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 1999, 3ª ed. Revista por Eduardo C. B. Bittar).
Sua aquisição dá-se pelo nascimento, com o respectivo registro,
podendo ser modificado, com o casamento, por meio da aquisição do sobrenome
marital, na conformidade da legislação em vigor e do projeto de Código Civil.
A Constituição da República, em seu art. 5º, tutela os direitos da personalidade,
estabelecendo sua inviolabilidade.
Pois bem, após a aquisição do sobrenome do cônjuge, sua perda,
determinada na redação anterior do Projeto, em caso de ser a mulher vencida na
ação de separação judicial ou de ser dela a iniciativa da ação de separação
judicial baseada na separação de fato, feria o referido direito da personalidade, e,
por essa razão, o dispositivo era inconstitucional.
O texto atual corrigiu aquela inconstitucionalidade, estabelecendo
que "O cônjuge vencido na ação de separação judicial perde o direito de usar o
nome do outro, desde que expressamente requerido pelo vencedor e se a
alteração não acarretar I - evidente prejuízo para sua identificação; II - manifesta
distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; III
- dano grave reconhecido na decisão judicial. § 1º O cônjuge vencedor na ação de
separação judicial poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o
26
nome do outro. § 2º Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome
de casado".
Quanto ao divórcio, direto ou por conversão, o texto atual contém o
seguinte dispositivo: "Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por
conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado, salvo, no segundo caso,
dispondo em contrário a sentença de separação judicial".
O Projeto de Código Civil, na redação anterior, mantinha o antiquado
regime da perda da guarda pela culpa na separação e a prevalência feminina na
fixação da guarda dos filhos diante de culpas recíprocas dos cônjuges na
separação judicial.
A culpa na separação judicial não deve ser razão determinante da
perda da guarda, que deve ser estabelecida sob o princípio da prevalência dos
interesses dos menores, que podem não ser preservados pelo cônjuge inocente.
Na hipótese de culpas recíprocas a outorga da guarda à mãe
aplicava-se e adequava-se ao direito do início do nosso século e não aos tempos
de hoje.
Essa regra fundava-se em costumes ultrapassados, pelos quais a
mulher, que via de regra era senhora do lar e não exercia profissão, dedicava-se,
com exclusividade, aos filhos e ao lar, razão pela qual era tida como a melhor
indicada para deles cuidar.
Atualmente, grande parte das mulheres trabalha fora do lar,
alteraram-se os costumes, ambos os cônjuges exercem profissão e dividem as
tarefas e os cuidados para com os filhos, de modo que devem ser tidos, a
princípio, em iguais condições de guardá-los, cabendo ao juiz, no caso concreto,
avaliar qual deles está mais habilitado ao exercício da guarda, sem qualquer
prevalência feminina (v. "Sugestões ao Projeto de Código Civil - Direito de
Família", antes mencionadas, RT 730/38).
Em suma, as normas anteriores não ofereciam proteção aos filhos,
razão pela qual eram inconstitucionais, violando o art. 227 da Constituição da
República, que impõe à família, à sociedade e ao Estado a tutela dos direitos das
crianças e dos adolescentes.
27
Além disso, pai e mãe devem ser tratados pela lei em absoluta
igualdade de condições, sob pena de grave violação à Constituição da República,
que estabelece a isonomia entre homens e mulheres (art. 5º, inciso I) e entre
cônjuges (art. 226, § 5º).
Insistimos na necessidade de nova redação ao dispositivo, que foi
acolhida no texto atual: Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja
entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem
revelar melhores condições para exercê-la.
O texto atual também eliminou o dispositivo que atribuía à mãe a
prevalência na guarda, no caso de culpas recíprocas.
E, ainda, o texto atual dispõe que "verificando que não devem os
filhos permanecer em poder do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à
pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência
levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de
acordo com o disposto na lei específica".
Agravava-se aquela prevalência feminina no Projeto, em sua redação
anterior, ao dispor que se houver sido homologada somente a separação de
corpos, o juiz, atendendo às circunstâncias relevantes da vida dos cônjuges e de
suas famílias, deferirá a guarda dos filhos preferencialmente à mãe.
Então, presumia o Projeto que a mulher é a pessoa mais adequada,
sempre, ao exercício da guarda dos filhos, devendo o juiz fixá-la em seu favor, na
homologação de separação de corpos.
E se a mãe não for a pessoa mais adequada ao exercício da guarda
dos filhos? Mesmo assim os filhos ficarão sujeitos à guarda materna, enquanto
perdurar o procedimento judicial de separação? Por quanto tempo? Certamente
muito tempo, em prejuízo dos próprios filhos - crianças e adolescentes.
O filho deve ficar sob a guarda do genitor que melhor proteger seu
bem estar - seja mãe ou pai.
Por essas razões, sugerimos a supressão desse dispositivo, em face
de sua inconstitucionalidade.
28
O texto atual do Projeto corrigiu aquela inconstitucionalidade,
estabelecendo que "Em sede de medida cautelar de separação de corpos,
aplicam-se quanto à guarda dos filhos as disposições do artigo antecedente", ou
seja, aplica-se o princípio da prevalência dos interesses e bem estar do filho.
Em razão da demora inerente à tramitação das ações de separação
judicial com pedido unilateral, é previsto na legislação atual (Lei 6.515/77, art. 25)
que o prazo de um ano, para sua conversão em divórcio, pode ser contado da
medida cautelar correspondente.
O dispositivo constante do Projeto de Código Civil, em sua redação
anterior, incidia em lapso evidente, que foi por nós apontado, ao eliminar a medida
cautelar como início da contagem daquele prazo.
O texto atual corrigiu aquela falha, fazendo a devida adequação à
legislação promulgada durante a tramitação do Projeto de Código Civil, nos
seguintes termos: Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que
houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida
cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua
conversão em divórcio".
Quanto ao divórcio direto, foi modificada a redação do dispositivo,
que previa a conversão da separação de fato por dois anos em divórcio,
estabelecendo-se que: O divórcio poderá ser requerido por um ou por ambos os
cônjuges, comprovada a separação de fato durante dois anos.
Tanto no divórcio-conversão como no divórcio-direto, foi eliminado o
requisito da prévia partilha de bens, já que não há razão para impor-se àquela
primeira forma de dissolução do vínculo conjugal um maior rigor do que na
segunda, lembrando-se que a Súmula 197 do Superior Tribunal de Justiça
considera desnecessária a partilha prévia no divórcio direto.
O Projeto, em sua proposição original, por ter sido votado
anteriormente à Constituição Federal de 1988, continha dispositivos que
estabeleciam designações discriminatórias e desigualdades entre os filhos.
Apontamos essas inconstitucionalidades em"Sugestões ao Projeto de Código Civil
- Direito de Família", antes citadas, RT 730. O Senado Federal já havia corrigido a
29
maior parte dessas desigualdades. No texto atual foram realizadas mais
adequações ao princípio constitucional da absoluta igualdade entre os filhos.
Em busca da obtenção da verdade real nas relações de filiação, em
adequação ao princípio constitucional da igualdade entre os filhos e ao ECA -
Estatuto da Criança e do Adolescente -, cujo art. 27 prevê que o direito ao
reconhecimento da filiação é direito personalíssimo, imprescritível, a ser exercido
sem qualquer restrição, consoante nossas sugestões, foi estabelecida a
imprescritibilidade da ação contestatória da presumida paternidade no casamento.
