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ANA CECÍLIA VIERIA SOARES DIREITOS HUMANOS, DEFICIÊNCIA E ARTE A arte de dançar como fator de inclusão social da pessoa com deficiência Recife – PE 2004
ANA CECÍLIA VIERIA SOARES DIREITOS HUMANOS, DEFICIÊNCIA E ARTE A arte de dançar como fator de inclusão social da pessoa com deficiência
Monografia apresentada ao curso de Pós-Graduação da Pró-Reitoria de Extensão e Pesquisa da Universidade Católica de Pernambuco, como requisito à obtenção do título de Especialista em Direitos Humanos, orientada pelo Profº Ricardo Ribeiro
Recife - PE 2004
DEDICATÓRIA Aos meus pais, Romildo e Edna, por me ensinarem que as diferenças devem ser acolhidas e amadas. Ao meu irmão, Milton José, que tem deficiência auditiva e é minha experiência viva de amor incondicional. A Deus, por ter permitido que eu vivesse em uma família inclusiva.
AGRADECIMENTOS A Henrique Amoedo, por ter incentivado nosso retorno à sala de aula em busca do conhecimento. A Jayme Benvenuto Lima Júnior, pela simplicidade que nos faz acreditar na realização dos Direitos Humanos.
“O que aconteceria se, em vez de apenas construir nossa vida, nós nos entregássemos à loucura ou à sabedoria de dança-la?”
(Roger Garaudy)
RESUMO A Declaração Universal dos Direitos Humanos é o marco inicial da construção da visão contemporâneo de Direitos Humanos. A igualdade entre os homens é um dos princípios fundamentais da Declaração. Baseado nesse princípio, o movimento de inclusão social da pessoa com deficiência é fortalecido principalmente a partir da década de 80 com a criação pela Organização das Nações Unidas no Ano Internacional das Pessoas Portadoras de Deficiência, em 1981. A inclusão social pretendida perpassa, a princípio, pela mudança na valoração que é dada a pessoa com deficiência. Para tanto, deve ser possibilitada a autonomia, a independência e a equiparação de oportunidades para esse indivíduo. A redefinição dos papéis sociais impostos à pessoa com deficiência será possível na medida em que a sociedade esteja preparada par receber e aceitar as diferenças estabelecendo relações de bilateralidade. A idéia de inclusão social exige que as estruturas física e atitudinal sejam modificadas e sejam respeitadas as necessidades específicas da pessoa com deficiência. Um importante instrumento para construção da inclusão social pretendida é a arte de dançar. Através da arte pode ser estimulada a capacidade de realização e a criatividade. Dentre as perspectivas educacionais, terapêuticas e artísticas da dança, destaca-se a dançaterapia e a dança inclusiva.
ABSTRACT
The Universal Declaration of the Human Rights is the initial mark of the building of the contemporary view of Human Rights. The equality among the men is one of the fundamental principles of the Declaration. Based on this principle, the movement of social inclusion of the person with deficience is strengthened especially in the 80´s with the criation by the United Nations Organization (UNO) in the International Year of the People Bearrer of Deficience, in 1981. At the first moment, the intended social inclusion passes through the change of importance that is given to the person with deficience. So the autonomy, the independence and the equality of oportunities must be provided to this individual. The redefinition of the social papers imposed to the person with deficience will be possible as long as the society be prepared to receive and accept the differences, stablishing bilateral relations. The idea of social inclusion demands that the attitude and physical structures must be modified and the specific needs of the person with deficience must be respected. An important instrument to the building of the intended social inclusion is the art of dancing. Among the educational, therapeutic and artistic perspectives of dance, we emphasize the dance therapy and the inclusive dance.
SUMÁRIO CAPÍTULO 1 Introdução p.9 CAPÍTULO 2 2 – Direitos Humanos e Deficiência
2.1 Breve histórico sobre a visão contemporânea de Direitos Humanos p.12 2.2 O que é pessoa com deficiência? p.17 2.3 Os direitos humanos da pessoa com deficiência p.21
CAPÍTULO 3 3- Inclusão social da Pessoa com Deficiência
3.1 Da integração à inclusão social p.25 3.2 A importância da criação de uma cultura inclusiva p.29
CAPÍTULO 4 4– A arte de dançar, inclusão em movimento 4.1 A necessidade da arte p.33 4.2 O papel do artista na sociedade p.36
3.3 A arte de dançar, a dançaterapia e a dança inclusiva p.39 5- CONSIDERAÇÕES FINAIS p.45
6- BIBLIOGRAFIA P.48
7- ANEXO P.50
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
A história do homem é marcada por inúmeros movimentos de luta pela
valorização da vida e da dignidade humana. Na era contemporânea a Declaração Universal
dos Direitos Humanos é marca de uma nova visão, na qual os direitos são indivisíveis e
universais. Dentro dessa perspectiva, e pensando na valorização da vida da pessoa com
deficiência, encontramos como instrumento para sua inclusão social a utilização da arte de
dançar.
Atualmente os Direitos Humanos não mais estão divididos em gerações, o
que permite que seja discutida a importância dos direitos econômicos, sociais e culturais. O
acesso à arte é um direito expresso na Declaração de 1948, portanto, sua utilização no
processo de inclusão social da pessoa com deficiência é legítima, e representa um
instrumento de suma importância, uma vez que incentiva a capacidade de realização e de
criação.
Entretanto, para que o processo de inclusão social da pessoa com deficiência
seja eficaz, necessário se faz rever os conceitos sobre a deficiência e até mesmo sobre o que
seria essa inclusão social. A princípio devemos entender que não admissível, que nos dias
atuais ainda tenhamos a idéia de que a pessoa com deficiência deve ser separada das
pessoas ditas “normais”, ou até mesmo que deficiência é sinônimo de doença.
Reconhecemos que até alcançarmos a inclusão social pretendida, existe uma trajetória a
percorrer uma vez que a valoração a esse indivíduo se modifica, na medida do tempo e da
cultura das sociedades. Nos apoiamos no dizer de Romeu Kazumi Sassaki:
A sociedade, em todas as culturas, atravessou diversas fases no que se refere às práticas sociais. Ela começou praticando a exclusão social de pessoas que – por causa das condições atípicas – não lhe pareciam pertencer à maioria da população. Em seguida, desenvolveu o atendimento segregado dentro de instituições, passou para a prática da integração social e recentemente adotou a filosofia da inclusão social para modificar os sistemas sociais gerais. (Sassaki,1999, p.16)
A realização da inclusão social da pessoa social perpassa, então pela
modificação da estrutura social. A partir de agora, as relações estabelecidas entre os
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homens, em uma sociedade que se pretende inclusiva, têm que ser de caráter bilateral. A
pessoa com deficiência não terá que se adaptar as normas impostas pela sociedade, agora a
sociedade também terá que se adaptar às necessidades específicas desse indivíduo. Essa
prática da inclusão social é a efetivação de direitos e garantias da pessoa com defici6encia,
que é antes de mais, pessoa humana, essa é a realização dos Direitos Humanos.
Dentro das práticas cotidianas para a inclusão social seja efetivada, a
utilização da arte é instrumento importante. Identificamos que a arte, neste momento
histórico-social do país, tem contribuído no trabalho de reconhecimento e fortalecimento da
cidadania, servindo como instrumento de valorização da pessoa humana. Por meio da
vivência de técnicas artísticas da música, do teatro, da dança, das artes plásticas, da
literatura, é dada ao indivíduo a possibilidade de conhecer noções de beleza, estética,
forma, harmonia, movimento, capazes de forjar novos sentimentos, fazendo com que a
pessoa reconheça-se como ser pensante e criativo, como parte importante no todo social,
socialmente incluído.
O direito à educação e por conseguinte, ao ensino da arte, é garantido a todos
os brasileiros em idade escolar, sem nenhuma exceção, como dispõe os seguintes artigos da
Constituição Federal de 1988:
art.206 O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II- liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento arte e o saber ; art.208 O efetivado mediante a garantia de : dever do Estado com a educação será: III- atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino:”
Reconhecemos que a arte é um instrumento eficaz para que seja efetivada a
inclusão social da pessoa com deficiência. Através das técnicas artísticas existe a
possibilidade de interação entre esse indivíduo e a sociedade em que ele está inserido.
Atualmente, no Brasil e no Mundo, temos notícias da atuação de artistas com deficiência,
tanto como amadores como quanto profissionais.
Devemos identificar a conceituação da deficiência, pois o tipo de deficiência
determina como a arte é utilizada. A utilização da arte pode se realizar em um programa de
estimulação, quando a deficiência advém de causa congênita. No caso de deficiência
adquirida a arte pode ser um auxiliar no processo de reabilitação. O certo é que em
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qualquer das possibilidades, usar as técnicas artísticas constituem um importante aliado na
inclusão social da pessoa com deficiência, uma vez que viabiliza a valorização da
capacidade criadora desse indivíduo. Importante salientar que utilização da arte não deve
ser restrita a atividades terapêuticas. Existem duas dimensões do uso da arte, uma que faz
parte da arte terapia e outra diz respeito à produção artística para exibição em espetáculos,
dentro e fora do circuito comercial.
Pensar em Direitos Humanos é possibilitar ao desenvolvimento social,
emocional e profissional da pessoa humana. Quando a pessoa humana em questão tem
deficiência, efetivar seus direitos humanos é promover sua inclusão social, e a arte pode ser
um importante instrumento nesse processo de inclusão, uma vez que trabalhando o lúdico,
desperta emoções, e reafirma a auto confiança porque permite de se desenvolva as
capacidades de realização e de criatividade.Uma sociedade verdadeiramente justa e igual,
far-se-á quando concentrarmos nossas forças na dignidade da pessoa humana de forma
igual, porque nossas diferenças devem ser aceitas, afinal somo todos seres humanos.
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CAPÍTULO 2
DIRETIOS HUMANOS E DEFICIÊNCIA
2.1 Breve histórico sobre a visão contemporânea de Direitos Humanos
O advento da Constituição Federal de 1988 inaugura no Brasil um forte
movimento de valorização da cidadania. Os direitos e garantias, tanto individuais quanto
coletivos, elencados no corpo da nova Carta Magna, denominada “Constituição Cidadã”,
vêm marcar o fim de uma era de totalitarismo e ditadura. Surge uma nova atitude, que é
crucial para que essa cidadania seja construída, a participação popular, como define Juan
Diaz Bordenave:
Neste novo enfoque, a participação não mais consiste na recepção passiva dos benefícios da sociedade mas na intervenção ativa na sua construção, o que é feito através da tomada de decisões e das atividades sociais em todos os níveis. No novo contexto, a participação já não tem o caráter “consumista”atribuído pela teoria da marginalidade, mas o de processo coletivo transformador, às vezes contestatório, no qual os setores marginalizados se incorporam à vida social por direito próprio e não como convidados de pedra, conquistando uma presença ativa e decisória nos processos de produção, distribuição, consumo, vida política e produção cultural.(Bordenave,1992,p.20)
O fortalecimento dos movimentos sociais se dá, principalmente, porque a
partir de agora, a idéia de “coisa pública” modifica-se. Anteriormente as causas
consideradas públicas seriam de responsabilidade estatal, o povo figurava como mero
espectador, em especial, no que tange a construção da realidade econômica e social do
Brasil, uma vez que seus direitos políticos eram garantidos através do voto. Porém, essa
idéia muda a partir do momento quer a sociedade civil tomo consciência que sua
participação é fundamental para formação, no cotidiano do povo brasileiro, da cidadania.
