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DOCUMENTO PROGRAMÁTICO OPÇÃO PELA IGUALDADE! Esquerda Por José Saramago Temos razão, a razão que assiste a quem propõe que se construa um mundo melhor antes que seja demasiado tarde, porém, ou não sabemos transmitir às pessoas o que é substantivo nas nossas idéias, ou chocamos com um muro de desconfianças, de preconceitos ideológicos ou de classe que, se não conseguem paralisar-nos completamente, acabam, no pior dos casos, por suscitar em muitos de nós dúvidas, perplexidades, essas sim paralisadoras. Se o mundo alguma vez conseguir ser melhor, só o terá sido por nós e conosco. Sejamos mais conscientes e orgulhemo-nos do nosso papel na História. Há casos em que a humildade não é boa conselheira. Que se pronuncie bem alto a palavra Esquerda. Para que se ouça e para que conste. ÍNDICE: Apresentação (02) Um novo eixo estruturante da economia brasileira (06) Auditar a Dívida Pública e pagar a Dívida Social (22) Questão Agrária no Brasil (32) Reforma Urbana (39) Saúde e Educação (44) Direitos Humanos (53) Por um Brasil sem racismo (59) Mulheres (62) Juventude (68) Comunicação e cultura (73)

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DOCUMENTO PROGRAMÁTICO

OPÇÃO PELA IGUALDADE!EsquerdaPor José SaramagoTemos razão, a razão que assiste a quem propõe que se construa um mundo melhor antes que seja demasiado tarde, porém, ou não sabemos transmitir às pessoas o que é substantivo nas nossas idéias, ou chocamos com um muro de desconfianças, de preconceitos ideológicos ou de classe que, se não conseguem paralisar-nos completamente, acabam, no pior dos casos, por suscitar em muitos de nós dúvidas, perplexidades, essas sim paralisadoras. Se o mundo alguma vez conseguir ser melhor, só o terá sido por nós e conosco. Sejamos mais conscientes e orgulhemo-nos do nosso papel na História. Há casos em que a humildade não é boa conselheira. Que se pronuncie bem alto a palavra Esquerda. Para que se ouça e para que conste.

ÍNDICE:Apresentação (02)

Um novo eixo estruturante da economia brasileira (06)Auditar a Dívida Pública e pagar a Dívida Social (22)

Questão Agrária no Brasil (32)Reforma Urbana (39)

Saúde e Educação (44)Direitos Humanos (53)

Por um Brasil sem racismo (59)Mulheres (62)

Juventude (68)Comunicação e cultura (73)

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APRESENTAÇÃO

Em outubro de 2010 nosso país realizará sua sexta eleição presidencial após o fim da ditadura militar, consolidando nestes mais de vinte e cinco anos um regime democrático que conta com um dos maiores eleitorados do mundo (135,8 milhões de eleitores em uma população de 193 milhões de brasileiro). No entanto, a consolidação da democracia brasileira, que sem sombra de dúvidas representou uma grande vitória popular contra o totalitarismo, ainda não foi capaz de vencer os dramas sociais que continuam afligindo a maioria de nosso povo.

No Brasil, vivemos ainda em uma sociedade dividida por um grande muro de desigualdades, que separa uma pequena elite, muito poderosa e endinheirada, de uma esmagadora maioria penalizada pela pobreza e falta de oportunidades. Nosso sistema de saúde e educação é reconhecidamente precário e de péssima qualidade. Milhões de famílias, acampadas às margens das estradas, esperam até hoje a reforma agrária. A corrupção do sistema político continua galopante e desviando enormes recursos dos cofres públicos para o pagamento de mensalões e propinas. O desenvolvimento nacional continua refém de um modelo produtivo agrário exportador, de baixo conteúdo tecnológico e gerador de poucos empregos, na maioria precários e mal remunerados. A produção industrial, desnacionalizada desde as privatizações dos anos 90, continua dependente de uma matriz energética poluente e submetida aos interesses do parque automobilístico.

No modelo de desenvolvimento atual, os benefícios dos períodos de crescimento econômico são apropriados por poucos, ampliando a desigualdade de renda e mantendo a abertura do leque salarial em um mercado de trabalho ainda fortemente marcado pela informalidade, o descumprimento de direitos sociais e trabalhistas e por uma baixa remuneração dos salários. Após estes mais de vinte e cinco anos, o Brasil ainda figura entre os países mais desiguais do mundo, devido à extrema concentração da renda, da propriedade e da riqueza (PNUD: 2010).

Estas profundas desigualdades sociais foram herdadas dos governos militares e aprofundadas pelas políticas neoliberais que tiveram início nos anos 90 e persistem até os dias de hoje no país. A aventura desenvolvimentista da Ditadura Militar, alicerçada na máxima “é preciso fazer o bolo crescer, para depois dividi-lo”, além da sangrenta repressão, foi um modelo que achatou salários, aumentou o desemprego e a miséria, concentrou renda, e promoveu uma relativa modernização industrial e da infra-estrutura do país favorecendo o capital estrangeiro e à custa da devastação ambiental.

O neoliberalismo dos anos 90 também tinha o seu lema: “combater a ineficiência do Estado”. Mas o que se viu, na verdade, foi o desmonte do Estado, o aprofundamento da injustiça socioambiental, e um processo de privatização dos bens comuns e das riquezas. Foram retiradas todas as barreiras que atrapalhavam as

ações do capital (sobretudo o financeiro), no sentido da reprodução mais rápida e eficiente de seus lucros. Os governos a partir de Collor até FHC foram meros operadores dessa lógica perversa e injusta.

O governo Lula, depositário de tantas esperanças, frustrou os que imaginavam uma alteração de rumos e mudança de prioridades. Conjugando a manutenção do receituário neoliberal, temperado com um discurso de atendimento a algumas demandas sociais e populares por meio de programas focalizados, o social-liberalismo de Lula não promoveu nenhuma mudança estrutural que alterasse o caráter perverso e concentrador da renda do modelo de desenvolvimento capitalista brasileiro.

Apesar da grande popularidade de Lula, adquirida em parte pelos programas sociais de transferência de renda, o fato concreto é que nunca na história deste país os banqueiros ganharam tanto: somente em 2009 foram pagos R$380 bilhões de juros e amortizações da dívida pública, correspondendo a 35,57% do Orçamento Geral da União - enquanto os investimentos em saúde e educação representaram a pequena fatia de 7,38% deste orçamento, e os recursos destinados ao programa Bolsa Família representam menos de 1% do PIB.

Neste modelo de desenvolvimento concentrador da renda e da propriedade, os bancos foram os que mais lucraram. O Banco Itaú lucrou R$ 10 bilhões em 2009, representando um aumento de

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29% em relação a 2008, num ano em que o PIB do Brasil caiu 0,2% - em plena crise econômica! Este ganho do Itaú - que é controlado por apenas duas famílias - ficou próximo do recurso total gasto pelo governo federal com o programa Bolsa Família, que atende cerca de 12 milhões de famílias. O crescimento do faturamento dos bancos foi de 11% ao ano durante o governo FHC e de 14% ao ano durante o governo Lula.

O pagamento de juros da dívida pública tem sido o principal vetor de transferência de renda para os mais ricos. Estudo recente do IPEA sobre a distribuição funcional da renda no país atestou que entre 2000 e 2007 o gasto do governo com o pagamento de juros da dívida pública foi de 7% ao ano da média total da renda nacional. O governo gastou com juros, neste período, R$ 1,267 trilhões. Já os gastos com saúde foram de R$ 310,9 bilhões, com educação foram de R$ 149,9 bilhões e com investimentos, R$ 93,8 bilhões. Ou seja, somados, os gastos da União com saúde, educação e investimento corresponderam a 43,8% das despesas com juros no período. Este gasto, considerado improdutivo, pois não gera emprego e tampouco contribui para ampliar o rendimento dos trabalhadores, termina fundamentalmente favorecendo a maior apropriação da renda nacional pelos detentores de renda da propriedade (lucros, aluguéis, juros).

Apesar da pequena recuperação na última década (entre 2000 e 2009 o crescimento foi de apenas 3,6% - passando de 40% para 43,6%), o fato é que a participação dos salários na renda nacional continua 13,4%

menor do que o verificado há 50 anos: de 57% no biênio 1959/60, a participação dos salários na renda nacional no biênio 2008/09 atingiu o percentual de 43,6%. (IPEA: 2010).

Enquanto, numa ponta, os programas sociais do governo Lula retiraram da miséria absoluta uma parte da população, na outra ponta, sua política econômica favoreceu o capital financeiro e os rentistas, o agronegócio, as construtoras, montadoras e a mineração. Tudo isto ao custo do desemprego estrutural, do êxodo do campo, da guetização dos mais pobres nas periferias e favelas das grandes cidades, da devastação ambiental, da violência do Estado contra os pobres, da criminalização dos movimentos sociais e da manutenção do apartheid socioambiental. Por mais incrível que possa parecer, em pleno século XXI, ao mesmo tempo em que caminha para se consolidar enquanto a 5ª maior economia do mundo em 2014 (segundo projeções do Banco Mundial), o Brasil continua sendo um país que ainda convive com dramas sociais do início do século XIX!

Apenas para citarmos alguns dos exemplos mais gritantes: Fome - Aproximadamente 35% dos brasileiros declararam passar fome às vezes ou sempre (Pesquisa de Orçamento Familiar (IBGE: 2010); Trabalho Escravo - o Ministério do Trabalho e Emprego divulgou dia 5 de julho de 2010 o Cadastro de Empregadores atualizado, incluindo 152 pessoas físicas e jurídicas na “lista suja”, na maioria ligada ao agronegócio, por terem sido flagrados utilizando trabalho escravo; Violência sexual - de acordo

com dados do Disque 100, de janeiro a abril de 2010 foram realizadas quase 8.8 mil denúncias envolvendo crianças e adolescentes vítimas de agressão e violência sexual no Brasil, uma média de 73 denúncias por dia. Em 78% dos casos, as vítimas são meninas, entre dez e 12 anos, e marcadas pela pobreza. Na sua maioria, o criminoso é um adulto de sexo masculino; Pobreza e Racismo - 60% dos pobres e 70% dos indigentes no Brasil são negros. De um modo geral, 50% das pessoas negras ou pardas são pobres, enquanto 25% dos brancos apresentam a mesma condição social. As favelas brasileiras têm 66% de famílias negras. 65% dos encarcerados no Brasil são negros e 95% são pobres. Quase a metade destes está presa sem julgamento (IBGE).

Em 2009, 16,5 milhões de trabalhadores eram associados a algum sindicado, o que representa 17,7% da população ocupada. Houve uma redução de 1,9% em relação a 2008, quando o percentual foi 18,2%. A região Sul tinha o maior percentual de trabalhadores sindicalizados (20,7%) e a região Norte, o menor (14,1%). O número de trabalhadores associados a sindicatos caiu de 2008 para 2009 e no total apenas 17,7% da população ocupada está associada a sindicatos. Se já não bastassem os sindicatos pelegos que fazem o jogo das empresas, estes dados indicam que a maioria dos trabalhadores não tem qualquer representação sindical. Isso ocorre em um país em que o presidente da república é um ex-sindicalista. Daí a importância de termos políticas públicas que garantam melhores condições de trabalho, sendo uma delas a redução da jornada de trabalho sem

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redução de salários. Se esta medida não for assumida enquanto uma proposta constitucional válida para todo o país, os trabalhadores sem qualquer representação sindical jamais terão força para impor esta negociação de forma isolada, em negociações por categoria profissional. Existem algumas exceções, como é o caso dos Químicos Unificados, em que a jornada de trabalho no setor farmacêutico foi reduzida, mas no geral irá predominar a força do empresariado sobre o trabalhador desorganizado. Por isso a redução da jornada de trabalho sem redução de salários deve ser efetivada por uma mudança na constituição brasileira, única forma de garantir melhores condições de trabalho em todo o país.

O rendimento médio mensal de trabalho cresceu míseros 2,2% entre 2008 e 2009, subindo de R$ 1.082 para R$ 1.111. Antes disso o crescimento tinha sido de 1,7% em 2008; 3,5% em 2007 e 7,2% em 2006. Mesmo assim o rendimento médio do trabalho em 2009 (R$1.111,00) continua abaixo do nível entre 1995 e 1998, quando variou de R$ 1.113 a R$ 1.121, com um pico de R$ 1.144 em 1996. Ou seja, após 14 anos o rendimento médio do trabalho no Brasil sofreu redução, graças a uma política econômica que continuou concentrando renda e garantiu os maiores rendimentos aos banqueiros através do pagamento das maiores taxas de juros do mundo. Para termos uma idéia, segundo levantamento de consultorias especializadas, o lucro líquido consolidado dos oito principais bancos privados do País, cresceu 24% em 2009, em pleno ano da crise econômica.

A taxa de analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais caiu 1,8 ponto percentual entre 2004 e 2009. Apesar disso, no ano passado ainda existiam no Brasil 14,1 milhões de analfabetos, o que corresponde a 9,7% da população nesta faixa etária. A PNAD estimou também a taxa de analfabetismo funcional (percentual de pessoas de 15 anos ou mais de idade com menos de quatro anos de estudo) em 20,3%. O índice é apenas 4,1% menor que o de 2004 e 0,7% menor que o de 2008. O Brasil demorou seis anos (2004-2009) para reduzir a taxa de analfabetismo em apenas 1,8%. Com isso o país tem ainda 14 milhões de analfabetos e 28 milhões de analfabetos funcionais.

Este é o retrato de um Brasil que não muda: continuamos reproduzindo relações sociais e trabalhistas da época da escravidão; as oligarquias regionais permanecem incrustadas no poder, sempre prontas a novas alianças fisiológicas que preservem seus privilégios; o desmatamento de milhões de hectares de terras na Amazônia e no Cerrado permanece impune, enquanto o agronegócio continua com as queimadas, amparado pela recente reforma do código florestal brasileiro; apenas 07 famílias detêm o controle de 95% dos meios de comunicação; a reforma agrária espera por décadas e como resultante a maioria da população sobrevive em grandes centros urbanos em péssimas condições de trabalho, transporte, moradia e saneamento básico; a violência urbana ainda é tratada como caso de polícia, que criminaliza a pobreza e não combate as causas sociais da mesma; o baixo nível educacional

continua sendo um dos maiores sintomas da segregação social existente no país, onde 53% dos eleitores possuem apenas até o primeiro grau de escolaridade.

Programas sociais focalizados, como o Bolsa Família (que neste caso representa menos de 1% do gasto público), têm atacado os aspectos emergenciais de miséria extrema, promovendo uma pequena distribuição de renda. Mas estas são iniciativas assistenciais de curto prazo, que não podem substituir as políticas sociais universais, que devem estar vinculadas a geração de empregos, renda e a garantia de direitos. Na ausência de perspectivas para a sociedade brasileira, em condições de extrema concentração de renda e desigualdade social, multiplicaram-se as tendências à segregação social e espacial e a proliferação da violência social, que se tornou endêmica em algumas grandes cidades onde o estado não controla mais certas regiões de moradia popular.

550 mil brasileiros foram mortos por armas entre 1979 e 2003. Isso reflete a falta de perspectiva da juventude, o crescimento do crime organizado, ligado principalmente ao narcotráfico, e da orientação repressiva das forças de seguranças, muitas vezes orientadas por políticas de extermínio dos criminosos ou mesmo de potenciais criminosos, com impunidade generalizada para os matadores pagos pelo estado. Uma ideologia de lei e ordem cresceu na burguesia e nas classes medias, se manifestando na ampliação do encarceramento e na criminalização da pobreza – que deriva rapidamente para a

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criminalização dos movimentos sociais.

A orientação repressiva da política sobre drogas, embora tenha se mostrado fracassada, alimenta o circulo vicioso de crescimento da criminalização de parcelas pobres e de expansão do aparato repressivo. A segregação social é mantida através de uma repressão brutal, em boa medida feita ao arrepio da lei – os serviços de segurança privada, pessoal e principalmente patrimonial, empregam hoje mais de um milhão de pessoas.

A segregação social se soma à segregação racial e urbana. As populações negras recebem menores salários, tem mais dificuldades de acesso a empregos, serviços e direitos, e são submetidas à vigilância permanente pelas forças repressivas, sendo suas principais vítimas. O racismo é parte de um ambiente cultural que alimenta também a violência machista, já que as posições de poder masculinas são cada vez mais desafiadas pelas conquistas sociais e jurídicas das mulheres, e a homofobia, que recusa aceitar os avanços no reconhecimento dos direitos dos gays e lésbicas.

Diante deste quadro, a agenda política brasileira, moldada pela grande mídia e os partidos da ordem, desgraçadamente, se mantém fechada a este debate. As candidaturas preferidas da grande mídia nestas eleições – Serra / Dilma / Marina – já demonstraram não estar dispostos a enfrentar este debate sobre os reais problemas estruturais do país e, muito menos, sobre suas reais soluções. José Serra, da aliança conservadora PSDB/DEM, representa a reedição das

políticas neoliberais de exclusão e repressão social, aplicadas durante os dois governos de FHC e os 16 anos de governo tucano no estado de São Paulo; Dilma Rousseff, da aliança fisiológica PT-PMDB, representa o governo Lula no que ele tem de pior: a aliança com o agronegócio e com as oligarquias regionais (Sarney, Collor e Renan Calheiros – declarados inimigos públicos de qualquer mudança estrutural no país), e a continuidade de uma política econômica disciplinada pelo mercado financeiro. Marina Silva, do PV, já demonstrou não ser alternativa: além de defender a continuidade da atual política econômica liberal-conservadora (algo totalmente incompatível com a defesa do meio ambiente), prega ainda uma unidade fictícia entre tucanos e petistas enquanto uma estratégica para enfrentar os problemas do país - um misto de confusão ideológica e falta de projeto próprio que acaba engrossando o caldo do conservadorismo e do fisiologismo.

Esta três candidaturas, além de complementares, são funcionais para a manutenção da ordem atual, o que se materializa na defesa da mesma política econômica baseada no superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante – o mesmo tripé que tem permitido ao Banco Central aumentar de modo sistemático a taxa de juros para “manter a inflação dentro das metas” e, por meio do superávit, destinar bilhões de reais para o pagamento dos juros da dívida pública, em detrimento do investimento social. Esta convergência em relação ao núcleo principal do atual modelo de desenvolvimento é o que dá aos órgãos de imprensa a segurança

para afirmar que, independente de quem for o vencedor, o país continuará no mesmo caminho.

É neste contexto que Serra e Dilma disputam o primeiro lugar nas pesquisas, defendendo a continuidade do mesmo modelo neodesenvolvimentista conservador, incapaz de eliminar a desigualdade, a exclusão social e a concentração da renda e da riqueza. Um modelo econômico centralizado na exportação de commodities, baseado no agronegócio excludente e na mineração que devasta os recursos naturais. Um tipo de desenvolvimento atrelado à continuidade da utilização de matrizes fósseis, justamente no momento em que a humanidade se vê às voltas com a terrível ameaça das mudanças climáticas produzidas pelo aumento da emissão dos gases do efeito estufa. Do ponto de vista da política social, no que pese algumas nuances, defendem a mesma concepção gradualista do combate a pobreza, através de uma distribuição mitigada e insuficiente de renda via programas sociais que criam, na maioria das vezes, uma dependência que só estimula o clientelismo e o populismo. Marina Silva, por sua trajetória socioambiental, poderia se credenciar como alternativa, caso aliasse a defesa das questões ambientais com um projeto socialista. Mas, infelizmente, preferiu se juntar à velha direita e a grandes setores do empresariado, agora travestida em uma nova roupagem de “sustentabilidade e responsabilidade ambiental”. Sua opção pelo ecocapitalismo tornou sua candidatura um simulacro de si mesma.

Diante deste quadro, marcado pela permanência da extrema

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desigualdade social e pela mesmice eleitoral, representada pelos três candidatos do sistema, o maior desafio do PSOL é ampliar o diálogo com a sociedade brasileira sobre a necessidade inadiável de construirmos um novo projeto de desenvolvimento para o país, cujo eixo estruturante deve ser o combate à desigualdade e à injustiça social através de um conjunto de políticas de distribuição de renda e da riqueza nacional. O combate à desigualdade passa centralmente pela redistribuição da riqueza (da renda e do patrimônio), cuja concentração é abissal. Marcio Pochmann tem apontado em seus estudos que no Brasil apenas um clã de 5 mil famílias reúnem um patrimônio equivalente a 40% do PIB (Os ricos no Brasil, p. 29. Volume 3 do Atlas da exclusão social). Além de distribuir a renda e a riqueza, um novo projeto de desenvolvimento econômico e

social para o Brasil deve também recuperar nossa soberania, democratizar o poder político, elevar o nível educacional e cultural de nosso povo, universalizar os serviços sociais e garantir, de modo indissociável, a preservação de nossos recursos naturais.

Evidentemente que um projeto transformador desta natureza irá enfrentar forte resistência das classes dominantes e dos poderosos de nosso país, sendo, portanto, uma pré-condição para a sua realização a elevação do nível de consciência política da maioria de nosso povo e sua efetiva mobilização. Temos consciência de que os graves problemas sociais do país não serão resolvidos por maquiagens ou marqueteiros, e de que somente falando a verdade poderemos resgatar a esperança. Por este motivo, enquanto os candidatos do sistema vendem ilusões e falsas

promessas eleitorais, o PSOL apresentará à sociedade brasileira uma real alternativa de mudança, através de um programa de caráter popular, ecológico e socialista visando uma profunda transformação social do Brasil - única forma de derrubarmos o muro da desigualdade que separa a maioria de nosso povo de suas verdadeiras aspirações. Nosso programa está baseado na experiência de luta dos movimentos sociais e contou com a colaboração de inúmeros intelectuais, das setoriais do PSOL e dos militantes e apoiadores que participaram dos seminários regionais do partido para debater programa e nos forneceram subsídios para um diagnóstico e a formulação de alternativas para o Brasil. A estes companheiros e companheiras, nossos agradecimentos. Some-se ao PSOL nesta luta, para mudar o Brasil

1. UM NOVO EIXO ESTRUTURANTE DA ECONOMIA BRASILEIRA

Todas as correntes da ordem estabelecida no Brasil (e agora seus candidatos nesta disputa presidencial) apontam a mesma direção: uma maior integração em uma economia globalizada, colocando o país como um grande exportador de minérios e produtos agropecuários, utilizando o que eles vêem

como vantagens comparativas dadas por nosso vasto território, fortalecidas pela descoberta do petróleo do pré-sal. O parque industrial de manufaturas pode ser reforçado, mas ele continua tendo nas montadoras de automóveis sua locomotiva. Este é um projeto de país arcaico, que ignora as novas forças produtivas, que emergiram nas ultimas décadas, e que colocam a pesquisa cientifica e a inovação tecnológica no centro da dinâmica econômica, que

ignora que o desenvolvimento de energias renováveis é o grande desafio de nossa época. É um projeto de país que compromete nosso futuro e, no máximo, tenta atenuar algumas mazelas herdadas de quatro séculos de condição colonial agro-exportadora.

Exportação de minérios em estado bruto ou processado, carnes, soja, alimentos e etanol e as montadoras como carro chefe do mercado interno: cada um destes elementos reforça

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uma economia arcaica, que não transita rapidamente para uma atividade baseada na pesquisa cientifica e apoiada em fontes de energia renováveis, e cujo centro se encontra no exterior, fora do alcance de qualquer decisão política soberana do povo brasileiro; uma economia perversa que reproduz uma dinâmica social excludente, mantendo a concentração de renda, da inserção social e da educação. Deslocar o centro da economia brasileira para o mercado interno, a indústria de ponta da atualidade, a geração de conhecimento técnico e científico, a produção cultural e uma estrutura de serviços de qualidade, ampla e difusa, exige uma democratização radical da sociedade, redistribuição da renda e uma grande centralidade para a educação e a cultura. Exige, igualmente, romper com a subordinação da dinâmica econômica à lógica do capitalismo global – uma desglobalização parcial da economia brasileira e regional.

A pesquisa e desenvolvimento tecnológicos em energias renováveis, informática e comunicação, novos materiais, biotecnologias e medicamentos, as atividades nas áreas de saúde, educação e cultura, a produção agro ecológica e o consumo sustentável são todos setores dinâmicos da economia contemporânea que fogem tanto à lógica do produtivismo industrialista primitivo como da produção pela produção, e introduzem a humanidade em uma economia do bem-estar. É esta reestruturação do tecido produtivo, das relações sociais, do território e do estado que pode alavancar uma sociedade cujo propósito seja o bem-estar, a justiça social e a isonomia de todos os seus membros, em que todos tenham direito a ter direitos. Nosso país tem todas

as condições potenciais para caminhar nesta direção, se suas atividades extrativistas e agropecuárias forem utilizadas apenas para financiar esta transição, o que exige romper com o controle da política nacional por um punhado de famílias multimilionárias.

Mas uma dimensão suplementar é voltar a internalizar a produção industrial. É irracional, do ponto de vista ambiental, e perverso, do ponto de vista social, o Brasil importar quinquilharias da China e nossa classe dominante desfilar em limusines igualmente importadas – um completo desperdício de recursos que poderiam estar impulsionando uma indústria interna ambientalmente responsável e socialmente controlada. Isso exige rompermos com a atual divisão internacional do trabalho e com o regime neoliberal da globalização, isto é, aquele que estimula o livre fluxo de capitais e mercadorias e restringe a circulação de pessoas (e do trabalho). Proteger e estimular uma indústria nacional e regional e produzir local e regionalmente o que pode ser produzido neste nível significa, de imediato, abandonar a OMC e romper com suas regras de “livre” comércio, incompatíveis com a sustentabilidade ambiental e a promoção da justiça social. Significa estabelecer outro sistema de estímulo à inovação tecnológica e à produção artística, que não seja baseado na propriedade intelectual, mas, pelo contrário, na mais ampla circulação de todas as formas e produtos do conhecimento. Significa promover uma desglobalização parcial da economia e das finanças, estimulando, de outro lado, a integração do continente.

Este tipo de economia deve ser formatado de forma inovadora, com um controle político participativo sobre um tecido produtivo integrado por distintas formas de organização econômica. A planificação ganha, com as tecnologias digitais, uma capacidade renovada de oferecer informações econômicas e uma maior flexibilidade como mecanismo de alocação dos recursos produtivos da sociedade. A contraposição fundamental não é entre plano e mercado, mas sim entre mercado e tomada de decisões de forma coletiva, direta e consciente. Há outro problema vinculado ao caráter indireto das decisões pelo mercado: no mercado, tudo tem de ser medido em termos de valor, isto é, transformado em preço. Há inúmeras coisas que não podem ser transformadas em preço (é o caso, em geral, dos bens ambientais).

O mundo do trabalho foi profundamente redefinido e fragilizado pelas modificações do capitalismo nas décadas recentes. Da globalização neoliberal aos novos métodos de gestão, do uso das novas técnicas de comunicação e controle a desterritorilizacão de muitos processos produtivos, os assalariados explorados pelo capital não conseguem travar, em muitos países, as mesmas lutas que no passado. Mas não existe sustentabilidade ambiental sem que os trabalhadores conquistem uma posição de força frente ao capital nos locais de trabalho, nas empresas e nos diferentes ramos de atividade.

Uma desglobalização relativa da economia, a redução da jornada de trabalho, a elevação sistemática do salário mínimo, uma formalização muito maior

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das relações trabalhistas e uma garantia universal de renda básica relevante para toda a população configuram um pacote de propostas capazes de modificar as relações de forcas entre o trabalho e o capital. Elas apontam para uma sociedade em que o povo não seja prisioneiro do trabalho alienado, atomizado na luta pela sobrevivência. Somam-se a políticas publicas de garantia dos direitos fundamentais em todos os campos: educação, saúde, comunicação, cultura, esporte, seguridade social. De conjunto, ajudam a coesionar um campo social e político popular diverso, plural, que somente se unifica na disputa contra o campo capitalista.

Para isso é vital, também, desdobrar políticas que polarizam e evidenciem os interesses em disputa: justiça fiscal e tributação sobre as grandes fortunas dos 147 mil milionários brasileiros, desestímulo ao consumo de luxo, estatização de setores estratégicos, controle sobre a entrada e saída de capitais, etc.

O desenvolvimento numa perspectiva Ecosocialista

Adotar um novo eixo estruturante para a economia brasileira passa necessariamente por uma estratégia de desenvolvimento ecologicamente sustentável para o país. Não existe futuro para qualquer olhar sobre o Brasil e o planeta que não seja ecologicamente sustentável. A crise ecológica é um fenômeno global, que deve ser tratado local e mundialmente com a mesma intensidade. A ofensiva do capital para transformar tudo em propriedade e mercadoria, patenteia a vida, apropria-se da biodiversidade, impõe os

produtos transgênicos, privatiza, mercantiliza e controla as reservas florestais e a água. Temos que ultrapassar o simples entendimento de que a lógica da produção e consumo capitalistas funciona como se ela mesma fosse o seu próprio objetivo e reconhecer que a pauta ecológica impõe uma nova identificação de atores da cena social e na composição do bloco de forças capaz de realizar a tão sonhada transformação da realidade brasileira.

Uma das manifestações mais agudas dessa crise é o aquecimento global, decorrente do efeito estufa provocado pelas emissões de carbono na atmosfera, mas ele é acompanhado de uma poluição também global e da dilapidação dos recursos naturais. Estes elementos introduzem um rápido desequilíbrio das condições que viabilizam a manutenção das atuais formas de vida no “sistema Terra” e o desenvolvimento das sociedades humanas.

As políticas de desenvolvimento e planejamento historicamente colocadas em prática no país têm como fulcro o descaso com o ritmo de recomposição dos recursos naturais, a indiferença com os passivos ambientais gerados a partir da colocação em práticas dessas políticas e a insensibilidade em relação às populações atingidas por elas.

Não se trata apenas de uma questão moral, sobre a vilania do capital. Trata-se da natureza intrínseca de um sistema que precisa reproduzir seus lucros de forma cada vez mais intensa. E nesta equação, os passivos ambientais não podem ser contabilizados, muito menos

medidas de proteção ao ambiente, que não devem entrar nas planilhas de custo. Os recursos naturais, assim como populações, espécies e, de resto, toda a biodiversidade, são apenas mercadorias disponíveis para serem exploradas e exauridas. Com uma economia lastreada no agronegócio e mineração, se estas parcelas fossem consideradas, por exemplo, no cálculo do PIB, o governo Lula apresentaria PIB’s negativos nos seus 8 anos.

Desde seu descobrimento, a exploração e devastação dos recursos naturais estiveram presentes no Brasil. Foi assim, por exemplo, nos ciclos do açúcar e do gado que destruíram a Mata Atlântica. Na história mais recente, durante a Ditadura, mega-projetos de infra-estrutura provocaram danos irreversíveis nos biomas brasileiros. A Amazônia, por exemplo, era vista pelos militares como o “Inferno Verde” a ser vencido pela construção da Transamazônica. A construção de Itaipu, além de submergir Sete Quedas, provocou alterações importantes no clima da região, por conta das dimensões do lago artificial criado.

Para construir a ineficiente usina de Balbina, milhares de Km2 de floresta foram submersos, destruindo a biodiversidade e provocando a emissão de milhares de toneladas cúbicas de gás metano, que tem papel importante no aquecimento global. Assim como Belo Monte, cujo projeto foi ressuscitado, foi durante a Ditadura que nasceu o Plano Nuclear Brasileiro, responsável por Angra1, perigo constante que ronda o país.

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Em outros momentos, a mobilização das populações atingidas e d@s militantes ambientais foi capaz de impedir mais destruição e de fazer aprovar uma legislação ambiental sólida. No governo Lula o mesmo desenvolvimentismo predador do ambiente, e de pessoas, foi posto em prática, mesmo que com objetivos sociais alegadamente opostos. Mega-projetos de infra-estrutura, agora sob o nome de PAC; prioridade de financiamento do BNDES para projetos de mineração; devastação da Amazônia, agora pela invasão do agronegócio; incentivo à indústria automobilística, aumentando ainda mais a emissão de CO2 e o caos no trânsito; leniência com a indústria e sua tecnologia suja, que polui ar, águas e solos.

A legislação ambiental vem sendo desmontada sistematicamente, por conta da pressão dos ruralistas, mas também porque o próprio governo atual a considera um entrave ao desenvolvimento. Membros do Ministério Público têm sido perseguidos e transferidos, quando se contrapõem ao rolo compressor da flexibilização da legislação ambiental. Muitos estudiosos e ambientalistas tem alertado para os efeitos nocivos da recente “reforma” do Código Florestal Brasileiro.

“A proposta de revisão do Código Florestal (apelidada de “Código da Motosserra”), sugerida pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB) e considerada insuficientemente permissiva pela bancada ruralista, abre margem para novos desmatamentos na ordem de 85 milhões de hectares no Brasil, uma área maior que os estados de São Paulo e Minas Gerais

juntos. Em carbono, isso significaria mais de 30 bilhões de toneladas de CO2, o equivalente a sete vezes a meta de redução com a qual o Brasil se comprometeu internacionalmente, ou 15 vezes o volume de emissões da China em um ano. Os deputados, contudo, não parecem preocupados com esses números. Durante os trabalhos da Comissão Especial de revisão do Código Florestal, foram convocados especialistas que negam o aquecimento global. O “Código da Motosserra” parte da premissa que as mudanças climáticas são um frágil consenso e que não devem ser consideradas como base para a reformulação da lei florestal brasileira. (...) A última previsão do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) acerca do momento necessário para a estabilização nas emissões de gases de efeito estufa no mundo é 2015. Ou seja, nos próximos 60 meses o planeta tem o dever de dar um passo largo rumo à economia de baixo carbono. E o Brasil, na condição de país ainda em desenvolvimento, está no grupo dos que têm mais a perder, especialmente os brasileiros mais pobres. A cifra estimada de perdas da agricultura brasileira até 2020, com as mudanças do clima, fica na casa de R$ 7 milhões. Culturas como soja, café, milho e arroz perderiam área potencial de plantio em até 60% para um cenário de aumento de temperatura em 3°C, segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Mas não somos somente vítimas. Sem prejuízo do papel histórico das nações desenvolvidas e de seu compromisso para redução da maior parte das emissões, somos cada vez mais os vilões.

O Brasil é o quarto maior poluidor do clima no mundo, por causa das queimadas, e assumiu compromissos internacionais de reduzir emissões de GEEs em até 38,9%, além de decrescer o desmatamento na Amazônia em 80%, até 2020. A destruição das florestas brasileiras é responsável por 75% das emissões de gases estufa do país. Já foram derrubados 73 milhões de hectares de floresta amazônica, dos quais 80%, segundo dados do governo, são hoje ocupados com pecuária. O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina, e o Estado tem planos de dobrar a fatia desse mercado, que hoje é de 30%, até 2018. Ou seja, se nada for feito pelo ganho de produtividade por hectare, aumentará o rebanho e, consequentemente, o desmatamento na Amazônia, que já abriga cerca de um terço de todo o rebanho bovino brasileiro. Por meio da inação e da ausência de políticas públicas que implantem de maneira eficiente um modelo agrícola baseado no ganho tecnológico e no aumento da produtividade da terra, a agropecuária brasileira adota um método autodestrutivo de crescimento, criando condições para seu fracasso no futuro próximo, seja pelo esgotamento de recursos naturais necessários às lavouras, como um solo vivo e água abundante, seja por meio das emissões de carbono na atmosfera”. (Rafael Cruz. Le Monde Diplomatique Brasil - edição 36, Julho de 2010).

Diante deste quadro alarmante o PSOL defende um modelo de desenvolvimento aliado à preservação dos recursos naturais e à necessidade de diminuir drasticamente a emissão dos gases do efeito

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estufa, instituindo o Desmatamento Zero para a Amazônia, que além de manter parte importante da biodiversidade planetária, seqüestra cerca de 1 Giga tonelada de carbono anualmente, além de ser decisiva para a estabilização do clima na América do Sul e parte da América Central. A Amazônia deve ser considerada como questão de segurança nacional, e deve ser protegida pelas Forças Armadas.

Outra questão fundamental é a necessidade de se mudar a matriz energética no país, substituindo o petróleo e o carvão por um conjunto de matrizes renováveis e mais limpas. Os três candidatos que representam o mesmo projeto já anunciaram a importância do pré-sal como indutor de desenvolvimento. Mesmo que o dinheiro da comercialização do óleo do Pré-Sal fosse usado para resgatar a enorme dívida social brasileira, o que certamente não será o caso nestes governos, ou que esta renda fosse utilizada para o financiamento da transição para matrizes mais limpas, como defende Marina Silva, o custo ambiental da utilização desse óleo, causaria impactos no meio ambiente e acentuaria ainda mais os efeitos das mudanças climáticas, gerando um custo social e ambiental incomparavelmente maior do que seus supostos benefícios. Além disso, o maior desastre ambiental da história dos EUA com a explosão, no dia 20 de abril de 2010, da plataforma Deepwater Horizon (pertence à Transocean e operada pela British Petroleum) no Golfo do México, é um claro alerta do risco e das consequências ambientais deste tipo de exploração.

