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 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Professor Carlos Blanco de Morais SEBENTA 大象 2014/2015

Direito Internacional Público - Blanco de Morais, ex vi Nguyen-Quoc Dihn

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DIREITO

INTERNACIONAL

PÚBLICO Professor Carlos Blanco de Morais

SEBENTA

大象

2014/2015

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Desejando boa sorte, cabe-me alertar para o facto de a sebenta ter, certamente, pequenas

imprecisões que, por lapso e sem intenção, nela perpassaram. Leiam criticamente, como tudoem ciência! E não dispensem a consulta dos manuais (isto ajuda e tem muita coisa resumida

mas não terá tudo e poderá ter erros, e nada como comprar os manuais ou consultá-los na

biblioteca).

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primeiras organizações universais e a elas associaram as primeiras jurisdições com vocação

universal, estavam em condições de estabelecerem um texto respondendo a estas condições.

Foi inicialmente o Estatuto do Tribunal Penal de Justiça Internacional, depois do Tribunal

Internacional de Justiça. Num e noutro texto  – sob reserva de uma numeração ligeiramente

diferente –, o artigo 38.º, dispõe:

«1. O Tribunal (…) aplica: 

a) 

 As convenções internacionais, quer gerais quer especiais, que estabeleçam

regras expressamente reconhecidas pelos Estados em litigio;

b) 

O costume internacional, como prova de uma prática geral aceite como

Direito;

c) 

Os princípios gerais de Direito reconhecidos pelas nações civilizadas;

d)  Sob reserva da disposição do artigo 59.º, as decisões judiciais e os

ensinamentos dos juspublicistas mais qualificados das vária nações como

meio auxiliar para a determinação da regra de direito.

2. A presente disposição não prejudica a faculdade de o Tribunal decidir ex aequo et

bono, se as partes estiverem de acordo.»

Enquanto o texto de 1920 começava simplesmente pelos termos: « O Tribunal aplica…» o de

1945  – o único em vigor  – abre com uma evocação da missão do Tribunal: «O Tribunal, cuja

 função é resolver os litígios que lhe sejam submetidos, em conformidade com o Direito

Internacional, aplica…». Este esclarecimento não é inútil, embora não seja necessário: indica

claramente que as fontes enumeradas são as do Direito Internacional e que se trata de fontes

formais deste Direito, em virtude de serem aplicáveis diretamente pelo juiz. Ora o artigo 38.º do

Estatuto é oponível a todos os sujeitos de Direito Internacional e pode ser invocado por eles.

Com efeito, todos os Estados membros das Nações Unidas são, ipso facto, partes do Estatuto doTribunal e ligados por ele. Os raros Estados que não são membros da Organização das Nações

Unidas aceitaram-no quase todos expressamente, com vista a serem autorizados a recorrer ao

Tribunal nos conflitos em que estão implicados. O seu campo de aplicação é mesmo, de facto,

mais amplo do que o Estatuto, na medida em que os termos do artigo 38.º são retomados

noutros tratados sobre a resolução pacífica dos conflitos, ou lhes servem de referência. Por seu

lado, as organizações internacionais não estão aptas para contestar uma tomada de posição tão

nítida por parte dos Estados; não se conhece precedente em que uma das organizações

internacionais tenha posto em dúvida o caráter de fontes formais das que foram enumeradas

no artigo 38.º. O artigo 38.º pode ser, porém, criticado: é ambíguo nalgumas das suas

formulações e sobretudo não fornece uma lista exaustiva das fontes formais do Direito

Internacional contemporâneo. Não foram referidas fontes importantes, tais como os atos

unilaterais dos Estados e as decisões das organizações internacionais.

Hierarquia das fontes e conflitos de normas: 

1.º Para esclarecer o problema, convém distinguir com muita firmeza, desde o início, as

normas jurídicas internacionais e as fontes formais do Direito Internacional. Por normas,

entendemos o conteúdo, a substância de uma regra elaborada segundo as exigências

“processuais” desta ou daquela fonte formal. Uma mesma norma pode provir de numerosas

fontes diferentes: assim, podem ter um fundamento convencional para certos Estados e um

fundamento costumeiro para outros. Inversamente, uma mesma fonte pode dar origem a

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hierárquico é o de um conflito entre uma norma “imperativa” (ius cogens) e uma outra norma,

convencional ou costumeira. A Convenção de Viena de 1969 sobre o Direito dos Tratados afirma

o caráter “imperativo” – portanto hierarquicamente superior  – de certas normas, não do seu

processo de elaboração, que permanece uma fonte “clássica”, convencional ou costumeira. Para

os outros casos, há, senão um princípio hierárquico, pelo menos regras de resolução de conflitos,

quer entre regras convencionais, quer entre regras consuetudinárias, quer ainda entre normaconvencional e norma consuetudinária. As soluções do Direito positivo inspiram-se em dois

adágios: specialia generalibus derogant   ( lei especial derroga lei geral) e lex posterior priori

derogat  (lei posterior prevalece sobre a regra anterior). Um ponto fraco do Direito Internacional

consiste em que tais regras permitem de certo saber qual das duas que sejam incompatíveis

deve aplicar-se, mas não põe o problema da licitude de uma norma em relação a outra. Apenas

a afirmação do primado hierárquico permitiria obter o segundo resultado.

Classificação das fontes: a enumeração das fontes fornecida pelo artigo 38.º do Estatuto do

Tribunal Internacional de Justiça é completada pela prática, é bastante diversificada para que

sejam possíveis reagrupamentos ou reaproximações entre as diversas fontes. Uma tal diligência

autoriza a evidenciar certos elementos comuns aos regimes das diferentes fontes. Uma tal

diligência autoriza a evidenciar certos elementos comuns aos regimes das diferentes fontes. É

possível assim opor as fontes escritas às fontes não escritas, porque os processes não serão

provavelmente os mesmos para umas e para outras, sucedendo o mesmo para o potencial grau

de precisão das normas resultantes. Pelas mesmas razões e porque a oponibilidade das normas

difere num e noutro caso, distinguir-se-ão as fontes concertadas e as unilaterais, ou ainda o

“direito espontâneo” e as fontes que tomam a forma  de atos jurídicos (tratados, certos atos

unilaterais dos Estados e as organizações internacionais).

A Formação Convencional do Direito Internacional

A – Definição de Tratado

Definição tradicional: em virtude da antiguidade do tratado como processo de criação das

obrigações jurídicas entre Estados, os elementos constitutivos da sua definição encontram-sesolidamente estabelecidos. São objeto de um acordo geral na doutrina, sob reserva de pequenas

diferenças de redação entre os autores. Podemos fixar a definição seguinte: o tratado designa

a produzir efeitos de Direito e regulado pelo Direito Internacional . Carlos Blanco de Morais

define-o, como: acordo concluído entre dois ou mais sujeitos de Direito Internacional Público

com capacidade para o efeito, destinado a produzir efeitos jurídicos regidos pelo mesmo Direito.

1.º  Conclusão de um acordo: supõe um “concurso de vontades” entre as partes

concordantes. Não necessariamente uma aceitação paralela e simultânea: um tratado pode

nascer de uma declaração unilateral de vontade de uma parte, seguida da aceitação da outra,

ou de uma declaração coletiva que tenha sido objeto de aceitações unilaterais posteriores.

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2.º Partes no acordo: para que haja tratado, é necessário que as partes sejam sujeitos

de Direito Internacional. Enquanto os Estados foram considerados como únicos sujeitos diretos

deste Direito, os tratados não podiam ser senão interestatais. As únicas dificuldades, a este

respeito, provinham de entidades de cujo caráter estatal se podia duvidas, e dos Estados

federados. Esta categoria de tratados continua a ser a mais importante, mas apareceram outras

categorias com a extensão da qualidade de sujeito de Direito a entidades não estatais.

3.º Criação de efeitos de Direito: qualquer tratado cria compromissos jurídicos, a cargo

das partes, com caráter obrigatório. Este aspeto distingue os tratados dos atos concertados não

convencionais, mas é muitas vezes difícil de fazer a demarcação entre uns e outros.

4.º Submissão ao Direito Internacional: se o tratado deve ser necessariamente regulado

pelo Direito Internacional, não é indispensável que esteja subordinado exclusivamente a este. A

matéria dos tratados é uma matéria interdisciplinar, no sentido em que depende de

simultaneamente da ordem jurídica internacional e da ordem jurídica interna. Designadamente

no que respeita à conclusão do tratado, cabe ao Direito interno um vasto domínio de

intervenção.

A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados e a definição escrita:

1.º A Convenção de Viena de 23 de maio de 1969: a importância que representam os

tratados na vida jurídica internacional, os contornos bem definidos e relativamente precisos dos

princípios relativos à sua conclusão e à sua aplicação, levaram a Comissão de Direito

Internacional a preocupar-se muito cedo com a sua codificação. Iniciada em 1950 e entrando na

sua fase ativa a partir de 1961, esta só pôde todavia ser concluída em 1969 tantos foram os

problemas surgidos em toda a sua complexidade assim que se entrou no pormenor das regras

aplicáveis. Seja como for, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 23 de maio de

1969 – o tratado dos tratados – é um êxito notável e um exemplo de conciliação bem sucedidaentre a codificação pura e simples de regras preexistentes e o seu desenvolvimento progressivo.

2.º O artigo 2.º, n.º1, alínea a), da Convenção de Viena de 1969 (CVDT) inclui na

definição de tratado vários elementos formais que completam, de forma feliz, a sua definição

tradicional:

«a expressão “tratado” designa um acordo internacional, concluído por escrito entre

Estados e regido pelo Direito Internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer

em dois ou vários instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular »

a) 

Forma escrita: a Convenção define o tratado como um acordo concluído proescrito. Se dúvida, o artigo 3.º implica que ela não ignora os acordos que não

foram concluídos por escrito  – os acordos verbais  – e que não lhes retira

qualquer valor jurídico. Mesmo assim, ao recusar examinar acordos verbais

entre Estados, embora estes existam, a Conferência de Viena confirma

implicitamente que as regras relativas a esses acordos não apresentam

provavelmente segurança para permitir a sua codificação;

b)  Número de instrumentos: por “tratados” designa-se, tanto o conteúdo do

acordo concluído entre as partes, quer dizer, o próprio acordo, como o

instrumento que formaliza esse acordo. A Convenção de Viena esclarece

que um mesmo tratado pode compreender dois ou mais instrumentos.

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Assim, o acordo concluído pode ser estabelecido mediante uma “troca de

cartas” ou “troca de notas” entre as partes; 

c)  Pluralidade de denominações: dispondo que o termo tratado designa em

acordo internacional “qualquer que seja a sua denominação particular”, a

Convenção confirma a existência de uma pluralidade de denominações

equivalentes.

B – Classificação de Tratados

Métodos de classificação: existem, em princípio, dois métodos de classificação. O primeiro

toma em consideração os aspetos intrínsecos dos tratados, o seu conteúdo ou a sua função

 jurídica; fala-se, neste caso, de classificação material. O segundo interessa-se pelas variáveis

extrínsecas dos tratados, considerados como instrumentos jurídicos; dá origem a classificações

formais. No Direito dos tratados, nenhuma classificação tem alcance geral: consoante osproblemas que se põem, terá valor operatório uma ou outra, por vezes será mesmo a

combinação de várias classificações. Por isso a Convenção de Viena abstém-se de qualquer

distinção sistemática e rejeita, implicitamente, certas classificações.

Classificações materiais:

1.º  A distinção entre tratados-leis e tratados-contratos: é uma das mais clássicas na

doutrina, mas também das mais controversas. Apresenta um certo interesse histórico e

sociológico, mas não possui qualquer alcance jurídico: não existe um regime jurídico próprio

para cada uma destas categorias de tratados; aliás, como poderia ser de outro modo, se um

mesmo tratado pode ter um caráter misto, ser uma amálgama de disposições dos dois tipos?Considerações históricas explicam o sucesso desta distinção: no princípio do século XIX, os

autores ficaram impressionados pela originalidade dos primeiros tratados coletivos que fixavam

regras abstratas, em relação à prática tradicional dos tratados bilaterais de conteúdo mais

material e subjetivo. Do ponto de vista sociológico, esta “descoberta” permitia chamar a atenção

para a função “legislativa” do concerto das nações. Contudo, a prática não tirou daí quaisquer

conclusões, senão em matéria de interpretação das convenções. Porém, assistimos a um

ressurgimento desta velha distinção no caso dos tratados de caráter humanitário a propósito

dos quais o artigo 60.º, n.º5 CVDT esclarece que não se lhe pode pôr termo ou que a sua

aplicação não pode suspender-se invocando como pretexto a violação substancial pela outra

parte. As jurisdições internacionais têm, de resto, acentuado o caráter particular dos tratadosrelativos à proteção dos direitos do homem.

2.º  A oposição dos tratados gerais aos tratados especiais: de origem convencional

(artigo 38.º, n.º1 Estatuto do TIJ), esta distinção é apenas uma formulação particular da distinção

precedente e não tem, pois, mais alcance técnico do que aquela. Os esforços realizados para a

concretizar defrontam-se com a ambiguidade, a anfibologia, da noção de “tratado geral”. Os

autores da Convenção de Viena preferiram não estabelecer disposições específicas para os

tratados multilaterais gerais, apesar da tentativa de definição da Comissão de Direito

Internacional. As duas primeiras classificações fundadas no objeto ou na finalidade dos tratados

são demasiado abstratas para responder às necessidades da prática. Não sucede o mesmo com

a terceira.

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3.º  A distinção tratados normativos-tratados constitutivos de organizações

internacionais: consiste em opor os tratados que fixam regras de comportamento aos que

estabelecem estruturas e determinam o seu modo de funcionamento. Na verdade, esta

distinção não é inteiramente operatória, pois existem tratados que têm caráter misto; mas e

largamente aceite pelo Direito positivo. O importante número de organizações internacionais,

o fenómeno de imitação na elaboração das cartas constitutivas, permitiram o aparecimento deuma categoria relativamente homogénea de tratados. Como reconhece o artigo 5.º da

Convenção de Viena e como tendem a estabelecer os trabalhos ulteriores da Comissão de

Direito Internacional, é possível deduzir um regime jurídico próprio desta categoria de tratados.

A especificidade do seu regime reside, no essencial, em duas características: a vontade dos

Estados em assegurar a longevidade das organizações internacionais e a preocupação de lhes

garantir um funcionamento contínuo. Assim, os Estados abster-se-ão de emitir reservas sobre

as regras de processo; não preverão cláusulas de abandono, nem cláusulas de duração da

convenção, e obrigar-se-ão a respeitar um longo prazo antes de poderem encarar a denúncia do

tratado. Estas considerações são levadas às últimas consequências no caso de organizações

integradas: proibir-se-á aos Estados membros que suspendam a aplicação do tratado com opretexto – ainda que real – da sua violação por um deles. Devido a estas particularidades, e por

analogia com a terminologia adotada no Direito interno, reconhece-se frequentemente a estas

cartas constitutivas de organizações internacionais um caráter “constitucional”. É anunciar,

senão resolver, os delicados problemas de hierarquia que podem existir entre as duas categorias

de tratados.

Classificações formais:

1.º De acordo com a qualidade das partes: distinguem-se os tratados concluídos entre

Estados, os tratados concluídos estre Estados e Organizações Internacionais e os tratados

concluídos entre organizações internacionais. Ao evocar a possibilidade de regras específicaspara os tratados concluídos em que são partes sujeitos de Direito que não os Estados, o artigo

3.º da CVDT parecia ver nesta distinção uma summa divisio na matéria. As particularidades do

direito das organizações internacionais parecem, a priori, justificar diferenças de regime jurídico

entre estas três categorias de tratados. O exame aprofundado do problema desde 1969

demonstrou os seus limites. A tendência, no estádio atual da codificação do Direito dos Tratados,

é para unificar ao máximo o regime jurídico das diversas categorias. Assim, na sequência da

Comissão de Direito Internacional, a Convenção de Viena de 1986, mesmo mantendo a distinção

entre tratados concluídos entre Estados e organizações e tratados concluídos só entre

organizações internacionais, apenas lhe concede um alcance concreto bastante restrito.

2.º Segundo o número das partes: a dsintição principal, plenamente operatória, é a que

existe entre tratados bilaterais e tratados multilaterais. Certos autores consideram que, entre

estas duas categorias, existe uma categoria intermédia constituída por tratados plurilaterais que

designariam os tratados em que o número das partes, superior a dois, é limitado, enquanto, em

princípio, os tratados multilaterais são suscetíveis de virem a ser tratados universais. A prática

não revela diferenças substanciais entre o regime jurídico do tratado plurilateral e o do tratado

multilateral. A summa divisio continua a ser, pois, a distinção entre tratados bilaterais e tratados

multilaterais, entre os quais existem importantes diferenças de regimes.

3.º  Segundo a forma: tradicionalmente, em relação a este critério do processo de

conclusão, estabeleceu-se uma distinção entre “tratados em forma solene” e “acordos emforma simplificada”, a que se aplicam respetivamente modalidades diferentes de expressão do

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consentimento em vincular-se. A crescente intervenção das organizações internacionais na

conclusão dos tratados dá origem a uma nova distinção entre o que são concluídos com ou sem

essa intervenção. Quando a intervenção ocorre, deve ainda fazer-se uma subdistinção entre os

tratados concluídos sob os auspícios de uma organização, quando esta fornece apenas uma

ajuda tendente a encorajar e favorecer aquela conclusão, e os tratados concluídos dentro dessa

organização, quando é um seu órgão que procede diretamente à elaboração do texto do tratado.

Conclusão dos Tratados

Observações Gerais: A conclusão de um tratado internacional é uma operação com múltiplos

aspetos:

1) 

Adoção do texto e sua autenticação;

2)  Decisão do Estado consentido em vincular-se pela Convenção Internacional;

3)  Notificação internacional desta decisão;

4)  Entrada em vigor da Convenção Internacional, em conformidade com as suas

disposições, relativamente aos Estados que exprimiram o seu consentimento.

Os processos exigidos nas fases 3 e 4 são exclusivamente submetidos às regras do Direito

Internacional, o consentimento previsto na segunda  fase depende unicamente do Direito

Interno do Estado considerado. Quanto à primeira fase ela é essencialmente internacional mas

é condicionada por um ato puramente interno: a designação do negociador. A Convenção de

Viena conseguiu clarificar o regime jurídico das diversas etapas do processo de elaboração dasConvenções Internacionais e permitiu esperar novos progressos no desenvolvimento do Direito

relativo a esta matéria.

1.º Concluir uma Convenção Internacional é, antes de mais, um atributo da soberania,

ao mesmo tempo que o seu exercício. Ora, quem pode levar a cabo essa importante tarefa em

nome do Estado, em virtude da autonomia Constitucional dos Estados, são as respetivas

Constituições que, na repartição geral das competências entre as diversas autoridades estatais,

respondem a esta questão. Ou seja, se a conclusão dos tratados é, por natureza, uma matéria

regulada pelo Direito Internacional, depende também, necessariamente, do Direito Interno.

2.º  Por outro lado, ao criar obrigações a cargo do Estado, qualquer Convenção

Internacional é uma fonte de limitação das suas competências. Deve ser concluído sem pressa

e com pleno conhecimento de causa. Tanto mais que a autoridade estatal competente para

concluir tratados, a que beneficia dos treaty-making powers,  segundo a terminologia anglo-

saxónica – a qual, pela força das coisas e salvo raras exceções, não participa pessoalmente na

conclusão  –, precisa de verificar-se se os seus representantes seguiram corretamente as suas

instruções. Para responder a estas exigências, a conclusão dos tratados, enquanto processo,

subdivide-se em várias fases. Apresenta-se, assim, desde a época do absolutismo real, no

decurso da qual se constituiu progressivamente, como um mecanismo complexo.

3.º Convém acrescentar que, embora conservando a sua complexidade, sofreu inúmeras

transformações desde o século XIX. Estas resultam, em primeiro lugar, das mudanças ocorridasnos regimes constitucionais que modificaram profundamente a ordem das competências no

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seio do Estado. As outras causas dessas transformações situam-se no plano internacional: a

intensificação das relações internacionais e a expansão do Direito Convencional, consecutivas

as crescimento da solidariedade internacional, levaram os Estados a procurar novos processos,

adaptados às novas necessidades. Entre as inovações a mais importante a assinalar é a criação

do tratado multilateral. Como consequência dessas transformações, o processo de conclusão

diversificou-se de diferentes modos. Cada Estado procede segundo as suas próprias regrasnacionais. Os métodos clássicos coexistem com os novos métodos. A conclusão dos tratados

multilaterais efetiva-se segundo regras específicas. Finalmente a conjugação da liberdade dos

Estados e do seu empirismo é responsável por uma anarquia que é difícil dissimular. Um

elemento suplementar de complexidade resulta da irrupção das Organizações Internacionais na

vida jurídica internacional: elas não só constituem o quadro em que são negociados numerosos

tratados entre Estados, mas também concluem diretamente acordo tanto entre si, como com

os Estados.

Secção I  – Processo Comum aos Tratados Bilaterais e aos Tratados Multilaterais

1.º Elaboração do Texto

A – Negociação do Texto

Plenos poderes para negociar: a prática dos plenos poderes ilustra bem a mistura de

pragmatismo e arcaísmo que reina nas relações internacionais. Herança da época monárquica,

em que esta instituição era plenamente justificada pelas condições concretas de conclusão dos

tratados, ela sobrevive  –  enquanto símbolo da soberania  –  num contexto radicalmente

transformado. Por isso, quando a sua realização se reveste de um formalismo excessivo, será

objeto de exceções. Por respeito das tradições, a formulação das cartas de plenos poderes não

foi modernizada. Na realidade, salvo no caso de acordos em forma simplificada, o

plenipotenciário já não tem, hoje, competência para vincular definitivamente o Estado, o que

dá um caráter sobretudo protocolar à verificação dos plenos poderes. Se os autores da

Convenção de Viena deliberaram confirmar o caráter tradicional desta prática e portanto o seu

alcance geral (Artigo 7.º CVDT), deixam uma grande latitude de ação aos Estados: estes podem

discricionariamente renunciar a ela (Artigo 7.º, n.º1 alínea b)) ou ultrapassar a irregularidade

cometida (artigo 8.º). Além disso, presunções de representatividade jogam a favor dos Chefes

de Estado e de Governo e dos Ministros dos Negócios Estrangeiros, o que lhes evita terem de

apresentar tais poderes. Sucede o mesmo com os chefes de missão diplomática e com os

representantes acreditados de um Estado numa conferência diplomática ou junto de uma

organização internacional; mas somente para a adoção de um tratado entre o Estado

acreditante e o Estado acreditado ou no âmbito desta conferência ou desta organização (artigo

7.º, n.º2).

Autoridade competente para negociar e conferir plenos poderes:

1.º Solução geral: a determinação da autoridade competente para negociar depende do

Direito Constitucional de cada Estado e quem detém o poder de designar os plenipotenciários e

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de lhe conferir os plenos poderes é a autoridade investida pela Constituição do Estado da

competência para negociar. Uma vez que não se trata de comprometer definitivamente o Estado

mas unicamente de elaborar o texto do tratado, não se põe a escolha entre o executivo e o

legislativo. Em matéria de negociação, a regra constitucional admitida por todos os sistemas

nacionais atribui competência ao executivo. Esta solução é racional porque só o executivo

dispõe de todos os meios técnicos necessários ao cumprimento desta tarefa. Concretamente, oque é que se entende por executivo? Num regime Presidencial, trata-se apenas do Chefe de

Estado; num regime parlamentar, é necessário repartir a competência entre o Chefe de Estado

e o Governo representado pelo seu Chefe ou pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Naturalmente, quando as autoridades estatais constitucionalmente competentes participam

pessoalmente na negociação, elas não têm necessidade de cartas de plenos poderes. Esta

dispensa é confirmada pelo artigo 7.º, n.º2, alínea a), da Convenção de Viena.

2.º Solução em vigor em Portugal6: não custa fazer a contraposição (mais aparente que

real) entre as cinco Constituições portuguesas anteriores e a atual no concernente à negociação

e à assinatura de convenções internacionais. Nas Convenções anteriores, a negociação e

assinatura eram da competência do Rei (Constituição de 1822, Carta Constitucional e

Constituição de 1838) ou do Presidente da República (Constituição de 1911 e de 1933). Na

Constituição atual, elas competem ao Governo (artigo 197.º, n.º1, alínea b)). Vê-se bem por que

a contraposição se mostra menos significativa do que parece: porque em todas as Constituições

anteriores à de 1976 o Chefe de Estado (Rei ou Presidente da República) exercia as suas

faculdades compreendidas no Poder Executivo através dos Secretários de Estado ou Ministros

e, de qualquer sorte, os seus atos estavam todos sujeitos a referenda ministerial. E percebe-se

igualmente por que na Constituição de 1976 se perfila com nitidez a atribuição (e atribuição

exclusiva) ao Governo dos poderes de negociação internacional do Estado: a clara

autonomização deste órgão, em face do Presidente da República, em correspondência com o

sistema de Governo semipresidencial adotado. Se o Presidente da República não ajusta, diretaou indiretamente, nenhuma convenção internacional e se, em geral, a condução da política

externa cabe ao Governo (artigo 182.º CRP), isso não dispensa a concertação entre os dois

órgãos, não só por imperativo de interdependência de órgãos de soberania (artigo 111.º, n.º1)

mas também por tal ser o pressuposto de atos na área das relações internacionais, que esses,

sim, implicam a intervenção presidencial (artigo 135.º). O Primeiro-Ministro informa o

Presidente da República acerca dos assuntos da política externa do País (artigo 200.º, n.º1,

alínea c)) e aqui se integram, por certo, senão todas as negociações internacionais, pelo menos

as atinentes às convenções de maiores repercussões para a vida coletiva – informação prévia, e

não apenas a posteriori , ou perante factos consumados. Tão pouco a Assembleia da República

participa na negociação. Mas, por virtude do princípio dos poderes implícitos, nada obsta a querecomende ao Governo a negociação de qualquer tratado. Dever de informação tem, do mesmo

passo, o Governo em relação aos partidos políticos representados na Assembleia da República

e que não façam parte de Governo (artigo 114.º, n.º3) e, por outra banda, em relação aos grupos

parlamentares (artigo 180.º, n.º2, alínea g)). A informação sobre o andamento dos principais

assuntos de interesse público abrange, evidentemente, a negociação de qualquer convenção de

repercussões significativas na vida do País. Ao Ministério dos Negócios Estrangeiros incumbe a

condução das negociações internacionais e a responsabilidade pelos procedimentos que visem

a vinculação internacional do Estado, sem prejuízo das competências atribuídas a outros órgãos

do Estado  –  incumbe-lhe, pois, um papel específico, se bem que não exclusivo, por causa da

6Miranda, Jorge; Curso de Direito Internacional Público; Princípia editores;

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diversificação e da complexidade da vida internacional dos nossos dias. Assim, nos processos de

negociação de acordos ou compromissos internacionais que vinculem o Estado português

devem os departamentos envolvidos manter o Ministério dos Negócios Estrangeiros

permanentemente informado, desde o início da negociação até à sua conclusão. E o início da

fase de negociação não poderá ocorrer sem o prévio enquadramento político a prestar pelo

Ministério dos Negócios estrangeiros, que deverá ainda ser informado e pronunciar-se acercadela. Todavia, a rubrica ou a assinatura de acordos internacionais, sejam quais forem a

designação, a forma e o conteúdo, estão sujeitas a prévia aprovação pelo Conselho de Ministros

e dependem de mandato expresso, entendendo-se esta competência delegada no Primeiro-

Ministro.

3.º  Soluções próprias das organizações internacionais: Elas dependem do Direito

próprio de cada organização (cf artigo 7, n.º3, alínea a) da Convenção de Viena); as práticas

suprem as frequentes omissões textuais e são extremamente diversas. A competência para

negociar pode pertencer ao órgão plenário “supremo”, mas também a um órgão restrito ou ao

Chefe do Secretariado7.

Intercambio e exame dos plenos poderes: a produção de plenos poderes, emitidos pela

autoridade competente para conduzir a política externa, permite assegurar que a negociação

será conduzida entre agentes competentes dos Estados ou das Organizações Internacionais

presentes. Se o intercambio dos plenos poderes é, em geral, uma simples formalidade, certos

prolemas podem surgir nesta ocasião: a qualidade estatal da entidade representada pode ser

contestada, assim como a competência da autoridade que outorga os plenos poderes. Sobre

este dois pontos, a prática internacional, fragmentária, não é muito clara. Tratando-se de

tratados bilaterais, um Estado pode, discricionariamente, recusar-se a negociar com uma

entidade cuja competência conteste para concluir um tratado. Assim, nada impede um Estado

de negociar diretamente com um Estado membro de um Estado Federal  – se a Constituiçãodeste o admitir  – mas nada a isso o obriga: da mesma maneira, a recusa, mantida por muito

tempo pelos países de Leste, de negociar com as Comunidades Europeias obrigou estas a

negociarem por meio de plenipotenciários de Estados membros interpostos. No que respeita à

negociação de Convenções multilaterais, a regra geral pode enunciar-se assim: compete à

conferência ou ao órgão internacional no seio da qual a negociação se realiza, aceitar ou recusar,

consoante as suas regras de procedimento, os plenos poderes apresentados.

Desenvolvimento da negociação: no decurso da negociação, projetos de textos são

submetidos à discussão, provocando emendas ou contrapropostas ou as duas coisas ao mesmo

tempo. Projetos, emendas e contrapropostas podem ser formuladas provisoriamente na forma

verbal, mas, em princípio, devem ser sempre apresentados, em última análise, sob a forma detextos redigidos. Esta redação é muitas vezes obra de peritos que acompanham os negociadores.

Se as negociações e as discussões avançam para um acordo, à medida que os projetos são

emendados ou não, são também adotados e tornam-se as disposições do futuro tratado.

Enquanto o texto não estiver concluído  –  isto é, até à adoção do tratado  –, todas as suas

disposições podem ser postas em causa. Este princípio está sistematizado no quadro de algumas

7 Os artigos 43.º e 63.º da Carta das Nações Unidas consideram respetivamente a competência doConselho de Segurança para os acordos relativos À constituição das forças armadas das Nações Unidas(que nunca foram concluídos) e à do Conselho Económico e Social para os acordos com outras

organizações do sistema. A prática é incerta quanto ao resto: alguns acordos relativos às forças demanutenção da paz foram negociados em nome da Assembleia Geral, outros em nome do Conselho deSegurança e outros diretamente pelo Secretário Geral.

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conferências multilaterais no seio das quais as negociações são obra de comissões ou de grupos

diversos que funcionam simultaneamente: o acordo de uma delegação dobre um determinado

ponto está subordinado ao seu acordo sobre todos os outros. Esta técnica do compromisso

global ( package deal ) foi definida pelo Presidente da Terceira Conferência das Nações Unidas

sobre o Direito do Mar: “O conceito de compromisso global significa que a posição de qualquer

delegação sobre tal ou tal ponto só será considerada como irrevogável quando se obtiver oacordo pelo menos sobre todos os elementos a incluir no compromisso. Qualquer delegação tem

 portanto o direito de reservar a sua posição sobre um ponto particular até serem satisfeitos

outros pontos de importância vital para ela.”

Contextura da Convenção: por esta expressão, designam-se os elementos formais que

constituem a Convenção. Integram-no o:

1.º Preâmbulo: contém duas categorias de enunciados:

a) Enumeração das Partes: são designadas pela expressão “Altas Partes

Contratantes”. Ocorre que os Estados interessados sejam explicitamente referidos: mas as maisdas vezes, procede-se à enumeração dos Governos ou dos órgãos estatais tendo participado na

negociação: Chefes de Estado, Chefes de Governo ou Ministros dos Negócios Estrangeiros. Se se

trata de Chefes de Estado, convém respeitar integralmente a sua qualificação oficial. Aqui

também, entra em jogo a igualdade dos Estados e, para a respeitar, procede-se à enumeração

por ordem alfabética. Este método equilibrado pela regra dita da alternância, segundo a qual

cada Estado figura à cabeça da lista das partes no exemplar do tratado que lhe é destinado. O

preâmbulo da Carta das Nações Unidas  começa por estes termos “Nós, povos das Nações

Unidas…”. Esta enunciação é excecional. Tem alcance po lítico, mas não significa, no plano

 jurídico, que as Partes na Carta sejam os povos e os indivíduos que os compõem.

b) Exposição dos motivos: o preâmbulo

2.º Dispositivo: é constituído pelo corpo da Convenção, isto é, pelo conjunto dos seus

elementos providos de obrigatoriedade jurídica. Compreende:

a) Os artigos: são, por vezes, muito numerosos e podem agrupar-se de

diferentes modos: em capítulos na Carta, em Títulos e capítulos na Convenção de Haia, em

partes, capítulos e secções no Tratado de Versailles e no Tratado de Roma, em partes e secções

a Convenção de Montego Bay.

b) As cláusulas finais: a noção de cláusulas finais relaciona-se com a dupla

natureza do tratado considerado, quer do ponto de vista material, como um texto normativo,quer do ponto de vista formal, como um ato. Estas cláusulas referem-se unicamente a certos

mecanismos do ato enquanto tal: processo de emendas, de revisão, modalidades de entrada em

vigor, extensão do tratado aos Estados que não participaram na elaboração do texto, duração

do tratado, etc. Do ponto de vista técnico, a redação das cláusulas finais foi objeto de grandes

progressos a partir do desenvolvimento dos tratados multilaterais. Deste modo o Direito dos

Tratados adquire maior clareza. A unificação de certas cláusulas pode servir de base para o

estabelecimento de uma tipologia dos tratados.

c) Os anexos: eventualmente, o dispositivo completa-se por anexos às

Convenções. Estes anexos contêm disposições técnicas ou complementares, relativas a certos

artigos da Convenção ou ao seu conjunto. A fim de não a sobrecarregarem, encontram-sematerialmente separados dela. Juridicamente os anexos fazem parte integrante da Convenção

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e possuem a mesma força obrigatória que os seus outros elementos, a menos que disponha

diversamente, o que por vezes acontece no que respeita sobretudo à resolução de conflitos ou

ao processo de emendas.8 

B – Adoção do Texto

Definição e procedimento: a adoção do texto da Convenção marca o fim da fase de

elaboração. A adoção decompõe-se em duas operações distintas:

Fixação do texto, significando que a negociação terminou e que os negociadores

consideram ter chegado a um texto à primeira vista aceitável;

Autenticação, procedimento que consiste em declarar que o texto redigido

corresponde à intenção dos negociadores e que o consideram definitivo. Em princípio, um texto

autenticado já não é mais suscetível de modificação.

Na prática, a dissociação entre as duas operações é efetiva no que respeita aos tratados

multilaterais: o texto é antes de mais votado ou adotado consensualmente pela conferência (ou

pelo órgão da Organização Internacional) e depois assinado pelos Chefes de delegação. Em

contrapartida, os tratados bilaterais são em geral fixados pelo artigo 10.º da Convenção de

Viena, a rubrica, que consiste na aposição das iniciais dos negociadores, e a assinatura ad

referendum, que só é concedida na condição de ser confirmada pelas autoridades do Estado

competentes. Uma e outra têm valor provisório e devem ser objeto de uma confirmação

ulterior9.

Alcance da adoção: a adoção marca o fim da fase da negociação mas não significa que a

Convenção se imponha aos Estados que o assinaram. Regra geral, o efeito obrigatório do tratado

resulta da expressão do consentimento a estar vinculado por ele e não da assinatura, a menos

8 Alguns anexos são intitulados “protocolos”. Todavia, em geral, os protocolos constituem instrumentosautónomos submetidos a um processo de entrada em vigor distinto da Convenção de base que estãodestinados a completar.9 Rubrica e assinatura ad referendum correspondem à preocupação de evitar qualquer precipitação. Aelas se recorre em especial nos seguintes casos:

- Para adoção de um acordo em forma simplificada que, em virtude do seu objeto, deveria ser

apresentado ao Parlamento nacional, antes de entrar em vigor pela assinatura;- Para dar à Convenção alguma solenidade reservando a assinatura definitiva a uma autoridade

política mais alta do que os negociadores;- e, sobretudo, quando o negociador não está habilitado a assinar.

Com efeito, o plenipotenciário que negoceia só pode assinar se os seus plenos poderes compreenderemtambém o de assinar. É o caso geral, mas não acontece sempre assim. Quando este não for o caso,como para a negociação, os plenos poderes de assinar devem emanar da autoridade estatal que detém,segundo a Constituição do Estado, o poder de assinar as Convenções. Contudo, este nem sempre éexpressamente atribuído pelas Constituições nacionais. Para as Convenções concluídas pelasOrganizações Internacionais, a regra geral é distinguir os plenos poderes para negociar dos poderes paraassinar: esta particularidade – estabelecida pelo artigo 7.º, n.º3 CVDT – deriva de os mesmos órgãos nãoterem competência nos dois estádios do processo. Assim, ocorre frequentemente no seio das

Comunidades que a negociação depende estatutariamente da competência de um órgão – secretáriointernacional, Comissão – ao passo que a assinatura se subordina a uma decisão da um outro órgão, amaior parte das vezes o Conselho de Ministros; é necessário portanto prever um “vaivém”. 

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que as partes não tenham decidido de outro modo. Apesar de tudo, um Estado cujo

representante assinou, não está já na mesma situação do Estado que se absteve e a própria

Convenção beneficia de um estatuto jurídico pelo que respeita ao Direito Internacional.

1.º Se bem que não esteja ligado pela Convenção, o Estado signatário tem, pelo facto da

sua assinatura, certos direitos e certas obrigações. Codificando uma prática por vezes ambígua,o artigo 18.º da Convenção de Viena dispõe:

“Um Estado deve abster-se de atos que privariam um tratado do seu objeto ou da sua

 finalidade

a) 

Quando assinou o tratado (…) enquanto não tiver manifestado a sua intenção de

não se tornar parte no tratado.”  

O alcance desta disposição, que deriva do princípio da Boa Fé nas relações internacionais,

deve ser apreciado com exatidão: não significa que o Estado signatário seja obrigado a

respeitar as disposições de fundo do tratado – o que lhe daria o estatuto de Estado parte

 – mas somente tal Estado não pode adotar um comportamento que esvaziaria de todaa substância o seu compromisso ulterior quando exprimisse o seu consentimento em

estar vinculado. Do supracitado artigo 18.º da CVDT pode-se igualmente deduzir que um

Estado signatário deve examinar em boa fé o texto da Convenção para determinar a sua

posição definitiva a seu respeito. Trata-se, todavia de uma obrigação de comportamento

extremamente vaga, mantendo o Estado signatário toda a sua liberdade de exprimir ou

não o seu consentimento em vincular-se e em fazê-lo num prazo por ele julgado razoável,

salvo disposição em contrário, o que é absolutamente excecional. O estatuto provisório

do Estado que assinou implica igualmente certos direitos a seu favor. Tendo qualidade

para se tornar parte, ele é um destinatário das diversas comunidades relativas à vida da

Convenção efetuada pelo depositário (Artigo 77.º CVDT). Além disso, pode fazerobjeções às reservas formuladas por outros Estados.

2.º Não se impondo aos Estados signatários, a Convenção, uma vez adotada, nem por

isso deixa de ter certos efeitos jurídicos.

a)  Pela sua natureza e pelo seu objeto, as cláusulas finais do tratado estão

previstas para serem aplicadas imediatamente (modalidades de autenticação do texto,

de expressão pelas partes do seu consentimento em vincular-se, da entrada em vigor do

conjunto da Convenção, etc.). O artigo 24.º n.º4 CVDT confirma esta solução:

“ As disposições de um tratado que regulamentam a autenticação do texto, o

estabelecimento do consentimento dos Estados em vincular-se pelo tratado, asmodalidades ou a data de entrada em vigor, as reservas, as funções do depositário, bem

como as outras questões que surgem necessariamente antes da entrada em vigor do

tratado, são aplicáveis desde a adoção do texto” 

b)  Além disso, a adoção de um tratado por um número importante de Estados tem um

alcance jurídico que ultrapassa a simples autenticação do texto. Uma convenção

multilateral, antes mesmo da sua entrada em vigor, pode servir de modelo a

tratados bilaterais ou multilaterais. Constitui, sobretudo se se tratar de uma

convenção de codificação, um elemento importante do procedimento

consuetudinário. Assim, cristalizando regras consuetudinárias em via da formação,

a adoção da Convenção de Montego Bay de 10 de dezembro 1982, desempenhou

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um papel decisivo na evolução do Direito do Mar 10. Isto confirma que o Direito

Internacional se forma gradualmente sem solução entre as diferentes fases da sua

formação. Conscientes destes fenómenos, os serviços diplomáticos tomam certas

precauções para que sejam protegidos os interesses dos Estados minoritários na

negociação, ou concede-se um prazo suplementar para consultar o seu governo

(assinatura ad referendum). Pelo contrário, para dar o máximo alcance ao projetode convenção, poder-se-á procurar a multiplicação das assinaturas. O processo da

assinatura diferida permite atingir este objetivo: no decorrer do prazo, o Estado

minoritário cujo representante tinha votado contra o texto poderá proceder a um

novo exame desse texto e será talvez levado a rever a sua opinião negativa.

2.º Expressão Pelo Estado do seu Consentimento em Vincular-se

Alcance variável da assinatura: A assinatura da Convenção tem um alcance superior à simplesautenticação do seu texto (para qual ela não é de resto indispensável visto que a autenticação

pode resultar da rubrica) ou apenas da assinatura do Presidente da Conferência ou do órgão da

Organização Internacional que a adotou. Como se viu, a assinatura confere ao Estado um

estatuto provisório em relação à Convenção: tem, por este facto, direitos e obrigações para com

os outros Estados signatários e, a este respeito, a assinatura surge como uma transição entre a

fase de elaboração, que ela encerra, e a da expressão do consentimento em vincular-se – que o

Estado permanece aliás livre de não levar ao seu termo, não obstante a assinatura do texto.

Todavia, em certos casos, a assinatura pode constituir, só por si, a expressão do consentimento

do Estado em vincular-se pela Convenção que se torna então obrigatório a seu respeito, pelo

simples facto de o ter assinado. Este processo breve, aplicável aos acordos em forma

simplificada, opõe-se ao processo longo, que caracteriza os Tratados em forma solene e esta

oposição constitui a summa divisio na matéria. Convém examinar sucessivamente estes dois

modos de expressão mas sublinhando que, qualquer que seja o processo seguido, longo ou

breve, o compromisso do Estado é perfeito desde que tenha expresso o seu consentimento. É

de resto significativo que o artigo 11.º CVDT coloque em pé de rigorosa igualdade os diferentes

“modos de expressão do consentimento em vincular-se por um tratado” que enumera: “a

assinatura, a troca de instrumentos constitutivos de um tratado, a ratificação, a aceitação, a

aprovação ou a adesão, ou (…) qualquer outro meio concordado”. Para ser completo, é

necessário indicar que a assinatura não constitui uma etapa obrigatória para a conclusão de

todos os tratados: o processo da adesão é um processo longo que pode prescindir da assinatura.

Porém em todos os outros casos, a assinatura ou constitui a expressão do consentimento doEstado em vincular-se ou a precede. Após ter analisado estes diferentes modos, que dependem

do Direito Internacional, abordar-se-á a questão da determinação da competência para exprimir

pelo Direito Constitucional interno o consentimento do Estado.

10 É verdade que, mesmo antes da sua adoção, o Tribunal Internacional de Justiça, considerara que elanão “poderia (…) postergar uma disposição do projeto de convenção (sobre o Direito do Mar) se

chegasse à conclusão de que a sua substância vincula todos os membros da comunidade internacionalpelo facto de consagrar ou cristalizar uma regra de Direito Consuetudinário preexistente ou em via deformação”. 

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A – Modos de Expressão

I – Conclusão em forma solene

Indiferença da denominação estabelecida: O processo, longo ou solene, é caracterizado

pela dissociação entre a fase de autenticação do texto da Convenção  –  que se traduz pela

assinatura  –  e a do consentimento em vincular-se, que se exprime por um ato distinto na

sequência de um exame efetuado pelos órgãos competentes para empenhar o Estado. Como

quer que seja, este ato está portanto separado da assinatura no tempo. A conclusão da

Convenção realiza-se por meio de dois atos sucessivos do Estado. Somente em virtude do

segundo ato a Convenção produz efeitos de Direito. Este processo de “duplo grau”, constitui o

elemento essencial da definição dos tratados formais ou solenes. Nem a denominação da

expressão do consentimento em vincular-se, nem o processo interno seguido importam. “Tudo

se reduz às intenções dos Estados, desde que estas intenções tenham uma clareza suficiente

para a prática habitual”. Assim, o artigo 11.º CVDT enumera entre os “modos de expressão do

consentimento em vincular-se por um tratado”, “a ratificação, a aceitação, a aprovação” ou

“qualquer outro meio concordado.” A ratificação é o ato pelo qual a mais alta autoridade do

Estado, com competência constitucional para concluir convenções internacionais, confirma o

tratado elaborado pelos seus plenipotenciários, consente que se torne definitivo e obrigatório,

e compromete-se solenemente, em nome do Estado, a executá-lo. Desde o fim da Segunda

Guerra Mundial, o vocabulário constitucional interno enriqueceu-se porém com novas palavras,

que servem para designar processos em geral menos solenes, levando uma autoridade menos

alta na hierarquia dos órgãos do Estado a exprimir o seu consentimento em vincular-se. Fala-se

então da aceitação, da acessão ou de aprovação e esta terminologia foi retomada pelo Direitodas Gentes. Ao nível internacional, porém, estes modos não apresentam diferenças substanciais

da ratificação. Consistem também em atos posteriores à assinatura cujo acabamento é

necessário para um compromisso definitivo do Estado. Permanece-se no quadro do processo

longo, de duplo grau, próprio dos tratados em forma solene. Quando os Estados, na sua

liberdade de escolha, optam por estes modos novos, conferem plenos poderes “sob reserva de

aceitação” ou “sob reserva de aprovação”. Aceitação, aprovação, acessão e ratif icação são

simplesmente palavras diferentes que exprimem uma mesma realidade jurídica internacional.

Origem e fundamento da ratificação:

1.º  Tradicionalmente, os monarcas, que monopolizavam a totalidade do poder doEstado, conferiam aos seus plenipotenciários plenos poderes para negociar e assinar com

mandato de os empenhar definitivamente. No domínio doutrinal, Grócio considerava que a

assinatura era suficiente para vincular o Estado. Todavia, a ratificação posterior ao Tratado não

era inteiramente desconhecida na época. Em virtude da Teoria do Direito Privado do mandato,

o mandante conservava o direito de invalidar por excesso de poder a obra do seu mandatário.

Um exame a posteriori  de um Tratado assinado pelo mandatário era, pois, ao mesmo tempo,

normal e necessário. Pouco a pouco, `medida que se acentuava a evolução para o absolutismo

real, o soberano transformava o Direito da Fiscalização, que exercia sobre a ação desempenhada

pelos seus enviados, num direito de aprovação global do Tratado assinado. Pela mesma lógica,

o seu empenho definitivo ia subordinar-se a essa aprovação a despeito da manutenção doconteúdo tradicional das cartas de plenos poderes. A instituição consolidar-se-á no século XIX,

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depois da substituição da soberania real pela soberania nacional e do abandono definitivo do

sistema do mandato. Daí em diante, os plenos poderes, limitados à negociação e à assinatura,

apenas são conferidos “sob reserva de ratificação”. 

2.º A distinção entre assinatura e ratificação e a sua separação no tempo justificam-se

por várias razões: isto está em plena harmonia com os princípios modernos do Direito Públicoque não admitem, sem texto, delegação de competências. Por outro lado, permite,

efetivamente, que as autoridades investidas do “treating making power” verifiquem se os

plenipotenciários não ultrapassaram as suas instruções. Nenhuma dificuldade diplomática pode

resultar desta verificação, não se trata de pôr novamente em questão a palavra dada, uma vez

que o Tratado não está ainda definitivamente concluído. O prazo entre a assinatura e a

ratificação pode ser utilizado num novo exame do texto do tratado antes de o Estado se vincular

 juridicamente. Mesmo que traduzam preocupações de simplificação institucional no plano

interno, a aceitação, a aprovação ou a acessão dependem das mesmas precauções.

Processo e forma de ratificação:

1.º O instrumento de ratificação apresenta-se sob a forma de cartas de ratificação. O

instrumento de ratificação de um tratado bilateral deve exprimir, em princípio, uma aceitação

pura e simples; pode mesmo conter declarações interpretativas mas não reservas; se tal for o

caso, é encarada uma proposta de reabertura das negociações.

2.º  Cartas de ratificação são trocadas entre as partes. Esta troca verifica-se por um

processo – verbal datado e assinado que permite evitar qualquer contestação sobre a realização

da ratificação. Pode mesmo suceder que as partes se contentem com uma notificação feita por

cada Estado, indicando no que lhes diz respeito, que as operações de ratificação se encontram

efetivamente concluídas. As mesmas observações valem, mutatis mutandis, para a aceitação e

a aprovação.

Legalidade da recusa da vinculação: O novo exame do tratado, tornado possível graças à

existência de um intervalo de tempo entre a assinatura e a ratificação – o que permite associar

a representação nacional à conclusão da Convenção – esvaziar-se-ia de todo o seu significado se

devesse terminar por uma ratificação inevitável. O direito de recusar a ratificação é, pois,

inerente à noção de processo longo 11 . A possibilidade de impedir a ratificação de uma

Convenção assinada não é uma prerrogativa exclusiva dos órgãos parlamentares. Sendo a

competência para ratificar um elemento da função governamental  – condução dos negócios

estrangeiros  –, o órgão executivo pode muito bem não dar seguimento à autorização

parlamentar ou fazê-lo apenas após um prazo muito longo: ele dispõe de poder discricionário

na escolha do momento e pode abster-se de ratificar por razões de pura oportunidade política.Esta liberdade deixada aos Estados é uma fonte de atraso e de incerteza. Se alguns tratados

políticos foram ratificados num prazo razoável, não aconteceu o mesmo com numerosos

tratados normativos. Quaisquer que sejam os motivos da sua abstenção, um Estado que não

exprime o seu consentimento definitivo em vincular-se não é obrigado a respeitar as obrigações

11

 No século XIX, alguns governos justificavam ainda a sua recusa de ratificar invocando o excesso depoder dos plenipotenciários. No quadro dos regimes representativos e democráticos, as recusas deratificar provêm, a maior parte das vezes, do desacordo entre o Executivo e o Parlamento.

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fixadas pela Convenção e não pode daí tirar vantagem. Somente o envio dos instrumentos de

ratificação (ou de aceitação ou de aprovação) é suscetível de vincular o Estado12.

Inexistência de uma presunção a favor da ratificação : modo tradicional da expressão do

consentimento em vincular-se, a ratificação  – assim como a aceitação ou a aprovação  – só se

impõe se for prevista pelos Estados signatários. A liberdade de escolha de que dispõe resultaclaramente da redação do artigo 14.º da CVDT.

II – Conclusão em forma simplificada

Definição: Um Tratado pode ser definitivamente concluído desde que seja assinado. Neste caso,

a assinatura desempenha uma dupla função: ela é, ao mesmo tempo, um processo de

autenticação do texto e um modo pelo qual o Estado exprime o eu consentimento. Já não é

necessário que intervenha depois desta assinatura qualquer outro ato, seja a ratificação, aaceitação ou a aprovação. Diz-se que o tratado é concluído segundo um processo breve ou “de

um único grau” ou “tratado formal” que se conclui segundo o processo longo, “ de duplo grau”.

Quaisquer que possam ser as dificuldades de ordem constitucional suscitadas pela prática de

acordos em forma simplificada, a sua validade é indiscutível em Direito Internacional. A

Convenção de Viena confirma, de resto, a dupla função da assinatura: autenticação do texto

(artigo 10.º CVDT) e, se for caso disso, modo de expressão do consentimento em vincular-se

pelo tratado (artigo 11.º CVDT).

Recurso ao processo breve: O processo longo, com a sua inevitável lentidão, não permite

fazer face a todas as necessidades. Não só é necessário concluir muito, mas também concluir

depressa e a tempo. A voga dos acordos em forma simplificada é, por outro lado, a consequênciade uma tendência generalizada da política interna. Em todos os países o executivo opta pelo

processo breve, todas as vezes que é constitucionalmente possível, a fim de se libertar da coação

parlamentar que surgiu com a experiência não como motor, mas como um travão da ação

internacional13. É significativo que a assinatura constitua o primeiro dos modos de expressão

do consentimento em vincular-se citados pelo artigo 11.º CVDT. Se bem que, nos termos do

Artigo 12.º CVDT, se vise manifestamente o acordo sob a forma simplificada, ela abstém-se de

pronunciar o seu nome a fim de deixar às práticas internas toda a liberdade de recorrer, se for

caso disso, a uma outra denominação. A adoção da rubrica e da assinatura ad referendum como

12 Alguns autores, nomeadamente J. Basdevant e G. Scelle, perguntaram-se se a responsabilidadeinternacional do Estado que recusa ratificar não podia, em certos casos, ficar comprometida com ofundamento da teoria do abuso do direito. O exame da prática internacional não permite responderpela afirmativa, por muito condenável que politicamente tal atitude possa ser por vezes.13 Este processo teve origem na prática americana dos executive agreements. Desde o final do séculoXVIII o Presidente dos Estados Unidos, para se reservar o máximo de autonomia na condução da políticaexterna do país, concluía sozinho certos acordos, ditos acordos executivos, que, regra geral, entram emvigor pelo simples facto de serem assinados pelo Presidente ou em seu nome. Sendo raros inicialmente,devido à persistente predominância dos tratados em forma solene, os acordos em forma simplificadaconcluídos por todos os Estados do mundo multiplicaram-se depois consideravelmente. O recurso tãofrequente aos acordos em forma simplificada explica-se pelo facto de o processo longo estar menosadaptado hoje do que ontem ao papel internacional do Estado, o qual, em consequência da crescente

intensificação das relações internacionais e do contínuo alargamento das matérias submetidas aoDireito Internacional, tem de regular em comum com outros Estados, pela via dos tratados, problemasnumerosos e variados.

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modo de expressão do consentimento tem por objetivo facilitar ao máximo o processo breve.

Todavia, a confirmação ulterior de uma assinatura ad referendum não deve ser interpretada

como uma aprovação do tratado, de outra maneira voltar-se-ia ao processo longo. No quadro

do processo em forma simplificada, esta confirmação produz um efeito retroativo.

Características dos acordos em forma simplificada: Os ensinamentos recebidos daprática muito abundante dos acordos em forma simplificada permitem descrevê-los de modo

completo. Dois traços principais caracterizam este tipo de acordos:

- a sua flexibilidade;

- a sua identidade de natureza com o tratado formal.

O processo breve, como o processo longo, é deixado à livre escolha dos Estados. Pode

ser utilizado tanto para as Convenções Bilaterais como para as Multilaterais. No caso das

Bilaterais, os dois negociadores apõem-se simultaneamente a sua assinatura num mesmo

instrumento. De outra forma, as assinaturas efetuam-se por uma troca de notas ou de cartas,

sendo a data do tratado a da receção da segunda carta ou nota. No caso de um troca de cartas,estas são redigidas em termos idênticos e cada uma delas reproduz integralmente o texto do

acordo. A assinatura pode ser aposto pelo Chefe de Estado, pelo Chefe de Governo, pelo

Ministro dos Negócios Estrangeiros ou por qualquer funcionário devidamente autorizado pelo

Ministro dos Negócios Estrangeiros. Outra prova da flexibilidade do processo breve e da

liberdade dos Estados: um acordo pode ser um tratado formal para certos Estados e um acordo

de forma simplificada para outros. Excluindo as diferenças de processo, não existem diferenças

de natureza entre o acordo de forma simplificada e o tratado solene, tendo um e outro o mesmo

valor obrigatório para os Estados partes. O acordo não é juridicamente inferior ao tratado formal.

Entre os dois, também não existe qualquer diferença material.

B – Determinação das Autoridades Competentes

Generalidades: A conclusão dos tratados de forma solene oferece uma espécie de parêntesis

interno no processo internacional: os Estados signatários reservam-se a possibilidade de

proceder a um novo exame antes de exprimir o seu consentimento “definitivo” em se

vincularem. Quanto a esta fase do processo, o Direito Internacional não pode senão remeter

para o Direito Interno: nenhuma consideração de oportunidade ou de lógica jurídica impõe uma

solução uniforme; os constituintes nacionais dispõem de uma total liberdade de organização doprocesso. É o que reconhece a fórmula frequentemente utilizada nas cláusulas finais dos

tratados, segundo a qual o consentimento será expresso “em conformidade com as regras

constitucionais respetivas” dos Estados signatários. A questão inscreve-se, pois, exclusivamente

no debate constitucional interno. A sua solução deriva, inevitavelmente, quer do esquema

constitucional geral, quer da relação de forças entre os órgãos constitucionais, dado mais

conjuntural que orienta a prática política interna. Na época contemporânea em que o Direito

Convencional invade cada vez mais a legislação interna, o objetivo geralmente procurado é de

um certo controlo prévio do executivo, quer pela opinião pública (referendo), quer pelo

legislador (autorização parlamentar). Todavia, o Direito Interno não pode abstrair-se totalmente

dos dados da prática internacional, uma vez que só regulamenta uma das fases do processo deconclusão dos tratados: a dificuldade principal provém da generalização dos acordos em forma

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simplificada, a qual reforça a primazia tradicional do executivo. As Constituições modernas

consagram um espaço cada vez maior a este problema. Certas disposições têm por objetivo

definir os processos segundo os quais é autorizada e realizada a conclusão de acordos; outras

especificam o campo de aplicação de tais processos. No que respeita aos tratados concluídos

pelas Organizações Internacionais, a Convenção de Viena transpõe, mutatis mutandis, as regras

aplicáveis aos tratados entre Estados. Assim, nos termos do artigo 11.º, n.º2, “o consentimentode uma organização internacional em vincular-se por um tratado pode ser expresso pela

assinatura, já que a troca de instrumentos constitui um tratado, um ato de confirmação formal

 – que é equivalente à ratificação do Estado  –  a aceitação, a aprovação ou a adesão, ou por

qualquer outro modo conveniente. Todavia, a questão de saber qual seja a autoridade

competente para exprimir o consentimento definitivo da organização em vincular-se não se põe

nos mesmo termos que no âmbito do Estado. Este problema, já observado no que respeita à

assinatura, só pode ser resolvido caso por caso em função das regras próprias a cada organização

e, por vezes, da categoria do tratado em causa.

3.º Introdução do Tratado na Ordem Jurídica Internacional

A – Entrada em Vigor

Entrada em vigor segundo a Convenção de Viena: Para que as disposições da Convenção

Internacional se tornem Direito Positivo e se integrem no ordenamento jurídico internacional, é

preciso que sejam cumpridas as condições da sua entrada em vigor. A Convenção de Viena abre

neste domínio largas possibilidades de escolha aos negociadores no seu artigo 4.º. A sua

disposição põe a tónica numa distinção extremamente importante: uma Convenção

Internacional pode ser obrigatória para certos Estados e não para o conjunto dos signatários;

“entra em vigor” desde que se cumpram as condições previstas mas não se aplicará aos outros

signatários senão na medida em que estes tenham expresso o seu consentimento definitivo em

vincular-se. É o sistema de entrada em vigor escalonada; não se concebe senão para os tratados

multilaterais em forma solene. Além disso, convém distinguir a entrada em vigor e a aplicação

efetiva do tratado: os Estados podem prever um prazo entre a realização de todas as condições

da entrada em vigor e a data na qual as suas disposições (ou algumas de entre elas) se aplicam.

Condições da entrada em vigor: Por definição, os acordos em forma simplificada entram emvigor desde que os negociadores tenham expresso o consentimento dos Estados em vincular-se,

pela aposição da sua assinatura. Isto é frequentemente determinado por uma cláusula final.

Quando de um tratado em forma solene, a regulamentação da sua entrada em vigor é diferente

conforme ele é bilateral ou multilateral.

1.º Os tratados bilaterais entram em vigor, consoante o caso, na data da troca dos dois

instrumentos de ratificação (ou de aceitação ou de aprovação), do estabelecimento do

processo-verbal que comprove aquela troca ou da segunda notificação da ratificação Para dar

tempo aos Estados de organizar e preparar esta entrada em vigor, o tratado prevê, por vezes,

um prazo consecutivo à troca dos instrumentos de ratificação. Só depois de este prazo expirar,

é o que tratado entra em vigor. Em caso de omissão no texto, o Tribunal Internacional de Justiça

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considera que existe uma presunção a favor da entrada em vigor na data da troca das

ratificações.

2.º  Quanto aos tratados multilaterais, requer-se, por vezes, a unanimidade das

ratificações pelos signatários como condição da sua entrada em vigor.

Concebível no que diz respeito a tratados políticos ou tratados plurilaterais (númeroilimitado de partes), esta unanimidade corre o risco de bloquear indefinidamente a entrada em

vigor dos tratados multilaterais gerais concluídos entre um grandíssimo número de Estados. Eis

o motivo porque é de tradução, nestes últimos tratados, que as suas cláusulas finais subordinem

a sua entrada em vigor à obtenção, não da unanimidade, mas apenas de um certo número de

ratificações. Noutros casos, a exigência da qualidade junta-se à da quantidade. Ao fixar o

número de ratificações necessárias, um tratado pode subordinar a sua entrada em vigor a

ratificações provenientes de certos Estados, em função da sua importância no quadro desse

tratado. De acordo com o artigo 110.º da Carta das Nações Unidas, a sua entrada em vigor é

fixada para o dia em que a maioria dos Estados signatários, a que se juntam os cinco Estados

membros permanentes do Conselho de Segurança, a tiverem ratificado. Esta limitação donúmero de ratificações necessárias constitui um progresso na técnica da conclusão dos tratados,

enquanto facilita e acelera a sua passagem ao Direito Positivo.

Aplicação provisória de um tratado: Codificando uma prática já antiga e tornada cada vez mais

frequente, o artigo 25, n.º1 CVDT dispõe nos termos seguintes:

“1. Um tratado ou uma parte de um tratado aplica-se a título provisório,

aguardando a sua entrada em vigor:

a)  Se o próprio Estado assim o dispuser; ou

b)  Se os Estados que participaram na negociação concordaram de

outra maneira.” 

Esta “outra maneira” consiste, por exemplo, num protocolo ou em qualquer outro texto

não incorporado no tratado. A aplicação provisória não confere ao tratado o caráter de um

acordo em forma simplificada. Ela torna-se necessária em virtude da urgência

discricionariamente apreciada pelos negociadores, mas o processo continua a ser o processo

longo com expressão após a assinatura do consentimento estatal em vincular-se. A aplicação

provisória é particularmente útil quando o tratado cria um mecanismo institucional complexo.

A técnica de criação de comissões preparatórias encarregadas de traçar a via para a futura

organização é muito frequentemente praticada. Reveste, contudo modalidades muito variadas;

aplicação provisória do próprio ato constitutivo, criação da comissão preparatória para umaorganização informal da Conferência tendo adotado o ato constitutivo, adoção de um acordo

em forma simplificada destinado a desaparecer com a entrada em vigor do ato constitutivo. O

n.º2 do artigo 25.º CVDT fixa um limite à aplicação provisória:

“ A menos que o tratado disponha diversamente ou que os Estados que

 participaram na negociação não tenham concordado noutro sentido, a aplicação a título

 provisório de um tratado ou de uma parte de um tratado a respeito de um Estado cessa se esse

Estado notificar, aos outros Estados, entre os quais o tratado é aplicado provisoriamente, a sua

intenção de não se tornar parte desse tratado.” 

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23 

Podem, contudo, levantar certas dúvidas sobre a compatibilidade da aplicação

provisória dos tratados com as regras constitucionais relativas ao compromisso definitivo do

Estado.

B – Registo e publicação

Sistema do Pacto da Sociedade das Nações: o artigo 18.º do Pacto S.d.N. instituiu duas

formalidades novas, o registo e a publicação do tratado, destinados a aperfeiçoar a sua

introdução na ordem jurídica internacional.

1.º A origem do artigo 18.º é essencialmente política. A fórmula do Pacto “Qualquer

tratado ou compromisso internacional concluído de futuro por um membro da Sociedade

deverá ser imediatamente registado pelo Secretariado e por ele publicado logo que seja possível.

Nenhum destes tratados ou compromissos internacionais será obrigatório antes do respetivoregisto”, institucionalizando-se assim a prática da diplomacia pública ou aberta.

2.º Alcance. A prática internacional consagrou apenas parcialmente as intenções dos

autores do Pacto, um registo sistemático de todos os acordos internacionais a uma sanção

severa para a falta de registo. O primeiro objetivo pressupunha uma informação sem falhas do

Secretariado da Sociedade das Nações: ela podia ser organizada para os tratados concluídos sob

a égide da Sociedade das Nações, mas, nos outro casos, dependia da boa vontade e da diligência

dos Estados. Do ponto de vista quantitativo, obtiveram-se resultados satisfatórios. Mas, por

vezes, os Estados conservaram uma conceção restritiva do acordo internacional. O fracasso foi

mais nítido em matéria de sanções; neste ponto, o artigo 18.º caducou imediatamente. Pela via

consuetudinária, os Estados admitiram que um tratado não registado entrasse em vigor e tivesse

força obrigatória; simplesmente, ele era inoponível perante os órgãos da Sociedade das Nações,

em particular num recurso perante o Tribunal Penal de Justiça Internacional. Por uma

preocupação de realismo, a Carta das Nações Unidas adotou esta solução.

Sistema atual: Está fundamentado no artigo 102.º da Carta das Nações Unidas redigido:

“1. Qualquer tratado ou acordo internacional, concluído por um Membro das

Nações Unidas, depois da entrada em vigor da presente Carta, será o mais cedo possível

registado no Secretariado e por ele publicado.

2.  Nenhuma parte num tratado ou acordo internacional que não tenha sidoregistado em conformidade com as disposições do n.º1 do presente artigo não poderá invocar o

dito tratado ou acordo perante um órgão das Nações Unidas.” 

Notar-se-á que, de acordo com esta disposição, e diferentemente do artigo 18.º, o

tratado será registado no Secretariado e não por ele, “o mais cedo possível” e não

“imediatamente”. De facto, o registo oficioso de inúmeros tratados concluídos “sob auspícios”

da O.N.U. continua a ser assegurado pelo Secretariado desta Organização. Dese 1945, outras

organizações internacionais criariam, igualmente, sistemas especiais de registo cuja aplicação

está limitada aos tratados relativos às suas respetivas atividades. O artigo 80.º CVDT confirma a

solução do artigo 102.º da Carta.

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Secção II  – Aspetos Particulares da Conclusão dos Tratados Multilaterais

Origem e função dos tratados multilaterais: Um tratado multilateral é um tratado concluído

entre vários Estados. Apresentando sobre o tratado bilateral a vantagem de ter um campo de

aplicação mais extenso, teoricamente mesmo ilimitado, está particularmente adaptado à funçãode elaboração do Direito, pois favorece a sua unificação e a sua generalização. A partir dos

meados do século XIX, o tratado multilateral implantou-se definitivamente como o processo

normal de elaboração do Direito Convencional. A terminologia do Direito Internacional

enriqueceu-se, então, com expressões como “tratado-lei”, “tratado legislativo”, “convenção

geral” e “tratado multilateral geral”. As principais particularidades da conclusão dos tratados

multilaterais relacionam-se com a sua natureza e a sua função:

- Institucionalização do processo de elaboração;

- Recurso a processos especiais destinados a alargar a comunidade dos Estados

contratantes;

- Instituição de um órgão novo: o depositário dos tratados, encarregado, em

nome das partes, da sua “administração”. 

1.º Institucionalização do Processo de Elaboração

Os diferentes processos coletivos: O processo de elaboração das Convenções Multilaterais

traduz de maneira impressionante a interpenetração das técnicas propriamente interestatais decoordenação e de novos mecanismos institucionais mais integrados. A institucionalização é

particularmente acentuada quando a convenção é elaborada mesmo dentro de um órgão

coletivo permanente de uma organização internacional onde se pratica a “diplomacia

parlamentar”, isto é, uma técnica de negociação que recorre amplamente aos métodos das

assembleias parlamentares nacionais. Apesar de tudo, esta evolução marca também os

mecanismos de elaboração dentro de conferências diplomáticas ad hoc  –  reunidas

especialmente com vista à negociação de uma convenção especial – que, em certos aspetos, se

assemelham também cada vez mais a formas parlamentares. Num e noutro caso, contudo, é

essencial ter presente que não são os representantes do “povo mundial” que negoceiam, mas

sim os dos Estados soberanos.

A – Elaboração por uma Conferência Internacional

Tipologias de Conferências:

1.º Distinção tradicional e congressos: Pensou-se que se podia basear esta distinção nas

diferenças substanciais entre estas duas espécies de reuniões: solução de problemas políticos e

preponderância das grandes potências no Congresso, estabelecimento das regras de Direito e

igualdade entre todos os participantes nas conferências. Contudo, esta separação nunca foi tão

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nítida na prática. Na época contemporânea, tende-se a utilizar apenas o termo conferência para

designar indiferentemente as reuniões políticas ou as reuniões jurídicas.

2.º Distinção baseada nas modalidades de convocação das conferências: A este respeito,

podemos dividi-las em dois tipos:

- o primeiro engloba as conferências convocadas por iniciativa de um ou devários Estados;

- o segundo tipo designa as conferências convocadas por iniciativa de uma

organização internacional. Sob o impulso da Sociedade das Nações, e depois, ainda com mais

firmeza, da Organização das Nações Unidas, de outras organizações universais de caráter técnico

e de organizações regionais, as conferências internacionais, para a elaboração de normas

 jurídicas em matéria cada vez mais numerosas, multiplicaram-se de tal modo que desafiam

qualquer tentativa de contagem.

Podemos sublinhar as diferenças reais entre os dois tipos. Do ponto de vista do seu

objeto, as conferências do primeiro tipo são muitas vezes simultaneamente politicas e técnicas,ao passo que as do segundo tipo são sempre exclusivamente consagradas ao estabelecimento

de regras de Direito. No que respeita à sua composição, à sua organização e ao seu

funcionamento, as conferências convocadas pelas organizações internacionais são nitidamente

mais institucionalizadas do que as que resultam de uma iniciativa puramente estatal.

Composição das Conferências: Pelo que diz respeito às Conferências reunidas por iniciativa

de um ou de vários Estados, estes beneficiam de um poder discricionário para designarem

Estados convidados. O convite pode estar sujeito a certas condições políticas. Nas conferências

convocadas por uma Organização Internacional, devem distinguir-se duas categorias de

convidados14:

- Estados membros da Organização anfitriã que são convidados de direito;

- Estados que só podem ser convidados se preencherem os requisitos

determinados pelo órgão competente desta organização.

Organização e funcionamento:

1.º A organização material de cada conferência está assegurada, segundo o caso, pelo

Estado escolhido como sede ou pela organização. Um tratado elaborado por uma Conferência

convocada e organizada por uma Organização denomina-se Tratado concluído “sob os auspícios”

desta Organização. Quando a Conferência convocada por uma Organização não se realiza na

sede desta, o Estado promotor contribui largamente para essa organização material.

2.º As regras aplicáveis são, em princípio, as mesmas para os dois tipos de Conferências.

A Conferência convocada por uma Organização Internacional não é um órgão desta, conserva o

caráter de uma reunião interestadual clássica, dotada de existência autónoma e regulada pelo

Direito Internacional geral das Conferências Internacionais. Contudo, cada Organização

Internacional procede à codificação destas regras através dos textos estabelecidos

14

 A fixação de critérios de convite levanta problemas jurídicos e problemas políticos agudos. Aparticipação de uma entidade numa Conferência é um índice importante da sua personalidadeinternacional e da sua representatividade política nas Relações Internacionais.

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“autoritariamente” por ela e aos quais se acrescentam novas regras, destinadas a preencher as

lacunas ou a esclarecer as obscuridades do Direito Consuetudinário.

a) Medidas preliminares: em todas as Conferências cada Estado participa por

intermédio de delegações que compreendem delegados propriamente ditos dotados de plenos

poderes, conselheiros e peritos. A Conferência constitui a sua própria comissão de verificaçãode poderes. Elege o seu executivo: o Presidente, Vice-Presidentes, relatores. Delibera

definitivamente em sessão plenária; o trabalho de preparação efetua-se, em geral, no âmbito

de comités e sub-comités. É igualmente designado um comité de redação com a competência

de aperfeiçoar a redação definitiva da Convenção, depois de ter revisto e coordenado as

diferentes disposições adotadas separadamente. Nas Conferências convocadas pelas

Organizações Internacionais universais, leva-se em conta em todas estas nomeações, uma

repartição geográfica equitativa e, de maneira mais ou menos explicita, as diferenças políticas e

ideológicas entre os Estados participantes. A Conferência estabelece ela própria o seu regimento

interno e decide soberanamente a ordem do dia. Os projetos de um e de outro são sempre

redigidos antes pelo órgão competente da Organização anfitriã, a maior parte das vezes pelo

seu Secretário.

b) Discussões: a base das discussões é constituída pelo projeto do Tratado.

Quando a conferência é organizada por Estados, este projeto pode ser preparado previamente

pelo ou pelos Estados anfitriões. Se é uma Organização a convocar a Conferência a redação do

projeto é confiada a um dos seus órgãos.

A complexidade das questões discutidas, multiplicidade dos interesses em jogo, a

importância das oposições, contribuem para explicar o sucesso da fórmula do consenso na

condução das discussões. Correntemente utilizado nas Nações Unidas este método, que

consiste em adotar as diversas disposições do projeto de Convenção sem voto  –  e por

conseguinte em discutir durante o tempo que for necessário para que as oposições irredutíveissore cada uma delas acabem por ser superadas – não exclui a intervenção de um voto global no

final dos debates, nem mesmo o recurso à técnica maioritária ou unânime no decurso da

discussão em caso de insucesso do consenso. Nas Conferências mais complexas, em que os

conflitos de interesses se revelam irredutíveis, os métodos de negociação tendem a aproximar-

se dos da diplomacia parlamentar no seio das Organizações Internacionais. Aliás, os regimentos

internos das Conferências sob os auspícios das Nações Unidas são muitas vezes em larga medida

diretamente inspirados nos dos órgãos da Organização. Pelo seu formalismo e pelo seu peso, o

regimento interna acaba por assemelhar-se a uma coação insuportável: para evitar a tutela

imposta aos comités de negociação, as delegações favorecem técnicas mais flexíveis e aceitam

reconhecer um papel essencial aos grupos ou intergrupos oficiosos, aos presidentes de comité,ao presidente da conferência.

C) Adoção do texto efetua-se, regra geral, pelo processo do voto. Nos termos

do artigo 9.º da Convenção de Viena. Esta disposição tem apenas valor supletivo e nada impede

a conferência de fixar outra maioria, de aceitar a unanimidade ou de adotar o texto por consenso.

Na prática, o recurso ao processo da unanimidade, que respeita plenamente a soberania, não

cria um verdadeiro risco de bloqueio se a conferência reunir apenas um número limitado de

Estados. Quando este número é relativamente elevado, a unanimidade é ainda muitas vezes

exigida em virtude do objeto político da Conferência. Nos outros casos, quando existe um

grande número de participantes considera-se pouco realista exigir a unanimidade. Maioria

simples ou maioria qualificada? A aplicação da regra da maioria simples apresenta a vantagemde facilitar a adoção dos textos e, portanto, de aumentar as hipóteses de sucesso da Conferência.

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Os seus adversários insistem, pelo contrário, nos seus inconvenientes: falta de autoridade das

decisões que dela resultariam e proteção insuficiente dos interesses da minoria. Cada

Conferência, quando da adoção do seu regulamento interno, fixa, ela própria, a sua regra de

votação. Verifica-se um uso corrente de diversas maiorias, se bem que os casos de recurso à

maioria de 2/3 sejam os maios números.

d) Relativamente simples no que respeita aos tratados bilaterais, o problema da

ou das línguas de redação é extremamente complexo tratando-se de convenções multilaterais.

Tradicionalmente, a língua única era o Latim. Desde a época moderna e até à Primeira Guerra

Mundial, o Francês, promovido a língua diplomática oficiosa da Europa, foi constantemente

escolhido. Em 1919, o Francês perdeu esse monopólio. O Tratado de Versailles e o Pacto da

Sociedade das Nações foram simultaneamente redigidos em Inglês e Francês, fazendo

igualmente fé as duas versões. As conversações concluídas no quadro das Nações Unidas foram

redigidas em cinco línguas: Inglês, Mandarim, Castelhano, Francês e Russo, às quais hoje em dia

é necessário acrescentar o Árabe, língua oficial e de trabalho da Assembleia Geral desde 1973.

Esta pluralidade é uma manifestação irrefutável da universalização do Direito Internacional e

parece conforme ao princípio da igualdade de soberania dos Estados; em contrapartida,

aumenta as dificuldades de interpretação.

e) Se, em princípio, nada exclui a autenticação  do texto  se processe pela

assinatura dos diferentes Estados participantes, a Conferência termina frequentemente pela

aprovação de um instrumento denominado “ato final”. No entanto, a assinatura não é

obrigatória; na prática das Conferências que comportam um número muito grande de

participantes acontece frequentemente que o ato final seja assinado somente pelo presidente

da Conferência. De resto, a assinatura do ato final não exclui forçosamente a do próprio tratado.

Acontece, além disso, frequentemente, que o texto de uma Convenção concluída sob os

auspícios das Nações Unidas seja retomado no anexo de uma Resolução da Assembleia Geral.Não se trata de uma técnica de autenticação do tratado; o objetivo é de chamar a atenção para

o texto adotado e efetuar uma pressão em favor da ratificação ou da adesão.

B – Elaboração por um órgão permanente de uma Organização Internacional

Base jurídica e características gerais do sistema: Criadas com o fim de reforçar e facilitar a

cooperação interestatal, todas as Organizações Internacionais têm competência para autorizar

a conclusão de Convenções Internacionais. A sua capacidade só é limitada pelo princípio da

especialidade: as Convenções concluídas no seio das organizações devem ser conformes aos fins

e ao objetivo delas. A maior parte das cartas constitutivas das Organizações definem o campode aplicação e as modalidades de exercício desta competência. Na prática, as disposições

pertinentes são interpretadas extensivamente; no silêncio dos textos, pode sempre recorrer-se

à teoria dos poderes implícitos para justificar a aplicação de uma tal competência. O campo de

aplicação não é fácil de determinar. A conclusão de convenções no interior de uma organização

deve distinguir-se, por um lado, da elaboração por uma conferência realizada sob os auspícios

da Organização, por outro, da adoção de um ato unilateral da referida organização.

Teoricamente, a distinção é nítida: o primeiro método consiste em utilizar os órgãos e os

processos próprios da Organização, e não os das delegações nacionais convidadas para uma

Conferência; como qualquer outra, a convenção adotada no âmbito de uma Organização entra

em vigor de acordo com as habituais modalidades e continua a ser um ato multilateral. Narealidade, as situações são frequentemente ambíguas. Por vezes, os estatutos preveem que os

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órgãos da Organização decidam concluir uma Convenção por si mesmos ou por uma Conferência

convocada por eles; a escolha do método só se efetua na última fase da negociação; em ambos

os casos, o essencial da elaboração do texto terá tido lugar segundo as técnicas próprias da

Organização. Esta analogia de processos é ainda mais manifesta quando se compara a adoção

de uma Convenção com um ato unilateral no quadro da Organização. É então difícil encontrar

neles indícios quanto à real natureza do ato adotado. Da mesma maneira, as condições deentrada em vigor não fornecem necessariamente critérios decisivos. A elaboração de

Convenções no quadro das Organizações Internacionais é o domínio em que a fórmula da

“diplomacia parlamentar” mais se justifica e em que a comunidade interestatal mais se aproxima

da ideia do “legislador” internacional, sem que qualquer assimilação com a Ordem Interna

Nacional seja possível. O facto de se tratar de uma competência própria da Organização suscita

com efeito particularidades notáveis. A “planificação” da elaboração do Direito Convencional

torna-se possível graças à permanência dos órgãos e à sua estrutura hierárquica; ela escapa, em

certa medida, às pressões unilaterais dos Estados. OS processos internos da Organização são

oponíveis aos Estados membros e, salvo se forem modificados segundo as regras da própria

Organização, não podem ser adaptados discricionariamente. Estas são as regras gerais sobre adeliberação no âmbito dos órgãos e sobre a adoção das resoluções que serão aplicáveis:

trabalhos preparatórios por colégios de peritos ou pelo secretariado  – mas com consulta dos

Estados no decorrer desta fase, sob a forma de questionários –; reapresentação do projeto, por

intermédio dos órgãos subsidiários, ao órgão intergovernamental plenário; adoção, soba forma

de resolução, por unanimidade, por maioria ou por consenso; autenticação pelos órgãos da

organização. Porém, não se pode levar longe de mais a analogia com a função legislativa: o

caráter “autoritário” do processo cessa com a adoção do projeto de convenção; a entrada em

vigor desta última continua a depender da ratificação ou adesão dos Estados.

Elaboração das Convenções Internacionais do Trabalho: A originalidade do método

seguido pela Organização Internacional do Trabalho para elaborar e adotar as Convenções dotrabalho está estritamente ligada ao caráter tripartido desta instituição. Não só, nos órgão da

Organização, têm assento, em igualdade do ponto de vista quantitativo, representantes

patronais e dos assalariados ao lado dos delegados que representam os governos, mas o peso

dos primeiros é comparável ao dos segundos no processo de decisão. Daí resultam três

particularidades no modo de elaboração das Convenções pela Conferência Geral do Trabalho:

a)  Indivíduos estão efetivamente associados ao desenrolar do processo de

negociação. Em princípio, os delegados não governamentais devem

representar realmente interesses específicos, os dos dadores de

trabalho e dos empregados, e dar provas de independência emrelação ao governo do seu país de origem.

b) 

Os projetos de Convenção são adotados pela maioria de dois terços,

fazendo-se a votação por cabeça e não por delegação nacional . O método

de votação constitui, pois, uma exceção à regra geral segundo a qual

os governos nacionais têm o monopólio absoluto da representação

do Estado nas Relações Internacionais. Uma convergência de

interesses dos representantes de interesses socioprofissionais e de

alguns governos pode pôr em xeque a vontade de uma maioria de

Estados membros.

c) 

Autenticação dos textos adotados não se realiza mediante a assinatura dostextos ou de um ato final pelos delegados, mas pela do Presidente da

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Conferência Geral e do Diretor do Bureau Internacional do Trabalho (Bureau

Internacional de Travail), o mais alto funcionário da Organização.

Estas características originais explicam porque é que as Convenções

Internacionais do Trabalho, uma vez adotadas, são submetidas a um regime

inédito. O consentimento final dos Estados, embora designado por “ratificação”pelos estatutos, não corresponde ao sentido usual do termo: juridicamente, a

Convenção não foi aceite pelos representantes dos Estados. Em segundo lugar,

mesmo os Estados cujos representantes votaram contra o projeto são obrigados

a apresenta-lo às autoridades legislativas ou administrativas internas com vista

a obter delas aceitação da Convenção. E terceiro lugar, é ponto assente, desde a

origem da Organização Internacional do Trabalho, que a “ratificação” não pode

ser feita com reservas. Esta regra, combinada com a precedente, permitia

esperar uma melhoria mais rápida d sorte dos trabalhadores à escala universal.

Mas verificou-se que ela apenas era realista no quadro da relações entre Estados

com níveis económicos comparáveis. Por isso, em vez de aceitar um

“nivelamento pela base”, foi preciso resignar-se no decurso dos últimos anos, a

fixar normas moduladas no próprio âmbito das Convenções. Enfim, porque

sempre emanam de um órgão tripartido, estas Convenções não podem ser

objeto de uma interpretação ou de uma revisão pelos Estados Membros por

meio de acordos inter se; têm que respeitar os processos estabelecidos pelos

estatutos, que preveem a intervenção da Conferência Geral.

2.º Extensão da Comunidade dos Estados Contraentes

Para um alargamento do direito de participar no Tratado:

1.º Tratados fechados e tratados abertos: a distinção é tradicional:

- Tratado fechado: entende-se um tratado que não contém qualquer cláusula

autorizando outros Estados, que não sejam as partes contraentes, a submeterem-se ao regime

estabelecido pelo Tratado, em troca de um mínimo de formalidades processuais (ato unilateral

ou concertado de assinatura, acessão ou adesão). Com efeito, se for esse o caso, as partes

contraentes originárias, as que negociaram o Tratado, definem discricionariamente e porunanimidade em que condições aceitará ver um terceiro Estado tornar-se parte desse Tratado.

- Tratado aberto: permite, pelo contrário, que um Estado não contratante se

torne parte por meio de um simples ato unilateral e sem que as partes originárias possam impor-

lhe condições particulares. Pertencem a esta categoria os tratados “multilaterais gerais”:

convenções de codificação do Direito Internacional, Convenções concluídas sob auspícios de

Organizações Internacionais Universais, Convenções sobre o controlo de armamento.

Na realidade, os Tratados de tipo “puro”, totalmente abertos ou fechados são

excecionais e a distinção nem sempre é fácil. Numerosos tratados são abertos mas para

categorias de Estados determinados de antemão; outros dizem-se semi-fechados: a faculdadede adesão está subordinada a um convite formal do conjunto dos Estados signatários ou à sua

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aceitação, ou mesmo à negociação de um Tratado de adesão que as antigas partes contratantes

tal como os novos aderentes devem ratificar.

2.º O problema da “cláusula qualquer Estado”: A abertura do Tratado pode então

ser global  –  neste caso o Tratado tem vocação universal  –  ou parcial. Os critérios seletivos

encontrados na prática são muito variados e comportam muitas vezes restrições ao convite paranegociação: critérios políticos, critério geográfico, etc. Desta prática, favorável à liberdade dos

Estados signatários quanto à abertura dos Tratados, nasceu uma controvérsia político-jurídica.

Será admissível, na sociedade internacional atual, que o Tratados Mutilaterais Gerais não

estejam abertos a “qualquer Estado”? Não existirá uma presunção de abertura universal para

esta categoria de Tratados, no silêncio do texto? A resposta interessa todas as entidades cuja

existência como Estado esteja recente  –  novos Estados  –  ou contestada  –  os Estados não

reconhecidos por um grande número de Estados. A abertura destes Tratados a “qualquer Estado”

permitiria a sua participação, sem possibilidade de filtragem pela maioria ou pela unanimidade

das partes signatárias. Esta solução conforme à conceção legislativa do Tratado e em harmonia

com a teoria solidarista, apresenta alguns perigos de exploração política e pressupõe um grau

de solidariedade entre Estados superior ao que existe de facto na sociedade internacional atual.

A jurisprudência internacional já recusara admitir uma presunção de abertura para os Tratados

Multilaterais.

3.º  A tendência para a abertura da participação não é menos manifesta após a

segunda Guerra Mundial. Se o direito ao Tratado não foi reconhecido em abstrato e de uma

maneira geral em 1969, verifica-se eu numerosas Convenções Multilaterais de interesse geral

são totalmente abertas e comportam a “cláusula qualquer Estado”. Esta tendência afirmou-se

com o fim da guerra fria e confirmou-se pelas disposições da Convenção de Viena respeitante,

por um lado à assinatura e à adesão, por outro e principalmente às reservas.

A – Assinatura Diferida e Adesão

Assinatura Diferida: Antes de qualquer processo de autenticação do texto do

Tratado, a assinatura não estava, em princípio, aberta senão aos Estados que tinham participado

na negociação; procediam a ela os Estados cujos negociadores consideravam o texto como

satisfatório. Esta possibilidade está hoje aberta a Estados que não tomaram parte na negociação

ou que, nela tendo participado, não julgaram oportuno assinar a Convenção no momento da

sua adoção. É o que se chama “assinatura diferida” e constitui um meio de extensão dosTratados Multilaterais permitindo a um Estado, quer dar um primeiro passo para um Tratado ao

qual era totalmente estranho, quer “arrepender-se” depois de reflexão.

Adesão: A adesão é o ato pelo qual um Estado que não assinou o texto do Tratado,

exprime o seu consentimento definitivo em vincular-se. Este processo tem o mesmo alcance

que o da assinatura e da ratificação. Nestas condições, as precauções que rodeiam o processo

de ratificação já não se impõem: o Estado aderente tomou, a respeito do Tratado, o recuo

necessário; ele teve todo o tempo para pesar as vantagens e os inconvenientes do seu

compromisso. A adesão permite, mais eficazmente do que a assinatura diferida, alargar o campo

de aplicação de uma regulamentação convencional: traduz, com efeito, o consentimento de um

Estado em vincular-se pelo Tratado, do mesmo modo que a ratificação, a aceitação ou a

aprovação. A Convenção de Viena esforça-se por facilitar a sua prática no seu artigo 12.º.

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Todavia, a eficácia do processo, para a generalização do regime convencional, é determinada

por dois elementos: os critérios materiais utilizados para definir o campo de aplicação da

cláusula de adesão e o processo de acolhimento do pedido de adesão. Com efeito, a técnica de

adesão diversificou-se. Inicialmente, desde os primeiros tratados multilaterais, a adesão

correspondia a um processo concertado: era necessário quer um acordo entre o Estado e as

partes originárias, quer a aceitação expressa ou tácita destas últimas, depois de notificação deadesão. No caso da adesão só ser possível mediante convite dos Estados membros, ela apenas

poderá ocorrer após a entrada em vigor do Tratado. Salvo estas hipóteses, no silêncio do Tratado,

a adesão realiza-se hoje mediante um simples ato unilateral; o Estado aderente torna-se

automaticamente parte no tratado. Geralmente a adesão ocorrerá após a expiração do prazo

fixado para a assinatura diferida; assim, as adesões serão contabilizadas no cálculo que permite

fixar a data da entrada em vigor. É a simples aplicação do princípio segundo o qual os Estados

aderentes têm exatamente os mesmos direitos e prerrogativas que as partes originárias. A

admissão numa Organização Internacional constitui uma modalidade muito especial de adesão

segundo um processo complexo: o ato de candidatura é uma declaração de intenção; a própria

admissão resulta de uma decisão unilateral dos órgãos competentes da organização, segundoos seus processos internos que abrem a via ao ato, em princípio unilateral, pelo qual o Estado

adere ao ato constitutivo. Todavia, pode acontecer que, neste caso, a adesão resulte de um

acordo entre as partes originárias e o Estado aderente. Enquanto substituto de outras

modalidades de consentimento, tanto do ponto de vista do Direito Interno como do Direito

Internacional; a simples manifestação da intenção de aderir não tem efeito jurídico e o

depositário do Tratado não pode tomá-la em consideração. O termo “acessão”, por vezes

utilizado como sinónimo de “aceitação”, é muitas vezes adotado em vez e o lugar de “adesão”;

menos frequentemente, sucede o mesmo para o termo “aceitação”.

B – Reservas

Definições:

1.º Em presença de um Tratado cujo objeto, finalidade e conteúdo, no seu conjunto,

lhe convém, à exceção de algumas das suas disposições, o Estado interessado pode escolher

entre duas atitudes: ou recusar-se a fazer parte do Tratado a fim de escapar à aplicação das

referidas disposições; ou não cortando completamente as pontes, consentir em vincular-se mas

declarando ao mesmo tempo quer que exclui pura e simplesmente do seu compromisso as

disposições que não merecem a sua concordância, quer que entende atribuir-lhes, no que lhe

diz respeito, um significado particular, suscetível da sua aceitação. Se o Estado optar por esta

segunda atitude e fizer uma tal declaração, diz-se que formula reservas a essas disposições. O

Direito dos Tratados autoriza-o a isso. Pode formular reservas à assinatura, à ratificação, à

aceitação, à aprovação ou à adesão. De acordo com o artigo 2.º, n.º1 CVDT:

“ A expressão reserva designa uma declaração unilateral, qualquer que seja o seu

teor ou a sua designação, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um

tratado ou a ele adere, declaração pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas

disposições do tratado na sua aplicação a este Estado”.

2.º Ao lado das reservas propriamente ditas, a prática contemporânea vê proliferaras declarações interpretativas, que, em princípio, têm por objeto, não excluir ou limitar a

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aplicação de uma disposição, mas somente esclarecer o seu sentido. Se a distinção entre

reservas e declarações interpretativas parece clara em abstrato, é-o muito menos in concreto.

Os Estados, com efeito, têm tendência a ter das segundas uma conceção bastante ampla e a

redigi-las de maneira tão ambígua que o sentido da Convenção pode ser largamente falseado;

em certos casos existe um meio cómodo (mas juridicamente inaceitável) de contornar as regras

limitando ou evitando as reservas. Quando um declaração interpretativa se analisa de facto comuma reserva, é possível restabelecer esta qualificação.

Vantagens e inconvenientes: O processo das reservas é objeto de críticas severas. É acusado

de modificado o Tratado, violar a sua integridade, perturbar o seu equilíbrio, fragmentar o seu

regime. Embora tais objeções não sejam desprovidas de valor, não são decisivas. As reservas,

com efeito, facilitam a aceitação dos Tratados e favorecem por consequência, o alargamento do

seu campo de aplicação. Ela encontra, hoje, novos fundamentos de transformação da técnica

de elaboração dos Tratados Multilaterais e na multiplicação dos participantes nesta elaboração.

Por um lado, da aplicação do sistema maioritário resulta que o Tratado adotado contém

inevitavelmente disposições inaceitáveis para os Estados minoritários que as recusaram por

votação e que poderiam preferir abster-se de se vincularem se lhes fosse proibido formular

reservas. A opinião do Tribunal Internacional de Justiça é perfeitamente clara a este respeito:

“O princípio maioritário, se facilita a conclusão das Convenções Multilaterais, pode tornar

necessária, para certos Estados, a formulação de reservas”. Por outro lado, é muito difícil chegar

à unificação jurídica desejável, quando, dado o seu número elevado, os Estados participantes na

elaboração, no âmbito de uma grande Conferência Internacional, refletem toda a diversidade

do mundo que representam. Enfim, na época contemporânea, numerosas Convenções

Multilaterais Gerais estabelecem um verdadeiro Direito novo: por realismo, deve aceitar-se que

este seja aplicado progressivamente antes de tornar regra comum a todos os Estados. Assim, o

problema da legitimidade das reservas é um problema de escolha entre dois objetivos: a

aproximação dos povos pela extensão da comunidade das partes aos Tratados Multilaterais oua uniformização do Direito. Autorizando as reservas, o Direito Internacional positivo optou pelo

primeiro, as regras em vigor traduzem contudo a preocupação de evitar que as regras

convencionais possam ser esvaziadas da sua substância por uma prática abusiva das reservas.

Restrições convencionais à formulação de reservas:

1.º  Princípio de liberdade: a regra fundamental neste domínio é que as partes

contratantes são livres de proibir, de limitar ou de facilitar a seu arbítrio a formulação de

reservas. Este princípio foi consagrado pelas alíneas a) e b) do artigo 19.º CVDT. Nos termos do

artigo 22.º, uma reserva ou uma objeção pode ser retirada em qualquer momento, a menos que

Tratado disponha diversamente.

2.º A prática é extremamente diversa. Por uma cláusula explícita, os Estados podem

proibir qualquer formulação de reservas. Admite-se geralmente que, nas Convenções

Internacionais do Trabalho, existe uma cláusula implícita de proibição das reservas pelo facto de

caber à Organização Internacional do Trabalho a missão de uniformizar as condições de trabalho

no mundo. Outros Tratados contentam-se com proibir reservas em algumas das suas disposições,

o que equivale a autorizá-las a respeito de todas as outras. Pelo contrário, alguns Tratados

autorizam expressamente as reservas a determinadas disposições, o que equivale a proibi-las

para os outros artigos. Outros ainda autorizam ou excluem algumas categorias de reservas.

3.º Efeitos das cláusulas relativas às reservas: Normalmente, quando as reservas sãoautorizadas pelo tratado, não precisam do consentimento dos outros Estados contratantes para

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serem aplicadas, sendo dado este consentimento quando da aceitação da cláusula de

autorização. Mas os autores do Tratado podem decidir diversamente.

Formulação de reservas em caso de silêncio do tratado: Em caso de silêncio do Tratado,

põem-se dois problemas: dispõem os Estados de uma liberdade total na formulação de reservas?

E, se não for este o caso, quem pode apreciar a validade destas reservas?

1.º Limitações ao direito de formular reservas: O Direito Positivo evoluiu no sentido

de uma notável flexibilização. O artigo 19.º da Convenção de Viena admite formalmente que,

em caso de silêncio do Tratado, é possível uma reserva a não ser que “seja incompatível com o

objeto e a finalidade do tratado”. O artigo 20.º CVDT introduziu contudo duas restrições

suplementares:

“2. Quando resulta do número restrito do Estados que participaram na

negociação, assim como do objeto e da finalidade de um tratado, que a sua aplicação na íntegra

entre todas as partes seja uma condição essencial para o consentimento de cada uma em

vincular-se pelo tratado, deve ser aceite uma reserva por todas as partes;3. Quando um tratado é um ato constitutivo de uma organização internacional,

a menos que disponha diversamente, uma reserva exige a aceitação do órgão competente desta

organização.” 

Além disso, se bem que a Convenção de Viena seja omissa neste ponto, um Estado

não poderia fazer uma reserva a uma disposição contendo codificação de regras

consuetudinárias do Direito Internacional Geral que, conforme o Tribunal Internacional de

Justiça, por natureza devem aplicar-se em condições iguais a todos os membros da comunidade

internacional e não podem portanto estar subordinadas a um direito de exclusão exercido

unilateralmente seja ao arbítrio de qualquer dos membros da comunidade seja à sua própria

vantagem. Ocorre o mesmo, a fortiori , para reservas a cláusulas convencionais que exprimem

regras de ius cogens.

2.º  No Estado atual da Sociedade Internacional, a apreciação da validade das

reservas não pode ser da competência do juiz a menos que os Estados nisso consintam. Por

conseguinte, à exceção do caso particular das reservas ao ato constitutivo de uma organização

internacional, para o qual pode encarar-se uma solução institucional  (artigo 20.º, n.º1 CVDT), só

existe uma via possível, a que consiste em abandonar a cada Estado cocontratante o direito de

apreciar a validade de uma reserva e, em especial, a sua conformidade com a finalidade e o

objeto do tratado. Alguns Tratados possuem, não obstante, cláusulas específicas sobre este

ponto. Para mais, quando o Tratado cria um órgão de controlo das obrigações convencionais, oque é frequente em matéria de direitos do Homem, esse órgão deveria poder apreciar a validade

de eventuais reservas. Na prática, as instituições deste tipo dão provas de prudência.

Efeitos das reservas e das objeções às reservas: A exigência da aceitação, expressa ou tácita, da

reserva pelo conjunto dos Estados contratantes para que o Tratado possa entrar em vigor

relativamente ao Estado reservatório, equivalia a dar, a cada Estado parte, um direito de veto

pouco compatível com a tendência atual para o alargamento do direito de participar nos

Tratados. Esta solução, aplicada no tempo da Sociedade das Nações e no início das Nações

Unidas, está hoje ultrapassada. Atualmente a exigência da unanimidade já não é mantida, senão

parcialmente, para os tratados cujas partes são em número restrito. Quanto aos outros,

renunciou-se mesmo à ideia de um consentimento “coletivo” dado por uma percentagemrazoável de Estados partes. A Convenção de Viena convida mesmo os Estados a darem um lugar

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mais amplo à aceitação tácita das reservas: a ausência de objeções no prazo relativamente curto

de um ano deve ser interpretada como uma aceitação (artigo 20.º, n.º5 CVDT). Correlativamente,

os autores da Convenção de Viena, empenharam-se em reduzir o alcance das objeções às

reservas. A objeção não pode ser presumida, tem de ser sempre formalmente expressa, mas

pode emanar de um Estado simplesmente signatário. E para que a objeção tenha por efeito

impedir a entrada em vigor do Tratado entre os dois Estados interessados, é necessário que oEstado que emite a objeção tenha manifestado claramente a sua intenção de que seja assim

(artigo 20.º, n.º4 CVDT). A prática arbitral confirma esta vontade de limitar os casos em que o

conjunto da relação convencional seria posto em causa pela combinação de uma reserva e de

uma objeção a esta. Evidentemente, a existência de reservas não modifica em nada o jogo do

Tratado entre os Estados que o aceitaram integralmente. Entre os Estados reservatórios e os

que aceitaram as reservas, as regras do Tratado são modificadas na medida requerida pelas

reservas. Entre os Estados reservatários e os que formulam objeções à reserva, sem no entanto

se oporem à entrada em vigor do Tratado entre eles, o Tratado aplica-se com exceção das

disposições sobre as quais incide a reserva. O ideal é evidentemente, encontrar o mais

rapidamente possível uma aplicação integral do Tratado; por isso, basta um ato unilateral deabandono para que desapareçam reservas e objeções às reservas; esta retirada pode ocorrer

em qualquer momento.

A aposição de reservas pela ordem interna portuguesa:

3.º Instituição do Depositário

Noção de Depositário: Segundo o processo geral, comum a todos os Tratados, as cartas deratificação são trocadas entre os Estados contratantes: cada um deles deve proceder a tantos

envios quantas as partes. A multiplicação dos Tratados Multilaterais reunindo um número

elevado de partes levou a prática a simplificar este processo. A troca de cartas de ratificação

substitui então o ato do depósito dos instrumentos de ratificação. Para o efeito, os Estados

signatários designam, de comum acordo, um depositário do Tratado e confiam-lhe a tarefa de

centralizar todo o processo. Cada signatário já não tem necessidade de fazer senão um único

envio. Dirige ao depositário o instrumento, depois de ter estabelecido o processo-verbal de

receção. Introduzida desde o início do século XIX, esta prática tem sido constantemente

observada desde então.

Regime Jurídico:

1.º Escolha dos depositários: Regra geral, o Estado, em cujo território se desenrolam

as negociações ou se reúne a Conferência de elaboração, é designado como depositário, mas

nada impede que se proceda a outra escolha. Em particular, quando o Tratado é concluído sob

os auspícios de uma organização internacional ou negociado no seu âmbito, a institucionalização

completa-se muitas vezes pela designação como depositário da Organização ou do chefe do

Secretariado. A prática dos depositários múltiplos desenvolveu-se igualmente principalmente

pela influência de dois fatores:

- Por um lado, em certos casos, o critério geográfico não se mostrou satisfatório

porque levava a privilegiar um negociador enquanto outros teriam podido desempenhar umpapel igualmente importante.

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- Por outro, quando da discussão do Tratado de Moscovo de 25 de julho de 1963

sobre a proibição parcial dos ensaios nucleares, foi decidido instituir três Estados depositários,

os Estados Unidos, o Reino Unido e a União de Repúblicas Socialistas Soviéticas. Estando este

Tratado aberto à assinatura diferida e à adesão de “todos os Estados”, pareceu necessário

permitir a cada um a escolha de depositário em função das suas preferências políticas, ou optar

por aquele que o reconhecesse expressamente como Estado. Desde então, foi aplicada a mesmasolução a outros Tratados abertos a “qualquer Estado”. 

2.º Funções de Depositário: Estas são essencialmente tarefas de administração do

Tratado. Contudo, põe-se uma questão: terá o depositário competência, além dessas funções

materiais, para verificar a regularidade dos atos concluídos pelos Estados interessados?