Pelas mesmas razões foram suprimidos vários dispositivos que
restringiam a possibilidade de alcance da verdade real em relações de filiação,
tratando-se de pessoas casadas.
Assim, foi eliminada a vedação ao reconhecimento da maternidade,
quando tivesse por fim atribuir à mulher casada filho havido fora do casamento,
disposta na redação anterior do Projeto de Código Civil. Diante dessa vedação,
contrária aos princípios constitucionais da absoluta igualdade entre homens e
mulheres e entre filhos, como observamos anteriormente, uma mulher solteira,
que tivesse um filho e não o reconhecesse, não poderia fazê-lo se viesse a casar
com pessoa que não fosse o pai de seu filho, o que é patente absurdo.
Do texto atual também consta a supressão de artigo que previa a
impossibilidade de contestação da paternidade de filho nascido cento e oitenta
dias antes de estabelecida a convivência conjugal, se o marido tinha ciência, antes
do casamento, da gravidez da mulher ou se assistira pessoalmente a lavratura de
termo de nascimento sem contestar a paternidade.
Também foi suprimido dispositivo que limitava a contestação da
paternidade às hipóteses de impossibilidade de coabitação durante o estimado
período de fecundação.
Já tendo sido suprimido o vetusto dispositivo que estabelecia como
efeito jurídico do casamento a criação da família legítima e a legitimação dos filhos
comuns antes dele nascidos ou concebidos, na votação anterior do Senado
Federal, esse artigo fora substituído por outro, nos seguintes termos: "o
30
casamento importa o reconhecimento dos filhos comuns, antes dele nascidos ou
concebidos".
O reconhecimento de filhos, que, em nossa opinião, não deveria ser
presumido pela lei, em razão do casamento, é incabível se o casamento dos pais
é posterior à sua concepção ou ao seu nascimento.
Na redação atual, o Projeto de Código Civil suprimiu o dispositivo,
acolhendo nossas sugestões.
A união estável, como forma de constituição de família, reconhecida
pela Lei Maior, em seu art. 226, § 3º, deixou de ser regulamentada pela lei por
longos anos, recebendo apenas a proteção das duas outras formas de expressão
do Direito: doutrina e jurisprudência.
Após a Constituição da República, duas Leis (8971, de 29.12.1994 e
9278, de 10.05.1996) passaram a versar sobre a união estável.
A matéria da união estável, que não era tratada na redação original do Projeto de
Código Civil, recebeu emenda senatorial, pela qual era estabelecido o prazo de
cinco anos para sua existência, reduzido a três anos diante de filho comum.
Como dissemos, em sugestões anteriores, as uniões estáveis formam-se e
desenvolvem-se de maneira natural e espontânea (v. Sugestões ao Projeto de
Código Civil - Direito de Família, antes referidas, RT 730), de modo que não deve
ser estabelecido prazo para que passe a gerar efeitos jurídicos.
Relações estáveis, com a formação de família e patrimônio comum, podem
ocorrer antes do decurso do prazo de cinco anos, que era estabelecido no Projeto.
Cabe ao legislador somente estatuir seus requisitos, conforme faz a Lei atual -
9276/96: união duradoura, pública e contínua, com a constituição de família.
O texto atual do Projeto de Código Civil retirou o requisito temporal,
adaptando o dispositivo aos pressupostos da legislação vigente, com a seguinte
redação: "É reconhecida como entidade familiar à união estável entre o homem e
a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família".
Pelas regras do Projeto, na redação da referida emenda senatorial,
somente haveria união estável se os companheiros não tiverem impedimento
31
matrimonial. Isto significa que as pessoas separadas judicialmente não poderiam
constituir união estável.
União estável não pode existir se os conviventes forem casados, eis
que haverá, neste caso, a prática de adultério. Mas com a separação judicial deixa
de existir a sociedade conjugal, extingui-se o dever de fidelidade, não havendo
razão para vedar a produção de efeitos à união estável de pessoas separadas
judicialmente, como observamos em sugestões anteriores.
O texto atual do Projeto passou a possibilitar a existência de união
estável às pessoas com estado civil de separadas judicialmente.
No entanto, segundo o texto atual, "A união estável não se constituirá
se ocorrerem os impedimentos do art. 1520 (art. 1521 na proposição original), não
se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar
separada de fato". Ao mesmo tempo, logo a seguir, o texto atual dispõe que
"Poderá ser reconhecida a união estável diante dos efeitos do art. 1581", artigo
este que na proposição original está numerado como art. 1580 e prevê a extinção
do dever de fidelidade somente com a separação judicial.
Diante dessa remissão, parece-nos não ser possível a existência de
união estável às pessoas casadas, já que o dever de fidelidade conjugal extingue-
se somente com a separação judicial.
Caso contrário, estaremos diante de um avanço excessivo, que não
se coaduna com o princípio constitucional de proteção à família, já que a situação
de uma pessoa casada, que apenas deixe de coabitar com o cônjuge e não
regularize seu estado civil, passando a conviver com terceira pessoa, não deve
gerar efeitos de união estável, sob pena de haver grave turbação familiar e
patrimonial, sem que se possa concluir qual é a relação que deve gerar efeitos e
delimitar qual é o patrimônio pertencente ao cônjuge ou ao convivente.
A título de exemplo do que dissemos, imaginemos a seguinte hipótese: uma
pessoa casada, no regime da comunhão parcial de bens, que deixe de coabitar
com o cônjuge e no dia seguinte passe a conviver com terceira pessoa, realizando
a compra de um bem logo após a separação de fato. A quem se comunicaria esse
bem? Ao cônjuge ou ao convivente?
32
Lembramos que o regime de bens, na conformidade do art. 1581 da
redação original, não alterada na fase atual, prevê a vigência do regime de bens
no casamento até a separação judicial. E recordamos, ainda, que na situação
acima apresentada, desde que provada a participação do companheiro na
aquisição de bens, em razão da vedação ao enriquecimento ilícito, ficam
resguardados os seus direitos, com base nos princípios da sociedade de fato.
Como efeitos da união estável, consoante redação anterior da emenda senatorial,
são efeitos pessoais da união estável os deveres de lealdade, respeito e
assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos, e efeitos patrimoniais o
regime da comunhão parcial de bens, salvo convenção válida em contrário.
2.3-A dignidade da pessoa humana no direito de família e o
projeto de código civil na fase atual
Nossa Constituição elegeu a dignidade da pessoa humana como
fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III).
Todos os princípios constitucionais referentes à família, antes
analisados, têm vista a preservação da dignidade de seus membros.
Embora as relações familiares tenham conteúdo principalmente afetivo, sua
preservação e a preservação de seus membros pelo Direito é indispensável e
decorre do princípio da tutela da dignidade da pessoa humana, devendo ter como
base a isonomia entre os cônjuges, a igualdade entre os conviventes, a igualdade
entre os filhos e a proteção de todas as uniões familiares, oriundas ou não de
casamento, que hoje têm a garantia constitucional.
Na família, a dignidade da pessoa humana, em todo o alcance dessa
expressão, deve ser assegurada tanto no curso das relações familiares como
diante de seu rompimento, cabendo ao Direito oferecer instrumentos para impedir
a violação a esse valor maior.
33
Na conformidade da exposição feita pelo Deputado Ricardo Fiuza -
nobre Relator Geral da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, nomeada
para proferir Parecer sobre as Emendas do Senado Federal ao Projeto de Código
Civil - o Livro de Direito de Família recebeu especial atenção, da qual resultou a
formulação de artigos que preservam a dignidade dos membros de uma família.
