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70 RCPV (2014) 109 (591-592) 70-78 Dirofilariose canina e felina Canine and feline dirofilariasis José Meireles, Filipa Paulos, Inês Serrão * Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa Resumo: Hoje em dia, é inegável a importância que a dirofi- lariose assume na medicina veterinária. Até há relativamente pouco tempo, considerava-se que a única forma patogénica seria Dirofilaria immitis, no entanto Dirofilaria repens tem vindo a mostrar-se cada vez mais relevante no panorama atu- al. Podendo afetar cães mas também, acidentalmente, gatos, a dirofilariose já não está restringida às áreas que eram, até ago- ra, consideradas endémicas. Devido a mudanças climatéricas e também à crescente mobilidade, Dirofilaria spp., transmitida vetorialmente, tem visto a sua epidemiologia ser alterada. A relevância desta parasitose passa ainda pelas suas caracterís- ticas zoonóticas. Palavras-chave: Dirofilaria immitis. Dirofilaria repens. Zoonose. Cão. Gato. Summary: Nowadays dirofilariosis is assuming an important role in veterinarian clinical practice. Until recently, it was thou- ght that the only pathogenic form would be Dirofilaria immitis, nevertheless Dirofilaria repens has been becoming more and more relevant at the current time. Capable of affecting both dogs, and accidentally cats, dirofilariosis is no longer restricted to what was considered endemic areas. Due to climate changes and also the rising mobility, this vector transmitted disease has been changing its epidemiology. The relevance of this parasito- sis is also because of its zoonotic characteristics. Keywords: Dirofilaria immitis. Dirofilaria repens. Zoonosis. Dog. Cat. Introdução A Dirofilariose é uma doença causada por um hel- minte: Dirofilaria, um nemátode da ordem Spirurida e da família Onchocercidae (CVBD – D. immitis, 2012), transmitido por um hospedeiro intermediá- rio culicídeo (Aedes, Anopheles e Culex) (CDC – D. immitis, 2012). O cão é o seu hospedeiro definitivo e, por vezes, o gato e o homem podem surgir como hospedeiros acidentais (Anderson, 2000). No caso de Dirofilaria immitis, os seus adultos vão-se alojar na artéria pulmonar e no ventrículo direito (AHS - Current canine guidelines, 2012), enquanto que Dirofilaria repens tem preferência pelo tecido sub- cutâneo, sendo possível a localização errática destes parasitas (CVBD – D. repens, 2012). Epidemiologia De um modo geral, a prevalência da dirofilariose na Europa nos últimos cinco anos tem vindo a aumentar nas regiões do Sul já consideradas endémicas, enquanto nos países do Norte da Europa, anteriormente considerados não endémicos, se tem vindo a observar uma maior dis- persão de dirofilariose nestas regiões (Genchi, 2012). Esta alteração da epidemiologia da dirofilariose pode ser explicada com base em diversos fatores como: 1) as alterações climáticas e o aquecimento global que criam condições para que os vetores, artrópodes de sangue-frio, se possam desenvolver em áreas onde antes não conse- guiam (Genchi, 2012); 2) o aumento de deslocações de animais de companhia, que podem ser portadores de mi- crofilárias; 3) o aumento do número de animais abando- nados; 4) as resistências aos inseticidas; 5) a vacinação de raposas contra a raiva que aumenta o número de raposas, que são hospedeiros reservatório de Dirofilaria spp. em determinadas regiões; 6) a redução do controlo e preven- ção de dirofilariose devido à economia atual (Fok, 2012). É importante referir que a predisposição para infe- ção por Dirofilaria spp. é quatro a cinco vezes superior em animais com acesso ao exterior e animais errantes. A prevalência também é superior em animais com ida- des compreendidas entre os 3 e os 15 anos de idade (Ettinger e Feldman, 2004). Quanto à prevalência das duas espécies mais impor- tantes de dirofilária, Dirofilaria repens e D. immitis, é importante uma maior consciencialização em relação a D. repens, uma vez que a Nordeste da Europa existem maiores prevalências de D. repens do que de D. immitis (Genchi, 2012). Em Portugal, os resultados mais recen- tes de um estudo iniciado em 2011 que incidiu sobre 308 cães de canil nas regiões de Coimbra, Santarém e Setúbal e baseado em diferentes tipos de testes, con- cluiu-se que dos 308 cães, entre 10.71% a 12.34%, consoante o teste realizado, foram considerados po- *Correspondência: [email protected] Telefone: 913748773