Um modelo alternativo de desenvolvimento deve ter a coragem de auditar a dívida ecológica decorrente da operação da indústria, agronegócio, mineração, e outras atividades poluentes do capital, em nosso país. O resgate dessa dívida deve ser usado no financiamento de pesquisas e na transição de matriz energética. O pré-sal, desta forma, deve ser encarado como uma reserva estratégica, e deixado no fundo do mar. No mesmo sentido, o Plano Decenal de energia deve ser imediatamente revisto, substituindo-se as grandes hidrelétricas com forte impacto ambiental e social, por uma série de pequenas usinas; e revendo-se a meta de construção de mais de 80 usinas termelétricas.

Em oposição ao agronegócio que enfraquece a biodiversidade, que utiliza sementes transgênicas que comprometem a soberania alimentar e expulsam multidões do campo para as mega-cidades, uma Reforma Agrária Ecológica que assente parte significativa da população, produzindo alimentos, através do oferecimento de infra-estrutura.

Junto a Reforma Agrária é necessário realizar uma Reforma Urbana Ecológica, que garanta habitação decente, próxima aos locais de trabalho, com acesso a água tratada e saneamento básico, transporte coletivo de qualidade, limpo e seguro e que o privilegie em relação a transporte individual. Uma Reforma que seja seguida por uma mudança dos hábitos de consumo, gerando menos lixo, com restrições à propaganda. Esta Reforma Urbana Ecológica terá que incluir entre suas metas, a

adaptação das cidades aos efeitos das mudanças climáticas, através de um PAC ambiental.

O Estado, e seus órgãos de fomento e investimento, não mais apoiarão e financiarão projetos que prevejam a construção de termelétricas, ou que sejam eletrointensivas, ou que utilizem tecnologias sujas. A legislação ambiental deve ser recomposta, e a fiscalização federal, hoje sucateada, deve ser reconstruída.

A política socioambiental proposta pelo PSOL compreende a adoção, a partir do Estado, de uma política de desenvolvimento voltada para a inclusão social e a preservação dos recursos naturais do país, com o direcionamento do investimento público para o fortalecimento das atividades produtivas apoiadas em uma nova matriz energética e de transporte, com o desenvolvimento tecnológico e de técnicas alternativas de inovação, produção voltada para as necessidades do mercado interno e o estímulo a um novo padrão de consumo, só factível com a adoção de critérios não-monetários e extra-econômicos de tomada de decisões. A preservação da Amazônia deve ter importância estratégica neste novo projeto de desenvolvimento nacional, incluindo a defesa do desmatamento zero e outras medidas como a auditoria da dívida ecológica, como parte de uma política permanente de defesa do meio-ambiente e combate às mudanças climáticas.

Uma nova matriz de transportes

O olhar socioambiental (muito

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distinto do conservadorismo esverdeado de Marina) é indispensável para analisarmos a existência humana em nosso mundo, e estruturante de qualquer alternativa em uma situação histórica em que o capitalismo empurra todos nós para um colapso ambiental catastrófico. Isso pesa fortemente sobre o modelo de sociedade que temos que construir e deve determinar as políticas relativas à energia, transportes, regulação da atividade industrial e consumo.

A matriz de transportes rodoviarista já atingiu seu ápice há tempos, e qualquer expansão posterior envolve uma rápida regressão de sua funcionalidade. Isso vale tanto para os deslocamentos urbanos em automóveis e motocicletas como para o transporte de cargas por longas distâncias em caminhões. Vale também para o uso do diesel. Os poderes públicos têm reforçado automaticamente o parque industrial estabelecido em torno das montadoras: quando estourou a crise econômica internacional em agosto de 2008, tanto Lula como Serra competiram nos incentivos fiscais à produção de automóveis, sem exigir nenhuma contrapartida, seja em eficácia energética (como fez o governo norte-americano), seja em prioridade para o transporte coletivo. Pelo contrário: as classes abastadas adotam cada vez mais os carros 4x4, transformados em pequenos tanques de guerra, com vidro fumê, e muitas vezes blindados! As camadas mais pobres da população são agora massivamente introduzidas à motocicleta, com consequências brutais para a mortalidade e a difusão da agressividade no trânsito, deteriorando a qualidade de

vida nas grandes cidades.

A alternativa nestas cidades espacialmente segregadas pela dificuldade de deslocamento e acesso é estabelecer políticas de desestímulo ao uso do automóvel (a começar por altos impostos que reduzam drasticamente o uso dos 4x4, carros a diesel ou de maior cilindragem, proibição de circulação pelos centros metropolitanos, rodízios, pedágios urbanos,...) e motocicletas e uma rápida expansão dos sistemas de deslocamentos por trilho e bicicletas e, quando isso não for possível, de ônibus, em corredores exclusivos. Há um mito que afirma que a construção destes sistemas é uma tarefa de longo prazo. Mas ele é desmentido em muitas partes do mundo: enquanto Xangai construiu, depois de 1995, 420 km de linhas de metrô, a capital de São Paulo construiu depois de 1970 apenas 66 km! E não se aponte para um excepcionalismo chinês: cidades como Seul e Madrid estão expandindo rapidamente seu transporte sobre trilhos. Há, na verdade, um quase monopólio do espaço urbano pelo automóvel e uma total ausência de vontade política dos governantes de confrontar o uso do ícone maior de consumo do capitalismo. De outro lado, o Brasil é um dos países com maior numero de bicicletas do mundo, ainda amplamente utilizadas pelas camadas pobres da população – mas que vem sendo sucessivamente desqualificadas como alternativa e perdendo todo espaço nas grandes cidades, enquanto nos países centrais ela passa a ser adotada como alternativa ao automóvel, mesmo nas grandes metrópoles européias. Essa orientação deve ser revertida.

É hoje imperioso implantar um sistema integrado e intermodal de transportes coletivo, com eixo no transporte sobre trilhos, em todas as áreas metropolitanas do país, mas também em macro-regiões como a que conecta a capital paulista, o Vale do Paraíba e a região de Campinas – que, de conjunto, compõem uma das maiores manchas urbanas integradas do mundo. Este restabelecimento da malha ferroviária brasileira é imperioso, a começar pela ligação entre São Paulo e Rio de Janeiro, mas dentro de uma politica de conjunto. Neste sentido, o projeto do trem bala proposto por Lula e Dilma é, por seu custo, um contrassenso: com o dinheiro gasto nele poderia se construir pelo menos 300 quilômetros de linhas de metro e resolver grande parte do problema dos deslocamentos nas grandes cidades, onde dezenas de milhões de pessoas gastam muitas horas cruciais de suas vidas.

A preparação da infra-estrutura para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 poderia ser uma oportunidade para empreender esta reorientação de direção dos sistemas de transportes brasileiros, mas tudo indica que o Governo Lula vai manter mesma a política para a área de todos os governos das ultimas décadas, reforçando a dualidade e a segregação entre um sistema para as classes abastadas e outro para as camadas populares – que continuarão perdendo parte importante de suas vidas se deslocando lentamente pelas cidades.

O Brasil tem também que reconstruir um sistema de transporte ferroviário de carga e passageiros de longa distância, que pode alavancar

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enormemente a atividade econômica, bem como a utilização do transporte de carga fluvial e marítimo.

Muitas questões pontuais e urgentes neste tópico podem fazer a ponte entre a situação atual e a estruturação efetiva de uma nova matriz de transportes, como a proibição do uso do diesel em todas as regiões urbanas – responsável por milhares de mortes de pessoas com a saúde mais frágil –, medidas de estímulo à eficácia energética dos automóveis com a taxação dos modelos de maior consumo, proibição de importação de veículos ou a generalização de ciclovias e do estímulo ao uso de bicicletas para trajetos curtos em boa parte do país. Mas estes acabam se transformando em detalhes de uma orientação política e econômica maior.

Uma nova matriz energética

Embora a matriz de energia do país tenha se apoiado na geração hidroelétrica, principalmente da Bacia do Paraná, nas últimas décadas esse potencial se esgotou. Em resposta, o governo tem construído usinas termoelétricas, em especial movidas a carvão, altamente poluentes, e gás, apenas um pouco menos agressivas. E iniciado a construção de novas grandes hidroelétricas na região Amazônica – como Santo Antônio e Juruá no rio Madeira e Belo Monte no rio Xingu.

O dado preliminar neste debate é a ausência total, no país, de qualquer política de eficácia energética e a constatação de que a maior parte da energia é atualmente utilizada na produção de bens primários – isto é, minérios, principalmente

eletrointensivos, e produtos agropecuários – e depois industriais. As casas ocupam apenas a terceira posição em termos de demanda de eletricidade. Há um enorme potencial a ser ganho eliminando o desperdício, com a modernização do uso da eletricidade em todos os setores, o fim do subsídio da eletricidade para o setor primário-exportador e o aprimoramento das linhas de transmissão precárias (que ocasionam grandes perdas); isso pode eliminar a necessidade de novas fontes geradoras por algum tempo.

De outro lado, nossa oposição à construção das grandes usinas hidroelétricas na Amazônia se justifica não só pelo seu impacto ambiental e seu papel desagregador sobre as culturas dos povos indígenas e das populações tradicionais, mas também por se tratarem essencialmente de prolongamentos da produção de minérios na região para exportação, principalmente para o mercado chinês. Elas são supérfluas do ponto de vista dos consumidores dos grandes mercados do Sudeste e Sul.

Assim, se queremos redirecionar o dinamismo da economia brasileira da atividade exportadora para o mercado interno, a principal medida é deslanchar uma política geral de elevação da eficácia energética, estabelecendo padrões mais rigorosos para a indústria, construção civil, agricultura, pecuária, mineração, transportes e consumo.

Além disso, em varias regiões, em especial nos litorais do Sul e do Nordeste, a geração de energia eólica é muito rentável

e pode competir com a geração por hidroelétricas se ganhar escala (até o ano passado, a energia eólica era vendida no Brasil por R$ 278, mas agora já é ofertada por R$ 140). . Em outras, há um potencial de desenvolvimento da energia solar apenas superado no planeta pelo Deserto do Saara. É a visão tacanha dos atuais governantes (reforçada por seus vínculos com as grandes empreiteiras) que limita a diversificação de nossa matriz energética, com a incorporação de um percentual muito maior de fontes de energia renováveis (eólica e solar). As energias renováveis são não apenas a principal fronteira de desenvolvimento tecnológico da atualidade, mas determinarão o lugar que as diferentes sociedades ocuparão no século XXI. Apenas a queima do bagaço de cana está progredindo lentamente, acoplada à plantação de cana e à produção de etanol (embora seus trabalhadores ainda sejam submetidos a ritmos de trabalho mais intensos do que na época da escravidão!).

Pré Sal

Em um momento em que o mundo precisa transitar das energias fósseis para fontes de energia renováveis, os governantes brasileiros estão planejando retirar enormes quantidades de petróleo de cinco quilômetros do fundo do mar para queimar na atmosfera – com os riscos adicionais bem ilustrados pela recente explosão da plataforma da BP no Golfo do México. Além disso, ninguém tem condições de prever qual vai ser o quadro mundial da geração de energia em vinte anos. A rápida exploração do pré-sal hipoteca o bem estar das gerações futuras em troca de um fortuito

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fluxo de dinheiro a médio prazo. E há alternativas, como mostra a proposta equatoriana da ITT-Yasuni, que mantém o petróleo no subsolo em troca de recursos de um fundo internacional. Frente ao debate do pré-sal, temos que afirmar que a vocação para a geração de energia no Brasil deve repousar sobre as fontes renováveis.

O país está diante de mais uma ameaça à sua soberania. Se os grandes conglomerados privados já operavam diretamente na política nacional no que se refere ao setor estratégico das reservas naturais de petróleo – desde que essas passaram a ser comercializadas com multinacionais a partir de 1997 –, depois da descoberta do pré-sal a pressão pelo loteamento privado aumentou ainda mais.

A Lei 9478/97, criada no governo federal em 1997, que quebrou o monopólio brasileiro sobre a exploração do petróleo existente no território nacional, persiste intacta e regendo os absurdos leilões da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Essa lei definiu um marco regulatório que levou o país a entregar mais de 500 blocos depetróleo para 72 conglomerados econômicos privados, sendo a metade a estrangeiros.

O PSOL defende a retomada imediata do monopólio estatal da exploração do petróleo. Com o descobrimento do pré-sal cresceu na opinião pública o entendimento que cabe ao país o controle e exploração de suas reservas. Mas é necessário estar atento aos obstáculos colocados a este debate, mesmo entre aqueles que se dizem aliados. Os setores governistas não

apresentam nenhuma crítica pública ao governo Lula que manteve os leilões de petróleo e pode ceder à pressão dos grandes conglomerados estrangeiros, inclusive com a criação de uma nova empresa, que pode servir para desviar o foco de uma Petrobrás 100% estatal. Esta nova empresa estatal pode ser inclusive uma saída de fachada, passa a idéia que haverá controle público, mas pode flexibilizar ainda mais a exploração das reservas. Entendemos que a Petrobrás tem legitimidade histórica e capacitação técnica acima de qualquer suspeita para ter o controle da exploração sobre todas as reservas de petróleo e gás do país.

É preciso fortalecer a Petrobras, tornando-a novamente 100% estatal. É preciso aumentar seu quadro de funcionários para diminuir as terceirizações que precarizam as condições de segurança e diminuem a produtividade da empresa, apurar todas as denúncias de corrupção que existam contra a direção da estatal, punindo os responsáveis. Temos que escolher se o caminho a se tomar na questão do petróleo vai no sentido da criação de um patamar para a solução de problemas históricos do povo ou se vai aprofundar a dependência do capital estrangeiro imposta pelo neoliberalismo, a qual não encontramos uma resposta soberana na última década.

A discussão sobre o petróleo não pode acontecer de forma isolada. Precisamos aproveitar a oportunidade para fazer um grande debate público sobre o gerenciamento das nossasriquezas naturais, o desenvolvimento nacional e a composição da matriz energética do país, atualmente

marcados pelo centralismo da indústria automobilística, a predominância da exploração de combustíveis fósseis e o agronegócio. Nossos recursos devem ser controlados pelo povo e administrados a partir dos interesses nacionais.

Somente com a mudança das regras do setor, será possível beneficiar todo o povo brasileiro com os recursos naturais do nosso país. Para isso, o PSOL participa, ao lado dediversos partidos, sindicatos, entidades e movimentos sociais, do Fórum Nacional em Defesa do Petróleo, que elaborou propostas concretas ao país no âmbito da campanha “O Petróleo tem que ser nosso”:

- parar com a exportação de óleo cru, possibilitando agregar mais valor e desenvolver a indústria nacional, com base a um projeto ecológico e socialmente sustentável e voltado para a mudança da atual matriz produtiva;

- mudar o marco regulatório para garantir a soberania nacional, partindo da compreensão que as reservas do pré-sal devem ser tratadas como um patrimônio estratégico do povo brasileiro;

- e criar um fundo constitucional para vincular o investimento da renda do petróleo em tecnologias para produção de energia limpa, educação, saúde, habitação e Reforma Agrária.

- Pela imediata revogação de todas as rodadas de leilões das bacias petrolíferas desde o governo FHC e também as do governo Lula.

Substituir a agroindústria pela agroecologia.

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A política dos governos recentes (FHC e Lula) tem sido a de alavancar a formação de grandes grupos capitalistas ligados ao agronegócio exportador. Isso está se dando em setores tradicionais, como a pecuária, e também em uma área de ponta que é a cana-de-açúcar. O que está se fazendo é transpor o sistema da grande indústria para o campo, na linha da “revolução verde”, iniciada nos anos 1960: uma agricultura organizada em grandes empresas, sobre grandes propriedades, com alta capitalização e pouca utilização de mão de obra, consumindo muito petróleo, fertilizantes altamente poluentes (desequilibrando totalmente os ciclos de nitrogênio e fosfato no território brasileiro) e pesticidas igualmente danosos.

Também aqui as elites brasileiras mantêm o país preso ao passado. A crise ambiental impõe uma transição na agricultura tão profunda como na geração de energia. A produção de alimentos deve se dar em bases ambientalmente sustentáveis, a partir de todo o acúmulo da agroecologia. É uma agricultura que exige um trabalho motivado e qualificado, que conheça e domine os complexos ciclos agrícolas e incorpore as inovações nas áreas das biotecnologias.

A reforma agrária não tem mais, assim, apenas o sentido de democratizar o acesso à terra e solapar o poder dos velhos latifundiários metamorfoseados em grandes capitalistas. Ela é, além de uma redistribuição radical da riqueza acumulada na forma de propriedade fundiária e concentrada nas mãos de algumas centenas de famílias, uma política de reorganização generalizada da agropecuária,

baseada na produção familiar, camponesa e cooperativa, que busca priorizar a produção de alimentos de qualidade e a agroecologia. Ela é, coerente com uma economia do bem-estar, uma alavanca para modificar os padrões industrializados de alimentação do fast-food para o slow-food, para a alimentação com produtos orgânicos de qualidade. É também uma opção para restaurar, pelo menos parcialmente, a biodiversidade destruída em boa parte do território, a começar por toda a área da antes exuberante Mata Atlântica. E deve também reinserir o tecido urbano em um território rural redefinido, em que as populações possam ter uma alta qualidade de vida.

Estabelecer uma vocação sustentável para a Amazônia.

As arcaicas elites brasileiras e as corporações transnacionais não concebem outra vocação para o território senão explorá-lo até a exaustão, destruindo toda riqueza natural. Não concebem os povos indígenas senão como “atrasados” e “primitivos”, que serão assimilados pela “civilização”. Não compreendem os serviços ambientais indispensáveis para a sobrevivência humana prestados pelos distintos ecossistemas. Não vêem a biodiversidade como uma riqueza indispensável à própria continuidade de nossa espécie.

Mas nosso ponto de partida é justamente a constatação da profunda crise desta “civilização”, cujo modo de vida predatório está conduzindo a humanidade para um cenário de colapso. A extensão brutal de pecuária, soja, mineração e madeireiras para a região

Amazônica bate de frente com a vocação deste território para a produção de uma riqueza muito mais valiosa para a humanidade, não apenas na forma de serviços ambientais para todo o restante do país, mas pela utilização de sua enorme biodiversidade e dos conhecimentos das populações tradicionais.

Não se trata de manter a Amazônia intocada (sua forma atual é o resultado do seu “cultivo” pelos povos indígenas), mas de desenvolver o potencial mais valioso que essa região e sua população detêm: o manejo de seu complexo (e frágil) ecossistema. Isso deve ser feito aliado a pesquisa cientifica de ponta, como propõem os pesquisadores brasileiros que melhor compreender o problema e defendem a criação de um sistema de produção de conhecimento voltado para a isso. A região pode e deve abrigar também muito da atividade de pesquisa e produção industrial de baixo impacto ambiental, como já ocorre hoje; lembremos que a população amazônica é essencialmente urbana.

O controle dos territórios da região por suas populações tem funcionado como uma garantia de manutenção dos ecossistemas e deve ser reforçado; ele só ameaça a soberania nacional para desenvolvimentistas tacanhos e nostálgicos, que veem o desenvolvimento como a destruição da floresta e não como ampliação do bem estar da sua população (o que é também uma condição para o bem estar das populações das outras regiões do país).

E este não é apenas um

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problema do Brasil. O grau de destruição da Amazônia peruana, equatoriana e dos demais países que a integram é ainda maior do que no Brasil, e devemos combater a política que empresas brasileiras (como a Petrobras) vêm desenvolvendo nestes países, aproveitando legislações ambientais mais frágeis e a vulnerabilidade de suas economias. Devemos também pressionar estes governos para que adotem os mesmo critérios de sustentabilidade que defendemos para a Amazônia brasileira.

No imediato, é importante impulsionarmos todas as medidas necessárias para inviabilizar economicamente todas as atividades que resultem na predação da região, não apenas pecuária, extração de madeira e produção agrícola, mas também mineração. Isso requer uma atuação junto aos consumidores em todas as grandes cidades brasileiras, para onde fluem os produtos do fluxo da destruição da Floresta, pressionando para que eles recusem qualquer produto resultante do desmatamento ou do uso de trabalho escravo ou degradante na região.

Reorganizar as cidades brasileiras.

As cidades compreendem antes de tudo relações sociais estabelecidas em um território restrito, de intenso intercâmbio entre as pessoas. E as cidades brasileiras expressam a brutalidade das relações historicamente vigentes em nossa sociedade, excludente, preconceituosa e predatória frente à natureza.

Há uma degradação constante da qualidade de vida nas

grandes metrópoles brasileiras ligada ao descaso das classes dominantes pela situação do povo. Habitação, transporte e saneamento foram sempre tratados como problemas a serem solucionados privadamente, resultando em cidades enormes que não mais são senão ajuntamentos de bairros de autoconstrução, sem infraestrutura urbana e serviços públicos de educação, saúde e cultura. O quadro é particularmente complexo nas manchas urbanas de São Paulo e Rio de Janeiro, cujas dimensões aprofundam os dilemas de uma reforma urbana.

A política habitacional esteve até hoje concentrada nas classes médias, mas ela deve ser expandida para toda a população. Uma política habitacional universal é a primeira e mais básica providencia de redistribuição da riqueza patrimonial no país. Ela tem também um enorme papel dinamizador de uma economia voltada para a expansão do mercado interno.

Mas isso é inseparável da garantia do direito à cidade, pela expansão dos serviços públicos, mas também do acesso físico à cidade, pela estruturação de transportes coletivos públicos de qualidade, eficientes e baratos. A cidade são as relações sociais que constituem a cidadania, a condição de participação política e acesso a direitos. Estes sistemas de transportes universais são um pré-requisito para reduzir a profunda segregação espacial que marca as cidades brasileiras e restringe o acesso aos direitos por parte da população marginalizada.

A terceira dimensão da reforma urbana consiste em garantir a existência de sistemas eficientes de tratamento de resíduos sólidos e líquidos. A coleta de lixo e o saneamento devem preservar e mesmo recuperar os mananciais e os lençóis freáticos, ampliando a qualidade de vida de toda a população. A universalização da coleta e tratamento de esgotos é inseparável da preservação das fontes de água potável e recuperação dos rios e represas. A generalização da coleta seletiva e reciclagem de boa parte do material descartado hoje como lixo permite incorporar importantes parcelas da população marginalizadas em cooperativas além de criar as condições de gerar energia pela captação do metano dos depósitos de lixo orgânico. Uma ampla educação ambiental, legislação e fiscalização devem estimular a eliminação, a reciclagem ou a reciclagem reversa de produtos nocivos.

Tudo isso deve ser completado por todo um leque de políticas complementares em outras áreas essenciais para a vida das cidades: construir parâmetros nacionais de eficácia energética em edificações, multiplicação de pequenas unidades geradoras de energias renováveis nos espaços urbanos, redução da impermeabilização, adoção de legislação que reverta a ocupação dos fundos de vales, metas obrigatórias de manutenção de áreas verdes, limites para poluição atmosférica e sonora, etc. Trata-se de conquistar uma alta qualidade de vida urbana para todos e não só para as classes abastadas.

Permitir que as cidades se transformem em vias de acesso a uma qualidade de vida hoje

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inexistente exige também promover formas de sociabilidade solidarias, igualitárias, justas, construindo uma cultura de cidadania em oposição a cultura do individualismo e da repressão. Isso tem um enorme impacto na medida em que hoje prevalece nas cidades uma mentalidade de cerco que alimenta uma política de criminalização de pobreza e da luta dos setores populares por seus direitos – inseparável da luta antirracista. Esta cultura da repressão reproduz a violência social, a política de execuções extrajudiciais das forcas policiais, etc. Tem um sentido estratégico toda política que reduza o campo de ação da atividade repressiva.

Finalmente, cidades democráticas e sustentáveis devem recusar a oposição entre o urbano e o rural, devem voltar a ruralizar uma parte das cidades (e urbanizar uma parte do campo), restabelecendo as zonas de mananciais, as áreas verdes e as condições de manutenção dos cinturões hortifrutigranjeiros.

Democratização do poder político e combate a corrupção

A instauração da Nova República em 1984 não foi o resultado de uma ruptura democrática, mas de uma repactuação entre as elites para a preservação de seu poder. Embora a Constituição de 1988 tenha recolhido aspirações sociais há muito reprimidas, manteve intacto todo o arcabouço institucional profundamente autoritário do Estado Brasileiro, tornado ainda mais conservador por duas décadas de ditadura militar.

A volta das eleições formalmente livres se deu falseando os mais básicos princípios democráticos: deturpação da representação democrática proporcional, bicameralismo com o Senado como instância revisora da Câmara, o sistema de partidos, a legislação sobre financiamento eleitoral, os critérios para a formação de municípios, etc. Trata-se de uma densa teia jurídica e institucional que foi montada para bloquear e cooptar toda iniciativa popular por mudanças em todas as esferas do Estado, reforçada por suas relações com o poder econômico e as classes dominantes.

Tudo isso deu, na política institucional, um peso desproporcional aos setores conservadores e a interesses específicos, em especial os ligados a grandes grupos econômicos e detentores da propriedade da terra. O pessoal político ligado ao estado brasileiro tornou-se uma casta, em boa medida hereditária, onde o controle dos postos de representação política garante acesso aos recursos públicos, que são privatizados através de um pacto que envolve a maioria dos parlamentares, partidos e governos e que se expressa em um grande e secular esquema de corrupção política, fisiologismo e clientelismo.

A expropriação da representação política pelo poder econômico é uma constante na política mundial sob o neoliberalismo; mas o que existe hoje no Brasil vai muito além disso; é também o legado histórico do patrimonialismo e de tradições de nepotismo e a apropriação privada dos fundos estatais pelos detentores do poder político, que os utilizam para se

manter no poder e serem referendados através de eleições periódicas. O resultado é uma deslegitimação generalizada da atividade política legislativa.

O sistema funciona em simbiose com o controle corporativo da grande mídia - que dá visibilidade a corrupção vigente, mas ao mesmo tempo deslegitima a política de mudança social - e com o peso político das corporações, que financiam as campanhas eleitorais cada vez mais caras e comercializadas através do financiamento privado das campanhas. Neste sentido, qualquer reforma política que mereça este nome terá que ser feita contra os interesses corporativos e privilégios dos políticos atuais, como resultado de ampla mobilização popular e através de instrumentos de expressão direta da vontade popular e não pelos atuais mecanismos corrompidos de representação.

Para o PSOL a democratização do poder político deve estabelecer mecanismos de controle social e participação popular direta na gestão do Estado e suas instituições, como única forma capaz de garantir a defesa do interesse público, da soberania nacional e das riquezas do país. Por isso defendemos a realização de uma ampla reforma política, acabando com o financiamento privado das campanhas eleitorais e instituindo o financiamento público exclusivo; eleição de parlamentares por listas partidárias, garantindo amplas garantias democráticas às minorias partidárias legitimamente constituídas; fim da imunidade parlamentar para os casos de corrupção; revogabilidade dos mandatos;

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instituição de um sistema de representação nacional baseado em um Congresso Unicameral; realização de plebiscitos e referendos para que a população possa decidir sobre os temas de grande relevância na vida nacional.

QUESTÃO INTERNACONAL

A concentração de recursos políticos e econômicos em escala global retira o espaço das pequenas unidades políticas e torna a integração regional da América do Sul uma necessidade imperiosa. Mesmo um país do tamanho do Brasil tem que se somar aos seus vizinhos se quer enfrentar as perigosas tendências desagregadoras vinculadas à pressão mundial exercida no terreno econômico, político, cultural e ambiental. Adentramos em uma época histórica de crise e mudanças, de acirramento da competição por recursos, em que todas estas pressões são cotidianamente utilizadas pelas potências centrais para subordinar os países periféricos. Não há como viabilizar a governabilidade de qualquer processo de transição no nosso país se o continente estiver dividido, se as pressões externas não forem trazidas para perto, se as fronteiras físicas não forem abolidas, mas reforçadas.

O Brasil é hoje o policial benevolente responsável – em uma concorrência contida com os EUA – pela manutenção da ordem em nossa região. Essa ordem é a da ditadura dos mercados, cada vez mais estabelecida nos países vizinhos em benefícios das corporações transnacionais brasileiras. É o regime dos megaprojetos da

Integração Regional Sul-Americana (IRSA, o PAC regional), em que a abertura de corredores de exportação de produtos primários pelo Pacifico e o saque das riquezas naturais dos territórios dos povos originários da região são feitos pelas empresas brasileiras, com financiamento do BNDES, e reforçando o extrativismo das economias dos países vizinhos e suas tendências políticas conservadoras, que mesmo sob governos progressistas criminaliza a luta dos movimentos sociais – em especial dos indígenas que não abrem mão do controle sobre seus territórios.

Integrado e com o Brasil caminhando rumo a uma sociedade igualitária e sustentável, nosso continente dispõe de condições potenciais de autonomia e capacidade de enfrentar todo tipo de pressão, mesmo com a escalada da crise ambiental. A integração regional não pode ser concebida como integração de mercados, que acirra as desigualdades (sociais, de gênero, de etnia, de cultura...) e agrava a crise ambiental, mas como a integração consciente de povos diversos, que reconhecem sua diversidade, os direitos recíprocos e a força que representam. Deve ser guiada pelo principio da subsidiariedade, em que tudo que puder ser produzido em escala local, nacional e regional o será, e só excepcionalmente teremos a importação de bens e serviços de fora da região.

Tudo isso requer a montagem de um edifício institucional complexo, mas que deve permanecer democrático, respondendo diretamente as populações, capaz de defender os interesses de todos os povos

do continente, em que novas organizações integrem nossas nações em estruturas que assumam boa parte das responsabilidades hoje nas mãos dos múltiplos estados nacionais.

Pela independência do Brasil e sua integração igualitária com a América Latina

O Brasil é hoje a oitava maior economia do mundo, e segundo projeções do Banco Mundial poderá se tornar a quinta economia nos próximos dez anos. Baseados nestas projeções os defensores do atual modelo econômico vão a campo tentar reeditar a idéia do “Brasil potência”, ignorando, propositalmente, as contradições e riscos decorrentes deste processo, em que a maior inserção internacional do país continua marcada pelo aprofundamento da dependência externa e a manutenção de um modelo de desenvolvimento concentrador da renda e depredador do meio ambiente.

Os anos de neoliberalismo e de mundialização financeira, orientadas pelo Consenso de Washington, obedientemente aplicados em nosso país pelo governo de FHC e, em seguida, continuados no governo Lula, fizeram do Brasil um país mais dependente do capitalismo mundial, ou seja, do controle das grandes multinacionais, grandes bancos e instituições financeiras que dominam o mundo. Desde a época da ditadura militar, esse processo foi expresso na entrada de grandes multinacionais e bancos no país, que, juntamente com as grandes empresas do agronegócio (latifúndio) apropriaram-se de uma grande fatia das riquezas nacionais e

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tornando-se hegemônicos em setores estratégicos de nossa economia.

Esta dependência também externa se expressa também na volumosa dívida pública paga pelo país, e que se multiplica como conseqüência das altas taxas de juros praticadas em nossa economia. Uma dependência que está vinculada ao investimento de capitais especulativos (capitais andorinhas), que fazem negócios ganhando com as variações cambiais e as taxas de juros, criando uma situação de vulnerabilidade das contas internas. Portanto, a ilusão do “Brasil potência” nesta atual conjuntura histórica nada mais é do que uma cortina de fumaça para esconder o aumento do grau de dependência do país ao atual modelo de financeirização e aos grandes centros econômicos do capitalismo mundial.

Ao mesmo tempo, essa mundialização do capital e o novo processo político aberto com o início do Século XXI, de declínio da hegemonia dos Estados Unidos, permitiram que o Brasil encontrasse um lugar de maior destaque na geopolítica global. Especialmente na América Latina, onde começou a desempenhar o papel de subpotência associada – ainda que com elementos contraditórios - ao imperialismo. Mas este maior destaque conquistado pelo Brasil no cenário internacional não tem qualquer pretensão de fortalecer um movimento político contra hegemônico que se enfrente de fato com as bases das políticas neoliberais. O que está em curso na verdade é a tentativa de fortalecer uma burguesia nacional (associada ao capital internacional) na

disputa de uma fatia do comércio mundial, especialmente na América Latina, com destaque para os setores econômicos primários exportadores.

É neste contexto, de inserção internacional subordinada, que o atual governo tem destinado a maior parte dos recursos públicos disponíveis para investimentos ao fortalecimento de grandes empresas que atuam nesta área, como a Petrobras, Vale do Rio Doce, Odebrecht, Furnas, Fast Food (fusão da Perdigão e Sadia) e Friboi, entre outras – são as ‘multilatinas” ou os grandes “players” financiados por bilhões do BNDES e que tem aumentado sua atuação no mercado internacional, especialmente na América Latina.

A expansão do capital brasileiro na América do Sul se estende praticamente a todos os países. O monopólio do cimento e frigoríficos na Argentina, os bancos uruguaios, e assim vão se somando os investimentos por toda a América do Sul. Isso faz com que as classes dominantes brasileiras em que se apóia o governo Lula - ou qualquer que seja seu sucessor entre os já mencionados - realizem seus negócios em contradição aberta com os interesses de países vizinhos. Basta mencionar alguns: o conflito da Petrobras com Bolívia, da Odebrecht com o Equador, dos maiores produtores de soja brasileiros na fronteira paraguaia e boliviana, os benefícios obtidos pela utilização desigual da grande represa binacional Itaipu entre Paraguai e Brasil. Assim, o Brasil estabelece relações com os países irmãos que não são de igualdade e solidariedade econômica. Eles

não podem ser, porque na medida em que as grandes empresas brasileiras que se instalam em outros países o fazem segundo as regras do capitalismo do livre mercado e do lucro, desempenham um papel espoliador de riqueza desses países. É esta a razão pela qual os governos das três últimas décadas têm levado o Brasil, no campo econômico, a ter traços de um país subimperialista.

A fragilidade política e econômica que vive os Estados Unidos abriu um espaço para que o Brasil ocupe um novo espaço político regional. Mas isso não significa uma independência para romper com a atual ordem ou dominação mundial. É uma relação de parceria que têm contradições, como ocorreu na rejeição do golpe militar em Honduras, ou na instalação das bases americanas na Colômbia. Trata-se de uma divisão de tarefas com os nortes americanos e que está a serviço da estabilização do atual modelo de dominação do capitalismo globalizado. Em alguns momentos, devido às contradições desta parceria, orientada pela manutenção da ordem global, o governo Lula demandou por uma relativa “proteção da soberania continental”, visando defender seu espaço político e, fundamentalmente, o espaço econômico e comercial da burguesia brasileira vinculada aos setores econômicos acima citados. A tradução mais fiel desta parceria entre Brasil-EUA no gerenciamento da crise regionais – compreendidas as contradições e disputas de espaços políticos e comerciais – está no desempenho do Brasil como chefe das tropas da ONU no Haiti, com o maior contingente de soldados na ocupação deste país sem que

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nenhum passo concreto tenha sido dado para a recuperação da soberania nacional e a independência do Haiti.

Seguindo a lógica desta parceria com o capital internacional, o Brasil é o principal executor dos planos da IIRSA (Projeto de Integração da Infraestrutura Regional Sul Americana) concebido pelo BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento. Parte deste projeto é a instalação de novas usinas no Rio Madeira, que vão muito além de um simples planejamento energético regional ou nacional. Estas usinas, além de um atentado ao equilíbrio ecológico da Amazônia, pretendem, por um lado, selar um pacto que permita abrir novas fronteiras para as atividades primárias exportadoras de soja, etanol, carnes, celulose, madeira e minerais. E por outro lado, estão vinculadas a um mega empreendimento que é a integração viária bi oceânica - um corredor para levar a produção até a Ásia, que será dominado pelos grandes monopólios (as “multilatinas” brasileiras e multinacionais imperialistas), que não só desabrigarão populações, mas que dominarão grandes áreas da Bolívia e do Peru.

Essas contradições farão com que o Brasil, mais do que tornar-se a chamada "potência emergente", termine, em função de sua dependência externa, arrastada pela crise econômica global. No que pese a cortina de fumaça em torno da atual política externa brasileira, supostamente “progressista”, o fato concreto do ponto de vista econômico e político é que o Brasil acaba desempenhando um papel de linha auxiliar do capitalismo global no

continente latino americano. Mesmo diante da maior polarização política resultante da crise econômica de 2007, com o fortalecimento dos movimentos sociais anticapitalistas no continente (expresso na força do movimento bolivariano), o governo Lula manteve-se fora do debate político por uma alternativa a crise do capitalismo mundial, limitando-se a administrar os efeitos internos da crise.