Observe-se que, uma vez aprovado um novo Código Civil, inclusive
durante o período que antecederá a sua entrada em vigor - vacância - poderão ser
apresentados novos projetos de lei com a finalidade de inserir dispositivos nesse
diploma legal ou alterar artigos dele constantes.
Note-se, ainda, que, se não aprovado o atual Projeto de Código Civil,
embora seja possível a apresentação de outro Projeto de Lei, enquanto se
aguardar sua tramitação, que não terá curta duração em razão da importância e
abrangência do Direito Civil, este relevante ramo do Direito estará sujeito à
regulamentação atual, repleta de graves dificuldades de interpretação, já que,
evidentemente, o Código Civil em vigor está se adaptando aos novos valores e
princípios constitucionais.
34
3- INTERESSES DO DIREITO DE FAMÍLIA NO NOVO CÓDIGO CIVIL
Saliento a induvidosa importância a nova filosofia que embasa todo o
novo Código Civil. Nesse sentido, anoto a mudança de rumos para melhor, na
ênfase dada à primazia da ética, do social e do operacional, em comparação com
o Código de 1916, aspectos ressaltados pelo prof. Miguel Reale, principal artífice
do atual e para quem a inclusão desses valores essenciais são os pilares.
Mestre Reale explicou que ele e seus companheiros redatores do
anteprojeto procuraram superar o apego do Código Bevilaqua ao formalismo
jurídico, fruto, a um só tempo, da influência recebida do Direito tradicional
português e da escola germânica dos pandectistas, aquele decorrente do valioso
trabalho empírico dos glozadores; esta dominada pelo tecnicismo institucional
haurido na admirável experiência do Direito romano. E, que, não obstante os
méritos desses valores técnicos, não era possível deixar de reconhecer, em
nossos dias, a indeclinável participação dos valores éticos no ordenamento
jurídico, sem abandono, é claro, das conquistas da técnica jurídica, que com
aqueles se deve compatibilizar.
Justifica, ainda, o Prof. Miguel Reale, que buscaram superar o
manifesto caráter individualista de um código então previsto para aplicação num
Brasil daquela época, um País agrícola, com 80% da população no campo. Hoje o
quadro é radicalmente outro, com 80% do povo brasileiro ativo nas cidades, numa
alteração de 180 graus na sua mentalidade, inclusive pela influência dos
modernos meios de comunicação (já acessíveis aos que moram no campo e que,
por isso mesmo, têm usos e costumes mais atualizados que os dos seus bisavós).
Essa alteração naturalmente terá de, cada vez mais, condicionar o interesse
particular ao coletivo, para disciplinar a vida comunitária. Daí a necessidade do
predomínio do social sobre o individual.
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4-Algumas novidades do novo Código Civil
O Novo Código Civil entrou em vigor em janeiro deste ano (2003), e
nos traz um monte de novidades.
4.1-Para os cônjuges
- A habilitação, a celebração e a primeira certidão do casamento civil são
absolutamente gratuitos para quem declarar, sob as penas da lei, a própria
pobreza. O religioso terá efeito civil desde que os nubentes procedam à
habilitação civil e levem, até 90 dias da sua celebração, a respectiva certidão ao
Cartório do Registro. (arts. 1.512, 1.515, 1.516).
- Desde que autorizados pelos pais, o rapaz e a moça com 16 anos podem casar.
Excepcionalmente o juiz poderá autorizar casamento de quem não tenha
completado essa idade, em caso de gravidez ou para evitar pena criminal. (art.
1.520).
-Qualquer dos nubentes poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro. (art. 1565
§1).
-A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e
pela mulher. (art. 1.567)
-Ambos são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos
do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja
o regime patrimonial. (art. 1.568)
-É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da
comunhão. (art. 499)
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4.2-Para os companheiros-
É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o
homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura
e estabelecida com o objetivo de constituição de família. A união estável
poderá se constituir se a pessoa for casada mas separada de fato ou
judicialmente. (art. 1.723)
-É válida a instituição do companheiro como beneficiário, se ao tempo do contrato
o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato. (art.
793)
- Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às
relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. (art.
1.725)
-A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos
companheiros ao juiz e assento no Registro Civil. (art. 1.726)
-Antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação, a de
separação judicial, a de divórcio direto ou a de dissolução de união estável,
poderá requerer a parte, comprovando sua necessidade, a separação de corpos,
que será concedida pelo juiz com a possível brevidade. (art. 1.562)
-As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar,
constituem concubinato. E, para configurar a chamada sociedade de fato entre os
simples concubinos, mas que somam esforços na aquisição de patrimônio, poderá
ser aplicável o princípio constante do novo direito de empresa: o de que celebram
contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir,
com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre
37
si, dos resultados. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais
negócios determinados. (arts. 1.727, 981)
4.3-Quanto ao regime de bens
- É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos
seus bens, o que lhes aprouver. Esse princípio enseja a celebração de pacto
antenupcial que “mistura” normas de vários regimes de bens, ou convencione a
opção por determinado regime: os especificados são o da comunhão universal de
bens; o da comunhão parcial de bens; o da separação convencional de bens; o da
separação obrigatória de bens; e o novidadeiro regime de “participação final nos
aqüestos”, que certamente jamais será escolhido pelos noivos. (art. 1.639)
- E, na ausência - ou nulidade - do pacto, prevalecerá o da comunhão parcial.