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RCPV (2014) 109 (591-592) 70-78

Dirofilariose canina e felina

Canine and feline dirofilariasis

José Meireles, Filipa Paulos, Inês Serrão*

Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa

Resumo: Hoje em dia, é inegável a importância que a dirofi-lariose assume na medicina veterinária. Até há relativamente pouco tempo, considerava-se que a única forma patogénica seria Dirofilaria immitis, no entanto Dirofilaria repens tem vindo a mostrar-se cada vez mais relevante no panorama atu-al. Podendo afetar cães mas também, acidentalmente, gatos, a dirofilariose já não está restringida às áreas que eram, até ago-ra, consideradas endémicas. Devido a mudanças climatéricas e também à crescente mobilidade, Dirofilaria spp., transmitida vetorialmente, tem visto a sua epidemiologia ser alterada. A relevância desta parasitose passa ainda pelas suas caracterís-ticas zoonóticas.

Palavras-chave: Dirofilaria immitis. Dirofilaria repens. Zoonose. Cão. Gato.

Summary: Nowadays dirofilariosis is assuming an important role in veterinarian clinical practice. Until recently, it was thou-ght that the only pathogenic form would be Dirofilaria immitis, nevertheless Dirofilaria repens has been becoming more and more relevant at the current time. Capable of affecting both dogs, and accidentally cats, dirofilariosis is no longer restricted to what was considered endemic areas. Due to climate changes and also the rising mobility, this vector transmitted disease has been changing its epidemiology. The relevance of this parasito-sis is also because of its zoonotic characteristics.

Keywords: Dirofilaria immitis. Dirofilaria repens. Zoonosis.

Dog. Cat.

Introdução

A Dirofilariose é uma doença causada por um hel-minte: Dirofilaria, um nemátode da ordem Spirurida e da família Onchocercidae (CVBD – D. immitis, 2012), transmitido por um hospedeiro intermediá-rio culicídeo (Aedes, Anopheles e Culex) (CDC – D. immitis, 2012). O cão é o seu hospedeiro definitivo e, por vezes, o gato e o homem podem surgir como hospedeiros acidentais (Anderson, 2000). No caso de Dirofilaria immitis, os seus adultos vão-se alojar na artéria pulmonar e no ventrículo direito (AHS - Current canine guidelines, 2012), enquanto que

Dirofilaria repens tem preferência pelo tecido sub-cutâneo, sendo possível a localização errática destes parasitas (CVBD – D. repens, 2012).

Epidemiologia

De um modo geral, a prevalência da dirofilariose na Europa nos últimos cinco anos tem vindo a aumentar nas regiões do Sul já consideradas endémicas, enquanto nos países do Norte da Europa, anteriormente considerados não endémicos, se tem vindo a observar uma maior dis-persão de dirofilariose nestas regiões (Genchi, 2012).

Esta alteração da epidemiologia da dirofilariose pode ser explicada com base em diversos fatores como: 1) as alterações climáticas e o aquecimento global que criam condições para que os vetores, artrópodes de sangue-frio, se possam desenvolver em áreas onde antes não conse-guiam (Genchi, 2012); 2) o aumento de deslocações de animais de companhia, que podem ser portadores de mi-crofilárias; 3) o aumento do número de animais abando-nados; 4) as resistências aos inseticidas; 5) a vacinação de raposas contra a raiva que aumenta o número de raposas, que são hospedeiros reservatório de Dirofilaria spp. em determinadas regiões; 6) a redução do controlo e preven-ção de dirofilariose devido à economia atual (Fok, 2012).

É importante referir que a predisposição para infe-ção por Dirofilaria spp. é quatro a cinco vezes superior em animais com acesso ao exterior e animais errantes. A prevalência também é superior em animais com ida-des compreendidas entre os 3 e os 15 anos de idade (Ettinger e Feldman, 2004).

