8

Click here to load reader

Direitos Naturais do Homem - · PDF file... obediência à autoridade legítima, etc ... a sociedade e o Estado têm o dever de ... contraria frontalmente o Direito natural, que é

  • Upload
    lydan

  • View
    213

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Direitos Naturais do Homem - · PDF file... obediência à autoridade legítima, etc ... a sociedade e o Estado têm o dever de ... contraria frontalmente o Direito natural, que é

OS DIREITOS NATURAIS DO HOMEM

Carlos Aurélio Mota de Souza* Estes fundamentos perenes, imutáveis em todos os códigos, Cícero explicou que se tratava de “uma lei verdadeira, norma racional, conforme à natureza, inscrita em todos os corações, constante e eterna, a mesma em Roma e em Atenas; tem Deus por autor; não pode, por isso, ser revogada nem pelo senado nem pelo povo; e o homem não a pode violar sem negar a si mesmo e à sua natureza, e receber o maior castigo” (República, II, 22). É o mesmo princípio que Sócrates aplicava ao homem: “conhece-te a ti mesmo”; e mais tarde Santo Agostinho: “não saia fora de ti, entra em ti mesmo, pois no interior do homem habita a verdade”.1 1. Lei Eterna, Natural e Humana São Tomás, a propósito das leis, distinguiu Lei Eterna, Lei Natural e Lei Humana. Lei Eterna é a inteligência divina, identificada com sua vontade, que eficazmente dirige todos os entes criados a participar e manifestar seu ser. 2 Lei Natural e Eterna não são diferentes: a Lei Eterna é imanente ao espírito do Supremo legislador; e a Lei Natural se considera promulgada no espírito do homem; é a participação da Lei Eterna na criatura racional, segundo Santo Tomás. 3 Não é fácil precisar os limites do Direito Natural, porque não é um conjunto de princípios ou normas escritas, mas estando na natureza do Homem, são-lhe conaturais, estão em seu íntimo e ele pode descobri-los com a razão e com o sentimento, sobretudo os princípios de Justiça.4

1. Da verdadeira religião, I, 39, 72. V. Ismael QUILES, La interioridad agustiniana, 1989. 2. Aquí o jurista encontra o fundamento último das leis humanas. Cfr. Ylves José de Miranda GUIMARÃES. Direito Natural. Visão Metafísica & Antropológica, SP, Forense Universitária, 1991, p.180. Cfr. ainda Miguel REALE, Direito positivo/Direito natural; José Pedro Galvão de SOUSA, Direito Natural, Direito Positivo e Estado de Direito (1977). 10. O Direito natural compendia um conjunto de normas (ou leis naturais) obrigatórias e universalmente aceitas. Em sentido objetivo, são todas as leis morais naturais (Moral humana) que se referem à vida social dos homens, resumidas nos citados preceitos de dar a cada um o que é seu (deveres jurídicos positivos) e a ninguém lesar (deveres jurídicos negativos). Deles se deduzem necessariamente os preceitos não matar, não roubar, não cometer adultério, não falsear, pagar as dívidas, devolver os depósitos, cumprir as promessas, obediência à autoridade legítima, etc. Além de um dever ser, o Direito natural é também um direito verdadeiro, existente; é universal, válido para todos os homens; é necessário, imutável e invariável. Cfr. Victor CATHREIN, Filosofia del Derecho. Madrid, Reus, 1950, pp.196ss. Em sentido subjetivo, compreende o conjunto das faculdades jurídicas que cabem a cada homem por sua própria natureza: direito à vida, à inviolabilidade, à liberdade, à propriedade, etc, Idem, p.204ss. Podemos dizer, hoje, que constituem os Direitos Fundamentais das Constituições democráticas. 4. Como a lei natural é apreendida pelos homens? Pela faculdade natural da inteligência prática de julgar com retidão, conhecida por sindérese. Esta contem os primeiros princípios de ordem teorética ou especulativa, a saber: 1) princípio de identidade: o que é, é; 2) princípio da não contradição: o ser não pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo; 3) princípio da razão suficiente: tudo tem sua razão de ser. Cfr. Ylves José de Miranda GUIMARÃES, op. cit., p. 183.

