618
DIREITO DO TRABALHO Curso e Discurso Augusto César Leite de Carvalho

Direito do Trabalho: Curso e Discurso

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Curso de Direito do Trabalho focado em concursos e curso de Direito

Citation preview

DIREITO DO TRABALHO

Curso e Discurso

Augusto Csar Leite de Carvalho

SOBRE O AUTOR

Augusto Csar Leite de Carvalho nasceu em Sergipe, na cidade de Aracaju. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe, mestre em Direito Constitucional pela Universidade do Cear, mestre e doutor em Direito das Relaes Sociais pela Universidad Castilla La Mancha. Ingressou na Magistratura Trabalhista em 1990 como Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 5 Regio (BA). Foi promovido ao cargo de Juiz Presidente da Segunda Junta de Conciliao e Julgamento de Aracaju, em abril de 1993. Atuou no Tribunal Regional do Trabalho da 20 Regio (SE), inicialmente como juiz convocado em 1994 e em 2001. Em 2003 foi promovido a de Desembargador Federal do Trabalho e, no binio 2004/2006, exerceu a Presidncia do TRT da 20 Regio. Foi diretor da EMAT XX Escola da Magistratura do Trabalho da Vigsima Regio de 2007 at sua posse no cargo de ministro do TST, em 14 de dezembro de 2009. professor assistente da Universidade Federal de Sergipe, ora licenciado, e professor do Instituto de Educao Superior de Braslia IESB.

Carvalho, Augusto Cesar Leite de. Direito do trabalho [recurso eletrnico] : curso e discurso / Augusto Cesar Leite de Carvalho. - Aracaju : Evocati, 2011. 438 p. Inclui bibliografia. ISBN 9788599921081 1.Direito do trabalho, Brasil 2.Direito do trabalho, histria, Brasil 3.Prescrio Trabalhista 4.Contrato de trabalho, Brasil 5. Direito de greve, Brasil. I. Ttulo.CDU 331

SUMRIO

1 Origem do Direito do Trabalho ............................................................................................. 17 1.1 A pr-histria do direito do trabalho .................................................................................. 17 1.2 Os fatores econmicos que inspiraram o direito do trabalho ............................................. 19 1.2.1 A revoluo industrial ..................................................................................................... 19 1.2.2 O trabalho humano, produtivo, alheio e livre .................................................................. 25 1.3 Os fatores sociais que inspiraram o direito do trabalho...................................................... 28 1.3.1 Os primeiros movimentos de insurreio dos trabalhadores ........................................... 29 1.3.1.1 A reao dos trabalhadores na Inglaterra ..................................................................... 29 1.3.1.2 A reao dos trabalhadores na Frana .......................................................................... 30 1.3.1.3 A reao dos trabalhadores na Alemanha .................................................................... 31 1.3.2 A organizao das profisses .......................................................................................... 32 1.4 Os fatores polticos que inspiraram o direito do trabalho................................................... 33

2 HISTRIA DO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO .................................................. 37 2.1 Direito coletivo e institutos afetos sindicato, greve e conveno coletiva ...................... 37 2.2 O sindicalismo no sistema capitalista de produo ............................................................ 39 2.3 O sindicalismo sob interveno totalitria ......................................................................... 41

3 HISTRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL ................................................. 42 3.1 Pr-histria do direito do trabalho: trabalho escravo e corporaes de arte e ofcio no Brasil ......................................................................................................................................... 42 3.1.1 As corporaes de ofcio na Europa e a analogia com o emprego .................................. 43 3.1.2 A escravido na Amrica e especialmente no Brasil ....................................................... 43 3.1.3 A escravido inibe as corporaes de ofcio no Brasil .................................................... 47

3.1.4 As leis trabalhistas surgiram antes da abolio da escravatura ....................................... 49 3.2 A substituio do escravo africano pelo imigrante europeu ............................................... 50 3.3 O direito do trabalho e a industrializao no Brasil ........................................................... 52

4 FONTES DO DIREITO DO TRABALHO ........................................................................... 57 4.1 Conceito .............................................................................................................................. 57 4.2 As fontes materiais e as fontes formais do direito .............................................................. 57 4.2.1 As fontes formais do direito do trabalho ......................................................................... 61 4.3 Mtodos de integrao da norma jurdica........................................................................... 66 4.4 Eficcia da norma trabalhista no tempo e no espao .......................................................... 71 4.4.1 Eficcia da norma trabalhista no tempo .......................................................................... 71 4.4.2 Eficcia da norma trabalhista no espao.......................................................................... 72

5 PRINCPIOS DE DIREITO DO TRABALHO .................................................................... 75 5.1 Conceito e funes do princpio ......................................................................................... 75 5.2 Preeminncia do princpio constitucional da dignidade (da pessoa) humana .................... 78 5.2.1 A importante contribuio do positivismo jurdico na conceituao da dignidade humana .................................................................................................................................................. 80 5.2.2 A adoo do princpio da dignidade na relao entre capital e trabalho ......................... 85 5.3 Princpios especiais do direito do trabalho ......................................................................... 88 5.3.1 Princpio da proteo ....................................................................................................... 89 5.3.2 Princpio da irrenunciabilidade........................................................................................ 95 5.3.2.1. A indisponibilidade e a prescrio de pretenses trabalhistas ..................................... 96 5.3.3 Princpio da continuidade ................................................................................................ 97 5.3.4 Princpio da primazia da realidade .................................................................................. 99 5.3.5 Princpio da razoabilidade ............................................................................................. 100 5.3.6 Princpio da boa-f......................................................................................................... 103

5.3.7 Princpio da igualdade de tratamento ............................................................................ 104 5.3.8 Princpio da autodeterminao coletiva......................................................................... 107 5.3.8.1 A autonomia coletiva e os princpios regentes da organizao sindical..................... 109 5.3.8.2 A autodeterminao coletiva e a flexibilizao do direito do trabalho. O princpio constitucional da proteo ao trabalhador .............................................................................. 116

6 A PRESCRIO TRABALHISTA .................................................................................... 120 6.1 A prescrio e o temor de propor a ao .......................................................................... 120 6.2 Actio nata como termo inicial do prazo prescricional de cinco anos ............................... 123 6.3 Outras relevantes ciznias jurisprudenciais frente evoluo constitucional e das leis .. 124 6.3.1 Os fundamentos tradicionais da prescrio total de cinco anos .................................... 124 6.3.2 A prescrio total contra a pretenso de matriz constitucional ..................................... 128 6.3.3 A possvel influncia do atual Cdigo Civil no debate sobre a prescrio total de pretenso fundada em nulidade .............................................................................................. 130 6.3.4 A jurisprudncia trabalhista sobre a prescrio da pretenso que investe contra o negcio jurdico nulo............................................................................................................................ 134 6.3.5 A extino do contrato como nico termo inicial da prescrio bienal......................... 140 6.3.6. Smulas 326 e 327 do TST a complementao de proventos da aposentadoria ....... 141

7 EMPREGADO .................................................................................................................... 145 7.1 O conceito de empregado a partir da realidade social ...................................................... 145 7.2 Conceito legal de empregado. Requisitos da prestao laboral........................................ 146 7.2.1 A pessoalidade ............................................................................................................... 147 7.2.2 A no eventualidade ...................................................................................................... 150 7.2.2.1 Distino entre o trabalho no eventual e o trabalho intermitente ............................. 151 7.2.2.2 Distino entre o trabalho no eventual e o trabalho temporrio .............................. 152 7.2.2.3 Distino entre o trabalho no eventual e o trabalho avulso ...................................... 153 7.2.3 A subordinao .............................................................................................................. 157

7.2.3.1 Fundamento e grau da subordinao .......................................................................... 158 7.2.3.2 O poder de comando contraface da subordinao ................................................... 160 7.2.4 A onerosidade ................................................................................................................ 167 7.3 Os elementos acidentais da prestao laboral................................................................... 167 7.4 Empregados excludos da proteo pela CLT .................................................................. 169 7.5 Tipos especiais de empregados ........................................................................................ 169 7.5.1 Altos-empregados. Os empregados-diretores e os diretores-empregadores .................. 170 7.5.2 Os empregados pblicos ................................................................................................ 174 7.5.3 Os empregados domsticos ........................................................................................... 176 7.5.4 O empregado em domiclio ........................................................................................... 178 7.5.5 O trabalho intra-familiar entre filhos e pais ou entre cnjuges .................................. 181 7.5.6 O empregado aprendiz ................................................................................................... 183 7.5.6.1 Distino de aprendizagem e estgio curricular ......................................................... 185 7.5.7 Os trabalhadores intelectuais ......................................................................................... 188 7.5.8 Os empregados-scios ................................................................................................... 191 7.5.9 O trabalhador cooperativado ......................................................................................... 192 7.5.10 O trabalhador rural ...................................................................................................... 195

8 EMPREGADOR.................................................................................................................. 202 8.1 Empresa ............................................................................................................................ 202 8.2 O conceito legal de empregador ....................................................................................... 205 8.3 Empresa e estabelecimento............................................................................................... 207 8.4 Sucesso de empregadores .............................................................................................. 209 8.4.1 A sucesso em outras searas do direito ......................................................................... 209 8.4.1.1 Os efeitos da transferncia do estabelecimento no direito civil ................................. 210 8.4.1.2 Os efeitos da transferncia do estabelecimento na relao de consumo .................... 211 8.4.1.3 Os efeitos da transferncia de estabelecimento na relao tributria ......................... 212

