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Volume II

Direito Rediscutido Volume 2

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  • Volume II

    Ao pensar a possibilida-de de publicao dos trabalhos acadmicos derivados do ensino jurdico da UNISC, passou-se por uma s-rie de hipteses, sempre ante-postas ao espao e tempo. Bus-cou-se uma obra que pudesse estabelecer os anseios, as angus-tias e a dedicao dos acadmi-cos (assim entendendo alunos e professores) na procura de res-postas. Em sntese, uma ligao entre as atividades de ensino e pesquisa. A obra retrata artigos que derivam dos trabalhos de concluso de curso dos acad-micos de Direito, efetivamente acompanhados pelos seus orien-tadores. As pesquisas demons-tram a dedicao tanto ao tema jurdico, quanto ao tcnico no tocante metodologia. Preten-de estabelecer, sobretudo, um marco de demonstrao que a pesquisa nasce nos momento de curso de graduao.

    Dentro de um processo de ensino-aprendizagem que se deseja seja crtico e criativo, so as atividades de pesquisa fundamentais para o trabalho pe-daggico de interao entre teoria e prtica: sem pesquisa no h anlise adequada das prticas vigentes e nem novo conhecimento que seja capaz de modi c-las.

    Nesse contexto, iniciativas como a da UNISC, criando espaos institucio-nais como o Centro de Estudos e Pesquisa Jurdicas (CEPEJUR) e de divul-gao como O Direito (Re)Discutido, que ora apresento, so fundamentais. Elas representam no apenas o incentivo pesquisa, mas tambm neces-sria divulgao dos seus resultados. Sem divulgao do conhecimento produzido no h debate crtico apreciativo; e sem esse debate no h avano efetivo no campo do conhecimento.

    Horcio Wanderlei RodriguesEx-aluno da UNISC (1978-1982)

    Ex-professor da UNISC (1983-1991)Professor Titular da UFSC

    T S N professor adjunto da Universi-dade de Santa Cruz do Sul UNISC, ministrando as discipli-nas de Direito Processual Civil I, II, III e IV. Coordena do Centro de Pesquisas Jurdicas CEPEJUR.

    Foi Coordenador do Curso de Direito da mesma Universidade no Campi de Venncio Aires, RS, e de Sobradinho, RS, bem como Subcoordenador do Cur-so de Santa Cruz do Sul, RS e Vice Chefe do Departamento do Direito da mesma Institui-o de Ensino. advogado.

    9 788580 681581

    ISBN 978-85-8068-158-1

    DIREITO REDISCUTIDO_CAPA.indd All Pages 3/13/14 3:33 PM

  • Direito(re)DiscutiDo

  • Direito(re)DiscutiDo

    theobalDo splenger netoo r g a n i z a D o r

  • Dados internacionais de catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Coordenao Editorial Zeca Martins

    Diagramao e projeto grfico Desenho Editorial

    Reviso Mariel Marcio Muller

    S747dSpengler Neto, Theobaldo

    Direito Rediscutido / Theobaldo Spengler Neto. guas de So Pedro: Livronovo, 2014.

    398 p.; 21 cmISBN 978-85-8068-158-1

    1. Direito Constitucional. 2. Ordenamento Jurdico. I. Ttulo.

    CDD 340.1

  • Sumrio

    O INSTITUTO DA GUARDA COMPARTILHADA NO BRASIL: ORIGEM, CONCEITO, APLICAO E POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL - Djssica Giseli Kuntzer/Fabiana Marion Spengler . . . . . . 7

    JUSTIA TERAPUTICA: UMA PROPOSTA JURDICA AO SISTEMA PENAL BRASILEIRO PARA A REDUO AO DANO CAUSADO PELA PROBLEMTICA DROGAS X CRIMINALIDADE - Janana Gonalves dos Santos/Caroline Fockink Ritt . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

    A POSSIBILIDADE DA APLICAO DO INSTITUTO DA SUSPENSO CONDICIONAL DO PROCESSO NOS DELITOS ABARCADOS PELA LEI MARIA DA PENHA - Raquel Radke Kliemann/Eduardo Ritt . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

    A (IN)APLICABILIDADE DO PRINCPIO DA INSIGNIFICNCIA NO MBITO DOS CRIMES AMBIENTAIS - Tiago de Oliveira Valim/Diego Romero . . . . . . 81

    MODELOS DE RELAO MDICO-PACIENTE E SEUS REFLEXOS JURDICO-SOCIAIS, COM NFASE NO PROCESSO DE TOMADA DE DECISO - Annie Carniel/Charles Andrade Froehlich . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

    A SNDROME DA ALIENAO PARENTAL E A PRESERVAO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANA - Daniele Scheleder Rossal/Norberto Luis Nardi . . . . . . . . . . . . . . 121

    EFEITOS DA ALIENAO PARENTAL NO DESENVOLVIMENTO PSQUICO DOS MENORES ALIENADOS - Raquel Diniz dos Santos/Karina Meneghetti Brendler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145

    A IMPROBIDADE DO ADMINISTRADOR PBLICO PELO NO AJUIZAMENTO DE AO DE REGRESSO - Susana Hoff/Janrie Rodrigues Reck . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171

  • A PROBLEMTICA DO USURIO DE DROGAS: CAMPO DE APLICAO DO DIREITO PENAL OU QUESTO DE SADE PBLICA? - Marina Kannenberg/Cristiano Cuozzo Marconatto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195

    PRESTAO DE TRABALHO A TERCEIROS - Daiana Samanta Marmitt/Jane Gombar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219

    O TRABALHO INFANTIL NO TABACO: uma anlise sobre a responsabilidade das empresas fumageiras frente a erradicao do trabalho infantil na cultura do tabaco em Santa Cruz do Sul/RS - Cleidiane Sanmartim/Marli Marlene Moraes da Costa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245

    O DIREITO AO ACESSO BIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL - Monique Pereira/Salete Oro Boff . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263

    A EFETIVIDADE DA TUTELA DE EVIDNCIA E SUA ORIGEM NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL CONTEMPORNEO - Marina Souza Esteves/Theobaldo Spengler Neto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 285

    O PAPEL DA REPERCUSSO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINRIO BRASILEIRO E SUAS IMPLICAES NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Patrcia Fernanda Goldschmidt/Caroline Muller Bittencourt . . . . . . . . . . . . . . . . . 301

    INVENTRIO EXTRAJUDICIAL: UMA ANLISE DE SEUS PONTOS CONTROVERSOS E DA POSSIBILIDADE DA UTILIZAO DO TESTAMENTO NA SUA LAVRATURA - Lige Fabiane Haas Krug/Tatiane Kipper . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 327

    CONTRATOS ELETRNICOS E O DIREITO DO CONSUMIDOR: DO SURGIMENTO AO DECRETO 7 .962/2013 - Cristiane Schardong / Veridiana Maria Rehbein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 351

    LIMITES AO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ QUANTO VALORAO DA PROVA NO PROCESSO CIVIL - Raphaela dos Santos/Aline Burin Cella . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 377

  • O INSTITUTO DA GUARDA COMPARTILHADA NO BRASIL: ORIGEM, CONCEITO, APLICAO E POSICIONAMENTO

    JURISPRUDENCIAL

    Djssica Giseli Kuntzer1

    Fabiana Marion Spengler2

    1 Estudante do 10 semestre do curso de Direito, na Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC . E-mail: djegiseli@hotmail .com .

    2 Pos-Doutora pela Universita degli Studi di Roma Tre/Italia, com bolsa CNPq (PDE) . Doutora em Direito pelo programa de Pos-Graduacao stricto sensu da Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS RS, com bolsa CAPES; mestre em Desenvolvimento Regional, com concentracao na Area Politico Institucional da Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC RS; docente dos cursos de Graduacao e Pos-Graduacao lato e stricto sensu da Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC RS; professora co-laboradora dos cursos de Graduacao e Pos-Graduacao lato e stricto sensu da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul UNIJUI . Coordenadora do Grupo de Pesquisa Politicas Publicas no Tratamento dos Conflitos, vinculado ao CNPq; coordenadora do projeto de pesquisa: Aces-so a justica, jurisdicao (in)eficaz e mediacao: a delimitacao e a busca de outras estrategias na resolucao de conflitos, financiado pelo Edital FAPERGS n 02/2011 Programa Pesquisador Gaucho (PqG), edio 2011 e pelo edital CNPq/Capes 07/2011; pesquisadora do projeto Multidoor courthouse system ava-liacao e implementacao do sistema de multiplas portas (multiportas) como instrumento para uma pres-tacao jurisdicional de qualidade, celere e eficaz financiado pelo CNJ e pela CAPES; pesquisadora do projeto intitulado: Direitos Humanos, Identidade e Mediacao financiado pelo Edital Universal 2011 e pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul UNIJUI; coordenadora e mediadora judicial do projeto de extensao: A crise da jurisdicao e a cultura da paz: a mediao como meio democratico, autonomo e consensuado de tratar conflitos financiado pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC; advogada . E-mail: fabiana@unisc .br . Curriculo Lattes: http://lattes .cnpq .br/8254613355102364 . Blog: http://fabianamarionspengler .blogspot .com .

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    Resumo

    O presente artigo tem como tema a aplicao do modelo da guarda comparti-lhada no Brasil, e os conflitos que rodeiam este modelo de guarda . Utilizando a tcnica de pesquisa bibliogrfica, a partir do mtodo dedutivo, pretendeu-se anali-sar o instituto da guarda compartilhada, suas vantagens e desvantagens, sob o as-pecto jurdico e psicolgico, preponderando sempre o princpio do melhor interes-se da criana e do adolescente no mbito das relaes de parentesco, suas caractersticas e objetivos . Dessa forma, foi exposta uma breve viso histrica do poder familiar, passando-se aps a uma anlise do conceito de guarda de uma for-ma geral, seus critrios de determinao e os modelos de guarda existentes do Di-reito Brasileiro, abordado principalmente o modelo da guarda compartilhada sob luz da Lei 11 .698/20083, trazendo ainda o posicionamento judicial antes e depois da aprovao do projeto de lei sobre este modelo . O desenvolvimento do trabalho per-mitiu concluir que a guarda compartilhada tem como objetivo o exerccio conjunto e simultneo de cuidado e zelo da criana e do adolescente por parte dos genitores, para que aqueles possam continuar a manter o contato, serem educados e criados por ambos, diferente dos dois outros modelos de guarda existentes em nosso direito de famlia .

    Palavras-chave: poder familiar; princpios; guarda compartilhada; conceito; vantagens e desvantagens.