O que há de realmente novo na luta dos povos na América Latina é a emergência de novos países que, aliados a Cuba, começaram a desenvolver uma política independente do imperialismo. Referimo-nos a Bolívia, Venezuela e Equador, onde, graças à mobilização ativa e participação dos trabalhadores e do povo fizeram uma ruptura com o neoliberalismo e as classes dominantes a ela associados e criaram reformas econômicas, políticas e sociais progressistas.

A grande polarização existente se deve a fato de que o imperialismo não quer que esse processo se desenvolva. E para isso tem montado um plano de contra ofensiva em que os pontos altos foram o golpe militar em Honduras e o estabelecimento de sete bases militares dos EUA na Colômbia - que segundo o acordo estabelecido, contam com a possibilidade de locomover-se dentro e fora do país livremente.

Os laços estreitos estabelecidos por sucessivos governos do Brasil com o capital internacional fazem com que o nosso país, apesar de algumas posturas “independentes” adotadas pelo governo Lula

(devido às contradições inerentes ao processo de disputa de espaço econômico e político na região), termine na prática favorecendo a reação do imperialismo quando a situação política e social tornar-se aguda. O atual governo já deu provas suficientes de que seria exatamente esta sua postura: depois de protestar contra as bases na Colômbia, aceitaram-na; depois de desempenhar um papel positivo diante do golpe em Honduras, adotaram uma posição de silêncio frente à crescente resistência popular contra o golpe neste país e a necessária solidariedade internacional.

O programa internacional do PSOL é totalmente diferenciado do que vem sendo desenvolvido pelo atual governo, a começar pelos interesses de classe que representa que são os das grandes multinacionais e dos grandes projetos econômicos das classes dominantes brasileiras - Eike Batista, Odebrecht, Furlan, a família Setubal (proprietária do Banco Itaú) e demais setores financeiros e primários exportadores. Trata-se de uma relação bastante orgânica, que associa os interesses dos grandes capitalistas nacionais com uma nova classe social semiburguesa, corrupta e burocrática, baseada na utilização do poder estatal e no controle das empresas estatais. Desta nova classe participam os gestores dos fundos de pensão, os intermediários das grandes obras de construtoras (empreiteiras) e os altos funcionários dos bancos estatais, formados em grande parte por uma burocracia sindical. É a existência desta nova classe semiburguesa ou burguesa alimentada pelo aparelho estatal que torna a relação deste governo uma

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relação estrutural com esta burguesia nacional que busca ser sócia menor do sistema capitalista e financeiro mundial.

O PSOL compreende que a independência econômica e política do país não passa pelas pretensões semihegemônicas e ou de subpotência que estabelecem as classes dominantes junto com os partidos do regime e os candidatos do sistema que hoje disputam o poder para manterem este mesmo projeto. A independência do Brasil só será possível se for impulsionado um processo de verdadeira parceria e integração com outros países latino-americanos, no qual se respeitem os direitos dos seus povos. Isso significa um modelo semelhante à Alba e não ao Mercosul. Enquanto o primeiro deu origem a formas igualitárias e solidarias de cooperação, como o intercambio de petróleo mais barato da Venezuela para Cuba, com a contrapartida de professores e médicos que erradicaram o analfabetismo e grande parte dos problemas de saúde naquele país, o Mercosul se dá em um contexto de disputas comerciais entre os grandes monopólios e os capitais do burguesia argentina e brasileira.

Com base nestas considerações gerais, sintetizamos os pontos fundamentais para um programa de ação imediata no terreno internacional de um governo do PSOL, que terá como estratégia tornar o país definitivamente independente, como parte integrante de um processo continental. Esta será a única forma de avançar para o verdadeiro desenvolvimento, eliminando a desigualdade entre países, povos e mesmo a

grande desigualdade dentro do Brasil.

Por uma verdadeira integração latino americana

A verdadeira integração do nosso continente, que respeite as peculiaridades nacionais, deve de dar por meio de uma Nova Federação de Países Latinoamericanos Independentes da tutela imperialista, uma verdadeira associação igualitária entre os países, que permita que os povos sejam os favorecidos. Onde se estabeleça um verdadeiro futuro de soberania e respeito ecológico para a pan Amazônia, onde a América Latina se torne um continente onde avancem as formas de relações igualitárias entre os países e de solidariedade entre os povos.

Um governo comprometido com esta política de integração solidária e soberana apelará para a mobilização popular e usará todos os esforços diplomáticos para fazer do nosso continente um território livre de bases militares dos Estados Unidos. Estas bases são a ameaça de novos intervencionismos, como aconteceu em Honduras, onde se planejou o golpe militar contra o presidente Zelaya a partir da base militar norte americana, e de novas possíveis guerras, como já vimos na história da América Latina.

Só é possível terminar com seis décadas de violência na Colômbia através de uma solução negociada com as forças insurgentes que permita a sua reinserção política. Os governos anteriores, especialmente o de Uribe, escolheram uma opção militar, e o para-militarismo para

combater não apenas as FARC, mas também toda a resistência social e política. Santo, que foi o chefe militar de Uribe, responsável pela invasão do Equador, já anunciou que continuará com essa política. Defendemos uma solução negociada, que será possível na medida em que se desmantelar o atual regime baseado no intervencionismo militar norte americano e nas formas de repressão paramilitar sustentadas pelo governo colombiano.

Além do não reconhecimento do governo de Lobo defendemos a ruptura das relações comerciais e diplomáticas do Brasil com este regime golpista, junto com todos os países latino americanos, e o apoio à Frente Nacional de Resistência Popular de Honduras e a sua luta por uma Assembléia Nacional Constituinte, que reconheceremos como legítima representante do povo hondurenho.

Cuba, apesar do cerco do bloqueio e da crise dos países do Leste e da antiga União Soviética, manteve-se independente. Suas conquistas sociais são um patrimônio do povo latino americano. Defendemos a suspensão imediata do bloqueio econômico à Cuba e o estabelecimento de relações econômicas, educacionais e científicas com a ilha. Ao mesmo tempo, defendemos o aprofundamento e consolidação dos mecanismos democráticos construídos pela revolução cubana. Somente uma alternativa regional de poder econômico autodeterminado dos povos latino americanos pode terminar com o

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isolamento de Cuba e a crise econômica em que vive. Também defendemos a libertação imediata dos cubanos prisioneiros do governo dos EUA, o fechamento da base militar de Guantánamo e a devolução daquele território ao povo cubano.

Pelo desarmamento nuclear

Cinco potências formam o clube nuclear, ao qual deve ser adicionado Israel, sendo que os Estados Unidos é o país que detêm o maior arsenal nuclear do planeta. A ameaça de guerra contra o mundo é muito maior do que os pequenos acordos de desarmamento assinados de 10 em 10 anos pelo EUA e Rússia. O tratado de não proliferação de armas nucleares é um atestado de desigualdade geopolítica, pois os países com arma nuclear permanecem como estão, mantendo seu potencial bélico e não promovendo passos significativos para diminuí-lo. Nesse contexto, é cinismo político promover sanções ao Irã por causa de sua intenção de produzir energia nuclear. Os mesmos países que hoje punem

o Irã são os detentores da tecnologia nuclear mais perigosa no mundo, e fazem isso para defenderem/imporem seus interesses econômicos no mundo inteiro. Rejeitamos as medidas contra Irã, sem que isto signifique apoiar o regime iraniano.

Propomos medidas concretas para um desarmamento nuclear, um acordo com avanços significativos no desarmamento de todos, inclusive de EUA e Israel. Além disso, hoje existem armas não nucleares desenvolvidas nos EUA, cuja potência é equivalente ou maior que o da bomba nuclear, de modo que a política de desarmamento não deve se limitar às armas nucleares, mas a todas as armas de destruição em massa monopolizadas pelas potências mundiais.

Israel é um Estado xenófobo, que se esconde por trás da triste

história do holocausto para legitimar todo tipo de violência contra o povo palestino. Além disso, funciona hoje como a base político militar das guerras que os EUA promovem contra Iraque e Afeganistão há quase uma década. Defendemos a ruptura de relações do Brasil com o Estado de Israel, até que o conflito em Gaza seja resolvido de forma justa ao povo palestino. Vamos estabelecer relações comerciais e diplomáticas com a Palestina, e colaborar de todas as formas com a reconstrução da Faixa de Gaza.

Estas guerras já causaram mortes de dezenas de milhares de soldados americanos e dezenas de milhares de afegãos e iraquianos. Só é possível a paz nestes países com a retirada imediata das tropas dos Estados Unidos do Iraque e de toda a OTAN, encabeçadas também pelos EUA no Afeganistão.

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2. AUDITAR A DÍVIDA PÚBLICA E PAGAR A DÍVIDA SOCIAL

A Constituição Federal de 1988 prevê a realização da auditoria da dívida externa, conforme artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Face ao descumprimento reiterado do referido dispositivo, aliado ao agravamento da situação social no país, a sociedade civil realizou, no ano 2000, o “Plebiscito Nacional sobre a Dívida Externa”, quando mais de seis milhões de pessoas votaram pelo não pagamento da dívida sem a realização da auditoria prevista na Constituição. Respaldados no resultado deste importante clamor popular, foi instituído o movimento social denominado “Auditoria Cidadã da Dívida”, que reúne entidades da sociedade civil e voluntários para desenvolver estudos técnicos, investigações e publicações, participar de fóruns nacionais e internacionais, tendo integrado a comissão de auditoria oficial do Equador e a recente CPI da Dívida Pública na Câmara dos Deputados.

Enquanto os demais candidatos omitem o problema da dívida (ou até distorcem os fatos afirmando que a “dívida não é mais problema”) e fazem promessas eleitoreiras, o PSOL tem a oportunidade de mostrar a verdade à sociedade que está pagando a conta, tanto por meio de pesada carga tributária como mediante o pagamento dos juros mais elevados do mundo. Neste sentido, a eleição presidencial se torna uma

grande oportunidade para conscientizar a sociedade e divulgar o problema do endividamento público, que consome a maior parcela do orçamento, impedindo que inúmeras das freqüentes promessas eleitorais venham a ser concretizadas. Sem enfrentar o endividamento o país continuará com suas imensas injustiças, postergando a urgente dívida social enquanto paga uma questionável dívida financeira.

Um dos efeitos do endividamento público tem sido a constante elevação da carga tributária, onerando principalmente os trabalhadores e consumidores, a fim de gerar superávits primários que nunca são suficientes para o pagamento do crescente serviço da dívida, que superou a cifra de R$ 1 bilhão por dia em 2009. Para manter essa ciranda, o Estado tem ficado de joelhos diante do “mercado” (bancos e grandes investidores), pois necessita vender novos títulos da dívida em montantes suficientes para pagar ou rolar os compromissos. Diante de qualquer sinal de mudança na atual política econômica, o “mercado” lança mão de seu poder de chantagem e passa a exigir taxas de juros ainda mais elevadas e prazos ainda mais curtos, caso contrário, não adquire os títulos leiloados pelo governo. Essa situação fere a soberania e desrespeita os direitos humanos e sociais, historicamente postergados no Brasil.

A Auditoria da Dívida é um instrumento fundamental para que o Estado possa enfrentar o problema do endividamento, na

medida em que possibilita a documentação das ilegalidades e ilegitimidades, permitindo a revisão de contas e aumentando significativamente a destinação de recursos para as áreas sociais e para investimentos geradores de emprego.

A Auditoria da Dívida também servirá para demonstrar como a política econômica atual está estruturada para privilegiar o pagamento da dívida financeira, em detrimento do atendimento das necessidades sociais. Baseada na produção de Superávit Primário (com aumento de tributos e cortes de gastos sociais), no Regime de Metas de Inflação (que equivocadamente elegeu as taxas de juros como único instrumento de controle da inflação) e no livre fluxo de capitais (que permite movimentos especulativos), a atual política econômica colocou o Brasil a serviço dos interesses financeiros, através de elevadas taxas de juros e o acelerado crescimento da dívida pública, aumentando o fosso social vivente em nosso país.

A recente CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados demonstrou a existência de graves indícios de ilegalidades e ilegitimidades que demandam o aprofundamento das investigações e a realização da auditoria da dívida prevista na Constituição Federal. A sociedade que tem recebido serviços públicos insuficientes e políticas sociais mitigadas (como o bolsa-família) tem o direito de saber que está pagando mais de R$ 1 bilhão por dia de uma dívida financeira nunca auditada!

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Breve diagnóstico

No Brasil, de 2000 a 2009 foram pagos R$ 1,914 trilhão em juros e amortizações das dívidas interna e externa (sem contar o “refinanciamento”, ou seja, o pagamento de amortizações por meio da emissão de novos títulos), o que representou mais de 30% de todos os gastos federais no período. Atualmente a Dívida Interna brasileira, que está em grande parte nas mãos de estrangeiros, já ultrapassa a marca de dois trilhões de reais (R$ 2.192.997.265.579,26) em maio/20101, e a Externa alcançou US$ 282 bilhões ao final de 2009, sendo que ambas consumiram, em 2009, R$ 380 bilhões de recursos para o pagamento de amortizações e principalmente de juros, o que corresponde a 35,57% do Orçamento da União (Executado).

O gráfico a seguir resume os dados do Orçamento Geral da União executado em 2009, e mostra que o gasto com o endividamento superou várias vezes os recursos destinados a áreas essenciais para garantir os direitos humanos e sociais do povo brasileiro, tais como saúde, educação, reforma agrária, meio ambiente, segurança, saneamento e muitas outras. O gráfico abaixo não computou a chamada “rolagem” da dívida, ou “refinanciamento”, que significa o pagamento de amortizações por meio da emissão de novos títulos. Se considerarmos a rolagem, os gastos com o endividamento saltam para cerca de 48% de tudo o que foi gasto durante o ano de 2009!

Orçamento Geral da União (Executado) em 2009 – Por função – Total de R$ 1,068 trilhão

Fonte: SIAFI. Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida. Não inclui o “refinanciamento”.

CPI da Dívida Pública

A CPI da Dívida Pública, de iniciativa do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), apontou sérios indícios de ilegalidades que demandam o aprofundamento das investigações e a realização da AUDITORIA prevista na Constituição, tais como:

Danos às finanças do país; Desrespeito aos direitos

humanos;

Atribuições legais não cumpridas pelos órgãos fiscalizadores;

Indícios de ilegalidades nas diversas negociações desde 1970;

Ausência de transparência;

Distorções na divulgação de dados da dívida, tanto em relação ao estoque como ao pagamento de juros.

Além das ilegalidades representadas pelo privilégio na destinação de recursos para uma dívida nunca auditada, ausência de transparência e

distorção de dados, antes mencionadas, outros indícios de graves ilegitimidades e ilegalidades do endividamento foram constatadas durante os trabalhos da CPI da Dívida Pública na Câmara dos Deputados. O deputado Ivan Valente (PSOL/SP) elaborou um Voto em Separado (Relatório Alternativo) o qual foi apresentado ao Ministério Público para o aprofundamento das investigações, em evento que contou com a presença das entidades integrantes da Auditoria Cidadã da Dívida, juntamente com demais deputados que também assinaram o referido Voto.

Este voto em separado mostrou que ao relegar a segundo Plano as urgentes necessidades da população, a conformação do

1 Conforme quadro divulgado na página do Banco Central http://www.bcb.gov.br/ftp/NotaEcon/NI201006pfp.zip, quadro 3523

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Orçamento da União representa uma grave inconstitucionalidade, configurando, ainda, ilícito internacional, em violação direta aos dispositivos enunciados nos artigos 3º, III, 6º, 196, 198, 205 e 212 da Constituição Brasileira, bem como nos artigos 2º, 11, 12 e 13 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais e nos artigos 1º, 10, 13 do Protocolo de San Salvador em matéria de direitos sociais, ambos ratificados pelo Estado Brasileiro.

Conforme mostra o gráfico a seguir, o valor consumido pelo endividamento tem aumentado significativamente a cada ano, e superou o montante gasto com a Previdência e Assistência Social (mesmo incluindo os servidores públicos aposentados e seus pensionistas), a maior área social brasileira, que atende a dezenas de milhões de aposentados, pensionistas e suas famílias. O gráfico evidencia o achatamento dos gastos com Saúde e Saneamento; Educação e Cultura, ao passo em que os gastos com juros da dívida crescem exponencialmente. Portanto, ao contrário do que afirmam os candidatos do PT/PMDB, PSDB/DEM e PV, o endividamento representa o principal problema nacional e, caso não seja enfrentado, não haverá recursos para o atendimento das urgentes necessidades sociais.

Orçamento Geral da União – Gastos Selecionados – R$ milhões

Fonte: SIAFI. Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida. Não inclui o

“refinanciamento”.

A equipe da Auditoria Cidadã que assessorou a CPI da Dívida Pública identificou importantes equívocos na divulgação dos dados oficiais, que denotam ausência de transparência em relação aos dados da dívida:

I – Divergência em relação ao montante da dívida pública:

O montante da dívida pública interna e externa representa cerca de 67% do PIB, conforme dados oficiais que foram confirmados por depoimento do representante do FMI que compareceu à CPI da Dívida, Murilo Portugal. Setores do governo e a candidata do PT estão utilizando o percentual correspondente à dívida líquida, obtendo uma cifra bem mais palatável à opinião pública, conforme publicado pela Folha online de 09.07.2010:

Dilma afirmou que o endividamento público está caindo. De acordo com a

petista, a dívida líquida era de 60% em relação ao PIB no

início do governo, foi a 42% neste momento. "Se comparar o Brasil hoje com outros países dá até orgulho, porque temos uma relação de endividamento muito baixo no setor público.” 2.

Na realidade, a dívida pública está em 67% e não em 42%, como afirmou a candidata do PT. Também não está caindo, mas sim crescendo aceleradamente, tanto em termos nominais como em proporção do PIB.

II – Divergência em relação ao montante da Dívida Externa

Alguns representantes do governo chegam a afirmar que “a dívida externa acabou”. Tal equívoco decorre da simples comparação entre o atual montante da dívida externa e o imenso volume de reservas internacionais acumuladas pelo Brasil, em torno de US$ 250 bilhões atualmente. Em primeiro lugar, tal simplificação leva a uma distorção de nossas

2 http://www1.folha.uol.com.br/poder/764539-dilma-defende-apoio-do-tesouro-para-desonerar-folha-salarial.shtml24

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50.000,00

100.000,00

150.000,00

200.000,00

250.000,00

300.000,00

350.000,00

400.000,00

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Educação e CulturaSaúde e SaneamentoPrevidência e Assistência SociaisPessoalJuros e amortizações da dívida

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reais obrigações e compromissos com o exterior, pois a dívida externa não é o único componente do passivo externo brasileiro3. Em segundo lugar, a dívida externa nos obriga ao pagamento de juros e demais comissões e taxas que representam um custo anual de cerca de 10%, em média, ao passo que as reservas internacionais encontram-se, em sua grande maioria, aplicadas em títulos da dívida norte-americana que não rendem quase nada.

O mais grave é que para acumular esse enorme “colchão” de reservas, desde 2006 o Brasil tem emitido grande quantidade de títulos da dívida interna para atender ao apetite dos investidores internacionais que buscam aqui as maiores taxas de juros reais do mundo, além de moeda que se valoriza frente ao dólar, isenção tributária e total liberdade de capitais. Só recentemente o ingresso de capitais passou a ser tributado em 2% a título de IOF, o que é desprezível se considerarmos que o ganho real dos estrangeiros que investiram em títulos da dívida interna em 2009 chegou a alcançar 50%!4

Verifica-se que apenas mudamos de credor, pois continuamos pagando não ao FMI, mas a esses novos credores, a juros altíssimos, muito mais onerosos do que o que pagávamos ao FMI. Portanto, a dívida externa não acabou, tendo a CPI apurado que o governo tem efetuado a compra de títulos da dívida externa antes de seu

vencimento e com pagamento de ágio que chegou a superar o patamar de 50% em algumas operações. Esse é mais um fato que demanda a realização urgente da auditoria prevista na Constituição Federal.

III – Divergência em relação ao montante efetivo dos juros pagos

A CPI apurou também que o governo tem incluído na rubrica relativa aos juros da dívida apenas a parte dos juros que supera a inflação do ano, o que mascara a realidade do gasto com juros. Esse fato demonstra a ausência de transparência na divulgação dos dados e é mais um fato importante a ser denunciado pelo PSOL em sua campanha, pois ainda incorpora um grave indício de ilegalidade representado pela burla ao art. 167, III, da Constituição Federal e o art. 12, § 2º da Lei de Responsabilidade Fiscal.

A título exemplificativo, se a taxa de juros praticada foi de 13% ao ano e a inflação é de 5% ao ano, então os juros “reais” divulgados seriam de apenas 8% ao ano. Mas a despesa efetiva de juros “nominais” foi de 13% e não de 8%. O precitado dispositivo constitucional, também conhecido como “Regra de Ouro”, impede a emissão de títulos da dívida para pagamento de despesas correntes, como juros, e determina o limite para emissão de nova dívida ao montante das despesas de capital, que são as amortizações. Ora, na medida em que o governo inclui apenas os juros “reais” (acima da

inflação) como juros e ainda considera a parcela dos juros correspondente à inflação como se fossem amortizações, infla indevidamente o limite para emissão de títulos, burlando a Constituição e ainda permitindo o crescimento exponencial da dívida interna.

Além de representar flagrante ilegalidade, a utilização dessa metodologia equivocada compara grandezas distintas, pois enquanto os chamados “juros reais” excluem a parcela da inflação, os gastos com pessoal e previdência embutem os efeitos inflacionários. O resultado é uma comparação distorcida de grandezas em bases distintas, o que dá a ilusão de que os gastos com juros não estariam tão elevados como de fato estão.

É importante ressaltar que os requerimentos de informações que solicitaram o montante efetivo dos juros nominais pagos, formulados durante a CPI da Dívida, não chegaram a ser atendidos pelo Ministério da Fazenda ou Banco Central. Os números divulgados pelos dois órgãos a título de juros “nominais” são calculados sobre a dívida líquida, um conceito utilizado somente no Brasil e que mais uma vez fere o princípio da transparência exigido da administração pública, pois os juros têm sido calculados e pagos sobre a dívida bruta e não sobre a líquida, como divulgado.

Portanto, além da flagrante ilegalidade, esta metodologia equivocada ilude a sociedade que acaba acreditando que “a

3 Cysne, Rubens Penha - Passivo Externo Líquido Versus Dívida Externa Líquida, maio 2008, professor de EPGE/FGV: “Recentemente, anunciou-se que o Brasil passou de devedor a credor internacional. Isto significa que sua Dívida Externa Líquida (DEL), da forma como calculada pelo Banco Central, passou de positiva a negativa. Por outro lado, o Passivo Externo Líquido (PEL) brasileiro medido a partir dos dados da Posição Internacional de Investimentos (PII), também calculado e reportado pelo Banco Central, tem subido continuamente, tendo passado de U$ 230 bilhões em 2002 a U$ 543 bilhões ao final de 2007. 4 Esse fabuloso ganho foi decorrente da desvalorização cambial de 36% e da taxa de juros praticada de 10% em média (1,36 x 1,1 = 1,5).

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dívida não é mais um problema”, pois a informação transmitida se restringe à parcela dos juros reais, que são bem menores que os gastos efetivos com o endividamento indicados no gráfico acima. Por outro lado, quando divulga os gastos sociais (com o pagamento de pessoal e previdência, por exemplo), o governo considera todos os reajustes concedidos, inclusive aqueles que serviram somente para cobrir a inflação. Em suma: são dois pesos e duas medidas, escondendo-se o verdadeiro rombo nas contas públicas, que é o endividamento público. Ao mesmo tempo, o governo mantém as iniciativas de congelamento de salários de servidores de todos os poderes e a inibição do reajuste dos aposentados.

A dívida provoca a injustiça tributária

A dívida não prejudica o povo somente pelo lado do gasto público. Os excessivos gastos com o pagamento de juros da dívida exigem que o país arrecade cada vez mais, a fim de gerar “superávit primário”, sacrificando-se principalmente os consumidores e trabalhadores. Conforme se vê no gráfico abaixo, em 2009 os tributos incidentes sobre o consumo, cujo ônus é transferido para os consumidores - ou seja, incidem sobre o faturamento ou valor agregado dos produtos e serviços, que são automaticamente repassados aos preços - representaram 50% da arrecadação. Enquanto isso, os tributos incidentes sobre a renda do capital representaram somente 15,8% da carga tributária, e os tributos sobre o

Patrimônio somente 3,7%. A arrecadação do INSS também representa um ônus do trabalhador, pois é deduzida de seu salário, sendo que a parcela paga pelo empregador é repassada para os preços, compondo o custo dos produtos e serviços.

Carga tributária por tipo de tributo. União, Estados e Municípios - 2009 (Total: 34% do PIB)

Fonte: Secretaria da Receita Federal e CONFAZ. Elaboração: Auditoria

Cidadã da Dívida

Ao invés de promover distribuição de renda, o atual modelo tributário promove o acirramento da concentração de renda no Brasil, razão pela qual temos o 8º pior Índice de Gini5 mundial, perdendo apenas para seis países africanos e a Guatemala (que não podem ser comparados ao Brasil, 8ª economia mundial).

A injusta estrutura tributária brasileira é viabilizada por meio de diversos mecanismos legais que precisam ser modificados, tais como os listados a seguir:

Carga tributária concentrada em tributos incidentes sobre o consumo e a renda do trabalho, enquanto as grandes rendas e riquezas são aliviadas;

Imposto de Renda – Pessoa Física (IRPF): Ausência de Progressividade e impossibilidade de deduções relativas a pagamentos de outros tributos, medicamentos, moradia, etc;

Imposto de Renda – Pessoa Jurídica (IRPJ): Dedução de “Juros sobre o Capital Próprio”, que permite que as empresas retirem da base de cálculo do IRPJ os juros que teriam pago se tivessem tomado seu capital emprestado, ou seja, uma dedução meramente fictícia que beneficia somente às grandes empresas que possuem elevado capital próprio;

Ausência de regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas previsto na Constituição;

Isenção de Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros;

Isenção de Imposto de Renda sobre os ganhos dos estrangeiros com títulos da dívida interna;

Isenção de ICMS, IR e outros tributos para os exportadores.

A proposta de Reforma Tributária do PSOL busca o equilíbrio entre as diversas fontes (capital, consumo e renda do trabalho), corrigindo a principal injustiça hoje existente. Nosso partido defende a progressividade do IRPF, bem como a dedução de despesas necessárias à sobrevivência das pessoas físicas. Por outro lado, em relação ao IRPJ, é preciso suprimir a benesse representada pela dedução dos juros sobre o capital próprio, bem como a isenção de imposto sobre os

5 Índice que mede o grau de distribuição de renda dentre a população de um país26

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lucros distribuídos aos sócios. Adicionalmente, é necessário regulamentar o imposto sobre grandes fortunas e acabar com a isenção para estrangeiros que compram títulos da dívida interna brasileira. A isenção para exportações também precisa ser revista, pois privilegia os consumidores estrangeiros em detrimento do trabalhador brasileiro. Essas injustiças tributárias são também decorrência do endividamento, dado que privilegiam a renda e a fortuna, acumulada pelos capitalistas. As exportações também são isentas, sob a justificativa de que o país tem de gerar divisas para fechar as contas externas.

A Reforma Tributária proposta pelo atual governo (PEC 233/2008) e que se encontra em andamento no Congresso Nacional não enfrenta nenhum dos problemas acima mencionados e ainda põe em risco o sistema de Seguridade Social6, na medida em que propõe que as contribuições sociais sejam transformadas em impostos, acabando assim com a garantia constitucional de destinação específica das receitas arrecadadas para essas finalidades.

A Reforma Tributária proposta pela PEC 233/2008 unifica as contribuições PIS (Programa de Integração Social, hoje destinado ao Seguro-Desemprego), COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), Salário-Educação e CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, destinada à infra-estrutura de transportes) em um único imposto: o IVA-F (Imposto sobre Valor Agregado

Federal). A Reforma também incorpora a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) ao IRPJ (Imposto de Renda – Pessoa Jurídica). Para tentar recompor os recursos da Seguridade e da Educação, a Reforma Tributária prevê que estas áreas serão ressarcidas por determinados percentuais do bolo arrecadado pelos impostos IVA-F, Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados.

Assim, as constantes reivindicações dos empresários por uma redução na carga tributária deixarão a Seguridade mais vulnerável, pois caso se reduza qualquer imposto federal, ela será afetada. Além do mais, se colocará os recursos da Seguridade Social num mesmo bolo de receitas das transferências aos Estados e Municípios. Ou seja: qualquer reivindicação de aumento nas transferências constitucionais para os entes federados, se aprovada, necessariamente retirará recursos da Seguridade.

Além do mais, não se pode garantir que o novo IVA-F gerará os recursos suficientes ao financiamento da Seguridade, e, dado que a prioridade principal do orçamento é o pagamento da dívida, está claro que a Seguridade seria o fator de ajuste, especialmente em um período de grave crise econômica mundial que influencia a economia nacional e a arrecadação tributária. Portanto, a PEC 233 não atende aos interesses do povo brasileiro e aprofundará as injustiças sociais, e por isso conta com a oposição do PSOL, que defende uma reforma que caminhe em direção à justiça tributária.

A Dívida Social

A injusta estrutura tributária, aliada à priorização dos gastos com a dívida financeira, promove a perpetuação de grandes injustiças sociais, incompatíveis com a grandeza do Brasil, considerado como 8ª potência mundial ao mesmo tempo em que tem o 78º IDH do mundo (Índice de Desenvolvimento Humano, medido pela ONU):

Analfabetismo - 14,2 milhões de analfabetos – 10% da população brasileira com mais de 15 anos (Fonte: PNAD 2008)

Taxa de Desemprego – 14,2% nas Regiões Metropolitanas (Fonte: DIEESE, 2009). Aplicando-se tal taxa à População Economicamente Ativa do país, temos no Brasil 14,1 milhões de desempregados

Saúde Pública – Filas, falta de médicos e outros profissionais de saúde, salários baixos, falta de condições de trabalho

Educação – Má qualidade do ensino básico; salários irrisórios para professores, apesar da sobrecarga de trabalho; falta de vagas nas Universidades

Déficit Habitacional – 8 milhões de moradias, além de 11,2 milhões de domicílios inadequados (Fonte: Fundação João Pinheiro, 2007)

Pobreza: 46,2 milhões de pobres (2007) – Fonte IETS – Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade - http://www.iets.org.br/article.php3?id_article=915

Fome: 10,7 milhões de famintos (2007) - Fonte

6 Nota sobre a Reforma Tributária atual disponível na página http://www.divida-auditoriacidada.org.br/config/artigo.2009-03-06.8346432368/document_view

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IETS – Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade.

Enquanto gastamos mais de R$ 1 bilhão por dia com a dívida financeira, a dívida social tem se aprofundado, o que torna o Brasil um dos países mais desiguais do mundo.

A Dívida Pública condiciona a política econômica

A fim de cumprir os compromissos de juros e amortizações da dívida pública, todo mês o governo precisa “rolar” dezenas de bilhões de reais em títulos da dívida interna, ou seja, precisa vender novos títulos da dívida em montantes suficientes para pagar ou rolar tais compromissos. Caso o governo não consiga colocar esses novos títulos, será obrigado a declarar uma moratória. O “mercado” (ou seja, bancos e grandes investidores) sabe dessa necessidade e submete o Estado a uma verdadeira chantagem, exigindo a manutenção da atual política econômica que privilegia os interesses financeiros.

Assim, para concretizar os leilões dos títulos da dívida interna e livrar-se de uma moratória, o governo necessita da boa vontade do “mercado”. Como resultado, a dívida pública tem representado um “cabresto” na mão dos rentistas, para chantagear o governo a qualquer sinal de mudança na política econômica. Se o governo quiser, por exemplo, extinguir o Superávit Primário ou o Regime de Metas de Inflação, reduzir as taxas de juros ou a carga tributária sobre os mais pobres, ou mesmo controlar o fluxo de capitais, imediatamente o “mercado” responde, deixando de comprar os títulos oferecidos pelo

governo, exigindo que as taxas de juros se elevem ainda mais.

Dessa forma, a política econômica atual está estruturada para privilegiar o pagamento da dívida financeira, em detrimento do atendimento das necessidades sociais. Baseada na produção de Superávit Primário (com aumento de tributos e cortes de gastos sociais), no Regime de Metas de Inflação (que equivocadamente elegeu as taxas de juros como único instrumento de controle da inflação) e no livre fluxo de capitais (que permite movimentos especulativos), a atual política econômica colocou o Brasil a serviço dos interesses do “mercado”, pois tem alimentado a manutenção de elevadas taxas de juros e o acelerado crescimento da dívida pública, aumentando o fosso social vivente em nosso país.

Para romper com esta política é necessário uma ampla e profunda AUDITORIA sobre esta questionável dívida, de modo a identificar as diversas ilegalidades e ilegitimidades deste processo. No recente caso equatoriano, a auditoria oficial

da dívida permitiu a alteração na correlação de forças entre governo e rentistas, resultando na anulação de 70% da dívida

externa com os bancos privados internacionais. A atitude equatoriana foi uma lição de soberania ao mundo todo e demonstrou que quando há vontade política, podem ser tomadas atitudes de enfrentamento do mercado financeiro, especialmente no momento atual, em que as instituições financeiras internacionais se encontram com sua credibilidade bastante comprometida, diante das fraudes que provocaram a atual crise financeira.

A evolução da dívida externa

A dívida externa atual começou a se formar a partir de empréstimos tomados por governos ilegítimos nos anos 70, e se multiplicou após a alta unilateral das taxas de juros internacionais pelos bancos privados internacionais de Londres e Nova Iorque, em flagrante Violação ao Art. 62 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.

DÍVIDA EXTERNA TOTAL (Pública e Privada) US$ MILHÕES – 1971 a 2008(Excluindo os empréstimos intercompanhia*)

Fonte: BC - Nota Técnica DEPEC – 2009/248. Elaboração: Assessoria

Técnica da CPI da Dívida. (*) Empréstimos Intercompanhia:

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empréstimos tomados pelas filiais de multinacionais junto a suas matrizes

no exterior.

O gráfico inclui também a dívida externa privada, que deve ser considerada, pois historicamente inúmeras vezes o Estado assumiu tais compromissos. Mais recentemente, durante as crises financeiras, o governo foi obrigado a disponibilizar aos devedores externos privados dólares das reservas cambiais, obtidos às custas de acordos com o FMI (que impuseram, por exemplo, a Reforma da Previdência) e emissão de títulos da dívida interna (que pagam os maiores juros do mundo).

Se considerarmos também os empréstimos intercompanhias (que não constam no gráfico anterior), a dívida externa alcançou o patamar de US$ 282 bilhões em 2009, apesar da propaganda de que “a dívida externa acabou”, explorando-se o fato de que somos credores, inclusive perante o FMI, enquanto grande parte da população brasileira tem seus direitos básicos negados.

A CPI da Dívida apurou diversos e graves indícios de ilegalidades na evolução da dívida externa brasileira, cabendo ressaltar, resumidamente, os seguintes:

Endividamento obscuro na década de 70 quando a maior parte do endividamento foi contratada e autorizada pelo Banco Central;

Renegociações de 1983 e 1984 com forte indício de ilegalidade, flagrante desequilíbrio entre as partes, assunção de dívidas privadas, comprovação de pagamento direto no exterior, falta de

transparência e ausência de conciliação e identificação das dívidas objeto da renegociação, cláusulas abusivas, inobservância do valor de mercado da dívida, pagamento de comissões exorbitantes e demais gastos com bancos privados, ausência de tradução de contratos, obrigatoriedade de vinculação a acordo com FMI, que por sua vez realizava ingerência na economia nacional, ausência de auditoria do TCU nessa renegociação;

Renegociação de 1988 com forte indício de inconstitucionalidade, pois a assinatura dos contratos se completou após a promulgação da Constituição Federal; contratos não submetidos ao Senado; denúncias de irregularidades no relatório da Comissão Especial do Senado de 1989; confirmação de assunção de dívidas privadas que não foram quantificadas e nem detalhadas; inobservância do valor de mercado da dívida renegociada; falta de conciliação de cifras e falta de identificação das dívidas objetos de renegociação; cláusulas abusivas;

Fortes indícios de renegociação de dívidas que já se encontravam prescritas em 1992, não tendo havido transparência em relação aos contratos pactuados em Toronto – Canadá sobre as renúncias ali acordadas;

Indícios de ilegalidade na troca de dívidas anteriores pelos bônus Brady em 1994, operação que significou expressiva perda ao país, pois não foi considerado o baixo valor de mercado da dívida (20 a 30%), sendo que os novos bônus Brady foram aceitos como moeda nas privatizações.