Page 2: Direitos Naturais do Homem - · PDF file... obediência à autoridade legítima, etc ... a sociedade e o Estado têm o dever de ... contraria frontalmente o Direito natural, que é

2

Platão ensinou que os três grandes valores que o homem deve buscar sempre são o Justo, o Belo e o Bom, sendo Deus o Bem Supremo, síntese de todos os valores. E estas coisas são inatas e estão permanentemente inscritas no coração do homem. Dentre elas, a Justiça é uma das virtudes naturais da pessoa humana, das mais importantes para o Direito, como forma de promover a ordem e a paz entre os homens, proclamando o que é justo ou afastando as injustiças. 2. Direitos humanos Em sua feição moderna, os direitos naturais (subjetivos) se chamam Direitos Humanos. Em termos constitucionais, traduz-se em Direitos e Garantias Fundamentais, sejam individuais, sejam coletivos ou sociais (art. 5º a 7º da CF 88). Em termos religiosos, o ponto mais importante se denomina fraternidade, que é, socialmente, a mesma solidariedade. Poderíamos sintetizar que, hoje, direitos naturais, que sempre foram humanos,5 se concretizam na Solidariedade, expressão coletiva do “amar ao próximo como a si mesmo”. Enquanto o Direito natural, em sua essência, apresenta características de imutabilidade, através dos tempos e lugares,6 estes princípios e regras precisam ser explicitados ou expressos, para que os cidadãos saibam o que podem ou não fazer. Daí as leis escritas, os Códigos e as Constituições, como existem em todas as nações democráticas. Embora variem no tempo ou dentro de um mesmo país, são temperadas pelos costumes e pela interpretação dos Tribunais.

5. “Todo direito foi constituído por causa do homem”. Justiniano, D., 1,5,2. 6. “...o justo natural é imutável e tem em todas as partes a mesma força, como o fogo que arde igualmente aqui como na Pérsia”. Aristóteles, Ética a Nicômaco, Cap.V, II,1134b, 25.

Page 3: Direitos Naturais do Homem - · PDF file... obediência à autoridade legítima, etc ... a sociedade e o Estado têm o dever de ... contraria frontalmente o Direito natural, que é

3

3. Direito positivo São necessárias leis escritas para que o cidadão goze de segurança jurídica. Segurança e Justiça são faces da mesma moeda: não há Segurança sem Justiça e vice-versa. E ambas constituem o Bem comum, pois visam o bem-estar e a paz da sociedade.

Sociedade sem leis é sociedade insegura e anárquica. Assim, enquanto os princípios essenciais de Direito natural são imutáveis,7 as normas escritas do Direito positivo são variáveis.

Assistimos, hoje, no Brasil, à sucessão interminável de leis que mais confundem e geram insegurança do que esclarecem. No campo da Família, muitos dispositivos do Código Civil foram revogados (arts.336, 337, 355, etc.), e inúmeras leis sucessivas vêm acarretando insegurança e incerteza no Direito Familiar (v.g., Leis 8.971/94, 9.278/96, Projeto de Lei 2.686/96, sobre a União Estável; sem contar os Projetos tentando instituir a união de pessoas do mesmo sexo...). Na prática os juristas devem ter dois olhares: um para cima, que o leve a considerar o que há de transcendental na Justiça (a natureza do homem, os princípios de Direito natural) e outro olhar para baixo, descendo à consideração das condições sociais (na consulta aos Códigos, na natureza das coisas).8 Natureza da Pessoa Humana (Vista pela Ética e pelo Direito Natural)

1. Valor da vida humana e sua inalienabilidade A vida é o bem supremo da pessoa humana. Tal relevância exige condições para se conservar, para se desenvolver e para maturar a vida.