Como bem afirma Bordenave:
A sociedade civil, sem desconhecer os poderes do Estado, trata de fortalecer-se através da participação em organizações de todo tipo, para ser um melhor interlocutor do governo, para melhor fiscaliza- lo e orienta-lo. Desnecessário dizer que a sociedade civil não pretende substituir o Estado, mas também não quer deixa-lo como dono e senhor das
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decisões nacionais. Ela não aceita assumir uma contribuição maior de recursos sob o pretexto de “planejamento participativo”e outros engodos do Estado para que sejam construídos, a menor preço para este, estradas, escolas e postos de saúde. Porém exige ser consultada no planejamento e execução destas obras, visto que é ela, a sociedade civil, que vai utilizá-las. (Bordenave,1992, p.54 a 56)
Essa nova concepção sobre participação popular que revigora os movimentos
sociais no Brasil, também promove o surgimento de novos sindicatos, associações,
federações, organizações não governamentais. O objetivo comum, e principal, desses novos
sujeitos, é fazer com que os direitos e garantias elencados na Constituição Federal de 1988
sejam efetivados. Nesse novo momento histórico do Brasil, surgem conceitos e atitudes que
passam a fazer parte do nosso cotidiano, como: responsabilidade social, respeito às
diferenças, políticas públicas, direitos humanos. Diante dessas expressões, que têm tornado-
se cada vez mais comuns, merece nossa atenção: Direitos Humanos. O que são Direitos
Humanos em uma visão contemporânea?
O conceito, a definição de Direitos Humanos não é hermética, estando, portanto,
em constante evolução, ou mudança, de acordo com cada momento da história do homem.
Podemos citar Flávia Piovesan “No dizer de Hannah Arendt, os direitos humanos não são
um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção
e reconstrução.”(Lima Júnior, 2001, nota introdutória)
Reconhecendo esse processo de constante construção e reconstrução, torna-
se possível assinalar alguns marcos históricos determinantes para a visão contemporânea
dos Direitos Humanos. Lembremo-nos que a idéia de direito do homem habita toda história
da humanidade das mais diversas formas. Nos primórdios da humanidade, todo direito
estava agregado a visão de divindade, direitos reconhecidos ao homem advinham da
vontade de Deus, ressaltando, pois, que o “Deus” era aquele cujo qual a classe detentora do
poder acreditava. Sob esse julgo, os direitos humanos eram reservados apenas para uma
determinada camada da sociedade, aos senhores de escravos, por exemplo, que possuíam a
liberdade e o controle sobre a vida de seus escravos.
Essa visão de Direitos do Homem modifica-se com o advento do
Cristianismo, pois agora o homem obtém direitos por ser considerado “a imagem e
semelhança de Deus”. É a contribuição dos pensadores do Cristianismo que faz surgir a
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idéia do direito natural, um direito conferido por Deus aos homens. Essa idéia manifesta-se
como forma de justificativa para manutenção do poder, todo o poder dos monarcas era
determinado pela vontade de Deus. Podemos citar como destaque entre esses pensadores
Tomás de Aquino, como ressalta Heliane Aplinário:
A teoria do Direito Natural foi utilizada para fundamentar os direitos da aristocracia, já estabelecida na época, referente sobretudo à propriedade e aos privilégios desfrutados por essa classe.” A filosofia tomista,..., concebe três tipos de leis: a) as leis humanas, que se fundariam nos costumes e tradições de cada povo; b) as leis eternas ou divinas, que governariam todo o universo; e c) as leis da natureza, inscritas no coração dos homens como uma espécie de instinto natural, seriam reflexos das próprias leis eternas.(Aplinário,2003, p. 17)
A idéia de jusnaturalismo inaugurada com os pensadores cristãos evolui com
a nova concepção iluminista de mundo. Nesse momento da história não mais se admite que
o poder seja oriundo da divindade e sim da razão humana. O jusnaturalismo moderno elege
a reta razão como guia das ações humanas. Dentre os pensadores da época, que
contribuíram para construção da idéia de um direito humano, podemos citar Jean Jacques
Rousseau. A criação da teoria do contrato social determina a existência de um pacto
deliberado de forma conjunta, no sentido da formação da sociedade civil e do Estado.
Trata-se de um acordo que constrói um sentido de justiça que lhe é próprio; a justiça está no
pacto, na deliberação conjunta, na utilidade que surge do pacto. O contrato aparece como
forma de proteção e de garantia de liberdade, possuindo o respaldo da vontade geral. Logo
após o advento do contrato social, surgem as primeiras manifestações em relação aos
direitos civis.
É nesse cenário mundial, entre os séculos XVII e XVIII, que se dá a
ascensão da burguesia, que reivindicava maior liberdade de ação e de representação frente
ao clero e à nobreza. Essa reivindicação é responsável pelo surgimento das grandes
revoluções, segundo Jayme Benvenuto Lima Júnior:
O questionamento à autoridade dos reis é a marca do século XVIII, que engendrou revoluções que destruíram violentamente impérios, das quais a mais importante é a Revolução Francesa, criadora de todo um ideário que persistiu á sua derrocada. Tratava-se, até o século XIX, de questionamentos essencialmente políticos, que
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alcançavam a capacidade do cidadão de pensar e agir, independentemente de códigos do passado. (Lima Júnior,2001, p. 14-15)
Diante dessa perspectiva histórica surgiram as primeiras declarações de Direitos Humanos:
a Declaração de Direitos do Estado de Virgínia, datada de 12 de julho de 1776; e a
Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, datada de 26 de agosto de
1789.
O advento dessas declarações inaugura a era da constitucionalização dos
direitos do homem. A partir de agora os direitos contidos nessas passam a ser incorporados
pelas constituições dos países da América e em outros países. Porém como o objetivo
principal do movimento revolucionário era limitar o poder do Estado em relação aos
indivíduos, foi dada grande importância aos direitos civis e políticos como bem diz Jayme
Benvenuto Lima Júnior:
Nessa perspectiva, é natural que o liberalismo tenha dado importância fundamental a determinados direitos humanos, tidos como civis e políticos, e que se caracterizam exatamente por estabelecerem garantias do cidadão comum contra os excessos do Estado concentrador de poderes e repressor do cidadão. Essa característica do liberalismo explica, portanto, o reconhecimento anterior aos direitos humanos civis e políticos, em detrimento dos direitos econômicos, sociais e culturais. (Lima Júnior, 2001, p.19)
Desta forma podemos afirmar que o fato da valorização dos direitos civis e
políticos é determinante para a clássica divisão dos Direitos Humanos em gerações.
Portanto, podemos citar, ressaltando que essa divisão dá-se em um dado momento
histórico, que os Direitos Humanos eram divididos em: 1ª Geração, sendo esses os direitos
civis e políticos; 2ª Geração, sendo esses os direitos econômicos, sociais e culturais,
chamados de “direitos sociais”; 3ª Geração, sendo esses o direito a paz, a desenvolvimento,
a autodeterminação dos povos, ao meio ambiente, a qualidade de vida, a conservação e
utilização do patrimônio histórico e cultural, a comunidade. Afirma-se ainda a existência
dos Direitos Humanos de 4ª Geração, que seriam os direitos a democracia, a informação, ao
pluralismo.
Após a era da constitucionalização dos Direitos Humanos, que foi marcada
pela positivação desses direitos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é
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marco essencial para a visão contemporânea dos Direitos Humanos. Segundo Jayme
Benvenuto Lima Júnior, a sua promulgação
... é o resultado da antiga idéia de internacionalismo, que vem se mostrar importante e viável como forma de estabelecer uma nova ordem mundial, baseada no respeito ao pluralismo. (Lima Júnior, 2001, p. 25)
Mais uma vez uma declaração é promulgada com a finalidade de impor
limites ao poder de atuação dos Estados. O cenário mundial em 1948 ainda respirava as
atrocidades cometidas durante a 2ª Grande Guerra Mundial, e havia grande necessidade que
surgissem mecanismos capazes para resolução de conflitos entre países, bem como dentro
dos próprios países. Ainda segundo Jayme Benvenuto Lima Júnior:
Em seus trinta artigos, a Declaração Universal de Direitos Humanos unge à condição de “inalienáveis”, direitos humanos tanto civis e políticos, como econômicos, sociais e culturais que visam estabelecer um padrão mínimo de sociabilidade e respeito aos cidadãos, por meio de um instrumento internacional civilizatório. Ao estabelecer igual valor aos direitos humanos civis e políticos e aos direitos humanos econômicos, sociais e culturais, a Declaração Universal de Direitos Humanos conjuga os valores da liberdade(liberalismo) e da igualdade(socialismo). (Lima Júnior, 2001, p. 26/27)
Dessa forma podemos afirmar que a promulgação da Declaração Universal
de Direitos Humanos inaugura a visão contemporânea de Direitos Humanos. Identificamos
no corpo da Declaração princípios pensados desde a muito pelos humanistas ao longo da
história. Princípios que fundamentam os Direitos Humanos a partir de então, tais como:
- O Princípio do internacionalismo, que visa acabar, ou ao menos
limitar as ocorrências de guerra e a barbárie contida nesses eventos.
A concretização desse princípio dá-se com a criação de instituições
internacionais que se destinam a criar uma regulamentação que
possibilite a vigência da paz entre os países;
- O Princípio da Universalidade, que afirma que os Direitos Humanos são válidos e exigíveis universalmente num determinado tempo. Nesse sentido, o acúmulo de uma consciência de humanidade, pela qual o ser humano buscaria melhorar, ..., faria dos direitos humanos um valor universalmente exigível.(Lima Júnior, 2001, p. 69);
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- O Princípio da Indivisibilidade, que afirma que os Direitos Humanos
devem ser compreendidos de forma integral. Esse
princípio vem por fim a classificação geracional dos Direitos
Humanos, uma vez que não admite que seja dada maior ou menor
valorização a determinado direto humano.
Diante dessa nova perspectiva sobre Direitos Humanos, é urgente atentarmos
para a causa dos ditos grupos vulneráveis, em especial as pessoas com deficiência. Não é
admissível que essas pessoas tenham que lutar em uma guerra cotidiana, sem que sejam
apresentadas e entregues as “armas” necessárias para a resolução de seus conflitos. O
conhecimento, e a conseguinte tomada de consciência, dos Direitos Humanos conferidos as
pessoas com deficiência é o início da caminhada para a concretização da valoração e da
dignidade da pessoa humana com deficiência.
2.2 O que são pessoas com deficiência?
Atualmente, a Organização Mundial de Saúde define a deficiência como:
“toda perda ou anormalidade de uma estrutura psicológica, fisiológica, ou anatômica”. É
importante salientar que a mesma Organização diferencia deficiência de incapacidade e de
impedimento. Estes são definidos como:
incapacidade é toda restrição ou falta(devido a uma deficiência) da capacidade de realizar uma atividade na forma ou na medida se considere normal a um ser humano; e impedimento é uma situação desvantajosa para um determinado indivíduo, em conseqüência de uma deficiência ou de uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho de um papel que é normal em seu caso(em função de idade, sexo e fatores sociais e culturais). (Ministério da Justiça,2001, p.13)
Levando em consideração que nosso estudo refere-se a pessoa com
deficiência, nos apoiamos, ainda, na definição de Sassaki, quando a descreve a diferença
entre pessoa com deficiência e pessoa com necessidades especiais:
O termo necessidades especiais é aqui utilizado com um significado mais amplo do que estamos habituados a supor. Às vezes, encontramos na literatura, em palestras e em conversas informais o uso das expressões pessoas portadoras de
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necessidades especiais, pessoas com necessidades especiais e portadores de necessidades especiais como sendo melhor do que usar as expressões pessoas portadoras de deficiência, pessoas com deficiência e portadores de deficiência, no sentido de que, assim, seria evitado o uso da palavra ‘deficiência’, supostamente desagradável ou pejorativa. Todavia, ‘necessidades especiais’ não deve ser tomado como sinônimo de ‘deficiência’(mentais, auditivas, visuais, físicas ou múltiplas).(Sassaki, 1999, 15)
Apresentado a definição sobre o que é pessoa com deficiência, nesse
momento, necessário se faz que sejam postas algumas considerações sobre os diferentes
tipos de valorização dados a esses indivíduos.
