Direito Penal I - Maria Fernanda Palma e Figueiredo Dias

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    DIREITO PENAL IMaria Fernanda Palma |葡 的法律大学 |大象 堡 

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    Direito Penal I | Professora Maria Fernanda Palma2015/2016

    葡京的法律大学 |大象城堡 

    A Sebenta está feita com base, no pensamento da Professora Regente,

    nos fascículos que tinha publicados na AAFDL e que tive o trabalho de

    atualizar.

    A professora, entretanto, publicou um livro atualizando-o.

    Se usarem a sebenta atentem criticamente às atualizações.

    E LEIAM O PROFESSOR TAIPA DE CARVALHO SE NÃO CONSEGUIREM ACOMPANHAR APROFESSORA E O PROF. FIGUEIREDO DIAS nos seus livros (sendo excelentes, acabam por ser

    muito densos).

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    Direito Penal I | Professora Maria Fernanda Palma2015/2016

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    I – Definição do Direito Penal1 

    Definição do Direito penal: o problema nas suas vertentes: o Direito Penal é um conjuntode normas que se autonomizam no Ordenamento Jurídico por atribuírem a certos factosdescritos pormenorizadamente  – os crimes  – consequências jurídicas profundamente graves  – 

    as penas e as medidas de segurança. Os elementos identificadores das normas penais são,

    consequentemente, o crime, a pena e a medida de segurança. Os crimes constituem o conteúdo

    da previsão da norma penal, as penas ou as medidas de segurança correspondem à sua

    estatuição. Não poderemos reconhecer uma norma como penal apenas porque o legislador

    designou os factos que previu como crimes e as sanções que estatuiu como penas. O crime e a

    pena têm um conteúdo pré-legislativo indisponível. Essa indisponibilidade revela já uma relação

    entre a definição material de Direito Penal e a temática da legitimidade constitucional. E essa

    relação postula que o Direito Penal português não poderá ter qualquer conteúdo. O crime e a

    pena são entidades produzidas por instâncias socias antes de serem moldadas pelo legislador

    como tais. Há uma vinculação (embora não rígida) entre a noção de crime dos diversos grupos

    sociais e a definição legislativa. Assim, as representações sociais comuns sobre o que é uma

    atividade criminosa são normalmente reproduzidas pelo legislador. E a aceitação das decisões

    legislativas depende da receção das representações sociais dominantes por aquelas decisões.

    Por estas razões, não é correto afirmar que uma conduta é criminosa porque é punida, nem no

    âmbito da ciência jurídica, nem num plano científico geral. Tal afirmação só seria correta à custa

    da convicção errónea de que o Direito cria, absolutamente, o seu objeto  – a realidade a regular.

    A afirmação de que um comportamento constitui um crime porque é punido deve ser

    substituída pelo reconhecimento de que só é criminoso o comportamento que mereça uma

    pena. Este reconhecimento apela à legitimação constitucional do Direito Penal e remete para oestudo da realidade sócio-psicológica do crime. Pretende-se apenas que as representações

    sociais sobre o crime, pré-juridicamente conformadas, constituem (como factos sócio-

    psicológicos) pontos de referência do legislador penal na definição jurídica do crime. A teoria do

    Direito Penal não poderá, por consequência, definir o crime só em função da atribuição de uma

    pena  – e por isso como um nada, intrinsecamente  – mas terá de encontrar o sentido jurídico

    último do crime e da pena, que perita não os confundir, enquanto manifestações de ilícito e de

    sanção, com outras realidades. É uma expressão normal deste desiderato a consideração do

    Direito Penal como ramo do Direito Público em que à lesão dos bens jurídicos essenciais para a

    vida em sociedade são atribuídas as sanções mais graves do Ordenamento Jurídico (esta é uma

    noção dominante desde o advento do pensamento liberal sobre a necessidade da pena,representado por Beccaria). Na noção de essencialidade dos bens está compreendida aquela

    imagem social da pré-compreensão do crime que nos permite identificar materialmente o

    Direito Penal. Uma outra forma de determinar o sentido último do Direito Penal consiste em

    investigar as funções das penas, de modo a poder identificar as condutas e os agentes que

    merecem sofrer a consequência jurídica da sua aplicação.

    O problema da definição pré-jurídica de crime: sua importância para o Direito Penal :os estudos científicos não jurídicos sobre o crime como fenómeno social podem ser

    genericamente definidos como Criminologia. Quando se procura uma definição operatória de

    crime, recusa-se, naturalmente, uma formulação jurídico-formal e apela-se às forças não

    1 Palma, Maria Fernanda; Direito Penal, parte geral; AAFDL; Lisboa, 1994.

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     jurídicas do controlo social do comportamento humano, definindo-se, por exemplo, o crime

    como comportamento antissocial (Mannheim). A característica da antissocialidade ou da

    irregularidade social, porém, é sempre referida às valorações sociais dominantes, de modo que

    uma das teorias criminológicas menos antigas, o label-approach, veio retirar ao conceito

    estático de crime qualquer função de objeto científico para em seu lugar colocar os processossociais de criminalização de condutas. O crime e a criminalidade como factos sociológicos seriam

    assim o resultado de um processo de seleção social, segundo a qual o legislador, a policia, os

    tribunais, e todas as chamadas instâncias formais de controlo elegeriam umas e não outras

    condutas como criminosas ou pessoas como delinquentes, e, finalmente, os grupos sociais,

    como instâncias não formais de controlo, etiquetariam certas pessoas como potenciais ou

    efetivas autoras de crimes. Encetando esta via, a sociologia criminal admitiria, contudo, o total

    relativismo quanto ao que é designado socialmente como crime e renunciaria definitivamente

    à explicação do sentido e função social da conduta delinquente e da sua génese, para se

    preocupar fundamentalmente com os processos de seleção social. Através desta última

    perspetiva, a tese de Durheim segundo a qual os crimes são « parte integrante da sociedade sã»,determinados pela própria estrutura social (e variáveis segundo ela) tornar-se-ia inoperante

    para as ciências do crime. A aceitação de uma função social do crime está, todavia, associada a

    desenvolvimentos importantes da Criminologia. Assim Merton, desenvolvendo o conceito de

    Durheim, pelo qual exprimia a indiferença relativamente às regras vigentes numa certa

    sociedade, explicá-lo-ia, enquanto fenómeno central da criminalidade, pelo desfasamento entre

    as metas sociais gerais e os caminhos para as alcançar. Sellin, com a teoria dos conflitos de

    cultura, ou Cohen, com o conceito de subcultura delinquente, radicariam o crime na eticidade

    produzida, igualmente, pela estrutura social. E, numa outra perceção das coisas, Sutherland,

    com a teoria da associação diferencial, tinha á, no princípio do século, definido a criminalidade

    como aprendizagem de modelos de conduta, compreendendo tanto as técnicas como aorientação dos móbeis, racionalizações e conceções que enformam a conduta delinquente. Pese

    embora a excessiva abstração dos modelos propostos por estes estudos, eles permitem

    simultaneamente explicar as causas do crime e elaborar ações para o seu controlo pela

    sociedade. A Criminologia, ao investigar os problemas do crime, terá, assim, de utilizar uma

    noção pré-legal de crime, eventualmente crítica das soluções legais e capaz de debater as

    questões de descriminalização e neo-criminalização. E as tentativas que tem empreendido para

    atingir tal conceito material revelam que uma noção operatória de crime engloba: o

    comportamento humano irregular por violar regras éticas ou jurídicas  –  o comportamento

    desviado de Sutherland; o comportamento humano danoso socialmente por atingir bens

    necessários à conservação ou ao desenvolvimento da sociedade – perspetiva de Mannheim.

    O conceito material de crime no pensamento jurídico : o pensamento jurídico tempartilhado com a Criminologia a preocupação de definir materialmente o crime. A divergência

    teórica que mais se repercute, hoje, no conceito material de crime é a que se configurou, a partir

    do século XIX, relativamente ao objeto da infração criminal. As grandes alternativa que se

    perfilharam foram, então, a definição do objeto da infração criminal como violação de certos

    direitos subjetivos (Feuerbach) e como violação de determinados bens jurídicos (Birnbaum). O

    confronto com estas duas perspetivas revela-nos uma diferença quanto ao elemento a que se

    refere a legitimidade do Direito Penal. No primeiro caso, trata-se da estrutura liberal-

    contratualista que somente justifica a intervenção penal onde os direitos humanos básicos que

    o contrato social visa assegurar, e que o legitimam, foram violados. No segundo caso, areferência legitimadora é já uma estrutura estatal, não liberal, a comunidade e os seus valores..

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    A perspetiva de Feuerbach dissolve a infração criminal na proteção da liberdade individual; a

    perspetiva que se iniciou com o conceito de bem jurídico de Birnbaum define a infração pela

    lesão objetiva de valores da comunidade. Segundo Birnbaum, o Direito vincula-se a elementos

    objetivos, mas simultaneamente pré-positivos ou de direito natural. Apesar de acentuar a

    objetividade, Birnbaum não deixa de procurar uma fundamentação da proteção jurídica quemerecem certos bens nos fins do Estado. Posteriormente, Binding viria a reduzir o bem jurídico

    aos valores ou condições de vida da comunidade jurídica, tal como são definidos pelo legislador,

    numa perspetiva de puro positivismo legalista. Estas duas visões objetivistas viveriam em

    permanente tensão no seio do debate sobre o conceito material de crime, mas foi, sem dúvida,

    a postura inicial que tornou mais profícuo o conceito de bem jurídico na ciência do Direito Penal.

    Von Liszt desenvolveu esta última postura definindo o bem jurídico como interesse humano vital,

    expressão das condições básicas da vida em comunidade. No seu entendimento, o bem jurídico

    é um conceito legitimador do Direito Penal (e do Direito em geral), descomprometido com a

    norma legal. Em Von Liszt, o conceito de bem jurídico ainda tem, no entanto, um conteúdo

    individualista liberal. Na realidade, a consideração do bem jurídico pode permanecer no quadrode referência do modelo de Estado liberal ou ser transportada para uma conceção de Estado e

    de Direito supra individualista ou mesmo transpersonalista. Esta última conceção, representada

    pelo Estado hegeliano e mais recentemente pelas ideologias totalitárias, considera que os

    valores da personalidade e do indivíduo estão necessariamente ao serviço dos valores coletivos.