8.4.2 A sucesso trabalhista no Brasil .................................................................................... 212 8.4.3 A sucesso trabalhista em situaes normais e anormais .............................................. 214 8.4.3.1 A mudana na estrutura jurdica da sociedade empresria ......................................... 214 8.4.3.2 A sucesso no mbito de empresas prestadoras de servio ........................................ 215 8.4.3.3 A sucesso entre sociedades irregularmente constitudas .......................................... 216 8.4.3.4 A invalidade da sucesso simulada ............................................................................ 216 8.4.3.5 Os efeitos da sucesso predatria ............................................................................... 217 8.5 A solidariedade entre entes empresariais que integram grupo econmico ....................... 218 8.6 A subcontratao e a intermediao de mo-de-obra ....................................................... 223 8.6.1 A subempreitada em vista da Smula 331 do TST ....................................................... 226 8.6.2 A Smula 331, IV e VI a responsabilidade subsidiria do tomador dos servios, inclusive da administrao pblica ......................................................................................... 228 8.6.3 A extenso da responsabilidade subsidiria do tomador dos servios .......................... 232 8.6.4 A subcontratao de servios (terceirizao) nas hipteses de contrato de faco ...... 233 8.6.5 A igualdade de direitos entre os empregados da tomadora dos servios e os empregados da empresa prestadora ............................................................................................................ 239 8.6.6 A terceirizao da atividade-fim nos servios de telefonia e de energia eltrica .......... 241

9 REMUNERAO E SALRIO ........................................................................................ 247 9.1 Conceito ............................................................................................................................ 247 9.1.1 As teorias da tripartio e da bipartio ........................................................................ 248 9.2 O salrio............................................................................................................................ 250 9.2.1 O salrio mnimo ........................................................................................................... 251 9.2.1.1 Salrio mnimo profissional. Piso salarial .................................................................. 252 9.2.1.2 O salrio por unidade de tempo e o salrio mnimo. Jornada reduzida ...................... 254 9.2.1.3 O salrio varivel e o salrio mnimo. Hiptese de jornada reduzida ........................ 256 9.2.2 Salrio-utilidade ............................................................................................................ 258 9.2.2.1 Limites percentuais do salrio-utilidade ..................................................................... 258

9.2.2.2 Configurao do salrio-utilidade .............................................................................. 260 9.2.2.3 Converso em dinheiro. Salrio-utilidade na suspenso contratual ........................... 262 9.2.3 Modalidades de salrio .................................................................................................. 264 9.2.3.1 Comisso e percentagem ............................................................................................ 264 9.2.3.2 Gratificaes ajustadas ............................................................................................... 265

9.2.3.3 Diria para viagem. A distino entre diria e ajuda de custo ................................... 270 9.2.3.4 Abono ......................................................................................................................... 272 9.2.4 O salrio-base e os complementos salariais .................................................................. 275 9.2.4.1 A acessoriedade dos complementos salariais ............................................................. 276 9.2.4.2 A periodicidade dos complementos salariais.............................................................. 278 9.2.4.3 A multicausalidade e a plurinormatividade dos complementos salariais ................... 279 9.2.4.4 A condicionalidade dos complementos salariais ........................................................ 280 9.2.5 Prestaes trabalhistas sem natureza salarial ou remuneratria .................................... 281 9.2.5.1 A participao nos lucros, resultados ou gesto da empresa ...................................... 281 9.2.5.2 O Programa de Integrao Social (PIS)...................................................................... 283 9.2.5.3 O Programa de Alimentao ao Trabalhador ............................................................. 283 9.2.5.4 O vale-transporte ........................................................................................................ 284 9.3 A remunerao.................................................................................................................. 285 9.3.1 A gorjeta imprpria ....................................................................................................... 286 9.3.2 A oportunidade de ganho ............................................................................................... 287 9.3.2.1 O direito de arena como oportunidade de ganho ........................................................ 289 9.3.3 A remunerao, em especial a gorjeta, como base de clculo de outras parcelas ......... 291 9.4 Os adicionais (indenizaes na teoria da tripartio). Vedao incidncia recproca ... 294 9.4.1 O adicional de hora extra ............................................................................................... 296 9.4.2. O adicional noturno ...................................................................................................... 297 9.4.2.1 O trabalho noturno em regime de revezamento.......................................................... 297

9.4.2.2 O trabalho noturno decorrente da natureza da atividade ............................................ 298 9.4.2.3 A prorrogao do trabalho noturno ............................................................................ 299 9.4.2.4 O trabalho noturno do empregado rural ..................................................................... 300 9.4.3 Os adicionais de insalubridade e de periculosidade ...................................................... 301 9.4.3.1 Hipteses de incidncia .............................................................................................. 301 9.4.3.2 A base de clculo dos adicionais de insalubridade e periculosidade .......................... 302 9.4.3.3 A prvia regulamentao pelo Ministrio do Trabalho .............................................. 306 9.4.3.4 A necessidade de percia tcnica em sede judicial ..................................................... 308 9.4.3.5 A supresso do direito ao adicional pela neutralizao ou eliminao do risco......... 310 9.4.3.6 A condicionalidade do direito ao adicional de insalubridade ou periculosidade ....... 311 9.4.3.7 A inacumulabilidade dos adicionais de insalubridade e de periculosidade ................ 312 9.4.4 O adicional de transferncia .......................................................................................... 313 9.5 Os princpios informantes da teoria jurdica do salrio .................................................... 314 9.5.1 Princpio da irredutibilidade .......................................................................................... 315 9.5.2 Princpio da integridade do salrio ................................................................................ 316 9.5.2.1 A integridade do salrio e sua determinao supletiva............................................... 316 9.5.2.2. A integridade do salrio e a vedao de descontos ................................................... 317 9.5.3 Princpio da intangibilidade do salrio .......................................................................... 322 9.5.3.1 Proteo contra a imprevidncia do empregador. Falncia do empresrio empregador. Recuperao judicial e extrajudicial do empregador. Liquidao extrajudicial da sociedade empregadora ........................................................................................................................... 322 9.5.3.2 Proteo contra a imprevidncia do empregado. Incessibilidade. Impenhorabilidade absoluta ................................................................................................................................... 325 9.5.4 Princpio da igualdade de salrio ................................................................................... 326 9.5.4.1 Os pressupostos da equiparao salarial com empregado brasileiro .......................... 327 9.5.4.2 A existncia de quadro de carreira fato impeditivo da equiparao. Direito ao enquadramento........................................................................................................................ 334 9.5.4.3 Equiparao salarial com estrangeiro ......................................................................... 334

9.5.5 Princpio da certeza do pagamento do salrio ............................................................... 336 9.5.5.1 A certeza que emana do modo de pagar o salrio. O recibo de pagamento e o salrio complessivo ............................................................................................................................ 336 9.5.5.2 A certeza quanto ao valor do salrio .......................................................................... 337 9.5.5.3 A certeza quanto ao tempo e ao lugar do pagamento de salrio................................. 338

10 DURAO DO TRABALHO .......................................................................................... 341 10.1 Durao. Jornada. Horrio .............................................................................................. 341 10.2 A jornada de trabalho ..................................................................................................... 342 10.2.1 Critrios gerais de fixao da jornada ......................................................................... 343 10.2.1.1 O tempo de trabalho e o tempo disposio do empregador. O nus da prova....... 343 10.2.1.2 O tempo de deslocamento residncia-trabalho-residncia ....................................... 345 10.2.1.3. O tempo de afastamento justificado ........................................................................ 347 10.2.2 Critrios especiais de fixao da jornada .................................................................... 347 10.2.2.1 O tempo de prontido ............................................................................................... 347 10.2.2.2 O tempo de sobreaviso ............................................................................................. 349 10.2.2.3 O tempo de intervalo especial .................................................................................. 351 10.2.3 Jornada extraordinria ................................................................................................. 352 10.2.3.1 Jornada realmente extraordinria.............................................................................. 354 10.2.4 Jornadas normais reduzidas bancrios, telefonistas, operadores cinematogrficos, mineiros, cabineiros de elevador, professores, advogados, aeronautas, tcnicos em radiologia, artistas, msicos ...................................................................................................................... 357 10.2.5 Compensao de jornadas. Banco de horas e fonte do direito .................................... 360 10.2.6 Turnos ininterruptos de revezamento .......................................................................... 364 10.2.6.1 Os intervalos em turnos ininterruptos de revezamento ............................................ 366 10.2.6.2 A sobrevigncia da Lei 5811/72 ............................................................................... 367 10.2.7 Trabalhadores no protegidos pela norma regente da durao do trabalho ................ 371 10.3 Intervalos intrajornadas e interjornadas .......................................................................... 372

10.3.1 Intervalos intrajornadas ............................................................................................... 372 10.3.1.1 Intervalo mnimo. Autorizao do Ministrio do Trabalho para reduo e efeitos da supresso ................................................................................................................................. 374 10.3.1.2 Intervalo mximo. Possibilidade de prorrogao por norma escrita. Efeitos da dilao no autorizada ......................................................................................................................... 375 10.3.2 Intervalos interjornadas ............................................................................................... 376 10.3.2.1 Intervalo entre duas jornadas .................................................................................... 376 10.3.2.2 Repouso semanal e em feriados ............................................................................... 377 10.3.2.3 Frias ........................................................................................................................ 385

11 NATUREZA DA RELAO DE EMPREGO ................................................................ 405 11.1 Natureza ou fonte das obrigaes ................................................................................... 405 11.2 As teorias anticontratualistas .......................................................................................... 406 11.3 As teorias contratualistas ................................................................................................ 408