Em toda a história da humanidade, tanto no mundo ocidental como no
oriental a questão da deficiência sempre foi tratada como tabu, com receio.Lidar o corpo
diferente, com os sentimentos e maneiras de agir fora dos padrões tidos como “normais”,
infelizmente, durante muito tempo, não interessava à grande parte da população. Porém, os
comportamentos em relação a essa questão acompanham a evolução das relações sociais,
como bem assinala Henrique Amoedo,
as atitudes de aceitação, apoio e assimilação compõem um primeiro bloco, depois podemos referir as atitudes de abandono, segregação ou destruição e por último, encontramos mesmo atitudes de extermínio.(Amoedo, 2002,p.66).
Essas relações são mantidas de acordo com a visão que cada sociedade, em
seu momento histórico e cultural, tem da pessoa com deficiência. O uso da palavra
deficiência, ou deficiente tem um significado muito forte, uma vez que estas se opõem a
palavra “eficiente”. Denominar uma pessoa como “deficiente” é o mesmo que afirmar que
ela não é capaz ou até eficaz. Antes de ter acesso àquela pessoa a definimos como “não-
eficiente”, é assim que se dá o “pré – conceito”. Esse fato está ligado ao que chamamos de
estigma como define Erving Goffmam:
O termo estigma , portanto, será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, portanto ele não é, em se mesmo, nem honroso nem desonroso. (Goffmam,1980,p.13)
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Reafirmando o conceito de estigma, acrescentamos que o fato da não
aceitação, ou ainda da discriminação da pessoa com deficiência está relacionado à não
aceitação das diferenças. Essa atitude está intimamente ligada a manutenção das relações
sociais, econômicas e políticas, no curso da história da humanidade. Nos apoiamos no dizer
de Ribas:
As pessoas deficientes talvez sejam um pouco mais diferentes, já que podem possuir sinais ou seqüelas mais notáveis. Mas a realidade social também é diversa: nós homens não somos também socialmente iguais. Acontece, todavia, que não podemos transpor a realidade natural para a realidade social. Não é porque os homens são naturalmente diferentes entre si que devem ser socialmente diferentes. O fato de os homens se relacionarem quantitativa e qualitativamente diferente no plano social é uma construção sócio-cultural.(Ribas,1993, p.13)
Ressaltando essa idéia de que a valoração das relações é uma construção
social, abriremos um parêntese para analisar dois momentos da história das sociedades. A
princípio a teoria da docilidade dos corpos, defendida por Michel Focault, que explica as
razões da segregação da pessoa com deficiência entre os séculos XVII e XVIII. Depois
analisaremos que tipo de valoração se dá a esse indivíduo na atualidade.
Michel Foucault define que a figura do soldado é representação ideal da
construção da docilidade dos corpos. A transformação ocorrida entre o início do século
XVII e a segunda metade do XVIII, no que tange a formação desse soldado, diz respeito a
possibilidade de construção de um soldado perfeito.
O bom soldado, anteriormente, poderia ser reconhecido a distância pelo seu
porte, por seu vigor , sua coragem, que eram de seu orgulho. O bom soldado era definido,
antes de mais nada, pelo seu tipo físico, sua agilidade, sua resistência. Portanto o estereótipo
de ser forte era que definia se o homem servia ou não para ser soldado.
Essa idéia modifica-se a partir da segunda metade do século XVIII, porque o
soldado ideal não mais é definido a primeira vista por seu porte físico, mas o bom soldado
passa a ser construído. O homem que num primeiro momento não estaria apto para ser um
bom soldado poderá ser treinado, modelado, a ponto de se tornar hábil e ter suas forças
multiplicadas.
Nas manobras para apropriação e manutenção do poder o corpo tem um
papel de suma importância, porque a altivez, a firmeza e força representadas neste corpo
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perfeito, tornam-se sinônimo de grandeza, e conseqüentemente, fatores imprescindíveis
para a afirmação da força em uma relação de poder.
Cuidar do corpo é trata-lo como uma massa indissociável, é trabalhar com o
corpo de forma detalhada. É necessário torná-lo um corpo ativo, controlar seus
movimentos, gestos, atitudes, a ponto de alcançar até mesmo do nível da mecânica. Nesse
momento o importante é controlar a eficácia dos movimentos, sua organização interna,
mais importante mesmo do que controlar os elementos significativos do comportamento ou
da linguagem do corpo. “A coação se faz mais sobre as forças que sobre os sinais; a única
cerimônia que realmente importa é a do exercício.”(Foucault, 19 ,p126).
Esse processo de preparação do corpo através do culto ao exercício, de
forma coercitiva que leva o indivíduo à exaustão e a repetição mecânica de seus atos, é
definido por Foucault “disciplinas” da seguinte forma: “Esses métodos que permitem o
controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas
forças e lhes impõe uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as
“disciplinas”. (Foucault, 19 ,p.126).
O corpo dócil que foi construído entre os séculos XVII e XVIII, bem
exemplificado como sendo “o bom soldado”, pode ser considerado como uma das origens
da exclusão da pessoa com deficiência. Em uma época, e principalmente, em uma estrutura
de poder na qual o indivíduo é tido com objeto de dominação, na qual é exigido o perfeito
funcionamento do corpo, as pessoas com corpos diferentes do ideal não teriam lugar.
Na atualidade, em especial na sociedade brasileira existe um forte
movimento de valorização da luta pela efetivação do princípio da igualdade que vigora
como direito fundamental. Esse movimento se justifica pelo fato de que a busca pela
construção de uma sociedade plenamente democrática perpassa pela respeito aos direitos do
homem, como descrito por Norberto Bobbio:
Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornaram cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais. (Bobbio, 1992, p. 1)
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Em uma sociedade democrática de direito falar em igualdade, é o mesmo
que afirmar que todas as pessoas são iguais em direitos, e que deve ser dada, a todo
cidadão, igualdade de oportunidades.
Importante salientarmos, que se torna necessário diferenciar igualdade, no
sentido da lei, e diversidade. Respeitar a pessoa com deficiência é, antes de mais nada,
aceitar que esse indivíduo é diferente no seu modo de agir, de pensar, se comunicar, se
locomover, de criar. Porém essa diferença não o torna nem menor, nem melhor que
qualquer outro cidadão, a pessoa com deficiência é um ser pensante e criativo, que busca
igualdade de oportunidades, afinal todos são iguais em dignidade e direitos.
A quebra do estigma imposto às pessoas com deficiência, está relacionada a
criação de novos papéis para esse indivíduo. É preciso, reconhecer este ser como parte
necessária, para o perfeito andamento da construção de uma sociedade verdadeiramente
democrática. Essa definição de novos papéis, em um primeiro momento diz respeito à
mudança da valoração dada à pessoa com deficiência. É inadmissível conceber a idéia de que
se dá mais importância à deficiência e às necessidades especiais advindas desta,
deixando-se em segundo plano a pessoa e todo seu possível potencial de realização. Essa
mudança inicia-se com conhecimento e a conscientização a respeito dos direitos da pessoa
com deficiência, a partir de então, a pessoa com deficiência terá subsídios para lutar pela
efetivação de seus direitos.
2.3 Os Direitos Humanos da pessoa com deficiência
A Declaração Universal dos direitos humanos determina em seu artigo 1º
que “todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. As constituições dos países
que ratificam a Declaração passaram estabelecer como princípios fundamentais da pessoa a
igualdade, a liberdade e a dignidade. Para fazer valer esses princípios foram criadas,
normas, leis que descrevem quais direitos são garantidos e quais os mecanismos que devem
ser utilizados para possibilitar sua efetivação.
Em relação às pessoas com deficiência, o ano de 1981 é um importante
marco para a luta pela garantia de seus direitos. A Organização das Nações Unidas (ONU)
declara o ano 1981 como sendo o Ano Internacional da Pessoa Portadora de Deficiência,
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esse acontecimento fortalece e dá respaldo internacional a questão da proteção aos direitos
da pessoa com deficiência. No âmbito nacional, iniciativa foi apoiada pela Presidência da
República, determinando que o mesmo ano de 1981 fosse considerado o Ano Nacional da
Pessoa Portadora de Deficiência.
Em seguida, no ano de 1982, a Assembléia das Nações Unidas, reunida em
03 de dezembro, aprova pela Resolução 37/52 o Programa de Ação Mundial para Pessoas
com Deficiência. O objetivo desse programa é “promover medidas eficazes com vista à
prevenção da deficiência, à reabilitação e à realização de objetivos de “igualdade” e de
“plena participação”das pessoas com deficiência na vida social e no desenvolvimento”.
Soma-se a isto a edição da Resolução 37/53 da mesma data da resolução
citada anteriormente. Essa segunda resolução, proclama a “Década das Nações Unidas das
Pessoas Portadoras de Deficiência”. A década compreendia os anos de 1983 a 1992 e foi
criada como meio de execução do Programa de Ação Mundial.
No Brasil, o movimento de luta pelos direitos da pessoa com deficiência,
ganha maior representatividade com a criação de entidades de defesa de direitos. No ano de
1984, é criada a Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos (ONEDEF); a
Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS); a Federação
Brasileira das Entidades de Cegos;
Nos anos de 1986 e 1987 o Governo Federal cria a Coordenadoria Nacional
para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE). Que tem sua competência
definida no artigo 12 da Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, regulamentada pelo
Decreto nº 3.298/99, que descreve como ações da CORDE entre outras:
II - elaborar planos, programas e projetos subsumidos na Política Nacional para integração da Pessoa Portadora de Deficiência; V - manter com os Estados, Municípios, Territórios, o Distrito Federal, e o Ministério Público, estreito relacionamento, objetivando a concorrência de ações destinadas à integração social das pessoas portadoras de deficiência; VIII – promover e incentivar a divulgação e o debate das questões concernentes à pessoa portadora de deficiência, visando à conscientização da sociedade.(Lei nº 7.853/1989, art.12)
A promulgação da Constituição Federal de 1988 estabelece normas
específicas, em questão de garantia e direitos da pessoa com deficiência. Essas normas têm
como base o princípio de igualdade, considerando o fato de que esse “ser igual” não diz
23
respeito ao sentido formal e abstrato da igualdade e que “as pessoas portadoras de
deficiência apresentam necessidades especiais, que exigem um tratamento diferenciado
para que possam realmente ser consideradas como cidadãos.”(Cidadania e Inclusão,
Módulo 1,2000,p.21). São garantias constitucionais: o direito ao trabalho, à educação, à
saúde e proteção, à assistência social, à criança e ao adolescente, ao acesso.
Destacamos a existência leis esparsas, tais como: o Decreto Federal nº 3.298,
de 20 de dezembro de 1989, que fixa a Política Nacional para a Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência e prevê os instrumentos e mecanismos para execução, controle e
avaliação dessa política. Vale ressaltar a importância de dois órgãos federais que dão
sustentação à Política de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, no âmbito do
Ministério da Justiça, o Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Portadoras de
Deficiência, o CONADE; e no âmbito da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, a
Coordenadoria Nacional para Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência, a CORDE.