Adicionalmente, a comissão negociadora brasileira acertou que o Brasil não poderia comprar a própria dívida em mercado, ao mesmo tempo em que providenciava a compra de garantias colaterais exigidas na operação, representadas por títulos do Tesouro norte-americano. Também nessa operação não houve a devida transparência acerca das dívidas objeto de troca além da inclusão de cláusulas abusivas;

Indícios de irregularidades e falta de controle interno do Banco Central evidenciado pelo “erro” de US$ 32,7 bilhões no estoque de dívida externa anunciado em 2001;

Inclusão de Cláusula de Ação Coletiva (CAC) nos títulos da dívida externa emitidos a partir de 2003 sem a devida aprovação pelo Senado Federal da profunda alteração nos termos e condições do financiamento da dívida pública federal;

Obscuras transformações de dívida externa em interna e vice-versa, além da admissão da ilegal assunção de dívidas de privadas pelo setor público brasileiro;

Indícios de danos ao patrimônio público nos inúmeros resgates e pagamentos antecipados de dívida externa nos últimos anos com expressivo pagamento de ágio.

Todos esses indícios comprovam a necessidade de aprofundamento das investigações e a realização da AUDITORIA prevista na Constituição Federal.

A explosão da Divida “Interna”

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O Relatório Final da CPI da Dívida elaborado pelo Deputado Pedro Novais (PMDB/MA) e aprovado inclusive pela base do governo, reconheceu que a dívida interna atual surgiu a partir do Plano Real, com a liberalização do fluxo de capitais e a prática de

altas taxas de juros interna, de modo a atrair o capital financeiro internacional para equilibrar as contas externas.O Relatório também admitiu que as taxas de juros brasileiras não são civilizadas, e que nos últimos anos a dívida também tem crescido para financiar as crescentes compras de dólares pelo Banco Central. Em 2006, o governo Lula isentou do imposto de renda os ganhos dos estrangeiros com a dívida interna, o que representou mais um incentivo à entrada de capital estrangeiro especulativo, provocando aumento exponencial da dívida interna, que já supera a cifra de dois trilhões de reais (R$ 2.192.997.265.579,26) em maio/20107, conforme demonstrado no gráfico a seguir.

As investigações da CPI demonstraram que a maior

parte da dívida interna é meramente financeira, fruto da aplicação dos elevados juros sobre juros, sem contrapartida real em bens e serviços à sociedade. Importante ressaltar que o STF já considerou ilegal a incidência de juros sobre juros, ou “anatocismo”, o que

significa que a maior parte da dívida interna é ilegítima.

O Relatório Final da CPI também reconheceu que o acúmulo de reservas tem provocado o crescimento da dívida interna, representando um alto custo às contas públicas, pelo fato de o Banco

Central, por um lado, aplicar as reservas principalmente em

títulos do Tesouro dos Estados Unidos da América do Norte (que não rendem quase nada) e por outro se endividar internamente (pagando os maiores juros do mundo) para comprar tais reservas.

Esse procedimento tem sido altamente lesivo aos interesses

nacionais, tendo resultado, em 2009, em um prejuízo de nada menos que R$ 147 bilhões ao Banco Central, prejuízo esse que é sempre coberto pelo Tesouro – ou seja, pelo povo – conforme manda a denominada “Lei de Responsabilidade Fiscal”.

O gráfico a seguir mostra a íntima relação entre a compra de reservas e o crescimento das “Operações de Mercado Aberto”, ou seja, a colocação de títulos da dívida interna pelo Banco Central junto ao mercado.

Acúmulo de Reservas = Explosão da Dívida Interna

Fonte: Banco Central. Nota: As reservas foram convertidas para Real

à taxa de câmbio de R$ 1,80.

É importante ressaltar que a realização das chamadas “Operações de Mercado Aberto” pelo Banco Central foram intensificadas a partir da edição da Medida Provisória 435/2008, cujo Art. 2º permitiu

7 Conforme quadro divulgado na página do Banco Central http://www.bcb.gov.br/ftp/NotaEcon/NI201006pfp.zip, quadro 3530

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a emissão, sem limite, de títulos da dívida interna por parte do Tesouro Nacional para entregá-los, sem qualquer contrapartida, ao Banco Central, para que este possa entregar ao mercado. Isto representa clara burla ao Artigo 34 da “Lei de Responsabilidade Fiscal”, que impediu o Banco Central de emitir títulos.

Essa atuação do governo brasileiro tem propiciado lucros crescentes aos bancos privados que atuam no país, como demonstra o gráfico seguinte:

Fonte: Banco Central. Elaboração própria. Observação: A queda dos lucros em 2008 foi apenas aparente, pois os bancos aumentaram as provisões para fazer face à crise financeira, provocando redução aparente dos lucros.

Além de concluir que a Dívida Pública brasileira tem sido fruto da aplicação de juros sobre juros, sem contrapartida real em bens e serviços ao país, a CPI da Dívida demonstrou a razão pela qual o Brasil possui as mais elevadas taxas de juros do mundo: na prática, as taxas de juros brasileiras são determinadas pelos próprios interessados na alta rentabilidade propiciada pelos títulos da dívida: os rentistas.

A partir de 1999, o Brasil adotou, por imposição do FMI, o “Regime de Metas de Inflação”, que funciona, resumidamente, da seguinte forma: o Banco Central realiza reuniões com “analistas independentes” para captar as expectativas do “mercado” em relação às diversas variáveis econômicas, especialmente a taxa de inflação. Caso essa expectativa supere a meta estabelecida para o ano (atualmente em 4,5%), o Banco Central eleva a taxa de juros.

Na realidade, a inflação tem sido provocada pelos reajustes dos preços administrados pelo governo – principalmente energia e telefonia – face às cláusulas contratuais estabelecidas desde a privatização desses setores. A elevação dos juros não interfere no comportamento desses preços administrados, que são os principais responsáveis pela elevação de preços. Assim, o regime de metas de inflação tem servido de fachada para a elevação das taxas de juros unicamente para garantir ganhos cada vez mais elevados aos rentistas.

O gráfico abaixo, elaborado pela Assessoria Técnica da CPI, comprova que a imensa maioria dos participantes das reuniões feitas pelo Banco Central com “analistas independentes” são, na realidade, rentistas, ou seja, bancos e gestores de ativos. Isto representa grave indício de ilegalidade, pois caracteriza CONFLITO DE INTERESSES, onde os que contribuem para a definição da taxa de inflação (que determina a taxa de juros) são diretamente interessados em altas taxas de juros.

Convidados à 36ª Reunião do Banco Central com analistas

independentes

Fonte: Ofício 969.1/2009-BCB/Diret, de 25/11/2009 (nomes dos convidados)

e pesquisas na internet (cargos).

Liberar recursos para o atendimento das necessidades sociais

A Auditoria da Dívida é um instrumento fundamental para que o Estado possa enfrentar o problema do endividamento, na medida em que possibilita a documentação das ilegalidades e ilegitimidades, permitindo a revisão de contas e aumentando significativamente a destinação de recursos para as áreas sociais e para investimentos geradores de emprego. A partir dessa revisão de contas será possível começar a pagar a dívida social e colocar em prática, efetivamente, diversas propostas, tais como:

Atendimento prioritário às urgentes necessidades do povo brasileiro em serviços de SAÚDE, EDUCAÇÃO, MORADIA, SEGURANÇA, ASSISTÊNCIA, EMPREGO, REFORMA AGRÁRIA

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Reforma Tributária justa – alívio a consumidores e trabalhadores e fim dos privilégios dos rentistas e ricos no Brasil

Redução nas taxas de juros

Aumento dos investimentos produtivos, gerando oferta de produtos, serviços e oportunidades de emprego

Reforma agrária – produção de alimentos

Controle sobre o fluxo de capitais e fim do superávit primário e do regime de metas de inflação

A realização da AUDITORIA DA DÍVIDA propiciará também ARTICULAÇÃO INTERNACIONAL, tendo em vista as impressionantes semelhanças entre os mecanismos aplicados ao processo de endividamento dos países do Sul. Assim, o programa do PSOL propõe:

Estimular a realização da auditoria da dívida de todos os países do Sul;Reforçar a implantação do Banco do Sul e a criação de Tribunais Internacionais Justos e Transparentes;

Rever a utilização do dólar das transações internacionais. O Brasil tem força para liderar os países do Sul contra a atual ordem monetária internacional injusta.

3. QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL

“A Violência é outra face da questão agrária brasileira. (...) Fruto da concentração fundiária e da inação do Poder Público. Essa violência se materializa nas reações dos grandes proprietários, milícias armadas e policias, provocando os assassinatos dos trabalhadores” 8.

A citação acima associa violência, latifúndio e ação do Estado. Por si própria, a publicação da qual foi destacada é exemplo significativo da truculência e predomínio dos interesses latifundiários (ruralistas) no Brasil. Trata-se do relatório do então deputado federal João Alfredo (PSOL-CE), relator da CPMI9 da Terra, rejeitado na referida comissão por 13 votos contra 8 e substituído na última hora por outro que mais não faz do que omitir conflitos e injustiças e tentar criminalizar as organizações dos trabalhadores – o MST principalmente. Ao latifúndio

travestido em agronegócio é inaceitável que os pobres se organizem.

O programa agrário do PSOL visa dar solução para este problema secular que é a realização da reforma agrária no país, entendida aqui enquanto uma política fundamental para o combate da desigualdade social no campo e também nas grandes cidades. Além de contarmos com a larga experiência de nosso candidato a presidência da república neste tema – Plínio de Arruda Sampaio, um dos maiores conhecedores deste assunto dentro e fora do Brasil – o programa agrário do PSOL também está inspirado na própria luta dos movimentos sociais pela reforma agrária e nos estudos e obras de especialistas renomados. Desse modo, após uma breve caracterização da Questão Agrária no Brasil, nosso programa apresentará propostas concretas para a superação desta maldita herança colonial que é a extrema concentração de terras, principal causa da

pobreza e da violência no campo em nosso país.

A reforma agrária sempre adiada

A Questão Agrária no Brasil deve ser discutida na perspectiva das populações exploradas e empobrecidas do meio rural. No mundo gerado pelo capitalismo financeiro, marcadamente aqui na periferia subordinada do sistema global, não há lugar para a grande maioria dessas pessoas – são as sobras do processo, meros efeitos colaterais do progresso capitalista. Para elas a questão agrária é real e significa sobrevivência e para o nós, do PSOL, uma vergonha nacional, um traço marcante de nosso subdesenvolvimento que precisa urgentemente ser superado.

Apropriando-se da reestruturação produtiva do capitalismo propiciada pelo avanço tecnológico, o neoliberalismo causou um impacto no mundo que teve o efeito de um tsunami. No

8 Reforma Agrária Quando? CPI mostra as causas da luta pela terra no Brasil / Deputado João Alfredo Telles de Melo (Org.). Brasília, Senado Federal, 2006: pg.57.9 CPMI - Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Congresso Nacional.

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Brasil, podemos constatar tanto o meio rural quanto o urbano revolucionados. O que restava de território ainda não subsumido à atividade propriamente capitalista até 30 anos atrás está em franco processo de incorporação. Basta acompanhar o que acontece nos Estados do Centro-Oeste, em Rondônia ou no Pará. Perdemos a oportunidade de fazer a Reforma Agrária (embora ela deva ser afirmada sempre e sempre devido a objetivos sociais e ambientais) e a grande propriedade ganha uma nova força, reafirmando-se no papel que a globalização nos delegou no mercado internacional: produtores de grãos, carne, madeira, minérios, celulose e álcool.

Nas cidades, embora o caráter da mudança não tenha sido tão acentuado, sua profundidade foi devastadora. A diminuição do crescimento econômico a partir de 1980, o desemprego massivo e o recuo das políticas sociais conformaram um cenário de tragédia em que não faltaram a volta das epidemias, a emergência de uma violência até então desconhecida nas áreas urbanas, a explosão do crescimento de favelas, a multiplicação de “menores infratores” e crianças abandonadas, entre outras mazelas. O Estado não se tornou mínimo como prometia a receita neoliberal, ele simplesmente mudou. Como destaca R. Kurz, a ampliação do mercado corresponde à ampliação do Estado. Os cortes

nas políticas de transporte, habitação e saneamento, por exemplo, que impactaram profundamente as cidades, foram acompanhados por transferência massiva de recursos públicos para a esfera financeira privada por meio do pagamento dos juros da dívida.

No final dos anos 50 e início dos 60 ocorreu o chamado "debate clássico" sobre a questão agrária brasileira com a participação de vários e importantes intelectuais vinculados às diversas forças políticas em confronto10. Era a época das “Reformas de Base”, entre as quais a agrária, sendo Plínio de Arruda Sampaio o formulador do projeto de reforma agrária do governo João Goulart. Discutia-se a sociedade brasileira, suas origens e características, bem como o seu futuro e soluções para a crise. As posições em conflito eram muitas. Variavam desde a interpretação marxista ortodoxa, passando pela crítica a essa mesma posição - no interior da própria esquerda - pela posição estruturalista e pela tese da dualidade básica, até a posição conservadora e liberal baseada na teoria econômica neoclássica, para a qual a reforma da estrutura agrária brasileira não tinha sentido para o futuro do país. Não era condição para o desenvolvimento capitalista da agricultura.

Houve o golpe militar em 1964 e prevaleceu a última posição. O País passou por um longo

tempo de ditadura. O debate foi sufocado. As organizações camponesas e sindicatos foram fortemente reprimidos. A política agrícola então implantada resultou na chamada “Modernização Conservadora” da agricultura. Mudança da base técnica com integração aos mercados internacionais, mas sem mudanças nas características da estrutura agrária.

Na segunda metade da década de 70 o debate reapareceu com a preocupação de explicar a natureza das transformações ocorridas, pois, ao contrário de algumas hipóteses, o capital havia dominado as atividades econômicas no meio rural. A modernização foi induzida pelo Estado e resultou no agravamento das desigualdades na distribuição das terras, da renda e do poder. A exclusão da população atingiu altos níveis - fluxos populacionais rural-urbano e rural-rural. Assistiu-se à generalização da violência e do conflito agrário. Os impactos ambientais foram notáveis.

Nos tempos de então, muitos “decretaram” a caducidade da questão agrária e a inadequação da reforma agrária. Não satisfeitos, vaticinaram o iminente desaparecimento de trabalhadores rurais e camponeses. Todos se transformariam em proletários ou pequenos empresários. Essa visão permaneceu desde então até os dias atuais, com algumas variantes. De fato, procedeu-se

10 A respeito do debate teórico sobre a questão agrária brasileira veja-se:* LINHARES, M. Yeda - "História da Agricultura Brasileira: Combates e Controvérsias". São Paulo; Edit. Brasiliense; 1981. ["O debate sobre as estruturas sócio-econômicas do Brasil nas décadas de 1950 a 1970" - pp. 37/72].* GOODMAN, D.E.; SORJ, B.; e WILKINSON, J. - "Agroindústria, Políticas Públicas e Estruturas Sociais Rurais. Análises Recentes Sobre a Agricultura Brasileira". Revista de Economia Política, Vol. 5, nº 4, Out/Dez, 1985;* CASTRO, A.B. - "A Agricultura e Desenvolvimento Econômico no Brasil". Em: "Sete Ensaios Sobre a Economia Brasileira", Vol I, Edit. Forense, 1ª Ed., Rio de Janeiro/S. Paulo, 1969. (texto para referência).*DELGADO, Guilherme C. – “A Questão Agrária no Brasil”. Em Questão Social e Políticas Sociais no Brasil Contemporâneo / Luciana Jaccoud (Organizadora) – Brasília: IPEA, 2005: pp. 51-90.*KAGEYAMA, A. - "A Questão Agrária Brasileira: Interpretações Clássicas". Reforma Agrária, vol. 23, nº 3, Set/Dez 1993. (texto para referência).

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a “assepsia geral da questão agrária”, segundo a cartilha do Banco Mundial. Foi assim abolida a luta de classes da realidade agrária brasileira. Em seu lugar, na academia e na mídia, predominou a visão “agronegocista-neoliberal” – com honrosas, importantes e respeitáveis exceções.

O país experimentou vários governos, aparentemente oriundos de opções políticas diferentes. Entretanto, nada mudou. É fácil notar a consistência que une as políticas econômicas implantadas – especialmente para a seqüência de governos Collor, FHC, e Lula. Esses três governantes integraram e entregaram o país ao neoliberalismo, ou seja, aos interesses envoltos no processo de mundialização do capital financeiro. Foram dóceis aos desígnios do capital. O que ocorreu no mundo rural não foi diferente. Durante os três governos citados a agricultura foi gradativamente integrada à lógica das grandes companhias multinacionais que dominam as principais cadeias do agronegócio global. O processo de integração ao comercio mundial iniciado na ditadura foi exacerbado

Durante os anos 90 (e até hoje) foram totalmente abertas as portas da agropecuária nacional ao capital internacional: consolidou-se o processo de concentração, centralização e desnacionalização do capital11 Hoje, o governo brasileiro aceita, sem pudores, integrar o país de forma subordinada à nova divisão internacional do trabalho capitalista. Isto significa especialização em produtos primários de baixo

valor agregado cujos processos produtivos, freqüentemente, utilizam tecnologia suja. Significa igualmente sujeitar o meio rural brasileiro aos interesses de poucas e enormes companhias transnacionais. À guisa de exemplo, veja-se a compra de terras por estrangeiros e a chegada do capital especulativo nas atividades agropecuárias.

A política agrária, sempre subalterna à política econômica, apenas cumpriu o seu papel. De um lado submissa, tímida e ineficaz para com os sem terra e assentados de reforma agrária. De outro, inócua ao latifúndio e funcional aos interesses do agronegócio. Sempre com muita retórica – para não dizer “conversa fiada”.

A Questão Agrária recolocada: o papel dos movimentos sociais

As implicações negativas do processo de modernização capitalista no campo, por si só, justificariam a volta da questão agrária ao debate nacional. Todavia, quem de fato o fez foram os “sem terra”, trabalhadores e camponeses. Aqueles antecipadamente descartados por muitos. Simplesmente não aceitaram o destino que lhes havia reservado a sociedade brasileira. Confrontaram a estrutura agrária. Denunciaram as injustiças e o latifúndio, recolocaram a questão agrária no debate e reivindicaram a reforma. Construíram organizações e lutaram por seus direitos. Em 1984 foi fundado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST. Com o tempo foram surgindo diversas outras organizações de trabalhadores, hoje

participantes da luta pelos direitos das populações vítimas do processo de transformação da agricultura brasileira. A luta é dura e desigual. Os trabalhadores enfrentam os chamados ruralistas, sempre muito influentes no poder. São os herdeiros da velha direita latifundiária e truculenta, agora travestida de moderna e integrada às grandes cadeias do agronegócio internacional.

A atuação dos movimentos sociais é o principal fator explicativo do avanço do número de famílias assentadas. Os diversos governos, predominantemente, agiram de forma reativa às ações de luta das organizações dos trabalhadores. Foram conquistas e não benesses do Estado. Apesar da luta dos trabalhadores e das alterações havidas na agropecuária brasileira, permanecem até hoje as características históricas da sociedade rural brasileira: concentração fundiária, política agrária em favor dos grandes interesses econômicos e violência no campo, hoje somada ao avanço do capital internacional no chamado agronegócio.

Concentração Fundiária

O Censo Agropecuário de 2006, recentemente divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE12 comprova a manutenção da inaceitável desigualdade na distribuição da terra no Brasil. Os dados liberados pelo IBGE mostram novamente que o alto grau de concentração fundiária no País persiste como estigma da sociedade brasileira. Esta característica da nossa história

11 A respeito ver: Maria Domingues Benetti “Globalização e Desnacionalização do Agronegócio Brasileiro”. Documento FEE n. 61. Porto Alegre, 2004.

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responde, em boa parte, por outras desigualdades gritantes da estrutura social brasileira — renda, terra, educação, segurança e outras tantas misérias. O censo confirma a estabilidade do nível da concentração fundiária em relação aos dois últimos censos (1985 e 1996). O indicador que comprova este fato é o Índice de Gini, cujos valores podem variar entre zero (igualdade absoluta) e um (desigualdade absoluta). Pois bem, considerando-se os três últimos censos, o referido índice apresenta os seguintes valores: 0,857 (censo de 1985), 0,856 (1995) e 0,854 (2006). Três valores expressivamente altos. Comparando-se os extremos da distribuição das terras, enquanto os estabelecimentos rurais com mais de 1.000 hectares dominam 43% do total da área, os pequenos com menos de 10 hectares perfazem apenas 2,7% desse total.

Com relação a 1996 houve redução do número dos estabelecimentos com menos que 10 hectares e redução da área ocupada por eles — de 9,9 milhões ha em 1996 para 7,7 milhões de ha em 2006. Considerando-se as unidades com mais de 2.500 ha constata-se que 31.899 estabelecimentos perfazem 98 milhões de hectares.

O período censitário aqui referido limita-se a 2006, no entanto a afirmativa de que a concentração persiste até os dias atuais é evidente. Considerando-se os últimos três anos, não se verifica qualquer fato que indique reversão desta

tendência em favor dos pobres do campo. Pelo contrário, se indícios há eles apontam para o crescimento da concentração em áreas de expansão das monoculturas. Como exemplo considere-se o caso do Estado de São Paulo13 que apresentou crescimento expressivo da lavoura da cana de açúcar e alteração significativa do índice de Gini — de 0.758 (censo de 1996) a 0,804 no censo de 2006. O grande beneficiário continua a ser o latifúndio travestido de agronegócio com forte presença e associação com as grandes companhias transnacionais.

A política agrária, objeto de análise no próximo item, confirmará esta última afirmativa. Demonstrará que as mudanças ocorridas beneficiaram ainda mais aos ruralistas e seus negócios em detrimento daqueles que precisam da terra para sobreviver.

Política Agrária

A análise da política agrária apresentada neste item evidencia que as ações públicas ocorridas nos últimos anos mantiveram o padrão histórico, ou seja, beneficiaram preferencialmente aos latifundiários / ruralistas e seus negócios em detrimento daqueles que precisam da terra para sobreviver.

Em 2003 o país saudava um resultado eleitoral alvissareiro, sui generis em sua história política. Era grande a esperança de ocorrência de importantes

transformações sócio-econômicas e políticas. O presidente eleito representava a possibilidade de mudança inclusive porque o país já sofria as conseqüências indesejáveis da adesão ao neoliberalismo e conseqüente subordinação internacional. O processo de submissão do estado ao poder econômico privado nacional e internacional caracterizou o governo Collor e foi aprofundado nos dois períodos de governo de Fernando Henrique Cardoso. O governo de Itamar Franco esboçou resistência, mas pouco conseguiu. Tratava-se de um mandato apenas destinado a completar o período governamental interrompido com o impeachment de Fernando Collor.

Tais fatos, somados ao histórico do candidato e do seu partido cercou de muita esperança a posse de Lula. Esperava-se um governo voltado aos interesses dos mais pobres. Almejava-se ação política vigorosa com o objetivo de alterar profundamente a lamentável e revoltante pirâmide social brasileira – base enorme composta por muitos pobres, alguma classe média subordinada aos poderosos e vértice destacado, semelhante a um ponto que paira nas alturas da riqueza e do poder. Nada os atinge!

No meio rural, como não podia deixar de ser, a expectativa era a inversão da tendência concentradora das terras.

12 Nota do autor: No dia 06/11/2009, mais de um mês após a primeira divulgação, o jornal Folha de São Paulo veiculou declaração do IBGE que afirma ter havido erro na estimativa do Índice de Gini para o país como um todo. O valor anunciado anteriormente (0,872) deveria ser substituído por 0,854. Considerando-se correta está última estimativa, implica em concluir, ao contrário do anunciado em 30 de setembro, que não houve agravamento da concentração de terras no período intercensitário. De qualquer forma, seja lá qual for o valor correto, no mínimo, a concentração de terras foi mantida em nível escandalosamente alto. Esperemos que o IBGE tenha mais cuidado em tratar seus indicadores, em especial, aqueles de grande importância, como é o caso do Gini que mede a concentração fundiária.13 O IBGE não declarou erros nos cálculos do índice de Gini para os estados.

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Supunha-se a implantação de uma reforma agrária de fato – não palavras vãs – e políticas de apoio à produção condizentes com as necessidades dos pequenos proprietários, arrendatários, assentados, trabalhadores sem terra, camponeses, agricultores familiares e agricultura de baixa renda14. Infelizmente, o governo Lula acabou surpreendendo ao revés — sui generis às avessas. Sua atuação não alterou nada de relevante em relação à política agrária implantada nos dois períodos de governo FHC. Houve uma pequena transferência de renda pelo programa Bolsa Família, mas não houve transformações estruturais.

Há dez anos o Brasil vivia o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Em síntese, a política implementada na época – “O Novo Mundo Rural” – foi marcada pela chamada “reforma agrária de mercado”, desmontou conceitos e condições para uma distribuição fundiária efetiva. Duas linhas de atuação norteavam o governo na época. De um lado, propaganda tentando mostrar agressividade na implementação da política fundiária, anúncio de medidas e números, sempre contestados com razão. De outro, com a conivência da mídia, exercia crítica contínua aos movimentos sociais – sobretudo ao MST – com os objetivos de desqualificá-los, enfraquecê-los e criminalizá-los. Essas duas características encobriam a ineficácia da política. Nessa

situação deu-se a posse do novo governo.

O documento de 2005 registrou a esperança oriunda da proposta de PNRA15 (entregue em 2003) que, embora derrotada no interior do governo, corroborou para que fosse definido e anunciado o II PNRA. Mas já neste momento, se registrava o desencanto. O governo abandonara a pretensão de implantar uma política agrária de caráter estrutural. Ela incomodaria aos senhores da terra e do capital. A proposta de reforma agrária com potencial de alterar as estruturas no campo e reverter a situação de injustiça e de exclusão fora esvaziada no decorrer do tempo. A promessa de “reforma agrária ampla, massiva e de qualidade” passou para o reino do faz-de-conta. Ao Ministério do Desenvolvimento Agrário — MDA e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária — INCRA, caberia apenas fazer de conta que fazem política.

Há a política de fato e a do faz-de-conta. Como nos alerta o Professor Francisco de Oliveira, inspirado em Gramisci, “Os dominados controlam a pequena política (...) desde que ela não afete os grandes interesses do capital, ou a grande política ... ”16. Tratava-se da “pequena política”. É interessante lembrar que a análise dos diversos documentos da campanha e de governo, mostrou o desaparecimento

gradativo dos compromissos com a reforma agrária17, inclusive com a atualíssima questão dos índices de produtividade para efeito de desapropriação de terras para a reforma agrária.

O governo fez uma opção pelo “modelo do agronegócio”. “A prevalência desse modelo, na ausência de um projeto de nação e de controles públicos adequados, definia a questão agrária dos tempos atuais. Essa nova questão agrária era caracterizada pelo forte agravamento dos velhos efeitos do avanço do capital em detrimento dos trabalhadores e camponeses” 18. Avanço este que provocava concentração fundiária, perda de biodiversidade, redução da policultura, agravamento da exploração da mão de obra, trabalho escravo, mortes por exaustão, migrações, plantio de cana-de-açúcar na Amazônia, expansão da soja e da pecuária na região norte, poluição das águas e da atmosfera, ação de milícias rurais a serviço do capital - internacional e nacional, redução do emprego agrícola, aumento da morbidade, desnacionalização das terras, avanço do capital especulativo, prejuízo para a segurança alimentar, acirramento do conflito agrário, depredação da saúde e ineficácia das políticas públicas19.

Nestes últimos dois anos, além da continuidade do fraco desempenho em número de famílias assentadas, a política

14 Na literatura sobre a questão agrária brasileira há muita controvérsia sobre a definição dessas categorias. Aqui , colocamos todas. Cada qual escolha a sua. O que importa é que a referência é para os pobres do campo.15 Plano Nacional de Reforma Agrária - PNRA.16 Francisco de Oliveira: a razão crítica contra o cinismo dos sem-razão. Entrevista concedida aos professores Jaldes Reis de Meneses (DH-UFPB) e Maria Aparecida Ramos (DSS-UFPB). Grupo de Economistas [email protected], 10/IX/2008.17 Carvalho-Filho, José Juliano de – “Política Agrária no Governo Lula: esvaziamento da Reforma Agrária”. Direitos Humanos no Brasil 2006. São Paulo: Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, 2006.18 Idem.

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governamental voltou-se com agressividade para a regularização fundiária da Amazônia Legal — beneficiando evidentemente os grandes grileiros20, apesar da retórica que, cinicamente, afirma que os principais beneficiários serão os pequenos posseiros. A Medida Provisória 45821 de 2008, ora transformada em lei, implicará na entrega da maior parte de 67,4 milhões de hectares de Terras Públicas a grileiros, autodenominados empresários rurais, que ocupam ilegalmente terras da União.

Para completar o quadro, no final de 2009, o governo anunciou que assinaria a atualização dos índices de produtividade utilizados para efeito de desapropriação para reforma agrária. Até hoje22 não assinou. Ruralistas e o próprio ministro da agricultura manifestaram-se contrários. Pela imprensa televisada difundiu-se que havia risco de guerra no campo se o governo cumprisse a determinação legal atualizando os indicadores. Até o momento o presidente subordinou-se aos interesses ruralistas. Esta questão dos índices não para por ai. O projeto de lei do Senado PLS nº 202 de 2005, ora em tramitação no Congresso propõe nova disciplina jurídica aos “índices de produtividade” dos imóveis rurais, estabelecidos pela Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. A matéria foi aprovada na Comissão de Agricultura do

Senado – a mesma que vive a propor CPMI contra o MST — e, praticamente, acaba com a já pouca eficiência desses índices não atualizados.

Uma das suas conseqüências será anular os efeitos do índice relativo ao grau de utilização da terra (GUT). Atualmente a lei autoriza o Estado a desapropriar o imóvel que deixa na ociosidade um percentual inferior a 80% de sua área agricultável. O Projeto de Lei do Senado 202 (PLS 202) praticamente extingue o GUT, pois exclui a exigência da exploração de 80% da área disponível para que uma propriedade rural seja considerada produtiva e atribui ao Congresso Nacional a competência (hoje do Executivo) de aprovar parâmetros e índices usados para aferir a produtividade da atividade agropecuária e classificar o imóvel rural em produtivo ou improdutivo. O que foi aprovado pela comissão, se confirmado pelo Congresso, significará, na prática, a extinção do principio constitucional sobre a função social da propriedade rural. Essa extinção não será clara, pelo contrário será sutil e cínica. Estilo muito freqüente entre os nossos legisladores quando se trata da questão social — faz de conta que existe!

Em suma, a política agrária do Brasil nesses últimos dez anos

confirma o seu padrão histórico: foi ineficaz para os pobres e funcional para o capital (latifúndio/agronegócio). Trata-se de uma pequena política subalterna, serve para iludir. A reforma agrária não foi e não é prioridade política. A primazia da política governamental é o agronegócio exportador. O direcionamento dos financiamentos concedidos pelo BNDES durante os oito anos de governo Lula comprovam esta realidade: os maiores beneficiados, que abocanharam quase 80% deste tipo de recurso público, estão ligados a monocultura, a mineração, ao etanol extraído dos grandes plantios de cana de açúcar, a agropecuária extensiva e aos grandes frigoríficos, em fim, ao agronegócio exportador.

Violência no campo

Durante os seus dez anos de existência o Relatório Anual da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos registrou e denunciou a persistência da grave situação de violência vigente no meio rural brasileiro.

Utilizando os dados da CPT23 que desde a sua fundação em 1976 registra esse estado permanente de usurpação da vida, verifica-se que a década em questão não foge à regra.

Crime e impunidade caminham juntos na realidade rural brasileira. O quadro da CPT

19 Inferências oriundas de diversos trabalhos elaborados e publicados por vários pesquisadores: Maria Aparecida Moraes Silva, Raquel Sant’Ana, Sônia Helena Novaes Guimarães Moraes, Brancolina Ferreira, Maria Luiza Mendonça, Sônia Bergamasco, Vera Botta Ferrante, Fernanda Maria da Costa Vieira, Marcelo Pedroso Goulat, Tamás Szmrecsányi, Guilherme da Costa Delgado, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, José Juliano de Carvalho Filho, Oriowaldo Queda, Bernardo Mançano Fernandes, Antonio Thomaz Junior, Luiz Otavio Ramos Filho, Pedro Ramos, Alceu de Arruda Veiga Filho, Francisco José da Costa Alves, Beto Novaes, Plácido Junior, Leonardo Sakamoto, entre outros.20 Apropriação indevida de terras públicas, através da falsificação de documentos.21 A MP 458 foi antecedida por varias iniciativas governamentais que gradativamente foram elevando a área máxima de alienação: Artigo 118 da Lei nº 11.196/05, elevou para 500 ha; MP 422 emitida em março e aprovada em julho de 2008, permitiu ao INCRA titular diretamente, sem licitação, propriedades na Amazônia Legal com até 15 módulos rurais ou 1.500 hectares; MP 458: Autoriza a União a licitar áreas excedentes às regularizáveis (15 módulos fiscais) até o limite de 2.500 hectares, dando preferência de compra aos seus ocupantes.22 Data da última revisão deste artigo: 21/03/201023 Comissão Pastoral da Terra elabora, a cada ano, Relatório sobre Conflitos no Campo – Brasil.

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comparativo dos conflitos no campo, abaixo resumido24, demonstra a presença constante da violência. São dez anos de conflito e morte. Os indicadores apresentam altos e baixos, todavia sempre testemunham a

manutenção de níveis abusivos de violência e de injustiças, inaceitáveis em qualquer sociedade digna. O número de conflitos, os assassinatos, o número de pessoas envolvidas e a quantidade de hectares em

questão comprovam a afirmativa sobre a falta de dignidade e de justiça no meio rural.

COMPARAÇÃO DOS CONFLITOS NO CAMPO 1999-2008Ano Número de Conflitos Assassinatos Pessoas Envolvidas Hectares

1999 963 27 706.361 3.683.0202000 660 21 556.030 1.864.0022001 880 29 532.772 2.214.9302002 925 43 451.277 3.066.4362003 1.690 73 1.190.578 3.831.405200

41.801 39 975.987 5.069.399

2005 1.881 38 1.021.355 11.487.0722006 1.657 39 783.801 5.051.3482007 1.538 28 795.341 8.420.0832008 1.170 28 502.390 6.568.755

Fonte: Setor de Documentação da Secretaria Nacional da CPT, 14/04/2009

Para que se tenha ciência do caráter truculento do latifúndio/agronegócio, destaca-se a seguir um trecho do relatório da CPMI da terra rejeitado pelos parlamentares ruralistas: “Várias razões explicam o recrudescimento da violência e o aumento dos conflitos no ano de 2003. Há um fator político representado pela eleição e posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A vitória de um político historicamente comprometido com a bandeira da reforma agrária motivou os trabalhadores e impulsionou as ações de pressão para alterar a estrutura fundiária. A nova postura do governo federal diante dessas mobilizações, não tratando os movimentos sociais como criminosos, como ocorreu no período imediatamente anterior, levou a uma reação violenta de muitos

proprietários de terra e à agilização das ações de setores do Poder Judiciário. Isso fez com que as estatísticas de assassinatos e despejos violentos no campo sofressem significativo aumento em 2003”.

O poder do latifúndio, sempre embrenhado no Estado não admite trabalhador rural organizado. O que vem ocorrendo de repressão e violência contra os trabalhadores e suas organizações em vários estados — em especial, Rio Grande do Sul e Pará — evidencia o fato. Outra chaga social é a ocorrência em todo o país de grande numero de casos de trabalho escravo. A década em foco também foi pródiga em mostrar ao mundo esse estado de coisas. Houve casos de

grande repercussão: assassinato de fiscais do Ministério do Trabalho em Unai / MG (2004); massacre de cinco trabalhadores sem terra em Felisburgo / MG (2004); assassinato da irmã Dorothy Stang em Anapu / PA (2005); assassinato de Keno, líder sem terra, executado por milícia privada da transnacional Syngenta no Paraná (2007). Há muitos outros casos.

Em 2009, até o dia 21 de agosto já se contabilizava 17 mortes no campo. Nesse dia o trabalhador rural Elton Brun da Silva foi assassinado por um policial da Brigada Militar do Rio Grande do Sul durante o despejo da Fazenda Southall. Elton sem terra foi morto com um tiro de calibre 12 pelas costas.

24 Para maiores detalhes, leia-se o capítulo especifico do Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos – Direitos Humanos no Brasil 2009, a respeito da violência no campo.

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Assim é a realidade do campo no Brasil! O relatório rejeitado pela CPMI da Terra tinha razão: “concentração fundiária, inação do Poder Público e violência caracterizam a questão agrária brasileira”. De um lado a luta dos trabalhadores, de outro o avanço do agronegócio.