Confirmando o ponto de equilíbrio alcançado, não sem dificuldades, pela prática, o artigo 77.º

CVDT responde afirmativamente, mas apenas no que respeita à regularidade formal: em caso

de divergências de ponto de vista, “o depositário deve submeter a questão à atenção dos Estados

signatários contratantes ou, se for caso disso, ao órgão competente da Organização

Internacional em causa”. A Convenção de Viena confirma a função inicial de guarda do original

do Tratado e da centralização dos instrumentos de ratificação. Outras tarefas acrescem:

estabelecer cópias certificadas, informar as partes de todos os atos, notificações e comunicações

relativos ao Tratado, assegurar o registo do Tratado, etc.

Solução em vigor em Portugal:

- Professor Fausto Quadros15:

Quem tem competência em Portugal para negociar Tratados?

O artigo 200.º, n.º1, alínea b) da Constituição  diz-nos que é ao Governo que

compete “negociar e ajustar convenções internacionais”. Para o efeito, cabe ao Ministério dos

Negócios Estrangeiros a “condução das negociações”, por força do artigo 2.º, alínea d) do

Decreto-Lei n.º529/85, de 31 de Dezembro. Mas a rúbrica ou a assinatura de qualquer Tratado

Internacional carece de prévia autorização expressa da parte do Conselho de Ministros. Todavia,

a competência para essa aprovação encontra-se tacitamente delegada ao Primeiro-Ministro: é o

que dispõem os n.º 3 e 4 da Resolução do Conselho de Ministros n.º17/88, de 7 de abril. Isto

significa que é difícil verificar-se hoje uma descoordenação ou uma duplicação de tarefas em

matéria de negociação de Tratados em Portugal: só o Ministro dos Negócios Estrangeiros pode

negocia-los; e antes de eles serem rubricados ou assinados os plenipotenciários terão de obter

para o efeito autorização expressa da parte do Primeiro-Ministro. Mas a Constituição de 1976, no

seu artigo 229.º, n.º1, alínea s) veio conferir às Regiões Autónomas o poder de “participar nas

negociações de Tratados e Acordos Internacionais que diretamente lhes digam respeito(…)”.

Depois, os Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira

(aprovados, respetivamente, pela Lei n.º9/87, de 26 de março, e pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho)

vieram estabelecer que, a nível regional, aquela competência cabe ao respetivo Governo Regional

(artigo 56.º, alínea g) do Estatuto dos Açores e 49.º alínea f) do Estatuto da Madeira). Mas o que

se deve entender por “Tratados e Acordos Internacionais”, conforme rezam os citados dos artigos

229.º, n.º1 alínea s), da Constituição, 56.º, alínea g), do Estatuto dos Açores e 49.º, alínea r) do

Estatuto da Madeira? A Comissão Constitucional, no seu Parecer n.º 20/77, de 18 de agosto de

1977, definiu-os coo sendo os Tratados que “respeitem a interesses predominantemente

regionais ou que, pelo menos, mereçam, no plano nacional, um tratamento específico no que

15 Segundo opinião de Professor Fausto de Quadros

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toca à sua incidência nas Regiões, em função das particularidades destas e tendo em vista a

relevância de que se revestem para esses territórios”. Convenhamos que esta definição, pela sua

vacuidade, pouco ajuda o intérprete a encontrar uma resposta à pergunta colocada. Da nossa

parte, entendemos que o transcrito artigo 22.º, n.º1, alínea s) CRP e os preceitos similares dos

Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas englobam, sem dúvida, as Convenções

Internacionais que tenham por objeto:

a) 

As matérias a que se referem os artigos 75.º do Estatuto dos Açores

e 57.º do Estatuto da Madeira;

b) 

As matérias a que e referem os artigos 74.º do Estatuto dos Açores e

56.º do Estatuto da Madeira quando os protocolos de colaboração

permanente entre Estado e a respetiva Região, aí previstos, se

extraia que elas, em cada caso, dizem diretamente respeito à Região

em causa;

c)  De entre as matérias arroladas nas outras alíneas doo citado artigo

229.º, n.º1, CRP aquelas que, pela sua natureza digam respeito a

cada Região, se não às duas simultaneamente: estarão nesse caso os

Tratados sobre diálogo e cooperação inter-regional, a que se refere

a alínea t) desse preceito.

Questão duvidosa é a de saber se naquele artigo 229.º, n.º1, alínea s), CRP e nos

preceitos similares dos Estatutos não cabem também as matérias de “interesse específico” para

cada Região, elencadas, a título exemplificativo, nos artigos 33.º do Estatuto dos Açores e 30.º do

Estatuto da Madeira. A favor de uma resposta afirmativa militam dois argumentos: o transcrito

do trecho da Comissão Constitucional; e o facto de as matérias de “interesse específico” serem,

por maioria de razão, matérias que dizem “diretamente respeito” às Regiões Autónomas. Só que,

se assim fosse, estar-se-ia a conceder às Regiões Autónomas um quase ilimitado poder departicipação na negociação internacional, que não parece ter estado pelo menos no espírito do

legislador constituinte. A participação das Regiões Autónomas nas negociações de Tratados

Internacionais, quando deva ter lugar, revestirá a forma de representação efetiva na delegação

portuguesa que negociar o Tratado respetivo, assim como nas respetivas comissões de execução

e fiscalização – é o que estabelecem os artigos 76.º do Estatuto dos Açores e 58.º do Estatuto da

Madeira.

Assinatura: Redigido o texto chega-se ao momento em que este é assinado pelos

plenipotenciários. A assinatura do Tratado produz efeitos jurídicos diferentes conforme se trate

de um Tratado Solene ou de um Acordo em Forma Simplificada. No Tratado Solene a assinatura

não significa ainda a vinculação do Estado ao Tratado, mas nem por isso deixa de gerar umamultiplicidade de efeitos jurídicos, dos quais cabe assinalar os seguintes:

a) 

Exprime o acordo formal dos plenipotenciários quanto ao texto do

Tratado;

b) 

Produz para o Estado signatário o direito de ratificar o Tratado;

c) 

Faz surgir o dever para os Estados signatários de se absterem de

ações ou omissões que privem o Tratado do seu objeto ou do seu fim.

Trata-se, no fundo, de um imperativo do princípio da boa fé e

encontra-se consagrado no artigo 18.º CVDT;

d) 

Autentica o texto, que fica definitivamente fixado, conforme dispõe

o artigo 10.º, alínea b) CVDT;

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37 

e) 

Marca a data e o local da celebração do Tratado, uma vez que a

ratificação vai ser feita posteriormente e em datas diferentes por

cada um dos Estados.

Ao contrário do que se passa nos Tratados solenes, nos Acordos em forma

simplificada a assinatura pode vincular imediatamente os Estados cujos plenipotenciáriosassinarem. Veja-se o que adiante diremos sobre o artigo 24.º, n.4, CVDT, que pretende estender

a outros casos a vinculação imediata. Os plenos poderes podem, contudo, não conferir ao

plenipotenciário a faculdade de assinar. Se assim suceder, este, ou se limita a apor no texto as

suas iniciais, ou assina adreferendum, ficando as assinaturas definitivas para mais tarde. É o caso

da assinatura sob reserva de aceitação, que tem de ser confirmada pelo Estado respetivo. Esta

confirmação é normalmente dada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros e não se confunde

com a ratificação – veja-se, nesse sentido, o artigo 12.º, n.º2, alínea b), CVDT. Porque, em função

do respetivo Direito Constitucional, um mesmo Tratado pode revestir a forma de Tratado Solene

para um Estado signatário e de acordo em forma simplificada para outro, a assinatura pode

assumir efeitos diferentes conforme os Estados que o negociaram.

Ratificação: Como acima se disse, nos Tratados Solenes não é a assinatura que

vincula o Estado mas tão somente a ratificação e a subsequente troca de ratificações. A ratificação

é o ato jurídico individual e solene pelo qual o órgão competente do Estado afirma a vontade

deste de se vincular ao tratado cujo texto foi por ele assinado. É assim que a CVDT, no seu artigo

14.º, concebe a ratificação.

Os sistemas de ratificação O sistema Português: Vejamos agora quis são os

sistemas de ratificação possíveis. Isto equivale a estudar os órgão que têm competência para o

processo de ratificação dos Tratados. O problema do sistema de vigência do Direito Internacional

está, embora não totalmente, ligado ao do sistema de vigência do Direito Internacional na Ordem

Interna. Ora, como vimos, o Direito Internacional na Ordem Interna. Como se disse, é o Chefe deEstado quem tem competência para ratificar os Tratados Internacionais. Contudo, a lei interna

pode exigir a intervenção de outros órgãos, fazendo dessa intervenção uma conditioiuris  da

vigência interna dos Tratados. Dito isto, podemos então, em síntese, encontrar dois sistemas

fundamentais de ratificação, que refletem a estrutura do Estado, conforme se verifica uma:

- concentração absoluta de poderes: admitindo a fusão dos poderes executivo e

legislativo num mesmo órgão, engloba duas variedades distintas: a primeira é a do sistema do

executivo monocrático, em que há usualmente um órgão singular exclusivamente competente

para a ratificação dos Tratados. A segunda variante é a do sistema de Assembleia, que, como o

seu nome indica, faz avultar a posição de um órgão colegial.

- separação relativa de poderes: é, de longe, o sistema mais praticado,

abrangendo quer o governo presidencialista, abrangendo que o parlamentar, quer sistemas

atípicos. Em qualquer deles, o ato de ratificação é formalmente realizado pelo Chefe de Estado,

mas depende, ou pode depender, da aprovação do órgão legislativo. Por vezes, geralmente no

caso do presidencialismo, esta aprovação é exigida para todos os tratados: é o sistema dos

Estados Unidos da América, que exige a aprovação pelo Senado por uma maioria de 2/3. É, alias,

esta este sistema de 2/3 que está na base da frequente recusa de ratificação dos Tratados

Internacionais pelos Estados Unidos o que tem feito desenvolver aí a prática dos Acordos em

Forma Simplificada (executive agreements). Noutros sistemas, geralmente no caso do

parlamentarismo, a aprovação só é exigida para certos Tratados, mais importantes.

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O sistema de ratificação adotado pela Constituição da República Portuguesa  é,

como não podia deixar de ser, um sistema de repartição de poderes. Por outro lado, ele não pode

deixar de refletir as características gerais do sistema político definido na Constituição. Assim,

quem dirige a política externa do País é, em face da Constituição, o Governo. Isso decorre do

princípio geral segundo o qual a “condução da política geral do País” compete ao Governo, e não

a qualquer outro órgão de soberania, nomeadamente ao Presidente da República (artigo 185.ºCRP). Como projeção desse princípio no plano externo, o texto constitucional atribui só ao

Governo o poder de “negociar e ajustar Convenções Internacionais” (artigo 200.º, n.1, alínea b)).

Nas Relações Externas, fica para o Presidente da República competência apenas para a

representação do Estado português (artigo 123.º CRP). É dentro desta função de representação

externa que deve ser interpretado o poder que lhe cabe de ratificar os Tratados, por força de

preceito expresso, o artigo 138.º, alínea b). Portanto, é o Presidente da República quem vincula

o Estado português na Ordem Internacional através de Tratados Internacionais solenes e,

portanto, quem atribui vigência a esses Tratados na Ordem interna Portuguesa.

Qual é a forma que deve assumir o ato de ratificação? A Constituição não fornece

resposta a esta interrogação, nem mesmo quando submete a ratificação a referenda ministerial

(artigo 143.º, n.º1, por remissão para o artigo 138.º, alínea b)) ou quando obriga à publicação dos

avisos de ratificação (artigo 122.º, n.º1, alínea b)). Também a Lei n.º 6/83, de 29 de julho, quando

veio disciplinar a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, ignorou a questão,

particularmente no artigo 10.º, n.º 3 e 5. Todavia, ainda na década de 80 iniciou-se a prática do

ato de ratificação ser objeto de um decreto autónomo do Presidente da República (decreto

presidencial de ratificação). A obrigação de publicação do decreto de ratificar um Tratado

precedendo aprovação pela Assembleia da República (mediante resolução) ou pelo governo

(através de Decreto): é o que resulta dos artigos 164.º, alínea j), e artigo 200.º, n.º1, alínea c).

Também em Portugal a ratificação do Tratado é um ato livre, o que significa que o Presidente da

República, após a Assembleia da República ou o Governo (conforme o caso) terem aprovado oTratado, pode optar por uma de três hipóteses: ratifica-lo; não o ratificar; pedir a fiscalização

preventiva da sua Constitucionalidade, de harmonia com os artigos 137.º, alínea g), infine e artigo

278.º, n.º1. Se optar pela última hipótese, e se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela

inconstitucionalidade do Tratado, o ato da ratificação deixa de ser um ato totalmente livre: nesse

caso, o Presidente só poderá ratificar o Tratado se a Assembleia o aprovar por maioria de 2/3 dos

deputados presentes, que terá de ser sempre superior à maioria absoluta dos deputados em

efetividade de funções (artigo 279.º, n.º4).

Os Acordos em Forma Simplificada, que na terminologia da Constituição  são

designados de “Acordos Internacionais”, não carecem, nos termos gerais, de ratificação pelo

Presidente da República. Mas nem por isso este deixa de intervir na sua conclusão, porque terá

que assinar as resoluções da Assembleia da República ou os Decretos do Governo que os aprovem

(artigos 137.º, alínea b), 2.ª parte, e 200, n.º2). E não poderá assinar nem aquelas nem estes se o

Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização preventiva de Constitucionalidade, se pronunciar

pela Inconstitucionalidade do acordo (Artigo 279.º, n.1).

O Presidente da República pode exercer o veto político quanto aos Tratados?

 

Cremos que não, nem quando aos Tratados solenes nem quanto aos acordos, porque o veto

político só se pode exercer quantoaatossuscetíveisdepromulgação  (Artigo 139.º), o que não é

o caso. Todavia, e recapitulando o que se disse, o Presidente da República pode recusar a

vinculação de Portugal a um Tratado solene porque pode não o ratificar; não assim quanto umacordo, porque, como também já mostrámos, tem sempre de assinar a Resolução da Assembleia

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da República ou o Decreto do Governo que o aprovou, salvo se o Tribunal Constitucional se tiver

pronunciado preventivamente pela sua inconstitucionalidade. Sublinhe-se que, nos termos da

Constituição, o Decreto Presidencial de ratificação carece de referenda do Governo, sob pena da

sua inexistência jurídica (artigo 143.º). Isto mostra bem que em matéria de ratificação existe, no

nosso sistema constitucional, uma intervenção conjugada do Presidente da República e do

Governo, sem prejuízo de só o primeiro ter competência para ratificar os Tratados. Ratificando oTratado, cabe ao Presidente da República emitir a carta de ratificação.

Como nota final acrescente-se que é hoje pacífico o entendimento de que a

ratificação não tem efeito retroativo. Esse conceito era admitido quando a ratificação era

concebida como mera confirmação da assinatura, mas o seu sentido presente faz com que se não

aceite a produção de efeitos a partir do momento da assinatura, mas só da ratificação, se o

Tratado já estiver em vigor, ou então da entrada em vigor do Tratado. É o que decorre do artigo

24.º CVDT. Notemos, porém, que no n.º4 desse mesmo artigo 24.º estabelece a regra da entrada

em vigor imediata, desde a data da adoção do texto, das disposições de um Tratado que digam

respeito à sua validade formal. Mas esta disposição, embora compreensível, não se compatibiliza

com o respeito pela definição, por cada estado, do seu próprio treaty-makingpower .

Os Acordos em forma simplificada: Durante muito tempo foi a ratificação a

formalidade pela qual os Estados se vincularam aos Tratados. Mas, como já ficou acima exposto,

como desenvolvimento das Relações Internacionais, particularmente com o incremento do

comércio internacional, passou a ser urgente para os Estados sentirem-se obrigados pelos

Tratados que livremente negociavam, o que nem sempre se compadecia com a demora da

aprovação parlamentar, necessária à ratificação pelo Chefe de Estado. Por conseguinte, a

distinção entre os Tratados Solenes e os Acordos em Forma Simplificada é dada pela presença ou

ausência de ratificação. Saber-se se uma Convenção exige ou não ratificação é uma questão que,

no plano do Direito Internacional, deverá, em princípio, ser esclarecido pela própria Convenção.Do trabalho de Ian Sinclair, e da prática adotada nesse domínio, extrai-se, desde logo, a conclusão

de que não é a importância da matéria versada na Convenção que faz com que ela imponha a sua

ratificação e lhe dá a forma de Tratado Solene. Mas vamos imaginar agora que o Tratado não

contém indicação expressa quanto à necessidade de ratificação. QuidIuris? A Convenção de

Viena  porém, não veio a adotar sobre este ponto qualquer regra supletiva, limitando-se a

enunciar, nos artigos 11.º a 15.º, as várias formas de expressão do Consentimento do Estado. E,

não obstante o artigo 11.º a primeira dessas formas seja exatamente a assinatura, é de lamentar

a omissão da regra residual ou supletiva, pela indefinição em que deixou um ponto sujeito a

controvérsia, digamos mesmo indispensabilidade, dos acordos em forma simplificada para as

Relações Externas dos Estados, a presunção geral a favor da ratificação fique progressivamente

enfraquecida. Note-se, todavia, que, na prática, o que o Direito internacional possa dispor sobre

a matéria têm pouca relevância porque acabará por ser o Direito Constitucional dos Estados a

definir quais são as matérias que podem ou não ser objeto de acordos em forma simplificada. E

aí o Legislador constituinte de cada Estado conserva uma total liberdade  –  donde resulta,

frequentemente, que um mesmo Tratado é solene para uma Parte Contratante e de forma

simplificada para outra. E não se vê que esse facto ofenda qualquer razão de lógica jurídica. A

crescente generalização dos Acordos em forma simplificada tem levado a que as Constituições

estaduais lhes dediquem cada vez maior atenção. A posição que as Constituições dos vários

Estados venham a adotar na matéria dependerá sobretudo do sistema político consagrado por

cada uma delas. Antes de procedermos ao estudo do tratamento que à matéria é dado pelo atual

Direito Constitucional português e os seus antecedentes imediatos, queremos frisar aqui doispontos:

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41 

que nada impede que a Constituição portuguesa imponha, após a assinatura, a aprovação do

acordo, dado que o Direito Constitucional de cada Estado é livre de prescrever o regime que

entender para a Conclusão dos Tratados Internacionais. Mas, em face do artigo 12.º, nº1 CVDT,

caso Portugal não ressalve expressamente no acordo que só se vinculará a ele depois da sua

aprovação pelo órgão nacional competente, de harmonia com a sua Constituição, ficará vinculado

ao acordo no plano internacional pela sua mera assinatura, não obstante o acordo só passe avigorar na ordem interna após a sua aprovação ou, porventura, até nunca venha a vigorar na

ordem interna por a aprovação não se ter dado ou por acordo ter sido declarado inconstitucional.

E isto é assim porque o artigo 27.º CVDT dispõe que nenhum Estado pode invocar as disposições

do seu Direito Interno para se eximir ao cumprimento do Tratado ao qual livremente se vinculou

na cena internacional. Se a assinatura compete sempre ao Governo, a aprovação cabe, ao

princípio, ao Governo, mas este, se assim o entender, pode submeter os acordos à aprovação da

Assembleia da República (artigo 200.º, n.º1, alínea c), 1.ªa parte e in fine). Excetuam-se os

acordos concluídos sobre matéria de competência reservada da Assembleia da República que

têm de ser necessariamente aprovados por este órgão (artigo 164.º, alínea j), 1.ª parte).

Velamos, a concluir, alguns outros traços do regime constitucional dos Acordos

em forma simplificada:

- O Presidente da República intervém neles através da assinatura dos

Decretos de aprovação do Governo ou das Resoluções de aprovação da AR (artigos 137.º, 2.ª

parte, e 200.º, n.º2), enquanto que intervém nos tratados mediante retificação;

- O Presidente da República nunca pode opor-se à vinculação do Estado

Português a um acordo, porque tem sempre de assinar o decreto de Governo (artigos 137, alínea

b) in fine, e 200.º, n.º2), ou a resolução da Assembleia da República (Artigos 137.º, alínea b), 2.ª

parte) que o aprova (mas pode opor-se à vinculação a um Tratado não ratificando);

- Os Acordos estão sujeitos, tais como os Tratados à fiscalização

preventiva da constitucionalidade, mas, em caso de pronúncia pela inconstitucionalidade pelo

Tribunal Constitucional, o Presidente da República nunca pode assinar o decreto ou a resolução

que aprova o Acordo (Artigo 279.º, n.º 1 e 2) e, por conseguinte, ele não vigorará na ordem

interna, mesmo se vincular Portugal na esfera internacional, o que, nos termos acima expostos,

acontecerá em princípio (ao contrário do que sucede com o Tratado, que ainda pode vir a ser

ratificado no caso de a Assembleia da República o aprovar por maioria de 2/3 dos deputados

presentes (Artigo 279.º, n.º4)).

- Professor Jorge Miranda16: 

A Aprovação: ao longo das Constituições portuguesas têm sido órgãos

com competência para aprovação de convenções:

a)  O Parlamento (em todas as Constituições, mas com

variações);

b) 

O Rei (nas Constituições monárquicas);

c) 

O Governo (nas Constituições de 1933 e 1976);

d) 

O Conselho da Revolução (na Constituição de 1976, até 1982,

quanto a tratados e acordos respeitantes a assuntos

militares).

16 Miranda, Jorge; Curso de Direito Internacional; Princípia editores;

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Tendo em conta o papel específico do Parlamento, três sistemas de

aprovação de tratados podem ser apontados:

- Aprovação pelo Parlamento só de convenções internacionais

mais importantes ou mais frequentes (Constituições de 1822, d3 1838,

de 1933 após 1971 e de 1976 – artigo 161.º, alínea i).);- Aprovação pelo Parlamento de todas as Convenções (Carta

Constitucional após o Ato Adicional de 1852, Constituição de 1911 e

Constituição de 1933 antes de 1971);

- Aprovação pelo Parlamento de uma única categoria de

convenções (Carta Constitucional de 1852).

O regime atual de aprovação, por força dos artigo 161.º, alínea i), e 197.º,

n.º1, alínea c), apresenta-se assim:

a

Aprovação dos tratados – só pela Assembleia da República;

b

Aprovação de acordos internacionais sobre matérias

reservadas à Assembleia da República - também só pela

Assembleia;

c

Aprovação dos restantes acordos internacionais  –  pelo

Governo, mas podendo este submeter qualquer desses

acordos a aprovação parlamentar (ficando então precludida

a sua competência em concreto).

A competência para a aprovação de certas categorias de convenções

abrange a competência para a emissão de reservas a respeito de

qualquer das suas cláusulas – nem poderia ser de outra maneira.

O procedimento e as formas de aprovação: o processo parlamentar de

tratados e acordos (artigos 210.º e seguintes do Regimento da

Assembleia da República) desdobra-se nas seguintes fases:

a Iniciativa: reservada pela natureza das coisas, ao Governo

(artigo 208.º, n.º1 do Regimento);

b Apreciação pela comissão competente em razão da matéria

e, se for caso disso, por outra ou outras comissões (artigo

208.º, n.º2), pelos órgãos das regiões autónomas (artigo

208.º, n.º3) ou, tratando-se de convenção de caráter militar,pelo Conselho Superior de Defesa Nacional (artigo 47.º, n.º1,

alínea c), lei n.º29/82, 11 dezembro  –  a Lei da defesa

nacional e das Forças Armadas). O parecer é emitido, em

princípio, no prazo de trinta dias (artigo 209.º, n.º1 do

regimento.);

c Discussão e votação: discussão no plenário, na generalidade

e na especialidade, e só votação global (artigo 210.º).

O referendo nacional e a aprovação de tratados

: a revisão de

1989 introduziu o instituto do referendo político nacional. Mas

introduziu-o em moldes bastante restritivos que, na revisão de1997, viriam a ser, em parte, atenuados. Num procedimento de

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43 

conclusão de tratado pode, pois, inserir-se um referendo. E até

pode haver referendo mesmo que não esteja em curso nenhum

procedimento de aprovação. Importa examinar de que maneira

e com que efeitos. No texto de 1989, apesar da fórmula

“questões de relevante interesse nacional” (artigo 115.º, n.º3),

estavam excluídas de referendo, além de alteraçõesconstitucionais, as matérias de reserva absoluta de competência

absoluta da Assembleia da República (artigos 161.º e 164.º) e as

matérias eminentemente políticas (artigo 161.º, alínea i), 1.ª

parte). São os seguintes os traços distintivos do regime do

referendo para o que aqui interessa:

a

As questões a decidir são, antes de mais, questões

de objeto de tratado já negociado e assinado pelo

Estado português e que esteja para ser aprovado;

b

Mas podem ser também questões relativas a tratado

futuro (que se pretenda que Portugal venha a

celebrar) ou a tratado já vinculativo de Portugal

(para efeito de reservas ou de revogação de reservas

ou para efeito de desvinculação, se reservas e

desvinculação forem internacionalmente

admissíveis);

c

Cada referendo recai sobre uma só matéria, num

número máximo de três perguntas formuladas com

objetividade, clareza e precisão (artigo 115, n.º6);

d

Através do referendo o povo não aprova o tratado,

decide, sim, se o Parlamento deve ou não aprová-lo

(artigo 115.º, n.º3);

e

Nenhuma questão fica necessariamente sujeita a

referendo; mas, se este se efetuar, os seus

resultados  – sejam positivo ou negativos a respeito

das perguntas formuladas  –  vincularão o órgão

competente, impondo-se à sua liberdade de decisão

(artigo 115.º, n.º1);

f

Se, contudo, o número de votantes não for superior

a metade dos eleitores inscritos no recenseamento,

o referendo não produzirá efeito vinculativo (artigo115.º, n.º11)  –  quer dizer, não produzirá efeito

 jurídico nenhum;

g

O caráter vinculativo acarreta outrossim, pela

natureza das coisas, consequências determinantes

sobre alguns ato do Presidente da República, o qual

não pode recusar a ratificação por discordância com

o sentido apurado no referendo;

h

Afora isto, a Constituição não prevê forma alguma

específica de garantia de respeito dos resultados do

referendo, nem por ação, nem por omissão; masqualquer tribunal, num caso concreto que tenha de

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44 

decidir, pode e deve (com ase na sua função

genérica de defesa da legalidade democrática)

recusar-se a aplicar qualquer norma com tais

resultados.

O processo referendário implica um específico relacionamentoentre os órgãos políticos de sobrenaia, congruente com o sistema de

governo semipresidencial vindo de 1976:

a) 

A iniciativa postula a competência  –  como os

tratados só podem ser aprovados pela Assembleia

da República, também apenas ela pode propor

referendos sobre questões que devam se objeto de

tratado (artigos 115.º, n.º1, 2.ª parte, 161.º, alíneas

c) e i), 164.º e 165.º);

b)  A iniciativa da Assembleia da República decorre, por

sua vez, da iniciativa de Deputados, de gruposparlamentares e do Governo nos termos gerais, bem

como de cidadãos eleitores em número não inferiora

75000 (artigos 167.º, n.º 1 e 3, e 115.º, n.º2);

c)  A aprovação pelo Parlamento de proposta sobre

questão objeto de ato em formação implica a

suspensão do respetivo processo;

d)  As propostas de referendo tomam a forma de

resolução publicada no Diário da República (artigo

166.º, n.º5 e 119.º, n.º1, alínea e));

e) 

O Presidente da República submete a fiscalizaçãopreventiva obrigatória da constitucionalidade e da

legalidade as propostas de referendo (artigo 115.º,

n.º8);

f)  O Presidente da República interino não pode decidir

a convocação de referendo (artigo 139.º, n.º1);

g)  São vedadas a convocação e a realização de

referendo entre a data da convocação e a da

realização de eleições gerais (artigo 115.º, n.º7);

h)  Não pode ser praticado nenhum ato relativo à

convocação ou à realização de referendo em estado

de sitio ou de emergência;

i) 

As propostas de referendo recusadas pelo

Presidente da República ou cujas perguntas tenham

obtido resposta negativa não podem ser renovadas

na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da

Assembleia da República, ou até à demissão do

Governo (Artigo 115.º, n.º10).

A revisão constitucional de 2005 veio estabelecer uma

derrogação à regra da distinção entre os atos referendários e os

atos de aprovação de tratados, relativamente a tratados “quevisem a construção e o aprofundamento da união europeia”

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45 

(novo artigo 295.º CRP). Estes tratados passam a ser diretamente

submetidos a votação popular.

- Professor Carlos Blanco de Morais17:

Apontamentos sobre as Normas de Direito Internacional e Supranacional

aplicáveis na ordem jurídica portuguesa:

A)  Direito Internacional Público geral e especial: o Direito Internacional

Público geral ou comum é composto por princípios jurídicos, normas

consuetudinárias e convenções internacionais aplicáveis à

generalidade dos Estados. No que em particular concerne aos

princípios normativos de Direito Internacional Público (fonte

material que fundamenta a ordem jurídica e as relações jurídicas

internacionais) e ao Costume Internacional geral ou comum (fonte

formal caracterizada por uma prática reiterada e uniforme aceite

pelos sujeitos de Direito Internacional com a convicção da sua

obrigatoriedade como regra de direito), os mesmos aplicam-se

diretamente na ordem interna portuguesa, por força do n.º1 do

artigo 8.º CRP, preceito que refere que esses princípios e normas

fazem parte do Direito português. As regras consuetudinárias

especiais (costumes regionais e locais) não são objeto de qualquer

previsão expressa na Constituição, defendendo uma parte da

doutrina que as mesmas vigoram “por identidade de razão” nos

mesmos termos do Direito consuetudinário geral, por força do n.º1

do artigo 8.º CRP. Já as convenções internacionais (fontes formais

traduzidas por acordos plurilaterais de vontade entre sujeitos de

Direito Internacional, celebrados pela forma escrita) que assumam,quer caráter geral (tal como a Convenção das Nações Unidas e a

Convenção de Montego Bay), quer caráter especial (as que vinculam

um conjunto específico de Estados, como o Tratado de Lisboa)

vigoram na ordem interna por força do artigo 8.º, n.º2 CRP. Algumas

considerações breves devem ser feitas sobre as Convenções

internacionais na ordem constitucional portuguesa, a saber:

a.   As mesmas revestem a forma de acordos internacionais e de

tratados, devendo algumas matérias revestir,

necessariamente, a natureza de tratado (artigo 161.º, n.º1,

alínea i) CRP), podendo nesse caso falar-se em “reservanecessária de tratado”; 

b. 

Compete exclusivamente ao Governo negociar os tratados

e acordos internacionais (artigo 197.º, n.º1, alínea b) CRP);

c. 

A Assembleia da República tem a faculdade de aprovar, no

âmbito das matérias sobre as quais recai a sua reserva de

competência legislativa, acordos e tratados, bem como a de

acordos relativamente às convenções que lhe tenham sido

submetidas pelo Governo apenas pode aprovar acordos

17 Morais, Carlos Blanco; Curso de Direito Constitucional, 2.ª edição; Coimbra Editores; Coimbra,outubro de 2012; pp. 128 - 138

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46 

internacionais sobre as matérias não reservadas à

Assembleia da República (artigo 161.º, n.º1, alínea c) CRP);

d. 

A Constituição não prevê a existência de qualquer reserva

material de tratado centrada na disciplina primária das

matérias passíveis de regulação por convenção

internacional, pelo que, nas matérias da reservaparlamentar, e excetuados os já aludidos domínios da

“reserva necessária de tratado”, a Assembleia da República

pode aprovar a mesma convenção, seja sob a forma de

tratado, seja sob a forma de acordo (sendo portanto livre

para lhe conferir a forma que julgar conveniente);

e. 

O Presidente da República dispõe da competência para

ratificar os tratados e assinar os acordos internacionais

(artigo 134.º, alínea b) e artigo 135.º, alínea b) CRP), nada

impedindo que possa livremente recursar, com efeitos

absolutos, essa ratificação e assinatura, sendo juridicamente inexistentes as convenções não assinadas

(artigo 137.º CRP) ou, por maioria de razão, as convenções

não ratificadas;

f.  As convenções internacionais, nelas incluídos os tratados

institutivos da União Europeia, podem ser sujeitas ao

controlo da sua constitucionalidade (implicitamente, por

força do n.º1 do artigo 277.º, e expressamente, nos termos

do n.º1 do artigo 278.º que regula a fiscalização preventiva);

g.  As convenções internacionais regularmente ratificadas

(tratados) ou aprovadas e assinadas (acordos) vigoram na

ordem interna após a sua publicação e prevalecem

aplicativamente sobre normas ordinárias internas que com

elas entrem em colisão; isto, na medida em que o artigo 8.º,

n.º2 CRP determina que as convenções publicadas vigorem

internamente enquanto vincularem o Estado Português,

pelo que se uma norma ordinária interna revogasse ou

desaplicasse uma Convenção enquanto esta vinculasse

internamente o Estado Português, ofenderia o preceito

constitucional de referir.

Importa referir que os atos jurídicos unilaterais dasorganizações internacionais (fonte voluntária e formal) de que

Portugal seja membro e cujos Tratados institutivos das mesmas

organizações prevejam a sua aplicação direta a ordem interna

dos Estados que a integram, vigorarão diretamente no

ordenamento jurídico Português, nos termos dos n.º 3 e 4 do

artigo 8.º CRP (respetivamente, o caso das resoluções

imperativas do Conselho de Segurança das Nações Unidas e

normas de Direito europeu derivado).

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47 

Validade Dos Tratados18 

Observações gerais: Após o cumprimento de formalidades da sua conclusão, o Tratado nascepara a vida jurídica. Porém, só poderá nela perdurar, produzindo duradouramente os seus

efeitos, se for válido. Como todos os atos jurídicos, incorre em nulidade se não for válido. A

questão não pode ser assimilada à da validade dos contratos ou das leis em Direito interno: o

Tratado é um ato de natureza especial e, diferentemente da ordem interna, a ordem

internacional é desprovida de autoridades superiores competentes para determinar regras e

controlar a ação dos sujeitos estaduais neste domínio. Nestas condições, não surpreende que,

durante muito tempo, o Direito positivo só tenha oferecido soluções incompletas e incertas. A

raridade das contestações suscitadas na prática privou-o, aliás, das ocasiões de se aperfeiçoar e

evoluir. Algumas decisões recentes da jurisdição internacional modificaram, felizmente, a

situação de modo substancial. Em relação ao estado do direito tal como ele surgiu desde então,tanto no plano normativo, como no plano institucional, examinaremos sucessivamente os dois

principais aspetos do problema: 

- Quais as Condições de validade dos Tratados;

- Qual o Regime da nulidade dos Tratados por falta de validade.

Secção I  – Condições de Validade 

Posição do problema: De acordo com os princípios gerais de Direito, as condições requeridas

para a validade de um ato jurídico são: um sujeito capaz, um objeto lícito, uma vontade livre (o

que no caso de um ato bilateral ou multilateral, significa um consentimento regular, isento de

“vícios”) e formas convenientes. A validade do Tratado bilateral ou multilateral está sujeita a

essas mesmas condições.

1.º - Capacidade das Partes

Posse da qualidade de sujeito do Direito Internacional: Só um sujeito de DireitoInternacional tem a capacidade requerida para concluir um Tratado, pois, por definição, este é

um ato concluído entre sujeitos de Direito Internacional19. Tratando-se do Estado, os problemas

põem-se apenas de maneira marginal e só dizem respeito à capacidade das entidades

descentralizadas que o compõem; em contrapartida, aparecem dificuldades particulares no que

18 Nguyen-Quco-Dinh; Direito Internacional Público; Serviço de Educação Calouste Gulbenkian,4.ª Edição 1992.19 Se os autores de um ato jurídico intitulado não são sujeitos de Direito Internacional, a ausência de

capacidade internacional põe o problema da existência desse ato enquanto Tratado, mas não o da suavalidade. O ato já não corresponde à definição estrita do Tratado, mas pode ser válido enquanto ato jurídico.

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respeita às Organizações Internacionais, por um lado, e os Movimentos de Libertação Nacional,

por outro.

1.º  O Estado é o sujeito que, por excelência, possui a capacidade de concluir

Tratados (Artigo 6.º CVDT); nenhum domínio de regulamentação lhe está, a priori, vedado;

quando muito, pode surgir um problema se alguns Estados negarem a uma entidade a qualidadede Estado. Outras dificuldades podem surgir pelo facto de participarem num Tratado entidades

descentralizadas e, em particular, Estados Membros de um Estado Federal. Isto põe dois

problemas bem distintos que convém não confundir:

- o da capacidade da entidade de concluir o Tratado;

- o da imputação do tratado a um tal sujeito.

No que respeita ao primeiro ponto, o Direito Internacional remete para o Direito

Interno: uma instituição descentralizada pode concluir um Tratado se esta capacidade lhe for

reconhecida pelo Direito Constitucional do Estado de que depende, entendendo-se que os

outros Estados nunca serão obrigados a concluir um Tratado com uma tal entidade. A questãoda imputação do Tratado concluído por uma entidade descentralizada com um Estado

estrangeiro é inteiramente diferente: a responsabilidade internacional do Estado de que

depende a entidade do cocontratante encontrar-se-ia comprometida em caso do não respeito

do compromisso, salvo se esta última tivesse manifestamente excedido as competências que

lhe são reconhecidas em Direito Interno. Na realidade, faz-se poucas vezes apelo à condição de

capacidade em matéria de validade dos Tratados interestatais. A razão é dupla:

- o Direito Internacional não fornece critérios seguros sobre a qualidade de

sujeito estatal;

- a questão põe-se raramente: a capacidade dos Estados de concluírem Tratadosé plena.

Não sucede o mesmo para os sujeitos “parciais” do Direito Internacional que são as

Organizações Internacionais e as Autoridades “pré Estatais”. 

2.º  A capacidade das Organizações Internacionais de se comprometerem por

Tratado não pode, hoje em dia, ser posta em duvida. Ela é atestada por uma prática bem

estabelecida e abundante. Mas esta capacidade é derivada e parcial, no sentido em que deriva

da vontade dos Estados membros expressa no ato constitutivo (ou tal como transparece na

prática ulterior da Organização) e se encontra limitada pelo princípio da especialidade (a

Organização só pode comprometer-se nos domínios que derivam da sua competência). É o queexprime o artigo 6.º CVDT sobre os Tratados concluídos entre Organizações Internacionais e

Estados ou entre Organizações Internacionais.

3.º A capacidade dos Movimentos de Libertação Nacional de contrair compromissos

internacionais é igualmente atestada pela prática. Ela está contudo duplamente limitada. Por

um lado, é seletiva: os Movimentos de Libertação Nacional chamados a tornar-se parte num

Tratado são, regra geral, designados ou pelo menos definidos por uma disposição formal. Por

outro lado, esta capacidade é estritamente funcional: a participação destas entidades está

limitada aos Tratados que correspondem à sua vocação, o encaminhamento do povo que

representam para a soberania plena. Na prática, os Movimentos de Libertação Nacional

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participam em três categorias de Tratados: os acordos de independência, os Tratados relativos

à condução da luta armada e certos atos constitutivos de Organização Internacional.20 

2.º - Regularidade do Consentimento

A-  Irregularidades Formais

Problema das Ratificações imperfeitas: A regularidade do consentimento aprecia-se

primeiramente segundo um ponto de vista formal: deve exprimir-se no respeito das formas

legais e, tratando-se da expressão do consentimento em vincular-se por um Tratado, no respeito

das disposições Constitucionais. Logo, põe-se a questão de saber-se em que medida o

desrespeito das prescrições Constitucionais afeta a validade do compromisso do Estado no

plano internacional. É o que e chama o problema das Ratificações Imperfeitas: em que medidao não cumprimento de formalidades constitucionalmente requeridas ou a expressão do

consentimento do Estado em vincular-se por uma autoridade incompetente exercem uma

influência sobre a validade internacional do Tratado? Poderá o autor da ratificação imperfeita

invocá-la e poderão as partes valer-se dela como causa de nulidade do Tratado? As regras

Constitucionais em causa são regras formais relativas à competência para concluir os Tratados

e ao seu processo de exercício, e não regras de fundo. A contradição material entre a

Constituição de o Tratado suscita, sobretudo, dificuldades de ordem interna. O problema das

ratificações imperfeitas comporta ainda outro aspeto interno: qual será a atitude das

autoridades estaduais encarregadas da aplicação do Tratado na Ordem interna,

designadamente a dos juízes, perante o desrespeito de regras Constitucionais?

Doutrina:

1.º Uma abordagem sistemática do problema torna a sua solução dependente da

conceção geral das relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno:

a) Partidário do dualismo, Anzilotti exclui qualquer influência do Direito Interno,

mesmo que fosse o Direito Constitucional, sobre a validade dos atos jurídicos internacionais. Em

sua opinião, o Tratado concluído com a violação das formas constitucionais deve permanecer

válido à luz da ordem internacional. A determinação das consequências dessa violação é uma

questão exclusivamente interna. O envio das cartas de ratificação equivale à declaração de

vontade do Estado de se empenhar, a qual não é afetada pela maneira como se realiza aformação dessa vontade na ordem interna. Acrescenta que o Estado que ignorou as suas

próprias regras Constitucionais cometeu uma falta; plenamente responsável pela situação

criada pela ratificação imperfeita de que é o autor, não seria mal visto invocar a sua própria falta

para se desvincular do seu compromisso. Admitir, nestas condições, a invalidade do Tratado

seria injusto pois esta solução equivaleria a fazer com que as outras partes sofressem as

consequências de uma falta que não cometeram.

20

 A conclusão de um acordo de independência é o “canto do cisne” de um Movimento de LibertaçãoNacional, a última manifestação da sua existência enquanto sujeito de Direito Internacional; depoisdisso, o povo em nome do qual atuava será representado pelo novo Estado.

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50 

b) Georges Scelle considera, pelo contrário, de acordo com a sua teoria monista,

que as prescrições constitucionais têm valor jurídico pleno na Ordem Internacional. A sua

violação leva a uma irregularidade internacional que deve ser internacionalmente sancionada.

No caso sujeito, os constituintes nacionais exercem, pelo processo do desdobramento funcional,

uma competência internacional com o fim de completar o processo “internacional” de

conclusão dos Tratados. Assim, as regras Constitucionais neste domínio são, pela sua naturezacomo pelo seu objeto, regras internacionais estabelecidas por um processo não convencional.

Acrescenta que é, todavia, necessário distinguir, no Direito Constitucional Interno, entre regras

de validade e regras de execução; só as primeiras tem incidência sobre a validade internacional

do Tratado.

2.º Outros autores recusam-se a relacionar o problema com o conflito teórico entre

monistas e dualistas. Preferem uma abordagem empírica.

a) Basdevant distingue a violação manifesta de uma disposição constitucional

notoriamente conhecida e a violação duvidosa de uma regra regida em termos

insuficientemente explícitos. É favorável à invalidação na primeira hipótese, pois o respeito pelaSoberania de um Estado estrangeiro exige que sejam tomados em consideração os limites

claramente fixados pela sua Constituição ao poder dos seus representantes. Em compensação,

em todos os outros casos, quando o Chefe de um Estado ratifica um Tratado, atesta, na mesma

ocasião, que todos os órgãos estatais competentes aceitaram realmente que o Tratado se torne

definitivo, e por isso deve ser acreditado. De outra forma, para provar que o Chefe de Estado

violou uma qualquer regra constitucional, seria preciso que as outras partes a interpretassem,

o que lhes está vedado pelo princípio da não ingerência nos assuntos internos.

b) Alguns partidários da validade das ratificações imperfeitas invocaram,

igualmente, a necessidade de salvaguardar a segurança das relações jurídicas internacionais.

Aos seus olhos, a invalidação só seria concebível se as regras Constitucionais dos Estadoscontratantes fossem conhecidas por todos. De outro modo, em qualquer momento, um acordo

estaria ameaçado de nulidade se somente um Estado, que deseje anular o seu compromisso,

alegue a inobservância de uma formalidade que só ele conhece e interpreta. Efetivamente, o

motivo do vício de forma Constitucional pode, por vezes, aparecer como um puro pretexto

invocado por Estados para de desvincularem dos seus compromissos.

A doutrina baseada na distinção entre as prescrições constitucionais notórias e as

que o não são constitui uma tentativa de conciliação aceitável entre as duas teses extremas

provenientes da confrontação monismo-dualismo. A aplicação do monismo integral pode

provocar sérias dificuldades, pois é praticamente impossível determinar com exatidão as

competências Constitucionais dos governos estatais. Contudo, quais os critérios que estão na

base da distinção entre as prescrições notórias e as outras? Não seria necessário recorrer mais

uma vez às interpretações nacionais feitas pelos representantes do Estado em causa? Por outras

palavras, qualquer solução que não resulte a invalidação de princípio de um Tratado

irregularmente ratificado, beneficia inevitavelmente o Estado autor da irregularidade.

Direito Positivo:

1.º As incertezas da prática anterior à Convenção de Viena. São raros os diferentes

Estados tendo diretamente origem em ratificações imperfeitas. Segundo alguns precedentes

antigos relativos a Tratados bilaterais, as partes em causa adotaram posições nitidamente

favoráveis à tese da não validade.

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relações internacionais, o recurso à coação excluí qualquer solução de essência privatística e

contratualista.

Ainda neste caso, o Direito Positivo aproxima-se da tendência intermédia. Não

adota totalmente a teoria do Direito Privado, mas reconhece que, sob certas condições, o erro,

o dolo e a coação podem viciar o consentimento e determinar a nulidade do Tratado. O regimeda coação é o que se afasta mais das soluções de Direito Privado.

I – Erro e Dolo

Erro: O erro só é constitutivo de um vício do consentimento em matéria de Tratados se diz

respeito a um elemento essencial que seja a própria base em que assenta o dito consentimento.

1.º Esta exigência de um erro essencial funda-se numa certa regra de origem remota.

2.º  Adotada pela prática diplomática, a exigência do erro essencial tem sido

constantemente confirmada pela jurisprudência. O Tribunal Penal Internacional de Justiça,

relativamente a um litigio entre o Cambodja e a Tailândia21, definiu que “a principal importância

 jurídica do erro, quando existe, é poder afetar a realidade do consentimento que se julga ter sido

dado.”. Determinou, ainda, três casos em que, excecionalmente, um erro essencial não afetaria

a validade do consentimento: “É regra de Direito estabelecida que uma parte não pode invocar

um erro como vício do consentimento se tiver contribuído para esse erro pelo seu

comportamento, se estava em condição de o evitar ou se as circunstâncias eram tais que tinha

sido advertida a possibilidade de um erro”. Se estes factos de verificaram, o erro já não é

desculpável e, em conformidade com o princípio da boa fé, não pode viciar o consentimento.Pode o erro essencial provir indiferentemente de um erro de Direito ou de um erro de facto? Já

foi sustentado que o processo de conclusão dos Tratados reduz ao máximo os riscos de erro

sobre questões de Direito. É verdade que os casos de erro encontrados na prática relacionam-

se quase sempre com questões de facto relativas a Tratados de demarcação ou de traçado de

fronteiras (erros geográficos frequentemente verificados em mapas).

3.º A Convenção de Viena codificou a regra do erro essencial no seu artigo 48.º,

n.º1:

“Um Estado pode invocar um erro num Tratado como viciando o seu

consentimento em se obrigar pelo Tratado, se o erro incide sobre um facto ou uma situação que

este Estado supunha existir no momento em que o Tratado foi concluído e que constituía uma

base essencial do consentimento desse Estado em obrigar-se pelo Tratado”. 

O n.º2 desta disposição só considera, porém duas das três exceções referidas pelo

Tribunal Internacional de Justiça, no caso anteriormente apresentado:

“O n.º1 não se aplica quando o dito Estado contribuiu para o Erro pela sua

conduta ou quando as circunstâncias foram tais que ele devia ser advertido da possibilidade de

um erro”. 

21 Caso do Templo de Préah Vihear, 1950.

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A Convenção limitou-se expressamente aos erros de facto. Pelo contrário, ressalta

da generalidade dos termos precedentes que o erro que vicia o consentimento pode ser

cometido por uma parte qualquer ou por várias partes.

Dolo e corrupção do representante do Estado:

1.º O exemplos de dolo na conclusão dos Tratados são praticamente inexistentes.Alguns precedentes antigos foram documentados nas negociações levadas a cabo na época

colonial, no contexto especial das relações entre potências europeias e chefes tribais da África

Central a quem se mostravam mapas voluntariamente falsificados. Nestes casos, o dolo

correspondia a uma vontade de induzir o cocontratante em erro sobre um ponto determinante.

Seria, então, assimilável a um erro provocado por intrigas. Todavia, a Comissão de Direito

Internacional considera que deve constituir um vício específico e autónomo, distinto do erro

propriamente dito, pelo facto de se traduzir sempre por condutas deliberadas em completa

contradição com a mútua confiança que deveria normalmente existir entre os negociadores.

Assim, a Convenção de Viena aceitou consagrar uma disposição especial ao dolo. Nos termos

do artigo 49.º CVDT:

“Se um Estado foi levado a concluir um Tratado pela conduta fraudulenta de um

outro Estado que tenha participado na negociação pode invocar o dolo como tendo viciado o

seu consentimento em obrigar-se pelo Tratado.”

Esta aceitação do dolo como vício de consentimento não é, porém,

acompanhada de qualquer definição. É de recear que esta carência provoque a procura, se for

caso disso, de analogias com situações contratuais de Direito Privado.

2.º  A Convenção de Viena, no seu artigo 50.º, criou ex nihilo  um vício do

consentimento próprio da matéria dos Tratados: a corrupção do representante de um Estado.

A Comissão de Direito Internacional, que propôs essa criação, sublinha a corrupção deveria ser

definida de maneira estrita e visando apenas os atos que tivessem com efeito “pesar

grandemente” na vontade do representante. Um simples gesto de cortesia ou um favor mínimo

não constituiriam atos de corrução. Por seu lado, a Convenção forneceu apenas uma definição

“orgânica” da corrupção, exigindo que fosse imputável, direta ou indiretamente, a um outro

Estado que tenha participado na negociação. Não é certo que fosse necessário criar o vício

“autónomo” da corrupção. Esta é, com efeito, assimilável ao dolo, pois não é mais do que uma

“manobra” cujo objetivo é falsear, em proveito do seu autor, os resultados da negociação. 

II – Coação

Coação exercida sobre o representante do Estado: A História das Relações entre Estados

oferece alguns exemplos célebres:

- Em 1526, Francisco I, enquanto era prisioneiro de Carlos V, foi obrigado a assinar

o Tratado de Madrid, cedendo-lhe toda a Borgonha; mas após a sua libertação, recusou executá-

lo, invocando a violência exercida contra a sua pessoa.

- Em 1905, os japoneses que ocupavam Seul obrigaram os negociadores coreanos a

assinar o Tratado de protetorado. Em 1945, despeito da sua aplicação efetiva durante um longo

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período, a nulidade desse Tratado foi reconhecida após a derrota japonesa e a Coreia voltou a

ser um Estado independente.

Ressalta destes precedentes que a coação se exercia até sobre personagens

colocadas no topo da hierarquia das autoridades estatais e que era difícil, nessas condições,

separá-los inteiramente dos Estados que representavam ou encarnavam. O artigo 51.º CVDTproclama em termos categóricos a nulidade dos Tratados concluídos pela violência exercida

sobre os representantes.

“ A expressão do consentimento de um Estado em obrigar-se por um Tratado,

obtida pela coação exercida sobre o seu representante por meio de atos ou ameaças dirigidas

contra ele, é desprovida de qualquer efeito jurídico.” 

Ressalta das discussões que precederam a adoção deste texto que a coação,

considerada neste caso concreto, deve ser compreendida num sentido muito lato, englobando

não só as violências físicas ou ameaças de violências contra a pessoa do representantes, mas

também todos os atos suscetíveis de atingir a sua carreira, como revelação de factos de caráter

privado ou ainda ameaças dirigidas contra a sua família. O caráter destes atos de coação o

emprego da expressão “dirigidas contra ele” tendem a deixar bem claro, no espírito dos autores

da disposição, que o representante é encarado como indivíduo e não como órgão do Estado.

Espera-se, com isto, evitar qualquer confusão entre o próprio Estado e o seu representante.

Coação exercida sobre o Estado: Mais frequente, o problema da coação exercida sobre o

próprio Estado é ainda mais grave e mais complexo. Tradicionalmente relacionava-se com o uso

da força; continua a ser necessário encará-lo nestes termos, mas convém também questionar-

se sobre o efeito da coação constituída pela pressão económica e política, sem uso da força

armada.

1.º Uso da força – Os dados do problema sofreram uma transformação radical com

a consagração do princípio da proibição do emprego da força nas relações internacionais.

a) Autorizando o uso da força, o Direito Internacional Clássico não podia recusar

a validade dos referidos Tratados que devia considerar consequências “normais” de uma

atividade lícita22.

b) Contudo, o Direito positivo evoluiu consideravelmente neste domínio. Desde

1919 o Pacto da Sociedade das Nações criou as primeiras limitações substanciais ao direito de

os Estados recorrerem à força. Atualmente a Carta das Nações Unidas (artigo 3.º, n.º2) formula,

em termos gerais, a regra da proibição do recurso à ameaça ou ao uso da força por violação dos

seus princípios e à margem do casos por ela permitidos. De acordo com estes novos princípios,a solução clássica da validade dos Tratados impostos pela violência teve de ser profundamente

reajustada. Doravante aplicar-se-á unicamente os Tratados concluídos na sequência de um uso

licito da força. Em contrapartida, serão nulos os que forem impostos a um qualquer Estado por

meio de uma coação material proibida.

c) Codificando este estado de direito, o artigo 52.º CVDT dispõe:

22

 G. Scelle encontrou nesta solução, aprovada pelos próprios voluntaristas, a prova incontestável deque a força obrigatória do Direito Internacional se funda em algo mais do que a vontade dos Estados.Renunciando a uma explicação jurídica.

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55 

«É nulo todo o Tratado cuja conclusão tenha ido obtida pela ameaça ou

 pelo emprego da força em violação dos princípios de Direito Internacional contidos na Carta das

Nações Unidas.»

Esta nulidade concebe-se de uma maneira tão rigorosa como a que

resulta da coação exercida sobre a pessoa de um representante do Estado. Ao visar os“princípios de Direito Internacional na Carta” este texto levanta um problema de aplicação no

tempo da regra que suscita. “Incorporados” na Carta, estes princípios preexistem

necessariamente a ela.

2.º  O problema suscitados pelo emprego da pressão económica e política é

particularmente delicado. Quando da Conferência de Viena  sobre o Direito dos Tratados, a

questão da assimilação da coação económica e política à coação armada foi levantada pelos

Estados do Terceiro Mundo. Julgando demasiado vago o conceito de “pressão económica e

política”, em lugar de redigir uma disposição expressa, a incluir no dispositivo da Convenção, a

Conferência contentou-se em incorporar no seu ato final dois textos a este propósito:

- uma declaração condenando “solenemente” qualquer “coação militar, política ou

económica quando da conclusão dos Tratados” e uma Resolução pedindo ao Secretário-Geral

da Organização das Nações Unidas que dirigisse aquela declaração a todos os Estados membros,

aos Estados participantes, bem como aos órgãos principais das Nações Unidas. Se nos

colocarmos num plano geral, a dificuldade resulta das incertezas atuais relativas à definição do

limiar do ilícito neste domínio. Não há dúvida de que a utilização maciça da coação não armada

por um Estado, tendo em vista obter de um outro Estado a utilização maciça da coação não

armada por um Estado, tendo em vista obter de um outro Estado a conclusão de um Tratado,

viciaria este de nulidade. Pelo contrário, não poderíamos assimilar qualquer pressão a uma

coação ilícita ou basearmo-nos na simples desigualdade entre os Estados contratantes para daí

deduzir a nulidade do Tratado: isto seria pôr de novo em causa as relações de força donde nasçao Direito Internacional e, definitivamente, negar a sua própria existência. Mas entre estes dois

extremos podem apresentar-se múltiplas situações; na falta de regras claras que permitam

qualifica-las no Direito Internacional Positivo, é preferível orientarmo-nos noutras direções que

não as fornecidas pela teoria da validade dos Tratados, aliás bastante incertas: é, de resto,

permitido aos Estados invocar outros argumentos, além do emprego da coação, para pôr em

causa os Tratados que não tenham sido concluídos com base na igualdade soberana das partes:

- teoria do abuso de direito;

- alteração fundamental das circunstâncias;

- incompatibilidade com o jus cogens.

3.º Licitude do objeto

Posição tradicional do problema: Dependerá de um Tratado da licitude do seu objeto? Para

que possa ser assim, é necessário poder afirmar a existência de uma ordem pública internacional.

Se bem que a controvérsia tenha sido relançada pela Convenção de Viena, o problema é menos

novo do que parece: para o abordar, a doutrina colocou-se tradicionalmente quer no terreno damoralidade internacional, quer no da pesquisa de normas costumeiras superiores.

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56 

1.º  Tratados e moralidade internacional - Nenhum Direito pode tolerar a

imoralidade, embora o Direito não possa ser confundido com a moral. Só podemos encarar a

possibilidade de sancionar os Tratados imorais se o Direito positivo for suscetível de receber,

por um processo de formação espontânea, regras morais (conceito de direito objetivo segundo

as doutrinas de Duguit ee G. Scelles). Só este Direito poderia servir de fundamento positivo a

uma ordem pública internacional, à qual o conteúdo dos Tratados devesse, obrigatoriamente,submeter-se.

2.º Tratados e normas costumeiras superiores – G. Scelle distinguiu-se na defesa da

existência de tais normas. Embora admita que Tratado e costume têm igual alcance, recusa

atribuir a esta igualdade um alcance absoluto: um Tratado não pode derrogar um costume sólida

e claramente estabelecido. No quadro do Direito Consuetudinário, convém reconhecer a

existência de uma hierarquia entre as normas imperativas, por um lado, e as que são

modificáveis por uma Convenção posterior, por outro; adotando outra terminologia, entre o jus

cogens e o jus dispositivum.

O domínio desta superlegalidade internacional é definido por critérios materiais,normas que garantam as liberdades individuais, tais como: o direito à vida em oposição à guerra,

a liberdade física que se opõe à escravatura, a liberdade de circulação, de comércio e de

estabelecimento, incompatível com o encerramento abusivo das fronteiras; normas que

garantam a liberdade coletiva essencial, a qual se traduz pelo direito dos povos a disporem de

si próprios. Recorrer a critérios materiais é supor resolvido o problema das modalidades a

formação da ordem pública internacional numa sociedade pouco integrada. A Convenção de

Viena tentou colmatar esta lacuna: só até certo ponto o conseguiu. Mas o essencial é que deu

um impulso decisivo no progresso do princípio da hierarquia das normas.

Consagração do primado das normas imperativas (ius cogens) pela Convenção de

Viena de 1969: Os artigos 53.º e 64.º CVDT estabelecem uma verdadeira hierarquia entre as

normas imperativas e a outras; de maneira nenhuma instituem uma nova categoria de fontes

formais de direito internacional. A Comissão de Direito Internacional, que propôs esta solução,

teve o cuidado de advertir que ela nada criou e de sublinhar que, na sua opinião, “certas regras

e certos princípios que os Estados não poderiam derrogar mediante disposições convencionais”

 já existiam no momento em que preparava o seu projeto articulado. Todavia, não fez mais do

que constatar uma situação preexistente. A Comissão introduziu uma inovação ao recomendar

por unanimidade dos seus membros, que fossem sancionados com a nulidade os Tratados

concluídos em violação daquelas normas imperativas. Para assinalar o caráter inovador da

solução que aprovaram, numerosos delegados à Conferência esclareceram que ela não teria

sido possível no passado quando “a conceção contratual do Direito Internacional prevalecia”.Esta observação faz ressaltar o verdadeiro alcance da obra da Comissão de Direito Internacional

confirmada pela Conferência. Uma e outra ultrapassam o Direito dos Tratados. É o próprio

fundamento do Direito Internacional que está diretamente em causa. As preocupações morais

determinam em larga medida o voto dos representantes dos Estados reunidos em Viena.

Fizeram questão em afirmar, por forte maioria, a existência de uma comunidade jurídica

universal fundada em valores próprios, que todos os seus membros devem reconhecer. Esta

abordagem foi confirmada e precisada pelo Tribunal Internacional de Justiça num obter dictum 

do acórdão de 5 de feveiro de 1970:

“Uma distinção essencial deve (…) ser estabelecida entre as obrigações dos

Estados para com a comunidade internacional no seu conjunto e as que nascem em

relação a outro Estado no quadro da proteção diplomática. Pela sua própria natureza,

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as primeiras dizem respeito a todos os Estados. Dada a importância dos direitos em

causa, todos os Estados podem ser considerados como tendo interesse jurídico em

que esses direitos sejam protegidos; as obrigações em causa são obrigações erga

omnes”. 

Em conformidade com o conceito de ordem pública, o Tribunal anuncia apossibilidade de uma “actio popularis” quando as normas violadas forem normas de ius cogens,

e estabelece uma distinção entre as formas de responsabilidade internacional (crimes e delitos)

que a Comissão de Direito Internacional tenta hoje tornar explícitas no quadro do seus trabalhos

sobre a responsabilidade dos Estados. A jurisprudência arbitral trouxe algumas especificações à

definição e aos efeitos destas normas imperativas23: dizendo que “do ponto de vista do direito

dos Tratados, o ius cogens é simplesmente a característica própria de certas normas jurídicas de

não serem suscetíveis de derrogação por via convencional”; mas esclareceu que uma regra

ligada a uma norma imperativa por uma relação lógica só é ela própria imperativa se não for o

seu corolário necessário24; Mas enveredando por esta via, não podemos contentar-nos em

expressar princípios, por louváveis que sejam. É preciso dar-lhes vida e o importante é resolver

os problemas que surgem da sua aplicação prática. É então que começam as dificuldades mais

sérias.

Formação das normas imperativas: o artigo 53.º CVDT limita-se a indicar que uma norma de

ius cogens é uma norma “aceite e reconhecida” como tal “ pela comunidade internacional dos

Estados no seu conjunto”. Estas indicações são manifestamente insuficientes para permitirem

determinar se uma dada regra constitui ou não uma norma imperativa. Deverá tratar-se de uma

norma costumeira ou de uma regra convencional? Segundo a Comissão de Direito Internacional,

uma e outra são concebíveis. Mas esta opinião, que parece razoável, não é partilhada por uma

parte da doutrina que estabelece de preferência o processo costumeiro. Por outro lado, a noção

de comunidade de Estados “no seu conjunto” é ambígua; se resulta tanto dos trabalhospreparatórios como da própria fórmula fixada segundo a qual a unanimidade dos Estados não é

exigida, o artigo 53.º deixa sem resposta a questão do número e da qualidade dos Estados que

devem “aceitar e reconhecer” o caráter imperativo de uma norma para que possamos tê-la

como uma regra de ius cogens. Do mesmo modo, a redação do artigo 53.º não resolve o

problema da existência de normas imperativas regionais, que se imporiam entre Estados ligados

por solidariedades especiais. As dificuldades não respeitam somente ao presente. O artigo 53.º

prevê a possibilidade da modificação de uma norma imperativa em vigor por uma norma do

mesmo valor. De acordo com o artigo 64.º, novas normas imperativas podem nascer de futuro.

Nos nossos dias, esta conceção dinâmica do ius cogens, lógica em si, é, de resto, ditada pela

necessidade de uma adaptação contínua do direito às condições mutáveis da coexistência

pacífica e às aspirações variadas dos novos Estados. Ora, a Convenção de Viena não institui em

parte alguma um processo específico de elaboração das normas do ius cogens. Confrontamo-

nos, assim, com o simples critério material, sempre repleto de imprecisões. A carência é bem

mais grave do que no caso da determinação das normas existentes, pois será muito difícil

distinguir uma Convenção que viola o ius cogens daquela que o modifica.

23 Sentença de 31 de julho de 1989, R.G.D.I.P., 1990, p. 234 (Delimitação de fronteira marítima Guiné-Bissau/Senegal)24 assim, a regra segundo a qual “um Estado nascido de um processo de libertação nacional tem o

direito de aceitar ou não os Tratados que o Estado colonizador tiver concluído após o processo ter sidodesencadeado” não depende do ius cogens, mesmo estando logicamente ligada ao princípio do direitodos povos disporem de si próprios, o qual apresenta um caráter imperativo.

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Determinação das normas imperativas: na ausência de um modo de formação autónomo,

põe-se a questão de saber como uma regra de ius cogens pode ser dissociada das normas não

imperativas (ius dispositivum). Procurando uma solução institucional para o problema, um

relator25 da Comissão de Direito Internacional, lembrou-se de recorrer ao juiz internacional. Em

1953, propôs o seguinte artigo:

“É nulo todo o tratado ou disposição de um tratado cuja execução suponha um ato

que o direito internacional considera ilícito, quando essa situação tiver sido

verificada pelo Tribunal Internacional de Justiça” 

Esta sugestão teria tido o mérito de retirar aos Estados o poder de qualificação. Mas as

possibilidades de ser aceite por estes eram nulas pois, querendo evitar um extremo, caía noutro,

não podendo os Estados deixar de considerar que, ao dotarem o juiz de um poder exorbitante,

transformavam-no num legislador universal. Dividida entre a necessidade da tarefa e as

dificuldades da sua execução, a Comissão de Direito Internacional preferiu, finalmente, uma

atitude que consistia em evocar o problema sem o resolver. No seu relatório, fornecem-se

mesmo alguns exemplos de tratados derrogatórios do ius cogens:

- tratado que vise um empego da força contrário aos princípios da Carta;

- tratado que organize o tráfico de escravos, a pirataria ou o genocídio;

- tratados que violem as regras protetoras da situação dos indivíduos, etc.

Desta lista, que não é exaustiva, ressalta que a Comissão leva também em conta considerações

relativas aos bons costumes e à ordem pública internacional. Assim, na sua conceção, os

Tratados imorais integram-se na nova categoria dos Tratados contrários às normas imperativas.

Contudo, a Comissão absteve-se se propor qualquer texto enumerativo, declarando que conviria

deixar à prática dos Estados e aos tribunais internacionais o cuidado de procederprogressivamente à determinação dessas normas imperativas. Finalmente, a Conferência

aprovou o artigo 66.º dispondo que, em caso de diferendo sobre a aplicação ou a interpretação

dos artigos 53.º e 64.º, e se não chegar a uma solução nos doze meses seguintes à data em que

ele se verificou, qualquer parte “ pode, mediante requerimento, submete-lo à decisão do Tribunal

Internacional de Justiça, salvo se as Partes decidirem de comum acordo submeter o diferendo a

arbitragem”. Algo ficou portanto do primeiro projeto apresentado26. Mas o problema só está

resolvido parcialmente e é provável que os Estados que, em princípio, se opuseram à

competência obrigatória do Tribunal Internacional de Justiça se recusem a ratificar a Convenção

a menos que não possam emitir reservas sobre este artigo 66.º27. Na verdade, após a adoção da

Convenção de Viena, a jurisprudência trouxe alguns esclarecimentos. Eles permanecemcontudo parciais e limitados. Podemos talvez aguardar um progresso, na concretização do

conceito de ius cogens, dos trabalhos atuais das Nações Unidas sobre a responsabilidade

internacional dos Estados e da elaboração em curso de um Código dos crimes contra a paz e a

25 Sir Hersch Lauterpacht enquanto segundo relator da C.D.I.26 ver nota 1827 Vimos que a Convenção de Viena é omissa sobre a possibilidade de formular reservas: neste casopreciso, seriam elas compatíveis com o objeto e o fim da Convenção? Levando em conta ascircunstâncias da adoção do artigo 66.º, cuja redação constitui um compromisso tido como essencial pornumerosos Estados, poder-se-á duvidar; e, admitindo que uma tal reserva seja possível, o problema da

determinação das regras imperativas permanece no que respeita aos Estados reservatários. Além distoe sobretudo, se o juiz for chamado a pronunciar-se em que critérios se fundamentará? A questãocontinua a não estar resolvida.

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segurança da humanidade. Mesmo que as duas noções não se sobreponham inteiramente,

definições e descrições das normas de ius cogens e dos crimes internacionais apresentam uma

analogia evidente, se bem que possamos supor interações entre os dois problemas.

Contribuição da noção de ius cogens para o desenvolvimento progressivo do direito

internacional: o aspeto “revolucionário” deste reconhecimento e as dificuldades provocadaspela sua aplicação prática suscitaram uma abundante literatura, na qual se cruzam aprovações

matizadas e críticas sistemáticas. Todos os adversários da “promoção” do ius cogens 

desenvolvem um tema idêntico: ela é incompatível com as características do Direito

Internacional positivo atual, que permanece, em grande parte, um direito de coordenação. Nos

sistemas jurídicos nacionais, visto que a noção de ordem pública é determinada quanto ao

conteúdo pelo legislador e garantida na sua aplicação pelo juiz, ela pode ser incorporada sem

inconvenientes de maior no direito positivo interno. Mas o reconhecimento da positividade do

ius cogens  numa sociedade de estrutura primitiva, sem poder legislativo e sem autoridades

 judiciárias, como a sociedade dos Estados soberanos, e perigosa por duas razões:

- abre caminho ao regresso ofensivo do direito natural como seu subjetivismo;

- incita à proclamação unilateral da nulidade dos tratados livremente concluídos por

motivo incontrolável de violação de uma hipotética norma imperativa.

É decerto muito lamentável que a obra comum da Comissão de Direito Internacional e da

Convenção de Viena  fique inacabada. Apesar de tudo, por impressionante que sejam, os

argumentos invocados contra o ius cogens não são novos. Foram já utilizados outrora contra a

anulação dos tratados imorais. Em resposta podemos fazer melo menos duas observações:

1.º A assimilação das normas de ius cogens às do direito natural resulta de uma

generalização abusiva;

2.º Ninguém ousará pretender que um tratado dispondo, por exemplo, uma

violação do princípio  pacta sunt servanda  ou um recurso ilegítimo à força, conserve plena

validade perante o direito positivo por ser contrário apenas ao direito natural.

Observar-se-á, essencialmente, que as críticas dirigidas à supremacia absoluta das normas

imperativas apenas têm fundamento na medida em que a estrutura atual do Direito

Internacional deve ser mantida e respeitada como um postulado. É sem dúvida mais simples

renunciar àquela supremacia do que modificar esta estrutura. Mas o positivismo jurídico de vista

curta é tanto menos uma justificação quanto é certo traduzir uma conceção voluntarista estreita

do direito: na verdade, desde que uma norma de ius cogens se impõe a um Estado que não a

aceitou, é o fundamento voluntarista do Direito Internacional que é definitivamente postergado.

É na perspetiva do desenvolvimento progressivo do Direito Internacional que nos devemos

colocar para apreciar o evento jurídico notável que é o reconhecimento da existência do ius

cogens. Na edificação das bases constitucionais escritas da comunidade internacional, bem

necessário é um começo e este reside na solução de princípio adotada pela Convenção.

Secção II  – Regime das nulidades por falta de validade 

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Novidades introduzidas pela Convenção de Viena de 1969: não considerando a nulidade

por violação de ius cogens, a Convenção de Viena fez obra de codificação e não de criação no

que diz respeito às outras causas de nulidade. A nulidade do Tratado viciado, consagrada pela

prática anterior, é a sanção mais grave concebível: num grau inferior, a técnica dá a escolher

entre a sua inoponibilidade e a responsabilidade do autor da irregularidade. Contudo, não

ressaltam dessa mesma prática, dada a raridade dos precedentes, elementos suficientes paraformar, como em matéria contratual interna, um verdadeiro regime da nulidade dos Tratados.

A Convenção de Viena, que definiu com mais clareza as antigas e modernas causas de nulidade,

tinha o dever de colmatar esta lacuna a fim de prevenir os abusos provenientes das iniciativas

unilaterais. Efetivamente, institui regras que não só renovam e racionalizam o Direito dos

Tratados, mas também atualizam o problema geral das nulidades em Direito Internacional

Público, o qual, até ao momento, só foi estudado no que diz respeito às sentenças arbitrais e a

outros atos jurídicos unilaterais. Este cuidado de exatidão corresponde à necessidade da

sociedade internacional contemporânea de dispor de uma técnica jurídica que facilite a

reconsideração ordenada das regulamentações convencionais arcaicas. Por isso mesmo, não

podemos surpreender-nos verificando o papel decisivo que tem sido desempenhado pelosestados do Terceiro Mundo, mas também pelos países socialistas, preocupados em definir meios

de contestação.

1.º - Nulidade Absoluta e Nulidade Relativa

Distinção das duas categorias28: Segundo a opinião tradicionalmente admitida na doutrina,

a ordem internacional ignoraria esta distinção entre nulidade relativa e nulidade absoluta: todas

as nulidades seriam relativas porque o princípio da efetividade desempenharia o papel de umprocesso geral de cobertura das situações originariamente irregulares que beneficiariam de uma

aplicação durável. Esta doutrina parece confirmada pela jurisprudência que se absteve de aplicar

a nulidade absoluta a uma sentença arbitral viciada por excesso de poder ou por violação do

acordo, irregularidades contudo graves, que seria de interesse público sancionar severamente29.

Com mais razão ainda, qualquer nulidade absoluta deveria ser excluída da matéria dos Tratados

pelos autores que, aderindo a esta doutrina, se recusam, além disso, a reconhecer a existência

de uma ordem pública internacional, atitude que os leva a assimilar a puros interesses privados

os interesses dos Estados protegidos pelas causas da nulidade. Os autores da Convenção de

Viena  não se deixaram influenciar, nem pela prática, nem pela doutrina. Aceitaram

cumulativamente estes dois tipos de nulidade, atribuindo um campo de aplicação preciso a cadaum determinando as diferenças de regime, que incidem sobre a possibilidade de fazer funcionar

o princípio de divisibilidade e de consentir na irregularidade para com o Estado vítima, e sobre

o direito de invocar o vício que afeta o Tratado.

28 as diferentes ordens jurídicas internas aplicam dois tipos de nulidade em matéria de contratos. Anulidade absoluta sanciona as ilegalidades graves que afetam o interesse geral e perturbam a ordempública. Caracteriza-se por alguns aspetos dominantes: qualquer pessoa interessada, terceiro oucontratante, pode a ela recorrer, o juiz pode invoca-la de ofício, ela é suscetível de confirmação e

mesmo, de acordo com algumas legislações, não pode ser coberta pela prescrição.29 Ver acórdão do Tribunal Internacional de Justiça no caso da Sentença arbitral do Rei de Espanha, Rec.,1960, p. 205, 209 e 213.

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Hipóteses de nulidade relativa: São sancionadas com a nulidade relativa todas as

irregularidades do consentimento que não sejam a coação, isto é, a violação das formas

constitucionais, o erro, o dolo e a corrupção do representante de um Estado. A este respeito, a

Convenção, contentou-se em codificar a prática. Quando as discussões na Comissão de DireitoInternacional, alguns dos seus membros30, solicitaram em vão que o erro fosse sancionado com

a nulidade absoluta. O caráter relativo das nulidades estabelecidas resulta da própria letra dos

artigos 46.º (violação de uma disposição de Direito Interno), 48.º (erro), 49.º (dolo), 50.º

(corrupção do representante), segundo os quais só o Estado contratante, que seja vítima da

irregularidade, pode invoca-la. Por outro lado, a propósito destas causas de nulidade, o artigo

45.º da Convenção dispõe expressamente que um Estado já não pode invoca-las se, após ter

tido conhecimento dos factos “aceitou expressamente considerar que o tratado era válido” ou

se, em razão da sua conduta, deve considerar-se “como tendo aceite a validade do tratado”. A

nulidade de um Tratado baseada no erro cometido apresenta uma particularidade, em relação

à que resulta dos outros vícios do consentimento, no que respeita à sorte dos atos praticados

com fundamento nesse Tratado: as atenuações do princípio da retroatividade, justificadas pela

boa fé, serão admitidas da maneira mais vasta (artigo 69.º, n.º2). A aplicação da simples nulidade

relativa a estes casos é inteiramente fundada. Nenhum interesse geral está em causa. A

proteção limita-se aos interesses das vítimas das irregularidades.

Hipóteses da nulidade absoluta: não acontece o mesmo com a coação. A vítima merece

sempre proteção, mas também é necessário, no interesse geral, desencorajar o recurso à coação

ilícita. Nesta ordem de ideias, a Convenção operou um nítido recuo da conceção contratualista,

aplicando a nulidade absoluta a um tratado viciado pela coação. No que respeita, em primeiro

lugar, à coação exercida sobre a pessoa do representante do Estado, a Comissão de Direito

Internacional, desde a fase preparatória e contra o parecer de um seu relator 31, tinha retido a

sanção da nulidade absoluta. Ela justificou, nos termos mas claros possíveis, a sua decisão:

“O emprego da coação sobre o representante do Estado a fim de conseguir a

conclusão de um tratado seria de tal modo grave que o artigo deveria valer-se da

nulidade absoluta do consentimento a um tratado obtido em tais condições.” 

Na Conferência de Viena, todas as emendas tendentes a regressar à nulidade relativa foram

rejeitadas. O artigo 51.º adotado dispõe expressamente que o Tratado concluído sob tal coação

é “desprovido de qualquer efeito jurídico”. A mesma severidade aplica-se, evidentemente, aos

Tratados viciados pela coação exercida sobre o Estado. Em nome da estabilidade dos Tratadosde paz, uma emenda franco-suíça, favorável à nulidade relativa, foi rejeitada por forte maioria.

Os termos do artigo 52.º são também sem apelo:

“É nulo todo o tratado cuja conclusão tenha sido obtida pela ameaça ou pelo

emprego da força em violação dos princípios de direito internacional contidos na

Carta das Nações Unidas.” 

Põe-se desde logo o problema da aplicação desta regra no tempo. Em que data penetram no

direito positivo os “ princípios de direito internacional ” evocados, antes da sua incorporação na

30 O seu terceiro relator, Sir Gerald Fitzmaurice31 O seu quarto relator, Sir Humphrey Waldock

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Carta? Serão, consequentemente, postos de novo em causa todos os Tratados de paz concluídos

no quadro do Direito Internacional clássico? De facto, como vimos, somente estão em causa os

Tratados concluídos posteriormente à adoção da norma de proibição da guerra pelo Pacto de

Briand-Kellog de 1928 e da força pela Carta das Nações Unidas de 1945. Dever-se-á ainda ter em

conta que a nulidade do artigo 52.º, resultante da ilicitude de certas formas de coação, está

limitada no seu campo de aplicação: escapam-lhe os Tratados concluídos na sequência de umconflito fundamentado na legítima defesa. O artigo 53.º, sobre os Tratados incompatíveis com

o ius cogens, é também redigido pela mesma mão sancionatória a fim de defender a ordem

pública internacional. O caráter absoluto destas três nulidades decorre, diretamente do artigo

45.º CVDT que as afasta de aplicação da regra de confirmação formalmente expressa ou tácita32.

2.º - Processo de anulação

Sistema tradicional: em conformidade geral com o princípio geral dos direitos nacionaissegundo o qual ninguém pode fazer-se justiça a si mesmo, nenhuma parte num contrato ou num

Tratado viciado por uma irregularidade poderia proceder unilateralmente à sua anulação. A

intervenção de uma instância competente deveria ser sempre necessária. Não haveria nulidade

de pleno direito de um ato jurídico que implicasse a sua anulação automática. Sustentou-se que

uma tal nulidade equivaleria à sua inexistência. Em direito interno, este princípio geral tem

permanentemente plena aplicação. Em Direito Internacional também, a despeito de algumas

opiniões isoladas, favoráveis à nulidade de pleno direito de certos atos afetados por vícios muito

graves. Com exceção de modalidades especiais previstas num Tratado e aplicáveis unicamente

a esse Tratado, todas as vezes que surge uma dificuldade nas relações entre as partes

contratantes, esta é resolvida de acordo com o mecanismo de direito comum de resolução deconflitos internacionais, que só pode ser posto em prática com o consentimento mútuo dos

Estados interessados. Este consentimento pode ser expresso em cláusulas especiais do Tratado

contestado ou dar lugar a um novo acordo. Através deste último, os Estados em litigio podem

reconhecer a um terceiro órgão, designadamente um árbitro ou uma jurisdição internacional.

Este mecanismo consensual colide todavia com a aplicação de um outro princípio geral de

Direito Internacional, em virtude do qual, enquanto Estado soberano, cada parte aprecia sob a

sua única responsabilidade as situações que lhe digam respeito. Assim, o Estado detêm a

possibilidade de tirar ele próprio as consequências da irregularidade e de proclamar

unilateralmente a nulidade. Esta atitude traduz-se pela recusa de executar o Tratado. Chega-se

assim a uma espécie de automatismo de facto. Na sua opinião dissidente33

:“É o próprio estado que se julga lesado, ao rejeitar um ato jurídico viciado, em seu entender, de

nulidade. Trata-se evidentemente de uma decisão grave, à qual só se deveria recorrer em casos

32 Podemos perguntar-nos se a noção de nulidade absoluta no sentido da Convenção coincideinteiramente com a mesma noção segundo o Direito Interno. De acordo com este, qualquer pessoainteressada, contratante ou não, pode recorrer a uma nulidade absoluta. Ora, se na redação dos artigos51.º, 52.º e 53.º são utilizadas fórmulas absolutamente impessoais, não proibindo explicitamente esta

mesma interpretação extensiva, esta parece ser desmentida pelos artigos 65.º e 66.º que só às partesaplicam a nulidade.33 Proferida no caso relativo a Certas despesas das Nações unidas pelo juiz Winiarski.

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excecionais, mas por vezes inevitável e reconhecida como tal pelo Direito Internacional

comum.”34 

Sistemas da Convenção de Viena: o objetivo é eliminar tais atuações unilaterais. Embora o

mecanismo instituído tenha, em parte, suscitado críticas, tem o mérito de limitar os riscos deabuso.

1.º A declaração de nulidade  – de acordo com o artigo 65.º CVDT, a parte que invoca

um vicio do consentimento ou qualquer outro motivo admitido pela Convenção para contestar

a validade de um Tratado, deve notificar previamente por escrito às outras partes a sua

pretensão. Assim, só as partes no Tratado litigioso podem desencadear a ação de nulidade. A

solução retida não é porém uniforme. Resulta com efeito dos artigo 46.º, 48, 49.º e 50.º CVDT

que só o Estado cujo consentimento foi viciado pode invocar a nulidade do Tratado nas

hipóteses de ratificação imperfeita, de erro, de dolo ou de corrupção do seu representante. Pelo

contrário, a coação ou a contradição do Tratado com uma norma de ius cogens  pode serinvocada por qualquer Estado parte (nulidade absoluta). Podemos perguntar-nos se não será

chocante esta limitação de invocar a nulidade só aos Estados parte do direito. Pelo menos nesta

última hipótese, no caso em que o tratado viole uma norma de ius cogens, não seria lógico

admitir uma “ação popular”, a possibilidade de uma ação por parte e todos os Estados? É o que

parece deixar entender o Tribunal Internacional de Justiça35: só os deveres de ius cogens de

origem consuetudinária conferem a todos os Estados qualidade para agir; quanto aos de origem

convencional a isso se opõe o princípio do efeito relativo dos Tratados. Em que data deverá ser

endereçada a notificação? Foi em vão que, quando das deliberações da Comissão de Direito

Internacional e mais tarde na Conferência de Viena, certas delegações reclamaram a fixação de

um prazo a contar do dia da descoberta dos factos constitutivos da causa da nulidade impugnada.

Esta pode ser invocada em qualquer momento. Os adversários deste liberalismo consideram-no,

não sem razão, um fator de insegurança nas relações convencionais. Se nenhuma objeção for

formulada no prazo de três meses, o Estado autor da notificação pode declarar ele mesmo a

nulidade do Tratado em causa. Esta declaração deve figurar um “instrumento” comunicado às

outras partes (artigo 67.º CVDT). Se o instrumento não for assinado pelo Chefe de Estado, Chefe

de Governo ou pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, o representante do Estado que faz a

comunicação pode ser convidado a apresentar os seus plenos poderes. Enquanto esta moratória

de três meses não expirar, o Tratado litigioso deve continuar em vigor.

2.º  Resolução de conflitos  –  há contudo que esperar algumas objeções, pois a

pretensão de obter a nulidade baseia-se em factos que, salvo uma coincidência excecional, nãosão interpretados nem qualificados do mesmo modo por todas as partes. Com o aparecimento

de uma objeção, nasce um conflito. Neste caso, as partes interessadas devem procurar uma

solução pacífica mediante o recurso a um dos meios previstos no artigo 33.º da Carta das Nações

Unidas (artigo 65.º CVDT). Esta disposição nada acrescenta ao direito comum. A verdadeira

inovação resulta do artigo 66.º CVDT. Se, nos doze meses seguintes à data na obstante

prosseguir-se na procura de uma distinção fundamental entre a nulidade resultante de um

conflito que opõe o Tratado às normas de ius cogens (artigos 53.º e 64.º CVDT) e as outras causas

de nulidade. No primeiro caso, as partes podem decidir, de comum acordo, submeter o

34

 Segundo o Professor Reuter, “são os próprios Estados que declaram a nulidade, na falta de umaautoridade jusrisdicional”. 35 Supracitado acórdão proferido no caso Barcelona Traction (Rec., 1970, p. 47)

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diferendo a arbitragem. Não sendo assim, segundo o artigo 66.º, alínea a), qualquer parte no

diferendo pode, mediante requerimento unilateral, levar o caso ao Tribunal Internacional de

Justiça. Neste caso, a competência do Tribunal é obrigatória. Nos outros casos, as partes podem,

de acordo com o artigo 66.º, alínea b), recorrer ao processo indicado no anexo à Convenção,

que abre uma nova brecha no sistema voluntarista clássico. Cria-se um mecanismo de

conciliação obrigatório. Qualquer das partes pode pedir ao Secretário geral das Nações Unidasque submeta o diferendo a uma comissão de conciliação composta por cinco membros. O início

da conciliação não tem, pois, lugar por iniciativa direta de uma parte. Espera-se que o Secretário

Geral consiga, pela sua mediação, fazer aceitar uma solução conciliadora. Em caso de insucesso

desta última tentativa, será obrigado a submeter o caso à comissão de conciliação, não possui o

poder de tomar decisões obrigatórias como um árbitro ou um juiz36.

3.º Efeitos da nulidade

Regra da nulidade ab initio e as suas atenuações: o Tratado é considerado nulo no dia da

sua conclusão e não só a partir do momento da descoberta da causa de nulidade. A nulidade é,

pois, retroativa. Esta regra preconizada pela Comissão de Direito Internacional é confirmada,

sem equívoco, no artigo 69.º, n.º1 CVDT. Ao adotar esta solução uniforme, clara e categórica, a

Convenção põe fim a uma longa incerteza na doutrina e na jurisprudência sobre os efeitos da

nulidade no tempo. Tinha-se tentado estabelecer a este respeito uma diferença entre a nulidade

absoluta e a nulidade relativa. Como consequência desta nulidade ab initio, se foram postos em

execução atos do Tratado anulado, antes da verificação da sua nulidade, as partes deverão

restabelecer, nas suas relações mútuas, situação que teria existido se esses atos não tivessem

sido praticados. O regresso ao statu quo deveria ser integral. Na prática diplomática, os Estadosnão se satisfazem necessariamente com uma solução tão bem demarcada, que possa apresentar

inconvenientes para todas as partes em presença. Se a nulidade derivar da violação de uma

norma imperativa de ius cogens, a restitutio in integrum não consiste tanto num ajustamento

das relações entre as partes quanto na obrigação, para cada uma delas, de harmonizar a sua

própria situação com aquela norma e comportar-se do mesmo modo. É dentro deste espírito

que um artigo especial, o artigo 71.º CVDT, determina os efeitos da nulidade neste caso. Nele se

determina que as partes são obrigadas a eliminar “as consequências de todo o ato praticado

com base numa disposição que seja incompatível com a norma imperativa de Direito geral ” e a

“tornar as suas relações mútuas conformes” à mesma norma. Trata-se pois, antes de mais,

assegurar o seu respeito. No conjunto, as partes estão “vinculadas” pelas mesmas obrigaçõesno caso da superveniência de uma nova norma imperativa (artigo 64.º CVDT), sob a reserva

importante de que, nesta hipótese, a nulidade não é retroativa (artigo 71.º, n.º2). O Tratado é

anulado para o futuro, não incorre em nulidade ab initio, pois era válido “no momento da sua

conclusão”. Os atos anteriormente praticados em execução do Tratado conservam, portanto, a

sua validade. O artigo 64.º dispõe expressamente que o Tratado “se torna nulo e cessa a sua

vigência. Tecnicamente a situação resulta da extinção do Tratado e não da sua anulação. Em

princípio, a retroatividade da nulidade é inatacável pois, excluindo a circunstância prevista no

36 O sistema foi transposto pelo artigo 66.º, n.º2 da Convenção de Viena de 1986 em caso de diferendo

no qual uma Organização Internacional é parte; neste caso, no seguimento de processos complexos,pode ser apresentada ao Tribunal Internacional de Justiça, uma solicitação de parecer consultivo quetodas as partes no diferendo aceitam “como definitivo”. 

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artigo 64.º, o vício do ato é contemporâneo da sua conclusão. Mas, na prática, não sendo o vício

descoberto no próprio momento da entrada em vigor do Tratado, sendo este aparentemente

regular, já se encontra em execução antes que a parte lesada esteja em condições de

desencadear o ato de anulação. Embora se não deva reconhecer qualquer situação “adquirida”

contra o direito, é legítimo atenuar o rigor de uma sanção retroativa de modo a reduzir as

perturbações criadas pelo regresso à situação anterior. O artigo 60.º, n.º2, foi redigido com estefim. Assim, “os atos praticados de boa fé, antes de a nulidade haver sido invocada, não são

afetados pela nulidade do tratado”. Esta redação é def eituosa pois, se o Tratado for nulo, é

automaticamente ilícito, bem como todas as suas medidas de execução. A boa fé justifica uma

exceção à retroatividade, mas não apaga a ilicitude. A disposição esclarece que, nos casos de

dolo (artigo 49.º), de corrupção (artigo 50.º) e de coação (artigo 51.º e 52.º), não é concedido o

benefício da boa fé à parte responsável. A atenuação da retroatividade culmina com a regra

resultante do artigo 69.º, n.º2, alínea a), segundo a qual, qualquer parte pode pedir o

restabelecimento do statu quo ante “na medida do possível ”. Perante esta disposição, podemos

perguntar se a exceção não fez desaparecer a regra ou se esta não se tornou exceção, pois, na

verdade, a aplicação da retroatividade, deixada à inteira discrição da parte lesada, encontra-seainda subordinada, em cada caso, à interpretação da expressão “na medida do possível”, o que

não deixa de suscitar sérias divergências.

Problema da divisibilidade do Tratado: em princípio, a nulidade deve afetar o conjunto das

disposições do tratado (artigo 44.º, n.º1 CVDT). Esta indivisibilidade, recomendada pela doutrina

clássica, provém do princípio geral do respeitada integridade do tratado. Contudo, nem todos

os Tratados constituem uma “totalidade solidária” cujos elementos se equilibram naturalmente.

Muitos deles possuem um conteúdo misto e, por consequência, cláusulas (ou grupos de

cláusulas) que são perfeitamente “separáveis” visto serem independentes umas das outras. AComissão de Direito Internacional fez notar que a doutrina e a jurisprudência do Tribunal

Internacional de Justiça admitiram a existência, na prática, de casos em que pode aplicar-se sem

inconveniente a divisibilidade, podendo suprimir-se certas disposições de um Tratado sem

perturbar necessariamente o equilíbrio dos direitos e deveres estabelecidos pelas suas outras

cláusulas. De acordo com esta conceção, o mesmo artigo 44.º, no seu número 2, previu um caso

de separação obrigatória nas hipóteses de erro ou de ratificação imperfeita37. A separação é

facultativa para o Estado que invocar o dolo ou a corrupção; ele pode exigir a nulidade do

conjunto do trabalho ou só de determinadas cláusulas, se as condições precedentes forem

preenchidas.

37 Se estas visarem determinadas cláusulas, só relativamente a essas pode ser invocada Além disso, paraque a separação seja obrigatória, devem reunir-se outras três condições:

-as cláusulas em questão devem ser separáveis do resto do Tratado no que respeita à suaexecução;

- a aceitação das referidas cláusulas não constituiu para a outra parte ou para as outras partes abase essencial do seu consentimento em vincular-se pelo Tratado no seu conjunto;

- não é injusto continuar a executar o que subsiste do Tratado.A introdução destas precauções, cuidadosamente formuladas, prova que, aos olhos dos autores daConvenção, a indivisibilidade continua a ser a regra e a divisibilidade a exceção. A terceira condição não

figurava no projeto da Comissão de Direito Internacional. Foi acrescentada pela Conferência nasequência de uma emenda americana tendente a evitar que a separação produzisse uma rutura doequilíbrio em detrimento de uma das partes.

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Efeitos da nulidade a respeito das partes: no caso em que a nulidade de um Tratado bilateral

for admitida, o Tratado no seu conjunto, ou as disposições que incorrem em nulidade, deixam

de ter efeito relativamente às partes nas condições descritas anteriormente. O problema é

muito mais complexo no caso de um Tratado multilateral: a nulidade não produznecessariamente os mesmo efeitos face ao Estado, cujo consentimento foi viciado, e às outras

partes. Em princípio, o Tratado permanece válido nas relações destas entre si, assim como refere

o artigo 69.º, n.º4 CVDT. Contudo, esta regra, prevista expressamente para as irregularidades

que viciem o consentimento, não se aplica no caso de nulidade por violação de ius cogens que

afete “objetivamente” o Tratado, abstraindo da situação pessoal das partes. O artigo 71.º CVDT,

relativo às consequências da nulidade de um Tratado em conflito com uma norma imperativa

de Direito Internacional geral, não faz de resto qualquer distinção entre Tratados bilaterais e

multilaterais.

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Aplicação dos Tratados

Plano do capítulo: uma vez  entrado em vigor, a Convenção válida deve ser aplicada pelosEstados partes; dado o seu caráter obrigatório, eles devem executá-lo. Impondo-se às partes, a

Convenção pode igualmente ter efeitos a respeito de terceiros. Aliás, devem ser examinados

outros dois problemas gerais inerentes a própria noção de aplicação da regra de direito:

interpretação da Convenção e os conflitos que pode suscitar, quando da sua aplicação, em

relação a outras normas jurídicas38.

Secção I  – Execução dos Tratados pelos Estados partes

1.º - Ordem jurídica internacional e execução dos Tratados

Aplicação do Princípio da boa fé: segundo o artigo 26.º CVDT: «Todo o tratado em vigor

vincula as partes e deve ser por elas executado de boa fé.» Ao propor esta redação, a Comissão

de Direito Internacional fez questão em sublinhar que enunciava o princípio fundamental do

Direito dos Tratados. A execução de boa fé e o respeito da regra pacta sunt servanda estão assim

intimamente ligados constituindo dois aspetos complementares de um mesmo princípio. O

principio eleva-se ao nível de uma instituição reguladora do conjunto das relações internacionais.

Ganha particular relevo no direito dos Tratados. De acordo com uma fórmula geral daConvenção de Viena (artigo 18.º), executar de boa fé significa: «Abster-se dos atos que privem

um tratado do seu objeto ou do seu fim.» Esta conceção é talvez demasiado larga, por

conseguinte demasiado vaga, porque não caracteriza suficientemente a face oposta, que é a má

fé. A execução de boa fé deveria ser definida como a que exclui toda a tentativa de “fraude à

lei”, toda a astúcia, e exige positivamente fidelidade e lealdade aos compromissos assumidos.

Seja como for, uma definição é forçosamente abstrata; ela deve ser clarificada pela prática. A

obrigação de executar uma Convenção é tanto mais difícil de delimitar quanto mais as normas

convencionais forem ambíguas. Mediante redações apropriadas, as partes podem com efeito

reduzir o alcance dos seus compromissos, seja enunciando as suas obrigações em termos

suficientemente vagos para poderem aproveitar essa ambiguidade no seu melhor interesse, sejareservando-se a possibilidade de se desligarem dos seus compromissos em certas circunstâncias.

Na primeira hipótese, os Estados podem em especial jogar com a distinção entre obrigações de

resultado e obrigações de comportamento: as primeiras são mais constrangentes na medida em

que as partes devem alcançar um objetivo previamente fixado; as segundas são menos rigorosas:

elas impõem somente às partes a adoção de certas atitudes. A oposição não é, de resto, absoluta

38 A unidade orgânica do Estado e a sua soberania contribuem para simplificar a solução dos problemasde aplicação das Convenções: o Direito Internacional pode, muitas vezes, remeter para o Direito internodo Estado, um direito, regra geral, simultaneamente coerente e estável. A situação é a priori menos

favorável para as Organizações Internacionais: a hierarquia interna dos seus órgãos é frequentementemal assegurada, e , sobretudo, os Estados membros das Organizações Internacionais podem intervir naexecução dos acordos concluídos por estas.

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e sobretudo uma Convenção pode enunciar em termos vagos os resultados a alcançar ou, pelo

contrário, fixar com muita precisão o comportamento que devem seguir as partes. A Convenção

pode, por outro lado, prever uma faculdade de suspensão das obrigações convencionais,

podendo a decisão resultar apenas da vontade do Estado interessado (cláusulas de salvaguarda),

ou necessitar do acordo ou da autorização das outras partes contratantes (cláusulas

derrogatórias). O Direito Internacional da Economia constitui o domínio privilegiado, mas nãoexclusivo, destas regulamentações convencionais “frouxas” que tornam muitas vezes difícil e de

qualquer modo subjetiva a apreciação das infrações. Quaisquer que possam ser as incertezas

provenientes da redação da Convenção, as partes não podem deixar de respeitar as suas

disposições e a obrigação de execução de boa fé permanece. Mesmo que seja aparentemente

comparável, o problema da execução dos atos concertados não convencionais formula-se em

termos inteiramente diferentes: ele não depende do conteúdo da norma mas da natureza do

instrumento. Não sendo este um ato jurídico, não obriga os seus autores a executá-lo qualquer

que seja a precisão da sua reação.

Não retroatividade dos Tratados: o princípio da não retroatividade é um princípio geral

aplicável a todos os atos jurídicos internacionais. Corresponde a uma técnica de solução, entre

outras, do problema da aplicação das regras convencionais no tempo. A aplicação deste

princípio será ditada pela preocupação em conciliar dois objetivos por vezes contraditórios:

garantir a segurança jurídica dos destinatários das normas internacionais e não retardar

indevidamente a aplicação de novas regras de Direito Internacional. Disto deduzir-se-á que

qualquer Convenção Internacional deve ser apreciada, na falta de indicação em contrário só

pode incidir sobre os factos posteriores à sua entrada em vigor (regra do efeito imediato).

Qualificar este princípio de “princípio de Direito Internacional geralmente reconhecido”39 não

implica que ele tenha um caráter absoluto. Nada impede os Estados de elaborarem uma

Convenção que derrogue o princípio da não retroatividade, de modo explícito ou implícito.

Execução territorial: nos termos do artigo 29.º CVDT:

«Salvo se o contrário resultar do tratado ou tenha sido de outro modo estabelecido,

a aplicação de um tratado estende-se à totalidade do território de cada um das Partes.»

Esta regra beneficia do apoio concordante da prática dos Estados, da jurisprudência dos

tribunais internacionais e da doutrina. Em certos casos particulares, as disposições de uma

Convenção referente expressamente a um território ou uma região determinada. Não se verifica

o mesmo com a que resulta da chamada “cláusula federal”. Esta tem por objetivo afastar os

Estados membros de um Estado federal do campo de aplicação de um acordo concluído em

nome do Estado federal, com vista a salvaguardar a autonomia das entidades federadas. Autilização desta cláusula tornou-se, porém, relativamente rara em virtude da conjugação de dois

fatores, que explicam, aliás, o silêncio da Convenção de Viena a respeito deste problema. Por

um lado, está ligada a circunstâncias históricas particulares: encontramo-la nos períodos em que

a solidariedade interna da união não é ainda suficiente para permitir que a entidade federal

resolva, ela própria, os problemas internacionais com que se confronta, mas em que essa

solidariedade é suficientemente marcada para excluir uma representação internacional distinta

dos Estados federados; reforçando-se as solidariedades, ela torna-se menos necessária. Por

outro lado, os Estados cocontratantes mostram-se muitas vezes reticentes a respeito da cláusula

federal, que diminui o alcance do compromisso tomado pelo Estado federal. A “cláusula colonial”

39 Comissão Europeia dos Direitos do Homem, caso De Becker, decisão 214/56 de 9 junho 1958

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põe atualmente ainda mais problemas: visa excluir da aplicação da Convenção as dependências

não metropolitanas de um Estado ou reservar-lhes um tratamento específico.

Causas da inexecução: as obrigações convencionais são primeiramente obrigações de Direito

Internacional. A sua violação acarreta a responsabilização do seu autor, nas condições do direito

comum para o qual remete o artigo 73.º CVDT, isto é, salvo se existir uma circunstânciaexcluindo a ilicitude. Contudo, o problema não pode limitar-se somente ao direito da

responsabilidade internacional dos Estados: em consequência da Convenção, as partes aceitam

obrigações, em geral recíprocas, e existem causas de inexecução próprias do sistema

convencional. Com efeito, todo o facto que justifique a caducidade ou a suspensão da

Convenção fundamenta automaticamente a sua inexecução. Além disso os governos são por

vezes tentados a justificar o não cumprimento de uma Convenção pela sua incompatibilidade

com o Direito nacional. Por reação contra este argumento ameaçador para a segurança das

relações jurídicas internacionais, o artigo 27.º CVDT reafirma o primado do Direito Internacional.

Somente o artigo 46.º CVDT prevê uma exceção a esta regra, de alcance limitado, admitindo que

a violação manifesta de uma disposição de importância fundamental, quando da conclusão de

uma Convenção, pode invalidar o consentimento do Estado. A Comissão de Direito Internacional

tivera escrúpulos em propor esta regra, que lhe parecia depender mais do regime da

responsabilidade internacional e que a CVDT entendeu não tratar (ver artigo 73.º CVDT). Os

Estados que participaram na Conferência de Viena julgaram oportuno recordar expressamente

este corolário do princípio do primado do Direito Internacional Convencional sobre o Direito

interno. A sua prudência e tanto mais justificada quanto é certo que nem todos os Estados

conhecem um processo de exame prévio de constitucionalidade. É sobretudo quando da

elaboração do texto da Convenção que os negociadores encontram, na necessidade de respeitar

o Direito Constitucional interno, um argumento de peso para recusar uma proposta. Tal como

está concebido, o artigo 27.º CVDT não é porém inútil. A sua estrita observância permite

aumentar a efetividade do princípio da continuidade do Estado, tornando inoperante, no planointernacional, qualquer retratação, por um governo revolucionário, dos compromissos

assumidos pelo governo legal derrubado, como todo o repúdio por parte deste, se fosse

restabelecido nas suas funções, dos Tratados concluídos pelo sue predecessor durante o

interregno. A jurisprudência internacional teve ocasião de deliberar neste sentido. A

transposição da regra do artigo 27.º CVDT para as Convenções concluídas por Organizações

Internacionais apresenta algumas dificuldades, pois estas Convenções podem ter por objeto a

aplicação de resoluções que as Organizações podem livremente modificar. Apesar das

hesitações da Comissão de Direito Internacional, a Convenção de 1986 sobre o Direito dos

Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais

transpõe-na pura e simplesmente.