Quanto à prevalência das duas espécies mais impor-tantes de dirofilária, Dirofilaria repens e D. immitis, é importante uma maior consciencialização em relação a D. repens, uma vez que a Nordeste da Europa existem maiores prevalências de D. repens do que de D. immitis (Genchi, 2012). Em Portugal, os resultados mais recen-tes de um estudo iniciado em 2011 que incidiu sobre 308 cães de canil nas regiões de Coimbra, Santarém e Setúbal e baseado em diferentes tipos de testes, con-cluiu-se que dos 308 cães, entre 10.71% a 12.34%, consoante o teste realizado, foram considerados po-

*Correspondência: [email protected] Telefone: 913748773

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sitivos à dirofilariose. Estes resultados confirmam a endemicidade da dirofilariose canina no país (Alho et al., 2012). Outro estudo realizado em parceria com 120 clínicas veterinárias de várias regiões de Portugal tem por base a análise da prevalência do antigénio de D. immitis em dois grupos de cães: aparentemente sau-dáveis e CVBD. Os resultados obtidos mostraram que no Norte existem níveis de positividade de 2.9% para cães aparentemente saudáveis e 3.4% para CVBD, no Centro estes valores são de 0.9% e 7.4%, no Alentejo 4.7% e 14.0%, em Lisboa 2.4% e 5.8% e no Algarve 5.1% e 17.1% respetivamente (Cardoso et al., 2012).

Em gatos, num trabalho realizado em 2009 numa po-pulação de 70 gatos da Área Metropolitana de Lisboa, foi possível detetar a presença de antigénios de D. im-mitis utilizando a técnica de imunocromatografia na forma de teste rápido. Neste estudo determinou-se, en-tão, uma prevalência de 1,43% (Rosa, 2009).

Dirofilaria immitis

Ciclo biológico

D. immitis apresenta um ciclo biológico heteroxeno, com parte do seu desenvolvimento a acontecer num hospedeiro invertebrado e outra parte num hospedeiro vertebrado (figura 1) (Kassai, 1999; CVBD – D. immi-tis, 2012). É um ciclo com uma duração relativamente longa, variando entre os seis e os nove meses (AHS - Current canine guidelines, 2012). Quando um culicí-deo fêmea realiza uma refeição sanguínea num animal

infetado por D. immitis, pode ingerir microfilárias que se encontrem na circulação sanguínea deste. Inicia-se, assim, o ciclo de vida deste parasita neste hospedeiro intermediário obrigatório (Urquhart et al., 1996; AHS - Current canine guidelines, 2012). As microfilárias in-geridas migram para o intestino médio do culicídeo, deslocando-se depois para os tubos de Malpighi pe-netrando no citoplasma das células primárias (AHS - Current canine guidelines, 2012; CVBD – D. immitis, 2012). Aqui permanecem cerca de 5 dias, se em condi-ções ótimas, e retornam depois para o lúmen dos tubos de Malpighi onde 10 dias após a infeção mudam para o estadio de L2. O estadio de L3 surge, então, cerca de 13 dias depois do culicídeo ter sido infetado com as microfilárias (AHS - Current canine guidelines, 2012). É nesta fase que as larvas migram para as probóscides, sendo posteriormente, aquando de uma nova refeição sanguínea, depositadas na pele do hospedeiro defini-tivo numa gota de hemolinfa (Anderson, 2000; AHS - Current canine guidelines, 2012).

As larvas L3, já com diferenciação sexual, penetram então no animal através da solução de continuidade causada pela picada do culicídeo e iniciam a migra-ção para o tecido subcutâneo ou subserosal e para os músculos, a nível do tórax (Bowman, 2009). Realizam a muda para L4 3 a 4 dias após terem infetado o hospe-deiro definitivo e para L5 depois de passados 70 ou mais dias (Kassai, 1999). Quando os jovens adultos atingem os pulmões, são forçados pela pressão sanguínea na di-reção de pequenas artérias pulmonares e, conforme o tamanho de D. immitis aumenta, posteriormente para

Figura 1 - Esquematização do ciclo de vida de D. immitis. Adaptado de http://www.cdc.gov