12 CONTRATOS AFINS AO DE EMPREGO ..................................................................... 415 12.1 Relao de emprego: espcie do gnero relao de trabalho ......................................... 415 12.2 A relevncia da subordinao como elemento distintivo ............................................... 415 12.3 A locao de servios e o novo contrato de prestao de servios ................................. 416 12.4 Distino entre emprego e empreitada ........................................................................... 417 12.5 Distino entre emprego e mandato ............................................................................... 418 12.6 Distino entre emprego e sociedade ............................................................................. 420 12.7 Distino entre emprego e relao de consumo ............................................................. 420

13 CARACTERES DO CONTRATO DE EMPREGO ......................................................... 423 13.1 Classificao do contrato de emprego ............................................................................ 423 13.1.1 Contrato nominado ...................................................................................................... 423 13.1.2 Contrato de direito privado .......................................................................................... 424

13.1.3 Contrato principal ........................................................................................................ 424 13.1.4 Contrato consensual..................................................................................................... 425 13.1.5 Contrato bilateral ......................................................................................................... 425 13.1.6 Contrato oneroso e comutativo .................................................................................... 426 13.1.7 Contrato intuitu personae............................................................................................. 426 13.1.8 Contrato continuado .................................................................................................... 427 13.1.9 Contrato de adeso....................................................................................................... 428

14 ELEMENTOS DO CONTRATO DE EMPREGO ........................................................... 428 14.1 O que so elementos de um contrato .............................................................................. 429 14.2 Elementos essenciais do contrato de emprego ............................................................... 430 14.2.1 Os pressupostos: a capacidade, a liceidade do objeto e, em alguns casos, a legitimao ................................................................................................................................................ 432 14.2.2 Os requisitos da relao de trabalho: causa, consentimento e, excepcionalmente, a forma especial ........................................................................................................................ 440 14.3 Elementos acidentais do contrato de emprego ............................................................... 450

15 CLASSIFICAO DO CONTRATO DE EMPREGO .................................................... 452 15.1 Classificao quanto aos sujeitos ................................................................................... 452 15.2 Classificao dos contratos de emprego quanto durao............................................. 454 15.2.1 O termo final em norma geral...................................................................................... 454 15.2.2 O termo final em norma especial ................................................................................. 457 15.2.3 Contrato de trabalho sob condio resolutiva.............................................................. 458 15.2.4 Peculiaridades dos contratos a termo. Durao mxima. Reconduo tcita. Suspenso contratual. Ruptura antecipada. Aquisio de estabilidade. Sucesso de contratos com termo certo ........................................................................................................................................ 459

16 CONTEDO DO CONTRATO DE EMPREGO ............................................................. 462

16.1 A semntica da teoria dos contratos distino entre contedo e objeto mediato ........ 462 16.2 O contedo do contrato de emprego ............................................................................... 463

17 ALTERAO DO CONTRATO DE EMPREGO ........................................................... 466 17.1 A alterao contratual no mbito do direito civil ........................................................... 466 17.2 Consideraes gerais sobre a alterao contratual no mbito do direito do trabalho. O direito de variar e o direito de resistir ..................................................................................... 466 17.3 Alteraes por interveno do Estado e por negociao coletiva .................................. 467 17.4 Alteraes voluntrias do contrato de emprego ............................................................. 467 17.4.1 A alterao consensual do contrato de emprego ......................................................... 467 17.4.2 A inalterabilidade unilateral do contrato e o jus variandi ........................................... 469 17.4.2.1 A alterao funcional e seu limite de licitude........................................................... 471 17.4.2.2 A tentativa de padronizar o jus variandi .................................................................. 472 17.4.2.3 A mudana de localidade e seus efeitos pecunirios. Grupo econmico ................. 473 17.4.2.4 O jus variandi extraordinrio ................................................................................... 475

18 SUSPENSO DO CONTRATO DE EMPREGO ............................................................ 477 18.1 A suspenso contratual sob a tica do direito do trabalho ............................................. 477 18.2 Nome e contedo dos tipos de suspenso....................................................................... 477 18.3 Classificao legal .......................................................................................................... 478 18.3.1 Hipteses de interrupo contratual ............................................................................ 478 18.3.2 Hipteses de suspenso contratual .............................................................................. 480 18.3.2.1 Efeitos da suspenso contratual no tocante a prestaes no sinalagmticas assistncia escolar, mdica ou odontolgica .......................................................................... 482 18.3.2.2 Efeitos da suspenso contratual no tocante justa causa ......................................... 483 18.3.2.3 A proteo ao empregado portador da AIDS ........................................................... 483 18.3.2.4 Efeitos da suspenso contratual no tocante prescrio .......................................... 486 18.3.3 Casos hbridos. Efeitos jurdicos ................................................................................. 487

18.4 Conversibilidade da suspenso do contrato .................................................................... 489

19 CESSAO DO CONTRATO DE TRABALHO............................................................ 490 19.1 Terminologia .................................................................................................................. 490 19.2 Resilio do contrato de emprego. Direito potestativo, nus da prova e aviso prvio ... 491 19.2.1 O aviso prvio.............................................................................................................. 492 19.2.1.1 Conceito e cabimento do aviso prvio...................................................................... 492 19.2.1.2. Forma do aviso prvio. Aviso prvio de trabalhador menor ................................... 493 19.2.1.3. Indenizao compensatria do aviso prvio. Integrao ao tempo de servio do aviso prvio indenizado pelo empregador ....................................................................................... 494 19.2.1.4 Prazo de aviso prvio................................................................................................ 495 19.2.1.5 Especificidades do aviso prvio devido pelo empregador ....................................... 498 19.2.1.6 Natureza jurdica do aviso prvio ............................................................................. 499 19.2.1.7 Aviso prvio e justa causa. Aquisio de estabilidade provisria ............................ 500 19.2.1.8 Aviso prvio e suspenso contratual ........................................................................ 500 19.2.1.9 Aviso prvio, prazo para pagamento das resilitrias e prescrio ............................ 501 19.2.2 Assistncia ao empregado demissionrio. Empregado menor que se demite ............. 502 19.3 Resoluo do contrato de emprego. Extino normal. Justa causa ................................ 504 19.3.1 A resoluo mediante extino normal do contrato de emprego................................. 505 19.3.2 A justa causa implemento da condio resolutiva tcita .......................................... 505 19.3.2.1 A justa causa e a falta grave ..................................................................................... 506 19.3.2.2 As justas causas atribuveis aos empregados............................................................ 507 19.3.2.3 As justas causas atribuveis aos empregadores ........................................................ 520 19.3.2.4 A culpa recproca ...................................................................................................... 526 19.3.2.5 Justa causa do empregado domstico ....................................................................... 527 19.3.2.6 A resoluo do contrato de empregado pblico ....................................................... 527 19.3.2.7 A greve e a resoluo contratual............................................................................... 533

19.4 Resciso do contrato de emprego ................................................................................... 538 19.5 Caducidade do contrato de emprego .............................................................................. 540 19.6 O regime do Fundo de Garantia do Tempo de Servio .................................................. 549 19.6.1 A histria e a estrutura do sistema de depsitos .......................................................... 549 19.6.2 Alquotas e titulares do direito ao FGTS ..................................................................... 550 19.6.3 Natureza jurdica do FGTS. Contribuio social ou salrio diferido. A Lei Complementar 110 e sua aparente inconstitucionalidade....................................................... 551 19.6.4 A movimentao da conta vinculada ........................................................................... 554 19.7 A forma e a fora liberatria do recibo firmado no desate contratual ............................ 554 19.8 Efeitos da cessao do contrato de emprego .................................................................. 556 19.8.1 O direito reintegrao ............................................................................................... 556 19.8.2 As prestaes tpicas da dissoluo do contrato .......................................................... 557

20 ESTABILIDADE NO EMPREGO ................................................................................... 569 20.1 Fonte jurdica e tipologia da estabilidade ....................................................................... 569 20.2 A estabilidade definitiva ................................................................................................. 569 20.3 A estabilidade provisria ................................................................................................ 573 20.3.1 A estabilidade sindical ................................................................................................. 574 20.3.2 A estabilidade dos membros da CIPA eleitos pelos empregados ................................ 578 20.3.3 A estabilidade da gestante ........................................................................................... 580 20.3.4 A estabilidade acidentria ............................................................................................ 582 20.3.5 A estabilidade dos membros da Comisso de Conciliao Prvia eleitos pelos empregados ............................................................................................................................. 584 20.3.6 A estabilidade do membro do Conselho Curador do FGTS ........................................ 585 20.3.7 A estabilidade do empregado eleito diretor de cooperativa ........................................ 586 20.3.8 A estabilidade do membro do CNPS ........................................................................... 589 20.3.9 A estabilidade dos representantes dos trabalhadores na empresa ............................... 590 20.3.10 A estabilidade no perodo pr-eleitoral ..................................................................... 590

21 Direito Fundamental de Greve .......................................................................................... 592 21.1 Conceito .......................................................................................................................... 592 21.2 A greve e o meio ambiente de trabalho .......................................................................... 592 21.3 A interao com os sistemas poltico e econmico por ocasio da greve ...................... 593 21.4 A decomposio do conceito de greve ........................................................................... 594 21.4.1 A greve como direito fundamental direito coletivo fundamental ............................. 594 21.4.1.1 As dimenses individual e coletiva do direito fundamental greve ........................ 595 21.4.1.2 A greve como direito fundamental a opo pela via pacfica e a ausncia de mtodos alternativos de soluo dos conflitos coletivos ........................................................ 597 21.4.1.3 O interesse coletivo e as greves geral, poltica e de solidariedade ........................... 599 21.4.1.4 A greve como direito fundamental o lock-in e o lock-out ..................................... 601 21.4.2 A greve e o princpio da boa-f objetiva ..................................................................... 602 21.4.2.1 Imunizao da greve contra a perturbao patronal ................................................. 603 21.4.2.2 Imunizao da greve contra a perturbao obreira ................................................... 606 21.4.3 A suspenso do contrato durante a greve .................................................................... 609 21.5 A greve sob interveno judicial .................................................................................... 611 21.6 A greve e o interdito proibitrio ..................................................................................... 613 21.6.1 A ameaa posse como pressuposto do interdito possessrio .................................... 614 21.6.2 A necessidade de audincia de justificao para a concesso do mandado proibitrio ................................................................................................................................................ 616