    1. INTRODUO

    Inicialmente, para analisar a origem do instituto da guarda observou-se o que dita a Constituio Federal, que ao propiciar direitos e deveres iguais aos genitores, outorgou a ambos o poder familiar . Posteriormente, o Estatuto da Criana e do Adolescente alterou o instituto que possua o sentido de dominao para o sentido de proteo .

    3 A lei 11 .698/2008 foi sancionada em 13 de junho de 2008, e entrou em vigor na data de 15 de agosto do mesmo ano, sendo conhecida como o Instituto da Guarda Compartilhada, sendo que restou aprovada por unanimidade na data de 20 de maio de 2008 pela Cmara dos Deputados .

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    Sobretudo, o desenvolvimento deste estudo demonstrou que necessrio pre-servar o bem estar da criana e do adolescente, e, dessa forma foi identificado que o modelo da guarda compartilhada seria a melhor opo .

    Assim, para chegar at o modelo da guarda compartilhada, apresentou-se uma viso histrica do poder familiar, sua transformao e principalmente seu conceito e evoluo histrica .

    Por conseguinte, com as alteraes do poder familiar, antes denominado ptrio poder, analisou-se a guarda em seu sentido amplo, bem como foi citado os critrios de determinao desta, e, por fim, abordado os modelos de guarda existentes no Direito Brasileiro, quais so a guarda unilateral, guarda alternada e a guarda com-partilhada .

    Ademais, analisando a guarda compartilhada foram destacadas as suas princi-pais vantagens e desvantagens, trazendo de uma maneira prvia o posicionamento judicial antes e depois da aprovao do projeto de lei sobre esse modelo, que ainda perante muitos julgadores contraditrio, gerando dvidas de qual o melhor mo-delo de guarda .

    Ressalta-se, que para a guarda compartilhada efetivamente ser bem aplicada, os genitores devem estar convictos que os conflitos entre os mesmos precisam ser igno-rados, para assim poderem trabalhar conjuntamente as questes cotidianas da vida dos filhos, e assim ocorrendo uma participao e responsabilidade mtua na relao de ambos com a criana e o adolescente .

    2. PODER FAMILIAR: CONCEITO E EVOLUO HISTRICA E PRINCIPAIS PRINCPIOS

    A expresso poder familiar recente, esse instituto antigamente correspon-dia ao ptrio poder .

    O ptrio poder tem origem no direito romano, onde este era considerado como uma magistratura, um sacerdcio, o poder era absoluto, sem limites e por tempo indeterminado . Portanto, quem exercia o ptrio poder era a figura do pai, era ele que detinha o poder sobre os filhos e sobre os bens destes, um poder na verdade como posse, ou seja, a prole era tida como um objeto de sua propriedade .

    Dessa forma, para reforar esse entendimento, Bevilqua (1959, p . 279), o complexo dos direitos que a lei confere ao pai, sobre a pessoa e os bens dos filhos .

    A conotao ptrio poder refere-se apenas ao exerccio do pai, sem mencionar a mulher, ou seja, demonstrava que a sociedade era patriarcal . Quem decidia sobre a

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    vida dos filhos era somente o genitor, a genitora s poderia exercer o ptrio poder, na falta ou impedimento daquele .

    Assim, era entendido o ptrio poder no Cdigo Civil de 1916, todavia esse instituto mudou um pouco com a entrada do Estatuto da Mulher Casada (Lei 4 .121/62), no qual foi assegurado o ptrio poder a ambos os genitores, sobretudo continuou sendo exercido pelo pai, mas agora com a colaborao da mulher .

    Mais tarde, com a entrada da Lei do Divrcio, prevista na Lei 6 .515/77, a mulher comeou a ser vista de uma maneira um pouco diferente, comeou a ter mais valor na rea do trabalho e no mbito de sua prpria famlia, agora no era s mais o homem que detinha por completo o ptrio poder, porm ainda no se podia falar de igualdade entre eles .

    Em seguida, com o advento da Constituio Federal/88 foi concedido um tra-tamento isonmico ao homem e a mulher, incluindo em seu texto o princpio da igualdade, previsto no artigo 5, inciso I, e estabeleceu direitos e deveres iguais no mbito da sociedade conjugal, consoante o artigo 226, mudando o instituto .

    Assim, com a Constituio Federal restou mais clara a inteno do legislador em dar uma maior oportunidade s mulheres, conferindo-lhe direitos e deveres que antes s os homens possuam .

    Aps, o Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei 8 .099/90) veio por firmar ainda mais os direitos e deveres dos pais em relao aos filhos, outorgando o poder familiar a ambos os genitores, nesse sentido vlido destacar as palavras de Dias (2007, p . 377) deixou de ter um sentido de dominao para se tornar sinnimo de proteo, com mais caractersticas de deveres e obrigaes dos pais para com os fi-lhos do que de direitos em relao a eles .

    No obstante, cumpre observar que existem muitos princpios que norteiam o direito de famlia, em especial a guarda, entre eles os que se destacam so o princ-pio da igualdade, o princpio do melhor interesse da criana e do adolescente, o princpio da proteo integral das crianas, adolescentes e jovens, e o princpio da afetividade .

    Sobre o princpio da igualdade Lbo (2007, p . 42) afirma nenhum princpio constitucional provocou to profunda transformao entre homem e mulher nas relaes matrimoniais e convivenciais, e entre filhos no segmento da parentalidade .

    Destarte cabe salientar que a igualdade no deve apenas referir-se a igualdade simples entre iguais, mas sim entre a igualdade e solidariedade entre os membros das relaes de parentesco, caracterizada assim pelo afeto, amor, carinho e ateno .

    Por sua vez, o princpio do melhor interesse da criana e do adolescente est localizado no artigo 227 e, em seus pargrafos, da Constituio Federal, sendo que tal princpio representou importante mudana nas relaes entre pais e filhos, pois

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    este deixou de ser visto como um objeto que pertencia aos genitores, e passou a um sujeito de direitos .

    Conforme Spengler e Spengler Neto (2004, p . 80) o melhor interesse obser-vado sempre que venha a se discutir o direito da criana que motivo de litgio e que precisa ser tutelado .

    Destaca-se ainda, que este princpio cuida que os direitos das crianas e adoles-centes sejam cumpridos o mximo possvel, e dessa forma quer se assegurar que os mesmos tenham um desenvolvimento adequado, preservando assim, sua formao psicolgica, moral e intelectual, deste modo preceitua o Estatuto da Criana e do Adolescente, em seu artigo 34 .

    O princpio da proteo integral das crianas, adolescentes e jovens vem con-sagrado na Constituio Federal, no caput do artigo 227, quando assegura a crian-a e adolescentes o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade convivncia fa-miliar e comunitria .

    Cumpre observar que a criana e adolescente enquanto no atinge a maiorida-de, merecedor de uma proteo especial, de um tratamento diferenciado, tendo em vista, que so considerados mais vulnerveis e frgeis .

    Por isso, as crianas e adolescentes devem ser colocados a salvo de todo e qual-quer tipo de negligncia, discriminao, violncia, explorao, opresso e crueldade .

    E para garantir esse tratamento diferenciado, dos quais as crianas e adolescen-tes so os destinatrios, que surgiu o Estatuto da Criana e do Adolescente, o qual dita os direitos e garantias que devem ser assegurados pela famlia, sociedade e Es-tado, trazendo tambm normas de natureza material e processual, sendo que tal Estatuto vem se aprimorando as necessidades dos mesmos .

    Por sua vez, o princpio da afetividade um dos princpios constitucionais es-pecficos do Direito de Famlia, que pode ser extrado dos artigos 226, 3 e 6 , 227, caput e 1 , ambos da Constituio Federal .

    O referido princpio considerado na doutrina como aquele que insere no Direito de Famlia a noo de estabilidade das relaes socioafetivas e de comunho de vida, com primazia do elemento anmico sobre aspectos de ordem patrimonial ou biolgica (LBO, 2007) .

    4 Art . 3 . A criana e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes pessoa humana, sem prejuzo da proteo integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento fsico, mental, moral, espiri-tual e social, em condies de liberdade e de dignidade .

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    3. AS DISTINTAS MODALIDADES DE GUARDA NO DIREITO BRASILEIRO

    A guarda pode ser conceituada sob a seguinte forma, como sendo um dever comum dos pais cuidarem de seus filhos, atendendo ao interesse da criana e do adolescente, sendo que esses deveres podem ser divididos em ordem jurdica dos pais com relao aos seus filhos, e deveres administrativos de ordem patrimonial que os filhos possuem .

    De acordo com Cahali (1993, p . 277), a guarda:

    obriga prestao de assistncia material, moral, e educacional criana ou adolescen-te . A guarda transfere ao guardio, ttulo precrio, o atributo constante do art . 384, I, do Cdigo Civil no sentido de que lhe compete dirigir a criao e a educao da criana ou do jovem; como tambm lhe compete exigir que aquele preste obedincia, respeito e os servios prprios de sua idade e condio; no dever de assistncia material do menor sob sua guarda, entende-se que o guardio sujeita-se obrigao legal de alimentos em favor daquele, sem prejuzo da obrigao de prest-los o ptrio poder .

    Ainda, Carbonera (2000, p . 47) sobre a guarda estabelece

    um instituto jurdico atravs do qual se atribui a uma pessoa, o guardio, um comple-xo de direitos e deveres, a serem exercidos com o objetivo de proteger e prover as necessidades de desenvolvimento de outra que dele necessite, colocada sob sua res-ponsabilidade em virtude de lei ou deciso judicial .

    Dessa forma, a guarda caracteriza-se pela convivncia entre pai e/ou me com seu filho, tornando-se o responsvel por este, sendo que ser considerado o guar-dio do infante aquele que apresentar as melhores condies de cri-lo, oferecendo-lhe uma assistncia material adequada e um melhor desenvolvimento fsico, moral e psquico .

    Contudo, para poder decidir com quem permanecer a guarda quando os pais dissolvem o vnculo conjugal ou a unio estvel, frisa-se que sempre deve ser obser-vados os seguintes critrios: o princpio do melhor interesse da criana e do adoles-cente, idade e sexo, irmos juntos ou separados, a opinio da criana e do adoles-cente e, por ltimo, e no menos importante, o comportamento dos pais .

    O Cdigo Civil de 2002 prev as seguintes possibilidades de guarda: a unilate-ral, alternada e a compartilhada .