    Os bens jurídicos (mesmo como substrato individual) são protegidos pelo interesse que

    representam para a comunidade. O bem jurídico em geral torna-se uma abstração

    desontologizada e sem substância, designando fins do Estado e não as coisas de que os

    indivíduos ou a sociedade carecem. Esta controvérsia entre diferentes conceções de bem

     jurídico não é solucionável segundo critérios científicos, pois o pomo da discórdia é uma

    determinada conceção do Estado e dos seus fins. Somente num plano ideológico é, por isso,possível encarar uma decisão sobre se o bem jurídico deve assumir uma ou outra natureza. Tem

    sido, no entanto, constante no pensamento penal a preocupação de apoiar numa perspetiva

    científica o conceito de bem jurídico. Procura-se, geralmente, situar na estrutura social,

    independentemente da instância política ou da decisão política, os critérios que tornam

    necessária a incriminação de determinadas condutas e a proteção de certos bens. A procura dos

    fatores sociológicos constantes que erigem certas realidades em bens jurídicos  – a delimitação

    dos bens necessários à preservação das sociedades  –  não conduz à validade universal das

    condições de existência. Por essa razão, o conceito de bem jurídico, enquanto elemento natural,

    pré-jurídico, de validade absoluta, tende a ser absorvido pelos fins concretos que cada sociedade

    deverá realizar, segundo a sua própria escolha. Os sistemas sociais são autoreferentes,

    constroem a sua legitimidade através dos traços da sua identidade. E, por esta via, a teoria da

    sociedade chega ao ponto de partida recusado, o de uma subordinação do conteúdo da norma

    penal à pura escolha normativa. É esse, na realidade, o desfecho a que a metodologia sociológica,

    incapaz de definir com universalidade condições de existência humanas e necessidades sociais,

    conduz o pensamento penal. Expressão daquele desenlace é, como se verá, o funcionalismo. O

    funcionalismo parte das conceções de Luhmann sobre a análise das sociedades humanas como

    sistemas sociais. Em breves linhas, a teoria sistemática diz o seguinte: A sociedade não é um

    fenómeno pura e simplesmente politico, a koinonia politique, como a entendia a tradição

    aristotélica e a filosofia política europeia, cuja expressão máxima se traduziu na teoria do

    contrato social. A sociedade é antes um sistema social. Isto é, a sociedade desempenha

    determinadas funções, cuja análise permite caracterizá-la como um sistema. Essas funçõesconsistem na institucionalização da redução da complexidade. Redução da complexidade

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    significa, aplicada às relações sociais, que o conjunto destas relações se organiza em diversos

    níveis autónomos, de acordo com as respetivas funções, progressivamente diferenciadas. Todos

    os níveis (subsistemas) se interrelacionam, gerando grande complexidade nas relações sociais.

    Finalmente, a sociedade seria a ultima função social concebível, da qual resultaria que a enorme

    complexidade da inter relação dos agentes sociais –

     proveniente de as condutas humanas seprocessarem em diversos níeis – fosse reduzida, assegurando-se assim a própria interação social.

    Torna-se claro o que seja esse fenómeno de redução de complexidade se se confrontar uma

    sociedade arcaica, comportando formas tradicionais de interajuda dos seus membros para a

    satisfação das respetivas necessidades, com uma sociedade moderna. Nas sociedades modernas,

    aquelas formas são substituídas pelo crédito financeiro, assegurado juridicamente, através do

    qual novas espécies de combinações com riscos e vantagens mais elevados são possíveis. A

    função de auxílio social desvincula-se da interajuda familiar ou da vizinhança, passando a existir

    um sistema diferenciado para cumprir essa função. Com uma tal diferenciação de funções,

    tornam-se mais complexas as relações sociais e mais difícil a previsão pelos agentes dos

    comportamentos dos outros agentes. É então necessário reduzir esta complexidade,institucionalizando condutas que podem ser geralmente aceitas e assegurando juridicamente a

    sua prática. Com isto garante-se, afinal, a interação social. Se se considerar que a multiplicação

    destes fenómenos de diferenciação de funções produz outros tantos sistemas diferenciados,

    conclui-se que a inter relação social tem de tomar em conta, de um modo geral, todos os dados

    provenientes dos diversos sistemas, pelo que se torna necessário um nível superior de redução

    de complexidade: a sociedade através do seu Direito (Luhmann). O Direito é a estrutura da

    sociedade que regula e assegura a institucionalização de relações de sentido constantes entre

    ações. A sua função é, precisamente, selecionar entre as expectativas de ação aceitas com um

    certo grau de generalidade aquelas cuja generalização deve ser institucionalizada. Assim, a partir

    de uma nova conceção de sociedade chega-se a uma nova definição de Direito. O Direito não éum dever moral ou um imperativo político mas apenas a institucionalização de expectativas de

    ação – o que o liga, certamente, à necessidade de estabilização dos possíveis conflitos interiores

    ao sistema social e reduz o problema da legitimação do Direito à dimensão da funcionalidade.

    Em face disto, toda a conduta desviada em relação à norma surge como uma frustração das

    expectativas de comportamento asseguradas juridicamente. Mas esta frustração não é, em si,

    disfuncional ou exterior ao sistema de interação social. Como conduta associal, ela é antes uma

    consequência das decisões básicas variáveis do sistema social. Ela é produzida através dos

    mesmos processos sociais que indicam a conduta conforme ao Direito – é, portanto, uma reação

    normal. Além disso, a conduta desviada busca o seu sentido na ordem dominante, pois é

    simplesmente impossível uma subcultura criminosa, como um contradireito, sem qualquer

    referência à ordem dominante. E, finalmente, o que é mais significativo é que a conduta

    divergente desempenha funções positivas e é útil como fator de afirmação da ordem vigente.

    Esta conceção da função do Direito conduz à função simbólica da pena e do Direito Penal de

    Jakobs. O ponto de vista de que o Direito Penal visa proteger bens jurídicos é substituído,

    absolutamente, pela função de estabilização contrafática das expectativas geradas pela violação

    de uma norma incriminadora. O crime esvai-se como problema real, dano social objetivo, para

    se tornar pretexto da afirmação de modelos de ação. A aplicação da pena é vista como

    oportunidade de controlar a interação social. Assim, o funcionalismo, na versão de Jakobs,

    destrói a legitimação do Direito Penal num conceito material de crime. Mas será o conceito

    material de crime uma ideia ancorada, metodologicamente, num direito natural universalista

    que a teoria da sociedade ultrapassou definitivamente? A visão funcionalista baseia-se emdados objetivos irrecusáveis, quando reconhece que não há definição puramente naturalística

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    das necessidades sociais ou individuais e que os sistemas são auto referentes. Mas esse

    reconhecimento permite ainda discutir criticamente as decisões legislativas de incriminação de

    condutas na ótica dos fins do sistema. E, por isso, viabiliza um controlo de legitimidade do Direito

    Penal. Permanecem, por essa via, válidos o significado e a função classicamente conferidos ao

    bem jurídico. A incriminação de condutas lesivas da moralidade social, como a pornografia nãoreflete uma necessidade do núcleo de condições essenciais de existência na nossa sociedade,

    pois a coesão social não se define a partir da moral sexual, mas sim a partir da liberdade

    individual. Quando a pornografia, porém, contribuir para diminuir a capacidade de decisão no

    domínio sexual ameaça a auto determinação da pessoa e o seu pleno desenvolvimento. Nestas

    hipóteses, já o Direito Penal poderá intervir. Em resumo: a visão funcionalista não anula a função

    crítica do conceito material de crime, pela referência de toda a legitimidade da proteção

     jurídico-penal aos fins sociais. E, na medida em que a definição destes fins não é produto de uma

    arbitrária decisão normativa, mas surge apenas como efeito objetivo da ação dos indivíduos  – 

    enquanto subsistemas, eles próprios, vocacionados para a auto realização  –, o funcionalismo,

    como teoria, não exclui a discussão crítica do objeto da infração criminal.

    O conceito material de crime e a doutrina do bem jurídico: qualquer

    limitaçãooudiretriz,paraolegislador,quantoaosfactosqueeledeve,ounãodeve,

    sancionarpenalmentesópoderesultardeumconceitomaterialdecrimeanteriorao

    DireitoPenalpositivoedoconceitodebemjurídicoquelheservedebase,osquais

    estãoindissociavelmenteligadosàfunçãodoDireitoPenal(asseguraraproteção

    subsidiária de bens jurídicos fundamentais à sobrevivência da sociedade). Essa

    funçãodoDireitoPenalretira -sedaprópriafunçãodoEstadodeDireitodemocrático(dastarefasqueaConstituiçãolheassinala)que,nostermosdoartigo2.ºCRP,se

    fundanorespeitopelosdireitosindividuais–osquais,segundooartigo18.º,n.º2

    CRP,aleisópoderestringirnoscasosexpressamenteprevistosnaConstituição,

    devendoessasrestriçõeslimitar-seaoestritamentenecessárioparasalvaguardar

    outrosdireitosouinteressesconstitucionalmenteprotegidos.Éapartirdoconceito

    materialdecrimequepodemosencontrarrespostaparaaquestãodesaberseo

    legisladorestá,ou não,vinculadoarespeitardeterminadaslimitaçõesouexigências,

    noque respeitaaoâmbito dosfactos puníveis. Porumlado importa saberseo

    legisladorestáproibidodeestabelecerapunibilidadededeterminadosfactose,por

    outro, há que averiguar se ele está obrigado a declarar puníveis alguns outros.

    Apoiado no conceito material de crime, o movimento de descriminalização tem

    conhecido um intenso desenvolvimento. No que respeita ao movimento de

    descriminalizaçãoquetevecomocontrapartidaacriaçãooualargamentodoâmbito

    ascontraordenações,podemreferir -se,comoreflexoouexpressãodessemovimento

    nonossopaís,nomeadamente, acriaçãodoDireitodemeraordenaçãosocial.Afundamentação normalmente invocada para as exigências de descriminalização

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    baseia-senumconceitomaterialdecrime,ouseja,umconceitodeinfraçãoque

    congregueaindicaçãodascaracterísticasquedeveapresentarumcomportamento

    humanoparaqueoEstadoestejalegitimadoadeclará-lopunível.Comoéevidente,

    umtalconceitomaterialdecrimenãopodeextrair-sedaleiordinária,temqueser

    transcendente ao ordenamento jurídico-penal. Terá que ser encontrado na

    ordenaçãoaxiológico-constitucional,poissóaConstituiçãolimitaolegisladorpenal

    ordinário. O conceito material de crime subjacente ao movimento de

    descriminalização assente em determinado entendimento da doutrina do bem

    jurídico,conjugadocomaexigênciadequeoEstadosósujeiteasançõespenais

    condutassocialmentedanosas,paratutelarbensjurídicosindispensáveisaolivre

    desenvolvimentodapersonalidadedecadahomemeaofuncionamentodosistema-socialglobal.Oconceitodebemjurídico,postuladopelaprimeiravez,em1834,por

    Birnbaum,temsidoumaevoluçãohistórico -dogmáticaacidentada.Importaapenas

    referir, para o afastar como base possível de um conceitomaterial de crime, o

    conceitometódicodebemjurídico,propugnadoporHonig,queconsideravaobem

    jurídicoapenasumaformaabreviadadeexprimirosentidoeafinalidadedeum

    conceito legal,ouseja:umaexpressãosintéticadoespíritodalei,daratio legis .