Em tempo destacamos, no âmbito da Cidade do Recife, a criação da
Comissão Permanente de Acessibilidade do Recife – CPAR, pela edição do Decreto nº
20.153, de 21 de novembro de 2003. O Decreto estabelece sua formação, bem como sua
atribuições descritas em seu artigo 4º, das quais podemos citar:
III – Apresentar propostas de intervenção nas vias públicas, compreendendo sinalização, rebaixamento de calçadas, e, regularização do pavimento do passeio público e ordenação do mobiliário urbano; IV – Recomendar aos órgãos competentes a adaptação da frota de transporte público, inclusive táxi, de forma a garantir o acesso e a circulação no seu interior pela pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida; VIII – Efetivar cobrança de ações do poder público e do setor privado para implementação das normas de acessibilidade, especialmente àquelas definidas pela comissão.(Diário Oficial do Recife, 22.11.2003, p. 3)
A propósito, recentemente foi criado do Projeto de Lei do Senado de nº 429,
de 2003, de autoria do Senador Paulo Paim. Esse projeto institui o Estatuto da Pessoa com
Deficiência e dá outras providências. Apesar de ser apenas um projeto, temos de ressaltar a
sua importância, uma vez que amplia a esfera de discussão, no que tange a questão da
efetivação dos direitos da pessoa com deficiência. Dentre os direitos propostos no Projeto
de Lei, podemos citar: o acesso à educação, à informação, à comunicação, à justiça e ao
trabalho; o direto a habilitação e reabilitação profissional; define uma política de
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capacitação de profissionais especializados.
É de suma importância o trabalho conjunto dos órgãos governamentais, nos
âmbitos federal, estadual e municipal, bem como a participação da sociedade civil
organizada, na luta pela inclusão social da pessoa com deficiência. Porém essa inclusão
perpassa pela divulgação e aplicação dos dispositivos legais existentes, possibilitando a
garantia de condições de igualdade entre todos os cidadãos portadores ou não de
deficiência.
Esse trabalho não pode ser tido como o único caminho, ou a melhor forma,
para promoção dessa inclusão, necessário se faz que seja mudada a maneira pela qual a
sociedade vê pessoa com deficiência. A princípio, devemos reconhecer esse indivíduo
como sujeito de direitos que devem ser respeitados, garantidos, e acima de tudo efetivados.
Depois, aceita-lo como parte integrante da sociedade, e principalmente, possibilitar que ele
seja capaz de atuar como agente de transformação, respeitando os limites impostos por suas
necessidades específicas. Desta forma poderemos caminhar, todos juntos, para obtenção de
êxito no processo de inclusão social da pessoa com deficiência, e construirmos uma
sociedade nova, onde as relações sejam mais humanizadas.
25
CAPÍTULO 3
INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
3.1 Da integração à inclusão social
Pensar a inclusão social da pessoa com deficiência é identificar, no curso da
história do homem, quais formas de valoração foram das a esse ser humano. Como lidar
com o indivíduo que está fora dos padrões da chamada “normalidade”?
Lidar com a diferença, aceitar as especificidades de cada deficiência faz
parte de um processo histórico que parte da segregação social. O nascimento de uma pessoa
com deficiência, ou o surgimento de uma deficiência adquirida, no ambiente familiar, a
princípio provoca repulsa. Essas pessoas eram isoladas, em suas residências ou eram
criados locais nos quais ser-lhes-ia dado tratamento adequado, especial.O importante era
manter a pessoa com deficiência longe dos olhos da sociedade, para que suas diferenças
não incomodassem, nem atrapalhassem o perfeito funcionamento do todo social.
A criação de lugares com tratamento especializado reforça a idéia do modelo
médico da deficiência. Esse modelo equipara a pessoa com deficiência à pessoa doente, por
conseguinte, determina sua incapacidade, como assinala a Cooperativa de Vida
Independente de Estocolmo:
Uma das razões pelas quais as pessoas deficientes estão expostas à discriminação é que diferentes são freqüentemente declarados doentes. Este modelo médico da deficiência nos designa o papel desamparado e passivo de pacientes, no qual somos considerados dependentes do cuidado de outras pessoas, incapazes de trabalhar, isentos dos deveres normais, levando vidas inúteis, como está evidenciado na palavra ainda comum ‘inválido’ (‘sem valor’, em latim). (Sassaki, 1999, p.28)
A existência do modelo médico de deficiência é tão marcante, que chaga a
influenciar o discurso até mesmo dos defensores dos direitos das pessoas com deficiência.
Podemos citar como exemplo dessa influência a própria Declaração dos Direitos das
Pessoas Deficientes, em seu artigo 7:
As pessoas deficientes têm direito a tratamentos médico, psicológico e funcional, inclusive aparelhos protéticos e ortóticos, à reabilitação física, à reabilitação social, à educação, ao
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treinamento e reabilitação profissionais, à assistência, ao aconselhamento, aos serviços de colocação e a outros serviços que lhes possibilitarão desenvolver suas capacidades e habilidades ao máximo e acelerarão o processo de sua integração ou reintegração social. (United Nactions, 1978)
Concluímos que o modelo médico da deficiência é um fator determinante
para que haja resistência na aceitação da pessoa com deficiência. Afirmando que a
deficiência é um problema pessoal, à sociedade bastaria promover sua solução através da
criação de algum serviço especializado, não sendo necessária, portanto, mudança na
estrutura do todo social.
Apesar da forte presença dessa idéia de doença e de problema, em relação a
pessoa com deficiência, surge no final da década de 60 o movimento pela integração social.
A partir de então, não era suficiente apenas o atendimento especializado, torna-se
necessário procurar inserir as pessoas com deficiência na estrutura social. Para tanto
importante seria possibilitar a participação desse indivíduo nas instituições de ensino, de
trabalho e de laser.
Através da integração social buscou-se definir um novo papel para a pessoa
com deficiência na sociedade. Podemos citar como caminho para construção desse novo
papel, a inserção da criança com deficiência na escola, como assinala Sassaki:
... consistia em colocar estudantes(com deficiência em classes comuns, principalmente classes acadêmicas, para finalidades instrucionais. Com freqüência, o mesmo estudante poderia estar colocado na sala de matemática da 3ª série, na sala de leitura da 2ª série e na sala de educação física da 4ª série. Assim ele nunca pertenceria realmente a nenhuma turma. Mas, pelo menos, ele estudava numa escola comum, embora se tratasse de uma simples colocação física dele em várias salas comuns. (Sassaki, 1999, p. 33)
Devemos ressaltar, porém, que apesar de importante, esse processo de
integração não era o ideal. Na medida em que a pessoa com deficiência é “colocada” na
sociedade, sem que esta última esteja preparada para recebe-la, todo trabalho torna-se
unilateral. Sendo, pois, uma imposição, onde o que interessa é o fato de integrar pura e
simplesmente, cabendo ao indivíduo com deficiência adequar-se às condições sociais
existentes, não havendo mudança na estrutura social.
27
O movimento de integração social tem seu auge em meados da década de 80,
quando é fortalecida a luta pelos direitos das pessoas com deficiência. Porém os integrantes
desses movimentos de luta, bem como das instituições sociais e a comunidade acadêmica,
começaram a perceber que integrar não era o bastante, no dizer de Sassaki:
organizações vanguardeiras de pessoas com deficiência começaram – por volta do final dos anos 80s e início da década de 90 – a perceber e a disseminar o fato de que a tradicional prática de integração social não era só insuficiente para acabar com a discriminação que havia contra este segmento populacional mas também era muito pouco para propiciar a verdadeira participação plena com igualdade de oportunidades. (Sassaki, 1999, p. 33/34)
É importante reconhecer qual é maneira de atuação do movimento de
integração social. Faz-se integração social de três formas: pela inserção pura e simples, de
acordo com méritos pessoais, sem haver mudança na sociedade; pela inserção da pessoa
com deficiência que precisa de adaptação específica no espaço físico; e pela inserção em
ambientes separados dentro dos sistemas gerais.
O movimento de integração social é de suma importância para a luta em
defesa dos direitos da pessoa com deficiência. Porém não é suficiente, na medida em que
permite que esse indivíduo seja parte integrante da sociedade, se ele for capaz de se
adaptar, sem que a estrutura social mude. Essa permissão seda, segundo Sassaki, se a
pessoa com deficiência for capaz de:
Moldar-se aos requisitos dos serviços especiais separados(classe especial, escola especial etc.); acompanhar os procedimentos tradicionais (de trabalho, escolarização, convivência social etc.); contornar os obstáculos existentes no meio físico (espaço urbano, edifícios, transportes etc.); lidar com as atitudes discriminatórias da sociedade, resultantes de estereótipos, preconceitos e estigmas (Sassaki, 1995a; Amaral, 1994, p. 18, 35-37,40), e desempenhar papéis sociais individuais (aluno, trabalhador, usuário, pai, mãe, consumidor etc.) com autonomia mas não necessariamente com independência. (Sassaki, 1999, p. 35)
O fortalecimento dos movimentos de defesa dos direitos da pessoa com
deficiência faz surgir novas idéias e conceitos, tais como autonomia e independência.
Entendemos como autonomia ter uma vida onde se possa dominar o ambiente físico e
social, sendo preservadas ao máximo sua privacidade e sua dignidade. Ser autônomo é o
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mesmo que circular pela cidade de ônibus, é ter o manejo da cadeira de rodas, é
desempenhar suas tarefas sem necessitar de auxílio direto. A idéia de independência está
ligada ao fato de a pessoa com deficiência ser capaz de decidir sobre seus atos, como por
exemplo, se o indivíduo não é totalmente autônomo cabe a ele decidir por pedir ajuda ou
não. Diante desses conceitos podemos identificar que existem e existirão casos em que a
autonomia e a independência serão simultâneos.
No processo para inclusão social da pessoa com deficiência é imprescindível
a busca pela equiparação de oportunidades. A igualdade entre os homens, um dos
princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, consagrado na Constituição
Federal de 1988, tem sua possibilidade de efetivação quando da existência quando da
existência dessa equiparação de oportunidades, a qual conceituamos, apoiados na
Declaração de Princípios, datada de 1981, da Disabled Peoples’ International, organização
não governamental, sem fins lucrativos, criada por pessoas com deficiência:
O processo mediante o qual os sistemas gerais da sociedade, tais como o meio físico, a habilitação e o transporte, os serviços sociais e de saúde, as oportunidades de educação e trabalho, e a vida cultural e social, incluídas as instalações esportivas e de recreação, são feitos acessíveis para todos. Isto inclui a remoção das barreiras que impedem a plena participação das pessoas deficientes em todas estas áreas, permitindo-lhes assim alcançar uma qualidade de vida igual à de outras pessoas. (Drierger & Enns, 1987, p.2-3)
Referindo-nos ainda ao conceito de equiparação de oportunidades,
acrescentamos a definição adotada pela Assembléia Geral da Organização das Nações
Unidas, quando em 20.12.93 estabeleceu Normas sobre a Equiparação de oportunidades
para Pessoas com Deficiência:
O termo ‘equiparação de oportunidades’ significa o processo através do qual os diversos sistemas da sociedade e do ambiente, tais como serviços, atividades, informações e documentação, são tornados disponíveis para todos, particularmente para pessoas com deficiência. (Nações Unidas, 1996, parágrafo 24)
A passagem do processo de integração social para o processo de inclusão
social perpassa pela adoção do modelo social da deficiência. Em substituição ao modelo
médico, o modelo social afirma que os “problemas” da pessoa com deficiência estão
ligados às dificuldades que são impostas a esse indivíduo pela sociedade. São criadas
29
barreiras físicas, programáticas e atitudinais que impedem as pessoas com deficiência de
desempenhar papéis sociais, limitando seu desenvolvimento pessoal, social, educacional e
profissional.
