62
1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO PSICOLOGIA JURÍDICA MONOGRAFIA DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS POR: CARLA CRISTINA CARDOSO VIMERCATI ORIENTADOR: CARLOS ALBERTO CEREJA DE BARROS TURMA: 482 MATRÍCULA: 25672

DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

1

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO

PSICOLOGIA JURÍDICA MONOGRAFIA

DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS

POR: CARLA CRISTINA CARDOSO VIMERCATI ORIENTADOR: CARLOS ALBERTO CEREJA DE BARROS

TURMA: 482

MATRÍCULA: 25672

Page 2: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO

PSICOLOGIA JURÍDICA MONOGRAFIA

TEMA: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS

OBJETIVOS DA MONOGRAFIA: Através deste trabalho busco mostrar as modificações na

legislação no que tange ao Direito de Família e apontar a evolução social da Família, que hoje é também chamada de nucleada, posto que o modelo padrão de família utilizado nos primórdios do Direito Romano e no Código Civil de 1916, já não é um padrão e nem modelo a ser seguido. E a necessidade de adequação das Leis ao novo modelo de família é verificado através de hábitos, costumes e comportamentos, onde a profissão da mulher era do lar, e fazia-se necessário protegê-la e a sua prole, freqüentemente abandonada à própria sorte, após dissolvida a relação conjugal. Hoje existe a Lei do Divórcio, o preceito constitucional da isonomia, e a mulher mudou. Ela é tão independente quanto o homem, competindo de igual para igual, consequentemente tendo o mesmo tempo para se dedicar aos filhos, as vezes tendo menos tempo do que o pai. E por conseguinte, o homem também mudou, com a independência da mulher ele aprendeu a fazer os serviços domésticos e muitos cuidam dos filhos.

Com a evolução da sociedade, os costumes também evoluíram, sendo necessário alterarmos também nossos conceitos, nossas idéias pré-concebidas de que o homem não é merecedor e nem tem responsabilidade suficiente para cuidar dos filhos. Assim como aceitar que hoje temos as famílias formadas por homossexuais. E um novo instituto aceito pela nossa Constituição da República Federativa do Brasil, o da União Estável, trazendo uma nova forma de se constituir uma famíla.

Diante de tantas modificações sociais, só restava ao legislador adequar o nosso Código Civil a nova realidade social.

Page 3: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por ter me permitido chegar até

aqui com saúde. Agradeço a minha mãe pelo carinho e o amor

incondicional, pelas horas de dedicação, respeito e compreensão.

Agradeço ao meu irmão, pelo tempo dedicado a min, pela amizade e o companheirismo.

Page 4: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

4

RESUMO O trabalho busca mostrar que estamos vivendo um processo

histórico importante de transformação, onde a quebra da ideologia patriarcal

impulsionada pela revolução feminista são os elementos determinantes. Mas não

se pode falar em desagregação. É irrefutável a premissa de que a família é, foi e

será sempre a célula básica da sociedade. É a partir daí que torna-se possível

estabelecer todas as outras relações sociais, inclusive os ordenamentos jurídicos.

Sexo, casamento e reprodução sempre foram paradigmas

estruturadores para a organização jurídica sobre Direito de Família. A evolução do

conhecimento científico - somada ao fenômeno da globalização, ao declínio do

patriarcalismo e à redivisão sexual do trabalho - fez uma grande transformação da

família, especialmente a partir da segunda metade deste século. Como será a

família desse novo século, se aqueles elementos estão dissociados, já não lhe

servem de esteio. Não é necessário mais sexo para reprodução, e o casamento

legítimo não é mais a única maneira de se legitimar as relações sexuais.

A transformação das relações de família e a conseqüente liberdade

dos sujeitos, provoca também uma conscientização maior de direitos e deveres.

Com isto, aumentam as reivindicações ao Estado-Juiz e a expectativa de que este

possa dar uma solução para os desarranjos familiares.

Em razão dessas modificações a Constituição Federal de 1988, em

seu art. 226 § 3º, reconheceu, para efeito de proteção do Estado, a união estável

entre o homem e a mulher como entidade familiar, e nesse efeito, instituiu,

inclusive, norma programática no sentido de a lei facilitar sua conversão em

casamento, assim como alguns juizes já estão sendo favoráveis ao contrato civil

entre homossexuais, porém nosso Código Civil ainda não faz menção a união

entre homossexuais. Há de se ressaltar que em relação as nossas Leis referente a

Família já houve uma grande evolução. O que tornaria mais fácil a aplicação

dessas leis seria a flexibilidade nas decisões por parte dos operadores do direito.

Page 5: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

5

METODOLOGIA

A pesquisa se deu através:

De decisões de nossos Tribunais;

Palestras envolvendo o tema;

Das modificações realizadas no Código Civil Brasileira;

De entrevistas realizadas pela TV Justiça, vinculada a OAB - Ordem dos

Advogados do Brasil;

E através de bibliografias sobre o tema.

Page 6: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

6

Sumário

1-INTRODUÇÃO..........................................................................................................07 2-CÓDIGO CIVIL VIGENTE E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL....................................12 2.1-Breve histórico sobre a tramitação legislativa do Projeto de Código Civil..............................................................................................................................15 2.2-O Projeto de Código Civil em sua fase atual adequação constitucional do Direito de Família...................................................................................................................18 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família e o Projeto de Código Civil na fase atual................................................................................................33

3-INTERESSES DO DIREITO DE FAMÍLIA NO NOVO CÓDIGO CIVIL............................................................................................................................35 4-ALGUMAS NOVIDADES DO NOVO CÓDIGO CIVIL..............................................36 4.1-Para os cônjuges ..................................................................................................36 4.2-Para os companheiros ..........................................................................................37 4.3-Quanto ao regime de bens ...................................................................................38 4.4-Quanto à separação e ao divórcio.........................................................................39 4.5-Quanto à guarda dos filhos....................................................................................39 4.6-Quanto ao parentesco...........................................................................................40 4.7-Quanto a filiação....................................................................................................40 4.8-Quanto a adoção...................................................................................................41 4.9-Quanto ao poder familiar.......................................................................................42 4.10-Quanto aos alimentos..........................................................................................43 5-DIREITO DE FAMÍLIA NESTE SÉCULO .................................................................46 5.1-Incompreensão da família constitucionalizada......................................................47 5.2-A família da travessia do século............................................................................49 5.3-Os restos do amor.................................................................................................50 5.4-Falência dos tribunais de família...........................................................................51 6-NOVO CÓDIGO E A UNIÃO ESTÁVEL...................................................................53 7-UM NOVO MODELO DE FAMÍLIA...........................................................................58 7.1-União civil de homossexuais: por que não?..........................................................58 8-CONCLUSÃO...........................................................................................................61 8.1-BIBLIOGRAFIA......................................................................................................64

Page 7: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

7

1-INTRODUÇÃO

A primeira e fundamental instituição romana de educação é a

Família de tipo patriarcal, germe de uma sociedade mais vasta, que vai da cidade

ao império: os patres governam a coisa pública. Educador é o pai, que na

sociedade familiar romana desempenha também as funções de senhor e de

sacerdote - paterfamilias.

Nesta obra educativa colaborava também a mãe, principalmente

nos primeiros anos e no concernente aos primeiros cuidados dos filhos, sendo em

Roma, mais considerada a mulher do que na Grécia, dadas as suas

predominantes qualidades práticas. O fim da educação é prático-social: a

formação do agricultor, do cidadão, do guerreiro. Essencialmente práticos e

sociais são os meios: o exemplo, o treinamento ministrado pelo pai que faz o filho

participar de suas atividades agrícolas, econômica, militar e civil, a tradição

doméstica e política - mos maiorum; e a religião - pietas - entendida como prática

litúrgica, sendo a religião, em Roma, diversamente do que era na Grécia,

sumamente pobre de arte e de pensamento. E tudo isso sob uma disciplina

severa. Enfim, prático-social era o próprio conteúdo teórico da educação, a

instrução propriamente dita, que se reduzia a uma aprendizagem mnemônica de

prescrições jurídicas, concisas e conceituosas - as leis das doze tábuas - que

regulavam os direitos e os deveres recíprocos naquela elementar mais forte

sociedade-agrícula-política-militar.

No direito romano, já havia a preocupação com a constituição da

família e dos filhos advindos dessas uniões. A fonte do Pátrio Poder é o

nascimento de filhos havidos em núpcias regulares. Presumia-se a filiação

legítima se o parto se dera, no mínimo, 180 dias da data em que se contraiu o

matrimônio ou, no máximo, 300 dias após a dissolução do casamento.

O reconhecimento da criança dependia do pai. Antigamente fazia-

se mediante a formalidade de tomar o recém-nascido em seus braços, na falta de

tal reconhecimento da paternidade, podia-se através de uma ação especial,

provocar uma decisão a respeito.

Page 8: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

8

A transmissão do pátrio poder de um paterfamilias a outro, sobre

uma pessoa alieni iuris, chamava-se adoção (adoptio). Por este meio, um

filusfamilias saía de sua família de origem, para entrar na família do adotante.

Para romper o liame com a família de origem era necessário que

se praticasse a venda fictícia do filho. A Lei das XII Tábuas previa a perda do

pátrio poder, caso o filho tivesse sido vendido três vezes pelo pai, depois da

terceira venda, ele era cedido ao adotante, que assim adquiria sobre o adotado o

pátrio poder.

A educação romana sofreu necessariamente uma profunda

modificação quando o antigo estado-cidade, desenvolvendo-se e expandindo-se

para a nova forma do estado imperial - entre o terceiro e o segundo século a.C.

Evidentemente, a família não estava mais à altura de ministrar

esta nova e mais elevada instrução. As famílias das mais altas classes sociais

hospedaram em casa um mestre, geralmente grego, para atender as exigências

culturais e pedagógicas das famílias menos abastadas, vão-se, aos poucos,

constituindo escolas - ludi - de instituição privada sem ingerência alguma do

estado.

A família se constituía a partir do matrimônio. No direito pós-

clássico no primeiro momento é importante salientar que o matrimônio foi sempre

monogâmico. O casamento era considerado pelos romanos como a união entre o

homem e a mulher com o fim de estabelecer uma comunhão de vida íntima e

duradoura.

No modo jurídico era um estado de fato que não surgia, como o

atual, da troca inicial de consentimento, mas da permanência da união com

características matrimoniais. Essas características eram a convivência e a

intenção de ser marido e mulher. A colocação da mulher à disposição de seu

marido era indispensável sendo a entrada da mulher na casa de seu marido a

melhor prova. Para que o casamento fosse válido o direito romano exigia

requisitos. O primeiro concerne a idade. O homem deveria ser pubes (púbere), e a

mulher viripotens (núbil). No direito romano a puberdade e a nubilidade

verificavam-se na base do desenvolvimento físico, ou habitus corporis. Mais tarde

Page 9: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

9

Justiniano, seguindo a opinião dos Proculianos, determinou que a puberdade

datasse dos catorze anos e a nubilidade dos doze anos. Quanto a idade máxima,

as leis caducarias haviam aconselhado os sessenta e os cinqüenta anos

respectivamente para homens e para mulheres. O direito Justiniano não admitiu

limite máximo de idade. O segundo se baseia no consentimento. Era

indispensável o consentimento dos esposos e, se não fossem sui iuris, o

consentimento daqueles que os tivessem sob o poder, in potestate.

Para o filius familias era obrigatório o consentimento do

paterfamilias, mas para a filia familias bastava o consentimento tácito, ou

subentendido. Em caso do veto por parte de um paterfamilias com conseqüente

insatisfação de um ou dos noivos era previsto em lei o ato de recorrer ao pretor,

que intervinha para obter o consentimento necessário. Em caso de deficiência

mental do paterfamilias, era dispensado o consentimento para as filhas. A loucura

do noivo impedia a conclusão do casamento, mas não obstava ao matrimônio já

concluído.

O casamento no direito clássico, caso o pai fosse prisioneiro de

guerra, o filho podia casar-se sem o seu consentimento, enquanto no direito

justiniâneo essa possibilidade se estendeu a todos os casos, mas prolongada

durante três anos; o filho e a filha somente poderiam matrimoniar-se antes de

esgotado esse prazo se com alguém digno da aprovação paterna.

O terceiro requisito era o connumbium ou faculdade de contrair

casamento válido segundo o ius civile. Essa faculdade desaparece por motivos

oriundos do parentesco, da afinidade, da diferença de condição social ou de outra

natureza. No direito antigo, o matrimônio é também proibido entre parentes em

linha colateral até o sexto grau. No império essa proibição se atenua, pois é

permitido o casamento entre primo-irmãos (quarto grau), com dispensa imperial;

esse casamento foi mais tarde vedado, para ser enfim permitido, sob Justiniano,

mesmo sem dispensa. Não permitido casamento entre tio e a sobrinha ou entre o

sobrinho e a tia, exceção admitida entre tio paterno e sua sobrinha para

possibilitar o casamento de Cláudio com Agripina, filha de seu irmão Germânico, e

que vigorou até o Imperador Constâncio.