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artérias de maiores dimensões (AHS - Current canine guidelines, 2012). É ainda no estadio de L5 que po-dem surgir migrações erráticas, mais comuns no gato, com destaque para localizações no sistema nervoso central (Bowman et al., 2002). Os adultos tornam-se sexualmente maduros no espaço de 3 meses depois de chegarem ao ventrículo direito do coração via cir-culação venosa, caso a carga parasitária seja elevada. Se for mais baixa, D.immitis surge principalmente nas artérias lobares e na artéria pulmonar (AHS - Current canine guidelines, 2012). Caso haja parasitas adultos de ambos os sexos são produzidas microfilárias que circulam na corrente sanguínea (Ettinger e Feldman, 2004). Na maioria dos gatos, não existem microfilárias em circulação (Bowman et al., 2002).

Os parasitas adultos podem permanecer no hospe-deiro definitivo durante um longo período de tempo que varia entre 5 e 7 anos (AHS - Current canine gui-delines, 2012).

Patogenia

A dirofilariose é uma doença que apresenta duas fases ditas decisivas. Por um lado, a chegada e alojamento das L5 de D. immitis nas artérias pulmonares, principalmen-te nas artérias dos lobos pulmonares caudais, por outro, a morte dos nemátodes adultos (Almeida, 2010).

Os primeiros sinais clínicos de infeção por D. immi-tis estão relacionados com a primeira fase da doença, surgindo, portanto, 3 a 6 meses após a infeção. A ação traumática das L5, nas artérias pulmonares, bem como a libertação de fatores tóxicos e o desencadeamento de mecanismos imunitários origina alterações na vascula-tura pulmonar. A túnica íntima sofre proliferação e há inflamação do endotélio. Isto ocorre cerca de 3-4 se-manas depois das L5 atingirem as artérias pulmonares e estas modificações resultam numa redução do lúmen das artérias afetadas e num aumento da sua tortuosida-de, que se reflete em perda da integridade dos vasos e em hipertensão pulmonar (Gomes, 2009).

É após um período de aproximadamente 9 meses que, em resposta à hipertensão pulmonar, o ventrículo direito surge com uma hipertrofia excêntrica. Isto pode levar a insuficiência cardíaca congestiva acompanhada de ascite e edema. Quando as L5 morrem, provocam uma forte resposta no hospedeiro que conduz à fibrose da vasculatura pulmonar e, por sua vez, predispõe a trombose e a uma reação perivascular (Gomes, 2009).

Se a carga parasitária atingir níveis elevados, prin-cipalmente de L5, podem ocorrer deslocações retró-gradas desde a artéria pulmonar até à veia cava e ao coração direito. Consequentemente, a função da válvu-la tricúspide fica comprometida, o que, em associação com a hipertensão pulmonar, origina uma insuficiência cardíaca direita que resulta em hepatomegália, hemó-lise intravascular e débito cardíaco diminuído. Chama-se a este processo síndrome da veia cava, uma síndro-me particularmente relevante no caso dos cães apesar

de também estar descrita no gato. Nesta espécie, no entanto, o número de parasitas reduzido torna a síndro-me da veia cava um evento bastante raro. A morte em animais nesta situação pode acontecer num espaço de 2-3 dias (Gomes, 2009).

Numa segunda fase, ocorre, então, a morte de ne-mátodes adultos quer por ação de fármacos com efei-to adulticida quer por causas naturais. Os nemátodes mortos e partículas destes nemátodes estão na origem de tromboembolismos pulmonares e enfartes que po-dem mesmo ser fatais. No tratamento com adulticidas isto torna-se mais grave visto haver morte súbita de grande quantidade de adultos com provável compro-misso do fluxo sanguíneo nos pulmões. A interrupção do fluxo sanguíneo pulmonar e a hipertensão pulmonar existente resultam em aumento do consumo de oxigé-nio e da tensão ventricular direita e, finalmente, em in-suficiência cardíaca, hipotensão e isquémia miocárdica (Kassai, 1999).