As Constituições democráticas garantem o direito à vida, e a nossa inscreveu em seu artigo 5º que

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (Grifamos).

Inúmeros dispositivos reconhecem que a vida está intimamente relacionada com a

família, como causa e condição de procriação dos filhos, assegurando-lhes defesa e proteção. Assim enfatizam os artigos 227 e 230: 7. Este ponto é objeto de profundas discussões: qual o limite desta imutabilidade? 8. Cfr. Antonio HERNÁNDEZ-GIL, Conceptos Jurídicos Fundamentales, Madrid, Ed.Rev.Der.Privado, 1981, p. 26.

Page 4: Direitos Naturais do Homem - · PDF file... obediência à autoridade legítima, etc ... a sociedade e o Estado têm o dever de ... contraria frontalmente o Direito natural, que é

4

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Art. 230 A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas

idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

2. Nascer com dignidade (Proteção à maternidade dentro da família) Pela natureza do homem, sempre que uma vida principia ali há uma família,

legítima ou natural, permanente ou eventual, acima do que a lei humana disponha. Por tais condições, toda criatura tem o direito de ter um pai conhecido e uma mãe

certa, e, no momento oportuno saber quem são eles.9 Os direitos do nascituro não são apenas econômicos, mas morais, como a gestação

assistida, o nascimento confortável, sem comprometer o pleno desenvolvimento físico-psíquico.

Obstáculos ao direito de nascer se multiplicaram neste século, atingindo limites de

barbárie: o aborto, a fecundação in vitro, a manipulação genética, e agora a clonagem. O Código Penal prevê apenas duas hipóteses para o aborto legal: estupro e perigo de

vida à gestante.10 Projetos inúmeros pretendem ampliar estas hipóteses: uma delas, a malformação do feto: a mulher alega, uma junta médica decide, algum hospital pratica... Num tempo de extremo mercantilismo, qual código de ética resistiria a um laudo médico de encomenda?

As outras ameaças ao nascimento com vida digna dizem respeito não mais à vida

intra-uterina, mas à engenharia da vida extra-uterina, ainda que a geração se desenvolva no seio de uma mãe.

A ciência moderna tudo pode, até mesmo gerar clones como Dolly, a ovelha, mas

NÃO DEVE provocar a natureza, quando se trata do homem. A criação do homem está na sua originalidade, em sua natureza dualista, em que

corpo e espírito se criam num mesmo ato. Trata-se de bem superior indisponível para

9. Daí derivam as ações de investigação de paternidade e maternidade. Os interesses morais são o nome e a tradição. Os econômicos, são a herança e sua justa partilha. 10. C. Penal, art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário - I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro - II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Page 5: Direitos Naturais do Homem - · PDF file... obediência à autoridade legítima, etc ... a sociedade e o Estado têm o dever de ... contraria frontalmente o Direito natural, que é

5

experiências científicas, ainda que sob elevados propósitos de suprir a dor, a doença, a esterilidade ou o aperfeiçoamento da espécie.

Portanto, compete aos operadores do Direito, sobretudo na área do Direito Familiar,

concentrar estudos, promover discussões e intervir politicamente para esclarecer a opinião pública, nossos governantes e legisladores, que uma lei positiva com poder ofensivo a qualquer aspecto da geração da vida contraria frontalmente o Direito natural, que é o Direito do Homem, já garantido pela Constituição (art. 5º, caput).

3. Formação da personalidade O homem é um todo harmônico e integral (Maritain), formado de um corpo material

espiritualmente “animado”. O filósofo Batista MONDIN aponta as várias dimensões do homem, que nele se

apresentam e se realizam ao mesmo tempo: homo somaticus (em sua dimensão corpórea), homo vivens (vida humana como existência vivida), homo sapiens (o conhecimento sensitivo e intelectual, que o torna sábio), homo volens (vontade, liberdade, amor), homo loquens (a linguagem como originalidade de comunicação), homo socialis (dimensão social e política), homo culturalis (a cultura desenvolvida pelo homem), homo faber (o trabalho e a técnica), homo ludens (o jogo e o divertimento), homo religiosus (a crença do homem).11

Qual desses traços é mais proeminente no Homem? Nenhum, pois em sua integralidade o Homem não pode abdicar de qualquer deles. Há uma vocação, contudo, um chamamento interior, pelo qual o Homem desenvolve mais alguns aspectos do que outros.