Será obrigatório o regime da separação legal de bens quando o casamento for de
nubente maior de 60 anos, independe do seu sexo, ou de menor que se case por
necessária autorização judicial. (arts. 1.640, 1641, II)
- É nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não
lhe seguir o casamento. (art. 1.653)
- O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do
casamento, mas, agora passou a ser admissível a sua alteração mediante
autorização judicial em pedido motivado, formalizado por ambos os cônjuges,
apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de
terceiros. (art. 1.639)
-Os pactos antenupciais farão parte do processo de habilitação para o casamento
no Cartório do Registro Civil, mas somente terão efeito perante terceiros depois de
inscritos, em livro especial, pelo oficial do Registro de Imóveis do domicílio dos
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cônjuges e, se empresário qualquer deles, na Junta Comercial. (art. 1.640, §
único)
4.4-Quanto à separação e ao divórcio
- Antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação, a de
separação judicial, a de divórcio direto ou a de dissolução de união estável,
poderá requerer a parte, comprovando sua necessidade, a separação de corpos,
que será concedida pelo juiz com a possível brevidade. (art. 1.562)
- A qualquer tempo após a celebração do casamento, um dos cônjuges poderá
ajuizar contra o outro ação de separação litigiosa desde que lhe impute - e
comprove - ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e torne
insuportável a vida em comum. Também pode pedir a separação litigiosa, mas
sem necessidade de acusar o outro de qualquer infração, o cônjuge que estiver a
mais de um ano com ruptura da vida em comum. (art. 1.572)
- Agora será possível, depois de apenas um ano da celebração do casamento, e
não mais dos dois que eram exigidos, a separação judicial consensual. (art. 1.572,
§ 1º)
- O divórcio por conversão continua possível após decorrido um ano da sentença
da separação judicial ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação
de corpos. O “divórcio direto” poderá ser decretado após comprovada separação
de fato há mais de dois anos. O novo casamento do divorciado não modificará os
direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, nem importará em restrições aos
seus direitos e deveres. (arts. 1.580, 1.579)
4.5-Quanto à guarda de filhos
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- A guarda de filhos será na conformidade do acordo entre os pais; no caso de
litígio, será atribuída pelo juiz a quem revelar melhores condições (não são
financeiras) para exercê-la. Considerando ambos sem condições, o juiz deferirá a
guarda à pessoa (de preferência parente próximo) que revele compatibilidade com
a natureza da medida. (art. 1.584)
-O pai, ou a mãe, que não detenha a guarda, poderá visitar os filhos e tê-los em
sua companhia segundo o que acordar com o outro cônjuge ou for fixado pelo juiz,
bem como fiscalizar sua manutenção e educação. Essas disposições quanto aos
filhos menores se estendem aos maiores incapazes. (arts. 1.589, 1.590)
4.6-Quanto ao parentesco
-Agora, somente são considerados, para os fins legais, parentes - além daqueles
em linha direta e que não tem limites (pais, avós, bisavós, trisavós, etc., e filhos,
netos, bisnetos, trinetos, etc.) - os parentes em linha colateral ou transversal, até o
quarto grau (tio avô, “primo irmão”, sobrinho neto) as pessoas provenientes de um
só tronco, sem descenderem uma da outra. O parentesco é natural ou civil,
conforme resulte de consangüinidade ou outra origem. Cada cônjuge ou
companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. O
“parentesco” por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos
irmãos do cônjuge ou companheiro. Na linha reta, a afinidade não se extingue com
a dissolução do casamento ou da união estável. (arts. 1.591 a 1.595)
4.7-Quanto a filiação
-Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação. Ou seja, sobrevive “filho” como substantivo e permanecem
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(desde a Constituição Federal/88) proibidos quaisquer adjetivos que pudessem
discriminá-los positiva, ou negativamente. Presumem-se concebidos na
constância do casamento os filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos,
depois de estabelecida a convivência conjugal; ou, nascidos nos trezentos dias
subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial,
nulidade e anulação do casamento; ou, os havidos por fecundação artificial
homóloga, mesmo que falecido o marido; ou, os havidos, a qualquer tempo,
quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial
homóloga; ou, finalmente, os havidos por inseminação artificial heteróloga, desde
que tenha prévia autorização do marido. (arts. 1.596 e 1.597).
- Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo de 10 meses da viuvez
ou casamento desfeito por nulidade, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer
algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos
dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer
após esse período. (art. 1.598)
- Cabe ao marido o direito de contestar - a qualquer tempo - a paternidade dos
filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Contestada a filiação,
os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação. (art. 1.601)
- A ação de investigação e prova de filiação compete ao filho, enquanto viver,
passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz. Se iniciada a ação pelo
filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo. (art.
1.606)
4.8-Quanto a adoção
-O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em
testamento.(art.1.610)
- Só a pessoa maior de dezoito anos pode adotar. A adoção por ambos os
cônjuges ou companheiros poderá ser formalizada, desde que um deles tenha
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completado dezoito anos de idade, comprovada a estabilidade da família. O
adotante há de ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o adotado. (arts.
1.618,1.619)
- Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher,
ou se viverem em união estável. Os divorciados e os judicialmente separados
poderão adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime
de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância
da sociedade conjugal (art.1.622)
-A adoção obedecerá a processo judicial, observados os requisitos estabelecidos
neste Código. A adoção de maiores de dezoito anos dependerá, igualmente, da
assistência efetiva do Poder Público e de sentença constitutiva. (1.623)
4.9-Quanto ao poder familiar
-Não se fala mais em “pátrio poder”; agora, os filhos estão sujeitos ao poder
familiar, enquanto menores. Durante o casamento e a união estável, compete o
poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá
com exclusividade. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é
assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo. (art.
1.631)
-Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles
inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum
parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela
segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando
convenha. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe
condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a
dois anos de prisão. (art. 1.637)
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4.10-Quanto aos alimentos
- Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os
alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição
social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. São devidos os
alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover,
pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode
fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. (arts. 1.694, 1.695).
-O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a
todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em
falta de outros. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes,
guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos
como unilaterais. (art. 1.696, 1.697)
-Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de
suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato;
sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na
proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão
as demais ser chamadas a integrar a lide. (art. 1.698)
- Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os
supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme
as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo. (art. 1.699)
- obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor. (art.
1.700)
-Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de
recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar. (art. 1.702)
-Se um dos cônjuges separados judicialmente (torna-se óbvia a urgência - do
cônjuge desobrigado de prestar alimentos ao outro - de se divorciar) vier a
43
necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser
fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação
judicial. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver
parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro
cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à
sobrevivência.(art.1.704)
-Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão
na proporção de seus recursos. (art.1.703)
-Para obter alimentos, o filho havido fora do casamento pode acionar o genitor,
sendo facultado ao juiz determinar, a pedido de qualquer das partes, que a ação
se processe em segredo de justiça. (art.1.705)
-Os alimentos provisionais serão fixados pelo juiz, nos termos da lei processual.
(art.1.706)
-Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos,
sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora. (art.
1.707)
-Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de
prestar alimentos. Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se
tiver procedimento indigno em relação ao devedor. O novo casamento do cônjuge
devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio. (arts. 1.708,
1.709)
-As prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo
índice oficial regularmente estabelecido. (art.1.710)
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5-DIREITO DE FAMÍLIA NESTE SÉCULO
Na atualidade o que mais se questiona é: Qual o limite de
intervenção do Estado sobre questões tão íntimas e particulares como aquelas
que são os ingredientes para o Direito de Família? Por exemplo, será que o
Estado não estaria intervindo em excesso na vida privada do cidadão ao
estabelecer que existe um culpado para o fim do casamento? Poderia o Estado
regulamentar detalhadamente as relações afetivas daquelas pessoas que optem
por manter uma relação amorosa sem o selo da oficialidade do casamento? Em
outras palavras, um "Estatuto do Concubinato", projeto de lei em trâmite no
Congresso Nacional, não seria uma invasão à privacidade daqueles que,
exatamente, não desejaram intervenção do Estado em sua vida privada?
Não se pode mais desconsiderar que na objetividade dos atos e
fatos jurídicos permeie uma subjetividade que interfere e determina o mundo
jurídico, particularmente o Direito de Família, que pode ser considerado como a
(tentativa) regulamentação das relações de afeto e as conseqüências daí
decorrentes. A consideração dessa subjetividade advém dessa revelação, por
Freud, da existência do inconsciente e que, portanto, não é somente o sujeito
consciente que prática atos jurídicos, faz e desfaz negócio. Há também o sujeito
inconsciente, repita-se, determinante nas relações jurídicas. O sábio e mestre
Caio Mário da Silva Pereira em seu discurso na Universidade de Coimbra, em
julho de 1.999, quando recebia o título de Doutor Honoris Causa, traduziu, este
novo olhar sobre relações jurídicas, que certamente estará mudando os rumos da
45
ciência jurídica, ou seja, consideração da subjetividade na objetividade dos atos e
fatos jurídicos.
Pensar e repensar o Direito de Família na atualidade, significa voltar
àquilo que é, por outro lado, mais primitivo e primário, ou seja, compreender as
relações familiares, para, inclusive, entender os nós, as dificuldades de sua
aplicabilidade, a atual política legislativa sobre a família e o entravado poder
judiciário.