Garantias de execução: de acordo com o Direito comum, a inexecução não justificada de uma

Convenção empenha a responsabilidade internacional do Estado. A eficácia desta garantia é

muito relativa: depende da vontade do Estado, que reconhece ou não a sua responsabilidade;

no caso contrário os Estados podem, e devem, submeter-se a um processo pacífico de resolução

do seu desacordo, que pode ser estabelecido pelas cláusulas do própria Convenção ou por um

documento conexo. Além disso, verifica-se uma tendência cada vez mais nítida para admitir que

a violação de uma obrigação convencional autoriza o Estado vítima a ripostar através de” contra-

medidas”. Uma vez que a Convenção de Viena  se abstinha de se intrometer no direito da

responsabilidade internacional (artigo 73.º CDVT), era difícil abordar o problema das garantias

do respeito das Convenções. É apenas através das consequências de uma violação substancial

da Convenção que ela encara a questão (artigo 60.º CVDT): a ameaça de suspensão ou de

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extinção da Convenção não passa de uma medida de represália, e portanto é, quando muito,

uma garantia política. Não deixa de ser claro que uma recusa em cumprir uma obrigação

convencional é de natureza a comprometer a responsabilidade internacional 40. Por conseguinte,

não obstante o silêncio da Convenção de Viena, as consequências da violação de uma

Convenção devem ser encaradas à luz do direito da responsabilidade internacional. Além disso,

a prática desenvolveu duas categorias de mecanismos de garantias:

1.º  Mecanismos interestatais de garantia: estabelecidas numa base ad hoc  e

apresentam um caráter puramente interestatal podem revestir formas variadas que podemos

reagrupar sob três rúbricas principais:

a) Penhora: processo tradicional, outrora frequentemente utilizado para

garantir a execução das Convenções de paz e dos contratos internacionais de empréstimo41;

b) Garantia por uma ou várias potências: constitui igualmente um mecanismo

clássico42;

c) Garantia institucionalizada sobre uma base ad hoc43;

2.º  Mecanismos permanentes de controlo no quadro das Organizações

Internacionais: são permanentes e funcionam no quadro de certas Organizações Internacionais:

a) Apesar das propostas nesse sentido quando da Conferência de São Francisco,

a Carta das Nações Unidas  não prevê expressamente a intervenção da Organização para

assegurar o respeito das Convenções e a fórmula do preâmbulo que os visa fica atrás da utilizada

no preâmbulo do Pacto da Sociedade das Nações. Portanto, só de maneira totalmente indireta,

a utilização pelo Conselho de Segurança dos poderes pode ter, em certos casos, por objeto

assegurar a execução das Convenções. De todas as Organizações universais, a Organização

Internacional do Trabalho foi certamente a que pôs em ação os processos mais aperfeiçoadosde controlo e de aplicação das Convenções elaboradas sob os seus auspícios. Além do processo

dos relatórios anuais sobre a aplicação das Convenções, com exames sucessivos por um comité

de peritos independentes e um comité tripartido, os estatutos preveem um processo de

execução  forçada: mediante queixa de um Estado parte na Convenção considerada, de um

delegado à Conferência geral ou do Conselho de Administração, este último pode solicitar uma

comissão de inquérito: esta tem competência para estabelecer os factos e para fazer

recomendações num relatório que será público. No prazo de três meses, os governos

interessados deverão aceitar essas recomendações ou manifestar a sua intenção de recorrer ao

Tribunal Internacional de Justiça, cuja decisão é definitiva. Se um Estado membro não

40 Parecer consultivo do Tribunal Internacional de Justiça de 18 julho de 1950  – Interpretação dosTratados de paz.41 O Tratado de Versailles de 1919 recorreu a ela; para garantir o pagamento das reparações a cargo daAlemanha, previa por um lado a afetação a esse pagamento de todos os recursos económicos e, pelooutro, a ocupação durante 15 anos da margem esquerda do Reno.42 Pelo Tratado de Londres de 19 abril 1839 no qual eram partes a Áustria, a França, a Grã-Bretanha, aPrússia e a Rússia, as cinco potências prometiam garantir a neutralidade perpétua da Bélgica instituídapor outro Tratado de Londres, de 15 novembro 1831.43 Este compromisso americano foi combinado com a criação da Força multinacional de observadores;como as comissões internacionais de controlo aplicadas sucessivamente para velar pelorestabelecimento e manutenção da paz na Indochina. Uma outra forma de institucionalização paralela é

constituída pelas conferências periódicas dos Estados partes encarregados de examinar a aplicação daConvenção. Esta técnica, de pressão bem como de garantia propriamente dita, é utilizada sobretudo emmatéria de desarmamento.

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reconhecer as recomendações da comissão ou a decisão do Tribunal, a Conferência Geral decide,

em última instância, sob proposta do Conselho de Administração, quais os meios para assegurar

o seu cumprimento. No silêncio do textos, não parece que a Conferência possa ir até à suspensão

ou expulsão do Estado faltoso da Organização. Ao lado deste mecanismo de alcance geral,

existem processos especiais previstos pelo artigo 24.º dos Estatutos e por diversas Convenções

sobre a proteção dos direitos sindicais. Outras Organizações Internacionais inspiraram-se maisou menos nas técnicas da Organização Internacional de Trabalho sem alcançarem o mesmo grau

de coerência;

b) Mas foi sobretudo a nível regional, e muito particularmente no quadro das

Organizações integradas, que se desenvolveram processos eficazes. Assim, o Conselho da

Europa dispõe de sistemas de controlo, muito constrangentes para os Estados, no que respeita

à aplicação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Carta Social Europeia. Após

relatório de uma comissão de inquérito independente, o Conselho pode emitir recomendações

que, se não forem respeitadas pelo seu destinatário, ainda que seja por um motivo estranho à

sua vontade, autorizarão as outras partes a não respeitar as suas próprias obrigações.

Diversamente das outras Organizações onde última palavra pertence a um órgão

intergovernamental, os tratados constitutivos das Comunidades Europeias reservam a

competência de controlo a dois órgãos independentes dos governos, a Comissão e o Tribunal de

Justiça. Com base na queixa de um Estado ou por sua própria iniciativa, a Comissão adota uma

decisão fundamentada ou um parecer fundamentado seguido de uma intimação para

apresentar as suas observações. Se o Estado membro não aceita a decisão ou não reconhece o

parecer fundamentado, o Estado ou a Comissão  – segundo o caso  – pode recorrer a Tribunal

que decide em última instância.

2.º - Ordem jurídica interna e execução dos Tratados

Autoridades públicas responsáveis pela execução: a execução das Convenções incumbe a

todos os órgãos do Estado, porque a obrigação de executar impõe-se ao Estado tomado no seu

conjunto como sujeito de direito Internacional. Como procedem os diversos órgãos estatais de

modo a cumprirem plenamente o seu dever? Antes de mais, têm de introduzir a Convenção na

Ordem interna. De seguida devem “aplica-la”. Contudo, este último termo engloba diferentes

atividades:

a) 

As autoridades não jurisdicionais têm o dever de tomar decisões necessáriasque são medidas executórias propriamente ditas;

b) 

Por seu lado, os tribunais nacionais têm a obrigação de aplicar as Convenções,

sempre que o exija a resolução dos litígios sobre os quais se devem pronunciar.

A – Introdução do Tratado na Ordem Interna

Obrigações do Estado: o princípio de execução de boa fé das obrigações convencionais, impõe

a introdução na ordem jurídica interna das Convenções que estabelecem direitos e obrigaçõespara os particulares. Esta introdução permitirá às normas convencionais imporem-se

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efetivamente, como qualquer outra norma de Direito interno, não só perante todas as

autoridades estatais, governantes e Administração, seja qual for o escalão da hierarquia em que

se encontrem colocadas, mas também permite os nacionais do Estado. Como se opera esta

introdução? Na opinião geral, partilhada mesmo pelos Estados que, invocando um dualismo

rígido, praticam um sistema de incorporação legislativa, este dever de introdução é uma

obrigação de resultado e não de meio. A maneira como se realiza é, pois, deixada à livre escolhado Estado. Este é, de resto, livre de considerar que o seu Direito interno está desde agora de

acordo com a Convenção e de não tomar qualquer medida de introdução específica, com o risco

 – mínimo – de ver a sua responsabilidade internacional comprometida se a outra ou as outras

partes o contestarem. Pelo contrário, os Estados não estão evidentemente proibidos de

limitarem a sua liberdade por compromissos convencionais, mas eles só o consentem

excecionalmente. Na prática, os Estados usam amplamente a liberdade quanto aos meios a pôr

em prática que lhes reconhece o Direito Internacional.

Processo tradicional de introdução: de acordo com o sistema tradicional geralmente

adotado pelos Estados, a introdução da Convenção na Ordem interna está subordinada ao

cumprimento pela autoridade estatal de um ato jurídico especial. A forma e a natureza deste

ato variam consoante os sistemas nacionais.

B – Medidas internas de execução

A obrigação de tomar medidas: para ser aplicável, uma Convenção deve conter disposições

suficientemente precisas e poder inscrever-se nas “estruturas de acolhimento” jurídicas ou

financeiras de Direito interno. A execução da Convenção exige frequentemente que certasdecisões tenham sido tomadas no plano nacional; o respeito da Convenção pelos Estados só é

assegurado se eles tomarem efetivamente tais medidas (votação de créditos especiais, adoção

de leis ou de atos regulamentares, modificações da legislação ou da regulamentação existentes).

O conteúdo desta obrigação depende do caráter auto-executório ou não da Convenção. Uma

Convenção  – ou uma disposição dela  –  é auto executória quando a sua aplicação não exige

medidas internas complementares. Resulta até desta definição que são inúteis medidas

especiais preliminares à execução44. Pelo contrário, as Convenções que não apresentarem um

caráter auto executório não são autossuficientes e os Estados partes devem tomar as medidas

internas necessárias à sua execução. Alguns instrumentos contêm uma cláusula que confirma

esta obrigação. O Tribunal Penal de Justiça Internacional reconheceu como “princípio óbvio”,

que um Estado que tenha validamente contraído compromissos internacionais seja obrigado a

introduzir na sua legislação as modificações necessárias para assegurar a execução dos

compromissos assumidos45. A fiscalização do respeito desta obrigação efetua-se, regra geral, por

recurso à responsabilidade internacional do Estado, o que supõe que, não tomando as medidas

de aplicação necessárias, o Estado atentou contra os direitos garantidos pela Convenção aos

cidadãos estrangeiros. Se o compromisso da responsabilidade do Estado não oferece dúvidas,

visto que ele não pode invocar as lacunas do seu Direito interno para fugir aos seus

compromissos convencionais (artigo 27.º CVDT), este mecanismo deixa uma ampla margem de

44

 Concretamente, o caráter auto executório de uma disposição convencional é muitas vezes difícil dedeterminar e pode ser objeto de apreciações divergentes.45 Parecer 21 fevereiro 1925 sobre a Permuta das populações turcas e gregas.

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poder discricionário aos Estados; não é possível recorrer a ele em relação aos nacionais, salvo

exceção, e de qualquer modo é muito difícil acioná-lo. Só os tribunais nacionais podem

contribuir para uma solução mais eficaz, quer aceitando os recursos baseados na inobservância

desta obrigação pelo poder regulamentar, quer fazendo prevalecer uma Convenção

internacional sobre o Direito interno apesar da insuficiência das medidas de aplicação: a sua

atitude será, em parte, ditada pelo seu conceito da aplicação direta da referida Convenção46.

Tratados que interessam aos particulares: como sublinhou o Tribunal Penal de Justiça

Internacional: «O próprio objeto de um acordo internacional, na intenção das partes

contratantes, (pode) ser a adoção pelas partes, de regras determinadas, criando direitos e

obrigações para os indivíduos, e suscetíveis de serem aplicadas pelos tribunais nacionais». Em

boa lógica, daqui deveria resultar que estas Convenções, se forem auto executórias  , serão

diretamente aplicáveis, isto é, oponíveis ao poder executivo, e que os particulares deles se

poderão valer, perante o juiz nacional, mesmo que as suas normas não tenham sido

incorporadas na legislação nacional. Contudo, na prática, as jurisdições nacionais mostram-se

hesitantes mesmo que, apesar de certas críticas doutrinais sobre a lentidão do processo, a

tendência geral nos países ocidentais seja favorável a uma presunção de aplicabilidade direta,

na medida necessária para assegurar a plena eficácia internacional e interna das Convenções.

Pode, todavia, parecer paradoxal que a posição dos Tribunais sobre este problema não coincida

com a distinção entre monismo e dualismo e que os países de tradição monista se mostrem, por

vezes, bastante restritivos.

C – Aplicação por uma jurisdição interna

(o exemplo português)47 

Relevância do Direito Internacional na Ordem interna portuguesa:

1.º Evolução da questão: a questão da relevância do Direito Internacional na Ordem

interna portuguesa tem sido uma das questões mais estudadas e debatidas na doutrina

portuguesa. A este respeito, quatro fases podem e devem ser reportadas:

a) Antes de 1933: antes da Constituição de 1933, havia consenso quanto à

existência de uma cláusula geral de receção plena;

b) Entre 1933 e 1971: a seguir a 1933, e sobretudo após 1957, a doutrina dividiu-se fortemente: continuou a haver quem defendesse uma cláusula geral de receção plena; havia

quem defendesse que somente se encontravam cláusulas de receção semiplena; inversamente,

havia quem se pronunciasse no sentido da cláusula geral de receção plena; e havia quem

sustentasse não consagrar o Direito Português nenhum sistema geral sobre a relevância do

Direito Internacional, mas, ao mesmo tempo, por adoção de um monismo de Direito

46 A recusa, a demora ou a insuficiência das medidas de aplicação das Convenções e do Direito derivado

(diretrizes, decisões, eventualmente mesmo regulamentos) constituem, pelo que diz respeito às

Comunidades Europeias, falta dos Estados, podendo ser sancionadas pelo Tribunal de Justiça por iniciativa

da Comissão ou corrigidas na sequência de pressões da Comissão. 47 Miranda, Jorge; Curso de Direito Constitucional, 3.ª edição; Principia editores; Cascais

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Internacional, se decidisse no sentido da sua aplicabilidade genérica na ordem interna. O Código

civil de 1966, apesar de abrir com um capítulo “Fontes de Direito”, ignora aí totalmente os

tratados e as demais fontes especificas do Direito Internacional.

c) Entre 1971 e 1976: mas a revisão constitucional de 1971 aditaria com um §

único ao artigo 4.º da Constituição, dispondo expressamente sobre a relevância das normasinternacionais. Subsistiram, entretanto, divergências (embora em novos moldes): entre

defensores de um entendimento favorável à receção plena; e defensores de um entendimento

favorável à transformação implícita

d) Após 1976: A Constituição de 1976 dedica todo um artigo ao Direito

Internacional, o artigo 8.º CRP, em que cuida, sucessivamente, do Direito Internacional comum

(n.º1), do Direito Internacional convencional (n.º2), desde a revisão de 1982, também de normas

dimanadas de órgãos de Organizações Internacionais (n.º3) e, desde a revisão de 2004,

especificamente, de normas da União Europeia (n.º4). Em face das normas constitucionais e no

contexto global da Lei Fundamental, é agora quase unânime de que existe uma cláusula geral

de receção plena  – o que não significa, evidentemente, que os autores dela retirem idênticasconsequências.

2.º A situação atual: não custa descobrir um enquadramento favorável à receção

automática do Direito Internacional na Constituição de 1976. Apontam, por certo (embora não

decisivamente) nessa direção os trabalhos preparatórios na Assembleia Constituinte: o teor das

intervenções produzidas durante a discussão do artigo 8.º CRP, o claríssimo texto aprovado

acerca do Direito Internacional geral ou comum (pela primeira vez entre nós) e a adoção em vez

de uma cláusula de reciprocidade, da regra de vigência das normas convencionais na Ordem

interna “enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português. Ao mesmo tempo, e

sobretudo, noutros preceitos fazem-se não poucos e não pouco importantes apelos a normas

de Direito Internacional. No tocante ao Direito Internacional comum, corroboram ou apoiam atese da receção automática: a letra do artigo 8.º, n.º1; a referência a princípios de Direito

Internacional nos artigos 7.º, n.º1, 16.º, n.º2 e 29.º, n.º2. Problema complementar consiste em

averiguar se deve reconhecer-se a eficácia interna de todo e qualquer costume internacional u

se, apenas, daqueles em cuja formação Portugal tenha intervindo ou a que tenha dado aceitação

tácita. Congruentemente com uma fundamentação não voluntarista do Direito Internacional, é

de preferir o alcance mais consentâneo com a universalidade do Direito Internacional. Mais

duvidoso é o estatuto do costume local e regional. Evidentemente, não cabe no âmbito literal

do artigo 8.º, n.º1, conquanto este lhe possa (ou deva) ser estendido por analogia, por

interpretação extensiva ou por identidade de razão. Quanto ao n.º2 do artigo 8.º, ele não fez

depender a vigência na Ordem interna das normas constantes de Convenções Internacionaisregularmente ratificadas ou aprovadas, senão da sua publicação oficial (o que bem se

compreende, pois nenhum cidadão pode ser destinatário de uma norma jurídica sem que

disponha de um meio objetivo de a conhecer); mas a publicação  – que não é ato específico e

livre do órgão de vinculação internacional do Estado, o Presidente da República -, ao contrário

da ratificação, funciona como mera condictio iuris. Se não bastasse a interpretação histórica,

literal e lógica do artigo 8.º, alguns argumentos de natureza sistemática viriam confirmar ou

demonstrar que nele se encontra uma regra de receção geral plena do Direito Internacional

convencional:

- os artigos 4.º, 7.º, n.º 6 e 7, 16.º, n.º1, 33.º, n.º 3, 4 e 5, 102.º, 273, n.º2 e 275,

n.º5 colocam os atos normativos de Direito Internacional a par da lei como fontes de regras de

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Direito Interno; enão se trata nem de redundâncias, nem de cláusulas de receção semiplena,

mas sim de afloramentos naturais do princípio da receção plena;

- são os mesmos órgãos – Parlamento e o Governo – que têm competência de

aprovação de Convenções Internacionais, pelo que não se justificaria por nenhuma razão de

equilíbrio do sistema político a exigência de dois atos sucessivos de qualquer desses órgãossobre a mesma matéria;

- mas, por outra banda, a competência de aprovação dos tratados e acordos

internacionais é distinta e não totalmente coincidente com a competência legislativa, e

manifesta-se em atos típicos diferenciados  – quanto à Assembleia da República, a resolução

(artigo 166.º, n.º5) e, quanto ao Governo, o decreto, o decreto simples, e não o decreto-lei (por

força do artigo 197.º, n.º2);

- da fiscalização da constitucionalidade igualmente se distingue entre atos

legislativos e tratados.

Ainda a respeito do artigo 8.º, n.º2, observe-se que: a alusão do artigo em questão, aConvenções «regularmente ratificadas ou aprovadas» tem de ser conjugada com o artigo 277.º,

n.º2; no preceito abrangem-se os acordos sob a forma de troca de notas, porque entre nós estão

sujeitos a aprovação; a expressão «enquanto vincularem internacionalmente o Estado

português» significa que vigência na Ordem interna depende da vigência na Ordem

internacional (as normas internacionais só vigoram no nosso ordenamento jurídico depois de

começarem a vigorar no ordenamento internacional e cessam de aqui vigorar ou sofrem

modificações, na medida em que tal aconteça a nível internacional); em contrapartida, a

eventual não vigência de qualquer tratado na ordem interna por preterição dos requisitos

constitucionais não impede a vinculação a esse tratado na ordem internacional. Quanto às

normas emanadas dos órgãos competentes de Organizações Internacionais de que Portugal sejaparte e que vigoram diretamente na Ordem interna, por tal se encontrar estabelecido nos

respetivos tratados constitutivos (artigo 8.º, n.º3), nenhuma dúvida se suscita sobre a natureza

do fenómeno com receção automática no seu grau máximo. Dispensa-se não só qualquer

interposição legislativa como qualquer aprovação ou ratificação a nível interno equivalente à

dos tratados (e tão pouco pode dar-se fiscalização preventiva). Mas deveria exigir-se sempre a

publicação no jornal oficial português. Pensado em 1982 na perspetiva da integração de Portugal

nas Comunidades Europeias e da consequente receção do Direito Comunitário, nunca esgotou

aí o seu âmbito vital. Como bem se sabe, há decisões normativas imediatamente aplicáveis das

mais diversas Organizações Internacionais  –  entre as quais as resoluções do Conselho de

Segurança das Nações Unidas. O artigo 8.º é omisso relativamente a tratados celebrados por

Organizações Internacionais de que Portugal seja membro. É obvio, porém, que eles não podem

deixar de ser aplicados enquanto tais imediatamente na ordem interna, embora não por força

do n.º 2 (que pressupõe tratados aprovados pelo Estado português), mas por extensão do n.º3.

O n.º4 – depois de, no primeiro segmento, repetir o que já consta dos n.º 2 e 3 – vem estabelecer

que as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas

instituições são aplicáveis na ordem interna nos termos definidos pelo Direito da União.

Devolve-se, pois, aparentemente, para o Direito da União (que, por o artigo 7.º, n.º6, falar em

“convencionar”, só pode ser o Direito Primário) um decisão que deveria pertencer à Constituição.

Afigura-se, no entanto, de encarar uma interpretação conforme ao princípio da independência

nacional, o primeiro dos limites materiais de revisão constitucional (artigo 28.º), de modo a

garantir a soberania constituinte do Estado português; o contrário equivaleria à degradação doseu estatuto jurídico, aproximando-o do de um Estado federado. Isso, porque se trata, quanto

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ao Direito derivado, de normas emanadas no exercício das competências da União  – que são

competências de atribuição e a interpretar à luz do princípio da subsidiariedade. E porque se

prescreve o respeito dos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático, os

princípios em que assenta a República e que são princípios constitucionais portugueses (artigo

2.º e Jurisprudência do Tribunal Constitucional).

C – Perante o juiz interno

Normas convencionais e normas constitucionais: Não tendo os juízes internos

competência para fiscalizar a conformidade da Constituição à Convenção, como a França, põe-

se apenas a questão de saber se aceitam pôr em aplicação uma Convenção contrária à

Constituição. No caso português, onde o princípio do primado do Direito Interno sobre o Direito

Internacional está em vigor, há que averiguar essa conformidade.

I – A Inconstitucionalidade dos atos jurídico-públicos48 

Noção: podemos definir singelamente inconstitucionalidade de um ato jurídico-público como a

desconformidade do mesmo ato com o parâmetro constitucional a que se encontra submetido .

A relação de incompatibilidade de um ato com o princípio ou norma constitucional com a qual

se deveria conformar pode definir-se como uma modalidade de relação de desvalor das

condutas jurídico-públicas, dado que dela resulta, por regra, a depreciação jurídica do mesmo

ato. Trata-se, ademais, da modalidade de relação de desvalor dotada de maior relevância ou

essencialidade, já que a regra ofendida, a Constituição, encima a hierarquia do sistema

normativo estadual. Como se verá, a ilegalidade constitui outra relação de desvalor que atinge

atos legislativos quando estes colidem com leis a que devem respeito, e se designam por “leis

reforçadas”.

Tipologia da inconstitucionalidade: A inconstitucionalidade dos atos jurídico-públicos pode

ser aferida com base numa multiplicidade de critérios, dos quais destacaremos nove:

1.º  critério da natureza do ato inconstitucional: inconstitucionalidade de atos

normativos e não normativos: é um facto  –  é um facto que a inconstitucionalidade, no seu

sentido amplo, abrange qualquer conduta jurídico-pública que viole a Constituição. Contudo, os

ordenamentos jurídicos valoram de forma diversiforme os atos públicos, para o efeito da sua

submissão a um sistema próprio de fiscalização que implique o conhecimento e a declaração da

sua inconstitucionalidade. Na verdade, independentemente de a inconstitucionalidade de atos

singulares de funções subordinadas, como a administrativa e a jurisdicional, poderem ser objeto

de controlo da sua conformidade com a Constituição por parte dos tribunais (os quais verificam

a sua compatibilidade com uma legalidade qualificada, que é a normação constitucional), o facto

é que os sistemas instituídos especificamente para a fiscalização da constitucionalidade apenas

48 Morais, Carlos Blanco; Justiça Constitucional, Tomo I, 2ª edição; Coimbra Editores, Coimbra; outubro2006

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têm as normas jurídicas como objeto de controlo. Entende-se, na maioria dos ordenamentos

democráticos que, em nome do princípio da essencialidade, o controlo de constitucionalidade

como processo especial é garantido, em última instância, por jurisdições também especificas.

Jurisdições que não podem ser constrangidas a consumir a sua atividade na fiscalização de atos

de aplicação (cuja inconstitucionalidade é, maioritariamente, uma consequência daquela que

atinge a norma onde se fundam) devendo, sim, dirigir-se às normas ao abrigo das quais osreferidos atos são praticados. O sistema específico de controlo da constitucionalidade, implica,

deste modo, não um confronto entre a norma e um caso concreto, mas um confronto entre

duas normas (ou entre um princípio e uma norma), que supõe a atestação da compatibilidade

da que reveste uma hierarquia inferior com a que goza de supremacia constitucional. 49  O

sistema português alarga o sistema de fiscalização da constitucionalidade a todas as normas

 jurídico-públicas (artigo 277.º, n.º1), se bem que o universo das normas que são objeto do

controlo varie de processo para processo. Esse universo é pleno no que respeita aos processos

de fiscalização sucessiva (artigo 280.º e 281.º, n.º1); restringe-se a atos legislativos, convenções

internacionais e referendos em sede de fiscalização preventiva, de acordo com os n.º1, 2 e 4 do

artigo 278.º e do artigo 115.º; e circunscreve-se a atos legislativos no processo de fiscalizaçãoda inconstitucionalidade por omissão (artigo 283.º, n.º1). Como contraponto discutível deste

excesso de generosidade na determinação do objeto da fiscalização, não se admite a figura do

recurso de amparo, mormente contra atos jurídico-públicos não normativos. E a ausência de

fiscalização de alguns destes atos singulares, como é o caso dos atos políticos por razões de

forma, constitui uma dispensiva e incompreensível lacuna do sistema, que não é isenta de

críticas.50 

2.º  Critério do caráter comissivo da conduta contrária à Constituição:

inconstitucionalidade por ação e por omissão  – a inconstitucionalidade por ação ocorre quando

um órgão de poder político pratica um ato que viola a Constituição. Por se tratar de uma conduta

comissiva ou positiva, onde um ato de vontade declarada ofende a ordem constitucional, estetipo de inconstitucionalidade assume um caráter mais grave e relevante em termos processuais

e sancionatórios, do que as inconstitucionalidades derivadas das condutas omissivas dos

decisores competentes. Existe inconstitucionalidade por omissão quando um órgão público se

abstém de editar um ato, cuja prática é exigida pela Constituição, pelo que a inércia do decisor

viola um dever constitucional de agir. Embora seja vasto o número de condutas omissivas

suscetíveis de gerarem inconstitucionalidade verifica-se que, no ordenamento português, o

sistema de controlo da inconstitucionalidade por omissão recai apenas sobre condutas

negativas do legislador, no quadro das omissões absolutas. De acordo com o artigo 283, n.º1

CRP, a inconstitucionalidade por omissão ocorre quando o legislador não aprova leis tidas como

necessárias para dar exequibilidade a normas constitucionais não exequíveis por si próprias, decaráter percetivo ou pragmático. Trata-se de uma inconstitucionalidade sem sanção, pois o

Tribunal Constitucional limita-se a verificar o não cumprimento omissivo da Constituição e dar,

desse facto, conhecimento ao órgão legislativo competente. Produto da hipertrofia

49 Existem, ainda assim, sistemas de fiscalização em que o controlo se exerce, não sobre todo o tipo denormas, mas, sobre as que são emitidas ao abrigo de uma função jurídico-pública primária, em nome deuma maior exigência no posicionamento da essencialidade do objeto normativo controlado (caso dosE.U.A, Itália e França). Outros sistemas restringem a fiscalização abstrata e concreta deconstitucionalidade atos normativos primários, mas alargam o objeto do recurso direto deconstitucionalidade a normas e atos jurídico-públicos não legislativos (caso da Alemanha, Espanha e

Áustria).50 Importa também referir que o sistema brasileiro instituído pela Constituição de 1988 alarga, tal comosucede com o português, o objeto do controlo.

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programática do constitucionalismo intervencionista, não são muitas as constituições a

consagrar, no plano processual, a inconstitucionalidade por omissão. As omissões absolutas

(censuradas na ausência de concretização legal de normas constitucionais não exequíveis por si

próprios) devem ser diferenciadas das omissões relativas, as quais ocorrem quando uma lei cria

benefícios ou onerações em favor de uma categoria de pessoas e silencia idêntico beneficio da

igualdade. Tal como se verá, as omissões relativas constituem um fenómeno sindicável em sedede inconstitucionalidade por ação, na medida em que pressupõem uma conduta ativa

incompleta do legislador, a qual se traduz em leis que discriminam em razão do seu silêncio

parcial, certas categorias de pessoas que, nos termos constitucionais, deveriam ser por elas

também complementadas. Como tal, a sua apreciação é efetuada através dos processos de

fiscalização sucessiva, abstrata e concreta, sendo solucionadas, frequentemente, através da

prolação de sentenças com efeitos aditivos e não através do artigo 283.º CRP, o qual é reservado

ao controlo das omissões absolutas.

3.º Critério do vício do ato inconstitucional 

Conceito de vício: Considera-se vício de um ato inconstitucional a ocorrência deum defeito ou de uma deformidade nos pressupostos ou nos elementos do ato, gerada pela

desconformidade deste último com um parâmetro inserto na Constituição.

Inconstitucionalidade material:

a)  Noção: podemos defini-la como a colisão do conteúdo de um ato

 jurídico-público com o conteúdo dos princípios ou das normas

constitucionais com as quais aquele se deveria conformar. Embora

todos os vícios suponham uma violação do conteúdo da

Constituição, na inconstitucionalidade material ocorre uma lesão

direta de um enunciado substantivo da normação constitucional.Atentando no atributos do ato jurídico-público, a

inconstitucionalidade material  implica a viciação de elementos

objetivos de caráter substancial do ato, situação que ocorre quando

o seu objeto imediato (contido na declaração) viola o sentido de um

parâmetro constitucional substantivo, ou quando o seu escopo não

tem cabimento no fim que a Constituição assina ao mesmo ato.

b)  A valoração de uma incompatibilidade conteudística: por regra, a

inconstitucionalidade material, pese o facto de ser conhecida em

último lugar pelo órgão de fiscalização constitucional quando exista

uma cumulação de vícios, afirma-se como a modalidade deinconstitucionalidade que, no universo dos atos juridicamente

existentes, supõe a ocorrência de um dos vícios mais graves. Isto,

porque implica a ofensa a enunciados substanciais da normação

fundamental, mormente à Constituição material que, como

componente justificante da própria razão de ser da realidade

constitucional, assume nesta última caráter principal. O facto de o

artigo 277.º, n.º2 CRP excluir a inconstitucionalidade material de

entre os pressupostos do desvalor da irregularidade das normas

inconstitucionais traduz o caráter relevante do vício e o postulado

de que o mesmo não se encontra dispensado de sanção. Se esta

procede como enunciado geral, ela não é, contudo, isenta de

exceções. Tal como se irá observar, existem vícios orgânicos e

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formais que, em razão de afetarem a identificação do próprio ato,

geram a sua inexistência jurídica, a qual consiste no desvalor mais

grave da conduta inconstitucional. Trata-se, contudo, de

deformidades verdadeiramente excecionais, que não obscurecem o

corolário da relevância da maior gravidade do vício material,

quando confrontado com os restantes vícios, em sede dosdesvalores que postulam a invalidade e a irregularidade. A natureza

do parâmetro substancial ofendido ostenta alguma variabilidade.

Efetivamente, atendendo à densidade e ao grau de aderência

vinculante do padrão substantivo, a inconstitucionalidade material

pode derivar da violação de normas pragmáticas, de princípios, de

normas que contêm conceitos jurídicos indeterminados, e,

finalmente, de normas percetivas. As normas programáticas das

constituições sociais caracterizam-se por uma fraca densidade

reguladora e um reduzida capacidade vinculativa. Na verdade, ao

estabelecerem metas e projetos ou ao enunciarem certos valorescarentes de consecução ativa por parte do legislador, as normas

programáticas, fora do processo do controlo da constitucionalidade

por omissão, não são invocáveis em juízo quando se trate de

garantir a sua exequibilidade, já que não existem meios

contenciosos para impelir o mesmo legislador a realizar uma

obrigação de facere. A maior carga vinculante das normas

programáticas respeita aos fins: se um ato prossegue um fim diverso

ou contrastante com aquele que a Constituição estipula para a sua

emissão, gera-se uma inconstitucionalidade material fundada em

desvio de poder. E precisamente muitos direitos sociais e culturais

contidos em normas programáticas apontam para uma intervenção

estadual tendente à realização vinculada de fins diversos. Só que a

natureza deste tipo de normas consente ao legislador uma ampla

liberdade conformadora sobre o modo e o tempo de realização das

mesmas tarefas, realidades que podem inclusivamente gerar, a

título consequencial, distonias aparentes entre o escopo da norma-

parâmetro e a norma objeto. A Justiça Constitucional portuguesa

tem sido a este propósito pouco severa com o legislador em relação

ao modo como este concretiza a normação pragmática da Lei

Fundamental. Quanto aos meios devidos, os mesmos assumem uma

reduzida relevância jurídico-constitucional neste tipo de normas.Podem, ainda assim, ocorrer em abstrato, casos de

inconstitucionalidade material de atos que determinem o emprego

de meios manifestamente incoerentes ou irracionais para o

preenchimento do fim-programa. De todo o modo, princípios

fundamentais precetivos da ordem jurídica, como os da

proporcionalidade e do Estado de Direito (onde se contém o

corolário da segurança jurídica), podem ser concorrentemente

convocados neste último caso para fundar a invalidação do ato. No

que concerne aos princípios constitucionais e aos conceitos jurídicos

indeterminados, dotados de caráter percetivo, estes revelam-secomo parâmetros de relevância normativa e da potencial

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aplicabilidade direta (no caso de serem exequíveis por si próprios,

pese a sua reduzida densidade). Os princípios normativos da

Constituição definem-se como enunciados de valores que a Lei

Fundamental dota de relevância jurídica. Conformam pontos

axiológicos de partida para a estruturação coerente e unitária da

Constituição, carecendo de ulterior determinação para que possammanifestar a sua operatividade jurídica. Tal como ensinam certos

autores, esses mesmos princípios têm uma maior capacidade

expansiva do que as simples normas constitucionais, carecendo

todavia, para que possam exprimir uma parametricidade vinculante,

de uma efetiva concretização hermenêutica, a qual implica um

trânsito interpretativo do abstrato para o específico. Trânsito que

exige do intérprete uma densificação do campo de previsão do

enunciado axiológico, de modo a poder deduzir dele corolários-

regra passíveis de cobrir normativamente o domínio regido pelo ato

que é objeto de fiscalização constitucional. Num sentido inverso,pode igualmente predicar a captação, mediante abstrações

sucessivas, dos princípios implícitos que podem ser servidos pelo

mesmo ato, havendo que verificar a sua inserção constitucional ou

sua compatibilidade, com os princípios normativos da Constituição.

Estamos aqui, perante a abstração interpretativa. Frequentemente,

a questão de constitucionalidade material derivada de uma colisão

entre o objeto ou o fim de uma norma, com o escopo nuclear de um

princípio não resulta, com frequência, de uma violação

imediatamente figurada, mas sim de uma antinomia implícita, a

qual é tanto mais difusa, quanto mais sincrético for o princípio

parâmetro. Quanto aos conceitos jurídicos indeterminados, estes

assumem-se como critérios abertos situados em normas jurídicas,

que se revelam portadores de um sentido relativamente incerto,

tanto quanto à ideia valorada que contém, como em relação ao seu

objeto e consequencialidade. Embora nos referidos conceitos exista

tanto uma zona de certeza como uma zona de obscuridade que

reclama elucidação, verifica-se que esta mesma descodificação

carece de uma operação concretizadora análoga à densificação de

princípios, a qual, contudo, se torna por vezes mais difícil de realizar,

em razão do facto de se não descortinarem muitas vezes valores

imediatamente apreensíveis por detrás do conceito, mas sim merosinteresses ou imperativos funcionais.

c)  Algumas modalidades de inconstitucionalidade material:

- violação textual: considerada como a modalidade menos

frequente, embora mais evidente, de inconstitucionalidade

material, a violação textual implica que o conteúdo do ato objeto de

fiscalização, tal como se encontra explicitado na respetiva

declaração, seja diametralmente oposto à formulação literal da

norma constitucional que o parametriza. Trata-se de uma

modalidade ostensiva e, por isso mesmo, pouco frequente de vício

material.

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- violação implícita: ocorre uma violação material implícita

quando um determinado ato vulnera um parâmetro constitucional

que não se encontra expresso, mas que é subsumível, por via

interpretativa, do sentido decorrente de um princípio ou de uma

norma constitucional. Em certas situações ocorre por via de uma

dedução a contrario sensu, noutras as lesões são desferidas àsirradiações normativas de princípios ou conceitos jurídicos

indeterminados, deduzidas pela hermenêutica constitucional. Por

vezes a lesão implícita de certos princípios constitucionais

determina a ocorrência de vícios materiais qualificados. É o caso do

vício de excesso de poder em sentido estrito. Este ocorre quando o

objeto imediato do ato contrasta com o seu fim, em termos tais que

dessa distonia decorre uma lesão ao princípio da proporcionalidade,

quando a aplicação deste último se tem como constitucionalmente

pertinente. Trata-se de uma situação que tem lugar quando os

meios previstos no ato tendo em vista o preenchimento dorespetivo fim revelam ser radicalmente desadequados, excessivos

ou injustificadamente onerosos, postulando um arbítrio na decisão.

Fala-se, igualmente, na incoerência e na irrazoabilidade como vícios

lógicos intrínsecos do ato, suscetíveis de implicarem a sua

inconstitucionalidade material. Embora se comungue de algumas

preocupações assumidas na doutrina portuguesa, no sentido de

considerar que o parâmetro de razoabilidade lógica corre o risco de

transformar o juízo de constitucionalidade, num juízo de

oportunidade ou de técnica legislativa sobre o conteúdo da norma,

o facto é que, em caso de incoerência rotunda da qual derivem

prejuízos ou onerações para os seus destinatários, considera-se que

a ilogicidade do comendo jurídico pode relevar em termos de

constitucionalidade. Na verdade, a coerência do Direito, embora

não constitua um dado adquirido impõe-se a título permanente

com um princípio estruturante do mesmo. Já que a realização da

Justiça Material, que subjaz à realização dos fins do Estado de

Direito, repudia a incongruência dos comandos jurídicos. Tendo

como significado empírico atua consequentemente, a coerência

implica a recusa da contradição e, por conseguinte, a rejeição de

proposições jurídicas que, em simultâneo, afirmem e neguem a

mesma realidade, bem como a possibilidade de o mesmo caso serobjeto de duas soluções regulatórias incompatíveis presentes na

mesma lei. Trata-se de um princípio lógico porque a lógica recusa o

contraditório e o incongruente e o Direito, embora se não esgote n

lógica não pode afirmar-se contra ela, sob pena de negar o

pressuposto de segurança que lhe inere e de negar o seu caráter

cientifico-dogmático. Com efeito, a coerência é um corolário do

princípio da segurança jurídica que por seu turno é um pressuposto

do Direito, postulando a mesma segurança a possibilidade de cada

cidadão poder ter poder, na base deles, prever, antecipar e calcular

comportamentos. Ora a segurança jurídica ostenta uma relevânciapacífica em diversos preceitos da Constituição (mormente artigo

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282.º, n.º4) mas encontra-se necessariamente presente com um

alcance geral, no princípio do Estado de Direito Democrático,

inscrito no artigo 2.º, tendo já logrado revelar-se

 jurisprudencialmente a partir deste último, imbricada em outros

corolários dele derivados, como foi o caso do já aludido princípio da

proteção da confiança. A incoerência interna é convocada comraridade e parcimónia pela Justiça Constitucional, apenas nas

situações em que as disfunções lógicas no conteúdo, ou o contraste

entre meios e fins criam quadros de irracionalidade inequívoca

suscetíveis de criar injustiças manifestas, o que se afigura correto,

tendo em vista evitar decisões de mérito disfarçadas de pronúncias

de legitimidade. No ordenamento português o Tribunal

Constitucional apela não infrequentemente ao padrão da

razoabilidade. Fá-lo, contudo, as mais das vezes no contexto das

incoerências externas, ou seja, sem autonomia própria e em

associação, ou na dependência, da prolação de juízos deproporcionalidade, quando existe desadequação entre os meios

utilizados e as medidas de valor constitucionais presas ao

imperativo abstrato de adequação desses meios ao preenchimento

de determinados fins.

- Desvio do poder: o vício de desvio de poder ocorre quando o

fim real do ato discrepa do fim que o princípio ou a norma de

referência constitucional estipula para a sua emissão.

Inconstitucionalidade formal:

a) 

Noção: a inconstitucionalidade formal consiste na violação dasregras constitucionais respeitantes à produção e à revelação de uma

to jurídico-público. Trata-se de um vício nos elementos objetivos do

ato que deve, em princípio, ser conhecido antes da apreciação de

cumulativos vícios materiais, dado que se uma conduta de poder

experimentar um defeito de forma que revista caráter essencial, o

ato será inexistente ou inválido, sendo irrelevante o confronto do

seu conteúdo com o conteúdo da Constituição. Do mesmo modo

que alguma doutrina procurou considerar que todos os vícios, do

ato inconstitucional implicariam a violação do conteúdo da

Constituição, outros defenderam igualmente a ideia segundo a qual

todos os vícios seriam formais. Os vícios materiais, segundo este

entendimento, dissolver-se-iam nos formais, dado que qualquer lei

inconstitucional poderia sanar o seu vício apenas se fosse adotada

através das formas idóneas previstas no ordenamento, e mormente,

com o processo agravado de revisão constitucional. Não parece

proceder esta linha argumentativa. Em primeiro lugar, porque as

próprias leis de revisão constitucional podem ser materialmente

inconstitucionais se violarem limites materiais implícitos, que, como

tal, respeitam ao núcleo identitário da Lei Fundamental. Em

segundo lugar, porque a mesma tese, como bem notam certos

autores, seria vítima de um salto lógico: afirmar-se-ia a inexistênciado vício material, mas para o superar, haveria que o remover

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através da lei de revisão constitucional, implicando essa operação o

reconhecimento da sua existência. Em terceiro lugar, existem

diferenças claras entre um procedimento viciado de uma norma

gerada através de uma tramitação perfeita, e o vício de uma norma

derivado do confronto do conteúdo dessa lei com o conteúdo das

normas constitucionais. Finalmente, em termos de desvalores doato inconstitucional, verifica-se que o ordenamento português não

determina nem a inexistência jurídica de um ato nem a sua

irregularidade, com fundamento em vícios materiais. Outros

designam os vícios formais dos vícios procedimentais, considerando

que os primeiros respeitariam à exteriorização do ato (assumindo-

se como vícios do ato), enquanto que os segundos estariam ligados

à tramitação juridicamente regulada do ato (vícios referentes ao

complexo de atos necessários para produzir o ato final). Não se

vislumbra uma razão de ser convincente para, ao arrepio da

doutrina clássica, se decompor os defeitos de forma, em víciosformais stricto sensu  e vícios procedimentais. Em primeiro lugar,

tanto o modo de exteriorização do ato como a sua fraseologia

produtiva constituem formalidades indispensáveis à sua génese e

identificação, pelo que, a viciação dessas formalidades gerará, num

e noutro caso, uma deformidade formal. Existem, por conseguinte,

semelhanças relevantes passíveis de agruparem os defeitos

ocorridos nas formalidades doa to, na mesma categoria dogmática

de vício. Em segundo lugar porque, com exceção de quadros de

ausência absoluta de título, geradores de inexistência jurídica, e que,

salvo erro material, nunca ocorrem a não ser em exemplos

académicos, os vícios de titulação reduzem-se a simples desvios de

forma intraorgânica, geradores de simples irregularidades, tal como

sucede com as leis orgânicas que, durante algum tempo eram

legendadas e numeradas nos mesmos termos da legislação

parlamentar comum. Em razão de um imperativo dogmático de

economia classificatória, não fará sentido criar para os vícios de

revelação uma categoria à parte, tendo sobretudo em conta a sua

raridade e pouca relevância no plano dos desvalores do ato

inconstitucional. A decomposição de variantes de vícios da mesma

família em categorias apartadas, sobretudo quando não existe um

forte fundamento material que o justifique, conforma um convite àpulverização inútil das deformidades geradoras de

inconstitucionalidade e uma causa para a sua difícil apreensão. Se é

facto que existe uma valorização importante do relevo do

procedimento produtivo dos atos, não parece fazer sentido separar

esse procedimento da fase da sua externalização formal, já que a

revelação dos mesmos atos, embora possa ganhar autonomia (mas

não independência) no Direito das formas, é precisamente

apreensível no último estádio procedimental da génese dos

mesmos atos, que é o da sua publicação. Importa elucidar que a

inconstitucionalidade formal deriva, unicamente, dadesconformidade da formulação de um ato com as regras relativas

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à sua produção e revelação que encontraram ínsitas na Constituição.

Se o ato afrontar as regras relativas à sua formação presentes em

normas interna corporis, como os regimentos governamentais ou

parlamentares, não resultará desse facto qualquer

inconstitucionalidade, dado que essas normas atípicas segregadas

pela função política stricto sensu não revestem caráter imperativo,mas sim ordenador, na sua relação com as normas produzidas ao

seu abrigo. Já as leis-quadro que se assumem como atos

pressupostos de outras leis e podem ditar regras adjetivas sobre a

sua produção devem ser observadas pelas segundas, sob pena não

de inconstitucionalidade, mas sim da relação de desvalor da

ilegalidade de atos legislativos (112.º, n.º3 conjugado com o 281.º,

n.º1, alínea b).

b)  Modalidades de vícios formais relevantes na edição de atos

legislativos:

- Vícios no procedimento produtivo do ato: a produção do ato jurídico-público consiste na ativação do procedimento relativo à sua

génese, o qual é integrado como se disse, por uma sequência

ordenada de atos jurídicos que concorrem para a formação do ato

típico final. Ora, existem atos, como as leis parlamentares, cujo

processo de tramitação nas suas fases procedimentais de iniciativa,

instrução constitutiva, de controlo de mérito e de integração de

eficácia se encontra regulado por normas constitucionais. No caso

de os atos que se integram em cada uma dessas fases se mostrarem

desconformes com as regras sobre a produção legal insertas na

Constituição enfermarão de um vício de forma que contaminará o

ato final. Os vícios sobre o iter  produtivo assumem-se, deste modo,

como defeitos de fabrico do ato.

- Vícios na revelação do ato: a revelação do ato consiste no

trâmite respeitante à aposição de um título jurídico na declaração

de vontade produzida pelo órgão competente. A especificidade

desse título procura ser consequente com a singularidade do

procedimento produtivo do ano e com a competência que subjaz à

condução do mesmo procedimento já que um título específico

identifica, por regra, a natureza do órgão de onde o ato promana.

Assim, atentando ao n.º1 do artigo 112.º, as leis são reconduzidas à

esfera de competência da Assembleia da República, os Decretos-Leià do Governo e os Decretos legislativos regionais à das Assembleias

Legislativas Regionais. Nestes termos, a preterição total de titulação

(carência absoluta de forma), a titulação indevida de uma ato que

não resulte de um erro material, ou a preterição de regras explícitas

ou implícitas sobre os elementos dessa titulação geram vícios

formais na fase de revelação, dos quais decorre a

inconstitucionalidade do ato. Isto, independentemente do facto de

entendermos que, o caráter não essencial de algumas dessas

formalidades justifica que o desvalor do ato inconstitucional se

resuma à irregularidade.

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- Vício do excesso ou abuso de forma: um ato padece de um

defeito de excesso de forma quando é submetido, sem necessidade,

a um título mais solene ou a uma tramitação produtiva mais

exigente do que aquela que, em razão do seu conteúdo, careceria

para a sua edição, dela decorrendo consequências jurídicas no plano

operativo.

A inconstitucionalidade orgânica:

a) 

Noção: a inconstitucionalidade orgânica ocorre quando um órgão

ao produzir um ato viola uma regra de constitucional de

competência. Alguma doutrina classifica este vício como

“adulterino”, porque seria germinado a partir da relação ilícita entre

vícios materiais e formais. Julga-se, contudo, que semelhante

conúbio, por mais sugestivo que seja, não tem exatamente lugar

neste tipo de deformidade. A inconstitucionalidade orgânica não

pressupõe, necessariamente, a preexistência de vícios formais, jáque o ato praticado por um órgão sem competência para o efeito

pode ter sido gerado de acordo com os trâmites constitucionais

relativos à produção e revelação de atos respeitantes à mesma

matéria. Este tipo de inconstitucionalidade tão pouco pressupõe

uma prévia inconstitucionalidade material, já que o conteúdo do ato

aprovado por órgão sem competência pode ser compatível com o

conteúdo das normas constitucionais que conformam o seu objeto

mediato. Será mais correto considerar esta espécie de defeito como

a consequência de uma viciação nos pressupostos,

simultaneamente subjetivos e objetivos do ato. O que se encontraem causa é a existência, ou não, de um poder funcional que habilite

um órgão a decidir juridicamente, mediante a prática incondicional

de um ato, sobre uma certa matéria e num espaço determinado. A

inconstitucionalidade orgânica pode ocorrer por defeito na vertente

subjetiva da competência, no caso de o órgão não ter existência

 jurídica efetiva no momento em que pratica o ato; no caso de os

titulares do mesmo órgão serem coagidos na formação da sua

vontade psicológica; no caso de a mesma vontade ter sido

defraudada; ou na circunstância de os titulares do órgão que

exprimiram a vontade funcional geradora do ato carecerem de

legitimidade ou não se encontrarem no devido exercício devido de

funções. Mas a referida inconstitucionalidade tem igualmente lugar

por deficiência na vertente objetiva da competência: quando o

órgão pratica um ato correspondente a uma função do Estado que

não se lhe encontra cometida; quanto invade a reserva material de

poder de outros órgãos; e quando excede os limites da sua

competência, neles incluídos os que se encontram insertos em

autorizações para o exercício de determinadas responsabilidades.

Importa finalmente referir que, respeitando a vício ocorridos em

sede dos pressupostos do ato inconstitucional, a

inconstitucionalidade orgânica conhece-se previamente à

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apreciação de outros tipos de vícios respeitantes aos elementos do

ato, como é o caso das deformidades formais e materiais.

b) 

Formas de incompetência radical, absoluta e relativa: pode falar-se

em incompetência radical quando na prática de um ato faltam

requisitos subjetivos ou objetivos essenciais que precludem 51 ,

inequivocamente, a imputação do mesmo ato ao poder funcional deum órgão. Tal situação tem lugar quando existe uma pretensão total

dos atributos elementares da vertente subjetiva da competência

(inexistência de órgão, ilegitimidade do titular, coação sobre a

vontade psicológica), ou uma penetração indevida e ostensiva de

um ato no núcleo do universo material subjacente a uma função

estadual de que o órgão que o pratica não é titular (usurpação de

poder). Pode haver incompetência absoluta, quando a um órgão

seja vedado, na totalidade, o exercício de um poder funcional sobre

uma dada matéria. Haverá incompetência relativa quando, não se

encontrando reunidas as condições jurídicas ou fáticas de caráterobjetivo para que um órgão exerça o poder funcional destinado à

prática de um ato no âmbito de uma certa matéria, o ato é, mesmo

assim, praticado. Vícios de incompetência radicais, em razão da sua

seriedade, geram os valores negativos também mais graves do ato

organicamente inconstitucional, centrados na existência. Os vícios

de incompetência absoluta e relativa geram, por regra, a invalidade.

Certos vícios de incompetência relativa com menor gravidade

podem eventualmente predicar uma mera irregularidade do ato

inconstitucional. Dentro da incompetência radical haverá que

destacar o vício de usurpação de poder, o qual num Estado de

direito Democrático como o português assume caráter qualificado

porque implica uma ofensa ao princípio estruturante da separação

com interdependência de poderes (artigo 111.º CRP). Pode falar-se

em usurpação de poderes quando um órgão pratica atos próprios

de uma função do Estado que se lhe não encontra cometida pela

Constituição.

c) 

Da constitucionalidade de atos normativos não inovatórios que

incidam em reservas de competência alheias: considerou desde a

sua origem o Tribunal Constitucional português no seguimento de

uma orientação da Comissão Constitucional, que nem todo o tipo

de intromissões normativas de um órgão na reserva de competênciade outro órgão gera inconstitucionalidade orgânica. Assim,

considerou o Tribunal Constitucional, que «quando o Governo , em

matéria da exclusiva competência da Assembleia da República,

edita uma norma que se limita a reproduzir outra contida em lei

 parlamentar anterior não há inconstitucionalidade orgânica»52. E

não haveria inconstitucionalidade orgânica porque « a emissão da

51 pre·clu·dir - (latim praecludo, -ere, fechar diante de alguém, obstruir, impedir) verbo intransitivo

"precludir", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013,

http://www.priberam.pt/DLPO/precludir. 52 Acórdão n.º 212/86, 18-6

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norma nova em nada afetou a reserva de competência da

 Assembleia da República, tudo se passando como se o novo

legislador se tivesse mantido inativo em tal matéria, abstendo-se de

legislar ». À primeira vista esta interpretação choca, já que se a um

órgão se encontra constitucionalmente vedado dispor sobre

domínios reservados à competência de outros órgãos, o facto de ovir a fazer converte a norma incursiva na referida reserva, num ato

inconstitucional. A competência é um dos pressupostos do ato

 jurídico-público. Se esta ultrapassa um limite imposto por um regra

constitucional de competência e dispõe sobre um universo que se

lhe encontra necessariamente proibido, é organicamente

inconstitucional, independentemente de o vício ser mais grave pelo

facto de inovar sobre o mesmo universo material ou se limitar a

reproduzir normas que foram anteriormente editadas pelo órgão

competente. E o facto é que o legislador incompetente, mesmo que

repita simplesmente legislação do órgão competente, fê-lointencionalmente através de uma decisão que importa a produção

de efeitos jurídicos, pelo que surge como surrealista a ficção da

Comissão Constitucional, estranhamente aceite pelo Tribunal

Constitucional, segundo a qual tudo se passa como «se o novo

legislador se tivesse mantido inativo em tal matéria». Ora, o

contexto e a lógica global dos diplomas onde se inserem as

reproduções podem conferir a estas, sentido inovatório, pelo que

falece o corolário automaticista segundo o qual a repetição é

equiparada a uma abstenção legislativa. Consideramos que certo

tipo de repetições de disciplinas jurídicas situadas em reservas

alheias e indisponíveis não se mostram necessariamente

desconformes com a Constituição, pese a má técnica legislativa

utilizada, já que resulta ser preferível a utilização de remissões. É o

caso da reprodução devidamente identificada, de normas

parâmetro por legislação que delas é objeto. Já no campo das

relações entre normas de idêntica densidade emitidas pelo Governo

e pelo Parlamento tem-se como ofensivo das normas

constitucionais de competência que o ato legislativo de um dos

órgãos reproduza, sem credenciação, uma disciplina previamente

emitida no âmbito de uma reserva atribuída a outro órgão. Existe

aqui uma falta de legitimidade de um órgão que agiu semcompetência, ao fazer seu, algo que a Constituição transmitiu em

exclusivo a um centro de poder alheio, pelo não é entendível o

argumento segundo o qual nenhuma norma competêncial foi

beliscada e a reprodução legislativa deve ser tratada como uma não

ação legiferante. Ainda assim, admite-se que:

a.  Muitas das referidas reproduções são juridicamente

inconsequentes, podendo no caso concreto a

inconstitucionalidade orgânica predicar um simples

desvalor de irregularidade a qual não impedirá o ato de

continuar a produzir os seus efeitos;

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b. 

Já outras repetições, em razão de fundamentos, adquirir no

contexto em que estão inseridas um sentido novatório

passível de gerar uma intromissão em reserva alheia plena

de consequêncialidade constitutiva, justificando-se para

elas o desvalor da invalidade.

Critério da extensão normativa da incompatibilidade: inconstitucionalidade

total e parcial:

- Noções: pode falar-se em inconstitucionalidade total de um ato

 jurídico-público quando a referida relação de desvalor o afeta em toda a sua extensão. Haverá

inconstitucionalidade parcial se esta inquinar o ato apenas numa parcela dessa mesma extensão.

A referência dicotómica aos dois tipos de inconstitucionalidade na gíria corrente, tanto pode

respeitar a um diploma composto por diversos preceitos, como a um preceito que se

decomponha em várias normas53.

- Fundamentos da inconstitucionalidade total: a inconstitucionalidade

total de um ato não se mede em razão da natureza do vício de que o mesmo enferma. E se é um

facto que a inconstitucionalidade formal é mais atreita a atingir um ato em toda a sua extensão54,

existem múltiplos exemplos de inconstitucionalidades de tipo parcial. Não é pois inteiramente

liquida a afirmação de alguma doutrina segundo a qual a inconstitucionalidade formal

«normalmente é sempre total » (Marcelo Rebelo de Sousa). Ainda assim, teremos, por vezes, que

considerar a ocorrência de uma inconstitucionalidade necessariamente total em razão do tipo

de processo de fiscalização envolvido. Assim, mesmo que seja questionada uma só norma de

um diploma em processo de fiscalização preventiva (279.º CRP), a pronúncia e o veto por

inconstitucionalidade, que não sejam seguidas de expurgo ou confirmação, obstam à existência

 jurídica das restantes normas do referido diploma e não apenas à da norma inconstitucional.

Noutras circunstâncias, verifica-se que a inconstitucionalidade de uma parte de um diploma, oude um preceito, se propaga, respetivamente, ás restantes normas contidas no diploma ou no

próprio preceito. Essa propagação ocorre frequentemente em razão de uma situação de

dependência: as restantes normas do ato destinam-se exclusivamente a servir aquela que, a

título principal, é julgada inconstitucional, pelo que a inconstitucionalidade desta se tramite

consequencialmente às primeiras. Noutras circunstâncias, a inconstitucionalidade de uma

norma que revista num ato de caráter principal, sem que se propague às restantes normas, retira

todavia sentido à sua subsistência. A unidade sistemática e a instrumentalidade destas últimas,

em relação à que foi julgada inconstitucional, leva a que não seja lógico, nem útil, nem justo que

as primeiras produzam efeitos jurídicos. É certo que normas inúteis não são normas inválidas.

Só que a subsistência de normas amputadas do seu objeto principal, e carentes de significadopróprio ofendem o princípio da segurança jurídica do sistema normativo (artigo 2.º CRP),

podendo justificar-se a declaração da sua inconstitucionalidade com fundamento em conexão

53 No primeiro caso, se um diploma legal tiver sido aprovado por um órgão sem competência para tal,em relação a toda a matéria que constitui o respetivo objeto, estamos perante umainconstitucionalidade total de um diploma. Se, ao invés, o órgão apenas exorbitou os seus limitescompetenciais em relação às matérias abrangidas por alguns preceitos, falar-se-á eminconstitucionalidade parcial do diploma. No segundo caso, se o objetivo da fiscalização constitucionalrecair sobre um preceito de um diploma, o mesmo preceito contiver um só comando normativo e esteúltimo for inconstitucional, seremos confrontados com a inconstitucionalidade total do preceito. Se ao

invés o preceito se desdobrar em várias normas e apenas algumas destas forem inconstitucionaisestaremos perante a inconstitucionalidade parcial do preceito.54 A preterição de formalidades essenciais na génese de uma lei afetam a totalidade de um diploma.

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material necessária com uma norma principal que seja julgada inconstitucional. Nestes termos

a Justiça Constitucional, no caso exposto, tendo constatado o caráter injustificado de uma

divisibilidade do ato, deveria declarar a sua inconstitucionalidade.

- os subtipos horizontal e vertical da inconstitucionalidade parcial:

observámos que a inconstitucionalidade parcial pode aferir-se em razão de um diploma ou deum preceito. Circunscrevamo-nos a esta segunda hipótese. Por vezes, um preceito é composto

por diversos comandos normativos autónomos, e apenas um deles é inconstitucional. A

ablação55 textual desse segmento normativo autónomo e o aproveitamento quantitativo das

restantes normas do preceito permite-nos falar em inconstitucionalidade parcial de tipo

horizontal. Mas existem situações em que um preceito pode vir a conter, por força de uma

operação interpretativa, diversos comandos normativos hipotéticos e alternativos, podendo ser

declarada a inconstitucionalidade de um deles, sem afetar os restantes, bem como o texto do

preceito de onde se extraem. Ora este tipo de inconstitucionalidade que fere um dos sentidos

prescritivos de uma norma, sem que implique uma ablação da declaração textual, designa-se

por inconstitucionalidade parcial de tipo vertical.

- fundamentos da redução do ato inconstitucional: um dos fundamentos

basilares da admissibilidade da figura da inconstitucionalidade parcial radica no princípio da

conservação dos atos normativos. Este, por razões presas à economia do processo produtivo

dos atos jurídico-públicos, racionalidade no aproveitamento da parcela sã dos mesmos atos e

de respeito pela subsistência da componente das decisões jurídico-públicas que se mostre

conforme à Constituição (reflexo do corolário do  favor legis), predica uma opção pela

divisibilidade de um ato inquinado por inconstitucionalidade e pela redutibilidade da mesma

inconstitucionalidade ao seu segmento que se encontre viciado. A opção redutiva da

inconstitucionalidade à luz do citado corolário torna-se possível a partir do momento em que a

fiscalização sucessiva da constitucionalidade tem por objeto, de acordo com a alínea a) do artigo281.º da CRP, não preceitos ou diplomas normativos, mas sim as normas que integrem os

preceitos desses diplomas.

- critério do momento da incompatibilidade: inconstitucionalidade

originária e superveniente: a inconstitucionalidade originária implica que um ato jurídico-

público colida desde o momento da sua formação com o parâmetro constitucional. Assim, no

plano cronológico, o parâmetro constitucional preexistente ao ato que a ele é desconforme. A

inconstitucionalidade superveniente tem lugar quando um ato originariamente conforme a

Constituição entre posteriormente em confronto com uma norma constitucional, editada

sucessivamente ao momento do início de vigência do mesmo ato. Neste quadro patológico que

surge sobretudo nos quadros de colisão do Direito ordinário com as leis de revisão constitucional,o parâmetro constitucional é cronologicamente ulterior em vigência, ao ato inconstitucional que

lhe deva observância.

- introdução aos respetivos regime:

a) observações gerais: o regime jurídico das

inconstitucionalidades originárias e superveniente encontra-se no artigo 282.º CRP, e a sua

abordagem será feita ulteriormente, a propósito da nulidade dos atos inconstitucionais e dos

55 a·bla·ção (latim ablatio, -onis, acção de tirar) substantivo feminino 1.

[Cirurgia] [Cirurgia] Extracção. 2. [Gramática] [Gramática] Aférese. "ablação", in DicionárioPriberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/ablação

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efeitos das decisões de inconstitucionalidade em fiscalização sucessiva. Importa referir, de

qualquer forma, que existe um fundamento lógico para uma reação mais rigorosa do

ordenamento, me relação às inconstitucionalidades originárias. Na verdade, na

inconstitucionalidade originária o decisor pratica o ato em desrespeito pelas normas de

referência que vinculam a mesma decisão, justificando-se que os efeitos que o referido ato

produziu sejam eliminados desde que este iniciou a sua vigência. Já na inconstitucionalidadesuperveniente, preservam-se os efeitos produzidos pelo ato, até à entrada em vigor do

parâmetro constitucional gerador da antinomia, pois, de acordo com o brocardo tempus regit

actum, só a partir desse momento é que o primeiro deixa de respeitar as normas constitucionais

às quais deve conformidade.

b) inconstitucionalidade superveniente e viciação material:

importa referir que a inconstitucionalidade superveniente opera em sede de vícios materiais,

mas não no espetro de distonias de ordem orgânica e formal. O facto de uma matéria ter, por

via de revisão constitucional, transitado do campo do universo concorrencial entre o Governo e

a Assembleia da República para a reserva absoluta do Parlamento não gera a

inconstitucionalidade superveniente dos decretos-lei editados ao abrigo do primeiro tipo de

competência. E a circunstância de uma matéria da reserva de lei comum ter passado a integrar

a reserva de lei orgânica, tão pouco inconstitucionaliza a legislação comum produzida antes da

revisão sobre a mesma matéria. As novas normas constitucionais sobre a produção normativa e

as regras sobre a competência aplicam-se para o futuro (meramente para as leis que alteraram

os regimes antigos) e não questionam os poderes funcionais e os tramites produtivos do Direito

vigente, sob pena de se abalar seriamente e sem justificação material, a segurança jurídica, a

vocação de completude do ordenamento e o já citado brocardo tempus regit actum que serve

estes dois princípios. A jurisprudência do Tribunal Constitucional perfilha este entendimento,

tendo considerado que não faz sentido aferir se os atos do Direito ordinário anterior satisfazem

os requisitos de forma e de competência que a Constituição passou a fixar de um dado momentopara a produção futura de atos do mesmo tipo56.

II – O Valor Negativo do Ato Normativo Inconstitucional

Noção: de acordo com Marcelo Rebelo de Sousa, o valor do ato inconstitucional reside

fundamentalmente no efeito essencial da inconstitucionalidade. Se a conformidade dos

pressupostos e elementos do ato com a Constituição predica o valor positivo do mesmo e a sua

virtual perfeição jurídica para, como ato existente e válido, produzir os efeito que lhecorrespondem, já o valor negativo, ou desvalor, implica que um ato, em razão da sua

desconformidade com a Constituição, se pode ver inibido de produzir a totalidade das suas

consequências jurídicas típicas. Podemos, assim, definir desvalor do ato inconstitucional como

a depreciação, mais ou menos intensa, sofrida por um ato desconforme com a Constituição,

suscetível de obstar à produção dos efeitos jurídicos que ordinária e tipicamente lhe

corresponderiam.

Alinhamento de conceitos operativos: vício, relação de desvalor negativo e sanção do

ato inconstitucional: a noção de valor negativo do ato inconstitucional interage com um

56 Acórdão n.º 201/86 e Acórdão n.º 261/86, 20-7.

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conjunto de conceitos muito próximos, as que dele se distinguem, pese o facto de haver alguma

doutrina e jurisprudência que os assimila, no todo ou em parte. Assim, enquanto o vício do ato

é a deformidade de que o mesmo padece em razão da colisão dos seus pressupostos ou

elementos com uma norma parâmetro à qual se encontra vinculado, a sua relação de desvalor

reporta-se à natureza da norma parâmetro que, sendo violada, se mostra suscetível de

fundamentar a depreciação jurídica do ato que a ela é desconforme. Pode-se, neste último caso,falar em ilegalidade, quando essa norma-parâmetro ofendida é uma lei com valor reforçado e

em inconstitucionalidade, quando a mesma assume o “status” jurídico de princípio ou regra

constitucional. Por outro lado, no universo da relação de desvalor de inconstitucionalidade, que

é a que presentemente ocupa a nossa atenção, enquanto o valor negativo se reconduz à

depreciação genérica do ato suscetível de inibir a produção dos seus efeitos, a sanção constitui

no contexto da mesma depreciação, o tipo concreto de reação assumida pelo ordenamento

 jurídico contra atos inconstitucionais, e que se traduz na eliminação, ou na paralisia total ou

parcial, dos seus efeitos jurídicos. A sanção é pois, a forma assumida, no plano repressivo, por

um determinado valor negativo. Importa precisar que a posição aqui defendida admite que num

dado valor negativo possam coexistir diversos tipos de sanções, como reações concretas ediversas do ordenamento contra normas inconstitucionais. Distintamente, para outra doutrina,

não existe distinção virtual entre desvalor e sanção (sendo o segundo consumido pelo primeiro).

Tipologia dos valores negativos: na ordem jurídica portuguesa, haverá a considerar valores

negativos de caráter principal, ou próprio, que são precisamente aqueles que, por resultarem

da ocorrência de vícios nos pressupostos e elementos essenciais do ato inconstitucional,

implicam necessariamente a aplicação de sanções que eliminam os efeitos jurídicos do mesmo

ato. É o caso da inexistência jurídica e da invalidade. Contudo haverá igualmente a assinalar a

existência de valores negativos de natureza acessória, ou imprópria, que se caracterizam por

uma depreciação nominal do ato inconstitucional. Trata-se daqueles casos em que os atos, pelo

facto de os respetivos vícios não assumirem caráter grave ou relevante, não são referidos porqualquer sanção, podendo continuar a produzir os seus efeitos jurídicos. Trata-se do caso da

irregularidade.

1.º  A inexistência jurídica:

Noção: a inexistência jurídica consiste na total inaptidão de um ato aparente

para produzir os efeitos jurídicos correspondentes a um ato jurídico típico, pelo facto de carecer

dos mais elementares requisitos de identificação constitucional. Trata-se da modalidade de

desvalor mais grave prevista no ordenamento, dado que pressupõe, também, em razão da maior

seriedade do vício, uma improdutividade absoluta de efeitos, sendo o ato inexistente tratado

em termos sancionatórios (dentro da reserva do possível), como se nunca houvera sidopraticado. Para certos autores (Gomes Canotilho), o ato inexistente, não pode ser considerado

um “não ato”. Ele consiste num ato, embora totalmente improdutivo, já que assume a natureza

de uma aparência de ato, pese o facto de não poder gerar nenhuns efeitos próprios da sua

natureza. Outros (Marcelo Rebelo de Sousa) consideram a inexistência como uma ausência de

ato, ou porque ocorre uma omissão de conduta, ou porque o ato é meramente aparente, já que

lhe faltam os dados mínimos de identificação constitucional. Pela nossa parte, temos que uma

decisão jurídico-pública deformada, à qual faltem os seus requisitos elementares ou mínimos de

identificação, é sempre um ato, embora aparente. É que, uma lei publicada que careça de

promulgação não pode ser considerada um “não ato”, já que consiste faticamente numa

conduta reconduzida aos poderes públicos que gera transitoriamente efeitos idênticos aos quecorrespondem um ato típico, os quais se mostram aptos a afetar comportamentos de pessoas e

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instituições. Assim sendo, a eliminação total desses efeitos pode ser declarada pelos órgãos de

Justiça Constitucional, declaração que aliás é um  prius da responsabilização dos Estados por

lesões deles decorrentes, já que o mesmo Estado é civilmente responsável, nos termos do artigo

22. CRP, pela prática de atos aparentes de que resulte a violação de direitos, liberdades e

garantias ou prejuízo para outrem. Ora a responsabilidade por um ato aparente leva a que o

mesmo seja tratado como tal, e não como uma ausência de ato. Os efeitos processuais e osdanos colaterais gerados pelo pretenso ato levam-nos, pois, a considerar ser uma ficção, talvez

pouco útil, o entendimento mais radical que defende que o mesmo seja irremediavelmente

tratado como se nunca tivesse existido. Pelo exposto, o valor negativo da inexistência reconduz-

se, fundamentalmente, à sanção traduzida no imperativo de eliminação rigorosa de todos os

efeitos que faticamente o ato aparente tenha gerado, o qual implica que, dentro da reserva

possível, se proceda a uma reconstituição completa da situação existente ao momento anterior

à prática do mesmo. A ideia de “reserva do possível” presa ao conceito de putatividade é, aliás,

um limite extremo ao corolário-regra de que o ato aparente está impreterivelmente condenado

a não produzir efeito algum.

Fundamentos da inexistência jurídica:

a)  Conceção ampla: para certas construções doutrinárias, a

inexistência ocorre quando se omite os atributos mínimos de

identificabilidade formal ou material, exigidos constitucionalmente

a um ato. A autonomia do desvalor da inexistência por preterição

dos requisitos mínimos de forma foi aceite pela doutrina (Marcello

Caetano), embora sem grande entusiasmo, durante a vigência da

Constituição de 1933. Contudo, deve-se a Miguel Galvão Teles o

alargamento dos pressupostos do mesmo valor, não só ao campo

orgânico (defeito de junção e autoria), mas igualmente ao universomaterial, mormente em caso de violação de direitos individuais que

não se encontrassem suspensos por medidas excecionais. A

construção exposta recebeu o respaldo de José Gomes Canotilho

que, na vigência da Constituição de 1976, considerou que a

inexistência não se reduziria aos casos expressamente previstos na

Constituição, alargando-se a outros vícios formais ou orgânicos

qualificados, bem assim como a vícios materiais respeitantes a

contrastes manifestos e graves com as normas declarativas de

direitos fundamentais. Marcelo Rebelo de Sousa que

originariamente excluía este alargamento material dos

fundamentos da inexistência alterou a sua posição no sentido da

referida extensão. Segundo este autor, certos vícios materiais

podem prejudicar a identificação do ato, tais como a incoerência

interna (suscetível de o tornar incompreensível) e a total

desconformidade do ato com a Constituição material. A cláusula de

limites materiais de revisão identificaria a componente essencial e

intangível da Constituição material, conformando-se como

inexistentes os atos que esvaziassem o núcleo dos valores aí

protegidos. De entre os exemplos enumerados, o autor refere o dos

direitos fundamentais cujo núcleo essencial seria insuscetível de ser

comprimido ou suprimido, sob pena de inexistência do ato,

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redundando a compressão ilegítima do seu exercício numa mera

invalidade.

b)  Conceções restritivas: Jorge Miranda assume o legado da doutrina

clássica que circunscreve os fundamentos da inexistência a vícios

orgânicos e formais que, afetando a imputação de uma conduta à

vontade do centro de poder competente, prejudicam a suaidentificabilidade. Ora a inconstitucionalidade material não

constituiria num vício de imputação passível de prejudicar a

existência do ato, mas sim numa vontade substancial existente que

se orientaria para um sentido desconforme à Constituição.

Considerando que a Constituição Material é um conceito

excessivamente doutrinal para se confrontar como fundamento da

inexistência, em caso de violação, Jorge Miranda considera mesmo

que as normas constitucionais relativas a direitos fundamentais

seriam tantas que, se a sua violação predicasse inexistência,

aumentaria a insegurança jurídica no ordenamento. E essainsegurança aumentaria, a partir do momento em que os cidadãos

passassem, de acordo com a primeira doutrina examinada, a fazer

uso reiterado do “direito de resistência” contra a aplicação de

normas constitucionais, substituindo-se indevidamente o mesmo

direito aos institutos jurisdicionais de controlo da

constitucionalidade que a Lei Fundamental consagra.

c)  Posição adotada: acolhimento de uma conceção excecional e

restringente dos fundamentos da inexistência:

- apreciação crítica à construção extensiva dos pressupostos do

desvalor de inexistência: o valor negativo da inexistência exprime

uma radicalidade sancionatória do ato inconstitucional, traduzida

na sua improdutividade absoluta de efeitos, transponibilidade do

caso julgado, universalização da faculdade da sua declaração,

inexecutoriedade pela Administração e direito de resistência dos

particulares ao cumprimento de atos aparentes. Em suma, o ato

aparente deve ser, na medida do possível, tratado como se nunca

tivesse existido. Semelhante rigor reativo do ordenamento contra

um ato inconstitucional carece, à luz do princípio da

proporcionalidade, ser adequado não apenas à especial gravidade

do vício mas, também, à sua natureza. Na realidade, para que um

ato seja equiparado em efeitos a um não-ato, necessário se tornaque lhe faltem atributos indispensáveis à respetiva criação ou

externalização, em termos tais que o mesmo se mostre

irreconhecível como decisão dos poderes públicos. Ora, os únicos

vícios suscetíveis de precludirem a identificação e reconhecimento

do ato como conduta típica, bem como a sua recondução ao poder

funcional de um órgão, não podem deixar de constituir

deformidades graves de natureza orgânica e formal. Existem, na

realidade, cinco motivos que justificam esta asserção e que excluem

a inexistência fundada em vícios materiais:

1.º reconduz-se aos termos em que a inexistência jurídica é tratada na Constituição. Os atos expressamente reputados

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de inexistentes pela Constituição são aqueles a que faltam

requisitos que a mesma Lei reputa como fundamentais, em termos

de forma ou de competência (é o caso da falta de promulgação de

atos legislativos e falta de assinatura de decretos regulamentares

bem como de resoluções parlamentares e decretos do Governo que

aprovem acordos internacionais (artigo 137.º). Admitindo que oenunciado do caso descrito de inexistência não se reduz a um

numerus clausus dos fundamentos deste tipo de desvalor, haverá,

contudo, que considerar que todos os restantes que se não

encontrem explicitados deverão ter uma identidade de razão, em

termos de gravidade e natureza de vício, com os pressupostos de

inexistência de caráter expresso. O contrário implicará não apenas

um manuseio perigosamente libertário de um desvalor de tanta

gravidade, sem um devido suporte textual, lógico e teleológico na

Constituição, como também uma redução não constitucionalmente

fundada do âmbito de aplicação do desvalor regra que a mesma LeiFundamental assina expressamente aos atos contrários à

Constituição e que é o desvalor da invalidade, nos termos do n.º3

do artigo 3.º CRP.

2.º considera-se a doutrina que propugna por uma

conceção ampla dos fundamentos de inexistência que esta decorre

de uma omissão ou preterição dos dados mínimos de identificação

do ato. Ora não se vê, salvo o caso de um ato omisso de conteúdo,

como é que existe essa preterição absoluta de requisitos de

identificação, em caso de ocorrerem vícios materiais. O ato é em

primeiro lugar, inidentificável, se faltarem os pressupostos

elementares para a sua emissão, tais como a ausência de um órgão

de poder que tenha decidido a sua emissão, a insusceptibilidade de

recondução do ato a uma função estadual atribuída ao mesmo

órgão ou a ausência de uma vontade funcional livre para a sua

produção. É igualmente inidentificável se carecer de atos

constitutivos ou de controlo com caráter essencial que concorram

para a sua produção, e que se mostrem passíveis de prejudicar a

formação da vontade declarada; ou ainda se a revelação do ato, fora

de um contexto de erro material, o tornar insuscetível de

recondução a um ato típico do ordenamento ou a um ato

correspondente ao exercício de uma dada função jurídico-pública.Contudo, se o ato for produzido e exteriorizado num quadro de

perfeição orgânico-formal, o facto de o seu conteúdo afrontar o

conteúdo da Constituição, não obnubilará a identificação objetiva

da conduta materialmente inconstitucional, como de um ato

 jurídico típico. Não é pois ofensa ao parâmetro constitucional, por

mais grave que possa ser, que prejudicará que o ato seja

considerado como lei e que seja imputado a vontade livre da

Assembleia da República, como órgão competente para o efeito. Daí

que vícios de conteúdo não se mostrem aptos a turbar a

identificabilidade típica do ato inconstitucional.

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3.º não é possível, por outra banda, concordar com a tese que

reconduz a inexistência à violação dos princípios e valores

fundamentais da Constituição Material. A ideia de Constituição

Material logra ser excessivamente difusa, doutrinária e discutida

para que possa funcionar como um parâmetro referencial, não só

para a Justiça Constitucional, mas para a pluralidade aberta deintérpretes legitimados a declarar a inexistência de atos. Por outro

lado, a convocação do artigo 288.º como referência normativa

objetiva dos princípios fundamentais dessa Constituição Material

revela ser enganosa, já que nem todos os valores e interesses aí

elencados, têm relevância suficiente para integrarem a identidade

nuclear da Constituição. Dele já constaram até 1989 institutos

marginais que o constituinte quis proteger com maior rigidez, como

as comissões de moradores e o princípio de apropriação coletiva dos

meios de produção, e dele continua, ainda, a constar a

inconstitucionalidade por omissão, sendo forçado conceder que umato que vulnerasse a essência destes princípios pudesse ser tido

como inexistente. Mesmo no que toca à definição de Constituição

Material, dada pela mesma doutrina, a mesma respeita à

identificação dos órgãos do poder político, ao seu modo de

designação, às suas competências e ao seu controlo a todos os

níveis. Trata-se de uma realidade servida por uma miríade de

princípios cuja violação através de atos normativos perfeitamente

identificáveis constitui uma realidade permanente, e que não faria

sentido dramatizar através do seu tratamento radical em sede de

inexistência.

4.º finalmente, a inexistência com fundamento em vícios

materiais colidiria com os princípios da segurança jurídica e

separação de poderes. Resulta ser pouco entendível o facto de a

doutrina que defende uma extensão dos fundamentos deste

desvalor considerar inexistentes atos violadores ao núcleo dos

direitos fundamentais (pelo facto de constarem da componente

fundamental da Constituição Material, revelada por limites de

revisão) quando os bens protegidos pelo artigo 288.º CRP não

compreendem, afinal, todos estes direitos, mas apenas os direitos,

liberdades e garantias. Mas o facto é que, depreciações graves ou

mesmo ablações de segmentos nucleares dos direitos, liberdades egarantias são realidades não imediatamente representáveis ou

objetificáveis pelos operadores jurídicos e destinatários das normas.

A grande maioria das violações assume caráter implícito, e mesmo

quando assumem um alcance textual, carecem de uma complexa

atividade hermenêutica necessária para determinar se a ofensa foi

desferida contra o núcleo do direito ou contra os termos do seu

legítimo exercício. Essa complexidade é incompatível com um

controlo exercido por uma pluralidade de operadores jurídicos,

mesmo no contexto de um poder de exame de constitucionalidade

pela Administração. O risco de irromperem interpretaçõessubjetivistas de que decorra a desobediência indevida de órgãos e

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agentes administrativos em relação à aplicação de leis que

considerem inexistentes, bem como do exercício arbitrário do

direito de resistência por parte dos destinatários das normas

quando considerarem que estas enfermam do mesmo desvalor,

importaria a quebra da certeza, estabilidade e previsibilidade na

aplicação e no cumprimento do Direito. A colisão deste alargamentomaterial dos pressupostos da inexistência com o princípio da

segurança jurídica (artigo 2.º CRP) associa-se, concomitantemente,

a uma depreciação dos princípios da separação dos poderes (artigo

111.º) e d reserva constitucional de competências dos órgãos de

soberania (artigo 110.º). Isto porque permitiria deslocar o controlo

da constitucionalidade de atos feridos por um desvalor de

inexistência alargado nos seus pressupostos, para a Administração

Pública e para o legislador, ofendendo-se a regra geral da reserva

 jurisdicional de competência fiscalização de competência de

fiscalização. Ora a banalização da inexistência, não só contrasta coma ideia da sua excecionalidade de pressupostos, acolhida

implicitamente na Constituição, como não parece oferecer, por

contraste com a nulidade, uma utilidade significativa na própria

tutela da certeza na aplicação do Direito e na garantia dos direitos

dos cidadãos. Na verdade, disseminar por uma pluralidade incerta

de interpretes autorizados e frente a pressupostos tão fluidos e

subjetivos, um desvalor que comporta efeitos sancionatórios tão

rigorosos, constitui uma opção que, longe de comportar uma efetiva

utilidade no processo de garantia da Constituição e realização da

Justiça Material, acarreta, ao invés, efeitos potencialmente nocivos

para a segurança jurídica, a equidade e a reserva de fiscalização

 jurisdicional da Constituição. Os hipotéticos benefícios da

inexistência fundada em vícios materiais parecem, assim, ser

inferiores aos seus custos. Daí que, nem para reprimir a violação de

direitos qualificados a inexistência parece conformar um desvalor

adequado em termos de utilidade processual, certeza jurídica e

proporcionalidade.

- um valor negativo esquecido pela Justiça Constitucional: a

prática jurisprudencial relevou que o Tribunal Constitucional

ignorou, de facto, o valor negativo da inexistência, nas suas decisões

de inconstitucionalidade. Mesmo em casos rotundos de preteriçãode requisitos orgânico-formais que a própria Constituição fulmina

expressamente com inexistência entendeu por bem, na sequência

de um entendimento prévio da Comissão Constitucional, admitir a

convolação das assinaturas ministeriais dos decretos-lei, em

referenda ministerial dos mesmos atos. Apesar de ter convocado

em favor da admissibilidade dessa convolação aquilo que seria uma

“praxe”, como tal, não insuscetível de se configurar como um

costume até à entrada em vigor da Lei n.º 67/83, 29 julho, o facto é

que o Tribunal fez uso de um expediente, não inteiramente

convincente, para suster os efeitos devastadores em termos desegurança jurídica que poderiam decorrer da declaração de

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inexistência de enorme massa de diplomas legais aprovados sem

referenda, no referido período. Observa-se, deste modo, que o

Tribunal tem tido uma leitura muito restringente sobre os próprios

pressupostos orgânico-formais da inexistência, sendo muito

improvável que a viesse a aceitar com fundamento em vício

material.- pertinência a adoção de um critério objetivo dos fundamentos

da inexistência: fatores como a consolidação doutrinal dos traços

dominantes da conceção clássica da inexistência; a restringência

que a Constituição da República faz em relação à enunciação dos

casos em que expressamente comina a inexistência como valor

negativo do ato inconstitucional; a opção constitucional pela

invalidade como desvalor dos atos a ela contrários; a radicalidade

dos efeitos sancionatórios do ato inexistente e a insegurança

 jurídica crítica e desnecessária que adviria de uma banalização da

figura, no caso da adoção da tese que admite o instituto em caso devício material; e o esquecimento do desvalor pela Justiça

Constitucional, constituem argumento que nos fazem propender

para a adoção de uma conceção restritiva de inexistência.

Considera-se, em conclusão, ser fundamento dogmático da

inexistência a preterição de requisitos elementares e essenciais de

competência e de forma que a Constituição imponha na tomada de

uma decisão pública, de que resulte, ostensivamente, a

inidentificabilidade desta última como um ato típico.

- introdução aos vícios causadores da inexistência: fora dos

casos expressamente consagrados na Constituição, considera-se

serem deformidades graves causadoras de inexistência jurídica:

- todas as que ostentarem um paralelismo rigoroso com

os casos de inexistência previstos Constituição;

- todas as que, num quadro mais lato de identidade de

razão com os referidos casos, afetarem também de um modo

irremediável, a formação da vontade inerente à génese do ato, a

sua forma e o núcleo institucional da separação de poderes, de tal

modo que se elimine o nexo de imputação do mesmo a um órgão

competente.

No primeiro caso haverá a considerar: a preterição de

atos de controlo de mérito do Presidente da República em relaçãoa tratados que lhe sejam submetidos para ratificação (alínea b) do

artigo 135.º). No segundo caso, teremos: a produção de um ato por

um órgão inexistente ou juridicamente inibido de exercer funções;

a produção fraudulenta de um ato por um falso titular; a ocorrência

de uma manifestação coativa física e grave sobre a vontade

psicológica dos titulares; a preterição grave de elementos da fase

constitutiva de produção do ato que impliquem uma ausência

objetiva de vontade aprovatória pelos titulares do órgão

competente; e a usurpação rotunda de poderes traduzida no

desempenho ostensivo, por parte de um órgão, de funçõesestaduais com eficácia externa que a Constituição lhe não comete.

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Quanto à usurpação de poderes, é certo que existe um largo

assentimento na doutrina constitucional em sancionar com

inexistência jurídica o referido vício. Trata-se de uma orientação que

se acolhe, embora apenas para situações de usurpação de caráter

ostensivo e evidente, casos de manual que, passe o pleonasmo, são

eles próprios virtualmente inexistentes; é o caso de uma lei com oconteúdo de uma sentença, ou de uma sentença judicial que

revogue expressamente um ato constitucional ou legislativo e o

substitua por um regime integralmente diferente. Já em situações

fronteiriças de inconstitucionalidade orgânica que importem

violações menos precisas de domínios materiais reservados a certas

funções estaduais, por atos oriundos de outras funções, a

inidentificabilidade do ato é muito menos objetiva. Seria

proporcionado sancionar com inexistência violações indiretas ou

fronteiriças dessas reservas funcionais? Entende-se que a resposta

é negativa, dado que não existe uma necessária evidência no ato deusurpação, sobretudo quando esse vício decorre de um processo

interpretativo de recorte fronteiriço impreciso, relativamente o

âmbito funcional das reservas materiais cometidas a cada função

estadual. Sintomaticamente, o Tribunal Constitucional tem

reprimido a violação de reservas funcionais dos poderes do Estado,

em sede de invalidade, e não de inexistência, a qual não foi até ao

ano de 2006 declarada uma única vez.

d)  Efeitos jurídicos da sanção da inexistência: sobre os efeitos da

inexistência como sanção de inconstitucionalidade segue-se, na

generalidade, o excurso de Marcelo Rebelo de Sousa sobre a

matéria. Considera-se que uma aparência de ato, dentro da reserva

do possível, não deve produzir qualquer efeito jurídico, seja a título

principal seja, a título reflexo ou indireto. Isto significa que:

a. 

Não procede a imposição do n.º 3 do artigo 282 relativa à

necessidade de a decisão de inconstitucionalidade respeitar

casos julgados que apliquem normas inexistentes (o que

implicará a reabertura de processos e a reforma de decisões

 judiciais);

b. 

Não é aplicável o n.º4 do artigo 282.º que habilita o Tribunal

Constitucional a restringir efeitos do ato, não procedendo a

conservação de algumas dessas consequências por razõesde segurança jurídica, equidade e interesse público do

especial relevo;

c.  O vício do ato aparente é insanável através da prática de

outro ato ou pelo decurso de um prazo, podendo a

inexistência ser declarada a todo o tempo;

d.  A conduta inexistente não deve ser executada pelos órgãos

da administração pública nem aplicada pelos tribunais, do

que deriva a ausência de uma reserva jurisdicional quanto à

declaração deste mesmo desvalor.

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Importa sem prejuízo do exposto, situar o alcance de alguns dos

efeitos aludidos. Entende-se, em primeiro lugar, que a

improdutividade total de efeitos jurídicos se encontra sujeita à

“reserva do possível”. Considera-se, em segundo lugar, que a

inexistência não inibe o imperativo da redução da

inconstitucionalidade, quando a mesma é admissível. Naverdade, em preceitos jurídicos que contenham diversas

normas, a inexistência de algumas não implica a contaminação

das restantes e não ocorrer entre as mesmas uma relação

necessária de dependência ou interdependência, pelo que a

pertinência do princípio do aproveitamento dos atos exclui a

tese da inconstitucionalidade total. Assim, se um preceito

atribuir a órgão administrativo determinada competência

expressa para proferir sentenças e para praticar atos

administrativos, a inexistência reduz-se apenas ao primeiro

comando do preceito. Em terceiro lugar, considera-se que odireito de resistência contra atos inexistentes não é configurado

com um alcance autónomo em relação aos pressupostos deste

direito de necessidade, tal como os mesmos se encontram

definidos no artigo 21.º CRP. Assim os cidadãos têm direito de

resistir contra atos inexistentes ou atos fundados em normas

inexistentes, que ofendam os seus direitos liberdades e

garantias, devendo a mesma inexistência fundar-se em vícios

orgânico-formais. Em quarto lugar, a inexecutoriedade do ato

inexistente pode implicar, como regra geral, o direito de

desobediência dos funcionários e agentes da administração

contra ordem de aplicação dada pelo superior hierárquico.

Finalmente, em quinto e último lugar, considera-se que, se bem

que todos os tribunais possam julgar uma norma jurídica

aparente, como inexistente, não podem, contudo, ofender caso

 julgado do Tribunal Constitucional que se pronuncie, em

sentido diverso, pela sua existência jurídica. Sendo certo que a

doutrina se divide sobre esta questão, o facto é que, acaba por

ser o Tribunal Constitucional, nos termos da Lei Fundamental, o

órgão a quem compete proferir a última palavra sobre um

questão de constitucionalidade, seja em sede de fiscalização

abstrata sucessiva (artigo 282.º, n.º1), seja em termos de julgamento de recursos de decisões judiciais em fiscalização

concreta (artigo 280.º, n.º1). E fá-lo sustentado no pressuposto

competencial e substancial que se trata do «tribunal ao qual

compete especificamente administrar a justiça em matérias de

natureza jurídico-constitucional » (artigo 221.º CRP). No

universo da fiscalização concreta, o facto de o artigo 204.º CRP

determinar que nos feitos submetidos a julgamento, os

tribunais comuns não podem aplicar normas que estimem como

inconstitucionais, não significa que o seu julgamento no sentido

da inconstitucionalidade não possa ser revogado pelo TribunalConstitucional, como consequência de decisão de provimento a

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recurso interposto da decisão da desaplicação proferida pelo

Tribunal a quo, nos termos do artigo 280.º, n.º1, alínea a). Ora,

se o Tribunal Constitucional, como jurisdição especializada no

controlo de constitucionalidade e última instância de recurso no

 julgamento de decisões positivas ou negativas de

inconstitucionalidade, profere decisões que fazem caso julgadomaterial e formal quanto à questão de inconstitucionalidade

suscitada (artigo 80.º, n.º1 LTC), parece evidente que, qualquer

ulterior decisão judicial proferida no mesmo processo que

ofenda o mesmo caso julgado é irremediavelmente nula. Não

existe, assim, fundamento material para que um julgamento

sobre a não desconformidade da norma com a Constituição em

sede do Tribunal Constitucional seja legitimamente desacatado

por um tribunal a quo que entenda por bem recorrer a instituto

da inexistência para se auto-investir, à margem da Constituição

e da lei, em instituição competente para proferir a últimapalavra sobre a questão de inconstitucionalidade. A

competência dos órgãos de soberania é, de acordo com o artigo

110.º, n.º2, a definida na Constituição, a qual não autoriza

inversões de hierarquia jurisdicional nos julgamentos de

inconstitucionalidade, em razão do regime agravado de certos

desvalores. Ademais, a particular gravidade dos efeitos

sancionatórios de um desvalor como a inexistência postula que

se faça caso julgado sobre a questão, em sede de jurisdição

especializada que a Constituição criou para o efeito. A mesma

ordem de razões prevalece em relação a uma situação em eu o

Tribunal Constitucional julgasse uma norma inconstitucional em

sede do desvalor de invalidade, restringindo, contudo, os

efeitos sancionatórios por razões de segurança jurídica, de

forma a salvaguardar certas situações fática e juridicamente

consolidadas; e em que o tribunal a quo viesse a considerar ex

novo, ou mantendo o sentido da decisão recorrida, que a

inconstitucionalidade em causa seria geradora não de

invalidade, mas de inexistência, do que decorreria a

impossibilidade de salvaguarda de quaisquer consequências

 jurídicas produzidas pela norma inconstitucional. Na verdade,

se a decisão do Tribunal Constitucional faz caso julgado emrelação à questão de constitucionalidade suscitada no processo,

por maioria de razão o fará ao regime de desvalor do ato

inconstitucional e aos respetivos efeitos. Valia aqui a regra do

artigo 80.º, n.º3 LTC, segundo o qual, o tribunal a quo se

encontra vinculado à interpretação sufragada pelo Tribunal

como fundamento da sua decisão de recusa de aplicação da

norma inconstitucional, bem como da determinação de efeitos

sancionatórios daí derivada. Importa ainda sublinhar que uma

solução diversa violaria gravemente o princípio constitucional

da segurança jurídica. Isto porque, em caso de divergência de julgados, conduziria a que situações idênticas fossem tratadas

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de forma diversa pelos diversos tribunais, já que, enquanto uns

se pronunciaram pela inexistência do ato, outros se

pronunciaram pela invalidade com restrição de efeitos, de

acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional. Tratar-

se-ia de uma situação anárquica, em que a inexistência

funcionaria como um míssil sem controlo, com consequênciasagravadas pelo facto de, a atentar na doutrina que defende o

cometimento desse poder aos tribunais comuns, não proceder

uma uniformização de julgados em sede da jurisprudência do

Tribunal Constitucional. O “direito de desobediência” dos

tribunais comuns em relação às decisões de

inconstitucionalidade proferidas pelo Tribunal Constitucional

quando estivesse em causa a inexistência jurídica, para além de

desvalorizar e reduzir as competências que a Constituição

comete ao mesmo Tribunal, geraria situações caóticas e

irresolúveis em termos de uniformização de jurisprudência, nãosó incompatíveis com a certeza do Direito, mas também com o

princípio da igualdade. As consequências seriam devastadoras

para os destinatários das normas.

2.º  A invalidade:

Noção: podemos definir invalidade de um ato inconstitucional como a sua

inaptidão para produzir a totalidade das consequências jurídicas que tipicamente lhe

corresponderiam se o mesmo se mostrasse conforme a Constituição.

a)  Atributos da invalidade no Direito português:

a. 

Um valor negativo que predica a sanção de atosinconstitucionais existentes e publicados: a invalidade recai

necessariamente sobre atos juridicamente existentes. Isto,

porque os mesmos atos, pese os vícios de que padecem,

devem reunir os requisitos constitucionais necessários para

a sua identificabilidade e imputação à vontade funcional de

um órgão. Estamos, assim, perante um desvalor orientado

para a repressão de condutas inconstitucionais suscetíveis

de identificação como atos jurídicos-públicos típicos. A

fiscalização preventiva da constitucionalidade (artigos 278.º

e 279.º CRP), pelo facto de se exercer sobre atos jurídicosem período anterior à sua promulgação, ratificação ou

assinatura, exerce-se sobre atos em projeto, que ainda não

ganharam existência jurídica como condutas típicas do

poder político. Daí que, em caso de pronúncia pela

inconstitucionalidade, seguida de veto não superado, a

sanção do diploma inconstitucional não seja a invalidade,

mas sim a preclusão da sua existência jurídica. Na ordem

constitucional portuguesa, o controlo jurisdicional do ato

inconstitucional inválido implica que este se encontre

plenamente introduzido na ordem jurídica, ou seja, deve serum ato que, para lá de existente, deve, igualmente,

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encontrar-se publicado. A publicação significa que o ato se

encontra, de acordo com Constituição, em condições para

produzir a respetiva eficácia. No que concerne à fiscalização

abstrata sucessiva (artigos 281.º e 282.º) esta incide sobre

normas publicadas, embora não necessariamente eficazes,

podendo o pedido de fiscalização ser formulado ainda nodecurso da vacatio legis. Quando o n.º1 do artigo 282.º

refere que a declaração de inconstitucionalidade produz

efeitos desde a entrada em vigor da norma inconstitucional,

não preclude que os momentos de impugnação do ato e da

declaração com força obrigatória geral ocorram ainda no

tempo da vacatio. Entende-se, de qualquer forma, que

neste último caso, os efeitos da declaração reportam a sua

consequencialidade sancionatória efetiva à data em que o

ato entre efetivamente em vigor, eliminando

preclusivamente, à nascença, as suas potenciaisconsequências jurídicas. É pelo detido exame à norma,

realizado desde a sua publicação até à sua efetiva entrada

em vigor, que se detetam inconstitucionalidades ocultas

(dificilmente observáveis em sede de uma fiscalização

preventiva sujeita a prazos curtos de interposição de ação

de fiscalização), bem como vícios de mérito. Uma e outra

realidade podem justificar, respetivamente, a eliminação

ou a alteração de certos preceitos, antes mesmo da norma

entrar em vigor, de modo a evitar-se que esta última

produza os seus efeitos no ordenamento, num status 

imperfeito ou inadequado. Trata-se, assim, por razões

conjunturais, de um efeito sancionatório preventivo

contido, a título eventual, no regime de fiscalização

sucessiva. Já no que tange à fiscalização concreta (artigo

280.º), como a mesma incide sobre normas aplicadas pelos

tribunais a situações singulares, considera-se que as

mesmas normas, para além de publicadas, devem

igualmente ser plenamente eficazes.

b. 

Um devalor-regra estipulado no ordenamento português

 para os atos inconstitucionais: a Constituição de 1976

consagra no artigo 3.º, n.º3.º, a invalidade como valornegativo vocacionado para a depreciação da generalidade

dos atos contrários à Constituição. A ideia de invalidade

como desvalor-referencial pode colher-se, também, na

especialidade, através do facto de a sanção que a serve, em

sede de fiscalização abstrata sucessiva (artigo 282.º), ser a

nulidade, instituto sancionatório típico dos atos inválidos. E

na fiscalização concreta, independentemente do facto de se

poder julgar a desaplicação do ato inconstitucional no caso

singular, quer em sede de nulidade quer de ineficácia,

ambas as sanções podem integrar-se no hemisfériodogmático das invalidades. Como exceção, a Constituição

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das tarefas mais espinhosas e até desconcertantes da dogmática

constitucional. Isto, em primeiro lugar, porque nem a Constituição

nem a Lei do Tribunal Constitucional optaram em Portugal por

qualificar as sanções aplicadas ao ato inconstitucional, seja em

fiscalização abstrata, seja em fiscalização concreta. Semelhante

circunstância projetou, bem ou mal, a sua dilucidação para uuniverso doutrinário no qual se digladiam pré compreensões muito

díspares sobre a mesma questão. A jurisprudência furtou-se,

cautamente, a tão perturbadora requesta. Em segundo lugar, existe

uma tendência inelutável para adaptar aos institutos de Direito

Constitucional a panóplia de desvalores e de sanções oriundas do

Direito Administrativo e do Direito Civil, operação que apenas

parcialmente se revela satisfatória, já que os regimes sancionatórios

constitucionais nem sempre coincidem com os que se encontram

previstos naqueles ramos do Direito. Assim, quer o regime da

nulidade (artigo 134.º CPA) quer o da anulabilidade (artigo 136.ºCPA), como sanções do ato administrativo inválido, não se aplicam

integralmente ao regime sancionatório previsto no artigo 282.º CRP

para o ato normativo inválido com fundamento em

inconstitucionalidade. No âmbito dos regulamentos administrativos

inválidos, estes já foram e continuam a ser objeto de sanções de

natureza diversa. A invalidade regulamentar foi, ao longo das

diversas reformas do contencioso administrativo, servida por

sanções diversas, na base de critérios de ordem processual 57. O

esforço dogmático de qualificação das sanções do ato inválido é,

assim, desafiado por escolhos referenciais e compreensivos

diversos que criam na doutrina posições radicalmente antagónicas

sobre o problema. Posições que constituem um fator superlativo, e

por vezes barroco, de perturbação do imperativo, esse sim decisivo,

de clarificação do regime dos efeitos da inconstitucionalidade no

Direito positivo. Não tendo tido particular êxito a tentativa de criar

uma invalidade mista dotado de uma designação original de

batismo é, assim, compreensível a distância guardada pela

57 Na reforma de 1985/1984 manteve-se, em termos gerais, o regime do período anterior,

determinando, então, que uma norma administrativa declarada ilegal com força obrigatória geral veriasalvaguardados os seus efeitos passados, salvo decisão em contrário do tribunal competente, fundadaem razões de segurança jurídica, equidade e interesse público de excecional relevo. Tratava-se dasubsistência, com alterações, do velho regime crismado por Marcello Caetano de “nulidade radical” masque Viera de Andrade considerou ser um “regime misto de nulidade e anulabilidade”. Posteriormente,na reforma de 2002, entrada em vigor em 2004, foram estabelecidos dois regimes impugnatórios, noâmbito processual da “ação administrativa especial”, portadores de sanções distintas. Por um ladoinstitui-se o pedido de declaração da ilegalidade regulamentar, em abstrato, traduzido na eliminação danorma inválida com efeitos ex tunc, em termos próximos ao regime instituído no artigo 282.º CRP, semprejuízo da salvaguarda dos atos tornados impugnáveis. Trata-se de uma sanção que é qualificada peladoutrina como “nulidade”. Por outro lado, o pedido de declaração de ilegalidade de normasadministrativas, em concreto, por via principal, a qual se reduz, tão só, à não aplicação do regulamento

ilegal no caso sub iuditio continuando a mesma norma, todavia, a vigorar no ordenamento. Trata-se deuma desaplicação que a doutrina faz contrastar com a sanção de nulidade ipso iure que implica aeliminação da norma do ordenamento.