Page 10: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

10

A afinidade é impedimento ao matrimônio. Impossibilita o

casamento entre sogra e genro, sogro e nora, padrasto e enteada, madrasta e

enteado. Na época cristã a proibição alcança a linha colateral, vale dizer, o

casamento entre cunhados e cunhadas. Era proibido o casamento entre patrícios

e plebeus e entre ingênuos e libertos. Mas essas leis desapareceram com a lei da

Canuléia e a Segunda com a lei Iulia de Maritandis Ordinibus. Uma oratio de

Marco Aurélio e Cômodo determinou que o tutor e seus dependentes não

pudessem casar-se com a pupila antes de prestadas as contas da tutela.

O casamento como é de nosso conhecimento não excluía a

mulher de sua família de origem, se ela fosse aliene iuris, ou do poder dos

tutores. O homem não adquiria potesta sobre a mulher. Mas o marido podia

repudia a adúltera e promover sua condenação criminal. O pai podia matar a filha

adúltera e o cúmplice surpreendido em flagrante. Os filhos procriados durante o

casamento eram filhos legítimos e cidadãos romanos, ingressam na pátria

potestas do marido ou do pater deste. A mulher prendia-se aos filhos pelos elos da

cognação, que não derivavam propriamente do matrimônio.

O casamento se dissolvia pela morte de um dos cônjuges, pelo

desaparecimento do connubium, pela superveniência do impedimento e pelo

divórcio.

Dissolvia-se o matrimônio com o desaparecimento da intenção dos

cônjuges de serem marido e mulher. O casamento romano tinha a base

nitidamente consensual. Sendo fundado num acordo, que se devia sempre

renovar e permanecer, extinguia-se quando esse acordo cessasse. O divórcio

corria, portanto, da natureza consensual do matrimônio e exige igualmente o firme

propósito de separação definitiva.

Pode-se definir o divortium como a dissolução do casamento pela

vontade de um dos cônjuges ou de ambos. Os divórcios eram no direito antigo

muito pouco freqüentes. O repudio da mulher pelo marido era autorizado quando a

mulher é adultera, bebe vinho ou aborta. Durante o direito clássico não se chegou

a estabelecer um elenco de causas permissíveis e punitivas do divórcio. Apenas

no Império cristão é que se iniciam as tentativas de combate ao divórcio.

Page 11: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

11

Justiniano reafirmou a necessidade de formalidade no repúdio e ajuntou novas

causas justas de divórcio à lei Teodosiana de 449 ou, mediante interpolações, a

loucura perigosa e incurável e a captura na guerra depois de um qüinqüênio. O

concubinato, o contubernium, ou união entre escravos cujos efeitos jurídicos se

restringiam em engendrar; No direito Justiniano, um parentesco especial, a

cognation vilis; O casamento realizado entre peregrinos, reconhecido pelo direito

peregrino; O matrimônio iuris gentium ou iniustum, formado pela união entre

romano e peregrino, entre peregrinos de cidades diferentes ou entre deditícios que

o ius gentium regulava; E finalmente, o concubinato. O concubinato era a união

entre o homem e a mulher não ingênua e honesta. A lei Iura de adulteriis, de

Augusto, punia como stuprum a relação sexual extraconjugal com mulher de

condição social honrada (honesta). Entre pessoas in quas stuprum non comititur,

isto é, com mulher de diferente qualidade, era lícita a união, que configurava

precisamente o concubinato.

Page 12: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

12

2-O CÓDIGO CIVIL VIGENTE E A CONSTITUIÇÃO

FEDERAL

A importância da codificação do Direito Civil acentua-se pela própria

relevância desse ramo do Direito, que é o direito comum a todas as pessoas.

Dentre os ramos do Direito Civil destaca-se o Direito de Família, que

disciplina as relações de ordem pessoal e patrimonial que afetam a pessoa

dentro do núcleo familiar.

A importância da família, como instituição geradora e formadora de

pessoas, faz dela a célula essencial para a preservação e o desenvolvimento dos

membros que a integram e da nação.

O Código Civil vigente, oriundo do inesgotável saber de Clovis

Bevilaqua, embora seja um diploma legal de inegável valia, entrou em vigor no

início do século XX e não está adaptado aos novos valores e princípios

constitucionais, além de ter sofrido a incidência de múltiplas leis, bem como ter a

seu lado a vigência de tantas outras, o que dificulta a interpretação, em prejuízo

da ordem jurídica.

A preocupação marcante de nossa codificação civil residiu nas

relações patrimoniais, tendo como princípio basilar a autonomia da vontade -

poder da pessoa de praticar ou não um certo ato, de acordo com a sua vontade.

Era preciso, quando nosso Código Civil foi promulgado, garantir a atividade

econômica privada e a estabilidade nas relações jurídicas de cunho privado.

Movimentos sociais, a industrialização, duas Grandes Guerras quebraram aquela

estabilidade e passou a ser inevitável a intervenção estatal na economia e nas

relações privadas, com a chamada socialização do Direito Civil, que perdeu o

caráter individualista e passou a voltar-se à proteção do indivíduo integrado na

sociedade.

As atenções voltaram-se para a pessoa em si mesma, à tutela de

sua personalidade, de sua dignidade como ser humano.

O Código Civil deixou de ser o único diploma legal a regular a

matéria. Várias leis foram promulgadas.

Page 13: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

13

As Constituições da República Federativa do Brasil passaram a

versar sobre matérias de Direito Privado.

A Constituição de 1988, atualmente em vigor, chegou ao ápice desse

movimento, estabelecendo a dignidade da pessoa humana como fundamento da

República e princípios que tutelam várias relações de Direito Privado, dentre os

quais se destacam aqueles referentes às relações de família.

As profundas transformações ocorridas nas relações de família no decorrer deste

século receberam a devida atenção no plano constitucional, tendo em vista a

almejada e merecida proteção aos membros de uma família, como se verifica na

consagração dos princípios da absoluta igualdade entre pessoas casadas, da total

isonomia entre filhos, independentemente de sua origem, da proteção à união

estável e à família monoparental (arts. 226 e 227).

Merece algumas linhas a chamada constitucionalização do Direito Civil, teoria que

vem ganhando adeptos, em face da interpenetração do Direito Constitucional e do

Direito Civil, da interferência do Estado nas relações privadas e dos vários

dispositivos da Constituição da República que regulam relações entre particulares.

A corrente de pensamento que defende a idéia de um Direito Civil

Constitucionalizado tem embasamento na nova posição que assumiu o Direito

Constitucional, com vistas à defesa da posição do indivíduo não só frente ao

Estado, mas, também, frente a outros indivíduos, inclusive em suas relações

familiares.

Embora a Constituição da República de 1988 regulamente interesses

de ordem privada, não chega a substituir o Código Civil, sendo prejudicial à

uniformidade do sistema legislativo a continuidade do estado atual em que o

Código Civil em vigor não está adaptado à Lei Maior e várias leis regulam,

isoladamente, institutos jurídicos de ordem civil.

Não há uma constitucionalização do Direito Civil, o que ocorre é o tratamento pela

Constituição Federal de institutos de Direito Civil.

Há, hoje em dia, uma unidade hermenêutica, devendo ocorrer a

interpretação das regras de Direito Civil, de acordo com os princípios

constitucionais, sem que isto retire a autonomia desse ramo do Direito.

Page 14: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

14

Isto se verifica com facilidade no Direito de Família. A Constituição Federal, em

seu art. 226, § 5º estabelece a plena igualdade entre os cônjuges e é sob esse

princípio que devem sem interpretadas as regras de Direito de Família, constantes

do Código Civil em vigor, com a verificação das normas que a Lei Maior

recepcionou (estão em vigor), derrogou (estão parcialmente em vigor) e ab-rogou

(não estão em vigor).

A Constituição da República deu as linhas mestras de alguns dos

principais institutos de Direito Privado, principalmente no Direito de Família, mas

não chega ao ponto de dispensar uma regulamentação mais ampla desses e de

outros institutos do Direito Civil por um novo Código, que urge seja promulgado. A

descodificação não é a solução adequada, em nosso modo de ver é indispensável

que um diploma legal devidamente atualizado forneça as balizas mestras e

regulamente as relações privadas.

Como diz Guy Braibant - vice-presidente da Comissão Superior de

Codificação da França: "codifica-se nos períodos em que o direito chegou a um tal

nível de dispersão e de proliferação que se torna insuportável.

Nesse nível está nossa legislação civil.

A codificação é necessária, eis que sistematiza a matéria, o que

facilita sua compreensão e interpretação, cabendo à legislação especial

regulamentar matérias que nela não estejam previstas, sem, no entanto, substitui-

la.

2.1-Breve histórico sobre a tramitação legislativa do projeto de

código civil

O atual Projeto de Código Civil (634-C/75) tem sua origem no

Anteprojeto elaborado por Comissão constituída em 1969, por Miguel Reale, como

supervisor, José Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio

Marcondes, Ebert Chamou, Clovis do Couto e Silva e Torquato Castro.

No ano de 1975 foi encaminhado ao Congresso Nacional. Teve sua redação

aprovada pela Câmara dos Deputados, onde recebeu várias emendas, e foi

remetido ao Senado no ano de 1984, sob o nº 118/84.

Page 15: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

15

No Senado foi arquivado, até que em 1991 foi constituída Comissão,

para reapreciá-lo, com a nomeação do Senador Josaphat Marinho como Relator

Geral.

No Senado Federal recebeu inúmeras emendas, sendo 140 delas

referentes ao Livro do Direito de Família.

Teve sua redação aprovada pelo Senado Federal, publicada no

respectivo Diário, em 11.12.1997.

Quando o Projeto encontrava-se no Senado, foi realizado, em co-

autoria com o Professor Álvaro Villaça Azevedo, sugestões legislativas no que se

refere ao Livro do Direito de Família, publicadas na Revista dos Tribunais,

volumes 730/11-49 e 731/11-47, eis que nessa fase da tramitação legislativa

caberiam inúmeras modificações e inovações. Algumas dessas sugestões foram

acolhidas pelo Senado Federal, como se verifica no texto que essa Casa do

Congresso aprovou e no Parecer do respectivo Relator - Senador Josaphat

Marinho.

Em face do longo processo legislativo do Projeto de Código Civil, não

obstante o esforço e a acuidade do Senador Josaphat Marinho, restaram, em sua

redação aprovada pelo Senado Federal, lapsos e inconstitucionalidades,

especialmente na parte referente ao Direito de Família.

Retornou à Câmara dos Deputados, onde foi nomeada Comissão

Especial, tendo o Deputado Ricardo Fiuza como Relator Geral, para apreciar as

emendas feitas no Senado.

De acordo com o processo legislativo, já que o Projeto de Código

Civil estava aprovado pelas duas Casas do Congresso Nacional, competiria,

nesta fase, à Câmara dos Deputados, na qual se iniciou a tramitação, a votação

para o exame da admissibilidade e do mérito da proposição inicial e das emendas

aprovadas pelo Senado Federal.

No entanto, também caberia a apresentação de emenda substitutiva

formal, com vistas ao aperfeiçoamento da técnica legislativa, na conformidade do

Regimento Interno da Câmara dos Deputados, então em vigor.

Page 16: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

16

Nessa fase, ainda seria possível realizar emendas ou subemendas de redação,

para sanar vício de linguagem ou lapso manifesto.

Existente, também na conformidade daquele Regimento, o instituto

da prejudicialidade, de modo a ser declarada prejudicada a matéria pendente de

deliberação, por haver perdido a oportunidade.

O Deputado Antonio Carlos Biscaia, Relator Parcial da Comissão

Especial da Câmara dos Deputados, realizou, então, profícuo trabalho, quanto ao

Livro do Direito de Família, em que se utilizou dos expedientes regimentais e

procurou suprir falhas do Projeto, de modo a sanar defeitos de redação e lapsos

manifestos, bem como reconhecer a prejudicialidade de dispositivos cuja

oportunidade não se faz presente, principalmente no que concerne à sua

adequação à Constituição da República de 1988.

Conforme apontado em seu Parecer, a simples aprovação ou

rejeição das emendas realizadas pelo Senado Federal, por parte da Câmara dos

Deputados, importaria em grave omissão dessa Casa do Congresso Nacional,

sendo indispensável a utilização dos citados instrumentos regimentais,

especialmente para sanar evidentes inconstitucionalidades.

Enviou-se, por meio do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de

Família, presidido pelo Professor Rodrigo da Cunha Pereira, à Comissão Especial

da Câmara dos Deputados, destinada a apreciar e proferir Parecer sobre as

Emendas do Senado Federal ao Projeto de Lei nº 634, de 1975, outras sugestões,

apontando lapsos evidentes, a legislação promulgada durante a tramitação do

processo e as inconstitucionalidades ainda existentes, inobstante o esforçado

trabalho do Deputado Antonio Carlos Biscaia, em seu Relatório Parcial.

Foi, então, aprovada relevante alteração no Regimento Comum do

Congresso Nacional, por meio da Resolução nº 01, de 2000, pela qual foi

possibilitada a adequação do Projeto de Código Civil às alterações constitucionais

e legais promulgadas no curso de sua longa tramitação.