    Comoéevidente,oconceitometódicodebemjurídiconãopode,emcasoalgum,

    servirdebaseàcensura,dirigidaaolegislador,portercominadosançõespenais

    paracomportamentosquenãoofendembensjurídicos.Éque,entendendo-seobem

    jurídico como expressão sintética da ratio legis , nunca poderá haver preceitos

    incriminadoresque não protejam bens jurídicos, pois todo o preceito prossegue

    sempreumdeterminadoobjetivo,temsempreumaratiolegis .Oconceitometódico

    debemjurídicoé,emsuma,imanenteaoDireitoPenalpositivoeapenasútilcomo

    instrumento da sua interpretação. Mas só um conceito de bem jurídico

    transcendenteaoDireitoPenalpositivopodeservirdebaseaumaapreciaçãocríticadas soluções estabelecidas pelo legislador penal. Pois, como nota Roxin, se o

    conceitomaterialdecrimevisaforneceraolegisladorumcritériopolítico-criminal

    limitativodopoderdepunir,istoé,quelimiteopoderpunitivodoEstadoeovincule

    quantoàscondutasapunir,entãooconceitomaterialdecrimeteráquepartirdeum

    conceitodebemjurídico-penal(oubemjurídicocomdignidadepenal),dedutívelda

    Constituição,queéaúnicalimitaçãoimpostaaolegisladornumEstadodeDireito,

    assentenosprincípiosConstitucionais.Estaideiaéhojeabsolutamentedominante.

    Comojáreferimos,omovimentodedescriminalizaçãodasúltimasdécadas,apoiado

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    num conceitomaterial decrimedonde resulta que o Estado sópode incriminar

    condutashumanasparatutelarbensjurídicosfundamentaisàconvivênciapacífica

    entreoscidadãos,tem-sefeitosentir,nomeadamente,naexigênciadereduçãodo

    âmbito dos crimes sexuais. A este respeito, há a assinalar o aparecimento na

    literaturapenalista,háquasequatrodécadas,umacorrentedeopinião,quehoje

    contanumerosíssimosdefensoresnoestrangeiroeemPortugal(FigueiredoDiase

    TaipadeCarvalho),segundoaqualnãoélegítimoaoEstadodeclararpuníveisatos

    comsignificadosexualque,pormuitoimoraisquesejam,nãoviolamaliberdade

    sexualdeninguémnemsãopraticadosempúblicoounoutrascircunstânciasdeque

    possa resultar qualquer ofensa de interesses atendíveis de terceiros, numa

    sociedadepluralista.Aoutraexigênciaconsistenacriação eampliaçãodoâmbitodeaplicaçãodascontraordenações.OsprimeirosdestaexigênciaforamGoldschimdte

    ErickWolf–assentavamnaideiadequeoDireitoPenalsódevepunircondutas

    ético-socialmenterelevantesetutelarbensjurídicoscujaexistênciasejaanterior

    aoscomandosestaduaisquevisamasuaproteção– comoacontececomavidaou

    aintegridadefísicaeageneralidadedosbensquesãoobjetodosdireitosindividuais-

    Jánãodeveriam,porém,serabrangidaspeloDireitoPenalcondutascujarelevância

    ético-socialéconsequênciadasprópriasinjunçõesqueasproíbemenãoatingem

    quaisquer bens que jáexistam anteriormente a essas injunções.Nesta linhade

    orientação,surgiramnaAlemanha– jáem1949–diplomaslegaisquecriarame

    regularamafiguradacontraordenação,queveioaserintroduzidaemPortugalpelo

    Decreto-Lein.º232/79,24agosto.Está,porém,longedeserpacífica,naliteratura

    penalistaatual,arespostaadaràquestãodesaberseoscrimessedistinguemdas

    contraordenaçõesdeacordocomumcritérioqualitativo–comoodeGoldschmidte

    ErickWolf,que,noessencial,éoquevemsendosustentadoentrenós,desde1969,

    porFigueiredoDias–oucombasenumcritériopuramentequantitativo,estabelecidoemfunçãodagravidadedoilícitoe/oudasanção,ou,porúltimo,deumcritériomisto,

    propugnado,emtermosdivergentesentresi,porJakobs,JescheckeRoxin.Estamos

    inteiramentedeacordoquantoànecessidadedeseexcluíremdoâmbitodoDireito

    Penalatoscomo,porexemplo,ahomossexualidadepraticadaentreadultos,delivre

    vontadeesemofensadosinteressesatendíveisdeterceiro,ouqualquerconduta

    imoralnãolesivadebensjurídicos.Arespostaterádeprocurar-senaConstituição,

    àqualolegisladorpenal,comolegisladorordinário,estásujeito.ÉaConstituição

    queforneceoquadrodevaloresfundamentaisdaordemjurídica,nomeadamente

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    atravésdadefiniçãodosdireitos,liberdadesegarantias,norespeitodosquaisse

    fundaoEstadoequesópodemserlimitadosnamedidadoestritamentenecessário

    para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

    Essesvaloresfundamentaissãoabasedosprincípiosdepolíticacriminalquehão -

    deinspirar aatividadedo legisladorpenal e,aomesmotempo,servirdecritério

    delimitadordoDireitoPenal.AsopçõesaxiológicasexpressasnaConstituiçãoterão

    deserrespeitadaspelolegisladorquandodecide incriminarumconceitodebem

    jurídicoemqueseapoieumconceitomaterialdecrimevinculativoparaolegislador.

    Oconceitomaterialdecrimeteráderesultar,pois,deumconceitodebemjurídico

    prévioaoDireitoPenalpositivo,masnãoprévioàConstituição.Ora,dosprincípios

    acolhidosnanossaConstituiçãoedasvaloraçõesaelasubjacentes,poderetirar-seumconceitodebemjurídicocapazdeservirdesuporteaumconceitomaterialde

    crimevinculativoparaolegisladorordinário.Esseconceitodebemjurídicopodeser

    definidonosseguintestermos:bensjurídicossãoentes(individualizáveisnoplano

    ônticoe/ounoplanoaxiológico)ouobjetivos(finalidades),úteisàlivreexpansãoda

    personalidadedosindivíduos,noâmbitodeumsistemasocialglobalorientadopara

    essalivreexpansão,ouaofuncionamentodoprópriosistema .Detaldefiniçãoretira-

    sequeévedadoaolegisladorincriminarumcomportamento,quandoaincriminação,

    àpartida,nãopossaserútilàlivreexpansãodapersonalidadedosindivíduosnem

    aofuncionamentodeumsistemasocialemquealivreexpansãodapersonalidade

    decadaumdevaco-existircomadapersonalidadedosoutros.Istoexclui,desde

    logo,incriminaçõesarbitráriasouincriminaçõesqueprossigamobjetivosmeramente

    ideológicos,ouincriminaçõesdeatosque,apesardeimoraisnãoafetamaliberdade

    deninguém.

    A subsidiariedade da tutela de bens jurídicos: a exigência de que a

    incriminaçãodeumcomportamentosedestinea tutelarbensjurídicos,nosentido

    apontado, é apenas uma das consequências do conceitomaterial de crimeque

    podemextrair-sedaConstituição.A outraconsequência,queseinfere,sobretudodo

    artigo18.º,n.º2CRP,correspondeaoprincípiodasubsidiariedadedoDireitoPenal,

    tambémdenominadoprincípiodamínimaintervençãodoEstadoemmatériapenal

    ou da máxima restrição das penas. Binding falava a este respeito no caráter

    fragmentário do Direito Penal. Todas estas expressões têm como conteúdo a

    asserçãodequeacominaçãodesançõespenaishá-deconstituirsempreaultimaratio dapolíticasocial.Sóélícitoaolegisladorincriminarumcompor tamentoquando

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    atuteladobemoubensjurídicosqueeletememvistaprotegercomaincriminação

    não puder ser conseguida através do recurso a outros meios menos gravosos,

    nomeadamenteameiosprópriosdoDireitoPrivado,oudeDireitoAdministrativo,ou

    doDireitodasContraordenações.ComodizFigueiredoDias,« odireitopenalsópode

    intervir onde se verifique lesões insuportáveis das condições comunitárias

    essenciaisdelivredesenvolvimentoerealizaçãodapersonalidadedecadahomem ».

    ÉqueassançõespenaisconstituemamaisgraveintromissãodoEstadonaesfera

    deliberdadedosindivíduosesãotambémaquelasquetêmefeitosestigmatizantes

    maisintensos(atingindo,portanto,emregra,maismarcadamentedoquequaisquer

    outrasformasdeintromissãoestadual,obomnomeeareputaçãodaspessoasa

    quesãoaplicadas).Oartigo18.º,n.º2CRP,aoestabelecerqueasrestriçõesaosdireitos,liberdadesegarantias,devemlimitar- seaonecessárioparasalvaguardar

    outros direitosou interesses constitucionalmenteprotegidos, consagra, implícita,

    mas claramente, o caráter subsidiário da tutela jurídico-penal. Este princípio da

    subsidiariedadedoDireitoPenalimplicaaindaquemesmoaquelesbensjurídicos

    quedevemserprotegidospeloDireitoPenal,nãoodevemsercontraquaisquer

    agressões,masapenascontraasformasmaisgravesdeagressão.Manifestação

    disso,nonossoordenamentojurídico-penal,é,porexemplo,anãopuniçãododano

    negligente (artigos 212.º e seguintes CP), ou a não punição do furto do uso de

    quaisquerobjetos,masapenasveículosmotorizados,barcos,aeronavesebicicletas

    (artigo 208.º CP). Além disso, o princípio da subsidiariedade determina que a

    gravidadedapenasejaproporcionalàgravidadedaofensaeaosvaloresprotegidos

    pelaincriminação.Implica,portanto,umprincípiodeproporcionalidade.Afloramento

    desteprincípioencontramo-loemváriasdisposiçõesdonossoCódigoPenal.Éneste

    requisitodoconceitomaterialdecrime,refletidonoprincípiodasubsidiariedadedo

    DireitoPenal–enãoaideiadequeascontraordenaçõesnãoofendemqualquerbemjurídico–quesefunda,anossover,alegítimareivindicaçãodequesejamexcluídos