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    3.1 Guarda unilateral

    A guarda unilateral ou exclusiva aquela exercida por apenas um dos genito-res, nesse ensejo Levy (2008, p . 53) pronuncia-se:

    a guarda pode ser exercida de maneira exclusiva por um dos genitores, em decorrncia de titularidade exclusiva do poder familiar, como, por exemplo, na falta de reconhecimento da paternidade, nas hipteses de perda ou suspenso do poder familiar, ou no caso de co-titularidade do poder familiar e fracionamento do exerccio do poder familiar, em razo da ausncia ou da ruptura do relacionamento conjugal dos genitores, por meio de acordo ou deciso judicial atribuidor de exerccio da guarda a somente um dos genitores .

    Assim, no caso de dissoluo do vnculo conjugal, temos que a guarda unilateral ser aquela exercida por apenas um dos genitores, residindo criana e/ou adolescen-te com o genitor que ficou com sua guarda por ter apresentado as melhores condies de cuid-lo, sendo este responsvel por dar assistncia ao infante, enquanto que o outro genitor poder prestar alimentos, realizar visitas, e como obrigao dever fis-calizar o genitor que possui a guarda para verificar se este cumpre com as responsabi-lidades com a criana e/ou adolescente .

    Nesse sentido, conceituam Spengler e Spengler Neto (2004, p . 91):

    em ocorrendo a ruptura da famlia, e restando um dos genitores como guardio da prole advinda do relacionamento, sendo assegurado ao outro o direito visitao, estaremos diante de uma guarda dita exclusiva, na qual apenas o guardio possui a guarda material e tambm a guarda jurdica .

    Ainda, conforme o autor Gonalves (2012, p . 294):

    no tocante guarda unilateral, a referida lei apresenta critrios para a definio do geni-tor que oferece melhores condies para o seu exerccio, assim considerando o que revela aptido para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I- afeto nas relaes com os genitores e com o grupo familiar; II- sade e segurana; III- educao (CC, art . 1 .583, 2) . Fica afastada, assim, qualquer interpretao no sentido de que teria melhor condi-o o genitor com mais recursos financeiros . (Com grifos originais) .

    Portanto, a guarda no deferida para aquele que possui mais recursos finan-ceiros e sim para aquele que possa propiciar conjuntamente afeto, sade, segurana e educao .

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    Nesse sentido Gama (2008, p . 210) dita:

    a guarda uniparental (ou exclusiva) no apenas fsica, mas tambm jurdica, no sentido de abranger o direito de reger a vida do filho, dirigindo-lhe a criao e educa-o, com deliberao sobre as questes mais importantes que se refiram ao desenvol-vimento fsico, psquico e existencial do menor, ao passo que o no-guardio passa a ter direitos de visitas, de ter o filho em sua companhia e o de fiscalizar o exerccio das demais atribuies do ptrio poder do outro . (Com grifos originais) .

    3.2 Guarda alternada

    Por sua vez, a guarda alternada caracteriza-se pela alternncia da guarda dos genitores em relao aos filhos, sendo aquela que os genitores podem passar mais tempo com a criana e/ou adolescente, pois ela reserva-se por determinados pero-dos, ou seja, pode ser semanal, bimestral, semestral, ou anual .

    Assim Leite (2003, p . 259) sobre a guarda alternada dita:

    que a criana viver sucessivamente, por perodos longos de tempo, na casa de cada um dos seus genitores . Cada genitor exercer, alternativamente, a guarda do filho com to-dos os atributos que lhe so prprios (educao, sustento, administrao legal, etc) .

    No mesmo ensejo, para reforar o entendimento anterior, Amaral (1997, p . 168):

    a guarda alternada caracteriza pela possibilidade de cada um dos pais deter a guarda do filho alternadamente, sendo um ritmo de tempo que pode ser um ano escolar, um ms, uma semana, uma parte da semana, ou uma repartio organizada dia a dia e, consequentemente, durante esse perodo de tempo deter, de forma exclusiva, a totali-dade dos poderes-deveres que integram o poder paternal . No trmino do perodo os papis se invertem .

    Ainda, com relao guarda alternada, ela apresenta certas vantagens, como por exemplo, a criana ou adolescente mantem relaes iguais com ambos os pais, e dessa forma acaba evitando concorrncia entre os mesmos . Alm do mais, quando o infante encontrar-se sob a guarda de um dos genitores no perodo determinado, ser somente este o responsvel pelas necessidades bsicas, decises e atitudes em relao ao filho .

    Todavia, Spengler e Spengler Neto (2004, p . 92) destacam:

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    porm, preciso salientar que mesmo a convivncia sendo a mesma em termos tem-porais (quantidade de dias, semanas, meses) poder no ser a mesma em termos de qualidade, pois, em inmeros casos ocorrer de um dos genitores dispor mais tempo para o filho do que o outro por vrias razes, dentre elas compromissos profissionais .

    Doutra banda, o modelo da guarda alternada no lado jurdico recebe vrias crticas, pois a criana e/ou adolescente no possui um referencial definido, ou seja, no tem uma residncia fixa, pode ter mais que uma escola, no possui uma rotina pr-determinada, tendo que sempre estar pulando de casa em casa, o que pode prejudicar o seu desenvolvimento fsico e intelectual .

    Por fim, sobre a guarda alternada cabe destacar as palavras de Grisard Filho (2010, p . 125) sobre as vantagens e desvantagens deste modelo:

    a moderna doutrina adverte que a guarda alternada no est em harmonia com o interesse do menor . Ela inconveniente para a consolidao dos hbitos, valores e idias na mente do menor, diante do elevado nmero de mudanas, repetidas separa-es e reaproximaes, provocando no menor no s a instabilidade emocional e psquica, como tambm um descontnuo afetivo, espacial e social . J uma outra ver-tente v na guarda alternada a vantagem de permitir ao menor manter relaes estrei-tas com os dois genitores . Considerando os melhores interesses do menor, a jurispru-dncia tende a estabelecer o exerccio da parentalidade como regime bsico .

    3.3 Guarda compartilhada

    A guarda compartilhada aquela onde existe um referencial de com quem fica a criana, se com o pai ou com a me, todavia ambos decidem de uma forma con-junta a respeito da vida do infante, sendo que as despesas so compartilhadas, as visitas no precisam ser marcadas, ocorrendo uma maior liberdade em relao convivncia com o filho .

    Segundo, Leite (2003, p . 287) a proposta manter laos de afetividade para minimizar os efeitos sempre acarretados aps uma separao, e conferir aos pais o exerccio de suas funes de forma igualitria .

    Importante ressaltar que por vezes a guarda compartilhada se confunde com a guarda conjunta, todavia esta deve ser reconhecida como gnero e aquela como espcie da segunda .

    Dessa forma, Levy (2008, p . 54) define:

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    ao contrrio da guarda conjunta, a guarda compartilhada ou compartida pressupe a falta de vnculo conjugal dos pais e uma co-responsabilidade no exerccio das funes parentais . Explicamos . A guarda compartilhada tem por fim precpuo minimizar os danos sofridos pelos filhos em razo da quebra ou mesmo da inexistncia prvia de relacionamento conjugal . Busca preservar os laos paterno-filiais em condies de igualdade entre os genitores .

    Sobretudo, o modelo da guarda compartilhada j era conhecido antes da publi-cao da Lei n 11 .698/2008, mas somente passou a ter aplicao legal com a pro-mulgao desta .

    A guarda compartilhada surgiu com a manifestao do desejo dos genitores, aps se encontrarem separados ou divorciados, de criarem conjuntamente seus filhos, oportunizando esse instituto uma maior comunicao entre os mesmos com relao a criao e educao do infante .

    Assim, a noo de guarda compartilhada surgiu para que a criana e/ou adoles-cente sofresse o menor impacto possvel com a dissoluo do vnculo de seus genito-res, e ainda apresentou-se como uma maneira de poder equilibrar os papis desses, para que a assim o infante possa ter uma boa e igual convivncia com ambos .

    Nesse sentido, resume Grisard Filho (2010, p . 132):

    a noo de guarda compartilhada surgiu da necessidade de se reequilibrar os papis parentais, diante da perniciosa guarda uniparental concedida sistematicamente me (na guarda tradicional, o genitor no guardio tem uma quantidade limitada de contato com o menor), e de garantir o melhor interesse do menor, especialmente, as suas neces-sidades afetivas e emocionais . As noes trazidas colao, sejam do ponto de vista ju-rdico, sejam do ponto psicolgico, enfatizam essas duas consideraes . Por um lado revalorizam o papel da paternidade, por outro trazem ao centro das decises o destina-trio maior do tema em debate, o menor, oferecendo-lhe um equilibrado desenvolvi-mento psicoafetivo e garantindo a participao comum dos genitores em seu destino .

    Tambm, Leite (2003, p . 287) sobre a guarda compartilhada conceitua

    significa mais prerrogativas aos pais, fazendo com que estejam presentes de forma mais intensa na vida dos filhos . A participao no processo de desenvolvimento inte-gral dos filhos leva pluralizao das responsabilidades, estabelecendo verdadeira democratizao de sentimentos . [ . . .] A finalidade consagrar o direito da criana e de seus dois genitores, colocando um freio na irresponsabilidade provocada pela guarda individual .

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    Ademais, a guarda compartilhada se faz importante justamente por trazer um condo de segurana e continuidade de relacionamento, ou seja, d a criana e ado-lescente a certeza de ser amada e protegida por seus genitores, sem sofrer qualquer distino, e dessa forma, convivendo com os mesmos e sabendo que ambos so os responsveis pela sua educao e suprimento de suas necessidades mnimas . (SPEN-GLER e SPENGLER NETO, 2004) .

    Todavia, Grisard Filho (2010, p . 122) preceitua que essas necessidades se tor-naram mais frequente devido

    alta frequncia do divrcio que passou a ser uma possibilidade previsvel, contempora-neamente considerada normal na vida familiar . um evento grupal, que exige uma re-estruturao dos relacionamentos vigentes, reajustados, agora, s demandas das fam-lias monoparentais . Um lar, onde conviviam pai, me e filhos, depois do divrcio biparte-se: me e crianas, de um lado; pai, que passa a visitar os filhos com uma frequ-ncia que oscila entre o muito presente e regular ao desaparecimento total, de outro .

    Portanto, com a promulgao da lei 11 .698/2008, a qual disciplinou sobre o novo instituto, este foi tido como modelo preferencial aos demais j existentes, pro-movendo uma ideia de ambos os pais serem guardies de seus filhos .

    A Lei supracitada alterou os artigos 1 .5835 e 1 .584 do Cdigo Civil/2002, prevendo agora no s mais a guarda unilateral como era previsto antes no artigo 1 .583, mas in-cluindo em seu teor a guarda compartilhada .