Essa alteração inserida no Regimento Comum do Congresso

Nacional é de suma importância, eis que possibilita a adequação do Projeto de

Page 17: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

17

Código Civil às alterações legais, e não só constitucionais, que estão em vigor

desde sua apresentação.

Como afirmou o Deputado Ricardo Fiuza, o texto do Projeto de

Código Civil continha, ainda, além de inconstitucionalidades, dispositivos

superados pela legislação que entrou em vigor durante sua longa tramitação,

sendo que a rigidez regimental anterior dificultava a sua atualização.

Observamos em artigo anterior, publicado na Revista Qualimetria, nº 103, ano XII,

março 2000, p. 22 a 28, que chegara a oportunidade da qual deveria utilizar-se o

Poder Legislativo, para aprimorar, ainda mais, o Projeto de Código Civil,

especialmente na matéria do Direito de Família, que ainda carecia de

aperfeiçoamentos.

Foram realizadas pelo Relator Geral do Projeto na Câmara dos

Deputados - Deputado Ricardo Fiuza - importantes alterações no Projeto de

Código Civil, com a finalidade de adequá-lo às alterações constitucionais e legais

aprovadas no curso de sua tramitação, especialmente no que se refere ao Direito

de Família.

Consoante estabelece a referida Resolução 01/2000, o Relatório do

Deputado Ricardo Fiuza, contendo aquelas adequações, foi encaminhado ao

Senado Federal, onde foi submetido à respectiva Comissão de Constituição e

Justiça, que ofereceu Parecer votado e aprovado pelo Plenário do Senado.

Os Pareceres conclusivos da Câmara dos Deputados foram votados e aprovados

pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, em 29.11.2000.

Na presente fase, aguarda-se a votação pela Câmara dos Deputados do Projeto

de Código Civil, cujo texto atual, no que se refere ao Direito de Família, acolheu

algumas de nossas sugestões e será a seguir analisado.

2.2-O Projeto de Código Civil em sua fase atual e as adequações

constitucionais e legais no Direito de Família

Nas Disposições Gerais sobre casamento, foram eliminadas todas as

Page 18: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

18

referências à legitimidade da família oriunda de matrimônio civil, em respeito à

Constituição da República de 1988.

Enquanto a Constituição anterior previa, em seu art. 175, que "A

família é constituída pelo casamento", a atual Lei Maior estatui, no caput do art.

226, que "A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado", e o

mesmo artigo, em seus §§ 1° e 2°, trata do casamento civil e religioso,

reconhecendo, no § 3°, a união estável como entidade familiar para efeito de tutela

do Estado, e considerando, também como tal, a família monoparental, em seu §

4°.

Dessa forma, tanto a união estável como a família monoparental

perderam o caráter da ilegitimidade, em face do que a criação da família deve ser

havida como efeito do casamento, sem qualquer qualificação.

Além disso, o art. 227, § 6°, da atual Constituição da República, veda as

designações discriminatórias no âmbito da filiação, atribuindo iguais direitos e

qualificações aos filhos oriundos ou não da relação matrimonial.

Não pode mais haver na família a qualificação de legítima ou ilegítima. A família

tanto pode ser constituída pelo casamento, como pela união estável, como, ainda,

por um dos genitores e sua prole.

Assim, ao invés de estabelecer, como ocorria na redação anterior,

aprovada em 1984, que "O casamento estabelece comunhão plena de vida, com

base na igualdade dos cônjuges, e institui a família legítima", o Projeto, em sua

redação atual, suprimiu a parte final do dispositivo.

Para o casamento é necessário o preenchimento de requisitos,

dentre os quais está a idade núbil, que no Projeto, em sua redação anterior,

continha desigualdade entre os sexos, sendo, então, de dezesseis anos para a

mulher e de dezoito anos para o homem.

Insistimos, em nossa sugestões, que deveria ser estabelecido o

mesmo limite de idade para o casamento de homens e mulheres, em face da

igualdade entre os sexos, imposta pelo art. 5º, inciso I da Constituição da

República.

O texto atual do Projeto de Código Civil foi devidamente adequado à

Page 19: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

19

Constituição Federal, estabelecendo que: "O homem a e mulher com dezesseis

anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus

representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.".

Apontamos a necessidade de modificação do dispositivo que previa o

casamento de quem não alcançou a idade núbil, o qual utilizava a expressão

"menor incapaz", cujo significado trazia dúvida sobre essa idade, se dezesseis ou

dezoito anos.

O texto atual contém a seguinte regra: "Excepcionalmente, será

permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil, para evitar

imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez da mulher.".

Verifica-se, ainda, que foi substituída a inadequada referência à honra da mulher,

como causa do suprimento judicial de idade, pela hipótese de gravidez da mulher,

em atendimento ao princípio constitucional de proteção à família.

É adequado possibilitar não só à mulher, mas também ao homem, a

adoção do sobrenome do outro nubente, pelo casamento, como consta do Projeto

de Código Civil, em consonância com o princípio constitucional da absoluta

igualdade entre os sexos. Sugerimos, em substituição ao termo "patronímico", a

utilização da expressão sobrenome, de conhecimento popular, em consonância

com os almejos da legislação mais moderna, que tem em vista a utilização de

linguagem acessível a todos e não só à pessoas com elevado padrão de cultura e

aos operadores do Direito.

O texto atual estabelece a seguinte regra: "Qualquer dos nubentes,

querendo, poderá acrescer aos seus o sobrenome do outro".

A possibilidade de modificação do regime de bens, após o

casamento foi sugerida por nós e acolhida pelo Senado Federal (v. "Sugestões ao

Projeto de Código Civil - Direito de Família", em co-autoria com Álvaro Villaça

Azevedo, RT 731/17 e 18).

O princípio da irrevogabilidade do regime de bens não pode ser

absoluto; assim como os nubentes podem estabelecer o regime de bens que lhes

aprouver antes do casamento, deve-se-lhes possibilitar a alteração do regime

Page 20: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

20

patrimonial durante o casamento, com a fiscalização do Poder Judiciário e a

preservação dos interesses de terceiros.

Essa sugestão já havia sido acolhida pelo Senado, anteriormente,

sendo que constava falha redacional, por nós apontada, com a previsão da

irrevogabilidade do regime de bens, corrigida pelo texto atual, nos seguintes

termos: "O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do

casamento", sendo "admissível alteração do regime de bens, mediante

autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a

procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros"

No que se refere à administração dos bens comuns do casal, alerta-

se para a necessidade de melhores reflexões.

Há atos que podem ser praticados unilateralmente pelos cônjuges,

sem a necessidade de prática conjunta, como a alienação de bens móveis, os atos

de mera administração de bens do casal, a celebração de contrato de locação etc.

Obrigar o casal a praticar todos os atos de direção da sociedade

conjugal em conjunto, como sugeria o Parecer do Relator Parcial, engessaria as

atividades mais comuns das pessoas casadas.

Não se pode pretender que os cônjuges devam praticar

conjuntamente todos os atos de administração dos bens comuns. Se a prática

conjunta viesse a ser exigida, até mesmo a venda de um carro e a mera

transferência de numerário de uma conta bancária para outra, exigiriam a outorga

conjugal.

O texto atual do Projeto de Código Civil contém regra adequada a

essas reflexões: "A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração,

pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos", que já era o

texto aprovado anteriormente pelo Senado Federal.

Discordamos da eliminação, proposta anteriormente pelo Senado e

pelo Parecer do Relator Parcial na Câmara, de dispositivo, que constava da

proposição original da Câmara dos Deputados, sobre a administração dos bens

comuns, segundo o qual "Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá

Page 21: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

21

recorrer ao juiz, desde que as questões sejam essenciais e não se trate de

matéria personalíssima".

A inexistência desse dispositivo poderia conduzir à idéia do não

cabimento da intervenção do Poder Judiciário para solucionar contenda sobre a

administração de bens, embora vigore o princípio geral de que a lei não excluirá

da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

O texto atual retomou a proposição original, nos seguintes termos:

"Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá

tendo em consideração aqueles interesses".

Lembramos, em nossas sugestões anteriores, que consta do Projeto

regra pela qual É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir

na comunhão de vida constituída pelo matrimônio. Então, se suprimido o

dispositivo antes referido, poderia surgir a interpretação de que ao Poder

Judiciário estaria vedada a intervenção para solucionar conflitos na esfera da

direção da sociedade conjugal.

O Projeto de Código Civil, em sua redação anterior, previa a medida

cautelar de separação de corpos como medida obrigatória antes da propositura

das ações de nulidade do casamento, de anulação ou de separação judicial.

Acentuamos que tal medida deveria ser facultada aos cônjuges e não

ser-lhes imposta, conforme doutrina e jurisprudência pacífica de nossos tribunais,

em face da desnecessidade, em inúmeros casos, da cautela de separação de

corpos. A imposição da medida cautelar, quando desnecessária, serviria apenas

para onerar os cônjuges.

O texto do Projeto de Código Civil, em sua redação atual, dispõe que

"Antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação, a de

separação judicial ou a de dissolução de união estável, poderá requerer a parte,

comprovando sua necessidade, a separação de corpos, que será concedida pelo

juiz com a possível brevidade".

Em sua redação original, o Projeto de Código Civil, na separação

judicial com fundamento no descumprimento de dever conjugal, ao mesmo tempo

em que reproduziu a norma constante do art. 5º, caput, da Lei do Divórcio:

Page 22: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

22

Qualquer dos cônjuges poderá propor ação de separação judicial, imputando ao

outro cônjuge ato ou conduta que importe em violação grave dos deveres do

casamento e torne insuportável a vida em comum, voltou ao antigo sistema do

Código Civil, das causas taxativas, ao estabelecer que Considerar-se-á impossível

a comunhão de vida se ocorrer algum dos seguintes motivos: I - adultério; II -

tentativa de morte; III - sevícia ou injúria grave; IV - abandono voluntário do lar

conjugal durante um ano contínuo; V - condenação por crime infamante; VI -

conduta desonrosa.

Já alertávamos, em trabalho publicado em 1990, sobre as falhas

desse sistema híbrido: uma norma genérica e uma regra limitativa, a gerar dúvidas

de interpretação, além de constituir um retrocesso ao antigo e revogado sistema

do Código Civil e implicar a perda da evolução alcançada, na matéria, pela Lei do

Divórcio, sob a inspiração do Código Civil francês (Regina Beatriz Tavares da

Silva Papa dos Santos: Dever de Assistência Imaterial entre Cônjuges, Rio de

Janeiro, Forense Universitária, 1990, p. 100 e 101). Nas Sugestões ao Projeto de

Código Civil feitas em co-autoria com o Professor Álvaro Villaça Azevedo, renova-

se esse alerta (RT 730/34). E também reitera-se esse posicionamento in

"Reparação Civil na Separação e no Divórcio", São Paulo: Saraiva, 1999, p. 97.

O sistema das causas genéricas é o melhor, eis que o juiz, diante do

fato ou causa concreta da separação, enquadra-o na causa legal.

No sistema das causas taxativas, o Julgador fica atado ao que está determinado

em lei, a causa concreta da separação judicial será obrigatoriamente uma

daquelas elencadas na disposição legal.

Buscando, então, remediar aquele erro, o Senado, na redação

anterior, acrescentou regra pela qual O juiz poderá considerar outros fatos, que

tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.

E o texto atual do Projeto de Código Civil, tendo em vista a

eliminação de interpretações que possam considerar taxativo aquele elenco de

causas, substituiu a expressão "Considerar-se-á impossível a comunhão de

vida..." nos seguintes termos: "Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão

de vida..."

Page 23: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

23

Observamos que nossa sugestão legislativa original era de

possibilitar a separação judicial com base na impossibilidade de manutenção da

comunhão de vidas, independentemente de grave violação de dever conjugal ou

de separação de fato, embora deva ser sempre facultado ao cônjuge o pedido de

declaração da responsabilidade do consorte, pelo descumprimento de dever

matrimonial, inclusive pela via reconvencional, com vistas às conseqüências que

daí derivam, incluindo a possibilidade do pedido de reparação de danos morais e

materiais decorrentes do ato ilícito praticado (v. "Sugestões ao Projeto de Código

Civil - Direito de Família", antes referidas, RT 730/32 e 33, Regina Beatriz Tavares

da Silva Papa dos Santos: "Reparação Civil na Separação e no Divórcio", antes

referida.

Na separação fundada em separação de fato prolongada, o texto

atual do Projeto corrigiu o lapso temporal, que na redação anterior do Senado era

de dois anos, estabelecendo, em adequação à Lei 6.515/77, o prazo de um ano de

separação de fato.

Discordamos da proposta anterior, constante do Parecer do Relator

Parcial na Câmara dos Deputados, que sugeria a supressão de outra causa da

separação judicial, pela qual O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial

quando o outro estiver acometido de grave doença mental, manifestada após o

casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que,

após uma duração de cinco anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura

improvável.