5.1-Incompreensão da família constitucionalizada
As relações sociais mais íntimas são justamente as que mais estão
sujeitas à eclosão de conflitos. Por isto mesmo é que as relações familiares são
intrincadas e complexas, como já escreveu Freud. Há aí uma constante polaridade
e amor e ódio nem sempre são excludentes. Mas assim é o ser humano. Assim
são os vínculos familiares.
Fala-se muito, ainda, em crise e desintegração da família. Há quem
atribua isto ao grande número de separações e divórcios. Outros querem
responsabilizar os meios de comunicação, pela divulgação sem censura de uma
certa liberalização das relações sexuais etc. É certo que a família hoje está muito
diferente daquela do início do século passado. Estamos vivendo um processo
histórico importante de transformação, onde a quebra da ideologia patriarcal
impulsionada pela revolução feminista são os elementos determinantes. Mas não
se pode falar em desagregação. É irrefutável a premissa de que a família é, foi e
será sempre a célula básica da sociedade. É a partir daí que torna-se possível
estabelecer todas as outras relações sociais, inclusive os ordenamentos jurídicos.
A Constituição Brasileira de 1.988 absorveu esta transformação e
fez uma verdadeira revolução no Direito de Família a partir de três eixos básicos
Expressou em seu art. 226 a evolução de que a família no limiar do terceiro
milênio é plural e não mais singular. Em outras palavras, existem hoje várias
formas de constituição de família: pelo casamento, pela união estável
(concubinato) e pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus
46
descendentes.
Apesar da clareza do texto constitucional, alguns operadores do
Direito resistem em entendê-lo e insistem em considerar como família apenas
aquela constituída pelo casamento. É quase inacreditável! É que estes guardiões
da moralidade não podem voltar seu olhar para a realidade e ver, por exemplo: no
Brasil, 55% das uniões entre homens e mulheres, no meio rural, constituem-se
sem o selo da oficialidade, ou seja, vivem em concubinato (união estável). As
famílias constituídas apenas por um dos pais e seus filhos é cada vez maior. Os
menores de rua escancaram uma realidade de vínculos familiares e afetivos, que
fogem totalmente aos padrões aos quais estamos acostumados.
Segundo eixo: o art. 227, § 6º alterou o sistema de filiação ao dizer
que estão proibidas as designações discriminatórias sobre os filhos. Em outras
palavras, não há mais filhos legítimos ou ilegítimos. Filho é filho. Atualmente, a
designação necessária e permitida é apenas de filhos havidos dentro ou fora do
casamento. É claro que filhos fora do casamento continuarão nascendo, enquanto
houver desejo sobre a face da terra, mas discriminá-los está definitivamente
proibido pela lei maior. É incompreensível como alguns renomados juristas
brasileiros continuam usando em seus livros as expressões legítimos e ilegítimos
para designar um estado de filiação.
O terceiro eixo da revolução constitucional reside no art. 5, I e 226, §
5º ao estabelecer o princípio da igualdade entre homens e mulheres. Com isto
mais de cem artigos do nosso Código Civil foram revolvidos. O princípio da
igualdade altera não somente as relações entre cônjuges, mas também
dispositivos sobre a tutela, curatela quando estabelecia para aqueles institutos
uma ordem de preferência masculina para o seu exercício. Mas o princípio da
igualdade não é nada simples. Como fazer, por exemplo, com a idade mínima
para o casamento? Talvez devêssemos mesmo substituir o discurso da igualdade
pelo discurso da diferença.
As mudanças são mesmo muito difíceis. Admiti-las significa
repensar modelos, paradigmas e abrir mão de determinados poderes instituídos.
Devemos nos acautelar e desconfiar sempre daqueles resistentes às mudanças, e
47
que se posicionam como os guardiões de uma moralidade, como por exemplo,
alguns profissionais do Direito que chegam a afirmar que as novas leis sobre o
concubinato são um incentivo à promiscuidade. Acautelemo-nos. Segundo a
Psicanálise, quanto mais moralizador mais pervertido é o sujeito. Ora, as
mudanças e transformações nos rumos e formas de constituição da família atual
são apenas a expressão e reivindicação da ampliação do espaço de liberdade das
pessoas. E a liberdade é um dos pilares que sustenta do Direito.
5.2-A família da travessia do século
Sexo, casamento e reprodução sempre foram paradigmas
estruturadores para a organização jurídica sobre Direito de Família. A evolução do
conhecimento científico - somada ao fenômeno da globalização, ao declínio do
patriarcalismo e à redivisão sexual do trabalho - fez uma grande transformação da
família, especialmente a partir da segunda metade deste século. Como será a
família desse novo século, se aqueles elementos estão dissociados, já não lhe
servem de esteio. Não é necessário mais sexo para reprodução, e o casamento
legítimo não é mais a única maneira de se legitimar as relações sexuais.
As transformações da família certamente estão associadas a um
novo discurso sobre a sexualidade, cuja base foi formada com a Psicanálise na
virada do século passado. Como será a família do novo século diante de um novo
discurso sobre a sexualidade? A partir da consideração de que a sexualidade é da
ordem do desejo, muito mais que da genitalidade, como sempre foi tratada pelo
Direito, o pensamento contemporâneo ampliou seu entendimento e compreensão
sobre as formas de manifestação do afeto, do carinho e conseqüentemente sobre
as várias formas e possibilidades de se constituir uma família. Tudo isto interessa
ao Direito pois aí reside um sentido de liberdade e libertação dos sujeitos, um
dos pilares que sustenta a ciência jurídica.
Afora a nostalgia de que a família onde cada um de nós foi criado é a
melhor, sua travessia para o novo milênio se faz em um barco que está
transportando valores totalmente diferentes, como é natural dos fenômenos de
48
virada de século. A travessia nos deixa atônitos, mas traz consigo um valor que é
uma conquista, ou seja, a família não é mais essencialmente um núcleo
econômico e de reprodução onde sempre esteve instalada a suposta
superioridade masculina. Nesta travessia, carregamos a “boa nova” de que ela
passou a ser muito mais o espaço para o desenvolvimento do companheirismo, do
amor e, acima de tudo, embora sempre tenha sido assim, e será, o núcleo
formador da pessoa e fundante do sujeito.
Mas todas essas transformações não estão fáceis de serem
absorvidas, pois a travessia é sempre acompanhada de turbulência, e tendemos a
ver “crise” da família como seu fim. Para os operadores do Direito, as dificuldades
parecem ainda maiores do que realmente são. Ordenar juridicamente as relações
de afeto e as conseqüências patrimoniais daí decorrentes é nosso desafio para
assegurar e viabilizar a organização social. É neste imperativo categórico que está
o “convite ao pensar” as novas representações sociais da família e a compreende-
lá no ordenamento jurídico nesta travessia do milênio.
5.3-Os restos do amor
A transformação das relações de família e a conseqüente liberdade
dos sujeitos, provoca também uma conscientização maior de direitos e deveres.
Com isto, aumentam as reivindicações ao Estado-Juiz e a expectativa de que este
possa dar uma solução para os desarranjos familiares. É assim que os restos do
amor vão sempre parar no Judiciário. O Judiciário é, também, o lugar onde as
partes depositam os restos do amor e têm sempre a esperança de que uma
sentença “milagrosa” venha lhes dar a solução do conflito. Pura ilusão! O
desamparo da separação jamais encontrará o seu amparo ali. Primeiro, porque o
desamparo do sujeito é estrutural. Somos mesmo sujeitos da falta e algo em nós
sempre estará faltando. Segundo, porque o poder judiciário brasileiro para as
demandas familiares está a beira do caos.