Diante deste quadro dramático, precisamos levantar bem alto a bandeira da Reforma Agrária, associada à realização de uma reforma urbana que combata a especulação imobiliária, tendo em vista que os problemas do campo e da cidade estão diretamente associados, e a uma política que limite a propriedade da terra no Brasil. O PSOL apóia como media a proposta da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) e de inúmeras entidades de luta pela terra, de limitar a propriedade rural até o máximo de 1.000 ha, fazendo com que toda a propriedade rural acima desta medida torne-se passiveis de reforma agrária, fazendo-se cumprindo a função social da propriedade da terra. Além da delimitação da propriedade, outras medidas fundamentais compõem nosso programa agrário:

Regulação das atividades das monoculturas que caracterizam o agronegócio no Brasil e amento dos investimentos públicos em programas dirigidos aos agricultores mais pobres.Preservar e recuperar o princípio da FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE DA TERRA

Atualização dos índices de produtividade e efetivação dos demais aspectos da função social, ambiental e trabalhista.

Intensificar a luta contra o trabalho escravo

Reverter o programa de regularização de terras (grilagem) na Amazônia e nos demais estados em defesa de índios, quilombolas, posseiros, ribeirinhos etc.

Alterar a política pública para a agricultura, reforçando e ampliando as políticas específicas para os pequenos produtores (camponeses, sem terras, assentados) - hoje existem dois ministérios (MAPA e MDA) e duas políticas com primazia do agronegócio.

Recolocar em pauta programa de crédito específico para assentados.

Frear o avanço do capital transnacional na agricultura brasileira, através de uma política de incentivos voltados para os pequenos produtores e o fortalecimento da atividade pública na agricultura.

Fim do arrendamento de terras a governos de outros países e a empresas estrangeiras;

Preservação dos recursos naturais – água, florestas, biomas

4. REFORMA URBANA

Um projeto ecossocialista para as cidades brasileiras

A catástrofe urbana brasileira é evidente, em diversas dimensões: colapso das infra-estruturas e do transporte público, desmoronamentos e enchentes redundando em mortes e grandes perdas materiais para os trabalhadores, despejos forçados de famílias

por grileiros e proprietários especuladores, obras desconexas servindo a interesses privados, aumento da segregação social, criminalização da pobreza, elites vivendo em enclaves fortificados, crescimento do comércio informal e dos moradores de rua, contaminação de rios pelas próprias companhias de saneamento, máfia do lixo e aterros sanitários no limite, poluição do ar e agravamento das doenças respiratórias, gradeamento de praças e edifícios públicos, novos conjuntos habitacionais na extrema periferia.

Esse caos corresponde a uma ordem: a dos agentes privados que transformam a cidade em um negócio, às elites que privatizam parcelas da cidade para seu uso exclusivo, às máfias dos transportes, do lixo e das obras de infra-estrutura, e a de um Estado que favorece esses interesses. As políticas do Ministério das Cidades e o programa de “reforma urbana” petista não fizeram frente a esse estado de coisas, ao contrário, tomaram grande parte do tempo e atenções dos movimentos sociais na participação em conselhos, planos e leis que não estão em nada modificando a situação real.

Um programa ecossocialista para as cidades brasileiras é urgente. Um programa para os que têm a cidade como meio de vida e não de valorização, um programa para cidades saudáveis e sustentáveis ambientalmente, menos segregadas e mais justas, menos agressivas e mais amigáveis, cidades em que seja bom viver, trabalhar, estudar, passear. Ou seja, um programa que pense a cidade como fundamento material da cidadania, que

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fortaleça e qualifique os espaços e serviços públicos, que pense antes de tudo no bem-estar da população, sobretudo daqueles que por séculos foram excluídos tanto da cidade quanto da cidadania.

Nesta perspectiva, o programa de reforma urbana do PSOL estrutura-se a partir dos seguintes eixos:

Reativar a vida pública nas cidades - Um programa ecossocialista para as cidades deve reativar a vida pública nas cidades, como forma da construção da cidadania, da cultura e da política de habitantes conscientes de si, do mundo e de onde habitam. Estar na cidade, nas suas praças, calçadas, bibliotecas, centros de cultura e lazer deve ser parte fundamental do dia-a-dia de cidadãos ativos socialmente. Hoje todas as classes sociais encontram-se atrás de suas proteções, muros, grades e blindagens, mais ou menos caras ou eficientes e tem um pânico da vida pública. É preciso reverter isso com políticas ativas em vários níveis, buscando qualificar os espaços públicos, estimular um sujeito social ativo, criar e fortalecer instrumentos de gestão democrática, favorecer a mobilidade gratuita e universal e favorecer a segurança coletiva.

Combate à especulação e à privatização no urbano - Na luta dos que necessitam da cidade como meio de vida e os que a utilizam como meio de valorização, o combate à especulação e à privatização do urbano são tarefas fundamentais. O “Estatuto das Cidades” prevê medidas para o controle da especulação, mas esses instrumentos dependem

da regulamentação e aplicação local. Como sabemos que os governos municipais são muito vulneráveis (quando não comandados) pelos interesses imobiliários e de proprietários de terra e imóveis, não há possibilidade de Reforma Urbana no Brasil por via municipal. De outro lado, a crescente financeirização e internacionalização do setor imobiliário apresentam novos riscos que precisam ser evitados: o de monopolização, desnacionalização e de especulação turbinada pelo capital fictício nas bolsas de valores. É preciso federalizar o cumprimento da função social da propriedade urbana, ou seja, permitir que o Estatuto da Cidade seja aplicado não apenas pelos poderes locais, mas também pelo governo federal, e ao mesmo tempo acompanhar atentamente o movimento do capital imobiliário, criando barreiras ao seu crescimento especulativo internacionalizado. Por isso, defendemos a função social da terra urbanizada, restrições ao monopólio da terra urbana, controle da financeirização da produção imobiliária, combater a privatização da cidade e restrição a imóveis suntuosos.

Acesso à terra e ao teto - As cidades brasileiras não possuem uma política ativa de gestão de terras e de garantia do acesso à terra urbanizada para a população que precisa morar. Não há estoque público para regular o mercado, combater a especulação e incluir os trabalhadores nas áreas urbanizadas já consolidadas. De outro lado, o número de imóveis vazios que poderiam ser reformados e alugados é significativo. A redução da vacância a níveis baixos é uma das metas de uma política habitacional não produtivista,

que mobilize o parque habitacional já construído. Uma política de moradia deve prever programas de aluguel social, provisão e qualificação de imóveis para favorecer cidades compactas e sustentáveis, ao invés da expansão horizontal, predadora e especulativa. Para garantir o acesso à terra e ao teto a partir desta premissa defendemos a formação de estoque público de terras e imóveis, crédito habitacional orientado para a universalização do direito à moradia, política de aluguel social, de provisão habitacional e de qualificação de moradias inadequadas.

Condições de trabalho na construção civil - As condições de trabalho na construção civil, base da produção do espaço urbano, tem sido das mais perversas, pois há uma correlação de forças desfavorável entre capital e trabalho. Os salários são baixos, o índice de acidentes e intoxicações é alto, as jornadas são estendidas, cadeias de subcontratação e precarização são freqüentes, baixo nível de sindicalização, baixo controle estatal das condições de trabalho etc. Um programa ecossocialista para as cidades deve pensar no trabalhador da construção civil, como agente fundamental da produção do espaço urbano, e que deve ser fortalecido como sujeito da transformação das cidades e de sua própria condição. Para isso é preciso fortalecer as organizações dos trabalhadores deste setor, dar condições de segurança e saúde no trabalho, investir em formação e qualificação não estritamente profissionalizante, formalização das relações trabalhistas no setor e combate à precarização.

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Fazer cidade nas periferias desurbanizadas - As periferias das grandes e médias cidades brasileiras ainda têm crescido em um ritmo vertiginoso. São assentamentos em geral informais e precários que vão se consolidando com o tempo sem, contudo, constituir a qualidade urbana de uma cidade. Nas periferias é raro que haja praças e parques, que os centros dos bairros sejam espaços agradáveis e com identidade, que os equipamentos públicos estejam bem distribuídos e integrados com o tecido urbano. Criar cidade na periferia é a base material para fortalecer a cidadania desses habitantes e, para isso, o governo federal deve apoiar municípios e comunidades na qualificação desses espaços, dando apoio financeiro e operacional para a realização de intervenções urbanísticas nos centros dos bairros de periferia, qualificando seus espaços, edifícios públicos, terminais, praças e calçadas. Os projetos urbanísticos de intervenção e qualificação desses espaços devem contar com a participação ativa das comunidades para que municípios possam pleitear os recursos do fundo federal. Tais projetos devem fortalecer a identidade simbólica, o patrimônio histórico, cultural e ambiental de cada bairro. A política pública deve apoiar grupos culturais e de educação que queiram desenvolver suas atividades nos centros desses bairros, como forma de animação da vida pública. Outra questão fundamental é o fortalecimento da política de geração de trabalho e renda nos bairros, regionalizando o apoio à geração de trabalho e renda nas cidades, de modo a fortalecer a oferta de emprego nas periferias e minimizar sua

característica de bairros-dormitório. Para isso é preciso apoiar com políticas de acompanhamento sócio-econômico e técnico-políticas, a formação de cooperativas de trabalho e consumo, além de outras iniciativas de economia solidária nas periferias; estimular e apoiar a realização de Programas de Bancos comunitários que utilizem moeda social, ampliando a liquidez local, fortalecendo a circulação regional de bens e serviços e apoiando a formação dos cidadãos com respeito à moeda e à seu significado econômico; complementar a política de Bancos Comunitários com estruturas de crédito e microcrédito que privilegiem atividades vinculadas ao desenvolvimento local; apoiar com redução de impostos o comércio de rua, em oposição a shoppings, para favorecer a vida urbana, pequenas empresas e cooperativas. Centros urbanos repovoados e democráticos - Enquanto as periferias crescem, os centros das grandes cidades brasileiras têm perdido população. São inúmeros prédios e apartamentos vazios, edifícios em deterioração, enquanto as infra-estruturas são, muitas vezes, as melhores da cidade. A retomada dos Centros, contudo, encontra um conflito com o mercado imobiliário e as elites que pretendem uma renovação exclusiva, sem a presença da classe trabalhadora. Por isso, propomos medidas de repovoamento dessas áreas, com sua democratização para todos, garantindo a presença dos que mais precisam estar próximos ao trabalho e às infra-estruturas das áreas centrais. Para isso defendemos uma política de requalificação integral dos bairros centrais e

de erradicação de cortiços (os cortiços são uma forma de espoliação dos trabalhadores e de acumulação primitiva de capital. São em geral ilegais e precisam ser combatidos e fechados). Uma política de provisão habitacional de aluguel social em moradias dignas deve receber os moradores de cortiços, para que possam permanecer nos Centros Urbanos.

Ampliação da mobilidade urbana para todos - As grandes cidades brasileiras vivem um travamento do seu sistema de mobilidade, sobretudo decorrente da dominância do transporte individual. Há problemas estruturais de mobilidade também decorrentes do padrão de segregação brasileiro, que isola os trabalhadores em bairros periféricos desprovidos de emprego, o que ocasiona um fenômeno de mobilidade pendular diária. As tarifas ainda são elevadas para parcela significativa da população, que acaba se locomovendo a pé ou fica segregada, tendo dificuldade para acessar a cidade e seus serviços públicos. Garantir a mobilidade de todos é um ponto fundamental para o fortalecimento do direito à cidade e à cidadania.

Por isso defendemos que o governo federal dê prioridade ao transporte coletivo, apoiando obras de infra-estrutura nos municípios que beneficiem o transporte coletivo de massa ou alternativo (bicicletas), não repassando mais recursos para a ampliação ou renovação da infra-estrutura viária a serviço do automóvel; Atuar ativamente na ampliação da rede de corredores de ônibus e metrôs em todas as áreas metropolitanas do país; Implantar em todo sistema um

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conselho gestor composto por trabalhadores e usuários, com a participação do governo. Entre as atribuições deverá constar: fiscalização, acompanhamento das obras e serviços, política de tarifas, financiamento, expansão etc. Apoiar investimentos em transporte coletivo que favoreçam as regiões periféricas com baixa mobilidade, integrando bairros; Apoiar municípios que queiram municipalizar e ou estatizar as empresas de transportes; Redução de impostos no combustível para transporte coletivo, com meta de adoção progressiva do biodiesel e ampliação dos veículos elétricos.

A ampliação da mobilidade urbana deve garantir também o subsídio à tarifa com teto proporcional ao salário mínimo e meta de tarifa zero. A tarifa de transportes será calculada como porcentagem do salário mínimo nacional ou estadual, não devendo 50 bilhetes ultrapassar o valor de 20% do salário mínimo. A diferença entre o custo da passagem e o preço da tarifa será repartido por Municípios, Estados e a União, em um programa de compensação tarifária ancorado no Fundo Nacional de Transportes. O governo deverá apoiar municípios que queiram ampliar progressivamente o subsídio e adotar a tarifa zero (em dias específicos ou permanentemente). Cada caso deverá ser analisado conforme o porte do município e do subsídio em questão.

Esta ampliação da mobilidade exigirá a qualificação da infra-estrutura de transportes (terminais e equipamentos móveis). Com o subsídio progressivo à tarifa, novos usuários entrarão na rede, o que significa a necessidade de

ampliá-la em toda sua infra-estrutura com novos terminais de transportes associados a serviços públicos diversos (obtenção de documentos, agendamento de consultas, programação cultural, agências do INSS, agências de emprego); novos terminais devem ser projetados com alta qualidade arquitetônica, por meio de concursos públicos, sempre que possível, respeito a acessibilidade de portadores de mobilidade reduzida, qualidade de espaços para os usuários (de modo a evitar o congestionamento de passageiros, filas, etc.); apoio para que municípios realizem sistema de informação digital de itinerários e tempos para os usuários, de modo a otimizar o uso da rede e torná-la mais amigável; apoio a municípios para a modernização da frota, com melhoria da ergonomia, da acessibilidade e da dirigibilidade; reativar a indústria nacional de trens e material móvel para abastecer os metrôs existentes e em construção.

Associado a estas medidas será necessário restringirmos o uso do automóvel particular, fortalecendo campanhas educativas que apresentem os benefícios do transporte coletivo, o respeito ao pedestre e malefícios do transporte individual para a cidade, a saúde pública e o meio ambiente; cobrar da indústria automobilística a conta dos gastos de saúde pública decorrentes de acidentes, atropelamentos e poluição; criar o imposto de pegada ecológica dos automóveis, favorecendo os veículos que tenho menor impacto ambiental; apoiar municípios que destinem faixas exclusivas a ônibus reduzindo o espaço do automóvel e priorizando o transporte

coletivo; apoiar municípios que implementem pedágios urbanos em áreas centrais.

Universalização e desmercantilização da água e do saneamento - O sistema de saneamento precisa ser visto do ponto de vista político e técnico. Apesar de todas as decisões políticas e técnicas estarem interligadas. A proteção dos mananciais, o tratamento e distribuição de água, a coleta e tratamento de esgotos, a coleta e destinação dos resíduos sólidos (lixo), o controle de pragas e agentes patogênicos, deve ser entendido como um setor essencial à saúde e à vida humana, ligado intrinsecamente à saúde pública. Dados da OMS apontam que cada R$ 1,00 investido em saneamento reduz R$ 5,00 em gastos com internações, além disso, o Ministério da Saúde constatou em 2008 que 68% das internações hospitalares estão associadas à falta de saneamento básico. Considerando que 70% do corpo humano seja composto por água e que ainda não se descobriu formas de vida que existam sem água, o acesso e o fornecimento desse produto não pode estar condicionado aos interesses econômicos, ou seja, este setor não pode ser incluído no rol das atividades mercantis. O acesso aos serviços de saneamento é prioridade e deve ser considerado não somente do ponto de vista da disponibilização, mas também da condição econômica e social. É preciso universalizar o acesso aos serviços de saneamento, reduzindo as tarifas de água e esgoto para as ligações domiciliares conforme renda familiar; garantir que o desempregado tenha redução ou que não haverá corte de fornecimento de água, enquanto

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perdurar o desemprego; eliminar a cobrança da consumação mínima ou tarifa mínima, favorecendo o baixo consumo e a redução do dispêndio do pequeno consumidor. Hoje em grande parte do País, é obrigatório pagar no mínimo 10m3/mês de água e esgoto; implantar em todo sistema um conselho gestor composto por trabalhadores e usuários, com a participação do governo. Entre as atribuições deverá constar: fiscalização, acompanhamento das obras e serviços, política de tarifas, financiamento, expansão, etc.

Cidade e Natureza - A catástrofe ambiental das nossas cidades já tem sido sentida há algumas décadas. A valorização capitalista tem caráter predatório e suas forças produtivas avançam depredando igualmente a força de trabalho e a natureza até o ponto de inflexão catastrófico em que nos encontramos. A ideologia dominante do “desenvolvimento sustentável” promete a conciliação entre progresso capitalista e preservação ambiental, algo como um capitalismo verde. Nele, a natureza é valorada monetariamente (apesar de não ter valor econômico intrínseco) e precificada de forma mercantil, ou seja, adquirindo a forma-mercadoria. Não é difícil reconhecer que a idéia de sustentabilidade no capitalismo é um paradoxo, uma vez que se trata de um sistema baseado na produção constante de todo tipo de desigualdade – inclusive a distribuição desigual de entropia. Um programa ecossocialista deve pensar noutros termos a relação entre cidade e natureza. Nesta perspectiva nosso programa defende:

Planejamento ecológico da paisagem - incorporar nas políticas públicas e no planejamento urbano a perspectiva ecológica como estruturante nas tomadas de decisão; constituição de um Código ambiental urbano, em substituição ao Código florestal, dadas as especificidades da relação entre natureza e cidade; introduzir no currículo universitário do urbanismo, da biologia e da geografia conteúdos relacionados ao planejamento ecológico da paisagem, compreendendo os conflitos que o cercam e como articulá-los em soluções inovadoras e justas social e ambientalmente.

Política de permeabilização do solo e drenagem urbana - destamponamento e renaturação de córregos urbanos, associado à sua descontaminação com a ampliação da rede e tratamentos por micro bacias; Lei federal de permeabilidade e drenagem urbana, com exigência de coeficientes mínimos de permeabilidade e tanques de retenção de água pluvial por empreendimento; Programa de micro-crédito para quintais permeáveis, quebrando o cimento e aplicando pisos drenantes, paisagismo, “muros vivos”, etc.; uso de vazios urbanos para hortas urbanas; taxação de estacionamentos abertos que não implementarem pátios com pisos permeáveis.

Programa de apoio à soluções arquitetônicas sustentáveis - programa de certificação ambiental de materiais e processos da construção civil, e ampliação de subsídio para os materiais mais eficientes; parceria com universidades e centros de pesquisa para avanço no setor; obrigatoriedade de obras públicas seguirem padrões elevados de

sustentabilidade ambiental; apoio à produção em larga escala e barateamento dos sistemas de captação de energia solar; incentivo nas políticas habitacionais ao reuso de água de chuva, teto-verde, energia solar, materiais certificados, redução do uso de cimento, concreto e alumínio.

Parques e áreas verdes - apoiar municípios que ampliem o número de parques e áreas verdes, com metas internacionais de metragem de área verde por habitante. Favorecer a implantação de parques de médio porte descentralizados ao invés de sua concentração em poucas áreas; programa de calçadas deve prever o plantio de árvores e forrações, sempre que possível permitindo canteiros e pisos permeáveis;

Urbanização em áreas ambientalmente frágeis - mapeamento e controle de todas as áreas de risco em cidades brasileiras, de modo a planejar ações e prever mobilizações de emergência com a defesa civil; possibilitar formas de urbanização inovadoras e sustentáveis em áreas em que há conflito entre meio ambiente e assentamentos populares; criação de conselhos locais nas envolvendo o poder judiciário, executivo, legislativo, ministério público, comunidade, concessionárias de serviços públicos, ONGs para elaborar plano de ação e atividades; criação de equipes de gerenciamento de qualidade sócio-ambientais, fomentação e geração de renda, monitoramento e controle de novas ocupações, coleta seletiva de resíduos sólidos, agentes comunitários de saúde; no caso de empreendimentos imobiliários, cuja finalidade de realização é a valorização do

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capital, fiscalizar rigorosamente a proteção ambiental legal.

5. SAÚDE E EDUCAÇÃO PÚBLICA, GRATUITA E DE QUALIDADE

Dever do Estado e direito de todas e todos!

SAÚDE

O quadro atual da saúde pública no Brasil é dramático: filas gigantescas, demora no atendimento, falta de remédios, de médicos e profissionais de saúde, trabalhadores doentes atendendo doentes. A reversão deste quadro só será possível com a adoção de uma política universalizante que aumente os recursos públicos para a saúde e esteja combinada com a garantia de melhores condições sociais e de vida. Para o PSOL, o direito a saúde passa, fundamentalmente, pela garantia de trabalho em boas condições e com remuneração digna; pelo direito a moradia confortável com água encanada, saneamento básico e energia elétrica; por condições de transporte civilizadas; pelo direito à educação pública e de qualidade até a universidade; reforma agrária com o fim do agronegócio; pelo uso do patrimônio natural em defesa da soberania nacional e respeito ao meio ambiente; e que os recursos utilizados no pagamento da dívida pública sejam transferidos para as

políticas de saúde, educação, previdência, moradia, entre outros direitos sociais.

Entendemos que a doença (e o acesso a seu tratamento) é determinada por questões sociais. Uma pessoa que trabalhe mais de 40 horas por semana, que more em local sem água encanada, sem rede de esgoto, que ande em transporte coletivo demorado e lotado, tem mais chance e possibilidade de contrair determinadas doenças do que uma pessoa que tenha uma situação de vida mais confortável. Assim, não devemos perseguir apenas um projeto técnico-gerencial para o SUS. Ele é necessário e está na ordem do dia. Mas não adianta só tratar as doenças se as pessoas pobres voltam a viver nas mesmas condições produtoras de agravos à saúde. Se não forem enfrentadas estas condicionantes sociais, não haverá sistema público, por mais bem gerido que seja, que dê conta de uma demanda cujo principal aspecto a ser enfrentado está no fato de convivermos com um modelo de sociedade campeão da desigualdade e na produção de doenças.

A proposta de saúde do PSOL está baseada no grande acúmulo que os movimentos sociais já produziram sobre o tema e que foi sintetizado nos movimentos pelas reformas sanitárias e psiquiátricas que nasceram no Brasil no final dos anos 70 e início dos 80. O maior acúmulo da reforma sanitária brasileira aconteceu em 1986, na 8ª Conferência Nacional de Saúde, que votou propostas que em sua maioria foram incorporadas na

Constituição de 1988 e aprovou, entre coisas, que a saúde no Brasil depende de vários fatores, entre eles a reforma agrária, o não pagamento da dívida externa e a estatização da indústria farmacêutica. Apesar desse grande acúmulo, fruto também de um movimento social de bastante inserção, a reforma sanitária estagnou-se após a Constituição de 1988, tendo inclusive sofrido regressões.

Por este motivo, nada mais atual em termos de política pública para a saúde do que reafirmar as bandeiras dos movimentos sociais que lutaram pela reforma sanitária e psiquiátrica no país, entre as quais o PSOL destaca o envio de verbas públicas somente para a saúde pública visando sua desmercantilização e a universalização dos serviços de saúde pública, gratuita e qualidade para toda a população. O aumento dos recursos públicos para a saúde pública será o ponto central de nosso programa, o que será feito a partir do estabelecimento de novas prioridades. Nosso país não pode continuar gastando com saúde quase oito vezes menos do que gasta para pagar juros da divida pública ao sistema financeiro (Orçamento Geral da União/2009 (gasto executado): 4,64% para a saúde e 35,57% para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública).

Público X Privado: o atendimento a saúde no Brasil

O processo de saúde-adoecimento faz parte da natureza humana, em qualquer sociedade existente, e a defesa

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de políticas públicas, que lidem com as diversas formas de adoecimento, sempre foi um tema importante da luta dos trabalhadores em todo o mundo. Como resultado de vários embates, alguns países acabaram implantando um sistema de saúde universal e público de razoável qualidade. Em alguns países centrais do capitalismo tivemos a adoção de um sistema público universal e gratuito que acabou inibindo o setor privado (caso de Canadá e Inglaterra); em outros a opção foi pela completa estatização da atenção à saúde (caso de Cuba). Em ambos os casos a implantação dos sistemas de saúde teve uma característica semelhante: a imposição de enormes restrições a atuação do setor privado nesta área.

No caso do Brasil, como na maioria dos países latinoamericanos, o sistema de saúde nunca experimentou estes avanços e continua marcado pela sua imensa precariedade e mercantilização. Além do subfinanciamento do sistema público, que atende de modo exclusivo pelo menos 70% da população, temos um sistema privado com gastos elevados, altíssima incorporação tecnológica e baixa resolubilidade, dependente de recursos públicos e que atende uma pequena fração da população brasileira. Este é o modelo da desigualdade, em que o país drena recursos estatais e da renda dos trabalhadores (através dos planos privados) para um seleto grupo de empresas que faturam

com a doença do povo. Neste modelo o direito à saúde é sacrificado em detrimento de um sistema privado de atenção à saúde que é dos mais lucrativos do mundo.

As lutas pelo direito à saúde pública, gratuita, universal e de qualidade estiveram entre as mais importantes do processo que derrubou a ditadura militar de 1964 e conseguiram emplacar, na Constituição de 1988, uma proposta de sistema de saúde público que abrangesse toda a sociedade brasileira. A legislação aprovada na Constituição de 1988 representou um avanço no que diz respeito ao direito à saúde. Estes avanços, no entanto, não se traduziram em uma universalização dos preceitos constitucionais - persistindo em outras bases, mesmo após a regulamentação do Sistema Único de Saúde (SUS)25, em 1990, diversas características de um sistema de saúde que tende a perpetuar o padrão de segregação social da sociedade brasileira.

É possível afirmar que mesmo o texto de 1988 não representou a síntese mais desejável do amplo processo de luta em defesa da saúde de então, que foi o relatório da VIII Conferência Nacional de Saúde de 1986. Pode-se dizer que a persistência de um setor privado na prestação de serviços de saúde constitui um bloqueio estrutural à afirmação da saúde como um direito de todos no Brasil. Assim, esse sistema privado que seria “complementar”, conforme diz

a Carta de 1988, acabou se expandindo enormemente e subordinando o conjunto das práticas de saúde, o que terminou por distorcer as políticas públicas expressas no SUS.

Apesar de seus problemas de origem, o processo político de formação do SUS apontou para um conjunto de diretrizes gerais muito importantes para o delineamento da ampliação do direito à saúde. Os chamados princípios doutrinários - universalidade, integralidade, equidade – e os chamados princípios organizacionais - descentralização, regionalização, hierarquização e controle popular – sintetizam as grandes virtudes da proposta original do SUS26. O programa de saúde do PSOL reivindica os princípios doutrinários e organizacionais que orientaram a formação do SUS e propõem sua recuperação integral na orientação de uma política de saúde contra os interesses do mercado e voltada para a promoção da igualdade e do bem estar social. É importante lembrarmos que estes princípios se entrelaçam e, antes de se constituírem em categorias arbitrárias, são linhas gerais que procuram garantir o direito à saúde, e que vem arbitrariamente sendo descumpridos.

Com relação aos princípios doutrinários:

- Universalidade: “A saúde é um direito de todos”. Garante o acesso de todos ao sistema de saúde. Até 1988, só os

25 O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado pela Constituição Federal de 1988 para que toda a população brasileira tenha acesso ao atendimento público de saúde. Anteriormente, a assistência médica estava a cargo do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), ficando restrita aos empregados que contribuíssem com a previdência social; os demais eram atendidos apenas em serviços filantrópicos. Do Sistema Único de Saúde fazem parte os centros e postos de saúde, hospitais - incluindo os universitários, laboratórios, hemocentros (bancos de sangue), os serviços de Vigilância Sanitária, Vigilância Epidemiológica, Vigilância Ambiental, além de fundações e institutos de pesquisa, como a FIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Vital Brasil.26 O Sistema Único de Saúde teve seus princípios estabelecidos na Lei Orgânica de Saúde, em 1990, com base no artigo 198 da Constituição Federal de 1988.

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trabalhadores com carteira-assinada tinham acesso ao INAMPS, ficando os demais relegados aos “centros de caridade”. Com a universalidade todos tem acesso garantido à saúde, independente do tipo de vínculo empregatício, raça, cor, gênero ou opção sexual. Mas este princípio é ferido em situações bastante simples e corriqueiras, como recusa de atendimento por não se ter comprovante de endereço, chegando a situações estruturais graves como as desigualdades regionais e de classes sociais no acesso a determinadas tecnologias – acesso a certos tipos de exames e ou medicações – ou mesmo a inexistência de serviços de saúde por falta de profissionais.

- Integralidade: visa à garantia do acesso à atenção à saúde de maneira integral, desde a prevenção até a assistência farmacêutica. Além dos exemplos citados acima, em que o regime de segregação social opera no sentido de bloquear o acesso universal à saúde, existem políticas que atentam diretamente contra o princípio da integralidade, como é o caso do programa Farmácia Popular criado pelo governo Lula, que passou a vender, mesmo a custo baixo, medicamentos que já eram distribuídos gratuitamente nos postos de saúde.

- Equidade: este princípio pretende garantir que o direito à saúde seja implementado de acordo com as necessidades de cada indivíduo ou grupo social. Assim, como exemplo, deve-se considerar que nem todos os cidadãos devem tomar medicações regularmente, mas apenas aqueles que precisam fazê-lo; procedimentos com grande incorporação tecnológica devem ser direito

de todos, mas só aqueles que necessitam devem de fato ser submetidos a eles. Enfim, a equidade é a garantia da igualdade de oportunidades, considerando as necessidades de cada grupo social. Este princípio é permanentemente desrespeitado quando o sistema de saúde impede que os grupos sociais específicos (negros, negras, surdos, índios, mulheres, crianças, idosos) tenham políticas próprias de saúde, sem prejuízo para o sistema geral;

Com relação aos princípios organizacionais:

- Descentralização, hierarquização e regionalização: a descentralização garante que cada esfera do sistema (municipal, estadual e federal) tenha atribuições específicas, com comando único e interligado; isso se combina com a hierarquização, que visa distribuir responsabilidades em níveis distintos de complexidade; ainda há a regionalização, que se combina com os outros dois conceitos ao garantir que municípios pequenos (e com menor arrecadação) não fiquem com responsabilidades acima do que tem capacidade;

- Participação popular: Pensado como uma maneira de fortalecer participação dos trabalhadores na implantação das políticas de saúde, este princípio esbarra no caráter cada vez mais impermeável do Estado brasileiro em relação às demandas populares. Seja porque as decisões mais importantes sobre as políticas de saúde são tomadas pela cúpula dos governos, seja porque os governos tem uma tradição de desrespeitar as

decisões das instâncias de controle social (através da coerção e/ou da cooptação), o fato é que os limites para a participação popular vem se estreitando. Este princípio tem como carro-chefe a existência de conferências e conselhos, da esfera local a nacional, passando pela municipal e estadual. Cada um desses espaços deve ser composto por 50% de usuários, 25% de trabalhadores e 25% de gestores. Com uma política eficiente de cooptação, as prefeituras e estados impedem a articulação independente de usuários e, mesmo quando as conferências aprovam algo avançado, o gestor simplesmente não implementa. O maior exemplo disso é a resolução 322 do Conselho Nacional de Saúde, que estabeleceu o que é saúde para efeitos de gasto, sistematicamente descumprida. Em São Paulo, que é um dos estados em que ocorrem os maiores ataques ao SUS, o governo estadual sempre afronta os mecanismos de controle social: em 2010, não convocou a Conferência Estadual de Saúde Mental, o que faz parte de um processo de ataque sistêmico às políticas públicas para o setor.

A questão do Financiamento

Desde a formação do SUS, nunca houve financiamento suficiente para que os princípios constitucionais fossem colocados em prática. Isso, ao longo da história recente, quer dizer que o padrão estrutural de subfinanciamento permaneceu o mesmo, tanto nos governos FHC como nos governos Lula. Para se ter uma idéia, o gasto em saúde em relação ao PIB tem se mantido no mesmo patamar (de 3,2 a 3,4%) há mais de 10 anos. Isso

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é quase a metade do que recomenda a Organização Mundial de Saúde (que é de 6%) e menos do que a média dos países latinoamericanos (4,5%). A partir de 2006 ocorre um fenômeno alarmante: a maior parte do gasto em saúde deixa de ser público (cerca de R$79 bilhões) e passa a ser privado (cerca de R$ 88 bilhões).

Nas supostas explicações para o problema, PSDB e PT se equivalem. Ambos escondem do povo que, somente no ano passado, o Estado Brasileiro pagou R$ 380 bilhões em juros e amortizações da dívida pública aos banqueiros, enquanto a saúde pública recebeu apenas R$ 59 bilhões, menos de 1/6 daquele valor. Isto é: a maior parte da elevada carga tributária, que é paga majoritariamente pelo povo pobre, devido ao caráter regressivo do sistema tributário brasileiro, é desviada dos direitos sociais direto para o bolso dos parasitas do sistema financeiro. As “soluções” defendidas pelos governos tucanos e petistas para se elevar os recursos para a saúde sempre foram as mesmas: aumento de tributos, como no caso da CPMF. Nunca enfrentaram a sangria de recursos públicos provocada pelo pagamento da dívida pública e tampouco os mecanismos que garantem esta evasão para o bolso dos banqueiros, como por exemplo: a DRU (Desvinculação dos Recursos da União), que confisca 20 % do orçamento da União para o pagamento das dívidas; o superávit primário, que estrangula os gastos do setor público; as renúncias fiscais e de contribuições previdenciárias dadas empregadores; as diversas formas de contingenciamento de recursos, entre outros. Tanto

PT e PSDB mentem ao dizer que são a favor de mais recursos para a saúde ao defenderem a CPMF, pois este imposto é regressivo e só faz retirar mais recursos do povo pobre.

Mesmo naquilo que dizem defender, PT e PSDB são esquivos. Veja-se, por exemplo, o caso da Emenda Constitucional 29 (EC-29), que estabelece atribuições de financiamento por esfera de governo. Aprovada em 2000, ela passou pelo 2º governo FHC e pelos dois governos Lula e não foi regulamentada. Isto quer dizer que, na prática, nenhum dos dois blocos partidários da ordem defende o financiamento necessário ao direito à saúde. No que diz respeito ao financiamento, São Paulo mais uma vez figura entre os campeões do descaso com a Saúde. Os Ministérios Públicos Federal e Estadual condenam o governo estadual por não cumprirem o mínimo definido pela EC-29. Para piorar, o estado é reconhecido como um dos que menos apóia as diversas ações de saúde, focando-se apenas na atenção hospitalar, que, com a expansão do modelo das Organizações Sociais (OSs), tem sido muito distorcido. O sentido deste processo não deixa espaço para dúvidas: o sucateamento do SUS tem como pressuposto o incremento da privatização da atenção à saúde.

Privatização dos Modelos de Gestão

Sob a hegemonia de um processo de reformas neoliberais, o desenvolvimento truncado do SUS esteve sempre na dependência da capacidade do Estado investir na criação de unidades de saúde (hospitais,

postos de saúde, CAPS, etc.), e na aquisição de equipamentos. No entanto, o ponto mais importante das políticas públicas de saúde é a contratação de trabalhadores capacitados para defender o direito à saúde do conjunto da população brasileira. Esta necessidade, porém, tem se mostrado incompatível com as políticas adotadas pelos diversos governos pós 1989, de Collor a Lula.

Para se ajustar às necessidades de drenagem da renda nacional para o capital financeiro, diversas reformar foram promovidas de maneira a estrangular o gasto público. Além das medidas citadas acima, no item financiamento, há uma em especial que limita de forma decisiva a capacidade do Estado brasileiro implementar políticas públicas: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Aprovada em 2000, esta lei estabelece entre outras coisas que a administração pública deve ter um teto (bastante restrito) para gastos com pessoal. A LRF tem um objetivo não declarado muito nítido: impedir o crescimento da abrangência e da qualidade das políticas sociais, de forma a não deixá-las “competir” pelos recursos que devem pagar os títulos da dívida pública. Trata-se na verdade de uma Lei de Remuneração da Financeirização – limita o gasto social para pagar juros ao sistema financeiro.