A idéia de que esse dispositivo teria perdido a razão de existir, em

face do divórcio direto, baseada em comentário do festejado anotador Theotonio

Negrão, não levava em conta as conseqüências daquela separação remédio, que

devem ser diferenciadas dos efeitos do divórcio direto.

Enquanto o cônjuge mentalmente doente merece proteção especial,

inclusive de benefícios de cunho patrimonial na partilha de bens, como a seguir é

visto, as partes na ação de divórcio direto, que é fundamentada na pura e simples

separação de fato prolongada, devem ser tratadas sem qualquer proteção

especial ao requerente ou ao requerido.

Page 24: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

24

Em razão do prazo estabelecido constitucionalmente para a

dissolução do vínculo conjugal, consideramos possível a apresentação de emenda

para diminuir o prazo de duração da doença, de 05 (cinco) para 02 (dois) anos,

sugestão que foi acolhida no texto atual, nos seguintes termos: "O cônjuge pode

ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de grave

doença mental, manifestada após o casamento, que torne impossível a

continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a

enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável".

Outra importante alteração constante do texto atual do Projeto de

Código Civil foi a correção de lapso manifesto, que apontamos no dispositivo

sobre a reversão de bens levados ao casamento e remanescentes, que, no texto

anterior, aplicava-se, indiscriminadamente, ao cônjuge enfermo e ao cônjuge que

pleiteia a separação judicial com fundamento na separação de fato prolongada.

Observamos as notórias diferenças entre essas duas causas de

separação judicial: grave doença mental do cônjuge e simples separação de fato

prolongada, que devem ter, por conseguinte, conseqüências diversas. Aquela

inadequada conseqüência de modificação do regime de bens, em benefício do

cônjuge demandado e com prejuízo ao cônjuge autor da ação de separação

judicial "ruptura", precisava ser eliminada.

O texto atual estabelece aquela alteração do regime de bens

somente em benefício do cônjuge enfermo.

Outro lapso evidente eliminado no texto atual, que constava da

redação anterior, era a manutenção de dispositivo pelo qual a separação judicial

pode ser negada se constituir causa de agravamento das condições pessoais ou

da doença do cônjuge, ou determinar conseqüências morais, mesmo que graves

aos filhos menores.

Quando a desunião se instala, pela separação de fato ou pela

doença mental de um dos cônjuges, não pode haver mal maior à prole do que a

manutenção forçada do casamento de seus pais.

Se a separação de fato ou enfermidade mental desfaz a comunhão

física e espiritual entre os cônjuges, é precisamente em face do desequilíbrio que

Page 25: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

25

passa a existir no conjunto familiar que deve haver a possibilidade do

desfazimento desse casamento, resguardando-se o doente mental, conforme

antes salientado (v. "Sugestões ao Projeto de Código Civil - Direito de Família",

antes citadas, RT 730/33).

Como já dizíamos em trabalho anterior, os prejuízos acarretados ao

cônjuge, desde que oriundos do descumprimento de dever conjugal, em face da

ilicitude desse ato, são reparáveis, mas por outra forma, que não a da manutenção

forçada do casamento (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos:

"Reparação Civil na Separação e no Divórcio", antes citada).

O nome é direito da personalidade, que na expressão do saudoso

Professor Carlos Alberto Bittar opera a "ligação entre o indivíduo e a sociedade em

geral", identificando a pessoa em suas relações profissionais e sociais (v. Carlos

Alberto Bittar: "Os Direitos da Personalidade", Rio de Janeiro, Forense

Universitária, 1999, 3ª ed. Revista por Eduardo C. B. Bittar).

Sua aquisição dá-se pelo nascimento, com o respectivo registro,

podendo ser modificado, com o casamento, por meio da aquisição do sobrenome

marital, na conformidade da legislação em vigor e do projeto de Código Civil.

A Constituição da República, em seu art. 5º, tutela os direitos da personalidade,

estabelecendo sua inviolabilidade.

Pois bem, após a aquisição do sobrenome do cônjuge, sua perda,

determinada na redação anterior do Projeto, em caso de ser a mulher vencida na

ação de separação judicial ou de ser dela a iniciativa da ação de separação

judicial baseada na separação de fato, feria o referido direito da personalidade, e,

por essa razão, o dispositivo era inconstitucional.

O texto atual corrigiu aquela inconstitucionalidade, estabelecendo

que "O cônjuge vencido na ação de separação judicial perde o direito de usar o

nome do outro, desde que expressamente requerido pelo vencedor e se a

alteração não acarretar I - evidente prejuízo para sua identificação; II - manifesta

distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; III

- dano grave reconhecido na decisão judicial. § 1º O cônjuge vencedor na ação de

separação judicial poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o

Page 26: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

26

nome do outro. § 2º Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome

de casado".

Quanto ao divórcio, direto ou por conversão, o texto atual contém o

seguinte dispositivo: "Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por

conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado, salvo, no segundo caso,

dispondo em contrário a sentença de separação judicial".

O Projeto de Código Civil, na redação anterior, mantinha o antiquado

regime da perda da guarda pela culpa na separação e a prevalência feminina na

fixação da guarda dos filhos diante de culpas recíprocas dos cônjuges na

separação judicial.

A culpa na separação judicial não deve ser razão determinante da

perda da guarda, que deve ser estabelecida sob o princípio da prevalência dos

interesses dos menores, que podem não ser preservados pelo cônjuge inocente.

Na hipótese de culpas recíprocas a outorga da guarda à mãe

aplicava-se e adequava-se ao direito do início do nosso século e não aos tempos

de hoje.

Essa regra fundava-se em costumes ultrapassados, pelos quais a

mulher, que via de regra era senhora do lar e não exercia profissão, dedicava-se,

com exclusividade, aos filhos e ao lar, razão pela qual era tida como a melhor

indicada para deles cuidar.

Atualmente, grande parte das mulheres trabalha fora do lar,

alteraram-se os costumes, ambos os cônjuges exercem profissão e dividem as

tarefas e os cuidados para com os filhos, de modo que devem ser tidos, a

princípio, em iguais condições de guardá-los, cabendo ao juiz, no caso concreto,

avaliar qual deles está mais habilitado ao exercício da guarda, sem qualquer

prevalência feminina (v. "Sugestões ao Projeto de Código Civil - Direito de

Família", antes mencionadas, RT 730/38).

Em suma, as normas anteriores não ofereciam proteção aos filhos,

razão pela qual eram inconstitucionais, violando o art. 227 da Constituição da

República, que impõe à família, à sociedade e ao Estado a tutela dos direitos das

crianças e dos adolescentes.

Page 27: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

27

Além disso, pai e mãe devem ser tratados pela lei em absoluta

igualdade de condições, sob pena de grave violação à Constituição da República,

que estabelece a isonomia entre homens e mulheres (art. 5º, inciso I) e entre

cônjuges (art. 226, § 5º).

Insistimos na necessidade de nova redação ao dispositivo, que foi

acolhida no texto atual: Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja

entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem

revelar melhores condições para exercê-la.

O texto atual também eliminou o dispositivo que atribuía à mãe a

prevalência na guarda, no caso de culpas recíprocas.

E, ainda, o texto atual dispõe que "verificando que não devem os

filhos permanecer em poder do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à

pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência

levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de

acordo com o disposto na lei específica".

Agravava-se aquela prevalência feminina no Projeto, em sua redação

anterior, ao dispor que se houver sido homologada somente a separação de

corpos, o juiz, atendendo às circunstâncias relevantes da vida dos cônjuges e de

suas famílias, deferirá a guarda dos filhos preferencialmente à mãe.

Então, presumia o Projeto que a mulher é a pessoa mais adequada,

sempre, ao exercício da guarda dos filhos, devendo o juiz fixá-la em seu favor, na

homologação de separação de corpos.

E se a mãe não for a pessoa mais adequada ao exercício da guarda

dos filhos? Mesmo assim os filhos ficarão sujeitos à guarda materna, enquanto

perdurar o procedimento judicial de separação? Por quanto tempo? Certamente

muito tempo, em prejuízo dos próprios filhos - crianças e adolescentes.

O filho deve ficar sob a guarda do genitor que melhor proteger seu

bem estar - seja mãe ou pai.

Por essas razões, sugerimos a supressão desse dispositivo, em face

de sua inconstitucionalidade.

Page 28: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

28

O texto atual do Projeto corrigiu aquela inconstitucionalidade,

estabelecendo que "Em sede de medida cautelar de separação de corpos,

aplicam-se quanto à guarda dos filhos as disposições do artigo antecedente", ou

seja, aplica-se o princípio da prevalência dos interesses e bem estar do filho.

Em razão da demora inerente à tramitação das ações de separação

judicial com pedido unilateral, é previsto na legislação atual (Lei 6.515/77, art. 25)

que o prazo de um ano, para sua conversão em divórcio, pode ser contado da

medida cautelar correspondente.

O dispositivo constante do Projeto de Código Civil, em sua redação

anterior, incidia em lapso evidente, que foi por nós apontado, ao eliminar a medida

cautelar como início da contagem daquele prazo.

O texto atual corrigiu aquela falha, fazendo a devida adequação à

legislação promulgada durante a tramitação do Projeto de Código Civil, nos

seguintes termos: Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que

houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida

cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua

conversão em divórcio".

Quanto ao divórcio direto, foi modificada a redação do dispositivo,

que previa a conversão da separação de fato por dois anos em divórcio,

estabelecendo-se que: O divórcio poderá ser requerido por um ou por ambos os

cônjuges, comprovada a separação de fato durante dois anos.

Tanto no divórcio-conversão como no divórcio-direto, foi eliminado o

requisito da prévia partilha de bens, já que não há razão para impor-se àquela

primeira forma de dissolução do vínculo conjugal um maior rigor do que na

segunda, lembrando-se que a Súmula 197 do Superior Tribunal de Justiça

considera desnecessária a partilha prévia no divórcio direto.

O Projeto, em sua proposição original, por ter sido votado

anteriormente à Constituição Federal de 1988, continha dispositivos que

estabeleciam designações discriminatórias e desigualdades entre os filhos.

Apontamos essas inconstitucionalidades em"Sugestões ao Projeto de Código Civil

- Direito de Família", antes citadas, RT 730. O Senado Federal já havia corrigido a

Page 29: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

29

maior parte dessas desigualdades. No texto atual foram realizadas mais

adequações ao princípio constitucional da absoluta igualdade entre os filhos.

Em busca da obtenção da verdade real nas relações de filiação, em

adequação ao princípio constitucional da igualdade entre os filhos e ao ECA -

Estatuto da Criança e do Adolescente -, cujo art. 27 prevê que o direito ao

reconhecimento da filiação é direito personalíssimo, imprescritível, a ser exercido

sem qualquer restrição, consoante nossas sugestões, foi estabelecida a

imprescritibilidade da ação contestatória da presumida paternidade no casamento.

Pelas mesmas razões foram suprimidos vários dispositivos que

restringiam a possibilidade de alcance da verdade real em relações de filiação,

tratando-se de pessoas casadas.

Assim, foi eliminada a vedação ao reconhecimento da maternidade,

quando tivesse por fim atribuir à mulher casada filho havido fora do casamento,

disposta na redação anterior do Projeto de Código Civil. Diante dessa vedação,

contrária aos princípios constitucionais da absoluta igualdade entre homens e

mulheres e entre filhos, como observamos anteriormente, uma mulher solteira,

que tivesse um filho e não o reconhecesse, não poderia fazê-lo se viesse a casar

com pessoa que não fosse o pai de seu filho, o que é patente absurdo.

Do texto atual também consta a supressão de artigo que previa a

impossibilidade de contestação da paternidade de filho nascido cento e oitenta

dias antes de estabelecida a convivência conjugal, se o marido tinha ciência, antes

do casamento, da gravidez da mulher ou se assistira pessoalmente a lavratura de

termo de nascimento sem contestar a paternidade.

Também foi suprimido dispositivo que limitava a contestação da

paternidade às hipóteses de impossibilidade de coabitação durante o estimado

período de fecundação.

Já tendo sido suprimido o vetusto dispositivo que estabelecia como

efeito jurídico do casamento a criação da família legítima e a legitimação dos filhos

comuns antes dele nascidos ou concebidos, na votação anterior do Senado

Federal, esse artigo fora substituído por outro, nos seguintes termos: "o

Page 30: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

30

casamento importa o reconhecimento dos filhos comuns, antes dele nascidos ou

concebidos".

O reconhecimento de filhos, que, em nossa opinião, não deveria ser

presumido pela lei, em razão do casamento, é incabível se o casamento dos pais

é posterior à sua concepção ou ao seu nascimento.

Na redação atual, o Projeto de Código Civil suprimiu o dispositivo,

acolhendo nossas sugestões.

A união estável, como forma de constituição de família, reconhecida

pela Lei Maior, em seu art. 226, § 3º, deixou de ser regulamentada pela lei por

longos anos, recebendo apenas a proteção das duas outras formas de expressão

do Direito: doutrina e jurisprudência.