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 jurisprudência constitucional em relação a um envolvimento no

espinhoso debate sobre a qualificação das referidas sanções. Em

terceiro lugar, a propósito dos paradigmas de Direito Público

observa-se, seja na doutrina estrangeira, seja na portuguesa, que a

própria teoria dos desvalores do ato administrativo experimenta há

muito uma sensível controvérsia. Embora, presentemente,pontifique no Direito Administrativo a distinção entre inexistência,

nulidade e anulabilidade, a doutrina mais moderna tende a

relativizar as diferenças entre o segundo e o terceiro institutos.

Assim, algumas construções 58  consideram que a “nulidade ipso

 jure”, o seu caráter imprescritível e a sua eficácia ex tunc  seriam

«autênticas pretensões míticas», conceitos mais ideais do que reais

que teriam prejudicado a elaboração de uma «construção sensata».

A mesma corrente exemplifica situações em que a jurisprudência,

em face de factos já consumados e irreversíveis, salvaguarda certas

situações jurídicas de uma eliminação que a aplicação pura e durada sanção de nulidade postularia. Em quarto lugar, a

inconstitucionalidade declarada com força obrigatória geral por um

Tribunal Constitucional é sancionada de modo diversiforme por esse

órgão de justiça, de ordenamento para ordenamento. Na maioria

das ordens jurídicas que introduziram a fiscalização abstrata

sucessiva , prevê-se uma sanção declarativa da

inconstitucionalidade que destrói, não apenas o ato

originariamente inconstitucional, mas também os efeitos que o

mesmo produziu desde a sua entrada em vigor (Alemanha, Itália,

Espanha, Brasil e Portugal). Noutros, a decisão jurisdicional é

constitutiva da inconstitucionalidade, e produz efeitos ex nunc,

limitando-se a fulminar o ato, deixando, por regra, intactos, os

efeitos que anteriormente produziu (Áustria). Por outro lado,

mesmo no primeiro grupo de ordens constitucionais, no qual

pontifica no Direito positivo ou na doutrina dominante a preferência

pelo regime da nulidade do ato inconstitucional, existem sensíveis

dissemelhanças sobre os efeitos da mesma nulidade. Na verdade, o

poder concedido ao Tribunal Constitucional para restringir os

efeitos sancionatórios da norma inconstitucional a situações

passadas é muito mais expressivo na Alemanha ou na Itália, do que

no Brasil. Do exposto, importa formular duas breves consideraçõesque não deixarão de condicionar necessariamente o nosso

entendimento, sobre o regime sancionatório da invalidade do ato

inconstitucional.

a.  Tal como alguém escreveu, as categorias jurídicas só

revestem interesse quando das mesmas se torna possível

extrair consequências distintas, sob pena de nos

encontrarmos perante um mero exercício de estilismo

 jurídico, apartado da realidade e dos fins últimos do Direito.

58 Santamaria Pastor, “La Nulidad de Pleno Derecho de Los atos Administrativos. Contribuición a unaTeoria de la Ineficácia en el Derecho Publico”, Madrid, 1975. 

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consequência, ao artigo 282.º), que a norma +e

objeto de uma impugnação em via direta,

independentemente da sua aplicação a casos

singulares. Ora, da lógica inerente a uma decisão de

invalidade (artigo 3.º, n.º3 CRP) que recai sobre um

ato, não pode senão resultar a eliminação ouexpulsão do mesmo do ordenamento jurídico. Dado

que o artigo 282.º, n.º1 reporta retroativamente os

efeitos da decisão, até à data da entrada em vigor

da norma, depreende-se implicitamente que a data

a partir da qual se projetam os referidos efeitos é a

data da publicação da declaração de

inconstitucionalidade, a qual assinala,

concomitantemente, o termo imediato da presença

do ato normativo inválido, na ordem jurídica;

ii. 

Eliminação retroativa dos efeitos produzidos pelanorma inconstitucional entre a data da declaração

e a data da sua entrada em vigor : a eliminação

abstrata da norma inconstitucional implica a

destruição das consequências jurídicas que a

mesma produziu desde a sua origem, o que inclui os

atos e negócios jurídicos praticados ou celebrados

no seu respeito;

iii.  Ressalva dos casos julgados relativamente aos

efeitos retroativos da declaração: excetua-se,

contudo, como regra, em nome da segurança

 jurídica inerente ao imperativo do termo

conclusivo da “luta pelo Direito”, a ressalva das

sentenças transitadas em julgado que tenham

confirmado a aplicação da norma inconstitucional a

certas situações concretas. Esta ressalva, prevista

no n.º3 do artigo 282.º CRP, é tida pelo Tribunal

Constitucional como um critério “equiparável ao

princípio da conformidade à Constituição dos atos

 jurídico-públicos plasmado no artigo 3.º” CRP.

Como exceção à ressalva surgem os casos julgados

em matéria pelam, disciplinar e de mera ordenaçãosocial que o Tribunal Constitucional pode transpor,

se a lei represtinada for mais favorável ao arguido

do que a norma inconstitucional envolvida pela

decisão transitada em julgado;

iv.  Represtinação do Direito revogado pela norma

 julgada inconstitucional : é uma decorrência da

eliminação retroativa dos efeitos da norma

inconstitucional e implica a reposição da situação

normativa que vigorava antes daquela norma ter

iniciado a sua vigência. A revivescência automáticada normação revogada peloa ato inconstitucional

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logra, igualmente, preencher uma lacuna que

ocorreria se este mesmo ato fosse eliminado sem

substituição;

v. 

Força obrigatória geral da declaração:

contrariamente ao que defende certa doutrina

influenciada pela ordem jurídica germânica, aexpressão força obrigatória geral não é assimilável

ao conceito de “força de lei”. Enquanto a decisão

tomada com força de lei põe termo à eficácia de um

ato normativo (em regra com efeitos ex nunc), mas

permite a sua subsistência no ordenamento em

termos que permitem a sua ulterior revivescência

(artigo 7.º, n.º4 CC e artigo 282.º, n.º1 CRP), já a

decisão de inconstitucionalidade do ordenamento,

em princípio com efeitos ex tunc, e sem

possibilidade de revivescência. Enquanto um atocom força de lei, embora afete a eficácia de um ato

legal preexistente, pode ser ele próprio afetado por

outro ato sucessivo portador da mesma força, uma

decisão com força obrigatória geral não é suscetível

de ser questionada por decisão posterior, já que

tem força plena de caso julgado formal. Finalmente,

e em decorrência da asserção anterior, enquanto a

decisão tomada com força de lei não pode ser

imperativa, a decisão tomada com força obrigatória

geral tem força de caso julgado material e obriga

erga omnes, vinculando quanto ao seu acatamento,

autoridades públicas e sujeitos privados. É essa

força que ampara, como braço secular, a

intensidade do regime sancionatório do ato

inválido no processo de fiscalização abstrato

sucessivo. Considera-se que são estas

características que funcionam como pressupostos

necessários de definição da categoria de sanção

adotada, pelo que a representação de outros

efeitos eventuais desse regime, devem ser tida, a

título secundário, como uma consequência lateralda adoção dessa mesma categoria.

b.  Conceções doutrinárias sobre o tipo de sanção aplicável ao

ato inconstitucional declarado inválido por decisão com

eficácia erga omnes: a grande maioria da doutrina

 jusconstitucionalista pronunciou-se decidiamente em favor

da nulidade, como sanção do ato inconstitucional declarado

com força obrigatória geral. Assim, Gomes Canotilho e Vital

Moreira consideram que a declaração de

inconstitucionalidade originária de uma norma equivale à

sua declaração de nulidade. No seu entender, essas normasnão seriam meramente anuláveis, pois estariam feridas de

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nulidade desde a sua entrada em vigor. Os autores

fundamentam esse raciocínio partindo do argumento,

segundo o qual invalidade operaria ipso iure: a sentença não

anularia constitutivamente a norma inválida, limitando-se a

declarar uma inconstitucionalidade que teria sido gerada

desde a origem da norma. Jorge Miranda fala, por seu turno,numa nulidade sui generis. Nulidade em razão da retroação

de efeitos da decisão, do regime repristinatório, da suposta

natureza de efeitos da decisão e da obrigação de

acatamento erga omnes dessa mesma decisão. Sui generis

em razão do imperativo da ressalva dos casos julgados e da

possibilidade de os efeitos retroativos da decisão poderem

ser restringidos pelo Tribunal Constitucional. Considera,

contudo, sobre o alcance desta mesma restrição, que a

mesma implicaria um fenómeno (alargado) de putatividade

no quadro da tutela de expectativas legitimas, situação queocorreria igualmente com o regime da nulidade noutros

ramos do Direito, e que, no caso específico do artigo 282.º

CRP, serviria para atenuar o valor negativo, mas não para

alterar qualitativamente a sua natureza. Marcelo Rebelo de

Sousa desenvolveu uma extensa argumentação em favor da

tese da nulidade atípica. Assim, características

fundamentais da nulidade, para além da predominância de

interesses públicos na tutela da constitucionalidade, seriam

a imediatividade, insanabilidade, redutividade,

incaducabilidade, absolutidade, necessidade de declaração

 jurisdicional, caráter declarativo da intervenção judicial no

tocante à apreciação da inconstitucionalidade e

oficiosidade. Todos se encontrariam presentes no regime

do artigo 282.º. Como principais atributos não típicos do

mesmo regime destacar-se-ia o respeito pelo caso julgado,

a salvaguarda de efeitos produzidos nos termos do artigo

282.º, n.º4 e a eficácia erga omnes  da decisão de

inconstitucionalidade. Posição diversa era originariamente

assumida por Rui Medeiros. Este autor considerava anulável

a lei declarada inconstitucional com força obrigatória geral,

 já que, segundo o seu controverso entendimento:i.   A norma inválida seria obrigatória para os

 particulares até à declaração da sua

inconstitucionalidade, produzindo ab initio os

efeitos de Direito que lhe corresponderiam,

realidade que se afastaria da característica da

nulidade traduzida na improdutividade total de

efeitos do ato desde o seu início de vigência; 

ii.  A norma inválida seria precariamente eficaz, sem

prejuízo dessa eficácia poder ser destruída

retroativamente, constituindo essa retroação deconsequencialidade sancionatória, uma

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característica da anulabilidade, e, tendo em conta

que eliminaria a assinalada eficácia precária teria

natureza constitutiva;

iii. 

Enquanto o ato nulo nunca poderia produzir efeitos

principais, o ato anulável poderia ver sanados ou

convalidados com efeitos primários, constituindo asalvaguarda dos casos julgados e a restrição dos

efeitos da decisão de inconstitucionalidade,

exemplos claros de preservação de consequências

 jurídicas de natureza principal, produzidas pelo ato

inconstitucional.

Posteriormente Rui Medeiros abandonou a posição

acabada de descrever, sufragando, com reservas, a

tese da nulidade, mormente em razão do critério do

interesse público dominante que, de acordo com a

construção de Marcelo Rebelo de Sousa, pressuporia

o regime declaração da inconstitucionalidade da

norma com força obrigatória geral. Reservas gerais,

porque persiste em manter a ideia de que a

retroatividade sancionatória conforma uma

característica própria da anulabilidade, ocorrendo

com a nulidade apenas em termos que qualifica como

extremamente impróprios. Reservas específicas,

ainda, porque no seu entender o Tribunal

Constitucional poderia diferir para o futuro efeitos

das sentenças, ao abrigo do n.º4 do artigo 282.º CRP,conformando este prolongamento de eficácia do ato

inconstitucional, um quadro de anulabilidade e não

de nulidade, a qual operaria ipso iure. De assinalar,

ainda, o entendimento de Vitalino Canas que mostra

alguma simpatia por uma construção inspirada em

Liebmann e Zagrabelski, a qual supõe a decomposição

do juízo de invalidade com força obrigatória geral, em

dois segmentos: a declaração de

inconstitucionalidade, que teria efeitos declarativos;

e a fixação através da sentença, dos efeitos da decisão,que seriam constitutivos já que os mesmos poderiam

assumir caráter variável. Se a nulidade se firma como

o tipo sancionatório subjacente ao regime previsto no

artigo 282.º, não seria o inexoravelmente, pois, se por

exemplo, o Tribunal viesse a restringir os efeitos da

decisão de inconstitucionalidade, determinando-lhes,

uma eficácia ex nunc por razões de segurança jurídica,

convalidaria ou sanaria as consequências jurídicas

passadas do ato inválido, aproximando-se a referida

sanção do regime da anulabilidade.

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c.  Posição adotada: a nulidade do ato inconstitucional : existe,

presentemente, na doutrina um largo consenso em favor da

nulidade, como sanção ou forma do desvalor da norma

declarada inconstitucional com força obrigatória geral. No

nosso entendimento, o referido consenso merece ser

sufragado porque, de acordo com um critério estrutural ascaracterísticas-regra assinadas pelo artigo 282.º ao ato

inconstitucional ostentam mais semelhanças relevantes

com o regime clássico da nulidade, do que com o regime da

anulabilidade, em ramos de Direito Público como o Direito

Administrativo59. No que respeita à inconstitucionalidade

originária, sendo a nulidade a sanção que reprime os ato

normativos declarados inconstitucionais com força

obrigatória geral, importa todavia clarificar que o seu

regime próprio, no universo do Direito Constitucional,

importa a expressão de efeitos portadores de umaintensidade repressiva variável. Na elasticidade apreciável

dessa variabilidade repressiva poderá ser decantada a sua

natureza singular, ou se se quiser, a sua atipicidade. Assim,

pode falar-se em nulidade com efeitos absolutos, quando se

estiver perante uma reação da ordem jurídica contra norma

declarada originariamente inconstitucional, com os estritos

efeitos previstos no n.º1 e na primeira parte do n.º3 do

artigo 282.º CRP. Estes consistem na eliminação tanto da

referida norma comodas consequências jurídicas que esta

produziu desde a sua entrada em vigor, com salvaguarda

dos casos julgados que lhe tenham dado aplicação. É uma

sanção que opera ope constitutione  de tal modo que o

Tribunal Constitucional se limita a declarar essa mesma

nulidade. No que concerne à salvaguarda dos casos julgados,

embora certa doutrina os considere um elemento atípico da

nulidade, julgamos, pela nossa parte, que se conforma

como uma característica própria do regime da invalidade

das normas jurídicas na ordem constitucional e legal de

1976, aplicável seja no presente quadro sancionatório da

nulidade (declaração da inconstitucionalidade de leis e da

ilegalidade de regulamentos, com força obrigatória geral ),seja no da invalidade mista que, na reforma do contencioso

administrativo de 1985 atingia os regulamentos declarados

ilegais com eficácia erga omnes. Falar-se-á em nulidade com

efeitos relativos, quando o Tribunal Constitucional declarar

a inconstitucionalidade originária de uma norma,

restringindo todavia a plenitude dos efeitos sancionatórios

previstos no artigo 282.º, n.º1 e fundamentando essa

restrição nos pressupostos definidos no n.º4 do mesmo

preceito. E quando à luz do Acórdão n.º 32/2002 o Tribunal

59 Ver páginas 229 a 234 do Tomo I

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salvaguarda o ato administrativo decidido equiparando-o

(indevidamente) ao caso julgado. Os efeitos relativos

significam uma atenuação da intensidade sancionatória que

o ordenamento estipula, como regra, para a

inconstitucionalidade originária, preservando-se de uma

potencial destruição uma pluralidade de atos, negócios esituações jurídicas e fáticas. Trata-se de uma expressão que

não é sinónimo de anulabilidade (frequentemente

conhecida como nulidade relativa) mas sim de atenuação,

com eficácia variável, da potência negativa quase-plena

inerente à nulidade com efeitos absolutos, que a

Constituição erige a sanção-regra. No contexto dos

fundamentos do n.º4 do artigo 282.º, a determinação

desses efeitos relativos depende do que for disposto a seu

respeito pelo Tribunal Constitucional através de sentença

fundamentada, a qual poderá imunizar da eliminaçãoretroativa uma parte ou todos os atos ou factos passados

regidos pela norma inconstitucional. Já no tocante à

salvaguarda do caso decidido administrativo, a sua

preservação seria automática. Já no âmbito do n.º2 do

artigo 282.º, no que respeita à inconstitucionalidade

superveniente, os efeitos da nulidade operam ope

constitutione, por razões lógicas, sendo eliminados

retroativamente apenas os efeitos da norma

inconstitucional produzidos entre a data da declaração e a

data da colisão entre a mesma norma e o parâmetro

constitucional que com ela entrou em distonia. Trata-se de

uma modalidade de nulidade com efeitos relativos,

determinados diretamente pela Lei Fundamental,

distinguindo-se, portanto, da modalidade anteriormente

examinada, em que os efeitos relativos decorrem da

decisão manipulativa do Tribunal. Ainda assim, podem as

duas situações cumular-se, se o Tribunal Constitucional,

decidir eliminar a própria retroatividade limitada da sanção

de inconstitucionalidade superveniente, de acordo com os

fundamentos expressos no artigo 282.º, n.º4.

c) 

Sinopse sobre as características da nulidade do ato declaradoinconstitucional com força obrigatória: seguir-se-á nesta rúbrica,

embora num ângulo autónomo de análise, algumas das

características dominantes que são assinaladas à nulidade, pela

doutrina que mais detidamente tratou o valor negativo do ato

inconstitucional. Observêmo-las:

a.  Imediatividade: significa que a nulidade se verifica desde o

momento da prática do ato inconstitucional, operando ispo

iure. Tem como consequência que a invalidade se constitui

desde a colisão do ato inconstitucional com a Lei

Fundamental, revestindo a decisão deinconstitucionalidade com força obrigatória geral, caráter

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declarativo e não constitutivo da nulidade. Tem igualmente

como consequência, a repristinação do Direito revogado

pela norma inconstitucional, bem como a retroatividade

dos efeitos sancionatórios resultantes da declaração, dado

que, suprimida a mesma norma do ordenamento, se

entende que todos os efeitos que produziu desde a suaorigem devem ser também eliminados. Excetuam-se desta

eliminação os casos julgados, os quais, em razão de

imperativos de segurança jurídica, tutelados

imperativamente na Constituição, devem ser sempre

imunizados aos efeitos ex tunc da declaração, sem prejuízo

do disposto na segunda parte do n.º3 do artigo 282.º. O

respeito pela firmeza do caso julgado é também uma

característica do regime da nulidade dos regulamentos

declarados ilegais com força obrigatória em Direito

Administrativo, não se configurando como um elemento desingularidade ou atipicidade da nulidade de atos

normativos em Direito Constitucional. Ademais, acaba por

ser um dos poucos elementos relevantes que permite

distinguir a inconstitucionalidade com efeitos absolutos, da

declaração de inexistência de uma norma aparente, por

parte do Tribunal Constitucional. Exceção ao critério puro

da imediatividade, e que conforma um elemento forte de

singularidade ou atipicidade da sanção em estudo, é a

restrição de efeitos sancionatórios, nos termos do artigo

282.º, n.º4, a que já se fez precedentemente alusão e que

relativiza ou atenua a potência negativa da nulidade;

b.  Insanabilidade: se a nulidade do ato opera ipso iure desde a

sua origem (ou desde a verificação da colisão com o

parâmetro constitucional, em caso de inconstitucionalidade

superveniente), não se verifica a possibilidade de

convalidação do ato nulo, nem pelo decurso de um praxo

para a sua impugnação (incaducabilidade da ação de

inconstitucionalidade), nem pela verificação de um facto,

nem ainda pela prática de um ato (inconvertibilidade do ato

inválido). Existem certas condutas do poder político que

podem, por antecipação, esvaziar de sentido a declaraçãode nulidade. Diversamente do que sucede em Direito

Administrativo, existe sempre o risco de o legislador

revogar uma norma legal nula e de o fazer, mesmo,

retroativamente, até ao momento da sua entrada em vigor,

esvaziando o sentido ou o interesse processual de uma

declaração de nulidade da mesma norma, com força

obrigatória geral. De todo o modo, se o legislador, através

de semelhante operação revogatória com efeito ex tunc (e

presumivelmente operada na observância do princípio da

tutela da confiança), imunizasse certos factos ou relações jurídicas, relativamente aos efeitos da referida revogação,

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não subtrairia necessariamente interesse processual a uma

eventual impugnação da norma assim revogada junto do

Tribunal Constitucional;

c. 

Necessidade de declaração jurisdicional: trata-se de outra

característica da nulidade que atinge os dos atos

normativos inconstitucionais. Analogamente ao que sucedecom a declaração da ilegalidade de regulamentos, ou com a

declaração de anulabilidade de atos administrativos, mas

diversamente do que ocorre com a inexistência de

quaisquer atos jurídicos e com a nulidade de atos

administrativos, a nulidade da norma inconstitucional

carece de ser declarada, com força obrigatória, por uma

 jurisdição especialmente criada para o efeito, que é o

Tribunal Constitucional. Tal como vimos, a decisão simples

de inconstitucionalidade produz efeitos declarativos da

nulidade, a qual se constitui no momento da colisão do atonormativo com a Constituição. Isto, sem prejuízo dos

efeitos restringentes da decisão, nos termos do n.º4 do

artigo 282.º, assumirem não uma natureza declarativa mas

sim caráter constitutivo;

d.  Força obrigatória geral da declaração: tal como sucede com

os regulamentos administrativos abstratamente

impugnados em sede de contencioso administrativo, as

decisões do Tribunal Constitucional que declaram a

inconstitucionalidade de normas em fiscalização abstrata

sucessiva são portadoras de força obrigatória geral. Trata-

se de uma eficácia erga omnes, que, por razões de

segurança jurídica traduzidas num imperativo categórico e

determinar o acatamento geral do julgado, se impõe a todas

as autoridades e aos particulares. Semelhante

imperatividade só vincula em relação à

inconstitucionalidade declarada, e não em relação a

segmentos aditivos das sentenças, como injunções,

recomendações e preenchimento de lacunas;

d)  A privação da eficácia como sanção da invalidade do ato

inconstitucional em processo de fiscalização sucessiva concreta:

a. 

 Apreciação crítica da tese da nulidade do atoinconstitucional no âmbito do controlo concreto: depois da

entrada em vigor da Constituição de 1976, a maioria da

doutrina que se debruça sobre o desvalor do ato

inconstitucional em processo de fiscalização concreta, ou se

pronuncia em favor da invalidade sancionada com nulidade,

ou evita tomar uma posição clara sobre a matéria. Ainda

assim, não abundou até 2005 a argumentação aduzida em

favor dessa solução, que tende a quedar-se na doutrina,

mais por inércia ou falta de debate, do que pela

sugestividade da solução adotada. Pese o facto dedefendermos uma posição diversa, não consideramos que

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a subsistência da tese da nulidade concreta constitua uma

questão essencial, dado que o que importa fixar é o regime

sancionatório positivo do ato julgado inconstitucional num

caso singular, e este é virtualmente idêntico, quer se adote

a tese da invalidade-nulidade, ou da invalidade ineficácia. E

neste sentido, as nossas objeções à tese da nulidade atípicarevestem uma natureza puramente académica, já que a

subsistência da mesma tese não levanta no ordenamento,

problemas de ordem fundamental. A tese da nulidade na

fiscalização concreta confronta-se co alguns argumentos

hipotéticos de ordem adversa, que importa sumarizar:

i. 

 A sanção do ato inconstitucional inválido consiste

no tipo ou forma de reação que, no plano jurídico-

 positivo, a Constituição estipula para o mesmo ato.

Ora, tal como admite a generalidade da doutrina, a

Constituição é parca sobre os efeitos relativos auma decisão de inconstitucionalidade em

fiscalização concreta. O texto constitucional fala, no

seu artigo 280.º, na recusa de aplicação de norma

inconstitucional por parte dos tribunais. Por seu

turno, o artigo 80.º da LTC reporta-se ao efeito de

caso julgado formal e material de uma decisão do

Tribunal Constitucional que julgue inconstitucional

uma dada norma, efeito que se circunscreve ao

processo onde a questão de constitucionalidade foi

suscitada. Num e noutro caso, estamos perante um

ato jurisdicional portador de uma sanção traduzida

na desaplicação de uma norma inconstitucional,

com eficácia inter partes;

ii. 

 A norma julgada inconstitucional e como tal

desaplicada num determinado processo continua,

todavia, a produzir efeitos nas restantes situações

 jurídicas, podendo inclusivamente ser julgada

conforme à Constituição por outras jurisdições,

nelas incluindo o Tribunal Constitucional em caso de

alteração de posição jurisprudencial ou de

divergência de julgados entre secções. Se assim é,parece pouco verosímil assinar a nulidade para a

norma julgada inconstitucional num caso concreto.

Na verdade, a norma não é a se eliminada, nem são

retroativamente eliminadas todas as suas

consequências jurídicas já ocorridas, já que, pese o

 juízo concreto de inconstitucionalidade, se a

mesma norma tiver caráter geral e abstrato,

continua a subsistir no ordenamento jurídico,

aplicando-se a uma pluralidade indeterminada de

factos passados, bem como a uma pluralidade desituações futuras. Por outro lado, não se vê como

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uma norma geral julgada inconstitucional num caso

concreto por uma secção do Tribunal Constitucional,

e não julgada inconstitucional noutro caso por

secção diversa (e por outras jurisdições de tipo

comum), possa ser considerada nula ipso iure,

através de uma intervenção jurisdicional, pautadapor uma decisão dotada de efeitos puramente

declarativos da invalidade;

iii. 

Não se pode falar, finalmente, numa rigorosa

incaduvabilidade da ação impugnatória da norma

inconstitucional . É certo que, ex officio, os tribunais

podem a todo o tempo julgar uma dada norma

inconstitucional, cabendo desta decisão recurso

direto do Ministério Público para o Tribunal

Constitucional. Mas não é menos certo que a

inconstitucionalidade se afere num processoconcreto e incidental, com efeitos inter partes,

verificando-se, de acordo com a LTC, que as

mesmas partes e o Ministério Público só podem

recorrer para o Tribunal Constitucional se tiverem

suscitado a questão da inconstitucionalidade da

norma durante o processo (artigo 72.º, n.º2), tendo

igualmente um prazo de 10 dias para recorrer

(artigo 75.º, n.º1) findo o qual, o recurso que

poderiam interpor não será admitido. Trata-se de

um regime que difere de uma nulidade de um ato

ou de uma norma administrativas que podem ser

invocadas a todo o tempo, quer como questão

principal quer como questão incidental. A

atipicidade da suposta nulidade neste tipo de

processo não pode ser, passe a redundância, de tal

forma atípica que não tenha uma base relevante de

verosimilhança com a figura da nulidade clássica,

nela incluída a própria nulidade assinada ao ato

inconstitucional em fiscalização abstrata repressiva.

Mesmo como ficção jurídica, o referido instituto

não é conveniente, nem comporta qualquervantagem compreensiva.

b.  Posição adotada: a privação da eficácia da norma julgada

inválida como efeito sancionatório da sua desaplicação ao

caso concreto: entende-se que, nos termos o artigo 280.º,

n.º1, alínea a) CRP e artigo 80.º, n.º 1, 2 e 3 LTC, se uma

norma for julgada inconstitucional num processo de

fiscalização concreta, a reação do ordenamento no plano do

controlo da constitucionalidade consistirá na sua não

aplicação a esse caso, e apenas a esse caso, decisão que

produzirá efeitos inter partes. Dessa desaplicação resultauma paralisia da eficácia do ato apenas no caso sub iuditio,

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continuando os seus efeitos passados e futuros a ser

hipoteticamente preservados noutras situações jurídicas,

não abrangidas pela decisão. Ora o bloqueamento da

produtividade da lei numa dada situação singular, sem que

essa produtividade seja posta em causa nas restantes

situações consiste numa situação de ineficácia jurídicaconcreta. E se é certo que três declarações concretas de

inconstitucionalidade do mesmo ato podem justificar,

oficiosamente ou por iniciativa do Ministério Público, uma

declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória

geral (artigo 280.º, n.º3 CRP e 82 LTC) esta declaração já

ocorre, não em sede de controlo subjetivo, mas no âmbito

do controlo abstrato sucessivo. Trata-se de uma solução

que foi classicamente admitida por Marcello Caetano e por

Marcelo Rebelo de Sousa, antes de este último autor alterar

a sua posição em favor da construção de Miguel GalvãoTeles que criticara a posição do primeiro autor. Importa,

ainda assim, esclarecer, que não se considera nestas linhas,

a ineficácia como um desvalor a se do ato inconstitucional.

O desvalor do ato julgado inconstitucional em fiscalização

concreta consiste na invalidade, nos termos do artigo 3.º,

n.º3 CRP. Só que a mesma invalidade em Direito

Constitucional, tal como sucede com a invalidade em

Direito Civil e Direito Administrativo, pode ser servida não

por uma, mas por várias formas de sanção, e uma destas

formas é, em fiscalização concreta, a privação de eficácia,

que opera com efeitos sancionatórios retroativos. No

Direito Constitucional positivo, a mesma diversidade

sancionatória é medida, não em razão do vício mas pela

natureza do processo de controlo e dos seus efeitos

específicos. Enquanto na fiscalização abstrata sucessiva, os

efeitos previstos no artigo 282.º cominam a nulidade para o

ato julgado inconstitucional, na fiscalização concreta, a não

aplicação do ato inconstitucional na situação em

 julgamento traduz-se no bloqueamento da respetiva

eficácia na situação sub iuditio. Trata-se de uma opção

consentânea com a noção de invalidade a qual é adaptadaà natureza do processo de fiscalização concreta: no controlo

incidental, o ato inconstitucional e inapto para a produção

dos seus efeitos jurídicos, já que os mesmos estão

bloqueados na situação singular que é abrangida pela

decisão de inconstitucionalidade. De uma argumentação

virtualmente contrária à solução adotada podemos

configurar, de entre várias, quatro objeções:

i.  Uma primeira, solda-se às construções doutrinárias

que ligam, essencialmente, a sanção da ineficácia a

“certas irregularidades” de atos normativos quereúnem «todos os requisitos exigidos para a sua

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 perfeição». O mesmo entendimento conecta na

teoria administrativa a ineficácia de um ato «não

aos requisitos de validade, mas aos requisitos

necessários à idoneidade do ato para produzir

efeitos jurídicos», realidade passível

eventualmente de transposição para o domínioconstitucional. Só que não se considera, em

primeiro lugar, que a ineficácia na ordem

constitucional constitua, necessariamente e

sempre, uma sanção em sentido próprio. Veja-se o

caso da paralisação de eficácia, como efeito de

determinado tipo de antinomias normativas

ocorridas entre normas de densidade idênticas em

esferas de exercício de competências

concorrenciais, alternadas ou paralelas. A aplicação

preferencial de uma lei especial sobre uma lei geral,em caso de colisão, implica a ineficácia da lei

preferida. Do mesmo modo, a preferência de um

Regulamento Comunitário ou de um Tratado sobre

uma disposição de Direito ordinário interno,

supõem igualmente a ineficácia deste último. A

suspensão de eficácia de um ato normativo

mediante outro sucessivo que lhe determine

expressamente esse efeito, tão pouco resulta ser

obrigatoriamente uma sanção. Finalmente, uma lei

perfeita, mas não publicada, não é sempre definível

como uma lei irregular, mas sim como um ato

legislativo juridicamente perfeito que aguarda

publicação como requisito da sua eficácia, podendo

essa pausa durar um espaço de tempo maior ou

menor. Apenas se for aplicada sem ter sido

publicada, ou se for aplicada durante a vacatio,

seria possível falar em ineficácia como sanção,

relativamente aos efeitos que tenha facticamente

produzido. Em segundo lugar, no que concerne ao

Direito Administrativo, existem exceções ao

entendimento doutrinário exposto que dissocia aineficácia de um ato da não observância dos seus

requisitos de validade. Trata-se de um controlo

preventivo de legalidade cujo efeito é a ineficácia

da norma. Daqui resulta que a privação de eficácia,

geral ou particular, de um ato pode em Direito

Público assentar numa pluralidade de fundamentos,

dos quais se não exclui a sanção de normas

inválidas, porque feridas de inconstitucionalidade,

sobretudo quando essa paralisação subjaz aos

efeitos da desaplicação in caso  de uma normainconstitucional;

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119 

ii. 

Outra perspetiva diversa é aquela que considera,

enfaticamente, que é liminarmente de afastar a

possibilidade de a inconstitucionalidade de uma lei

acarretar a sua ineficácia, já que sendo a

Constituição o fundamento da ordem jurídica,

nenhum ato poderá subsistir se lhe não forconforme. As normas constitucionais não seriam

elementos externos à lei e os seus imperativos não

se traduziriam em simples requisitos de eficácia,

como determinaria o artigo 3.º, n.º3 CRP. Não se

contesta a ideia segundo a qual uma norma que

seja questionada por via principal num processo de

controlo abstrato de constitucionalidade não deve

subsistir se uma jurisdição concentrada a declarar

inconstitucional, num juízo definitivo proferido com

força obrigatória geral. Se se cria um processo defiscalização que tem como seu objeto principal a

eliminação das as normas inconstitucionais do

ordenamento independentemente da sua

aplicação a situações singulares, que sentido faria

paralisar apenas os seus efeitos? Que interesse

teria constelar o ordenamento de normas

inconstitucionais congeladas na sua eficácia? O

mesmo se não passa, contudo, na fiscalização

concreta. Se, como sucede em certos

ordenamentos, depois do juiz a quo suspender o

processo, o Tribunal Constitucional julgasse a

norma inconstitucional com força obrigatória geral,

aceitar-se-ia a tese da nulidade, dado que a

aplicação da regra inconstitucional deixaria de se

colocar no ordenamento. Contudo, no

ordenamento português, a norma pode ser

aplicada e desaplicada numa pluralidade de

tribunais e, só depois de três juízos concretos de

inconstitucionalidade proferidos pelo Tribunal

Constitucional é que o mesmo ato pode

eventualmente ser declarado inconstitucional comfora obrigatória. A declaração de inconstitucional

com força obrigatória como consequência da

repetição do julgado não é automática, emergindo,

sim, como uma possibilidade que cabe, em termos

de legitimidade ativa, ao Ministério Público ou aos

 juízes do Tribunal. Isto significa que, em situações

melindrosas, se podem suceder mais de três juízos

de sentido divergente proferidos pelo Tribunal

Constitucional sobre a constitucionalidade da

norma. Ora, a ausência de definitividade no julgamento proferido em fiscalização subjetiva e o

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facto de o mesmo não precludir a produtividade da

norma em outras situações, converte a tese da

«nulidade proferida em concreto», numa ficção, já

que é a privação de eficácia da norma o efeito que

resulta de cada decisão que a desaplica. Ademais,

se volvidos um ou dois juízos concretos deinconstitucionalidade do mesmo ato, o Tribunal

Constitucional alterar a sua orientação

 jurisprudencial passando a sufragar a tese da não

desconformidade da norma com a Constituição,

onde se queda a nulidade ipso iure  e o regime

meramente declarativo deste última? Se as duas

decisões anteriores que julgaram a noma

inconstitucional fizeram caso julgado, quanto à

questão de constitucionalidade, nos processos em

que foram proferidos, mas a mesma norma passara ser estimada como conforme à Constituição em

decisões ulteriores, continuando aquela a produzir

os seus efeitos, como será possível considerar que

a nulidade se constituiu desde a origem da norma?

Que as decisões do Tribunal Constitucional se

limitaram a declará-la? E que a norma

inconstitucional é totalmente produtiva? Na

verdade, quando o Tribunal Constitucional julga

uma norma inconstitucional, em concreto, a sua

decisão constitui a invalidade da norma, apenas e

tão só naquele caso e, apenas, volvidas três

decisões desta natureza, existirão fundadas razões

para que o mesmo Tribunal poder oficiosamente

considerar que se verificou desde a sua origem, ou

desde a superveniência de uma lei e revisão

constitucional, uma nulidade, a qual carece ser

declarada erga omnes. É obvio que os imperativos

constitucionais não são externos à lei e não se

revelam meros requisitos da sua eficácia. E por isso

mesmo é que existe no ordenamento um processo

de fiscalização abstrato sucessivo daconstitucionalidade que se destina a purgar do

ordenamento os atos inválidos e a eliminar os

efeitos por ele produzidos no passado. Só que esse

processo coexiste com outros, em que a decisão

positiva sobre a invalidade da norma se esgota na

sua inaplicabilidade, como é o caso da fiscalização

concreta. O objeto deste processo não é destruir a

norma inválida, mas apenas bloqueá-la e permitir a

eliminação dos efeitos que esta produza em

situações jurídicas específicas. A invalidade julgadaem concreto tem, assim, um efeito limitado de

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desaplicação e de repressão a efeitos singulares

que não colocam imediatamente em causa a

permanência da norma no ordenamento, embora

disponha de uma comunicabilidade com processos

de fiscalização que permitem questionar, com

definitividade, essa permanência. Em suma, ainvalidade exprime-se em razão do processo, em

vários idiomas sancionatórios, dotados de

intensidades diversas;

iii. 

É certo que se pode contra argumentar que, depois

de uma decisão concreta de inconstitucionalidade

proferida pelo Tribunal Constitucional, o tribunal a

quo que tenha proferido uma decisão aplicativa da

mesma norma, se verá constrangido a reformar a

decisão precedente, eliminando no caso concreto

os efeitos da norma inconstitucional. Importa a esterespeito subdistinguir a decisão de

inconstitucionalidade, que nos ocupa, de reforma

da decisão que dela resulta. A decisão proferida

pelo Tribunal Constitucional consome-se com o

 juízo de inconstitucionalidade, com a desaplicação

da norma inconstitucional ao caso concreto e com

a repristinação do Direito revogado pelo ato

inconstitucional (a qual constitui um imperativo

lógico-sistemático de completude do ordenamento,

como forma de evitar lacunas e se baseia no regime

do artigo 282.º, n.º1, o qual se deve aplicar a todos

os processos em que uma norma seja julgada

inválida). É nesta sede que se exprime a sanção de

ineficácia e as suas consequências complementares.

O Tribunal a quo  extrairá dessa desaplicação as

necessárias consequências: aplicará o Direito

repristinado, bloqueará potenciais efeitos da

norma inválida ou eliminará os que se já tenham

produzido em concreto. Trata-se, contudo, de

consequências produzidas no âmbito do processo

principal que já excedem a decisão concreta deinconstitucionalidade e que só podem interessar ao

Tribunal Constitucional em sede de execução

devida ou indevida do julgado. Na verdade, o que

determina o princípio da constitucionalidade é a

eliminação dos efeitos produzidos por norma

inconstitucional julgada inválida num caso concreto,

não relevando o instituto sancionatório convocado

pelo tribunal a quo para proceder a essa eliminação ,

contanto que o mesmo não consista na

anulabilidade, já que esta permitiria umaconvalidação de efeitos, realidade que o mesmo

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122 

princípio não admite. Poderá, ainda assim,

questionar-se se, declarada a inconstitucionalidade

em concreto de uma norma, a eliminação ex tunc 

de um ato administrativo praticado à sua sombra

pelo tribunal a quo se mostra consentânea com a

tese da paralisação de eficácia da norma principal.A resposta é positiva. Em geral, a ineficácia de uma

norma não é incompatível com a eliminação ex tunc 

de efeitos que tenha produzido. O tribunal a quo 

 julgará consequencialmente inválido o ato de

aplicação, determinando ex tunc a improdutividade

dos seus efeitos. Embora a privação de eficácia

possa ser, portanto, a sanção apta a produzir os

referidos efeitos, considera-se que, neste campo,

poderá valer o que for a esse propósito disposto no

Direito correspondente ao processo principal,contanto que se registe a eliminação das

consequências jurídicas do ato de aplicação inválido.

c.  Síntese sobre as características próprias da sanção de

 privação de eficácia: importa reter que a privação de

eficácia como sanção de invalidade em processos de

fiscalização subjetiva é caracterizada por especialidades

próprias: tem efeitos principais inter partes sem prejuízos

de produzir efeitos processuais reflexos de caráter mais

amplo; opera retroativamente relativamente a todas as

situações praticadas à sombra da norma inconstitucional

desde que se registou a colisão; implica a repristinação do

Direito revogado pela norma desaplicada; pode assumir

natureza parcial quanto aos respetivos efeitos

sancionatórios; supõe limites quanto à legitimidade e

termos da sua invocação bem como ao prazo de

interposição de recurso correspondente; carece ser

declarada por órgãos jurisdicionais; e pode implicar o

despotenciamento de alguns dos seus efeitos

sancionatórios por razões de segurança jurídica e equidade.

3.º  A irregularidade:

Conceito: a irregularidade na ordem constitucional portuguesa é um valor

negativo impróprio, porque se traduz numa reação referencial do ordenamento que, não só

restringe a atos inconstitucionais que enfermem de vícios orgânicos e formais de caráter não

essencial, mas que também se encontra desprovida de efeitos sancionatórios que impeçam os

mesmos atos de produzir consequências jurídicas. A existirem sanções, estas assumem caráter

reflexo, não se repercutindo-se sobre o ato mas sim, em tese, sobre os seus autores, a nível de

responsabilidade política ou disciplinar.

Fundamento e regime jurídico:

a) 

Abrangência do instituto: a Constituição da República não acolhe

explicitamente a figura da irregularidade para uma pluralidade de

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casos, embora a preveja para a situação específica do artigo 277.º,

n.º2. Daqui resultam duas teses relativamente ao alargamento da

figura:

a. 

Uma primeira, de caráter restringente, considera que o

instituto só existe quando expressamente previsto na

Constituição. Trata-se de uma afirmação que se presumeser feita com uma intenção dogmática, embora os seus

autores não se tenham alargado na respetiva justificação;

b. 

Uma segunda posição, de caráter abrangente, aceita,

embora sem avançar uma ordem justificativa detalhada, o

alargamento, embora excecional, da figura, a outras

situações que não as exclusivamente previstas no artigo

277.º, n.º2.

Propugnamos por uma não circunscrição da irregularidade à

situação prevista no artigo 277.º, n.º2. Vejamos porquê:

a.  Tal como observámos oportunamente, a invalidade

constitui o desvalor-regra do ato inconstitucional, pelo que,

tanto a inexistência como a irregularidade se conformam

como valores negativos excecionais. Ora, se a doutrina que

considera que a inexistência como desvalor mais grave, não

se restringe aos casos previstos expressamente na

Constituição, não se entende a razão pela qual ela não

admite idêntica solução para a irregularidade, como

desvalor menos grave. Se se admite que um desvalor com

consequências sancionatórias tão rigorosas como ainexistência prolifere num conjunto de situações que

excedem a expressa previsão constitucional, por maioria de

razão se deveria defender idêntica solução para um

desvalor dotado de consequências sancionatórias nominais

ou referenciais. Isto, tendo sobretudo em conta o princípio

do aproveitamento dos atos jurídicos, o qual procura,

dentro do possível, ou reduzir vertical ou horizontalmente a

inconstitucionalidade à parte do ato por ela afetado,

salvando a parte não inquinada, ou desconsiderar a

relevância de vícios menores na produtividade do ato

inconstitucional. Não existe, na realidade, nenhum

imperativo dogmático visível que imponha que a

irregularidade só ocorra nos casos explicitados na

Constituição;

b. 

Na linha justificativa do princípio do aproveitamento dos

atos, a irregularidade logra, à luz do princípio da

proporcionalidade, evitar que vícios menores acarretem a

eliminação de uma norma e dos seus efeitos passados, com

manifesto e injustificado prejuízo para o legislador e os

destinatários do ato. É que, a irrelevância ou reduzidaexpressão da ofensa ao ordenamento, perpetrada por vícios

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de reduzida gravidade, não justifica racionalmente o

excessivo do meio sancionatório utilizado, que derivaria da

aplicação automática do regime da invalidade previsto no

artigo 282.º à norma inconstitucional;

c. 

A teleologia do sistema da fiscalização daconstitucionalidade no ordenamento português não admite,

contudo, a possibilidade de se instituir um sistema de

controlo que permite a declaração da inconstitucionalidade

sem efeitos sancionatórios, tal como sucede na Alemanha.

É certo que o desvalor da irregularidade acaba por

comportar efeitos semelhantes, mas os seus fundamentos

radicam em pressupostos bem mais circunscritos, em razão

da excecionalidade da figura posicionada, em face da regra

geral do desvalor centrado na invalidade. Não seria

aceitável que, por fluidez excessiva de pressupostos, a

manipulação de sentenças da Justiça Constitucional

alcançasse o universo desse desvalor de intensidade menor,

permitindo ao Tribunal Constitucional, por razões de

segurança jurídica, equidade ou mesmo de mérito,

convalidar qualquer tipo de vícios através do apelo à figura

cómoda da irregularidade. Implantar-se-ia aqui o instituto

previsto no Direito alemão sem credencial constitucional

habilitante. Assim sendo, considera-se que, por identidade

de razão, os pressupostos da irregularidade em situações

não previstas na Constituição devem ser, com as necessárias

adaptações, análogos àqueles que se encontram presentesno artigo 277.º, n.º2, o único caso de irregularidade explícita

enunciada no texto constitucional.

b)  Pressupostos da irregularidade:

a.  Vício orgânico e formal que não fira pressupostos ou

elementos essenciais do ato: de acordo com o artigo 277.º,

n.º2 os vícios que predicam a irregularidade do tratados

devidamente ratificados são vícios orgânicos e formais.

Daqui deriva que uma norma materialmente

inconstitucional não pode ser julgada irregular, o queparece implicar uma opção clara do ordenamento por uma

sanção das inconstitucionalidades materiais em sede de

invalidade. A inconstitucionalidade material nem é tão

objetificável e preclusiva da identificabilidade da norma que

dela enferma que possa justificar a inexistência, nem tão

pouco relevante que possa continuar no ordenamento a

produzir os seus efeitos, mediante um status  de mera

irregularidade. Determina o mesmo preceito constitucional

que os vícios orgânico e formais não podem afetar

disposições fundamentais. Trata-se, deste modo, dedeformidades de menor gravidade, devendo a respetiva

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graduação, em razão do caráter excecional do desvalor em

estudo, assumir necessariamente um caráter objetivo.

Nestes termos, não é aceitável falar em irregularidade se

forem afetados pressupostos competênciais e elementos

formais de caráter essencial de um ato;

b. 

Interesse público na subsistência do ato: para que se

convoque a irregularidade como desvalor do ato

inconstitucional, necessário que haja interesse público em

conservar a norma no ordenamento. É nesta sede que se

formula um juízo de proporcionalidade, o qual suponha

uma ponderação de bens que envolva, de um lado, o relevo

do vício e, de outro, o relevo da conservação da norma em

termos de tutela do referido interesse. De qualquer modo,

tal como observa certa doutrina o juízo incidente sobre o

grau de gravidade do vício é um juízo casuístico que envolve

sempre uma necessária ponderação entre a importância da

ofensa e o interesse público em fazer subsistir a norma ou

sancioná-la ao invés, em sede de invalidade;

c.  Necessidade de declaração jurisdicional : a irregularidade

carece ser declarada por órgão judicial, não valendo nessa

qualidade se for exclusivamente aferida em sede legislativa

ou administrativa. A apreciação do controlo deve ocorrer

apenas em sede de fiscalização sucessiva, concreta ou

abstrata, devendo o ato dispor de todos os seus elementos

perfetivos essenciais, bem como os atinentes à publicidade.Tal decorre, analogicamente, do disposto no artigo 277.º,

n.º2, que exige que os tratados “irregulares” se encontrem

regularmente ratificados, requisito que é livremente

transponível, no caso das leis, para a perfeição da

promulgação presidencial ou da assinatura do Ministro da

República. Dado que o instituto apenas pode operar em

sede de fiscalização sucessiva, aos requisitos expostos

devem juntar-se as exigências de referenda e publicação.

Sem prejuízo do que se acaba de referir, e diversamente do

que sucede com a invalidade (nas suas sancionatórias da

nulidade e ineficácia), órgão autor do ato não se encontra

inibido de sanar o vício através da prática de outro ato,

embora, em termos práticos, essa sanação tenha um

interesse reduzido.

c)  Efeitos: a norma irregular não é objeto de uma sanção jurídica, ou

seja, pese a inconstitucionalidade de que enferma, não é objeto de

uma reação do ordenamento jurídico que a elimine ou que afete os

seus efeitos passados e futuros. Trata-se de um efeito geral que, a

atentar no disposto no artigo 277.º, n.º2 ocorre ope constitutione,

não se prevendo que uma sentença judicial modele asconsequências da irregularidade, mormente circunscrevendo-a a

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determinados efeitos passados, ou a determinados factos concretos.

A ausência de uma sanção dotada de efetividade que incida sobre a

norma aproxima o seu regime de outras situações afins, mas

 justificadas em razões de ordem diversas, como é o caso dos casos

 julgados imunizados dos efeitos ex tunc da nulidade, consequências

 jurídicas restritivas manipulativas e os efeitos dainconstitucionalidade por omissão, declarada nos termos do artigo

283.º CRP.

Espécies de irregularidade: no que respeita ao Direito Internacional Pública,

este tipo de desvalor, importa exprimir, sobre o mesmo regime, duas notas:

a)  A primeira consiste na circunstância de que, aos pressupostos da

figura da irregularidade acresce a verificação do princípio da

reciprocidade, ou seja, o Tratado em questão deve ser aplicado na

ordem jurídica da outra parte, constituindo este atributo, um fator

de aferição do interesse público em salvaguardar a mesmaconvenção, em relação aos efeitos que decorreriam da sua

submissão ao regime da invalidade;

b)  A segunda questão tem a ver com a possibilidade do alargamento

do regime do artigo 277.º, n.º2 CRP aos acordos internacionais.

Durante muito tempo manifestámos uma opinião desfavorável ao

referido alargamento, dado o artigo falar em «tratados (…) 

regularmente ratificados». Esta expansão supõe uma diferença de

regime em relação a convenções, que, como os acordos, não se

encontram sujeitas a uma ratificação presidencial, que é um ato

livre, mas sim a uma assinatura que, supostamente, constituiria umato vinculado. Os acordos não estariam assim, presentes, no âmbito

de previsão do preceito. Todavia, a evolução doutrinária e as

revisões constitucionais de 1989 e 1997 retiram sentido, pelo

menos em parte, a alguns aspetos atinentes à distinção entre

Acordo e Tratado no plano material. No que tange à evolução

doutrinária a este respeito diversos constitucionalistas consideram

hoje, como uma conduta constitucionalmente legítima a recusa de

assinatura de um acordo internacional pelo Presidente da República,

passado o regime da assinatura a seguir, em termos gerais, o da

ratificação dos tratados, bem como o da respetiva recusa. No queconcerne às revisões constitucionais, a Assembleia da República

com exceção do número circunscrito de matérias previstas no artigo

161.º, alínea i) CRP que integram a reserva necessária de Tratado,

pode aprovar convenções no âmbito da sua competência, quer sob

a forma de Tratado quer sob a forma de Acordo. Ora, podendo uma

dada matéria ser disciplinada tanto por uma como por outra forma

de convenção, não faz sentido que, ocorrendo um vício orgânico-

foral de menor gravidade, a convenção beneficie do regime da

irregularidade apenas se, por razões de solenidade ou de mera

conveniência, a Assembleia da República lhe conferir a forma deTratado. Por outro lado, não revestindo os tratados uma hierarquia

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superior aos acordos existindo acordos que tutelam matérias tanto

ou mais relevantes que outras disciplinadas em tratados, verifica-se

que as razões de interesse público que no âmbito da garantia do

princípio da reciprocidade jurídico-internacional e do pacta sunt

servanda permitem salvar da invalidade, um Tratado, devem

aplicar-se por identidade de razão a um Acordo. A tese ampliativada irregularidade que adotámos e que a maioria da doutrina parece

hoje aceitar, encontra na extensão proposta um espaço de

incidência útil que impõe uma interpretação evolutiva e atualista do

artigo 277.º, n.º2. Os exemplos de inconstitucionalidades orgânicas

suscetíveis de predicar o desvalor da irregularidade são escassos. Os

casos de irregularidade em sede de inconstitucionalidade formal

são mais numerosos. Assim, a não audição das regiões autónomas

pelos órgãos de soberania, relativamente a questões da sua

competência que respeitem de algum modo às mesmas regiões e

que sejam disciplinadas num ato normativo soberano (artigo 266.º,n.º2 CRP) poderá em certos casos não gerar invalidade,

nomeadamente em situação fundada urgência e se a matéria,

embora se repercuta na região, se projete diretamente nos

interesses objetivos de todos os cidadãos.

Convocação do instituto pela jurisprudência constitucional: a irregularidade

não logrou ultrapassar no sistema português de fiscalização da constitucionalidade, o seu limbo

teorético. Na verdade, desde a instituição do Tribunal Constitucional até ao ano de 2006, o órgão

superior da Justiça Constitucional não convocou a figura. Relativamente a deformidades de

menor expressão, o Tribunal Constitucional ou se abstém de tomar conhecimento das mesmas,

ou as tem por irrelevantes para efeitos de uma decisão de inconstitucionalidade, ou, em casosde maior evidência do vício, opta por declarar a inconstitucionalidade com restrição total de

efeitos sancionatórios dotados de eficácia retroativa.

Secção II  – Efeitos dos Tratados em relação a terceiros60 

Terceiros Estados e Estados parte: segundo o artigo 2.º, n.º1 CVDT

«g) a expressão “parte” designa um Estado que consentiu em estar vinculado pelo tratado e para o qual o tratado se encontra em vigor;»

»h) a expressão “terceiro Estado” designa um Estado que não é parte no

tratado».

Esta dicotomia nítida entre as qualidades de terceiro Estado parte, por justificada que

seja em regra, revela-se por vezes difícil de aplicar. Se não existe dúvida de que um

Estado, que exprimiu pela adesão o seu consentimento em estar vinculado por um

Tratado cujo texto foi adotado quando das negociações em que não participou deixa de

60 Nguyen-Quco-Dinh; Direito Internacional Público; Serviço de Educação Calouste Gulbenkian, 4.ªEdição 1992; pp. 219

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ser um terceiro Estado para se tornar um Estado parte, noutras hipóteses põem-se

problemas mais embaraçantes. De um modo geral, um Estado que garante a execução

de um Tratado no qual ele não é parte, será verdadeiramente um terceiro Estado? A

distinção revela-se particularmente mal adaptada ao desenvolvimento da prática

convencional das Organizações Internacionais: os Estados membros de uma organização

serão terceiros ou partes nos Tratados concluídos por ela? Não deverá reconhecer-se

que estes Tratados são, pelo menos, oponíveis aos Estados membros da organização,

mesmo quando estes não são formalmente partes neles? Na verdade, se esta hipótese

tende a multiplicar-se, ela não é totalmente inédita; e o Direito internacional clássico

teve de conciliar um princípio – o do efeito relativo dos Tratados – e as suas exceções.

1.º - Princípio da relatividade dos Tratados

Positividade do princípio: a jurisprudência internacional e a prática dos Estados convergem

no reconhecimento de que os Tratados não podem produzir efeitos em relação a terceiros

Estados. Codificando um costume, tão clara como unanimemente afirmado, a Conferência de

Viena adotou, sem dificuldade, a seguinte disposição:

«Um tratado não cria obrigações nem direitos para um terceiro Estado sem o

consentimento deste último».

Fundamento e significação: 

1.º  Na doutrina nem uma só voz se eleva contra o princípio em sim, mas, paraexplica-lo, duas teses principais se encontram em presença. Segundo a teoria voluntarista, a

relatividade dos Tratados é incontestável porque se baseia simultaneamente na soberania, na

independência, na igualdade dos Estados e na natureza contratual do Tratado. Ela não é mais

do que a transposição, para o Direito dos Tratados, da regra tradicional da relatividade dos

contratos. G. Scelle propõe outra explicação, chegando ao mesmo resultado prático. Na sua

opinião, o tratado não é um contrato entre as partes, mas a sua lei comum; todavia, esta lei só

se aplica à sociedade internacional por elas concluída, excluindo os Estados estranhos essa

sociedade. Para mais, agindo nessa qualidade, os governantes estatais não possuem qualquer

poder, conferido por Tratado ou por qualquer outro modo, de dispor quer da competência, quer

dos direitos de terceiros. Só esta explicação objetivista é compatível com certas exceções aoprincípio. Os conceitos de soberania e de igualdade, enquanto fundamentos da regra da

relatividade, devem evidentemente postergar-se no que respeita aos Tratados concluídos pelas

organizações internacionais. Não há, porém, razão para aceitar uma exceção à regra no caso

destes Tratados: as organizações são sujeitos de Direito Internacional e, a este título, estão

subordinadas ao consensualismo convencional.

2.º Quando ao significado do princípio, ele resulta da máxima bem conhecida: pacta

servatiis nec nocente nec prosunt : os acordos não podem nem impor obrigações a terceiros, nem

conferir-lhes direitos. Tais são os dois aspetos do princípio confirmados por uma jurisprudência

abundante e constante.

a) Nada de obrigações a cargo de terceiros Estados;

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b) Nada de direitos a favor de terceiros Estados: segundo esta fórmula, nenhum

Estado pode fazer-se valer das disposições de um Tratado no qual não seja parte.

2.º - Exceções à relatividade dos Tratados

A – Aplicação dos Tratados a terceiros Estados com o seu consentimento

I – Tratados que criam obrigações para terceiros Estados

Técnica do acordo colateral: tirando as consequências lógicas do artigo 34.º CVDT, o artigo

35.º CVDT dispõe:

«Uma obrigação nasce para um terceiro Estado de uma disposição de um Tratado,

se as partes nesse Tratado entenderem criar a obrigação por meio dessa disposição e se o

terceiro Estado aceitar expressamente por escrito essa obrigação».

Resulta deste artigo que a obrigação visada não se impõe ao terceiro Estado em virtude do

Tratado inicial em que não é parte, mas em virtude de um acordo entre ele, por um lado, e o

grupo dos Estados partes no Tratado inicial, pelo outro. Este acordo em que o terceiro Estado é

parte, reconhecido pela Comissão de Direito Internacional como sendo a «base jurídica» da

obrigação que incumbe doravante a esse Estado, designa-se acordo colateral. Durante os

trabalhos preparatórios, a Comissão de Direito Internacional insistiu firmemente sobre aimpossibilidade para um Tratado criar obrigações a cargo de terceiros Estados, princípio que ela

considerava como um dos bastiões da independência e da igualdade dos Estados. Este restrito

voluntarismo é igualmente reforçado pelo artigo 37.º, n.º1 CVDT, segundo o qual:

«Nos casos em que uma obrigação tenha nascido para um terceiro Estado, de acordo

com o artigo 35.º, essa obrigação só pode ser modificada ou revogada através do consentimento

das partes no tratado e do terceiro Estado, a menos que se estabeleça terem convencionado

diversamente.»

Poucos precedentes ilustram estras regras de tal mo a situação que elas visam é excecional. De

resto, no final de um debate confuso, um aditamento ao artigo 74.º da Convenção veioesclarecer que as suas disposições «não prejudicam nenhuma questão que possa surgir em

relação à criação de obrigações e direitos de Estados membros de uma organização

internacional em virtude de um tratado de que essa organização seja parte».

II – Tratados que criam direitos para terceiros Estados

Cláusulas da nação mais favorecida: suponhamos que dois Estados, o Estado A e o Estado B

concluem entre si um Tratado sobre tarifas aduaneiras aplicáveis aos produtos importados,provenientes dos respetivos territórios. No Tratado A-B é inserida uma cláusula segundo a qual,

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com ou sem condições, com ou sem reciprocidade, um deles beneficiará de qualquer tarifa mais

favorável que o outro poderia ulteriormente conceder, noutro Tratado, a um terceiro Estado C.

Consequentemente, se este Tratado A-C, mediante o qual A (Estado concedente) concede a C

vantagens superiores às que inicialmente reconheceu a B no Tratado A-B, for efetivamente

concluído, B (Estado beneficiário) beneficiará automaticamente destas novas vantagens, sendo-

lhe aplicado o Tratado A-C, se bem que seja Estado terceiro, isto em virtude da cláusula contidano tratamento primitivo A-B e na qual já consentira. Assim, é por esta cláusula chamada

«cláusula de nação mais favorecida» que os Tratados podem criar direitos a favor de Estados

terceiros no respeito pela soberania e sem que seja violada a conceção contratualista. É o que

exprime o artigo 5.º do projeto de artigos adotado sobre este assunto pela Comissão de Direito

Internacional, em 1978:

«O tratamento da nação mais favorecida é o tratamento concedido pelo Estado

concedente ao Estado beneficiário (…) não menos favorável do que o tratamento pelo Estado

concedente a um terceiro…»

Segundo o Tribunal Internacional de Justiça, para que a cláusula produza efeitos, é necessárioque os dois Tratados incidam sobre a mesma matéria. Estes princípios são confirmados pelo

projeto de artigos da Comissão de Direito Internacional, sobre a cláusula da nação mais

favorecida. São, além disso, resolvidas certas dificuldades políticas encontradas na prática: ora

de maneira explícita, ora de maneira implícita, o projeto consagra uma interpretação bastante

liberal da cláusula. Na prática, os Estados recorreram à cláusula bastante cedo, antes do

aparecimento dos tratados multilaterais com vista, precisamente, a estenderem o campo de

aplicação das regras bilaterais. Prevista, primeiro nos Tratados económicos e depois noutros

Tratados, tais como as convenções de estabelecimentos e as relativas aso privilégios e

imunidades consulares, aquela cláusula desempenhava assim o papel de um processo de

unificação do Direito. O Tribunal Internacional de Justiça reconhece que ela permite«estabelecer e manter permanentemente a igualdade fundamental e se discriminações entre

todos os países interessados». Nos nossos dias, apesar da multiplicação dos Tratados

multilaterais, esta prática mantém-se e com o mesmo objetivo, porque, em numerosos casos,

as matérias supracitadas continuam a ser reguladas por meio de acordos bilaterais. A

experiência prova, contudo, que a utilização da nação mais favorecida só é concebível nas

relações entre Estados previamente unidos por qualquer solidariedade particular. Daí resultam

sérias dificuldades para a sua aplicação quando está incluída num Tratado multilateral aberto. A

heterogeneidade crescente das relações comerciais internacionais devidas à multiplicação das

zonas preferenciais (designadamente uniões aduaneiras) e dos países independentes em vias de

desenvolvimento, obriga a encarar uma verdadeira “explosão” da cláusula da nação mais

favorecida.

Estipulação a favor de outrem: a estipulação a favor de outrem é uma técnica do Direito

contratual interno, pela qual as partes de uma Convenção enunciam uma promessa cujo

beneficiário é um terceiro. Será esta instituição recebida em Direito Internacional? Em caso

afirmativo, será necessário, para produzir os seus efeitos, o consentimento do beneficiário, para

começar a usufruir do direito estipulado em seu favor na data desse consentimento e não na da

conclusão do Tratado que contém aquela estipulação? Terá o beneficiário direito à manutenção

deste último Tratado, no qual não é parte, enquanto não tiver consentido na sua ab-rogação? O

número e o alcance destas questões mostram, uma vez mais, que não se pode transpor pura e

simplesmente uma regra interna para a ordem internacional. O Tribunal Internacional de Justiçadeclarou, no seu acórdão de 7 de julho 1932:

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«Não se poderia facilmente presumir que tivessem sido adotadas estipulações

vantajosas para um terceiro Estado com o fim de criar um verdadeiro direito a seu favor. Contudo,

nada impede que a vontade dos Estados soberanos possa ter esse objetivo e esse efeito. A

existência de um direito adquirido em virtude de um ato concluído por outros Estados é, pois,

uma questão específica; trata-se de verificar se os Estados que estipularam a favor de um outro

Estado tencionavam criar para ele um verdadeiro direito aceite como tal por este último».

Toda a teoria da estipulação a favor de outrem resulta desta passagem. O Tribunal não exclui a

estipulação a favor de outrem e subordina a sua validade ao consentimento do terceiro Estado.

Ao utilizar a expressão “direito adquirido”, deixa supor que este não pode desaparecer sem o

consentimento do beneficiário. Aliás, o Tribunal julgou expressamente neste sentido. Através

de duas das suas disposições, a Convenção de Viena confirmou inteiramente a solução do

acórdão. De acordo com o seu artigo 36.º

«Um direito nasce para um terceiro Estado de uma disposição de um Tratado, se as

 partes nesse Tratado entenderem, por essa disposição, conferir esse direito, quer ao Estado

terceiro, quer a um grupo de Estados a que ele pertença, quer a todos os Estados, e se esse Estadoterceiro o consentir. Presume-se o consentimento enquanto não haja indicação em contrário, a

menos que o tratado disponha diversamente.»

O artigo 37.º, n.º2, acrescenta:

«No caso em que um direito tenha nascido para um terceiro Estado, de acordo com

o artigo 36.º, esse direito não pode ser revogado ou modificado pelas partes, se se concluir que

era destinado a não ser revogável ou modificável sem o consentimento do terceiro Estado.»

Resulta destas disposições que a exigência do consentimento do terceiro Estado é menos

rigorosa no campo de Tratados que criem em seu proveito do que naqueles que originem

deveres a seu cargo.

B – Aplicação dos Tratados a terceiros Estados sem o seu consentimento

Evolução dos processos: a existência das Tratados que produzem efeitos não só em

relação a alguns terceiros Estados, mas também em relação a «todos os Estados» já não

é contestável. O artigo 36.º CVDT implica-o. O Tribunal Internacional de Justiça verifica-

a. Mas qual é a base jurídica destes Tratados? Procurou-se fundamentar a extensão dosefeitos de certos Tratados a terceiros no princípio – consagrado na Convenção de Viena 

no artigo 38.º - segundo o qual uma regra enunciada num Tratado pode tornar-se numa

norma consuetudinária obrigatória para os Estados não parte nesse Tratado. Este

raciocínio é comodo, permitindo harmonizar algumas realidades com a teoria

voluntarista por pouco que se acompanhe com a identificação do costume a um acordo

tácito. Mas o raciocínio é pouco convincente, por não explica porque é que os direitos e

obrigações resultantes de certos Tratados, como os relativos às vias de comunicação

internacional, são aplicáveis imediatamente a todos, enquanto a formação do Direito

consuetudinário é espontânea mas não instantânea. Na medida em que, no estrito

Direito positivo, estes direitos e obrigações convencionalmente previstos são oponíveis

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aos terceiros Estados sem o seu consentimento, é forçoso admitir que o voluntarismo e

o interestadualismo são vivamente atacados. O jurista já não pode senão verificar a

passagem ao superestadualismo, mesmo que seja apenas implícito, empírico e

fragmentário. Só esta explicação é conforme à natureza das coisas. Hoje como ontem,

um grupo mais ou menos vasto de Estados está em condições, em nome do interesse

geral da comunidade internacional, de estabelecer, por via convencional, regras de que

ninguém negará o valor “universal”. Numa sociedade pouco organizada e dominada por

alguns grandes Estados, este fenómeno correspondia abertamente a um “Governo

internacional de facto” de tipo oligárquico. Na sociedade internacional atual, em que é

difícil opor-se à lei do número e em que os areópagos universais (conferências,

organizações internacionais) usam processos “quase legislativos”, o mesmo resultado

será procurado, de modo hipócrita ou sincero, em nome da “comunidade internacional”:

a técnica dos acordos abertos à quase totalidade dos Estados fornece um aparato

 jurídico a um consenso efetivamente quase universal ou à vontade das grandes

potências. O fenómeno não se limita à edição de normas respeitantes às relaçõesinterestatais. Podemos observá-lo igualmente no funcionamento das Organizações

Internacionais: é frequente encontrar, nos seus estatutos, cláusulas de revisão ou de

emenda cuja entrada em vigor exige a unanimidade dos Estados membros (artigos 108.º

e 109.º da Carta da O.N.U.). Os Estados minoritários só podem escolher entre aceitar ou

deixar a organização. A única diferença em relação à hipótese geral é que aqui a exceção

ao princípio da relatividade dos Tratados é inconsituticionalizada e antecipadamente

aceite por todos os Estados membros; mas é difícil falar de um “consentimento” dos

Estados minoritários à sorte que lhes está reservada. Seria mais exato considerar que se

presume que o grupo maioritário traduz a vontade da “comunidade internacional”. Oproblema põe-se da mesma maneira no que respeita às resoluções das organizações

internacionais. Afirmar a existência de um poder internacional de Direito não deixa de

ter os seus perigos para as soberanias nacionais, na ausência de um acordo sobre os

critérios de maioria ou de quase unanimidade que permitiriam considerar oponível erga

omnes um regime convencional. Vimos que a Convenção de Viena não resolvera este

problema o que diz respeito às normas de ius cogens  de origem convencional.

Relativamente às disposições da Carta das Nações Unidas, parece mais prudente deduzir

a sua obrigatoriedade em relação aos Estados não membros, pois elas tornaram-se hoje

normas consuetudinárias.

Campo de aplicação e alcance dos Tratados:

1.º  Criação de situações “objetivas”: tal foi durante muito tempo o objeto

essencial dos atos concertados cujo respeito pelo conjunto dos Estados as grandes

potências tentaram obter. Como lembrava a comissão de juristas consultada pelo

Conselho da Sociedade das Nações a propósito das Ilhas Aaland: « As Potências

 procuraram, com efeito, em numerosos casos desde 1815 e designadamente quando da

conclusão do Tratado de Paris estabelecer um verdadeiro direito objetivo, verdadeiros

estatutos políticos cujos efeitos se fazem sentir mesmo fora do círculo das partes

contratantes». Estavam em causa, a maior parte das vezes, regimes de neutralização, dedesmilitarização e de livre navegação das vias fluviais ou marítimas de interesse

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internacional. Este processo não desapareceu das relações internacionais. O Tratado

sobre o Antártico de 1958 organiza a desmilitarização deste continente e manifesta a

sobrevivência da ideia de governo internacional de facto: teoricamente aberto à adesão

de todos os Estados, este Tratado mantém uma discriminação entre os Estados partes,

manifestamente destinada a permitir que um pequeno grupo de Estados conserve o

controlo do regime aplicável a essa zona, embora catorze Estados tenham igualmente

aderido. O efeito erga omnes de tais Convenções assenta na vontade e na capacidade

dos Estados partes de garantir o seu respeito pelos outros Estados. O critério da

efetividade predomina nesta hipótese. A antiguidade das situações estabelecidas, mas

também a sua conformidade aos princípios de Direito Internacional predominantes em

cada época, condicionam a manutenção daquelas Convenções nesta categoria

particular de Tratados: os avatares do regime jurídico do Danúbio ou do canal do

Panamá provam a dificuldade em estabelecer situações objetivas contra o desejo de

uma grande potência e a necessidade de adaptá-las às flutuações das relações de força

estratégica.

2.º  Criação de entidades cuja existência é oponível a terceiros: uma parte da

doutrina considera que certos Estados são criados por um Tratado; este seria o caso da

Bélgica ou de certos Estados resultantes da descolonização (acordos de independência).

É certo que a existência de um Estado é um facto objetivo que se impõe a todos os

membros da comunidade internacional, mas é duvidoso que possa ter um fundamento

convencional. Em contrapartida, já é indiscutível que os Tratados constitutivos de

Organizações Internacionais, sobretudo universais, criam situações objetivas e

estabelecem normas de comportamento eventualmente oponíveis aos Estados não

membros. A primeira característica foi reconhecida expressamente pelo TribunalInternacional de Justiça no seu parecer de 11 abril 1949:

«Cinquenta Estados, representando uma larguíssima maioria dos membros

da comunidade internacional, tinham o poder, em conformidade com o Direito

Internacional, de criar uma entidade possuindo uma personalidade jurídica objetiva e

não simplesmente uma personalidade reconhecida só por eles».

O mesmo raciocínio pode valer para as outras Organizações universais e meso, de

maneira mais atenuada, para organizações regionais que beneficiem de

reconhecimento por parte de numerosos Estados não membros. Este esboço de umpoder internacional “de direito”, porque exercido por uma maioria de Estados,

repercute-se no alcance das normas contidas nas cartas constitutivas de Organizações

Internacionais: algumas delas têm um indiscutível alcance universal.

3.º Edição de normas com vocação universal: as características da sociedade

internacional contemporânea favoreceram a elaboração de Tratados “normativos”

portadores de duas espécies de violação, pelo menos aparente, ao princípio da

relatividade dos Tratados. Tal é o caso, em primeiro lugar, das convenções de

codificação. Sem dúvida, numa tal hipótese, somente a norma costumeira permanecerá

oponível aos Estados que não são partes no Tratado. Todavia, por comodidade, seremosfrequentemente tentados a recorrer à convenção para a formulação da regra. Pode

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A – Interpretação autêntica

Interpretação unilateral: em virtude da sua soberania, cada Estado tem o direito de indicar o

sentido que dá aos tratados em que é parte, pelo que lhe diz respeito.

a)  Na vida internacional corrente, os Estados são levados a dar numerosas

interpretações pela via diplomática. A propósito de cada problema concreto que

surge por ocasião da aplicação de qualquer tratado, os representantes de cada

parte dão a conhecer a maneira como interpretam as suas disposições. Mas o

Estado pode também dar conhecimento da interpretação do Tratado ou de

algumas das suas disposições, independentemente de qualquer dificuldade de

aplicação que tente assim prevenir, dando a conhecer previamente a sua posição,

quer durante a própria negociação, quer no momento em que exprime o seu

consentimento em estar vinculado;

b) 

Além disso, as autoridades nacionais são frequentemente levadas a interpretar osTratados em que o Estado é parte, quando surgem dificuldades de aplicação não

a esfera internacional, mas na ordem interna. Então o problema põe-se

principalmente perante o juiz interno. Todavia, segundo uma prática

internacional observada na maior parte dos Estados, as jurisdições nacionais

abstêm-se de interpretar elas próprias diretamente e solicitam um parecer oficial

ao Ministro dos Negócios Estrangeiros. Em princípio, elas não estão vinculadas

por este parecer: como habitualmente se conformam com ele, denunciou-se não

só a sua “timidez”, mas também a sua “docilidade” em relação ao poder executivo.

Na realidade  –  já o dissemos  –  esta atitude reservada dos tribunais internos

baseia-se no desejo de não obstruir a ação externa do Estado.

Podemos duvidar do caráter verdadeiramente autentico da interpretação unilateral:

emanando de uma só parte, não pode ser considerada como dada por aquele «que

tem o poder de modificar» a regra não é oponível aos outros Estados partes. Ela não

se reveste por isso de menor importância prática. Por um lado com efeito, em

conformidade com o princípio da boa fé, «a interpretação de instrumentos jurídicos

dada pelas próprias partes, se não é concludente para determinar o seu sentido, goza

contudo de um grande valor probatório quando esta interpretação contém o

reconhecimento por uma das partes das suas obrigações em virtude deste

instrumento»61. Por outro lado, pelo seu silêncio, até mesmo pela expressão do seu

acordo, as outras partes podem aceitar a interpretação assim apresentada; nestahipótese, a interpretação unilateral vai ao encontro da interpretação coletiva e

adquire um caráter autêntico indiscutível.

Interpretação coletiva:

1.º A interpretação realmente autêntica é a que corresponde a um acordo efetuado

entre todos os Estados partes do tratado. Este acordo reveste várias formas.

61 T.I.J., parecer consultivo de 11 julho 1950, Estatuto Internacional do Sudoeste Africano, Rec.., 1950, p.135-136)

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a)  Pode acontecer que, simultaneamente com a adoção do Tratado, os

Estados negociadores adotem em conjunto um outro texto interpretativo,

mas não é certo que sejam sempre assim. É sem dúvida preferível analisar

em cada caso os termos do instrumento interpretativo e as circunstâncias

da sua adoção para determinar a sua natureza: ora se trata de um acordo,

beneficiando da força obrigatória do Tratado ao qual adere, ora de umsimples ato concertado não convencional, tendo o valor probatório que se

atribui a um tal ato.

b)  A mesma observação vale para os instrumentos interpretativos adotados

posteriormente ao Tratado. Muitas vezes, tomarão a forma de acordos em

forma simplificada concluídos segundo o processos breve, mesmo que o

Tratado de base se tenha revestido da forma solene. Contudo, é muitas

vezes difícil reunir, após a conclusão deste Tratado de base, o mesmo

número de Estados e sobretudo, obter de novo o seu acordo por trata-se,

de facto, de uma nova negociação. Se o acordo for obtido, é raro que não

se proceda ao mesmo tempo a algumas modificações do Tratado que

seriam difíceis de distinguir das disposições puramente interpretativas.

Admite-se que este acordo posterior possa ser tático e resultar das

práticas concordantes dos Estados ao aplicarem o Tratado. Esta fórmula

flexível apresenta vantagens, embora provoque frequentemente

contestações. O artigo 31.º CVDT coloca, aliás, sobre o mesmo plano a

interpretação por via de acordo e a que resulta da prática ulterior das

partes. Enfim, o próprio Tratado pode prever que, em caso de dificuldade,

o conjunto das partes (ou as que se opuserem) deverão reunir-se para

estabelecer o sentido das disposições obscuras ou problemáticas.

Frequentes nos Tratados bilaterais, tais cláusulas observam-se por vezesem certas Convenções multilaterais.

2.º A interpretação coletiva pode realizar-se, também, por um acordo entre alguns

Estados partes no Tratado. Juridicamente, um acordo interpretativo inter se vincula apenas os

Estados que o aceitaram; possui um valor probatório menor do que o do acordo unânime e

levanta perante os Estados que não são parte nele, aos quais não é oponível, os mesmos

problemas que os suscitados pela interpretação unilateral: em caso de contestação, o único

recurso é aplicar as regras relativas aos Tratados sucessivos sem identidades de partes.

B – Interpretação não autentica

Interpretação por um juiz internacional: para evitar as dificuldades que podem suscitar a

interpretação pelas partes, a competência de interpretação pode ser transferida expressamente

para o juiz internacional (ou para o árbitro) por uma cláusula do Tratado. Em caso de silêncio

deste, aquela competência integra-se normalmente, tal como na ordem interna, na sua missão

geral de “dizer o direito”. Designadamente no que diz respeito ao Tribunal Internacional de

Justiça, o artigo 36.º do seu Estatuto dispõe que ele é competente para conhecer «todos os

diferendos de ordem jurídica relativos à interpretação de um Tratado».

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Interpretação por uma Organização Internacional: não se pode seriamente contestar a

competência dos órgãos não jurisdicionais das Organizações Internacionais para interpretar a

carta constitutiva, os Tratados que vinculam aquelas organizações e, eventualmente, os

Tratados invocados perante eles no âmbito das suas funções. Quando muito pode discutir-se a

extensão de tal competência e o alcance da interpretação assim formulada. Mesmo no silêncio

do Tratado de base, deve admitir-se uma competência implícita, bastante extensa para permitirà organização cumprir a sua tarefa: a prática dos órgãos “políticos” da O.N.U. confirma

largamente esta opinião. Aliás, o Tribunal Internacional de Justiça não hesita em apoiar-se na

maneira como a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança interpretam a Carta. Alguns atos

constitutivos contêm disposições expressas, com vista a organizar um processo anterior ao

recurso para os órgãos arbitrais ou jurisdicionais, ou um processo “final” nos conflitos entre

Estados sobre o funcionamento dessas organizações. O recurso a órgãos intragovernamentais

pode parecer pouco satisfatório por duas razões: a interpretação dos Tratados faria prevalecer

as considerações políticas sobre os argumentos jurídicos e correr-se-iam riscos de interpretação

contraditória entre órgãos de uma mesma organização, na ausência de uma estrita hierarquia

os órgãos e de um recurso sistemático a um órgão jurisdicional. Se a primeira critica é muitasvezes exata, ela não se aplica às Organizações Internacionais e não deve ser exagerada: quando

muito deve salientar-se que este modo de interpretação favorece a interpretação teleológica e

uma interpretação extensiva dos poderes dos órgãos envolvidos. Sobre este segundo ponto,

deve observar-se que, na prática, no âmbito da O.N.U. os conflitos de interpretação continuam

a ser excecionais e que a interpretação da Carta pela Assembleia Geral se impõe à maioria dos

órgãos por razões simultaneamente jurídicas e políticas. O alcance concreto das interpretações

apresentadas pelos órgãos não jurisdicionais varia em função da autoridade do órgão e da

possibilidade de recorrer ou não das suas decisões. Poderá admitir-se que estas interpretações

tenham “valor autêntico”, correndo o risco de ver a Carta constitutiva revista indiretamente?

Uma parte da doutrina responde negativamente em virtude do « princípio estabelecido segundoo qual o direito de escolher uma interpretação que faça fé (authoritaritative) de uma norma

 jurídica cabe apenas à pessoa ou órgão competente para a modificar ou a suprimir », o que não

é o caso, regra gera, quanto aos órgãos da Organização. Mas, na prática das Nações Unidas, em

conformidade com o critério proposto pela Conferência de São Francisco, admite-se que essa

interpretação terá força obrigatória se for «geralmente aceitável» pelos Estados membros. A

verdade é que subsistem divergências sobre o significado deste critério: o recurso ao “consenso”

satisfará esta exigência?

2.º - Métodos de Interpretação

Posição do problema: a interpretação é a lógica ao serviço do Direito. Quaisquer que sejam

as circunstâncias do caso, o intérprete deve basear o seu raciocínio num mínimo de regras

estáveis, que se qualificaram naturalmente de “máximas”, pois derivam da própria lógica. A

operação de interpretação é particularmente delicada em Direito Internacional, principalmente

porque os Estados  –  soberanos  –  entendem não estar comprometidos para além do que

verdadeiramente aceitaram. Consequentemente, a ideia fundamental é que a interpretação de

um Tratado tem por objetivo averiguar a vontade dos Estados partes. Esta é ditada pelo duplo

respeito da sua soberania e do princípio  pacta sunt servanda. Ao mesmo tempo é compatível

com a teoria clássica inspirada na noção de contrato que, «conserva um valor de princípio

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inegável ». Deve então dar-se prioridade aos elementos que melhor refletem esta vontade.

Existe, seguramente, um certo artificio simplificador por parte da Convenção de Viena  ao

reduzir à unidade a «regra geral de interpretação» dos Tratados. Não deixa de ser a da

interpretação de Boa Fé, formulada pelo artigo 31.º, n.º 1 CVDT. Este princípio fundamental está

na origem dos diversos meios e regras utilizados para interpretar os Tratados e é em função

desta exigência fundamental que deve efetuar-se a escolha entre os diferentes métodos.

Meios e regras de interpretação: mesmo que a distinção possa ser contestada, é

conveniente distinguir os meios  –  elementos de fundo ou de forma pertinentes para a

compreensão do texto  –  das regras de interpretação, isto é, dos princípios fundamentais

orientadores da utilização destes meios.

1.º Diversos meios de interpretação: nos termos do artigo 31.º, n.º1 CVDT, «um

Tratado deve ser interpretado de boa fé, segundo o sentido comum atribuível aos termos do

tratado no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim». Não poderíamos exprimir com

maior clareza que os diferentes meios de interpretação são interdepentes: os meios objetivos

(texto, contexto, circunstâncias) são indissociáveis dos meios subjetivos (objetivos procuradospelas partes).

a)  o texto é o próprio objeto da interpelação; é também o elemento que reflete

melhor as intenções das partes contratantes que o intérprete tem por missão

primordial investigar e dos quais ele é a expressão;

b)  O texto é porém indissociável do contexto conforme esclarece o artigo 31.º, n.º

2 CVDT. Consagrando igualmente as regras preexistentes, o n.º 3 do artigo 31.º

CVDT indica que o intérprete deve, além disso, levar em conta,

«simultaneamente com o contexto: a) todo o acordo estabelecido entre as

partes sobre a interpretação do tratado ou a aplicação das suas disposições; b)toda a prática ulterior na aplicação do tratado pela qual se estabeleça o acordo

das partes em relação à interpretação do tratado; c) toda a regra pertinente de

Direito Internacional aplicável às relações entre as partes».

c)  Meios complementares de interpretação: expressão da vontade das partes, o

Tratado, exprime, também, uma regra de direito destinada a reger as relações

sociais. Esta regra não pode portanto ser considerada independentemente das

circunstâncias associadas ao seu nascimento e que, por sua vez, estão

estreitamente ligadas à vida social internacional. Irá, aliás, incorporar-se no

ordenamento jurídico em que se mistura com outras normas jurídicas.

Nenhuma interpretação de um Tratado pode abstrair destas circunstâncias,nem objetivos, independentes da vontade das partes. É o que exprime o artigo

32.º CVDT, que classifica entre os «meios complementares de interpretação»,

os trabalhos preparatórios e as circunstâncias em que o Tratado foi concluído.

d)  É interessante verificar que, embora possam refletir as intenções das partes, os

trabalhos preparatórios que, em virtude das particularidades dos processos das

negociações internacionais, são caóticos, confidenciais ou pouco probatórios,

intervêm apenas para confirmar uma interpretação obtida por meios

prioritários, ou quando estes não permitem obter um «efeito útil». Isto está em

conformidade com a posição do Tribunal Internacional de Justiça que foi de

parecer «não dever demarcar-se da jurisprudência constante do Tribunal Penal

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de Justiça Internacional segundo a qual não há necessidade de recorrer aos

trabalhos preparatórios se o texto de uma convenção for em si próprio

suficientemente claro». Parece, contudo, que de alguns anos a esta parte se

esboça uma evolução tendente a conceder mais peso aos trabalhos

preparatórios.

e)  Um problema de interpretação particularmente difícil consiste em determinar

em que ata convém situar-se para proceder à interpretação. A Convenção de

Viena não fornece quaisquer indicações a este respeito; visando as

circunstâncias em que o Tratado foi concluído, remete para a data da sua

conclusão, mas dando uma grande importância à prática e aos acordos

ulteriores, convida a situar-se também na data em que a interpretação é

formulada. Na prática, a jurisprudência é flexível e, na verdade, razoavelmente

flutuante em função dos dados do problema.

2.º  Regras metodológicas: os meios de interpretação acima enumerados são

instrumentos às disposição do intérprete que deve utilizá-los. Para isso pode fazer apelo a váriosmétodos que o conduzirão a privilegiar um destes meios ou, melhor, a combiná-los da maneira

mais harmoniosa possível. Simplificando, (e racionalizando sem dúvida o excesso das diligências

eminentemente empíricas), podemos considerar que deve procurar atingir o resultado mais

evidente, o mais lógico ou o mais eficaz.

a)  A solução mais evidente é a que consiste em interpretar o menos possível e

em ater-se ao «sentido comum» das palavras, o que só é possível quando a

disposição a aplicar esteja redigida «em termos inequívocos». Como declarou

o Tribunal Penal de Justiça Internacional está nitidamente traçado. Colocado

em presença de um texto cuja clareza não deia nada a desejar, é obrigado a

aplica-lo tal como é…»; e mais recentemente o Tribunal Internacional d eJustiça recordou que, segundo a sua jurisprudência bem estabelecida, «é

necessário interpretar as palavras de acordo com o seu sentido natural e

comum no contexto em que elas figuram».

b)  A clareza aparente de uma disposição não deve, todavia, levar a um resultado

«insensato ou absurdo», «incompatível com o espírito, o objeto e o contexto

da clausula ou do ato em que os termos figuram».

c)  A regra do efeito útil permite chegar a uma interpretação eficaz. Segundo esta

regra, o intérprete deve supor que os autores do Tratado elaboram uma

disposição para que seja aplicada. Deve, portanto, escolher entre os váriossentidos possíveis desta disposição aquele que permita a sua aplicação efetiva

(ut res magis valeant quam pereat ). Por esta razão, o Tribunal Penal de Justiça

Internacional empregava, por vezes, a expressão «efeito prático». Por outro

lado o Tribunal pronunciou-se nestes termos: «Com efeito, seria contrário às

regras de interpretação geralmente reconhecidas considerar que uma

disposição deste género, inserida num compromisso, não tenha nem alcance

nem efeito». O respeito da regra do efeito útil não deveria levar à procura

incondicional da aplicação do texto a ponto de pô-lo em contradição com

outros elementos do Tratado. Tal contradição surgiria se a interpretação

desse a este texto um sentido incompatível com «a sua letra e espírito», coma sua «função» ou o seu «objeto» e o seu «fim». A Comissão de Direito

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Internacional não tinha proposto que a regra fosse expressamente

mencionada na Convenção sobre o Direito dos Tratados  porque, na sua

opinião, ela estava incluída no princípio da Boa Fé. Isto é exato, mas aplica-se

às partes e não aos juízes. De resto, a menção do objeto e do fim do Tratado

no artigo 31.º, n.º 1 CVDT remete implicitamente para a regra do efeito útil.

d)  Surgem problemas de interpretação particularmente quando o Tratado é

redigido em duas ou várias línguas fazendo igualmente a fé. O artigo 33.º, n.º

3 e 4 CVDT dá a este respeito as diretrizes seguintes: «3. Presume-se que os

termos de um tratado têm o meso sentido nos diversos textos autênticos. 4.

Salvo o caso em que um determinado texto prevalece, nos termos do n.º 1(…)

quando a comparação dos textos autênticos faz aparecer uma diferença de

sentido que a aplicação dos artigos 31.º e 32.º não permite remediar, adotar-

se-á o sentido que melhor concilie esses textos tendo em conta o objeto e o

fim do tratado.». Na prática, na medida do possível, os juízes ou árbitros

tentam com efeito conciliar as diferentes versões que fazem fé. Quando não

o conseguem, dão a preferência ao texto mais claro ou mais explícito e

correspondendo melhor às «preocupações gerais» das partes. Em

contrapartida, apesar de certas incitações doutrinais e de alguns precedentes

arbitrais, recusam-se em geral a conceder a supremacia ao texto em que

foram efetuando os trabalhos preparatórios.

Escolha dos métodos de interpretação: muito mais do que ao espírito geométrico, a

interpretação dos Tratados faz apelo ao espírito de subtileza. Os diversos meios e métodos

descritos supra constituem mais diretrizes gerais do que regras rígidas. Compete ao intérprete

aplica-las com flexibilidade e ordená-las. Fá-lo em função de considerações muito diversas que

se prestam mal a uma síntese e, se a doutrina se divide a este respeito em escolas depensamento muito claramente caracterizadas, podemos da melhor maneira extrair da prática o

esboço de certas tendências gerais.

a)  Na doutrina, encontramos vestígios da grande querela que opõe os autores

voluntaristas ao objetivistas: os primeiros que preconizam a predominância

do aspeto contratual, concedem o primado aos elementos subjetivos; ao

mesmo tempo, provam o intérprete de uma larga parte da sua liberdade de

ação perante as partes contratantes. Em contrapartida, a preferência dos

autores objetivistas, que consideram o Tratado, acima de tudo, como o

«revestimento jurídico da realidade social», vai para os meios objetivos de

interpretação. Este método leva-os a reivindicar para o intérprete uma certaindependência em relação aos autores do Tratado. Uma outra clivagem que

separa os autores diz respeito ao recurso à interpretação extensiva ou

restritiva. À primeira estão ligadas a escola da «intenção das partes» e a da

interpretação «textual»; à segunda, a escola da interpretação «teleológica» -

isto é, em função do objeto e do fim do Tratado  – e o seu prolongamento, a

interpretação «dedutiva», de utilização mais excecional visto que só a

encontramos na jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça das

Comunidades Europeias. Estas diversas abordagens não são necessariamente

contraditórias, mas levam a resultados diferentes na medida em que insistem

em certos meios de interpretação do que noutros.

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b)  Na prática, é sempre possível tentar determinar a influência que uma ou outra

destas escolas de pensamento pôde exercer sobre um intérprete  – órgão do

Estado, Juiz ou árbitro internacional – num caso determinado, mas verifica-se

muito claramente que, no conjunto, a escolha de um ou de outro método é

ditava bem mais pelas circunstâncias do que pelas posições doutrinárias

preestabelecidas. Na realidade, a notável síntese efetuada pelos artigos 31.ºa 33.º CVDT traduz bastante fielmente tendências gerais da prática, mesmo

não podendo exprimir todas as suas subtilezas. E a ordem dos meios de

interpretação que aí figuram é, com efeito, a que segue a jurisprudência

dominante: primeiro o texto; depois o contexto; a seguir a prática ulterior, os

trabalhos preparatórios e as circunstâncias em que o Tratado foi concluído,

sendo determinado que não existe graduação rígida entre os diversos meios

de interpretação. Aliás, sucede o mesmo no que respeita aos diversos

métodos de interpretação. Se conceder uma prioridade absoluta a um texto

que considera claro – (mas considera-lo claro já é interpretar) –, o juiz afasta

este primeiro reflexo se o seu resultado não é razoável ou se consideraçõesdeterminantes militam a favor de uma interpretação que se afasta do sentido

mais habitual dos termos. Isto está também conforme com as prescrições da

Convenção de Viena cujo artigo 31.º, n.º4, dispõe: «Um termo será entendido

num sentido particular se for estabelecido que tal era a intenção das partes.».

Parece pouco duvidoso que os juízes e os árbitros se considerem livres de

recorrer aos métodos de interpretação que lhes pareçam mais apropriados

ao caso especial que lhe é submetido; todavia, preocupados em não ferir as

suscetibilidades nacionais dos Estados soberanos partes nos litígios, utilizam

muitas vezes conjuntamente os meios e as regras acima descritos de maneira

a obter a confirmação interpretativa à qual os conduziu a aplicação de um

dado método, através d utilização de um outro. O conjunto das sentenças

arbitrais e dos acórdãos recentes testemunham, de resto, o êxito excecional

das disposições da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados; pelo

menos de maneira implícita e, muitas vezes, explicitamente, elas referem-se

a isso, mesmo que as partes em litígio não tenham ratificado a Convenção.

Secção IV  – Aplicação dos Tratados e conflitos de normas 

1.º - Conflitos entre Normas Convencionais Sucessivas

Insuficiência das abordagens doutrinas: Um tratado não pode ser considerado

isoladamente. Não só se encontra ancorado nas realidades sociais, mas as suas disposições

também devem ser confrontadas com outras normas jurídicas com as quais podem entrar em

concorrência. Estas normas podem ser de natureza convencional ou de formação espontânea.

Todavia, como não existe hierarquia entre as fontes de Direito Internacional, podemos admitir

que as regras aplicáveis em caso de conflitos entre normas convencionais são transponíveis na

hipótese de uma contradição entre estas e as regras dependentes de uma outra fonte de DireitoInternacional. De resto, foi sobre o problema dos tratados sucessivos incidindo na mesma

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que elaboram o sistema de regra mais completo com a construção de uma verdadeira hierarquia

dos tratados. Esta construção sedutoramente racional menoscaba um importante parâmetro, a

soberania do Estado e, sendo assim, corresponde apenas parcialmente à prática internacional – 

aliás, muitas vezes confusa e cheia de elementos contraditórios  – que a Convenção de Viena 

sistematizou por meio de algumas fórmulas acessíveis. As regras formuladas a título principal

no artigo 30.º - mas também nos artigos 41.º, 53.º, 60.º, 64.º etc. – não podiam, contudo, refletira totalidade das variadas soluções desta prática. No essencial, apenas afloram os problemas de

responsabilidade que a inexecução dos tratados irredutíveis com base no Direito dos tratados

inevitavelmente põe. A grande dificuldade da matéria reside na necessidade de combinar o

princípio da autonomia da vontade dos sujeitos de Direito Internacional com o do efeito relativo

dos tratados, o que levanta na verdade dois problemas distintos: o da compatibilidade entre

normas sucessivas, ângulo sob o qual a questão é em geral considerada, e o da oponibilidade de

uma norma vinculando um dado Estado a um segundo Estado, que concluiu com o primeiro um

tratado contendo uma disposição incompatível com esta norma.

A – Solução do problema da compatibilidade

Disposições convencionais expressas: nada proíbe as partes num tratado de nele

introduzirem critérios hierárquicos. Fazem-no frequentemente, mas estas iniciativas, se

contribuem para resolver certos problemas, levantam outros, igualmente difíceis. Por

conseguinte, o estabelecimento de processos destinados a prevenir os conflitos parece mais

satisfatório, ainda que a aplicação destes mecanismos preventivos seja delicada.

1.º Declaração de compatibilidade: não é raro que, prevendo eventuais conflitos,um tratado fixe antecipadamente, por uma cláusula formalmente expressa, o seu lugar na

ordem de prioridade a estabelecer. Estas disposições são designadas “declarações de

compatibilidade” quando indicam expressamente que o tratado em questão é “compatível” com

outro tratado, ou recorrem a outra fórmula especificando ou que não é incompatível com este

ou que não o afeta, e que não será interpretado como afetando de algum modo as disposições

desse outro tratado. Quando um tratado contém semelhante declaração, na qualidade de

tratado inferior, deve ser sempre interpretado no sentido da sua compatibilidade com o tratado

superior. Se for impossível conciliar um e outro, o tratado superior prevalecerá. Tal é a solução

preconizada no artigo 30.º, n.º1 CVDT:

«Quando um tratado estabelece que está subordinado a um tratado anterior ou posterior ou que não deve ser considerado incompatível com esse outro tratado, as disposições

deste prevalecem sobre as daquele.»

Estes tratados, que se apresentam eles próprios como subordinados, não põem

nenhum problema particular: por hipótese preservam os direitos de terceiros e, se se verificar

uma incompatibilidade, basta fazer uma sua aplicação mecânica. O mesmo não acontece na

hipótese inversa, quando um tratado afirma a sua própria superioridade. Neste caso, põe-se,

com efeito, de maneira premente o problema da preservação dos direitos de terceiros; somente

servanda, os Estados partes no tratado anterior devem executá-lo e este deveprevalecer sobre o tratado posterior.

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a existência de mecanismos preventivos eficazes, que evitam que ocorra tal problema, constitui

uma solução verdadeiramente satisfatória.

2.º Mecanismos preventivos: como o seu nome indica e contrariamente às cláusulas

de compatibilidade que intervêm ex post facto, esforçam-se por impedir que surge um problema

de incompatibilidade, isto é, por evitar que os Estados concluam sucessivamente tratadoscontraditórios. Estes mecanismos podem ser institucionalizados  – o modelo é fornecido pelo

artigo 228.º do Tratado de Roma C.E. – ou puramente interestatais.

Princípios de solução em caso de silêncio das partes: sem resolver todos os problemas, as

disposições expressas adotadas pelas partes facilitam a sua solução. Isto porém é a exceção e,

no caso mais frequente do silêncio do tratado, é necessário procurar fora deste os princípios

aplicáveis. A este respeito convém distinguir, conforme o artigo 30.º CVDT, a hipótese dos

tratados sucessivos com identidade de partes, da hipótese em que os tratados incompatíveis

são concluídos entre partes diferentes.

1.º Tratados sucessivos com identidade de partes: esta hipótese é a mais simples.Ela é considerada no artigo 30.º, n.º3 CVDT, segundo o qual:

«Quando todas as partes no tratado anterior são igualmente partes no tratado

 posterior, sem que o primeiro tratado tenha cessado de vigorar ou sem que a sua aplicação tenha

sido suspensa por força do artigo 59.º, o primeiro tratado só se aplica na medida em que as suas

disposições sejam compatíveis com as do segundo tratado.»

Esta disposição não é mais do que a aplicação do princípio lex posteriori priori

derogat , cuja concretização não constitui problema, uma vez que os dois tratados emanam dos

mesmos Estados. Mas é preciso não esquecer que o artigo 30.º visa apenas os acordos

sucessivos tratando «a mesma matéria», o que foi interpretado como «tendo o mesmo grau de

generalidade». Se um dos dois tratados tiver um caráter especial em relação ao outro, deve

reconhecer-se a prevalência da lex specialis, por aplicação da máxima specialia generalibus

derogat , a menos que resulte expressa ou implicitamente do tratado posterior que as partes

pretenderam considerar a solução inversa. Em conformidade com a prática constante dos

Estados, esta regra não passa, na realidade, de uma ilustração dos princípios aplicáveis à

modificação ou à revogação dos tratados, à regra segundo a qual todos os Estados partes no

primeiro tratado podem modifica-lo ou revoga-lo por um acordo posterior, formalmente

expresso ou tácito. A aplicação da regra do bom senso formulada pelo artigo 30.º, n.º3 CVDT

não suscita quaisquer dificuldades na prática.

2.º  Tratados sucessivos sem identidade de partes: é a situação mais complexa,porque um círculo restrito de Estados nem sempre é autorizado a modular os seus

compromissos mútuos (norma particular) contra a vontade de um círculo mais vasto de Estados,

relativamente aos quais os primeiros se encontram vinculados por um compromisso anterior

(norma geral). Convém, pois, distinguir duas hipóteses fundamentais consoante a licitude do

tratado posterior é contestável ou não:

a)  Caso em que o tratado posterior é compatível com o tratado anterior : uma

norma “particular” pode derrogar uma norma “geral” anterior, se se

verificarem as condições estabelecidas no artigo 41.º, n.º1 CVDT, seja

porque a possibilidade de uma tal modificação está prevista pelo tratado

inicial, seja porque a modificação é compatível com os direitos e obrigaçõesde todos os Estados partes no tratado inicial, e com o objetivo e o fim desse

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tratado. Pode também surgir o problema de uma norma “particular”

anterior à norma geral, mas a Convenção de Viena não propõe qualquer

critério de validade. Nesta hipótese, é possível dissociar o regime aplicável

nas relações entre Estados partes nos dois tratados e o que se aplica nas

relações com um Estado que seja parte apenas num dos dois tratados

(Artigo 30.º, n.º4 CVDT)).

a.  Nas relações entre Estados partes nos dois tratados , aplica-se

prioritariamente o tratado posterior, em conformidade com o já

citado princípio geral lex posteriori derogat priori   apoiado pelo

princípio da superioridade da regra “especial” ou “particular” sobre

a regra geral (in toto jure genus per speciem derogatur ), pelo menos

quando o tratado restrito é posterior. Se, pelo contrário, o tratado

restrito for anterior, e em caso de silêncio do tratado posterior, o

princípio lex poster prevalece sobre o princípio in toto jure…

(superioridade do tratado posterior), em conformidade com a

vontade implícita dos Estados. Estas soluções são conformes à

prática interestatal.

b.  Nas relações com outros Estados  intervém o princípio do efeito

relativos dos tratados, visto que uma das partes se encontra

vinculada apenas por um tratado, não lhe sendo oponível o outro.

A Comissão de Direito Internacional formulara claramente as duas

situações tipo:

«Nas relações entre um Estado parte nos dois tratados e um

Estado parte no primeiro tratado apenas, o primeiro tratado

rege os seus direitos e obrigações recíprocas –  Nas relaçõesentre um Estado parte nos dois tratados e um Estado parte

no segundo tratado apenas, o segundo tratado rege os seus

direitos e obrigações recíprocas».

O artigo 30.º, n.º4, alínea b) CVDT consagrou esta solução, aliás

indiscutível, numa formulação mais elítica e um pouco menos clara:

«Nas relações entre um Estado parte nos dois tratados

e um Estado parte apenas em um desses tratados, o tratado no qual

os dois Estados são partes rege os seus direitos e obrigações

recíprocas.»

b) 

Caso em que o tratado posterior não é compatível com o tratado anterior:

nas situações em que não sejam respeitadas as condições estabelecidas pelo

artigo 41.º CVDT, o tratado restrito posterior ao tratado geral não é licíto.