Diante dessa nova perspectiva, podemos afirmar que a inclusão social far-
se-á por um processo bilateral. Em contraponto à postura do modelo médico, pensar a
deficiência em uma visão social é reconhecer que os problemas referentes às necessidades
específicas dessa deficiência é matéria que diz respeito a toda sociedade, e não somente às
pessoas com deficiência. Deve haver, antes de mais nada, um trabalho de conscientização,
para que estejamos preparados para receber, e principalmente aceitar, as pessoas com
deficiência, permitindo sua participação como agente social, possibilitando seu
desenvolvimento como ser humano.
3.2 A importância da criação de uma cultura inclusiva
Pensar na inclusão social da pessoa com deficiência é, antes de mais nada,
reconhecer a necessidade de transformação na visão que se tem desse indivíduo. Uma
primeira questão que deve ser modificada é a que diz respeito a idéia de que deficiência é
doença. Alguns tipos de deficiência, advém de doenças, o que não quer dizer que a pessoa
que tem uma deficiência seja uma doente. Uma pessoa com deficiência pode ter saúde
saudável por toda vida, sendo somente acometido pelas necessidades especiais impostas por
sua deficiência. Devemos salientar também que existem tipos de deficiências que ao
adquiridas e que não estão relacionadas a nenhum tipo de doença, como no caso das
deficiências acidentais. Nos apoiamos no dizer de Ribas:
Doença é um processo. Deficiência é um estado físico ou mental eventualmente limitador. Existem, é verdade, alguns casos – mais incomuns – de simultaneidade. – Estes caos requerem cuidados médicos, já que a deficiência está associada a uma doença. Mas, sanada a doença, não há mais porque considerara como ainda sendo doente ou no mínimo “ex-doente”a pessoa que agora está completamente curada ou apenas deficiente. (Ribas, 1985,p. 32 e 33)
Salientamos que é de suma importância essa diferenciação quando se fala em
tolerância no sentido da aceitação das diferenças. A idéia de associar a deficiência à doença
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reforça o estigma de pessoa fragilizada, não capaz de participar ativamente da construção da
própria cidadania. É preciso que essa idéia seja mudada e que passemos a reconhecer que a
pessoa com deficiência é igual em direitos e dignidade, e que devem ser respeitadas as
diversidades advindas de sua deficiência.
Reconhecer as diversidades e respeitá-las é não pressupor “uma necessária
relação de ordem, ou uma hierarquia entre equivalências, como a muitos, muitas vezes, parece
natural.”(Machado, 1997,p.82). O que quer dizer, não ser admissível aceitar que as pessoas
sejam diminuídas em seu valor no todo social, ainda no dizer de Machado
O reconhecimento do outro, ou o reconhecer-me diferente do outro, não me condiciona, portanto, em qualquer sentido, a uma comparação entre mim e ele, da qual resultaria uma desigualdade, um “maior” e um “menor”. (Machado, 1997,p.83)
A Declaração Universal dos Direitos Humanos vem salvaguardar o respeito
às diferenças quando afirma que todos são iguais. A presença desse princípio nas Cartas
Constitucionais dos países que ratificaram a Declaração, reafirma sua importância, porém
sua concretização perpassa pela mudança de atitude. Não basta saber que a diversidade
deve ser respeitada, é preciso ação de respeito e aceitação, é preciso trabalhar a tolerância,
principalmente porque
É muito fácil ser tolerante como o que não me diz respeito, com aquilo por que não me interesso, ou em relação a que não me sinto minimamente responsável. Basta fechar os olhos, ou tapar o nariz, e seguir em frente.(Machado,1997,p.87)
A causa, referente à Inclusão Social da pessoa com deficiência, não deve ser
restrita às pessoas que atuam na área de defesa desses direitos, porque essa é uma causa
urgente, de toda sociedade. É certo que nota-se uma crescente nos debates e ações
referentes ao respeito aos direitos das pessoas com deficiência, mas ainda há muito a ser
feito, como bem define Lígia Assumpção Amaral:
..., especialmente a partir da década de 80, tem havido um direcionamento maior - de entidades públicas e privadas – no sentido de enfrentar diretamente a questão. Mas, certamente, os recursos destinados a intervenções na área (sejam econômicos ou humanos) ficam ainda muitíssimo abaixo da demanda. (Amaral, 1994 ,p. 15).
31
Fazer com que o debate sobre essa causa tenha amplitude nacional, tanto no
âmbito das relações sociais, quanto no âmbito das políticas públicas, é tornar possível a
realização da Inclusão Social da pessoa com deficiência. Ampliar o debate sobre o os
direitos e a inclusão social da pessoa com deficiência é necessário, uma vez que essa
matéria se restringe às pessoas que lidam com a matéria em seu dia a dia, seja porque o
próprio indivíduo tem alguma deficiência, ou tem um parente ou uma pessoa próxima,
como bem diz Rosita Edler:
De modo geral, nesta área, as questões são debatidas entre os que nela atuam, praticando-se aquilo que chamo de semântica restrita, porque os interessados – além de serem quase sempre os mesmos – falam a “mesma língua.(Edler, 2000, p. 15)
Portanto, podemos afirmar, que pensar a inclusão social da pessoa com
deficiência, é fazer com que toda a sociedade participe das discussões referentes à
deficiência. Essa participação é essencial, uma vez que a efetivação dos direitos dessas
pessoas perpassa pelo reconhecimento de seu papel como parte integrante do todo social.
Não devemos esquecer, porém, que a pessoa com deficiência, principalmente no momento
histórico atual, tem voz ativa nesse processo de inclusão, caberá a esse indivíduo, apontar
quais são suas necessidades e interesses primordiais.
Dessa forma, em uma ação conjunta entre todos os grupos e camadas sociais,
pessoas com ou sem deficiência, são responsáveis pela construção dessa inclusão social.
Mais do que isso, permitir que a pessoa com deficiência participe de forma ativa das
decisões de sua vida e da vida do país. Incluir é reconhecer a cidadania desse grupo social,
respeitando seus direitos e sua dignidade de pessoa humana.
Reconhecer a cidadania da pessoa com deficiência é um passo importante
para sua inclusão social. Porém, algumas atitudes devem ser tomadas em conjunto com esse
reconhecimento. A princípio devemos observar algumas regras para que seja mantido o
bom convívio social, entendemos por boa convivência o fato de não reprimirmos e não
discriminarmos a pessoa com deficiência. Podemos citar algumas dessas regras que fazem
parte da cartilha da Superintendência Estadual de Apoio à Pessoa com Deficiência do
Estado de Pernambuco :
Nunca diga, nem escreva: incapacitado; inválido ceguinho; retardado; surdo-mudo; aleijado.
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Diga e escreva: pessoa com deficiência; pessoa cega ou pessoa com deficiência visual; pessoa com deficiência mental; pessoa surda ou pessoa com deficiência auditiva; pessoa com deficiência física. (2003. p.2 )
Por fim, devemos nos aliar às pessoas com deficiência na luta pela conquista
de sua cidadania. Fazer parte dessa luta é, antes de mais nada, possibilitar a igualdade de
oportunidades. O respeito às determinações legais referentes à acessibilidade física, escolar,
no trabalho, na justiça é fator determinante na inclusão social desse grupo de indivíduos.
Defendemos a idéia que aliado a esses fatores, a participação da pessoa com
deficiência na criação e execução de um trabalho artístico é de suma importância para sua
inclusão social. Através da arte se desenvolve o potencial de realização dessa pessoa, e sua
inserção social se faz por meio da descoberta de sua criatividade e capacidade pessoal, a
seu tempo e a seu modo. Portanto, não nos esqueçamos que é essencial dar a pessoa com
deficiência a opção de escolha, é a ela que cabe decidir qual forma e a que tempo deve-se
trabalhar pela sua inclusão social.
Reafirmamos, pois, que essa igualdade de oportunidades também diz
respeito a ter acesso ao trabalho artístico, não apenas como expectador, mas principalmente
como artista, criador. O desenvolvimento de sua capacidade de criação é um importante
aliado para a construção da auto-estima da pessoa com deficiência, e conseqüentemente
fator que tornará possível o resgate da cidadania dessa pessoa, que antes da condição de
deficiência, é pessoa humana.
33
CAPÍTULO 4
A ARTE DE DANÇAR, INCLUSÃO EM MOVIMENTO
4.1 A necessidade da arte
A Declaração Universal dos Direitos Humanos elenca em seu artigo 27,I que
“Todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de
fruir das artes e de participar do progresso científico e de fruir dos seus benefícios.” O
acesso às artes consagrado nesse Carta de intenções, inspira os países signatários a integrar
às suas Constituições esse direito. Quanto aos benefícios advindos da fruição das artes
podemos destacar sua utilização no processo de inclusão social da pessoa com deficiência.
A arte pode ser utilizada como fator de inclusão social da pessoa com
deficiência face à sua necessidade. Podemos nos associar à idéia de Antonio Callado,
quando da Introdução da obra de Ernest Fischer, onde afirma:
À medida que a vida do homem se torna mais complexa e mecanizada, mais dividida em interesses e classes, mais “independente”da vida dos outros homens e portanto esquecida do espírito coletivo que completa uns homens nos outros, a função da arte é refundir esse homem, torná-lo de novo são e incitá-lo à permanente escalada de si mesmo.(Fischer, 1983, p. 8)
A princípio é de suma importância delimitarmos qual o conceito de arte que
rege nosso trabalho. Segundo Marilena Chaui:
A palavra arte vem do latim ars e corresponde ao termo grego techne, técnica, significando: o que é ordenado ou toda espécie de atividade humana submetida a regras. Em sentido lato, significa habilidade, desteridade, agilidade. Em sentido estrito, instrumento ofício, ciência. Em seu campo semântico se define por oposição ao acaso, ao espontâneo e ao natural. Por isso, em seu sentido mais geral, arte é um conjunto de regras para dirigir uma atividade humana qualquer. (Chauí, 2000, p.317)
Dentre todos os estudiosos da denominada filosofia das artes, vários são as
visões sobre as quais devemos considerar o que é arte. Dentro de uma perspectiva técnica
as artes eram tidas com conjunto de regras que determinavam a forma como deveria ser
regida a atividade do homem. Portanto falava-se em “arte médica, arte política, arte bélica,
retórica, lógica, poética, dietética”.(Chaui, 2000, p. 317) .
34
A arte para Platão não se distinguia nem da ciência e nem da filosofia. A
classificação platônica diferenciava a arte em dois tipos: as artes justificativas e as artes
dispositivas ou imperiosas. O primeiro tipo dizia respeito às artes dedicadas ao
conhecimento, enquanto que estavam compreendidas no segundo tipo as artes voltadas para
a direção de uma atividade, tendo como base o conhecimento de suas regras.
O conceito de arte, que perdurou por vários séculos na cultura ocidental é o
de Aristóteles. Para ele, a arte era distinta em dois tipos, a primeira distinção dizia da
existência de uma arte necessária, que não pode ser diferente do que é e da existência de
uma arte contingente ou possível, que é aquela que pode ser diferente do que é. A segunda
distinção é feita no campo do possível, e afirma que a arte pode ser de ação e fabricação,
exemplificada por Marilena Chaui como : “A política e a ética são ciências da ação. As
artes ou as técnicas, são atividade de fabricação.”(Chauí, 2000, p.317)
Em toda a história da humanidade a arte se fez presente e várias foram as
definições dadas a arte. No campo da filosofia foi criada a disciplina Estética, baseada em
três pilares que norteiam seu trabalho: o artista, responsável pela criação e inspiração; a
beleza, pertencente à obra artística, e o juízo de gosto, que diz respeito ao público
expectador de arte.