    Logo, as alteraes trazidas pela Lei 11 .698/2008, tirou a exclusividade da guar-da unilateral, esta normalmente deferida me, com visitas agendadas para o pai, trazendo agora em seu texto o modelo da guarda compartilhada, orientada pelos princpios da igualdade, da solidariedade e do melhor interesse da criana .

    5 Art . 1 .583 . A guarda ser unilateral ou compartilhada . 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuda a um s dos genitores ou a algum que o substitua

    (art . 1 .584, 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilizao conjunta e o exerccio de direitos e deve-res do pai e da me que no vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns .

    2o A guarda unilateral ser atribuda ao genitor que revele melhores condies para exerc-la e, objetiva-mente, mais aptido para propiciar aos filhos os seguintes fatores:

    I afeto nas relaes com o genitor e com o grupo familiar; II sade e segurana; III educao . 3o A guarda unilateral obriga o pai ou a me que no a detenha a supervisionar os interesses dos filhos . 4o (VETADO) .

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    O modelo da guarda compartilhada oportuniza uma maior convivncia com ambos os genitores, tendo que estes decidir conjuntamente sobre a criao e educa-o dos filhos, participando mais diretamente, mesmo que separados na vida do infante, dando assim um maior equilbrio emocional a criana .

    Dessa forma, o novo caput do referido artigo, trouxe um sistema dual, ou seja, a guarda unilateral e a guarda compartilhada .

    J o artigo 1 .5846 do Cdigo Civil de 2002, tambm modificado pela Lei n 11 .698/08, mostrou-se de natureza mista, apresentando normas de direito material e processual .

    Dessa maneira, o caput do referido artigo novamente traz os dois modelos de guarda, quais sejam, a guarda unilateral e a guarda compartilhada, sendo que os incisos I e II trazem a forma de como a guarda pode ser estabelecida, que por consenso entre os pais ou por deciso judicial .

    Importante destacar assim que a Lei n o 11 .698/08 de grande importncia, pois trouxe mudanas necessrias para o Direito de Famlia, e apresentou um siste-ma dual, ou seja, a guarda compartilhada e a guarda unilateral, buscando tambm definir mecanismos de direito material e de direito processual .

    Diante disso salienta Gama (2008, p . 265)

    6 Art . 1 .584 . A guarda, unilateral ou compartilhada, poder ser: I requerida, por consenso, pelo pai e pela me, ou por qualquer deles, em ao autnoma de separao,

    de divrcio, de dissoluo de unio estvel ou em medida cautelar; II decretada pelo juiz, em ateno a necessidades especficas do filho, ou em razo da distribuio de

    tempo necessrio ao convvio deste com o pai e com a me . 1o Na audincia de conciliao, o juiz informar ao pai e me o significado da guarda compartilhada, a

    sua importncia, a similitude de deveres e direitos atribudos aos genitores e as sanes pelo descumpri-mento de suas clusulas .

    2o Quando no houver acordo entre a me e o pai quanto guarda do filho, ser aplicada, sempre que possvel, a guarda compartilhada .

    3o Para estabelecer as atribuies do pai e da me e os perodos de convivncia sob guarda compartilha-da, o juiz, de ofcio ou a requerimento do Ministrio Pblico, poder basear-se em orientao tcnico-pro-fissional ou de equipe interdisciplinar .

    4o A alterao no autorizada ou o descumprimento imotivado de clusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poder implicar a reduo de prerrogativas atribudas ao seu detentor, inclusive quanto ao nmero de horas de convivncia com o filho .

    5o Se o juiz verificar que o filho no deve permanecer sob a guarda do pai ou da me, deferir a guarda pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferncia, o grau de parentesco e as relaes de afinidade e afetividade .

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    trata-se de importante avano na direo do cumprimento do melhor interesse da criana e do adolescente, princpio basilar e constitucional que informa a matria . A lei n o 11 .698/08 deu importante passo no rumo da democratizao e humanizao da guarda jurdica da criana e do adolescente e, por bvio, deve ser iluminada pelos princpios e valores constitucionais aplicveis s famlias, s crianas e aos adolescen-tes (arts . 226 a 230 da Constituio Federal) .

    Por outro lado, destaca-se que a mediao se mostra bastante adequada para a escolha do instituto da guarda compartilhada, pois ela atua como um acompanha-mento ao casal no gerenciamento de seus conflitos, podendo ter uma soluo mais rpida e satisfatria, preservando o melhor interesse da criana e do adolescente .

    Nesse sentido, Quintas (2009, p . 97) preceitua

    a famlia de hoje faz com que, em certos casos, a justia no alcance uma soluo sa-tisfatria para a lide, pois trazem consigo uma carga emocional que muitas vezes impede o juiz de propiciar uma deciso adequada para a famlia, principalmente aos filhos, que so parte mais vulnervel nos litgios familiares .

    Destarte, para o deferimento do instituto da guarda compartilhada, funda-mental a boa convivncia entre os genitores, e assim a mediao mostra-se adequa-da para garantir tal sucesso .

    Sobretudo, ressalta Levy (2008, p . 123):

    a mediao sugere uma mudana de paradigma, uma nova maneira de interao nos conflitos interpessoais . Traz tona o desejo das pessoas em resolver seus prprios conflitos e realizar suas prprias escolhas . Prope a autodeterminao e autonomia dos mediandos . Incentiva o olhar para um planejamento do futuro, que se pretende tranquilo e promissor, deixando as mgoas e os rancores no passado .

    Assim, a mediao, durante o processo de guarda, surge como uma opo ade-

    quada quando se pensa em optar pela guarda compartilhada, fazendo com que os genitores discutam e decidam de uma forma amigvel pelo futuro dos seus filhos .

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    4. VANTAGENS E DESVANTAGENS DA GUARDA COMPARTILHADA

    O instituto da guarda compartilhada almeja a convivncia do filho com ambos os genitores, propiciando uma vida mais tranquila, uma convivncia amorosa e, assim uma maior continuidade na relao do infante com seus pais, mesmo com o rompimento do relacionamento destes, nesse sentido Salles (2001, p . 96) destaca

    a noo de guarda compartilhada consiste no exerccio em comum, pelos pais, de um certo nmero de prerrogativas relativas e necessrias pessoa da criana, fazendo os pais adaptarem-se a novas posies e/ou situaes, at ento acordadas previamente, portanto sem a chancela jurisdicional, mas em benefcio inconteste da prole .

    Dessa forma, temos como uma das vantagens do instituto da guarda compar-tilhada continuidade da relao entre a criana e/ou adolescente com seus pais, propiciando ao filho interagir com os mesmos aps estes terem rompido os laos matrimoniais, podendo ambos continuarem agindo como pais em relao a esse .

    Nesse sentido, Grisard Filho (2010, p . 215) afirma:

    a continuidade das relaes paterno e materno-filiais, ou seja, a manuteno co-pa-ternal aps o divrcio, a proteo dos filhos, dos conflitos parentais e o respeito ao direito de estes manterem uma adequada comunicao com ambos os genitores, mais do que quem fica com eles, so os melhores prognsticos que a guarda compartilhada pode oferecer ao desenvolvimento da personalidade do menor .

    Da mesma maneira, frisam Spengler e Spengler Neto (2004, p . 99) essa , pois, a principal vantagem da guarda conjunta: a diviso de tarefas, de alegrias, de dissa-bores, de preocupaes, a convivncia prxima, o afeto .

    Outra vantagem do modelo da guarda compartilhada, que este instituto no impede a fixao de alimentos, pois no raras vezes em nossa sociedade os genitores no usufruem da mesma situao financeira, ou seja, aquele genitor que no est sempre com o filho poder ajudar o outro guardio com as despesas inerentes do infante .

    Acentua Dias (2007, p . 397) muitas vezes no h alternncia da guarda fsica do filho, e a no cooperao do outro pode onerar sobremaneira o genitor guar-dio, por isso as despesas devem ser divididas, podendo no caso essa obrigao ser exigida na rea judicial .

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    Isto posto, pode se notar que o modelo da guarda compartilhada quando bem aplicado, ou seja, quando os genitores cooperam entre si, deixando o infante fora de suas desavenas pessoais, o desenvolvimento do mesmo nos aspectos sociais, emo-cionais e escolares sero muito melhores, propiciando assim uma melhor convivn-cia familiar, e dessa maneira no se extinguindo o poder familiar em relao a esses .

    Cabe analisar, o entendimento de Dias (2007, p . 395):

    guarda conjunta ou compartilhada significa mais prerrogativas aos pais, fazendo com que estejam presentes de forma mais intensa na vida dos filhos . A participao no processo de desenvolvimento integral dos filhos leva pluralizao de responsabili-dades, estabelecendo verdadeira democratizao de sentimentos .

    Sobretudo, deve se observar que para a aplicao da guarda compartilhada, os pais devem continuar mantendo uma relao harmoniosa aps a dissoluo do ca-samento ou da unio estvel, pois se apenas um dos genitores escolher por este modelo e o outro no est disposto a cooperar, no aconselhvel o instituto .

    O magistrado quando optar pela aplicao do modelo da guarda compartilha-da deve analisar a conduta dos pais, se atendo a certos aspectos, como por exemplo, condies morais, ambiente familiar, condies psicolgicas, levando em conside-rao as condies de educar, dar amor, ateno e as condies materiais, como profisso, renda, habitao, que no devem ser levadas como absolutas .

    Assim, segundo entendimento Spengler e Spengler Neto frisam (2004, p . 99):

    no entanto, isso no significa que sempre que requerido por umas das partes, sem a concordncia da outra, deve prevalecer a guarda compartilhada, antes pelo contrrio, se inexistente acordo nesse sentido, pairam dvidas de que a guarda compartilhada possa ser praticada, ou ento que v trazer reais vantagens para a criana, que dever ser a principal beneficiada . Justamente por isso que, antes de sentenciar determinan-do a guarda compartilhada, ou, homologar acordo nesse sentido, o magistrado pode e deve investigar o nimo dos genitores e se os interesses do filho ficam protegidos .

    Nesse sentido, cumpre destacar o seguinte julgado do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul:

    Ementa: guarda conjunta . s recomendada a adoo de guarda conjunta quando os pais convivem em perfeita harmonia e livre e a movimentao do filho entre as duas residncias . o estado de beligerancia entre os geni-tores no permite a imposio judicial de que seja adotada a guarda com-

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    partilhada . apelo do autor improvido e acolhidos o recurso da r . (8 FLS .) (Apelao Cvel N 70001021534, Stima Cmara Cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 21/06/2000) . (Com grifos originais) .