Deve, pois, afirmar-se o primado do tratado anterior e afastar a aplicação

do tratado posterior. A jurisprudência contempla claramente esta solução:

«Podemos igualmente considerar, como princípio reconhecido,

que qualquer convenção multilateral é fruto de um acordo livremente

concluído com base nas suas cláusulas e que, consequentemente, não

compete a nenhum dos contratantes destruir ou comprometer, por decisões

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unilaterais ou por acordos particulares, o fim e a razão de ser da

convenção.63»

O que está estabelecido nas relações entre as partes numa convenção

particular, deveria sê-lo a fortiori  nas relações com os Estados não partes: o

princípio  pacta sunt servanda  impõe aqui o respeito da supremacia dotratado geral sobre o tratado especial, logo, do tratado anterior sobre o

posterior. Os autores da Convenção de Viena não julgaram oportuno

consagrar esta regra, que é, porém, o resultado lógico do sistema

considerado por eles no artigo 41.º. Todavia, podemos encontrar na

Convenção elementos que vão no sentido adotado pela prática: por um lado,

os artigos 54.º e 59.º confirmaram implicitamente a possibilidade de

modificar um tratado multilateral sem o acordo unânime das partes, se as

condições que constam do artigo 41.º não estiverem reunidas; por outro, o

artigo 30.º, n.º5, remete, num caso deste género, para o direito da

responsabilidade internacional.

Exceção: primado absoluto de certas normas convencionais:

1.º Convenções que estabelecem regras de ius cogens: o artigo 53.º CVDT não exclui

a elaboração das normas de ius cogens por meio de convenções. Estas devem ser, de acordo

com aquela disposição, convenções universais ou pelo menos quase universais. A superioridade

absoluta do ius cogens leva naturalmente à dessas convenções. No seu acórdão proferido no

caso Barcelona Traction64, o Tribunal Internacional de Justiça declarou claramente que normas

resultantes do ius cogens podem ser comprovadas pelas referidas convenções, que produzem

efeitos erga omnes.

2.º Tratados criando uma situação objetiva: nos termos do artigo 103.º da Carta dasNações Unidas:

«No caso de conflito entre as obrigações dos Membros das Nações Unidas em

virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional,

 prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta».

Esta redação inspira-se no artigo 20.º do Pacto da S.d.N. que, no seu n.º1 revogava

todas as obrigações ou entendimentos entre os membros da Sociedade incompatíveis com os

seus termos. Todavia, difere dela sob dois aspetos importantes: por um lado a Carta está em

recesso relativamente ao Pacto  na medida em que não prevê a revogação dos tratados

contrários, por outro, vai muito mais longe; com efeito, contrariamente ao texto de 1919 – cujoartigo 20.º, n.º2, obrigava somente os Estados membros da Sociedade das Nações a

exonerarem-se das obrigações incompatíveis contraídas com os Estados não membros – o artigo

103.º não preserva os direitos dos Estados terceiros visto que podem ter para com Estados não

membros. Esta situação, evidentemente excecional, só pode explicar-se se admitirmos o caráter

quase constitucional da Carta, que cria uma situação objetiva, oponível ao conjunto dos Estados.

Foi o que a Comissão de Direito Internacional que se fundamentou não só na importância do

lugar que ocupa a Carta das Nações Unidas  no Direito Internacional contemporâneo, mas

também no facto de que «os Estados membros da O.N.U. constitutem uma parte (…)

considerável da comunidade internacional». Esta supremacia está, de resto, em plena harmonia

63 T.I.J. , parecer de 28 maio 1951, Reservas à Convenção sobre o genocídio, Rec, 1951, p. 21)64 Rec. 1970, p. 32

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com a jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça, que se apoiou também no caráter

quase universal da Carta para afirmar o seu efeito erga omnes.65 Fundamentando-se nestas

considerações, o artigo 30.º, n.º1 CVDT confirmou a superioridade da Carta das Nações Unidas

sobre qualquer outro tratado, admitindo que o artigo 103.º constitui uma exceção aos princípios

mencionados nos parágrafos seguintes, aplicáveis aos tratados sucessivos incidindo sobre a

mesma matéria. Sem dúvida, a Convenção não faz mais do que consagrar uma situação de facto.Mas, no plano dos princípios, ela trouxe uma contribuição útil ao estabelecimento de uma

hierarquia das normas internacionais, conferindo uma certa positividade à ideia segundo a qual

as convenções multilaterais, tendo em conta o seu objeto e a extensão do seu campo de

aplicação, deveriam beneficiar de uma posição privilegiada na ordem jurídica internacional.

B – Problema da oponibilidade

Hipóteses em que o problema se põe: os princípios expostos supra bastam-se a si própriosem duas hipóteses: a dos tratados sucessivos com identidade de partes e a dos tratados

enunciando uma regra de ius cogens ou criando uma situação objetiva. No primeiro caso, a

questão da oponibilidade das normas convencionais a um terceiro não se põe, nem por hipótese,

e, em conformidade com os princípios tanto da autonomia da vontade como da soberania, as

partes podem fazer prevalecer a regra que mais lhes convém, sendo presumida a sua vontade,

à falta de indicação expressa, em conformidade com os princípios gerais de direito em vigor em

todos os sistemas jurídicos. No segundo caso, não é o tratado enquanto tal, mas a norma, que

se impõe a terceiros; a sua superioridade é a tradução do grau de integração atingido pela

comunidade internacional. Mas este está ainda embrião: e, no estado atual do desenvolvimento

da sociedade internacional, não é possível admitir, como pretenderia a solução extremapreconizada pelos autores objetivistas, a nulidade dos tratados posteriores concluídos por

algumas das partes relativamente a terceiros. Os direitos destes devem ser salvaguardados, mas

não podem sê-lo por um método puramente objetivo.

Solução do problema: o problema de compatibilidade entre normas sucessivas põe-se

unicamente a respeito do Estado que contraiu compromissos sucessivos. Face a terceiros, estes

compromissos são res inter alios acta; e isto é verdade tanto no primeiro tratado relativamente

às partes no segundo, como neste face às partes no primeiro tratado. Em conformidade com o

princípio do efeito relativo dos tratados, os terceiros não são afetados pelos compromissos em

que não são partes; estes não lhes são pura e simplesmente oponíveis (e isto é verdade quer os

tratados sucessivos sejam compatíveis quer não). Pelo contrário, por aplicação do princípio

 pacta sunt servanda, estão no direito de exigir que sejam respeitados os compromissos tomados

a seu respeito. É obvio que, se as obrigações convencionais sucessivamente aceites pelo seu

parceiro forem compatíveis entre si, a sua inoponibilidade não terá qualquer consequência

concreta. Em contrapartida, a sua incompatibilidade induzirá inevitavelmente o Estado parte

nos dois tratados a não respeitar um ou outro dos seus compromissos, embora ambos sejam

válidos. Neste caso, podem considerar-se duas sanções, uma e outra previstas pelo artigo 30.º,

n.º5 CVDT que remete para o artigo 60.º por um lado e para o direito da responsabilidade

internacional por outro. Isto significa que o Estado ou os Estados vítimas da inexecução poderão

pôr fim ao tratado ou suspender a sua aplicação como consequência da sua violação (artigo 60.º),

65 Parecer de 11 abril 1949, Rec., 1949, p. 185.

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e responsabilizar o autor da falta. Não se trata já de resolver um conflito de normas (problema

objetivo de compatibilidade), mas de sancionar (subjetivamente) um comportamento

internacional ilícito. Sem dúvida a solução não é nada satisfatória, pois o Estado vítima poderia

preferir obter a execução do tratado a pôr em causa a responsabilidade do seu parceiro

contratante faltoso, o que levaria quanto muito a uma reparação. De resto, o seu efeito será dar

ao Estado culpado de ter tomado compromissos contraditórios a livre escolha do tratado quenão executará ou, melhor, que violará. Esta é, porém, a consequência inelutável da soberania

do Estado mesmo se a jurisprudência nunca teve ocasião de consagrar claramente esta solução.

2.º - Conflitos entre normas convencionais e normas internas 

Observações gerais: as disposições de um tratado podem entrar em conflito, não só com

outras normas internacionais convencionais ou não, mas também com normas internas. Tal

incidente relaciona-se com o problema geral das relações entre o Direito Internacional e oDireito interno. Para o resolver a doutrina reparte-se entre o dualismo e o monismo. Os

partidários do primeiro consideram que tais conflitos não podem produzir-se, enquanto, se

raros monistas preconizam ainda a supremacia do Direito Interno, a maior parte deles

pronunciam-se a favor da superioridade do Direito Internacional. Podem hoje em dia encontrar

apoio no artigo 27.º CVDT:

«Uma parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar a

não execução de um tratado».

regra que aparece como o complemento do princípio  pacta sunt servada expresso no artigo

precedente. Todavia, face a este problema, o juiz internacional e o juiz interno, inseridos numambiente social diferente, podem ter reações variadas, ditadas por preocupações distintas. De

facto, «o que constitui uma violação de um tratado pode ser lícito em Direito interno e o que é

ilícito em Direito interno pode não constituir qualquer violação de uma disposição

convencional » 66 . Órgão do direito das gentes, o juiz internacional afirma em todas as

circunstâncias a superioridade deste, dando assim razão ao monismo quanto ao primado do

Direito Internacional; não tira porém todas as consequências deste princípio: em qualquer caso,

o contencioso internacional é, regra geral, um contencioso da responsabilidade e não da

anulação. Sem se opor radicalmente a esta solução, a posição do juiz interno é simultaneamente

mais hesitante e mais circunspeta. Nesta perspetiva, a atitude do juiz comunitário é

particularmente interessante porque se encontra «numa encruzilhada»: faco aos Direitos dosEstados membros, o Direito Comunitário surge com efeito como um ramo do Direito

Internacional, em que se verifica que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias afirma a

superioridade sem fraqueza. Pelo contrário, as soluções adotadas são mais flexíveis ou, em todo

o caso, mais subtis, quando o Tribunal do Luxemburgo deve encarar as relações entre normas

convencionais gerais e Direito Comunitário, mostrando-se este último neste caso como um

Direito “interno” perante aquelas normas.

66 Tribunal Internacional de Justiça, Acórdão de 20 julho 1989, Ellettronica Sicula, Rec., 1989, p. 51, vertambém p. 74.

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A – Perante o Juiz Internacional

Normas convencionais e normas constitucionais: fiel à sua posição de princípio sobre a

superioridade absoluta do Direito Internacional em relação ao Direito interno, o juiz

internacional não se detém na hierárquica das normas existentes na ordem jurídica nacional.

Norma de Direito interno, consequentemente, a regra constitucional não deveria prejudicar a

aplicação de um tratado. O Tribunal Penal de Justiça Internacional relembrou-o com firmeza no

seu parecer consultivo de 4 de fevereiro de 1932, relativo ao Tratamento dos nacionais polacos

em Dantzig:

«se por um lado, segundo os princípios geralmente admitidos, em Estado não pode,

 face a outro Estado, valer-se das disposições constitucionais deste último, mas somente do

Direito Internacional e dos compromissos internacionais validamente contraídos, por outro,

inversamente, um Estado não se poderia invocar, face a outro Estado, a sua própria Constituição

 para se subtrair às obrigações que lhe são impostas pelo Direito Internacional ou pelos tratadosem vigor ».

A mesma regra foi formulada de maneira mais sistemática pela sentença arbitral de 26 julho

1875, preferida no caso Montijo entre os Estados Unidos e a Colômbia, que aplica esta regra às

Constituições dos Estados federais:

«Um tratado é superior à Constituição. A legislação da República deve adaptar-se

ao tratado, não o tratado à lei ».

O princípio encontra-se confirmado pelo projeto da Comissão de Direito Internacional relativo

à responsabilidade dos Estados, cujo artigo 6.º enuncia:

«O comportamento de um órgão do Estado é considerado como um facto deste

Estado segundo o Direito Internacional, pertencendo este órgão ao poder constitutivo, legislativo,

 judicial ou ambos…».

Normas convencionais e normas legislativas ou regulamentares: o que vale para a

Constituição é a fortiori exato para as normas hierarquicamente inferiores na ordem interna.

Desde o seu primeiro acórdão, em 1923, o Tribunal Penal de Justiça Internacional recusou

admitir que, por um ato interno (uma disposição de neutralidade), a Alemanha tivesse podido

libertar-se das obrigações que lhe incumbiam em virtude do Tratado de Versailles. Numa

passagem célebre, muitas vezes citada, o mesmo Tribunal declarou:

«Para o Direito Internacional e para o Tribunal, que é o seu órgão, as leis nacionais

são simples factos, manifestação da vontade e da atividade dos Estados, do mesmo modo que

as decisões judiciais ou as medidas administrativas»67.

Num parecer do mesmo Tribunal encontramos esta fórmula genérica:

«É um princípio geralmente reconhecido do direito das gentes que, nas relações

entre potências contratantes de um tratado, as disposições de uma lei interna não poderiam

 prevalecer sobre as do tratado»68.

67 Acórdão 25 maio 1926, Alta Silésia polaca, série A, n.º7, p. 12.68 Parecer 31 julho 1930, Questão das comunidades greco-búlgaras, série B, n.º 17, p. 32.

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O desrespeito deste princípio, indissociável da obrigação que incumbe ao Estado de tomar as

medidas internas, legislativas ou regulamentares, necessárias à execução do tratado, é

sancionado pela responsabilização do autor da falta, estando o juiz internacional proibido de

pronunciar a anulação do ato interno incriminado, que é declarado simplesmente inoponível

aos outros Estados.

Normas convencionais e decisões jurisdicionais internas: a obrigação de aplicar o tratado

na ordem interna impõe-se a todos os órgãos do Estado, inclusive às jurisdições nacionais. Disso

resulta ainda que o Estado não poderá valer-se das decisões jurisdicionais internas para fazer

fracassar um tratado no qual é parte. O Tribunal Penal de Justiça Internacional, que afirmou o

princípio no célebre dictum do seu Acórdão n.º 7 no caso da Alta Silésia polaca, confirmou-o de

maneira mais exata, no seu Acórdão n.º 13 e 15 setembro 1928 relativo à Fábrica de Chorzow

(fundo). Considerando que era impossível:

«Que um julgamento nacional possa invalidar indiretamente um acórdão proferido

por uma instância internacional,»

acrescentou:

«Seja qual for o efeito da sentença do Tribunal de Katowice de 12 novembro 1927

do ponto de vista do Direito interno, esta sentença não poderia nem cancelar a violação da

convenção de Genebra verificada pelo Tribunal no seu Acórdão n.º7, nem subtrair uma das

bases sobre as quais se fundamenta».

A questão é raramente considerada pelos tribunais internacionais sob o ângulo da

compatibilidade entre as decisões dos tribunais internos e as disposições de um tratado. A

solução encontra-se todavia confirmada por numerosas decisões jurisdicionais ou arbitrais

internacionais que reconhecem a responsabilidade do Estado em virtude das decisões dos

tribunais nacionais não conformes a um tratado. Igualmente o artigo 6.º do projeto de artigos

da Comissão de Direito Internacional sobre a responsabilidade dos Estados.

B – Perante o Juiz Comunitário

Normas comunitárias e normas internas: o Direito comunitário aparece aqui, como um

ramo do Direito Internacional face às ordens jurídicas dos Estados Membros. Uma

 jurisprudência bem conhecida do Tribunal do Luxemburgo defende muito firmemente o

primado do Direito Comunitário sobre as regras nacionais.

1.º Relações entre normas comunitárias e regras constitucionais: a prevalência das

primeiras está explicitamente assegurada desde um Acórdão de 17 de dezembro 1970:

« A invocação de ofensas praticadas seja aos direitos fundamentais tal como são

 formulados pela constituição de um Estado membro, seja aos princípios de uma estrutura

constitucional nacional, não poderia afetar a validade de um ato da Comunidade ou o seu efeito

sobre o território deste Estado». O que é verdadeiro para um ato da Comunidade é-o a fortiori  

para os tratados constitutivos.

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2.º Relações entre normas comunitárias e normas legislativas ou regulamentares:

uma jurisprudência constante afirma a superioridade das regras das Comunidades sobre as

disposições nacionais anteriores e posteriores. Segundo um célebre dictum:

« A força executiva do direito comunitário não pode, com efeito, variar de um Estado

membro para outro, de acordo com as legislações internas ulteriores sem pôr em perigo arealização dos objetivos do tratado…; as obrigações contraídas no tratado instituindo a

Comunidade não seriam incondicionais mas somente eventuais, se pudessem ser postas em

causa pelos atos legislativos futuros dos signatários»69. Não é, portanto, necessário que a norma

legislativa nacional, contrária à norma comunitária diretamente aplicável, tenha sido

formalmente revogada para que o juiz nacional se abstenha de a aplicar.

Por isso os Estados membros nunca conseguiram escapar à comprovação de uma falta da sua

parte às obrigações comunitárias utilizando o argumento dos obstáculos do Direito nacional

(lentidão ou má vontade do legislador interno): este não pode justificar o desrespeito do Direito

comunitário.

3.º  Relações entre normas comunitárias e decisões jurisdicionais internas: a

 jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias mantém-se discreta sobre este

ponto, que aborda apenas indiretamente: quer se recuse a tomar em conta os argumentos

baseados na jurisprudência nacional, quer convide os tribunais nacionais a utilizarem mais

sistematicamente o processo das questões pré judiciais perante ele; quer, finalmente e

sobretudo, recuse as teses sustentadas por alguns tribunais constitucionais nacionais. Contudo,

não está em posição de sancionar diretamente uma decisão jurisdicional que estaria em

contradição flagrante com o Direito Comunitário: a Comissão das Comunidades recusou-se, até

agora, a introduzir um recurso por verificação de falta conta um Estado cujos Tribunais não

respeitaram o primado das normas comunitárias.

Normas convencionais e normas comunitárias: por oposição à hipótese precedente, o

Direito Comunitário é considerado um Direito “interno” face ao Direito Internacional Geral.

Sejam quais forem as hesitações dos tribunais nacionais sobre a natureza das normas

comunitárias, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias deve considera-las normas

“internas” na ordem jurídica cujo respeito assegura. Se, sob este ângulo, a situação jurídica é

mais simples do que perante o juiz interno, apresenta, contudo, uma certa complexidade devido

à coexistência de compromissos internacionais dos Estados membros e da própria Comunidade.

Os compromissos  – dos Estados membros ou da Comunidade  –  que “vinculam” esta, fazem

parte integrante do Direito Comunitário e constituem fontes formais deste. Na medida em que

a Comunidade “sucedeu” aos Estados membros para a aplicação de alguns tratados, os efeitos jurídicos destes últimos devem, doravante, ser estabelecidos em virtude do Direito Comunitário

e já não segundo as ordens jurídicas nacionais: esta solução impõe-se para garantir uma

aplicação uniforme das convenções que comprometem a Comunidade. O mesmo sucede, em

especial, na procura de um eventual efeito direto e da invocabilidade de uma norma

internacional em Direito Comunitário, de molde a facilitar e a favorecer o desencadear do

processo pré judicial do artigo 177.º do Tratado de Roma. O Tribunal de Justiça das

Comunidades Europeias respeita o princípio do primado do Direito Internacional em relação à

sua própria ordem jurídica “interna”. Mas ainda não teve a ocasião ou a preocupação de verificar

todas as suas consequências.

69 T.J.C.E., 15 julho 1964, caso 6/64, Costa c. E.N.E.L., Rec. 1964, p. 1141.

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1.º Relações entre normas internacionais e tratados constitutivos das Comunidades:

a jurisprudência comunitária não decide, no seu princípiom questão do nível relativo dos

tratados envolvendo a Comunidade em relação aos tratados de Paris e Roma. Os tratados

constitutivos contêm disposições expressas sobre certos aspetos do problema.

a) 

No caso de tratados que só interessam os Estados membros, nas suasrelações mútuas: o artigo 233.º do tratado C.E.E. confirma a sobrevivência

das uniões aduaneiras sub-regionais, o artigo 219.º do mesmo tratado,

fazendo aplicação da máxima lex posteriori derogat priori , proíbe os Estados

membros de invocarem compromissos internacionais anteriores e

contrários às disposições do tratado C.E. em matéria de resolução dos

conflitos. Por seu lado, a jurisprudência estabelece que os acordos

anteriores são implicitamente revogados,ou pelo menos inoponíveis, se isso

for necessário ao bom funcionamento dos tratados de base:

«O Tratado C.E., nas matérias que regulamenta, tem a prioridade

sobre as convenções concluídas antes da sua entrada em vigor entreos Estados membros, incluindo as convenções ocorridas no quadro

do G.A.T.T. que permanecem em vigor».

Em princípio, não deveria pôr-se problema na compatibilidade entre os tratados

da comunidade e acordos posteriores entre Estados membros, porque existem processos

destinados a prevenir tal hipótese. Em caso de fracasso da prevenção, conviria reconhecer o

primado dos tratados constitutivos na ordem jurídica comunitária. Tanto mais que o Tribunal

considera que o artigo 234.º não diz respeito a esta categoria de convenções.

b)  As convenções concluídas com países terceiros  superam os tratados

constitutivos quando as regras do Direito dos Tratados relativas aos tratadossucessivos e as do efeito relativo das convenções internacionais impõem

esta solução.

2.º  Relações entre normas internacionais e Direito Comunitário derivado: as

normas internacionais mais recentes prevalecem, indiscutivelmente, sobre as normas

comunitárias e podem condicionar a sua validade em Direito Comunitário se lhes for

reconhecido um efeito direto A maior parte das soluções encontradas a propósito dos atos

constitutivos podem ser transportas aqui, quando for demonstrado que as regras de Direito

Comunitário derivado são medidas de aplicação conformes com o tratado constitutivo. A

supremacia do Direito Internacional sobre o Direito Comunitário derivado mais recente verifica-

se igualmente na prática diplomática das Comunidades Europeias.

C – Perante o Juiz Interno

III – A Fiscalização da Constitucionalidade das normas

A fiscalização jurisdicional: com a revisão constitucional de 1982 foi instituído no

ordenamento português, pela primeira vez na sua História constitucional, um sistema

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153 

 jurisdicional pleno de fiscalização da constitucionalidade, pautado pela efetividade dos

institutos que o servem. Abatem-se, deste modo, quer as últimas imunidades da lei, quer as

prerrogativas de certos órgãos políticos, arvorados à posição de guardiões zelosos da arca do

convento. Nessa perspetiva, o Estado português deu o passo que faltava para que às normas

constitucionais fosse reconhecida uma juridicidade integral, a qual no tempo presente mostra

ser dificilmente separável da plenitude do conceito contemporâneo de Estado de DireitoDemocrático.

Características gerais do modelo instituído com a revisão de 1982: um modelo de

controlo jurisdicional misto da constitucionalidade das normas e da legalidade das leis:

o modelo português, que alguns autores estrangeiros consideram um tertium genus é, segundo

uma opinião vertida na doutrina portuguesa, «uma confluência entre duas culturas jurídico

constitucionais diferentes: a do judicial review dos Estados unidos e a da

Verfassungsgerichtsbarkeit da Áustria». Mas o caráter misto do modelo instituído, vai mais além

da confluência acabada de assinalar, a qual se limita a configurar-se como o seu traço dominante.

Ele recupera, no plano dos processos de fiscalização introduzidos, institutos de outros sistemas,

como o do controlo preventivo francês da constituição de 1958 e o da fiscalização da

constitucionalidade por omissão legislativa, bebido da antiga República Socialista Federativa da

Jugoslávia de 1975. É certo que, tal como foi observado, a arquitetura do sistema instituído em

982 foi erigida nos alicerces do sistema transitório que vigorou entre 1976 e essa data, adaptado

a uma fiscalização assegurada por órgãos jurisdicionais. Contudo, o objetivo central da

adaptação jurisdicional desse modelo centáurico foi o de evitar, por todos os meios possíveis,

através de um controlo exercido por órgãos jurisdicionais, a entrada em vigor ou a subsistência

no ordenamento de qualquer norma inconstitucional, utilizando-se para o efeito os institutos

de fiscalização possíveis e distribuindo-se legitimidade ativa para a sua propulsão, pelo maior

número de sujeitos. Num brevíssimo diagrama procurar-se-á assinalar as componentes

heteróclitas70 do modelo instituído.

- Fiscalização difusa e fiscalização concentrada: o modelo português é dos poucos

sistemas que combina um processo de controlo difuso da constitucionalidade, realizado em

sede de fiscalização concreta, com processos de fiscalização abstratos, operando em via

principal. Diversamente do que sucede no modelo concentrado autro-germânico, os tribunais,

em sede de fiscalização concreta, conhecem e decidem sobre as questões de

constitucionalidade, sem prejuízo de as mesmas, quando implicarem uma desaplicação de uma

norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, deverem obrigatoriamente ser julgadas

pelo Tribunal Constitucional, que funciona como máxima instância de recurso.

- Fiscalização abstrata preventiva e sucessiva: de entre os sistemas que, no âmbitoda fiscalização abstrata da constitucionalidade, conjugam processos de controlo preventivo e

sucessivo, o modelo português é aquele que maior número de categorias de atos normativos

submete ao processo de fiscalização preventiva. Na verdade, ao integrar no objeto de

fiscalização preventiva tratados e acordos internacionais, leis, decretos-lei, decretos legislativos

regionais e referendos, o sistema português, sujeita a este processo uma panóplia de normas

70 he·te·ró·cli·to adjectivo 1. Não conforme às regras da gramática. 2. [Figurado] Extravagante;

excêntrico. "heteróclito", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013,http://www.priberam.pt/DLPO/heteróclito. 

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154 

ainda mais vasta do que aquela que se encontra prevista no modelo francês que lhe serviu de

fonte cognitiva.

Atos normativos públicos sujeitos ao escrutínio da Justiça Constitucional: observemos

seguidamente as principais normas jurídicas sujeitas ao sistema de fiscalização constitucional:

a) 

As leis de revisão constitucional: na qualidade de normas de um poderconstituído, as leis de revisão constitucional encontram-se sujeitas aos limites

que lhe foram fixados na Constituição, mormente por um poder constituinte

que assume caráter subordinante em face do primeiro. Limites que se afiguram

como vínculos jurídicos de ordem temporal (artigo 284.º CRP), formal (artigo

286.º CRP), material (artigo 288.º CRP) e circunstancial (artigo 289.º CRP), os

quais, se violados, implicam a inconstitucionalidade da lei de revisão. Até ao

momento presente não foi requerida a fiscalização da constitucionalidade de

nenhuma lei de revisão, pese as dúvidas sobre a existência de um duplo

processo de revisão nas modificações operadas em 1989. A Constituição não

admite o controlo preventivo da constitucionalidade das leis em apreço;b)  Direito Internacional Público convencional e consuetudinário: no que concerne

às Convenções internacionais, Tratados e Acordos, verifica-se que a

Constituição acolhe disposições específicas sobre a sua impugnação, em

processo de fiscalização preventiva (artigo 278.º, n.º1 e artigo 279.º, n.º4). As

mesmas Convenções, na qualidade de normas jurídicas aplicáveis na ordem

interna, são igualmente sujeitas a fiscalização sucessiva, concreta e abstrata,

contanto que, nos termos do artigo 8.º, n.º2 CRP, tenham sido regularmente

aprovadas, ratificadas (ou assinadas) e publicadas. O artigo 277.º, n.º2 prevê o

desvalor da irregularidade para os Tratados que, nos dois processos de

fiscalização acabados de referir, ofenderem regras de forma e de competênciade importância não fundamental, acautelando o princípio da reciprocidade

internacional. As normas de Direito Consuetudinário aplicam-se diretamente na

ordem interna nos termos do artigo 8.º, n.º1 CRP, encontrando-se, como tal,

sujeitas a fiscalização da sua constitucionalidade. Alguma doutrina (Jorge

Miranda)71 considera que « pela natureza das coisas» não parece que Direito

Internacional Geral ou Comum, onde se sedia o Direito Consuetudinário Geral

possa infringir a Constituição, não prevendo a Constituição nenhuma forma de

controlo desse Direito72. Ignora-se o significado da fórmula natureza das coisas,

 já que o Costume, como fonte normativa de Direito Internacional Público, tem

71 Miranda, Jorge; Curso de Direito Constitucional, 3.ª edição; Principia editores; Cascais, pp 156 a 17472 Normas convencionais e normas legislativas: a força jurídica (ou o valor ou a eficácia) das normas

de Direito Internacional recebidas na Ordem interna frente à força jurídica (ou ao valor ou à eficácia) das

normas de produção interna pode ser a priori concebida numa das seguintes posições:

a) Força jurídica supraconstitucional;

b) Força jurídica constitucional dessas normas;

c) Força jurídica infraconstitucional, mas supralegal;

d) Força jurídica igual à das normas legais;

e) Força jurídica infra legal.

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155 

uma paridade de valor hierárquico em relação à Convenção internacional

(revogando-se as respetivas normas, reciprocamente) e a Convenção é

suscetível de controlo da constitucionalidade na ordem jurídica portuguesa. O

facto é que também se torna perfeitamente concebível, por exemplo, que uma

regra consuetudinária geral, em matéria de comunicações no ciberespaço sirva

de parâmetro comportamental a normas da Administração Pública emitidas aoabrigo de uma habilitação legal chocando-se com normas constitucionais em

matéria de privacidade e proteção e dados pessoais. A ocorrer essa hipótese,

 julga-se ser perfeitamente possível sindicar, não só, a constitucionalidade da

norma administrativa, mas também o costume geral que padronizou o seu

conteúdo. Quanto à existência de formas próprias de fiscalização do costume é

certo que os processos de fiscalização foram consagradas na Constituição, mas

não é menos certo que os processos de fiscalização sucessiva, concreta e

abstrata, se dirigem a normas vigentes no ordenamento cientifico, sem

especificar quais, figurando implicitamente o costume geral de entre as mesmas.

Excluindo-se o processo de fiscalização preventiva do costume (pois as normasconsuetudinárias não se encontram sujeitas a ratificação ou assinatura

presidencial) parece, também difícil conceber, no plano procedimental, a

fiscalização abstrata sucessiva de normas desta natureza73.

c)  As normas de natureza supranacional: o Direito Comunitário Derivado:

Regime constitucional de vigência do Direito Comunitário derivado na ordem jurídica portuguesa:

as normas de caráter supranacional aprovadas unilateralmente pelas Nações Unidas (resoluções

do Conselho de Segurança de caráter sancionatório) e pela Comunidade Europeia vigoram na

ordem portuguesa nos termos estabelecidos nos Tratados constitutivos dessas organizações, de

acordo com o artigo 8.º, n.º3 CRP que opera um reenvio recetício. Na ordem constitucional

portuguesa, o problema do controlo das normas de Direito Comunitário derivado pode colocar-se primariamente em relação àquelas que possuem aplicabilidade direta e produzem efeitos

diretos na ordem interna portuguesa, nos termos dos Tratados constitutivos da Comunidade

Europeia, para os quais o referido n.º3 do artigo 8.º CRP remete (o n.º4 do mesmo artigo é

redundante e presentemente só se aplica na sua primeira parte e com um sentido idêntico ao

do n.º 3). Ora, nos termos do artigo 249.º74 de Tratado das Comunidades Europeias (TCE) (na

73 Como identificar cabalmente num peido determinado, a norma costumeira violadora da LeiFundamental, de acordo com o artigo 51.º, n.º1 LTC, se a mesma reveste uma natureza puramente

material, e não assume uma forma escrita? Sendo teoricamente possível, não parece simples antever talcenário. Já na fiscalização concreta, seria concebível representar um regulamento independente,fundado numa lei que definisse a competência objetiva e subjetiva para a sua emissão, mas cujoconteúdo consistisse na concretização de uma regra consuetudinária. Aplicado o regulamento a um casosingular através de uma decisão judicial, poderia a sua inconstitucionalidade ser suscitada, bem como ado costume normativo que se assumiu como seu parâmetro material, fundamentando umaconsequente interposição de recurso. E a haver três ou mais regulamentos inconstitucionais comidêntico fundamento, não repugnaria que, por iniciativa do Ministério Público ou dos Juízes do TribunalConstitucional, fosse convocado o instituto do artigo 82.º da LTC, e declarada a inconstitucionalidadecom força obrigatória geral do regulamento, bem como do costume que se conformava como seuparâmetro.

74 Artigo 249.º 

Para o desempenho das suas atribuições e nos termos do presente Tratado, o Parlamento Europeu emconjunto como Conselho, o Conselho e a Comissão adotam regulamentos e diretivas, tomam decisões eformulam recomendações ou pareceres.

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redação e renumeração que lhe foi dada pelo Tratado de Nice) são os regulamentos

comunitários, as normas em sentido material que gozam de aplicabilidade direta na ordem

interna dos Estados-membros, bem como de uma prevalência normativa ou de um primado

sobre Direito interno (efeito direto em juízo, e eventualmente, também na órbita da atividade

constitutiva da Administração). Trata-se de normas que não admitem a sua corporização em

regras internas, ou a sua complementação por estas, salvo se os mesmo o autorizarem. Já noque concerne as diretivas comunitárias, estas consistem, de acordo com o referido artigo 249.º

TCE, em atos normativos incompletos que vinculam os Estados-Membros quanto a obrigações

de resultado, mas que concedem aos mesmos Estados a forma e os meios de preencherem estes

últimos. Daqui resulta que as diretivas não têm aplicabilidade direta, produzindo os seus efeitos

através da sua transposição num ato normativo de Direito Interno. Na ordem constitucional

portuguesa, de acordo com o artigo 112.º, n.º 8 CRP, as diretivas são transportas por lei, decreto-

lei e decreto-legislativo regional, pelo que o controlo da constitucionalidade não incide

diretamente sobre a diretiva, mas sobre o ato legislativo que a transponha;

a.  Posição favorável à supra constitucionalidade do Direito Comunitário:

embora a doutrina jusconstitucionalista maioritária defenda a

supremacia da Constituição sobre o Direito Comunitário derivado (Jorge

Miranda, Gomes Canotilho e Maria Luísa Duarte), o facto é que esta tese

confronta-se com uma posição diferente expressa por uma maioria de

autores juscomunitaristas, bem como a jurisprudência do Tribunal de

Justiça das Comunidades (TJC). Defende, na verdade, o TJC a supremacia

de todo o Direito Comunitário, institucional e derivado, sobre o Direito

interno dos Estados-membros, nele incluindo o Direito Constitucional.

Nessa linha argumentativa, diversos juspublicistas portugueses (André

Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros) 75  esgrimem uma ordem

 justificativa em favor da supra constitucionalidade do DireitoComunitário derivado, centrado na premissa de que «todo o Direito

Comunitário deve prevalecer sobre todo o Direito Estadual», premissa

que se reconduz, sumariamente, às linhas de força que se passa a

mencionar:

i.  O primado do Direito Comunitário sobre o estadual seria uma

“exigência existencial” : se em caso de antinomia normativa

uma norma constitucional pudesse prevalecer sobre uma

norma comunitária, seria a ordem jurídica comum dos Estados-

membros que ficaria comprometida. Sem acatamento do

Direito Comunitário não haveria uniformidade e sem esta nãohaveria integração, deixando de haver Direito Comunitário.

Assim, o primado teria de ser absoluto e incondicional, sob pena

de não haver primado e de deixar de haver Direito Comunitário.

O regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável emtodos os Estados-Membros.A diretiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto,às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios.A decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que designar.

As recomendações e os pareceres não são vinculativos75 Pereira, André Gonçalves; Quadros, Fausto, Manual de Direito Internacional Público, Coimbra, 1995, p124 e seg. (a complementar com a opinião do manual)

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Como tal este teria de ocupar uma posição cimeira na

hierarquia das fontes de cada Estado-Membro;

ii. 

O primado teria uma base positiva e decorreria, implicitamente,

do artigo 10.º e artigo 259.º do TCE : O artigo 10.º76 consagraria

o dever de lealdade ou solidariedade comunitária, eu imporia

aos Estados-membros o dever de se absterem de assumircondutas que afrontassem os objetivos do Tratado; e o artigo

249.º conferiria ao regulamento comunitário aplicabilidade

direta, o qual teria como pressuposto lógico, o primado;

iii. 

 As linhas mestras do primado, como atributo próprio do Direito

Comunitário, seriam o produto de uma construção pretoriana

do Tribunal de Justiça das Comunidades e decorreria de uma

delegação de competências soberanas feita pelos Estados-

membros às comunidades;

iv.  No sistema da Constituição da República Portuguesa, os

Tratados comunitários não primariam sobre o DireitoConstitucional, já que vigorariam nos termos do artigo 8.º, n.º2

e estariam submetidos à fiscalização da sua constitucionalidade.

Tal suscitaria a crítica da doutrina examinada, que sustenta que

essa opção constitucional equivaleria à negação do primado

sobre a Constituição do Direito Comunitário originário ou

institucional. Isto, pese o facto de se aceitar no artigo 8.º, n.º3,

o primado de algum Direito Comunitário derivado sobre a

Constituição, como seria o caso dos regulamentos comunitários,

realidade que constituiria um contrassenso, pois as normas de

Direito derivado teriam como pressuposto o Direito

Comunitário institucional. Deveria, pois, o artigo 8.º, n.º3 da

CRP ser alterado.

b.  Posição adotada: a supremacia constitucional sobre as normas

comunitárias: em face do disposto no TCE com a redação que lhe foi

dada pelo Tratado de Amsterdão e atento o disposto na Constituição da

República não é possível concordar com a ilustre posição acabada de

sintetizar. Vejamos porquê:

i. 

O primado da Constituição não afeta a existência do Direito

Internacional nele incluído o Direito Comunitário: o

existencialismo imputado ao Direito Comunitário não tem

procedência, nem como realidade estrutural, nem comorealidade necessariamente pressuposta pelo seu hipotético

primado sobre as Constituições dos Estados-Membros. Não é,

em primeiro lugar, um dado estrutural porque a Comunidade

Europeia e a União Europeia não são realidades existenciais no

Direito Internacional Público. Existencial será, como dado de

76 Artigo 10.º Os Estados-Membros tomam todas as medidas gerais ou especiais capazes de assegurar o cumprimentodas obrigações decorrentes do presente Tratado ou resultantes de atos das instituições da Comunidade.

Os Estados-Membros facilitam à Comunidade o cumprimento da sua missão.Os Estados-Membros abstêm‑se de tomar quaisquer medidas suscetíveis de pôrem perigo a realizaçãodos objetivos do presente Tratado.

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158 

facto e de Direito, o Estado-soberano como único sujeito de

Direito Internacional com capacidade de exercício

verdadeiramente plena. Bastará que preencha faticamente os

seus pressupostos existenciais (Povo, Território e Poder

Soberano) e que seja declarativamente reconhecido como tal

por uma parte da Comunidade Internacional, para que possaser titular de direitos, sujeito de deveres e dotado de uma

capacidade de exercício que o Direito Internacional Geral ou

Comum reconhece a todos os sujeitos com capacidade plena.

Diversamente, a Comunidade Europeia é, ainda, uma

organização internacional, de tipo supranacional, ou se se

quiser, uma Confederação sui generis em razão dos seus

atípicos institutos integradores de natureza federativa. Trata-se

de uma pessoa coletiva de caráter derivado, e como tal, de um

sujeito não existencial ou originário de Direito Internacional,

cuja criação, subsistência e extinção depende da vontade dosEstados que a constituem, e que dela se podem desvincular

através de um ato de recesso. A Comunidade, como realidade a

se, não pode modificar unilateralmente o estatuto dos Estados-

Membros, mas estes ao invés, podem alterar o Estatuto da

mesma Comunidade, como aliás o têm feito. E os poderes de

que a Comunidade é titular são consequência de uma delegação

dos Estados-Membros os quais os podem redefinir, alargando-

os ou reduzindo-os através de Tratado. Ora, resultando o ato

constitutivo da Comunidade, plasmado no seu Direito

Convencional, de um concerto de vontades soberanas dos

Estados, seria ilógico defender a supremacia desse Direito

institutivo convencional sobre as Constituições dos Estados-

Membros, já que foram estes a admitir que os mesmos Estados,

através dos seus poderes constituídos, dessem à luz o referido

Direito Comunitário originário. Nesta cadeia normativa entre

Direito Constitucional e Direito Comunitário, a norma de

referência é a Constituição dos Estados e a norma referência é

a Constituição dos Estados e a norma derivada é o Direito

Comunitário, pelo que seria ininteligível que, salvo

autolimitação constitucional, a realidade mediatamente criada

prevalecesse sobre a normação que habilitou a sua criação.Trata-se de uma lógica própria das Confederações, onde a lex

superior dos Estados-Membros continua a ser a respetiva

Constituição, realidade que difere das realidades federais, onde

prevalece a Constituição Federal em relação às constituições

dos Estados que renunciam à sua soberania constitucional. Ora

a Comunidade Europeia ainda não é uma Federação. Se esta

ausência lógica de supremacia comunitária ocorre na relação

entre o Direito Constitucional e o Direito Comunitário

institucional da Comunidade, por maioria de razão ocorrerá em

relação ao Direito Comunitário derivado, o qual depende dosegundo. Semelhante realidade não prejudica, como se disse, o

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159 

facto de as próprias Constituições poderem decidir autolimitar-

se, aceitando que sobre elas prevaleça o Direito Comunitário,

originário ou derivado. Trata-se de uma opção individual de

cada Estado-membro, e não foi essa, contudo, a opção do

decisor constitucional português. Vejamos, agora o segundo

sentido de existencialismo do Direito Comunitário, o qualparece corresponder, mais estreitamente, ao pensamento da

ilustre doutrina que aqui se critica. Trata-se da tese segundo a

qual o respeito pelo Direito Comunitário é condição da sua

subsistência e, por conseguinte, da subsistência da própria

comunidade. Não é possível concordar. Não é, em primeiro

lugar, a inobservância (mesmo que reiterada) das normas de

um ramo de Direito que postula o seu desaparecimento: o

Direito Penal é diariamente ofendido e nem por isso a sua

existência fica comprometida. Para sancionar o seu

incumprimento existem os tribunais. O mesmo se diga doDireito Internacional Convencional. Todas as violações

consecutivas do Direito Internacional Público, com particular

relevo para a Carta das Nações Unidas, jamais puseram em

causa, quer a subsistência (e o recente fortalecimento desse

Direito) quer a perenidade daquela organização. Por maioria de

razão estas considerações valem para a Comunidade Europeia

que dispõe de um Tribunal Superior de Justiça que, com maior

efetividade do que outros tribunais internacionais,

responsabiliza e sanciona os Estados infratores. Deste modo,

nos termos do TCE, a inobservância do Direito Comunitário por

Direito interno tem como consequência a responsabilização

 jurisdicional dos Estados e uma consecutiva e grave

inobservância dos tratados constitutivos pode mesmo gerar a

suspensão dos seus direitos, incluindo o de voto. E os casos em

que Tribunais Constitucionais mediram forças com o TJC, e

reafirmaram o primado do Direito Constitucional sobre o

Direito Comunitário no universo dos direitos fundamentais, em

nada beliscaram a existência deste último Direito, levando

mesmo a episódios recuos da jurisprudência consequêncialista

do Tribunal de Justiça das Comunidades. Cai, assim, por falta de

demonstração, a tese do primado desse Direito sobre asConstituições dos Estados-Membros, como pressuposto da sua

existência;

ii.  Não decorre dos Tratados constitutivos a supra

constitucionalidade do Direito Comunitário: tão pouco

impressiona o argumento segundo o qual o primado de todas

as normas de Direito Comunitário sobre todas as normas de

Direito Interno (incluindo as normas constitucionais) decorreria

dos artigos 10.º e 249.º do TCE, pelo que não seria necessário

os Estados consagrarem-no nas respetivas Constituições para

que o mesmo se pudesse impor nas mesmas ordens estaduais,por força da vinculação destas ao mesmo Tratado. Tal como

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160 

argumenta oportunamente certa doutrina, a tese exposta dá

por demonstrado o que carece ser demonstrado, ou seja, que

as Comunidades Europeias extraem do Tratado a força das suas

normas e a proeminência das mesmas sobre as Constituições

estaduais. É que, em primeiro lugar, não decorre do TCE um

primado do Direito Comunitário com um alcancesupraconstitucional. O artigo 249.º refere que o regulamento

comunitário é obrigatório «em todos os seus elementos», é

«diretamente aplicável» em todos os Estados-Membros, e que

a decisão goza de uma idêntica obrigatoriedade para os seus

específicos destinatários. Se o primado se retira apenas destes

dois pressupostos, ele não envolveria a diretiva, a qual os não

possui, e só obriga em função do resultado a alcançar. No caso

dos regulamentos, o primado, em razão da aplicabilidade direta

e obrigatoriedade integral, parece implicar a libertação de uma

força afim ou superior à da da lei, traduzida numa aplicaçãopreferente sobre normas ordinárias de Direito interno. Já a

diretiva exprime uma vinculatividade interposta, traduzida

numa parametricidade material sobre as normas de Direito

interno que a transponham, implicando a sua inobservância, a

responsabilidade do Estado por incumprimento da obrigação

de resultado. Daí que não exista um primado de Direito

Comunitário derivado caracterizado por um alcance unitário,

mas sim normas portadoras de primados distintos, estribados

em regimes dotados de modos de vinculação diversas. Não é

igualmente certo, contrariamente ao que é afirmado pela

doutrina criticada, que a simples aplicabilidade direta constitua

uma manifestação do primado. Já existiram e podem

teoricamente existir sistemas constitucionais monistas com

primado do Direito interno, ou seja, sistemas que o Direito

Internacional (convencional ou não) se aplica diretamente na

ordem estadual, sem ato de transformação ou de transposição,

sem prejuízo da sua subordinação ao Direito constitucional e

ordinário interno. A aplicabilidade direta indicia, na verdade,

eficácia imediata da norma na ordem interna do Estado, mas

não garante minimamente a hierarquia com que aí vigorará. Já

a obrigatoriedade, associada à aplicabilidade direta, poderiacontribuir para sustentar a hierarquia da norma comunitária em

função da normação de Direito interno. Só que o aludido

preceito do TCE é ambíguo pois não esclarece o alcance

normativo da sua obrigatoriedade, a qual se exprime na

produção dos chamados efeitos diretos verticais. A

obrigatoriedade em todos os seus elementos significa que o

Direito ordinário do Estado-membro não poderá corporizá-lo

em norma interna, transformá-lo ou acatar apenas um

segmento do seu preceituado. E é óbvio que a lógica manda que

o regulamento prevaleça sobre o Direito ordinário interno, sobpena de pura e simplesmente ficar sem sentido a existência da

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obrigatoriedade. Fica, contudo por demonstrar que obrigue

também o Direito Constitucional. Se os regulamentos

comunitários se subordinam ao TCE, e este tratado vigora na

ordem portuguesa e de muitos outros Estados-Membros como

uma convenção internacional dotada de valor

infraconstitucional, o regulamento deveria vigorar tambémcom esse mesmo valor. O seu primado específico, com o valor

de regra supraconstitucional teria de se estribar numa norma

do TCE que lhe conferisse essa hierarquia ou em norma

constitucional de Direito interno que lhe reconhecesse valor

supraconstitucional. Ora no primeiro caso, como reconhece

certa doutrina, verifica-se que dos tratados institutivos não é

possível arrancar a supra constitucionalidade dos regulamentos.

Para que tal sucedesse necessário seria que os Tratados

concedessem às comunidades “a competência da competência”

ou seja um poder fundacional e auto legitimador de uma ordem jurídica de domínio projetada sobre as ordens jurídicas

fundacionais dos Estados-Membros. Vimos que, e termos

estruturais, tal não é possível, pelo facto de a ordem

comunitária se constituir como produto de uma vontade

derivada dos mesmos Estados, não dispondo de uma soberania

constituinte autorreferencial, mas apenas as competências que

lhe foram delegadas por esses mesmos Estados. Ora, se se trata

de uma delegação de poderes, tal como reconhece a doutrina

que é objeto da presente apreciação crítica, então não seria

lógica e teleologicamente concebível a autorreferencialidade

competêncial das Comunidades. É que a delegação implica a

existência de um órgão normalmente competente, o delegante,

e um órgão eventualmente competente, o delegado. O segundo

exerce os poderes nos termos que forem definidos pela

vontade do primeiro que, em última instância os pode avocar.

Nesta base, se a delegação implica por parte do delegado, o

exercício de uma competência derivada e condicionada, seria

um contrassenso que este último pudesse sobrepor a sua

vontade em relação à do delegante, já que este é o titular

originário primário e condicionante da mesma competência.

Exercendo a Comunidade competências delgadas pelos Estadosatravés dos Tratados institutivos que são o produto da sua livre

vontade, não poderão as mesmas Comunidades auto legitimar

a titularidade própria dessas competências através do facto de

vontade funcional, dado que a natureza das mesmas é derivada

e condicionada por um ato de vontade normativa alheia.

Apenas institutos como o exercício de um “poder constituinte”

exercido pela Comunidade que estadualizasse

federalisticamente as competências antes delegadas e

precedesse à transferência irrevogável das mesmas

competências, dos Estados para a Comunidade, com renúnciadefinitiva pelos mesmos à sua titularidade, poderia fundar a

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tese de da sua supra constitucionalidade. Só que essa realidade

não existe, porque, como admite a própria doutrina criticada,

as competências são delegadas. Outra hipótese de supra

constitucionalidade com consagração formal, consiste na

adoção de uma cláusula constitucional de admissão da

prevalência do Direito Comunitário sobre a Constituição. Trata-se de um problema da ordem interna de cada Estado e não de

supremacia própria, autónoma e existencial do Direito

Comunitário. Não é pois possível extrair do artigo 10.º TCE uma

regra de supra constitucionalidade, mas sim um compromisso

de acatamento das obrigações do Tratado e dos atos dos órgãos

comunitários pelas Partes, existindo preceitos de ordem

análoga ou próxima em outros Tratados constitutivos de

organizações internacionais, onde a supra constitucionalidade

do seu Direito se não coloca. Falece, deste modo a tese segundo

a qual o primado do Direito Comunitário assumiria um regimeunitário em todas as normas comunitárias; que esse primado

decorreria da aplicabilidade direta; e que a supra

constitucionalidade, como vertente do mesmo primado, estaria

contida nos artigos 10.º e 149.º TCE;

iii.  Insubsistência dos reparos críticos ao n.º3 do artigo 8.º da CRP:

tão pouco procede a tese, segundo a qual, o n.º 3 do artigo 8.º

CRP enferma de imperfeições que justificariam a sua remoção

ou modificação. O facto de um preceito não respaldar uma dada

tese não pode ser resolvido através da alteração do preceito,

sendo mais simples alterar a tese. Quando o artigo 8.º refere

que os atos das organizações internacionais de que Portugal é

Parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se

encontre estipulado nos tratados constitutivos, pretende

significar duas coisas:

1. 

Que só vigoram diretamente se tal estiver disposto nos

tratados constitutivos, o que sucede com regulamentos

e decisões normativas, mas não ocorre com diretivas;

2. 

Que essa aplicabilidade direta não se confunde com

hierarquia, já que uma coisa é aplicação imediata, sem

necessidade de transposição, e outra, que não está

 pressuposta necessariamente no preceito, é o valorhierárquico com que a norma diretamente aplicada

vigora na ordem interna.

No que toca à primeira questão enunciada, não se vê como é

que o n.º3 do artigo 8.º CRP possa ser tido como imperfeito. Se

remete diretamente para os tratados comunitários os quais não

concedem, como a doutrina em apreciação admite,

aplicabilidade direta à diretiva, a Constituição não pode ser mais

consequente ao não reconhecer essa mesma aplicabilidade

direta. É a doutrina em questão que se afasta dos tratadosquando, com base num “adquirido comunitário”, defende a

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aplicabilidade direta das diretivas contra o disposto na

Constituição a qual aceita o regime operativo destas normas, tal

como as mesmas contam do TCE. Censura-se a Constituição por

não dizer mais do que dizem os tratados ou mesmo por não

contrariar o que é disposto textualmente nos mesmos tratados

sobre a vigência das mesmas diretivas, o queargumentativamente não parece fazer grande sentido. Quanto

à segunda questão, a doutrina em exame afirma que da

aplicabilidade direta se extrai indiretamente o primado, porque

«é óbvio e ninguém o discute» (André Gonçalves Pereira e

Fausto Quadros). Não parece ser assim. Como se demonstrou a

aplicabilidade direta de uma norma internacional não espelha,

só por si a sua hierarquia. Não é pois, a aplicabilidade direta dos

regulamentos que contém, sem mais o primado, mas sim a

aplicabilidade direta associada à obrigatoriedade de todo o

conteúdo do regulamento na ordem interna do Estado, que oartigo 249 do TCE prescreve e para o qual o n.º3 e agora a

primeira parte do n.º4 do artigo 8.º CRP remetem. Só que esse

primado opera, nos termos dos tratados constitutivos, sobre o

Direito ordinário, mas não sobre a Constituição, a qual é a

norma de referência que, mediante o reenvio receptício,

possibilita a aplicação direta e o efeito direto. Em síntese, o

artigo 8.º pode ser criticado por não prever a eficácia direta das

decisões (que na sua maioria não têm caráter normativo), mas

não por ser desconforme aos tratados comunitários, para os

quais, aliás, remete;

iv.  Supra constitucionalidade lógica de norma comunitária

dependente de tratado infraconstitucional : mas o argumento

lógico mais impressivo contra a supra constitucionalidade do

Direito derivado consiste no facto de os tratado constitutivos

das Comunidades vigorarem na ordem interna, nos mesmos

termos e com o mesmo valor hierárquico dos restantes tratados,

ou seja, nos termos do n.º2 do artigo 8.º CRP. Ora essa

hierarquia das convenções encontra-se concebida (e aqui quase

toda a doutrina coincide), num plano supralegal mas, ainda

assim, infraconstitucional. E a prova deste facto, como admite(embora criticamente) a insigne posição doutrinária aqui

apreciada, consiste na submissão ao controlo da

constitucionalidade dos tratados internacionais, sem exceção,

realidade que ocorre explicitamente na fiscalização preventiva

(artigos 277.º e 278.º) e implicitamente na sucessiva (artigos

277.º, 280.º e 281.º). Se o Direito comunitário derivado se

subordina aos mesmos tratados e estes detêm um valor infra

constitucional, por maioria de razão o mesmo Direito se tem de

submeter ao mesmo controlo de constitucionalidade, sob pena

de um quadro puramente ilógico: o Direito Comunitáriooriginário seria infra ordenado à Constituição do Estado, mas o

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Direito comunitário Derivado, pese a sua hierarquia inferior em

relação ao primeiro, seria hierarquicamente superior em

relação à mesma Constituição. Esta solução ilógica é, aliás,

representada pelos próprios autores que defendem a supra

constitucionalidade do Direito Derivado. Ora, como eles

próprios concederão, não podendo proceder interpretaçõesque conduzam ao absurdo, a interpretação não só lógica mas

também conforme à Constituição só pode ser aquela que

submete todas as normas jurídicas infra constitucionais,

internas ou externas, ao controlo de constitucionalidade, nos

termos de um n.º1 do artigo 277.º, que não abre qualquer

exceção.

c.  Prática normativa e jurisdicional dos Estados-Membros: em termos de

prática normativa e jurisdicional dos Estados, não se verifica em termos

conclusivos a prevalência da supra constitucionalidade do Direito

Comunitário derivado. E a prova disso está no facto de a maioria das

Constituições dos Estados-Membros, entre os quais Portugal, irem

adaptando as suas Constituições às alterações sofridas pelos tratados

institutivos, antes desses iniciarem vigência. Se pontificasse o princípio

de um primado supra constitucional essa alteração não seria prioritária,

pois o mesmo Direito derivado prevaleceria sobre as normas

constitucionais contrárias, as quais seriam desaplicadas pela

Administração e pelos Tribunais.

IV  – Trâmites e efeitos a pronúncia pela inconstitucionalidade relativamente a

convenções internacionais

Considerações prévias sobre o objeto de controlo : os tratados são sujeitos a fiscalização

preventiva antes de serem submetidos a ratificação, o mesmo sucedendo com os acordos

internacionais em momento prévio à sua assinatura, devendo seguir-se, com adaptações, o

regime de controlo dos atos legislativos. Considera-se existir uma lacuna na Constituição, pelo

facto de o n.º1 do artigo 278.º não fazer menção, de entre os atos sujeitos ao controlo

preventivo, aos acordos internacionais aprovados por resolução parlamentar, reportando-se

explicitamente o mesmo preceito, apenas às normas aprovadas por decreto do Governo ou do

Parlamento. Semelhante vazio normativo não se encontra estribado em qualquer fundamento

material razoável. Dado que a Assembleia da República dispõe, no respeito das exceções

previstas na alínea i) do artigo 161.º CRP, da faculdade de escolher a forma de tratado ou de

acordo internacional para crismar convenções internacionais por ela aprovadas, não faria

sentido que a mesma matéria fosse sujeita a fiscalização caso revestisse a forma de tratado e

fosse eximida do mesmo controlo, se assumisse a forma de acordo. Por outro lado, pareceria

anacrónico, à luz da essencialidade das matérias, sujeitar as menos importantes (ou seja, as

respeitantes aos acordos aprovados pelo Governo) ao controlo preventivo e isentar do mesmo

controlo as mais relevantes (tangentes aos acordos internacionais inscritos na reserva do

Parlamento). Deve-se, em conclusão, considerar que o artigo 278.º, n.º1, CRP compreendetambém os acordos aprovados sob a forma de resolução pois a sua identidade de razão com as

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demais convenções internacionais, retiraria sentido a uma interpretação textual que os

subtraísse ao processo de fiscalização em exame. Quanto aos tratados institucionais, retiraria

sentido a uma interpretação textual que os subtraísse ao processo de fiscalização em exame.

Quanto aos tratados institucionais que vierem a ser adotados no âmbito da União Europeia

encontram-se, igualmente sujeitos a fiscalização preventiva, atento o disposto no artigo 8.º, n.º4

CRP, já que, mesmo no quadro de uma interpretação minimalista, o referido pretexto determinaa compatibilidade dessas convenções com os princípios fundamentais do Estado de direito

democrático.

Efeitos imediatos da pronúncia: no caso de uma pronúncia pela não inconstitucionalidade o

Presidente da República não se encontra vinculado a ratificar os tratados e a assinar os acordos

internacionais já que esse tipo de controlo de mérito que exerce sobre os referidos atos é livre.

Isto pese o facto de a Constituição não ser explícita sobre esse grau de liberdade, diversamente

do que ocorre em relação à promulgação e ao veto político de atos legislativos. Se ao invés, a

pronúncia for no sentido da inconstitucionalidade, o Presidente deve vetar os acordos

internacionais e recusar as ratificações dos tratados. O facto de o n.º2 do artigo 279.º CRP se

referir a um veto por inconstitucionalidade sobre os acordos e o n.º4 do mesmo artigo não

mencionar o mesmo veto em relação aos tratados levou a doutrina a considerar que, em relação

a estes últimos, não haveria que falar num “veto jurídico”, as numa recusa de ratificação. Isto

porque, para além da referida falta de referência, não existiria «um ato interno que deva ser

vetado (a resolução que o aprova, não é remetida ao Presidente)» (Eduardo Correia Batista e

Gomes Canotilho). Com efeito, a resolução da Assembleia da República que aprova o tratado é

publicada independentemente de promulgação (artigo 166.º, n.º 5 e 6 CRP), incidindo o ato de

ratificação presidencial, direta e autonomamente, sobre o referido tratado que lhe é submetido,

após a mesma aprovação. Embora ambas as convenções sejam normas internacionais de

idêntica hierarquia, a maior solenidade dos tratados, a incidência internacional do ato de

ratificação ou da sua recusa (artigo 135.º, alínea b)), bem como a reserva necessária de tratadoque a alínea i) do artigo 161.º consagra, parecem justificar a existência de alguns trâmites

distintos. Em suma, em caso de pronúncia no sentido da inconstitucionalidade, deve falar-se em

veto por inconstitucionalidade em relação aos decretos governamentais ou resoluções

parlamentares que aprovem acordos e, em recusa de ratificação com fundamento em

inconstitucionalidade no que tange aos tratados.

Efeitos imediatos da pronúncia pela inconstitucionalidade:

1.º A admissibilidade limitada do expurgo enquanto efeito da formulação de um

reserva: considera um setor da doutrina (Jorge Miranda) que a Constituição não prevê, nem

poderia prever, o expurgo de norma de convenção internacional considerada inconstitucional.É que, o n.º 4 do artigo 278.º seria omisso e relação à figura do expurgo, no que tange aos

tratados. E a redação do n.º 1 do artigo 279.º diferenciaria a figura do decreto da do acordo

internacional, só se aplicando, à primeira vista, o regime do n.º2 (relativo ao expurgo ou

confirmação) à reforma estrita do decreto. Importa fazer nesta matéria algumas precisões: a

Constituição, tal como assinala outro setor doutrinário (Eduardo Correia Batista), não proíbe o

expurgo. Pela nossa parte, consideramos à luz do que o instituto da expurgação, sempre que

entendido como alteração ou supressão textual do preceito inconstitucional na convenção não

parece ser admissível quando aplicada às convenções internacionais. Isto, porque suporia a

renegociação da convenção, a qual, sobretudo nos instrumentos multilaterais, não parece ser

exequível e, mesmo que o fosse, implicaria a autenticação e a aprovação de uma novaconvenção. Mas se à a expurgação, no seu sentido amplo de depuração de norma

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inconstitucional, estiver compreendida uma operação de modificação ou remoção ideal da

norma, sem afetação do articulado do texto da convenção, então essa figura já poderia abranger

normas modificadas, reintrepertadas ou privadas de em relações jurídicas internacionais que

vinculem o Estado Português, como efeito da formulação de uma reserva, sempre que a

Convenção a não proíba. Assim sendo, a formulação de um reserva, desde que seja admitida em

relação ao tratado multilateral em causa nos termos da Convenção de Viena, pode serqualificada como uma forma ampla de expurgo, pois supõe uma ablação ou modificação, sem

mutação de texto, das normas da convenção nas relações jurídicas que no seu âmbito são

travadas entre o Estado Português, quando as formule, e os Estados que as aceitem ou objetem,

permitindo essas reservas superar a inconstitucionalidade. A reserva supõe a modificação ou a

inaplicabilidade de uma parcela textual ou ideal da norma tida como inconstitucional no

ordenamento português. Num e noutro caso não será necessário proceder a uma renegociação

da convenção, mas só a aprovação de um ato jurídico unilateral, não procedendo o

entendimento da doutrina que reclama a necessidade da mesma renegociação e a uma nova

convenção. Em abono desta interpretação parece militar o artigo 204.º, n.º1 do Regulamento

da Assembleia da República, o qual reza que a «resolução da Assembleia que o confirme emsegunda deliberação pode introduzir alterações à primeira resolução de aprovação do tratado,

 formulando novas reservas ou modificando as anteriormente formuladas». Se bem que o

articulado da convenção permaneça intocado, o facto é que as reservas que impliquem

alteração do texto se integram substancialmente no domínio da reformulação normativa

subsequente a um julgamento de inconstitucionalidade. Por isso mesmo, sem que se esteja

formalmente perante um novo tratado, o n.º2 do artigo 204.º RAR trata-o como tal, na medida

e que as alterações operadas no sentido das mesmas normas pelas reservas ou por uma

modificação das anteriormente formuladas podem sempre estar afetadas de

inconstitucionalidade. Por isso mesmo, o referido n.º2 admite que « o Presidente da República

 pode requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer das normas do

tratado». No caso de o Estado Português formular uma declaração interpretativa que configura

um novo sentido às normas da convenção, feito em conformidade com a Constituição, matéria

relativamente à qual o regimento parece ser omisso, entende-se que se esse sentido

interpretativo implicar uma alteração substancial das referidas normas que equivalham, no

plano ideal, a uma reformulação, deveria o mesmo ser submetido um regime idêntico ao

previsto no artigo 204.º RAR para as reservas expurgativas. O regime descrito no número

anterior deve ser tomado, com ajustamentos, aos acordos internacionais multilaterais.

2.º A confirmação parlamentar dos tratados e acordos internacionais:

a)  o regime dos tratados: no caso de ser proferida uma pronúncia pela

inconstitucionalidade e de se verificar a consequente e obrigatória

recusa presidencial de ratificação do tratado inconstitucional, a

Assembleia da República dispõe da faculdade de o vir a confirmar

por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que

superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de

funções (artigo 279.º, n.º4 CRP). Decorre da Constituição que se

trata de uma faculdade da Assembleia e não de uma obrigação,

atento o sentido da frase, «este só poderá ser ratificado se a

 Assembleia da República o vier a aprovar por maioria de dois terços

(…)». O Parlamento pode, opcionalmente, atenta a fórmula

condicional utilizada na Lei Fundamental, desistir da aprovação doTratado ou proceder à sua confirmação. Se assim é, não resulta

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plenamente harmonioso com a Constituição o sentido imperativo da

formulação do artigo 203.º, n.º1 RAR, o qual reza que «No caso de o

Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade de

norma constante de tratado, a resolução que o aprova deve ser

confirmada por maioria dos dois terços dos Deputados presentes».

Ademais, o preceito não reproduz o texto constitucional, na parteem que o mesmo clarifica que a maioria de dois terços dos

deputados presentes deve ser superior à maioria absoluta dos

deputados efetivos. Tem-se deste modo que, em sede de

interpretação corretiva conforme a Constituição, o n.º1 do artigo

203.º RAR deve ser entendido como uma reprodução do artigo 279.º,

n.º4 CRP e a expressão “deve” nada mais será do que uma exigência

da obtenção da maioria qualificada como condição para a superação

do do veto, mas não como obrigação confirmatória a que o

Parlamento se encontre sujeito. O limite mínimo do prazo

determinado para a deliberação confirmativa é fixado no Regimentoda Assembleia da República, o qual, no n.º3 do seu artigo 203.º

prescreve que a segunda deliberação só pode ter lugar a partir do

décimo quinto dia posterior o da receção da mensagem

fundamentada do Presidente da República. Finalmente, convirá

destacar que a proibição de ratificação de tratado julgado

inconstitucional em fiscalização preventiva, salvo confirmação ou

reformulação decorrente de reserva, não vincula o Presidente a

ratificar, no caso de se verificar uma destas duas vicissitudes. A

fórmula «este só pode ser ratificado» é clara no sentido da não

obrigação de ratificação, podendo o Presidente nega-la por razões

de mérito, de acordo com as competências que lhe são atribuídas

pela alínea b) do artigo 135.º CRP. O prazo de ratificação ou de

recusa de ratificação dos tratados internacionais não é

explicitamente fixado pela Constituição, o que não significa que o

Presidente não esteja explicitamente fixado pela Constituição, o que

não significa que o Presidente não esteja temporalmente limitado

para a prática desse ato e goze de total liberdade para arrastar

temporalmente limitado para a prática desse ato goze de total

liberdade para arrastar temporalmente o exercício do seu controlo

de mérito, em matérias tão sensíveis como as que respeitem às

relações externas do Estado. Sufraga-se aqui o entendimento de sepoder aplicar, por analogia, na ratificação dos tratados, o prazo de

20 dias previsto no artigo 136.º, n.º1 CRP para promulgação das leis

da Assembleia da República, já que se trata em ambos os casos de

atos normativos imputados ao Parlamento. Trata-se do mesmo

prazo adotado sobre esta matéria em sede referendária. O referido

prazo deve ser contado a partir da data da decisão negativa de

inconstitucionalidade. A lacuna exposta não deixa de propiciar

incertezas dispensivas (as quais podem gerar «recusas de ratificação

de bolso»). Como tal, ganharia em ser integrada pelo legislador

constitucional em ulterior revisão da Lei Fundamental.

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b)  Regime dos acordos internacionais: existe uma interpretação

tradicional formulada no sentido de que, para além dos acordos

internacionais aprovados pelo Governo, também aqueles que

tenham sido aprovados pela Assembleia da República e vetados na

sequência de uma pronúncia por inconstitucionalidade, não seriam

suscetíveis de confirmação parlamentar, em razão do textoconstitucional o não admitir (artigo 279.º, n.º2). Aduz-se, para o

efeito, um argumento literal nos termos do qual o referido preceito

constitucional se reporta a decretos para promulgação e assinatura,

sendo certo que os acordos aprovados pela Assembleia da República

não revestem a forma de decreto, mas sim de resolução. Não parece

pacífica semelhante interpretação do preceito constitucional.

Vejamos porquê:

1.  Não existe, volvidas sucessivas e discutíveis revisões da

Constituição de 1976, uma diferença substancial de relevo

entre tratado e acordo internacional, mas, essencialmente,

uma distinção orgânica, pois a Assembleia da República aprova

indistintamente tratados e acordos nas matérias da sua

competência, salvo os domínios restritos de reserva de tratado

previstos na segunda parte da alínea i) do artigo 161.º CRP; e o

Governo aprova apenas acordos internacionais. E,

especialmente no tempo presente, essa diferenciação ainda se

esbate com maior intensidade, a partir do momento em que se

sedimenta uma corrente doutrinária que defende que o

Presidente da República pode recusar a assinatura dos acordos

internacionais. Na realidade, a tese segundo a qual o Presidenteda República ratificaria livremente Tratados e assinaria

livremente acordos internacionais constituiu durante anos, sem

qualquer amparo convincente no ordenamento positivo,

expressão de um hipotético costume que teria traçado um

elemento orgânico-formal fundamental de distinção entre as

duas classes de convenções. Verifica-se, contudo, no plano

lógico-sistemático, que a Constituição é omissa quanto ao

hipotético poder presidencial de recusa de assinatura (tal como

sucede com o de recusa de ratificação) o que faz repousar a

elucidação desta querela num trabalho puramenteinterpretativo. Ora, não pode proceder uma interpretação feita

ao disposto no n.º2 do artigo 8.º CRP, da qual decorra que os

acordos possam, volvida a sua aprovação, ser enviados para

publicação como ato perfeito, no caso de o Presidente da

República denegar a assinatura. Isto porque o artigo 137.º CRP

fulmina com inexistência jurídica qualquer dos atos previstos na

alínea b) do artigo 134.º aos quais falte a assinatura, figurando

expressamente entre os mesmos, os acordos internacionais.

Tratar-se-ia, mesmo, de uma inexistência reforçada pois essa

assinatura presidencial careceria de ser referendada, de acordocom o n.º 1 do artigo 140.º cominado com o n.º2 do preceito a

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exerce, nada obstará a que exerça sobre ela o seu veto

vinculado, volvida pronúncia no sentido da

inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, ou que

recuse assiná-la, por razões de inconstitucionalidade, no caso

de ser confirmada.

4. 

Restará o argumento literal favorável à não aplicação do regime

da confirmação parlamentar aos acordos aprovados pela

Assembleia da República que será, quiçá, o mais débil. É que,

quem confira à expressão «decretos», ínsita no artigo 278.º,

n.º1 CRP um sentido amplo não poderá deixar, por razões

lógicas, de o fazer também, em relação ao artigo 279.º, n.º2.

Isto porque, se a mesma fórmula vale no contexto do primeiro

preceito citado no período anterior, para submeter os acordos

aprovados por resoluções parlamentares à fiscalização

preventiva, também deverá valer, por identidade de razão, para,

no que concerne ao disposto no artigo 279.º, n.º2 CRP, tornar

admissível a confirmação parlamentar dos mesmos «decretos»

aprovados sob a referida forma de resolução, no caso de o

Tribunal se pronunciar pela sua inconstitucionalidade.

5.  Todas as razões antecedentes levam a que nos inclinemos em

favor do entendimento, segundo o qual, os dois artigos citados,

a fórmula «decreto» constitui um sinónimo de diploma e que,

como tal, os acordos internacionais aprovados pela Assembleia

da República sob a forma de resolução e julgados

inconstitucionais em controlo preventivo poderão ser objeto deconfirmação parlamentar na medida em que conformam a

natureza de «decretos» no quadro da relação de sinonímia

exposta. E a bem da verdade, não faria logicamente sentido

defender que um Tratado fosse sujeito ao regime de

confirmação e um acordo aprovado pelo Parlamento com um

conteúdo rigorosamente igual fosse do mesmo regime

subtraído.

Síntese: considera-se, em matéria de tratados, em caso de pronúncia pela inconstitucionalidade

de normas constantes dessas convenções, que:

c)  O Presidente deve recusar a sua ratificação;

d)  O Parlamento pode, optativamente, desistir da sua aprovação; reaprová-los por

maioria de dois terços dos deputados presentes desde que superior à maioria

absoluta dos efetivos; ou expurgá-los das normas viciadas em segunda deliberação,

no caso de a mesma convenção admitir reservas e de estas virem a ser formuladas

tempestivamente;

e)  No segundo e terceiros casos referidos na alínea anterior, o Presidente é livre para

ratificar, ou não, o tratado.

No que diz respeito aos acordos internacionais, se o Tribunal se pronunciar pela suainconstitucionalidade:

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a)  O Presidente da República deve vetá-los;

b)  O Parlamento ou o Governo podem optar entre desistir da sua aprovação e expurgá-

los no quadro da formulação de reservas, podendo ainda a Assembleia da República

reverter o veto, mediante confirmação aprovada por maioria de dois terços dos

deputados presentes, desde que sujeitos à maioria absoluta dos deputados efetivos;c)  Na segunda situação referida na alínea anterior, o Presidente da República, em caso

de dúvida, pode suscitar de novo a fiscalização preventiva da sua

constitucionalidade e na terceira pode recusar-se, ou não, a sua assinatura por

razões de constitucionalidade.

V – A fiscalização Abstrata Sucessiva

Subsecção I – Natureza e teleologia do instituto

Consagração normativa: o processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade

e da legalidade encontra-se regulado nos artigos 281.º e 282.º CRP. A Lei do Tribunal

Constitucional dedica-lhe especificamente os artigos 62.º a 66.º, sendo também aplicáveis ao

mesmo processo os seus artigos 51.º a 56.º, na qualidade de deposições comuns à fiscalização

abstrata, preventiva e sucessiva.

Fontes históricas: o exercício da fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade de

normas por parte de uma jurisdição especializada não colhe precedentes na históriaconstitucional portuguesa. Já o controlo abstrato sucessivo da constitucionalidade de normas,

como processo “a se”, encontra no ordenamento de 1933 uma fonte cognitiva, a saber: 

a)  A faculdade de a Assembleia Nacional, em sede de fiscalização política, poder

declarar com força obrigatória geral a inconstitucionalidade orgânica e formal

de normas promulgadas pelo Presidente da República, mediante iniciativa do

Governo ou dos deputados;

b)  A faculdade de se poder vir a concentrar em algum ou vários tribunais, a

competência para declarar a inconstitucionalidade de normas com força

obrigatória geral, dependendo essa possibilidade da sua consagração legal .

Importa referir que a atribuição da referida competência a uma instância judicial

então existente (como o Supremo Tribunal de Justiça) ou a criação específica de

uma jurisdição concentrada nos termo acabados de expor, acabou por nunca

ter lugar. Durante o período revolucionário que se seguiu a abril de 1974,

cometeu-se ao Conselho de Estado e depois, ao Conselho da Revolução, o

controlo político concentrado e por via sucessiva da constitucionalidade de

normas, o qual nunca foi exercido e que carecia de sentido como instituto

garantistíco de um Estado de Direito, já que se inseria na teleologia semântica

de auto-policiamento da ditadura militar que então vigorava. Já o texto

constitucional de 1976, na sua versão originária, manteve no Conselho daRevolução a faculdade de declarar a inconstitucionalidade de normas com força

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172 

obrigatória geral, mediante a iniciativa e um conjunto de órgãos. A arquitetura

deste controlo abstrato sucessivo de recorte político constituiu, no plano

instrumental e positivo, uma fonte próxima do processo de fiscalização abstrata

sucessiva de natureza jurisdicional que foi introduzido em 1982 através da

primeira revisão ordinária da Constituição. Por força da mesma revisão,

substituiu-se ao Conselho da Revolução pelo Tribunal Constitucional, comoórgão competente para o exercício do controlo, ficando consagrada, na sua

plenitude, a matriz jurisdicional da garantia do ordenamento constitucional da

III República. A influencia do modelo austro-germânico da fiscalização

concentrada da constitucionalidade, com particular relevo para o processo

abstrato sucessivo, terá marcado a revisão constitucional de 1982. Isto, pese o

facto de os trabalhos preparatórios não serem especialmente esclarecedores

sobre as fontes de Direito Comparado, as quais não abundaram durante as

discussões travadas na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Essas

mesmas fontes terão, apesar de tudo, influenciado a preparação dos projetos

de revisão da Aliança Democrática e da Frente Republicana Socialista, os quaispreviam a substituição do Conselho da Revolução por um Tribunal

Constitucional e instituíam o controlo abstrato sucessivo à luz da matriz austro-

germânica. De qualquer modo, a fonte cognitiva externa centrada no paradigma

dos tribunais constitucionais alemão, italiano e espanhol não inovou

significativamente quanto ao teor das regras constitucionais de natureza

processual relativas à fiscalização sucessiva, já que as mesmas foram,

predominantemente, bebidas no texto originário da Constituição relativo ao

controlo político abstrato sucessivo que fora então instituído, excetuada a

matéria dos efeitos das decisões de inconstitucionalidade.

Natureza Jurídica: o processo de fiscalização sucessiva consiste num tipo de controlo abstratode validade de normas exercido por via direta ou principal, e que tem por finalidade essencial,

a eliminação das normas jurídicas já publicadas que sejam julgadas inconstitucionais ou ilegais,

bem como de efeitos que as mesmas hajam produzido no passado. Atentemos nas componentes

integrativas desta caracterização.

1.º Um processo de fiscalização abstrata exercido por via principal: este processo

de fiscalização supõe que se aprecie a constitucionalidade ou a legalidade de uma to, na sua

qualidade de norma jurídica já formada e potencialmente eficaz. Embora a invalidade constitua

o desvalor regra suscetível de apreciação e repressão (artigo 3.º, n.º 3 e, ainda, o artigo 282.º

CRP que implicitamente incorpora o regime da nulidade como sanção dos atos inválidos), pode

o mesmo processo der excecionalmente convocado para declarar, igualmente, a inexistência e

a irregularidade de normas inconstitucionais pese o facto de tal nunca ter sucedido até ao ano

de 2010. Encontramo-nos diante de um controlo abstrato porque o mesmo incide sobre um ato

normativo já introduzido o ordenamento (volvida a sua aprovação, eventual controlo de mérito

e publicação) que é questionado nessa mesma qualidade, independentemente de ter, ou não,

produzido qualquer efeito jurídico concreto. Atento este ultimo dado, regista-se que o ato

normativo pode ser sindicado durante o período da vacatio legis, sendo também possível

impugnar através deste processo, leis individuais e concretas, independentemente da sua

efetiva aplicação à situação particular sobre a qual dispõem. A via processual de controlo

utilizada assume natureza principal já que pressupõe que um conjunto de órgãos ou titulares de

órgãos, legitimados para o efeito, impugnem diretamente um ato normativo, junto do Tribunal

Constitucional.

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2.º A eliminação da norma e dos seus efeitos como objeto do processo : o objeto

principal do processo de fiscalização sucessiva consiste na eliminação da norma diretamente

impugnada, bem como a destruição retroativa de efeitos decorrentes da sua aplicação, desde o

momento em que o desvalor normativo se constituiu. Desta regra são excecionados, ope

constituitione o casos julgados bem como os efeitos libertados pela norma julgada

supervenientemente inconstitucional ou ilegal, durante o período anterior à entrada e vigor doparâmetro que com ela entrou em colisão (artigo 282.º, n.º 2 e 3 CRP). São também

expressamente excecionados dos efeitos repressivos ex tunc, nos termos da Constituição, mas

por decisão do Tribunal Constitucional, algumas situações que sejam tidas por consolidadas, por

razões de equidade, segurança jurídica e interesse público especialmente relevante (artigo 282.º,

n.º4 CRP). Em Portugal e no Brasil o julgamento da inconstitucionalidade de uma norma em

fiscalização abstrata sucessiva implica a prolação de uma decisão com força obrigatória geral,

diversamente do que sucede com o julgamento em fiscalização concreta, o qual se limita a privar

de eficácia da norma inconstitucional no caso sub iuditio.

Fins e atributos funcionais da fiscalização abstrata sucessiva: o processo de controlo

abstrato sucessivo tal como se encontra consagrado no artigo 282.º CRP destina-se a remover

definitivamente da ordem jurídica normas feridas de inconstitucionalidade e a reparar os efeitos

das suas metástases, procurando restabelecer o tecido do ordenamento jurídico afetado pelas

consequências geradas pelo ato inválido. Trata-se de uma função processual única, dado que

esse desiderato não logra ser garantido, nem pela fiscalização preventiva , nem pela fiscalização

concreta, já que nem uma nem outra logram expulsar do sistema jurídico uma norma

inconstitucional que nele tenha sido efetivamente introduzida. O tipo de controlo em exame

pressupõe, em tese, o exercício de uma função complementar em relação à fiscalização

preventiva, a qual foi concebida para filtrar a entrada no ordenamento de todas as normas

afetadas por inconstitucionalidades manifestas ou ainda por supostas normas inconstitucionais

envolvidas por uma ambiência externa de conflitualidade política. Essa conflitualidade latenteestá bem patente no caso recursivo da legislação laboral, cuja aprovação se encontra, em regra,

envolvida por apelos feitos pelas estruturas sindicais ao Presidente da República para exercer o

controlo preventivo (todos os Chefes de Estado sindicaram a legislação de Trabalho), acabando

por ser muito variável a evidência efetiva das pretensas inconstitucionalidades. Ora, como a

grande maioria dos vícios que predicam a invalidade normativa são realidades não só pouco

evidentes, mas também bem menos permeáveis, em regra, a controvérsia política (emergindo

como exame mais detido ao conteúdo de um ato publicado ou aos seus efeitos), haveria que

conceber um instituto repressivo que os purgasse do ordenamento. A fiscalização sucessiva

permite, assim, eliminar todas essas normas inconstitucionais que a fiscalização preventiva

deixou fluir para a ordem jurídica, seja porque os respetivos vícios não foram detetados; sejaporque, tendo as mesmas normas sido julgadas inconstitucionais acabaram por ser configuradas

politicamente por um órgão parlamentar, seguindo-se a sua promulgação ou assinatura; seja,

ainda, porque o requerente preferiu não bloquear o processo normativo, optando por acionar

o controlo a posteriori  para remover unicamente uma parcela normativa inquinada, constante

de um diploma. Um sistema apenas construído em torno da fiscalização preventiva colocaria a

subsistência de uma vasta pluralidade de inconstitucionalidades não detetadas pelos

mecanismos desse processo de fiscalização, à mercê da boa vontade do legislador. Ora,

semelhante circunstância, diminuiria a normatividade da Constituição, a juridicidade do Direito

Constitucional e a integridade teleológica do próprio Estado de direito aumentaria, em contra

corrente, a esfera das imunidades da lei. A fiscalização abstrata sucessiva assume, igualmente,uma função complementar da fiscalização sucessiva concreta. Na verdade, o sistema português

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prevê no artigo 3.º do artigo 281.º CRP que, no caso de a mesma norma vir a ser julgada

inconstitucional em três casos concretos se torna possível desencadear, mediante iniciativa dos

 juízes do Tribunal Constitucional ou do Ministério Público, o seu controlo abstrato sucessivo, de

forma a que possa ser removida do ordenamento. Um sistema centrado num controlo concreto

difuso que não possua mecanismos de purga abstrata do ato inconstitucional do ordenamento

desafiaria os princípios básicos de economia processual e as exigências mais elementares dasegurança jurídica. Isto, porque permitira sem justificação cabal a subsistência na ordem interna,

de uma norma já julgada inválida no caso concreto e a multiplicação inútil de futuros processos

com o mesmo objeto. Os sistemas concentrados europeus solucionaram o problema

imprimindo força obrigatória geral à decisão de inconstitucionalidade proferida em fiscalização

concreta.

Subsecção II – Pressupostos processuais

Pressupostos subjetivos:

1.º Competência para o exercício da atividade de fiscalização: o exercício do

controlo abstrato sucessivo da validade constitucional das normas e da legalidade das leis e de

regulamentos que violem certas leis constitui uma reserva exclusiva de competência do Tribunal

Constitucional. Este Tribunal é, efetivamente, o único órgão competente para apreciar e

declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas jurídico-políticas com

eficácia externa que violem a Constituição da República, assim como a ilegalidade das leis e de

determinados regulamentos que conflituem com os estatutos Político-Administrativos das

Regiões Autónomas (n.º1 do artigo 223.º, conjugado com o 281.º CRP).

2.º Legitimidade processual ativa: o n.º2 do artigo 281.º CRP enumera os sujeitos

de natureza jurídico-pública (órgãos e titulares de órgãos) dotados de legitimidade ativa para

peticionarem a fiscalização abstrata sucessiva.

i) Legitimidade geral: a legitimidade geral consiste no poder funcional em que

se encontram investidos certos sujeitos de natureza pública para suscitarem ao Tribunal

Constitucional a fiscalização da constitucionalidade de quaisquer normas, assim como

legalidade de quaisquer disposições legislativas que desrespeitem leis com valor reforçado. Os

sujeitos peticionantes são, de acordo com as alíneas a) a f) do n.º2 do artigo 281.º CRP:

- O Presidente da República: a legitimidade justifica-se à luz da suafunção “moderadora”, inerente ao semipresidencialismo português, a qual implica a

possibilidade de requerer a apreciação da validade das normas já existentes no ordenamento,

sempre que sobre as mesmas o mesmo órgão tenha dúvidas de constitucionalidade. A

circunstância de o mesmo órgão dispor, simultaneamente, de legitimidade ativa para iniciar um

processo de fiscalização preventiva levou a que os requerimentos apresentados pelo Chefe de

Estado, no âmbito da fiscalização abstrata sucessiva, tenham sido, até ao ano de 2010,

muitíssimo escassos, já que o Presidente parece decididamente ter dado a sua preferência ao

primeiro processo de controlo, dado o seu poder obstaculizante do processo normativo;

- O Presidente da Assembleia da República: assume um relevo

puramente institucional, atenta a vontade do legislador constitucional em fazer figurar os

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presidentes de cada órgão de soberania, de natureza não jurisdicional, de entre os sujeitos

competentes para desencadear o sindicato de controlo abstrato sucessivo. Contudo, atento o

facto de o Presidente da Assembleia da República ser um deputado e de a um décimo dos

Deputados ser também reconhecida esta faculdade, leva a que não seja entendível, em termos

substanciais, o fundamento justificante da outorga deste poder ao Presidente do Parlamento,

para além das meras razões honoríficas centradas na equiparação entre os máximos titulares deórgãos de soberania já referidos, como titulares de legitimidade ativa para a promoção deste

tipo de fiscalização. Sintomaticamente, desde o ano de 1991 que o Presidente do Parlamento

não apresenta qualquer pedido de fiscalização em via abstrata sucessiva;

- O Primeiro-Ministro: observa-se o número de requerimentos de

fiscalização por ele formulados não ultrapassaram sensivelmente, até ao termo do ano de 2010,

o valor de uma dezena, deixando praticamente de ser presentes ao Tribunal Constitucional

desde meados da década de noventa. A legitimidade processual que a Constituição  lhe

reconhece funda-se essencialmente na necessidade de, no cenário institucional de um governo

minoritário, o mesmo órgão ter a possibilidade de promover o controlo de leis parlamentares

fortuitamente geradas por acordos de conveniência, gizados entre os partidos da oposição.

Contudo, este mecanismo permite, também, a um governo maioritário em funções, questionar

as leis inconstitucionais aprovadas por uma maioria política adversa durante uma legislatura

anterior;

- O Provedor de Justiça: atento o seu estatuto constitucional de órgão

administrativo independente defensor dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos,

encontra a justificação da sua legitimidade ativa, na tutela desses mesmos direitos, quando

ofendidos por normas do poder político. Ainda assim, o objeto dos seus requerimentos não se

encontra limitado à atividade tutelar dos direitos fundamentais, podendo o Provedor suscitar a

apreciação da constitucionalidade de quaisquer normas e com qualquer fundamento. O factode os cidadãos poderem apresentar queixas ao Provedor de Justiça por ações ou omissões dos

poderes públicos (artigo 23.º, n.º1 CRP) propicia que, por via indireta ou interposta, os mesmos

cidadãos possam influenciar a ativação do controlo abstrato sucessivo, se tal for julgado

pertinente pelo Provedor. O Provedor de Justiça é um dos órgãos responsáveis pelo maior

número de pedidos de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade, demonstrando ser

uma instituição privilegiada dos cidadãos para, por via indireta, garantirem os seus direitos e

interesses legítimos;

- O Procurador Geral da República: assumindo a presidência da

Procuradoria Geral da República e como órgão superior do Ministério Público, a sua legitimidade

ativa pode compreender-se em função do seu papel de defesa da constitucionalidade elegalidade dos atos jurídico-públicos. Tem sido persistente a promoção do controlo da

constitucionalidade por parte deste órgão, atenta uma multiplicidade de razões, tais como a

defesa de direitos fundamentais, a garantia do Estado Unitário contra diplomas regionais

inválidos e a estrita defesa da Constituição contra atos públicos que lhe são desconformes,

independentemente do relevo político das matérias;

- Um décimo dos Deputados à Assembleia da República: radica,

fundamentalmente, na necessidade de se assegurar a tutela dos direitos dos representantes das

forças políticas minoritárias, permitindo-se-lhes acionar o controlo dos atos aprovados pela

bancada maioritária ou pelo Governo em funções. Pode, também, encontrar justificação na

necessidade de a bancada parlamentar de apoio a um governo minoritário suscitar a apreciaçãoda validade das normas aprovadas por um concerto heteróclito de deputados oposicionistas ou

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de questionar normas editadas durante o pontificado de uma anterior maioria. Finalmente, fará

ainda sentido que os deputados da bancada maioritária ou de qualquer outro grupo possam

impugnar atos normativos oriundos das regiões autónomas.

ii) Legitimidade especial: trata-se da faculdade reconhecida a diversos sujeitos

para promoverem o controlo da constitucionalidade e legalidade de atos normativos, norespeito de certos pressupostos ou exigências. Daqui decorre que os mesmos sujeitos:

- só possam impugnar a constitucionalidade de normas e a legalidade de

leis, quando se verifiquem certos pressupostos objetivos, como o da lesão de direitos regionais

constantes da Constituição, ou da ofensa a determinados parâmetros normativos, como a

violação do estatuto por ato legislativo (artigo 281.º, n.º2, alínea g) CRP);

- ou só possam impugnar qualquer categoria de ato quando se reunirem

certos requisitos de facto e de direito, como é o caso da repetição do julgado em três casos

concretos (artigo 281.º, n.º3 CRP)).

Encontramo-nos, assim, perante uma legitimidade ativa “limitada” que oTribunal Constitucional escrutina rigorosamente78, seja em razão dos pressupostos objetivos,

seja em razão do parâmetro ofendido.

a) 

Legitimidade ativa no âmbito regional : relembremos o que o texto

constitucional dispõe a este respeito:

a. 

Representantes da República: atento o disposto na alínea g)

do n.º 2 do artigo 282.º CRP, o Representante da República,

pode requerer a fiscalização da constitucionalidade de

normas que violem os direitos das regiões e o controlo da

legalidade de normas do Estado e das Regiões comfundamento na violação dos estatutos político-

administrativos. Sendo assim defendidos os pressupostos

subjetivos e objetivos deste sindicato de

constitucionalidade e legalidade e atenta a leitura

“textualista” que dele é feita pelo Tribunal Constitucional

quando aprecia a legitimidade ativa inerente a pedidos de

impugnação de normas ao abrigo deste preceito por parte

dos órgãos e titulares dos órgãos regionais, considera-se

que o Representante da República se encontra limitado ao

âmbito da inconstitucionalidade e ilegalidade que poderequerer. Importa pois, em tese, que o pedido de

fiscalização se encontre fundamentado nos pressupostos

específicos atrás mencionados, sob pena de indeferimento

liminar, justificado em falta de legitimidade do órgão

requerente (artigo 52.º, n.º1 LTC). Isto, não obsta a que o

preceito se encontre manifestamente mal concebido, tendo

as sucessivas revisões constitucionais contribuído para a

sua gradual degradação teleológica. Em primeiro lugar, a

alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º CRP configura, no plano

textual, os mesmos pressupostos e objeto de impugnação

78 Acórdão n.º 491/2004

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normativa, quer para os Representantes da República, quer

para os órgãos e titulares de órgãos de governo próprio das

regiões. Daqui decorre, salvo melhor opinião, um contra-

senso, pois o primeiro sujeito representa os interesses da

República nas regiões (artigo 20.º, n.º1 CRP) e os segundos

exercem as suas competências no âmbito regional e tendoem vista a salvaguarda de interesses regionais (artigo 231.º,

n.º1 CRP). Julga-se, por conseguinte, que a disposição

referida não resiste a uma interpretação lógica e finalística,

que parta do princípio segundo o qual, os pressupostos e o

objeto da impugnação de normas deva ser ajustado à

natureza e estatuto de cada sujeito titular da legitimidade

ativa e aos fins públicos que pautam o exercício da respetiva

atividade. Nessa linha interpretativa resulta ser

incompreensível que o Representante da República

impugne a constitucionalidade de normas com fundamentona violação dos interesses das regiões, atento o facto de no

seu âmbito geral de competências e nos fins que presidem

ao exercício das suas funções não se descortinar uma

curadoria de interesses regionais. E, se faz pouco sentido

que o mesmo órgão possa impugnar normas estatais

violadoras da Constituição, no respeitante às disposições

que consagrem direitos regionais, menos sentido fará a

faculdade que textualmente lhe é aparentemente cometida

para também impugnar normas regionais violadoras dos

direitos das regiões que se encontrem vertidos na

Constituição. O Representante da República ficará assim

investido no papel de sumo guardião dos direitos regionais

defendendo-os contra os atos emanados dos próprios

órgãos de governo da região que, afinal, representam nos

termos constitucionais, os interesses dessas coletividades

autónomas, o que constitui um anacronismo. Em segundo

lugar, parece pouco inteligível que, do texto do preceito

constitucional em análise, resulte a inibição dos

Representantes da República em requererem o controlo de

constitucionalidade de decretos legislativos violadores de

normas constitucionais (como é o caso dos direitosfundamentais), ou que ultrapassem o “âmbito regional”,

limite material positivo de competência para a aprovação

dos diplomas regionais. É que, a bem da verdade, resulta ser

pouco consistente, atribuir o controlo dessas modalidades

de violação constitucional (ademais muito frequente) aos

órgãos com legitimidade geral e negá-la ao comissário do

Estado residente na região. E porque não resulta ser

percetível que se faculte ao Representante da República nas

Regiões Autónomas, um controlo preventivo de âmbito

geral da constitucionalidade de leis regionais (o qual abarcaqualquer tipo de inconstitucionalidade) e, simultaneamente,

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179 

oriundos das entidades regionais é muito alta devendo-se a

diversos fatores, tais como o teor centralista da

Jurisprudência do Tribunal Constitucional (que dobrou

parte do sentido da revisão constitucional de 2004 aos

parâmetros da sua constante jurisprudencial), aos limites

muito restritivos da legitimidade ativa atribuída pelaConstituição aos sujeitos regionais, ao excesso de

politização emprestado a certos pedidos e à deficiente

instrução de muitos deles.

b) 

Legitimidade ativa no âmbito da repetição do julgado em três casos

concretos: de acordo com o artigo 82.º LTC conjugado com o nº3 do

artigo 281.º CRP, é atribuída a qualquer dos juízes do Tribunal

Constitucional ou ao Ministério Público (leia-se, o Procurador Geral

da República ou, por delegação os procuradores-gerais adjuntos

funcionando junto do mesmo Tribunal) a faculdade de suscitarem a

fiscalização abstrata sucessiva de normas que haja sido julgada

inconstitucional, ou ilegal, em três casos concretos. Não se trata,

portanto, de um poder vinculado à promoção do controlo dos

referidos sujeitos, mas de uma faculdade de que os mesmos

dispõem e que fica condicionada ao limite quantitativo do prévio

 julgamento da invalidade de uma norma em, pelo menos, três

situações concretas. Estamos diante do instituto da “repetição do

 julgado”, o qual opera como uma “ponte” entre o controlo concreto

e o controlo abstrato sucessivo da constitucionalidade e legalidade

e que se destina a garantir os princípios da unidade jurisprudencial

e da segurança jurídica, eliminando normas marcadas por umaelevada suspeição de invalidade, dado o facto de já terem sido

 julgadas como tal pelo Tribunal Constitucional em fiscalização

incidental. Para o apuramento dos três casos concretos nos quais se

procedeu ao julgamento da inconstitucionalidade de uma mesma

norma, pelo Tribunal Constitucional, não importa verificar, atento o

texto constitucional e o disposto na LTC, se a norma foi julgada

inconstitucional com os mesmos ou com diferentes fundamentos:

na verdade, a norma em questão pode perfeitamente ter sido

 julgada inconstitucional na base de vícios distintos e com violação

de normas constitucionais diversas. Encontramo-nos diante doúnico trâmite que, em sede de fiscalização abstrata, reconhece aos

 juízes do Tribunal Constitucional a faculdade de darem início a um

controlo oficioso da legitimidade jurídica de normas. Todavia, esta

faculdade nunca foi até ao primeiro semestre do ano de 2010

acionada pelos conselheiros do Palácio Ratton, os quais parecem

querer acentuar o seu estatuto de passividade na promoção do

controlo de constitucionalidade, deixando ao Ministério Público

essa mesma tarefa. Esta cifra-se por um muito expressivo número

de pedidos do Procurador da República Adjunto e que se pautam

por uma elevadíssima (e já previsível) tava de sucesso. Algumadoutrina chegou a questionar a constitucionalidade do artigo 82.º

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180 

LTC, considerando que o poder de iniciativa dos juízes colidiria com

o seu estatuto constitucional de imparcialidade, dado que o mesmo

comprometeria a sua equidistância, como julgadores de uma causa

que seria por eles mesmos suscitada. Considera-se, ainda assim,

não haver no caso em apreço uma ofensa ao princípio da

imparcialidade, já que:

a. 

O princípio da imparcialidade deduz-se do objeto da função

 jurisdicional (artigo 202.º) e do princípio da independência

dos magistrados (artigo 203.º) não tendo, ainda assim,

consagração constitucional explícita; 

b. 

O mesmo princípio enuncia o critério geral da passividade e

da posição supra-partes do juiz, implicando que o mesmo

não julgue processos que tenham sido por ele

 primariamente promovidos; 

c. 

Esse critério comporta, todavia, exceções em sede de

 fiscalização da constitucionalidade, à luz do alto interesse

 público de atividade do controlo e da preponderância do

 princípio do dispositivo em todos os processos de

 fiscalização, com especial relevo para o controlo abstrato; 

d.  Daí que, mesmo noutros processos de fiscalização, como é o

caso do controlo concreto, os juízes comuns possam exercer

um controlo oficioso da constitucionalidade de normas

(artigo 204.º CRP), não tendo qualquer setor da doutrina

levantado dúvidas sobre a sua imparcialidade paradesencadear esse controlo no referido processo; 

e.  Por maioria de razão, já em sede de controlo abstrato

sucessivo tem-se justificado o poder de iniciativa dos juízes

do Tribunal Constitucional em processos em que a mesma

norma tenha sido julgada inconstitucional em pelo menos

três casos concretos, facto que conforma a um altíssimo

 índice de prognose sobre a sua invalidade e reclama que, em

nome da segurança jurídica, os juízes ativem um processo

que permita removê-la de vez, do ordenamento; 

f. 

Não prevalece dessa forma, no instituto previsto no artigo

82.º LTC, uma conduta verdadeiramente parcial do juiz, o

qual não promove um controlo inovatório de

constitucionalidade, mas sim uma função consequencial ou

derivada de um prévio e repetido julgamento da mesma

norma pelo Tribunal, fazendo sentido que assuma a

garantia da segurança jurídica e da unidade jurisprudencial

no ordenamento, ativando um processo purgativo de uma

norma marcada por uma alta e objetiva suspeita de

invalidade; 

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181 

g. 

 A solução do artigo 82.º LTC corre integralmente no circuito

 jurisdicional, sendo a mesma preferível à solução brasileira,

de forte recorte político, que deposita na discricionariedade

do Senado a suspensão com efeitos gerais de uma norma

 julgada inconstitucional em controlo concreto. 

A compreensível preocupação dos juízes do Tribunal Constitucional em não

fazerem uso do instituto não significa, contudo, que a norma tenha caído em desuso. Trata-se

de um poder adormecido, que a prática confirmou dever ser guardado para situações especiais

ou de necessidade. É pois legítimo aos juízes dela fazerem uso, mormente em caso de

discrepância com o Ministério Público em caso de injustificada inércia do Ministério Público

relativamente à promoção do controlo de uma norma repetidamente julgada inconstitucional e

inutilmente consumptiva da atividade de fiscalização. Convirá assinalar, finalmente, que o facto

de uma decisão positiva de inconstitucionalidade proferida em controlo concreto revestir

sumário, não obstará a que a mesma concorra para a repetição do julgado, tendo em vista o

acionamento do controlo abstrato sucessivo.

Pressupostos objetivos:

1.º Parâmetro de controlo: de acordo com o n.º1 do artigo 281.º CRP, a fiscalização

abstrata sucessiva propõe-se aferir a conformidade de atos normativos com o parâmetro

constitucional (alínea a)) e de atos legislativos e alguns regulamentos com leis de valor reforçado

(alíneas b), c) e d)). No que respeita a esta categoria de leis, a alínea b) do n.º1 do artigo 281.º

reporta-se a atos legislativos com valor reforçado na sua generalidade, enquanto as alíneas c) e

d) concernem a uma categoria específica de lei reforçada (o Estatuto).

2.º Objeto de controlo:

a)  Considerações gerais: da análise feita à norma e ao parâmetro de controlo

é possível retirar que a fiscalização abstrata sucessiva tem por objeto, em

geral, a apreciação de normas e, em especial, o controlo de atos legislativos

confrontados com leis de natureza qualificada. Pode, assim, assinalar-se

uma homologia de objeto com outro processo de fiscalização sucessiva, que

é o processo de controlo concreto. O ordenamento português procede,

assim, ao controlo e à repressão de normas afetadas por dois tipos de

relação desvalor:

a.  o primeiro e mais relevante é o da fiscalização da

constitucionalidade de normas jurídico-públicas;

b.  o segundo, que compreende uma modalidade de relação de

desvalor específica da Constituição de 1976, consiste na fiscalização

da legalidade das normas legais, as quais devem ser conformes com

leis dotadas de valor reforçado, bem como de atos regulamentares

na sua relação de conformidade com os estatutos de autonomia.

Importa advertir para o facto de não ser infrequente a impugnação errónea de

normas regulamentares, com fundamento na sua ilegalidade por violação de atos legislativos.