Após a Constituição da República, duas Leis (8971, de 29.12.1994 e

9278, de 10.05.1996) passaram a versar sobre a união estável.

A matéria da união estável, que não era tratada na redação original do Projeto de

Código Civil, recebeu emenda senatorial, pela qual era estabelecido o prazo de

cinco anos para sua existência, reduzido a três anos diante de filho comum.

Como dissemos, em sugestões anteriores, as uniões estáveis formam-se e

desenvolvem-se de maneira natural e espontânea (v. Sugestões ao Projeto de

Código Civil - Direito de Família, antes referidas, RT 730), de modo que não deve

ser estabelecido prazo para que passe a gerar efeitos jurídicos.

Relações estáveis, com a formação de família e patrimônio comum, podem

ocorrer antes do decurso do prazo de cinco anos, que era estabelecido no Projeto.

Cabe ao legislador somente estatuir seus requisitos, conforme faz a Lei atual -

9276/96: união duradoura, pública e contínua, com a constituição de família.

O texto atual do Projeto de Código Civil retirou o requisito temporal,

adaptando o dispositivo aos pressupostos da legislação vigente, com a seguinte

redação: "É reconhecida como entidade familiar à união estável entre o homem e

a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida

com o objetivo de constituição de família".

Pelas regras do Projeto, na redação da referida emenda senatorial,

somente haveria união estável se os companheiros não tiverem impedimento

Page 31: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

31

matrimonial. Isto significa que as pessoas separadas judicialmente não poderiam

constituir união estável.

União estável não pode existir se os conviventes forem casados, eis

que haverá, neste caso, a prática de adultério. Mas com a separação judicial deixa

de existir a sociedade conjugal, extingui-se o dever de fidelidade, não havendo

razão para vedar a produção de efeitos à união estável de pessoas separadas

judicialmente, como observamos em sugestões anteriores.

O texto atual do Projeto passou a possibilitar a existência de união

estável às pessoas com estado civil de separadas judicialmente.

No entanto, segundo o texto atual, "A união estável não se constituirá

se ocorrerem os impedimentos do art. 1520 (art. 1521 na proposição original), não

se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar

separada de fato". Ao mesmo tempo, logo a seguir, o texto atual dispõe que

"Poderá ser reconhecida a união estável diante dos efeitos do art. 1581", artigo

este que na proposição original está numerado como art. 1580 e prevê a extinção

do dever de fidelidade somente com a separação judicial.

Diante dessa remissão, parece-nos não ser possível a existência de

união estável às pessoas casadas, já que o dever de fidelidade conjugal extingue-

se somente com a separação judicial.

Caso contrário, estaremos diante de um avanço excessivo, que não

se coaduna com o princípio constitucional de proteção à família, já que a situação

de uma pessoa casada, que apenas deixe de coabitar com o cônjuge e não

regularize seu estado civil, passando a conviver com terceira pessoa, não deve

gerar efeitos de união estável, sob pena de haver grave turbação familiar e

patrimonial, sem que se possa concluir qual é a relação que deve gerar efeitos e

delimitar qual é o patrimônio pertencente ao cônjuge ou ao convivente.

A título de exemplo do que dissemos, imaginemos a seguinte hipótese: uma

pessoa casada, no regime da comunhão parcial de bens, que deixe de coabitar

com o cônjuge e no dia seguinte passe a conviver com terceira pessoa, realizando

a compra de um bem logo após a separação de fato. A quem se comunicaria esse

bem? Ao cônjuge ou ao convivente?

Page 32: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

32

Lembramos que o regime de bens, na conformidade do art. 1581 da

redação original, não alterada na fase atual, prevê a vigência do regime de bens

no casamento até a separação judicial. E recordamos, ainda, que na situação

acima apresentada, desde que provada a participação do companheiro na

aquisição de bens, em razão da vedação ao enriquecimento ilícito, ficam

resguardados os seus direitos, com base nos princípios da sociedade de fato.

Como efeitos da união estável, consoante redação anterior da emenda senatorial,

são efeitos pessoais da união estável os deveres de lealdade, respeito e

assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos, e efeitos patrimoniais o

regime da comunhão parcial de bens, salvo convenção válida em contrário.

2.3-A dignidade da pessoa humana no direito de família e o

projeto de código civil na fase atual

Nossa Constituição elegeu a dignidade da pessoa humana como

fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III).

Todos os princípios constitucionais referentes à família, antes

analisados, têm vista a preservação da dignidade de seus membros.

Embora as relações familiares tenham conteúdo principalmente afetivo, sua

preservação e a preservação de seus membros pelo Direito é indispensável e

decorre do princípio da tutela da dignidade da pessoa humana, devendo ter como

base a isonomia entre os cônjuges, a igualdade entre os conviventes, a igualdade

entre os filhos e a proteção de todas as uniões familiares, oriundas ou não de

casamento, que hoje têm a garantia constitucional.

Na família, a dignidade da pessoa humana, em todo o alcance dessa

expressão, deve ser assegurada tanto no curso das relações familiares como

diante de seu rompimento, cabendo ao Direito oferecer instrumentos para impedir

a violação a esse valor maior.

Page 33: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

33

Na conformidade da exposição feita pelo Deputado Ricardo Fiuza -

nobre Relator Geral da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, nomeada

para proferir Parecer sobre as Emendas do Senado Federal ao Projeto de Código

Civil - o Livro de Direito de Família recebeu especial atenção, da qual resultou a

formulação de artigos que preservam a dignidade dos membros de uma família.

Observe-se que, uma vez aprovado um novo Código Civil, inclusive

durante o período que antecederá a sua entrada em vigor - vacância - poderão ser

apresentados novos projetos de lei com a finalidade de inserir dispositivos nesse

diploma legal ou alterar artigos dele constantes.

Note-se, ainda, que, se não aprovado o atual Projeto de Código Civil,

embora seja possível a apresentação de outro Projeto de Lei, enquanto se

aguardar sua tramitação, que não terá curta duração em razão da importância e

abrangência do Direito Civil, este relevante ramo do Direito estará sujeito à

regulamentação atual, repleta de graves dificuldades de interpretação, já que,

evidentemente, o Código Civil em vigor está se adaptando aos novos valores e

princípios constitucionais.

Page 34: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

34

3- INTERESSES DO DIREITO DE FAMÍLIA NO NOVO CÓDIGO CIVIL

Saliento a induvidosa importância a nova filosofia que embasa todo o

novo Código Civil. Nesse sentido, anoto a mudança de rumos para melhor, na

ênfase dada à primazia da ética, do social e do operacional, em comparação com

o Código de 1916, aspectos ressaltados pelo prof. Miguel Reale, principal artífice

do atual e para quem a inclusão desses valores essenciais são os pilares.

Mestre Reale explicou que ele e seus companheiros redatores do

anteprojeto procuraram superar o apego do Código Bevilaqua ao formalismo

jurídico, fruto, a um só tempo, da influência recebida do Direito tradicional

português e da escola germânica dos pandectistas, aquele decorrente do valioso

trabalho empírico dos glozadores; esta dominada pelo tecnicismo institucional

haurido na admirável experiência do Direito romano. E, que, não obstante os

méritos desses valores técnicos, não era possível deixar de reconhecer, em

nossos dias, a indeclinável participação dos valores éticos no ordenamento

jurídico, sem abandono, é claro, das conquistas da técnica jurídica, que com

aqueles se deve compatibilizar.

Justifica, ainda, o Prof. Miguel Reale, que buscaram superar o

manifesto caráter individualista de um código então previsto para aplicação num

Brasil daquela época, um País agrícola, com 80% da população no campo. Hoje o

quadro é radicalmente outro, com 80% do povo brasileiro ativo nas cidades, numa

alteração de 180 graus na sua mentalidade, inclusive pela influência dos

modernos meios de comunicação (já acessíveis aos que moram no campo e que,

por isso mesmo, têm usos e costumes mais atualizados que os dos seus bisavós).

Essa alteração naturalmente terá de, cada vez mais, condicionar o interesse

particular ao coletivo, para disciplinar a vida comunitária. Daí a necessidade do

predomínio do social sobre o individual.

Page 35: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

35

4-Algumas novidades do novo Código Civil

O Novo Código Civil entrou em vigor em janeiro deste ano (2003), e

nos traz um monte de novidades.

4.1-Para os cônjuges

- A habilitação, a celebração e a primeira certidão do casamento civil são

absolutamente gratuitos para quem declarar, sob as penas da lei, a própria

pobreza. O religioso terá efeito civil desde que os nubentes procedam à

habilitação civil e levem, até 90 dias da sua celebração, a respectiva certidão ao

Cartório do Registro. (arts. 1.512, 1.515, 1.516).

- Desde que autorizados pelos pais, o rapaz e a moça com 16 anos podem casar.

Excepcionalmente o juiz poderá autorizar casamento de quem não tenha

completado essa idade, em caso de gravidez ou para evitar pena criminal. (art.

1.520).

-Qualquer dos nubentes poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro. (art. 1565

§1).

-A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e

pela mulher. (art. 1.567)

-Ambos são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos

do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja

o regime patrimonial. (art. 1.568)

-É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da

comunhão. (art. 499)

Page 36: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

36

4.2-Para os companheiros-

É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o

homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura

e estabelecida com o objetivo de constituição de família. A união estável

poderá se constituir se a pessoa for casada mas separada de fato ou

judicialmente. (art. 1.723)

-É válida a instituição do companheiro como beneficiário, se ao tempo do contrato

o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato. (art.

793)

- Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às

relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. (art.

1.725)

-A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos

companheiros ao juiz e assento no Registro Civil. (art. 1.726)

-Antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação, a de

separação judicial, a de divórcio direto ou a de dissolução de união estável,

poderá requerer a parte, comprovando sua necessidade, a separação de corpos,

que será concedida pelo juiz com a possível brevidade. (art. 1.562)

-As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar,

constituem concubinato. E, para configurar a chamada sociedade de fato entre os

simples concubinos, mas que somam esforços na aquisição de patrimônio, poderá

ser aplicável o princípio constante do novo direito de empresa: o de que celebram

contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir,

com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre

Page 37: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

37

si, dos resultados. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais

negócios determinados. (arts. 1.727, 981)

4.3-Quanto ao regime de bens

- É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos

seus bens, o que lhes aprouver. Esse princípio enseja a celebração de pacto

antenupcial que “mistura” normas de vários regimes de bens, ou convencione a

opção por determinado regime: os especificados são o da comunhão universal de

bens; o da comunhão parcial de bens; o da separação convencional de bens; o da

separação obrigatória de bens; e o novidadeiro regime de “participação final nos

aqüestos”, que certamente jamais será escolhido pelos noivos. (art. 1.639)

- E, na ausência - ou nulidade - do pacto, prevalecerá o da comunhão parcial.

Será obrigatório o regime da separação legal de bens quando o casamento for de

nubente maior de 60 anos, independe do seu sexo, ou de menor que se case por

necessária autorização judicial. (arts. 1.640, 1641, II)

- É nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não

lhe seguir o casamento. (art. 1.653)

- O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do

casamento, mas, agora passou a ser admissível a sua alteração mediante

autorização judicial em pedido motivado, formalizado por ambos os cônjuges,

apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de

terceiros. (art. 1.639)

-Os pactos antenupciais farão parte do processo de habilitação para o casamento

no Cartório do Registro Civil, mas somente terão efeito perante terceiros depois de

inscritos, em livro especial, pelo oficial do Registro de Imóveis do domicílio dos

Page 38: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

38

cônjuges e, se empresário qualquer deles, na Junta Comercial. (art. 1.640, §

único)

4.4-Quanto à separação e ao divórcio

- Antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação, a de

separação judicial, a de divórcio direto ou a de dissolução de união estável,

poderá requerer a parte, comprovando sua necessidade, a separação de corpos,

que será concedida pelo juiz com a possível brevidade. (art. 1.562)

- A qualquer tempo após a celebração do casamento, um dos cônjuges poderá

ajuizar contra o outro ação de separação litigiosa desde que lhe impute - e

comprove - ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e torne

insuportável a vida em comum. Também pode pedir a separação litigiosa, mas

sem necessidade de acusar o outro de qualquer infração, o cônjuge que estiver a

mais de um ano com ruptura da vida em comum. (art. 1.572)

- Agora será possível, depois de apenas um ano da celebração do casamento, e

não mais dos dois que eram exigidos, a separação judicial consensual. (art. 1.572,

§ 1º)

- O divórcio por conversão continua possível após decorrido um ano da sentença

da separação judicial ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação

de corpos. O “divórcio direto” poderá ser decretado após comprovada separação

de fato há mais de dois anos. O novo casamento do divorciado não modificará os

direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, nem importará em restrições aos

seus direitos e deveres. (arts. 1.580, 1.579)

4.5-Quanto à guarda de filhos

Page 39: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

39

- A guarda de filhos será na conformidade do acordo entre os pais; no caso de

litígio, será atribuída pelo juiz a quem revelar melhores condições (não são

financeiras) para exercê-la. Considerando ambos sem condições, o juiz deferirá a

guarda à pessoa (de preferência parente próximo) que revele compatibilidade com

a natureza da medida. (art. 1.584)