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5.4-Falência dos tribunais de família
Sinal dos tempos! Na virada do milênio estão emergindo sintomas
nas instituições ditas democráticas que transparecem através do discurso sobre
reforma no Judiciário, corrupção, extinção de determinados tribunais, súmula
vinculante, CPI’s, controle externo do Judiciário, extremecimento e
questionamento da independência dos poderes preconizados por Montesquieu no
século XVII.
Estamos em um momento importante e fértil para reflexão e
entendimento da melancólica incapacidade da Justiça de compreender o seu
papel institucional e social. O aparato judicial, da forma como organizado e
estruturado, não consegue mais sustentar a Justiça idealizada pelo Direito.
Sabemos todos que não é possível democracia sem Justiça; não existe Justiça
sem os aparelhos do Estados (funcionando).
Dentre os males causados pela morosidade do Judiciário, não se
pode deixar de apontar um aspecto especial na Justiça, que são os processos
ligados ao Direito de Família. Nunca é demais repetir que é justamente aí, na
família, que residem, nascem e morrem todas as questões mais fundamentais do
ser humano. É aí que se funda e estrutura-se o sujeito. Por aí transita a
afetividade, o amor paterno, fraterno e conjugal. É a partir daí que se organizam
todas as instituições, inclusive o próprio Estado.
Quando há um conflito na família e chega-se às barras de um
tribunal, o cidadão depara-se, na maioria das vezes, com um outro grande
problema, que é a lentidão do Judiciário, talvez maior que o próprio problema
originário. Ora, Justiça tardia, não é justiça. Sabemos todos que a morosidade do
Judiciário está ligada à questão de sua própria estrutura, hoje inadequada. Mas
não é só isso.
50
O problema das injustiças ocasionadas pela lentidão desse poder de
Estado, está vinculado também à sua própria concepção. No caso específico da
justiça da família, os procedimentos e regras processuais, sistemática de recursos
são ainda os mesmos de um processo civil comum, onde se discute, por exemplo,
a dissolução de uma empresa, ações comerciais, possessórias etc. A aplicação
dessa mesma sistemática constitui-se como um dos elementos inviabilizadores de
se fazer justiça nas famílias. Se pensarmos que uma cobrança de pensão
alimentícia, geralmente, leva o mesmo tempo e se serve das mesmas regras de
qualquer cobrança comercial, entenderemos porque uma execução de alimentos
transforma-se quase sempre em um calvário.
Também em nome da segurança das relações jurídicas, tentam
fazer-nos acreditar na necessidade de alguma morosidade. Com isto, entre o justo
e o legal, nem sempre coincidentes, muitos julgadores, em nome dessa
“segurança”, vêem-se obrigados a optarem pelo legal. Reside aí também muitas
injustiças, aliás, há muito tempo já anunciadas e denunciadas pelo movimento
iniciado no Sul do Brasil, conhecido pelo, desgastado, nome de Direito Alternativo.
51
6-NOVO CÓDIGO CIVIL E A UNIÃO ESTÁVEL
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 226 § 3º, reconheceu,
para efeito de proteção do Estado, a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar, e nesse efeito, instituiu, inclusive, norma programática no
sentido de a lei facilitar sua conversão em casamento.
A dicção constitucional legitimou uma prática social aceitável, qual a
da existência de uniões livres, de duração compatível com a estabilidade das
relações afetivas, diferenciadas daquelas oriundas de comportamento adulterino
que com elas não guardam a mesma identidade jurídica, no plano doutrinário do
direito de família, posto que formadas, essas últimas, por quem mantém relação
de casamento com outrem, íntegra na realidade existencial de continuarem juntos.
Erigido o instituto no plano constitucional, consolidou-se pela Lei
Maior uma farta jurisprudência que o firmou nos pretórios, inicialmente à nível de
uma sociedade de fato, e como tal considerada, sob a inspiração do direito
comercial, afastando, por completo, o caráter sócio-afetivo indissociável de tais
relações, com solução artificial em prejuízo da verdadeira entidade familiar que,
decorrente delas, se constituía.
No influxo do dispositivo constitucional, adveio a Lei nº 8.971, de 29
de dezembro de 1994, a disciplinar o direito dos companheiros a alimentos e à
sucessão, sem definir, contudo, a moldura jurídica do instituto da união estável, o
que veio a acontecer apenas com a Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996.
52
Este último diploma legal, em seu artigo 1º, edifica o significado da
união estável ao dispor que "é reconhecida como entidade familiar a convivência
duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o
objetivo de constituição de família".
Extrai-se desse significado, em síntese conceitual, o afirmado por
Rodrigo da Cunha Pereira, quando o eminente jurista mineiro reconhece ser a
união estável, o "concubinato não-adulterino".
A rigor, todavia, com o instituto da união estável, efetiva-se
importante distinção entre relações livres e relações adulterinas, expurgando-se o
termo concubinato no tocante às primeiras e reservando-se o mesmo às
adulterinas que, em razão do princípio jurídico da monogamia, não poderá ter o
mesmo tratamento legal, a tanto que em último artigo proposto pela emenda "as
relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar,
constituem concubinato", devendo o termo ser empregado, com doutrina mais
atual, apenas nas uniões de pessoas casadas com terceiros, enquanto
convivendo com seus cônjuges.
Essa distinção tem o seu necessário e maior alcance para configurar,
em sua integralidade, a união estável, envolvendo todas as pessoas aptas ao
instituto, que estiverem em união pública, contínua e duradoura.
É que inúmeras pessoas, mesmo impedidas de casar ( face não
estarem divorciadas ) encontram-se em união estável com outrem, porquanto
separadas de fato ou judicialmente de há muito do seu cônjuge, constituindo nova
família por relações sócio-afetivas consolidadas.
A doutrina tem reconhecido o fenômeno social, a merecer efeitos
jurídicos próprios, na diferença que se coloca com aqueles que, integrantes de
família constituída pelo casamento e em plena convivência conjugal, infringem
gravemente o dever de fidelidade, mantendo relações não eventuais com
terceiros.
Suficiente assinalar, a respeito, a manifestação de RAINER
CZAIKOWSKI :
53
"Quando a Constituição prevê que a lei deverá facilitar a conversão da união
estável em casamento, e quando o art. 8º da Lei 9.278 dispõe que"os conviventes
poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união
estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da
Circunscrição de seu domicílio"; tais previsões só estabelecem a diretriz de
viabilizar uma faculdade, que pode ou não ser exercida pelos envolvidos, de
acordo com sua vontade. Supõe-se, obviamente, que estejam em condições
jurídicas de fazer tal opção, qual seja, casar. Não significa que os parceiros de
uma união estável necessariamente devam ter condições de casar. Na prática, é
mesmo freqüente que tais uniões se originem justamente entre pessoas
separadas judicialmente ou até separadas de fato dos antigos cônjuges. Seria de
péssima política e de nenhuma sensibilidade social, excluir estes numerosos
segmentos da tutela legal à família.