Para complementar esta medida, os governos tucanos promoveram, a partir de fins da década de 1990 a “reforma do estado”, eufemismo criado para absorver os princípios administrativos das grandes corporações privadas com vistas a criar “agilidade” e

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“eficiência no setor público, mas que na verdade se prestam, fundamentalmente, a aumentar a exploração e a pressão sobre os trabalhadores do serviço público, tornar a administração menos transparente e potencializar o estrangulamento de recursos. É essa a matriz das “inovações gerenciais” no serviço público criadas por tucanos (em São Paulo, representadas pelas Organizações Sociais – OSs) e petistas (Fundações Estatais de Direito Privado – FEDP, já funcionando na Bahia e em Sergipe).

Diversos questionamentos têm sido feitos a estes modelos, que não se mostraram mais “eficientes” na gestão dos recursos; pelo contrário, muitos serviços (em especial hospitais, mas já há casos de unidades básicas de saúde e CAPS) apresentam baixa resolubilidade, com escolha dos casos “menos dispendiosos” e restrição de acesso, além de gestão obscura dos recursos financeiros e ausência ou distorções do processo de controle social. Em São Paulo, o sub-relatório de OSs da CPI dos Gastos em Saúde, feita pelo deputado estadual Raul Marcelo (PSOL), demonstrou as dificuldades em obter dados referentes aos serviços geridos por OSs.

Para piorar este cenário, quem trabalha nestes locais sofre com baixos salários, jornadas elevadas, assédio moral, ritmo extenuante, insegurança sobre sua continuidade no emprego. Nada do que precisa um servidor público para poder se dedicar ao cuidado à saúde da população. Assim, o que se entende como “novos modelos gerenciais” deve ser entendido como privatização dos modelos de gestão. Nunca é demais

lembrar que este modelo está em franca expansão, pois a lei aprovada na Alesp tornou todos os serviços de saúde do estado suscetíveis a serem geridos por OSs, e uma deputada da base do governo Serra fez uma emenda que permitia a cobrança por internações e procedimentos nos hospitais públicos. Mais uma vez, o PSOL tem assumido a linha de frente contra as privatizações, seja denunciando este processo na Alesp, seja se incorporando a iniciativas como o Fórum Popular de Saúde de SP e a Frente pela Municipalização do Hospital Ouro Verde de Campinas.

Políticas de atenção à saúde

As formulações iniciais dos defensores do SUS defendiam que fosse criado o sistema de atenção à saúde no Brasil organizado a partir de uma sólida rede de atenção básica, isto é, uma rede de postos de saúde com alto grau de resolutividade, nas áreas de prevenção, cura, reabilitação, que tenha amplo acesso a atenção à saúde mental, atividades físicas, entre outras. Que ela fosse integrada com uma rede de serviços de atenção secundária, onde há especialidades médicas e de reabilitação, por exemplo. Que houvesse uma rede de atenção à urgência e emergência, com pronto-socorros e ambulâncias integradas. Que todos estes serviços tivessem a retaguarda de um sistema hospitalar bem equipado. E que os profissionais que trabalhassem neste sistema tivessem uma formação desde o início voltada para o cuidado à saúde do povo brasileiro, fossem bem pagos e tivessem boas condições de trabalho. Esses são, grosso modo, os traços gerais da utopia sonhada por aquelas e

aqueles que defendem o SUS como direito social universal.

Embora com grandes avanços, como o programa DST/AIDS ou a expansão da rede de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), o que se observa atualmente, no que diz respeito às políticas de atenção à saúde são grandes retrocessos. Passando pela falta de medicamentos para pacientes com AIDS, pelos ataques sistemáticos (em especial por parte do governo do PSDB em São Paulo) aos avanços da luta antimanicomial e da reforma psiquiátrica, pelas debilidades crônicas e estruturais do Programa de Saúde da Família, incluindo as políticas que nem chegaram a se constituir como tais, como a Rede Nacional de Saúde do Trabalhador (RENAST), as consequências do processo de desmonte lento e gradual do SUS se fazem sentir de forma mais acentuada nos últimos anos. Se considerarmos que o SUS já vai para 22 anos, e que o Programa de Saúde da Família, que tem 16 anos, cobre apenas 47,7% da população brasileira, vê-se que a situação é de uma calamidade naturalizada por uma sucessão de governos sem compromisso com a atenção pública à saúde.

Por isso o PSOL defende a expansão da rede assistencial com qualidade e de forma a contemplar os anseios do povo brasileiro pelo direito à saúde. Os eixos de nosso programa são:

Sistema Único de Saúde 100% público, que não seja refém do capital ligado aos controladores de planos de saúde e das indústrias de equipamentos e farmacêutica;

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Fim do estrangulamento financeiro do SUS;

Fim das terceirizações (seja via OSs, OSCIPs ou FEDP, entre outras);

Contratações imediatas de profissionais de todas as categorias da área da saúde por concurso público e de um plano de carreiras unificado para @s trabalhador@ s do SUS;

Autonomia do movimento e de democracia real nos espaços de controle social;

Universalização da atenção básica, cuja principal estratégia em nosso país é a Saúde da Família;

Expansão da rede hospitalar, de urgência e emergência e de atenção ambulatorial especializada;

Ampliação e consolidação dos serviços de Vigilância à Saúde;

Acesso equânime às tecnologias que podem prevenir, curar e reabilitar os brasileiros e brasileiras que sofreram agravos de saúde;

Sistema universitário público que forme profissionais em número suficiente e afinados com as necessidades de saúde do povo;

Garantia de programas especiais destinados aos setores mais oprimidos como mulheres, negros, indígenas, LGTTB, portadores de deficiência,

idosos, crianças e juventude, e às regiões onde a assistência é mais crítica;

Legalização do direito ao aborto garantido integralmente pelo SUS;

Defesa da saúde do trabalhador em seu processo de trabalho.

EDUCAÇÃO

Para explicarem o mau desempenho da rede de ensino, os governos fazem crer que o problema é apenas gerencial – dos “recursos humanos” que dispõem, isto é, os professores, considerados então como descompromissados ou incompetentes, ou da má gestão da escola. Daí que as soluções que encontram são também de ordem gerencial: bonificação para os melhores profissionais, premiação por mérito e que tais, fazendo valer nas escolas e nas redes de ensino a lei fundamental da concorrência de mercado, como se gerenciassem uma grande empresa.

O que temos observado nos últimos anos é o estabelecimento de uma relação contábil na educação, com repasse de recursos de acordo com o número de matrículas, e a adoção de políticas públicas que buscam acatar as exigências impostas pelos organismos internacionais de contenção de recursos, em detrimento da ampliação necessária dos investimentos na área educacional e da expansão do ensino público de qualidade.

Assim, buscam atender apenas os aspectos quantitativos em prejuízo dos qualitativos,

demitem em massa os profissionais da educação, em nome da “racionalização de custos”, do “enxugamento da máquina”, superlotando as salas de aula, congelando a expansão da rede física e dispensando a adequada relação que deve existir entre professor e número de alunos em sala de aula. Tal tem sido a forma de pensar e agir daqueles que definem as políticas públicas – do PSDB ao PT, cuja “competência técnica” está a serviço dos mandamentos do mercado e cuja “eficiência” levou o ensino público à bancarrota pedagógica.

É necessário inverter a lógica do debate. Trata-se, antes, de firmar compromisso com as propostas que surgiram dos movimentos em defesa da educação pública e criar melhores mecanismos para uma gestão verdadeiramente democrática, com ampla participação popular. Educação, para o PSOL, é um direito que deve ser garantido com qualidade e de modo gratuito para o conjunto da sociedade. Não se pode confundir direito com serviço, mal barateado pelo mercado. A questão central continua a ser o investimento público para a educação, bem como para todas as políticas sociais, cujo financiamento tem sido drenado para o ajuste fiscal e pagamento da dívida pública.

Por outro lado, também é necessário reverter completamente as políticas educacionais implementadas e vigentes. Há tempos a educação é arrochada por diversos instrumentos de avaliação do sistema de ensino (IDEB, IDESP, SARESP, provinhas e provões) que orientam a definição das políticas públicas, que convertem o direito à educação

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de qualidade em uma mercadoria, um “serviço” a ser prestado, cuja qualidade pode ser demonstrada em índices, estatísticas e gráficos de quanto o serviço “rendeu” e estipulam metas de produtividade; exploram a simpatia dos “consumidores” em belas campanhas publicitárias. Assim, se cria uma escola que se presta às estatísticas, mas que desconhece a escola real, e aquilo que se passa em seu dia-a-dia.

Nada disto serve aos interesses da sociedade. Para nós, a educação como direito de todos se inscreve em um contexto maior, em um programa político que pretende, a um só tempo, reverter a barbárie e o processo de desumanização crescente; reduzir as desigualdades sociais e promover a igualdade. E isto pressupõe a redefinição do papel do Estado e outro modelo de gestão, plural e democrática.

Os eixos e princípios aqui defendidos não se pretendem novos, inéditos – pelo contrário: as referências para a elaboração deste programa são duas: o Plano Nacional de Educação: Proposta da Sociedade Brasileira [PNE, 1998], e o seu correlato paulista, o Plano Estadual de Educação: Proposta da Sociedade Paulista [PEE-SP], ambos elaborados pela sociedade civil organizada, pelos sindicatos, professores, especialistas, pais, mães, estudantes – tudo isto em meio a Congressos e discussões de anos a fio.

O PSOL quer assim resgatar o sentido político da educação, no qual se projeta outra sociedade possível e necessária, de homens e mulheres livres da

domesticação de suas forças morais e intelectuais, porque se reconhecem como sujeitos da história. Para isto se requer assumir a educação como parte de um projeto estratégico, voltado para a mobilização das grandes maiorias do povo. A educação deve estar a serviço da socialização dos meios intelectuais de compreensão crítica da realidade, de formação e exercício do intelecto, autônomo e libertário do senso-comum – concepção esta que norteará o projeto pedagógico a ser debatido e disputado em nossas escolas e onde mais a prática educativa se dê. Para tanto, é preciso reencontrar a autonomia do trabalho dos professores e professoras — e não sujeitá-los a “cartilhas” que nada dizem a respeito do que se passa no dia-a-dia da escola e da comunidade.

A educação é um direito inalienável e cumpre ao Estado promovê-lo, garantindo o acesso de todos e todas. Assim, educar as crianças, desde a primeira infância, mas também os que nunca passaram pela escola; educar os jovens e adultos, que por quaisquer motivos abandonaram a escola ou foram abandonados por ela. Promover as condições indispensáveis para que o trabalho dos educadores possa ser desenvolvido com qualidade.

Reverter a atual política educacional do arrocho pressupõe repactuar com os municípios as responsabilidades e redistribuir sob outros critérios os recursos da educação. A municipalização do ensino deixou desassistida a educação infantil – historicamente vinculada aos municípios – e também a educação de jovens e

adultos. Para o PSOL, é de fundamental importância, para garantir as reais necessidades da educação em nosso país, em cada etapa ou modalidade de ensino.

Isto nada tem a ver com a imposição de matricular uma criança de 5 anos no ensino fundamental. É preciso respeitar a educação infantil e suas especificidades, considerando a adequação dos espaços, da estrutura física, dos equipamentos e tudo o que for necessário para o desenvolvimento do trabalho pedagógico, para poder oferecer uma formação adequada aos alunos. Significa criar as condições para atender as crianças nas escolas e mantê-las na educação infantil até os 6 anos. Antecipar o ingresso das crianças no ensino fundamental (como foi induzido pela política de “contabilidade” com os recursos) retira delas as possibilidades de construir conhecimentos de maneira lúdica, num espaço e trabalho pedagógico mais adequados à essa faixa etária, respeitando a especificidade da infância.

Para estabelecer as condições objetivas que ajudem a viabilizar o anseio da sociedade brasileira por um ensino público, democrático e de qualidade, cumpre observar a limitação da quantidade de alunos por professor. Ora, no raciocínio meramente contábil que vem sendo diuturnamente aplicada, esta condição desaparece: são salas de aula abarrotadas de alunos, como um depósito de crianças, em que o trabalho do professor e o acompanhamento zeloso com o processo de aprendizagem dos alunos, o que cada um deles produz e o que poderia produzir, se vêem inviabilizados. Nestas

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condições, não é surpresa que o desempenho dos alunos seja tão ruim.

Começamos a melhorar a qualidade do ensino ao dar condições, desde a sala de aula, para o trabalho dos profissionais que ali atuam, reduzindo o número de alunos por professor, considerando a respectiva faixa etária e seguindo as recomendações internacionais (até 20 crianças por sala na educação infantil; 25 na fundamental e 35 no ensino médio).

Condições estruturantes para garantir educação de qualidade

A ampliação de recursos destinados à manutenção e o desenvolvimento do ensino possibilitarão iniciativas que visem à redução de alunos em sala de aula, a ousadia da experimentação de alternativas educacionais, a ampliação do período escolar, a opção por uma jornada de trabalho dos professores mais digna e dedicada aos problemas educacionais. Três questões emergenciais devem ser resolvidas:

Salários – Em primeiro lugar, valorizar o magistério público passa por oferecer condições de vida aos profissionais da educação, com uma política salarial decidida em garantir que progressivamente possam ter segurança econômica em optar por uma única jornada de trabalho, exclusiva na rede estadual, e não desdobrarem-se em várias escolas, acumulando vínculo com as redes municipal, estadual e particular, o que compromete a saúde dos trabalhadores e a qualidade do ensino.

Jornada de Trabalho – Em segundo lugar, garantir aos professores o tempo necessário para o planejamento das atividades pedagógicas, bem como de sua formação profissional continuada, reduzindo o tempo em sala de aula com educandos, de modo que a cada hora com os alunos haja também uma hora de trabalho pedagógico.

Plano de Carreira – Em terceiro lugar, rever o Plano de Carreira do Magistério com amplos debates com a categoria, fazendo prevalecer os mecanismos democráticos de decisão. Cumpre dizer, sobre este aspecto, que os governos têm sistematicamente definido e alterado a regulamentação por decreto, sem sequer consultar os trabalhadores.

Tais iniciativas vão na contramão das políticas fundadas na idéia de “meritocracia”, em que o plano de carreira nega qualquer reajuste linear para o conjunto dos professores, pois o que vale agora é o “merecimento”, de uns poucos – quando o direito já não é de nenhum. Para nós, o “mérito” deve ser perseguido não a partir dos parâmetros técnicos; o nosso mérito é político, e tem a ver com a qualidade socialmente referenciada: uma escola que se abre para a comunidade, que transforma relações humanas, que ensina e aprende com democracia e liberdade. E isto, obviamente, não pode ser avaliado em uma prova.

As políticas de alfabetização, de governo a governo, apelam para o regime de parceria, “terceirizando” as responsabilidades do Estado para contar com a benevolente vontade de entidades

assistenciais, doações financeiras de empresas e particulares. Esta é uma manifestação do poder público de absoluto descaso para com a questão, não encarando o problema do analfabetismo com sua devida importância, aceitando que estes homens e mulheres terminem suas vidas na condição de iletrados. O PSOL quer abrir salas de educação de jovens e adultos, e não fechá-las, como tem sido a prática comum dos governos que aí estão. Queremos incentivar as pessoas a voltar para escola, a fazer parte dela, para que construam novos saberes e possam ter mais ferramentas para intervir em sua realidade e, conosco, possam ser protagonistas do seu próprio destino.

Para o PSOL, as Universidades Públicas, Centros Tecnológicos e os Institutos de Pesquisa em Ciência e Tecnologia terão papel estratégico na formulação de propostas e alternativas para o desenvolvimento do país e dos estados. Para tanto, requer-se mais investimentos e financiamento público – para que o conhecimento não seja uma propriedade privada. É preciso reverter a tendência a que estas instituições foram induzidas com a criação das diversas Fundações.

Direitos da criança e do adolescente

A situação da violação dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes no Brasil continua sendo da maior gravidade. As situações de desrespeito ao que está previsto em lei (Estatuto da Criança e do Adolescente) e nos documentos internacionais (principalmente a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do

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Adolescente) dos quais o Brasil é signatário, demonstrando claramente que o aumento da riqueza do país não se configura em realização dos direitos humanos do seu povo, tendo em vista a permanência de um quadro de extrema desigualdade social e violência do qual as crianças e adolescentes são as principais vitimas.

O PSOL entende que efetivar os Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes é efetivar os Direitos Humanos de forma geral, garantindo educação, saúde, assistência social, habitação, segurança, cultura, lazer, geração de emprego e renda, bem como o enfrentamento de todo tipo de preconceito como o racismo, machismo e homofobia. Todas estas garantias devem ser cumpridas de acordo com a lei já existente em nosso país, associado a políticas e ações que possibilitem construir um paradigma societário em que a crianças e adolescentes tenham atenção integral do Estado e suas instituições.

Os dados de violação em decorrência da ausência de uma ação contundente em favor dos direitos da criança e do adolescente tem nos levado a indicadores perversos: segundo pesquisa realizada pela UNCEF, em conjunto com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos e o Observatório das Favelas, considerando o nível de violência hoje existente nos grandes centros urbanos a previsão é que entre 2006 e 2012 o país contabilize a morte de 33 mil adolescentes, ou seja, 5.500 adolescentes mortos por ano por morte violenta, sendo a esmagadora maioria de adolescentes negros e pobres.

De acordo com dados do Disque 100, de janeiro a abril de 2010 foram realizadas quase 8.8 mil denúncias envolvendo crianças e adolescentes vítimas de agressão e violência sexual no Brasil, uma média de 73 denúncias por dia. A exploração sexual alimenta uma rede de pessoas e empresas que se beneficiam da exploração, como taxistas, aliciadores e donos de motéis. Em 78% dos casos, as vítimas são meninas, entre dez e 12 anos, e marcadas pela pobreza. Na sua maioria, o criminoso é um adulto de sexo masculino.

A falta de políticas públicas voltadas para a defesa dos direitos humanos e de políticas sociais e educacionais que garantam o bem estar do jovem tem sido a outra face de uma concepção conservadora e elitista em lidar com a exclusão da juventude em nosso país. O resultado disso tem sido o crescente aprisionamento de um grande numero de adolescentes por terem cometido crime contra o patrimônio ou crime social, que acontecem exatamente pela falta de políticas sociais capazes de impedir que os adolescentes venham a cometer esses atos. Ao mesmo tempo, a opção pelo encarceramento, sem a aplicação de outras medidas alternativas, contraria a própria lógica da discussão penalista para adultos, que privilegia penas alternativas em detrimento do encarceramento.

A crueldade dessa lógica tem, na pratica, reduzido a idade para responsabilidade penal, já que muitos dos adolescentes que estão internados ou sofreram algum tipo de medida sócio-educativa, tem sido deslocados diretamente para o sistema prisional de adultos, que no caso do Brasil já ocupa

o triste 4º lugar mundial que mais aprisiona no mundo, perdendo apenas para os EUA, China e Rússia. No estado de São Paulo quase 60% dos encarcerados estão na faixa de 18 a 24 anos, num claro processo de rejuvenescimento da população carcerária.

O PSOL defende os princípios que constam do Estatuto da Criança e do Adolescente e propõe avanços no sentido de ampliar os direitos das crianças e adolescentes já conquistados pela lei. Para isso é preciso:

Integrar nacionalmente as políticas em defesa da criança e do adolescente em todas as áreas de atuação do Estado, Colocando em prática a transversalidade das políticas públicas para este segmento da sociedade; desobstruir,

Ampliar e respeitar os canais de Participação Popular nos conselhos ligados a infância e a adolescência, ampliando a representação da sociedade civil; fortalecer as defensorias públicas em parceria com os governos estaduais para ampliar os quadros de funcionários e o atendimento à infância e a juventude fundamentado na defesa dos direitos humanos;

Revisar em conjunto com a defensoria e a promotoria pública nos estados os processos de todos adolescentes internos nas unidades de internação visando substituição do aprisionamento pelo cumprimento de penas

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alternativas e de caráter social conforme o caso;

Incentivar no plano estadual a extinção das Unidades de Internação da FEBEM/Fundação Casa, que só agravam e violam os direitos dos adolescentes. Apoiar a criação de unidades que de fato respeitem a lei, com o controle social da comunidade local, garantindo em lei a liberdade de fiscalização permanente dos órgãos responsáveis para esse fim;

Intensificar as ações da Policia Federal em conjunto com as polícias estaduais para banir a violência, a exploração sexual e o trafico de crianças e adolescentes; Apoiar com recursos federais a instituição de delegacias especializadas no combate a crimes praticados contra crianças e adolescentes;

Realizar campanhas educativas e divulgação permanente sobre os direitos da criança e do adolescente por meio de publicidade pública nos canais de TV, rádio, jornais e internet, buscando massificar na sociedade novos valores humanos em relação aos cuidados das crianças e jovens;

Realizar anualmente uma conferência nacional com ampla participação da sociedade civil em caráter deliberativo para fins de formulação de políticas públicas no âmbito federal para defesa e promoção dos

direitos das crianças e adolescentes;

6. DIREITOS HUMANOS

Os Direitos Humanos têm sido tratados pelo Estado brasileiro, nos níveis municipal, estadual e federal, sob forte influência dos setores conservadores de nossa sociedade. Isso impede o avanço nas políticas públicas, para além da retórica sobre a universalização e a igualdade de direitos, e garante a impunidade e a reprodução dos métodos violentos para contenção e repressão sociais, aplicados ao longo da história do Brasil, sobretudo nos governos ditatoriais.

A construção política desta concepção nas últimas décadas conta com o uso do aparato de comunicação social e se dá através da dispersão e da fragmentação dos Direitos Humanos nos chamados “segmentos historicamente vulneráveis e discriminados”. Os segmentos oprimidos, dispersos, batalham entre si tanto pela representação nos espaços de participação como também, por políticas públicas, programas e ações afirmativas que atendam suas demandas específicas.

Esta fragmentação perde de vista a totalidade: “as solidariedades se desfazem na decomposição do ‘eu múltiplo’ e nas subjetividades pulverizadas de uma socialização em migalhas” (Daniel Bensaid). Perde-se de vista principalmente a questão de classe e o papel da violência institucional, exercida diretamente pelo aparelho repressor do Estado na criminalização dos habitantes

dos territórios e das populações submetidas à pobreza.

A violência institucional banalizou a tortura e o assassinato exercidos por agentes do Estado brasileiro, tendo a seu favor uma opinião pública obscurantista, cínica e complacente com os crimes dos ricos e da classe média e rigorosa na punição extraordinária dos pequenos delitos contra o patrimônio que povoam as nossas prisões.

A impunidade e a prática do esquecimento pelo Estado brasileiro

As violações aos direitos humanos, no corpo e na vida dos oprimidos têm longa história no Brasil. A tortura, que sempre existiu no nosso passado escravista, na Primeira República e nas ditaduras, continua existindo e é cotidianamente praticada nas delegacias e presídios, mas são tornadas invisíveis aos olhos da opinião pública. O mesmo acontece hoje com as execuções sumárias praticadas por policiais.

A invisibilidade da violência institucional hoje tem a ver com a prática brasileira do esquecimento que confronta os princípios da chamada “Justiça de Transição” que é o conjunto de mecanismos, judiciais e extrajudiciais, criados pelas sociedades para trabalhar com o legado histórico das violações de direitos humanos e atrocidades cometidas em massa na passagem de um regime autoritário ou totalitário para um Estado democrático de direito.

Esses mecanismos impõem como obrigação ao Estado, não apenas em relação às vítimas

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dessas violações, mas a toda a sociedade: 1) investigar, processar e punir os violadores de direitos humanos; 2) revelar a verdade às vítimas, seus familiares e a toda sociedade; 3) oferecer reparações econômicas e simbólicas, desenvolvendo instituições de memória; e 4) afastar os violadores de órgãos públicos e posições de autoridade. Na América Latina isso está condensado nas consignas de Memória, Verdade, Justiça e Reparação.

O Brasil é o país mais atrasado na aplicação desses princípios, preservando a impunidade em relação à violência institucional do Estado brasileiro em todos os níveis. As denúncias de agressões, violações de direitos humanos, ações violentas e assassinatos praticados pelos agentes do Estado contra a população submetida à pobreza e os movimentos sociais são cada vez mais freqüentes no país.

Criminalização da Pobreza

Essas formas de violência institucional que acomete a população submetida à pobreza e os territórios onde vivem têm raízes diretas com a violência repressiva da ditadura militar, que golpeou os militantes políticos, boa parte deles oriundos da classe média. É a impunidade e o esquecimento dos crimes de torturas, assassinatos e desaparecimentos de corpos praticados durante a ditadura que estruturam a banalização do atual quadro de violência institucional. Na invisibilidade dos crimes atuais contra os habitantes dos territórios da pobreza está contido o desprezo pelos marginalizados e excluídos da sociedade de

mercado, mas também, a tolerância para com as violações dos direitos humanos contra a vida e a integridade física, atingidas pela tortura e pelas execuções sumárias.

É preciso romper a barreira do esquecimento e da verdade dos crimes cometidos pelo Estado ao longo de nossa história e em particular na ditadura militar, para que haja tomada de consciência das atuais violações e crimes que continuam progressivamente ocorrendo contra as populações submetidas à pobreza, a ponto de transformarem-se em política de Estado.

Os habitantes dos territórios da pobreza, favelas e periferias, sobretudo a juventude negra são alvos privilegiados de invasões e abordagens truculentas, seguidas de torturas e tratamentos cruéis e degradantes, de encarceramento muitas vezes injusto e “plantado”, ou, no limite, de execuções sumárias, às vezes com ocultamentos de cadáveres. Esse tratamento, ilegal do ponto de vista de qualquer legislação, está banalizado, naturalizado, integrado à “normalidade” da sociedade brasileira.

A criminalização da pobreza é realizada essencialmente em dois eixos complementares e simultâneos, um pela via legal e outro estritamente ilegal, porém tolerado pela sociedade. O eixo legal é o encarceramento em condições totalmente degradantes. Dados do Departamento Penitenciário Nacional apontam que a população carcerária do País saltou de 232.755 em 2000 para 473.626 em 2009, mais que dobrou, somando-se pessoas com penas definidas e que

aguardam julgamento. No mesmo período, a população brasileira total cresceu 11,8%. São Paulo congrega o maior número de presos do Brasil: mais de 150 mil, sendo que 50% tem entre 18 e 24 anos, com super representação da juventude negra.

Além disso, o cumprimento da Lei de Execuções Penais, que permitiria ao preso sair para o regime semi-aberto depois de cumprida uma parte da pena, é dificultado ao máximo pelo Poder Judiciário e pelas Administrações Penitenciárias, já que há poucas vagas em presídios especiais para isso.

Para os pobres também não vale a regra de que preso sem condenação em última instância pode aguardar o julgamento em liberdade: quando o presidente do STF concedeu dois habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas em menos de 48 horas, havia 211 mil presos na mesma situação. Injustiças gritantes, presos indevidos por troca de nome, humilhação e arbitrariedades de toda espécie com os parentes que os visitam, falta de assistência médica da qual decorrem graves seqüelas e às vezes até a morte, falta de assistência jurídica e, além do mais, as torturas como castigo pelas denúncias das más condições, este é o retrato do sistema carcerário feito para os pobres.

O eixo ilegal da criminalização da pobreza é realizado em flagrante contradição com a legislação: são as execuções sumárias ou extrajudiciais realizadas por agentes do Estado – policiais militares e civis, guardas municipais, agentes carcerários e outros – em serviço e fardados, ou fora de serviço, contra pessoas

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descobertas em flagrante delito, contra suspeitos a partir de um “padrão” pré-determinado que tem a ver principalmente com sua condição social e sua raça ou etnia e ainda contra os chamados “inocentes”, metralhados casualmente por se encontrarem em lugares onde a pobreza é perseguida.

Apesar de ilegal, esta atividade é incentivada por uma parte da sociedade brasileira e sua mídia, enquanto a opinião pública progressista ignora estes atos, tornados invisíveis. A justificativa para as execuções sumárias é sempre a “legítima defesa” jamais investigada ou provada. Os casos são registrados nos boletins de ocorrência como “resistência seguida de morte” ou “auto de resistência”, a vida do assassinado é vasculhada na busca de razões que demonstrem um passado delituoso ou obscuro e, o homicídio executado pelo agente do Estado não é registrado. A cena do crime é sempre desfeita. Os mortos (ou semimortos) são jogados na caçamba do camburão policial e levados para hospitais e as cápsulas das balas recolhidas.

Exemplos destas formas de execução foram os chamados “Crimes de Maio” na suposta reação do Estado contra o crime organizado em que mais de 490 pessoas foram assassinadas pelas forças públicas sendo 60% com menos de 36 anos e apenas 94% sem qualquer histórico de passagem por um distrito policial. Ou ainda as recentes mortes por espancamentos de dois jovens motoboys na Grande São Paulo.

Além disso, em São Paulo, os policiais matam através dos chamados “grupos de

extermínio”, homens encapuzados executando chacinas, como forma de amedrontar as comunidades. A autoria policial da maior parte das chacinas só vem a ser confirmada a contragosto das investigações policiais, quando um grupo de extermínio torna-se tão saliente que não é mais possível esconder a sua existência, como os “Matadores dos 18″ (18º Batalhão da Polícia Militar) em 2007, os Highlanders (que cortavam as cabeças dos assassinados), em 2008 e o grupo de Policiais acusados pelos assassinatos de 23 jovens na baixada santista em 2010.

Por outro lado, não há estatísticas confiáveis das mortes por agentes do Estado, as instituições acadêmicas e as autoridades se congregam em inépcia para obscurecer os crimes, enfiando-os na categoria de “homicídios” e transferindo-os para a “violência da sociedade”. As diversas contagens variam, pois os critérios inexistem, justamente como forma de impedir não apenas a investigação policial, como também as análises acadêmicas que, na falta de um padrão confiável, se baseiam nas estatísticas de saúde que distorcem a autoria do crime.

A criminalização dos movimentos sociais

O aprofundamento e continuidade das políticas neoliberais sob o governo Lula, a cooptação de lideranças e de grande parte dos movimentos sindicais e sociais pelos aparelhos de Estado, têm favorecido na atual conjuntura o fortalecimento de uma ofensiva de direita que aglutina partidos políticos tradicionais,

poder judiciário, empresários e a grande mídia comercial na propagação de uma ideologia que clama por repressão e criminalização dos movimentos sociais combativos.

Exemplos disso são as perseguições e as tentativas de extinção judicial do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra MST e o fechamento de escolas vinculadas ao movimento em assentamentos consolidados. Além da truculência com que são tratadas as ações do MST e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), em ocupações de terras rurais e urbanas que não cumprem qualquer função social ou a repressão a lideranças do Movimento Terra Trabalho e Liberdades (MTL) que estes sofreram uma tentativa de incriminação e tiveram suas prisões decretadas por terem organizado ocupações de terra na luta por reforma agrária no Triângulo Mineiro (MG).

Com o movimento sindical combativo, que ainda resiste à retirada de direitos sociais, demissões, reduções salariais e ataques ao direito de greve, o processo de criminalização também vem ocorrendo. Sofre pesadas multas, restrições de suas atividades através de “interditos proibitórios” que, determinados pela justiça, impedem ações próximas das unidades de trabalho e a repressão direta pela polícia militar.

Em conseqüência desta ofensiva conservadora contra os movimentos sociais, a impunidade e as ameaças de mortes e assassinatos de lideranças de trabalhadores rurais e defensores de direitos humanos, principalmente no

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campo, tem se intensificado. Da mesma forma esta ofensiva conservadora tem provocado uma série de assassinatos de lideranças indígenas, prisões e torturas, como a do cacique Babau e sua irmã, do Povo Tupinambá da Bahia. Desta forma os movimentos têm sido alvos constantes do poder judiciário e da polícia em diversos estados do país e suas manifestações frequentemente são enquadradas pela mídia comercial e pelo judiciário como similares ou vinculados com o “terrorismo”.

Segregação social

A segregação social é imposta pelo Estado brasileiro, como forma de restringir a presença e a circulação da população submetida à pobreza, a determinados territórios da cidade, contendo-a em espaços “destinados a ela” e também, para “higienizar” totalmente os territórios de interesse do capital imobiliário, viabilizando a “circulação segura” de investidores e ou seus empreendimentos.

Expressando-se na imensa desigualdade social, com o aprofundamento da pobreza urbana e o crescimento das favelas e periferização da população, a resposta do encarceramento em massa de pobres já parece não ser suficiente. Agora se faz necessário o controle dos territórios pobres por meio de barreiras e ocupações militares em diferentes estados, visando reforçar a estrutura social estigmatizadora e segregacionista.

As ocupações militarizadas e permanentes refletem uma política vinculada à noção de extermínio. O controle

permanente da vida dos moradores pelas forças de segurança por meio de toques de recolher, abordagens humilhantes, invasões de domicílios, criminalização das pessoas e da cultura popular têm sido cada vez mais o cotidiano das populações mais pobres das favelas e das periferias urbanas.

Os métodos utilizados pelo Estado no processo de segregação social, além daqueles já abordados, envolvem políticas como:

Os chamados “toques de recolher” e programas de intolerância total ou “tolerância zero” adotados em muitas cidades do interior paulista e na grande São Paulo, cerceando liberdades em especial de moradores de rua, adolescentes e jovens;

Intervenções urbanísticas e obras como remoções compulsórias e construções de verdadeiras muralhas que separam as comunidades pobres dos bairros abastados e territórios de interesse do capital;

Crimes onde o Estado com operações variadas de sua máquina, expulsa comunidades inteiras para fazer valer seus interesses e de seus aliados, como foi o caso dos alagamentos provocados recentemente pelo governo do estado de São Paulo através do controle de vazão das águas do Tietê na região do Jardim Pantanal;

Negação do direito à cidade com elaboração

de legislações restritivas e que ferem liberdades individuais e coletivas, como as mudanças em padrões urbanísticos atendendo a especulação imobiliária.

Total desrespeito à função social da terra e ignorância dos dispositivos preconizados no Estatuto da Cidade e que deveriam figurar nos Planos Diretores.

Discriminação

Embora as discriminações sejam tratadas em capítulos específicos deste programa, em relação aos direitos humanos torna-se importante pontuar alguns dos aspectos desta construção histórica.

É preciso dedicar especial atenção ao combate de toda discriminação, tendo em vista que as políticas públicas do Estado brasileiro são fortemente permeadas por discriminações de gênero, raça, orientação sexual ou identidade de gênero, geração, religião, etnia, entre outras que permanecem impregnadas nas instituições. Isso só faz agravar o conjunto das violações discutidas anteriormente, contra determinados grupos sociais.

A população negra, sobretudo a juventude, são as principais vítimas do Estado brasileiro tanto por ser a maioria da população submetida à pobreza, como pelo estigma carregado pela sua negritude. O termo “faxina étnica” usado no texto específico da comunidade negra, talvez seja o que melhor denuncie a ampliação do extermínio de jovens negros nas periferias das cidades.

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Os registros de ameaças, agressões e outras formas de violência contra mulheres vêm crescendo em todo o país como crescem também os casos de violência fatal, originadas pela não apuração de denúncias registradas junto aos órgãos de segurança e totalmente ignoradas pelos agentes do Estado.

Aumentam também as agressões e assassinatos, motivados pela homofobia e pela intolerância contra a população LGBT.

Essas são apenas algumas das formas de manifestações discriminatórias que deverão ser combatidas frontalmente, por um Estado comprometido como o fim de toda forma de discriminação e preconceito. Desta forma ao traçar seu programa de governo o PSOL incorpora com radicalidade e prioridade absoluta a temática dos Direitos Humanos, comprometendo-se com políticas que levem a:

Fim do registro de “Resistência seguida de morte” ou “Auto de resistência” e pela investigação do homicídio cometido pelos agentes do Estado;Desmantelamento dos grupos de extermínio;

Desmilitarização das polícias e formação ideológica continuada da corporação;

Desmilitarização das periferias urbanas;

Julgamento e punição para os agentes do Estado que cometem tortura e execuções sumárias;

Aplicação aos presos da Lei de Execuções Penais e respeito à integridade física dos presos e de suas famílias;

Não à anistia aos torturadores do período da ditadura militar.

A partir da experiência de luta dos movimentos em defesa dos direitos humanos no Brasil o PSOL defende as seguintes políticas, agrupadas por áreas de ação:

Segurança Pública

Praticar políticas de Segurança Pública a partir dos marcos da garantia de direitos e não de policiamento. Desta forma, apoiamos a desmilitarização das nossas favelas e periferias. Os projetos que visam o extermínio da população pobre ou “aldeamentos de produção de obediência”, tais como a utilização do Caveirão, a política de remoções de favelas, a construção de muros, a implementação de Unidades de Polícia Pacificadora, entre outros, não podem ser encarados como pontos que avançam na defesa dos Direitos Humanos, pois são implementados pela lógica da repressão/controle e não da garantia de direitos.

Cumprimento dos 58 pontos encaminhados no Relatório da CPI das Milícias (Autoria do Deputado Estadual Marcelo Freixo – PSOL/RJ).