Atualizado em julho de 2010

1 Origem do Direito do Trabalho

Augusto Csar Leite de Carvalho 1 1.1 A pr-histria do direito do trabalho Houve tempo em que o homem produzia para atender s suas prprias necessidades e s de sua famlia, interagindo com a natureza e com outros homens que agiam sua semelhana. Era um tempo, portanto, de mediaes de primeira ordem 2, ou mediaes primrias, e de comportamento instintivo. Produzindo o que era til para o prprio consumo, o homem primitivo desconhecia o conceito de mercadoria e o mundo do trabalho no comportava, em situao de normalidade, a estrutura hierrquica que mais tarde viria a predominar nas relaes de trabalho. A terra no estava repartida, nem havia quem a repartisse. A troca ou escambo ganhou, progressivamente, alguma complexidade at que se iniciou um processo de converso do valor de uso em valor de troca 3, pois as coisas transferidas no o eram mais segundo o valor da utilidade que proporcionavam, mas passaram a ter o seu valor inflado pelo trabalho humano e, mais adiante, pelo valor que correspondia ao lucro, vale dizer, o ganho do empresrio que precisava existir para justificar o seu investimento na produo. O investimento na produo de mercadorias, em escala industrial, no foi a primeira forma de inverso do capital a contribuir para que se reduzissem gradualmente as mediaes de primeira ordem. Um modelo econmico que pressupunha a realizao de capital e, sob perspectiva histrica, precedeu o sistema capitalista fora decerto o sistema mercantilista. Desde as primeiras formas de mercantilismo (bulionismo ou metalismo),O autor professor universitrio. mestre em Direito Constitucional pela UFC e em Direito das Relaes Sociais pela Universidad Castilla la Mancha, onde cursa o doutorado. Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. 2 Sobre o tema, ver, por todos, Ricardo Antunes (ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmao e a negao do trabalho. So Paulo: Editorial Boitempo, 2000, passim). 3 As expresses valor de uso e valor de troca so usadas por Marx (MARX, Karl. Para a Crtica da Economia Poltica. Traduo de Edgard Malagodi. Coleo Os Pensadores. So Paulo: Editora Nova Cultural, 1999, passim), mas, segundo nota na p. 57, foram cunhadas por Aristteles, que assim se referiu: Pois todo o bem pode servir para dois usos... Um prprio coisa como tal, mas o outro no o : assim, uma sandlia pode servir como calado, mas tambm pode ser trocada. Trata-se, nos dois casos, de valores de uso da sandlia, porque aquele que troca a sandlia por aquilo de que necessita, alimentos, por exemplo, serve-se tambm da sandlia como sandlia. Contudo, no este o seu modo natural de uso. Pois a sandlia no foi feita para a troca. O mesmo se passa com os outros bens.1

preconizava-se estar a riqueza das naes associada quantidade de metais preciosos ouro e prata acumulada, servindo o incremento das exportaes a esse fim. No por acaso, as naes colonialistas impediam que o ouro da colnia fosse vendido a outros povos. Tambm a explorao do trabalho humano no surgiu, evidentemente, com a primeira revoluo industrial. Ademais de citar o trabalho escravo e as suas modalidades desde aquele que se realizava por meio de prisioneiros de guerra at o crudelssimo aprisionamento da gente africana podem-se mencionar o labor dos servos de gleba 4 e dos aprendizes e oficiais nas corporaes de arte e ofcio 5. O aparecimento do direito do trabalho tem relao com um modo especfico de produo capitalista que emergiu com a realidade social sobrevinda aps os movimentos de ruptura scio-poltica e econmica que caracterizaram o fim da era moderna, no tumultuado sculo XVIII. As condies adversas do trabalho humano que se percebiam no mbito do emprego industrial exigiam um sistema de compensao jurdica que por zelo ou hipocrisia as legitimasse, atenuando o seu carter espoliativo, alm de demandarem uma construo terico-filosfica que fizesse face ideia, desde antes difundida entre os colbertistas, de que o industrial deveria assegurar aos seus trabalhadores apenas a remunerao que lhes garantisse a sobrevivncia, pois do contrrio no ocorreria a acumulao de riqueza to cara ao mercantilismo. Inspirando-se em sistematizao proposta por Maurcio Godinho Delgado 6, convm destacar os fatores econmicos, sociais e polticos que deflagraram o surgimento do direito do trabalho como ramo especfico do direito privado.4

Conforme ressaltamos em outro escrito, o homem se libertou do trabalho escravo, mas no completamente, pois se seguiu a Era Medieval e, nela, uma sociedade dividida em rgidos estamentos: os senhores feudais e os servos. A servido era imposta a quase todos os camponeses e se diferenciava do trabalho escravo porque o servo se ligava terra e pelo seu uso pagava diversos tributos, passando a ter novo amo quando a terra era vendida. Vinculava-se o servo gleba como antes se vinculara o escravo ao seu senhor. 5 Vide VIDA SORIA, J., MONEREO PREZ, J.L., MOLINA NAVARRETE, C., Manual de Derecho del Trabajo. Granada: Comares, 2004, p. 64. Os autores observam que o trabalho em regime gremial ou corporativo exibia algumas caractersticas coincidentes com a relao laboral prpria da empresa capitalista, alm de outras que o faziam diferente. As diferenas mais expressivas se encontravam no modo de se constituir a organizao em que se realizava o trabalho. No plano das relaes individuais, eram, porm, parecidas as condies em que se trabalhava sob as ordens dos mestres ou, mais adiante, dos empresrios. As coincidncias estavam presentes, por exemplo, na circunstncia de que as ordenanas gremiais relativas ao perodo de prova, disciplina, durao do contrato e tempo de trabalho seguiam orientao anloga que tem o atual direito do trabalho e tambm na peculiaridade de os aprendizes, companheiros e mestres serem trabalhadores livres. Mas os autores advertem, porm, que a liberdade de trabalho dos aprendizes era seriamente afetada, em muitos casos, pela combinao de uma longa durao de seus contratos eram comuns contratos de seis anos com um regime de desvinculao ou desate contratual muito rigoroso. 6 DELGADO, Maurcio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. So Paulo: LTr, 2008, p. 87.

Pode ser referido como fator econmico o advento do trabalho humano, alheio, produtivo e livre, mas subordinado que caracterizou o emprego industrial; o fator social mais relevante ter sido a concentrao urbana que propiciou a organizao das profisses e viabilizou assim os movimentos obreiros reivindicatrios; os fatores polticos a serem ressaltados so decerto a liberdade de exercer qualquer profisso sem as amarras da sociedade estamental ou mesmo do sistema corporativo, bem assim as aes coletivas que se desencadearam a partir do ambiente de empresa e geraram no apenas a normatizao das condies de trabalho sem a colaborao do Estado, mas tambm o modelo de democracia social que se contraporia soluo de fora preconizada por Marx para a conquista de uma sociedade menos desigual. Cabe destrinar cada um desses fatos determinantes para o nascimento e consolidao do direito laboral. 1.2 Os fatores econmicos que inspiraram o direito do trabalho Nos estertores do sculo XVIII, os trabalhadores perceberam a influncia danosa da primeira revoluo industrial na oferta de trabalho e recusaram, por isso, a submisso a normas inspiradas nos princpios da revoluo burguesa, especialmente nos postulados da igualdade e liberdade que os supunham, no plano artificial das abstraes jurdicas, semelhantes a empresrios que os submetiam, inclementemente, a condies injustas de trabalho. Cabe-nos estudar, portanto e analiticamente, os atributos do trabalho que justificaram a nova regncia, ou melhor, impende analisar o fenmeno social que motivou o surgimento do direito do trabalho. Antes de detalhar as condies em que o trabalhador prestara servio naquele novo modelo de organizao social, ou seja, na empresa que emergira com a primeira revoluo industrial, convm, por certo, relembrar o significado e as derivaes desse conceito (revoluo industrial). 1.2.1 A revoluo industrial Poderia causar estranheza o uso indiscriminado do vocbulo revoluo para designar uma transformao nos meios de produo como o caso da revoluo industrial e tambm alguns movimentos de ruptura poltica, como a Revoluo Francesa de 1789 e, na mesma Inglaterra, a Revoluo Gloriosa, um sculo antes. Ensina-nos Fbio Konder Comparato que revolutio, em latim, o ato ou efeito de revolvere (volvere significa volver

ou girar, com o prefixo re indicando repetio), no sentido literal de rodar para trs e no figurativo de volver ao ponto de partida, ou de relembrar-se 7. Anota Comparato que o uso poltico do vocbulo revoluo comeou com os ingleses, no sentido de uma volta s origens e, mais precisamente, de uma restaurao dos antigos costumes e liberdades. [...] O termo revolution assim usado, pela primeira vez, para caracterizar a restaurao monrquica de 1660, aps a ditadura de Cromwell 8. Deu-se, porm, um giro semntico a partir da Revoluo Francesa, pois a mesma palavra que expressava o retorno ao regime poltico anterior passou a significar uma mudana completa de valores e na ordem dos fatos, com o sinal claramente prospectivo da promessa de um mundo novo:O grande movimento que eclodiu na Frana em 1789 veio operar na palavra revoluo uma mudana semntica de 180. Desde ento, o termo passou a ser usado para indicar uma renovao completa das estruturas sociopolticas, a instaurao ex novo no apenas de um governo ou de um regime poltico, mas de toda uma sociedade, no conjunto das relaes de poder que compem a sua estrutura. Os revolucionrios j no so os que se revoltam para restaurar a antiga ordem poltica, mas os que lutam com todas as armas inclusive e sobretudo a violncia para induzir o nascimento de uma sociedade sem precedentes histricos. 9