É hoje reconhecida a importância da relação simbi-ótica que existe entre a bactéria Wolbachia e diversas espécies de filarídeos (figura 2) (Almeida, 2010). Se por um lado se defende que a presença de Wolbachia em D. immitis é indispensável para a sobrevivência do nemátode, também se sabe que a interação entre o sistema imunitário do hospedeiro e a Wolbachia é um importante mecanismo de patogénese. Segundo estu-dos realizados, a proteína de superfície maior locali-zada na parede celular da bactéria leva o hospedeiro com D. immitis a desenvolver uma resposta imunitária por IgG. Há evidências de que a doença pulmonar as-sociada à presença de D.immitis está na verdade mais relacionada com a Wolbachia e que os efeitos inflama-tórios por ela provocados se mantêm mesmo depois do parasita ter sido eliminado do animal (Gomes, 2009).

Figura 2 - Secção transversal de um macho adulto de D. im-mitis (x40). In: Grandi, G.; Leoni, M.; Mortarino, M.; Kramer, L.; Mccall, J.W. (2009) – Dirofilaria immitisy Wolbachia: Implicancias Terapéuticas.

Em determinados casos, ocasionalmente, podem ocorrer migrações ectópicas do filarídeo. A câmara an-terior do olho, o sistema nervoso central e mesmo arté-rias sistémicas ou tecido subcutâneo e muscular foram já referidas como possíveis localizações de D. immitis (Rosa, 2009).

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A dirofilariose no homem, não sendo este o hospe-deiro preferencial deste parasita, caracteriza-se por um desenvolvimento deficiente dos nemátodes na artéria pulmonar com passível tromboembolismo pulmonar causado por dirofilárias mortas (Kassai, 1999).

Cão, hospedeiro definitivo

Sinais Clínicos

A maioria dos animais infetados com D. immitis é assintomática, no entanto podem surgir sinais clínicos principalmente em casos crónicos (Kassai, 1999). O aparecimento de sinais clínicos depende essencialmen-te da duração da infeção e da carga parasitária (Gomes, 2009). Nos cães, pode ser observada uma mudança no comportamento, os animais tornam-se agitados ou apáticos. Ocorre perda de peso, há intolerância ao exercício, ascite, edema dos membros, síncope, disp-neia e tosse com hemoptise caso haja tromboembolis-mo pulmonar (CVBD – D. immitis, 2012).

Ao exame físico, na auscultação, pode-se ouvir ruído galope, split de S2 e um sopro no lado direito do co-ração devido a insuficiência da tricúspide (CVBD – D. immitis, 2012).

Diagnóstico

Para diagnosticar uma infeção por D. immitis num cão, pode-se recorrer a vários métodos:

- Deteção de microfilárias

Testes para deteção de microfilárias devem ser reali-zados anualmente em cães que habitem em zonas en-démicas de D. Immitis (Ettinger e Feldman, 2004). No entanto, muitos animais infetados podem apresentar-se sem microfilarémia. Isto pode acontecer no período de pré-patência, quando a infeção consiste em nemátodes de um único sexo ou quando há destruição de microfi-lárias por ação de fármacos (Bowman, 2009).

A identificação microscópica de microfilárias utili-zando uma gota de sangue a fresco (Urquhart et al., 1996), um esfregaço de sangue e a observação de mo-vimento por baixo da buffy coat num tubo de micro-hematócrito eram as formas mais comuns para dete-tar a presença de microfilárias (quadro 1) (Ettinger e Feldman, 2004). Por outro lado, o teste modificado de Knott ou a filtração por miliporos são métodos mais sensíveis visto que concentram as microfilárias exis-tentes aumentando assim a hipótese de diagnóstico (Ettinger e Feldman, 2004). O teste de Knott modifi-cado consiste numa formolização do sangue de modo a destruir os glóbulos vermelhos e a permitir a obser-vação de microfilárias em extensão após centrifugação (AHS - Current canine guidelines, 2012). É o método preferencial para observar microfilárias a nível mor-fológico e de dimensões, de modo a permitir a dife-

renciação entre D. immitis e Dipetalonema reconditum (figura 3). Não se pode determinar a severidade da infeção pelo número de microfilárias detetadas já que não existe correlação entre este número e o de adultos presentes no cão (Ettinger e Feldman, 2004).