Legalização das drogas culturais como um meio de cessar ou diminuir as intervenções repressivas nas comunidades. Os possíveis problemas decorrentes do uso de drogas devem ser encarados

como uma questão de saúde e não de polícia. Não é admissível o número de mortos e feridos e as políticas de repressão aos pobres decorrentes de uma suposta “guerra às drogas” promovidas pelo Estado.

Instituições Totais e Acesso à Justiça

Abolir as Carceragens da Polícia Civil. A polícia civil é investigativa e manter carceragens foge à sua competência. Além disso, os presos que hoje se encontram sob esta tutela deveriam estar em Casas de Custódia, aguardando o seu julgamento definitivo ou sua liberdade em estabelecimentos adequados ao respeito de seus direitos.

Total prioridade ao cumprimento em meio aberto das medidas sócio-educativas.

Fim da prática da revista íntima constrangedora e vexatória às visitas dos detentos nos locais de privação de liberdade.

Estabelecer limites para a prisão provisória. É absurdo ficar preso durante anos sem haver julgamento que tenha sentenciado o encarceramento, realidade de grande parte dos presos hoje no Brasil.

Garantir assistência familiar aos presos, de modo a efetivar a aproximação de seus interesses à sociedade civil organizada.

Voto do preso: ampliação dessa campanha para todo o Brasil de modo a fazer uma discussão efetiva da cidadania e acesso a direitos dos detentos.

Novas formas de resolução dos conflitos: retirá-las do

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âmbito do direito penal, realocando-as em outros ramos do direito que também sancionam – civil e administrativo – e estimulando a própria fiscalização da sociedade.

Acesso à Justiça no campo e na cidade - Promoção de sistema de justiça mais acessível, ágil e efetivo, para o conhecimento, a garantia e a defesa dos direitos. Propor projeto de lei para institucionalizar a utilização da mediação nas demandas de conflitos coletivos agrários e urbanos, priorizando a oitiva do INCRA, institutos de terras estaduais, Ministério Público e outros órgãos públicos especializados, sem prejuízo de outros meios institucionais para solução de conflitos. Direção democrática indicando a participação da comissão de negociação (Tema suprimido pelo governo do PNDH 3 - Violência, Segurança Pública e Acesso à Justiça Objetivo Estratégico VI).

Comunicação e Cultura

Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para consolidação de uma cultura em Diretos Humanos. Propor a criação de marco legal, nos termos do art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condicionalidade para outorga, renovação e concessão, prevendo penalidades administrativas como advertências, multas, suspensão da programação e cassação das concessões, de acordo com a gravidade das violações praticadas. (Tema

suprimido pelo governo do PNDH 3 - Educação e Cultura em Direitos Humanos Diretriz 22: Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para consolidação de uma cultura em Diretos Humanos).

Discutir com o Ministério Público a proposição de ações objetivando a suspensão de programação e publicidade atentatórias aos Direitos Humanos. (Idem).

Em nenhuma hipótese os órgãos e autoridades militares e policiais devem tratar da questão cultural. Cultura precisa ser tratada pelas autoridades competentes da cultura sob a perspectiva do incentivo à cultura comunitária de base e da garantia das liberdades artísticas, lingüísticas, sociais, políticas e de expressão, respeitando a autonomia dos agentes culturais perante o Estado. Estes precisam trabalhar sem restrições que se assemelhem à censura ou aparelhamento estatal da linguagem local e das atividades de arte e lazer. O dever das autoridades de segurança pública é garantir a segurança dos participantes nas redondezas dos eventos, para que a atividade cultural possa ser desenvolvida plenamente. E o dever das autoridades da cultura é elaborar a aplicar políticas públicas de incentivo aos eventos culturais, com prioridade às atividades comunitárias promovidas por agentes populares, construindo, aperfeiçoando e adequando aparelhos públicos necessários para o desenvolvimento de oficinas, espaços de formação, cursos profissionalizantes, eventos de pequeno, médio e grande porte. Cultura é linguagem, trabalho e educação. Para uma repactuação social com

protagonismo da juventude, investir em cultura nesses termos é uma das prioridades na luta por direitos humanos.

Concepção de Desenvolvimento e Mundo do Trabalho

Todo apoio à PEC 438, projeto que prevê o confisco de áreas urbanas ou rurais onde for comprovada a prática de trabalho análogo à escravidão.

Negar uma concepção de desenvolvimento que expropria as nossas riquezas, provocando graves danos ambientais, e explora os nossos trabalhadores. Desta forma, somos contrários aos grandes projetos que reproduzem esta lógica, como é o caso da TKCSA.

Direitos das Mulheres

Considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos, trabalhar pela aprovação de um Projeto de Lei que legalize o aborto e ofereça esse procedimento no SUS, assim como outras ações e procedimentos necessários, baseados no princípio da integralidade que orienta o Sistema Público de Saúde no Brasil. (Tema suprimido pelo governo do PNDH 3 - Universalizar direitos em um contexto de desigualdades - Diretriz 9 – Combate às desigualdades Estruturais - Objetivo Estratégico III).

Laicidade do Estado

Respeito às diferentes crenças e liberdade de cultos e garantia da laicidade do Estado. Excluir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União. (Tema suprimido pelo governo do PNDH 3 - Diretriz

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10: Garantia da igualdade na diversidade).

Direito à Memória e à Verdade

Abertura completa dos arquivos da ditadura militar brasileira e construção de medidas de responsabilização dos responsáveis pelos crimes políticos. Identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos, suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade, bem como promover, com base no acesso às informações, os meios e recursos necessários para a localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos. (Tema suprimido pelo governo do PNDH 3 - Diretriz 24: Preservação da memória histórica e a construção pública da verdade).

Desenvolver programas e ações educativas, inclusive a produção de material didático-pedagógico para ser utilizado pelos sistemas de educação básica e superior sobre graves violações de direitos humanos ocorridas no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988. (Idem)

Suprimir do ordenamento jurídico brasileiro eventuais normas remanescentes de períodos de exceção que afrontem os compromissos internacionais e os preceitos constitucionais sobre Direitos Humanos. Fomentar debates e divulgar informações no sentido de que logradouros, atos e próprios nacionais ou prédios públicos não recebam nomes de pessoas identificadas

reconhecidamente como torturadores. (Tema suprimido pelo governo do PNDH 3 - Diretriz 25: Modernização da legislação relacionada com promoção do direito à memória e à verdade, fortalecendo a democracia).

Acompanhar e monitorar a tramitação judicial dos processos de responsabilização civil sobre casos que envolvam graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988 (Idem)

7. POR UM BRASIL SEM RACISMO

Com o 50 são Outros 500! PSOL - partido da resistência negra, indígena, feminista e popular27

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) é uma das etapas de mais de 500 anos de resistência negra e indígena em nosso país. Um “novo partido contra a velha política” que vem a público apresentar-se como um partido socialista, que está sempre ao lado do povo. Por isso, somos o partido dos Outros 500 de resistência indígena e negra. Um partido que incorpora as novas frentes de luta, relegadas a um segundo plano por parte da esquerda, em seu discurso e em sua prática!

Nestes mais de 500 anos, o povo brasileiro luta contra o egoísmo e a exploração dos ricos e a da burguesia (os donos dos meios de produção, das terras e do Estado), que produz desigualdades, opressão,

intolerância e o racismo. Sempre resistimos: do primeiro guerreiro indígena que tombou defendendo seu território e tradições contra o colonizador, ao negro que se rebelou e formou o primeiro quilombo; da primeira mulher que disse “não” e recusou-se submeter ao patriarcalismo; aos trabalhadores que ousaram organizar a primeira greve e fundar o primeiro sindicato; até os homossexuais que lutaram contra estereótipos e pela liberdade de ser e assumir o próprio desejo! O PSOL é parte da resistência histórica e das lutas do povo brasileiro e da classe trabalhadora! 50 são Outros 500!

O PSOL entende que o racismo é um instrumento de dominação criado pelas elites colonialistas a mais de quinhentos anos, e que até hoje se torna uma forma de controle e discriminação da população negra de nosso país. A prática do racismo no sistema social e político capitalista é estrutural, ou seja, é apoiada pelo Estado e por seus aparelhos ideológicos (meios de comunicação, escolas, universidades etc.). Enquanto houver capitalismo, haverá racismo!

Nos dias de hoje, em tempos de hegemonia das políticas neoliberais, o racismo brasileiro tem uma face institucional e militar: a faxina étnica. Esta política de faxina étnica define – para negros, “pardos”, “morenos” e “mulatos” – quais são os territórios em que podem viver e a forma como devem viver. Favelas, periferias, subúrbios e alagados são fenômenos que revelam, no território urbano, a unidade entre capitalismo e racismo, entre classe e raça. Esta é uma

27 Contribuição do Setorial de Negras e Negros do PSOL ao Programa de Governo do PSOL - Plínio 50 Presidente.59

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política de recolonização que divide nossas cidades em territórios distintos: um reservado aos ricos e brancos; outro, aos trabalhadores e negros.

Esta divisão da sociedade brasileira tem efeitos perversos, sobretudo, para o povo negro. As poucas e ineficazes políticas de combate ao racismo vieram acompanhadas do aumento da pobreza, da criminalização e da faxina étnica dos territórios negros urbanos. A penetração imperialista em nosso imaginário social está atrelada a reprodução de estereótipos racistas. O racismo e os seus efeitos na quebra da auto-estima do povo brasileiro é condição necessária à reprodução da ideologia dominante. Para que o povo brasileiro se reencontre é necessário combater o racismo e o imperialismo, colocar nos trilhos a economia brasileira, distribuir radicalmente a renda, intensificado o mercado interno, fazer a titulação das terras quilombolas, combater a faxina étnica e o racismo ambiental28, impedir a destruição do meio ambiente, mudar o atual modelo punitivo de política de segurança pública e tonificar nossa democracia.

Questões importantes para as mulheres negras também foram anunciadas na criação de uma secretaria para as mulheres, com políticas sobre a violência contra as mulheres e a legalização do aborto – que também era defendida pelo ministro da saúde do segundo mandato de Lula. Após sua criação, a principal ação da

secretaria em relação à violência contra as mulheres foi financiar projetos de ONG’s para questões localizadas, ao invés de construir uma política nacional. Isto se deu até a criação da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06). As mulheres negras são as que mais procuram e necessitam das estruturas públicas para sair das situações de violência. Entretanto a falta de verbas para efetivá-la fez com que a lei ficasse no papel e servisse apenas como propaganda ideológica governista. Denunciar o descaso do governo com a segurança e vida das mulheres trabalhadoras é nossa tarefa; exigir verba para a garantia desta lei, como a existência de casas abrigos, centro de referências, delegacias especializadas é parte da nossa luta imediata.

Já a proposta de legalização do aborto foi duramente atacada após o acordo com o Vaticano (PDC 1736/09), fortalecendo mais uma vez a idéia de que políticas importantes para a população menos favorecida não são prioritárias para este governo, além de sinalizar que, neste país, não existirão políticas laicas, nem na educação (o acordo prevê a obrigatoriedade do ensino católico nas escolas públicas), nem na saúde. Em cada canto deste país as mulheres que mais morrem vítimas de abortos clandestinos e mal feitos são as mulheres negras. O Dossiê sobre o aborto, construído pelo movimento feminista, com os dados de saúde do SUS, em 2005, mostra isso.

Não podemos deixar de nos solidarizar com o povo haitiano que teve sofrimento acentuado, com os abalos dos terremotos, quando já sofria com a crise política e de estado. As tropas brasileiras enviadas pelo Governo ao Haiti, não garantem a pacificação e cumprem o papel de impedir as manifestações e revoltas populares. As mulheres no Haiti, depois desta grande tragédia recente, são perseguidas e violentadas pelas tropas de ocupação. Em uma situação de barbárie, as mulheres são as principais vítimas. Denunciar esta situação vivenciada por elas a toda a sociedade, não é algo secundário.

Plínio 50: Opção pela igualdade racial

Plínio tem uma longa trajetória política marcada pela coerência, coragem e defesa dos direitos humanos. Sua candidatura representa uma opção pela igualdade, pela reforma agrária, em defesa dos territórios quilombolas, contra o racismo institucional e ambiental, pela legalização do aborto, contra a faxina étnica e a intolerância religiosa. Com a força da sabedoria e de nossa ancestralidade africana, Plínio é um patrimônio político da esquerda que não se vendeu e que se mantém do lado do povo.

Ao optar pela igualdade, o PSOL indicou como candidato a vice presidente, Hamilton Assis, uma liderança histórica do movimento sindical, popular e negro. Um vice negro

28 Chamamos de Racismo Ambiental as injustiças sociais e ambientais que recaem de forma implacável sobre grupos étnicos vulnerabilizados e outras comunidades, discriminadas por sua origem ou cor. Exemplos: 1) A questão do Morro do Bumba, que são refugiados ambientais. Não foram reassentados até agora. 2) A questão da Aracruz Celulose que invade e expulsa comunidades quilombolas e indígenas. 3) A insatisfação de índios, populações tradicionais e representantes de movimentos sociais com relação à falta de informação sobre a construção da Hidrelétrica de Belo Monte. Lamentavelmente, a falta de informação e de oitiva das pessoas diretamente afetadas por “grandes obras” não são “privilégios” das populações do Rio Xingu, na Amazônia.

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comprometido com as reivindicações dos movimentos sociais e do movimento negro, capaz de fazer um contraponto real entre os projetos de Dilma, Marina e Serra que, no fundo, não tem diferença nenhuma.

A candidatura de Plínio de Arruda Sampaio / Hamilton Assis representa ao povo negro a luta por uma nova sociedade sem exploração, sem faxina étnica, sem racismo e opressão. A chapa presidencial do PSOL está comprometida com os movimentos sociais e com uma agenda de mudanças pra valer!

Nosso programa político

Mudança de verdade significa respeito aos movimentos sociais e a construção de um programa político de ruptura com o atual modelo econômico excludente, racista e anti-povo. As candidaturas de Serra (PSDB), Dilma (PT) e Marina (PV) são “farinha do mesmo saco”: não tem coragem para mudar, para fazer a opção pelo povo, pelos pobres e excluídos.

A população negra é a que mais sofre com a manutenção do atual sistema econômico. Somos os primeiros nas filas de desemprego. Somos os que engrossam os números do trabalho informal, sem direitos trabalhistas e previdenciários. Somos os que mais sofrem com a precariedade do serviço de saúde, transporte e educação. Com a faxina étnica, somos nós que mais sentimos com a falta de moradias decentes e a atual política de segurança repressora e racista digna dos períodos mais duros do Apartheid na África do Sul.

Defendemos o tratamento digno e o respeito aos direitos

humanos da população carcerária pois somos nós, os negros e negras, as maiores vítimas das políticas de “tolerância zero” que pune negros e pobres para manter livres magnatas e ladrões de colarinho branco! São as mulheres negras as que mais morrem pela não legalização do aborto! Os quilombolas que são atacados violentamente por especuladores e latifundiários e tem seus direitos retirados pelo Governo Lula! Sem vagas nas universidades públicas, sem cotas raciais, nossos filhos e jovens negros não podem estudar nos centros educacionais voltados exclusivamente a formação das elites. Já é hora de dar um basta a esta situação! Negros e negras conscientes são anticapitalistas, nas mentes e nos corações!

A luta contra o racismo não pode estar dissociada da construção de um novo projeto de sociedade justa, fraterna, igualitária, multicultural e multirracial. O PSOL defende políticas públicas, de combate ao racismo e voltadas à população negra, integradas a um projeto mais amplo de transformação social, de caráter popular e socialista:

Contra o Estatuto da (Des) Igualdade Racial do PT e DEM;Por um Estado Laico e pela revogação do Acordo Lula-Vaticano (PDC 1736/09).Contra a intolerância religiosa! Apoio a Campanha “Quem é do Axé, diz que é”, promovida por entidades do movimento negro, e que tem como objetivo estimular os adeptos das religiões de matriz africana a assumirem esta

condição durante o levantamento do Censo 2010.Pelo cumprimento do Tratado da Conferência de Durban (2001) que trata da reparação histórica do povo negro e indígena.Por uma Política de Segurança Pública Democrática e Popular, construída com os movimentos populares, sociais, negro, indígena e de direitos humanos que tenha como marco o respeito aos direitos civis e as liberdades individuais.Pelo respeito aos direitos humanos da população carcerária;Apuração de todos os atos de violação aos direitos humanos de agentes do estado. Federalização da apuração dos assassinatos praticados pelas Polícias Militares;Contra o Racismo Ambiental! Defesa do decreto 4887/2003 que regula a demarcação de terras Quilombolas. Retomada dos processos de demarcação e homologação dos territórios quilombolas. Utilizar os instrumentos legais para revogar a Instrução Normativa da Advocacia Geral da União que atenta aos interesses das populações quilombolas.Cotas Raciais nas Universidades Públicas e Escolas Técnicas Federais.Cotas Raciais nos Concursos Públicos.Criação do Feriado Nacional de 20 de Novembro – Dia Nacional da Consciência

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Negra (Lei Oliveira Silveira).Criação de um Programa com o objetivo de combater a faxina étnica nos territórios negros urbanos e rurais.Desenvolvimento de Programa de Combate ao Racismo Institucional.Programa Nacional de Formação de Professores em Cultura Negra, Africana e Indígena tornando obrigatória esta disciplina nos currículos escolares.Pela regulamentação dos dispositivos constitucionais que garantam a representatividade parlamentar de negros e povos originários na Câmara e no Senado Federal.Pela garantia nas Universidades públicas do desenvolvimento de cursos, programas e conteúdos voltados ao estudo, conhecimento e preservação dos conhecimentos tradicionais africanos e dos povos originários.Retirada Imediata de todas as tropas do Haiti!Por uma política de saúde integral à população negra! Defesa e efetivação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, com a incorporação desta temática nos cursos de graduação de saúde.Pela legalização do aborto, como questão da saúde pública, evitando a morte de mulheres pobres, principalmente negras, além de valorizar

a autonomia - direito ao próprio corpo!Criação de políticas públicas de reconhecimento e promoção das manifestações culturais da população negra (funk, hip hop, capoeira, samba etc).

8. MULHERES

O feminismo como elemento necessário para o socialismo que devemos construir29

A temática das mulheres perpassa os diversos aspectos de um programa de governo. Perceber a realidade excludente e a desigual vivida pelas mulheres no mundo do trabalho; no acesso a direitos sociais como educação, saúde e moradia; no controle de sua sexualidade e direitos reprodutivos; e no cruel cotidiano da violência doméstica nos obriga a enfrentar seriamente essa questão, buscando caminhos para superar as relações sexistas em nossa sociedade.

O enfrentamento a opressão de gênero em todas as suas manifestações, revendo comportamentos e a forma como a sociedade se organiza é imprescindível para a construção de uma nova sociedade e para evitar a perseguição, humilhação, violência e morte de tantas mulheres.

A apresentação de dados e a defesa demagógica da igualdade de gênero apenas no viés da ocupação de espaço pelas mulheres na política não é

suficiente para dar as respostas necessárias à situação das mulheres brasileiras. A rotina e a naturalização da desigualdade e violência contra a mulher exigem um compromisso contundente com essa luta. Exige enfrentar forças poderosas como o conservadorismo religioso e os donos do capital, contestando os costumes mais arraigados transmitidos secularmente as novas gerações.

Tradicionalmente os partidos ditos de esquerda apresentam dificuldades para incorporar a luta pela libertação das mulheres ao seu programa. Os que o fazem, na maioria das vezes, agem por puro exercício de retórica. A opressão às mulheres está presente em todas as esferas da nossa sociedade. Está no seio da classe trabalhadora e de suas organizações políticas. No entanto, constatar esta realidade deve ser a mola propulsora para compreender o papel que cumpre esta opressão específica no capitalismo e os mecanismos de que devemos lançar mão para superá-la. Esta é uma tarefa histórica do movimento feminista classista.

Estamos em pleno século XXI ainda debatendo e lutando pelos direitos das mulheres, para que as mesmas sejam reconhecidas, para além da formalidade legal, como “sujeitas” da sua história e da historia da humanidade. Toda esta modernidade e avanço da técnica não mudaram substancialmente a situação das mulheres em todo o mundo. Ainda hoje compomos 70% da população mais pobre do mundo, segundo dados da ONU. Somos vitimas de violências brutais e ganhamos

29 Contribuição do Coletivo de Mulheres do PSOL ao programa de governo do PSOL - Plínio presidente 50.62

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os piores salários no mercado de trabalho.

Discutir a opressão da mulher na sociedade capitalista não é uma tarefa simples e fácil de fazer, sobretudo por vivermos num sistema que trata de naturalizar as agressões, a exploração, a opressão e outras formas que degradam a figura humana, particularmente a feminina. Ao naturalizar estas opressões, colocam-nas como imanentes à Ordem, necessárias para a reprodução da humanidade, escondendo sua função essencial para a reprodução do capital. O fato da opressão sofrida pela figura feminina ao longo da história não ser precisada com o início do capital não impede que o próprio a assimile com o objetivo de se tornar mais forte.

A sociedade capitalista se baseia no mito da divisão sexual do trabalho, tratada no interior desta sociedade como um processo natural e inquestionável. A nossa tarefa, enquanto socialistas marxistas e revolucionárias, é desnaturalizar estas relações. A constatação de que o atual sistema depende também da opressão das mulheres para se perpetuar, nos leva à conclusão lógica de que não há lugar para a emancipação feminina nos marcos do capitalismo e que o discurso liberal de igualdade e liberdade nunca passará de uma farsa. Portanto, a luta feminista deve ser antes de tudo, uma luta anticapitalista, uma batalha junto às classes trabalhadoras pela construção de uma sociedade radicalmente diferente que elimine a propriedade privada e se baseie em princípios de solidariedade e liberdade. As mulheres do Partido Socialismo e Liberdade reforçam esta aposta. Para nós, deve ser defesa intransigente de

toda nossa militância a desconstrução desses papéis.

O programa de governo do PSOL reafirma o compromisso de nosso partido com a autonomia e dignidade das mulheres e apresenta as contribuições do Coletivo de Mulheres do PSOL para o enfrentamento do machismo em nosso país. Uma contribuição essencial para um projeto que se dispõe a lutar pela emancipação humana, de homens e mulheres, que sonham e caminham juntos na direção de outra sociedade. Para o PSOL o debate a cerca da opressão sexistas deve ser colocado em primeiro plano, pois a opressão às mulheres é elemento constituinte deste sistema que não apenas explora como também oprime todo o conjunto da classe trabalhadora. Nosso programa sobre este tema tem cinco pontos que avaliamos estruturantes para um programa que discuta política para mulheres hoje:

1. Saúde da Mulher

A participação dos usuários do SUS tem sido reivindicada para melhor estabelecer o controle da qualidade dos serviços de saúde. Setores ligados aos movimentos sociais têm se articulado e mobilizado para que a saúde seja realmente de qualidade e para todos e todas, participando do controle social e propondo políticas específicas. A maioria dos usuários dos SUS nacionalmente são as mulheres e a população negra.

No entanto, diferentes fatores, desde resistências interpostas pela presença do racismo, como principalmente o desconhecimento acerca dos seus impactos, aliados aos

demais determinantes sociais sobre a saúde da população e das ferramentas necessárias para seu enfrentamento no âmbito do Sistema Único de Saúde e o exercício profissional e de controle social cotidianos, podem dificultar o desenvolvimento das diferentes etapas necessárias a realização efetiva do direito à saúde da população.

As condições de vida das mulheres negras contrariam a tendência mundial que as mulheres vivem mais que os homens. A expectativa de vida para as afrodescendentes é de 66 anos, está alguns meses abaixo da média nacional que é de 66,8 anos. A precária situação da saúde das mulheres negras está diretamente relacionada à desigualdade de acesso aos serviços de saúde de qualidade. As dificuldades de acesso aos serviços de atendimento ginecológico e obstétrico são maiores para as mulheres negras: são constatadas diferenças relacionadas com número de exames ginecológicos, consulta pré-natal e até mesmo com a proporção de parturientes que receberam ou não anestesia.

As principais causas de mortalidade materna são hemorragias, hipertensão, infecções puerperais, doenças do aparelho circulatório complicadas pela gestação, parto, puerpério e abortamento inseguro. Supõe-se que em 92% dos casos, os ditos óbitos maternos poderiam ser evitados. Em 1998, no Brasil, entre as causas diretas de morte materna, o aborto era a quarta causa, com 4,7%, sendo 1,3 % de abortos espontâneos e 3,4 % de provocados, conforme Tanaka (2001). Não dá para fechar os olhos quando os dados indicam que meninas de

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10 a 15 anos e mulheres entre 30 e 39 anos aparecem com maior peso na mortalidade por aborto e que os óbitos por aborto, em sua maioria, são de solteiras ou separadas judicialmente.

O Estado brasileiro é responsável pelas seqüelas e mortes decorrentes do aborto inseguro ao permitir que pobres, negras e jovens só encontrem guarida para interromperem uma gravidez indesejada no aborto inseguro. E neste cenário o PSOL faz a defesa da integralidade de políticas que possibilitem a saúde da mulher com as defesas de:

Retirada do Acordo com o Vaticano (PDC 1736/09);Defesa da Legalização do aborto, como questão da saúde pública, evitando a morte de mulheres pobres, principalmente negras, além da autonomia - direito ao próprio corpo;

Defesa e efetivação da Política Nacional de Saúde da População Negra, com a incorporação desta temática nos cursos de graduação de saúde.

2. Luta pelo fim da Violência contra a mulher

As mulheres não têm seus corpos resguardados. De acordo com a Anistia Internacional, uma de cada três mulheres no mundo foi agredida, obrigada a manter relações sexuais ou submetida a algum outro tipo de abusos na vida. No Chile, segundo dados do Centro de Análise de Políticas Públicas da Universidade do Chile, na região metropolitana de

Santiago, 50,3% das mulheres já foram violentadas.

Os números que denunciam a violência sofrida pelas mulheres no Brasil não são diferentes. Milhões de mulheres no Brasil vivem abaixo da linha da pobreza; não têm direito à educação; morrem nas filas dos hospitais sem assistência médica e sem medicamentos; recebem salários até 40% a menos desempenhando a mesma função que os homens; são maioria entre os desempregados, entre os sem-carteira assinada; muitas se submetem ao trabalho escravo, sem qualquer remuneração apenas para terem “guarita”, um lugar para comer e dormir. Caracterizando como a feminização da pobreza.

Além disso, sofrem com o permanente assédio sexual e moral presentes em todos os locais nesta sociedade, estampado nas bancas de jornal, nos programas televisivos que ‘coisificam’ as mulheres, transformando-nos em objetos sexuais e/ou escravas domésticas, feitas para o consumo. A prostituição infantil de nossas meninas é outra forma bárbara de expor a violência, bem debaixo dos narizes de nossos ilustres políticos, assim como o tráfico internacional de mulheres, cujo negócio só perde em rentabilidade para o tráfico de drogas e de armas.

São inúmeras as formas de violência as quais nos mulheres brasileiras trabalhadoras estamos submetidas. Não precisamos ir muito longe para ter um exemplo de um escândalo de mulher violentada, a exemplo do caso de uma estudante negra que foi violentada em uma

universidade justamente por ser negra e ser mulher, enquanto seu agressor não foi detido por racismo nem por machismo. Casos como esse são comuns em todas as partes do mundo. Entretanto segundos dados da ONU a violência doméstica é a principal causa de lesão entre as mulheres de 15 a 44 anos.

No Brasil uma em cada quatro mulheres já foi vítima de violência doméstica (se consideramos todos os tipos de violência este número é ainda maior). Em cada 100 brasileiras assassinadas 70 são no âmbito das suas relações domésticas, envolvendo o pai, tio, marido, etc. (Dados da ONG Pagu). O caso recente descoberto no Maranhão é exemplar desta prática de violência doméstica: o pai manteve a filha presa em casa por 17 anos e durante todo esse tempo manteve relações sexuais com a mesma e tiveram 7 filhos. Casos assim estão espalhados pelo mundo a fora e vem sendo mascarados pela justiça.

Segundo pesquisas apenas 10% das vítimas de violência sexual prestam queixa a policia. As mulheres vítimas deste tipo de violência sentem-se constrangidas em estar em uma delegacia onde devem provar que foram agredidas, para além de tudo que sofreram. Outro elemento é a inexistência de serviços capazes de assistir as mulheres nesta situação. Não existem delegacias de mulheres suficientes e as poucas que há, devido à falta de verba, não têm estrutura e tampouco funcionários capacitados para atenderem este tipo de situação. A dependência financeira é um dos agravantes nestes casos, pois a mulher acaba não tendo para onde ir nestes momentos de agressão. Não temos uma política estatal conseqüente,

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mesmo paliativa, capaz de garantir abrigos públicos, “casas abrigo” para as vítimas e seus filhos.

A promulgação da Lei nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006, batizada de Lei Maria da Penha, em homenagem a Maria da Penha Fernandes, vítima de duas tentativas de homicídio por parte do ex-marido e que acabou paraplégica, constitui um avanço no âmbito jurídico ao combate da violência doméstica e familiar contra a mulher. A lei reconhece a gravidade do problema e o caracteriza como crime; corrige distorções até então presentes no Código Penal; para além do caráter punitivo, apresenta preocupação em prevenir a violência contra a mulher; garante assistência e proteção à ofendida, independente de sua orientação sexual, e a seus dependentes menores; aponta para a criação de centros de educação e de reabilitação para os agressores.

Apesar do avanço jurídico, a efetivação da lei ao longo destes anos já se mostrou insuficiente. O governo Lula se mostrou incapaz de garantir às mulheres brasileiras o que se apresenta nas disposições preliminares da lei, precisamente o artigo 3º que diz:

“Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e

à convivência familiar e comunitária”.

Segundo pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, o número de entrevistadas que conhecem vitima de violência contra a mulher subiu entre 2006 e 2009 (anos em que foi realizada a pesquisa) de 51% para 59%. A maioria das vitimas não tomam atitudes porque não confiam na efetividade da lei Maria da Penha. O governo de Lula, ao sequestrar os recursos destinados às áreas sociais como a saúde, a educação, a moradia, o transporte e transferi-los para o pagamento de juros aos banqueiros, afeta principalmente as mulheres. Ironicamente, assim que a lei foi promulgada o governo federal cortou 30% do orçamento destinados ao combate à violência contra a mulher.

As recentes pesquisas nos mostram o descaso deste governo, sobretudo no que se refere ao combate a violência sexista. Segundo dados do IBGE e do Ministério do Desenvolvimento Social em pesquisa publicada em 2010 sobre informações municipais, somente 2,7% das cidades brasileiras possuem abrigos institucionais. Outro dado do IBGE é que apenas 7% das cidades possuem uma delegacia especializada para mulheres e, desses 7%, nenhuma tem o atendimento adequado e a orientação é sempre que a vítima volte para a casa e retire a queixa, pelo bem estar da família.

Estes números revelam os limites da Lei Maria da Penha, que apesar de contemplar no papel as exigências para o combate a violência contra a mulher, como casas abrigos e

delegacias especificas, não possui verbas destinada a tal combate. Uma lei “para inglês ver”. Neste sentido, os avanços conquistados formalmente não são revertidos em soluções para este grave problema. Vale dizer que em São Paulo, o governo estadual assinou o Pacto de enfrentamento à violência contra a mulher e não apresentou recursos e ações concretas para enfrentar essa questão.

Diante deste quadro é preciso intensificar um conjunto de ação que combatam a violência contra a mulher e lhes garantam o pleno acesso aos seus direitos legais, tais como:

Combate ao sexismo, ao racismo, à homofobia e à xenofobia;Acesso aos métodos contraceptivos e à gravidez assistida;

Aborto legal garantido em hospitais públicos;

Ampliar e equipar as delegacias de defesa da mulher;

Criação emergencial de Casas de Abrigo.

3. Educação não sexista

Entendemos a temática da educação em duas frentes: enquanto direito universal para todas e todos, especialmente para as crianças pequenas historicamente negligenciadas pelo poder público, e como prática social fundamental para a construção de novos valores e condutas entre homens e mulheres. Defendemos uma educação não sexista, que busque socializar nossas crianças e jovens sob uma nova

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perspectiva, desconstruindo a imagem estereotipada do que é ser homem e ser mulher e todas as suas decorrências. Para tanto, é necessário reconhecer a escola como espaço privilegiado para combater a reprodução de preconceitos, invertendo a seu atual papel de formar as crianças e jovens sob um olhar sexista que naturaliza as desigualdades.

Essa não é uma tarefa fácil, especialmente no contexto do atual modelo de desigualdade, que mantém um sistema de ensino reduzindo os investimentos em educação, com condições precárias e profissionais mal remunerados, que ainda são culpabilizados pelas mazelas da escola pública. As políticas neoliberais de sucateamento da educação pública têm inviabilizado uma ação de formação das educadoras e educadores, bem como de toda a comunidade escolar, que possa refletir a cerca de suas práticas e as reformularem na direção de uma ação pedagógica mais igualitária entre meninos e meninas. É preciso investir em formação, de maneira consistente, reconhecendo os saberes dos profissionais e abandonando a homogeneização das opiniões e apostilamento dos conteúdos vinculados a avaliações que premiam ou punem os profissionais. Redirecionando a formação para buscar uma escola pública de qualidade. Qualidade essa percebida na formação de homens e mulheres livres, sem o peso da cultura patriarcal, machista e desigual.

A valorização do trabalho docente implica salário justo, defesa dos planos de carreiras, melhores condições de trabalho, garantia de horas-

atividades, garantia da formação permanente da professora pelo Estado, dentro de sua carga-horária e saúde às mulheres trabalhadoras e servidoras na/da educação.

Além da formação dos profissionais é necessário colocar em prática ações de educação sexual nas escolas. Substituir o olhar moralizante que só traz ignorância e preconceitos, pelo olhar e práticas formativas, favoráveis a autonomia e saúde de todas e todos. Defendemos a educação sexual para que a juventude possa construir sua sexualidade com informação, livre de estereótipos e que previna doenças sexualmente transmissíveis ou gravidez indesejada. Este tipo de educação só pode ser garantido com um Estado democrático e laico, respeitando toda a forma de manifestação religiosa, não interferindo na liberdade sexual.

A Educação como direito. O acesso a educação pública gratuita e de qualidade, para todas e todos ainda é uma reivindicação distante de ser atendida. Especialmente para as crianças pequenas, que não têm vagas nas creches e tem sido submetidas a uma concepção que não reconhece seu direito a infância, “inseridos” sem qualquer cuidado nas escolas, sem nenhuma alteração em sua dinâmica e estrutura física.

É importante destacarmos que as mulheres continuam tendo maior nível de escolaridade entre os homens. Entre as mulheres trabalhadoras, em 2008, cerca de 60% possuíam 11 anos ou mais de estudos em relação aos homens. Defendemos uma educação para “toda a vida”. É

igualmente necessário garantir políticas de assistência estudantil aos/as jovens universitários/as (moradia, transporte, alimentação, etc.); defendemos a instalação e funcionamento de creches e lavanderias públicas.

Creches públicas para atender toda a demanda necessária;Educação Pública, gratuita, laica e não sexista.

4. Mulher e o mundo do trabalho

Em tempos de crise, fica ainda mais evidente o ataque da sociedade capitalista contra as mulheres e mais claro também a necessidade de construção da luta pelo socialismo. O capitalismo mostra a impossibilidade de garantirmos justiça e direitos nesta sociedade que utiliza as mulheres como mercadoria e mão-de-obra barata. Segundo dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho), 2,4 milhões de empregos serão perdidos na America Latina, neste momento seríamos cerca de 15,7 milhões de desempregados na região. As mulheres e a juventude seguem sendo os mais atingidos, sendo as trabalhadoras 1,6 vezes mais desempregadas do que os homens.

Considerando que ganham menos em relação aos seus companheiros e que continuam exercendo a dupla ou tripla jornada de trabalho, não temos como desconsiderar que a crise esta caindo pesadamente sob as costas das mulheres. Em ambos os casos as mulheres são as mais atingidas, seja por terem que chefiar as famílias em condições mais precárias ou

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mesmo arcar com o desemprego e com a ausência de renda, um retrocesso que condena a mulher à esfera da vida privada.

Durante a crise o número de demissões no Brasil ultrapassou 700 mil vagas. A Folha de São Paulo em 2009 nos revela que 58,1% dos postos de trabalho perdidos até agora são postos femininos. Entre os desempregados, cerca de 52% são negros e pardos ou ainda negras e pardas. Com a escassez de emprego a “exigência” aumenta, mesmo com valores de mão-de-obra mais baixa, contratam em grande maioria homens brancos.