    Ademais, no adequado o deferimento da guarda compartilhada num ambien-te hostil, com desentendimentos e mgoas, resultante essas do divrcio ou dissoluo da unio estvel . Dessa forma fica evidente que nem sempre a guarda compartilhada a mais adequada, nesse sentido manifesta-se Grisard Filho (2010, p . 225):

    pais em conflito constante, no cooperativos, sem dilogo, insatisfeitos, quem agem em paralelo e sabotam um ao outro contaminam o tipo de educao que proporcio-nam a seus filhos e, nesses casos, os arranjos de guarda compartilhada podem ser muito lesivos aos filhos . Para essas famlias, destroadas, deve optar-se pela guarda nica e deferi-la ao genitor menos contestador e mais disposto a dar ao outro o direi-to de visitas .

    Outro argumento desfavorvel ao modelo da guarda compartilhada refere-se que se o casal no soube manter seu relacionamento, como conseguir de uma for-ma conjunta ser capaz de criar os filhos .

    Segundo Comel (2003, p . 250) o poder familiar se exerce no cotidiano, no dia-a-dia da convivncia, de modo que no se vislumbra como seu exerccio possa ter curso normal e esperado se os pais no vivem juntos .

    Doutra banda, tambm importante que o casal resida na mesma cidade e que haja dilogo entre os mesmos .

    Nesse sentido, destaca-se o seguinte julgado do Tribunal de Justia deste Estado:

    Ementa: APELAO . GUARDA . MANUTENO EM PROL DA ME . ADE-QUAO . Caso em que os laudos de avaliao social e psicolgica no apontaram nenhuma inconvenincia em manter a guarda com a me . Ao contrrio, os laudos apontaram que o menor est sendo bem atendido pela genitora, em todas as suas necessidades . Ademais, ainda que referida em lei como preferencial, a guarda com-partilhada s deve ser deferida quando houver suficiente harmonia e consenso entre os genitores, acerca do exerccio conjunto dos poderes familiares . Precedentes juris-prudenciais . No caso, havendo divergncia e litgio entre os genitores, e inclusive re-sidindo eles em cidades distintas, no h como concluir que a guarda compartilhada seja a forma de atender ao interesse prevalente do menor . NEGARAM PROVIMEN-TO . (Apelao Cvel N 70043681204, Oitava Cmara Cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 18/08/2011) . (Com grifos originais) .

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    Todavia, h entendimentos contrrios, ou seja, que entendem pela adoo do instituto da guarda compartilhada, mesmo quando um dos genitores apenas optar por esse modelo, pois o que interessa o bem estar do filho, e para isso deve se es-tabelecer uma residncia para o infante com um dos pais como ponto de referncia, e visitas para o outro genitor, mas mantendo a guarda compartilhada, pois a criao e educao cabe a ambos .

    Dessa forma, entende Leite (2003, p . 271):

    residncia nica, logo, o outro genitor fica garantida a obrigao de visita (embora sempre se fale em direito de visita e de hospedagem . Um, ter a guarda fsica da criana (onde genitor e filho moram), mas ambos detm a guarda jurdica do filho . Obrigao, ou dever de visita, porque o pai ou a me que no est com o filho todos os dias, deve visita-lo para manter sempre vivos os laos que unem pais e filhos . (Com grifos originais) .

    Destarte, mesmo com o ponto de referncia dado, que a residncia para o infante, h muitas crticas a aplicao do modelo da guarda compartilhada, quando um dos genitores no optar por essa, pois, como podero os pais criar e decidir conjuntamente sobre as necessidades do filho, se estes no conseguem mais se tratar com respeito e conviver em harmonia .

    Ademais, ocorrem severas crticas a respeito da imposio pelo magistrado da guarda compartilhada quando no tiver acordo entre os pais, cabendo ao magistra-do analisar um conjunto de elementos para determinar qual instituto ser o mais benfico para a criana e/ou adolescente, e se este entender que apesar dos conflitos dos pais, a guarda compartilhada a melhor opo para o infante, este determinar pela sua aplicao .

    4.1 O instituto da guarda compartilhada e a jurisprudncia

    Atualmente, com o propsito de preservar a criana e o adolescente, e dessa for-ma, o melhor interesse dessas, necessrio que os Tribunais ao determinar por um modelo de guarda, observem o instituto que rena as melhores condies para o de-senvolvimento e bem estar dos filhos .

    Dessa maneira, importante e respeitvel a atitude dos juzes que convocam as partes, ouvem os infantes quando necessrio, sem ser esta uma opo obrigatria, e realizam buscas interdisciplinares .

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    Portanto, quando deferida guarda compartilhada, esta deve atender ao prin-cpio do melhor interesse da criana e do adolescente, e satisfazer os desejos do in-fante e no dos pais .

    Logo vlido apresentar o julgado do nosso respeitvel Tribunal de Justia:

    Ementa: APELAO CVEL . FAMLIA . GUARDA COMPARTILHADA . IMPOS-SIBILIDADE . AUSNCIA DE ATENDIMENTO AO MELHOR INTERESSE DA CRIANA . Caso concreto em que resta cabalmente comprovado que a guarda com-partilhada, deferida inicialmente de forma provisria, revelou-se prejudicial, no atendendo ao melhor interesse da criana . Impossibilidade de sua manuteno . APE-LAO DESPROVIDA . (Apelao Cvel N 70042506055, Oitava Cmara Cvel, Tri-bunal de Justia do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 18/08/2011) . (Com grifos originais) .

    Por outro lado, salientando a importncia da guarda compartilhada introduzi-da pela Lei 11 .698/2008, Lagrasta Neto (2000, p . 46) dita:

    os juzes de famlia devem ser dotados de sensibilidade diferenciada, cientes de que sua funo primordial no como em outras reas do direito, a de sentenciar, mas a de conci-liar, pacificando as demandas . necessrio que se afastem de uma mentalidade excessiva-mente burocrtica, que os impea de progredir na busca de uma soluo justa [ . . .] um acordo, somente poder ser feito com o corao aberto, sem quaisquer reservas, mentais ou ideolgicas, com o sentimento, tambm exposto pelo juiz, evitando-se o ambiente formal e a posio rgida da equidistncia, to necessria as vezes, mas que impede, na vara da famlia, atinja-se o relato do caso, o dilogo verdadeiro .

    Tambm outro ponto que a jurisprudncia vem analisando a respeito da tro-ca de hbitos e mudanas de colgio, perdendo assim a criana e o adolescente o seu referencial, nesse sentido o julgado do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul:

    Ementa: APELAO CVEL . RECURSO ADESIVO . REGULAMENTAO DE VI-SITAS . GUARDA COMPARTILHADA . Caso de inviabilidade de imposio de guarda compartilhada, pois no h acordo entre os pais da criana . Ao depois, a guardi, me da menina, reside na Capital, 400 km distante de onde vive o pai apelante . Dessa forma, no se vislumbram motivos a ensejar a alterao pretendida pelo apelante, que implica-r mudana de rotina, escola, amigos, entre outros . As regras de visitao visam, na medida do possvel, evitar conflito . Logo, razovel dividir as frias entre os pais e dei-xar que eles convencionem quem ficar com a filha, por primeiro, no Natal . NEGA-

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    RAM PROVIMENTO . (Apelao Cvel N 70029514049, Oitava Cmara Cvel, Tribu-nal de Justia do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 02/07/2009) . (Com grifos originais) .

    Ademais frisa-se que no so em todos os casos que a guarda compartilhada merece ser acolhida, alm dos argumentos j expostos, merece importante destaque quando o casal encontra-se em litigio e existe profunda mgoa entre os mesmos .

    Para confirmar tal posicionamento, o julgado do Egrgio Tribunal de Justia deste Estado:

    Ementa: AGRAVO INTERNO . DECISO MONOCRTICA . AGRAVO DE INS-TRUMENTO . GUARDA COMPARTILHADA . LITGIO ENTRE OS PAIS . DESCA-BIMENTO . 1 . Comporta deciso monocrtica o recurso que versa sobre matria j pacificada no Tribunal de Justia . Inteligncia do art . 557 do CPC . 2 . No a conve-nincia dos pais que deve orientar a definio da guarda, mas o interesse do filho . 3 . A chamada guarda compartilhada no consiste em transformar o filho em objeto, que fica a disposio de cada genitor por um determinado perodo, mas uma forma har-mnica ajustada pelos genitores, que permita ao filho desfrutar tanto da companhia paterna como da materna, num regime de visitao bastante amplo e flexvel, mas sem que o filho perca seus referenciais de moradia . 4 . Para que a guarda compartilha-da seja possvel e proveitosa para o filho, imprescindvel que exista entre os pais uma relao marcada pela harmonia e pelo respeito, onde no existam disputas nem con-flitos . 5 . Quando o litgio uma constante, a guarda compartilhada descabida . Re-curso desprovido . (Agravo N 70049349632, Stima Cmara Cvel, Tribunal de Justi-a do RS, Relator: Srgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 13/06/2012) . (Com grifos originais) .

    Alm disso, os juzes devem tratar de uma forma especial quando se discute o direito da criana e do adolescente, priorizando o bem-estar desses .

    Nesse diapaso, Levy (2008, p . 98):

    o ordenamento jurdico sempre prestigiou o acordo parental sobre a guarda dos filhos, no entanto, diante da discrdia parental, parmetros legais de atribuio do exerccio e mesmo da titularidade do poder familiar se fizeram e ainda se fazem necessrios para regular esta difcil questo .

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    Antes da entrada em vigor da Lei 11 .698/2008, a guarda era normalmente exer-cida pela me, ou seja, predominava a guarda exclusiva ou unilateral, existia a cul-tura de que a me detinha melhores condies para criar e educar os filhos .

    Todavia, com a promulgao da referida lei, a proposta o infante no perder seus referncias paternos e nem maternos, responsabilizando ambos os pais nas tarefas com a criana e o adolescente .

    Assim, Grisard Filho (2010, p . 193) dita:

    antes da vigncia da nova lei, a guarda compartilhada era praticada em maior medida por via de acordo entre os pais e, mais raramente, por determinao do juiz . Com a nova lei, essas opes no desaparecem, mas, de reconhecido valor superior, a guarda compartilhada ter aplicao preferencial pelo juiz quando no houver acordo entre o pai e a me . Nessa perspectiva, a guarda compartilhada passa a ser a regra e a exceo a guarda exclusiva . Essa priorizao da lei no conta com a aprovao de parte da doutri-na nem da jurisprudncia em diferentes situaes: relao conflitiva entre os pais, au-sncia de estabilidade emocional da criana, diversidade de critrios educativos, incon-venincia de ter dois lares .