Nos dias que correm, o termo revoluo polissmico, embora preserve a conotao de ruptura que lhe foi dada pela Revoluo Francesa. Lembra Paulo Bonavides 10 que pode tal palavra significar, para os historiadores, a transformao fundamental de uma situao existente, no importa em que domnio; enquanto para os juristas a revoluo essencialmente a quebra do princpio da legalidade, a queda de um ordenamento jurdico de direito pblico, sua substituio pela normatividade nova que advm da tomada do poder e da implantao e exerccio de um poder constituinte originrio. Muito prximo e at se relacionando intrinsecamente com o conceito jurdico, o conceito poltico de revoluo: a modificao violenta dos fundamentos jurdicos de um Estado. Interessa o tema, sobretudo aos socilogos e eles, quando instados ao conceito de revoluo, concebem-na, como ocorrera a Marx, como a busca retroativa de um desenvolvimento obstaculizado, o que corresponderia, na sociedade de classes em constante conflito, ao momento em que as foras materiais de produo na Sociedade caem em contradio com as relaes de produo existentes.7 8

COMPARATO, Fbio Konder. A Afirmao Histrica dos Direitos Humanos. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 124. Idem, ibidem. 9 COMPARATO, op. cit., p. 125. 10 a BONAVIDES, Paulo. Cincia Poltica. 10 edio. So Paulo : Malheiros Editores, 1997. p. 402.

Ainda no campo sociolgico, Ortega y Gasset observou que a revoluo no barricada, mas um estado de esprito, rematando enfim que o revolucionrio no se rebela contra os abusos da sociedade, conforme fazia o homem medieval, mas contra os usos, quer dizer, contra as instituies, como faz o homem moderno. O mestre Bonavides, de cujo ensinamento extramos vrias destas breves notas, acrescenta: se a mudana se refere ao pessoal de governo, no houve revoluo, mas golpe de Estado; se a mudana, porm, atingiu a Constituio poltica e a forma de governo, j possvel falar em revoluo, a saber, revoluo poltica; se, porm, as transformaes se verticalizarem mais [...], com ascenso de uma nova classe ao poder ou apario de um novo sistema de camadas sociais, redistribuio de propriedade ou at mesmo sua abolio [...], a o cientista poltico reconhecer ento a revoluo social 11. Como se pode perceber, o termo revoluo no comporta, sob o ponto de vista conceitual, reduo sociolgica, jurdica ou poltica. Os seus vrios sentidos denotam mudana e no raro se interpenetram os vrios matizes dos fatos ou atos que socilogos, juristas e cientistas polticos classificam, ao mesmo tempo, como revolucionrios. O laboralista Evaristo de Moraes Filho 12 atribui a autoria da expresso revoluo industrial a Arnold Toynbee, situando-a em escrito de 1884, e nos remete a trecho pinado da obra de Blanqui (clebre revolucionrio e socialista francs que passou na priso quase trinta anos de sua vida):Enquanto a Revoluo Francesa fazia suas grandes experincias sociais em cima de um vulco, a Inglaterra comeava as suas no terreno da indstria. O fim do sculo XVIII assinalou-se naquele pas por descobertas admirveis, destinadas a modificar a face do mundo e aumentar de modo inesperado o poder de seus inventores. As condies de trabalho sofreram a mais profunda modificao que haviam experimentado desde a origem das sociedades. Duas mquinas, imortais desde ento, a mquina a vapor e a mquina de fiar, transformaram o velho sistema comercial e fizeram nascer no mesmo momento produtos materiais e questes sociais, desconhecidas dos nossos pais. Os pequenos trabalhadores iriam tornar-se tributrios dos grandes capitalistas; a mquina-ferramenta substitua a roda de fiar, e o cilindro a vapor sucedia a economia domstica.

O autor francs se referia ao maquinismo e nova realidade social que dele emergia. E que progresso teve, afinal, a mquina, ao fim do sculo XVIII? Historiando a

Bonavides. Op. cit. p. 408. MORAES FILHO, Evaristo de. Do Contrato de Trabalho como Elemento da Empresa. So Paulo: LTr, 1993. Edio fac-similada, nota 33 da Parte I. p. 78.12

11

Idade Contempornea, Cludio Vicentino 13 anota que a revoluo industrial se iniciou com a mecanizao do setor txtil, cuja produo tinha amplos mercados nas colnias, inglesas ou no, da Amrica, frica e sia. Alinha, entre as principais invenes mecnicas do perodo, a mquina de fiar, o tear hidrulico e o tear mecnico. Em 1712, Thomas Newcomen inventou a mquina movida a vapor, sendo sua inveno aperfeioda por James Watt (1765). Em 1805, surgiu o barco a vapor e em 1814, a locomotiva a vapor, sendo assim os transportes igualmente influenciados pela descoberta do vapor como fora motriz. Em verdade, a associao entre o maquinismo e a evoluo dos meios de transporte tem um efeito singular: a um s tempo, produzia-se em srie e se distribua o bem produzido em mercados antes no explorados, o que estimulava novos investimentos na produo desse e de outros bens. Inicialmente, a Inglaterra monopolizou a industrializao. Os ingleses abandonaram inclusive a produo e a exportao de produtos primrios 14, transferindo-as para as colnias que, situando-se em zona temperada, possuam solo frtil para a agricultura que era, na grande ilha europeia, substituda pela criao de carneiros que proveriam as novas indstrias txteis 15. fato, porm, que o padro ingls de industrializao exigia investimentos no muito elevados e tecnologia pouco complexa, o que permitiu a outros povos (Alemanha, EUA, Frana, Japo e Rssia) inserir-se gradualmente, ao decorrer o sculo XIX, no mesmo modelo de produo fabril que caracterizou a primeira revoluo industrial 16. Sobreveio, porm, a segunda revoluo industrial, configurando-se afinal por uma maior escala de produo imposta pelo produo de novos bens que exigiam investimentos de maior monta, a exemplo da produo de energia eltrica, automvel, qumica, petrleo, ao etc. Pochmann explica: O surgimento de grandes empresas, por meio de fuso e cartis, e a unio dos capitais industrial e bancrio (financeiro) viabilizaram, parapoucos empresrios, a possibilidade de produo e difuso de uma nova onda de inovao tecnolgica. As dificuldades adicionais de acesso segunda Revoluo VICENTINO, Cludio. Histria Geral. So Paulo: Scipione, 1997, p. 284. Anota Marcio Pochmann (POCHMANN, Marcio. O Emprego na Globalizao. So Paulo: Boitempo Editorial, 2005, p. 20) que a Inglaterra pde comportar apenas 9% de sua fora de trabalho no setor primrio, em 1900, enquanto os Estados Unidos possuam 37% de sua populao ativa no campo, a Alemanha 34%, a Frana 43%, a Itlia 59%, a Espanha 67%, o Japo 69%, o Mxico 71%, a ndia 72%, o Brasil 73%, a Rssia 77% e a China 81%, conforme apona a pesquisa de Morris & Irwin (1970). 15 Sobre o tema, ver, por todos, PRADO JR, Formao do Brasil Contemporneo. So Paulo: Brasiliense, 2000, passim. 16 Cf. Pochmann, op. cit., p. 20.14 13

Industrial e Tecnolgica tornaram mais complexas as possibilidades de transio das naes perifricas para as naes do centro capitalista. Assim, entre 1890 e 1940, as exportaes mundiais de produtos manufaturados estiveram concentradas em apenas 5 pases (Inglaterra, Estados Unidos, Frana, Japo e Alemanha), que respondiam por cerca de 80% do total do comrcio internacional (Chirot, 1977).