    doâmbitodoDireitoPenaloscomportamentosilícitosquepuderemsereficazmente

    combatidoscomocontraordenações(cujassançõesnuncapodemserprivativasda

    liberdade,enãotêmefeitoestigmatizante).Claroqueamargemdeatuaçãolivredo

    legislador, quanto a este segundo requisito do conceito material de crime, é

    forçosamentemaiordoqueemrelaçãoaoprimeirorequisito,queimpõeaexistência

    deumbemjurídicoatutelar.Issodeve -seaque,emregra,ébemmaisfácileseguro

    detetar, porexemplo, uma incriminação arbitrária, ouuma incriminaçãode atos

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    imoraisquenãoofendemqualquerbemjurídico,doqueafirmarcomsegurançaque

    determinados comportamentos ilícitos, lesivos de bens jurídicos, poderiam ser

    eficazmentecombatidospormeiosmenosseverosdoqueosdoDireitoPenal.Estará

    olegisladorvinculadoapunirdeterminadoscomportamentos?Otemaultrapassao

    DireitoPenale,comonotaRoxin,sópodesercabalmentetratadoemconexãocom

    aproblemáticadosdeveresdeproteçãoconstitucionalmenteimpostosaoEstado

    (artigo 9.º CRP). A questão de saber se o legislador está constitucionalmente

    obrigadoaincriminardeterminadoscomportamentostemsidodiscutida,sobretudo,

    apropósitodoaborto,maspode,evidentemente,colocar -serelativamenteaoutros

    comportamentosgravementelesivosdebensjurídicosfundamentaisàsobrevivência

    dasociedade.Emnossoentender – e tendo presente queoDireito Penal develimitar-seàproteçãosubsidiáriadebensjurídicosfundamentaisàsobrevivênciada

    sociedade–podedizer-seque, deummodogeral, o legisladordeverá incriminar

    aquelescomportamentos tãogravementelesivosdebens jurídicosfundamentais

    queimpedemascondiçõesmínimasessenciaisdavidaemsociedade,desdeque

    nãopossamsercombatidaseficazmenteatravésdorecursoameiosmenosgravosos

    doqueosquesãoprópriosdoDireitoPenal.Seonãofizer,estaráaviolar(por

    omissão)odeverdeasseguraracoexistênciapacíficadosindivíduosnacomunidade

    estadual.Poderáafirmar-seentão,comBatistaMachado,«queaideiadeestadode

    direitosedemitedasuafunçãoquandoseabstémdere correraosmeiospreventivos

    erepressivosquesemostremindispensáveisàtuteladasegurança,osdireitose

    liberdadesdoscidadãos ».

    Fins das penas2: outra das grandes questões através das quais se indaga o sentido último doDireito Penal e do merecimento criminal (dignidade punitiva) das condutas humanas é a vexata

    quaestio dos fins das penas. A pena tem uma conotação mágica ou sagrada que lhe foi conferida

    pelo processo histórico e que ainda hoje persiste, revelando-se sempre como imposição de um

    mal para a pessoa do criminoso e para a sua honra (e não apenas para o seu património). Trêsgrandes conceções se digladiaram: a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial. As

    teorias retributivas foram, nas suas primeiras formulações, teorias absolutas, por justificarem a

    pena pela compensação do mal do crime, independentemente de qualquer fim pragmático. Já

    na antiguidade grega é relatada uma conversa entre Anaxágoras e Péricles em que se manifesta

    a conceção retributiva. Durante a idade média, o pensamento retributivo desenvolveu-se com

    a conceção cristã de responsabilidade ética individual e assume o auge da sua elaboração em

    Kant ou Hegel. Kant assume o pensamento retributivo, justificando a pena independentemente

    de quaisquer fins, no magnífico exemplo da punição do último condenado à morte numa ilha

    em que o Estado se dissolveu. Hegel, por seu turno, considera a pena como um modo de honrar

    2 Palma, Maria Fernanda; Direito Penal, parte geral; AAFDL; Lisboa, 1994.

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    o criminoso e não como um instrumento o serviço da sociedade, através do qual a dignidade do

    criminoso como pessoa possa ser prejudicada. Por outro lado, a pena é em Hegel uma

    consequência lógica do crime, pois sendo a negação deste constitui a reafirmação dialética do

    Direito. A ideia retributiva não abandonou o pensamento contemporâneo mas tende a justificar-

    se hoje pela eficácia preventiva-geral do Direito Penal. Assim, a defesa da ideia retributiva faz-se, presentemente, sobretudo na perspetiva de que a retribuição é o único modo de demonstrar

    a eficácia das penas e garantir as expectativas dos cidadãos relativamente à punição dos

    criminosos. A teoria retributiva parte de uma ideia de responsabilidade individual baseada no

    liberum arbitrium indiferentiae, que o conhecimento científico não permite comprovar.

    Somente é aceitável presumir que as pessoas são livres na medida em que a sociedade e o

    Direito reconhecem a responsabilidade individual (aceita-se a causa na medida em que se

    assume a consequência). E mesmo que se reconhecesse, em abstrato, a liberdade da vontade,

    ter-se-ia de nega-la na maior parte dos criminosos que chegam ao crime por um processo social

    conhecido da criminologia. De qualquer modo, um pressuposto tão frágil não será suficiente

    para legitimar uma teoria retributiva radical. Por outro lado, há uma segunda crítica decisiva,que provém do terreno jurídico-constitucional: a retribuição tem um pressuposto – a culpa ética

     –, surgindo como sua consequência necessária. Ora a intervenção do Estado investido do seu

    poder punitivo não pode servir para sancionar esta culpa. Na verdade, nem os meios do

    processo penal podem atingir este nível profundo, nem a própria pena é adequada a uma

    intervenção na personalidade de cada criminoso. Aliás, não cabe ao Estado promover a Ética ou

    a Moral em si mesmas, mas apenas na medida indispensável à preservação das condições sociais

    de existência. O chamado princípio da necessidade da pena, consagrado no artigo 18.º, n.º2 CRP,

    postula que a pena só seja aplicada quando for necessária para a preservação da sociedade.

    Uma outra perspetiva sobre os fins das penas é a da prevenção geral. A prevenção geral justifica

    a pena pela intimidação dos cidadãos relativamente à violação da lei penal. É esta a linha depensamento que já se encontra em Platão (Protágoras) e que foi desenvolvida por Anselm Von

    Feuerbach. Segundo este autor, a pena serviria para impedir (psicologicamente) quem tivesse

    tendências contrárias ao Direito de se determinar por elas. A prevenção geral contém, apenas,

    na sua lógica interna, um pensamento de intimidação, mas justifica-se, mais profundamente,

    pelo fortalecimento dos juízos de valor social dos cidadãos, que depende da cominação e da

    aplicação de penas. À prevenção geral negativa associa-se, assim, uma prevenção geral positiva,

    que consiste no fortalecimento das expectativas sobre a eficácia da justiça penal. Também é

    inegável que a pena preenche necessidades de retribuição, explicáveis num plano psicanalítico,

    cuja não observação pode pôr em perigo a paz pública. A satisfação destas necessidades produz

    um efeito apaziguador, constatável empiricamente, embora seja discutível se é a severidade ou

    sobretudo a prontidão da aplicação das penas que gera o efeito inibidor e o fortalecimento da

    crença na validade do Direito. As principais críticas contra a prevenção geral dirigem-se à sua

    legitimidade, enquanto fundamento e medida exclusiva das sanções criminais. A primeira crítica

    observa que o interesse público não pode justificar que se inflija ao indivíduo qualquer pena. A

    pessoa humana não é, em caso algum, um meio ao serviço de fins sociais. O artigo 1.º CRP, ao

    consagrar a essencial dignidade da pessoa humana, inibir-nos-ia de adotar esta posição sobre

    os fins das penas. Uma outra crítica salienta que este pensamento não consegue justificar a

    atribuição da pena ao criminoso por algo que ele tenha feito e com base na medida da gravidade

    do facto  –  a pena deixaria de poder ser vista como consequência do crime. Finalmente, a

    prevenção especial ou individual considera que o fim das penas é a intervenção sobre o cidadão

    delinquente, através da coação psicológica, inibindo-o da prática de crimes ou eliminando nelea disposição para delinquir. O pensamento preventivo-especial sedia-se no entendimento

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    filosófico de que a virtude se aprende e se ensina (Protágoras). Mas o desenvolvimento global e

    coerente desta conceção só foi possível a partir do século XVII, com uma nova visão da pena

    privativa de liberdade e com a fundamentação do Direito no contrato social, que levou a

    procurar como sentido da pena a sua necessidade estrita (só a pena necessária é legítima  – V.

    Liszt). Von Liszt distingue, conforme a personalidade do agente, três funções preventivas-especiais da pena: a intimidação, o melhoramento e a eliminação do criminoso. Mas também a

    prevenção especial é inaceitável como fim exclusivo das penas, por várias razões: ela conduz a

    consequências difíceis de aceitar, tanto no plano ético como ao nível jurídico-constitucional.

    Crimes muito graves poderiam ficar impunes se não existisse perigo de reincidência e crimes

    menos graves poderiam justificar a prisão perpétua ou a morte. A investigação empírica não

    permite apoiar em dados seguros a prognose sobre a delinquência futura. Por outro lado, a pena

    é criminógena, de modo que as próprias condenações aumentam as probabilidades de

    reincidência. A prevenção especial entra em conflito com o princípio da necessidade da pena

    (artigo 18.º, n.º2 CRP), na medida em que é discutível que justifique a criminalização de condutas.

    Se a recuperação ou a intimidação do delinquente são falíveis, será legítimo utiliza meios tãograves para a realização incerta desses fins?.