    Por isso, quando o juiz optar pela guarda compartilhada deve observar alguns critrios, e verificar se realmente este modelo o mais adequado, nesse sentido o seguinte julgado:

    Ementa: APELAO CVEL . RECONHECIMENTO E DISSOLUO DE UNIO ES-TVEL . PARTILHA . GUARDA COMPARTILHADA . ALIMENTOS . A guarda compar-tilhada, prevista nos arts . 1583 e 1584 do Cdigo Civil, com a redao dada pela Lei 11 .698/08, pode ser imposta pelo Juiz, desde que verificadas as condies que melhor atendem os interesses dos menores . Implementada a guarda compartilhada, fica prejudi-cado o pensionamento em favor dos filhos, uma vez que os encargos com as crianas passam ser de responsabilidade de ambos os genitores . RECURSO PROVIDO, EM PAR-TE . (Apelao Cvel N 70035274794, Oitava Cmara Cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 20/05/2010) . (Com grifos originais) .

    Diante disso, visto alguns dos posicionamentos de doutrinadores, compete destacar que a opo pelo instituto da guarda compartilhada compete de uma ma-neira preferencial aos pais, todavia, quando estes no conseguirem em comum acordo decidir, cabe ao magistrado com muita cautela decidir, analisando o bem estar do infante, para que o mesmo tenha um desenvolvimento fsico, espiritual e saudvel .

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    5. CONCLUSO

    Diante do exposto, foi possvel compreender a importncia da guarda compar-tilhada para o direito de famlia . Em contrapartida, da mesma maneira, tambm foi possibilitado refletir se esse modelo o que melhor se adequa aos pais quando rom-pem o vnculo que os unia .

    Com o advento da Constituio Federal/88 e posteriormente com o Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei 8 .099/90), o poder familiar foi outorgado a ambos os genitores, sendo que ambas as Leis introduziram importantes mudanas no di-reito de famlia, mais especificamente na guarda .

    Dessa forma, os institutos de guarda aplicados no Brasil, so a guarda unilate-ral, a guarda alternada e a guarda compartilhada .

    A guarda unilateral era at ento o modelo mais aplicado, restando guarda com um dos genitores, ou seja, o guardio, e o outro genitor, no guardio, perma-necendo com direito a visitas, dever de prestar alimentos e de fiscalizao ao guar-dio .

    Posteriormente surgiu o modelo da guarda unilateral, onde os dois genitores em tempos distintos, so guardies do infante, ou seja, a criana e o adolescente permanece por um perodo pr-determinado sob a guarda de um genitor, e depois sob a guarda do outro genitor, tendo esses os direitos e obrigaes sobre as crianas na vigncia do perodo em que cada um dos responsveis estiver com a guarda .

    No obstante, com a Lei n . 11 .698/08, nasceu o modelo da guarda compartilha-da, com o objetivo de permitir que os cnjuges aps a dissoluo do matrimnio ou unio estvel, continuassem a manter o vnculo com seus filhos e uma relao ainda mais prxima com os mesmos, para que assim o infante sofresse o menor impacto e trauma possvel com a separao daqueles .

    Destarte, ressalta-se que mesmo antes da vigncia da lei supramencionada, a guarda compartilhada j era conhecida no nosso pas e at mesmo aplicada por al-guns magistrados, pois consideravam este modelo mais adequado que o modelo da guarda unilateral .

    Em tese a proposta da guarda compartilhada que os pais possam criar e edu-car seus filhos de uma forma conjunta aps o trmino da relao conjugal, que ambos detenham a guarda e decidam a vida do infante .

    Por conseguinte, ao final dessa pesquisa entende-se que se os pais souberem separar seus conflitos conjugais, a guarda compartilhada mostra-se benfica . Toda-via, se tais conflitos no forem deixados de lado, resta aplicao deste modelo prejudicado .

  • 28 | D I R E I T O ( R E ) D I S C U T I D O

    Logo para a opo do instituto de guarda mais apropriado, deve-se observar sempre o melhor interesse da criana e do adolescente, preservando o seu bem-es-tar, sendo o instituto da Mediao um procedimento que se mostra bastante ade-quado para auxiliar na escolha .

    importante referir que para a aplicao da guarda compartilhada alguns cri-trios precisam ser obedecidos, quais sejam, genitores com residncias prximas, comum acordo e a aptido de ambos criar e educar o infante . Frisa-se tambm que para a escolha desse instituto deve-se observar se o modelo trar benefcios ao in-fante, e assim, em cada caso, verificar as vantagens e desvantagens .

    Cumpre destacar que a maior parte dos doutrinadores entende que a guarda compartilhada o modelo mais apropriado, pois os mesmos compreendem que assim a criana e o adolescente ficaro sob os cuidados de ambos os pais, possuindo eles os mesmos direitos e deveres sobre os filhos .

    Por outro lado, a jurisprudncia mostra-se mais cautelosa na aplicao do mo-delo da guarda compartilhada, deferindo esta, na maioria das vezes, somente quan-do h um tratamento pacfico e cordial entre os genitores, e assim normalmente sendo indeferida pela falta de consenso entre os mesmos .

    Por isso, a guarda compartilhada deve somente ser aplicada quando os pais op-tam por essa, e se ainda resta entre os dois respeito e afeto, o que raramente acontece . Como podemos observar, na maioria dos casos ocorre disputa entre os genitores para ver com quem ficar o filho, nesses casos torna-se inconveniente o deferimento da guarda compartilhada .

    Alm disso, o magistrado para determinar a guarda compartilhada, deve ana-lisar se as condies necessrias para a sua aplicao esto preenchidas . Deste modo, quando apenas um dos genitores opta por este instituto, torna-se inconcebvel a guarda compartilhada, pois falta o essencial: o consenso entre as partes .

    Sendo assim, este trabalho buscou demonstrar a difcil aplicabilidade do mo-delo da guarda compartilhada, considerando que a proposta bastante significativa e apresenta vantagens relevantes, porm na prtica no se pode atestar que este instituto seja o mais seguro, pois existem ainda muitas questes pertinentes a sua aplicao .

    Em vista disso conclui-se que a guarda compartilhada tem como objetivo o exerccio conjunto e simultneo por parte dos genitores, preservando o melhor in-teresse da criana e do adolescente, para que estes possam continuar a manter o contato com seus pais, e serem educados e criados por ambos . Diante do exposto, a guarda compartilhada deve somente ser deferida quando houver consenso entre os genitores, no se mostrando adequada imposio pelo magistrado, sob pena dos

  • Djssica Giseli Kuntzer Fabiana Marion Spengler | 29

    pais no cumprirem com os objetivos propostos pela guarda compartilhada, e assim no preservando e protegendo a criana e adolescente, a sua principal finalidade .

    6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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  • JUSTIA TERAPUTICA: UMA PROPOSTA JURDICA AO SISTEMA PENAL BRASILEIRO

    PARA A REDUO AO DANO CAUSADO PELA PROBLEMTICA DROGAS X CRIMINALIDADE

    Janana Gonalves dos Santos7

    Caroline Fockink Ritt8

    RESUMO

    O presente artigo trata do tema da Justia Teraputica, vista como uma medida jurdica alternativa ao sistema punitivo brasileiro . Tendo em vista que o envolvi-mento com as drogas fator determinante, esta tem por objetivo oferecer tratamen-to quele dependente de drogas que pratica um determinado delito, ao invs de encarcer-lo . Tal medida adotada, face falncia da pena de priso, a qual in-capaz de reeducar e incentiva, ainda mais, a violncia e a criminalidade . Justifica-se a escolha de tal tema, frente problemtica vivida pelas sociedades nos dias de hoje, resumida, assim, pelo binmio drogas x criminalidade . Justamente nesse sentido que se d o presente estudo, pois objetiva demonstrar tanto sociedade, quanto ao Estado, a efetividade da Justia Teraputica, vista como uma medida alternativa

    7 Bacharel em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC (2013) . Email: adv .janainagsantos@hotmail .com

    8 Advogada . Possui graduao em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (2000) . Possui especiali-zao em Direito Penal e Processual Penal e Mestrado em Direito, ambos pela Universidade de Santa Cruz do Sul (2007) . Leciona as disciplinas de Direito Penal - Parte Geral, Criminologia, Sociologia Jurdica e Teoria Geral do Processo Penal, na Universidade de Santa Cruz do Sul - RS . Coordena a ps-graduao presencial em Direito Penal e Processual Penal e a ps-graduao em Direito Penal e Processual Penal, pela modalidade Ensino a Distncia - EaD . Autora de vrios artigos em revistas jurdicas especializadas e coau-tora do livro O Estatuto do Idoso: aspectos sociais, criminolgicos e penais, em coautoria com Eduardo Ritt, pela Editora Livraria do Advogado, em 2008 . E-mail: carolineritt@viavale .com .br

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    priso que reduz a criminalidade diretamente relacionada ao consumo descomedi-do de drogas . Tal Programa busca prevenir o problema desde a essncia, oferecendo tratamento e reabilitao ao infrator que sofre de uma patologia e, consequente-mente, reintegr-lo sociedade, reduzindo, assim, suas chances de voltar a delin-quir . Assim, o presente trabalho, percorre, inicialmente, o tema das drogas e os re-flexos que estas geram no indivduo e na sociedade, apontando os efeitos e os malefcios que estas causam vida e sade de seus usurios, bem como demons-trando a vasta relao existente entre as drogas e a criminalidade . Outrossim, expla-na a fundo o Programa de Justia Teraputica, seu histrico, objetivos e o tratamen-to realizado ao dependente/infrator, haja vista o colapso do sistema punitivo brasileiro e a incidncia, cada vez mais necessria, das medidas alternativas priso como uma soluo a este problema . Por derradeiro, so trazidos os fundamentos jurdico-legais e a viabilidade de aplicao da Justia Teraputica em nosso ordena-mento jurdico, apresentando o rol de hipteses processuais em que a mesma pode operar . Dessa maneira, resta demonstrado que este Programa uma alternativa ju-ridicamente possvel e eficaz na reduo da criminalidade e no tratamento contra a dependncia qumica .

    Palavras-chave: Justia Teraputica; drogas; criminalidade; tratamento; alternativa jurdica.

    1. INTRODUO

    A Justia Teraputica, em termos pragmticos, nada mais do que uma alter-nativa jurdico-penal, disposio do Estado, que alia medidas sociais e efetivo tratamento ao dependente de droga que pratica delitos motivado, justamente, pelo seu vcio em drogas, ao invs do seu encarceramento, tendo em vista que extraindo-se tal circunstncia uso e dependncia em drogas tal fato criminoso no se daria .