A bem dizer, a segunda revoluo industrial teve incio na ltima metade do sculo XIX, quando se descobriu a eletricidade (o dnamo a ensejar a substituio do vapor), como fonte alternativa de energia para a indstria, e inveno de Henry Bessemer permitiu a transformao do ferro em ao, este suplantando aquele por suas caractersticas de dureza, resistncia e baixo custo - a inveno revolucionou a indstria metalrgica, que passou a produzir o ao em larga escala. Ao incio do sculo XX, a Inglaterra d sinais de fragilidade na sua condio de potncia hegemnica, agravando-se esse quadro em razo das duas guerras mundiais e da depresso econmica de 1929. A seu turno, os Estados Unidos j se apresentavam como a principal economia do centro capitalista e, no segundo ps-guerra, assumiram afinal a posio de hegemonia 17. A evoluo tecnolgica se intensificou desde a insero do petrleo (motor de combusto interna) como fonte energtica e, em vista do atual processo de informatizao da indstria, j h quem se refira a uma terceira revoluo industrial, no se podendo abstrair que a agilidade dos atuais meios de comunicao e a globalizao dos mercados, mediante a formao de blocos econmicos e interao entre estes, est por transmudar, como lembra o Professor Jos Eduardo Faria, a sociedade industrial em uma nova sociedade informacional, na qual o tempo de explorao comercial das invenes industriais se acelera na mesma proporo em que tais invenes so superadas por outras que revelam maior avano tecnolgico, contando-se esse tempo razo de semanas ou meses, sequer de anos... O alto investimento em pesquisa e a expanso do mercado mediante a globalizao da economia se justificariam, assim, como frmula medicinal para o tempo mnimo por que uma inveno industrial se converte em lucro. O paralelismo entre a questo social vivenciada no final do sculo XVIII (ou desde ento) com a realidade de nossos dias nos autoriza, quando menos, a diagnosticar a causa recorrente do conflito entre capital e trabalho: a evoluo do maquinismo e da tecnologia sempre exigiram o desemprego como custo social. irresistvel lembrar, contudo, a viso17

Cf. Pochmann, op. cit., p. 22.

otimista de Domenico de Masi, que concebe o desemprego estrutural, causado pela automao em todos os setores da economia, como uma fase de transio que desembocar na libertao do trabalho, tal como a humanidade outrora se libertou da escravido e, por meio do direito do trabalho, libertou-se da fadiga. De Masi 18 nos traz o alento:Quando comparada libertao da escravido, que caracterizou a Idade Mdia, e libertao da fadiga, que caracterizou a sociedade industrial, a libertao do trabalho, que ir caracterizar a sociedade ps-industrial, delineia-se com traos peculiares. Posto que as mquinas se incumbiro de quase todo o trabalho fsico, assim como de boa parte do trabalho intelectual do tipo executivo, o ser humano ir guardar para si o monoplio da atividade criativa que, por sua prpria natureza, d muito menos margem do que a atividade industrial para a alocao de tarefas e para a diviso entre tempo de trabalho e tempo livre. De modo diferente do desemprego, que necessariamente acompanhado pelos males da misria e da marginalizao, a libertao do trabalho admite formas de vida muito mais livres e felizes.

Ainda no alcanamos, decerto, esse promissor estgio. Como ainda tende a ocorrer num regime de dominao do capital, o trabalhador que assistiu ao nascimento do maquinismo, no final de sculo (XVIII), no convivia apenas com a ameaa de desemprego. Aceitava ele qualquer condio de trabalho, e a chamada meia-fora (mulheres e crianas) despendia, em contra-senso, ainda mais fora de trabalho em troca de pior remunerao. Mas se rebelava a massa trabalhadora contra essa situao indigna, a que fora injustamente lanado. A realidade social indicava uma tenso insuportvel entre a necessidade de o trabalhador garantir a subsistncia e, do outro lado, a oferta de trabalho que rareava na mesma proporo em que se desenvolvia o maquinismo, sobretudo aps a insero da energia eltrica no processo produtivo. O direito do trabalho veio sendo conquistado pelos trabalhadores na exata medida em que a presso desses pontos extremos rompeu o tnue fio do individualismo jurdico (fundado no axioma: quem diz contratual, diz justo; depende do indivduo assumir ou no obrigaes) e inspirou na classe proletria o anseio de um novo DIREITO. A origem primeira do direito do trabalho nos remete, contudo e certamente, realidade vivenciada, ao final do sculo XVIII, pelos trabalhadores da Europa Ocidental, pois nessa regio se desenvolveu, mais intensamente, o emprego industrial e a conseqente necessidade de resgatar a dignidade do trabalho humano. No deve causar estranheza aDE MASI, Domenico. Desenvolvimento sem trabalho. Traduo de Eugnia Deheinzelin. So Paulo: Editora Esfera, 1999, p. 11.18

circunstncia de no nos atermos experincia sovitica, embora a ela se refiram os homens de nosso tempo quando, desavisadamente, pretendem estabelecer alguma correlao inexorvel entre o regime comunista e o direito do trabalho vigente entre ns. preciso antecipar que o marxismo no se coaduna com a presena de um Estado, menos ainda de uma estrutura estatal que, sendo provedora de direitos laborais, legitime o modo de produo capitalista. Alm disso, parece-nos assistir razo a Hobsbawn 19, quando afirma o historiador:Com exceo dos romnticos que viam uma estrada reta levando das prticas coletivas da comunidade alde russa a um futuro socialista, todos tinham como igualmente certo que uma revoluo na Rssia no podia e no seria socialista. As condies para uma tal transformao simplesmente no estavam presentes num pas campons que era sinnimo de pobreza, ignorncia e atraso, e onde o proletariado industrial, o predestinado coveiro do capitalismo de Marx, era apenas uma minscula minoria, embora estrategicamente localizada.

1.2.2 O trabalho humano, produtivo, alheio e livre Que o direito do trabalho disciplina o trabalho humano, no h dvida. As relaes jurdicas de direito privado tm a pessoa como sujeito, regra geral. Quando pormenorizamos as caractersticas da relao jurdica de trabalho, percebemos, contudo, que o direito laboral cuida exclusivamente do trabalho prestado pelo homem, pessoa fsica ou natural, no lhe interessando o servio realizado por pessoa jurdica ou ideal. No demasia lembrar, ainda, que o direito do trabalho trata o homem como tal, sublimando inclusive o fato de a prestao de trabalho importar o dispndio de energia humana. No mais se iguala o homem ao semovente ou coisa - objeto da locao que retorna ao proprietrio quando cessa o contrato. A saber, a razo de o direito do trabalho existir decerto a perspectiva de o trabalho ser um valor social que dignifica o homem na era contempornea e a necessidade de o trabalho humano exigir uma regncia normativa que o associe dignidade da pessoa que o realiza. Trabalho produtivo e lazer no se distinguem pela tcnica acaso utilizada (o mesmo mtodo de pescar pode servir a uma atividade profissional ou ldica), mas se19

HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve sculo XX 1914-1991. Traduo de Marcos Santarrita. So Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 64.

diferenciam pela caracterstica, que s o primeiro revela, de o homem usar seu esforo tendo como finalidade prxima a obteno atravs deste dos meios materiais, dos bens econmicos de que necessita para subsistir, como ensina Olea 20. Trabalho por conta alheia, certamente, porque na empresa que surgira aps a abolio das corporaes de arte e ofcio, a partir da inverso do capital burgus na aquisio de maquinrio e contratao de pessoal, a novidade estava no apenas na diviso e tcnica de trabalho mas, sobremodo, no fato de os operrios serem contratados para movimentar a engrenagem empresarial em troca de uma remunerao que significava apenas parte do produto de seu trabalho. A outra parte era convertida em lucro. Nessa perspectiva, a alienao do trabalho era o resultado dessa produo coletivizada de mercadorias em que o trabalhador no se identificava no objeto que ajudara a criar. Em suma, ao trabalhador j no cabia o fruto de seu labor, que era atribuda, na nova forma de produo, ao titular da empresa (mais adiante, diria Marx: utilidade do trabalho salrio = plus valia). O trabalho livre diferia, por igual, daquele que at ento prevalecia nas organizaes produtivas. Lembremos que a Antigidade conheceu, predominantemente, o trabalho escravo. Segadas Viana 21 anota que aos escravos eram dados os servios manuais exaustivos no s por essa causa como, tambm, porque tal gnero de trabalho era considerado imprprio e at desonroso para os homens vlidos e livres [...] Na Grcia havia fbricas de flautas, de facas, de ferramentas agrcolas e de mveis onde o operariado era todo composto de escravos. Em Roma os grandes senhores tinham escravos de vrias classes, desde os pastores at gladiadores, msicos, filsofos e poetas. Aristteles, que concebia o homem como um ser poltico, j preconizava, a seu modo, que a real igualdade consistia em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Com essa proposio pretendia, porm, justificar a escravido e a dizia mesmo necessria para que outros homens pudessem pensar. E supondo, num vaticnio no confirmado pela Histria, que a automao viria libertar o homem do trabalho, afirmou Aristteles 22 que se cada instrumento pudesse, a uma ordem dada, trabalhar por si, se as

OLEA, Manuel Alonso. Introduo ao Direito do Trabalho. Traduo de Regina Maria Macedo Nery Ferrari e outros. Curitiba: Gnesis, 1997, p. 48. 21 SSSEKIND, Arnaldo, MARANHO, Dlio, VIANA, Segadas. Instituies de Direito do Trabalho. So Paulo: LTr, 1992, p. 27. 22 Cf. DE MASI, Domenico, op. cit., p. 14. Igual remisso faz Segadas Viana, op. cit. p. 28.