-O pai, ou a mãe, que não detenha a guarda, poderá visitar os filhos e tê-los em

sua companhia segundo o que acordar com o outro cônjuge ou for fixado pelo juiz,

bem como fiscalizar sua manutenção e educação. Essas disposições quanto aos

filhos menores se estendem aos maiores incapazes. (arts. 1.589, 1.590)

4.6-Quanto ao parentesco

-Agora, somente são considerados, para os fins legais, parentes - além daqueles

em linha direta e que não tem limites (pais, avós, bisavós, trisavós, etc., e filhos,

netos, bisnetos, trinetos, etc.) - os parentes em linha colateral ou transversal, até o

quarto grau (tio avô, “primo irmão”, sobrinho neto) as pessoas provenientes de um

só tronco, sem descenderem uma da outra. O parentesco é natural ou civil,

conforme resulte de consangüinidade ou outra origem. Cada cônjuge ou

companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. O

“parentesco” por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos

irmãos do cônjuge ou companheiro. Na linha reta, a afinidade não se extingue com

a dissolução do casamento ou da união estável. (arts. 1.591 a 1.595)

4.7-Quanto a filiação

-Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os

mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias

relativas à filiação. Ou seja, sobrevive “filho” como substantivo e permanecem

Page 40: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

40

(desde a Constituição Federal/88) proibidos quaisquer adjetivos que pudessem

discriminá-los positiva, ou negativamente. Presumem-se concebidos na

constância do casamento os filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos,

depois de estabelecida a convivência conjugal; ou, nascidos nos trezentos dias

subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial,

nulidade e anulação do casamento; ou, os havidos por fecundação artificial

homóloga, mesmo que falecido o marido; ou, os havidos, a qualquer tempo,

quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial

homóloga; ou, finalmente, os havidos por inseminação artificial heteróloga, desde

que tenha prévia autorização do marido. (arts. 1.596 e 1.597).

- Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo de 10 meses da viuvez

ou casamento desfeito por nulidade, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer

algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos

dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer

após esse período. (art. 1.598)

- Cabe ao marido o direito de contestar - a qualquer tempo - a paternidade dos

filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Contestada a filiação,

os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação. (art. 1.601)

- A ação de investigação e prova de filiação compete ao filho, enquanto viver,

passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz. Se iniciada a ação pelo

filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo. (art.

1.606)

4.8-Quanto a adoção

-O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em

testamento.(art.1.610)

- Só a pessoa maior de dezoito anos pode adotar. A adoção por ambos os

cônjuges ou companheiros poderá ser formalizada, desde que um deles tenha

Page 41: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

41

completado dezoito anos de idade, comprovada a estabilidade da família. O

adotante há de ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o adotado. (arts.

1.618,1.619)

- Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher,

ou se viverem em união estável. Os divorciados e os judicialmente separados

poderão adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime

de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância

da sociedade conjugal (art.1.622)

-A adoção obedecerá a processo judicial, observados os requisitos estabelecidos

neste Código. A adoção de maiores de dezoito anos dependerá, igualmente, da

assistência efetiva do Poder Público e de sentença constitutiva. (1.623)

4.9-Quanto ao poder familiar

-Não se fala mais em “pátrio poder”; agora, os filhos estão sujeitos ao poder

familiar, enquanto menores. Durante o casamento e a união estável, compete o

poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá

com exclusividade. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é

assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo. (art.

1.631)

-Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles

inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum

parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela

segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando

convenha. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe

condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a

dois anos de prisão. (art. 1.637)

Page 42: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

42

4.10-Quanto aos alimentos

- Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os

alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição

social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. São devidos os

alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover,

pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode

fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. (arts. 1.694, 1.695).

-O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a

todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em

falta de outros. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes,

guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos

como unilaterais. (art. 1.696, 1.697)

-Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de

suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato;

sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na

proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão

as demais ser chamadas a integrar a lide. (art. 1.698)

- Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os

supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme

as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo. (art. 1.699)

- obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor. (art.

1.700)

-Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de

recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar. (art. 1.702)

-Se um dos cônjuges separados judicialmente (torna-se óbvia a urgência - do

cônjuge desobrigado de prestar alimentos ao outro - de se divorciar) vier a

Page 43: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

43

necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser

fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação

judicial. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver

parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro

cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à

sobrevivência.(art.1.704)

-Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão

na proporção de seus recursos. (art.1.703)

-Para obter alimentos, o filho havido fora do casamento pode acionar o genitor,

sendo facultado ao juiz determinar, a pedido de qualquer das partes, que a ação

se processe em segredo de justiça. (art.1.705)

-Os alimentos provisionais serão fixados pelo juiz, nos termos da lei processual.

(art.1.706)

-Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos,

sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora. (art.

1.707)

-Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de

prestar alimentos. Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se

tiver procedimento indigno em relação ao devedor. O novo casamento do cônjuge

devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio. (arts. 1.708,

1.709)

-As prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo

índice oficial regularmente estabelecido. (art.1.710)

Page 44: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

44

5-DIREITO DE FAMÍLIA NESTE SÉCULO

Na atualidade o que mais se questiona é: Qual o limite de

intervenção do Estado sobre questões tão íntimas e particulares como aquelas

que são os ingredientes para o Direito de Família? Por exemplo, será que o

Estado não estaria intervindo em excesso na vida privada do cidadão ao

estabelecer que existe um culpado para o fim do casamento? Poderia o Estado

regulamentar detalhadamente as relações afetivas daquelas pessoas que optem

por manter uma relação amorosa sem o selo da oficialidade do casamento? Em

outras palavras, um "Estatuto do Concubinato", projeto de lei em trâmite no

Congresso Nacional, não seria uma invasão à privacidade daqueles que,

exatamente, não desejaram intervenção do Estado em sua vida privada?

Não se pode mais desconsiderar que na objetividade dos atos e

fatos jurídicos permeie uma subjetividade que interfere e determina o mundo

jurídico, particularmente o Direito de Família, que pode ser considerado como a

(tentativa) regulamentação das relações de afeto e as conseqüências daí

decorrentes. A consideração dessa subjetividade advém dessa revelação, por

Freud, da existência do inconsciente e que, portanto, não é somente o sujeito

consciente que prática atos jurídicos, faz e desfaz negócio. Há também o sujeito

inconsciente, repita-se, determinante nas relações jurídicas. O sábio e mestre

Caio Mário da Silva Pereira em seu discurso na Universidade de Coimbra, em

julho de 1.999, quando recebia o título de Doutor Honoris Causa, traduziu, este

novo olhar sobre relações jurídicas, que certamente estará mudando os rumos da

Page 45: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

45

ciência jurídica, ou seja, consideração da subjetividade na objetividade dos atos e

fatos jurídicos.

Pensar e repensar o Direito de Família na atualidade, significa voltar

àquilo que é, por outro lado, mais primitivo e primário, ou seja, compreender as

relações familiares, para, inclusive, entender os nós, as dificuldades de sua

aplicabilidade, a atual política legislativa sobre a família e o entravado poder

judiciário.

5.1-Incompreensão da família constitucionalizada

As relações sociais mais íntimas são justamente as que mais estão

sujeitas à eclosão de conflitos. Por isto mesmo é que as relações familiares são

intrincadas e complexas, como já escreveu Freud. Há aí uma constante polaridade

e amor e ódio nem sempre são excludentes. Mas assim é o ser humano. Assim

são os vínculos familiares.

Fala-se muito, ainda, em crise e desintegração da família. Há quem

atribua isto ao grande número de separações e divórcios. Outros querem

responsabilizar os meios de comunicação, pela divulgação sem censura de uma

certa liberalização das relações sexuais etc. É certo que a família hoje está muito

diferente daquela do início do século passado. Estamos vivendo um processo

histórico importante de transformação, onde a quebra da ideologia patriarcal

impulsionada pela revolução feminista são os elementos determinantes. Mas não

se pode falar em desagregação. É irrefutável a premissa de que a família é, foi e

será sempre a célula básica da sociedade. É a partir daí que torna-se possível

estabelecer todas as outras relações sociais, inclusive os ordenamentos jurídicos.

A Constituição Brasileira de 1.988 absorveu esta transformação e

fez uma verdadeira revolução no Direito de Família a partir de três eixos básicos

Expressou em seu art. 226 a evolução de que a família no limiar do terceiro

milênio é plural e não mais singular. Em outras palavras, existem hoje várias

formas de constituição de família: pelo casamento, pela união estável

(concubinato) e pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus

Page 46: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

46

descendentes.

Apesar da clareza do texto constitucional, alguns operadores do

Direito resistem em entendê-lo e insistem em considerar como família apenas

aquela constituída pelo casamento. É quase inacreditável! É que estes guardiões

da moralidade não podem voltar seu olhar para a realidade e ver, por exemplo: no

Brasil, 55% das uniões entre homens e mulheres, no meio rural, constituem-se

sem o selo da oficialidade, ou seja, vivem em concubinato (união estável). As

famílias constituídas apenas por um dos pais e seus filhos é cada vez maior. Os

menores de rua escancaram uma realidade de vínculos familiares e afetivos, que

fogem totalmente aos padrões aos quais estamos acostumados.

Segundo eixo: o art. 227, § 6º alterou o sistema de filiação ao dizer

que estão proibidas as designações discriminatórias sobre os filhos. Em outras

palavras, não há mais filhos legítimos ou ilegítimos. Filho é filho. Atualmente, a

designação necessária e permitida é apenas de filhos havidos dentro ou fora do

casamento. É claro que filhos fora do casamento continuarão nascendo, enquanto

houver desejo sobre a face da terra, mas discriminá-los está definitivamente

proibido pela lei maior. É incompreensível como alguns renomados juristas

brasileiros continuam usando em seus livros as expressões legítimos e ilegítimos

para designar um estado de filiação.

O terceiro eixo da revolução constitucional reside no art. 5, I e 226, §

5º ao estabelecer o princípio da igualdade entre homens e mulheres. Com isto

mais de cem artigos do nosso Código Civil foram revolvidos. O princípio da

igualdade altera não somente as relações entre cônjuges, mas também

dispositivos sobre a tutela, curatela quando estabelecia para aqueles institutos

uma ordem de preferência masculina para o seu exercício. Mas o princípio da

igualdade não é nada simples. Como fazer, por exemplo, com a idade mínima

para o casamento? Talvez devêssemos mesmo substituir o discurso da igualdade

pelo discurso da diferença.

As mudanças são mesmo muito difíceis. Admiti-las significa

repensar modelos, paradigmas e abrir mão de determinados poderes instituídos.

Devemos nos acautelar e desconfiar sempre daqueles resistentes às mudanças, e

Page 47: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

47

que se posicionam como os guardiões de uma moralidade, como por exemplo,

alguns profissionais do Direito que chegam a afirmar que as novas leis sobre o

concubinato são um incentivo à promiscuidade. Acautelemo-nos. Segundo a

Psicanálise, quanto mais moralizador mais pervertido é o sujeito. Ora, as

mudanças e transformações nos rumos e formas de constituição da família atual

são apenas a expressão e reivindicação da ampliação do espaço de liberdade das

pessoas. E a liberdade é um dos pilares que sustenta do Direito.

5.2-A família da travessia do século

Sexo, casamento e reprodução sempre foram paradigmas

estruturadores para a organização jurídica sobre Direito de Família. A evolução do

conhecimento científico - somada ao fenômeno da globalização, ao declínio do

patriarcalismo e à redivisão sexual do trabalho - fez uma grande transformação da

família, especialmente a partir da segunda metade deste século. Como será a

família desse novo século, se aqueles elementos estão dissociados, já não lhe

servem de esteio. Não é necessário mais sexo para reprodução, e o casamento

legítimo não é mais a única maneira de se legitimar as relações sexuais.

As transformações da família certamente estão associadas a um

novo discurso sobre a sexualidade, cuja base foi formada com a Psicanálise na

virada do século passado. Como será a família do novo século diante de um novo

discurso sobre a sexualidade? A partir da consideração de que a sexualidade é da

ordem do desejo, muito mais que da genitalidade, como sempre foi tratada pelo

Direito, o pensamento contemporâneo ampliou seu entendimento e compreensão

sobre as formas de manifestação do afeto, do carinho e conseqüentemente sobre

as várias formas e possibilidades de se constituir uma família. Tudo isto interessa

ao Direito pois aí reside um sentido de liberdade e libertação dos sujeitos, um

dos pilares que sustenta a ciência jurídica.

Afora a nostalgia de que a família onde cada um de nós foi criado é a

melhor, sua travessia para o novo milênio se faz em um barco que está

transportando valores totalmente diferentes, como é natural dos fenômenos de

Page 48: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

48

virada de século. A travessia nos deixa atônitos, mas traz consigo um valor que é

uma conquista, ou seja, a família não é mais essencialmente um núcleo

econômico e de reprodução onde sempre esteve instalada a suposta

superioridade masculina. Nesta travessia, carregamos a “boa nova” de que ela

passou a ser muito mais o espaço para o desenvolvimento do companheirismo, do

amor e, acima de tudo, embora sempre tenha sido assim, e será, o núcleo

formador da pessoa e fundante do sujeito.