    Fins das penas e princípios constitucionais do Direito Penal: nenhuma das teorias dos finsdas penas logra, pelas suas forças exclusivas, dar uma resposta satisfatória ao problema da

    legitimidade da pena. As teorias sobre os fins das penas pretendem resolver um problema mal

    colocado – o dos fins ideais das penas. A esses fins ideiais contrapõem-se a amarga necessidade

    de punir, devendo toda a discussão sobre os fins das penas estar condicionada pelo seu

    conteúdo histórico e pela sua função social. O ponto de partida da discussão é, deste modo, a

    realidade da pena e não aquilo que ela idealmente deveria ser. Não terá cabimento,

    consequentemente, proclamar que a pena não deve ser retributiva onde a primeira necessidade

    humana que a pena pública satisfaz é a da substituição psicológica da vingança privada. Oproblema fundamental será, então, saber se a pena poderá cumprir aquele destino

    racionalmente (e de forma eticamente aceitável) e ser instrumento de efeitos sociais uteis, para

    além das razões ancestrais da sua instituição. Esta última análise não implica o apelo a uma pura

    racionalidade de fins, mas a uma racionalidade ditada pelas razoes de organização social. Há,

    assim, uma ligação visceral da reflexão sobre os fins das penas às teorias sobre o fundamento e

    a legitimidade do Estado. Essa ligação tem sido estabelecida através da doutrina contratualista.

    Tanto Beccaria como Von Liszt proclamaram como premissa de todo o pensamento sobre a pena

    a ideia de que só a pena necessária é legítima. A legitimidade era, para estes autores, referida à

    necessidade, na perspetiva da proteção da liberdade de cada cidadão  –  base racional do

    contrato social. A existência da comunidade social tem, todavia, uma sedimentação maisprofunda do que a lógica contratualista supõe. As necessidades que justificam a comunidade

    estatal não se reduzem à liberdade de cada um e não são livre e renovadamente discutíveis por

    cada indivíduo, sempre e a todo o tempo, dependendo antes de consensos temporários ou de

    maiorias contingentes. O contratualismo apela ao mito de um estado original anterior à

    formação do Estado (mito e argumento racional apenas e não histórico), sonegando a integração

    dos indivíduos na comunidade como facto histórico e o reconhecimento de que a máxima

    realização individual pode ser realização de fins coletivos pelo indivíduo. Mesmo a eleição da

    máxima realização individual como fim social não está vinculada a uma lógica contratualista. Ela

    é, tão só, o produto da história que gerou comunidades igualitárias e democráticas que prezam

    a sua identidade e os seus valores. As razões da organização social são, deste modo, ideiasculturais em que se baseia a comunidade social. Estas ideias são o cimento da validade do

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    sistema jurídico e adquirem a sua expressão formal na Constituição. A substituição psicológica

    da vingança privada que a pena assegura enquanto retribuição racionaliza-se através de dois

    princípios constitucionais: o princípio da culpa, derivado da essencial dignidade da pessoa

    humana (artigo 1.º CRP), e o princípio da necessidade da pena (artigo 18.º, n.º2 CRP). A

    retribuição justifica-se racionalmente, na verdade, por basear a pena na dimensão ética do factopraticado. Mas a retribuição excederá a legitimidade do ius puniendi   do Estado, quando

    prosseguir como um fim em si a expiação moral do delinquente. Assim, a retribuição ancora-se

    na necessidade social em dois planos: ao nível do controlo das emoções geradas pelo crime – da

    pacificação social – e ao nível da proteção perante o delinquente. A pena retributiva só é, deste

    modo, legítima se for necessária preventivamente. Por outro lado, quer a prevenção geral, quer

    a prevenção especial apenas se legitimam, como fins das penas, através da pena da culpa. A

    culpa funciona como limite da pena preventiva. Em suma, tanto a retribuição como a prevenção

    se articulam, obrigatoriamente, com os princípios constitucionais (da culpa e da necessidade da

    pena, nomeadamente), acabando por conduzir a soluções coincidentes quanto aos limites das

    penas.

    As antinomias entre os fins das penas e os modelos de política criminal: à controvérsia clássica

    entre as teorias dos fins das penas sucedeu, contemporaneamente, o confronto entre os

    modelos de política criminal. A política criminal é o conjunto das soluções normativas ou

    puramente estratégicas tendentes a uma otimização do controlo do crime, na definição

    compreensiva de Kaiser. A pena desapareceu como premissa do controlo do crime e a discussão

    sobre os seus fins legítimos foi relativizada, por se reconhecer que a sua aplicação é

    absolutamente necessária. A política criminal não é, no entanto, uma descoberta

    contemporânea. A um modelo fundamentalmente retributivo, que Figueiredo Dias designa de

    azul, em que a política criminal se ocultava sob a linguagem ética, sucedeu um modelo

    preventivo-especial, o modelo vermelho, e a estes dois a própria crise, a descrença e adesorganização dos modelos de política criminal. Na realidade, contestada a conceção penal

    retributiva, assente numa conceção metafísica da pena, por ser inadequada aos fins legítimos

    da intervenção penal, e frustrada a via preventiva-especial, por ter sido simultaneamente

    inoperante e atentatória da dignidade da pessoa humana, assoma na crise da política criminal o

    que Figueiredo Dias designa como paradigma emergente, o modelo verde, que organiza o

    controlo do crime a partir de uma teia de princípios constitucionais (legalidade, culpa,

    necessidade da pena) e de uma estratégia de descriminalização, desjudiciarização, socialização

    e diversificação (substituição da pena de prisão por sanções alternativas). Os modelos de política

    criminal têm relações antinómicas entre si, pois as soluções que propugnam são, em certos

    casos, necessariamente contraditórias. A ideia central a partir da qual se constroem permite, noentanto, que os diversos fins das penas sirvam a lógica uns dos outros. Mas, em todo o caso,

    não haverá uma harmonia absoluta entre as soluções dos modelos, pois nem sempre a pena

    retributiva é justificada pela prevenção e nem sempre a pena preventiva é justificada pela

    retribuição. As antinomias entre os fins das penas permanecem, pois, nos modelos politico-

    criminais. Ao modelo verde, fortemente apoiado na prevenção geral positiva, contrapõe-se a

    própria renúncia à política criminal. O estado atual da discussão caracteriza-se por uma

    contraposição fundamental entre o sem e o não á política criminal. Contra a política criminal

    como conjunto de estratégias de controlo do crime funcionalizadoras do próprio Direito Penal,

    pronunciam-se aqueles que rejeitam quaisquer soluções distintas da resposta ao crime pela

    pena da culpa, quer em nome da ética e da dignidade da pessoa humana, quer em nome de ummodelo realista e operativo da própria prevenção geral. Consequentemente, a ideia de que só

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    o modelo verde conseguirá realizar os princípios constitucionais da culpa e da necessidade da

    pena e assegurar a racionalidade do poder punitivo do Estado democrático e social de direito

    torna-se também discutível. Aliás, a um único paradigma emergente deve contrapor-se a

    desconstrução dos velhos modelos à luz do estado atual da discussão. E, por outro lado, a

    própria emergência de um novo paradigma só se verifica no confronto com a descrença globalna política criminal, como já se referiu. O modelo verde baseia-se, por outro lado, em premissas

    que exigem discussão. Desde logo, a prevenção geral de integração utiliza, ao que parece, a

    função psicanalítica da pena  –  a representação de estabilidade e segurança que ela gera  –,

    função meramente simbólica, como fundamento da pena, na perspetiva agora objetivista da

    necessidade. Porém, a própria função psicanalítica da pena poderia justificar, através de uma

    abordagem científica da mesma natureza (psicanalítica), a rejeição pura e simples do plano

    tradicional da necessidade da pena. Onde a necessidade resultar apenas da procura de uma

    terapia simbólica contra a insegurança gerada pelo crime, a pena surgirá como resposta a

    carências várias que eticamente não devem ser satisfeitas por esse meio. E mesmo que se rejeite,

    como Figueiredo Dias, uma fundamentação psicológica da prevenção geral de integração,contrapondo-se-lhe a ideia de que as expectativas geradas pelo crime não devem ser

    praticamente conexionadas com o clamor social da pena mas normativamente implicadas com

    a incolumidade da crença social na validade e na vigência da norma violada, nada nos diz que a

    representação dessa mesma incolumidade exige apenas o funcionamento célere e eficaz da

     justiça penal e já não a dureza do castigo exemplar. Ora, o que é essencialmente criticável é que

    a privação de liberdade, embora confinada aos limites da culpa, se justifique pela manutenção

    de uma crença. A prevenção geral só será critério racional de definição dos fins das penas se se

    basear um efeito objetivo constatável, de alguma forma mensurável – a tradicional intimidação

     –, mesmo que ele seja alcançado pelos mecanismos psicanalíticos da crença na validade da

    norma violada. Na realidade, a prevenção geral positiva ou de integração, quando parece trilharos caminhos da renúncia à investigação empírica e à análise do efeito dissuasor das espécies

    particulares de penas, é um discurso evasivo. A prevenção geral positiva só pode corresponder

    a um meio de intimidação. E a possibilidade de esta se operar nos diversos grupos de cidadãos

    é o único parâmetro objetivo e científico da necessidade de punir. Igualmente discutíveis são a

    desjuridicização e a diversificação propostas pelo modelo verde. As dúvidas que tais soluções

    suscitam são geradas pela duvidosa legitimidade de um modelo anti-processual e pela

    substituição do poder dos juízes pelo poder dos grupos sociais. Se o fracasso dos modelos de

    política criminal reintegradora, a cargo de instituições estatais, desembocou na anulação

    organizada da pessoa do delinquente, a institucionalização do poder dos grupos não promoverá,

    ainda em maior grau, tal anulação?