Dentro de uma visão contemporânea ocorre uma mudança considerável na
noção de estética, nos apoiamos no dizer de Marilena Chaui:
Desde o início de nosso século, todavia, abandona-se a idéia de juízo de gosto como critério de apreciação e avaliação das obras de arte. De fato, as artes deixaram de pensadas exclusivamente do ponto de vista da produção da beleza para serem vistas sob outras perspectivas, tais como expressão de emoções e desejos, interpretação e crítica da realidade social, atividade criadora de procedimentos para a invenção de objetos artísticos, etc.(Chauí, 2000. p.321 e 322)
Diante dessa nova perspectiva da arte como matéria de estudo, no campo da
filosofia da arte ou estética, merece nossa atenção as finalidades ou funções da arte, para
que possamos afirmar a sua necessidade. Podemos afirmar que existem duas funções
artísticas, a arte poder ser pedagógica ou expressiva.
Em uma concepção pedagógica, mais precisamente diante de um
pensamento estético de esquerda, a tarefa da arte é está integrada a sociedade. Diante dessa
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integração a arte deve desempenhar uma “tarefa de crítica e política, interpretação do
presente e imaginação da sociedade futura.”(Chaui, 2000, p. 324) A arte ter que está ligada
a emancipação da pessoa humana, para isso tem que ser engajada, comprometida, deve que
dá ao homem os instrumentos necessários à sua libertação. Podemos citar novamente
Marilena Chauí, para exemplificar a atuação artística dentro da concepção pedagógica:
Essa posição foi defendida pelo teatro de Brecht e, no Brasil, pelo de Augusto Boal; pela poesia de Maiakóvisk e Pablo Neruda, e, no Brasil, pela de Ferreira Gullar e José Paulo Paes; pelo romance de Sartre, e, no Brasil, pelo de Graciliano Ramos; pelo cinema de Einsestein e Chaplin, e, no Brasil, pelo Cinema Novo; na música, pela chamada música de protesto – no Brasil, a música popular dos anos 60 e 70, foi de protesto político, com Edu Lobo, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré, Milton Nascimento, entre outros.(Chauí, 2000, p. 324 e 325)
A arte dentro de uma concepção expressiva é tida como uma manifestação,
uma revelação da essência da realidade, que em nossa existência cotidiana é posta de lado,
é esquecida. Ainda no dizer de Marilena Chauí:
Como expressão, as artes transfiguram a realidade para que tenhamos acesso verdadeiro a ela. Desequilibra o instituído e o estabelecido, descentra formas e palavras, retirando-as do contexto costumeiro para fazer-nos conhece-la numa outra dimensão, instituinte ou criadora. A arte inventa um mundo de cores, formas, volumes, massas, sons, gestos, texturas, ritmos, palavras, para nos dá a conhecer nosso próprio mundo.(Chauí, 2000, p. 325)
Diante das funções da arte, reconhecemos que sua utilização como
instrumento de inclusão social da pessoa com deficiência é possível. Introduzir as técnicas
artísticas, sejam nos seus variados campos é estimular a capacidade criadora dessas pessoas,
dando a elas subsídios para tornar-se parte integrante do todo social. É reconhecê-las, em
sua plenitude como pessoas humanas, capazes de interagir com o todo social. Através da
arte a pessoas com deficiência poderá comunicar ao mundo suas maneiras de olhar e sentir
a vida, expressando seus sentimentos, medos, anseios, esperanças, é por isso que a arte
torna-se necessária. Acrescentamos ao nosso entendimento as palavras de Ernest Fischer:
O homem anseia por absorver o mundo circundante, integrá-lo a si; anseia por estender pela ciência e pela tecnologia o seu “Eu” curioso e faminto de mundo até as mais remotas constelações e até os mais profundos segredos do átomo; anseia por unir na arte o seu “Eu” limitado com uma existência humana coletiva por tornar social a sua individualidade.
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E o que o homem sente como potencialmente seu inclui tudo aquilo de que a humanidade, como um todo, é capaz. A arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo com o todo; reflete a infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e idéias.(Fischer, 1983, p. 13)
4.2 O papel do artista na sociedade
Uma vez definida a necessidade da arte na sociedade, cabe identificar qual o
papel desempenhado pelo artista no andamento do todo social. Levando em consideração as
funções da arte, tanto na concepção pedagógica quanto na concepção expressiva é tarefa do
artista conceber uma nova, ou melhor, uma visão diferenciada da realidade social. A
criação artística, a manifestação artística através da obra de arte tem a pretensão de incitar a
reflexão, o que transforma o artista num ser provocador, questionador, o que não agrada as
classes dominantes.
De quando em quando, o artista é tido como louco, como delirante que age
somente com a inspiração e deixa de lado a razão. Não podemos ignorar o fato de que o
trabalho do artista é dotado de um forte elemento subjetivo, a intuição. Essa intuição que
deriva dos sentimentos do artista em relação ao mundo em que vive é elemento constitutivo
da obra de arte, porém não é a única unidade para que se faça arte. Ao artista cabe o
conhecimento técnico que o capacite para execução da obra de arte. Para que exista uma
produção artística, necessário se faz que atuem, em conjunto, a técnica e a intuição. Nos
apoiamos no dizer de Ernest Fischer:
o trabalho para um artista é um processo altamente consciente e racional, um processo ao fim do qual resulta a obra de arte como realidade dominada, e não – de modo algum – um estado de inspiração embriagante. Para conseguir ser um artista, é necessário dominar, controlar e transformar a experiência em memória, a memória em expressão e a matéria em forma. A paixão de consome o delirante, seve ao verdadeiro artista... (Fischer, 1983, p. 14)
I As classes detentoras do poder se interessam pelo fato de que essa imagem
sobre o artista seja cristalizada, uma vez que desta forma as questões levantadas por suas
37
obras não sejam levadas em consideração. Essa é uma das explicações que justificam o
porquê a classe artística durante muito tempo, em especial após a época moderna, foi tida
como uma classe marginal. Se considerarmos que “somente na medida em que uma
sociedade é tornada sensível pelas artes é que as idéias se lhe tornam acessíveis”(Read,
1968, p.23), mais uma vez encontramos justificativa para a pouca valorização da arte. Aos
detentores do poder não interessa comandados que pensem e questionem a realidade social
em que vivem.
Entretanto é impossível conceber a história da humanidade sem a presença
da arte, sem artistas. Através da análise das obras de arte é possível reconhecermos traços
da estrutura social da época de sua criação. Sobre esse assunto, podemos nos apoiar no
dizer de Herbert Edward Read:
As mais antigas obras de arte são inúmeras pinturas rupestres do Paleolítico e algumas estátuas em osso ou marfim do mesmo período. Não conhecemos precisamente as origens ou finalidades dessas obras de arte, mas ninguém supõe que elas sejam obras de arte pela arte. Elas podem ter tido uma função mágica ou religiosa e, como tais, estavam intimamente ligadas à estrutura social da época.(Read, 1968, p. 22)
Efetivamente, o papel do artista na sociedade é, através da beleza da obra de
arte, aguçar o pensamento sobre os fatos do cotidiano. O artista “faz ver a visão, faz falar a
linguagem, faz ouvir a audição, faz sentir as mãos e o corpo, faz emergir o natural da
natureza, o cultural da Cultura.”(Chauí, 2000, p. 325)
Porém, devemos atentar para o fato de que a arte é necessária, mas não uma
arte que rotule, que aliene o artista. Na atualidade as mais diversas expressões artísticas têm
sido reduzidas a mero passatempo, como mais uma manobra dos detentores do poder para
tolher a proliferação de idéias contrárias ao seu controle. De acordo com Read:
Uma das mais trágicas injustiças da nossa civilização tecnológica é que a sensibilidade natural dos homens que em outras épocas encontrava um escoadouro nos artesanatos básico, acha-se agora completamente suprimida ou encontra uma saída patética em algum “hobby” trivial.(Read, 1968, p. 26)
É necessário, pois que a arte exista, é necessária a estimulação no
aperfeiçoamento das técnicas dos artistas, e acima de tudo é necessária a formação de
novos artistas. Porém que seja permitida uma existência plena, onde haja liberdade de
38
criação. É necessário que os artistas sejam capazes de nos despertar, nos fazendo ver um
mundo novo, e que esse despertar provoque em nós a vontade de reconstrução de nossa
realidade social, onde seja forjada a verdadeira cidadania.
Diante da perspectiva de necessidade da arte e da importância do artista,
reconhecemos que a arte é um instrumento eficaz para que seja efetivada a inclusão social
da pessoa com deficiência. Através das técnicas artísticas existe a possibilidade de
interação entre esse indivíduo e a sociedade em que ele está inserido. Atualmente, no Brasil
e no Mundo, temos notícias da atuação de artistas com deficiência, tanto como amadores
como quanto profissionais. Mas como é formado esse artista?
Devemos nos remeter a conceituação da deficiência, pois o tipo de
deficiência determina como a arte é utilizada. A utilização da arte pode se realizar em um
programa de estimulação, quando a deficiência advém de causa congênita. No caso de
deficiência adquirida a arte pode ser um auxiliar no processo de reabilitação. O certo é que
em qualquer das possibilidades, usar as técnicas artísticas constituem um importante aliado
na inclusão social da pessoa com deficiência, uma vez que viabiliza a valorização
da capacidade criadora desse indivíduo.
Importante salientar que utilização da arte não deve ser restrita a atividades
terapêuticas. Existe duas dimensões do uso da arte, uma que faz parte da arte terapia e outra
diz respeito à produção artística para exibição em espetáculos, dentro e fora do circuito
comercial. Esse contato com a arte deveria se dá de forma mais especializada na idade
escolar, uma vez trata-se de um direito garantido na Constituição de 1988, porém nossa
realidade está distante do que seria o ideal no ensino básico, que dirá no ensino da arte. A
verdade é que a vivência artística fica restrita a responsabilidade de professores da rede
pública que tenham compromisso social e enfrentem a precariedade e possibilitem essa
vivência. Há aqueles que estando fora da idade escolar, fazem parte de algum trabalho de
assistência social organizado por organizações não governamentais, e ainda aqueles que
sendo de uma classe social mais abastada pagam para participarem de aulas de arte terapia.
Dentro da proposta de construção de uma sociedade inclusiva as ações em
prol da acessibilidade, física e participativa, tornam-se urgentes. Reconhecendo a utilização
da arte como importante instrumento para a inclusão social da pessoa com deficiência,
39
devemos propor o debate para discutir quais seriam as mudanças implantadas para o
melhoramento do atendimento a esse indivíduo, no âmbito educacional e social.