Mas todas essas transformações não estão fáceis de serem

absorvidas, pois a travessia é sempre acompanhada de turbulência, e tendemos a

ver “crise” da família como seu fim. Para os operadores do Direito, as dificuldades

parecem ainda maiores do que realmente são. Ordenar juridicamente as relações

de afeto e as conseqüências patrimoniais daí decorrentes é nosso desafio para

assegurar e viabilizar a organização social. É neste imperativo categórico que está

o “convite ao pensar” as novas representações sociais da família e a compreende-

lá no ordenamento jurídico nesta travessia do milênio.

5.3-Os restos do amor

A transformação das relações de família e a conseqüente liberdade

dos sujeitos, provoca também uma conscientização maior de direitos e deveres.

Com isto, aumentam as reivindicações ao Estado-Juiz e a expectativa de que este

possa dar uma solução para os desarranjos familiares. É assim que os restos do

amor vão sempre parar no Judiciário. O Judiciário é, também, o lugar onde as

partes depositam os restos do amor e têm sempre a esperança de que uma

sentença “milagrosa” venha lhes dar a solução do conflito. Pura ilusão! O

desamparo da separação jamais encontrará o seu amparo ali. Primeiro, porque o

desamparo do sujeito é estrutural. Somos mesmo sujeitos da falta e algo em nós

sempre estará faltando. Segundo, porque o poder judiciário brasileiro para as

demandas familiares está a beira do caos.

Page 49: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

49

5.4-Falência dos tribunais de família

Sinal dos tempos! Na virada do milênio estão emergindo sintomas

nas instituições ditas democráticas que transparecem através do discurso sobre

reforma no Judiciário, corrupção, extinção de determinados tribunais, súmula

vinculante, CPI’s, controle externo do Judiciário, extremecimento e

questionamento da independência dos poderes preconizados por Montesquieu no

século XVII.

Estamos em um momento importante e fértil para reflexão e

entendimento da melancólica incapacidade da Justiça de compreender o seu

papel institucional e social. O aparato judicial, da forma como organizado e

estruturado, não consegue mais sustentar a Justiça idealizada pelo Direito.

Sabemos todos que não é possível democracia sem Justiça; não existe Justiça

sem os aparelhos do Estados (funcionando).

Dentre os males causados pela morosidade do Judiciário, não se

pode deixar de apontar um aspecto especial na Justiça, que são os processos

ligados ao Direito de Família. Nunca é demais repetir que é justamente aí, na

família, que residem, nascem e morrem todas as questões mais fundamentais do

ser humano. É aí que se funda e estrutura-se o sujeito. Por aí transita a

afetividade, o amor paterno, fraterno e conjugal. É a partir daí que se organizam

todas as instituições, inclusive o próprio Estado.

Quando há um conflito na família e chega-se às barras de um

tribunal, o cidadão depara-se, na maioria das vezes, com um outro grande

problema, que é a lentidão do Judiciário, talvez maior que o próprio problema

originário. Ora, Justiça tardia, não é justiça. Sabemos todos que a morosidade do

Judiciário está ligada à questão de sua própria estrutura, hoje inadequada. Mas

não é só isso.

Page 50: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

50

O problema das injustiças ocasionadas pela lentidão desse poder de

Estado, está vinculado também à sua própria concepção. No caso específico da

justiça da família, os procedimentos e regras processuais, sistemática de recursos

são ainda os mesmos de um processo civil comum, onde se discute, por exemplo,

a dissolução de uma empresa, ações comerciais, possessórias etc. A aplicação

dessa mesma sistemática constitui-se como um dos elementos inviabilizadores de

se fazer justiça nas famílias. Se pensarmos que uma cobrança de pensão

alimentícia, geralmente, leva o mesmo tempo e se serve das mesmas regras de

qualquer cobrança comercial, entenderemos porque uma execução de alimentos

transforma-se quase sempre em um calvário.

Também em nome da segurança das relações jurídicas, tentam

fazer-nos acreditar na necessidade de alguma morosidade. Com isto, entre o justo

e o legal, nem sempre coincidentes, muitos julgadores, em nome dessa

“segurança”, vêem-se obrigados a optarem pelo legal. Reside aí também muitas

injustiças, aliás, há muito tempo já anunciadas e denunciadas pelo movimento

iniciado no Sul do Brasil, conhecido pelo, desgastado, nome de Direito Alternativo.

Page 51: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

51

6-NOVO CÓDIGO CIVIL E A UNIÃO ESTÁVEL

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 226 § 3º, reconheceu,

para efeito de proteção do Estado, a união estável entre o homem e a mulher

como entidade familiar, e nesse efeito, instituiu, inclusive, norma programática no

sentido de a lei facilitar sua conversão em casamento.

A dicção constitucional legitimou uma prática social aceitável, qual a

da existência de uniões livres, de duração compatível com a estabilidade das

relações afetivas, diferenciadas daquelas oriundas de comportamento adulterino

que com elas não guardam a mesma identidade jurídica, no plano doutrinário do

direito de família, posto que formadas, essas últimas, por quem mantém relação

de casamento com outrem, íntegra na realidade existencial de continuarem juntos.

Erigido o instituto no plano constitucional, consolidou-se pela Lei

Maior uma farta jurisprudência que o firmou nos pretórios, inicialmente à nível de

uma sociedade de fato, e como tal considerada, sob a inspiração do direito

comercial, afastando, por completo, o caráter sócio-afetivo indissociável de tais

relações, com solução artificial em prejuízo da verdadeira entidade familiar que,

decorrente delas, se constituía.

No influxo do dispositivo constitucional, adveio a Lei nº 8.971, de 29

de dezembro de 1994, a disciplinar o direito dos companheiros a alimentos e à

sucessão, sem definir, contudo, a moldura jurídica do instituto da união estável, o

que veio a acontecer apenas com a Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996.

Page 52: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

52

Este último diploma legal, em seu artigo 1º, edifica o significado da

união estável ao dispor que "é reconhecida como entidade familiar a convivência

duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o

objetivo de constituição de família".

Extrai-se desse significado, em síntese conceitual, o afirmado por

Rodrigo da Cunha Pereira, quando o eminente jurista mineiro reconhece ser a

união estável, o "concubinato não-adulterino".

A rigor, todavia, com o instituto da união estável, efetiva-se

importante distinção entre relações livres e relações adulterinas, expurgando-se o

termo concubinato no tocante às primeiras e reservando-se o mesmo às

adulterinas que, em razão do princípio jurídico da monogamia, não poderá ter o

mesmo tratamento legal, a tanto que em último artigo proposto pela emenda "as

relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar,

constituem concubinato", devendo o termo ser empregado, com doutrina mais

atual, apenas nas uniões de pessoas casadas com terceiros, enquanto

convivendo com seus cônjuges.

Essa distinção tem o seu necessário e maior alcance para configurar,

em sua integralidade, a união estável, envolvendo todas as pessoas aptas ao

instituto, que estiverem em união pública, contínua e duradoura.

É que inúmeras pessoas, mesmo impedidas de casar ( face não

estarem divorciadas ) encontram-se em união estável com outrem, porquanto

separadas de fato ou judicialmente de há muito do seu cônjuge, constituindo nova

família por relações sócio-afetivas consolidadas.

A doutrina tem reconhecido o fenômeno social, a merecer efeitos

jurídicos próprios, na diferença que se coloca com aqueles que, integrantes de

família constituída pelo casamento e em plena convivência conjugal, infringem

gravemente o dever de fidelidade, mantendo relações não eventuais com

terceiros.

Suficiente assinalar, a respeito, a manifestação de RAINER

CZAIKOWSKI :

Page 53: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

53

"Quando a Constituição prevê que a lei deverá facilitar a conversão da união

estável em casamento, e quando o art. 8º da Lei 9.278 dispõe que"os conviventes

poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união

estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da

Circunscrição de seu domicílio"; tais previsões só estabelecem a diretriz de

viabilizar uma faculdade, que pode ou não ser exercida pelos envolvidos, de

acordo com sua vontade. Supõe-se, obviamente, que estejam em condições

jurídicas de fazer tal opção, qual seja, casar. Não significa que os parceiros de

uma união estável necessariamente devam ter condições de casar. Na prática, é

mesmo freqüente que tais uniões se originem justamente entre pessoas

separadas judicialmente ou até separadas de fato dos antigos cônjuges. Seria de

péssima política e de nenhuma sensibilidade social, excluir estes numerosos

segmentos da tutela legal à família.

Procura-se, com a caracterização das uniões livres, definir em que

circunstâncias elas configuram entidades familiares. Estão excluídas, portanto, em

princípio e terminantemente, as relações flagrantemente adulterinas. Além do

aspecto moral e lógico de que o Estado não poderia proteger a relação de um

cônjuge com terceiro, em adultério, porque estaria acobertando infração ao dever

conjugal da fidelidade; há o aspecto de ser inviável o cônjuge adúltero, além de

sua família constituída pelo casamento, formar outra, paralelamente, relacionando-

se com esposa e concubina concomitantemente ( ou, ao contrário, relacionando-

se com marido e concubino) e até, quem sabe, sobrevivem filhos de ambas ( ou

ambos). É inviável no sentido de ser juridicamente inaceitável."1

É fundamental, de conseguinte, ressaltar as características da união

estável, que defluem do reportado art. 1º da Lei nº 9.278/96, representadas na

dualidade de sexos, e no conteúdo mínimo da relação constituído pela

publicidade, continuidade e durabilidade.

Estas características, com origem na construção jurisprudencial,

tecem com maior sentimento de realidade, a formação do instituto, a exigir que o

Novo Código Civil recebesse redação contemporânea com a legislação

superveniente.

Page 54: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

54

Daí porque retiramos do projeto a exigência de que a união , para

que seja estável, tenha duração de prazo mínimo determinado, superior a cinco

anos consecutivos, uma vez que tal característica não está contemplada pela atual

Lei nº 9.728/96.

Mostrava-se inconstitucional o dispositivo originalmente constante do

projeto, ao limitar a união estável à convivência superior a cinco anos, quando a

própria Constituição Federal não define qualquer prazo. Seria interpretação

restritiva e inconcebível vir a lei infra-constitucional, reguladora do instituto, impor

prazo mínimo, para o reconhecimento dessa entidade familiar. Na verdade, o

conceito "estável", inserido no pergaminho constitucional, não está a depender de

prazo certo, mas de elementos outros que o caracterizem, como os constantes do

art. 1º da Lei nº 9.728/96.

Por outro lado, o elemento "more uxório", integrante do aludido

dispositivo proposto, revela convivência denotadora da aparência de casamento,

sem implicar, contudo, necessidade de união sob o mesmo teto.

A fórmula "more uxório" exprime "a vida em comum de um homem e

de uma mulher em estado de casados, sem que o sejam legalmente", vinculação

íntima essa que se distingue da simples convivência em coabitação.

É certo que esse dever de coabitação, expresso na regra do inciso II

do art. 231 do atual Código Civil e no inciso II do art. 1.569 do texto consolidado

do projeto, trata-se unicamente de dever conjugal, não estando inscrito dentre os

deveres dos conviventes, elencados no art. 1.736 do projeto ( texto consolidado ),

mais especificamente os deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda,

sustento e educação dos filhos.

Nessa linha, tem sido dominante a doutrina, ao admitir a

característica da continuidade desprovida do elemento "more uxorio". Assim tem-

se afirmado essa característica com o interesse de a lei "evitar a caracterização da

estabilidade pela somatória de períodos de união absolutamente intercalados,

separados, sem nenhum vínculo subjetivo entre eles".

Afirma o doutrinador : "O namoro na adolescência e o reencontro dez

anos depois, são duas relações distintas; uma não contribui com estabilidade para

Page 55: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

55

outra. "Contínua", também, nada tem a ver com harmonia temperamental, tem a

ver com rompimentos definitivos; nada tem a ver, ainda, com moradia comum.

Parceiros com uma só residência podem decidir fixar residências diversas sem

quebrar a relação. Subsiste aí a continuidade.

A construção jurisprudencial, de há muito, diante da posse do estado

de casado, houve de reconhecer a comunidade de vida independente da

convivência sob o mesmo teto para a sua integração, através da Súmula 382 do

STF.

O enunciado pretoriano posicionou que "a vida em comum sob o

mesmo teto,"more uxório", não é indispensável à caracterização do

concubinato."

Page 56: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

56

7-UM NOVO MODELO DE FAMÍLIA O modelo de família até então adotado está cada vez menos freqüente, pois hoje temos famílias formadas apenas por pai ou por mãe e ainda por dois pais ou duas mães. 7.1-União civil de homossexuais: por que não?