    Conclusão sobre o sentido e a função do Direito Penal: argumentação sobre a

    legitimidade da incriminação e da punição de condutas; os princípios no Direito Penal:a abertura da ciência jurídico penal a uma perspetiva específica de legitimação, historicamente

    veiculada pelo conceito de bem jurídico, tem persistido, nos dias de hoje, através da aceitação

    de uma pluralidade de pontos de vista. A seleção das condutas incriminadoras no Estado de

    Direito democrático e social pressupõe não só a tradicional fundamentação na necessidade, de

    raiz liberal, mas também uma fundamentação de oportunidade ou de estratégia política-

    criminal. E a par destes dois topoi surge ainda uma relação do Direito Penal com a ética geral e

    com a ética da democracia, através da ideia de um consenso amplo que impede a opressão das

    minorias. Estes pontos de referência da discussão legitimadora apenas indicam uma perspetivasobre a seleção de condutas criminosas. Não são, na verdade, critérios, mas meros pontos de

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    vista relevantes na lógica do Estado de Direito democrático e social. Alguns exemplos permitem

    ilustrar legitimador que se orienta por esta via. A discussão sobre a necessidade de proteção do

    bem jurídico surge a propósito da incriminação de condutas meramente contrárias à Moral,

    segundo as representações sociais dominante. Como sustenta Roxin, a proteção de normas

    éticas só se justificaria, no Estado de Direito, para evitar efeitos danosos para a sociedade. Oproblema da necessidade de proteção devido a importância para a sociedade do efeito visado

    antecede, ou substitui mesmo, uma discussão ociosa sobre se as próprias normas éticas são

    bens jurídicos. Há outras condutas que, embora possam afetar bens necessários à preservação

    da sociedade, não carecem de cominação penal porque tais bens são protegidos eficazmente

    (ou mais eficazmente) de outra forma. A exigência de relevo ético prévio das condutas impedirá

    que condutas tidas como eticamente neutras e normalmente aceites, como fumar, sejam

    incriminadas. A necessidade de amplo consenso deverá obstar a que o Direito Penal se torne

    arma política da maioria e ignore as perspetivas de parte da população. A contradição axiológica

    entre a incriminação de certas condutas e outras soluções do sistema jurídico revelar-se-á, por

    exemplo, na incriminação de condutas contra a preservação das espécies animais, associada àirrelevância penal das condutas manipuladoras ou destrutivas da vida humana em formação

    numa fase pré ou extra uterina (artigo 139.º CP). Estes exemplos não são, porém, expressão de

    um programa de política criminal, mas simples modos de abordagem da legitimidade das

    incriminações: o processo de legitimação do Direito Penal no Estado de Direito democrático e

    social não exige um Código Penal com uma única espécie de tipos criminais, mas sim uma forma

    de justificar racionalmente os tipos criminais consagrados pelo legislador. No entanto, não se

    deve confundir a legitimação com a mera formulação de princípios. A legitimação tem de ser,

    pela própria natureza das coisas, extra-sistemática, isto é, constituída por razões que explicam

    a instituição histórica do sistema, a sua continuidade e a sua vigência no momento presente,

    enquanto os princípios são mera expressão de uma racionalidade inerente a um conjunto denormas ou objetivos gerais do sistema. Deste modo, também em certo sentido os princípios

    terão de ser legitimados, como é claramente visível, hoje em dia, quanto ao princípio da culpa.

    Há, no entanto, uma vocação de cruzamento entre as temáticas da legitimação e dos princípios

    que consiste na moldagem do conteúdo dos princípios do sistema, e portanto da racionalidade

    interna do mesmo, por aquilo que torna compreensível que o princípio da culpa tenha adquirido

    sentidos e funções não decorrentes direta e necessariamente do seu conteúdo original, ou que

    o princípio da necessidade da pena tenha aumentado a sua importância orientadora nos

    sistemas jurídico-penais de hoje. Deveremos então definir algumas perspetivas sobre os

    princípios que presidem à realização prática das normas do Direito Penal, à sua interpretação e

    à sua aplicação.

    Colocaçãodaquestãotratadasob arubricafinsdaspenasedasmedidas

    desegurança: identifica-se,porvezes,nomanuais,aquestãodesaberquala

    funçãoqueoDireitoPenaldesempenha,oudevedesempenhar,emdeterminada

    ordemjurídico-social,comaquestãodesabercomosejustificaquefimoufinssão

    deatribuiràpenacominadaacadacrimeemparticular.Istoexplica -seporqueexiste

    umaíntimaconexãoentreasduasquestões,umavezque,alegitimaçãoefinalidades

    dapena,numDireitoPenalmoderno,nãopodeabstrairdafunçãoquedesempenha

    oDireitoPenalnumEstadodeDireitodemocrático.Trata-se,noentanto,deduas

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    questões distintas que convém tratar autonomamente, embora tendo sempre

    presenteasuainterligação.AfunçãodoDireitoPenal,queseretiradosfinsquea

    ConstituiçãoassinalaaoEstadodeDireitodemocráticoé,comovimos,aproteção

    subsidiáriadebensjurídicose,dessemodo,dalivreexpansãodapersonalidadedo

    indivíduo e da manutenção do sistema social global orientado para essa livre

    expansão.Daquiinfere-searespostaàquestãodesaberquecomportamentosestá

    o Estado legitimado aconsiderar crimee ameaçar com pena.É,portanto, uma

    questãoquedizrespeitoàcriaçãodoscrimesemabstrato.Noâmbitodateoriado

    finsdaspenasoquesetratadeaveriguarnãoéafunçãodoDireitoPenal,neméa

    questãodesaberquecomportamentosdevemounãosercriminalizadosatendendo

    àquelafunção;trata-se,sim,dedeterminardequemododeveatuarapenapararealizar a função do Direito Penal. É a resposta a esta questão que se procura

    encontrarcomateoriadosfinsdaspenas.

    Asteoriastradicionaissobreosfinsdaspenas:são,fundamentalmente,três

    asconceçõessobreosfinsdaspenasquedesdeaantiguidadeclássicaseopõeme

    queaindahoje,emdiversascombinações,determinamadiscussãonestamatériae

    procuramapresentarumaexplicaçãoconvincenteparaaimposiçãoao homemdesse

    malqueéapena:ateoriadaretribuição,ateoriadaprevençãoespecialeateoriadaprevençãogeral.

    a.  Ateoriadaretribuiçãooudaexpiação :segundoaqualapenavisaretribuir

    ourepararomaldocrimeeémedidaporessemal,pelomal passado.Aideia

    deretribuiçãosignificaqueseimpõeummalaalguémquepraticououtromal.

    Oseusentidoestáligadoàideiadecastigo,expiação,oquetemavercoma

    ideiareligiosadepuniçãoporumcertopecado.

    b. 

    Teoriadaprevençãogeral:nostermosdoqualapenavisaevitaraprática

    defuturoscrimesdageneralidadedaspessoas.

    c.  Ateoriadaprevençãoespecial :segundoaqualapenatemporfimevitara

    práticadefuturoscrimespeloprópriodelinquentequeasofre.

    Teoriasdaretribuição:segundoasteoriasretributivas,osentidooufimdapena

    funda-seemqueomaldapenasecausaaocriminososurgecomoconsequência,

    estabelecidapeloDireito,deumafaltaculposamenterealizada.Ajustificaçãopara

    aimposiçãodessemalnãodependedequaisquerfinsaalcançarcomapena,mas,

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    tãosó,darealizaçãodeumaideiadejustiça.Apenacontém,portanto,ofimemsi

    mesma,justifica-seporsiprópria.É«umimperativocategóricodejustiça »(Kant),

    ou«anegaçãodanegaçãodoDireito »(Hegel).Aideiadequeapenacontémofim

    emsimesmo,dequeelaéexigidaparaalcançararealizaçãodajustiça,estábem

    patentenaformulaçãodeKant.Paraesteautorapenaéalgoqueseimpõeao

    homem,que é indiscutível e não necessita de fundamentação.Não visa realizar

    quaisquerfinsutilitáriosexterioresaela;contém«ofimemsimesma »queéocastigo

    doindivíduoporterpraticadoumfactoilícitoculposamente.Osentidodapenanão

    está,portanto,naprossecuçãodequalquerfimsocialmenteútilmassim emqueela,

    atravésdaimposiçãodeummalaodelinquente,expia,compensa,retribuidemodo

    justo,aculpaqueoautorcarregasobresipeloseufacto.Aculpadoagentepelofactopraticado tem,portanto, queser compensadapela imposiçãodeumapena

    justaquecorrespondanasuaduraçãoeseveridadeàgravidadedocrime.Éovelho

    princípiotaliónico«olhoporolho,dentepordente »,quenapráticaéinexequível.A

    formulaçãodeHegel,talcomoéapresentadahistoricamente,significaomesmoque

    a de Kant. Para Hegel a pena justifica-se pela necessidade de restabelecer a

    concordânciadavontadegeral,representadapelaOrdemJurídica,comavontade

    especial do delinquente, concordância essa que foi quebrada pelo delito. Isso

    consegue-se negando (com a pena) a negação da vontade geral pela vontade

    especialdodelinquente, deacordo com ométodo dialético deHegel. A penaé,

    portanto,aafirmaçãodoDireitonegadopelodelinquenteaopraticarocrime;éa

    negação da negação do Direito. O crime é negado, expiando, destruído, pelo

    sofrimento da pena imposta ao delinquente, restabelecendo-se assim o Direito

    violado.Hegellevavaasuaconstruçãoaoextremo,apontodedefenderapenacomo

    direitododelinquente,porquefoiatravésdeumatolivredasuavontadeq ueele

    praticou o crime, que ele negouoDireito,e que, portanto, exigiu que lhe fosseaplicadaumapena,parareporoDireito.Hegeldistingue-sedeKant,namedidaem

    quesubstituioprincípiodeTaliãopeloprincípiodaigualdadedovalordocrimeeda

    pena.Mas,emplenaconcordância,tambémnãoreconheceàpenaquaisquerfins

    preventivos,quergerais,querespeciais.

      Críticaàteoriadaretribuição:Ateoriadaretribuiçãoéhojeinsustentável

    dopontodevistacientífico.Pois,seéverdadequeafunçãodo Direito

    Penalconsistenaproteçãosubsidiáriadebensjurídicos,entãooDireitoPenalnãopodeservir-se,pararealizarasuafunção,deumapenaque

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    abstrai expressamentedetodososfinssociais.Alémdisso, a ideiade

    retribuição também exige a pena quando ela é desnecessária para a

    proteçãodebensjurídicos.Ora,dadoqueateoriadaretribuiçãoassenta

    nacompensaçãodaculpadoagenteatravésdaimposiçãodomaldapena,

    esta seria de exigir sempre que houvesse culpa para compensar ou

    retribuir.Nesta perspetiva, a pena deixade servir a funçãodo Direito

    Penaleperdeasualegitimaçãosocial.Acresceque,aideiadequese

    podecompensarouanularummalcomoutromalé"umpuroatodefé

    irracional",comodizRoxin.Diga-seaindaque,asuposiçãodeumaculpa

    quedeveserretribuídanãopode,sóporsi,levaràaplicaçãodeumapena;

    aculpaindividualestáligadaàexistênciadaliberdadedavontade(olivrearbítrio), que é indemonstrável, como, de resto, admitem os próprios

    partidários da teoria da retribuição. Essa impossibilidade de

    demonstraçãodaliberdadedavontadeimpedequeelapossafuncionar

    como único fundamento da intervençãodoEstado. Contra a teoria da

    retribuiçãofalam,porúltimo,assuasindesejáveisconsequênciaspolítico -

    criminais.Umaexecuçãodapenaquepartadoprincípiodaimposiçãode

    ummalnãopodeserterapêuticaadequadaparaafaltadeintegração

    social, quemuitas vezes é a causadocrime, e, por isso, não émeio

    apropriadoparaalutacontraocrime.Tam bémnãoéaceitávela"teoria

    daexpiação",comoreformulaçãoda"teoria daretribuição”.Éevidente

    queoconceitodaexpiaçãoéapenasumapalavradiferenteparadefinira

    retribuição.Noentanto,muitas vezes, com apalavraexpiaçãoquer-se

    significar que o autor aceita interiormente a pena como justa

    compensação daculpa, assimilaespiritualmenteo seucomportamento

    delituoso, purifica-se e recupera a sua integridade humana e socialatravés da expiação, através do castigo. Tudo isto é, naturalmente

    desejável,masnãopodeservirparajustificarapenaretributiva,porque

    emoçõesdessetipo,alémderaramenteacontecerem,constituematosda

    personalidademoraldecadaumquenãose impõemàforçaeque,de

    resto,tambémpodemverificar-sequandoapena,emvezderetributiva,

    visefinsutilitários.Há,noentanto,quereconheceràsteoriasretributivas

    ouabsolutasoméritodeteremerigidooprincípiodaculpa–oprincípio

    dequetodaapenatemcomopressupostoaculpaeamedidadapena

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    temcomolimiteamedidadaculpa-empedrabasilareinultrapassável

    daaplicaçãodapena.Masnãopodemosesquecerque,setodaaculpa

    pressupõeapena,nemtodaaculpaexigeaaplicaçãodeumapena.