4.3 A arte de dança, a dançaterapia e a dança inclusiva
A história da arte de dançar se confunde com a própria história da
humanidade.Registros históricos de pinturas rupestres identificam que o homem dança
desde os primórdios de sua existência. A dança, que é a arte do movimento, manifesta-se
como forma de expressão dos sentimentos. O homem dançava, e dança, para celebrar a
vida, a morte, sua relação com a natureza, com a divindade e com a sociedade. Segundo
Roger Garaudy:
A dança é um modo de existir. Não apenas um jogo, mas celebração, participação e não espetáculo, a dança está presa à magia e a religião, ao trabalho e à festa, ao amor e a morte. Dançar é vivenciar e exprimir, com o máximo de intensidade, a relação de homem com a natureza, com a sociedade, com o futuro e com seus deuses. (Garaudy, 1973, p. 13-14)
Analisando as formas de dançar do homem através dos tempos, nos é
possível perceber a evolução das relações humanas. Ainda segundo Garaudy:
A dança exprime a coesão e o pode transcendente da comunidade. Por isso, revela a grandeza e o declínio de uma civilização. Na China de século VI, o sábio Confúcio dizia: “Mostrem-me como dança um povo e eu lhes direi se sua civilização está doente ou tem boa saúde. O explorador Livingstone conta que Banto, quanto encontra um estrangeiro, não lhe pergunta “Quem és?”mas “O que danças?” Para um africano, o que um homem dança é sua tribo, seus costumes, sua religião, os grandes ritmos humanos de sua comunidade. (Garaudy, 1973, p. 20)
Pensar a inclusão social das pessoas com deficiência, utilizando a dança
como instrumento, é possível porque dançar é participar. “Toda dança implica participação:
mesmo quando ela é espetáculo, não é apenas com os olhos que a “acompanhamos”, mas
com os movimentos pelo menos esboçados de nosso corpo.”(Garaudy, 1973, p. 20-21)
Porém como é possível viabilizar essa participação pelo movimento, quando tratamos de
corpos diferentes?
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A princípio devemos ressaltar que a possibilidade de utilização da dança
como instrumento de inclusão da pessoa com deficiência, passa a existir a partir do advento
da dança moderna. O movimento de ruptura com o formalismo da dança clássica tem como
sua precursora a bailarina Isadora Duncan, ela escreveu “desde o início, sempre dancei
minha vida.”(Garaudy, 1973, p. 57) Bailarina de formação clássica, buscou através de uma
nova técnica retomar o sentido real da arte de dançar, forma de expressão de vida e
comunicação, através do movimento, com a natureza, com a sociedade. Para Isadora
Duncan:
A dança não é, como se tende a acreditar, um conjunto de passos mais ou menos arbitrários que são o resultado de combinações mecânicas e que, embora possam ser úteis como exercícios técnicos, não poderiam ter a pretensão de constituírem uma arte: são meios e não um fim. (Garaudy, 1973, p.57)
A dança moderna busca a libertação do corpo e do movimento. É exatamente
através dessa libertação que se vislumbra a possibilidade da pessoa com deficiência dançar.
A evolução da dança moderna é marcada pela aparição dos discípulos de Isadora Duncan
que criam novas técnicas para arte de dançar ,. Pelas quais a concepção dos movimentos era
estabelecida a partir de novos centros de força. Isadora Duncan buscava a descoberto de um
movimento elementar do qual partiriam todos os outros movimentos, sua inspiração
advinha dos movimentos das forças da natureza, como os ventos, o balanço das ondas do
mar etc.
Essa busca pela descoberta de novos centros de força que inspirassem a
criação do movimento, surgiram muitos adeptos da dança moderna. Marta Grahm
acreditava que o movimento partiria do gesto primordial da vida, a inspiração e a
expiração; Doris Humprhey definia que o movimento partiria da queda do corpo e do
restabelecimento do equilíbrio contra a gravidade. No processo de criação da dança
moderna podemos destacar outros grandes nomes como: Ruth Saint-Denis, Ted Shaw,
Mary Wigman, Rudolf von Laban.
A meta dos seguidores de Isadora Duncan era exprimir as emoções através
do corpo humano. Dentro de uma perspectiva de utilização da dança como instrumento de
inclusão social da pessoa com deficiência, destacamos dois trabalhos que objetivam a
41
efetivação dessa inclusão e têm alcançado importantes resultados: a dançaterapia e a dança
inclusiva.
A dançaterapia a que nos referimos é a técnica criada pela bailarina
Argentina María Fux. Sua trajetória na dança é iniciada como com a maioria das crianças,
que são apresentadas desde muito cedo à vivência das técnicas da dança clássica. Porém,
María sentia que algo faltava àquela experiência, fato que identificamos quando ela afirma:
Ensinar a uma criança a dança em sua forma clássica partindo da idéia de que o auge do movimento é o equilíbrio na ponta do pé, é uma limitação, pois se recorre à vaidade e aos elementos externos à dança, configurando uma técnica de desenvolvimento contrária à evolução natural. (Fux, 1983, p. 23-24)
Na sua adolescência María conheceu a obra de Isadora Duncan, através do
Livro A História de Isadora Duncan, que marca o início de sua busca pela descoberta de
uma nova forma de dançar. Segundo María Fux
Descobri que, além da dança clássica que estudava, existiam outros caminhos desconhecidos que se foram povoando de Isadora. Ela simbolizou meu rio em direção à liberdade. Tratei de buscar outros meios que estivessem dentro do meu corpo, sem centrar minhas preocupações naquelas piruetas ou no equilíbrio na ponta do pé que estava aprendendo. (Fux, 1983, p. 24)
Na busca pela sua dança, denominada por ela como experiência de vida,
María Fux viaja para ao Estados Unidos para se tornar aluna de Martha Graham.Acreditava
que era necessário obter uma formação técnica que desse respaldo para o seu trabalho, que
até então era definido como intuitivo. Seu encontro com Martha é representativo para a
construção da sua dançaterapia, como é relatado por María Fux:
Por fim, chegou o momento . Ela me esperava e eu, com meus discos riscados, comecei a bailar frente a Martha. Já não me importava nada, era minha meta. Ela, a que timha a sabedoria da dança, olhava realmente! Então, com sua voz gutural, disse-me pausadamente: “És uma artista, não busques mestres fora de ti. Volta à Argentina e não esperes nada de professores. Teu mestre é a vida.” Compreendi seu idioma e agora depois de muitos anos suas palavras ainda têm vig6encia em mim e sigo aprendendo.(Fux, 1983, p. 27)
42
O método da dançaterapia de María Fux consiste em buscar em motivação e
identificar um sentido para a dança. Afirma que o ensino da dança deve está ligado a uma
experiência corporal que possibilite a identificação de um sentido para sua execução, como
afirma:
A experiência do corpo é descobrir o ritmo interno através do qual se pode mobilizar a via de comunicação que há em seu interior. Para isso, o corpo deve ser motivado e, sobretudo, ter um sentido: por que me movo e para quê. (Fux, 1983, p. 37)
As técnicas utilizadas reportam a elementos da natureza e a estímulos
criativos, que podem está no próprio corpo ou podem ser buscadas em utensílios diversos.
É exatamente nessa prática de estimular a criatividade que a dançaterapia é indicada para o
trabalho de inclusão social da pessoa com deficiência. Aliás, essa é uma das vertentes do
trabalho de María Fux, em suas aulas participam de forma igual pessoas com e sem
deficiência.
A experiência de vida da própria María Fux é a afirmação que não existe
barreiras para arte. Atualmente, María tem 82 anos de idade e participa efetivamente das
aatividades de suas escolas de dança, que têm sede na Argentina e filiais na Espanha e na
Itália. Durante alguns meses do ano María viaja para ministrar cursos em vários países do
mundo, inclusive no Brasil, cuja última visita data de maio de 2004, à Cidade de São Paulo.
Prova do sucesso desse método da dançaterapia é o relato de alguns alunos
de María Fux . Destaco o depoimento de Liliana, presente no livro Formação em
Dançaterapia:
Depois de uma paraplegia e considerando-me inútil, cheguei ao estúdio e senti, no trabalho nas aulas, que ‘alguém’ me via, reconhecia meu valor e aceitava meu corpo. Desde então, meu corpo se expressa melhor e tenho maior movimento e facilidade para me locomover, e sobretudo, não me sinto só. Sei que o grupo está comigo e respondo. Reconheço que não é só no nível físico que há uma mudança em mim, mas também psicológico. (Fux, 1996, p.77)
Em relação à dança inclusiva, abordaremos o trabalho do brasileiro Henrique
Amoedo. Paulistano, professor de Educação Física, tem sua primeira experiência em dança
com pessoas com deficiência na CIA RENASCER. Essa companhia fazia parte dos
43
trabalhos das Casas André Luís, na Cidade de Guarulhos, em São Paulo, onde estagiou no
final do seu curso de licenciatura. Este momento foi decisivo na sua escolha em relação a
área de atuação profissional. No ano de 1996 conclui a Especialização em Consciência
Corporal na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde desenvolve sua primeira
experiência prática em dança inclusiva, na CIA RODA VIVA.
Em que consiste a dança inclusiva, ou por enquanto inclusiva, defendida por
Amoedo? A princípio devemos destacar que não existe a pretensão de ser criado um novo
método de dança, como afirma:
Não queremos com este trabalho apresentar a “criação de um novo tipo de dança”, já que também entendemos, em função das transformações históricas, que há espaços no cenário contemporâneo desta arte para a inclusão de bailarinos com corpos diferentes dos padrões estabelecidos pela sociedade e/ou pela dança clássico-acadêmica. Só optamos por essa definição para marcar temporariamente uma diversidade que já se constitui em realidade. (Amoedo, 2002, p. 80-81)
Um dos objetivos do trabalho de Henrique Amoedo é revelar a importância
artística e social, presentes na dança inclusiva. Mestre em Performance Artística – DANÇA
pela Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa/Portugal, Amoedo credita que é
necessário haver um desenvolvimento de pesquisas referentes à utilização da dança com
pessoas com deficiência. Essas pesquisas serão capazes de criar referenciais teóricos, tanto
na perspectiva educacional quanto artística, para aqueles que atuam ou não nesta área.
Atualmente é diretor do Projeto Dançando com a Diferença na Ilha da
Madeira e, Portugal. O trabalho é baseado nas teorias propostas por Rudolf von Laban e
pelo método de contato improvisação. Amoedo que “o contato improvisação é a técnica
mais utilizada em todo mundo neste tipo de trabalho, mas considero que a inclusão de
outras técnicas pode ampliar ainda mais as possibilidades oferecidas por esta. (Entrevista
em anexo)
O Projeto Dançando com a Diferença atende a 60 pessoas entre crianças,
jovens e adultos com e sem deficiência. O atendimento é feito em quatro grupos, sendo três
secundários nos quais são abordados os aspectos educacionais e terapêuticos da dança, e
um grupo principal que direciona seu trabalho em performance artística.
44
O trabalho de performance artística visa preparar as pessoas com deficiência
para se apresentarem em espetáculos do Grupo ou em outros grupos de dança que atuem
dentro de uma proposta de inclusão. Nos apoiamos no dizer de Amoedo:
Quando bailarinos com corpos diferentes forem aceitos em todas as companhias de dança por suas qualidades artísticas e esta diferença não for mais alvo de tantos estudos, atitudes incrédulas e/ou de condescendência dúbia pensamos que teremos cumprido nosso papel em busca de uma real inclusão dessas pessoas no universo das dança, nesse momento, o termo Dança Inclusiva poderá ser desprezado, ficando somente para registros históricos – sintoma de plena aceitação da unicidade na diversidade pois, de bailarinos trata, que dançam com o corpo e não “apesar do corpo”. (Amoedo, 2004, p.1)
A dança inclusiva permite que a pessoa com deficiência desenvolva seu
potencial de realização. Desta forma concorre para que seja mudada a imagem
estereotipada, de pessoa incapaz que é imposta pela sociedade à pessoa com deficiência.
Necessário se faz que sejam criadas possibilidades de acesso aos trabalhos artísticos,
quando essa participação for permitida será dado mais um passo para que a inclusão social
pretendida seja uma realidade.
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6.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Respeito e efetivação dos Direitos Humanos da Pessoa com Deficiência,
uma realidade possível? Acreditar nessa possibilidade é o agente motivador de nosso
trabalho no campo dos Direitos Humanos. Tornar essa possibilidade em realização,
concretude, é viabilizar, antes de nada, o reconhecimento desse indivíduo como pessoa
humana, detentora de direitos, regidos pelos princípios da igualdade e da dignidade.