    Deste modo, a Justia Teraputica apresenta-se como uma medida alternativa priso capaz de reduzir o dano social trazido pela devastadora combinao das drogas e da criminalidade, de modo a reduzir a grande incidncia de crimes moti-vados pelo consumo desenfreado de drogas, buscando prevenir o problema em seu cerne, tratando e reabilitando o infrator de uma patologia e, por conseguinte, mo-dificando seu anterior comportamento criminoso para uma conduta socialmente

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    correta, reintegrando-o sociedade e reduzindo, dessa maneira, ao mximo, suas chances de voltar a delinquir .

    Assim sendo, discorrer-se- sobre a problemtica das drogas x criminalidade, passando abordagem do caos prisional e a consequente falncia da pena de priso, apresentando-se a Justia Teraputica como uma alternativa jurdico-teraputica possvel ao ordenamento jurdico/criminal brasileiro .

    2. A DROGADIO E SEUS REFLEXOS NO INDIVDUO E NA SOCIEDADE

    As sociedades, como um todo, convivem com a tradio do uso de drogas des-de a antiguidade, de modo que em algumas culturas as drogas tinham certa aprecia-o e em outros contextos sociais as mesas eram rechaadas, da mesma forma como se d na realidade que vivenciamos atualmente .

    No entanto, o que se pode notar que depois de anos de convivncia das socie-dades com esse tipo de mal desenfreado trazido pelas drogas, se percebe que o problema se tornou crnico, sendo cada vez mais difcil de controlar e isso se d porque o uso de drogas est diretamente relacionado criminalidade e ao trfico ilcito de drogas, seguindo a seguinte proporo: quanto mais usurios arrecadam, maior a lucratividade do trfico e, consequentemente maiores os ndices de crimes e violncia .

    E nesse sentido que se d a importncia de gerar o enfraquecimento desse mercado lucrativo, pois uma vez que se diminuindo o uso de drogas, reduzir-se-ia tambm a criminalidade e, por conseguinte, programas de combate s drogas, rea-lizados pelos Estados, aliados a programas judiciais de auxlio a esses usurios de-pendentes, tem um papel fundamental na evoluo por uma sociedade desvincula-da do binmio drogas x criminalidade .

    Assim, adentrando ao tema das drogas, especialmente sua classificao, di-versas so as suas possibilidades, no entanto, no presente estudo, cabe referir, prin-cipalmente, sua classificao jurdica, com efeito prtico para com seus consumido-res, que dividem-se em lcitas, ilcitas e controladas . Tal classificao apresenta-se de suma importncia, haja vista que a legalidade ou no de uma determinada subs-tncia influencia de forma determinante a produo, distribuio e consumo das mesmas, afora as consequncias que tais substncias geram na sade dos usurios . (ARAUJO, 2012) .

    Sobre essa classificao, Araujo (2012, p .18) afirma que

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    as drogas ilegais so aquelas cuja distribuio e venda para uso recreativo so proibi-das, na prtica, por tratados internacionais sobre o assunto, assinados por mais de 180 pases . [ . . .]O lcool e o tabaco, que ao lado da cafena so os psicoativos mais consumidos do mundo, so as chamadas drogas legais . Apesar de no serem alvo de controle inter-nacional, praticamente todos os pases tm leis que restringem sua venda, seu consu-mo e sua publicidade . [ . . .]As drogas das outras classes costumam ser chamas de substncias controladas e incluem, principalmente, remdios importantes . Normalmente, toda a sua cadeia produtiva controlada, a fim de evitar desvios para o mercado negro . No varejo, elas costumam ser vendidas com receitas especiais, por exemplo . (Grifado no original) .

    Desse modo, ainda referente ao tema das drogas, mais especificamente em re-lao a denominao usurio, dependente e/ou viciado, nota-se que bastante co-mum, tanto nos relatos da imprensa sobre as drogas como em nosso dia a dia, fazer-mos referncia aos usurios de drogas como sinnimos de dependentes qumicos ou viciados, quando na verdade, existe um paralelo em relao a tais denominaes, tendo em vista que nem todo o usurio de drogas um dependente .

    Para tanto, de extrema importncia estabelecer as distines conceituais em relao a tais denominaes e, de incio, conforme Araujo (2012, p . 21):

    usurios so pessoas que consomem drogas, independentemente da frequncia com que fazem isso . [ . . .]A dependncia qumica, por sua vez, uma doena crnica que acomete uma pequena frao dos usurios de drogas . Ela diagnosticada pela presena de alguns critrios clnicos . O sujeito que fuma crack compulsivamente, vrias vezes ao dia, arriscando sua vida praticando alguns crimes para ter dinheiro para mais drogas, por exemplo, prova-velmente um dependente qumico, alm de usurio . [ . . .]As expresses vcio e viciado so usadas coloquialmente para se referir aos termos mdicos dependncia qumica e dependentes qumicos . No dia a dia, as pessoas usam esses termos informais de maneira bem mais ampla do que os mdicos usam os seus, mais tcnicos . Logo, eles no significam, rigorosamente, a mesma coisa . (Grifado no original) .

    Dessa maneira, pode-se falar que ser dependente se trata de algo bem mais

    perigoso do que ser um simples usurio, uma vez que a dependncia no permite que voc pense direito no que est fazendo e, principalmente, no o deixa parar de fazer (ARAUJO, 2012, p . 178) .

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    Por este e outros motivos que a dependncia qumica considerada hoje em dia pela medicina uma doena, sendo classificada no Cdigo Internacional de Do-enas CID (1) e no Manual Estatstico de Doenas DSM (2), pois causam modi-ficaes qumicas no crebro, levando essas pessoas a consumirem compulsivamen-te determinada substncia, estando relacionada a dependncia com a compulso e, por conseguinte, a consequncias graves na vida das pessoas . (ARAUJO, 2012) .

    Nesse sentido, existe, hoje em dia, nas sociedades, um vasto rol de substncias psicoativas/drogas que causam dependncia qumica entre a populao, sejam entre as classes mais altas dos meios sociais, sejam nos meios mais pobres, no importa, a drogadio no faz distino de cor, raa, classe ou meio social, mas sim aquele que se deixa levar pelo vcio .

    Nesse sentido, Araujo (2012, p . 181) afirma que:

    o problema que, se algum decidir experimentar uma droga, ningum pode anteci-par se vai se tornar viciado ou no . Usar drogas uma escolha; tornar-se dependente delas no . Apesar de ningum experimentar uma substncia para ficar viciado nela, essa consequncia sempre possvel . A probabilidade de isso acontecer est associada a uma srie de fatores . Entre o primeiro uso e o vcio, o usurio costuma passar por diferentes estgios na sua relao com a droga . O que caracteriza cada um so, prin-cipalmente, a frequncia e a motivao para o uso, alm das complicaes que acom-panham cada etapa .

    Dessa forma, o uso de drogas causam diversos riscos, gerando perigo socie-dade e perigo ao prprio usurio, de modo que se tratam de variveis inconstantes, pois levam em considerao o tipo de droga usada bem como as caractersticas pessoais de cada usurio e, de forma exemplificativa, pode-se citar a cocana, crack, maconha, haxixe, solventes e inalantes e os opioides, como a herona, o pio e a morfina, como sendo umas das drogas ilcitas mais comuns e devastadoras em cir-culao na sociedade atualmente .

    Como complementao ao estudo da drogadio e seus reflexos na sociedade, igualmente merece destaque os aspetos da Lei n . 11 .343/2006, especialmente em seu artigo 28, que se refere s consequncias legais aos usurios de drogas .

    Assim, segundo Gerson (2008, p . 143),

    a principal inovao da Lei n 11 .313/06 foi a criao de um novo modelo repressivo em relao ao usurio de drogas, na medida em que uma das bases estruturais de atuao do sistema nacional de polticas pblicas sobre drogas est alicerada na ne-cessidade da reinsero do usurio sociedade e na incluso social do cidado, tor-

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    nando-o menos vulnervel a assumir comportamentos de risco ao uso indevido de drogas . Assim, o legislador optou pela insero do consumidor em uma posio jur-dica menos estigmatizadora, ou seja, ao mesmo tempo em que se coloca como infra-tor lei em razo de sua conduta, torna-se merecedor, sobretudo, de medidas educa-tivas e teraputicas por parte do Estado .

    Desse modo, o texto normativo trazido pelo artigo 28 da Lei de Drogas car-regado de fins humanitrios, trazendo um modelo teraputico e restaurador, assim, ainda de acordo com Gerson (2008, p . 144)

    a legislao no diferencia as modalidades existentes de usurios, pouco importando, para fins de classificao delitiva, a posio de consumidor eventual, freqente (sic) ou absolutamente dependente, cabendo, ao final, ao magistrado perceber a situao pessoal do agente para a assuno das providncias legais .

    Em razo disso, quando o usurio for conduzido pela autoridade policial, este ser compromissado ao comparecimento em audincia preliminar, de acordo com o artigo 76 da Lei n 9 .099/1995 (Juizados Especiais), onde ser elaborado o termo circunstanciado e, na prpria audincia, j possvel a aplicao das penas previstas no artigo 28 da Lei de Drogas, atravs da transao penal, desde que preenchidos os demais requisitos legais exigidos, como, por exemplo, no ter sido realizada outra transao penal em menos de 5 anos, no ser reincidente, entre outros . (DORNEL-LES, 2008) .

    Portanto, se pode concluir que a Lei n . 11 .343/2006 buscou um equilbrio ao enfrentar o consumo e o trfico de drogas, diferenciado as condutas do usurio/con-sumidor do traficante, uma vez que a pena privativa de liberdade deve ser aplicada efetivamente a crimes graves, do qual no h outro modo de ser enfrentado, no des-criminalizando a conduta de consumir, mas tambm no gerando o encarceramento por isso .

    Nesse nterim que se d a crescente preocupao da populao com o uso de drogas, de modo que a prpria imprensa, falada e escrita, tem revelado frequen-temente o mundo das drogas, associadas, quase sempre a imagens de destruio, violncia, crimes, etc . Esse assunto de tamanha importncia, que as autoridades e profissionais da rea da sade procuram orientar a sociedade, transmitindo in-formaes teis aos usurios em potencial, aos usurios propriamente ditos, s famlias, s escolas, tudo, como forma de minimizar o uso e a problemtica que as drogas trazem sociedade como um todo . (DUNN, LARANJEIRA e JUNGER-MAN, 2003) .