Tal como o Tribunal Constitucional assinala nas decisões em que recusa a admissão desse tipo

de pedidos, o mesmo órgão não é um tribunal comum de última instância do contenciosoadministrativo. Ele não aprecia a legalidade dos atos da Administração desconformes aos seus

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182 

parâmetros legais, controlando sim, um conjunto de formas de ilegalidade qualificada

expressamente previstas na Constituição e resultantes de relações de desconformidade entre

categorias diversas de atos legislativos. Excetua-se deste regime, a possibilidade de se impugnar

 junto do Tribunal Constitucional todos os regulamentos estaduais e regionais que violarem os

estatutos das regiões autónomas, na qualidade de leis reforçadas de hierarquia singular. Na

verdade, as alíneas c) e d) do artigo 281.º CRP, ao utilizarem a expressão “diploma legal” ou“diploma de órgãos de soberania”, abrange quer atos legislativos, quer atos regulamentares. O

Tribunal Constitucional é, pois, exclusivamente competente para julgar pedidos de fiscalização

da legalidade de regulamentos com fundamento em violação de normas estatutárias (trata-se

de uma “ilegalidade administrativa qualificada”) sendo a jurisdição administrativa incompetente

pra proceder à declaração da ilegalidade desses regulamentos, com força obrigatória geral

(artigo 73.º, n.º 2 CPTA). Trata-se de uma derrogação ao princípio da competência exclusiva da

 jurisdição administrativa para julgar a ilegalidade de regulamentos, criando um esdrúxulo

enclave de poder do Tribunal Constitucional em sede do contencioso regulamentar de

legalidade, o qual, na lógica processual do tempo presente, não tem qualquer sentido, devendo

ser reponderada em próxima revisão constitucional. No que respeita à fiscalização daconstitucionalidade de normas, o Tribunal Constitucional adotou um conceito “funcional” de

norma jurídica, de recorte dualista: de um lado integram o conceito de norma os atos legislativos

definidos em razão da sua forma e da sua força; de outro os atos normativos não legislativos,

caracterizados pelos atributos da generalidade e abstração. As normas sujeitas a controlo

sucessivo são atos normativos jurídico-públicos dotados de eficácia externa, podendo assumir

natureza interna ou internacional, contanto que aplicáveis na ordem jurídica portuguesa nos

termos do artigo 8.º CRP.

b)  Normas e disposições normativas: a Constituição, como vimos, faz recair a

fiscalização da constitucionalidade sobre “normas”. Ora, tal como se verá

adiante, com mais detenção, no espetro da matéria atinente às sentençasinterpretativas, a norma jurídica “hoc sensu” deve, em bom rigor, ser

distinguida da disposição normativa que a contém. A disposição normativa

pode ser definida como um enunciado textual, composto pelo conjunto de

termos que integram uma oração e que suporta uma ou várias normas

 jurídicas. Já a norma consistirá na proposição prescritiva de caráter jurídico

e portadora de um mandato de definição que se extrai da disposição

normativa, por via interpretativa. Norma e disposição não têm uma

existência independente, já que não existe norma jurídica positiva sem

disposição normativa que não contenha efetivamente uma norma.

Encontrando-se configuradas entre si numa estreita relação deinterdependência, o facto é que existe entre elas uma autonomia que a

fiscalização da constitucionalidade permite determinar. Com efeito, do

enunciado textual de uma disposição normativa é possível extrair uma

norma, ou várias normas distintas mas coexistentes numa relação

cumulativa. Situações há, também, em que a uma disposição corresponde

uma só norma. Noutras situações, ainda, o texto da disposição pode

comportar diversas relações de significado, ou seja, diversas soluções

interpretativas das quais resultem, também, distintas normas de caráter

ideal, que se configuram como opções alternativas. Finalmente, é possível

construir uma norma resultante da conjugação de disposições distintas.Juízos como aqueles que inerem à inconstitucionalidade parcial qualitativa

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183 

pressupõem, respetivamente a dissociação entre disposição e norma. Por

exemplo, no que respeita à decisão de inconstitucionalidade parcial

qualitativa, torna-se evidente a distinção entre:

a. 

A disposição normativa, cujo enunciado textual permanece

intocado sem ablação;b.  uma norma ideal extraída dessa disposição que é declarada

inconstitucional, com força obrigatória geral;

c.  uma ou mais normas ideais hipotéticas, não inconstitucionais,

retiráveis por via interpretativa do sentido da disposição normativa.

Trata-se de um fenómeno de autonomia entre as duas realidades que

também é aferível noutras sentenças interpretativas, mormente na

interpretação conforme à constituição e nas decisões com caráter

aditivo. Em fiscalização abstrata vigora, tal como se verá, o critério da

sumariedade na instrução do pedido, bastando ao requerenteidentificar a norma supostamente violadora e a violada (artigo 51.º.,

n.º1 LTC). Existe em muitos operadores a falsa convicção de que para a

mera a identificação das referidas “normas” deveria ser considerada

suficiente a indicação dos artigos ou disposições normativas. Essa

suficiência tem-se por admissível, se às disposições normativas

corresponder uma única relação verosímil de significado. Contudo, se

dos enunciados normativos impugnados resultam várias soluções

normativas possíveis e verosímeis e apenas uma delas for impugnada,

entende-se que o autor do pedido deve identificar esta última no seu

requerimento. Trata-se de uma exigência que o Tribunal Constitucionaltem feito em fiscalização concreta79, não sendo de mais que a mesma,

por identidade de razão, seja aplicada em controlo abstrato sucessivo,

pese o facto de neste processo vigorar, tal como se disse, um “critério

de sumariedade” na instrução do pedido. Este, todavia não pode ser

entendido como sinónimo de dispensa de identificação da norma

efetivamente questionada. Com efeito, se de uma disposição resultar, a

par de outros, um sentido normativo inconstitucional, o requerente

deve, para que a “norma” violadora possa ser efetivamente

“especificada” (artigo 51.º, n.º1 LTC), identificar, para além da referida

disposição, a proposição prescritiva de caráter ideal inerente a esse

sentido normativo cuja inconstitucionalidade é por ele efetivamente

questionada. Com efeito, num dado preceito são passíveis de emergir

soluções normativas distintas e alternativas, podendo algumas delas ser

rotundamente inconstitucionais e outras perfeitamente conformes à

Constituição. Ora, se o autor doo pedido impugna com fundamento em

inconstitucionalidade uma norma constante de um preceito que possa

albergar sentidos normativos diversos, deve precisar qual destes

considera desconforme com a Lei Fundamental. Justificará, em tese, um

79

 Admite-se que a referida exigência possa ser menos rigorosa no caso de os promotores do controloabstrato serem titulares de órgãos de soberania, nomeadamente o Presidente da República, por razõesde consideração institucional.

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despacho de aperfeiçoamento do Presidente do Tribunal a interposição

de um pedido de fiscalização que se limite a impugnar, sem mais,

enunciados normativos que contenham, com evidência, uma

pluralidade de normas de sentido alternativo ou cumulativo (artigo 52.º,

n.º1 LTC).

c) 

Exigibilidade: a fiscalização abstrata sucessiva de atos normativos reveste

caráter facultativo, dado que nenhum dos sujeitos dotados de legitimidade

ativa para a requerer se encontra juridicamente obrigado a fazê-lo.

d) 

Requisitos temporais: a interposição do pedido a todo o tempo: os órgãos

com legitimidade ativa para o efeito podem formular o pedido de

fiscalização da constitucionalidade e legalidade de atos normativos a todo o

tempo, após a sua publicação. Tal resulta implicitamente do artigo 281.º CRP

(que não estipula qualquer limite temporal para a mesma formulação) e,

explicitamente, do n.º1 do artigo 62.º LTC. Dado que as normas declaradas

inconstitucionais com força obrigatória geral são nulas, resulta da naturezadessa mesma sanção que o vício por ela reprimido não é sanável pelo

decurso de um prazo, razão pela qual a ação declarativa da nulidade não

caduca, podendo ser interposta em qualquer momento.

Subsecção III – Introdução aos tipos e aos efeitos das decisões do Tribunal

Constitucional em processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade e

legalidade

Tipologia: Nos processos de fiscalização da validade de normas, as decisões do Tribunal

Constitucional podem assumir natureza

- Processual: as decisões processuais têm por objeto os trâmites correspondentes à

marcha do processo de fiscalização, sem que se refiram diretamente à questão substancial de

constitucionalidade ou legalidade, suscitadas no pedido;

- Substancial: estas decisões podem, nomeadamente, assumir caráter interlocutório,

instrutório, preclusivo do conhecimento do pedido e de aperfeiçoamento, podendo também ser,

me razão da sua natureza, imputadas ao coletivo dos juízes, ao Presidente do Tribunal ou ao juiz

relator;

- Mérito: são aquelas a que corresponde o julgamento pelo Tribunal Constitucional

da questão de constitucionalidade ou legalidade submetida ao seu juízo. As decisões de mérito

podem ser de rejeição ou de acolhimento. Trata-se de uma designação referencial oriunda do

ordenamento italiano que também foi aceite pela Justiça Constitucional portuguesa.

1.º A decisão de rejeição e os seus efeitos: a decisão de rejeição consiste juízo de

improcedência sobre o mérito do pedido de declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade

de uma ato normativo. O Tribunal, julgando improcedente o pedido peticionado pelo

requerente, decide não declarar a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma impugnada:

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185 

a) 

se por discordar do teor da causa de pedir (o Tribunal não reconhece como

fundadas as razões que conduzem à impugnação das normas supostamente

violadas ou desconsidera os vícios invocados);

b) 

seja por considerar que, para além dos vícios invocados e que por dele foram

 julgados improcedentes, a norma impugnada não padece de nenhunsoutros;

c) 

Seja porque a norma sindicada pode ser estimada como válida através de

uma interpretação conforme com a Constituição.

Importa assinalar o facto de poderem existir decisões mistas, com uma

componente de acolhimento e outra de rejeição. A sentença de rejeição não

beneficia da força obrigatória geral e do efeito de caso julgado material que

envolve as decisões de acolhimento, através das quais se declara a

inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma. Tal resulta a contrario sensu 

do disposto no artigo 282.º CRP, o qual omite a outorga da força obrigatória às

decisões de não inconstitucionalidade. O Tribunal Constitucional, por razões de

ordem lógica, adverte com clareza que só as decisões de acolhimento vedam a

nova apreciação da constitucionalidade de uma norma, dado que a norma

inconstitucional já terá sido, nesse caso, removida do ordenamento.

Diversamente, as decisões de rejeição não têm esse efeito preclusivo

relativamente a nova impugnação. Ora, se assim sucede, nada obsta a que a

norma que não foi julgada inconstitucional ou ilegal possa ser novamente

impugnada com idêntico fundamento, e a todo o tempo, pelos mesmos sujeitos

que antes a tinham sindicado ou por outros com legitimidade ativa para o efeito.

Deste facto resulta que a norma não julgada inconstitucional não beneficia de

um “selo de garantia” da sua validade, mas antes de uma simples presunção denão inconstitucionalidade suscetível de ser ilidida no futuro, através de nova

impugnação. A decisão de rejeição encontra-se investida, tão só, em força de

caso julgado formal, pelo que:

a.  Esgota os seus efeitos no processo e, como

tal, não poderá ser, neste último, revogada

ou modificada;

b.  Não beneficiando de força de caso julgado

material, a mera presunção de não

inconstitucionalidade que dela resulta nãoequivale a um juízo de constitucionalidade

sobre a norma sindicada.

Atentos os precedentes de direito estrangeiro sobre a matéria, poder-se-ia

supor que uma “decisão de constitucionalidade” equivaleria ao reconhecimento de força de

caso julgado material e, consequentemente, à proibição de nova impugnação da norma, com

fundamento nos mesmos motivos, proibição essa que não tem lugar no ordenamento português.

Na realidade, não faria sentido blindar uma lei contra impugnações futuras, não só porque

podem existir vícios de inconstitucionalidades não evidentes e não constantes do pedido que

podem ter passado desapercebidos, mas porque também, a evolução temporal e circunstancial

pode geral inconstitucionalidades supervenientes de caráter deslizante que passariam a ser

injustificadamente imunes a qualquer controlo.

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186 

2.º Introdução à decisão de acolhimento: as decisões de acolhimento são aquelas

que julgam procedente a pretensão contida no pedido, no sentido da inconstitucionalidade ou

ilegalidade da norma sindicada. Esse acolhimento, pode ser total ou parcial e, implicando a

aceitação do argumento favorável à invalidade do ato impugnado no pedido, pode, ainda assim,

não sufragar os fundamentos de ilegitimidade jurídica invocados na causa de pedir (artigo 51.º,

n.º 5 LTC). A consequência jurídica típica que resulta, como regra, das decisões de acolhimentotraduz-se na declaração da inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma sindicada, com força

obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, tal como dispõem o n.º 1 e o n.º 2 do artigo 282.º

CRP. Dela emergem, por seu turno, efeitos negativos (eliminação e da sua produtividade

passada), efeitos positivos (repristinação de direito revogado pelo ato inconstitucional) e efeitos

proibitivos (proibição de aplicação ou reedição do ato inconstitucional).

Efeitos típicos das decisões de acolhimento:

1.º Regime regra das decisões de acolhimento: examinaremos de seguida o regime

da inconstitucionalidade originária e o da inconstitucionalidade superveniente para,

seguidamente, dissecarmos as características prototípicas da força obrigatória geral que investeas decisões que declaram esses dois tipos de inconstitucionalidade.

a)  Regime da inconstitucionalidade originária: efeitos ex tunc  da decisão e

repristinação do Direito revogado pela norma nula: encontramo-nos aqui,

de acordo com o entendimento clássico sobre a matéria, perante uma

declaração simples de invalidade, no contexto da sua sanção da nulidade.

Trata-se da decisão regra e comporta seguramente o regime operativo mais

linear de entre os diversos tipos de declarações de inconstitucionalidade. As

normas originariamente inconstitucionais ou ilegais são todas as que, desde

qual lhes era preexistente. Como tal, sendo a norma expulsa do

ordenamento, os efeitos repressivos da declaração de invalidade, atento o

critério da imediatividade, todas as situações ilegítimas não transitadas em

 julgado, geradas pela sua aplicação. As normas dependentes, atos de

aplicação e contratos, todos serão por regra inválidos, registando-se

algumas exceções, tais como as situações cobertas pelo caso julgado (artigo

282.º, n.º3 CRP) e, segundo alguns entendimentos controversos, também as

abrangidas pelo chamado “caso decidido administrativo”. A par destes

efeitos repressivos, a declaração de inconstitucionalidade implica,

igualmente, um efeito represtinatório. Com efeito, o n.º1 do artigo 282.º

CRP prevê a repristinação do Direito revogado pelo ato declarado

inconstitucional ou ilegal, o que se traduz na revivescência das normas quecessaram vigência em virtude da entrada em vigor das disposições

declaradas inválidas. Trata-se de um instituto jurídico que intenta alcançar

dois desideratos:

a. 

O de restabelecer, na medida do possível, a situação que existia

antes da ocorrência da inconstitucionalidade;

b. 

O de preenchimento de lacunas geradas pela eliminação da norma

inconstitucional.

A repristinação é automática não carecendo, portanto, de determinaçãonesse sentido pelo Tribunal Constitucional, operando imediatamente por força da Constituição.

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Isto, em primeiro lugar porque se a norma inconstitucional é expulsa do ordenamento haverá

que eliminar os seus efeitos póstumos que, em regra, serão também consequentemente

inválidos. Ora, de entre os mesmo figuram, não apenas, os atos e contratos criados no seu

respeito, mas igualmente a decisão ínsita na norma inconstitucional no sentido de revogar

normas jurídicas anteriores. Inapta para proceder à modificação da ordem jurídica, a norma

declarada inconstitucional não pode ver salvaguardada, atento o efeito da nulidade, a suaeficácia revogatória, pelo que a repristinação do direito que por ela foi revogado implica o

restabelecimento da situação jurídica existente em momento anterior à emissão da norma

inválida. Em segundo lugar, uma pluralidade de situações às quais se aplicou indevidamente a

norma inconstitucional ficariam por regular juridicamente se, depois da eliminação dessa norma

não existisse direito imediatamente apto a discipliná-las. Deste modo a repristinação visa

preencher a lacuna gerada pelo julgamento da nulidade da referida norma. Se bem que a

natureza da nulidade, como sanção do ato normativo inconstitucional reclame a consagração

da repristinação, a pragmática do sistema acaba por destacar o desiderato da integração

automática de lacunas como fator determinante da previsão do instituto. Isto, porque os atos

singulares praticados no respeito da norma nula que não se tenham tornado inimpugnável irão,eventualmente, revalidar-se ou obter o seu fundamento legal à luz da norma repristinada.

Contudo, considera-se que o Tribunal Constitucional, mediante uma decisão manipulativa, pode

obstar, no seu todo ou em parte, à repristinação do direito revogado. No plano da precedência

de regimes legais passíveis de se aplicarem às situações jurídicas deixadas a descoberto em

razão da declaração de inconstitucionalidade de uma lei especial anteriormente revogada, deve

prevalecer repristinação de outra lei especial anteriormente revogada, deve prevalecer a

repristinação de outra lei especial ou a aplicação imediata de uma lei geral que se encontre em

vigor e incida sobre essas situações? O critério reitor deste quadro de aplicação concorrente de

normas deverá ser o da repristinação de lei especial, já que resulta diretamente da Constituição

(artigo 292.º, n.º1 CRP) e da lógica da preferência de lei especial sobre a lei geral prevista no

artigo 7.º, n.º1 CC. Excetua-se os casos em que, por força do disposto no artigo 282.º, n.º4 CRP

o Tribunal Constitucional decida vedar a repristinação do direito revogado, seja pelo facto de o

considerar inconstitucional ou de o qualificar como inaplicável, por razões de segurança jurídica,

equidade ou interesse público de excecional relevo. Assinala alguma doutrina a existência de

exceções à repristinação. Seria o caso da não revivescência de tratados que cessaram vigência

(não podendo os mesmos, atenta a natureza plurilateral, ser repostos em vigor pela vontade

unilateral de um Estado); de leis medida; de leis de vigência pré definida (leis orçamentais,

grandes opções dos planos e limites máximos dos avales a conceder anualmente); de leis

caducas ou esgotadas no seu objeto (tais como as leis de autorização legislativa); e de leis

circunstanciais (amnistias e leis relativas a operações creditícias). No nosso entendimento,

algumas leis de vigência pré definida poderão, eventualmente, revivescer. É, por exemplo, ocaso das leis orçamentais. Declarada a inconstitucionalidade total de lei do Orçamento de Estado

em vigor, faria todo o sentido, por razões de segurança jurídica e de interesse público, a

repristinação da Lei do Orçamento do ano transato e a sua vigência em regime de duodécimos.

Isto porque, no caso de impossibilidade política imediata de aprovação da Lei do Orçamento de

Estado para o novo ano económico, a lei do Orçamento aprovada para vigorar no decurso do

ano findo continuaria a produzir transitoriamente efeitos, produtividade que se mostra

pertinente tendo em vista evitar um cenário de vazio orçamental. É certo que a Lei do

Orçamento de Estado é uma lei de eficácia temporalmente pré definida, mas não é menos

verdade que a Lei do Orçamento do Enquadramento Orçamental, que a parametriza, estabelece

no seu artigo 41.º possibilidade de prorrogação da vigência da primeira. Sendo, portanto areferida lei prorrogável na base de certos pressupostos (como a da não aprovação da Lei do

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188 

Orçamento de Estado para o ano seguinte pela Assembleia da República) também o será na base

de pressupostos de ordem análoga, também eles centrados num contexto de vazio orçamental.

Embora a repristinação seja automática não seria de menos que numa situação dessa natureza

o Tribunal Constitucional aludisse e fundamentasse a referida revivescência. Do mesmo modo

nada parece impedir a revivescência de uma lei-medida, se a norma declarada inconstitucional

assumir uma natureza e um objeto idênticos, ou se uma norma geral que tenha sido julgadainconstitucional tiver sido precedida por uma pluralidade de leis-medida, cuja soma cura, total,

ou parcialmente seu âmbito e objeto. Ressalva-se, eventualmente, o caso de leis puramente

singulares cujo objeto se tenha já esgotado numa dada situação jurídica concreta, não fazendo

qualquer sentido a sua revivescência. Havendo aqui a considerar uma situação análoga à

preclusão da repristinação da generalidade das normas caducas ao tempo do julgamento da

inconstitucionalidade (sobretudo, em relação às que não sejam prorrogáveis) e das lei de

autorização legislativa já utilizadas, caducadas ou cujo limite temporal se tenha esgotado.

b)  Regime da invalidade superveniente: na inconstitucionalidade

superveniente, releva a apreciação de vícios materiais, já que, em termos de

vícios de forma e de competência, vigora o princípio tempus regit actum.

Nestes termos, a norma parâmetro que se destaca para a apreciação da

constitucionalidade é a que estiver em vigor no momento em que se

procede ao controlo. O que à fiscalização de constitucionalidade interessa é

saber se a norma, quando foi criada, observou as regras constitucionais de

competência e forma, e não, se se verificarem mutações constitucionais de

ordem competencial ou formal depois da referida criação. Estas últimas, a

terem ocorrido, apenas podem condicionar a produção de normas futuras,

sendo inservíveis, à luz do princípio tempus regit actum, para aferir a

validade de normas que vigoravam antes de ocorrer a revisão constitucional

que introduziu as referidas alterações de alcance orgânico ou formal. Deacordo com o artigo 282.º, n.º2 CRP, os efeitos repressivos da declaração de

inconstitucionalidade ou ilegalidade limitam a sua eficácia retroativa até ao

momento da entrada em vigor da norma constitucional ou legal que

constitui parâmetro da fiscalização. Tais efeitos são qualificados, por vezes,

como integrativos de um regime misto, situado entre a eficácia ex tunc e ex

nunc. Compreende-se a lógica deste regime à luz das regras sobre a vigência

das normas e dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade: o

ato normativo que é objeto de fiscalização é plenamente válido no

momento em que é editado, já que se mostra conforme com as disposições

constitucionais ou com a legislação reforçada a que deve observância. Ainvalidade surge a partir do momento em que ocorrem alterações nessas

normas de referência, das quais resulte uma distonia com as normas de

direito comum anteriormente emitidas e ainda vigentes (vide, todavia, o

caráter diacrónico dos efeitos relativos da nulidade inerentes à declaração,

sobre a norma). Assim sendo, os efeitos da declaração de

constitucionalidade nunca deveriam atingir os contratos celebrados e os

atos praticados no respeito ou em execução da norma declarada

inconstitucional durante o período em que a mesma era plenamente valida,

ou seja, antes da superveniência de normas paramétricas que com ela

entraram em colisão. Semelhante eliminação careceria de fundamentomaterial, pois teria por objeto atos válidos e afrontaria inadmissivelmente:

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189 

a. 

O princípio da segurança jurídica (o qual salvaguarda a subsistência

dos atos praticados à sombra de normas ainda válidas, nas quais os

operadores jurídicos legitimamente confiaram);

b. 

E o princípio da proporcionalidade (dado que o ordenamento

repudia sanções excessivas e desnecessárias).Considera a maioria da doutrina que, no caso da invalidade

superveniente de normas jurídicas, não há lugar a repristinação do

direito revogado por norma julgada inconstitucional ou ilegal. A

Constituição nada dispõe a este respeito. A tese desfavorável à

repristinação funda-se:

- na ausência de previsão constitucional;

- na circunstância de a norma julgada inconstitucional ou ilegal

continuar a aplicar-se aos factos produzidos no seu respeito, antes de

verificada essa mesma inconstitucionalidade ou ilegalidade;

- na desigualdade gerada entre as pessoas no momento anterior

e posterior à superveniência do parâmetro, no caso de a hipotética

repristinação de direito vir a abranger as situações criadas depois dessa

superveniência;

- Na desatualização da norma repristinada.

O terceiro e quarto argumentos avançados em abono da

desatualização e da desigualdade dificilmente procedem, sendo até

contestados por uma parte da doutrina que nega a repristinação, já que

os mesmos, por identidade de razão, se aplicam à repristinação de

normas num quadro de inconstitucionalidade originária onde,

curiosamente, nunca são invocados. Não parece conveniente o primeiro

argumento no sentido da não previsão constitucional da figura,

agregado ao entendimento segundo o qual, o n.º 2 do artigo 282.º CRP,

que é uma norma geral, acolhe explicitamente a repristinação para a

inconstitucionalidade originária e que o n.º2 do mesmo preceito, que

condensa uma norma especial em relação à anterior, não a prevê para

a inconstitucionalidade superveniente, não fazendo sentido integrar

uma norma especial com o regime de uma norma geral. Com efeito, o

artigo 282.º, n.º1 CRP reporta-se a um tipo de inconstitucionalidade (ainconstitucionalidade originária, que revela ser a mais comum) mas

contém também critérios relativos a outro tipos de

inconstitucionalidade julgados em fiscalização abstrata sucessiva, como

será o caso da inconstitucionalidade superveniente. Ora, o regime

específico da inconstitucionalidade superveniente, previsto no n.º2 do

mesmo preceito, encontra-se expressamente conjugado com o anterior,

encontrando-se o elemento literal que reflete essa conjugação ínsito na

expressão “porém”. Ora, a especialidade relevante contida no n.º2 em

face do n.º1 do artigo 282.º reporta-se apenas aos efeitos temporais da

eficácia sancionatória da sentença e não a qualquer outro efeito, peloque o mesmo preceito deve ser lido em conexão com o anterior, como

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consagrando implícita e analogicamente a repristinação, na medida em

que a mesma faça sentido. O argumento de que norma julgada

inconstitucional será válida em relação aos factos ocorridos antes da

entrada em vigor do parâmetro constitucional gerador da invalidade,

sendo quiçá o mais forte, não logra ser, ainda assim, decisivo. Na

verdade, na inconstitucionalidade superveniente haverá que separardiacronicamente numa disposição normativa, duas normas

materialmente iguais, que por produzirem efeitos em tempos distintos,

têm regimes diferentes quanto à sua validade: a norma emergente do

preceito que permanece válida até à superveniência do parâmetro e a

norma que passou a ser inválida após essa superveniência do parâmetro

e a norma que passou a ser inválida após essa superveniência. Ora, quer

a norma válida quer a norma inválida não deixam de se reconduzir a

uma única disposição, ainda vigente no ordenamento, onde constava

uma norma que revogou o direito anterior. Na medida em que o direito

revogador não seja inconstitucional e na medida em que não afronte asegurança, equidade e o interesse público de excecional relevo, não se

vê qual a razão pertinente para precludir a sua revivescência para o

período posterior à superveniência da lei constitucional geradora de

invalidade. Surge, também em abono da tese da repristinação em sede

de inconstitucionalidade superveniente o argumento da integração de

lacunas. É que, no caso de a inconstitucionalidade superveniente ter

ocorrido em data temporalmente mais distante em relação à da

correspondente declaração de invalidade, a eficácia retroativa dos

efeitos repressivos decorrentes da mesma decisão poderá atingir um

número expressivo de factos. Coloca-se, pois, nesta situação, o

problema do direito aplicável a esses mesmos factos, bem como a

necessidade de ser preenchida uma lacuna. Neste cenário e apenas no

caso de a normação repristinável não ser inconstitucional ou ilegal, não

vemos razões para que seja proibida a revivescência automática do

direito revogado pela norma inconstitucional, contanto que a regra

repristinada apenas se aplique a factos constituídos à sombra dessa

norma, no período posterior à superveniência do parâmetro que

fundamentou a sua invalidade. Sendo inválida a norma declarada

supervenientemente inconstitucional e sendo gerada uma lacuna, como

efeito da sua eliminação não se vislumbra um motivo plausível para a

rejeição de uma repristinação limitada ao período de aplicação danorma posterior à verificação da inconstitucionalidade. Julga-se que

esta solução decorre, por analogia, do artigo 282.º, n.º1 CRP e pode, tal

como se afirmou anteriormente, ser sempre sustida por decisão do

Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º4 do artigo 282.º, se o direito

repristinado, no todo ou em parte, for, igualmente, inconstitucional ou

ilegal, ou a sua introdução ativa no ordenamento bulir com os valores

protegidos por este último preceito. Em síntese:

- A normação repristinada aplicar-se-ia aos factos verificados

entre a ocorrência da inconstitucionalidade ou ilegalidade e a respetiva

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declaração pelo Tribunal Constitucional (excetuadas as situações

tornadas firmes pelo caso julgado);

- O conteúdo da lei objeto da declaração da

inconstitucionalidade superveniente continuaria a ser validamente

aplicada aos factos que tivessem ocorrido entre o momento do seuinício de vigência e o momento da constituição da invalidade.

2.º A força obrigatória geral como atributo da declaração de inconstitucionalidade

e ilegalidade: o artigo 282.º CRP estipula os efeitos das decisões de acolhimento de um pedido

de fiscalização da constitucionalidade e legalidade em processo abstrato sucessivo. Em especial,

o n.º 1 do referido preceito alude à força obrigatória geral que envolve a declaração da

inconstitucionalidade originária de um ato normativo, da qual resulta o efeito-regra deste tipo

de decisão. Efeito que, tal como se verá, se desdobra numa pluralidade de eficácias, como é o

caso da nulidade, da força de caso julgado formal e material e da eficácia erga omnes.

a)  A problemática da equiparação da força obrigatória geral a força de

lei: alguma doutrina portuguesa considera que a expressão força

obrigatória geral abarca as noções de vinculação geral e força de lei.

A ideia de vinculação legal consistiria no caráter obrigatório da pate

dispositiva da decisão para todas as autoridades públicas, enquanto

que a de força de lei aludiria ao imperativo de as sentenças terem

valor normativo para as pessoas individuais e coletivas afetadas pela

mesma decisão. O mesmo entendimento doutrinário evoluiu,

contudo, de uma equiparação entre força de lei e força obrigatória

geral, para uma posição mais cauta. Através desta última procura

clarificar-se que as decisões em exame não seriam formalmente

atos legislativos nem criariam normas, embora fossem semelhantesàs normas legais quanto a alguns efeitos, pelo que deteriam uma

fora semelhante à da lei”. Outros autores começaram por evocar

uma força normal negativa de lei solada às declarações de

inconstitucionalidade, enquadrando a força obrigatória geral no

âmbito de uma força assimilável à da lei. Presentemente,

manifestam os mesmos expoentes alguma preocupação em

assinalar as diferenças existente entre os dois conceitos no plano

 jurídico, sem prejuízo de vincarem certas semelhanças quanto ao

modo como a decisão atinge a subsistência do ato inconstitucional.

A assimilação entre força obrigatória geral e força de lei tem,eventualmente, como fonte de inspiração o ordenamento alemão,

cujo §31 (2) da Lei do Tribunal Constitucional utiliza a última

expressão repostada às declarações de inconstitucionalidade e de

constitucionalidade. Ainda assim, a generalidade da doutrina alemã

reconhece que semelhante disposição confere à noção de “força de

lei” um significado eminentemente processual. E, por outro lado,

existem outros setores da mesma doutrina que vibram críticas ao

que consideram ser a “inexatidão” dessa fórmula, a qual favoreceria

o equívoco, segundo o qual, o Tribunal Constitucional se

comportaria como um legislador não só negativo, mas positivo,sobretudo quando dita “medidas de necessidade legislativa” e

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profere decisões interpretativas conformes à Constituição, cuja

motivação envolve, não poucas vezes, essa mesma força. E o facto

é que, tal como se verificará em sede própria na ordem jurídica

alemã, extrai-se do conceito de força de lei esse efeito vinculante,

que supõe a obrigação de os poderes públicos respeitarem não

apenas a parte dispositiva da decisão, mas também os fundamentosdeterminantes da motivação. Ora, na ordem jurídica portuguesa,

salvo no caso da inconstitucionalidade parcial qualitativa (em que o

dispositivo vincula conjuntamente com a solução interpretativa que

o fundamenta) a componente interpretativa das declaração de

inconstitucionalidade ou de não inconstitucionalidade não se

encontra investida dessa “eficácia vinculante erga omnes”. Nestes

termos, a chamada à colação da noção germânica de força de lei

para descodificar o sentido da fórmula força obrigatória geral é

inadequada e apenas pode gerar confusão no plano interpretativo.

Reiteramos, sem síntese, as considerações que sobre a matériaforam por nós oportunamente expendidas, e que na presente sede

nos limitaremos a sintetizar:

i.  Força obrigatória geral e força de lei ostentam, no

ordenamento português, alguns atributos próximos e outros

radicalmente distintos que permitem, num sentido puramente

referencial, qualificar a força obrigatória geral como uma das

modalidades de “força afim da força de lei”. Esta noção não

implica uma equiparação ou assimilação entre as duas figuras,

mas a menção a uma simples relação de proximidade , dado que

os elementos dissemelhantes sobrelevam os semelhantes e,estes últimos, não assumem caráter essencial.

ii.  Como atributos de semelhança importa referir que dois

institutos implicam a libertação de uma potência jurídica com

efeitos supressivos, a qual se mostra apta a pôr termo à vigência

de uma dada norma. Neste sentido, a norma cessa a sua

vigência ad futurum, num e noutro caso. Do mesmo modo, os

dois institutos podem produzir efeitos efeitos de ordem

positiva no ordenamento. Assim, num plano limitadamente

criativo, ou re-cretivo, a declaração de inconstitucionalidade

com força obrigatória geral e a revogação podem, a título

necessário ou eventual, determinar o efeito da repristinação do

direito revogado pela norma que cessou vigência.

iii. 

Como atributo dissemelhantes, convirá configurar os que se

passa a mencionar. Em primeiro lugar, o efeito sancionatório

que deriva da força obrigatória geral da decisão de

inconstitucionalidade expulsa, por regra, a norma do

ordenamento e produz tanto, efeitos ex nunc (preclude efeitos

futuros), como ex tunc (elimina efeitos passados); já que a força

de lei faz apenas cessar a eficácia de uma norma ex nunc,substituindo a norma revogada no ordenamento em estado de

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improdutividade. A prova dessa subsistência reflete-se na

possibilidade de a mesma norma vir a ser repristinada,

contrariamente ao que sucede com a norma declarada

inconstitucional ou ilegal. Pode ainda a norma revogada ser

aplicada ultra ativamente no respeitante a factos praticados ao

seu abrigo que ainda decorram depois da sua revogação. Assim,a decisão de inconstitucionalidade elimina com efeitos

retroativos as consequências jurídicas que a norma inválida

produziu no passado; já a força de lei inerente à revogação

respeita, por regra, a produtividade pretérita da norma

(havendo inclusivamente certas formas de revogação com

efeitos retroativos que são constitucionalmente proibidas). Em

segundo lugar, a decisão típica de inconstitucionalidade com

força obrigatória geral não assume em termos técnico-jurídicos

caráter normativo, já que a função jurisdicional repressiva

cometida ao Tribunal Constitucional pela Constituição (artigos221.º, artigo 223.º, n.º1 e artigos 277.º e seguintes CRP) não

consiste em aprovar normas, mas sim em eliminar aquelas que

contrariem os parâmetros de constitucionalidade e legalidade.

É certo que, no plano dos factos, a interpretação feita a

princípios e conceitos indeterminados presentes no parâmetro

constitucional permite alguma criatividade normativa vinculada

no processo de concretização, se bem que essa atividade se

encontre balizada pelo pensamento dogmático da

hermenêutica não se situando na esfera legislativa de uma

produção livre de regras jurídicas (pese alguns excessos

ativistas que permitem questionar a própria legitimidade de

algumas sentenças mais inovadoras). Os efeitos típicos

assinados pela Constituição às decisões com força obrigatória

(artigo 282.º) são por regra de índole cassatória, ou seja,

declaram a nulidade do ato inválido sem enunciarem critérios

de decisão dotados de novidade. Mesmo a repristinação, efeito

automático da declaração, não constitui direito novo hoc sensu 

tratando-se, sim, de um ato de reposição em vigor de direito

antigo criado pelo legislador, tendo em vista a composição de

uma lacuna. Do mesmo modo os próprios critérios

reconstrutivos das sentenças aditivas não assumem, por regra,caráter normativo em sentido próprio. Isso porque:

a.  Ou não dispõem de força obrigatória geral (no caso de,

tratando-se de uma sentença aditiva de princípio,

orientarem o modo de preenchimento de uma lacuna

através da revelação de um princípio);

b.  Ou se limitam a identificar princípios ou regras

constitucionais existentes, direta e necessariamente

aplicáveis à situação concreta mediante uma única

solução jurídica verosímil.

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A título excecional a decisão aditiva pode comportar efeitos

normativos. Tal sucede quando a concretização de uma

norma ou princípio constitucional cogente implica o

afastamento (seleção negativa) de outras soluções

interpretativas não objetivamente inconstitucionais, mas

menos afeiçoadas aos princípios da Constituição e àvontade do legislador. Tal implica que o Tribunal

Constitucional prolate um juízo limitadamente

discricionário de escolha de entre um leque restrito de

opções normativas distintas e na base de critérios objetivos.

Diversamente, a plenitude da força de lei exprime-se,

segundo a maioria da doutrina, através da supressão do

direito velho, bem como da faculdade de edição livre de

uma norma nova, emitida ao abrigo da função legislativa.

Em terceiro lugar, a força obrigatória geral de uma decisão

de inconstitucionalidade não pode ser questionada por umato da mesma ou de outra natureza, assumindo força de

caso julgado formal; já a força própria de um ato legislativo

pode ser afetada por uma potência sucessiva da mesma

natureza (revogação ou repristinação) ou de natureza mais

intensa (uma decisão de inconstitucionalidade). Em quarto

lugar, a força obrigatória geral reveste uma potência

uniforme, independentemente da hierarquia do ato

declarado inválido (lei constitucional, lei ordinária ou

regulamento); diversamente, a força geral de lei é uma

característica estrutural e exclusiva do ato legislativo

ordinário e indicia, no plano da potência relacional que

liberta, a posição hierárquica daquele no ordenamento. Em

quinto lugar, a força obrigatória geral no que respeita ao

seu “efeito vinculativo” caracteriza-se pela imperatividade,

enquanto que a força de lei e a imperatividade são

conceitos distintos, podendo haver leis que a título

principal não assumam natureza imperativa, mas mesmo

assim exerçam a sua força revogatória sobre outras leis

(vide o caso da legislação em matéria de benefícios fiscais).

Em suma, a potência ablativa gerada por uma decisão com

força obrigatória geral é muito mais intensa do que aquelaque é libertada pela força legal inerente a um fenómeno

revogatório, cumprindo os dois institutos, papéis distintos,

no quadro de diferentes atividades estaduais. Daí que, a

noção de força afim da lei que é assinada à força obrigatória

geral constitua, sobretudo, um conceito referencial.

b)  As três manifestações de eficácia do conceito de força obrigatória

geral: a noção de força obrigatória geral inerente a uma decisão de

inconstitucionalidade em fiscalização abstrata sucessiva abarca três

dimensões, a saber:

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a. 

A nulidade da norma julgada inconstitucional ou ilegal,

e que consiste no efeito sancionatório que inere à

declaração, norma essa que não é apenas desaplicada

a um caso singular, como sucede na fiscalização

concreta, mas também eliminada do ordenamento,

sendo igualmente eliminados retroativamente, porregra, efeitos que a mesma produziu desde a

verificação da invalidade;

b. 

A força de caso julgado formal e material, que consiste

no efeito processual do instituto, traduzida na

insusceptibilidade de o fundo da questão de

inconstitucionalidade ou ilegalidade, que é objeto da

declaração, poder vir a ser recorrida ou reapreciada

 jurisdicionalmente, projetando-se a definitividade dos

efeitos da decisão para fora dos contrafortes do próprio

processo;

c.  A eficácia frente a todos, que respeita ao poder

vinculativo da decisão e que se traduz na extensão erga

omnes da obrigatoriedade de acatamento do conteúdo

dispositivo da decisão por todas as autoridades

públicas e por todos os particulares destinatários da

norma.

A)  A nulidade como sanção da norma inconstitucional:

a. 

Regime: tínhamos concluído em sede própriaque o desvalor da invalidade das normas

declaradas inconstitucionais ou ilegais com

força obrigatória geral é reprimido no sistema

português com a sanção da nulidade. A

nulidade como sanção da invalidade: serve os

interesses públicos presos à defesa da

intangibilidade da Constituição que não são,

por regra, postergáveis por outros interesses

públicos (artigo 3.º, n.º3 CRP), nem por

interesses privados; constitui-se no momento

em que ocorre a ofensa à norma parâmetro

(Artigo 282.º, n.º1 e 2 CRP); pressupõe a

expulsão da disposição normativa

inconstitucional ou ilegal a partir do momento

em que é publicada a correspondente

declaração; e projeta retroativamente efeitos

repressivos que eliminam consequências

 jurídicas anteriormente produzidas pela

mesma disposição, excetuando os casos

 julgados. A conceptualização da nulidade como

efeito sancionatório da decisão deinconstitucionalidade em processo de controlo

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abstrato sucessivo decorre da associação do

instituto da “declaração da

inconstitucionalidade” com a noção de força 

obrigatória geral a qual é feita pelo n.º1 do

artigo 282.º CRP. A nulidade ipso iure constitui-

se no momento da colisão entre a normainválida e o parâmetro constitucional, pelo que

a função do Tribunal Constitucional será, em

regra, apenas a de proceder à sua declaração.

A força obrigatória geral que envolve a

declaração reforça a potência repressiva do

efeito da nulidade, no sentido da expulsão

definitiva da norma do ordenamento jurídico.

Ainda assim, o regime da nulidade pauta-se por

uma sensível variabilidade operativa em razão

do caráter, mais rigoroso ou mais limitado, dosefeitos sancionatórios que liberta, em relação a

factos passados regidos pela norma

inconstitucional. E daí termos falado no

instituto-regra da nulidade com efeitos

absolutos quando se esteja perante uma

reação do ordenamento contra a norma

inválida, regida nos estritos termos do n.º1 e na

1.ª parte do n.º3 do artigo 282.º CRP: a norma

é eliminada, como eliminados são também os

efeitos que a mesma haja produzido desde a

sua origem, salvaguardados os casos julgados

que a tenham aplicado. Isto sem prejuízo da

nova e muito discutível orientação

 jurisprudencial do Tribunal Constitucional,

bebida na jurisprudência administrativa, que

equipara para efeito de salvaguarda, o caso

decidido administrativo ao regime do caso

 julgado, suscitando ponderosas dúvidas do

ordem dogmática e constitucional que são

observadas infra. Trata-se da regra geral da

nulidade ipso iure, a qual opera também opeconstitutione, limitando-se o Tribunal

Constitucional proceder à respetiva declaração.

A nulidade com efeitos relativos, como exceção

à regra anterior, supõe que a eficácia

sancionatória com efeitos retroativos prevista

no n.º1, em conjugação com o n.º3 do artigo

282.º, possa ser restringida. Essa restrição

pode operar ope constitutione, no caso de

inconstitucionalidade ou ilegalidade

superveniente, dado que é o próprio n.º 2 doartigo 282.º CRP a determinar por razões

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lógicas e de segurança jurídica que a

retroatividade da eficácia repressiva da

declaração, terá como limite o momento em

que a norma parâmetro entrou em vigor e

colidiu com uma norma objeto preexistente. E

pode operar por decisão manipulativa dopróprio Tribunal Constitucional,

nomeadamente as condições previstas no n.º4

do artigo 282.º, o qual preserva de uma

potencial eliminação, uma pluralidade de atos

e contratos fundados na norma declarada

inconstitucional, contanto que os mesmos

sejam considerados merecedores de

consolidação. Atenuam-se, deste modo, com

eficácia variável, os efeitos sancionatórios

regra projetados para o passado que inerem aoregime da nulidade com efeitos absolutos. Em

síntese, a nulidade da norma inconstitucional

implica, nos seus traços dogmáticos

fundamentais:

i.  A expulsão da norma inconstitucional

do ordenamento, com a consequente

impossibilidade de revivescência da

mesma;

ii. 

A cessação imediata de efeitos futuros,a partir do momento de publicação da

decisão de invalidade;

iii.  A regra da eliminação de efeitos

passados que não tenham transitado

em julgado, ressalvadas as situações

previstas nos n.º2, 3 e 4 do artigo 282.º

CRP;

iv.  A repristinação da norma que a regra

inconstitucional haja revogado, como

forma de reconstituição da situação

 jurídica existente antes de declarada a

nulidade e preenchimento do vazio

 jurídico gerado pela eliminação da

regra.

Ocorrendo a repristinação, a

norma repristinada deve, em primeiro lugar,

valer como fundamento de validade dos atos

administrativos e situações jurídicas que

ocorram no futuro. Quanto aos atosadministrativos praticados no passado, estes

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não obterão uma novação do seu fundamento

na norma repristinada, no caso de: serem nulos;

respeitarem a situações intangíveis já

transitadas em julgado; terem sido

salvaguardadas pelo Tribunal Constitucional ao

abrigo do artigo 282.º, n.º4 CRP; ou, maisduvidosamente, caso proceda a salvaguarda do

chamado caso resolvido no caso de prevalecer a

norma controversa jurisprudência do Tribunal

Constitucional relativamente à garantia

automática do caso decidido

consequentemente inconstitucional, o que

implicaria uma sanação dos seus vícios. No que

respeita aos atos singulares inconstitucionais

que sejam nulos, as situações jurídicas sobre as

quais os mesmos recaiam serão regidas nofuturo pela norma repristinada, após a

declaração da inconstitucionalidade.

b.  Considerações sobre os efeitos relativos de

certas declarações de nulidade fundadas em

inconstitucionalidade: como vimos, a decisão

de acolhimento proferida em controlo abstrato

sucessivo não constitui a relação de desvalor de

inconstitucionalidades ou ilegalidade,

procedendo, sim à sua declaração. O valor

negativo do ato inconstitucional ou ilegal tem,efetivamente, lugar desde o momento em que

colide com a norma que é seu parâmetro de

validade. Como tal, a declaração de

inconstitucionalidade ou ilegalidade consiste

num juízo de autoridade que tem por escopo

atestar a ocorrência do desvalor da invalidade

e que, assim, autoriza a libertação dos efeitos

repressivos que o ordenamento prevê para

atingir tanto o ato inconstitucional ou ilegal,

como as consequências jurídicas que esteproduziu desde o momento em que se gerou o

vício. Existem, de todo o modo, dois aspetos

presos à atipicidade da nulidade em Direito

constitucional que merecem algumas reflexões:

trata-se do regime da nulidade no contexto do

 julgamento da inconstitucionalidade

superveniente de uma norma; e dos efeitos

constitutivos gerados pela restrição dos efeitos

da declaração de inconstitucionalidade

originária e superveniente.

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i. 

Os efeitos diacrónicos da declaração da

nulidade no contexto da

inconstitucionalidade superveniente: a

atentar no regime jurídico-positivo do

artigo 282.º, n.º2 CRP, dir-se-ia que, tal

como sucede com ainconstitucionalidade originária, a

nulidade de uma norma declarada

supervenientemente inconstitucional

constitui-se no momento da colisão

entre um ato normativo ordinário que

era válido na sua origem e uma norma

constitucional aprovada com

posterioridade ao início de vigência do

primeiro ato. Tal como sucede,

também, coma inconstitucionalidadeoriginária, os efeitos sancionatórios da

declaração assumem caráter

retroativo, eliminado atos e contratos

de execução do ato normativo

inconstitucional compreendidos entre

a data da entrada em vigor do

parâmetro superveniente. E, ainda, tal

como sucede com a

inconstitucionalidade originária, os

efeitos retroativos temporalmente

limitados que a declaração de

inconstitucionalidade superveniente

pode libertar são eles próprios

suscetíveis de restrição nos termos do

artigo 282.º, n.º4 CRP, já que as razões

que predicam o imperativo da

consolidação de certos atos e

contratos praticados após o momento

constitutivo da nulidade valem nas

duas situações. Mas, diversamente do

que sucede com ainconstitucionalidade originária, já na

inconstitucionalidade superveniente

os efeitos produzidos pela norma,

desde a sua origem até à

superveniência do parâmetro

constitucional são válidos, razão que

leva à qualificação dos efeitos da

nulidade como relativos. Se no plano

puramente descritivo do regime em

vigor pouco mais haverá a acrescentar, já na esfera do pensamento dogmático

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a qualificação do regime da nulidade

em sede da declaração da

inconstitucionalidade superveniente

não parece ser assim tão simples.

Vejamos porque:

1. 

Em tese, e à primeira vista, a

norma julgada inconstitucional

é só uma. Tendo nascido

originariamente em estado de

validade, porque conforme

com parâmetros

constitucionais preexistentes à

sua entrada em vigor, a norma

passou a quedar-se numa

situação de ilegitimidade

 jurídica por terem sido

editados, com posterioridade,

novos parâmetros

constitucionais de conteúdo

antitético. Ora, se assim é, e se

a nulidade se constitui no

momento da superveniência

do parâmetro, em bom rigor

essa mesma nulidade apenas

deveria incidir sobre os efeitos

que a norma produziu entre omomento dessa

superveniência e o momento

da declaração, não tendo,

contudo, fulminado a norma

em abstrato, entre o momento

da sua origem e a data da

entrada em vigor do

parâmetro gerador da

antinomia. Se os efeitos

gerados pela aplicação danorma depois de constituída a

nulidade são inequivocamente

nulos e como tal expurgados

do ordenamento, o mesmo

não se deveria passar com a

norma e com os efeitos que

gerou antes de constituída a

nulidade.

2.  Se assim é, torna-se possível

dizer que a norma, no querespeita ao momento anterior

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202 

vigor. Só então é que a norma

é integralmente nula, sendo

expulsa do ordenamento in

totum. Se tal sucede, confirma-

se que a norma que num

primeiro momento fora julgada supervenientemente

inconstitucional, terá ainda

assim permanecido no

ordenamento, produzindo, tal

como sucede com as normas

revogadas, efeitos válidos para

um período limitado de tempo

(entre a sua entrada em vigor e

a superveniência de um

parâmetro constitucionalantitético), só tendo sido

efetivamente removida da

ordem jurídica, depois de, num

segundo momento, ter sido

declarada a sua

inconstitucionalidade

originária.

3.  No caso relatado, a ser

admissível a revivescência da

norma que antes fora julgadasupervenientemente

inconstitucional, será difícil

argumentar em favor da sua

nulidade ipso iure  como ato

normativo e,

consequentemente defender

que a mesma foi expulsa qua

tale do ordenamento jurídico,

como efeito da declaração de

inconstitucionalidade. A figurada nulidade, mesmo com

efeitos relativos, é aqui

particularmente difícil de

manter em face desta

invalidade mista, onde se

somam elementos típicos da

revogação, com outros

próprios da nulidade. Está-se,

na realidade, perante uma

figura compósita da nulidade eda cessação de vigência,

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203 

próxima da que se encontra

prevista no artigo 64.º, e no

artigo 71.º, n.º 2 da Convenção

de Viena relativamente à

superveniência de uma norma

de ius cogens em relação a umtratado. Este mesmo tratado

cessa vigência, por revogação,

como efeito da superveniência

de uma norma antitética de

valor hierárquico superior,

sendo considerados nulos

todos os efeitos que de facto

tenha produzido depois da

entrada em vigor da segunda

norma. Veja-se, aliás, quetodas as considerações feitas

supra a propósito da

concomitância entre o

instituto revogatório e o

desvalor da invalidade,

decorrentes da superveniência

de uma norma constitucional

antitética em relação a direito

ordinário preexistente

contribuem para iluminar a

especificidade do regime

 jurídico que decorre da

declaração de

inconstitucionalidade, ao

abrigo do artigo 282.º, n.º2

CRP. Em consequência, não

pode deixar de ficar afetada a

linearidade de todas as

posições doutrinárias e

 jurisprudenciais que unificam,

sem mais, na nulidade (típicaou atípica) os efeitos

diversiformes das declarações

de inconstitucionalidade em

controlo sucessivo e que

estimam, singelamente, que

essa declaração decorre a

expulsão da norma

inconstitucional e a

impossibilidade da sua

revivescência. Quando muitoter-se-ia, algo ficcionalmente,

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205 

a figura da nulidade com

efeitos relativos.

ii.  Os efeitos constitutivos da sentença

manipulativa que declara a

inconstitucionalidade de uma norma:regressando à inconstitucionalidade

originária que constitui o fundamento

da invalidade-regra subjacente ao

controlo sucessivo, referimos que a

mesma se constitui no momento em

que a norma entra em vigor, e não por

efeito da declaração. Sem embargo, a

partir do momento em que a decisão

de inconstitucionalidade se não limite

à declaração exposta e procure

modelar a eficácia repressiva que se

projeta contra o ato inválido, por

exemplo, à luz do artigo 282.º, n.º4 CRP,

é possível afirmar que, nessas precisas

circunstâncias a decisão de

inconstitucionalidade constitui os

efeitos gerados pelo ato

inconstitucional ou ilegal. Essa decisão

não constitui a nulidade, mas sim os

seus efeitos, num quadro mais

restritivo ou mitigado de intensidadesancionatória, como, por exemplo, a

que resulta da salvaguarda de

consequências jurídicas passadas pelo

ato inconstitucional. Tal como veremos

detidamente são múltiplas as formas

como as decisões atípicas de

inconstitucionalidade se podem

projetar sobre o sentido e efeitos das

normas julgadas inconstitucionais.

iii. 

Nota complementar: a relativização

imprópria dos efeitos típicos da

nulidade através da extensão do

regime do caso julgado ao caso

decidido administrativo operada pelo

Tribunal Constitucional: nota e

remissão: tal como será analisado infra,

com mais detalhe, o Tribunal

Constitucional considerou, sobretudo

a partir do Acórdão n.º 786/96 e do

Acórdão 32/2002, de 22-1, numquadro justificativo paralelo

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206 

construído em torno da figura do caso

 julgado, que o caso decidido

administrativo se encontraria

consolidado, de forma a ser tornado

imune aos efeitos sancionatórios com

eficácia retroativa de uma declaraçãode inconstitucionalidade com força

obrigatória geral. Essa jurisprudência

abre caminho para o entendimento,

segundo o qual, se um ato

administrativo der execução a uma

norma inconstitucional e não for

impugnado pelos particulares ou pelo

Ministério Público em sede de

contencioso administrativo, com

fundamento em inconstitucionalidadeconsequente, durante o decurso do

prazo que o CPTA concede para a

impugnação dos atos anuláveis, o

mesmo transformar-se-á em caso

administrativo decidido, cuja

consolidação o tornará imune, por

razões de segurança jurídica (análogas

às que subjazem ao caso julgado), aos

efeitos retroativos de uma declaração

de inconstitucionalidade da norma por

ele executada. Semelhante

entendimento resulta ser

problemático para a estrutura lógica e

teleológica da nulidade, tal como esta

resulta da doutrina juspublicista

consolidada e do disposto na

Constituição, dado que:

1. 

Tal significaria uma

importante exceção a um dos

atributos dogmáticos danulidade da norma

inconstitucional que é o

 princípio da imediatividade:

uma laga maioria de

consequências póstumas

 produzidas pela norma

inconstitucional ficaria

salvaguardada dos efeitos

retroativos da sanção de

inconstitucionalidade,deixando de se poder afirmar

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207 

que a nulidade implicaria a

eliminação retroativa de todas

as consequências jurídicas da

norma inválida exceto o caso

 julgado, já que se preservaria

dessa eliminação um largoespetro de atos

administrativos de aplicação

que não tenham sido

impugnados e que nada têm a

ver com o telos do caso julgado; 

2.  Semelhante exceção, que não

se encontra habilitada na

Constituição ou na lei, mas

antes resulta da criatividade da

 jurisprudência constitucional e

administrativa, desfiguraria o

instituto da nulidade: será que

seria possível chamar nulidade

ao efeito sancionatório de uma

declaração de

inconstitucionalidade que

elimina a norma

inconstitucional mas que

preserva as suas metástases?

Que elimina a fonte dainconstitucionalidade mas que

salvaguarda as muitas das suas

consequências? Que, no fim de

contas, consagra o regime da

nulidade para a norma

inconstitucional e a

anulabilidade para os atos

administrativos que lhe dão

execução?

3. 

Essa salvaguarda do caso

decidido resultaria de uma

equiparação feita, por

pretensa identidade de razão,

entre a mesma figura e o caso

 julgado, por parte do Tribunal

Constitucional, através de uma

decisão com efeitos aditivos de

muito duvidosa

constitucionalidade e que se

mostra passível de justificar,no mínimo, uma intervenção

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208 

corretiva do legislador, em

sede de revisão da Lei do

Tribunal Constitucional.

É certo que se torna possível afirmar discursivamente

que o regime sancionatório regra continua a ser o danulidade com efeitos absolutos, prevista no n.º 1 do artigo

282.º CRP. Todavia, a nulidade com efeitos relativos, para

além dos casos expressamente previstos na Constituição

(artigo 282.º, n.º4), somaria, igualmente, por força de uma

 jurisprudência criativa do Tribunal Constitucional, o caso

decidido. Trata-se de um aditamento que pode implicar

duas coisas: ou a recondução do instituto dogmático da

nulidade a uma figura ficcional de referência no caso de se

consagrar uma dissociação entre a nulidade da norma e

anulabilidade dos seus efeitos; ou um forte reparo à

 jurisprudência do Palácio Ratton, que importaria corrigir no

plano constitucional e legislativo. Trata-se de algo de que

curaremos mais adiante.

B)  Força obrigatória geral e força de caso julgado formal

e material:

a.  Introdução conceptual: transitam em julgado

as sentenças dos tribunais que sejam, ou se

tornem, insuscetíveis de recurso ordinário,

daqui decorrendo a consolidação dos seus

efeitos no ordenamento jurídico. Pese o factode se tornar firme e consolidado, o caso julgado

pode admitir, a título excecional, a sua

modificação em algumas situações, contanto

que seja interposto para o efeito um recurso de

revisão, cujos pressupostos variam em razão do

tipo de processo que estiver em causa. O caso

 julgado formal implica que a decisão

 jurisdicional assuma, tão só, caráter obrigatório

ou vinculativo no âmbito do processo em que

foi proferida, sendo como tal, irrecorrível. Ocaso julgado em sentido material impõe que os

efeitos da decisão jurisdicional proferidos

sobre o fundo da relação controvertida

assumam uma eficácia extraprocessual, ou seja,

determina-se que projetem o seu caráter

vinculativo, não apenas dentro, mas também

fora do processo em que a mesma decisão foi

proferida. Deste modo, o caso julgado material

pressupõe a prévia existência do efeito do caso

 julgado formal. E dele decorre aobrigatoriedade de qualquer autoridade

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209 

pública ou de qualquer particular em acatarem

a decisão transitada em julgado.

b.  Natureza e efeitos do caso julgado nas decisões

de acolhimento proferida pelo Tribunal

Constitucional em fiscalização abstratasucessiva: considera-se que uma declaração de

inconstitucionalidade proferida com força

obrigatória geral produz efeitos próprios do

caso julgado formal e material. Caso julgado

formal porque não havendo qualquer instância

superior àquela que profere a decisão, esta

torna-se irrecorrível dentro do processo. Deste

modo, o Tribunal não pode “interpretar,

modificar, suspender ou revogar” a decisão

tomada, salvo se a própria sentença enfermar

de vícios específicos e a sua nulidade for

arguida em sede recurso extraordinário para o

próprio órgão. Caso julgado material porque,

sendo eliminada do ordenamento a norma

impugnada, a natureza das coisas impede que

possam ocorrer novos processos que envolvam

a questão da sua validade ou aplicabilidade, já

que os mesmos careceriam de objeto. O caso

 julgado material fundamenta

substancialmente e impulsiona

processualmente os restantes efeitos dadeclaração com força obrigatória geral, ou seja

a nulidade e a eficácia erga omnes da decisão.

É um facto que a sanção da nulidade é

predicada pelo desvalor da invalidade,

cominada pelo artigo 3.º, n.º3 CRP para todos

os atos contrários à Constituição. Contudo, em

abstrato, a invalidade pode ser servida por

tipos diferentes de sanções e, de entre estas,

podem figurar em tese a anulabilidade e a

privação de eficácia do ato inválido. A sançãoda nulidade atípica das normas declaradas

inconstitucionais em controlo abstrato

sucessivo tem sido retirada, para além do

interesse exclusivamente público que inere à

declaração, não apenas a partir dos efeitos

retroativos e repristinatórios da decisão de

invalidade, mas também da fórmula força

obrigatória geral (artigo 282.º, n.º1), a qual

envolve uma particular produtividade

repressiva da declaração a qual, não admitindorecurso, tem força de caso julgado. Assim

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210 

sendo, pode dizer-se que o caráter firme ou

irreversível da expulsão da norma declarada

inconstitucional ou ilegal do ordenamento, e

que subjaz à sanção da nulidade, consiste numa

decorrência objetiva do caso julgado em

sentido material. Quanto aos efeitos ergaomnes  da decisão, ou seja a projeção da

declaração para fora do processo, vinculando

todas as autoridades públicas e entidades

privadas, estes constituem uma precisão dos

efeitos de caso julgado material. Postulando o

caso julgado material eficácia ultra partes, não

seria contudo claro quais as entidades

vinculadas pelo decisum condido na declaração,

 já que em outros ordenamentos como o

brasileiro e o alemão, existe uma variabilidadesensível na determinação dos sujeitos

obrigados pelo efeito caso julgado material,

sobretudo quando estiver em causa o

problema da vinculação ao motivo

determinado da sentença. Ora da noção de

força obrigatória geral extrai-se o critério da

eficácia “contra todos”, uma eficácia erga

omnes que obriga, embora com uma

intensidade variável, todos os poderes públicos

bem como os particulares a acatar uma decisão

de inconstitucionalidade com caráter definitivo.

Em suma, a noção de caso julgado material

pressupõe a eficácia erga omnes  que se

conforma como seu instrumento. Isto, sem

prejuízo de em processos de ordem distinta,

como o processo do contencioso

administrativo regulamentar, se possa admitir

(algo atipicamente) que exista eficácia erga

omnes desacoplada de caso julgado material,

na medida em que a declaração de ilegalidade

com força obrigatória de um regulamento emprimeira instancia pode ser objeto de um

recurso  per saltum  para o Supremo Tribunal

Administrativo.

C)  Força obrigatória geral e efeito erga omnes da decisão:

examinaremos nesta rúbrica algumas variações no grau

de vinculação que a declaração de

inconstitucionalidade de uma norma, com força

obrigatória geral, pode importar para os cidadãos, para

a Administração Pública, para os tribunais, para opróprio Tribunal Constitucional e ainda, para o

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211 

legislador. Tal como se observa a propósito das

decisões interpretativas conformes à Constituição, a

vinculatividade erga omnes da decisão restringe-se, em

regra, à componente dispositiva do Acórdão, não

envolvendo a sua motivação. Diversamente, no que

respeita às declarações de inconstitucionalidade parcialqualitativa a solução interpretativa determinante

expressa na motivação é inseparável da parcela

dispositiva da sentença.

a. 

Vinculatividade plena para os cidadãos: todas

as pessoas singulares ou coletivas encontram-

se impedidas de invocar a norma declarada

inconstitucional, seja no quadro das suas

relações recíprocas, seja em face das

autoridades públicas. Excetuam-se desta

exigência situações previstas na Constituição,

bem como os efeitos que esta reconhece a

certas sentenças. Trata-se, em primeiro lugar,

dos casos julgados, nos quais subsiste a

produtividade singular da norma julgada

inconstitucional, nos termos do artigo 282.º,

n.º3 CRP. Na verdade, tendo sido aplicada a

uma norma inconstitucional a uma situação

concreta, objeto de um litigio contencioso, e

tornando-se firme a última decisão

 jurisdicional proferida sobre a matéria comoefeito do trânsito em julgado, fica essa mesma

aplicação consolidada em nome da paz e da

segurança jurídicas e, como tal, imune aos

efeitos sancionatórios retroativos derivados da

declaração de inconstitucionalidade com força

obrigatória geral. É também o caso, em

segundo lugar, de outras situações que se

encontram imunes à sanção da nulidade que

atinge a norma declarada inconstitucional,

mormente por efeito da decisão manipulativado Tribunal constitucional, aprovada nos

termos do artigo 282.º, n.º4 CRP, tendo em

vista a salvaguarda da segurança jurídica,

equidade e interesse público de especial relevo.

b.  Vinculatividade plena para os tribunais comuns

e para o operador administrativo: excetuados

os casos julgados e as situações salvaguardadas

nos termos do artigo 282.º, n.º4 CRP, as

autoridades administrativas e judiciais comuns,

não podem aplicar norma declaradainconstitucional. No caso dos tribunais comuns,

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212 

a decisão de inconstitucionalidade com força

obrigatória aplica-se aos processos pendentes

em juízo. Se esta regra for desrespeitada e os

mesmo órgãos derem aplicação à norma

anteriormente declarada nula pelo Tribunal

Constitucional, impõe-se a interposição derecurso obrigatório por parte do Ministério

Público para este Tribunal (artigo 72.º, n.º3

LTC). No que diz respeito à Administração, a

 jurisprudência do Supremo Tribunal

Administrativo, por exemplo, tem estimado

como anuláveis com fundamento em violação

da lei, nulos, com fundamento em usurpação

de poder ou ilegais, por carência de base legal,

os atos administrativos de aplicação de normas

declaradas inconstitucionais. Isto, sem prejuízode em controversa jurisprudência ressalvar dos

efeitos consequenciais da nulidade certos atos

que considera consolidados.

c.  Vinculatividade relativa para o Tribunal

Constitucional: o Tribunal Constitucional

encontra-se obrigado a aplicar o conteúdo das

suas decisões de inconstitucionalidade,

proferidas com força obrigatória geral, aos

processos pendentes, nos quais a norma

declarada inconstitucional tenha sido sindicadaem fiscalização concreta. Trata-se de um efeito

autovinculativo, derivado da eficácia erga

omnes da declaração e do necessário respeito

pelo caso julgado material, não dependendo

esse efeito obrigatório de publicação da

decisão, salvo se o Tribunal Constitucional

decidir algo em contrário ao abrigo do artigo

282.º, n.º4 CRP. Na verdade, a regra geral sobre

esta matéria é a de que, tendo já sido a norma

inválida eliminada do ordenamento por forçada decisão com força obrigatória geral, não

poderia ulteriormente o Tribunal

Constitucional, no julgamento de processos

pendentes, alterar a jurisprudência e julgar

conforme à Constituição algo que já foi

irradiado da ordem jurídica. No caso de ter

dado entrada no Tribunal Constitucional um

pedido de fiscalização abstrata sucessiva de

uma norma que já tenha sido impugnada junto

do mesmo órgão numa pluralidade deprocessos de fiscalização concreta, o Tribunal

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213 

Constitucional adia, por regra, as suas decisões

em controlo concreto sobre os casos

pendentes até à proclamação da decisão em

controlo abstrato. Fá-lo, de forma a

salvaguardar o princípio da igualdade na

aplicação da Constituição, a garantir a unidadeda jurisprudência e a assegurar, num plano

auto vinculatório, que as decisões com força

obrigatória geral prevalecem sobre quaisquer

outras que possam ser proferidas no

 julgamento de processos pendentes com o

mesmo objeto. No que toca à edição de normas

de conteúdo idêntico a outras declaradas

inconstitucionais, ou no caso de ser, no futuro,

editada uma norma de conteúdo igual, nada

inibe o Tribunal Constitucional de alterar osentido da sua jurisprudência, se essas normas

forem impugnadas em controlo sucessivo. As

grandes linhas da jurisprudência constitucional

tendem a manter-se inalteradas, ou pelo

menos estáveis, de modo a traduzir a vontade

dos Tribunais Constitucionais em fazer

permanecer os critérios de validade do Direito

e o imperativo de segurança jurídica que daí

resulta. Ainda assim, podem gerar-se mutações

da orientação jurisprudencial, alterações

constitucionais, legislativas e doutrinárias, bem

como transformações políticas, económicas,

sociais e tecnológicas de fundo, nelas

compreendidas mutações nos usos e costumes,

passíveis de justificarem uma interpretação

evolutiva. Ou podem, ainda, ocorrer alterações

nas pré compreensões políticas e filosóficas

dominantes na composição do tribunal

relativamente a questões altamente

controversas que o tenham dividido 80 . O

80 Larez recorda a este propósito que «(…) de entre os fatores que dão motivo a uma revisão e, com isso,frequentemente, a uma modificação da interpretação anterior, cabe a uma importância proeminente àalteração da situação normativa». Situações fáticas com que o legislador se deparou num dadomomento e aos quais respondeu através de regulação legislativa, variaram com o tempo e ascircunstâncias, em termos que nem sempre podem ser previstos pelo legislador. Contudo «(…) nem toda

a modificação de relações acarreta por si só, de imediato, uma alteração do conteúdo da norma. Existe a princípio, ao invés, uma relação de tensão que só impele a uma solução –  por via de uma interpretaçãomodificada ou de um desenvolvimento judicial do Direito –  quando a insuficiência do entendimentoanterior da lei passou a ser evidente». Em consequência «Os tribunais podem abandonar a suainterpretação anterior porque se convenceram que era incorreta, que assentava em falsas suposições ou

em conclusões não suficientemente seguras. Mas ao tomar em consideração o fator temporal, podetambém resultar que uma interpretação que antes era correta agora não o seja» . O momento em que aanterior orientação interpretativa da jurisprudência terá deixado de ser correta não é simples de

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214 

chamado precedente constitui, nos sistemas

codicistas, um critério argumentativo que,

constituindo uma importante referência ara a

permanência do sentido das decisões, não

constitui uma norma, podendo ser superado

pelo próprio Tribunal Constitucional. Esteórgão, na verdade, está vinculado à

Constituição e não aos paradigmas pretéritos

que utilizou para a interpretar. Em Estados

onde fi introduzido o recurso de amparo ou

queixa constitucional contra atos não

normativos, como as decisões jurisdicionais, o

Tribunal Constitucional pode controlar a

constitucionalidade de sentenças dos

supremos tribunais que violem, de modo sério

e direto, direitos fundamentais81

. Embora emPortugal não exista recurso de amparo e as

sentenças não sejam objeto de fiscalização

constitucional, considera-se que a

 jurisprudência à qual seja reconhecido

conteúdo normativo, mesmo em sentido

impróprio (como aquela que reveste caráter

uniformizador, preenche uma lacuna ou que

cria um critério novo de decisão), é passível de

fiscalização, nomeadamente em controlo

concreto. Pode, nesse caso, o Tribunal

Constitucional questionar a validade de novos

critérios de decisão contidos nessas sentenças

que violem direitos fundamentais. Mas a

questão determinante que nos encontramos a

observar não se encontra sedeada em

alterações de orientação dos supremos

tribunais, mas sim do próprio Tribunal

Constitucional, já que este não tem de

responder perante nenhum outro órgão sobre

determinar, em razão do caráter contínuo das alterações experimentadas pelo respetivo objeto, o queconduz a momentos de incerteza quando, em tempos intermédios de transição podem resultar cooaceitáveis duas interpretações distintas (a originária e a que procura adaptar a norma e a situação aotempo). No final, a escolha caberá por ser feita em relação à solução hermenêutica mais conforme coma Constituição, na sua projeção para as situações do presente.81 Assim, no campo estrito desses mesmos direitos fundamentais, o Tribunal Constitucional espanholenunciou standards de constitucionalidade para as alterações de jurisprudência, de forma a que estasúltimas não afrontem essas posições jurídicas ativas, a saber:

- Necessidade de motivação (que traduza, implícita ou explicitamente o sentido da alteração e justifique cabalmente os respetivos fundamentos);

- Ausência de arbítrio (interdição de alterações pretextuosas que gerem efeitos bruscos,

desigualitários, desproporcionados, ou injustificadamente onerosos pra os direitos das pessoas);- Caráter geral (ausência de critérios geradores de uma alteração que derivem da resolução deum caso singular).

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215 

o fundamento de mudanças de critérios

hermenêuticos em fiscalização abstrata

sucessiva. Sem prejuízo do seu status  como

última instância na administração da justiça em

questões de constitucionalidade, considera-se

que o mesmo órgão deverá, à luz do princípioconstitucional da fundamentação das

sentenças, observar exigências análogas às que,

por exemplo, foram densificadas pela Justiça

Constitucional espanhola e motivar

adequadamente as suas alterações de

orientação. Sem constituir lei, a orientação

 jurisprudencial, que hoje é incontornável para

o estudo do Direito Constitucional, leva a que

os operadores políticos e jurídicos façam um

investimento de confiança na respetivaestabilidade. Daí que, caso se verifiquem

alterações significativas, quer em relação a

orientações constantes de decisões proferidas

em fiscalização abstrata, quer em decisões

 jurisprudência (artigo 79.º-A, n.º1 LTC), se tem

por adequada a sua cabal fundamentação,

devendo ser explanados os motivos que

 justificam a alteração. Alterações bruscas,

erráticas ou pretextuosas, desgarradas de uma

 justificação convincente, constituem uma

manifestação de prepotência jurisdicional e

depreciam a segurança das relações jurídicas.

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216 

Fim das Normas Convencionais82 

Plano do capítulo: o objeto do presente capítulo é estudar não só o fim do tratado enquanto

fonte, mas também, mais geralmente, o das noras convencionais, o que inclui o conjunto de

medidas que, em graus diversos, afetam a “vida” do tratado: a sua modificação, assim como a  

sua suspensão ou a sua extinção. Somente esta última diz respeito à própria existência do

tratado, enquanto a modificação e a suspensão produzem os seus efeitos sobre o seu conteúdo,

as normas que ele contém, deixando-o subsistir. Mais ainda do que o resto do Direito do

Tratados, a matéria é caracterizada por uma grande ausência de formalismo. A Convenção de

Viena é assim muito discreta sob este ponto e abstém-se de qualquer alusão ao princípio do

"ato contrário”. Esta preocupação de flexibilidade manifesta-se igualmente a propósito do

respeito das exigências do Direito interno dos Estados, como condição de validade da expressãode vontade no plano internacional. Considerando o facto de que as disposições constitucionais

são muito menos explícitas quanto à terminação dos tratados do que no que respeita à sua

conclusão, o Direito Internacional procura aqui, simplesmente, exigir que o consentimento do

Estado seja expresso por uma autoridade competente para o representar. Bem entendido, isto

não compromete a solução que pode ser dada ao problema pelo Direito Constitucional dos

Estados Partes. Se bem que a modificação e a suspensão tenham um objeto comum, no sentido

de que se reportam às normas do Tratado e não à fonte que ele constitui, o regime jurídico da

suspensão e o regime aplicável à extinção estão muito próximos, o que justifica que sejam

examinados conjuntamente por oposição ao da modificação do tratado, que exige um exame

distinto.

Secção I  – Modificação dos Tratados

Noção:

1.º Terminologia – Modificação, emenda, revisão: a parte IV da Convenção de Viena 

é intitulada «Emenda e modificação dos tratados». Seguindo a Comissão de Direito Internacional,

ela afastou deliberadamente o termo “revisão”, em virtude da conotação política que estetermo assumira no período entre as duas guerras em ligação com o artigo 19.º do Pacto da

S.d.N.. Na realidade, encontra-se frequentemente o termos “revisão” na prática

contemporânea, sem que qualquer significado articular lhe seja atribuído. Ele designa muitas

vezes (mas nem sempre) uma modificação geral interessando o conjunto das disposições do

tratado, por oposição à emenda, que visa uma modificação parcial. A Carta das Nações Unidas,

que adota esta distinção, instituiu dois processos separados, um para as emendas às suas

disposições e outro para a sua revisão (artigos 108.º e 109.º). Por outro lado, ao adotar o termo

“modificação”, a Convenção de Viena, seguindo também aqui a Comissão de Direito

82

 Nguyen-Quco-Dinh; Direito Internacional Público; Serviço de Educação Calouste Gulbenkian,4.ª Edição 1992.

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218 

«Um tratado pode ser emendado por acordo entre as partes».

Esta regra comum aos tratados bilaterais e multilaterais, tem, porém, apenas um

caráter supletivo de vontade. As partes são livres de a rejeitar, de limitar as suas possibilidades

de utilização, ou de esclarecer as suas modalidades pela inclusão, no tratado, de disposições

especiais ditas “cláusulas de revisão” que têm por objeto fixar por antecipação o processo dasua própria modificação. Estas cláusulas podem, antes de mais, querer assegurar um mínimo de

estabilidade ao tratado primitivo, limitando a liberdade dos Estados , por exemplo, só

autorizando a introdução de uma proposta de revisão tendo expirado um primeiro período de

aplicação, ou excluindo qualquer emenda sobre certas disposições ou ainda tornando difíceis as

condições de adoção e de entrada em vigor da emenda. Pelo contrário, as partes podem

mostrar-se desejosas de incentivar a adaptação do tratado às mudanças de circunstâncias,

facilitando, eventualmente, a sua revisão. Este é o objetivo das cláusulas que preveem a

convocação de uma conferência de revisão ou de exame após um certo número de anos (artigo

109.º Carta das Nações Unidas) ou daquelas que facilitam a adoção ou a entrada em vigor das

emendas a certas convenções multilaterais. Acontece isso designadamente se o acordo

modificador pode ser concluído de forma simplificada, enquanto o tratado que modifica é em

forma solene. Mesmo na falta de qualquer disposição expressa, um tratado pode sempre ser

modificado por um acordo concluído em forma menos solene e mesmo por um acordo verbal.

Isto resulta necessariamente da ausência de formalismo do Direito Internacional neste domínio

e da total equivalência de todas as formas de tratados. Contudo, podemos duvidar que as partes

possam negligenciar as exigências das cláusulas de revisão quando existem.

Modificação por outras vias:

1.º  Modificação por via costumeira ou de acordo tácito: no artigo 38.º do seu

projeto de artigos sobre o Direito dos Tratados, a Comissão de Direito Internacional propusera

a disposição seguinte:

«Um tratado pode ser modificado pela prática ulteriormente seguida pelas partes

na aplicação do tratado quando esta estabelece o seu acordo para modificar as disposições do

tratado».

Preocupada em não legalizar a violação dos tratados, resultante da sua aplicação, e

em manter uma certa flexibilidade nesta, evitando que a conduta dos Estados possa levar a

opor-lhes uma modificação que eles não desejariam realmente, a Conferencia de Viena rejeitou

esta disposição sem porém excluir a possibilidade de uma modificação pelo comportamento

ulterior das partes. A prática admite indiscutivelmente esta possibilidade, que a jurisprudência

consagra.

2.º  Modificação pela superveniência de uma norma imperativa de Direito

Internacional: A Convenção de Viena não encara esta possibilidade, limitando-se o artigo 64.º a

rever a extinção de um tratado em conflito com uma nova norma de ius cogens 

supervenientemente após a sua entrada em vigor. Mas pode acontecer que a contradição

respeite unicamente uma disposição de um tratado; neste caso não existe qualquer razão para

presumir a extinção deste no seu conjunto; só desaparece o artigo contrário à nova norma

imperativa sob reserva das disposições do artigo 44.º, n.º3 CVDT. Esta solução resulta

implicitamente do n.º5 do mesmo artigo, que não exclui os tratados contrários a uma nova

norma de ius cogens da possibilidade de uma “divisão” das suas disposições.

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219 

2.º - Aspetos particulares da modificação dos tratados multilaterais

Posição do problema: a conclusão de um acordo posterior tendente a modificar um tratado

bilateral não levanta dificuldades particulares, nem tão pouco a determinação do seus efeitos.

Não sucede o mesmo com a modificação dos tratados multilaterais em virtude da pluralidade

das partes: muitos destes tratados são agora tratados quase universais. A extensão sempre

crescente do círculo de Estados contratantes põe problemas complexos. Salvo o facto de

consagrar a imutabilidade das convenções, não é admissível que uma minoria de Estados possa

impedir uma modificação desejada por um grande número de partes. Mas se, pelo contrário, se

considerar que a modificação deve ser possível apenas entre as partes que a aceitam, poder-se-

á impô-las aos que a recusarem sem violação da sua soberania e dos seus direitos resultantes

do acordo primitivo? E, no caso contrário, não correremos o risco de chegar anarquicamente a

uma rutura das obrigações convencionais? Estas questões mostram que o crescimento

considerável do número de partes torna necessária uma racionalização que se encontra, aliás,

facilitada pela institucionalização crescente da sociedade internacional. As convençõescomportam frequentemente as regras aplicáveis à sua própria modificação. Quando tal não é o

caso, existem “regas gerais” de origem costumeira, resultantes de uma prática que evoluí muito

a favor da multiplicação dos tratados multilaterais. Estas foram codificadas pela Convenção de

Viena que distingue duas hipóteses: a de uma emenda aberta a todas as partes iniciais (artigo

40.º) e a de uma modificação resultante de um acordo somente entre algumas partes (artigo

41.º). Só a primeira implica particularidades processuais, a segunda remete pura e simplesmente

para os problemas formulados pelas normas convencionais sucessivas sem identidade de partes.

As cláusulas de revisão podem ser extremamente complexas e distinguir entre vários tipos de

modificação, variáveis segundo os Estados, o objeto da modificação, a sua importância, etc.

Processo de modificação por um acordo aberto a todas as partes : trata-se muitas vezes

de um processo complexo compreendendo várias etapas.

1.º  O desencadeamento do processo pode ele mesmo decompor-se em dois

estádios: o da iniciativa e o da decisão sobre o prosseguimento que convém dar-lhe.

a)  Salvo disposição contrária, a iniciativa da modificação pode ser tomada

por um só Estado parte que dirige uma proposta neste sentido ao

depositário (artigo 40.º, n.º2 CVDT). Contudo, certos tratados reservam

o direito de iniciativa a um número ou a uma proporção mínima de

partes. Por vezes o depósito de uma emenda basta-se a si mesmo; os

Estados são convidados a aceitá-la (ou rejeitá-la) na forma que lhe foi

dada pelo autor da iniciativa ou a consultar-se com vista à revisão.

b)  A Convenção de Viena  limita-se a indicar que cada um dos Estados

contratantes está no direito de tomar parte na decisão sobre o

seguimento a dar à proposta de modificação (artigo 40.º, n.º2). Na

prática, numerosas convenções multilaterais confiam ao depositário o

cuidado de convocar uma conferência de revisão. Poer vezes, ele dispõe

para isso de uma competência discricionária, mas, a maior parte das

vezes, a competência do depositário encontra-se vinculada: ele tem a

obrigação de proceder a esta convocação se um certo número de partes

a solicitarem após terem notificação da proposta. Os órgãos dasorganizações internacionais desempenham, desde este estádio, um

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220 

papel importante no processo de modificação do seu ato constitutivo e,

quando está prevista uma conferência especial de revisão, é a eles que

compete convoca-la (artigo 109.º Carta das Nações Unidas: votação da

Assembleia Geral por maioria de dois terços e do Conselho de Segurança

por um voto de nove quaisquer dos seus membros). O mesmo

procedimento é frequentemente seguido para os tratados concluídossob os auspícios das organizações internacionais. Pode igualmente

acontecer que o tratado preveja uma reunião periódica de conferências

destinadas a examinar o seu funcionamento ao mesmo tempo que a

oportunidade da sua revisão, ou a convocação de uma conferência de

revisão após um prazo determinado. Sem ir tão longe o artigo 109.º,

n.º3 da Carta das Nações Unidas prevê a inscrição automática de uma

proposta tendo em vista a convocação de tal conferência na décima

sessão anual da Assembleia Geral.

2.º A negociação da modificação pode ter um caráter puramente interestatal, mas

a maior parte das vezes tem lugar seja numa conferência diplomática ad hoc, seja numa

organização internacional. Regra geral, as modificações dos atos constitutivos das organizações

internacionais e dos tratados concluídos no seu âmbito são discutidas pelo seu órgão principal

em conformidade com as suas regras habituais de procedimento. Todavia, nem sempre assim

sucede isso; assim os artigos 108.º e 109.º da Carta das Nações Unidas  distinguem-se as

emendas, discutidas pela Assembleia Geral, da revisão, que deve ser objeto de uma conferência

especial. No que respeita à adoção da modificação, a regra da unanimidade só se mantém hoje

em dia para os tratados concluídos entre um pequeno número de partes. As convenções abertas

substituem-lhe, na generalidade, a regra da maioria, eventualmente reforçada por certas

exigências especiais.

Condições de entrada em vigor e efeitos da modificação : nos diferentes estádios do

processo de elaboração e adoção do texto da modificação, a não aplicação da unanimidade não

implica um verdadeira violação da soberania porque não se trata ainda de criar compromissos

definitivos. Sucede diversamente no estádio da expressão do consentimento em vincular-se

pelo acordo de modificação e da sua entrada em vigor. Outrora exigia-se o consentimento

unânime. Atualmente, a não exigência da unanimidade, à qual, para facilitar a modificação, a

prática teve de aderir (e que o artigo 39.º CVDT consagrou implicitamente ao prever que a

convenção de modificação pode ser concluída “entre” as partes), constitui uma verdadeira

inovação e, ao mesmo tempo, uma violação direta da vontade das partes que não aprovam a

modificação. Daí resulta uma diferença importante entre o acordo de modificação e o acordo

que determina a extinção, só este estando sujeito à regra da unanimidade. A Comissão de Direito

Internacional explica esta diferença pelo facto de a extinção implicar o desaparecimento dos

direitos e das obrigações de todos os Estados contratantes, enquanto precisamente os direitos

das partes que não aprovaram a modificação são preservados por outras regras.

1.º Entrada em vigor da modificação: como no que respeita à adoção da emenda, a

unanimidade mantém-se hoje somente para os tratados concluídos entre um número restrito

de Estados. Em todos os outros casos, esta é substituída por regras mais flexíveis, ainda que

muitas vezes as condições relativas à entrada em vigor sejam mais exigentes do que as impostas

para a adoção da emenda. Sem dúvida para facilitar a conclusão, certas cláusulas preconizam

apenas uma maioria simples, muito desfavorável à minoria. Não obstante, muitofrequentemente, requer-se uma maioria reforçada: dois terços, completada, no caso da Carta

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221 

das Nações Unidas, pela exigência de uma ratificação pelos cinco membros permanentes do

Conselho de Segurança (Artigo 108.º e 109.º); unanimidade de certas partes; remissão para as

regras relativas à entrada em vigor do próprio tratado de base; etc. Estes princípios valem tanto

para os tratados ordinários como para os atos constitutivos de organizações internacionais. Não

obstante estes comportam às vezes – com frequência, paralelamente a regras de revisão mais

solenes e apenas para certas disposições – processos simplificados que não fazem intervir senãoos órgãos da organização.

2.º Efeitos da entrada em vigor da alteração: a entrada em vigor da emenda, após

a sua ratificação pelo conjunto das partes, não levante qualquer problema especial: o tratado

assim modificado impõe-se a todos sem que a vontade de qualquer Estado contratante seja

afetada: Sucede o mesmo se a emenda produzir os seus efeitos apenas relativamente aos

Estados que a aceitaram. Esta é a regra geral, consagrada pelo artigo 40.º, n.º4 e 5 CVDT:

«4. O acordo emendado não vincula os Estados que já são partes no tratado e que

não se tornam partes neste cordo(…) 

«5. Todo o Estado que se torne parte no tratado depois da entrada em vigor do

acordo emendado, se não tiver expresso intenção diferente, é considerado como sendo: 

«a) parte no tratado tal como está emendado; e 

«b) parte no tratado não emendado em relação às partes do tratado que não

estejam vinculadas pelo acordo emendado»

Nas hipóteses previstas por estas disposições, as partes do tratado modificado e as

do tratado mantido na sua redação primitiva encontram-se, umas em relação às outras, na

situação de Estados vinculados por normas convencionais sucessivas sem identidade de partes.

O artigo 40.º, n.º4 remete, aliás, expressamente para as disposições do artigo 30.º, n.º4,aplicáveis num caso deste género. Verifica-se o mesmo quando a modificação resulta, não de

uma emenda aberta a todas as partes do tratado inicial, mas de um acordo fechado concluído

entre algumas delas somente. O artigo 41.º CVDT impõe nesta hipótese que se observem

algumas condições destinadas a garantir o respeito dos direitos dos Estados terceiros em relação

a este acordo. Esta solução é frequentemente consagrada po cláusulas de revisão expressas.

Contudo nem sempre ela é praticável porque provoca uma rutura do regime convencional e

pode levar a uma situação jurídica extremamente complexa no caso de modificações frequentes

de um tratado, como podemos observar em certas organizações internacionais. Para repor um

pouco de ordem numa situação deste género, acabar-se-á por elaborar uma nova convenção

retomando todas as adaptações ocorridas no decurso do período anterior. Tal cláusula éparticularmente indispensável no que respeita às disposições institucionais previstas pelos atos

constitutivos da organização internacional pois é dificilmente concebível que os órgãos criados

por tais tratados possam funcionar em conformidade com certas regras relativamente a alguns

Estados membros e com outras regras relativamente a outros. Graças a esta solução, as

disposições primitivas desaparecem e, simultaneamente, resolve-se com a maior simplicidade o

difícil problema do efeito da modificação face às partes no tratado original. Estas não têm outras

alternativas senão aceder ou retirar-se, o que está expressamente previsto em certas cláusulas

de revisão. O tratado pode mesmo prever a exclusão automática das partes que não ratifiquem

a emenda, passado um certo prazo.

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222 

Secção II  – Extinção e suspensão dos Tratados

Posição do problema: a modificação de um tratado é uma operação que tem por fim substituir

as suas disposições, ou algumas dentre elas, por outras novas. É ao mesmo tempo negativa e

construtiva pois o vazio criado é em geral imediatamente preenchido. Pelo contrário, a extinção

de um tratado produz um efeito exclusivamente negativo: um tratado que incorre em extinção

cessa a sua vigência. De acordo com o artigo 70.º CVDT, as partes estão libertas da «obrigação

de continuar a executar » um tratado extinto. Este cessa, pois, a sua vigência e deixa de produzir

efeitos. Fica assim afetado quer como ato, quer como norma. O mesmo artigo 70.º esclarece

que a extinção:

«não afeta nenhum direito, nenhuma obrigação, nem nenhuma situação jurídica das

Partes, criadas pela execução do tratado antes da cessação da sua vigência».

Este aspeto distingue igualmente a extinção da suspensão. Nesta última hipótese, o

instrumento subsiste; somente as normas que contém cessam provisoriamente de produzir osseus efeitos. Elas voltarão à vida jurídica assim que cessar esta suspensão, uma vez que o tratado

subsiste. Neste sentido o artigo 72.º CVDT, para sublinhar bem a persistência do tratado,

esclarece não só que se trata da suspensão da sua aplicação, mas ainda que, por um lado, ela

não afeta «as relações jurídicas estabelecidas pelo tratado entre as partes», por outro, que

«durante o período de suspensão, as partes devem abster-se de qualquer ato tendente a impedir

a reposição em vigor do tratado». No que respeita à denúncia, o instrumento e a norma

subsistem; somente se modifica o campo de aplicação do tratado. O termo “recesso” é muitas

vezes empregado para designar a denúncia por um Estado de uma convenção multilateral em

que ele é parte, designadamente de um tratado constitutivo de organização internacional. A

denúncia (regular) de um tratado bilateral determina, evidentemente, a sua extinção. Por maisdiversas que sejam estas noções, elas correspondem muitas vezes a preocupações comparáveis

e o seu regime jurídico aproxima-se. Em especial os mesmos factos, quer se trate da vontade

das partes, quer de circunstâncias que lhe são exteriores, podem muitas vezes justificar

alternativamente a extinção, a suspensão ou a denúncia do tratado.

1.º - Extinção do tratado pela vontade das partes

Observações gerais: a extinção é expressamente visada pelo artigo 54.º CVDT e a suspensãopelo seu artigo 57. Certamente a melhor solução é que cada tratado contenha disposições

prevendo as modalidades da sua própria extinção ou suspensão. Nesse caso, basta aplicar tais

disposições e as contestações, se as houver, incidem apenas sobre a sua interpretação. Todavia,

a redação dos artigos pertinentes da Convenção implica, por um lado¨, que a vontade das partes

possa ser implícita e, por outro, que possa exprimir-se «em qualquer momento» como o

determinam expressamente os artigos 54.º, alínea b) e 57.º, alínea b). Isso significa que a

extinção, o recesso ou a suspensão podem estar previstos no próprio tratado ou ser decididos

ulteriormente de comum acordo pelas partes.

A – Vontade inicial das partes

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223 

Cláusulas expressas: um tratado pode ser concluído expressamente para uma duração

ilimitada. Numerosos tratados são concluídos para uma duração indeterminada. Outros contêm

cláusulas expressas relativas à sua extinção, ao recesso dos Estados partes para a sua suspensão.

1.º  Cláusulas resolutórias: são aquelas que subordinam o fim do compromisso à

superveniência de certos factos previstos antecipadamente pelas partes. Estas podem fixar um

prazo, ao expirar o qual o tratado se extingue automaticamente. Este prazo pode coincidir com

uma data precisa, mas, na maior parte dos casos, é estabelecido em número de anos, de 1 a 99

anos. Tais cláusulas figuram muitas vezes nos tratados de aliança, naqueles que contêm um

compromisso de arbitragem obrigatório, em numerosos acordos económicos ou de cooperação,

e figuram sempre nos que determinam a cessão de arrendamento de um território, cujas

durações são mais prolongadas. O período fixado pode ser revogável. A extinção do tratado

pode igualmente estar subordinada à superveniência de factos, certos ou prováveis, previstos

antecipadamente pelos Estados partes.

2.º Cláusulas de denúncia e de recesso: a denúncia (ou o recesso) é um ato praticado

unilateralmente pelas autoridades competentes dos Estados partes que desejam desvincular-se

dos seus compromissos. A denúncia põe fim aos tratados bilaterais. No que respeita aos tratados

multilaterais, ela provoca, em princípio, apenas o “recesso” do seu autor da comunidade das

partes contratantes, mas o tratado mantém-se nas relações entre as outras partes. Contudo

para que as denúncias produzam efeito extintivo em relação ao tratados multilaterais, é

necessário que exista uma cláusula expressa nesse sentido. O artigo 55.º CVDT consagra essa

regra nestes termos:

«Salvo se dispuser diversamente, um tratado multilateral não deixa de vigorar pela mera

circunstância de o número de partes de tornar inferior ao número necessário para a sua entradaem vigor ».

Embora a denúncia e o recesso resultem de um ato unilateral de uma parte não se trata

de rutura ilícita de compromissos, uma vez que uma e outro se baseiam estritamente numa

cláusula do tratado (ou estão conformes com o Direito Internacional por outras razões). O

tratado, quando os autoriza, determina frequentemente as condições do seu exercício. Estas

incidem sobre o prazo de pré aviso, só tendo efeito a denúncia, ou o recesso nos termos desses

prazos. A fim de gozarem de uma estabilidade relativa, certos tratados só permitem denúncias

ao expirar um certo período de aplicação. Alguns tratados formulam mesmo condições de fundo.

Finalmente, outras cláusulas de denúncia dão certas indicações no que respeita aos seus efeitos.

Em especial, os atos constitutivos de organizações internacionais e as convenções relativas aos

direitos do homem determinam frequentemente que o Estado, tendo notificado a sua denúncia

do tratado, não está liberto das obrigações que lhe competiam ates desta ser válida. Em virtude

da fixação das suas condições de exercício por uma cláusula expressa do tratado, as denúncias

e os recessos, nestes casos, são qualificados de denúncias e recessos regulamentados.

3.º Cláusulas suspensivas: a prática oferece poucos exemplos de cláusulas convencionais

relativas à suspensão das convenções no seu conjunto, enquanto são frequente as disposições

sobre a suspensão de uma cláusula ou de um compromisso determinado, em especial nos

tratados económicos. Com efeito estes contêm, cláusulas de salvaguarda que autorizam um

Estado, em que a aplicação de certas disposições do tratado levanta graves problemas, a não asaplicar momentaneamente. EM contrapartida, as cláusulas derrogatórias, em virtude das quais

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224 

um Estado pode estar dispensado pelas outras partes de executar algumas das suas obrigações

convencionais, não podem ser consideradas cláusulas suspensivas se tiverem um efeito

definitivo. O artigo 57.º CVDT que prevê a hipótese de cláusulas suspensivas relativamente à

aplicação do tratado no seu conjunto, foi adotado não tanto para consagrar um costume

existente quanto para encorajar os Estados a preverem para o futuro disposições nesse sentido.

Cláusulas implícitas:

1.º Extinção por execução do tratado: os acordos mais estreitamente ligados ao que

designamos, por vezes, por “tratados-contratos”, como os que incidem sobre cessão territorial,

os que preveem um compromisso financeiro ou de uma entrega de mercadorias, etc., criam uma

obrigação concreta, estritamente delimitada que, uma vez executada, esgota os seus efeitos e

 já não se renova. Apesar do silêncio da Convenção de Viena  e de algumas controvérsias

doutrinais, é necessário considerar que, segundo uma cláusula implícita que se deduz da

natureza destes tratados, a sua execução leva automaticamente à sua extinção.

2.º Denúncia ou recesso sem autorização expressa: existem sempre numerosos tratadasque não contêm qualquer cláusula explícita que regule a sua própria extinção. Serão imutáveis

por isso? Sim, se se respeitar à letra o princípio  pacta sunt servanda. Com efeito, está excluído

que um Estado – tal como um indivíduo – possa contrair compromissos perpétuos. Põe-se, assim,

o problema de saber se, em todos os tratados, existe uma cláusula implícita que autorize a

denúncia ou o recesso. A resposta negativa apoia-se em precedentes célebres. A Convenção de

Viena no seu artigo 56.º, consagra, igualmente, a ilicitude da “denúncia-repúdio”. Contudo,

acrescenta que, em caso silêncio do tratado, pode basear-se numa exceção a este princípio isto

é, numa possibilidade de denúncia unilateral, numa autorização implícita do tratado. O mesmo

artigo esclarece que esta pode resultar das intenções das partes ou deduzir-se da natureza do

próprio tratado. Existem tratadas que, em virtude da sua natureza, não são suscetíveis de

denúncia, como sejam, o tratados de paz ou os que fixam as fronteiras; pelo contrário, outros

tipos de tratado, tais como os tratados de aliança, pode presumir-se que contêm implicitamente

o direito de denúncia ou de recesso, a menos que se observem indícios de intenção contrária. O

critério da natureza do tratado permanece muito ambíguo: o direito discricionário de recesso

das organizações internacionais, é muitas vezes, considerado incompatível com os objetivos que

elas visam, designadamente em matéria de manutenção da paz. Se a Convenção de Viena 

admite a existência de cláusulas implícitas de denúncia e de recesso, resulta dos trabalhos

preparatórios e da prática que a solução considera é mais conjuntural do que baseada na

convicção de uma regra consuetudinária preexistente. Conscientes dos inconvenientes desta

tomada de posição, os autores da Convenção de Viena têm tentado mitigar-lhe os efeitos,

recomendando que seja respeitado um pré aviso de doze meses, suficiente para que se iniciemnegociações entre os Estados interessados. Tem-se afirmado que, em virtude de uma cláusula

implícita do tratado, factos tais como a sua inexecução ou uma alteração fundamental de

circunstâncias podem provocar quer a sua extinção por denúncia ou por qualquer outro

processo, quer a sua suspensão. Na realidade, o efeito desses acontecimentos na vida do tratado

é determinado, não pelas partes, mas por regras gerais do Direito consuetudinário.

B – Vontade posterior das partes

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Vontade expressa:

1.º Extinção expressa pela conclusão de um tratado posterior: nos termos do artigo 54.º,

alínea b) CVDT:

«O termo da vigência de um tratado, ou o recesso de um das partes, pode ter

lugar(…) 

«b) em qualquer momento, por consentimento de todas as partes, depois de

consultados os outros Estados contratantes;»84 

Por vezes, a ab-rogação constitui o único objeto do tratado posterior. Com mais

frequência, uma regulamentação parcial ou inteiramente nova vem substituir que foi formulada

pelo tratado anterior, ao mesmo tempo que o revoga expressamente

2.º A suspensão convencional está prevista no artigo 57.º, alínea b) CVDT redigido da

mesma maneira que o artigo 54.º, alínea b). Todavia, a exigência da unanimidade não é absoluta

como no caso da ab-rogação. A suspensão dos tratados multilaterais, segundo o artigo 58.º,pode resultar de um acordo inter se concluído entre certas partes apenas, se pelo menos ela

estiver expressamente prevista numa cláusula do tratado anterior. Em caso de silêncio deste,

tal suspensão só seria permitida na condição de não causar dano aos outros Estados partes e de

não ser incompatível com o objeto e o fim do tratado anterior. O artigo 58.º dispõe ainda que

as partes, que entraram no acordo inter se de suspensão devem notificar as outras partes da

sua intenção de se concluir semelhante acordo e designar as disposições do tratado cuja

aplicação desejam suspender.

3.º O artigo 54.º, alínea b) CVDT alinha o regime jurídico aplicável ao recesso de uma

das partes pelo da extinção do tratado: a denúncia pode ocorrer a todo o momento com o

acordo unânime das partes.

Vontade tácita:

1.º Extinção implícita pela conclusão de um tratado posterior: o artigo 54.º, alínea b)

não faz distinção entre a ab-rogação expressa e a abrogação tácita. Esta tem lugar quando o

segundo tratado versa sobre a mesma matéria que o primeiro, é concluído entre as mesmas

partes e contém disposições a tal ponto incompatíveis com este «que é impossível aplicar os

dois tratados ao mesmo tempo» ou «se resultar do tratado posterior ou estiver por outro lado

estabelecido que, segundo a intenção das partes, a matéria deve ser regulada por este tratado»

(artigo 59.º, n.º1). Neste caso, como no caso de ab-rogação expressa, as regras relativas às

normas sucessivas com identidade das partes são plenamente aplicáveis e o tratado posteriorprevalece sobre o tratado anterior que cessa de existir sem que haja preocupação com a forma,

solene, simplificada ou mesmo verbal, dos dois acordos em causa.

2.º  Suspensão implícita em virtude do consentimento das partes: o artigo 59.º, n.º2

CVDT dispõe que:

«O tratado precedente é considerado apenas suspenso se resultar do tratado

posterior, ou se estiver por outra forma estabelecido que tal era a intenção das partes».

84 Esta última menção visa os Estados que exprimiram o seu consentimento em estarem vinculados pelotratado sem que este esteja ainda em vigor a seu respeito.

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Também aqui, na prática, o problema até agora só foi formulado por disposições convencionais

isoladas e não pelo conjunto de um tratado.

3.º Recesso ou denúncia por consentimento tácito entre todos os Estados em causa: o

artigo 54.º CVDT não faz distinção quanto às regras aplicáveis a esta situação por um lado e à

ab-rogação tácita por outro poderes.

2.º - Extinção e suspensão do tratado por circunstâncias não previstas pelo tratado 

Um regime objetivo: diversamente das hipóteses examinadas no parágrafo anterior, a atitude

das partes neste caso, nunca tem por fim a suspensão ou a extinção do tratado, mesmo quando

se trata de comportamentos voluntários. Neste sentido, pode falar-se de um regime “objetivo”,

regido por regras gerais. A Convenção de Viena, que qualificou estes factos de “motivos” da

extinção ou da suspensão, estabeleceu igualmente um processo e um sistema de solução dosdiferendos semelhantes aos que se referem à aplicação da nulidade do tratado por falta de

validade. Podendo algumas circunstâncias justificar a extinção do tratado, a sua suspensão ou a

denúncia por um Estado contratante estão ligadas ao comportamento das partes; outras não

dependem dele.

A – Circunstâncias ligadas ao comportamento das partes

Inexecução faltosa: consiste na violação das disposições do tratado por uma ou várias partes.Na ordem interna, o juiz reconhece que uma parte não pode exigir que a outra execute um

cotrato que ela própria não respeita. Esta atitude é conforme ao princípio geral inadimplente

non est adimplendum que se aplica também na ordem internacional.

1.º  Princípio: exigência de uma violação substancial: a doutrina considera que o

desrespeito de um tratado por uma parte pode determinar a sua extinção ou, pelo menos, a sua

suspensão até que cesse a violação; a jurisprudência confirma esta regra consagrada pelo artigo

60.º CVDT. Este princípio que pode aproximar-se da regra tradicional da reciprocidade e da

licitude das represálias pacíficas, exercidas em resposta a atos contrários ao Direito

Internacional, deve porém ser aplicado com prudência. A experiência prova, com efeito, que

uma parte invoca muitas vezes uma violação imaginária ou insignificante para denunciarunilateralmente um tratado que a incomoda ou suspender a sua aplicação. Esta e a razão pela

qual o artigo 60.º limita a possibilidade de aplicar o princípio non adimplente contractus

unicamente aos casos de violação substancial:

«Para os fins do presente artigo, constituem violação substancial de um tratado: 

«a) a rejeição do tratado não autorizada pela presente Convenção; ou 

«b) a violação de uma disposição essencial para a realização do objeto ou o fim do

tratado».