O reconhecimento legal da união civil de pessoas do mesmo sexo na

Alemanha provocou polêmicas discussões que trouxeram a público a dimensão da

discriminação contra os homossexuais. Desde 1992 os homossexuais alemães

intensificaram a campanha de exigência de seus direitos na sociedade alemã. Em

2000, finalmente, foi aprovada, no Parlamento, a lei de parceria civil que, desde

agosto de 2001, já possibilitou a união de 4.500 assim chamados casais

homossexuais.

Mas, logo após a aprovação da lei, o bloco conservador CDU/CSU

(União Democrática Cristã/União Social Cristã) recorreu à Justiça por não aceitar

a decisão política. Os partidos conservadores usaram como argumento o

pressuposto de que o reconhecimento da união civil de homossexuais estaria indo

contra a Constituição Federal Alemã, a qual protege a família e o casamento. Por

outro lado, os defensores da parceria civil argumentam que o reconhecimento da

união civil de casais do mesmo sexo é um pressuposto da mesma Constituição

Federal, segundo a qual todos os cidadãos devem ser tratados de forma igual na

sociedade. O Tribunal de Justiça Constitucional, por sua vez, pronunciou-se em

Page 57: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

57

favor dos direitos de gays e lésbicas, demonstrando que não há empecilhos legais

às suas reivindicações.

É evidente que por detrás do conflito político existem preconceitos

que desta forma vieram à tona. A reclamação dos conservadores de que a

parceria civil seria uma afronta ao casamento e à família não faz sentido, pois não

se trata de modificar a legislação pertinente à família e ao casamento, mas sim do

reconhecimento dos direitos dos relacionamentos homossexuais. Os próprios

homossexuais, via de regra, reconhecem a importância do casamento e da

família, pois lá cresceram e se desenvolveram. O que eles reivindicam é o acesso

às possíveis vantagens da parceria legalmente reconhecida. Além disso, a

aceitação legal da união de homossexuais representa um avanço no

reconhecimento de sua existência como cidadãos na sociedade.

O temor de que, através da instituição da união civil dos

homossexuais, a sua proporção venha a aumentar na sociedade também não

possui fundamento, porque a orientação do desejo sexual de uma pessoa não é

decorrência da legislação. Os homossexuais existiram em todos os tempos e

culturas da humanidade e a homossexualidade não é uma opção pessoal que

possa ser modificada em função de circunstâncias - muito menos de natureza

legal. O que pode acontecer com a legalização da parceria civil é uma maior

visibilidade pública dos casais homossexuais em função da sua melhor aceitação

social. Isso não significa que houve um aumento no número de homossexuais,

mas sim que uma maior tolerância na sociedade foi alcançada. Por que, afinal, os

casais "normais" deveriam temer a união civil de homossexuais se estão seguros

da orientação do seu desejo sexual e se esta lei não os impede de levar adiante

sua vida "normal"?

A lei de parceria civil recentemente aprovada pelo Parlamento

Alemão contém, no entanto, apenas uma parte dos direitos almejados pelos

homossexuais. Falta ainda uma lei complementar que depende da aprovação do

Conselho Federal, a outra instância de deliberação máxima do país. Importantes

pontos da lei como, por exemplo, a declaração conjunta de imposto de renda e o

recebimento de ajuda social e auxílio moradia até agora não foram aprovados. O

Page 58: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

58

direito de adoção, um dos aspectos mais polêmicos do debate sobre a união civil,

nem sequer foi abordado no Parlamento, demonstrando a distância que separa a

previsão legal de igualdade de direitos dos cidadãos do seu efetivo cumprimento.

Para os conservadores, por outro lado, que nem se dispuseram à negociação

política do projeto, esta primeira parte já teria ido longe demais. Esta primeira

parte reconhece a existência legal da união dos homossexuais e define

responsabilidades e direitos mútuos como registro oficial, seguro assistencial e de

saúde conjuntos, direito a nome e aluguel conjuntos, bem como a permanência de

parceiros estrangeiros no país. O maior problema dos conservadores nesta

discussão parece ser a sua absoluta rejeição da idéia de que o relacionamento de

pessoas do mesmo sexo venha a ser regrado juridicamente. O efeito de seus

preconceitos é tão forte que eles não querem sequer imaginar uma situação em

que a homossexualidade não possa mais ser descrita como "clandestina" e que

possa ser aceita pelo "reverenciado" Estado.

Os preconceitos estão baseados em declarações religiosas e não

comprovadas de uma suposta necessidade da família heterossexual como base e

modelo da sociedade. A fixação numa única possibilidade de relação sexual leva

não apenas à recomendação compulsiva desta como "normal", mas também à

proibição de qualquer outra perspectiva possível. A intolerância frente aos

relacionamentos homossexuais leva à intromissão na vida íntima de outras

pessoas com o objetivo de julgar o que é "correto" e o que é "incorreto". Em que

direito poderia estar baseado esse comportamento autoritário e discriminador?

Se os direitos das minorias e a convivência com as diferenças são

pressupostos para a democracia, os preconceitos e a discriminação contra

homossexuais significam uma forma de violência e um retrocesso em nossa

cultura, que precisam ser combatidos por todos os que se engajam na construção

de uma sociedade justa e humana. O reconhecimento da união civil de

homossexuais na Alemanha representa um progresso no sentido da diminuição da

intolerância na história humana e serve de exemplo de um movimento bem-

sucedido de resistência à opressão que, pela sua existência e reconhecimento,

vem gerando rupturas históricas e culturais. Aqui no Brasil ainda não é

Page 59: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

59

mencionado em nosso novo Código Civil a União entre homossexuais, porém

alguns juizes já estão sendo favoráveis ao contrato civil entre os mesmos, até no

que tange a adoção nossos tribunais já vem avançado. Haja visto, o caso do filho

da cantora Cássia Eller, que após a sua morte está sob a guarda de sua

companheira Maria Eugenia.

8-CONCLUSÃO

Conclui-se que a família como entidade intermediária entre a

sociedade e o indivíduo nunca esteve tão em discussão quanto na última década

na sociedade brasileira.

Necessário se faz afirmar que a família não existe como entidade

única, universal, que se aplica a todas as culturas e realidades humanas. Os

conceitos e expressões tradicionais sobre família não mais valem para a família

moderna. A família patriarcal, tradicional, com papéis masculinos, femininos,

direitos e deveres claramente definidos está de fato deixando de existir No

entanto, a família não se reduz a papéis ou funções predeterminados porque está

em constante interação, sofrendo e impondo ações e reações, com os demais

sistemas - como o próprio indivíduo, a sociedade, a religião, a escola e a

economia.

Nesse sentido, é preciso mudar o foco de análise da família como

unidade objetiva, precisa, positivada, para uma noção mais complexa, sistêmica,

ou mesmo "pós-moderna".

A teoria familiar ensina que a família é um sistema aberto composto

por subsistemas (conjugal, parental, filial, fraterno). Ela subsiste através de um

relativo equilíbrio, mas sofre e gera modificações em suas relações. Embora

possamos identificar papéis, limites, fronteiras, segredos, mitos etc., não podemos

Page 60: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

60

generalizar ou querer que determinadas características de uma família seja

padrão para todas.

É aqui que se fundamenta a afirmação "não existe uma família

universal". Se de pronto já abandonamos o "ideal de família", começamos a nos

embrenhar na selva das possibilidades e de diferentes manifestações de relações

familiares. Da saudável à doente, da exemplar à disfuncional, da ideal para a

possível. Começamos, portanto, a contemplar todas as possíveis (e imagináveis)

manifestações familiares.

A família ainda é - e quero crer que não deixará de ser - o lugar

privilegiado de crescimento, desenvolvimento de valores, afetos e emoções

responsáveis por estruturar os indivíduos e, por fim, da sociedade. Mas, isso não

pode significar apenas alegrias, prazeres saudáveis ou amor eterno. Sendo fiel ao

conceito de desconstrução do filósofo Derrida, é preciso ver o inverso inerente a

todo conceito ou realidade da existência humana. Onde há amor, existe como

correlato negativo e positivador, o ódio; onde há afeto há violência, onde há

carinho há negação de existência, onde há idealização há negação e morte.

choque com os últimos acontecimentos nas relações familiares (no

mundo inteiro, e não só no Brasil) não passa de uma primeira reação àquilo que

era negado, escondido e rejeitado. E apontam para a necessidade de (re)

pensarmos as relações familiares não tão somente da ótica da moral imperante,

mas também das morais e sofrimentos subjacentes a ela. Podemos afirmar que é

preciso pensar a família em termos "pós-modernos", ou seja, contemplar a

pluralidade e as complexidades das manifestações familiares, dos sofrimentos e

das experiências humanas. A pós-modernidade se caracteriza pela negação de

grandes narrativas e explicações para as complexidades da vida e deixa espaço

para a manifestação de toda complexidade existente na construção da vida

humana.

Somente assim poderemos começar a não apenas nos assustar com

as diferentes manifestações de relacionamento familiar, mas compreender o que

acontece com as múltiplas possibilidades humanas desse vínculo. Daí em diante,

Page 61: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

61

poderemos trabalhar por um relacionamento do tipo familiar mais saudável,

funcional e, eventualmente, mais feliz!

Com o equilíbrio da família também teremos um Estado que não

mais precisará intervir na vida da família, onde as leis existirão para a organização

do Estado, não mais como sanção, pois já estará implícita na consciência de cada

cidadão. Ainda estamos longe de tamanha evolução social, aliás evolução moral,

mas o que se espera é que as mudanças da lei possam alcançar as necessidades

sociais e assim diminuir os conflitos.

Há algo que não podemos deixar de colocar no que tange ao Direito

de Família, pois sua própria concepção precisa ser repensada e mudada: os

operadores do Direito que trabalham nessa área deveriam, obrigatoriamente, ter

uma formação específica, ou pelo menos serem escolhidos entre aqueles que têm

mais aptidão, vocação para tratar de assuntos tão delicados e melindrosos. Não

basta uma qualificação técnica processual, é necessário também um olhar e uma

escuta diferenciada para o tratamento e julgamento das questões familiais. Muitos

conflitos e muitos dos longos e tenebrosos processos judiciais, poderiam ser

evitados se já estivéssemos aplicando aqui no Brasil, a exemplo do que já ocorre

em outros países, a já conhecida Mediação. Seria um outro grande passo para

evitar as degradantes “estórias” dos restos do amor levadas ao Judiciário.

A tão esperada e anunciada reforma do Judiciário, não pode

prescindir e desconsiderar que os conflitos de família levados à justiça deveriam

receber um tratamento diferenciado e especializado, sob pena de se continuar

fazendo muita injustiça. Mas a beira do caos em que se encontra nossa entrevada

justiça não é responsabilidade somente do Poder Judiciário. O legislativo deveria

fazer também sua meia culpa. Uma legislação mais moderna para os

procedimentos processuais também é essencial para a agilidade dos processos.

Certamente os tribunais de família no Brasil funcionariam melhor se tivessem

instrumentos legislativos mais adequados.

Page 62: DIREITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS … CRISTINA CARDOSO VIMERCATI.pdf · Com a evolução da sociedade, ... 2.3-A dignidade da pessoa humana no Direito de Família

62

BIBLIOGRAFIA

1. A INTERNET E OS TRIBUNAIS. Revista Literária de Direito. São Paulo:

Jurídica Brasileira, fev./mar. de 2001, p. 28.

2. ADRIOLI, Antônio Inácio. Novidades no Novo Código Civil. Revista Intelligentia

Jurídica. Minas Gerais. BVR Consultoria. AnoII, n°23, outubro/2002.

3. BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade, Rio de Janeiro, Forense

Universitária, 1999, 3ª ed. Revista por Eduardo C. B. Bittar.

4. DA COSTA, Ileno Izídio. A Desconstrução da Família. Centro de Atendimento e

Estudos Psicológicos do Instituto de Psicologia-CAEP/IP/UnB. 2003.

5. FACHIN, Rosana Amara Guardi. Em busca da Família do Novo Milênio. Ed.

Renovar. 2002.

6. GONTIJO, Segismundo. União Civil de Homossexuais. Revista Intelligentia

Jurídica. Minas Gerais. BVR Consultoria. AnoIII, n°27, janeiro/2003.

7. MARTINS, Luís. O Patriarca e o Bacharel. São Paulo: Livraria Martins Ed.,

1953.

8. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família no Séculu XXI. Revista

Intelligêntia Jurídica. Minas Gerais. BVR Consultoria. Ano I, n°08, dezembro/2000.

9. PRADO JR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense,

1995.

10. RAINER, Czajkowski. Em sua obra "União Livre à Luz da Lei nº 8.971/94 e da

Lei nº 9.278/96", Ed. Juruá, 1ª ed., 1996, pg. 49.

11. RAINER, CzajkowskI. Em sua obra "União Livre à Luz da Lei nº 8.971/94 e da

Lei nº 9.278/96", Ed. Juruá, 1ª ed., 1996, pg. 71.

12. REVISTA PANORAMA DA JUSTIÇA, n.º 29. São Paulo: Editora Escala, p. 28.

13. RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.