Mas é pela educação permanente que forma sua personalidade. Até a hora da morte

o homem está em formação constante, em aperfeiçoamento permanente. Além da educação básica e profissional, é o trabalho o grande dom que faz o

homem digno.12 A economia gerada pelo trabalho transformou o mundo e as civilizações. Todos os homens devem ter seu emprego garantido, com salários dignos para manter uma família. Toda lei ou toda prática contrária à igualdade econômica entre os homens é iníqua e deve ser denunciada. Os juristas do trabalho têm, neste campo, excelente oportunidade de protegerem o trabalhador contra manipulações que não distribuam a riqueza com justiça.

Nas atividades governamentais assiste-se ao descalabro financeiro, na dilapidação

dos dinheiros públicos, seja desviando verbas destinadas às pessoas necessitadas (escola, saúde, assistência social...), seja investindo grossas verbas para obras não prioritárias, com destinações duvidosas desses recursos.

A Constituição Federal impôs o princípio da moralidade e transparência dos atos

públicos. Em sua dimensão social e política, além da liberdade de expressão e de filiação partidária, compete aos destinatários do Direito denunciar, pelos meios legais, e exigir que

11 . Batista MONDIN, O homem, quem é ele? SP, Paulinas, 1982. 12. João Paulo II. Laborem exercens.

Page 6: Direitos Naturais do Homem - · PDF file... obediência à autoridade legítima, etc ... a sociedade e o Estado têm o dever de ... contraria frontalmente o Direito natural, que é

6

os governantes se atenham às necessidades prioritárias da sociedade, prestando contas de seus atos.

Para tanto, a Família constitui o núcleo privilegiado para o cultivo dos princípios

morais não relativos, o relacionamento Ser Para, a prática existencial contra todo abuso e violência. O exercício da ética como hábito de vida na família, como código moral, implica no exercício da justiça em todos os setores da comunidade social.

Por fim, mas não menos importante, a família é o lugar privilegiado em que se

permite ao homo religiosus manifestar seu direito de crença, exercitar sua vida espiritual, como uma das dimensões mais dignas do homem, aquela que o “religa” ao Absoluto.

4. Morrer com dignidade Tem o homem um “direito a morrer ”? A escolher uma morte indolor? O suicídio

não é punido pela Lei Penal, apenas o auxílio ao suicida; mas procurar a morte é, pelo menos, um grave dano à família, à sociedade e ao gênero humano.

Único ser consciente de sua vida, cujo valor é inestimável, é inconcebível que

procure a não-vida pelas próprias mãos ou com auxílio de quem se disponha a fazê-lo, salvo casos de demência evidente.13

Na família, qualquer membro que falte (até por morte natural), gera vazios

crescentes: a ausência do membro ativo que sustentava a casa (pela presença, pela comunicação, pelo trabalho, pela cultura), é insuprível. A perda de um cidadão pela sociedade; a empresa, um talento gerador de economia; o mundo se apequena. É uma vileza.

A eutanásia ativa, sobretudo visando o lucro, é ignomínia maior, desrespeita o ser,

ultraja os códigos de ética, médica e sanitária, afronta o Direito, burlando as normas penais.14 Admite-se a passiva, que não alcança os limites da ética, por deixar os pacientes ao influxo da natureza, para um decesso natural, com dignidade.

A pena de morte é mais grave ainda. Mata-se o homem para punir os crimes que

cometeu. É a vingança estatal. A lei que admitir ou adotar tal pena, pode satisfazer a sociedade, num dado momento, por causa da extrema violência que se registra, mas jamais serão justas, porque o direito à vida é da natureza do homem, e não depende da opinião de alguma maioria ocasional. Ademais, em nenhum país que a adota decresceu o índice de criminalidade violenta, pela simples existência da pena de morte.