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    Por tais razes que o uso das drogas gera reflexos em toda a sociedade e, para isso, se faz necessrio, atravs do auxlio do Estado, a criao de medidas preventi-vas a esse binmio drogas x criminalidade, de modo que se possa debelar o trfico de drogas e, por conseguinte, a dependncia qumica e a criminalidade, possibili-tando tratamento e reabilitao a esses dependentes e no, o seu simples encarcera-mento, pois, como ser averiguado, no tem condies de ressocializar, mas sim, reafirmar, ainda mais, suas circunstncias criminosas .

    3. O CAOS PRISIONAL E SUA ALTERNATIVA JURDICO-TERAPUTICA

    Ao contrrio do que h muito tempo vem sendo aplicado, medida eficaz no est relacionada medida exclusivamente punitiva, mas sim, a uma alternativa efi-caz que previna o problema em seu cerne, atuando de modo a reintegrar o agente delitivo na sociedade, reeducando o mesmo para que no futuro tome uma medida proativa, antecipando-se vontade de delinquir e, consequentemente, alcanando a preveno to almejada por todos .

    No entanto, ocorre que a pena tem sido vista e aplicada nica e exclusivamente como meio de punio, um meio coercitivo no capaz de garantir ao delinquente a reabilitao necessria de que precisa para engajar-se novamente sociedade, a per-mitir que este possa reparar os danos que anteriormente deu causa, bem como, a ga-rantir que, em uma prxima oportunidade de delinquir, possa ter o correto discerni-mento do certo e do errado e, assim, praticar a verdadeira reestruturao social do qual fez parte, contribuindo para a adequada manuteno da ordem pblica .

    Sobre o tema, Hassemer (1984) citado por Damsio E . de Jesus (2000, p .10) comenta:

    existe hoje no Brasil a falsa crena de que somente se reduz a criminalidade com a defi-nio de novos tipos penais, o agravamento das penas, a supresso de garantias do ru durante o processo e a acentuao da severidade da execuo das sanes, posio mundialmente generalizada [ . . .]

    Dessa forma, justamente pelo fato de a criminalidade estar em voga, fazendo parte do cotiado atual, surge a resposta do Estado, o qual na tentativa de reprimir a criminalidade, o fazendo atravs das criaes de novas leis e novos tipos penais acaba por violar direitos fundamentais, no atendendo a sua verdadeira funo de tutela sociedade .

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    Caminhando nesse sentido Damsio E . de Jesus (2000, p .11) leciona que

    o direito penal brasileiro mostra-se ausente de rumo . Contraditoriamente, apresenta lampejos de liberalidade e de lei e ordem . Incursionando no rumo da Corrente de Lei e Ordem, est colhendo o fracasso de seus princpios . Alm de no conseguir baixar a criminalidade a ndices razoveis, gera a conscincia popular da impunidade, a morosi-dade da Justia criminal e o grave problema penitencirio (Grifado no original) .

    Assim, o fato de o direito penal estar agindo dentro de suas mximas gera a pr-fida viso de que os problemas sociais esto sendo, de fato, resolvidos, sendo a reali-dade diversa, de modo que a criao de novos tipos penais no vem trazendo nenhum xito em nossa sociedade, representando, assim, um verdadeiro caos criminal (HAS-SEMER, 1998) .

    Da mesma forma, h de se falar no caos do sistema prisional, tendo em vista o fato de a pena de priso no Brasil vem, durante um longo perodo de tempo mostran-do-se impotente em grande parte das prticas delitivas, no alcanando sua real fina-lidade que a preveno de crimes e a consequente ressocializao do criminoso .

    Para tanto, basta analisar as condies dos presdios no Brasil, onde a falta de estrutura impera, cumulada as superlotaes e as condies sub-humanas em que so colocados os infratores, jogados em celas sem qualquer tipo de higiene e, em muitos casos, submetidos a constantes violncias e agresses dos outros presidirios .

    Nesse sentido correm diversas correntes doutrinrias que indicam a falncia do nosso sistema penal punitivo/prisional, o qual, no consegue cumprir com as suas finalidades de preveno, retribuio, reeducao e ressocializao, mas sim, um sistema carcerrio precrio, no qual a crueldade e a desumanizao imperam .

    Segundo o pensador Foucault (2004, p . 221), em sua crtica ao sistema prisio-nal, afirma:

    as prises no diminuem a taxa de criminalidade: pode-se aument-las, multiplic-las ou transform-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estvel, ou ainda pior, aumenta [ . . .] a deteno provoca a reincidncia; depois de sair da priso, se tm mais chance que antes de voltar para ela, os condenados so, em proporo considervel, antigos de-tentos [ . . .] a priso no pode deixar de fabricar delinqentes (sic) . Fabrica-os pelo tipo de existncia que faz os detentos levarem: que fiquem isolados nas celas, ou que lhes seja imposto um trabalho intil, para o qual no encontraro utilidade [ . . .] Corrupo, medo e incapacidade dos guardas [ . . .]

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    Explorao por um trabalho penal, que nessas condies no pode ter nenhum car-ter educativo [ . . .]

    Na mesma linha de pensamento, ainda, Foucault (2004, p . 222) assegura:

    a priso torna possvel, ou melhor, favorece a organizao de um meio de delin-qentes (sic), solidrios entre si, hierarquizados, prontos para todas as cumplicidades futuras [ . . .] as condies dadas aos detentos libertados condenam-nos fatalmente reincidn-cia: porque esto sob a vigilncia da polcia; porque tm designao de domiclio, ou proibio de permanncia [ . . .] enfim, a priso fabrica indiretamente delinqentes (sic); ao fazer cair na misria a famlia do detento [ . . .]

    Ainda no tocante as deficincias prisionais, importante destacar algumas ca-ractersticas comuns aos presdios, como os maus tratos verbais ou/e de fato, a su-perlotao carcerria, falta de higiene, abusos sexuais, condies deficientes de tra-balho, deficincia e/ou inexistncia dos servios mdicos, precria assistncia psicolgica/psiquitrica, deficincia no regime alimentar, elevado ndice de consu-mo de drogas e, at mesmo, a traficncia (BITENCOURT, 1993) .

    Assim, ao se falar em crise da priso, fala-se tambm da deficiente ateno dada pela sociedade para esse problema, uma vez que os governantes no tem dado a ateno suficiente que esse problema exige, de modo que impera, dessa forma, a busca por uma srie de reformas, isto , medidas alternativas priso, de modo trazer a utpica reabilitao e ressocializao do delinquente para realidade atual do sistema punitivo brasileiro (BITENCOURT, 1993) .

    Nessa seara, Gomes (2000, p . 27) ensina que:

    todos estamos convencidos de que nenhuma sano criminal, seja a de priso, seja a alternativa, pode ter qualquer prosperidade sem o efetivo apoio da comunidade, que deve compreender o delito no como um fenmeno isolado e resultante de um ser anormal, seno como um acontecimento inerente convivncia social (toda a comu-nidade possui suas taxas de delinqncia) (sic) [ . . .]A comunidade, em suma, deve se aproximar da administrao da Justia Penal (no pequena aqui a responsabilidade dos prprios juzes em procurar promover essa integrao comunitria), mas no s para participar da execuo da clssica pena de priso, seno especialmente das penas e medidas alternativas .

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    O que se percebe que a pena de priso passa a se tornar uma forma ultrapas-sada de trazer efetividade ao sistema penal, que deve contar cada vez mais com meios alternativos para se chegar ao objetivo idealizado de punir e ao mesmo tempo tratar e, para tanto Bitencourt (1997, p . 23) argumenta:

    assim, o que se busca limitar a priso s situaes de reconhecida necessidade, como meio de impedir a ao crimingena, cada vez mais forte . Os chamados substitutivos penais constituem alternativas mais ou menos eficazes na tentativa de desprisionali-zar, alm de outras medidas igualmente humanizadoras desta forma arcaica de con-trole social, que o Direito Penal (Grifado no original) .

    Assim, o problema que assola o nosso sistema punitivo pode ser remediado, fazendo-se o uso de medidas alternativas e eficazes que possibilitem a preveno e no apenas a punio, garantindo ao infrator sua reinsero social e garantindo sociedade uma reduo de danos .

    Dessa forma, partindo-se do princpio que o Direito Penal visa exclusivamente a punio do infrator atravs da restrio de sua liberdade, fato que, como se bem sabe, no vem sendo o meio mais eficaz de solucionar os problemas de alto ndice de crimi-nalidade, que surgem os substitutivos penais, os quais se revelam na forma das me-didas alternativas priso, buscando-se, assim, a preveno da criminalidade e a rein-tegrao social do indivduo infrator, de forma que este se recupere da sua condio de criminoso e passe a engajar-se novamente na sociedade .

    Desse modo, conforme explana Bitencourt (1997, p . 22), nos dias de hoje: indispensvel que se encontre novas penas compatveis com os novos tempos, mas to aptas a exercer suas funes quanto as antigas, que, se na poca, no foram in-justas, hoje o so .

    Assim, pois, foi que surgiram as denominadas Regras Mnimas das Naes Unidas para a Elaborao de Medidas no Privativas de Liberdade (Regras de T-quio), adotadas pela Assembleia Geral das Naes Unidas na sua Resoluo 45/110, de 14 de Dezembro de 1990 e, posteriormente regulamentadas no Brasil, pelo Con-selho Nacional de Justia (CNJ), na Resoluo n . 101, de 15 de dezembro de 2009, que visa, dentre diversos objetivos, alcanar eficcia na aplicao de medidas alter-nativas a priso .

    No entanto, para se atingir os objetivos da aplicao das medidas no privativas de liberdade existem dois aspectos que devem ser observados, o controle e a ajuda . O controle pressupe que o delinquente tenha as suas responsabilidades sempre direcio-nadas ao bom comportamento perante a sociedade, isto , prestando o devido respei-to que toda e qualquer comunidade exige . J quanto ajuda, esta tem por finalidade

  • Janana G onalves d os Santos Caroline Fo ckink R it t | 41

    auxiliar o delinquente na superao dos problemas que possam ter causado o delito, mesmo que essa ajuda seja um tratamento psicolgico ou uma simples conversa com o agente criminoso, no entanto, o mais importante visar a ressocializao deste, buscando cada vez mais o fortalecimento de seus vnculos com a sociedade (DAM-SIO E . DE JESUS, 2000) .

    Dessa maneira, tem-se que as medidas alternativas priso devem rechear-se dos mais variados mtodos de tratamento aos delinquentes de forma a atender as necessidades especiais de cada um . Dessa maneira, tais tratamentos