Embora a prática na matéria não seja muito abundante, alguns precedentes jurisprudênciais confirmam esta solução moderada e razoável.

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2.º Regime jurídico:

a)  As consequências de uma violação substancial do tratado são determinadas

pelo artigo 60.º CVDT.

a. 

Se se tratar de um tratado bilateral, a outra parte pode invocar esta

violação como motivo para pôr fim ao tratado ou para o suspender.Assim em a extinção, nem a suspensão são automáticas. A violação

estabelece apenas o direito de desencadear o processo instituído

pelos artigo 65.º e seguintes. Uma interpretação restritiva do texto

poderia levar a excluir qualquer repúdio unilateral do tratado

violado.

b. 

Se se tratar de um tratado multilateral, preveem-se duas formas de

ação, uma colativa, outra individual.

i.  As outras partes, agindo por acordo unânime, são

autorizadas a suspender a aplicação do tratado na

totalidade ou em parte, ou a pôr-lhe fim, quer nas relações

entre elas e o Estado autor da violação, quer entre todas as

partes. Também aqui, não há qualquer automatismo.

Enquanto não se concordar na extinção do tratado segundo

este processo, o tratado subsiste.

ii.  A ação individual é, ates de mais, a da parte especialmente

atingida pela violação. Ela pode invoca-la como motivo para

suspender (suspender somente) a aplicação do tratado nas

suas relações com o Estado autor da violação. Qualquer

parte (que não seja o autor da violação), cuja situação em

relação ao tratado for radicalmente modificada pela

violação, pode igualmente invoca-la como motivo parasuspender, no que lhe diz respeito, a aplicação do tratado

(a Comissão de Direito Internacional pensava

designadamente nos tratados sobre o armamento).

b)  O artigo 60.º CVDT prevê duas exceções ao princípio que estabelece: a

extinção ou a suspensão não pode afetar por um lado as disposições do

tratado que são concebidas para se aplicarem precisamente aos casos de

violação, e por outro, as «disposições relativas à proteção da pessoa

humana contidas nos tratados de natureza humanitária, designadamente as

disposições que excluem toda e qualquer forma de represálias sobre as

 pessoas protegidas pelos referidos tratados».

Conflito armado internacional: se bem que o problema dos efeitos da guerra sobre os

tratados seja uma questão clássica em Direito Internacional largamente debatida na doutrina, a

Comissão de Direito Internacional não tinha redigido qualquer disposição sobre este ponto

quando dos trabalhos preparatórios da Convenção de Viena. Ela explicou este silêncio no seu

relatório: o exame dos efeitos da guerra sobre os tratados obrigaria a considerar todo o

problema da regulamentação do uso da força pela Carta das Nações Unidas, o que teria por

resultado alargar consideravelmente o âmbito dos trabalhos. Contudo, por iniciativa dos

delegados da úngria, da Polónia e da Suiça, a Conferênia de Viena adotou por unanimidade o

artigo 73.º da Convenção, nos termos do qual as disposições «não consideram resolvida

qualquer questão que possa surgir a propósito de um tratado em virtude (…) da abertura de

hostilidades entre Estados». Esta breve alusão tem, pelo menos, o mérito de lembrar que existe

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de facto um problema a este respeito. Na prática verifica-se a existência do que se denomina

um “sistema diferenciado” que, com base numa distinção entre várias categorias de tratados,

engloba simultaneamente a extinção, a suspensão e a manutenção.

a) 

Os tratados bilaterais em virtude de uma situação de conflito armado

internacional. Esta regra é confirmada pelos tratados de paz de 1919 e de 1947.O artigo 44.º do Tratado de paz de 10 fevereiro 1947 com a Itália, estipula que

ada uma das potências aliadas e associadas notifique a Itália dos tratados que

tenha concluído com ela cuja «reposição em vigor » deseje. Esta disposição

implica a ab-rogação dos referidos tratados em virtude da guerra. Com efeito,

se estes tivessem sido simplesmente suspensos, a sua reposição em vigor

deveria ser automática depois do fim da guerra.

b)  Os tratados multilaterais são suspensos nas relações entre beligerantes e

continuam em vigor nas relações entre as partes não beligerantes, assim como

nas relações entre beligerantes e não beligerantes. Quando da guerra italo-

etíope, nenhuma das duas partes beligerantes deixou de ser membro da S.d.N.

(até à retirada da Itália em dezembro de 1937), bem como Israel e os países

árabes não abandonaram as Nações Unidas quando dos conflitos armados que

os opuseram desde 1948. Resulta desta prática que os tratados multilaterais

que criem organizações internacionais continuam a produzir o seus efeitos,

mesmo nas relações entre beligerante, o que traduz um certo avanço sobre o

interestatismo tradicional.

c)  Os tratados que criam situações objetivas. Como um estatuto territorial, uma

cessão de território ou um traçado de uma fronteira, não são de modo algum

afetados pelo estado de conflito armado.

d)  Os tratados bilaterais ou multilaterais, concluídos especialmente para a

condução de conflitos armados internacionais mantêm-se evidentes(tratamento dos prisioneiros de guerra, condução das hostilidades, proibição de

certas armas, etc). Os efeitos supracitados só se produzem em caso de conflito

armado internacional regido pelo Direito Internacional, o que exclui a guerra

civil e as represálias armadas. O artigo 74.º CVDT esclarece, por outro lado, que

a rutura das relações diplomáticas e consulares não tem incidência sobre o

Direito dos Tratados.

Costume: um costume posterior a um tratado pode modificar as suas disposições; pode

também ter por efeito a extinção do tratado se a sua manutenção não for compatível com ele:

a igualdade entre estas duas fontes de Direito Internacional permite a aplicação do princípio lex

 posteriori derogat priori . Nascendo o costume de práticas concordante, a extinção realiza-se

progressivamente pela não aplicação; o tratado cai em desuso. Em certos casos, o

desaparecimento do tratado não resulta tanto de uma regra nova contrária, quanto de uma

modificação sensível do “ambiente”  jurídico internacional necessário à aplicação do mesmo

tratado. Esta hipótese aproxima-se bastante do argumento da alteração fundamental das

circunstâncias; não poderia contudo equiparar-se a esta: por um lado, diversamente da cláusula

rebus, a extinção do tratado que se tornou incompatível com um costume contrário é

automática; por outro, o seu regime jurídico permanece incerto e nenhuma disposição da

Convenção de Viena lhe é consagrada.

B – Do Pacto da Sociedade das Nações à Carta das Nações Unidas

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229 

Inexecução faltosa: é consequência da superveniência de uma situação independentemente

da vontade das partes e tona impossível a execução. Aparentemente esta circunstância evoca o

caso de força maior. Mas, enquanto a causa de força maior beneficia pessoalmente a parte que

a invoca e a exonera de qualquer responsabilidade, neste caso, cabe ao direitos dos tratados

fixar, por meio de uma regra geral, o destino dos tratados não executados. De acordo com o

artigo 61.º CVDT, uma parte pode invocar uma impossibilidade definitiva de executar um tratadopara lhe pôr termo. Esta impossibilidade deve resultar «do desaparecimento ou destruição de

um objeto indispensável à execução do tratado». Tais situações são raras na prática 85. Se a

impossibilidade de executar for apenas provisória, somente é possível a suspensão do tratado.

A extinção da personalidade internacional de uma das partes num tratado bilateral, isto é, o

desaparecimento completo desta parte enquanto sujeito de Direito Internacional, constitui

também uma situação que torna impossível a execução deste tratado. As consequências desta

situação resultam de regras gerais em matéria a sucessão de Estados. O artigo 63.º CVDT

especifica que «a rutura das relações diplomáticas ou consulares entre as partes de um tratado

não produz efeito nas relações jurídicas estabelecidas entre elas pelo tratado, salvo na medida

em que a existência de relações diplomáticas ou consulares seja indispensável à aplicação dotratado». Este último esclarecimento e apenas a ilustração do princípio geral aplicável em caso

de impossibilidade de execução.

Alteração fundamental das circunstâncias:

1.º Princípio: ninguém contesta que uma alteração de circunstâncias em relação às

que existiam no momento da conclusão do tratado, pode determinar a sua extinção ou

suspensão. Esta solução admitida pela doutrina e observada na prática é consagrada pelo artigo

62.º CVDT. Se o princípio é certo, o seu fundamento da lugar a opiniões divergentes. Alguns

afirmam que existe em qualquer tratado uma cláusula tácita segundo a qual o tratado é

obrigatório enquanto as coisas continuarem como anteriormente. Invocam o princípio: omnisconventio intelligitur rebus sic standibus. Esta cláusula tácita é, por isso, denominada cláusula

rebus sic standibus. O inconveniente desta explicação é que implica a necessidade de provar,

em cada caso, que não existe uma intenção contrária das partes de não incluir essa cláusula no

tratado. Para outros, rebus sic standibus será, de preferência, a expressão de uma regra geral

objetiva. É, evidentemente,a esta aplicação que aderem os autores que baseiam o direito nas

necessidades sociais que as suas normas devem refletir com o máximo de fidelidade. O tratado

expira porque, em consequência da alteração das circunstâncias, cessa a concordância entre o

seu conteúdo e as novas realidades sociais que já não podem gerir.

2.º Regime jurídico: a aplicação do princípio suscita três problemas distintos, aliás,

conexos: em que condições uma alteração de circunstâncias terá efeitos sobre a vida do tratado?

Como pode esta alteração ser verificada? Quais estes efeitos?

a)  Condições: só ponde gravemente em perigo as relações jurídicas, se poderia

admitir que qualquer alteração de circunstâncias autorize as partes a pôr

fim a um tratado ou a suspender a sua aplicação. Segundo o artigo 64.º, n.º1

CVDT, é necessário que a alteração tenha sido “fundamental”, isto é, que «a

existência dessas circunstâncias (…) tenha constituído uma base essencial

do consentimento das partes a vincularem-se pelo tratado» e que essa

85

 Os exemplos citados pela Comissão de Direito Internacional visavam a submersão de uma ilha, asecagem de um rio ou a destruição de uma barragem ou de uma instalação hidroelétrica indispensável àexecução do tratado.

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alteração tenha «por efeito a transformação radical do alcance das

obrigações que ficam por excetuar em virtude do tratado». No seu acórdão

de 2 fevereiro 1973 relativo à Competência em matéria de pescas, o Tribunal

Internacional de Justiça considerou que estas disposições se limitavam a

codificar regras costumeiras preexistentes. Esclareceu ainda que:

«… as alterações de circunstâncias que devem ser consideradas como fundamentais ou vitais são aquelas que põem em perigo a existência ou o

desenvolvimento vital de uma das partes.» « A alteração deve ter provocado

uma transformação radical do alcance das obrigações que ficam por

executar. Deve ter tomado mais pesadas estas obrigações, de maneira que

a sua execução se torne essencialmente diferente das que ficam por

executar ».

Contrariamente à doutrina clássica da cláusula rebus sic standibus, a

Convenção de Viena não limita a aplicação do princípio da alteração das

circunstâncias aos tratados de duração perpétua ou indefinida. Assim,

permite esperar uma solução satisfatória do problema dos tratadosdesiguais. Em contrapartida, o artigo 62.º, n.º2 CVDT exclui a aplicação da

“cláusula rebus”, 

«a) se se trata de um tratado que estabelece uma fronteira; ou 

«b) de a alteração fundamental resultar de uma violação pela parte que

a invoca, seja de um tratado, seja de qualquer outra obrigação internacional

em relação às outras partes no tratado.»

As condições impostas à aplicação da “cláusula”, são muito rigorosas e é

significativo que nenhuma decisão jurisdicional ou arbitral tenha jamais

admitido que estas estavam reunidas nos casos em que uma das partes

tenha invocado o princípio.

b)  Constatação de uma alteração: na prática, os Estados alegam muito

frequentemente a existência de uma alteração fundamental das

circunstâncias para se desvincularem dos seus compromissos convencionais.

As outras partes contestam geralmente a realidade da alteração das

circunstâncias invocada, ainda que não seja rara uma readaptação

convencional. Contudo, sendo a justiça internacional facultativa, e forçoso

procurar a solução noutros sistemas. Foi o que fez o artigo 19.º do Pacto

S.d.N., confiando à Assembleia da Sociedade o cuidado de verificar se certos

tratado «se tornaram inaplicáveis» e de convidar as partes a reexaminá-los.

Este sistema não funcionou e só foi retomado, sob uma forma muito mais

geral, pela Carta das Nações Unidas. Por seu lado, a Convenção de Viena exclui todo o automatismo e impõe que as partes notifiquem os seus

parceiros da sua intenção e lhe deem seguimento apenas após um prazo

mínimo de três meses; em caso de contestação «as partes deverão procurar

uma solução pelos meios indicados no artigo 33.º da Carta das Nações

Unidas» (artigo 65.º, n.º3). Caso estes meios falhem, volta-se à solução

tradicional de apreciação unilateral pelo Estado que invoca a alteração de

circunstâncias.

c)  Efeitos da alteração de circunstâncias: a consequência normal de uma

alteração fundamental das circunstâncias será a extinção do tratado ou o

direito de a parte que a invoca se retirar. O artigo 62.º, n.º3 CVDT atenuaporém o rigor desta solução admitindo que esta parte pode também invocar

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231 

esta alteração «apenas para suspender a aplicação do tratado». Se bem que

tenha sido recomendada por uma parte da doutrina e proposta em Viena

por alguns delegados (Suíça e Austrália), a terceira solução, ais flexível, de

uma adaptação do tratado às novas circunstâncias pela sua modificação,

não foi adotada.

Superveniência de uma norma de ius cogens: o aparecimento de uma norma imperativa de

Direito Internacional, costumeiro ou convencional, provoca a caducidade dos tratados

contrários. Esta consequência do princípio da hierarquia das normas está expressamente

prevista pelo artigo 64.º CVDT. Se bem que esta disposição não considere a hipótese de uma

contradição entre a nova norma de ius cogens e certas disposições do tratado, esta pode ocorrer;

neste caso não é o tratado no seu conjunto que «se torna nulo e caduca» mas apenas as

disposições em causa.

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232 

Formação Não Convencional do DireitoInternacional

Plano do título: em Direito Internacional, como nas ordens jurídicas nacionais, coexistem

vários modos de formação do Direito, mais ou menos institucionalizados. A prática interestatal,

sobretudo a partir do século XX, reconheceu na via convencional a “fonte de direito” menos

contestada e melhor regulamentada; a doutrina consagra esta evolução agrupando  –  por

oposição  – todos os outros modos de formação do Direito. Apesar do seu caráter um pouco

simplista e arbitrário, esta distinção pode justificar-se:-negativamente, pelas “imperfeições” comuns dos modos não convencionais em

relação ao tratado: a prova da existência de regras convencionais é relativamente fácil de

estabelecer, visto que são geralmente escritas e reduzidas em atos jurídicos obrigatórios; o valor

normativo das normas convencionais resulta diretamente do instrumento que as contém. Não

sucede o mesmo com as normas extra convencionais, o que conduz a muitas vezes a duvidar

quer do seu caráter normativo, quer da sua qualidade de ato jurídico;

- positivamente, o agrupamento dos modos não convencionais é justificado por

características tais como a flexibilidade e a adaptabilidade das normas não convencionais, a sua

relação mais direta com as exigências da sociedade internacional, a sua “espontaneidade”. 

Ameaçados na sua própria existência pelo desenvolvimento rápido dos tratados

como fonte de Direito Internacional, os modos não convencionais tendem a reencontrar um

lugar importante na formação do Direito contemporâneo. Em primeiro lugar, a rigidez intrínseca

do Direito convencional constitui um obstáculo à evolução necessária da sociedade

internacional e não garante sequer um respeito escrupuloso das regras fundamentais. Em

segundo lugar, beneficiando muitas vezes de uma observação mais espontânea por parte dos

sujeitos de Direito, as normas não convencionais podem ter uma longevidade e uma

produtividade superior a muitos tratados “nados mortos”. O paradoxo é que a fraqueza

intrínseca de certos modos de formação extra convencional do Direito – o facto de estas normas

não poderem contradizer o conteúdo dos tratados – favorece o recurso a estes mesmos modos,com vista a contornar a dificuldade: os diversos modos de formação “espontânea” do Direito

apoiar-se-ão reciprocamente para consagrar o desuso da norma convencional julgada

inoportuna. A existência destes modos não convencionais é consagrada pelo artigo 38.º do

Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, aliás incompleto. Como recomenda o mesmo

artigo 38.º do Estatuto, convém distinguir os modos de elaboração do Direito conforme

conduzem ou não à criação de normas internacionais  –  isolando os simples instrumentos de

determinação do Direito – e conforme têm um caráter espontâneo ou voluntário.

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233 

Capítulo I  – Os modos espontâneos de formação 

Característica comum: segundo o artigo 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça 

ETIJ),

«o Tribunal aplica… 

«b) o costume internacional como prova de uma prática geral aceite como

direito;

«c) os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas…»

Segundo a doutrina dominante, trata-se também aqui de “fontes formais” mas, na

realidade, nada está menos formalizado do que as regras costumeiras ou os princípios gerais.

Num e noutro caso, a eventual regra internacional não é formulada num ato jurídico

internacional e o intérprete não pode portante fazê-lo derivar diretamente da expressão formal

da vontade dos sujeitos de direito; deve assim procurar a sua existência e o seu alcance nos

“comportamentos” ou “recorrer” a outras ordens jurídicas, em especial nacionais, donde deriva

a ideia de “direito espontâneo”, manifestação das regras jurídicas «que não foi organizada

antecipadamente». Esta espontaneidade não impede que se procurem identificar as regras

assim formadas e determinar como elas se manifestam. O papel primordial do intérprete é ainda

reforçado quando se utiliza a habilitação prevista no n.º2 do artigo 38 do ETIJ: « A presente

disposição não viola a faculdade de o Tribunal, se as partes estiverem de acordo, recorrer à

equidade, de decidir ex aequo et bono». Na falta deste acordo, o juiz poderá, por vezes, recorrer

à equidade, retomando assim uma faculdade similar de flexibilização dos seus métodos de

interpretação e de aplicação do direito. Segundo o alcance reconhecido à norma internacional

pelo interpreto, a natureza da referida norma pode variar: tanto poderá ver nela uma regra dedireito positivo – sendo tendência – que anuncia uma futura regra jurídica sem ainda a consagrar

e pode quando muito desviar a interpretação da regra existente. Estudaremos, sucessivamente,

o costume, os princípios gerais de direito e a equidade. 

Secção I  – O Costume

O costume, fonte de Direito Internacional: o costume, enquanto modo ou processo de

elaboração do direito (e não enquanto norma jurídica) será uma fonte formal de direito? Impõe-

se uma resposta positiva porque se trata de facto de um processo regido pelo Direito

Internacional e autónomo em relação a outros modos, como o modo convencional que autoriza

a exprimir regras de direito. O que confirma o artigo 38.º ETIJ falando de «prova» de uma prática

geral aceite «como direito». Não é menos verdade que se trata de uma fonte de natureza

particular e mesmo controversa. É certamente admitido por todos que o processo costumeiro

não é perfeito senão quando reúne dois elementos. Um primeiro consiste no cumprimento

repetido de atos denominados «precedentes»: é o elemento material ou consuetudo, que pode

não passar de um simples uso no início do processo. O segundo é constituído pela convicção dos

sujeitos de direito, de que o cumprimento de tais atos é obrigatório porque o direito o exige: daí

a qualificação de elemento psicológico ou o recurso à forma latina da opinio iuris sive necessitatis.O debate contemporâneo incide sobretudo sobre o desenrolar deste processo. Será necessário,

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234 

como sustenta a doutrina clássica, que uma certa prática se tenha desenvolvido antes que

possamos interrogar-nos sobre a existência da opinio iuris e procurar a sua prova, ou poder-se-

á então afastar toda a anterioridade de um elemento em relação a outro? Enquanto

tradicionalmente se afirmava que o elemento psicológico era o resultado da acumulação dos

precedentes, a prática contemporânea permite reconhecer na opinio iuris o ponto de partida

do processo costumeiro. : aos costumes “sensatos” do passado juntar -se-iam assim costumes“selvagens” – a partir de tendências progressivamente cristalizadas. Esta indeterminação sobre

o encadeamento das etapas prova a flexibilidade deste modo de formação; ela não altera a sua

unidade. Não é menos verdade que o processo costumeiro difere em muitos aspetos do

processo convencional, o que explica certas hesitações da doutrina voluntarista:

- a fonte costumeira não beneficia da expressão de uma vontade mas apoia-se sobre

a convicção de que existe uma regra;

- ela não resulta de um ato jurídico mas de comportamentos provenientes dos

sujeitos de direito;

- o processo é particularmente descentralizado, a sua cronologia é menos clara do

que a do processo convencional – ele próprio cada vez mais institucionalizado.

Estas interpretações técnicas são no entanto largamente compensadas pelo facto

de o processo costumeiro se apoiar nos imperativos da sociedade internacional, e de estes

últimos lhe restituírem hoje em dia um papel que julgávamos ultrapassado.

O fundamento do costume: esta questão, já abordada a propósito do problema geral do

fundamento do Direito Internacional deve ser reexaminada aqui na medida em que o debate

entre o positivismo e o objetivismo conduziu a duas teses antagónicas no caso particular do

costume.

1.º A teoria do acordo tácito: não é surpreendente que os autores voluntaristas,

que não admitem outro fundamento do Direito Internacional a não ser a vontade dos Estados,

sustentem que a força obrigatória do costume assenta num acordo tácito entre os Estados. Em

consequência desta tese, uma vez formulada, a regra costumeira só se aplica aos Estados que

participaram na sua formação ou que a reconheceram ulteriormente. Ela não é oponível aos

Estados terceiros sem o seu consentimento. Entre a regra costumeira e a regra convencional, a

identidade é assim completa quando aos seus efeitos. Retoma-se a tese da Vereinbarung

defendida por Tripel e firmemente sustentada pela doutrina soviética. A teoria do acordo tácito

é dificilmente conciliável com a prática internacional e com a lógica do processo costumeiro86.

86 Primeiro acaba por reconhecer um papel fundamental, senão mesmo exclusivo, ao elementopsicológico do costume, quando a reunião efetiva deste elemento com o elemento material énecessária para a formação de qualquer regra costumeira: os abusos a que tal método poderia conduzirparecem explicar a atitude muito reservada aos Estados do Tribunal a propósito do conceito de“tendência” costumeira, no caso da Plataforma continental Tunísia-Líbia (1982). Em segundo lugar, estateoria não pode explicar que os costumes gerais se imponham a todos os Estados, mesmo àqueles quenão tenham participado no processo de formação: a oposição a um costume geral já formado, em si nãoproduz efeito. Não podendo negar a existência de tais costumes gerais, a doutrina voluntarista sustentaque a oponibilidade destas regras gerais aos Estados terceiros só é possível em virtude doconsentimento tácito destes últimos. Raciocínio puramente fictício, sobretudo quando pretende explicar

por que razão os novos Estados são imediatamente submetidos, desde o seu nascimento, ao conjuntodos costumes gerais existentes. De facto, o acordo tácito não é concebível senão para costumesbilaterais ou locais, aplicáveis a um número restrito de Estados, cujo consentimento, pelo menos

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2.º  A doutrina da formação espontânea do direito costumeiro: recusando a

presunção voluntarista da unanimidade, a abordagem objetivista reconhece que a formação das

regras costumeiras é um fenómeno essencialmente sociológico. Fenómeno que pode derivar de

uma necessidade lógica, ou corresponder a uma necessidade social. Todavia, na maioria dos

casos, a regra costumeira corresponde a um equilíbrio das forças internacionais em presença

num dado momento, a uma confrontação dos sujeitos de direito sobre um problemainternacional. A formação espontânea de tais regras efetiva-se após uma tomada de consciência

 jurídica coletiva da necessidade social. Somente esta explicação permite fundamentar a validade

erga omnes  dos costumes gerais, permitindo as evoluções indispensáveis. Ela também não

distorce a realidade das diferenças de poder entre sujeitos de Direito Internacional, pois é

completamente compatível com o facto de a “maioria silenciosa” dos Estados dever

frequentemente inclinar-se perante a análise das necessidades sociais propostas pelas grandes

potências. Para ser espontâneo, o processo de criação das regras costumeiras não deve deixar

de revestir certas formas. Esta a razão pela qual convém estudar o desenrolar do processo antes

de tratar da aplicação do costume.

1.º - O processo consuetudinário

A – O elemento material do costume

Os comportamentos suscetíveis de constituir precedentes: a formação do costume apoia-se em toda a atuação dos sujeitos de Direito Internacional. Esta atuação pode corresponder a

atos jurídicos, internos ou internacionais, mas isto não é uma necessidade. É suficiente que a

atuação emane de sujeitos de Direito Internacional  –  Estados, mas também organizações

internacionais, tribunais internacionais, organizações não governamentais, até certas pessoas

privadas. Por atuação – uma terminologia habitual mas lamentável que se refere naturalmente

a atos – deve entender-se não só comportamentos positivos e negativos, mas também qualquer

expressão de uma opinião sobre a oportunidade ou a legalidade da atuação dos outros sujeitos

de Direito Internacional.

1.º  Os atos do Estado  são os praticados pelos seus órgãos, com incidência as

relações internacionais. Cabem evidentemente nesta definição os atos das autoridades

especialmente encarregadas das relações internacionais, exprimindo-se no exercício das suas

funções, isto é, o Ministro dos Negócios Estrangeiros e os seus colaboradores, principalmente

os agentes diplomáticos (declarações, correio diplomático, instruções dirigidas aos diplomatas,

etc). Tratando-se de atos unilaterais, surgirão não raro problemas de imputabilidade e de

oponibilidade aos Estados em litigio, assim como a questão de saber se os comportamentos do

implícito, será necessariamente verificado. O único apoio de que beneficia esta abordagem reside numdictum celebre do Tribunal Penal de Justiça Internacional:

« As regras de direito que vinculam os Estados resultam da vontade destes, vontade

manifestada em convenções ou usos geralmente aceites como consagrando princípios de direito ».Esta tomada de posição, isolada e severamente criticada, não tem senão uma fraca autoridade:este acórdão só pôde ser proferido graças ao voto preponderante do Presidente do Tribunal.

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Estado são constitutivos de estoppel . Também é necessário compreender as tomadas de posição

dos agentes governamentais no decurso de um processo arbitral ou jurisdicional internacional,

ou no âmbito de uma organização internacional. Certos autores propuseram limitar os

precedentes somente aos atos dos agentes diplomáticos. Esta conceção restritiva não tem sido

seguida. Os atos legislativos e administrativos podem, também, servir de precedentes, se

necessário.  A fortiori , os atos interestatais poderão constituir precedentes. As regras de umaconvenção que, originariamente, vinculavam apenas os Estados partes, podem servir de ponto

de partida para um processo consuetudinário tanto mais que esta convenção tem vocação

universal. O Tribunal Internacional de Justiça admitiu este princípio no Acórdão de 1969 sobre a

Plataforma continental do Mar do Norte. Deverão tomar-se em consideração apenas os atos

“positivos”? Serão as abstenções suscetíveis de constituir precedentes? No referido caso, o

Tribunal admitiu este princípio no Acórdão de 1969, reconhecendo, em matéria de delimitação

do mar territorial, a existência de um costume bilateral com base num ato positivo da Noruega,

seguido de uma prolongada abstenção por parte da Grã-Bretanha.

2.º Os atos das instituições internacionais: devemos citar em primeiro lugar ao atos

 jurisdicionais e arbitrais internacionais. O Tribunal Pena de Justiça Internacional e mais tarde o

Tribunal Internacional de Justiça não hesitam, aliás, em citar a sua própria jurisprudência como

precedentes úteis. Quanto às organizações internacionais, como para os Estados, mas por outras

razões, convém distinguir as suas práticas internas e os seus comportamentos nas relações

internacionais.

a)  As primeiras podem, sem sombra de dúvida, estar na origem de verdadeiras

regras consuetudinárias vinculativas da própria organização. O Tribunal

Internacional de Justiça referiu-se várias vezes a tais assim engendradas: no

caso da Namíbia, a propósito do alcance da abstenção de um membro

permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Tribunalconsiderou que «o processo seguido… constitui a prova de uma prática geral

da Organização». A prática internacional não é necessariamente favorável a

um tal processo, por recear uma revisão implícita da carta constitutiva de

uma organização internacional. Quando as garantias oferecidas pelo

processo de revisão do tratado visam salvaguardar os poderes respetivos

dos órgãos da organização, a revisão consuetudinária dificilmente será

admitida: assim o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias rejeitou

os argumentos baseados na prática costumeira interna das Comunidades na

medida em que esta favorecia violações ao «equilíbrio institucional» entre

órgãos da Organização e à repartição de competências entre as

Comunidades e os Estados membros87.

b) 

As organizações internacionais participal igualmente na formação do Direito

Internacional geral pelas resoluções que adotam, pelas convenções

internacionais em que participam e pelo conjunto das suas relações com

outros sujeitos de Direito Internacional. Assim, a repetição das «operações

de manutenção da paz» das Nações Unidas permite obter um verdadeiro

corpo de regras consuetudinárias aplicáveis àquelas operações, regras

resultantes, simultaneamente, das resoluções do Conselho de Segurança e

da Assembleia Geral que as criam, dos acordos concluídos com os Estados

87 TJCE, 14 dezembro 1971, caso 7/71, Comission c. France, Rec. 1971, p. 1003; 3 feveriero 1976, caso59/75, Ministère public c. Manghera, Rec. 1976

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interessados e das práticas observadas no terreno segundo as diretrizes do

Secretário geral. Neste exemplo, a própria Organização das Nações Unidas

está diretamente abrangida pelas regras para cuja criação contribui; mas, de

um modo mais geral, as resoluções dos órgãos das organizações

internacionais podem contribuir para a formação de regras interestatais.

Elas podem, em especial, desencadear o processo conducente à criação denovas regras: a célebre Declaração relativa à concessão da independência

aos países e aos povos coloniais (resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral

da Organização das Nações Unidas de 14 dezembro 1960) desempenhou o

papel de um poderoso catalisador na formação do direito à descolonização

(e da descolonização). Todavia, só pôde ser assim porque tal resolução foi

precedida e seguida por uma abundante prática conforme às regras que

enuncia. A transformação de tais recomendações em regras

consuetudinárias só será possível se tiverem uma aplicação concreta isenta

de ambiguidade. Por si só, uma resolução não pode criar uma regra

consuetudinária. Os precedentes provenientes das organizaçõesinternacionais são particularmente valiosos: conhecidos imediatamente e

tomados em consideração por um grande número de Estados, podem

acelerar o processo consuetudinário.

3.º A possibilidade de os sujeitos de Direito Internacional que não sejam os Estados

e as Organizações Internacionais, estarem, pelos seus comportamentos, na origem de regras

consuetudinárias é controversa. Georges Scelle sustentou que os comportamentos pertinentes

só podiam ser atos de indivíduos. Outros autores, como Strupp, consideram, pelo contrário, que

apenas atos estatais podem ser levados em conta. A prática contemporânea dá mais razão à

tese objetiva – sem ir até à formulação extrema de Scelle. Os comportamentos das organizações

internacionais não governamentais, dos movimentos de libertação internacional e de secessão,e mesmo das sociedades transnacionais podem dar origem a normas consuetudinárias, na

condição de não colidirem com uma oposição expressa dos sujeitos «maiores» do Direito

Internacional.

A repetição do precedente no tempo: a repetição é a condição da consolidação da prática,

sem a qual seria impossível falar de “uso”. A exigência da repetição decorre das fórmulas

clássicas utilizadas pela jurisprudência internacional que visa uma visão «prática internacional

constante» ou uma «prática constante e uniforme». A necessária coerência da pratica, segundo

a conceção clássica, exprime-se na verdade no dictum sebsequente da sentença arbitral de 17

 julho de 1965: «Somente uma prática constante, efetivamente seguida e sem alteração, pode

tornar-se geradora de uma regra de Direito consuetudinário internacional ».

1.º Uniformidade: e a concordância dos atos sucessivos de um mesmo Estado que

devem ser, em princípio, semelhantes uns aos outros. Na falta desta uniformidade  – 

concordância, já não haveria repetição. Se, a propósito de uma mesma questão, os precedentes

seguidos por alguns Estados colidem com atos contrários da parte de outros Estados, a formação

da regra consuetudinária será automaticamente obstaculada. Embora a uniformidade seja uma

noção relativa, a sua verificação não é demasiado difícil. A uniformidade assim exigida não exclui,

evidentemente, a eventualidade de violações, que suscitam um outro problema, embora

possam dar origem a um novo costume, um costume contrário. Neste caso, convém determinar

se o autor do ato em contradição com a regra existente agiu com a convicção de que a violava ese o seu comportamento se inscreve numa tal contestação. Conforme sublinhou o Tribunal

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Internacional de Justiça, para que uma regra seja consuetudinariamente estabelecida não é

necessário que a prática correspondente seja rigorosamente conforme a esta.

«… parece suficiente, para deduzir a existência de regras costumeiras, que os

Estados na sua conduta estejam em conformidade com elas de uma maneira geral e que eles

 próprios considerem os comportamentos não conformes com a regra em questão como violaçõesdesta e não como manifestações do reconhecimento de uma nova regra. Se o Estado atua de

uma maneira aparentemente inconciliável com uma regra reconhecida, mas defende a sua

conduta invocando exceções ou justificações contidas na própria regra, daí resulta uma

confirmação e não um enfraquecimento da regra quer a atitude deste Estado possa quer não

 possa justificar esta base»88 

2.º  A apreciação da constância: continuidade é mais incerta. Quantas vezes e

durante quanto tempo deverá um precedente ser repetido para dar origem a uma regra

consuetudinária? Não pode de uma maneira geral responder-se, pois a frequência interfere na

duração. Com efeito, a densidade crescente das relações internacionais leva, cada vez mais, a

aceitar mais breves do que na sociedade interestatal do século XVI ao século XIX. Já em 1930, oTribunal Penal de Justiça Internacional admitia que uma prática remontando a menos de 10 anos

podia ter dado origem a uma regra consuetudinária. Mas recentemente, o Tribunal

Internacional de Justiça confirmava: «o facto de apenas ter decorrido um breve lapso de tempo

não constitui em si mesmo um impedimento à formação de uma nova regra de direito

internacional consuetudinário». A jurisprudência só confirma o alcance de um fenómeno mais

vasto através da prática unilateral dos Estados e das suas negociações. Mas, como assinalava o

tribunal no seu acórdão supracitado de 1969, «considera-se indispensável que neste lapso de

tempo, por muito breve que tenha sido, a prática dos Estados, inclusive aqueles especialmente

interessados, tenha sido frequente e praticamente uniforme». No essencial, as exigências

clássicas são respeitadas: preferir o termo “frequência” ao de “constância” ou “continuidade”corresponde simplesmente a considerar o caráter aleatório e irregular das ocasiões concretas

oferecidas aos Estados para adotarem um certo comportamento em relação a um determinado

sujeito. A noção de «costume instantâneo» ou «imediato» deve pois ser rejeitada. Apesar da

opinião contrária de alguns autores voluntaristas, um precedente isolado nunca é suscetível de

dar origem a uma regra consuetudinária.

A repetição do precedente no espaço: não é suficiente que a repetição dependa do mesmo

Estado autor do primeiro precedente: neste caso, trata-se apenas de uma simples confirmação

da sua reivindicação. A dispersão é necessária; mas deverá ela ser universal? A resposta é

evidentemente negativa, se admitirmos a coexistência de regras costumeiras regionais e gerais.

Ela deve ser matizada para as normas consuetudinárias de alcance universal.

1.º  Para as regras costumeiras «gerais», o artigo 38.º, n.º1, alínea b) ETIJ indica

claramente que elas resultam da prática geral e não de uma prática unânime, o que seria

irrealizável e irrealista. A jurisprudência internacional aderiu a esta conceção. No seu acórdão

de 1969, supracitado, considera: «No que respeita aos outros elementos geralmente tidos por

necessários a fim de que uma regra convencional seja considerada regra geral de direito

internacional, pode ser suficiente uma participação muito vasta e representativa na convenção,

sob condição, todavia, de compreender os Estados particularmente interessados». A

participação muito vasta a qual o Tribunal Internacional de Justiça faz alusão não implica,

88 Acórdão 27 junho 1986, Atividades militares e paramilitares na Nicarágua, §186, Rec., p. 98)

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forçosamente, uma ação positiva por parte de um grande número de Estados, sobretudo se não

aparecerem pretensões divergentes.

2.º Se bem que o artigo 38.º, n.º1 ETIJ só faça alusão às regras consuetudinárias

gerais, nunca foi contestado que pudessem aparecer costumes de alcance geográfico limitado.

A existência de costumes regionais e mesmo locais é atestada pela prática e pela jurisprudênciainternacionais. O Direito da guerra marítima foi durante muito tempo um Direito

consuetudinário para os Estados da Europa continental; os Estados americanos emanaram um

direito consuetudinário do reconhecimento de governo em caso de mudança revolucionária.

Por seu lado, o Tribunal Internacional de Justiça teve várias ocasiões para reconhecer tais

costumes regionais. O problema da existência dos costumes bilaterais foi claramente no caso do

Direito de passagem em território indiano. À alegação da Índia de que «nenhum costume local

 poderia constituir-se entre dois Estados apenas», o Tribunal respondeu em termos muito

precisos: «Dificilmente se compreende por que razão o número de Estados entre os quais pode

constituir-se um costume local com base numa prática prolongada deveria necessariamente ser

superior a dois. O tribunal não vê razão para que uma prática prolongada e contínua entre dois

Estados, aceite por ambos como reguladora das suas relações, não esteja na base dos direitos e

obrigações recíprocas entre esses dois Estados»89. A unanimidade será exigida aqui? Impõe-se

uma resposta afirmativa no que respeita aos costumes bilaterais. Quando é apresentada a prova

de um costume local «não é necessário indagar se o costume internacional geral ou os princípios

gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas podem levar ao mesmo resultado»,

conforme o Tribunal Internacional de Justiça considera neste caso acima referido. O

consensualismo interestatal, mais acentuado no costume regional ou local do que no costume

geral, mantém-se dominante na jurisprudência internacional. Tratando-se dos costumes

regionais, é razoável pensar que, quanto mais restrito for o círculo de Estados interessados, mais

unanimidade é necessária. Contudo, a posição do Tribunal Internacional de Justiça não é clara a

este respeito.

B – O elemento psicológico

A exigência da opinio iuris: admite-se, geralmente, que a simples repetição de precedentes

não basta e que uma regra consuetudinária só existe se o ato considerado for motivado pela

consciência de uma obrigação jurídica. É necessário que os Estados tenham a consciência de

estarem juridicamente vinculados: o que se traduz pela fórmula clássica da opinio iuris sive

necessitatis  (a convicção do direito ou da necessidade). É por esta característica que a regra

consuetudinária se distingue do uso e da cortesia internacional. A doutrina que inventou esta

condição no início do século XIX, permanece dividida quanto à sua necessidade lógica. É verdade

que, mesmo numa perspetiva voluntarista, pode parecer bastante estranha: não tanto porque

é sempre difícil apresentar a prova de uma convicção psicológica, mas sobretudo pelo facto de

que a convicção de se sujeitar ao Direito é sinal de que a regra existe e não é um elemento da

sua formação. Seria necessário portanto aceitar a ideia de um efeito de antecipação por parte

dos sujeitos de Direito. Todavia, desde que a exigência da opinio iuris foi inscrita no artigo 38.º,

n.º1 Estatuto do Tribunal Penal de Justiça Internacional e depois no ETIJ – «uma prática… aceite

como direito» - a jurisprudência permanece muito firme na questão de princípio. Apresenta uma

89 TIJ, Rec., 1960, p. 39

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notável continuidade desde o dictum do Tribunal no caso Lotus. Respondendo à tese do agente

governamental francês que invoca um facto de abstenção, o Tribunal Penal de Justiça

Internacional não considerou este como um precedente pertinente na medida em que não era

motivado, neste caso, pela «consciência de um dever de se abster » 90 . De maneira mais

sistemática ainda, o Tribunal Internacional de Justiça exprime esta teoria nos termos seguintes:

«Os Estados devem portanto ter a certeza de se conformar ao que equivale a uma

obrigação jurídica. Não são suficientes nem a frequência, nem mesmo o caráter habitual dos

atos. Existem numerosos atos internacionais, no domínio do protocolo por exemplo, que são

realizados quase invariavelmente mas motivados por simples considerações de cortesia, de

oportunidade ou de tradição e não pelo sentimento de uma obrigação jurídica»91.

É a autêntica inversão da abordagem dos árbitros internacionais até meados do

século XIX. Todos os sujeitos de Direito podem contribuir para esta constituição da opinio iuris,

inclusive as pessoas privadas, segundo a sentença arbitral da Aminoil de 1982. Por definição, a

ponio iuris só pode resultar de uma expressão de vontade livremente consentida: no caso

Aminoil, as pressões e coações económicas sofridas pelas sociedades petrolíferas farão o árbitrohesitar em tirar consequências da atitude e do consentimento aparente destas sociedades com

o abandono da regra costumeira anterior.

Costumes “sensatos” e costumes “selvagens”: a doutrina utiliza esta distinção figurada,

recorrendo a R.-J. Dupuy, para exprimir as suas hesitações face a certas práticas normativas da

sociedade internacional contemporânea. Habituada a uma sucessão cronológica em que o

costume – sensato – se baseia em comportamentos apoiados in fine pela opinio iuris, a doutrina

interrogou-se sobre a legitimidade de um processo de elaboração em que a expressão, por vezes

categórica, da opinio iuris  precedia qualquer aplicação efetiva, em que os comportamentos

estatais são tomados em conta como expressão da opinio iuris  antes de o serem como

precedentes constitutivos de uma prática. Severamente criticada por certos observadores, estainversão do momento e do peso dos elementos material e psicológico do costume parece

doravante ser considerada legítima, no seu princípio, pela jurisprudência internacional. Se o

costume “selvagem” continua a constituir problema, não é só em virtude desta inversão dos

dois tempos do processo costumeiro. A inversão é também um sintoma da ambiguidade da

expressão da vontade dos Estados que obriga a prestar uma grande atenção às circunstâncias

que envolveram a adoção das novas regras.

A oponibilidade da norma consuetudinária: em que medida pode um sujeito de Direito

recusar a oponibilidade a seu respeito de uma norma consuetudinária? A dificuldade provém,

antes de mais, do facto de a abstenção, a oposição ou a ausência de um Estado da sociedadeinternacional – caso dos Estados novos  – nem sempre impede o aparecimento de uma norma

geral ou particular; resulta seguidamente do facto de a segurança jurídica proibir que se ponha

em causa a validade do processo anterior assim como a existência das normas costumeiras, cada

vez que se expande a sociedade internacional. Para dar uma resposta exata em cada caso

particular, o bom método impõe que se distinga a oponibilidade do processo de elaboração da

norma a um certo sujeito de Direito – oponibilidade da norma consuetudinária «à sua nascença»

- e a questão da oponibilidade da norma no tempo: é sobre o primeiro aspeto da demonstração

que insistiremos aqui.

90 Acórdão de 1927, série A, n.º10, p.2891 Plataforma continental do Mar do Norte, Tec. 1969, p. 44.

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1.º Parece impor-se uma solução quando o Estado pôs objeção à criação da regra

consuetudinária, sem conseguir fazer valer o seu ponto de vista: a regra costumeira é-lhe

inoponível. Evidentemente, devemos pôr em prática o princípio segundo o qual um Estado não

pode opor-se à aplicação de uma regra imperativa (ius cogens): todos os Estados estão

vinculados por uma regra costumeira que apresenta esta qualidade.

2.º  Podem os Estados novos escapar à aplicação de regras costumeiras

estabelecidas antes do seu acesso à independência? Em princípio não; o que os obriga – em caso

de desacordo sobre o fundo – a abrir um novo processo de elaboração do Direito costumeiro ou

convencional, de maneira a escapar ao domínio da regra antiga senão mesmo a suprimi-la. No

período de transição que resulta desta diligência, torna-se difícil determinar o alcance exato  – 

portanto a oponibilidade – da norma consuetudinária antiga, sobretudo se esta “contestação”

provém de um grande número de Estados e acaba na coexistência de uma norma

consuetudinária antiga e de uma norma convencional ou consuetudinária nova.

3.º  Poderão os Estados admitir que se lhes oponham normas consuetudinárias

criadas por outros sujeitos de direito? Parece certo que atos que emanam de pessoas privadasnão podem opor-se aos Estados contra a sua vontade. Mas o seu aval não é necessariamente

explícito: o exemplo contemporâneo da evolução do Direito dos contratos transnacionais  – lex

mercatória  – mostra que os Estados podem ter de aceitar a imposição, a título principal ou

supletivo do respeito de normas de origem privada porque aceitaram fazer-lhes referência em

convenções internacionais ou porque a existência destas normas é confirmada pela

 jurisprudência dos tribunais nacionais. A situação é mais complexa ainda quando as

organizações internacionais invocam, ao contrário dos Estados membros e dos Estados terceiros,

normas consuetudinárias resultantes do comportamentos das próprias organizações. É bastante

raro, com efeito, que os estatutos da organização em causa especifiquem a solução aplicável;

mesmo quando é este o caso, o problema continua delicado visto que os estatutos, em sipróprios, não são oponíveis aos Estados não membros. O reconhecimento internacional

desempenhará portanto um grande papel para consagrar a oponibilidade de tais normas; ele

poderá ser bilateral ou multilateral, expresso ou implícito.

2.º - A prova do costume

A administração da prova: num recurso contencioso, o ónus da prova compete ao requerente,

pelo menos quando ele invoca uma regra costumeira regional ou local. Convém distinguir duas

séries de dificuldades: será realmente necessário aduzir a prova tanto da prática material comoda opinio iuris? Para cada um destes elementos, qual o grau mínimo de pertinência e de precisão

a alcançar?

1.º Sobre o primeiro ponto, uma parte da doutrina exprime uma dúvida quanto à

necessidade de provar a opinio iuris. Admitindo embora que, nas condições históricas do

aparecimento das regras costumeiras, se torna muitas vezes difícil isolar a opinio iuris  dos

próprios comportamentos, a jurisprudência recusou-se a consagrar esta tese. Porém, é preciso

reconhecer que, na administração da prova da opinio iuris  pelo juiz ou pelo árbitro, existe

frequentemente uma certa “telescopagem” das demonstrações relativas aos elementos

materiais e psicológicos.

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243 

conceitos teria podido continuar a ser doutrinal. Porém tornou-se rapidamente político, o que

não é surpreendente: a distinção codificação – desenvolvimento do Direito tem uma incidência

direta sobre a oponibilidade das normas contidas nas convenções de codificação. De há quinze

anos a esta parte, desenvolvem-se cada vez mais táticas diplomáticas ofensivas ou defensivas

sobre este assunto: assim, o recurso à fórmula da “declaração” para dar crédito à ideia de que

as regras apresentadas num texto se inscrevem num processo consuetudinário e se prestamportanto, desde logo, à “codificação”. 

2.º Vantagens e inconvenientes da codificação: existe hoje uma conjunção muito

forte de forças políticas a favor dos trabalhos de codificação. Para os Estados “contestatários”,

a codificação é a ocasião de fazerem uma “triagem” entre as normas que respondem às suas

próprias aspirações e as que são rejeitadas porque, originadas pela prática dos Estados

ocidentais, lhes parecem responder às necessidades exclusivas destes Estados; para os outros,

a codificação surge como a “última oportunidade” das regras antigas, uma defesa eficaz contra

uma contestação durável. Convém dissociar o curto e o médio prazos de preferência a tentar

distinguir as vantagens técnicas e políticas da codificação.

a)  No curto prazo, é o texto de codificação que é preciso tomar em

consideração. A este respeito foram emitidas dúvidas sobre a oportunidade

de uma “cristalização” do costume, que faz desaparecer a sua flexibilidade

e a sua maleabilidade. Inversamente, sublinhar-se-á que a codificação tende

a remediar a incerteza que pesa sobre a existência e o conteúdo das regras

consuetudinárias, e luta contra a dispersão das regras que se aplicam à

mesma matéria; pode mesmo favorecer, em bases mais justas, um

relançamento da elaboração das regras consuetudinárias. Não convém

exagerar nem as vantagens, nem os inconvenientes da codificação na

medida em que se transforma num instrumento escrito. Do mesmo modo,deve ter-se em consideração a natureza jurídica do instrumento de

codificação, que condiciona a sua oponibilidade internacional, bem como a

participação reservada ou entusiasta dos Estados neste instrumento

(número de ratificações, importância das reservas).

b)  No médio prazo, as segundas intenções que dominaram o processo de

codificação têm ainda maior importância, pois a difusão das normas

dependerá da sua confirmação pela prática estatal e do apoio que lhes for

dado doutrinalmente. O compromisso inicial pode ser de novo posto em

causa, à medida que se vai esbatendo a recordação das considerações

diplomáticas na base do «package deal» e que os Estados «particularmente

interessados» não estão já artificialmente colocados em pé de igualdade

com os outros Estados. Existem convenções “nadas-mortas” como existem

leis “nadas-mortas” em Direito Interno.  Por isso é importante prever

processos de controlo da aplicação de tais convenções: quer a organização

internacional confie esta tarefa ao órgão preparatório, quer a própria

convenção utilize as estruturas e órgãos da organização para este fim (papel

do Secretário Geral da Organização das Nações Unidas em matéria de

conciliação, por exemplo).

As técnicas da codificação: somente devem ser tomadas em consideração aqui aquelas que

são aplicadas por sujeitos de Direito Internacional, competentes para estabelecer normasinternacionais. Os procedimentos variam em função do quadro institucional em que se inscreve

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244 

o processo de codificação: não é indiferente que a obra se desenrole num contexto diplomático

clássico ou sob os auspícios de uma organização internacional, nem que tenha sido considerada

uma abordagem universal e regional. A descrição torna-se por vezes muito complexa tendo em

conta a sobreposição e a complementaridade das diligências regionais e universais, como foi o

caso da revisão do Direito do mar nos anos 70. O ponto de partida dos processos de codificação

pode resultar de iniciativas estatais, de sugestões de órgãos internacionais e mesmo deorganizações não governamentais: esta última hipótese é importante para as codificações de

Direito privado e de Direito Humanitário; mas só consideraremos o processo de codificação a

partir do momento em que os Estados aceitaram participar no projeto. Mesmo limitando-nos às

ilustrações fornecidas pelas Nações Unidas é notável a diversidade de soluções:

1.º  A escolha de um tema de codificação resulta de uma decisão da Assembleia

Geral, competente em virtude do artigo 13.º. Ela será muitas vezes, mas não necessariamente,

guiada nesta escolha pelas propostas de um órgão técnico subsidiário, a Comissão de Direito

Internacional.

2.º A Assembleia Geral pode então decidir confiar a preparação de um projeto detexto seja a um órgão permanente, seja um órgão temporário. Após esta primeira opção, ela

deve ainda escolher entre a fórmula de órgão “técnico” e a de órgão “político” composto por

representantes de Estados. Considerações técnicas e considerações políticas interferirão nesta

escolha: os métodos de trabalho da Comissão de Direito Internacional garantem um rigor

cientifico muito maior mas apresentam o inconveniente da lentidão; serão postos em causa

também pelo conservadorismo inerente aos trabalhos de peritos. Em questões inéditas ou

controversas será portanto dada preferência à fórmula das comissões intergovernamentais. O

esquema habitual da Comissão de Direito Internacional começa por designar um relator especial,

encarregado de estudar a questão com a assistência do Secretário da Organização das Nações

Unidas ou de outras organizações internacionais e depois de propor um método de trabalho euma série de anteprojetos. Após discussões aprofundadas, escalonadas ao longo de vários anos

e complicadas pela mudança de relatores, a Comissão de Direito Internacional adota

colegialmente um anteprojeto (denominado «projeto de artigos») submetido à IV Comissão da

Assembleia Geral. Na prática opera-se uma série de idas e vindas sobre diversas partes do texto,

antes que o conjunto seja proposto à assembleia. Num ou noutro estádio da preparação, pode

ser solicitado aos Estados que apresentem as suas observações por escrito, além das suas

tomadas de posição nos órgãos intergovernamentais. Assim solicitados, os serviços jurídicos dos

Ministérios dos Negócios Estrangeiros respondem de maneira muito desigual, tanto quantitativa

como qualitativamente, o que não deixa de ser perigoso. Os Comités especiais criados pela

Assembleia seguem as regras processuais habituais dos órgãos subsidiários intergovernamentais;

a tecnicidade do trabalho de codificação leva-os por vezes a criar uma ou várias subcomissões

mais especializadas (jurídica, económica, técnica). Como para a Comissão de Direito

Internacional estabelece-se um “vaivém” entre o Comité e uma Comissão permanente da

Assembleia Geral: a escolha da Comissão solicitada não é neutra (o espírito da codificação difere

conforme se trata da Comissão jurídica ou de uma Comissão política). As esperanças depositadas

na rapidez das deliberações diplomáticas são por vezes frustradas: seja porque a qualidade

técnica do texto fica fortemente enfraquecida pelos compromissos visados, seja porque a

comissão se dissolve por ter fracassado.

3.º  Solicitada a pronunciar-se sobre um ou vários projetos, a Assembleia deve

decidir qual o andamento a dar-lhes. Pode limitar-se a chamar a atenção dos Estados para oconteúdo do texto, através de resolução: o processo de codificação acaba por ser um simples

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«modelo de regras» cujo alcance jurídico depende dos comportamentos dos Estados para o

conteúdo do texto, através de resolução: o processo de codificação acaba por ser um simples

«modelo de regras» cujo alcance jurídico depende dos comportamentos dos Estados. Ela própria

pode também adotar este texto, após emendas se o desejar, sob forma de uma convenção à

qual os Estados serão convidados a aderir ou sob forma de resoluções “solenes”. A maior parte

das vezes, a Assembleia decidirá provocar a reunião de uma conferência diplomáticaencarregada de adotar o texto da convenção de codificação.

4.º A obra da Conferência, teoricamente autónoma em relação à Organização das

Nações Unidas será mais ou menos guiada pelas iniciativas anteriores da Assembleia visto a

composição dos dois órgãos ser muito próxima.

3.º - A aplicação do costume

A – Ordem jurídica internacional e aplicação das normas consuetudinárias

Lugar respetivo do costume e do tratado no Direito Internacional contemporâneo: 

1.º Desde a sua origem o papel do costume é notável. A história do Direito

Internacional revela que este Direito nasceu no momento em que apareceram as primeiras

regras consuetudinárias no domínio das relações diplomáticas, da guerra e da navegação

marítima. Paralelamente a intensificação das relações entre Estados, o domínio do costume

amplificava-se e estendia-se a outras matérias fundamentais das relações internacionais comoa arbitragem, a responsabilidade internacional e a conclusão dos tratados. O próprio princípio

 pacta sunt servanda é em geral considerado como de origem consuetudinária. Foi o costume

que regulou as condições da sua própria formação e as do Direito dos tratados. Era portanto

legítimo considerar as regras consuetudinárias como verdadeiras regras «constitucionais» da

comunidade internacional. A analogia era tanto mais justificada quanto é certo que durante

muito tempo as regras consuetudinárias eram as únicas a poder aspirar à universalidade. Este

predomínio do costume foi favorecido e prolongado pelo aparecimento tardio das primeiras

instituições internacionais além do Estado. A prática dos tratados multilaterais  – denominados

“coletivos da época – mais convenientes do que os tratados bilaterais na elaboração do Direito

escrito, só se impôs progressivamente a partir do século XIX. De resto, os primeiros tratados

verdadeiramente multilaterais tinham por única ambição constatar as regras consuetudinárias

existentes.

2.º O desenvolvimento das normas convencionais inicia-se verdadeiramente com

as Convenções de Haia de 899 e 1907. A tendência para uma regressão contínua do lugar e do

papel do costume acelerou-se bruscamente após a Segunda Guerra Mundial: o processo

consuetudinário tradicional, em virtude da sua lentidão, tornou-se pouco compatível com as

necessidades de uma interdependência internacional em rápido crescimento. O recurso

intensivo ao processo convencional impôs-se para consolidar, modificar ou substituir os antigos

regimes costumeiros. Terá a proliferação de tratados multilaterais constituído o dobre a finados

do costume?

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recomendação de um organização internacional, um ato interestatal concertado, uma decisão

de organização internacional, uma norma convencional. As soluções a considerar diferem

conforme a norma consuetudinária é anterior ou posterior à outra norma.

1.º Norma costumeira e ato jurídico unilateral estatal: o ato unilateral é inoponível

aos outros sujeitos de Direito e é mesmo ilícito, se a regra consuetudinária for oponível aoEstado em causa; a regra consuetudinária, anterior ou posterior, prevalece.

2.º Norma consuetudinária e recomendação: uma norma consuetudinária posterior,

contrária à recomendação, acarreta desuso desta e portanto prevalece sobre ela. A situação é

mais complexa quando a recomendação é mais recente do que o costume. Nas relações entre o

Estado que invoca a recomendação e os que tiram vantagem do costume – quer tenham voltado

contra a recomendação quer sejam terceiros em relação à organização  – a recomendação é

inoponível e é o costume que prevalece porque constitui o único denominador comum. Pode

parecer mais surpreendente chegar à mesma conclusão quando o litígio opõe dois Estados que

votaram a favor da referida recomendação: mas sabemos que os Estados não estão

comprometidos – sob reserva de boa fé – apenas por este voto; eles podem continuar a invocaro costume contrário. O Estado que aplica o costume contrário à resolução não pode portanto

ver comprometer a sua responsabilidade internacional. Disto não deveria concluir-se que,

inversamente, o Estado que concede a preferência à resolução comete um ato ilícito e

compromete a sua responsabilidade. Não é este o caso, pelo menos nas relações entre Estados

que votaram a favor da resolução.

3.º  A fortiori  as soluções precedentes impõe-se em caso de incompatibilidade entre

uma norma consuetudinária e um ato concertado não convencional, visto este último não ser – 

 juridicamente  –  oponível às partes. Salvo talvez se se demonstrar que este ato concertado

tornou inoponível às partes o costume anterior, aqui ainda em virtude do princípio da boa fé.

4.º  O conflito entre uma norma consuetudinária e uma decisão de organização

internacional ou uma convenção só deve ser considerado a propósito de um litígio opondo

Estados membros da organização ou partes na convenção; os outros sujeitos de Direito estão

vinculados unicamente pelo costume e só podem ser-lhes opostos atos jurídicos compatíveis

com este costume. Nos limites da hipótese adotada, é suficiente fazer aplicação do princípio

geral segundo o qual a norma obrigatória mais recente prevalece sobre a mais antiga: se o

costume for anterior, deve ser afastada; se for posterior, prevalecerá sobre a decisão ou a

convenção. Todavia, se não houver dúvida de que as partes num tratado podem postergar a

aplicação de uma regra consuetudinária geral não imperativa nas suas relações inter se, a sua

intenção neste sentido deve ser expressa.

5.º A contradição eventual entre uma regra consuetudinária e um princípio geral de

direito stricto sensu resolve-se necessariamente pela aplicação da regra consuetudinária: como

vimos o Tribunal Internacional de Justiça recusa-se a indagar se existe um princípio geral de

Direito quando já está provado que uma norma consuetudinária é oponível aos Estados em

litigio.

B – Ordem jurídica interna e normas consuetudinárias

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O costume Internacional92: o costume tem, em Direito Internacional, um papel bem maior do

que aquele que tem no domínio do Direito Interno. A ausência de uma autoridade central, a

nível mundial, explica-o, em parte. Mas, mais do que isso, explica-o o próprio contributo decisivo

 – fundador – do costume para o nascimento e para o desenvolvimento do Direito Internacional.

Ainda hoje há matérias importantíssimas que continuam reguladas principalmente ou quase só

por costume, com a responsabilidade internacional e as imunidades dos Estados. Assim comohá inelutáveis fatores de efetividade a que estão sujeitas a interpretação e aplicação das normas

criadas por atis internacionais (donde, verdadeiros costumes secundum,  praeter   e contra

tractum). O caminho para a institucionalização não impede a formação de normas

consuetudinárias. Não tem sido tanto ela quanto a “aceleração da história” que tem vindo a

reduzir, sem eliminar, esse papel. De resto, o costume internacional não resulta só da prática

dos Estados (e de outros sujeitos) nas suas relações bilaterais ou multilaterais. Resulta também

da prática que se desenvolva no interior das organizações internacionais (por parte dos

respetivos órgãos ou por eles em relação com os Estados-membros)  – o que confirma o que

acabamos de referir. Uma grande parte do Direito interno das organizações internacionais, é,

ele próprio, produto de costume. Um caso paradigmático de costume nestas circunstâncias aque vale a pena aludir, desse já, é o respeitante ao direito de veto dos membros permanentes

do Conselho de Segurança- De harmonia com o artigo 27.º, n.º3 da Carta das Nações Unidas, as

deliberações do Conselho de Segurança em questões não processuais são tomadas com os votos

afirmativos de nove membros (o Conselho tem quinze), incluindo os votos de todos os membros

permanentes. À letra, isto significa que tanto o voto contrário como a abstenção equivaleriam a

veto. E, no entanto, desde há muito que se verifica não ser tomada a abstenção (nem a ausência)

neste sentido; e não custa apreender as consequências – de maior maleabilidade – que tal tem

produzido nos delicados mecanismos de funcionamento do Conselho e nas relações

internacionais. De todas as classificações de espécies de costume que a doutrina tem proposto

a mais importante vem a ser a que, olhando ao seu âmbito ou aos destinatários, contrapõecostume geral ou universal e costume particular, em correspondência com a distinção entre

Direito Internacional Universal e Direito Internacional regional. De um lado, pois, costume que

obriga todos ou a grande maioria dos Estados (ou dos sujeitos de Direito Internacional); de outro

lado, costume nascido e aplicável apenas em certo continente ou em certo conjunto de Estados

com afinidades políticas, culturais ou outras. Mas pode adicionar-se um terceiro termo: o

costume local, quase sempre (embora não necessariamente) bilateral, relativo a uma área

geográfica circunscrita, como foi o costume consagrador do Direito de passagem de autoridades

civis portuguesas entre Damão e os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli (no antigo Estado da Índia)

ou como são determinados costumes locais na Europa. Muito discutida é a questão de saber

qual o fundamento do costume. É tudo visto, uma questão que se reconduz à questão de saber

qual o fundamento do Direito Internacional. A posição mais antiga, ligada à doutrina da

soberania, tendia a reconduzir o costume ainda à vontade. O costume seria, na célebre

expressão de Grócio, um pacto tácito: não manifestada a sua vontade em contrário, os Estados

ou os sujeitos de Direito Internacional em geral estariam adstritos a cumprir os deveres

decorrentes de normas consuetudinárias. No século XX, esta doutrina ainda teve afloramento

na escola de Direito Internacional soviética, em reivindicações de países do chamado Terceiro

Mundo e, curiosamente, no artigo 4.º da Constituição Portuguesa de 1933. Mas as doutrinas

voluntaristas estão ultrapassadas e nem sequer fornecem uma base segura para a compreensão

de costumes locais ou bilaterais. O fundamento do costume internacional não pode ser diverso

do de todo o Direito internacional, insistimos. Como qualquer outra manifestação do fenómeno

92 Miranda, Jorge; Curso de Direito Internacional

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249 

consuetudinário, o costume internacional decompõe-se num elemento material – o uso – e num

elemento psicológico  –  a convicção de obrigatoriedade. O uso exige tempo e repetição de

comportamentos (por ação e por omissão) de diversa natureza: atos diplomáticos, atos de

execução de tratados, leis e atos políticos ou de governo dos Estados, atos no âmbito de

organizações internacionais. Não é possível fixar critérios rígidos de apuramento, embora pareça

mais fácil a observação de atos bilaterais ou multilaterais do que a de atos unilaterais dosEstados. A convicção de obrigatoriedade reporta-se, claro está, não a qualquer psicologia

coletiva, mas à interpretação funcional e normativa da vontade manifestada por sujeitos de

Direito Internacional ou pelos seus órgãos; e depreende-se, antes de mais, da consideração

objetiva dos atos praticados ou deixados de praticar por esses sujeitos (entre os quais o

reconhecimento, o protesto e a notificação). O Tribunal Internacional de Justiça Internacional

consagrou a necessidade da opinio iuris  designadamente no Acórdão sobre a Plataforma

Continental do Mar do Norte (1969), mas tem revelado  –  tal como a doutrina  –  algumas

oscilações quanto a este ponto. As normas jurídicas de origem consuetudinária e as de origem

convencional possuem o mesmo valor jurídico e, por conseguinte, deve admitir-se, à partida, a

possibilidade de recíproca modificação ou revogação. Em concreto, será muito difícil ou atéimpossível verificar-se a revogação de um costume universal por um tratado. Em contrapartida,

as nomras consuetudinárias encontram-se, também elas, subordinadas ao ius cogens e com este

não se confundem, mesmo as de costume universal, visto que:

1.º o ius cogens não pode ser modificado ou afetado por normas consuetudinárias;

2.º o costume postula sempre a prática, o ius cogens impõe-se ainda quando não

haja nenhuma prática, seja no sentido do seu cumprimento, seja noutro sentido.

Importância do Costume no Direito Internacional Contemporâneo 93: não obstante o

dinamismo da vida internacional tenha dado maior relevância prática aos tratados, o costume

continua a ser a mais importante fonte do Direito Internacional. Ele conseguiu adaptar-se muito

bem às exigências da Comunidade Internacional dos nossos dias, designadamente à aceleração

histórica da época e que vivemos, confirmando a natureza eminentemente evolutiva desta fonte

de Direito. Concretamente, suavizou-se bastante o requisito da antiguidade da prática, o que

tem permitido a formação de novos e diversos costumes em pouco tempo. Por outro lado, se

no Direito Internacional anterior a este século a norma consuetudinária era gerada por poucos

Estados, hoje ela, sobretudo se criada pelo costume geral, é o produto da adesão de muitos

Estados de diferente civilização, cultura e nível de desenvolvimento económico, o que a torna

mais rica de conteúdo. Para a manutenção do caráter vivo do costume como fonte de Direito

muito tem contribuído a jurisprudência Internacional. Como acertadamente observa Jiménez de

Arechaga, se o Tribunal Internacional de Justiça na década de 50 e na primeira metade da décadade 60 se debruçou primordialmente sobre casos relacionados com a interpretação e a aplicação

de tratados, ele, posteriormente, tem tido que julgar litígios ou emitir pareceres em que

sobretudo tem estado em causa a aplicação do costume internacional. Assim aconteceu, de

modo particular, no importante caso relativo Às atividades militares e para-militares na

Nicarágua e contra ela, julgado em 17 julho 1986, onde o Tribunal aplicou regras

consuetudinárias, não obstante elas já estivessem acolhidas na Carta das Nações Unidas. Por

outro lado, apesar do lavor da codificação, de que se falará oportunamente, o Direito

costumeiro continua a reger um conjunto importante de matérias que constituem, por assim

dizer, o núcleo fundamental do Direito Internacional. Ou seja, ele ocupa um lugar de destaque

93 Quadros, Fausto; Direito Internacional Público

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250 

no conteúdo daquilo que atrás chamámos Direito Constitucional Internacional. Daí, aliás, a

tendência legítima para que os tratados codificadores se apliquem a todos os sujeitos do Direito

Internacional independentemente da sua adesão ao tratado.

Noção. Fundamento da obrigatoriedade do costume: o artigo 38.º do Estatuto menciona

na alínea b) do n.º1, entre as fontes do Direito Internacional, «o Costume Internacional comoprova de uma prática geral aceite como sendo de Direito». Desde logo vemos, portanto, que os

elementos do costume em Direito Internacional são os mesmos que já encontrámos ao estudar

as fontes do Direito interno: o elemento material, ou seja o uso, e o elemento psicológico, que

consiste na convicção da obrigatoriedade desse uso, e que é designado tradicionalmente pelas

expressões opinio iuris ou opinio iuris vel necessitatis. Tal como no Direito interno, também a

doutrina do Direito Internacional tem discutido o problema de saber qual o fundamento da

obrigatoriedade do costume. E as conceções que a este respeito têm sido sustentadas ligam-se

Às duas grandes posições doutrinárias, ou seja, o voluntarismo e o antivoluntarismo. Assim, a

doutrina tradicional, que remonta a Grócio, vê no costume um pacto tácito. Esta conceção foi

no século passado retomada e ampliada pela doutrina voluntarista, e é, aliás, consequência

necessária dos pressupostos voluntaristas. Embora hoje se encontre em decadência, esta

solução, que pretende encontrar no costume os mesmos elementos que caracterizam o tratado

internacional, e particularmente faze-lo assentar na soberania do Estado, teve grande

acolhimento na doutrina internacionalista soviética anterior à era da Perestroika, como se pode

ver pelo pensamento do Professor Tukkin. A esta doutrina opõe-se a conceção objetivista, e

antivoluntarista, segundo a qual o costume é uma forma espontânea de criação do Direito pela

prática, em relação à qual falham todas as tentativas para reconduzir à vontade do Estado. É

esta segunda doutrina a única que nos parece satisfatória, como aliás resulta das críticas que

atrás fizemos às conceções voluntaristas. A conceção voluntarista, desenhada para explicar o

Direito Internacional Convencional, tentou abranger também o costume internacional. Mas este

é, sem dúvida, o seu ponto mais fraco. Na verdade, a conceção voluntarista do costume édesmentida pela realidade e pela prática internacional, já que se não exige a intervenção de

todos os Estados na formação do costume. O costume internacional impõe-se como Direito

Comum, quando a convicção da sua obrigatoriedade existir na grande maioria dos Estados; mas,

embora não seja naturalmente possível dizer-se qual a maioria numérica necessária, sempre se

reconhece que o Direito Internacional Comum, de base consuetudinária, se impõe a todos os

Estados, quer tenham ou não participado na sua elaboração. E isto é particularmente nítido

quanto aos novos Estados, que vão encontrando sucessivamente para a Comunidade

Internacional, e que ficam vinculados, independentemente de aceitação, ao Direito

Internacional Comum, sem prejuízo de se ter de reconhecer que muitos deles têm

desempenhado um pape ativo na alteração de muitas das regras já constantes do costumeinternacional. Aliás, o costume internacional não impõe apenas deveres a estes novos Estados:

também lhes reconhece direitos. E os autores que sustentem a teoria voluntarista do costume

aceitariam a sua consequência necessária, de que os novos Estados não beneficiam dos direitos

que o Direito Internacional reconhece a todos os Estados e não poderiam, por exemplo, navegar

livremente no alto mar? Na verdade, o princípio da liberdade dos mares, que é decerto um dos

mais antigos princípios consuetudinários do Direito Internacional Comum, pode servir de bom

exemplo para a demonstração do infundado da tese voluntarista: pois esse costume não se

baseia na prática de todos os Estados, já que historicamente derivou de um entendimento entre

apenas os Estados com larga capacidade de navegação marítima. Mas, impõe-se, sem dúvida,

aos novos Estados, independentemente da sua aceitação. Vemos, assim, que a conceção quereduz o costume a um pacto tácito é uma mera consequência dos pressupostos voluntaristas, e

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251 

deve ser rejeitada como explicação dos costumes gerais. Quando muito, poderá valer em

relação a costumes locais, entre poucos, ou mesmo entre dois Estados, mas então o seu valor

explicativo é nenhum. Em resumo, ao rejeitar a explicação voluntarista do costume só cabe

reafirmar que o fundamento da obrigatoriedade do costume é o mesmo fundamento da

obrigatoriedade do Direito Internacional em geral. E, se tivermos conseguido uma solução

satisfatória para este problema, de que tratámos atrás, dela resultará também a explicação dofundameno da obrigatoriedade do costume. Notemos finalmente que a fórmula do artigo 38.º

do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça é particularmente infeliz, já que parece

distinguir entre o costume, por um lado, e a norma jurídica, por outro, sendo aquele uma mera

prova da existência desta. Ora a Teoria Geral do Direito não põe já em dúvida que o costume,

interno ou internacional, não é a prova de uma norma jurídica, mas é o próprio modo de

formação da norma, que não existe independentemente do uso e da opinio iuris. Teria sido mais

uma razão a indicar aos autores daquele Estatuto a convivência em definirem o costume como

fonte do direito Internacional.

Secção II  – Os Princípios Gerais de Direito

1.º - A natureza jurídica dos princípios gerais de Direito

Uma fonte direta e autónoma: retomando os termos do artigo 38-III do Estatuto do Tribunal

Penal de Justiça Internacional, o artigo 38.º, n.º1, alínea c, do Estatuto do Tribunal Internacional

de Justiça dispõe que o Tribunal aplica «os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações

civilizadas».

1.º A redação dos princípios gerais de direito a outras fontes de Direito Internacional:

a)  O caráter diretamente aplicável foi posto em questão pelos autores

voluntários. Sem negar o valor jurídico destes princípios, eles pretendem

que só na sequência de uma autorização convencional expressa, que deve

intervir em cada caso, podem aplicar-se nas relações internacionais. Assim,

quando o artigo 38.º, n.º1, alínea c) do Estatuto do Tribunal Internacional

de Justiça prescreve ao Tribunal que recorra aos princípios gerais de Direito,

esta prescrição só se dirige a este Tribunal e somente a este. Outras

 jurisdições ou tribunais arbitrais podem também, e individualmente,

receber tal autorização. Mas, enquanto nenhum acordo estiver concluído a

este respeito, os princípios gerais de Direito não se impõem nem aos Estados,

nem aos juízes, nem aos árbitros, pois não constituem uma fonte primária

de Direito Internacional da qual podem nascer diretamente regras positivas.

Eles têm caráter obrigatório, em cada caso, não pela sua própria força, mas

por intermédio da convenção de autorização. Foi a própria noção de

princípios gerais de Direito que motivou esta tomada de posição. Estes são,

com efeito, as primeiras propostas obtidas por um lento trabalho de indução,

das regras particulares da ordem jurídica. Pela via dedutiva, podem, depois,

ser aplicados a situações concretas que não são expressamente reguladaspelo Direito positivo. Existiria portanto uma total incompatibilidade entre o

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252 

caráter diretamente obrigatório destes princípios e o conceito de um Direito

consensual. Contudo, a sua utilização como fonte direta de Direito

Internacional resulta de uma prática antiga e constante. Estes princípios

foram assim explicitamente reconhecidos como uma fonte direta de Direito

Internacional, independentemente de qualquer autorização convencional.

b) 

Certos autores recusam-se a ver nos princípios gerais de Direitos uma“terceira” fonte, distinta do costume ou da convenção. Era esta a opinião de

Georges Scelle, que os confundia completamente com os costumes gerais e

os integrava no Direito consuetudinário. Esta foi também a opinião soviética

dominante, tal como foi formulada por G. Tunkin. Estas posições explicam-

se, mas assentam numa confusão: o que visam na realidade estes autores

são os princípios gerais de Direito Internacional, isto é as regras gerais

deduzidas do espirito dos costumes e das convenções em vigor; por isso

mesmo estas regras dependem efetivamente do Direito consuetudinário;

mas devem distinguir-se claramente dos princípios gerais de Direito.

2.º  Os princípios gerais de Direito, fonte autónoma de Direito Internacional: a

negação de uma existência independente dos princípios gerais de Direito colide com a letra do

artigo 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça que, visando expressamente estes

princípios ao lado e para além das outras fontes – as convenções e os costumes -, consagra sem

ambiguidade a sua autonomia respetiva. Mas, se não são de origem nem costumeira nem

convencional, de onde derivam eles?

a)  Para determinar a proveniência exata destes princípios, é necessário

voltarmos para os trabalhos preparatórios do artigo 38.º do Estatuto do

Tribunal Penal de Justiça Internacional. Em 1920, os redatores dessa

disposição fizeram questão em não ficar aquém dos redatores do artigo 7.º,alínea 2 da Convenção XII de Haia que atribuía ao Tribunal Internacional de

Presas o poder de decidir, se fosse caso disso, «de acordo com os princípios

gerais de justiça e da equidade». Fórmula incondicional que acabava por

habilitar os juízes a «fazerem o direito», conforme a própria expressão do

seu relator. É para evitar a consagração de qualquer poder «criador» ou

«normativo» desta natureza que o artigo 38.º exige que que se trate de

princípios gerais já «reconhecidos pelas nações civilizadas». Segundo as

explicações fornecidas pelos membros da Comissão de Juristas, trata-se

essencialmente dos princípios de Direito Interno, vigentes in foro domestico.

O poder concedido ao juiz não passa de um poder de verificação de

princípios estabelecidos, já existentes nas ordens jurídicas nacionais. Esta

interpretação é atualmente admitida pela opinião dominante, que adota

portanto a interpretação restritiva da noção de princípios gerais de Direito.

b)  É certo que uma interpretação mais lata da noção beneficiou e continua a

beneficiar do apoio de uma doutrina eminente. J. Basdevant achava legítimo

considerar como um princípio geralmente adotado por sistemas de Direito

Internacional particular, ou por regras ou práticas nacionais referentes Às

relações internacionais, mesmo que não tenha ainda sido incorporado, por

um processo consuetudinário, no Direito Internacional geral. Com efeito

seria concebível ir procurar estes princípios a certos direitos regionais não

os encerrando no quadro dos precedentes nacionais.

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253 

c) 

Certos autores vão mais longe e consideram que os princípios de Direito

podem derivar tanto da ordem internacional como das ordens internas

(Rousseau). Segundo o professor Rousseau, esta interpretação do artigo

38.º., n.º1, alínea c), é gramaticalmente correta, visto que esta disposição

emprega o termo «direito» sem epíteto. O inconveniente desta solução é

que proíbe reconhecer a especificidade dos princípios gerais de direito comofonte, na medida em que as regras de origem internacional se confundirão

com o costume ou a convenção.

Uma fonte primária e supletiva: para muitos autores, a utilidade do artigo 38.º, n.º1, alínea

c), e o recurso aos princípios gerais de direito reduz-se a colmatar algumas lacunas do Direito

consuetudinário e convencional ou a evitar os impasses de uma aparente lacuna jurídica. Estes

princípios constituiriam assim uma fonte não somente supletiva mas também subsidiária do

Direito Internacional. Segundo a opinião dominante, o artigo 38.º, n.º1, alínea c), é uma

consequência necessária das limitações da função jurisdicional internacional. Diversamente do

 juiz interno, que pode e deve decidir mesmo em caso de silêncio da lei, o juiz internacional não

poderia fazê-lo sem habilitação expressa dos sujeitos do Direito Internacional. Na ausência de

uma resposta convencional ou consuetudinária ao litígio que lhe é submetido, o juiz ou o árbitro

deveria pronunciar o non liquet , reconhecer que lhe é impossível cumprir a sua missão. O

recurso aos princípios gerais de Direito autorizá-lo a decidir, sem sair do Direito positivo. Para

outros autores, que recusam a ideia de lacunas do Direito  –  porque se resolveriam numa

competência discricionária dos Estados (princípio da independência) – o artigo 38.º, n.º1, alínea

c), teria por função reduzir o campo de aplicação desta competência discricionária, para além

do que é oponível aos Estados em causa com base nas regras convencionais ou consuetudinárias.

Não deveria, aliás, deduzir-se da tese precedente que os princípios gerais de Direito são

suscetíveis de resolver todos os problemas suscitados pela ausência de regras consuetudinárias

e convencionais. Nada na natureza destes princípios permite tal conclusão. Que se trate de umafonte supletiva é indiscutível. O juiz internacional como os agentes estatais, invocam em

primeiro lugar, podendo-o, regras consuetudinárias e convencionais em apoio das suas

demonstrações. Esta era também a opinião do comité de Juristas encarregado de elaborar o

projeto do Estatuto do Tribunal Penal de Justiça Internacional. Solução razoável pois as regras

consuetudinárias e convencionais têm uma existência mais fácil de estabelecer e um conteúdo

menos aleatório. A ordem estabelecida pela enumeração do artigo 38.º do Estatuto e portanto

uma ordem sucessiva «de tomada em consideração«. Tratar-se-á então de uma fonte subsidiária

ou secundária? Será necessário reconhecer uma hierarquia entre as fontes visadas no artigo

38.º? Se numerosos autores sustentaram esta tese, foi porque tinham em mente a aplicação

dos princípios gerais de Direito pelo juiz ou pelo árbitro internacional com uma autorizaçãoconvencional. Mas vimos mais atrás que esta visão estreita das coisas não corresponde à

realidade: os tribunais internacionais aplicam sem hesitar os princípios gerais mesmo na

ausência de uma habilitação – o fenómeno é evidente no que respeita ao Tribunal de Justiça das

Comunidades Europeias, que não se contenta com as hipóteses de responsabilidade contratual

evocadas pelo artigo 215.º do Tratado de Roma na busca dos princípios gerais comuns aos

direitos dos Estados Membros, e os sujeitos de Direito Internacional invocam-nos fora de

qualquer contencioso. Em segundo lugar, admitir com Guggenheim que «a introdução dos

princípios gerais de direito, como fonte particular de direito das gentes, tem uma razão jurídico-

politica. Trata-se de estender o poder do juiz internacional restringindo o poder discricionário

dos sujeitos de Direito, poder baseado no princípio do Direito consuetudinário que reconhece aindependência dos Estados». Equivale a reconhecer a mesma eficácia tanto a um princípio geral

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de Direito como a um princípio consuetudinário. Não existe assim subordinação do primeiro ao

segundo.

2.º - A aplicação dos princípios gerais de Direito

Princípios comuns às ordens jurídicas nacionais:

1.º Só podem ser transpostos para a ordem jurídica internacional os princípios

comuns aos diferentes sistemas jurídicos nacionais. É necessário e suficiente que um princípio

interno na maior parte dos sistemas jurídicos, não em todos. Serão portanto afastados os

princípios próprios a este ou àquele país, assim como os que são aplicados apenas por «cetos

sistemas de Direito Interno». Será necessário recusar a priori certos sistemas jurídicos por não

corresponderem à ideia de «nações civilizadas», conforme a letra do artigo 38.º do Estatuto?

Esta fórmula, além de muito envelhecida, para não dizer obsoleta, é supérflua no caso doTribunal Internacional de Justiça. A composição deste Tribunal, baseada na «representação das

grandes formas de civilização e dos principais sistemas jurídicos do muno», é em si uma garantia:

pode-se admitir que a generalidade de um princípio de Direito interno está suficientemente

estabelecida se for considerada como tal por estes juízes.

2.º Se se pudesse admitir que, no quadro universal, a generalidade é suficiente, ser-

se-ia tentado a pensar que, tratando-se de relações num círculo restrito de Estados, a

unanimidade tende a impor-se. Este raciocínio, apoiado na analogia com a jurisprudência sobre

os costumes regionais, nem sempre se verificou.

Princípios transponíveis para a ordem jurídica internacional: nem todos os princípioscomuns aos sistemas jurídicos nacionais são aplicáveis na ordem internacional. Impõe-se para

mais que sejam transponíveis. Neste sentido, só podem sê-lo aqueles que sejam compatíveis

com as características fundamentais da ordem internacional; o que obriga o juiz ou o árbitro

internacional a um exame para cada caso. Para Anzilotti, o método básico do raciocínio é a

analogia. Mas não se trata de uma analogia cega, é necessário ter constantemente em conta as

diferenças de estruturas entre o Direito interno e o Direito Internacional. A ideia de

transponibilidade pode ter uma outra incidência: quando vários princípios gerais de Direito

estão em concorrência para a solução de um problema, parece lógico dar preferência àquele

que está melhor adaptado à ordem jurídica internacional em detrimento do que beneficia da

maior generalidade nas ordens jurídicas internas.

Os princípios gerais de Direito consagrados pela jurisprudência internacional : é difícil

elaborar uma sua lista exaustiva, pois os tribunais internacionais, quando aplicam um princípio

geral de Direito, adquiriram o hábito de não esclarecerem se tal princípio é daqueles previstos

pelo artigo 38.º, n.º1, alínea c) do Estatuto. Do mesmo modo, se a jurisprudência do Tribunal de

Justiça das Comunidades Europeias é muitas vezes explicitada pelas conclusões do advogado

geral, dá origem a frequentes hesitações entre a natureza costumeira e a qualificação de

princípio geral de direito a uma determinada regra… Podemos, de maneira pragmática,

distinguir algumas grandes categorias:

a) 

Princípios relacionados com o conceito geral de Direito:a.

 

 Abuso do direito e princípio da boa fé;

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255 

b. 

Ninguém pode impor o seu próprio erro;

c. 

Qualquer violação de um compromisso envolve a obrigação de reparar

o prejuízo sofrido;

d. 

Princípios de segurança jurídica e do respeito da confiança legítima.

b)  Princípios de caráter contratual transpostos para a matéria dos tratados:

a. 

Princípio do efeito útil ;b.

 

Princípios relativos aos vícios do consentimento e à interpretação;

c. 

Força maior ;

d. 

Prescrição liberatória, segundo a doutrina dominante.

c)  Princípios relativos ao contencioso da responsabilidade:

a. 

Princípio da reparação integral do prejuízo;

b. 

 Juros de mora;

c.  Exigência de um elo causa-efeito entre o facto gerador da

responsabilidade e o prejuízo sofrido.

d)  Princípios processuais contenciosos:

a. 

Força do caso julgado;b.  Ninguém pode ser juiz e parte em causa própria;

c.  Igualdade entre as parte;

d.  Respeito dos direitos da defesa.

e)  Princípios do respeito dos direitos do indivíduo:

a.  Proteção dos direitos fundamentais;

b.  Proteção específica dos direitos dos agentes públicos.

f)  Princípios incidindo sobre o regime dos atos jurídicos: além das implicações do

princípio da segurança jurídica, evocado mais atrás, pode-se salientar na

 jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias o recurso a

princípios relativos ao efeito intertemporal dos atos jurídicos, ao recesso dos

atoas administrativos criadores de direitos, ao «equilíbrio dos interesses em

presença».

Uma renovação dos princípios gerais de Direito?

1.º Nas matérias clássicas do Direito Internacional geral, envolvendo sobretudo as

relações interestatais, o lugar dos princípios gerais é pouco significativo e não pode deixar de

reduzir-se ainda mais: por um lado, em virtude da heterogeneidade crescente da sociedade

internacional pois na coexistência atual de Estados com regimes económicos e sociais

divergentes, de nível desigual de desenvolvimento, é mais difícil encontrar princípios comuns

aos Direitos nacionais com alcance universal. A reunificação ideológica do mundo pode todavia

inverter esta tendência. Por outro lado, como estes princípios constituem uma fonte transitória

e recessiva do Direito Internacional, a sua repetida aplicação transforma-os em normas

consuetudinárias. Os princípios não desaparecem, são mascarados por normas costumeiras

tendo o mesmo conteúdo.

2.º Em contrapartida, verificam-se novos apelos aos princípios gerais de Direito em

novos domínios das relações internacionais, em que os problemas têm de ser resolvidos sem

que se possam invocar precedentes internacionais. O recurso a princípios derivados dos Direitos

internos é tanto mais natural, quanto maior for nestes domínios a aproximação das situações

internacionais às que prevalecem no interior dos Estados. Observa-se isto, em especial, no

quadro das organizações internacionais. Os fatores de analogia multiplicam-se porque estas seinspiram em parte nos modelos estatais no que respeita às modalidades de exercício das suas

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competências, aos seus meios de ação e às suas regras de funcionamento (regulamentos das

assembleias parlamentares, Direito da função pública, Direito dos contratos). Esta aproximação

pode também observar-se nas relações entre pessoas provadas e sujeitos de Direito

Internacional, quer se trate de Direitos individuais em matéria contenciosa quer do regime dos

contratos transnacionais. 

Secção III  – A Equidade

Equidade e ordem jurídica internacional: ao reconhecer ao Tribunal Internacional de Justiça

a «faculdade» de decidir ex aequo et bono, o n.º2 do artigo 38.º do seu Estatuto introduz a

questão da equidade. Aparentemente existe uma contradição fundamental entre as estruturas

da sociedade internacional, apoiadas na soberania do Estado, e um poder tão exorbitante

concedido ao juiz. No entanto os Estados não hesitam em fazer referência a isso nos

instrumentos mais solenes, tendo em vista a resolução pacífica dos seus conflitos. Será porque

a equidade não teria em Direito Internacional o mesmo alcance que em Direito interno, ou

porque ela só pode ser aplicada com o acordo das soberanias em presença? Para clarificar a

resposta a esta questão, é necessário dissociar as hipóteses em que a equidade é aplicada pela

vontade expressa das partes e aquelas em que o recurso à equidade é justificado por

considerações de boa fé nas relações entre os sujeitos de Direito ou de boa administração da

 justiça, sem que seja exigido um consentimento expresso.

1.º - O recurso à equidade com o acordo das partes

As cláusulas de julgamento segundo a equidade: cláusulas especiais denominadas

cláusulas de julgamento segundo podem figurar nos compromissos pelos quais as partes

recorrem ao juiz ou árbitro, sobretudo naqueles relativos aos litígios de ordem territorial ou que

incidam sobre a responsabilidade. Mais frequentes no passado do que na época contemporânea,

nas relações interestatais, estas cláusulas são formuladas de modo diverso. Elas exigem aos

 juízes que decidam quer «de acordo com os princípios do direito e da equidade», quer «ex aequo

et bono». Esta última fórmula é a utilizada pelo artigo 38.º, n.º2 do Estatuto do Tribunal

Internacional de Justiça. Embora certos autores considerem que estas cláusulas diversas não

têm o mesmo alcance, não parece que haja lugar para a distinção entre elas. A solicitação para

resolver conflitos recorrendo, se necessário, à equidade continua a ser, em contrapartida, uma

prática corrente nos contratos «internacionalizados», concluídos por Estados com sociedades

estrangeiras. Evidentemente, quando está autorizado a decidir segundo a equidade, o juiz

poderá pelo menos recorrer à equidade para preencher as lacunas do direito, resultantes de

uma ausência total de regras aplicáveis. Indo mais longe poderá o juiz ou o árbitro, com base na

equidade, afastar a aplicação do direito positivo e, decidindo contra legem, elaborar a solução

do litígio independentemente das regras em vigor? Numerosos autores recusa aderir a esta tese

e consideram que nenhuma cláusula pode atribuir ao juiz poderes tão extensos e que deturpam

completamente a função jurisdicional. A posição que adotaria o Tribunal Internacional de Justiça

 – é necessário falar no condicional porque ainda nunca foi solicitado nestas condições – é difícilde prever. É certo que o Tribunal exigirá uma habilitação muito clara, no que se refere às partes,

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senão mesmo a referência expressa ao artigo 38.º, n.º2 do seu Estatuo. Segundo o Tribunal

Penal de Justiça Internacional o poder «de natureza absolutamente excecional que as partes lhe

concederiam «de estabelecer um regulamento que abstraísse dos direitos reconhecidos por ele

e só envolvesse considerações de pura oportunidade… deveria resultar de um texto positivo e

claro que não se encontra no compromisso»94. Mas adquirida esta base, o Tribunal parecia

admitir uma total liberdade de juízo sem referência ao direito positivo  –  e mesmo, nacircunstância, contra a autoridade de caso julgado. Da mesma maneira, o Tribunal Internacional

de Justiça admitiu o princípio de uma solução ex aequo et bono  no seu acórdão de 1966,

Sudoeste africado. A jurisprudência recente do Tribunal parece confirmar as indicações

anteriores: desde que a habilitação para decidir segundo a equidade não seja de uma evidência

solar, o Tribunal abster-se-á de proceder contra legem e mesmo de decidir praeter legem; se a

habilitação for indiscutível, o Tribunal «já não teria que aplicar estritamente regras jurídicas,

tendo por fim alcançar um regulamento adequado». Isto pode significar o exercício de um certo

poder discricionário e o recurso à «justiça distributiva». A fórmula adotada pelo Tribunal em

1982 mostra bem que aqui a equidade não é uma fonte de direito, mas um sistema de referência

de uma resolução jurisdicional dos conflitos internacionais. Quando a equidade substitui oDireito, não parece nada lógico considera-la uma fonte de Direito Internacional. Não se tornará

então difícil distinguir a equidade e a noção de composição conciliadora? Mesmo admitindo-se

que o poder de decidir ex aequo et bono  não e confunde com a ideia de decidir

«equitativamente», que vai mais além, é certo que a equidade «procede diretamente da ideia

de justiça», ao passo que a composição conciliadora pode fazer prevalecer considerações de

conveniência e de oportunidade.

A remissão do Direito convencional para a equidade : não fazendo da equidade o motor

da resolução de conflitos, os Estados preferem fazer dela um guia para a aplicação do Direito.

Basta-lhes remeter para a equidade ou para «princípios equitativos» na definição convencional

das normas ou instituições jurídicas. De simples «faculdade», o recurso à equidade torna-se umaobrigação jurídica e a equidade identifica-se com a regra de Direito. Ela aplica-se agora

normalmente, de modo direto e não já a titulo supletivo. Mas o que ela ganha em

automaticidade, não o perderá no alcance jurídico? Com efeito, se é uma fonte de Direito, não

passa de uma fonte indireta e derivada. Este tipo de remissões convencionais é cada vez mais

frequente. A divisibilidade das cláusulas de um acordo é aceitável, quando algumas delas

incorrem em nulidade, na condição de que não seja «injusto continuar a executar o que subsiste

do tratado», segundo o artigo 44.º, n.º3, alínea c) CVDT. Será que a referência expressa a

«princípios equitativos» modifica de maneira sensível a solução jurisdicional ou amigável dos

conflitos? A resposta deve, de momento, ser procurada por analogia com as soluções obtidas as

hipóteses em que se faz apelo à equidade sem o acordo expresso das partes.

2.º - O recurso à equidade sem o acordo expresso das partes

Uma presunção de equidade? De uma maneira geral, a equidade é uma «qualidade do

direito» que impregna todas as regras do Direito Internacional. Nesta qualidade, ela impõe em

grande medida qualquer interpretação das normas internacionais. Por conseguinte e por

definição, não permite afastar a aplicação de regras de Direito. O Tribunal Internacional de

94 Disposição de 6 de dezembro 1930, Zonas francas, série A, n.º 24, p. 10

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Justiça confirmou este ponto de vista de maneira muito clara no caso da Plataforma Continental

do Mar do Norte: «Qualquer que seja o raciocínio jurídico do juiz, as suas decisões devem por

definição ser justas, portanto, nesse sentido, equitativas». Encontra-se outra ilustração disso no

comentário de um projeto de artigos da Comissão de Direito Internacional: «De facto, o princípio

da equidade é mais um fator de equilíbrio, um elemento corretivo destinado a preservar o

caráter racional do elo de ligação entre os bens móveis do Estado e o território. A equidadepermite interpretar da maneira mais judiciosa a noção de «bens… ligados à atividade do Estado

predecessor em relação ao território…» e dar-lhe um sentido aceitável. Deverá chegar-se até à

correção das regras de Direito quando a sua aplicação conduz a um resultado contrário ao

sentimento de justiça? Admitir que considerações de equidade podem levar a afastar as regras

de Direito seria contrário ao princípio elementar da segurança jurídica. Tais considerações

podem certamente inspirar reivindicações políticas que, por sua vez, podem estar na origem de

novas normas jurídicas, mas a equidade só pode substituir o Direito positivo se as partes em

litígio o consentirem.

Remissão do Direito consuetudinário ou de princípios gerais de Direito para a

equidade:

1.º Ilustrações da hipótese: no caso da Plataforma Continental do Mar do Norte, o

Tribunal Internacional de Justiça decidiu que, segundo uma regra consuetudinária cuja

existência verificou, a delimitação da plataforma continental entre Estados deve efetuar-se por

acordo segundo princípios equitativos. Pouco depois, sempre uma base consuetudinária,

considerava que as partes têm a obrigação mútua de encetar negociações de boa fé para

chegarem à solução equitativa das suas divergências relativas aos direitos de pesca respetivos.

Está assente em particular que, se o Direito Internacional comporta regras bastante exatas sobre

as condições de atribuição da responsabilidade internacional, não é explicito sobre a fixação do

montante da indemnização. Nestas condições, os juízes e os árbitros são frequentementelevados a proceder a uma avaliação equitativa do montante das indemnizações devidas. O

Tribunal Internacional de Justiça aprovou esta atitude. Como na hipótese da remissão à

equidade pelo Direito Convencional existe aqui obrigação jurídica de recorrer à equidade; e a

equidade, identificando-se com a regra de direito, é uma fonte de Direito.

2.º Natureza jurídica desta equidade “complementar”: os pareceres encontram-se

divididos. Para uns, representa princípios de justiça que não devem confundir-se com o Direito.

Para outros, em tais circunstâncias, os princípios da equidade aplicáveis são verdadeiros

princípios de Direito. A segunda posição está mais de harmonia com as conclusões a que se

chegou a propósito da remissão convencional para a equidade. Ela é corroborada pela

 jurisprudência recente do Tribunal Internacional de Justiça no caso da Plataforma Continental

Tunísia-Líbia: «A noção jurídica de equidade é um princípio geral diretamente aplicável

enquanto direito - … (O Tribunal) deve aplicar os princípios equitativos como parte integrante

do Direito Internacional e pesar cuidadosamente as diversas considerações que julgar

pertinentes, de maneira a conseguir um resultado equitativo». A equidade é portanto pelo

menos o fundamento formal de regras internacionais; por vezes é a própria substância destas

regras, em especial através dos «princípios equitativos» do Direito do mar contemporâneo.

Reencontra-se então a dualidade de natureza observada a propósito da norma convencional e

da norma consuetudinária. Todavia, será preciso ver-se na equidade uma fonte autónoma de

Direito? Não parece necessário chegar tão longe enquanto a equidade não constituir a própria

substância da norma internacional. Devendo o Direito positivo e a equidade completar-sereciprocamente, podemos considerar a regra da equidade, não como uma regra acessória, um

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Capítulo II  – Os modos de formação voluntários 

Observações gerais: ao lado dos atos concertados convencionais, cujo lugar notável no Direito

Internacional contemporâneo já foi sublinhado, a prática e a jurisprudência internacional

reconhecem a existência de outras categorias de instrumentos jurídicos e a sua contribuição

para a formação do Direito Internacional. Atos jurídicos que se distinguem dos tratados seja pelo

seu caráter unilateral, seja pela sua autonomia em relação ao Direito dos Tratados. Apesar da

sua diversidade formal, os atos aqui estudados têm uma característica comum: trata-se sempre

de uma expressão de vontade num sujeito do Direito Internacional, tendente a criar efeitos de

Direito. Todavia, como são difíceis de relacionar com fontes formais tradicionais de Direito

Internacional, visto a sua «normatividade» ser muitas contestada, estes instrumento estão no

centro de uma controvérsia sobre o seu verdadeiro papel na elaboração do Direito. Apesar de

todas estas ambiguidades, é necessário estudá-los aqui na medida em que é contestada a sua

integração nas fontes do Direito Internacional. Convém igualmente manter a distinção entre

atos unilaterais e atos concertados, pois a sua oponibilidade aos sujeitos de Direito põe-se emtermos diferentes, o que não pode deixar de influir no seu papel na elaboração do Direito

Internacional.

Secção I  – Os atos unilaterais

Definição de ato unilateral: por ato unilateral deve entender-se o ato imputável a um único

sujeito de Direito Internacional. O crescimento espetacular desta categoria de atos está

evidentemente relacionado com a multiplicação de sujeitos de Direito. Durante muito tempo

limitada aos atos unilaterais dos Estados, compreende agora a massa impressionante dos atos

provenientes de organizações internacionais. Num mundo de coexistência das soberanias

estatais, os atos das organizações relançam a controvérsia sobre o alcance jurídico e a

oponibilidade dos atos unilaterais aos Estados. A propósito dos atos estatais, os raciocínios que

se apoiam no princípio da soberania, não podem ser pura e simplesmente transpostos para o

caso dos atos das organizações internacionais: é preciso ter em conta a competência limitada

das organizações e o facto de que estes atos atingem os Estados ora como membros da

organização («atos autonormativos»), ora como sujeitos autónomos («autos

heteronormativos»); a oponibilidade dos atos unilaterais das organizações depende de um jogo

de elementos mais complexos do que na hipótese dos atos unilaterais.

1.º - Os atos unilaterais dos Estados

A – Noção

Consagração dos atos unilaterais estatais pelo Direito Internacional : embora o artigo38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça não lhe faça menção, a exist~encia de atos

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262 

3.º  A exigência de autonomia do ato unilateral, admitida pelos partidários da

conceção restrita, acaba por restringir sensivelmente o número dos atos unilaterais estatais.

Desde que nos coloquemos não tanto na perspetiva das fontes formais do Direito quanto na da

formação do Direito Internacional, a exigência de autonomia já não constitui um critério

necessário de delimitação dos atos unilaterais. Renunciar-se-á a esse critério tanto mais

facilmente quanto é certo ele não possuir o rigor desejável, visto que os autores que lhe sãofavoráveis não estão de acordo entre si quanto à lista dos atos unilaterais que respondem à

exigência de autonomia.

Conceção lata: os atos unilaterais ligados a uma prescrição convencional ou

consuetudinária: como acabamos de dizer, nenhuma objeção séria pode contrapor-se a uma

definição lata da categoria dos atos unilaterais, se não se nos colocarmos no terreno das fontes

de Direito. Com efeito, os atos unilaterais estatais desempenham um papel decisivo para a

elaboração e a aplicação do Direito Convencional e Consuetudinário.

1.º A competência do Estado para realizar certos atos é-lhe muitas vezes conferida

por um acordo no qual é parte. Assim acontece na adesão ao tratado, na denúncia ou no recessoregulamentados, e nas reservas a este tratado. Da mesma maneira, por declaração unilateral

baseada no artigo 36.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, os Estados podem

aceitar a jurisdição obrigatória do Tribunal. Esta aceitação permitir-lhes-á solicitar

unilateralmente o Tribunal Internacional de Justiça nos diferendos que os oponham a outros

Estados que tenham dado o mesmo acordo. Podem multiplicar-se os exemplos de tais

solicitações. A combinação de um tratado e de um ou vários atos unilaterais é uma solução

corrente. Ela contribuirá para completar o compromisso convencional evitando consagrar,

abertamente, as discriminações entre as partes. A convergência do ato convencional e do ato

unilateral pode também visar a confirmação do caráter objetivo e oponível a todos do tratado

em causa: a declaração substitui neste caso a adesão formal. Alem disso o ato unilateralprolongará os efeitos no tempo do ato convencional. É um processo frequentemente utilizado

para os acordos de controlo dos armamentos estratégicos: este método permite conciliar a

vontade dos Estados de só tomarem compromissos experimentais e a curto prazo, e a sua

preocupação de não criarem soluções de continuidade quando a negociação do novo acordo se

arrasta muito. Um ato unilateral do Estado pode também dar «existência jurídica» ao conteúdo

de um tratado que não está em vigor, ou porque já o deixou de estar, ou por não o estar ainda.