Devemos reconhecer que é de suma importância o conhecimento das noções
básicas de Direitos Humanos. Somado a isso, o conhecimento e conscientização dos diretos
que são reconhecidos às pessoas com deficiência, serão determinantes no processo de
inclusão social desses indivíduos.
Em uma perspectiva de Direitos Humanos, o respeito às diferenças é
essencial para realização da inclusão social da pessoa com deficiência, e principalmente
para garantia de igualdade um dos princípios dos direitos fundamentais. Quando falamos
em igualdade nos referimos à igualdade de oportunidades, inclusive de acesso à arte, tanto
como espectadores, quanto como agentes criadores.
As pessoas com deficiência, durante muito tempo da história, não eram
enquadras no rol dos detentores de direitos e principalmente, na categoria de corpo passível
de ser docilizado. Hoje, esses corpos “indóceis”, libertam-se das prisões que lhe foram
impostas. A mobilização das entidades que representam essas pessoas têm feito com que
seus direitos sejam garantidos, mas é primordial que a sociedade como um todo, reconheça
que essa luta é de todos.
A presença da pessoa com deficiência no cenário artístico nacional e
internacional, tem grande importância nesse processo de valorização. Uma vez que
apresenta para o grande público a causa da inclusão social dessas pessoas, e principalmente
porque comprova sua capacidade de realização. Por outro lado, reconhecemos que não é
bastante os direitos estarem garantidos, necessário se faz mudar as atitudes em relação às
pessoas com deficiência. Primordial é dar igualdade de oportunidades a essas pessoas, com
o objetivo de que sua cidadania seja construída de forma sólida.
A utilização da arte como forma de concretizar a inclusão social da pessoa
com deficiência é uma possibilidade para que seus direitos sejam efetivados. Essa matéria,
46
que é o objetivo principal de nossa pesquisa, ainda merece atenção dos nossos estudos. Os
resultados apresentados em relação às experiências práticas realizadas da dançaterapia de
María Fux, e pela dança inclusiva defendida por Henrique Amoedo, são exemplos
vitoriosos, mas ainda trata-se de experiências isoladas que servem como referencial para
práticas futuras.
Muitos são os questionamentos, uma vez que o processo de inclusão social
está apenas no início. A utilização da arte de dançar como instrumento dessa inclusão é um
caminho possível, mas não é tranqüilo, nem tão pouco breve. As barreiras impostas pelo
preconceito são muito fortes, lidar com o corpo diferente ainda é muito recente e desperta
curiosidade, mas também muito receio. Poucos são os referenciais teóricos a respeito do
assunto, mais uma mostra da pouca valorização que é dada a causa. Infelizmente ainda
persiste a idéia de que o cuidado com as pessoas com deficiência cabe às suas famílias, à
instituições especializadas, e até mesmo, para nossa repulsa, à instituições de caridade.
As pessoas com deficiência merecem cuidados específicos em razão de suas
necessidades diferenciadas, mas merecem acima de tudo que seus direitos sejam
respeitados. Reconhecer esse indivíduo como sujeito de direitos e lutar para que esses
sejam efetivados é uma tarefa a princípio da própria pessoa com deficiência ou de seus
representantes. Porém essa tarefa também diz respeito a toda sociedade, dentro de proposta
de inclusão social, na qual devemos está preparados para receber e aceitar as diferenças é
nosso dever nos aliarmos a essa causa de defesa de direitos.
Pensar uma sociedade justa, democrática, em uma perspectiva de Direitos
Humanos é trabalhar para conscientização, e principalmente pela efetivação, dos direitos da
pessoa com deficiência. Esse trabalho deve ser feito junto as entidades de defesa desses
indivíduos, aos familiares e a sociedade civil como um todo. Quando essa matéria passar a
ser de domínio de toda a sociedade, o processo de inclusão social será realizado de forma
satisfatória, onde o ideal de igualdade seja uma prática cotidiana.
Transformar a atual realidade social, perpassa pela idéia de aceitação das
diversidades e de igualdade de oportunidades. Essa igualdade será possível através de uma
educação para a cidadania, onde o incentivo a criatividade, a iniciativa o ao conhecimento,
seja capaz de forjar homens conscientes de sua importância como agente realizador,
transformador da sociedade. Uma sociedade onde a participação popular seja uma prática
47
cotidiana, e que todas as ações sejam para a realização do bem comum, através da
humanização das relações sociais, onde sejam cumpridos os preceitos dos Direitos
Humanos.
48
6.BIBLIOGRAFIA
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49
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Janeiro: Editora WVA, 1997.
51
Entrevista com Henrique Amoedo, diretor artístico do Projeto "Dançando com a
Diferença", cedida em 10 de junho de 2004.
-Qual seu nome completo, sua naturalidade e sua formação?
Meu nome completo é JOSÉ HENRIQUE AMOEDO BARRAL, mas artisticamente só
utilizo HENRIQUE AMOEDO. Sou natural de São Paulo, brasileiro portanto, mas também
tenho nacionalidade espanhola (devido a nacionalidade do meu pai).
Sou licenciado em Educação Física (Licenciatura Plena), curso que conclui em 1994 nas
FACULDADES INTEGRADAS DE GUARULHOS (Guarulhos-SP), ESPECIALISTA EM
CONSCIÊNCIA CORPORAL, curso concluído em 1996 no DEART – DEPARTAMENTO
DE ARTES da UFRN -UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE e
MESTRE PERFORMANCE ARTÍSTICA - DANÇA, concluído em 2002 no
DEPARTAMENTO DE DANÇA da FMH -FACULDADE DE MOTRICIDADE
HUMANA, em Lisboa -Portugal. (Envio em anexo um mini-cuniculum que pode ser útil).
-Como e por que você começou a trabalhar com a causa das pessoas com deficiência?
Ainda no final da minha licenciatura conheci o trabalho da CIA. DE DANÇA RENASCER
das Casas André Luis, em Guarulhos-SP. Até então nunca havia pensado em trabalhar com
pessoas com deficiência e muito menos com dança. Em atleta de Handebol e na minha
cabeça a minha trajetória profissional (se é que viria a trabalhar com Educação Física) seria
por este caminho.
Quando vi o trabalho da Cia. Renascer fiquei muito emocionado e pude perceber que ali
realmente estava o que eu gostaria de fuzer. Não foi nada fácil perceber isso porque naquele
momento também tive a consciência de uma série de preconceitos que me acompanhavam.
Para trabalhar nesta área teria que rever o meu modo de entender a dança e as pessoas com
deficiência... e não sabia se estaria disposto a isso. Depois de uma "grande batalha interna"
revi os meu preconceitos e fiz o meu estágio nas Casas André Luiz, com o referido grupo.
Foi muito interessante.
Depois estudei com o Pror. Edson Claro (numa especialização em Psicofisiologia, que
nunca cheguei a terminar) na cidade de São Paulo. Até que me transferi para Natal para
52
Cursar uma especialização em Consciência Corporal (com o mesmo professor)...aí começa
a minha atuação prática em dança inclusiva.
Antes de ir para Natal procurei diferentes professores em São Paulo e no Rio de Janeiro
para fazer aulas de Dança. Já que não tinha nenhuma experiência nessa área era bom tentar
obter alguma informação.
No artigo que enviei (um texto que escrevi para o jornal da SADEF) falo um pouco desse
início.
Na realidade sempre digo que quem deve trabalhar com a CAUSA DAS PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA são eles próprios (as pessoas com deficiência). Sei que o meu trabalho até
pode contribuir para a modificação da imagem social desses indivíduos, mas considero esta
uma causa deles. Prefiro contribuir com a abertura de perspectivas no universo da dança.
Espero que dê prá entender....
-Qual o método de dança que você utiliza no seu trabalho atual?
O Método Dança-Educação Física (Claro, 1995), as teorias propostas por RudolfLaban e
ainda o Contato Improvisação (Steve Paxton) compõem a base do meu trabalho.
O contato improvisação é a técnica mais utilizada em todo o mundo neste tipo de trabalho,
mas considero que a inclusão de outras técnicas pode ampliar ainda mais as possibilidades
oferecidas por esta.
-No seu trabalho escrito, você especifica a dança com deficientes motores, no seu
trabalho atual existe essa especificidade ou pessoas com deficiências düerentes, como
mental, visual participam?
O meu primeiro trabalho de dança inclusiva foi com a Roda Viva. Inicialmente era um
trabalho voltado somente para pessoas com deficiência motora, foco que também mantive
na minha monografia de especialização.
Posteriormente, na própria Roda Viva foram incluídas pessoas com deficiência mental
(Síndrome de Down).
No decorrer das minhas atividades profissional nesta área, fui aprendendo -através de
diferentes experiências -a trabalhar com pessoas com outros tipos de deficiência. Em
Diadema, quando fui o responsável pela implantação do Projeto Mão na Roda, tive contato
53
com inúmeras pessoas com deficiência auditiva, além daquelas deficiência com as quais já
estava acostumado a trabalhar.
Aqui em Portugal, no Projecto Dançando com a Diferença, também comecei a trabalhar
com pacientes do foro psiquiátrico, cegos e pessoas com doenças degenerativas, ou seja,
hoje o trabalho de dança inclusiva que defendo pode ser direcionado à pessoas com todos
os tipos de patologias e/ou deficiências.
Quando surge um novo membro com algum tipo de deficiência ou patologia que eu não
domine, vou buscar o conhecimento necessário para atender da melhor fornla possível esta
pessoa e incluí-Ia no meu trabalho.
É uma fonna de aprender cada vez mais, contribuir com a pessoa em questão e também
incluí-Ia de forma adequada no meu trabalho.
No Grupo Dançando com a Diferença, que atualmente dirijo, há pessoas com déficits de
aprendizagem, deficiência mental (Síndrome de Down), deficiência fisica (cadeirantes e
não cadeirantes) e um cego, além de pessoas sem deficiência é claro.
-Como você vê o movimento da dança inclusiva atualmente? Tem alguma noticia
desse movimento pelo Brasil?
Agora, distante do Brasil, consigo perceber ainda mais a criatividade desse povo. Há uma
incrível :fulta de recursos, mas as pessoas nunca deixam de produzir. Fazer dança no Brasil
é um tanto quanto dificil e incluir pessoas com deficiência nesse universo é dificil e meio.
Digo isso não pela abertura de mentalidades existente, mas pelas enormes dificuldades de
recuros encontradas. Mesmo assim, as pessoas não deixam de produzir, sendo muitos
trabalhos de alta qualidade.
Recentemente conheci o trabalho do Grupo X, da Bahia. Eles desenvolvem um trabalho
centrado no contato improvisação e têm muita qualidade naquilo que fazem. A Roda Viva
Cia. de Dança, com um elenco reduzido, continua a dançar obras do seu riquíssimo
repertório e a produzir coisas novas. A Pulsar Cia. de Dança do Rio de Janeiro também vem
conquistando importantes espaços.
Rejane Sousa, ex-bailarina da Roda Viva Cia. de Dança mudou-se para o Rio de Janeiro e
integra o grupo profissional do Centro Coreográfico do Rio de Janeiro, sendo a única
pessoa com deficiência nesta condição (dentro do referido grupo).
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Estas são algumas pequenas mostras do que se faz e daquilo que tenho conhecimento.
Penso que o trabalho com pessoas com deficiência no Brasil continua crescendo, com
grande cuidado estético-artístico e que estas iniciativas (e tantas outras não citadas) estejam
a contribuir para a modificação da imagem social dessas pessoas.