13. Em Campinas, psicólogo tetraplégico de 35 anos diz que não quer passar o resto da vida preso a uma cadeira de rodas e pede na Justiça o direito à morte (O Estado de S.Paulo, 3.3.95). 14. A primeira lei de eutanásia foi adotada em 1994 no Estado do Oregon (EUA): a medida permite a pacientes com menos de seis meses de esperança de vida pedir ao médico dose letal de drogas para evitar sofrimento provocado pela doença. Em 1993 a Holanda aprovou a primeira legislação autorizando médicos a assistir o suicídio de pacientes (O Estado de S.Paulo, 13.4.94).

Page 7: Direitos Naturais do Homem - · PDF file... obediência à autoridade legítima, etc ... a sociedade e o Estado têm o dever de ... contraria frontalmente o Direito natural, que é

7

A III Idade. Antes de morrer, contudo, as pessoas ficam idosas, envelhecem, não podem trabalhar, causam problemas de toda ordem à família, e esta recorre aos asilos, onde acabam esquecidos, e muita vez ali mesmo terminam sua vida.

No entanto, é da natureza humana nascer e morrer no seio de uma família. O idoso

tem o direito de ficar com a família, e esta recorre aos asilos, onde acabam esquecidos, e muita vez ali mesmo terminam sua vida.

No entanto, é da natureza humana nascer e morrer no seio de uma família. O idoso

tem o direito de ficar com a família: C.F. Art. 230 A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as

pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

C.C. Art. 399. Par. único. No caso de pais que, na velhice, carência ou

enfermidade, ficarem sem condições de prover o próprio sustento, principalmente quando se despojaram de bens em favor da prole, cabe, sem perda de tempo e até em caráter provisional, aos filhos maiores e capazes, o dever de ajudá-los e ampará-los, com a obrigação irrenunciável de assisti-los e alimentá-los até o final de suas vidas. (A Lei 8.648, de 20.4.93, acrescentou o parágrafo único).

Doação de órgãos dos mortos. Cabe lembrar a recente lei sobre transplante de

órgãos, mais de expropriação pelo Estado que doação propriamente (Lei Nº 9.434, de 4.2.97, dispondo sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento).

Já não se trata de “morrer com dignidade”, mas ter o corpo respeitado após a morte.

Antígona enfrentou um tirano, Creonte, porque ousou enterrar seu irmão Polinice. Por sua boca, compilando tradições longevas, Sófocles nos legou um testemunho dos mais antigos sobre o Direito natural.15

Mesmo após a morte, o corpo humano guarda uma sacralidade digna de temor reverencial. O significado de um homem morto transcende ao conhecimento, entra pelo campo da sensibilidade e só obtem resposta na metafísica e no sobrenatural.

Assim como o homem vive como um todo, orgânico e espiritual, assim o corpo deve ser respeitado e dignificado. Ainda que altamente louváveis os propósitos da lei, não tem as salvaguardas necessárias e indispensáveis para proteger os recém-mortos de uma desapropriação privada, com escusas intenções. O sublime pode ser sacrificado pela ganância. Ademais, penalmente poderia caracterizar destruição de cadáver.16

15. “ ...as leis divinas, não escritas, mas intangíveis, não é desde hoje, ou de ontem, mas desde a origem de tudo que essas leis estão em vigor, e ninguém as viu nascer”. Sófocles, Antígona. 16. C. Penal, art. 211.

Page 8: Direitos Naturais do Homem - · PDF file... obediência à autoridade legítima, etc ... a sociedade e o Estado têm o dever de ... contraria frontalmente o Direito natural, que é

8

*CARLOS AURÉLIO MOTA DE SOUZA é Professor de Direito, membro do Tribunal de Ética da OAB - São Paulo e Juiz de Direito Aposentado.