Procura-se, com a caracterização das uniões livres, definir em que
circunstâncias elas configuram entidades familiares. Estão excluídas, portanto, em
princípio e terminantemente, as relações flagrantemente adulterinas. Além do
aspecto moral e lógico de que o Estado não poderia proteger a relação de um
cônjuge com terceiro, em adultério, porque estaria acobertando infração ao dever
conjugal da fidelidade; há o aspecto de ser inviável o cônjuge adúltero, além de
sua família constituída pelo casamento, formar outra, paralelamente, relacionando-
se com esposa e concubina concomitantemente ( ou, ao contrário, relacionando-
se com marido e concubino) e até, quem sabe, sobrevivem filhos de ambas ( ou
ambos). É inviável no sentido de ser juridicamente inaceitável."1
É fundamental, de conseguinte, ressaltar as características da união
estável, que defluem do reportado art. 1º da Lei nº 9.278/96, representadas na
dualidade de sexos, e no conteúdo mínimo da relação constituído pela
publicidade, continuidade e durabilidade.
Estas características, com origem na construção jurisprudencial,
tecem com maior sentimento de realidade, a formação do instituto, a exigir que o
Novo Código Civil recebesse redação contemporânea com a legislação
superveniente.
54
Daí porque retiramos do projeto a exigência de que a união , para
que seja estável, tenha duração de prazo mínimo determinado, superior a cinco
anos consecutivos, uma vez que tal característica não está contemplada pela atual
Lei nº 9.728/96.
Mostrava-se inconstitucional o dispositivo originalmente constante do
projeto, ao limitar a união estável à convivência superior a cinco anos, quando a
própria Constituição Federal não define qualquer prazo. Seria interpretação
restritiva e inconcebível vir a lei infra-constitucional, reguladora do instituto, impor
prazo mínimo, para o reconhecimento dessa entidade familiar. Na verdade, o
conceito "estável", inserido no pergaminho constitucional, não está a depender de
prazo certo, mas de elementos outros que o caracterizem, como os constantes do
art. 1º da Lei nº 9.728/96.
Por outro lado, o elemento "more uxório", integrante do aludido
dispositivo proposto, revela convivência denotadora da aparência de casamento,
sem implicar, contudo, necessidade de união sob o mesmo teto.
A fórmula "more uxório" exprime "a vida em comum de um homem e
de uma mulher em estado de casados, sem que o sejam legalmente", vinculação
íntima essa que se distingue da simples convivência em coabitação.
É certo que esse dever de coabitação, expresso na regra do inciso II
do art. 231 do atual Código Civil e no inciso II do art. 1.569 do texto consolidado
do projeto, trata-se unicamente de dever conjugal, não estando inscrito dentre os
deveres dos conviventes, elencados no art. 1.736 do projeto ( texto consolidado ),
mais especificamente os deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda,
sustento e educação dos filhos.
Nessa linha, tem sido dominante a doutrina, ao admitir a
característica da continuidade desprovida do elemento "more uxorio". Assim tem-
se afirmado essa característica com o interesse de a lei "evitar a caracterização da
estabilidade pela somatória de períodos de união absolutamente intercalados,
separados, sem nenhum vínculo subjetivo entre eles".
Afirma o doutrinador : "O namoro na adolescência e o reencontro dez
anos depois, são duas relações distintas; uma não contribui com estabilidade para
55
outra. "Contínua", também, nada tem a ver com harmonia temperamental, tem a
ver com rompimentos definitivos; nada tem a ver, ainda, com moradia comum.
Parceiros com uma só residência podem decidir fixar residências diversas sem
quebrar a relação. Subsiste aí a continuidade.
A construção jurisprudencial, de há muito, diante da posse do estado
de casado, houve de reconhecer a comunidade de vida independente da
convivência sob o mesmo teto para a sua integração, através da Súmula 382 do
STF.
O enunciado pretoriano posicionou que "a vida em comum sob o
mesmo teto,"more uxório", não é indispensável à caracterização do
concubinato."
56
7-UM NOVO MODELO DE FAMÍLIA O modelo de família até então adotado está cada vez menos freqüente, pois hoje temos famílias formadas apenas por pai ou por mãe e ainda por dois pais ou duas mães. 7.1-União civil de homossexuais: por que não?
O reconhecimento legal da união civil de pessoas do mesmo sexo na
Alemanha provocou polêmicas discussões que trouxeram a público a dimensão da
discriminação contra os homossexuais. Desde 1992 os homossexuais alemães
intensificaram a campanha de exigência de seus direitos na sociedade alemã. Em
2000, finalmente, foi aprovada, no Parlamento, a lei de parceria civil que, desde
agosto de 2001, já possibilitou a união de 4.500 assim chamados casais
homossexuais.
Mas, logo após a aprovação da lei, o bloco conservador CDU/CSU
(União Democrática Cristã/União Social Cristã) recorreu à Justiça por não aceitar
a decisão política. Os partidos conservadores usaram como argumento o
pressuposto de que o reconhecimento da união civil de homossexuais estaria indo
contra a Constituição Federal Alemã, a qual protege a família e o casamento. Por
outro lado, os defensores da parceria civil argumentam que o reconhecimento da
união civil de casais do mesmo sexo é um pressuposto da mesma Constituição
Federal, segundo a qual todos os cidadãos devem ser tratados de forma igual na
sociedade. O Tribunal de Justiça Constitucional, por sua vez, pronunciou-se em
57
favor dos direitos de gays e lésbicas, demonstrando que não há empecilhos legais
às suas reivindicações.
É evidente que por detrás do conflito político existem preconceitos
que desta forma vieram à tona. A reclamação dos conservadores de que a
parceria civil seria uma afronta ao casamento e à família não faz sentido, pois não
se trata de modificar a legislação pertinente à família e ao casamento, mas sim do
reconhecimento dos direitos dos relacionamentos homossexuais. Os próprios
homossexuais, via de regra, reconhecem a importância do casamento e da
família, pois lá cresceram e se desenvolveram. O que eles reivindicam é o acesso
às possíveis vantagens da parceria legalmente reconhecida. Além disso, a
aceitação legal da união de homossexuais representa um avanço no
reconhecimento de sua existência como cidadãos na sociedade.
O temor de que, através da instituição da união civil dos
homossexuais, a sua proporção venha a aumentar na sociedade também não
possui fundamento, porque a orientação do desejo sexual de uma pessoa não é
decorrência da legislação. Os homossexuais existiram em todos os tempos e
culturas da humanidade e a homossexualidade não é uma opção pessoal que
possa ser modificada em função de circunstâncias - muito menos de natureza
legal. O que pode acontecer com a legalização da parceria civil é uma maior
visibilidade pública dos casais homossexuais em função da sua melhor aceitação
social. Isso não significa que houve um aumento no número de homossexuais,
mas sim que uma maior tolerância na sociedade foi alcançada. Por que, afinal, os
casais "normais" deveriam temer a união civil de homossexuais se estão seguros
da orientação do seu desejo sexual e se esta lei não os impede de levar adiante
sua vida "normal"?
A lei de parceria civil recentemente aprovada pelo Parlamento
Alemão contém, no entanto, apenas uma parte dos direitos almejados pelos
homossexuais. Falta ainda uma lei complementar que depende da aprovação do
Conselho Federal, a outra instância de deliberação máxima do país. Importantes
pontos da lei como, por exemplo, a declaração conjunta de imposto de renda e o
recebimento de ajuda social e auxílio moradia até agora não foram aprovados. O
58
direito de adoção, um dos aspectos mais polêmicos do debate sobre a união civil,
nem sequer foi abordado no Parlamento, demonstrando a distância que separa a
previsão legal de igualdade de direitos dos cidadãos do seu efetivo cumprimento.