    Prevençãoespecial:Noextremoopostodateoriadaretribuiçãoestáateoriada

    prevençãoespecial,segundoaqualofimdapenaéprevenirqueoautorcometa

    novosdelitosnofuturo.Aocontráriodaconceçãoabsolutadateoriadaretribuição,

    aprevençãoespecialéumateoriarelativa,porqueestáligadaaosfinsdeprevenção

    decrime.Nasuamodernaformulação a teoria daprevençãoespecialremonta à

    épocadoiluminismo.Expandiu-seentreosfinaisdoSéc.XVIeoSéc.XIX.Masno

    Séc.XIXretrocedeuporinfluênciadoidealismoalemão,faceàteoriadaretribuição.

    Nos finaisdoSéc.XIXVonLiszteasuaescolafazem-naressurgir. Aprevenção

    especialpodeserrealizada,segundoosseusdefensores,portrêsformas:

    a)  Corrigindooqueécorrigível(ouseja,ressocializando);

    b)  Intimidandooqueéintimidável;

    c)  Inocuizando(tornandoinofensivo)medianteaprivaçãodaliberdade,osque

    nemsãocorrigíveisnemintimidáveis.

    Estaconceçãodeparacomdificuldadesdediversaordem.Asuamaiorfalhaestáno

    factodenãofornecerqualquerprincípioparaamedidadapena,podendoleva raque

    odelinquentesejacondenadonumapenadeduraçãoindeterminada,quedureaté

    ele ser ressocializado. Isso levaria a que, a delitos de poucagravidade, quando

    constituíssemsintomadeumaperturbaçãoprofundadapersonalidade,pudesseser

    impostaumapenadeprisãopormuitosanos.Alémdisso,nostermosdestateoria

    nada obstaria a que fosse aplicada uma pena ressocializadora quando alguém

    mostrasseumaforteperigosidadecriminal,semqueseprovassequeapessoatinhacometidoumfactopunívelconcreto.Elapermitirialimitaraliberdadeindividualmuito

    paraalémdoqueéadmissíveledesejávelnumEstadodeDireitodemocrático.Outra

    objeçãoquetemsidocolocadaàteoriadaprevençãoespecialéque,nãosevêcom

    quedireitopodeoEstadoeducarecorrigirhomensadultos.KanteHegelviamnisto

    umaofensaàdignidadehumana.E,defacto,estateoriadeixaocidadãomaisao

    arbítriodopoderEstataldoqueaprópriateoriadaretribuição.Acrescequeesta

    teoria não dá explicação para a aplicação da pena a delinquentes que não

    necessitamderessocialização

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    Teoria da prevenção geral: É também uma teoria relativa que visa fins

    preventivosmas,aocontráriodaanterior,nãovêofimdapenanasuainfluência

    sobreodelinquentequecometeuocrime,massimnosseusefeitosintimidatórios

    sobreageneralidadedaspessoas.Apenatemporfimintimidaraspessoasparaque

    elasnãocometamcrimes .Modernamenteateoriadaprevençãogeralencontrouo

    seugrandeprecursoremFeuerbach,paraoqualofimdapena"naleiéaintimidação

    detodos….Ofimdaaplicaçãodamesmaéfundamentaraeficáciadaameaçapenal.

    NaDoutrinaactualdistinguem-seduasvertentesdaprevençãogeral-aprevenção

    geralnegativaoudeintimidaçãoeaprevençãogeralpositivaoudeintegração.3.5.1

    Aprevençãogeralnegativaoudeintimidaçãovêofimdapenanaintimidaçãodos

    cidadãosqueestãoemperigodecometercrimesidênticos.Apenafuncionaparaevitar a repetição de crimes, protegendo-se, desse modo, os bens jurídicos. A

    prevençãogeralpositivaoudeintegraçãoentendequeofimdapenaémantere

    reforçaraconfiançadosindivíduosnoDireito,evitando-se,dessemodo,apráticade

    crimese,portanto,alesãodebensjurídicos.Apenatem,assim,afunçãodemostrar

    a solidez da Ordem Jurídica face à comunidade e, dessemodo, de fortalecer a

    confiançajurídicadapopulação,ou,comodizFigueiredoDias,apenaéaformade

    queoEstadoseserveparamanterereforçaraconfiançadacomunidadenavalidade

    enaforçadevigênciadassuasnormasdetuteladebensjurídicose,assim,no

    ordenamentojurídico-penal.Aestepontodevistapositivoéatribuídohojemuito

    maiorimportânciadoqueaodospurosefeitosintimidatórios.Naprevençãogeral

    positivacompreendem-setrêsfinseefeitosprincipais:

      umefeitopedagógico-social,oexercíciodefidelidadeaoDireitoqueé

    provocadonapopulaçãopelofuncionamentodajustiçapenal;

     

    umefeitodeconfiança,queseverificaquandoocidadãovêqueoDireitoseimpõe;

      umefeitodesatisfação,queseproduzquandoaconsciênciajurídicageral

    setranquilizacombasenasançãopelaviolaçãodoDireitoevêresolvido

    oconflitocomoautor.

    Adoutrinadefendehoje,maioritariamente,aprevençãogeralpositiva.

      Crítica:KanteHegeldiziamcontraestateoriaque,seofimdaprevenção

    geraléintimidarosoutros,entãoutiliza -seodelinquentecomoexemplo

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    paraosoutros;transforma-seapessoaemobjetoparasealcançarum

    fim, o que é incompatível com a dignidade humana. Esta é a crítica

    tradicionalàteoriadaprevençãogeral.Outracríticadequetemsidoalvo

    aprevençãogeraléadequeela,talcomoaprevençãoespecial,não

    apresentaqualquercritériodelimitaçãodaduraçãodapena,podendo,no

    casoconcreto,serultrapassadaamedidadapenadesejávelepermitida

    numEstadodeDireitodemocrático.Portanto,haveriasempreoperigode

    aprevençãogeralsetransformaremterrorestatal,poisaspenasmais

    gravessãomaisintimidativas.Poroutrolado,nãoseconseguiuprovaraté

    agoraosresultadospráticosdaprevençãogeral.Ohomemmédio,em

    situaçõesnormaispoderá deixar-seinfluenciarpelaameaçadapena,masosdelinquentesprofissionais,ouosdelinquentesimpulsivosocasionais,

    nãosãomotiváveispelaameaçadapena.Acrescequeaprevençãogeral

    partilhaodefeitodateoriadaretribuiçãodenãopoderatribuiràexecução

    dapenaqualquersignificadonosentidodarecuperaçãododelinquente.

    Istovaleparaasduasformasdeprevençãogeralnamedidaemqueela

    se dirige à generalidade das pessoas e não ao autor. Mas atinge

    particularmente a prevenção geral negativa, porque uma execução da

    pena que vise a simples intimidação dos cidadãos mais promove a

    reincidênciadoqueaimpedee,portanto,maisprejudicadoquebeneficia

    ocombatecontraacriminalidade.Écertoqueaprevençãogeralpositiva

    apresentaevidentesvantagensemrelaçãoàprevençãogeralnegativa.

    MaselasóésustentávelnumEstadodeDireitodemocráticoseserecorrer,

    comofaz,entrenós,porexemplo,FigueiredoDias,aprincípiosdegarantia

    doEstadodeDireitoparalherestringirosefeitosfunestos.Pois,senão,a

    sualógicapuralevaaconsiderarosistemasocialcomobemsupremoeoscidadãoscomoobjetodeprevenção,comodestinatáriosdeum aação

    doEstadoqueserveparaexercitarasegurançaeaconfiançanoDireito.

    ParaoProf.FigueiredoDias,«apenasópodeterfinalidadesrelativasde

    prevençãogerale especial, não finalidades absolutas de retribuição e

    expiação"ea"prevençãogeral positivaoudeintegração,istoé,dereforço

    daconsciênciajurídica comunitáriaedoseusentimentodesegurança

    face à violação da norma ocorrida », assume o primeiro lugar como

    finalidade da pena. A culpa funciona como limite da pena, é um

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    pressuposto daaplicaçãodapenae umlimite inultrapassáveldesta.É

    pressupostoindispensável«porrazõesdelimitaçãoaopoderpunitivodo

    Estado ligadas à necessidade de garantia dos direitos individuais e

    liberdades »,impostapeloEstadodeDireitodemocrático.

    As teorias ecléticas ou unificadoras retributivas: Estas teorias consistem

    numa combinação das conceções até agora expostas. Veem a retribuição, a

    prevençãogeraleespecialcomofinsqueapenadeveprosseguirsimultaneamente.

    Aindahojeseacentua,frequentemente,quesósepodefalardeumaverdadeira

    teoriaunificadora,nosentidotradicional,quandoosfinspreventivosnãoatinjamo

    carácterretributivodapenaesejamprosseguidosconjuntamente,apenasnoâmbito

    traçadopelaretribuição.

      Crítica:Esta teoria éderejeitarporque,comosimplesmodificaçãoda

    teoriadaretribuição,estáexpostaatodasasobjeçõescontraelaaduzidas

    e,porisso,talcomoela,tambémnãopodehojeserseguida.