2.º  As relações entre o costume e os atos unilaterais são igualmente muito

numerosas. Os atos unilaterais podem fornecer precedentes constitutivos de regras

consuetudinários; são também a consequência de regras costumeiras habilitando os Estados a

exercer certas competências. É em virtude de um costume, ele próprio derivado do princípio da

soberania do Estado, que este pode  –  de maneira unilateral  –  regulamentar a outorga da

nacionalidade e distinguir entre os seus nacionais e os estrangeiros, ou determinar a largura do

seu mar territorial e delimitá-la. Na condição de respeitar os limites fixados pelas regas

costumeiras pertinentes, a decisão do Estado é oponível aos outros sujeitos de Direito.

3.º Cada vez com mais frequência, os atos unilaterais dos Estados incidem sobre o

conteúdo de resoluções de organizações internacionais. Quer façam uso de uma habilitação

fornecida por tais resoluções, quer se comprometam a respeitar as suas prescrições. Tais

compromissos unilaterais transformam uma recomendação em ato obrigatório se forem

expressos antecipadamente, e tornam uma recomendação oponível aos Estados que aaceitarem após a sua adoção. Pouco importa, a este respeito, que se trate de um Estado membro

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263 

ou de um Estado não membro pois não é já o Direito próprio da organização internacional que

está em causa.

B – Alcance Jurídico

Os atos autonormativos:

1.º  Não há dúvidas de que os Estados podem impor a si próprios obrigações ou

exercer unilateralmente direitos nos limites admitidos pelo Direito Internacional geral . O

Tribunal Internacional de Justiça afirmou-o sem ambiguidades no caso dos Ensaios nucleares:

«É sabido que declarações revestindo a forma de atos unilaterais e relativas a situações de

Direito ou de facto podem criar obrigações jurídicas. Quando o autor da declaração pretende

vincular-se nestes termos, esta intenção confere à sua tomada de posição o caráter de um

compromisso jurídico, ficando doravante o Estado em causa obrigado a seguir uma linha deconduta conforme à sua declaração. Um compromisso desta natureza, expresso publicamente

e com a intenção de se vincular, tem um efeito obrigatório, mesmo fora do quadro das

negociações internacionais».

2.º Se a jurisprudência do Tribunal é clara quanto ao princípio do efeito obrigatório

do ato unilateral válido, dá lugar a incertezas quanto ao regime jurídico desse mesmo ato. Quais

são os princípios a aplicar para a interpretação do conteúdo do compromisso unilateral?

Segundo o Tribunal Internacional de Justiça, no caso dos Ensaios nucleares, o alcance do

compromisso depende das circunstâncias e dos termos utilizados. A interpretação da vontade

do Estado deve ser prudente, porque «as limitações à independência não se presumem». Um

dos aspetos mais delicados da questão é saber se o compromisso é irreversível, se o Estado não

pode voltar atrás. Não existem normas ou atos jurídicos «perpétuos», mas a transformação dos

atos jurídico internacionais está rodeada por certas garantias. Do mesmo modo, para os atos

unilaterais, é necessário admitir uma «faculdade de arrependimento», mas o seu exercício não

pode ser deixado ao livre arbítrio do Estado: reconhecer aos Estados o direito discricionário de

se libertarem das obrigações resultantes dos seus próprios compromissos, seria menosprezar os

direitos conseguidos pelos outros Estados através destes compromissos e violar gravemente a

segurança jurídica. Temos de admitir que um Estado só pode desligar-se das obrigações

resultantes de atos unilaterais recorrendo aos processos habituais de resolução pacífica de

conflitos. Em última análise por-se-á o problema da obrigação de negociar de boa fé. Sustentou-

se durante muito tempo que as condições de validade e de licitude do ato estatal unilateralapresentavam características inéditas em relação às aplicáveis aos tratados. Na realidade

existem numerosos aspetos comuns. O ato unilateral deve respeitar a hierarquia das normas,

quando ela existe (ius cogens, atos sucessivos com identidade de pates), assim como o princípio

de licitude do fim e do objeto do ato; também não deve incorrer em vícios de consentimento.

O que é mais específico nos tos unilaterais é a tendência contemporânea para «encobrir» os

pretensos vícios destes pela sua compatibilidade comas resoluções de organizações

internacionais. O problema fica então deslocado: conforme a adoção de tais resoluções tenha

ou não modificado a hierarquia das normas em vigor, assim os atos unilaterais poderão ser

 julgados legítimos ou não. O problema merce ser posto mais para os atos heteronormativos do

que para os atos autonormativos.

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264 

Os atos «heteronormativos»: nos atos da categoria precedente podem já observar-se atos

heteronormativos, na medida em que criam direitos em proveito de outros sujeitos de Direito.

Mas este caráter heteronormativo é muito mais acentuado quando, por um ato unilateral, o

Estado pretende impor obrigações a sujeitos autónomos. O princípio, evidentemente, é que os

atos unilaterais do Estado não são oponíveis aos outros Estados sem o consentimento destes,

não podendo existir entre entidades soberanas relações de subordinação; estas também nãosão oponíveis, aliás, às organizações internacionais, mas este aspeto da questão não será

desenvolvido aqui. A regra geral tem, não obstante, dois limites. Por um lado, um Estado pode,

unilateralmente, impor obrigações aos outros Estados, sem que seja necessário o

reconhecimento expresso destes, quando, ao fazê-lo, se limitar a exercer competências

estabelecidas por regras convencionais ou consuetudinárias. Poder-se-ão aproximar desta

hipótese as situações em que um Estado, para justificar o seu comportamento unilateral, se

apoia em resoluções de organizações internacionais? Os tribunais nacionais serão reticentes em

admitir a oponibilidade do ato unilateral do Estado terceiro na sua ordem jurídica interna; mas

esta reticência nem sempre tem incidência porque muitas vezes recusam tirar daí

consequências práticas, concedendo ao Estado terceiro o privilégio da imunidade jurisdicional.Por outro lado, pode suceder que um Estado esteja em condições de agir como representante

ou «mandatário» da comunidade internacional: a ilustração clássica desta situação é fornecida

pela gestão da navegação nos canais internacionais ou em certos estreitos. As disciplinas

impostas aos Estados terceiros com este fundamento pressupõem uma aceitação expressa ou

implícita da sua parte, muitas vezes difícil de obter.

1.º - Os atos unilaterais dos Estados

Observações gerais: os órgãos das organizações internacionais podem adotar «resoluções»,

«recomendações» e «decisões», emitir «pareceres consultivos», redigir «acórdãos» ou proferir

«sentenças». A característica comum destes atos é serem atos unilaterais das organizações

internacionais. Para além desta constatação, a incerteza terminológica e a ambiguidade

conceitual são a regra. Os estatutos das organizações nem sempre definem o alcance dos

diferentes atos adotados pelos seus órgãos ou atribuem-lhes um alcance variável. Quando

procedem a um esforço de classificação nem por isso excluem a adoção de outros atos jurídicos

que não sejam os enunciados na nomenclatura fundamental. Este laxismo terminológico é ainda

agravado pelo comportamento dos órgãos, na sua prática quotidiana. Assim, a Assembleia Geral

das Nações Unidas batiza algumas das suas resoluções, por exemplo, «declaração», «carta»,«programa» sem procurar especificar a sua natureza. A falta de rigor na denominação de tais

atos é favorecida pelo facto de, muitas vezes, ser o mesmo processo de adoção que se aplica

aos diversos atos. Apesar da dificuldade das práticas e dos textos, e à custa de uma

arbitrariedade sobretudo pedagógica, é possível dar um sentido genérico às denominações mais

frequentes, distinguindo os atos dos órgãos não jurisdicionais daqueles dos órgãos jurisdicionais.

A partir da definição da «recomendação» proposta em 1956 por M. Virally: «resolução de um

órgão internacional dirigida a um ou vários destinatários (e implicando) um convite à adoção de

um determinado comportamento, ação ou abstenção», o termo «decisão» será reservado aos

atos unilaterais obrigatórios e o termo «resolução» englobará as duas categorias precedentes,

visando portanto qualquer ato emanado de um órgão coletivo de uma organização internacional.A distinção é cómoda mas nem sempre é de fácil utilização. Com efeito, pressupõe, que o ato

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265 

tenha os mesmos efeitos em todos os seus elementos e em relação a todos os seus destinatários,

o que não se verifica necessariamente. Além disso, esta distinção abstrai dos comportamentos

dos Estados, em especial da sua aceitação expressa da resolução, que modifica os seus efeitos.

Existem numerosos exemplos de resoluções aceites. As resoluções adotadas nestas condições

 já não são simples recomendações, mas verdadeiros atos jurídicos, dando a organização um

conteúdo à vontade do Estado expressa previamente. As mesmas considerações valem se orequerente de um parecer consultivo estiver de acordo a priori  em aceitá-lo. Observar-se-á que

a resolução não coincide com a noção de ato unilateral não jurisdicional. Esta categoria de atos

é mais ampla, compreende igualmente o conjunto dos atos adotados pelos órgãos compostos

por agentes internacionais (Secretariados, Comissão Europeia). Para os atos dos órgãos

 jurisdicionais, a distinção entre «acórdão» (ou «sentença») e «parecer consultivo» é comparável

mutatis mutandis, à existente entre decisão e recomendação. Se tivermos de deter-nos um

pouco mais nestas questões de terminologia, é porque elas têm uma incidência no alcance

 jurídico dos atos unilaterais das organizações.

A – As Decisões

Definição: no sentido técnico, a decisão é um ato unilateral «com força obrigatória geral», isto

é, um ato emanado de uma manifestação de vontade de uma organização, imputável portanto

a esta, e que cria obrigações a cargo do seu ou dos seus destinatários. É efetivamente um ato

 jurídico internacional. Somente um ato de um órgão internacional que tem tais efeitos merece

esta qualificação. Será, em princípio, o caso de uma decisão do Conselho de Segurança das

Nações Unidas adotada conforme o artigo 25.º da Carta, pois o termo «decisão» é aqui

entendido no seu sentido técnico. Em contrapartida, o ato adotado em virtude de outrasdisposições da Carta e qualificado como decisão, pode ser na realidade uma recomendação: o

termo «decisão» é neste caso tomado no sentido corrente e visa um ato destinado a concluir

uma discussão ou uma deliberação. O Tribunal Internacional de Justiça reconhece, a propósito

do artigo 18.º da Carta, que elas «compreendem com efeito certas recomendações» 95  da

Assembleia. Noutros casos, não será admitida a hesitação. Segundo o artigo 189.º do Tratado

instituindo a Comunidade Europeia:

«Para o cumprimento da sua missão e nas condições previstas no presente Tratado,

o Parlamento Europeu conjuntamente com o Conselho, o Conselho e a Comissão deliberam

regulamentos e diretivas, tomam decisões e formulam recomendações ou pareceres. 

«O regulamento tem um alcance genérico. É obrigatório em todos os elementos e

diretamente aplicável em qualquer Estado membro.

« A diretiva vincula qualquer Estado membro destinatário quanto aos resultados a

atingir, deixando embora às instâncias a competência simultaneamente quanto à forma e aos

meios. 

« A decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que ela

designa…».

95 Parecer de 1962, Certas despesas, Rec., 1962, p. 163.

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Mas mesmo nas situações aparentemente mais simples – decisões do Conselho de

Segurança em virtude dos artigos 24.º e 25.º, atos das Comunidades Europeias  –  surgiram

dificuldades para determinar se este ou aquele ato tinha de facto um caráter decisório. Da

 jurisprudência do Tribunal de Justiça Internacional, como da do Tribunal do Luxemburgo, resulta

muito claramente que a denominação adotada por um órgão não é uma indicação decisiva e

que o Tribunal pode sempre requalificar um ato, fundamentando-se em critérios objetivos: «Énecessário analisar cuidadosamente o teor de uma resolução do Conselho de Segurança antes

de poder provar o seu efeito obrigatório. Considerando o caráter dos poderes derivados do

artigo 25.º, convém determinar um cada caso se estes poderes foram de facto exercidos, tendo

em conta os termos da resolução a interpretar, os debates que precederam a sua adoção, as

disposições da Carta invocadas e, em geral, todos os elementos que poderiam ajudar a

determinar as consequências jurídicas da resolução do Conselho de Segurança». Além disso,

certas resoluções, que são indiscutivelmente decisões, podem ter um caráter simplesmente

permissivo do Conselho de Segurança que «autoriza os Estados Membros (…) a utilizar todos os

meios necessários» para fazer respeitar as suas resoluções anteriores, legitimando assim o

recurso à força armada contra o Iraque que, na ausência de uma tal decisão, teria sido ilícita.Como para os atos unilaterais, podem opor-se os atos autonormativos aos heteronormativos.

Os primeiros dirigem-se à própria organização ou aos Estados como elementos da organização

e submetidos ao seu Direito próprio; os segundos dirigem-se a sujeitos de Direito autónomos

face à organização (outras organizações, Estados Membros ou não membros). Certos atos

unilaterais das organizações são ao mesmo tempo auto e heteronormativos: é em especial o

caso da resolução pela qual o orçamento é adotado nas organizações financiadas por

contribuições estatais, e é a hipótese mais frequente para os atos das Comunidades Europeias.

Sob estas reservas, o exame dos efeitos de cada resolução permite, regra geral, avaliar os seus

efeitos «internos» e «externos» e deduzir a sua qualificação mais pertinente.

Os atos autonormativos: de maneira explícita ou implícita, todas as organizaçõesinternacionais recebem os poderes de decisão necessários para atingir os objetivos fixados pela

sua carta constitutiva, garanti a continuidade do seu funcionamento e permitir a sua adaptação

às alterações de circunstâncias ou de situações internacionais. O direito de adotar atos

obrigatórios é vasto e mais firme quando se trata de assegurar à organização um bom

funcionamento interno e a eficácia dos seus processos, do que nas hipóteses em que se procura

uma participação efetiva da organização nas relações internacionais.

1.º As decisões ligadas ao funcionamento da organização: algumas apresentam um

alcance individual: nomeação dos agentes da organização e dos juízes dos tribunais

internacionais ligados às organizações, criação de órgãos subsidiários, medidas financeiras, etc.

Outras decisões constituem verdadeiros atos normativos de alcance geral: regulamentação

interna dos diferentes órgãos (artigos 21.º e 30.º da Carta das Nações Unidas para a Assembleia

Geral e o Conselho de Segurança), regulamentos financeiros, estatuto dos agentes, estatuto dos

órgãos subsidiários. Esta competência de auto regulamentação pode estender-se até um

verdadeiro direito de «autodeterminação» limitado. Excecionalmente, uma organização pode,

com efeito, emendar as regras básicas formuladas pela sua carta constitutiva, sem o acordo

individual dos Estados membros e com efeito obrigatório para estes. Um poder tão exorbitante

está, como é natural, solidamente enquadrado e são dadas garantias processuais aos Estados

membros: é o caso do alargamento do domínio de ação da Comunidade Europeia em virtude do

artigo 235.º do Tratado de Roma de 1957. Estas decisões são atos jurídicos internacionais e,

nessa qualidade, vinculam os órgãos que as adotaram. A jurisprudência internacional é muito

firme neste ponto. A distinção dos atos segundo o seu alcance individual ou geral é mais

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importante no Direito das organizações internacionais do que nas relações interestatais. Dirige

em parte a aplicação do princípio da hierarquia das fontes, princípio que encontra melhor

aplicação num quadro institucionalizado. Assim, os agentes das Nações Unidas estão

submetidos a um Estatuto, estabelecido pela Assembleia Geral, e ao Regulamento emanado  – 

em execução do primeiro  – do Secretário Geral da Organização das Nações Unidas. A base da

pirâmide normativa é constituída por decisões individuais de aplicação. Como têm efeitoobrigatório para os órgãos da organização e para os Estados membros, as decisões são adotadas

segundo processos muitas vezes complexos destinados a fazer respeitar certos equilíbrios

políticos. A Carta das Nações fornece disso várias ilustrações. O artigo 97.º estabelece que o

Secretário Geral é «nomeado pela Assembleia Geral mediante recomendação do Conselho de

Segurança»; os juízes do Tribunal Internacional de Justiça são eleitos após escrutínios separados

da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança, por maioria absoluta de votos (artigo 4.º a

12.º do Estatuto anexo à Carta). A admissão de um Estado nas Nações Unidas realiza-se através

de uma decisão da Assembleia Geral por recomendação do Conselho de Segurança (artigo 4.º,

n.º1 Carta). Da mesma maneira, no âmbito das Comunidades Europeias, o Conselho de Ministros

só pode, em princípio, adotar um ato decisório sob proposta da Comissão. A «recomendação»do Conselho de Segurança, a «proposta» da Comissão, não são em si próprias atos criadores de

normas, mas  –  como atos-condições  –  não são desprovidos de efeitos jurídicos; a sua falta

constitui um vício de processo suficiente para obter a anulação ou a inoponibilidade do ato

unilateral da organização.

2.º  As decisões que regem as atividades «externas» da organização: uma

organização internacional pode comprometer-se, por atos unilaterais, a adotar certos

comportamentos face a Estados, a outras organizações ou mesmo, a pessoas privadas, na

execução da sua própria política. Assim, sucede em certos compromissos unilaterais das

atividades das organizações, e no anúncio da política seguida pela organização a respeito dos

Estados ou nos compromissos tomados a respeito dos indivíduos. Assumirá a organização umverdadeiro compromisso, quando ela pode, respeitando certos procedimentos, adotar um ato

contrário? Como os atos estatais unilaterais, que também não é impossível ignorar, as referidas

decisões são verdadeiros atos jurídicos: com efeito, determinam a legalidade ou a oponibilidade

das medidas de aplicação da organização enquanto uma nova decisão contrária não tiver

substituído a antiga pelo processo previsto pelo tratado constitutivo ou por decisões gerais

sobre o funcionamento da organização.

Os atos heteronormativos das Nações Unidas: as organizações da «família das Nações

Unidas» podem também criar diretamente obrigações a cargo dos Estados membros, mas

excecionalmente a cargo de outras organizações ou dos indivíduos. Elas dispõem assim dos

meios mais eficazes para exercer as suas funções de unificação ou de integração.

1.º Campo de aplicação: certas decisões têm um alcance individual. É o caso, em

primeiro lugar, das sentenças dos tribunais internacionais. Em virtude da autoridade do caso

 julgado, estas sentenças são incontestáveis atos jurídicos. Trata-se, em segundo lugar, das

decisões da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança: decisões de admissão da Organização

das Nações Unidas (ou numa instituição especializada), da constatação de uma situação ou de

uma medida de sanção (artigo 25.º Carta). No caso da Namíbia, considerava uma solução geral:

«Ela (a Assembleia) não resolveu assim factos mas descreveu uma situação jurídica. Seria, com

efeito, inexato supor que, pelo facto de possuir em princípio o poder de fazer recomendações, a

 Assembleia Geral esteja impedida de adotar, em casos determinados dependendo da suacompetência, resoluções tendo o caráter de decisões ou procedendo de uma intenção de

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execução». Este dictum chama a atenção para certas particularidades do regime das decisões

unilaterais da Organização das Nações Unidas. A sua oponibilidade aos Estados destinatários e

mesmo a sua validade estão condicionadas, em primeiro lugar, pela extensão das competências

reconhecidas ao órgão que adota estas decisões; depende também de uma eventual aceitação

dos Estados destinatários. O poder de decidir, atribuído pela Carta ao Conselho de Segurança

no exercício da sua função de manutenção e de restabelecimento da paz, é prenhe deconsequências mais o seu uso foi, durante muito tempo, excecional. É a primeira vez, na História

da humanidade, que um órgão político, à escala universal, tem o direito de impor os seus pontos

de vista a Estados soberanos no domínio mais importante das relações internacionais. Quando

exerce este poder de natureza «executiva», surge de facto como uma «autoridade pública

internacional»: o poder de decisão que o artigo 25.º da Carta reconhece ao Conselho de

Segurança não se limita ao exercício das competências previstas pelo capítulo VII da Carta, mas

a todas as medidas julgadas oportunas para a manutenção da paz. Embora a Assembleia Geral

não tenha, em princípio, competência para adotar decisões empenhativas para os Estados

membros. As organizações podem também usar o seu poder regulamentar para adotar decisões

de alcance geral que interessem os Estados. Um tal poder é atentatório para as soberaniasnacionais; não devemos, portanto, surpreender-nos se fica a maior parte das vezes encerrado

em limites estreitos e se aplica apenas a problemas técnicos As instituições especializadas são

os seus principais beneficiários. Pode-se aproximar desta hipótese a competência de auto

emenda da sua Carta de que dispõem certas organizações. A maior parte das vezes, «a decisão»

da organização não será, todavia, senão uma mera etapa, necessária mas não suficiente, para

obter a revisão do tratado constitutivo; é portanto quando muito um ato-condição num

processo complexo de alteração de um tratado.

2.º  Aplicação das decisões das organizações: os progressos realizados com a

atribuição às organizações internacionais de um poder de decisão «autoritário» não têm, a

maior parte das vezes, o necessário prolongamento para o estado de controlo do respeito dosatos obrigatórios destas organizações. A sua aplicação depende ainda, no essencial, da

cooperação interestatal e das intervenções dos órgãos administrativos e jurisdicionais nacionais.

Na ordem internacional, a aplicação das decisões das organizações internacionais depende em

primeiro lugar da validade e do alcance intrínseco das resoluções: estas questões são reguladas

quer pelo Direito interno da organização (quanto à oponibilidade aos Estados membros) quer

pelo Direito Internacional Geral (os Estados não membros da organização podem

excecionalmente ser atingidos pelas suas decisões). Estas decisões em princípio só interessam

os Estados não membros em dois casos: quando as aceitaram ou quando estabelecem situações

«objetivas» e portanto oponíveis a todos. Por isso a afirmação perentória do Tribunal

Internacional de Justiça, segundo a qual a declaração de uma situação ilegal do Conselho deSegurança das Nações Unidas é oponível aos Estados não membros, foi fortemente contestada.

A aplicação das decisões pode estar comprometida em caso de conflito entre estas decisões e

normas consuetudinários ou convencionais.96 Se for uma norma consuetudinária a ser invocada

em oposição a uma decisão é necessário saber se o costume é anterior ou posterior à decisão.

Se é posterior, ela prevalece e a decisão já não é oponível (sob reserva de que pode ser difícil

apresentar a prova do aparecimento de um costume contrário aos desejos das organizações).

Se o costume for anterior, e a decisão não puder ser considerada como a expressão de um

96 Sobre o conflito normas convencionais/decisões das organizações ver Extinção e Suspensão dosTratados, Extinção e Suspensão do Tratado pela vontade das partes, Vontade posterior daspartes, Vontade Tácita 

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costume novo, a decisão é oponível entre Estados membros da organização, mas inoponível nas

relações com os Estados terceiros. Por consequência, em termos de responsabilidade, o Estado

membro que aplica a decisão não pode ver a sua responsabilidade comprometida nas relações

com outro Estado membro; ao passo que a sua responsabilidade estaria comprometida pela

mesma atitude nas suas relações com um Estado não membro. A aplicação das sentenças dos

tribunais internacionais é facilitada pelo princípio da autoridade do caso julgado. Mas, face à mávontade de um Estado, as técnicas institucionalizadas correm o risco de ter uma eficácia limitada.

Na ordem jurídica interna, os tribunais nacionais mostram-se embaraçados quando lhes é

solicitado que apliquem decisões das organizações internacionais. À sua jurisprudência falta

coerência. Com bastante frequência os tribunais internos evitarão pronunciar-se diretamente

sobre o valor jurídico destes atos: sem negar abertamente o seu alcance obrigatório, eles

encontrarão subterfúgios processuais para não terem de os toma em consideração. Os tribunais

nacionais mostram menos reserva quando as constituições locais incorporam os princípios das

convenções internacionais com base nas quais certas organizações apoiam a sua prática: assim

sucede com a jurisprudência dos tribunais alemães e austríacos em matéria de direitos do

homem, que faz referência Às «decisões» da Comissão e do Tribunal Europeu dos Direitos doHomem.

B – As Recomendações

Definição: a recomendação é um ato que emana, em princípio, de um órgão

intergovernamental e que propõe aos seus destinatários um determinado comportamento.

Esta definição aplica-se igualmente ao «parecer» de um órgão internacional. Contudo,

considera-se por vezes que os pareceres constituem o aspeto mais elementar da atividade dasorganizações internacionais que, formulando-os, se limitariam a exprimir uma opinião. A prática

das organizações é demasiado flexível para confirmar tal opinião. O domínio da recomendação

é tão diversificado como as finalidades reconhecidas às organizações internacionais

contemporâneas. Os destinatários destas recomendações são em primeiro lugar os Estados,

membros ou não membros da organização, e os órgãos de uma mesma organização; são

também outras organizações internacionais quando existe um princípio de hierarquia entre elas

(coordenação das suas atividades); podem ser por vezes particulares ou empresas. Esta

diversidade de utilização da recomendação explica que o seu alcance jurídico possa variar e que,

mesmo quando não tem força obrigatória, a sua contribuição para a elaboração do Direito

mantém-se importante.

Alcance jurídico da recomendação: a falta de força obrigatória : a recomendação é um

ato jurídico desprovido de efeitos obrigatórios. O sentido jurídico do termo coincide com o seu

sentido corrente. Os seus destinatários não são obrigados a submeterem-se-lhe e não cometem

infração no caso de não a respeitarem.

1.º  Em relação aos Estados, membros ou não da organização, o poder de

recomendação está inteiramente adequado à função de coordenação: qualquer recomendação

só se torna obrigatória após aceitação expressa ou tácita. Por conseguinte, diga o que disser

uma parte da doutrina, a adoção de uma recomendação por um órgão de uma organização não

poderia ser considerada uma intervenção nos assuntos dependentes essencialmente dacompetência nacional dos Estados. A proteção concedida a este respeito pelo artigo 2.º, n.º7 da

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Carta das Nações Unidas, pressupõe uma violação jurídica às soberanias nacionais; convém não

estender o seu campo de aplicação aos inconvenientes políticos de uma tomada de posição da

organização. Não obrigatórias de um ponto de vista jurídico, as recomendações podem ser

politicamente muito coercivas. São inegáveis meios de pressão políticos. Com efeito, a oposição

de um Estado a uma recomendação sustentada por um grupo mais ou menos vasto de Estados,

obriga-o manter-se na defensiva, a explicar a sua posição sobretudo se o órgão internacionalprocedeu a uma qualificação da situação - «ocupação», «ameaça para a paz», «agressão» - que

se impõe a órgãos subsidiários. Estas considerações são particularmente prementes quando as

recomendações são acompanhadas de meios de pressão psicológicos (solenidade da adoção,

formulação decalcada na dos tratados, etc.); ou se comportam um mecanismo de controlo

tendo por objeto permitir apreciar os progressos efetuados na aplicação dos princípios que

formulam ou salientar as insuficiências na sua aplicação. Nas Nações Unidas, tais processos são

frequentemente utilizados nos domínios dos direitos do homem, da descolonização, do

desenvolvimento e do desarmamento. Em última instância, acabam num mecanismo de

adaptação comparável às conferências de revisão dos tratados. Ao criar tais órgãos de controlo,

a Assembleia Geral pode parecer contornar a proteção oferecida às soberanias nacionais peloartigo 2.º, n.º2 Carta das Nações Unidas: os Estados membros não podem contestar a existência

e os poderes reconhecidos estes órgãos, exercendo a Assembleia uma competência

estabelecida pela Carta. O Tribunal Internacional de Justiça afastou a objeção baseada neste

alcance jurídico indireto das recomendações nos termos seguintes:

« As funções da Assembleia Geral para as quais pode criar órgãos subsidiários

compreendem, por exemplo, os inquéritos, a observação e o controlo, mas a maneira como estes

órgãos subsidiários são utilizados depende do consentimento do Estado ou dos Estados

interessados»97.

Por vezes, sustentou-se que uma recomendação era oponível a um Estado tendo,pelo seu voto, contribuído para a sua adoção, invocando o princípio da boa fé. Não está excluído

que o princípio encontre aplicação; mas a boa fé não é violada só pelo facto de um Estado não

aplicar uma recomendação que votou. Falando de «recomendação», a Carta constitutiva da

organização implica que o seu conteúdo não é obrigatório. Muito legitimamente, os Estados

regulam a sua conduta em função desta consideração: frequentemente um Estado vota a favor

de uma recomendação porque tem consciência que o seu voto não o empenha: sustentar o

contrário conduziria a uma grave paralisia do funcionamento das organizações internacionais.

2.º  Impõem-se as mesmas soluções  nas relações entre organizações 

independentes, entre órgãos iguais de uma mesma organização e a fortiori   para as

recomendações de um órgão inferior a um órgão superior. Antes de 1955, quando a AssembleiaGeral das Nações Unidas, exasperada pelo bloqueio dos pedidos de admissão perante um

Conselho de Segurança paralisado pelo veto, lhe dirigia recomendações, era exatamente com a

finalidade de fazer publicamente pressão sobre este órgão, mas unicamente do ponto de vista

político. Esta prática generalizou-se a propósito das operações de manutenção da paz de 1956

e em matéria de descolonização. A jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça confirmou

a sua legitimidade. Mas as qualificações dadas por um órgão a uma situação ou a um

comportamento dos Estados não se impõem a outro órgão se a Carta não o prevê. Observa-se

frequentemente uma «diferença» entre a posição da Assembleia Geral e a do Conselho de

Segurança. Do mesmo modo os pareceres consultivos das jurisdições internacionais ou os

97 Parecer de 1962, Certas despesas, Rec., 1962, p. 165.

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pareceres das assembleias parlamentares não têm força vinculante para os órgãos destinatários.

Só sucede diversamente com base numa exceção expressa ou num compromisso de cooperação

entre organizações teoricamente independentes.

Valor normativo das recomendações: a falta de força obrigatória das recomendações não

significa que não tenham qualquer alcance. Se fosse esse o caso, seria difícil explicar aobstinação dos debates que conduziram à sua adoção. O seu impacto político é muitas vezes

fundamental e mesmo o seu valor jurídico não é de desprezar. É difícil formular uma maneira

geral e abstrata o alcance das recomendações.

1.º Qualquer Estado membro é obrigado, pelo menos, a examinar a recomendação

de boa fé. Esta representa, com efeito, a opinião da maioria dos membros da organização na

qual o Estado escolheu livremente entrar e cujas finalidades aceitou. A carta constitutiva recorda

frequentemente este dever e faz dele uma verdadeira obrigação jurídica (artigo 2.º, n.º5 e 6 e

artigo 56.º Carta Organização das Nações Unidas, por exemplo). Um exemplo testemunha de

maneira notável a importância, pelo menos política, que os estados atribuem às recomendações:

a Assembleia Geral das Nações Unidas, a 10 de Novembro de 1975 numa resolução (3379), tinhaassimilado o sionismo ao racismo e à discriminação racial. Esta posição, muito controversa, foi

«declarada nula» por uma nova resolução (44/86), com data de 16 de dezembro de 1991, na

sequência dos esforços de Israel e dos Estados Unidos.

2.º Na medida em que a validade material e formal de uma recomendação não é

contestável, qualquer Estado membro tem o direito de fazer a sua aplicação. A sua

responsabilidade internacional não pode definir-se se atuar e conformidade com a resolução, o

seu comportamento não pode ser julgado ilícito, nas suas relações com outros Estados membros,

visto que não faz mais do que respeitar a Carta constitutiva da organização. Esta «verdade

lapalissiana» obriga a constatar que a recomendação:

 

tem, pelo menos, valor permissivo;

  e cria uma situação jurídica nova quando os princípios formulados pela

recomendação não coincidem com as normas que regiam até então as

relações interestatais.

O quadro jurídico pode, com efeito, tornar-se muito complexo. Os outros Estados

membros permanecem livres de não dar seguimento a esta recomendação, e não estão

vinculados senão pelas normas anteriormente aceites. O eventual conflito das regras antigas e

novas não pode ser resolvido nem em virtude do princípio da hierarquia das fontes – vito que a

recomendação é, por hipótese, válida – nem com base no princípio «lex posterior », visto que a

norma mais recente não é obrigatória. Mesmo o princípio da boa fé é de uma utilidade muito

limitada: é inoponível aos Estados que votaram contra a recomendação; quando muito proibirá

a um Estado que votou a favor da recomendação que censure um outro Estado por aplica-la. A

consequência essencial da adoção de uma recomendação será portanto autorizar os Estados

que a respeitam a pôr de parte a aplicação de uma norma anterior contanto que não violem os

direitos adquiridos pelos outros Estados. Os Estados que a recusem poderão continuar a aplicar

a norma anterior. Esta situação é concebível, ainda que incómoda, quando se trata de princípios

que regem as relações interestatais; mas constitui um verdadeiro impasse quando está em causa

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o funcionamento de uma organização internacional, porquanto é difícil ver como poderiam

coexistir várias «regras do jogo» no âmbito de uma mesma organização. 98 

3.º  A adoção de recomendações apresentar outro interesse importante: trazem

uma contribuição cada vez mais sensível à formação de novas regras costumeiras. Para serem

um elemento formador do costume, as recomendações devem traduzir uma opinio iuris e seremseguidas por uma prática conforme. Não exprimindo necessariamente uma real opinio iuris a

sua função limita-se muitas vezes ao papel de «fermento» do processo costumeiro. Em primeiro

lugar, a função das recomendações depende da intenção expressa pelo órgão que as adota.

Poderá tirar-se indicação útil da qualificação dada a uma resolução e da afirmação de que o seu

conteúdo confirma o Direito positivo? A Assembleia Geral das Nações Unidas manifesta uma

especial preferência pela votação de «declarações» de princípios gerais depois da adoção em

1948 da Declaração Universal dos Direitos do homem. Diferem a natureza jurídica e o alcance

de tais «declarações» das resoluções que as contêm? A questão não levanta dificuldades quando

tais declarações são puramente «confirmativas» do Direito consuetudinário. Os princípios assim

expressos são obrigatórios enquanto regras costumeiras, e a sua inclusão numa recomendação

constitui uma simples chamada de atenção que, juridicamente, nada traz de novo. Pouco

importa, neste caso, o valor próprio instrumento. Quando, pelo contrário, as declarações

acrescentam algo ao conteúdo do Direito positivo, importa determinar se os princípios

formulados beneficiam de um alcance superior ao de uma recomendação. Regra geral, os

tribunais internos recusarão aplicar estas recomendações enquanto tais. O papel das

recomendações depende, em segundo lugar, das circunstâncias e das modalidades da sua

adoção: autoridade jurídica e política do órgão que as adota, maioria alcançada por votação,

importância dos Estados que exprimem «reservas» nesta ocasião, existência ou não de

mecanismos de controlo da aplicação destas recomendações. Por esta razão, os princípios

formulados nos pareceres consultivos do Tribunal Internacional de Justiça veem mais fácil e mais

rapidamente ser-lhes reconhecido o valor de normas de Direito positivo do que as resoluçõesde um órgão intergovernamental. Proferidos pelo principal órgão jurisdicional das Nações

Unidas na conclusão de um processo contraditório muito próximo do processo contencioso,

presume-se que traduzam o estado do Direito, mesmo quando os órgãos que interrogaram o

Tribunal não levam isso em conta. As instituições internacionais aceitam tão facilmente as

tomadas de posição do Tribunal Internacional de Justiça como interpretam diversamente uma

mesma «sequência» de recomendações internacionais contraditórias ou ambíguas. Finalmente

pode esperar-se que a contribuição das recomendações seja mais acentuada nos domínios

«inexplorados», onde se trata de estabelecer alguns princípios diretores destinados sobretudo

a impedir o aparecimento de uma prática estatal baseada no egoísmo das soberanias, do que

nos domínios em que preexistem regras consuetudinárias. A dificuldade está então emconseguir concretizar estes princípios básicos: tal é o ensinamento atual do Direito do espaço

extratmosférico e do Direito do fundo dos oceanos.

98 Assim, a Assembleia Geral poderia, apoiando-se na resolução 377 (V) denominada Acheson,recomendar o recurso à força em condições não previstas na Carta. Como conciliar as obrigaçõespreexistentes, definidas pela Carta, e as normas recomendadas? «Na verdade, as recomendações não possuem qualquer força obrigatória, mas neste caso somos colocados perante a hipótese em que umEstado põe voluntariamente em aplicação a resolução. Poderá dizer-se que esta aplicação espontânea é

irregular por entrar em conflito com obrigações anteriores? Isso seria desencorajar as boas vontades ecomprometer a realização dos objetivos da Carta. Se as resoluções não possuem força obrigatória, são,no entanto, adotadas com o fim de serem executadas».

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273 

Efeitos jurídicos excecionais de algumas recomendações:

1.º  Em virtude dos princípios já evocados, deve reconhecer reconhecer-se força

obrigatória a três categorias de resoluções:

- as que foram aceites antecipadamente pelos Estados têm, com efeito, força

obrigatória para estes Estados;

- sucede o mesmo para as resoluções que se limitam à «recitação» de Direito

costumeiro, sob reserva de que não é o próprio ato jurídico cujo valor se modifica, mas o alcance

do seu conteúdo material que beneficia do mesmo valor obrigatório que a norma costumeira.

Aplica-se um raciocínio semelhante aos pareceres consultivos que exprimem regras

costumeiras. Em vez de terem um valor simplesmente «doutrinal», terão o alcance de uma

«constatação» do Direito:

- numa organização, as recomendações de um órgão hierarquicamente superior

impõem-se aos órgãos subsidiários deste.

2.º  Certas recomendações beneficiam de efeitos jurídicos reforçados embora

permanecendo, em si mesmas, atos não obrigatórios. Os meios de pressão indiretos aplicados

para este fim diferem conforme a aplicação deve ser obtida dos Estados ou dos órgãos de

organizações internacionais, e conforme o problema se põe num contexto de simples

cooperação ou numa organização integrada. Tratando-se de Estados, o exemplo clássico é

fornecido pelos atos das organizações competentes para adotar projetos de convenções sob a

forma de recomendações: «Cada um dos Estados membros compromete-se a submeter, no

prazo de um ano a partir do encerramento da sessão da conferência, a recomendação à ou às

autoridades que têm competência na matéria, tendo em vista transferência em lei ou tomar

medidas de outra ordem» (artigo 39.º da Organização Internacional do Trabalho). Aí se detêm aobrigação jurídica; as autoridades nacionais conservam plena liberdade de decisão sobre a

oportunidade de transformar a recomendação em normas internas. Pode também acontecer,

mas é excecional, que a organização beneficie de uma espécie de «privilégio do precedente»: a

sua recomendação impõe-se aos Estados membros enquanto não tiver sido considerada

irregular pela jurisdição internacional competente. As técnicas mais utilizadas continuam a ser

os processos de controlo a posteriori apoiados na obrigação para os Estados de fornecerem

relatórios periódicos, de responderem a questionários ou de explicarem as suas demoras

perante órgãos políticos ou peritos. As organizações internacionais demonstram a mesma

vontade de autonomia que os Estados nas suas relações mútuas; e no interior de uma

organização, cada órgão defende ciosamente as suas prerrogativas perante os outros órgãos,utilizando como prova as garantias oferecidas pela carta constitutiva. Por isso é necessário

dispor de prescrições expressas que reforcem o alcance habitual das recomendações e

pareceres. «Levar em consideração» as resoluções transmitidas por uma organização a outra

pode ser um compromisso convencional. Por fim é necessário lembrar que o alcance das

recomendações já não é pouco quando elas podem ser analisadas como atos-condições.

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274 

Secção II  – Os atos concertados não convencionais

Noção: na vida internacional, os Estados negoceiam frequentemente instrumentos que não são

tratados mas não são por isso menos destinados a reger as suas relações mútuas e, em todo o

caso, a orientar a sua conduta. Resultantes, como os tratados, de uma concertação entre

sujeitos de Direito Internacional, estes atos não estão submetidos ao Direito dos tratados e, em

especial, à regra fundamental que o sustém, o princípio  pacta sunt servanda. Nem por isso

deixam de desempenhar um papel político extremamente importante, o que não é contestado

por ninguém, e, a despeito de controvérsias doutrinais particularmente vivas sobre este ponto

desde os anos 70, têm efeitos jurídicos. Se durante muito tempo a doutrina latina não prestou

qualquer atenção ao fenómeno, o mesmo não acontece na literatura anglossaxónica. Os autores

ingleses e americanos recorrem há muito tempo à noção de gentlemen’s agreements. Um

gentlemen’s agreement  foi definido como «um acordo entre dirigentes políticos que não vincula

os Estados que representam no plano do Direito, mas cujo respeito se impõe aos seus signatários

como uma questão de honra ou de boa fé». Indiscutivelmente, estes instrumentos apresentamum certo parentesco com os atos concertados não convencionais. Todavia, se nos ativermos à

definição proposta, não poderiam ser assimilados queles: por um lado, esta definição considera

resolvida a questão fundamental que estes instrumentos controversos põem, cominando-lhes a

excomunhão jurídica; por outro – e é um aspeto desta tomada de posição geral  –, tratando-se

de compromissos de homem para homem, não vinculam sujeitos de Direito Internacional e, por

este facto, permanecem, por definição, fora da esfera do Direito Internacional. Pode-se, de resto,

experimentar algumas dificuldades para admitir o bom fundamento desta definição: ela assenta

no postulado de uma espécie de desdobramento funcional em proveito dos autores do

gentlemen’s agreement  que, se bem que investidos de responsabilidade estatais, poderiam agir

a título pessoal nas relações internacionais. Na realidade, os instrumentos que a doutrinaanglossaxónica designa por gentlemen’s agreements ou non-binding agreements não são mais

do que atos concertados não convencionais, que podemos definir como instrumentos

resultantes de uma negociação entre pessoas habilitadas a comprometer o Estado e chamadas

a enquadrar as suas relações, sem por isso terem um efeito obrigatório.

Diferentes categorias de atos concertados não convencionais: a análise dos atos

concertados não convencionais é tanto mais difícil quanto é certo que, adotados nas

circunstâncias mais diversas, revestem formas heterogéneas e recebem denominações variadas:

comunicados comuns, declarações, cartas, códigos de conduta, combinações, memorandos,

atos finais, protocolos, até mesmo acordos…(os mesmos termos são frequentemente utilizados

para os Tratados). Para tentar pôr um pouco de ordem numa matéria difícil de apreender, adoutrina propôs classificações baseadas em critérios variados. Alguns autores fundamentam-se

em critérios formais e elaboram uma classificação em função dos intitulados ou do modo da sua

elaboração. Neste último caso, poder-se-á distinguir, em especial, os atos concertados não

convencionais elaborados no quadro das organizações internacionais dos adotados no

seguimento de negociações elaborados no quadro das organizações internacionais dos

adotados no seguimento de negociações diplomáticas “clássicas”, bilaterais ou multilaterais.

Sucede também que estas duas abordagens sejam combinadas de maneira empírica. Assim, M.

Virally deduz quatro categorias de «textos incertos»: os comunicados conjuntos, as declarações

conjuntas, os textos concertado no âmbito de um órgão internacional e os acordos informais.

Outros esforçam-se por propor uma classificação material baseada no alcance dos textospropostos ou no seu conteúdo. Assim, M. Eisemann divide os gentlemen’s agreements  em

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acordos informais políticos, interpretativos e normativos. Pode-se igualmente admitir a

transposição para os atos concertados não convencionais da classificação frequentemente

utilizada no que respeita aos atos unilaterais dos Estados, e distinguir os atos autónomos dos

que estão ligados a uma prescrição convencional; os primeiros têm vocação para orientar a

conduta dos sujeitos de Direito, independentemente de qualquer obrigação assumida por um

tratado; os segundos não podem isolar-se dela. Nesta última categoria figuram, por exemplo, asdeclarações conjuntas pelas quais Estados que empreendem negociar o texto de um tratado,

indicam os princípios que os guiarão no decurso da negociação ou os textos interpretando ou

aplicando um acordo preexistente cuja aplicação dá lugar a algumas dificuldades. Estes

argumentos podem ser cómodos. Contudo, não têm qualquer alcance em Direito (salvo na

medida em que têm por objetivo distinguir os instrumentos «jurídicos» dos textos «políticos»,

mas esta distinção é arriscada. Qualquer que possa ser o interesse intelectual destas

classificações, elas não poderiam ocultar a unidade da noção de ato concertado não

convencional do ponto de vista jurídico (não mais do que as tentativas de classificação dos

tratados têm consequências importantes no que respeita ao regime jurídico de base que lhes é

aplicável).

Fronteiras mal definidas: apesar desta unidade e de uma definição que não suscita incertezas

especiais, nem sempre é fácil distinguir os atos concertados não convencionais das outras

categorias de instrumentos jurídicos internacionais. Nenhum problema se põe, a priori, na

distinção dos atos concertados não convencionais e dos atos unilaterais dos Estados: uns são o

resultado de uma negociação e não tê efeito obrigatório, os outros emanam de um só sujeito

de Direito que eles assumem. Pela sua natureza, trata-se portanto de instrumentos claramente

distintos. Contudo, pode notar-se que, da mesma maneira que certos tratados se assemelham

a «atos unilaterais coletivos» face a terceiros, certos atos concertados não convencionais

pretendem produzir efeitos a respeito de terceiros. Põe-se o problema do efeito dos atos

concertados não convencionais a respeito de terceiros; podemos resolvê-lo por analogia com asregras relativas ao efeito dos tratados para os Estados terceiros. Mas é sobretudo em relação as

resoluções das organizações internacionais por um lado, aos tratados por outro, que se põe o

problema da especificidade dos atos concertados não convencionais.

1.º  Atos concertados não convencionais e resoluções de organizações

internacionais: um aspeto particular distingue os atos concertados não convencionais do

conjunto de resoluções das organizações internacionais: estas são atos unilaterais imputáveis à

Organização que os adota, enquanto sujeito de Direito Internacional; aqueles emanam de dois

ou mais sujeitos de Direito (além disso, os atos concertados não convencionais diferem das

decisões das organizações internacionais pelo facto de, por definição, não terem efeito

obrigatório). Todavia, a distinção e menos clara do que parece à primeira vista. As incertezas

podem depender da natureza jurídica, difícil de determinar, do autor do ato ou das pessoas às

quais este deve ser imputado. No que respeita ao primeiro ponto, podemos com efeito

interrogar-nos sobre as características que permitem realmente distinguir uma organização

internacional de uma conferência diplomática desenrolando-se num longo período, como a

Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que durou perto de dez anos,

produziu um aparelho institucional complexo e adotou «resoluções», que parecem dever ser

imputadas à própria Conferência (mesmo que algumas se assemelhem a acordos unilaterais).

Por outro lado, é frequente que conferências diplomáticas sejam convocadas por uma

organização internacional e se assemelhem a órgãos subsidiários provisórios do órgão que as

convocou. Seja omo for, a resposta dada a estas questões apresenta mais interesse intelectual

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do que incidência concreta, ao passo que o alcance jurídico dos atos concertados não

convencionais está muito próximo do das recomendações das organizações internacionais.

2º. Atos concertados não convencionais e tratados: não acontece o mesmo o que

respeita aos tratados. Em presença de um determinado texto, é, com efeito, extremamente

importante determinar se este é um tratado ou um ato concertado não convencional, sendo asconsequências jurídicas muito diferentes conforme a hipótese adotada, visto que, por definição,

o tratado é obrigatório, enquanto o ato concertado não convencional não o é. Ora esta distinção

é muitas vezes difícil. Não poderíamos encontrar o critério para isso na denominação do ato  – 

não se segue qualquer prática constante a este respeito –, nem tão pouco na sua forma: o Direito

dos Tratados é extremamente pouco formalista. Como recordou o Tribunal Internacional de

Justiça, não existem «regras de Direito Internacional proibindo que um comunicado conjunto

constitua um acordo internacional ». No mesmo caso, o Tribunal esclareceu que a questão de

saber se tal instrumento constitui ou não um Tratado «depende essencialmente da natureza do

ato ou da transação a que le se refere» e que é preciso «levar em conta antes de mais os termos

empregados e as circunstâncias em que o consentimento foi elaborado». Esta diretiva, que se

assemelha à que se aplica, nas resoluções das organizações internacionais, para fazer uma

distinção entre as recomendações e as decisões não resolve, contudo, todos os problemas. Em

certos casos, não é permitida a dúvida: verifica-se isso quando o próprio instrumento em causa

específica, que exprime a «vontade política» dos seus autores e não é «um tratado ou acordo

internacional». Mas, regra geral, as fórmulas utilizadas são muito mais fluídas e o intérprete

deve demonstrar mais espírito subtil do que espírito geométrico.

Ausência de força obrigatória nos atos concertados não convencionais: os tratados são

obrigatórios, os atos concertados não convencionais não o são. Isto é um elemento da própria

definição de uns e de outros. Este princípio simples, não deve ser interpretado de maneira

simplista: o tratado é obrigatório enquanto fonte; mas pode conter normas incertas, cujaaplicação depende em grande parte da apreciação dos seus destinatários, enquanto atos

concertados não convencionais podem conter «normas» muito rigorosas; tal é o caso, por

exemplo, dos gentlemen’s agreements  relativos à repartição geográfica dos postos nas

organizações internacionais ou das Diretivas relativas às transferências de artigos nucleares. O

conjunto destas normas incertas em virtude do seu conteúdo, que da sua inclusão numa fonte

não suscetível de criar obrigações jurídicas (atos concertados não convencionais e

recomendações das organizações internacionais), constitui o que se designa por soft law,

expressão cuja tradução é difícil (Direito «brando»?, «fluído»?, «flexível»?, «imaturo»?). A

ausência de força obrigatória dos atos concertados não convencionais tem importantes

consequências jurídicas o seu desrespeito não compromete a responsabilidade internacional

dos seus autores e não pode ser objeto de um recurso jurisdicional. Não se tratando de Direito

dos Tratados, tanto internacional como internos: não têm vocação para serem inscritos junto

do Secretariado das Nações Unidas. Apesar destas características, ou talvez por causa delas, os

atos concertados não convencionais são muito largamente utilizados nas relações internacionais

e parecem mesmo exercer uma atração crescente sobre os Estados. Esta atração explica-se pela

flexibilidade destes instrumentos, bem adaptados às condições variáveis da vida internacional – 

muito especialmente em matéria económica – e, em certos casos pelo menos, pela preocupação

dos responsáveis da política externa de escapar aos constrangimentos constitucionais em

matéria de tratados. A multiplicação das cimeiras no decurso dos últimos vinte anos explica

também esta proliferação. Além disso, a experiência mostra que estes instrumentos não são, de

facto, nem menos respeitados, nem menos coercivos do que os Tratados em boa e devida forma:

muitas vezes adotados após longas negociações e de maneira solene, exercem uma pressão

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muito grande sobre os seus destinatários (que são em geral os seus autores); basta pensar, a

este respeito, no papel que desempenharam e continuam a despenhar, por exemplo, o Ato final

do Congresso de Viena e a Declaração sobre a neutralidade perpétua da Suíça (1815). Esta

pressão é ainda acrescida quando o ato concertado prevê processos especais de publicidade ou

de exame periódico. Tal era o caso do protocolo de encerramento da Conferência de Ialta que

tinha previsto encontros periódicos dos Ministros dos Negócios Estrangeiros dos três Estadossignatários (Estados Unidos, Reino Unido e U.R.S.S.).

Regime jurídico dos atos concertados não convencionais : do caráter não obrigatório dos

atos concertados não convencionais, uma parte da doutrina deduz o seu caráter não jurídico:

tratar-se-ia de compromissos puramente morais e políticos, sem alcance jurídico, e que,

portanto, não seriam redigidos pelo Direito Internacional. Esta tese assenta numa assimilação

abusiva entre o «jurídico» e o «obrigatório», e não pode ser aceite. A questão é atualmente

objeto de debates doutrinais e é significativo a este respeito que, chamado a examinar a questão

dos «textos internacionais com um alcance jurídico nas relações atuais entre os seus autores e

textos que dele são desprovidos», o Instituto de Direito Internacional tenha tido de renunciar a

adotar uma resolução de fundo. Para numerosos autores, «a verdadeira questão e saber se as

disposições de um texto internacional são suscetíveis ou não de serem legitimamente invocadas

perante um tribunal internacional e tomadas em consideração por este último» (M. Virally). Isto

traduz um conceito extremamente restritivo da própria noção de Direito (todos os sistemas

 jurídicos conhecem a existência de normas que não são da competência dos tribunais  –  as

obrigações naturais do Ius Romanum) e, singularmente, o Direito Internacional, no qual «a

existência de obrigações cuja execução não pode ser, em última instância, objeto de um

processo judiciário, sempre constitui mais a regra do que a exceção». Não poderíamos encontrar

a confirmação destas análises no artigo 2.º, n.º1, alínea a) da Convenção de Viena que define o

tratado como «um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito

Internacional…»: esta disposição vale apenas para os fins de aplicação da própria Convenção e,como estabelecem os trabalhos preparatórios, o sentido da fórmula «é acentuar positivamente

a submissão dos tratados a este direito e não excluir qualquer instrumento do campo do Direito

das gentes». Na realidade, como as recomendações das organizações internacionais, os atos

concertados não convencionais, sem serem obrigatórios, estão submetidos ao Direito

Internacional e têm um alcance jurídico que não é de pouca monta.

  Sem estarem vinculados pelas suas disposições, os Estados estão-no pelo

princípio da boa fé; e o seu desrespeito não compromete, ipso facto, a

responsabilidade do autor da falta, mas o ato consertado não convencional

pôde criar expectativas, que podem autorizar o seu ou os seus parceiros a

recorrer ao princípio de estoppel;

  Mesmo os autores mais reservados a respeito da submissão destes

instrumentos ao Direito Internacional admitem que a sua conclusão impede

os Estados signatários de invocarem a exceção de competência nacional no

domínio no qual intervieram e que um pedido de execução emanado de um

Estado parceiro não constitui uma ingerência ilícita nos assuntos dos

Estados; também não pode ser considerado um ato hostil;

 

Sobretudo, como as recomendações das organizações internacionais, os

atos concertados não convencionais têm um valor permissivo no sentido de

neutralizarem a aplicação das disposições que contêm, podem pelo menos

respeitar o que foi concertado e os seus parceiros não podem censura-los,

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mesmo se esta execução vai contra certas regras preexistentes do Direito

Internacional.

  Além disso, como os Tratados ou as resoluções das organizações

internacionais, os atos concertados não convencionais podem contribuir

par aa formação de regras costumeiras.

Em certos casos, o respeito das normas contidas num ato concertado não

convencional pode impor-se aos Estados; mas não é o próprio ato que é obrigatório; têm este

caráter porque este se limita a reassumir regras costumeiras preexistentes. Além disso, como as

resoluções ou convenções que não entraram em vigor, o conteúdo de um ato concertado não

convencional pode ter força obrigatória para os Estados que o tenham aceite seja por um ato

unilateral, seja por um tratado.

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Capítulo III  – Os meios de determinação das regras de Direito

Meios auxiliares: segundo o artigo 38.º,n.º1, alínea d) do Estatuto do Tribunal Internacional

de Justiça, o Tribunal aplica:

«sem prejuízo do disposto no artigo 59.º, as decisões judiciais e a doutrina dos publicistas

mais altamente qualificados das várias nações, como meio auxiliar para a determinação das

regras de direito».

A redação desta parte do artigo 38.º não é muito satisfatória, pois os termos «aplica» e

«auxiliar» poderiam levar a crer que o Estatuto visa uma fonte de Direito Internacional. A

doutrina é unânime em admitir que nem a jurisprudência, nem a doutrina podem criar regras

de Direito. Elas podem apenas provar a sua existência. O Tribunal «aplica» regras de Direito,

sevindo-se da jurisprudência e da doutrina para as descobrir: são meios de determinação das

regras consuetudinárias e convencionais ou dos princípios gerais de Direito. Que significa nesse

caso a alusão ao papel subsidiário da jurisprudência e da doutrina? Parece que o artigo 38.ºsubentende que existem outros meios suscetíveis de servir – até de servir melhor  – o mesmo

fim. Pode pensar-se hoje em dia, por exemplo, nas recomendações de organizações

internacionais às quais ainda é impossível reconhecer valor obrigatório. Se bem que mais

importante em Direito Internacional do que em Direito interno, o papel da doutrina e da

 jurisprudência admite que os Estados e as organizações internacionais queiram manter um

domínio completo das regras que se lhes impõem.

1.º - A Doutrina

Definição: o termo «doutrina» tem duas aceções ligadas entre si, das quais somente a segunda

é aqui tomada em consideração. Designa-se por vezes a posição dos atores internacionais sobre

problemas políticos. É neste primeiro sentido que se fala das doutrinas Monroe, Hallstein,

Brejnev. Pouco importa que estas doutrinas tenham implicações ou um objeto jurídico

(reconhecimento, soberania): a sua razão de ser é política e não pretendem exprimir o Direito

Internacional as, quando muito, uma «política jurídica externa». Por doutrina, entende-se

também  –  e é o que visa o artigo 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça  –  as

posições dos autores, das sociedades eruditas ou dos órgãos chamados a formular opiniões

 jurídicas sem comprometer os sujeitos de Direito (Estado, organização internacional) dos quaisderivam. Na prática, o peso das opiniões individuais varia de maneira sensível conforme elas se

exprimem num quadro pedagógico, de livre discussão académica, ou se inserem num processo

internacional (diplomático, normativo ou contencioso). Todavia, se a distinção é incontestável,

os seus limites são por vezes difíceis de precisar.

A doutrina propriamente ditas: pode parecer surpreendente que os autores do Estatuto do

Tribunal Penal de Justiça Internacional, e depois do Tribunal Internacional de Justiça, tenham

 julgado oportuno fazer uma referência expressa à contribuição da doutrina. Era prestar

homenagem ao papel importante que ela desempenhara no passado, quando a prática

diplomática permanecia confidencial, para constatar, classificar e explicar os precedentes de um

Direito ainda essencialmente consuetudinário ou para sistematizar uma jurisprudência

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internacional dispersa (predominância absoluta da arbitragem no século XIX). Esta contribuição

só podia reduzir-se com o desenvolvimento dos reportórios de prática nacional, os trabalhos

efetuados sob os auspícios de organizações internacionais e as violações à liberdade de

pensamento dos Estados autoritários. O artigo 38.º, n.º1, alínea d) do Estatuto  está

historicamente «situado». Se não pretende conceder qualquer preferência a uma determinada

corrente de pensamento, ele assenta implicitamente em dois postulados: um pensamentoindependente, um largo consenso sobre o sistema de Direito. A evolução da sociedade

internacional no século XX repõe em questão a oportunidade desta disposição, viciada de

«eurocentrismo» para uns, ameaçada pelo propagandismo para outros. Deduz-se que a rápida

evolução do Direito Internacional e a repugnância frequente dos Estados em exprimirem

claramente opiniões jurídicas que poderiam criar precedentes incómodos para eles, deixam à

doutrina um papel de algum relevo em especial quando os litígios interestatais são submetidos

Às jurisdições internacionais: por formação profissional, os juízes e árbitros são mais sensíveis

do que os Estados às vantagens de uma formulação científica do Direito positivo. Levando em

conta o papel das jurisdições internacionais e dos Estados na elaboração do Direito

contemporâneo, é legítimo distinguir os dois contributos possíveis da doutrina: ajudar adeterminação do Direito e exercer uma influência sobre a evolução do Direito Internacional. O

declínio do papel da doutrina é mais acentuado no segundo aspeto do que no primeiro. O artigo

38.º supracitado não faz alusão a indivíduos, «os publicistas mais quantificados de diferentes

nações»; não podemos pôr de parte todavia a contribuição das «sociedades eruditas»,

organizações não governamentais que apresentam a vantagem de autorizar comparações mais

amplas das práticas nacionais e um debate científico menos subjetivo.

As consultas jurídicas: Os sujeitos de Direito Internacional têm, desde sempre, experimentado

a necessidade de uma avaliação jurídica. Eles fazem apelo neste aspeto a jurisconsultos ou a

colégios de peritos. As soluções adotadas são muito diversas, consoante a amplitude desejada

do confronto dos pontes de vista, a independência e a autoridade reconhecidas aos colégios deperitos ou o grau de confidencialidade dos seus trabalhos. Embora sejam tomadas certas

precauções para evitar que a opinião destes «consultores» comprometa os sujeitos de Direito,

a autoridade destes observadores da prática internacional  –  menos exterior aos dados

diplomáticos do que a doutrina  – é tal que são muitas vezes submetidos a uma obrigação de

reserva muito vasta. O que ganham em autoridade é muitas vezes perdido em liberdade de

expressão. Para apoiar os serviços jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, as grandes

potências pensaram há muito tempo em recorrer a membros eminentes da comunidade

cientifica nacional ou aos magistrados das mais elevadas instituições. Este tipo de colaboração

pode ser permanente ou ocasional (participação de juristas, que não são diplomatas

profissionais, nas delegações nacionais das diversas conferências ou organizações internacionais:a fronteira entre o «consultor» e o representante do Estado pode tornar-se muito estreita). As

organizações internacionais criaram, ao longo dos anos, numerosos órgãos consultivos

compostos por peritos juristas: na Organização das Nações Unidas, a Comissão de Direito

Internacional é um exemplo de entre outros. O desdobramento funcional de certos

 jurisconsultos nacionais  –  consultores e agentes  –  pode observar-se, também, nos serviços

 jurídicos das organizações internacional: ora agindo como agentes da organização, ora servindo

de consultores aos governos, sem que mude a forma exterior das suas intervenções. Estes

serviços dão igualmente um contributo interessante aos trabalhos dos órgãos de codificações

pelas suas compilações das práticas nacionais e convencionais.

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281 

2.º - A Jurisprudência

Definição: a jurisprudência é constituída pelo conjunto das decisões jurisdicionais («judiciais»

diz o artigo 38.º do Estatuto) ou arbitrais, tanto nacionais como internacionais. Considerado

isoladamente, um acórdão ou um parecer de um tribunal internacional constitui um precedente

ou um meio de determinação do Direito: não é «a jurisprudência». A jurisprudência dos

Tribunais universais, Tribunal Penal de Justiça Internacional e mais tarde Tribunal Internacional

de Justiça, é a primeira implicitamente visada pelo artigo 38.º. Atesta-o a referência ao artigo

59.º, relativo à autoridade do caso julgado dos acórdãos do Tribunal. Confirma-o a prática, que

reconhece uma autoridade especial a esta jurisprudência. Na sua falta, o Tribunal Internacional

de Justiça remete, naturalmente, para a jurisprudência arbitral, muito mais excecionalmente

para as jurisprudências nacionais.

Papel da jurisprudência:

1.º A referência, no artigo 38.º do Estatuto, à função da jurisprudência como meio de

determinação do Direito, corresponde a uma realidade. A autoridade assim reconhecida à

 jurisprudência internacional explica-se pelas garantias oferecidas pelo processo jurisdicional e a

própria composição dos tribunais internacionais. Esta autoridade pode no entanto ser atenuada

quando é dada uma certa publicidade aos desacordos entre juízes ou árbitros; a este respeito,

ma opinião individual pode ser tão lamentável como uma opinião dissidente. A opinião

individual é a de um juiz que aceita o dispositivo de um acórdão mas não a sua exposição dos

motivos; este tipo de opinião permite-lhe, ao mesmo tempo, justificar o seu desacordo e dar a

conhecer os motivos sobre os quais pretende basear a sua aceitação do dispositivo. A opinião

dissidente é a de um juiz minoritário que indica não apenas a sua oposição ao dispositivo do

acórdão, mas também os motivos nos quais baseia a sua oposição. Em conformidade com aprática seguida pelos tribunais anglossaxónicos, são admitidas a formulação das opiniões

individuais e dissidentes dos juízes do Tribunal Internacional de Justiça: as primeiras pelo artigo

57.º do Estatuto, as segundas pelo seu Regulamento.

2.º Poder-se-á sustentar, como G. Scelle, que a jurisprudência é uma verdadeira fonte

de Direito? G. Scelle parte da ideia de que a noção de ato jurisdicional é una, porque é a mesma

em todos os sistemas de Direito. Ora na quase totalidade das ordens jurídicas nacionais, admite-

se que o ato jurisdicional é normativo; deve verificar-se o mesmo em Direito Internacional. Em

direito estrito, esta opinião só é aceitável para a criação de normas individuais: um acórdão

apenas tem alcance normativo direto para as partes (autoridade relativa do caso julgado, artigo

59.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça). Em contrapartida, não pode extrapolar-

se a solução anglossaxónica da autoridade normativa geral da jurisprudência: esta baseia-se no

princípio stare decisis (autoridade do precedente jurisdicional), que não foi transposto para o

Direito Internacional. Na prática, é verdade que nos aproximamos das condições de

continuidade jurisprudencial característica da tradição anglossaxónica. O Tribunal Internacional

de Justiça não hesita em invocar, na motivação dos seus acórdãos e pareceres, a sua

«jurisprudência constante. Teve mesmo ocasião de admitir que, apesar do princípio do efeito

relativo do aso julgado, uma demonstração e uma conclusão jurídicas da sua parte poderiam ser

diretamente aplicadas nas relações entre Estados terceiros:

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282 

«É evidente que qualquer decisão sobre a situação do Ato de 1928, pela qual o Tribunal

declararia que este é ou já não é uma convenção em vigor, poderia influenciar as relações entre

outro Estados que não a Grécia e a Turquia»99.

Com efeito, é claro, que, se uma opinião do Tribunal se baseia em fatores objetivos, não

podem admitir-se pela sua parte conclusões contraditórias. As exigências de coerência, decontinuidade, de segurança jurídica, são mais imperativas para a jurisprudência do que para a

doutrina. É na medida em que estas exigências são respeitadas que a jurisprudência é previsível

e tem portanto uma certa autoridade junto dos Estados. Além disso, como vimoso acima, é

necessário reconhecer às jurisdições internacionais um papel na criação de normas gerais de

interpretação dos tratados, na aplicação da equidade, assim como na elaboração das regras

consuetudinárias. Todos estes argumentos não bastam para fazer da jurisprudência uma fonte

de Direito Internacional. Somente os acórdãos têm esta qualidade e ainda com uma

oponibilidade restrita aos Estados partes no contencioso.

99 T.I.J., 1978, Plataforma Continetal do Mar Egeu, Rec., 1978, p. 17.

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283 

As Relações Internacionais100 

1.º - Organizações Universais com competências gerais

A – Do Pacto da Sociedade das Nações à Carta das Nações Unidas

O precedente da Sociedade das Nações: as soluções que serão conservadas pelos autores

da Carta das Nações Unidas, para a resolução pacífica dos conflitos não poderiam ignorar as

lições da experiência da Sociedade das Nações. É ainda hoje necessário estudar o mecanismosde entre-as-duas-guerras para compreender como se tentou corrigir as lacunas e as

insuficiências. Com efeito, se a Sociedade das Nações viu malograda a sua ambição principal,

evitar conflitos armados, a responsabilidade deste insucesso não pertence  – no essencial – às

técnicas de resolução pacífica instituídas pelo Pacto. A maior parte delas estavam alicerçadas

em dados fundamentais que são sempre observados: coexistência de Estados soberanos e

 justaposição de Estados de desigual poder.

1.º As grandes linhas do sistema do Pacto  – os dois principais órgãos da Sociedade

das Nações, a Assembleia e o Conselho, eram igual e concorrentemente competentes, pelo

menos em teoria.

a) O Conselho – em matéria de resolução pacífica dos conflitos (artigos 12.º a

15.º), a sua competência é prioritária em virtude do artigo 15.º do Pacto. A grande inovação do

Pacto é autorizar a intervenção obrigatória do Conselho a pedido de uma só parte num conflito.

A sua ação é entretanto travada pelo facto de não poder intervir nos processos “que dependam

da competência exclusiva do Estado” e pelo facto de não poder emitir senão recomendações. 

b) A Assembleia – em conformidade com os artigos 11.º a 15.º, a Assembleia e

ao Conselho. Contudo, para que os Estados não possam entrar em guerra, é suficiente que o

relatório da Assembleia tenha sido aprovado por unanimidade dos Estados membros

representados no Conselho e a maioria dos outros membros da Sociedade das Nações.

2.º A Prática  – não obstante os grandes insucessos, alguns dos quais produzidos em

situações que, politica e juridicamente, não se prestavam a uma resolução pacífica, o balanço

da Sociedade das Nações não é inteiramente negativo.

Repartição de competências no seio das Nações Unidas:

1.º Sob o ponto de vista orgânico, a Carta mantém a dupla intervenção obrigatória

do órgão plenário  – A Assembleia Geral  – e do órgão restrito  – o Conselho de Segurança. Era

100

 Nguyen-Quco-Dinh; Direito Internacional Público; Serviço de Educação CalousteGulbenkian, 4.ª Edição 1992.

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284 

difícil renunciar a um compromisso lógico e engenhoso que permitisse associar efetivamente

todos os Estados membros à resolução dos conflitos, qualquer que fosse o seu peso político e

as suas dimensões materiais. Contudo, em lugar de os colocar sobre um pé de aparente

igualdade como o fazia o Pacto, ela consagra e organiza a primazia do órgão restrito. A procura

de eficácia não é a única razão desta primazia. Os autores da Carta desejaram institucionalizar a

preponderância das grandes potências: eles partilham a convicção geral de que uma das causasessenciais do fracasso da Sociedade das Nações residiu na recusa de atribuir aos grandes Estados

responsabilidades à medida da sua potência relativa. Pelo contrário, é unicamente a

preocupação de eficácia que explica que as competências particulares, ignoradas pelo Pacto,

tenham sido conferidas pela Carta ao Secretário-Geral das Nações Unidas, órgão individual e

independente dos governos. Na prática, o bloqueio frequente dos órgãos deliberativos

acentuou o alcance desta atribuição de competências.

2.º Do ponto de vista material, a mesma questão colocou-se e 1945 como em 1919:

todos os conflitos são suscetíveis de ser levados a órgãos internacionais tendo em vista a sua

resolução pacífica? No seu conjunto a Carta confirma as soluções do Pacto.

a) A Assembleia e o Conselho estão habilitados a examinar tanto os conflitos

quanto as situações. A Carta abstém-se de definir estas noções, o que abre o caminho a

divergências de apreciação cujas consequências podem ser desagradáveis. Em doutrina,

entende-se geralmente por conflito «uma contestação na qual não podemos fazer abstração da

individualidade das partes em causa» (critério subjetivo). Pelo contrário, a situação é uma noção

objetiva enquanto «circunstância» destacável do comportamento dos Estados que nela estão

implicados e suscetível de ser considerada independentemente deste comportamento. A

distinção entre conflito e situação está consagrada em numerosas disposições da Carta de onde

se extraem consequências em matéria de interpelação dos órgãos, alcance das suas

competências, processos de decisão. Podemos lamentá-la na medida em que esta soluçãocomplique a ação dos órgãos nas circunstâncias onde é frequentemente difícil distinguir com

clareza os dois fenómenos: se uma situação não cria necessariamente um conflito, todo o

conflito cria naturalmente uma situação perigosa para a paz. O alargamento das possibilidades

de intervenção preventiva, desejado pela resolução 43/51, deveria atenuar os inconvenientes

desta situação;

b) Em princípio, são da competência da Organização das Nações Unidas somente

os conflitos graves, o mesmo será dizer aqueles «cujo prolongamento é suscetível de por em

perigo a manutenção da paz e da segurança internacional» (artigo 33.º da Carta). Hoje em dia

como então, esta condição não é entendida em sentido restrito. Se é sensato não encher a

ordem do dia dos órgãos principais como conflitos menores, sem incidência direta sobreterceiros Estados, seria da mesma forma inoportuno limitar as ocasiões que se oferecem à

Organização para exercer a sua missão de pacificação dos conflitos internacionais ou de, a

pretexto de incidente menores chamar a atenção dos Estados para o respeito de certos

princípios fundamentais;

c) Uma outra condição de aceitabilidade é também tradicional mas foi

formulada em termos mais latos que no Pacto: o conflito deve ser «internacional», o que

significa que ele não se deve reportar a uma questão que releve da «competência exclusiva» de

cada Estado;

d) O conflito suscetível de ser levado diante da Organização das Nações Unidaspode não opor necessariamente Estados membros. A Carta, tal como o Pacto, esforça-se pelo

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285 

contrário em facilitar o acesso dos Estados não membros aos órgãos de regulamentação da

Organização já que é evidente que a paz é indivisível.

Exercício de competências:

1.º As funções dos órgãos competentes da O.N.U. são idênticas às dos órgãos da

S.d.N.. Uns como outros exercem a sua missão pela via do inquérito, da mediação e daconciliação.

2.º Os poderes dos órgãos são idênticos no Pacto e na Carta desde que se trate da

resolução pacífica de conflitos. Os órgãos não podem adotar senão recomendações, atos

 jurídicos sem efeito obrigatório para as partes de um conflito. Pelo contrário, se o conflito é

suficientemente grave para ser considerado uma ameaça para a paz ou por constituir uma

rutura da paz, a missão de certos órgãos amplia-se. A este respeito, as soluções do Pacto e da

Carta diferem: o Conselho da S.d.N. não podia agir senão pela via de recomendações para

estabelecer ou manter a paz; o Conselho de Segurança poderá adotar decisões, atos obrigatórios.

3.º Uma última diferença entre os dois sistemas é de assinalar aqui, que se reportaao processo de decisão. O Pacto consagrava o princípio do voto por unanimidade. Porque lhe

atribuiu uma parte da responsabilidade do insucesso da S.d.N. os autores da Carta procuraram

um mecanismo mais complexo e mais flexível. A regra da maioria impôs-se no seio da

Assembleia Geral (maioria de dois terços, na matéria); no Conselho de Segurança, uma maioria

igualmente reforçada (9 votos sobre 15) deve ser conjugada com a unanimidade dos membros

permanentes.

B – Acionamento dos processos de resolução pelos órgãos das Nações Unidas

I – Conselho de Segurança

Prerrogativas do Conselho de Segurança: elas são justificadas pelo artigo 24.º, n.º1 da Carta.

Se bem que o seu texto vise a manutenção da paz e não a resolução de conflitos, poderemos

considerar tendo em vista a prática, que estas duas missões são demasiado interdependentes

para não autorizarem uma interpretação lata do campo de aplicação do artigo 24.º. Outras

disposições da Carta objetivam os meios e modalidades desta preeminência, garantida

particularmente pela ausência de subordinação hierárquica do Conselho à Assembleia Geral e

pela aplicação na matéria de limitações de competência da Assembleia em virtude dos artigos

11.º e 12.º (artigo 35.º, n.º3). Na medida em que estas disposições digam respeito à manutenção

da paz, elas podem igualmente ser aplicadas em matéria de resolução pacífica; pois o Conselho

de Segurança não dissocia os seus poderes a título de uma ou de outras competências  –  ao

ponto de evitar fazer referência nas suas resoluções aos diferentes capítulos que respeitam a

estas duas competências teoricamente distintas, o capítulo VI para a resolução pacífica e o

capítulo VII para a manutenção da paz.

Interpelação do Conselho:

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286 

1.º  O direito de interpelação é largamente atribuído pela Carta, tendo em vista

evitar processo dilatórios.

a)  Todo o Estado membro, parte ou não parte num conflito, implicado ou não

numa «situação», pode «solicitar a atenção» do Conselho sobre qualquer

conflito ou qualquer situação (Artigo 35.º, n.º1). Tendo o seu fundamento aCarta, a competência do Conselho impõe-se a todos os Estados membros,

incluídas as partes no conflito: uma iniciativa unilateral por uma parte é

sempre possível. A ausência de acordo preliminar das partes dá a ação do

Conselho o caráter de um intervenção oficiosa. Não sendo a iniciativa uma

obrigação para as partes, o direito de terceiros Estados a tomá-la  – 

verdadeira actio populis   –  encontra todo a sua justificação. A Carta

regulamenta duas outras formas de iniciativa emanando das partes. A

primeira afasta-se da ideia de iniciativa facultativa, que constitui o direito

comum. Se as partes não conseguiram resolver o seu conflito por recurso

aos meios enunciados no artigo 33.º, elas estão na obrigação de submeter

este conflito ao Conselho (artigo 37.º). A segunda consiste na iniciativa do

Conselho «se todas as partes num conflito assim o solicitarem» (artigo 38.º,

que não se aplica às «situações»).

b)  Um Estado não membro da O.N.U. pode igualmente pedir a intervenção do

Conselho de Segurança mas em condições mais estritas: deve tratar-se de

um conflito, o Estado em causa deve ser parte neste conflito e ele deve

aceitar preliminarmente as obrigações de resolução pacífica previstas na

Carta (artigo 35.º, n.º2). Ao contrário do que previa o artigo 17.º, n.º1 do

Pacto, o Estado não membro beneficia por direito no acompanhamento do

processo, de uma situação idêntica à de um Estado membro.

c) 

O direito de iniciativa reconhecido a alguns órgãos da O.N.U. permite suprira eventual omissão dos Estados. Em virtude do artigo 11.º, n.º3, a

Assembleia Geral poderá assim solicitar a atenção do Conselho de

Segurança para uma «situação». A inovação mai interessante reside no

artigo 99.º eu autoriza o Secretário-Geral a encarregar o Conselho de um

«processo» que engloba por sua vez a ideia de conflito e de situação.

2.º Efeito da interpelação: uma vez solicitado, o Conselho de Segurança é livre de

aceitar ou de recusar o exame do conflito ou da situação. Um primeiro debate terá lugar sobre

a inscrição da questão na ordem do dia do Conselho, o que implica somente que o Conselho

aceite abrir a discussão. Não existe aqui senão uma questão de processo, suscetível de um voto

maioritário sem direito a veto dos membros permanentes. A abertura da discussão não

prejudica nem a aceitabilidade da iniciativa, nem a fortiori  uma solução de fundo. Contudo os

Estados não hesitam em argumentar contra a inscrição de um assunto na ordem do dia. É que

tal passo pode ter uma certa ressonância política. Daí em diante, o assunto será subtraído ao

segredo das negociações diplomáticas e será objeto de debates públicos.

Modalidades de intervenção do Conselho de Segurança: o Conselho pode fazer apelo ao

conjunto dos meios não jurisdicionais de resolução pacífica dos conflitos oferecidos pelo Direito

internacional geral. Em princípio procede pela via de recomendações, porém parece adquirido

que ele tem direito de impor às partes o recurso a uma forma de resolução por uma decisão: no

parecer consultivo de 21 de junho de 1971, o Tribunal Internacional de Justiça considerou que

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287 

a redação do artigo 25.º da Carta não impedia reconhecer valor decisório às resoluções do

Conselho de Segurança que não se inscreviam no quadro do capítulo VII da Carta.

1.º Exercício direto dos seus poderes de resolução de conflitos: quando examina um

processo, o Conselho tem primeiro que tudo o direito de abrir ou de fazer proceder sob sua

autoridade a um inquérito. Mesmo sem habilitação especial, o Conselho pode sempre decidirconhecer a materialidade dos factos. O Conselho pode, ainda, ir mais longe com base no artigo

34.º, e proceder a um inquérito especial: procura também determinar se o prolongamento de

um conflito ou de uma situação « parece ameaçar a manutenção da paz e da segurança

internacionais». O objeto do inquérito é mais ambicioso visto que se dirige a conclusões de

fundo relativas à qualificação jurídica dos factos; estas conclusões podem constituir a primeira

etapa para uma tomada de posição sobre a manutenção da paz. Logo que é interpelado em

virtude dos artigos 37.º e 38.º, o Conselho pode recomendar os termos de uma resolução. Assim

fazendo, ele exerce a função de mediador e de conciliador. Já se tem defendido que o Conselho

podia desempenhar o papel de árbitro. Não se pode admitir esta análise senão quando o

Conselho adotasse uma decisão obrigatória para as partes no conflito. Uma tal eventualidade

não é talvez interdita pela letra do Capítulo VI, porém ela nunca se verificou. Regra geral, o

Conselho não age por si próprio porque a sua estrutura não se presta para tal, mas por

intermédio de uma comissão intergovernamental ou de personalidades das quais ele avaliza os

resultados.

2.º  Convite dirigido às partes para recorrerem a uma determinada forma de

resolução:

a)  Em dois casos de intervenção oficiosa, o Conselho pode fazer

recomendações relativas aos meios de resolução pacífica de um litigio.

De acordo com o artigo 33.º, n.º2, se o julgar necessário, convida as

partes a escolher entre os meios tradicionais de resolução, enunciados

no n.º1. O artigo 36.º, n.º1, permite-lhe ser mais preciso e recomendar

um certo procedimento ou «método de ajustamento» que

eventualmente julgue adequado.

b)  O Conselho de Segurança pode igualmente convidar as partes no

conflito a recorrerem aos bons ofícios de um outro órgão, em particular

do Secretário Geral das Nações Unidas, ou aos processos oferecidos por

outras organizações internacionais.

c)  Cada vez mais o Conselho de Segurança tem a tendência para criar

órgãos subsidiários que lhe estão diretamente subordinados e cuja

missão é a de o assistir na sua tarefa. Na maior parte dos casos sãoórgãos ad hoc. A sua composição (órgão individual ou colegial,

composto de representantes de Estados, de personalidades

independentes ou de peritos) e as suas competências são determinadas

livremente pelo Conselho  –  dentro dos limites dos seus próprios

poderes – em função das circunstâncias e das exigências específicas de

cada caso. O órgão subsidiário é por vezes encarregue de observar e de

supervisionar a aplicação de uma solução já adotada. Teoricamente, a

criação das forças de manutenção da paz não provém da resolução

pacífica dos conflitos, contrariamente à das missões de observação. Na

prática a distinção é muito delicada, tanto mais que uma das missõesdas Forças é a de preceder a observações.

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Se bem que a sua competência para criar estes órgãos seja fixada por

uma disposição (artigo 29.º da Carta) que pertence a uma secção do Capítulo V intitulado

“Processo”, admitimos que se trate em geral de uma questão de fundo, submetida por esta

razão ao vetos dos membros permanentes do Conselho.

II – Assembleia Geral

Oscilações das competências da Assembleia: como órgão plenário, a Assembleia é mais um

fórum, uma tribuna política, que uma instância de resolução. Pode temer-se que ela não

apresente a neutralidade necessária ao exercício de uma função de resolução pacífica. Mas o

reparo poderia ser endereçado a todos os órgãos políticos e não é pertinente senão quando se

trata de evitar que um conflito venha a ser uma ameaça para a paz. A sua intervenção tem sido

 julgada útil porque ela garante uma igualdade entre Estados que não assegura o processo de

voto no Conselho de Segurança e porque ela pode tomar posição por maioria. A Cartareconhece-lhe competências concorrentes com as do Conselho. A prática demonstrou a

necessidade de contornar algumas limitações iniciais. Mas as grandes potências permanecem

muito atentas a toda a tentativa que coloque em causa ainda que indiretamente as

competências próprias do Conselho.

1.º Competências da Assembleia segundo a Carta: o artigo 10.º da Carta atribui-lhe uma

competência a todos os títulos geral. Os artigos 11.º, 12.º e 14.º definem várias hipóteses que

interessam à resolução de conflitos. A Assembleia pode discuti e fazer recomendações sobre

todas as “questões” que interessem à manutenção da paz (artigo 11.º, n.º2); a sua competência

é confirmada pelo artigo 35.º. A sua interpelação é relativamente fácil visto que pode ser um

ato de um Estado membro, de um Estado não membro ou do Conselho de Segurança. Ela pode

solicitar a atenção do Conselho de Segurança sobre as situações perigosas para a paz (artigo 11.º,

n.º3). Ela pode enfim  –  e sobretudo  –  recomendar as «medidas próprias para assegurar o

ajustamento pacífico de toda a situação» (artigo 14.º). A fim de remediar os inconvenientes de

um paralelismo obsoleto de competências da Assembleia e do Conselho perante conflitos mais

graves, e como garantia da preponderância deste último, a Carta impõe duas limitações à

Assembleia. Segundo o artigo 12.º, a Assembleia Geral não tem o direito de fazer

recomendações sobre os «assuntos» - conflitos ou situações, incluídos os discutidos a propósito

do artigo 14.º - que examinará o Conselho de Segurança. Quando muito ela está no direito de

«discutir»; esta «reserva à reserva» pode parecer irrisória: qual é a utilidade de um debate que

não pode ser senão transmitida: com efeito, a Assembleia está capacitada para fazer

recomendações quando o Conselho lho solicite expressamente para tomar posição, ou quando

eliminou o assunto da sua ordem do dia. Em segundo lugar, cada vez que o exame de um caso

provoca uma ação coerciva regida pelo Capítulo VII da Carta, a Assembleia Geral deve reenvia-

lo ao Conselho, seja antes ou seja depois da discussão (artigo 11.º, n.º2 in fine). O monopólio do

Conselho em matéria coerciva implica, em princípio, a incompetência da Assembleia para

recomendar uma tal «ação».

2.º A prática, marcada pelos avanços e recuos da competência da Assembleia, é menos

restritiva do que sugere o texto da Carta. Face à ameaça permanente do bloqueio da atividade

do Conselho pelo voto dos seus membros permanentes, a Assembleia tem rapidamenteprocurado obter meios para paliar a ineficácia do processo previsto pela Carta. Foi preciso

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esperar pela famosa resolução 277 (V) de novembro de 1950, «União para a Manutenção da

Paz» mas denominada frequentemente como «resolução Dean Acheson» pelo nome do seu

promotor, o Secretário de Estado americano da época, para que a ultrapassagem da letra e do

espirito da Carta fosse realizada. Se bem que a sua «constitucionalidade» permaneça muito

contestada, existe uma prática suficiente para que possamos ver nela o fundamento de algumas

iniciativas da Assembleia em matéria de resolução de conflito. Certamente, em princípio paraque a resolução seja posta em prática é necessário pelo menos uma ameaça contra a paz. Mas

a Assembleia permite-se fazer dela uso sem necessidade de qualificar a situação que denuncia;

evitando designar os Estados implicados, ela contenta-se a recomendar medidas políticas

totalmente compatíveis com a ideia da solução pacífica de conflitos. Por outro lado, a

Assembleia nunca até aqui recomendou o emprego de medidas coletivas semelhante às

enumeradas no artigo 41.º da Carta em matéria de manutenção da paz. A concorrência com o

Conselho permanece no quadro dos meios de resolução pacífica.

Modalidades de exercício de competências da Assembleia Geral: tal como o Conselho de

Segurança, a Assembleia Geral pode fazer apelo a toda a gama de técnicas de resolução pacífica

de conflitos. Mas ela padece de uma incapacidade muito marcada, a sua composição: o número

elevado de Estados membros, o muito amplo leque da sua potência real, a dependência de

muitos dentre eles face às grandes potências e as divergências de interesses interditam este

órgão de pôr diretamente em prática algumas formas de resolução tais como a conciliação e a

mediação. Também a Assembleia prefere solicitar o Conselho de Segurança que recomende o

emprego de meios pacíficos de resolução ou de os pôr em prática, ou convidar as próprias partes

no litígio a eles recorrerem.

1.º No quadro da resolução de Acheson, mas também sobre outras bases, a Assembleia

associa-se voluntariamente ao Conselho tendo em vista a resolução de certos casos, quando ela

não tende a associá-lo às suas próprias iniciativas.

2.º Assim que ela recomenda aos Estados o recurso aos meios pacíficos, para além das

exortações diretas, a Assembleia reforça a sua pressão utilizando os órgãos existentes ou

criando novos órgãos subsidiários, sobretudo para fins de inquérito.

III – Secretário Geral da O.N.U.

As suas funções diplomáticas:

1.º  Segundo o artigo 99.º da Carta, o «Secretário-Geral pode solicitar a atenção do

Conselho de Segurança para qualquer assunto que, em sua opinião, possa ameaçar a

manutenção da paz e da segurança internacionais». Em virtude desta disposição, o Secretário-

Geral pode ativar a intervenção do Conselho de Segurança nos casos em que nenhum governo

tome a iniciativa de o solicitar. O artigo 99.º tem por objetivo remediar esta necessidade. Sobre

este ponto, os autores da Carta colheram a lição da experiência da Sociedade das Nações cujo

Secretário-Geral, agente puramente administrativo, não dispondo de uma competência

semelhante, tinha permanecido impotente face à inércia voluntária e calculada dos Estados

membros. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas está pelo contrário em posição

de dar o alarme e de exercer o papel de um autoridade internacional permanente, pelo menosmoral, por sua própria iniciativa. A função de iniciativa reconhecida ao Chefe do Secretariado da

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Organização responde a uma necessidade de eficácia verificada em numerosas organizações

internacionais.

2.º O Secretário-Geral exerce por vezes as funções diplomáticas não por seu próprio

arbítrio, mas com base num mandato que lhe é confiado pela Assembleia ou pelo Conselho de

Segurança, hipótese prevista no artigo 98.º da Carta.

3.º Mesmo sem habilitação ou texto, o Secretário-Geral está numa posição estratégica

na Organização das Nações Unidas que o autoriza a desempenhar muitas vezes de maneira

discreta senão mesmo confidencial, um papel importante para resolver certos conflitos . Em

princípio, ele pode acionar todas as formas de resolução pacífica: negociações, bons ofícios,

mediação, conciliação.

2.º - Definição do Estado segundo o Direito Internacional

Identificação do Estado: o Estado é um fenómeno histórico, sociológico e político considerado

pelo Direito. A sua definição ambiciona essencialmente isolar este fenómeno e esta instituição

 jurídica de outras entidades que desempenham um papel nas relações internacionais: o Estado

deve permanecer um sujeito de direito suficientemente poderoso e “raro” para pretender

conservar um lugar privilegiado na condução das relações internacionais. Este fim é alcançado

na medida em que o Estado é o único sujeito de direito que beneficia de um atributo

fundamental, a soberania ou a independência. Os Estados guiados por esta preocupação de

preeminência em relação aos outros sujeitos de Direito Internacional, não se contentarão com

uma definição baseada em critérios objetivos. Introduzirão nesta definição elementos mais

subjetivos, autorizando-os a manter um certo controlo no aparecimento dos Estados, por umaespécie de direito de cooptação. «O Estado é normalmente definido como uma coletividade que

se compõe de um território e de uma população submetidos a um poder político organizado»101 

e «caracteriza-se pela soberania». Nesta qualidade, não está subordinado a qualquer outro

membro da comunidade internacional; em contrapartida está diretamente submetido ao Direito

Internacional, o que lhe oferece uma certa proteção jurídica. Esta definição de Estado tem um

caráter um tanto tautológico. Se há necessidade de uma definição de Estado, é para saber se tal

coletividade humana pode invocar em seu proveito o princípio da soberania. A definição supõe

o problema resolvido. Ela revela-se mais útil para distingui os Estados de outras entidades

concorrentes do que para demonstrar a sua existência.

Secção I  – Os elementos constitutivo do Estado

I – Uma População

101 Parecer n.º1, 29 novembro 1991, R.G.D.I.P.

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Relações entre Estados e população: um Estado é, antes de mais, uma coletividade humana.

Não pode existir sem população. O que é a população de um Estado? Existem critérios sobre a

sua composição?

1.º Em sentido lato, compreende todos os habitantes que vivem e trabalham no seu

território. É um dado geográfico e demográfico, ao mesmo tempo demasiado lato e demasiadoestreito sob um ponto de vista jurídico. Demasiado lato porque inclui os estrangeiros

domiciliados no Estado ou que aí possuem a sua principal residência, e não renunciaram à sua

nacionalidade de origem; esta escolha não justifica de facto a sua inclusão num dos elementos

constitutivos do Estado. Mas é também uma conceção demasiado restritiva na medida em que

descura os nacionais instalados no estrangeiro que escolheram continuar a participar na vida

política do seu Estado de origem.

2.º Enquanto elementos constitutivo, a população e entendida sobretudo como a massa

dos indivíduos ligados de maneira estável ao Estado por um vínculo jurídico, o vínculo da

nacionalidade. É o conjunto dos nacionais. A nacionalidade cria uma fidelidade pessoal do

indivíduo para com o seu Estado nacional; ela fundamenta a competência pessoal do Estado,competência que o autoriza a exercer certos poderes sobre os seus nacionais onde quer que se

encontrem.

3.º  Por população do Estado, designa-se por vezes também a coletividade dos seus

naturais. Ora este termo, utilizado em contextos muito variados pelos tratados, não é

interpretado de maneira uniforme. Os termos “natural” e “nacional” ora são considerados

sinónimos. Ora o termo “natural” tem um sentido mais lato do que a noção de “nacional” e visa

pessoas assimiladas aos nacionais.

População, nação e povo: somente o primeiro termo é pertinente, no que respeita aos

elementos constitutivos do Estado. Assim, nenhuma regra de Direito Internacional impõe que acada Estado corresponda uma “nação” e uma só. O Direito Internacional não proíbe de modo

nenhum que um Estado englobe várias “nações”, cujos membros terão  todos a mesma

nacionalidade. Todavia, a noção de população não basta para englobar todas as realidades

tomadas em conta pelo direito e pela política internacional. Muitas vezes pareceu oportuno

privilegiar, além da simples realidade estatística e jurídica que é a população, um facto

sociológico e político simbolizado pela nação ou pelo povo, expressões de uma certa

homogeneidade da população. O que é uma nação? O desacordo é total sobre os seus critérios..

Segundo a conceção subjetiva, para que haja nação, é necessário e suficiente que os indivíduos

que a compõem possuam vontade de viver juntos. Para os partidários da conceção objetiva, a

existência de nação assenta em fatores reais: comunidade histórica, homogeneidade racial,linguística, cultural, etc.; alguns chegarão mesmo a pretender que é legítimo integrar um Estado,

se necessário contra a sua vontade, todos os indivíduos que fazem parte, em virtude destes

“critérios”, de uma mesma nação. A acuidade do desacordo está ao nível das implicações

políticas que se quis dar ao conceito de nação. No século XIX nasceu o princípio das

nacionalidades, segundo o qual todos os indivíduos que pertencem a uma mesma nação têm o

direito – mas não a obrigação – de viver no interior de um Estado, que lhes seja próprio. O Estado

coincide então com uma nação e é um “Estado nacional”. Não sendo admitido enquanto

princípio geral pelo Direito Internacional, o princípio das nacionalidades dominou vários regimes

convencionais dos séculos XIX e XX (tratados de paz, reconhecimento coletivo de novos Estados,

proteção de minorias). O seu avatar contemporâneo é o princípio do direito deautodeterminação dos povos, consagrado pelo Direito positivo no seu alcance anti-colonial. Mas

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não se trata senão de uma consagração parcial do princípio das nacionalidades: o Direito

Internacional atual não comporta ainda o reconhecimento da legitimidade da secessão. Em que

medida esta noção de autodeterminação joga em benefício da população concreta, isto é, da

nação ou do povo? O princípio do direito de autodeterminação dos povos está no ponto de

encontro de duas noções fundamentais: o princípio das nacionalidades e a ideia democrática.

Derivado do primeiro, implica que as cessões e as ligações territoriais não podem realizar-se sema vontade livremente expressa das respetivas populações; ligado à segunda, implica o direito de

a população de cada Estado escolher livremente o seu regime político e a sua organização

constitucional. Para os povos já constituídos em Estados, o princípio confunde-se com o da

autonomia constitucional e política do Estado: isto é, a possibilidade de escolher o seu regime

político e o direito de designar os seus governantes sem ingerência estrangeira. Os únicos limites

impostos incidem no respeito de certos direitos do homem (proibição do racismo e do apartheid)

e, progressivamente, da ideia de democracia.

II – Um Território

Relações entre o Estado e o Território: do mesmo modo que pode dizer-se «não há Estado

sem população», deve dizer-se «não há Estado sem território». O princípio está firmemente

estabelecido pelo costume internacional. O Estado desaparece com a perda total do seu

território. O Direito Internacional interessa-se apenas pelas relações entre certos dados

geográficos e a soberania pelas quais se define o território estatal. A importância concedida ao

território como elemento constitutivo do Estado permite reconhecer uma forte

interdependência entre o território Estatal e os outros elementos constitutivos, população e

governo. Não é necessário que o território tenha uma dimensão importante para que possaestabelecer-se um Estado. Conhecem-se “micro-Estados” desde sempre e a sua existência não

é contestada.

1.º Território e População: entre os dois conceitos, a relação é direta e necessária; não

há território estatal sem população. A população estatal moderna e uma população sedentária,

estabilizada no interior das fronteiras do território do Estado. A ideia de um Estado nómada é

“aberrante” e todos os governos confrontados com os problemas do nomadismo

transfronteiriço praticam políticas, por vezes, brutais, de sedentarização dos grupos nómadas.

No mesmo sentido, a presença de um indivíduo num território estatal constitui, senão uma

prova da nacionalidade, pelo menos um vínculo ao Estado que representa um indício +útil em

caso de contestação da nacionalidade real.

2.º Território e Governo: o vínculo entre estas duas noções também é necessário, pois

não pode imaginar-se um Estado sem poder estável. As condições modernas de exercício do

poder político e administrativo exigem o domínio de um território, por muito reduzido que seja.

A posse de um território impõe-se portanto como condição prévia para a existência de um

“governo”. Inversamente, o território é o espaço no qual o Estado exerce o conjunto dos poderes

reconhecidos às entidades soberanas pelo Direito Internacional. Este laço muito forte

estabelecido entre a plenitude das funções governamentais e o território estatal obriga a

qualificar diversamente os espaços em que as autoridades do território estatal obriga a qualificar

diversamente os espaços em que as autoridades do Estado não exercem competências plenas eexclusivas: fala-se então de zonas ou de espaços “sob jurisdição” doo Estado. É necessário mas

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suficiente que o Governo disponha de um mínimo de base territorial para que exista Estado. Isso

pressupõe antes de mais que a integridade territorial é um princípio fundamental do Direito

Internacional contemporâneo – dado que só se admitiram as modificações territoriais por meios

pacíficos. (O princípio da integridade territorial, enunciado no artigo 2.º, n.º 4, da Carta nas

Nações Unidas é evocado em inúmeros documentos internacionais). Podemos daqui deduzir

consequentemente que a qualidade de estado não se perde pelo simples facto da diminuiçãodo território. Não só as modificações de fronteiras permanecem possíveis mas a identidade do

antigo Estado não é atingida pelas flutuações da sua consistência geográfica.

Natureza jurídica do território: as opiniões dividem-se quanto à melhor fórmula jurídica que

permita consagrar a associação estreita do Estado e do território. Foram quatro as teorias

principais propostas pela doutrina, mas somente as duas últimas são suscetíveis de serem

consideradas hoje em dia:

1.º No interesse do Estado, as duas primeiras teorias esforçam-se por criar a união mais

estreita possível entre o Estado e o seu território:

a) teoria do território-sujeito: aproxima-se da conceção organicista do Estado, o

território é considerado como uma componente própria do Estado-pessoa. É designado quer

como a “qualidade do Estado”, quer como o “corpo do Estado”, quer como “um elemento da

natureza do Estado”, quer como “a essência do Estado”; aqui o Estado é uma “corporação

territorial”. Uma tal valorização jurídica do território, que o assimila a um titular de direitos e

obrigações, é inaceitável. Ela favorece a multiplicação das ficções jurídicas é contestada pelo

Direito positivo. Logicamente, tem como consequência que a identidade do Estado deve mudar

com cada mutação territorial. Acabamos de ver que isso não sucede;

b) teoria do território-objeto: é um progresso doutrinal, pois dissocia o Estado

do seu território; mas é para criar logo entre eles o laço mais íntimo, a relação de propriedade.Presume-se que o Estado exerça sobre o seu território um direito real semelhante ao que possui

um proprietário sobre o que lhe pertence. Esta teoria remonta à época da monarquia absoluta,

em que prevalecia uma conceção patrimonial do estado (reunião de privilégios nas mão do

monarca). Apesar do desaparecimento da conceção patrimonial, a teoria que daí resultaram não

caiu em desuso e conta ainda na época contemporânea, com numerosos partidários. Na verdade,

a teoria do território-objeto está construída sobre uma ideia errónea do poder de Estado, poder

que se exerce diretamente sobre homens ou atividades e não sobre coisas.

2.º As duas últimas teorias, se associadas, justificam rigorosamente a realidade jurídica,

sem sacrificar os interesses legítimos do Estado:

a)  teoria do território-limite: sustentada por Michoud e Duguit propõe

considerar o território como o limite do poder do Estado; mais realista do as precedentes, reflete

a associação estreita entre território e governo. Ela mostra-se insuficiente na medida em que

não traduz na sua plenitude a importância jurídica que o território apresenta para a própria

existência do Estado;

b) teoria do território-título de competência: diz, com efeito, que o território é

mais do que um limite; constitui um título jurídico essencial da competência do Estado.

Formulada em 1905 por Radnitzky, a teoria é hoje a mais geralmente aceite pela doutrina. Ela é

perfeitamente compatível com todos os aspetos do domínio territorial do Estado. A sua

aceitação não exclui, mas pelo contrário exige, que se retenha paralelamente a teoria do

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território-limite. Porque, se o território confere ao Estado um direito de agir, é então necessário

limitar o seu poder de governar o seu próprio território.

Consistência do território estatal: a consistência do território resulta da ideia de que o

território é o espaço em que se aplica o poder do Estado. Onde o Estado exerce o conjunto das

competências deduzidas da soberania, existe o território estatal.

1.º Os diferentes componentes do território: todo o espaço respondendo à condição

que acabamos de evocar está incluído no território stricto sensu. Trata-se, em primeiro lugar, do

conjunto do território terrestre, inclusive as vias de água. Dever-se-ão juntar ainda certos

espaços marítimos e o conjunto do espaço aéreo. Em contrapartida, os espaços em que o estado

exerce apenas os “direitos de soberania” ou uma “jurisdição funcional” não estão incorporados

no território estatal. As regras aplicáveis a estas zonas nem por isso deixam de ser consideradas

como servindo para determinar o “estatuto territorial” do Estado costeiro.

2.º Será necessário que o território estatal seja contínuo? Embora o seja regra geral – 

sob reserva das possessões insulares  –, o Direito Internacional não o exige. As circunstânciashistóricas favoreceram por vezes a manutenção de enclaves em territórios estrangeiros ou a

criação de Estados sem unidade geográfica. O território de um Estado terceiro pode constituir

uma solução de continuidade entre os elementos do território terrestre ou marítimo de um

Estado.

3.º  A delimitação do território estatal  é certamente útil para revenir conflitos entre

Estados limítrofes. Não é juridicamente necessária e muitas vezes realiza-se tardiamente. A falta

de delimitação ou o seu caráter impreciso não constitui uma objeção ao reconhecimento da

existência do Estado.

III – Um Governo

Relações entre Estado e governo:

1.º Um aparelho político é tão necessário à existência do Estado como uma população

e um território. Como pessoa jurídica, o Estado tem necessidade de órgãos para o

representarem e exprimirem a sua vontade. Titular de poderes, só poderá exercê-los por

intermédio de órgãos compostos de indivíduos. Um território sem governo, na aceção moderna

da palavra, não pode ser um Estado no sentido do Direito Internacional. O Direito Internacionalconfirma esta necessidade de um governo, em chegar ao ponto de ditar aos Estados as

modalidades da sua representação governamental. A noção de governo estatal é portanto

entendida num sentido lato, sem relação estrita com as qualificações de Direito interno.

2.º  Existe uma segunda relação entre o governo e o Estado, que incide não

propriamente na existência do Estado mas nas suas competências. Se o Estado dispõe de um

governo, é para responder à sua missão fundamental de satisfazer as necessidades da população

submetida à sua autoridade. A ideia de governo está diretamente relacionada com a conceção

funcional do Estado. Ela confere, assim, um título particular de competências estatais, as

relativas às organizações e à defesa dos serviços públicos do estado sem as quais ficaria privado

dos instrumentos indispensáveis ao exercício dos seus deveres.

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