Para os conservadores, por outro lado, que nem se dispuseram à negociação
política do projeto, esta primeira parte já teria ido longe demais. Esta primeira
parte reconhece a existência legal da união dos homossexuais e define
responsabilidades e direitos mútuos como registro oficial, seguro assistencial e de
saúde conjuntos, direito a nome e aluguel conjuntos, bem como a permanência de
parceiros estrangeiros no país. O maior problema dos conservadores nesta
discussão parece ser a sua absoluta rejeição da idéia de que o relacionamento de
pessoas do mesmo sexo venha a ser regrado juridicamente. O efeito de seus
preconceitos é tão forte que eles não querem sequer imaginar uma situação em
que a homossexualidade não possa mais ser descrita como "clandestina" e que
possa ser aceita pelo "reverenciado" Estado.
Os preconceitos estão baseados em declarações religiosas e não
comprovadas de uma suposta necessidade da família heterossexual como base e
modelo da sociedade. A fixação numa única possibilidade de relação sexual leva
não apenas à recomendação compulsiva desta como "normal", mas também à
proibição de qualquer outra perspectiva possível. A intolerância frente aos
relacionamentos homossexuais leva à intromissão na vida íntima de outras
pessoas com o objetivo de julgar o que é "correto" e o que é "incorreto". Em que
direito poderia estar baseado esse comportamento autoritário e discriminador?
Se os direitos das minorias e a convivência com as diferenças são
pressupostos para a democracia, os preconceitos e a discriminação contra
homossexuais significam uma forma de violência e um retrocesso em nossa
cultura, que precisam ser combatidos por todos os que se engajam na construção
de uma sociedade justa e humana. O reconhecimento da união civil de
homossexuais na Alemanha representa um progresso no sentido da diminuição da
intolerância na história humana e serve de exemplo de um movimento bem-
sucedido de resistência à opressão que, pela sua existência e reconhecimento,
vem gerando rupturas históricas e culturais. Aqui no Brasil ainda não é
59
mencionado em nosso novo Código Civil a União entre homossexuais, porém
alguns juizes já estão sendo favoráveis ao contrato civil entre os mesmos, até no
que tange a adoção nossos tribunais já vem avançado. Haja visto, o caso do filho
da cantora Cássia Eller, que após a sua morte está sob a guarda de sua
companheira Maria Eugenia.
8-CONCLUSÃO
Conclui-se que a família como entidade intermediária entre a
sociedade e o indivíduo nunca esteve tão em discussão quanto na última década
na sociedade brasileira.
Necessário se faz afirmar que a família não existe como entidade
única, universal, que se aplica a todas as culturas e realidades humanas. Os
conceitos e expressões tradicionais sobre família não mais valem para a família
moderna. A família patriarcal, tradicional, com papéis masculinos, femininos,
direitos e deveres claramente definidos está de fato deixando de existir No
entanto, a família não se reduz a papéis ou funções predeterminados porque está
em constante interação, sofrendo e impondo ações e reações, com os demais
sistemas - como o próprio indivíduo, a sociedade, a religião, a escola e a
economia.
Nesse sentido, é preciso mudar o foco de análise da família como
unidade objetiva, precisa, positivada, para uma noção mais complexa, sistêmica,
ou mesmo "pós-moderna".
A teoria familiar ensina que a família é um sistema aberto composto
por subsistemas (conjugal, parental, filial, fraterno). Ela subsiste através de um
relativo equilíbrio, mas sofre e gera modificações em suas relações. Embora
possamos identificar papéis, limites, fronteiras, segredos, mitos etc., não podemos
60
generalizar ou querer que determinadas características de uma família seja
padrão para todas.
É aqui que se fundamenta a afirmação "não existe uma família
universal". Se de pronto já abandonamos o "ideal de família", começamos a nos
embrenhar na selva das possibilidades e de diferentes manifestações de relações
familiares. Da saudável à doente, da exemplar à disfuncional, da ideal para a
possível. Começamos, portanto, a contemplar todas as possíveis (e imagináveis)
manifestações familiares.
A família ainda é - e quero crer que não deixará de ser - o lugar
privilegiado de crescimento, desenvolvimento de valores, afetos e emoções
responsáveis por estruturar os indivíduos e, por fim, da sociedade. Mas, isso não
pode significar apenas alegrias, prazeres saudáveis ou amor eterno. Sendo fiel ao
conceito de desconstrução do filósofo Derrida, é preciso ver o inverso inerente a
todo conceito ou realidade da existência humana. Onde há amor, existe como
correlato negativo e positivador, o ódio; onde há afeto há violência, onde há
carinho há negação de existência, onde há idealização há negação e morte.
choque com os últimos acontecimentos nas relações familiares (no
mundo inteiro, e não só no Brasil) não passa de uma primeira reação àquilo que
era negado, escondido e rejeitado. E apontam para a necessidade de (re)
pensarmos as relações familiares não tão somente da ótica da moral imperante,
mas também das morais e sofrimentos subjacentes a ela. Podemos afirmar que é
preciso pensar a família em termos "pós-modernos", ou seja, contemplar a
pluralidade e as complexidades das manifestações familiares, dos sofrimentos e
das experiências humanas. A pós-modernidade se caracteriza pela negação de
grandes narrativas e explicações para as complexidades da vida e deixa espaço
para a manifestação de toda complexidade existente na construção da vida
humana.
Somente assim poderemos começar a não apenas nos assustar com
as diferentes manifestações de relacionamento familiar, mas compreender o que
acontece com as múltiplas possibilidades humanas desse vínculo. Daí em diante,
61
poderemos trabalhar por um relacionamento do tipo familiar mais saudável,
funcional e, eventualmente, mais feliz!
Com o equilíbrio da família também teremos um Estado que não
mais precisará intervir na vida da família, onde as leis existirão para a organização
do Estado, não mais como sanção, pois já estará implícita na consciência de cada
cidadão. Ainda estamos longe de tamanha evolução social, aliás evolução moral,
mas o que se espera é que as mudanças da lei possam alcançar as necessidades
sociais e assim diminuir os conflitos.
Há algo que não podemos deixar de colocar no que tange ao Direito
de Família, pois sua própria concepção precisa ser repensada e mudada: os
operadores do Direito que trabalham nessa área deveriam, obrigatoriamente, ter
uma formação específica, ou pelo menos serem escolhidos entre aqueles que têm
mais aptidão, vocação para tratar de assuntos tão delicados e melindrosos. Não
basta uma qualificação técnica processual, é necessário também um olhar e uma
escuta diferenciada para o tratamento e julgamento das questões familiais. Muitos
conflitos e muitos dos longos e tenebrosos processos judiciais, poderiam ser
evitados se já estivéssemos aplicando aqui no Brasil, a exemplo do que já ocorre
em outros países, a já conhecida Mediação. Seria um outro grande passo para
evitar as degradantes “estórias” dos restos do amor levadas ao Judiciário.
A tão esperada e anunciada reforma do Judiciário, não pode
prescindir e desconsiderar que os conflitos de família levados à justiça deveriam
receber um tratamento diferenciado e especializado, sob pena de se continuar
fazendo muita injustiça. Mas a beira do caos em que se encontra nossa entrevada
justiça não é responsabilidade somente do Poder Judiciário. O legislativo deveria
fazer também sua meia culpa. Uma legislação mais moderna para os
procedimentos processuais também é essencial para a agilidade dos processos.
Certamente os tribunais de família no Brasil funcionariam melhor se tivessem
instrumentos legislativos mais adequados.
62
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Jurídica Brasileira, fev./mar. de 2001, p. 28.
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