20

lanadeiras tecessem sozinhas, se o arco tocasse sozinho a ctara, os empreendedores no iriam precisar de operrios e os patres dispensariam os escravos. O homem se libertou do trabalho escravo que se revelava como uma forma legitimada de violncia, mas a transio para o modelo atual de trabalho, na modalidade de emprego, no se deu linearmente, pois se seguiu a Era Medieval e, nela, uma sociedade dividida em rgidos estamentos: os senhores feudais e os servos. A servido era imposta a quase todos os camponeses e se diferenciava do trabalho escravo porque o servo se ligava terra e pelo seu uso pagava diversos tributos 23, passando a ter novo amo quando a terra era vendida. A Baixa Idade Mdia 24 assistiu a transformaes sociais e econmicas que serviram progressiva estruturao do sistema capitalista de produo. A sociedade estamental foi gradativamente se desintegrando e, nesse mesmo toar, a economia autosuficiente, tpica do feudalismo, foi sendo substituda por uma economia comercial. O crescimento demogrfico 25 e o renascimento urbano, com a emancipao pacfica ou no das cidades onde mais florescia a atividade comercial, deram origem a uma nova sociedade, agora estruturada em classes e a habitar cidades ou burgos 26. Nessas cidades, as corporaes de mercadores, que buscavam garantir o monoplio do comrcio local, e as corporaes de ofcio, visando cada uma destas monopolizao de uma certa arte ou ofcio, eram influenciadas pela cultura crist conhecida como escolstica e, sob a sua doutrina, condenavam a usura. Por isso, uma mercadoria deveria sempre ser vendida pelo preo da matria-prima utilizada mais o valor da mo-deobra empregada 27. Apenas os companheiros (ou oficiais) eram remunerados como se fossem prottipos de assalariados, pois o mestre-arteso retribua o trabalho dos aprendizes, que

A exemplo da corvia (trabalho gratuito nas terras do senhor em alguns dias da semana), da talha (percentagem da produo das tenncias) e da banalidade (tributo cobrado pelo uso de instrumentos ou bens do senhor). A servido medieval sofreu influncia, em sua formao, de instituies romanas e germnicas, a exemplo da clientela (relao de dependncia social entre os indivduos na sociedade romana, influenciando o modo como se constituiu a relao senhor-servo na ordem feudal), do colonato (institudo pelo Imprio Romano, impunha a fixao do homem terra, objetivando conter o xodo rural e a crise de abastecimento causada pelo fim da escravatura) e do precarium (entrega de terras a um grande senhor em troca de proteo). Cf. VICENTINO, Cludio. Histria Geral. So Paulo : Scipione, 1997. p. 110. 24 A Baixa Idade Mdia estendeu-se dos sculos X ao XV. 25 Crescimento demogrfico proporcionado pelo fim das invases na Europa e pela reduo dos nveis de mortandade que as grandes epidemias provocaram. 26 Burgu, em latim, significa fortaleza, referindo-se, assim, s muralhas que circundavam as cidades. 27 Vicentino, op. cit., p. 139.

23

ocupavam a base da pirmide corporativa, atravs de alimentos, vesturio e alojamento, alm do aprendizado. Com o passar do tempo, muitos dos mestres se enriqueciam e exerciam, com rigor, a exclusividade da atividade artesanal. Os companheiros se uniam com o intuito de conquistar as parcelas de monoplio asseguradas mestria, quando no se resignavam ante a ausncia de perspectiva econmica mais favorvel. Noutro passo, a burguesia, que se fortalecia economicamente, interessava-se na instituio de um poder central que reduzisse a influncia poltica da nobreza, no tardando a se constiturem as monarquias nacionais, que grassaram por toda a Era Moderna. Os avanos tecnolgicos, de que vamos tratar no subitem relativo Revoluo Industrial, e, mais adiante, as novas tcnicas de diviso do trabalho prometiam alargar oportunidades e permitir que o homem se libertasse, uma vez por todas, dos grilhes da escravatura e da servido, sem as amarras que o corporativismo impunha ao desenvolvimento de atividades econmicas por quem delas no tinha o direito mestria. Contudo, o trabalho livre que surgira na empresa moderna no o era por completo, uma vez que se caracterizava exatamente pelo fato de o trabalhador ser livre (ou livre de coao absoluta) para escolher entre prestar ou no trabalho, embora no estivesse investido de igual liberdade no tocante ao tempo, lugar e modo de executar essa prestao laboral. Olea conclui: A liberdade a que estamos aludindo se refere ao momento do estabelecimento da relao de alheamento, sendo, portanto, seu sentido o de que aquela, no trabalho forado, fica anulada frente presena de uma violncia invalidante do consentimento 28.

1.3 Os fatores sociais que inspiraram o direito do trabalho O trabalho penoso que se desenvolvia na indstria txtil do fim do sculo XVIII propiciava, em contraponto, a concentrao dos trabalhadores nas cidades e, sobretudo, no cho da fbrica, onde se aguavam, a um s tempo, os sentimentos de indignao e solidariedade entre os que vivenciavam aquelas mesmas condies adversas de trabalho.

28

Olea, op. cit. p. 57.

1.3.1 Os primeiros movimentos de insurreio dos trabalhadores Os movimentos obreiros de insurreio surgiam e se desdobravam na Inglaterra e, mais aidante, tambm nos pases que se inseriam no processo de industrializao. Vale a pena referir o modo como reagiram os trabalhadores nesses pases.

1.3.1.1 A reao dos trabalhadores na Inglaterra Os trabalhadores almejavam uma condio mnima de trabalho que pudesse ser imposta ao industrial capitalista e, para alcanarem o objetivo, se rebelaram. Inicialmente na Inglaterra, onde o luddismo e a revoluo cartista davam o sinal do inconformismo. Ned Ludd comandou trabalhadores que atribuam s mquinas a culpa pelos males que os afligiam. O luddismo foi o movimento obreiro que se ops, portanto, mecanizao do trabalho vinda a reboque da primeira revoluo industrial, e pode ser ilustrado por carta que Ludd endereou a um certo empresrio de Hudersfield, em 1812: "Recebemos a informao de que dono dessas detestveis tosquiadoras mecnicas. Fica avisado de que se elas no forem retiradas at o fim da prxima semanal eu mandarei imediatamente um de meus representantes destrui-las... E se o senhor tiver a imprudncia de disparar contra qualquer dos meus Homens, eles tm ordem de mat-lo e queimar toda a sua casa". 29 Por sua vez, os cartistas surgiram quando, em 1832, o Parlamento ingls aprovou o Reform Act, uma lei eleitoral que privou os operrios do direito ao voto. Os trabalhadores reagiram e formularam suas reivindicaes na "Carta do Povo", um documento com quase trezentas mil assinaturas e contedo poltico que fundava, assim, o movimento operrio conhecido como cartismo 30. Esclarecem Olga Coulon e Fabio Pedro 31: [...] o movimento cartista ajudou os operrios ingleses a melhorarem suas condies de vida e deu-lhes experincia de luta poltica. Assim, em 1833, surgiu a primeira lei limitando a 8 horas de trabalho a jornada das crianas operrias. Em 1842 proibiu-se o trabalho de mulheres em minas. Em 1847, houve a reduo da jornada de trabalho para 10 horas.

29

Cf. COULON, Olga Maria Fonseca, PEDRO, Fabio Costa. Os Movimentos Operrios e o Socialismo. Disponvel em: http://br.geocities.com/fcpedro/cartism.html. 30 DE LA CUEVA, Mario. Derecho Mexicano Del Trabajo. Mxico: Editorial Porrua S/A, 1961, p. 29. 31 Idem, ibidem.

Em 1842, os cartistas encaminharam nova carta, em que reclamavam a existncia de milhares de homens morrendo de fome na Esccia, Irlanda e Pas de Gales e denunciavam: a jornada de trabalho, especialmente nas fbricas, excede o limite das foras humanas e o salrio por um trabalho que se presta nessas condies ruins de uma fbrica insuficiente para manter a sade dos obreiros e assegurar o conforto to necessrio depois de um desgaste intenso da fora muscular [...]. Os cartistas tentaram deflagrar motins e greves gerais, porm quando no fracassavam eram reprimidos fora.

1.3.1.2 A reao dos trabalhadores na Frana Mas o movimento revolucionrio dos trabalhadores tambm eclodiu na Frana, em 1848, inclusive com maior ressonncia na Europa e influncia decisiva para que na Alemanha, por igual, se iniciasse a revoluo obreira. Diferente da Inglaterra, a Frana era antes um pas de vocao agrria, em que o pequeno agricultor era sacrificado por pesados impostos, destinados a custear a burocracia e a casta militar. Contudo, o processo de industrializao se acelerou e, tambm na Frana, em prejuzo do artesanato e do pequeno proprietrio, originando a proletarizao do homem da cidade. Ainda sobre o movimento obreiro francs, observa De La Cueva que durante toda la monarqua, desde la restauracin de los Borbones, fu Francia un verdadero volcn. Bastara recordar los dos grandes movimientos huelgusticos de los trabajadores de la sede de Lyon de 1831 y 1834 y la organizacin, desde 1821, de diversas sociedades secretas 32. Ainda na Frana, intensificava-se o trnsito do socialismo utpico, em que a crtica ao regime se associava inteno de suplant-lo atravs da tentativa malsucedida de convencer a burguesia a promover ou aceitar a transformao social. Em 1848, surge o Manifesto Comunista de Marx e Engels, que ao historicismo hegeliano incrementava a idia de o regime burgus ser uma etapa transitria e, no processo histrico, o advento de uma sociedade regida pelos princpios do socialismo seria a conseqncia necessria da evoluo das foras econmicas. A Histria, para Marx, era a histria da luta de classes, classes estas que se digladiavam visando conquista dos meios de produo. Assim inspirado, Marx conclamava: Proletrios de todo o mundo, uni-vos. No obstante a pouca tolerncia greve e ao associativismo, a duras penas o trabalhador francs adquiriu conscincia de classe e promoveu a divulgao da doutrina marxista, com32

De La Cueva, op. cit., p. 32.

reflexos positivos na evoluo do direito do trabalho, mesmo aps Napoleo III ser alado a imperador, aps o golpe de estado que restaurara a monarquia, em 1851. Mas, num embarao a esse processo, a histria obrigou o povo francs a se unir em razo da guerra franco-prussiana, vencida pela Alemanha em 1870. A derrota da Frana exigiu de seu povo uma significativa indenizao de guerra.