De acordo com o IBGE (Pesquisa Mensal de Emprego) as mulheres são a maioria da população e predominam entre os desocupados, ou seja, ainda são menos numerosas que os homens na população ocupada. Já, dentre aquelas que possuem alguma ocupação o rendimento das trabalhadoras com nível superior equivale a 60% do recebido pelos homens com a mesma escolaridade! Ainda assim, entre as mulheres trabalhadoras, 59,9% tinham 11 anos ou mais de estudo (isto, em janeiro de 2008), contra 51,9% dos homens. Por outro lado, enquanto o percentual de trabalhadoras com carteira assinada era de 37,8%, entre os homens ele já atingia 48,6% em 2008.

As mulheres trabalham muitas vezes sem regulamentação de jornada, sem férias e sem direitos. São elas, portanto, que vivem e sentem a desigualdade em relação aos homens, com diferenças salariais e discriminação nas promoções em seus ofícios. Em termos

regionais, a maior concentração de mulheres ocupadas com carteira assinada encontra-se na região metropolitana de Porto Alegre (42,4%); já na região metropolitana de Salvador, o maior percentual das mulheres ocupadas é em trabalhos domésticos (18,9%)!

Como medidas concretas para enfrentar esta situação é preciso que o Estado garanta fiscalização e proteção eficaz contra toda forma de exploração econômica sobre as mulheres, como os trabalhos forçados e escravo; e igualdade de salários entre homens e mulheres e todos os direitos sociais e trabalhistas garantidos!

O assédio moral e sexual são formas de violência que tem como campo privilegiado o ambiente de trabalho; não se trata de um fenômeno novo. Sabe-se que as leis que tratam deste tema não resolveram o todo. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, as mulheres tem sido as maiores vítimas deste tipo de violência, sobretudo as mulheres negras. Defendemos campanhas públicas nos meios de comunicação contra o assédio moral e sexual. Mas uma campanha que eduque e incentive o debate na sociedade sobre as formas de opressão de gênero.

As mulheres predominam entre os trabalhadores com jornadas menos extensas. Cerca de metade de homens e mulheres ocupados (51,6% e 49,5%, respectivamente), trabalham entre 40 e 44 horas semanais. No entanto, em faixas menores ou iguais a 39 horas, a população ocupada feminina predomina, com 26,4%, contra 10,1 % dos homens. O inverso

se verifica na faixa de trabalho maior que 45 horas semanais, com percentuais de 38,2% para homens e 24,1% para as mulheres. Defendemos a redução de jornada de trabalho, sem a redução do salário, conforme reivindicações do movimento sindical.

As mulheres predominam nos Serviços Domésticos e na Administração Pública. De acordo com a análise de distribuição das atividades econômicas, em janeiro de 2008, verificou-se que 16,5% das mulheres ocupadas realizam Serviços Domésticos e que 22% estão na Administração Pública, Educação, Defesa, Segurança, Saúde. Há pelo menos 13,3% nos Serviços prestados às Empresas e 13,1% se encontram na Indústria e pelo menos 0,6% na Construção, 17,4% no Comércio e 17% em Outros Serviços e Outras Atividades, segundo o IBGE. Já, entre os homens ocupados predomina a participação na indústria, 20,0%, e diferentemente das mulheres, eles têm um maior percentual de ocupação na construção, 12,0% e presença reduzida nos Serviços Domésticos, somente 0,7%.

É preciso que a legislação existente e específica ao trabalho doméstico seja cumprida e estendida (FGTS para todas as trabalhadoras), fiscalizada de forma que estejam asseguradas DE FATO todos seus direitos sociais (13º salário, férias de 30 dias, estabilidade para gestantes, direito aos feriados civis e religiosos, além da proibição de descontos por moradia, alimentação e pelo uso de produtos para sua higiene pessoal, entre outros).

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As políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes, idosos e mulheres devem ser EFETIVADAS; para tanto, é necessário não só prever recursos no orçamento público para tais, mas deve-se fazer chegar aos seus destinos, serem aplicados e fiscalizados pelo poder popular. Os cuidados para a reprodução da sociedade e cuidado dos idosos é de responsabilidade do Estado.

Salário igual para trabalho igual;Redução da jornada sem redução do salário;

Restaurantes e lavanderias públicas.

5. Mulher na Mídia

O corpo da mulher não é mercadoria e não deve ser tratado como tal. A publicidade expõe as mulheres como um produto para consumo. Geralmente são representadas como um objeto deste consumo; logo, para se ter algum valor, tem que seguir um determinado padrão de beleza. E, inevitavelmente, elas devem aceitar as condições do mercado e consumir uma enorme quantidade de produtos e serviços. As jovens são as que estão mais expostas à pressão da mídia, à imposição dos padrões de beleza, do mercado de consumo. Defendemos o controle público sobre as concessões e conteúdos difundidos pelos meios de comunicação numa perspectiva de gênero.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a bulimia e a anorexia são doenças que se encontram como as principais causas de morte entre as mulheres jovens! As cirurgias plásticas por motivo de estética vêm crescendo

assustadoramente no Brasil. Em 2006, o número de cirurgias desta natureza, realizadas por jovens mulheres cresceu 300%, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. O agravante se encontra nas formas facilitadas de acesso a tais procedimentos, através de parcelamentos e mesmo financiamentos ou consórcios, por exemplo! É preciso romper com os padrões de beleza, impostos!

Os meios de comunicação de massa são controlados por uma pequena elite burguesa e operam sobre as leis do mercado, reproduzindo, portanto, uma comunicação comprometida com a manutenção dos valores do sistema capitalista. Para contribuir com a lógica de dominação, os meios de comunicação de massa contribuíram sempre que possível para negar as idéias de classes sociais em conflito e de dominação de gênero. As novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), ainda que possibilitem ampliar as vozes dissonantes, não revogam as leis da exploração do trabalho e acúmulo de riqueza desta sociedade. Assim como os velhos meios de massa, muito do conteúdo das redes sociais e da internet reproduz regras da sociedade capitalista e patriarcal.

Diante deste quadro defendemos a democratização da comunicação, fomentando a organização de rádios, TVs e outras formas de mídias com caráter comunitário. Nossa campanha está comprometida com a luta contra o assédio e a exploração sexual, fiscalizando e combatendo as redes de turismo sexual e de exploração de mulheres, crianças e adolescentes. Os meios de

comunicação devem ser responsáveis na transformação do imaginário coletivo no que se refere ao machismo, ao sexismo, ao racismo e a homofobia. Estes meios devem implementar programas/campanhas de informação de longo ao alcance oferecendo informação sobre direitos e saúde das mulheres. Fortalecer e incentivar a organização de rádios e TVs comunitárias, como a garantia de acesso à informação às mulheres.

9. JUVENTUDE

O PSOL é um partido jovem. Mas também, é um partido de jovens. Basta observar os fóruns do partido para perceber a forte presença da juventude na construção partidária. São estudantes, trabalhadores do campo e da cidade, homens e mulheres do sul e do nordeste, de orientações sexuais, cores, credos e tribos distintas. Por isso, o PSOL apresenta nas eleições deste ano propostas que expressem a diversidade da juventude que sente os efeitos do modelo de exclusão social imposto pelo regime econômico das elites. Precisamos expressar, com a radicalidade que marca o PSOL, saídas estruturais para a juventude trabalhadora. Afirmar que só a superação do capitalismo poderá dar esperança aos milhares de jovens hoje sem perspectivas, ao mesmo tempo em que apresentamos nossa crítica às limitadas políticas de juventude do governo Lula acompanhadas de alternativas concretas para os problemas mais imediatos desta parcela da população.

Afinal, o que é juventude? Devemos, antes de tudo, entender a juventude

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como categoria socialmente construída. Ela ganha contornos próprios em contexto históricos e sociais distintos, e é marcada pela diversidade nas condições sociais, culturais, de gênero e até mesmo geográficas. O próprio IPEA, que tem feito diversas pesquisas na área, reconhece o problema ao afirmar que “(...) as políticas públicas federais carecem de um marco referencial mais coeso acerca do conceito de juventude. Sintomático disto é o fato de programas direcionais ao público juvenil operarem com faixas etárias diferentes” (IPEA, 2008).

A juventude caracteriza-se como um momento de confirmação de valores apreendidos na família e na escola, de ampliação dos círculos sociais e de um progressivo processo de assimilação de tarefas e responsabilidades próprias da vida adulta. A escolha da profissão, a entrada no mundo do trabalho, as primeiras experiências sexuais, etc. são expressões dessa condição. Assim, o Estado deve tomar a juventude como um conjunto social necessariamente diversificado, distribuído em diferentes culturas, em função de diferentes pertenças de classe, diferentes situações econômicas, diferentes parcelas de poder, diferentes interesses, diferentes oportunidades ocupacionais, etc. (PAIS, 1990). Ou seja, devemos negar a idéia de uniformidade da juventude, sobretudo quando defendida em nome de uma visão que apresenta a juventude como naturalmente progressista, logo, comprometida com uma posição de classe.

Um governo popular deve assumir as demandas da

juventude como problema social, produto das desigualdades provocadas pelo capitalismo: ela é expressão do problema da inserção profissional, da violência, dos direitos sexuais, do acesso à cultura, e claro, do direito à educação, só para citar alguns dos problemas socialmente mais reconhecidos como específicos dos jovens. Em outras palavras, reconhecer o jovem como um sujeito de direitos pelo qual lutamos. O PSOL, como já o faz em relação a outros segmentos – mulheres, negros, indígenas – deve incorporar uma plataforma de ações e políticas públicas que dialoguem com os problemas mais sensíveis dos jovens brasileiros.

No início dos anos 90, com o quadro de recessão predominante em toda América Latina, as contra-reformas neoliberais trataram de flexibilizar direitos conquistados pelos trabalhadores em várias áreas afim de manter as taxas de lucro das grandes corporações capitalistas. Esse processo de flexibilização encontrou no Brasil, duas “juventudes”: uma já inserida no mundo do trabalho, e que a rigor sequer era considerada enquanto tal, e uma sendo preparada para a produção por meio da educação. À sua maneira, cada uma dessas juventudes sentiu fortemente o impacto das políticas neoliberais, seja por meio do ataque aos direitos trabalhistas e previdenciários, reestruturação produtiva e desemprego, seja pelo desmonte da educação em todos os níveis.

Tendo como meta a retomada do crescimento econômico, os organismos oficiais e agentes internacionais

vinculados ao grande capital formularam uma agenda para a juventude: investir na reinserção escolar e na capacitação para o mercado de trabalho, como forma de construir uma reserva de mão-de-obra especializada e conter a violência (CASTRO, 2009). Desde então, há uma disputa entres a afirmação da educação e do trabalho como direitos em contraponto ao caráter meramente econômico da implementação destas políticas. Desta disputa, derivaram-se importantes questões, como a necessidade de políticas específicas para a juventude em várias áreas, e não apenas aquelas relacionadas ao trabalho e à educação.

A juventude em números

Segundo dados da projeção populacional do IBGE, em 2007 os jovens brasileiros com idade entre 15 e 29 anos somavam 50,2 milhões de pessoas, o que correspondia a 26,4% da população total. Para o ano de 2010, a projeção é que o número de jovens chegue a 51,3 milhões. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (IBGE) de 2007, 30% dos jovens podem ser considerados pobres, pois vivem em famílias com renda domiciliar per capita de até meio salário-mínimo.

Embora haja equilíbrio de gênero entre os jovens, sendo 50% de homens e 50% de mulheres, a pobreza é maior entre as mulheres jovens: 53%, assim como o é para o restante das faixas etárias da população. Os jovens de baixa renda concentram-se principalmente na região Nordeste (51% do total do país), sendo que 19% são jovens pobres de áreas

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rurais. Note-se ainda que 70,9% dos jovens pobres não são brancos, ainda que entre os jovens fora da linha da pobreza 53,9% sejam brancos.

As diferenças entre brancos e negros ficam evidentes em outras áreas, como saúde e educação. Em relação ao analfabetismo, constata-se que o número de jovens negros analfabetos, na faixa etária entre 15 e 29 anos, é quase duas vezes maior que o de jovens brancos. No ensino superior, a desigualdade entre negros e brancos é ainda mais gritante: com base nos dados da educação superior coletados pelo INEP em 2009, os brancos são 70,2%, os pardos 22,3% e os negros 4,6%. Entretanto, o percentual de concluintes brancos sobe para 76,4% enquanto o de pardos e de negros cai para, respectivamente, 17,5% e 2,8%.

Os jovens negros são também, as maiores vítimas da violência. Dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do SUS apontam que os jovens brancos do sexo masculino apresentam uma taxa de mortalidade por causas externas de 138,2 mortos a cada 100 mil habitantes, a taxa entre os jovens negros é de 206,9. Considerando a faixa etária entre 18 e 24 anos, a taxa de mortalidade é de 74,3 entre os brancos e de 163,1 entre os negros. Ou seja, a cada jovem branco morto por homicídio morrem, em média, dois negros.

As desigualdades aparecem ainda na proporção de jovens nas cidades e no campo. De acordo com o IBGE, 84% dos jovens vivem em áreas urbanas contra 16% dos jovens que habitam zonas rurais.

Porém, entre os que vivem nas cidades, 48,7% vivem em condições inadequadas de habitação. Além disso, os dados do censo permitem notar que, como nos dados mais gerais, as jovens mulheres tem renda per capita inferior ao dos homens.

Juventude e Governo Lula

Analisar de forma detalhada as políticas de juventude do Governo Lula é tarefa indispensável. Só assim é possível observarmos a linha de continuidade entre Lula e FHC presente também nesta área. Contudo, levando em conta a profusão de iniciativas levadas a cabo pelo governo e encaminhadas ao legislativo – como o Plano Nacional de Juventude e a Proposta de Emenda Constitucional 138/2003 – faremos apenas uma breve síntese das principais políticas públicas de juventude.

Atualmente o governo mantém 17 projetos, ações ou programas voltados para a juventude espalhados pelos Ministérios da Educação, Turismo, Esporte, Defesa, Trabalho, Desenvolvimento Agrário, Meio Ambiente e Desenvolvimento Social. O governo, através da Secretaria Nacional de Juventude, admite que o desafio é articular estas políticas de modo a criar uma Política Nacional de Juventude. Contudo, o que temos visto até agora é a criação de programas e ações sem nenhuma articulação, respondendo tão somente à pressão de grupos e interesses pontuais.

O Guia de Políticas Públicas de Juventude, publicado pela Secretaria Geral da Presidência da República em

2006, traz um resumo dos principais programas de juventude do Governo Lula. Entre as diversas ações chama atenção a quantidade de programas que incluem o pagamento em dinheiro aos beneficiados. Ao contrário, as iniciativas mais positivas, com destaque para aquelas implementadas no campo, são também as que atingem o menor número de jovens. Os programas Nossa Primeira Terra, Pronaf Jovem e Saberes da Terra são os de menor importância entre as ações do governo.

A orientação das políticas públicas de juventude nos oito anos de governo Lula foi marcada pela fragmentação das ações (até agora a proposta de criação de um comitê gestor das políticas de juventude o governo não saiu do papel), pela falta de recursos e pelo caráter marcadamente assistencial das principais medidas implementadas. Nem a criação da Secretaria Nacional de Juventude, nem do Conselho Nacional de Juventude – dominado por entidades subordinadas ao governo, conseguiu melhorar a situação. Prova de que sem enfrentar interesses e definir prioridades, criar estruturas de gestão ajuda nada ou muito pouco.

O que está na cabeça da juventude?

Para além de compreender o que é a juventude, devemos observar como pensam os jovens hoje. Afinal, o que está na cabeça dos milhões de jovens que são bombardeados diariamente pela propaganda de valores e visões de mundo que estimulam o individualismo, a competição e

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a negação de qualquer forma de solidariedade?

Pesquisas recentes mostram o efeito devastador da ofensiva neoliberal nos últimos anos. Segundo dados da Unicef (1999), o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking do pessimismo dos jovens sul-americanos quanto ao seu futuro, atrás apenas da Colômbia. Paradoxalmente, 84% dos jovens pesquisados acreditam no próprio poder de mudar o mundo.

Em relação à participação política, estudo da Unesco (2004) aponta que 13 milhões de jovens brasileiros já participaram ou participam de alguma forma associativa (movimentos sociais, ONGs, sindicatos, partidos políticos, etc.). Entretanto, apenas 2% dos jovens participam de algum trabalho social; enquanto 20% admite que gostaria de participar, 10% pensou mas desistiu e 68% nunca pensou em ter nenhum tipo de participação política.

Assim, podemos observar que da mesma forma com que afetou a participação popular em geral, disseminando uma cultura política fundada sob a conquista de resultados imediatos e a perda de referências estratégicas de transformação, o neoliberalismo fez diminuir o grau de engajamento da juventude em comparação com períodos anteriores.

Para superar esta situação, o PSOL propõe uma melhor articulação entre as ações, fortalecendo uma política nacional de juventude, ao mesmo tempo em que altera o caráter assistencial dos principais programas, na

perspectiva de favorecer um maior protagonismo político da juventude atendida pelos programas federais. Em outras palavras: o centro das ações de um governo comprometido com a vitória popular e a derrocada do capitalismo deve ser o de fortalecer a auto-organização da juventude, estimulando o protagonismo deste setor social nas mudanças que promoveremos e garantindo a efetivação dos direitos até agora inacessíveis aos jovens.

O governo do PSOL não terá como centro apenas as ações consideradas emergenciais. Cada programa, cada iniciativa, terá como objetivo garantir o acesso da juventude aos direitos fundamentais, transformando-o num sujeito de direitos que fortalece e defende as mudanças que faremos.

- Articulação das ações sob responsabilidade do Conselho e da Secretaria Nacional de Juventude e presença dos movimentos sociais combativos e da juventude na formulação das políticas públicas de juventude;

- Substituição da Conferência Nacional de Juventude, hoje sem nenhum poder efetivo, pelo Congresso Nacional da Juventude, que definirá as diretrizes a serem implementadas pelo governo.

- Criação de programas que estimulem a participação política, o protagonismo juvenil e a auto-organização dos jovens.

- Secretaria Nacional de Juventude com orçamento próprio e eleição dos membros do Conselho Nacional de Juventude no Congresso Nacional da Juventude.

- Criar centros de referência para a juventude, com atividades esportivas, de lazer, culturais, com palestras que incentivem a formação política dos jovens, com acompanhamento de profissionais das diversas áreas do conhecimento que abordem temas como sexualidade, dependência química, aborto, família, etc.;

- Garantir espaço nas instituições de ensino para a livre organização, representação e atuação dos estudantes em grêmios, centros acadêmicos, DCEs e associações, em instâncias de discussão e ampliação de políticas públicas de juventude;

- Estimular a participação dos jovens na política e no ingresso nos partidos políticos;

- Garantia que os jovens estudantes que trabalhem tenham a jornada de trabalho limitada a dois terços da jornada semanal regular, sem redução de salário;

- Fim do serviço militar obrigatório;

- Incluir jovens que cumpram medidas sócio-educativas nos programas de formação profissional;

- Incentivar a organização de cooperativas de trabalho como fonte geradora de renda;

- Garantir a formação profissional de jovens da zona rural, de forma a possibilitar a

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organização da produção no campo, na perspectiva do desenvolvimento sustentável e do acesso à cultura;

- Criação do Plano Nacional de Saúde da Juventude;

- Ampliar programas de saúde reprodutiva e prevenção da gravidez precoce;

- Instituir programas públicos que beneficiem os jovens infratores em sua recuperação;

- Disponibilizar assistência médica especializada para promoção do desenvolvimento das capacidades dos jovens portadores de deficiência física;

- Legalização das drogas leves, e disponibilização de material descartável para o uso das injetáveis, no sentido de evitar a contaminação por doenças.

- Garantir apoio médico, psicológico, social e econômico às jovens em virtude de gravidez indesejada;

- Concessão de meia-entrada em eventos de natureza artístico-cultural, de entretenimento e lazer, em todo o território nacional, para todos os jovens entre quinze e vinte e nove anos;

- Garantir recursos financeiros, nos orçamentos federais, estaduais e municipais para o fomento de projetos culturais destinados aos jovens;

- Criar espaços para manifestação cultural e artística da juventude com estrutura para eventos, teatro, oficinas, palestras, dança, artesanato e espetáculos em geral;

- Lutar pela implementação de cotas raciais

em todas as universidades federais;

- Garantia de soberania econômica para a juventude quilombola;

- Assegurar o direito dos jovens índios quanto à educação e à preservação de sua cultura;

- Garantir a autonomia das escolas indígenas;

- Ampliação das linhas de financiamento específicas para jovens sem-terra;

- Ampliação do PRONAF jovem, dobrando o limite de crédito concedido para cada família;

- Compatibilizar os tetos de financiamento dos programas de acesso à terra às diversidades de custo da terra nas diferentes regiões;

- Garantir o benefício do seguro-desemprego para jovens nas entressafras;

Juventude e cultura. O eixo do acesso aos meios de produção e veiculação da cultura é essencial, pois já tem sido alvo da organização de muitos jovens, desde a luta contra a criminalização do funk até a organização de diversos movimentos contra as restrições dos estudantes a meia-entrada e em defesa da ampliação do acesso para todos os jovens. Não podemos deixar de travar o debate da necessidade que estes bens sejam universalizados, de modo que se possa abrir caminhos para a liberdade de expressão e a difusão da cultura, neste sentido é importante fomentar o debate sobre a internet e os softwares livres.

Juventude, trabalho e emprego. As políticas residuais e transitórias no governo Lula não contiveram a realidade do subemprego e desemprego estrutural na juventude brasileira. E um programa socialista precisa apontar claramente os limites do modelo econômico vigente à medida que propõe políticas de transição para o tema. Precisamos apontar qual o modelo de inserção da juventude no mundo do trabalho defendemos;

Juventude, gênero e diversidade sexual. A heteronormatividade e o machismo reproduzem-se na juventude a partir do estabelecimento de papéis sexuais e identidades úteis a manutenção da ordem social e econômica vigente, produzindo a opressão de diversos setores. É preciso afirmar o direito à diversidade e implementar medidas que combatam a homofobia, a exploração, a violência física contra mulheres, o sexismo institucional do Estado e instituições da sociedade civil no Brasil;

Juventude pobre e negra. A escassa implementação de ações afirmativas e políticas de reparação tem reproduzido no Estado brasileiro práticas de racismo institucional seja pela negligência com a aplicação da lei que define o ensino de história negra nas escolas ou nos índices alarmantes de mortes de jovens negras em partos no SUS.

Criminalização da Juventude. Muitos jovens tem sido penalizados por uma política de repressão as drogas que criminaliza que criminaliza os usuários como culpados e

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financiadores do tráfico. Assim a questão do uso abusivo não é tratada com a devida abordagem de saúde e é substituída pelo discurso moralizante de guerra as drogas. Essa postura tem servido para justificar a omissão do estado em relação a políticas públicas voltadas a redução de danos para usuários abusivos de drogas e promove uma verdadeira guerra aos jovens pobres. Uma verdadeira política de “extermínio de Estado” tem como os principais alvos os jovens negros e pobres mas atinge a todos quando trata da regulação da vida privada de todos os jovens a vida privada de todos os jovens através de políticas como a do toque de recolher.

Juventude e educação. As escolas de ensino fundamental e médio passam por um processo de precarização crônico, e as políticas públicas aplicadas nas mesmas caminham no sentido de contenção da juventude privada do direito de sonhar.

10. COMUNICAÇÃO E CULTURA

DEMOCRATIZAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES

A comunicação tem hoje um caráter estratégico na agenda da luta democrática e anticapitalista no Brasil e no mundo. Setor de intensa exploração pelo capital, de grande concentração da propriedade e dos meios de produção, a mídia serve com

um dos principais aparelhos ideológicos das classes dominantes no País. Para tal, veiculam o pensamento único, criminalizam os movimentos contra hegemônicos e reforçam modelos históricos de opressão. Hoje, não é possível sequer sonhar com mudanças reais na sociedade brasileira sem enfrentar o oligopólio dos meios de comunicação.

A luta pela democratização da comunicação e pelo controle popular dos meios é, portanto, fundamental para o PSOL no bojo de seu projeto transformador. O atual ambiente regulatório das comunicações é atrasado e fragmentado e atende diretamente aos interesses dos grandes empresários. Pretendemos debater a questão comunicação para construir, de maneira democrática, um novo marco regulatório que atenda aos interesses do povo brasileiro.

As propostas aqui apresentadas representam uma tentativa de síntese das diversas formulações apresentadas pelo movimento social de comunicação ao longo das últimas décadas.

Combater o oligopólio nos meios de comunicação de massa

Realizar uma auditoria de todas as concessões de radiodifusão vigentes.Exigir como pré-requisito para outorga ou renovação de concessão o cumprimento das finalidades educativas, culturais, informativas e artísticas previstas no artigo 221 da Constituição. Regulamentar este artigo

exigindo um percentual mínimo de cada um destes itens na programação semanal de todas as emissoras.

Regulamentar o artigo 220 da Constituição, que determina a proibição de monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação. Para isso, é necessário vedar a concentração vertical, horizontal ou cruzada dos meios de comunicação.

Criar regras claras e mecanismos eficazes para impedir que políticos ou parentes de políticos ocupantes de cargos eletivos detenham concessões de rádio e/ou televisão, conforme determina a Constituição.

Regulamentar o artigo 223 da Constituição, que prevê a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal para a radiodifusão. Dividir o espectro eletromagnético (rádio e televisão) com 1/3 de emissoras privadas, 1/3 de emissoras estatais, e 1/3 de emissoras realmente públicas, que sejam geridas de maneira democrática pela sociedade organizada, de maneira autônoma. Ainda no artigo 223, alterar o §2º, que dificulta qualquer não-renovação de concessão. A decisão sobre a renovação ou não de determinada concessão deve ser tomada de maneira democrática, após um debate com a sociedade e considerando

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as determinações previstas na Constituição.

Revogar a emenda constitucional 36, de 2002, de modo a impedir a participação de capital estrangeiro nas empresas privados de comunicação.

Definir critérios transparentes e democráticos para a publicidade oficial em emissoras privadas de rádio e televisão, que privilegiem a pluralidade e não atendam à lógica do mercado.

Criar um Fundo Nacional para a comunicação pública, a partir da taxação dos lucros das empresas de comunicação e do comércio de aparelhos de televisão maiores que 20 polegadas.

Regulamentar o artigo 221 da Constituição, garantindo espaço para a produção independente e para a regionalização da produção.

Derrubar o decreto 5.820, de 2006, que instituiu o Sistema Brasileiro de TV Digital e fere a Constituição. Regulamentar a transição para a tecnologia digital, priorizando a ampliação do espectro, de modo a ampliar a pluralidade e a democracia.

Garantir o direito de antena - tempo gratuito disponibilizado para as diversas organizações sociais - em todas as emissoras.

Regulamentar, de maneira unitária, a TV por assinatura, de modo a proibir a propriedade cruzada e garantir veiculação de produção audiovisual brasileira.

Proibir a sublocação ou transferência de outorgas, formas inaceitáveis de privatização do espectro eletromagnético.

Fomentar experiências de comunicação alternativa

Acabar imediatamente com a criminalização dos radiodifusores comunitários, incluindo a devolução de equipamentos apreendidos pela Polícia Federal e pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel),e a anistia a todos os processados.Rever a Lei 9612/98, que trata da radiodifusão comunitária. As rádios e TVs comunitárias passarão a fazer parte do sistema público de comunicação. Com isso, terão mais espaço no espectro eletromagnético e maior alcance.

A política de definição para tecnologia digital levará em conta as especificidades das emissoras de baixa potência, e essas emissoras contarão com recursos públicos para realizar a transição de tecnologia.

Transformar espaços públicos como escolas municipais, bibliotecas e casas de cultura em pontos de mídia, equipando esses espaços

com estúdios de TV, rádio e internet, para produções digitais e audiovisuais.

Estimular a formação de comunicadores populares e a criação de veículos nos bairros e comunidades a fim de promover o direito humano à comunicação.

Universalizar telefonia e acesso à banda larga

Reestatizar os serviços de telefonia fixa, a partir da retomada do sistema Telebrás.Efetivar um plano nacional de universalização de banda larga gratuita para todas as moradias de todos os municípios do país, em regime público e exclusivamente provido pelo Estado.

Garantir que os recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) sejam utilizados para seu objetivo, e não desviados para atender a interesses particulares.

Garantir liberdade de imprensa efetiva

Elaborar uma nova lei de imprensa, com dispositivos como o direito de resposta, a proibição de qualquer tipo de veto ou censura de publicação de publicidade, a responsabilização por danos morais, o respeito à cláusula de consciência, obrigatoriedade de divulgação dos reais

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controladores dos veículos de comunicação, entre outros.Garantir um sistema de distribuição pública de veículos impressos, com o objetivo de impedir que o oligopólio de distribuidoras privadas represente uma ameaça à liberdade de imprensa.

Defender a cidadania

Criar instrumentos de denúncia e punição da criminalização da pobreza, dos movimentos sociais e de grupos historicamente marginalizados e/ou oprimidos nos meios de comunicação.Exigir mecanismos de acessibilidade nos veículos de comunicação, atendendo às demandas das pessoas portadoras de necessidades especiais.

Proibir a publicidade direcionada ao público infantil

Defender e garantir a aplicação da classificação indicativa da programação televisiva - importante mecanismo de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Proibir manifestações preconceituosas de gênero, etnia, opção sexual e religiosa; garantir o direito de resposta e a punição sempre que houver desrespeito.

Fomentar iniciativas que instrumentalizem a população a fazer uma análise crítica dos meios de comunicação. Para

isso, incluir disciplina de estudo crítico da mídia nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica.

Criar ambiente regulatório democrático

Reorganizar o ambiente regulatório das comunicações brasileiras - função hoje dividida entre distintos ministérios e agências reguladoras.Criar um Conselho Nacional de Comunicação, com participação da sociedade civil organizado e com poder deliberativo. O conselho teria como atribuições a regulamentação e a fiscalização, entre outros.

Fim da Anatel e da Ancine, cujas atribuições serão absorvidas pelo Conselho Nacional de Comunicação.

Preservar a liberdade e os direitos civis na internet

Aprovar legislação específica que garanta o direito à livre navegação na internet, sem qualquer vigilância ou interferência de empresas ou de governos, o direito de compartilhar arquivos pela rede, entre outros.Rejeitar qualquer medida de criminalização do usuário da internet.

Desobrigar os usuários de contratar provedores de acesso.

Defender os trabalhadores em comunicação

Construir, em conjunto com os trabalhadores do setor e o conjunto da sociedade, uma nova regulamentação para o exercício profissional dos diversos setores da comunicação.Regulamentar o estágio.

Coibir o ataque à legislação trabalhista praticado pelas grandes empresas de comunicação.

Entender que o direito humano à comunicação e a defesa dos direitos dos profissionais da comunicação não são antagônicos.

Software livre e tecnologias livres: questão de inteligência e, sobretudo, liberdade

Incentivar os projetos de desenvolvimento de software livre das universidades e centros de pesquisas brasileiros.Unir esforços entre as diversas instâncias de governo no desenvolvimento de sistemas de informações dos órgãos de governo a serem distribuídos sob licença livre evitando múltipla contratação.

Contratar somente serviços de TI baseados em software livre.

Adotar e cooperar com o desenvolvimento de plataformas de software livre nas escolas para ensino e pesquisa.

Utilizar prioritariamente software livre nas instâncias de governo.

Cooperar com os demais países em projetos de

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desenvolvimento de software livre de interesse comum.

Fazer, por razões de economia de recursos, do uso de software livre na esfera administrativa do governo uma questão central no planejamento da gestão pública.

Licenciar as novas edições dos materiais didáticos do ministério da educação sob licenças livres, facilitando a revisão por parte da comunidade acadêmica, transformado estas obras em saber coletivo.

UMA CULTURA EMANCIPATÓRIA

Um novo projeto socialista só ganhara dinamismo se for alicerçado em uma nova cultura no sentido amplo do termo – novas condições de existência e novas relações sociais, mas também uma nova compreensão do nosso lugar no universo, da relação que temos que estabelecer com a natureza e com os demais seres vivos, uma produção artística capaz de desvendar a perversidade da civilização capitalista, com sua exclusão, individualismo, concorrência e consumismo e aponte para alternativas palpáveis de solidariedade, justiça e sustentabilidade.

Uma cultura emancipatória tem, assim, uma dimensão de negação da exclusão, repressão e destruição da natureza, e uma dimensão de afirmação da justiça, solidariedade e sustentabilidade. Deve reivindicar a herança humanista e iluminista, mas necessita incorporar, em um lugar central, a ecologia. Deve, dentro destes parâmetros,

criticar a visão ingênua do progresso e do desenvolvimento assimilados ao crescimento econômico material e valorizar o pluralismo e a diversidade humana.

Opõe-se, desta maneira, a lógica do universalismo abstrato da mercantilização e do consumismo. Opõe-se, também, a criminalização da pobreza e a visão repressiva do combate a violência erigindo e seu lugar uma cultura de solidariedade, que reduza o espaço para posturas anti-sociais e a criminalidade. Retirar da ilegalidade o uso das drogas ou o comercio informal significa ampliar o espaço de regulação social e reduzir a legitimidade do uso da violência.

Não a mercantilização da cultura

Denunciamos o aprofundamento da mercantilização imposta à Cultura no país através das leis de renúncia fiscal iniciadas pelo governo Sarney, seguidas por Collor e FHC e, agora, por Lula – como a lei Rouanet e o projeto que está no Congresso chamado de Procultura. Combatendo esta situação, os trabalhadores da cultura se organizaram, conquistaram a Lei de Fomento para a cidade de São Paulo, lei inédita que corresponde ao entendimento da produção teatral como trabalho e pesquisa continuada que contribui para o desenvolvimento do potencial humano e não como um produto de mercado.

O atual projeto apresentado pelo governo federal mantém a renúncia fiscal (dinheiro de imposto usado pelas empresas privadas para “investir” em

cultura) e as PPPs (parcerias público-privadas) como instrumentos para fomentar a produção artística e cultural no país, usando dinheiro público para fortalecer a já robusta indústria cultural, que apenas reforça e referenda os valores individualistas e consumistas do capitalismo.

Consideramos que tanto a renúncia fiscal como as PPPs fazem parte do movimento de privatização dos serviços públicos que isentam o governo federal de sua responsabilidade, que é de garantir políticas públicas para a cultura que fomentem a produção e o acesso em todo o país e controle, através de leis, a destinação e aplicação destas verbas, que devem vir do orçamento da União – no mínimo 2% deste orçamento, como recomenda a ONU. Estas verbas orçamentárias, critérios de sua aplicação, transparência em sua utilização – são questões que fariam parte de um Fundo de Cultura Federal, que implementaria concretamente os programas setoriais – com as diversas linguagens com orçamento próprio.

Lutamos pela transparência dos critérios na alocação das verbas para Cultura e o controle através do Estado sobre sua aplicação, com editais amplamente divulgados em todo o país e corpos de jurados que se constituam de forma democrática.

Consideramos que a educação, desde a mais tenra idade, além de pública deve estar voltada para a formação de sujeitos que constroem sua própria História, e, neste sentido, defendemos que as escolas sejam estruturadas, tanto quanto seus

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currículos, como espaços privilegiados de produção artística e cultural, com todo equipamento necessário para este fim, desde cursos sobre História da Arte, bibliotecas que contemplem tal assunto, auditórios, e todo tipo de tecnologia necessária ao aprendizado dinâmico e prático das diversas linguagens.

Os proprietários e gestores da indústria cultural se opõem à qualquer Lei de fomento e incentivo à produção cultural e artística, que represente uma democratização deste espaço, encarando-as como "dirigismo do Estado” no campo da cultura. Para eles o financiamento através de dinheiro público (através da renúncia fiscal) não é dirigismo do mercado em relação ao

Estado. Defendemos o acesso democrático aos recursos orçamentários de Cultura, sem quaisquer exigências de trabalhos anteriores em todas e qualquer linguagens.

Para nós, a Cultura é um elemento fundamental do desenvolvimento humano tanto quanto a saúde, a educação, a moradia, o transporte e o acesso à terra. A redução da jornada de trabalho é o que também pode garantir maior tempo para o exercício da educação artística e a produção cultural.

No Capitalismo, tudo que diz respeito à produção e reprodução da vida se transforma em mercadoria: a arte, a cultura e, como corolário, o imaginário dos

trabalhadores, que produzem as riquezas do capitalismo e consomem seu estreito universo do pensamento único, que traduz-se em todos os aspectos cognitivos e sensoriais da produção artística e cultural, transformando liberdade de criação em totalitarismo da indústria cultural. O PSOL defende a democratização da arte e o fim desta indústria cultural que privatiza e mercantiliza a iniciativa e a produção cultural em nossa sociedade. Uma verdadeira democratização da cultura se faz com participação popular e financiamento público universal a todos os tipos de manifestações culturais que visem expressar valores compatíveis com uma sociedade mais humana, solidária e fraterna.

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