    Ateoriadialéticaunificadoradaprevenção:Estateoriarecusaaretribuição

    comofimdapena.Segundoela,apenasótemfinspreventivosgeraiseespeciais.O

    seuprecursorfoiRoxin,segundooqualateoriaprocuraafastaraposiçãoabsolutade qualquer dos critérios preventivos, através de um sistema de mútua

    complementaridade e limitação de modo a obter uma conceção preventiva

    abrangentequeincluaosaspetospositivosdasteoriaspreventivaseaeliminaros

    aspetosnegativosdasmesmas.Roxinsustentaque«opontodepartidadetodasas

    teoriasdapenatemqueestarnoreconhecimentodequeofimdapenasópodeser

    umfimdeprevenção ».Pois,comoasnormaspenaissósão justificadassevisarem

    a proteção da liberdade individual ou de umaordem social que a sirva, a pena

    concretasópodeservirpararealizaressafunçãoseprosseguirfinspreventivos.Daí

    resultaqueaprevençãogeraleespecialtêmdepermanecerumaaoladodaoutra

    comofinsdapena.Pois,comoosfactospuníveistantopodemserimpedidospela

    atuaçãosobreodelinquentecomosobreageneralidadedas pessoas,ambosos

    meios de atuação são igualmente legítimos e devem ser ordenados num fim

    abrangente.Aprossecuçãosimultâneadosfinsdeprevençãogeraleespecialnãoé

    problemáticaquandoapenaaplicadana condenaçãoemconcretoé adequadaa

    atingirambososfins.Aconceçãotambémnãodeparacomdificuldades,quando,nocasoconcreto,apenasacomponentedeprevençãogeralfundamentaasanção ,dado

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    que, o fim preventivo da pena se mantém mesmo que não seja necessária a

    prevençãosimultaneamenteemtodososseusaspetos.Mas estepensamento é

    importante, antes de mais, quando o delinquente se recusa a aceitar uma

    colaboraçãonaexecuçãodeumapenaressocializadora.Umapenaquepretenda

    eliminar a associalização do autor só pode ter êxito pedagógico quando é

    estabelecida uma relação de cooperação com o delinquente. Uma "socialização

    forçada"nãoéadmissívelfaceaosartigos.1º,2º,18º,nº1e2,25º,nº.2,entreoutros,

    daCRP.s.Seodelinquenterecusaasuacolaboraçãonaressocialização,deve,é

    certo,serdespertadaasuadisposiçãoparaisso,namedidadopossível,masnãolhe

    podeser impostaàforça.Apenatemqueser,naturalmente, tambémexecutada

    nesses casos, mas então bastarão as necessidades de prevenção geral para ajustificar. Quando ambos os objetivos (de prevenção geral e especial) exigem

    medidasdapenadiferentespodesurgirumconflitoentreosdoistiposdeprevenção.

    m tais casos é necessário ponderar os fins de prevenção geral e especial e

    estabelecer uma ordemde prioridades. Por outro lado, devedar-se primazia às

    necessidades de prevenção especial apenas na medida em que ainda sejam

    satisfeitasasnecessidadesmínimasdeprevençãogeral.Apenanãodeve,portanto,

    porcausadosefeitosdeprevençãoespecial,sertãoreduzidaquejánãosejalevada

    asériopelapopulação,umavezqueissoabalariaaconfiançanaordemjurídicae

    impeliriaàimitação.Emmuitoscasos,(emboranemsempre),olimitemínimoda

    medida legaldapena cuida jádaobservânciadomínimo deprevenção geral.O

    significadodaprevençãogeraledaprevençãoespecialétambémdiferentemente

    acentuadoduranteoprocessodeimposiçãodoDireitoPenal.Ofimdaameaçapenal

    é,numprimeiromomentodepuraprevençãogeral(incriminação).Nomomentoda

    imposiçãodapenanasentença,pelocontrário,sãodeconsiderardomesmomodo

    as necessidades de prevenção geral e especial. Finalmente, no momento daexecuçãodapena,aprevençãoespecial toma lugarproeminente. Istonãodeve,

    contudo, ser entendido no sentido de que os fins da pena se repartem, numa

    separaçãorigorosa,pelosdiversosestádiosderealizaçãodoDireitoPenal.Nãose

    tratadeumaestratificação,massimdeumadiferenteimportânciarelativadesses

    fins ao longo do processo de imposição do Direito Penal. A "teoria dialética

    unificadoradaprevenção"chama,portanto,paraprimeiroplano,oraum,oraoutro

    dospontosdevista.Écertoqueavançaparaprimeirolugarofimpreventivoespecial

    deressocializaçãoquandoambososfinsestãoemconflito;mas,emcompensação,

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    aprevençãogeraldominaascominaçõespenaisejustifica,sóporsi,apenaquando

    faltemoufalhemosfinsdeprevençãoespecial,enquantoque,nãopodehaveruma

    pena preventiva especial sem qualquer objetivo de prevenção geral, apesar da

    dominânciaabsolutadosfinsressocializadoresduranteafasedaexecuçãodapena .

    Ateoriaunificadoradaprevenção,talcomoédefendidaporRoxin,enquadraambos

    os fins num sistema cuidadosamenteponderado que sóno entrelaçar dos seus

    elementosdáfundamentoteóricoàpuniçãoestatal.Masrecusa,emabsoluto,ofim

    deretribuição .Masarecusadaretribuiçãocomofimdapenanãoimplicaqueaculpa

    nãotenhaqualquerpapeladesempenharnateoriaunificadoradaprevenção.Ao

    contrário,oprincípiodaculpadesempenhaumpapeldecisivonalimitaçãodapena.

    Apenanãopodeultrapassar,nasuaduração,amedidadaculpa,mesmoquetalsejadesejávelparasatisfaçãodosinteressesdeprevençãogeralouespecial.Oprincípio

    da culpa temuma função liberal, totalmente independentedequalquer ideiade

    retribuiçãoeessafunçãotemdesemanterintactanumDireitoPenalmoderno.Tal

    princípioconstituiumlimiteaopoderdepunirdoEstado,namedidaemque,seja

    qualforapenaexigidapornecessidadesdeprevenção,asuamedidanãopoderáser

    superioràmedidadaculpa.Estaconstituiolimitemáximoatéaoqualpodeira

    privação da liberdade do delinquente, sem violação da dignidade humana. Esta

    exigênciadequeapenaemcasoalgumpoderásersuperioràculpadoautoréhoje

    geralmente aceite, tal como é, em geral, reconhecido que este princípio tem

    consagração Constitucional, nomeadamente nos artigos. 1º e 25º, nº 1.Mas se

    nenhumapenapodeirparaalémdaculpadoagente,nadaimpedequeap enapossa

    ficaraquémdoslimitesdaculpa,namedidaemqueosfinspreventivosoadmitam .

    Esta teoria permiteainda eliminar as objeções que, emgeral, são levantadas à

    utilizaçãodoconceitodeculpaemDireitoPenal,combaseemqueelapressupõeo

    livrearbítrioqueéindemonstrável .Naverdadeaculpapressupõea liberdadedohomemparasepodercomportardeoutromodo.Masseaculpanãoévistacomo

    fundamentodopoderdepunirdoEstado,masapenascomoummeiodeolimitarna

    utilizaçãodapenacomfinspreventivos,alegitimidadedoseureconhecimentocomo

    meiodepreservaraliberdadedoscidadãos,nãodependedasuacomprovabilidade

    empírica.Asuasuposiçãoéumpressupostonormativo,uma"regradejogosocial",

    quesenãopronunciasobreaquestãodesabercomoéconfiguradaaliberdade

    humana.SimplesmenteprescrevequeohomemdevesertratadopeloEstado,em

    princípio,comolivreecapazderesponsabilidade.Aquestãodaexistênciarealde

  • 8/19/2019 Direito Penal I - Maria Fernanda Palma e Figueiredo Dias

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    Direito Penal I | Professora Maria Fernanda Palma2015/2016

    葡京的法律大学 |大象城堡 

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    uma liberdade da vontade pode e deve sermantida entre parenteses porque é

    objetivamente indemonstrável. E como o princípio da culpa só serve como

    instrumentodelimitaçãodaprevenção,issonãoofendeoindivíduo,antesoprotege .

    O problema dos fins das penas e a doutrina do Estado, nomeadamente à luz da sua

    evolução em Portugal

    3: se o problema das finalidades das penas se conexiona diretamente com

    a questão da legitimação do direito de punir estatal, então é seguro toda esta questão se encontra

    co-naturalmente ligada à própria doutrina do Estado e à sua evolução. O caso português é, a este

    propósito, exemplar a vários títulos. Presente embora desde sempre na discussão teórica, bem

    se compreende que o problema dos fins das penas só se tenha ganho um explícito

    relacionamento com a doutrina do Estado desde que se iniciou a história da codificação em

    sentido moderno; quando precisamente começou também a questionar-se, em termos racionais

    secularizados, a própria fundamentação e legitimação do poder punitivo estatal. Bem podendo

    afirmar-se que até aí se procurava compreender teoricamente a pena como instrumento de justiça divida delegada, enquanto praticamente ela se assumia como instrumento destinado a

    cumprir  – quantas vezes pelo terror  – a vontade e os propósitos políticos do soberano. Assim

    aconteceu também em Portugal, sem prejuízo de dever assinalar-se que uma certa tradição de

    compilação das leis penais  –  no sentido permitido pelas conceções jurídicas medievais  –  se

    instaurou praticamente desde os primeiros tempos da nacionalidade. Já na Espanha visigótica o

    chamado Codex Legum Visigothorum, que chegou a exercer influência direta nos primeiros

    tempos também do reino de Portugal, continha inúmeras disposições jurídico-penais, tendentes

    sobretudo a combater as formas privadas de reação criminal. É verdade que cedo este conjunto

    de disposições foi subvertido, na sai aplicação prática, pelo Direito consuetudinário, com o

    recrudescimento inevitável dos instituto da vingança privada e da perda de paz. Com o

    fortalecimento do poder público e o renascimento do Direito Canónico e Romano, no entanto,

    desde 1221 que se restaurou a tendência para a publicização do iuspuniendi , à qual correspondeu

    um esforço de elaboração legal, embora casuística, de todo o Direito Penal. As Ordenações

    Afonsinas (1446) compilaram, reformaram e complementaram esta legislação extravagante,

    contendo no seu Livro V (o chamado Liber Terribilis) aquilo que bem pode considerar-se o

    primeiro Código Penal e Processual Civil Português. A estas Ordenações se seguiram as

    Ordenações Manuelinas (1521) e as Ordenações F