1.3.1.3 A reao dos trabalhadores na Alemanha J na Alemanha, a industrializao teve impulso somente na segunda metade do sculo XIX, quando j era inegvel o poder poltico e econmico da Inglaterra. Mas semelhana do que ocorrera entre os ingleses, que promoveram a revoluo cartista, o progresso industrial produziu na Alemanha um intenso movimento obreiro. A primeira insurreio de trabalhadores na Alemanha ter sido, segundo Jaques Droz 33, a sublevao dos teceles da Silsia, em 1844. O autor explica:Na origem da revolta preciso colocar o fardo das imposies feudais que continuavam a pesar sobre a classe rural da Silsia mesmo com a abolio da escravatura: trabalhadores a domiclio, obrigados a vender o produto do seu trabalho a negociantes que comercializavam em seguida as mercadorias, os teceles eram sobrecarregados pelos foros censitrios e pelas prestaes em dinheiro, sem falar dos impostos do Estado; a sua situao agravou-se com o encerramento dos mercados americanos e a criao de uma indstria txtil na Polnia, e isto num quadro de um mercado onde a concorrncia inglesa se fazia sentir duramente e cuja produo estava tecnicamente mal organizada.

As revoltas que tiveram lugar em Peterswaldau e em Langenbielau, no ms de junho de 1844, resultaram na destruio de residncias, confiscando-se ttulos de propriedade e dizimando-se mquinas. Embora no houvesse violncia contra pessoas, os levantes daquele ano foram afinal reprimidos por foras militares que, mobilizadas, aplicaram penas variadas a oitenta e sete teceles. Anota Jaques Droz 34 que o proletariado de fbrica era de pouca expresso numrica, mas a construo de ferrovias, especialmente em Saxe, teve papel relevante no processo de industrializao na Alemanha, desencadeando cerca de quarenta greves entre 1844 e 1848.

DROZ, Jaques. O Movimento Operrio na Alemanha e o Neo-hegelianismo. Disponvel em: http://www.pco.org.br/biblioteca/origens/movimentooperarioalemanha.htm. 34 Idem, ibidem.

33

1.3.2 A organizao das profisses A aluso a esses movimentos obreiros permite verificar que, aps o impacto da primeira revoluo industrial, os trabalhadores formaram coalizes, que se dissolviam aps a vitria ou insucesso de cada insurgncia. Os sindicatos vieram depois, quando as vantagens de se institurem organismos permanentes foram percebidas pelos trabalhadores. Sanseverino situa entre 1815 e 1848 a fase das coalizes e anota que o mundo do trabalho encaminhou-se, definitivamente, rumo consciente conquista da liberdade sindical quando publicado o Manifesto Comunista de 1848, por Marx e Engels 35. O capitalismo comercial e, mais adiante (sculo XVIII), o capitalismo industrial, forjaram o trabalhador livre e investido de liberdade cvica. Ao trabalhador, dava-se a liberdade de contratar e a paradoxal perspectiva de ajustar assim a prpria espoliao, como alternativa para sua sobrevivncia. Observa Bourguin:[...] nos sistemas anteriores, ou havia associao do trabalho e da propriedade neste caso, o trabalhador gozava de liberdade cvica , ou o trabalhador no era proprietrio, mas ento no era tambm um cidado livre. A alternativa era bem clara na era pr-capitalista. Mas o capitalismo empreendeu a grande aventura de associar, nas massas de homens sempre crescentes, a ausncia completa de propriedade a uma completa liberdade pessoal e a uma completa igualdade poltica 36.

O sindicato foi, na sequncia, a forma associativa que se constituiu no sistema capitalista de produo, visando defesa dos interesses coletivos dos trabalhadores. Contra esses interesses, somavam-se o fim das corporaes medievais com a ruptura da estrutura econmico-social, o maquinismo e a transformao do homem que, a custo menor e em maior quantidade, operava a mutao da matria. A produo de bens ou servios j no mais dependia da aptido artstica ou especializao do homem profissional, podendo mulheres e crianas prestar, com salrio reduzido, o mesmo trabalho. Esse sentimento de angstia e desamparo por que passava o trabalhador associada por Deveali s causas sociais do sindicalismo, em passagem emblemtica de sua obra: Essa transformao de carter psicolgico tem, na nossa opinio, uma influncia preponderante na formao da mentalidade classista que o efeito e a causa, por sua vez, da

SANSEVERINO, Luisa Riva. Curso de Direito do Trabalho. Traduo de lson Guimares Gottschalk. So Paulo: LTr, 1976, p. 10. 36 Apud Evaristo de Moraes Filho, op. cit., p. 79.

35

unio de massas indiferenadas, unidas exclusivamente por uma dor comum, por um sentir comum e pelo mesmo desejo de libertao, se no de vingana37. O sindicalismo no teria trajetria exitosa, porm, caso tivesse prescindido da greve, como meio de presso para novas conquistas obreiras, e no houvesse institudo as convenes coletivas de trabalho, em detrimento do monoplio estatal na produo normativa. Esses trs institutos (sindicato, direito de greve e conveno coletiva) percorreram a mesma estrada, sendo inicialmente proscritos, em seguida tolerados e, afinal, reconhecidos pela ordem jurdica. A histria do sindicalismo, quando relacionada com a institucionalizao das convenes coletivas e da greve, revela o modo como reagiu a classe operria consagrao, pela revoluo burguesa, do princpio da autonomia da vontade individual. Em suma, os referidos institutos jurdicos expressam, hoje, o modo de atuao da vontade coletiva.

1.4 Os fatores polticos que inspiraram o direito do trabalho O final do sculo XVIII assistiu ao nascimento da primeira gerao dos direitos humanos, aquela que se traduz nas liberdades civis e polticas. A Declarao de Direitos da Virgnia (1776) proclamava:Todos os seres humanos so, pela sua natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, ao entrarem no estado de sociedade, no podem, por nenhum tipo de pacto, privar ou despojar sua posteridade; nomeadamente, a fruio da vida e da liberdade, como os meios de adquirir e possuir a propriedade de bens, bem como de procurar e obter a felicidade e a segurana.

A seu turno, o art. 1 da Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, na Frana de 1789, reiterava que os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. verdade que a preocupao dos norte-americanos era mais a de consolidar a sua prpria independncia em relao coroa britnica, enquanto os franceses consideraram-se investidos de uma misso universal de libertao dos povos 38. Assinalando que as grandes etapas histricas de inveno dos direitos humanos coincidem com as mudanas nos princpios bsicos da cincia e da tcnica, Comparato observa com a acuidade de sempre:Apud RUPRECHT, Alfredo J. Relaes Coletivas de Trabalho. Traduo de Edlson Alkmin Cunha. So Paulo: LTr, 1995, p. 52. 38 COMPARATO, op. cit., p. 51. O autor remata que, efetivamente, o esprito da Revoluo Francesa difundiu-se, em pouco tempo, a partir da Europa, a regies to distantes quanto o subcontinente indiano, a sia Menor e a Amrica Latina.37

Foi justamente no sentido francs, e no na acepo inglesa, que a transformao radical na tcnica de produo econmica, causada pela introduo da mquina a vapor [...] na Inglaterra, tomou o nome de Revoluo Industrial. 39

Nessa quadra histrica em que se festejavam os direitos de liberdade, unam-se a liberdade de exercer qualquer profisso, sem os limites da sociedade estamental ou dos grmios corporativos, e o modo de reagir o operariado s aes da empresa. Criaram-se, assim, novos espaos de participao poltica dos trabalhadores que os fariam atuantes na normatizao das condies de trabalho e na construo de uma sociedade que lhes parecesse menos injusta. A circunstncia de a empresa ser uma coletividade, no se esgotando na dimenso individual as agruras vivenciadas pelos trabalhadores que nela mourejavam, porque todos o faziam em condies semelhantes, traduziu-se em um campo frtil coletivizao tambm das condutas reativas desses trabalhadores. Por assim dizer, os operrios resistiam coletivamente s aes danosas do ser coletivo, que era a organizao produtiva na qual laboravam. A um s tempo, os trabalhadores organizados inauguravam uma nova maneira de regular a vida social. Desde essa poca at os dias atuais, passaram a atuar diretamente, sem a interveno do Estado, na elaborao de normas jurdicas que viriam a disciplinar as suas condies laborais. Em um primeiro momento, as convenes coletivas surgiram como gentlemens agreement, ou seja, como um pacto que no podia ser cobrado coercitivamente e comportava, no caso de descumprimento, apenas sanes morais. A possibilidade de os prprios atores sociais regularem as relaes de trabalho que porventura os unisse importava, na linha do pensamento liberal, um ato de demasiada condescendncia com a ao dos sindicatos, em detrimento dos ideais burgueses que proscreviam, a pretexto de conjurarem as velhas corporaes de ofcio, os corpos intermedirios. Mas as convenes coletivas brotavam incessantemente e solucionavam conflitos, ganhando legitimidade em razo de sua natural eficcia. Alm disso, a ao poltica dos trabalhadores no se esgotava na elaborao da norma coletiva, imiscuindo-se gradualmente nos recintos do Estado Liberal que pareciam guardados para a ao poltica do empresariado, investido de poder econmico.

39

Op. cit., p. 52.

A esse propsito, o advento da social democracia alem revela o modo como as coletividades de trabalhadores se organizaram politicamente, ilustrando como aprenderam a valer-se dos instrumentos de ao democrtica para ocupar espaos polticos antes reservados burguesia ou, residualmente, a classes hegemnicas de variado matiz. Em rigor, os alemes sofreram clara influncia do Manifesto Comunista e das idias de Lassalle. Ferdinand Lassalle foi personalidade marcante do trabalhismo alemo, que em 1863 convocou o congresso obreiro em que fora constituda a Associao Geral de Trabalhadores Alemes, cujos fundadores, em declarao de princpios, firmavam: somente o sufrgio universal e direto pode assegurar uma representao adequada e segura dos interesses sociais da classe obreira alem, assim como a eliminao dos antagonismos de classe. Foi a urgncia de praticar a democracia, aps o estabelecimento do imprio germnico, com um Reichstag eleito por vo