A coloração por fosfatase ácida pode ser usada para diferenciação entre microfilárias (Gomes, 2009).

Figura 3 - Microfilária de D. immitis (em baixo) e de D. recondi-tum. In: www.capcvet.org.

Apesar dos testes serológicos serem preferíveis atu-almente, em cães positivos aos antigénios ou sujeitos a tratamentos preventivos com dietilcarbamazina deve-se também realizar o teste de Knott modificado de for-ma a determinar se existe microfilarémia (Ettinger e Feldman, 2004).

Quadro 1 - Diagnóstico diferencial de algumas microfilárias encontradas no sangue. Adaptado de www.cvbd.org

Critério D. immitis D. repensDipetalonema reconditum

Extremidade anterior

Cónica Arredondada Arredondada

Extremidade posterior

Reta Em ganchoEm gancho (apenas 30 a 40%)

Evidência de fosfatase ácida

Poro excretor e anal

No poro anal Difusa

- Serologia

Atualmente, é possível e preferível a realização de testes serológicos como ELISA e imunocromatogra-fia para deteção de infeções por D. immitis, estando estes disponíveis na forma de testes rápidos para uso rotineiro em clínicas veterinárias (Ettinger e Feldman, 2004; AHS - Current canine guidelines, 2012). Estes métodos, para além de terem uma sensibilidade maior que os testes para detecção de microfilárias, permitem identificar infeções em que estão presentes parasitas adultos mas não existem microfilárias em circulação. A sua especificidade é próxima de 100% em infeções que sejam constituídas por pelo menos um nemátode fêmea maduro uma vez que os antigénios detetados são provenientes dos úteros das fêmeas (AHS - Current ca-nine guidelines, 2012).

O método de ELISA permite ainda determinar a eficácia da terapêutica adulticida. A concentração de antigénios baixa para níveis indetetáveis 8 a 12 se-manas após o tratamento, se este for eficaz. Os níveis poder-se-ão manter inalterados mas o tratamento só se considerará ineficiente se os níveis de antigénios as-sim se mantiverem 6 meses após o início da terapêutica (Ettinger e Feldman, 2004).

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O nível de antigénios presentes pode aumentar de-vido a morte recente de nemátodes ou diminuir quan-do as fêmeas existentes são ainda jovens ou quando as fêmeas maduras são poucas (Ettinger e Feldman, 2004).

- Radiografia

São considerados sinais típicos de dirofilariose pre-sente a nível vascular aumento do tamanho e da tor-tuosidade de vasos intra e interlobulares, bem como o aparecimento de vasos truncados. Isto ocorre prin-cipalmente nos lobos caudais e está associado a alte-rações no parênquima pulmonar (Gomes, 2009; AHS - Current canine guidelines, 2012).

- Ecocardiografia

A ecocardiografia é um método complementar de diagnóstico que pode permitir afirmar definitivamente que o animal está infetado com D. immitis. Deve ser utilizado em associação com métodos já referidos visto que não permite o diagnóstico por si só, apenas o con-firma (AHS - Current canine guidelines, 2012).

Recorrendo à ecocardiografia é possível detetar o aumento do coração direito uma vez que permite cal-cular o rácio entre as dimensões internas do ventrículo esquerdo e direito. Em cães saudáveis, este rácio varia entre 3 e 4, em cães com dirofilariose, o valor médio ronda 0,7 (Ettinger e Feldman, 2004; Gomes, 2009).

O corpo dos parasitas adultos é bastante ecogéni-co, resultando na produção de imagens característi-cas como curtos segmentos lineares paralelos (AHS - Current canine guidelines, 2012).

Em cães que apresentam hemoglobinúria consegue-se observar os nemátodes no orifício da válvula tricúspide sendo assim possível confirmar conclusivamente que existe síndrome da veia cava (AHS - Current canine guidelines, 2012).

Profilaxia

Relativamente à profilaxia da doença, a sua preven-ção deve ser sempre um objetivo a cumprir. Para este propósito podem ser utilizados dietilcarbamazina e outros agentes da família das lactonas macrocíclicas

(Ettinger e Feldman, 2004). A dietilcarbamazina é uma substância segura e eficaz, que só pode ser ad-ministrada em cães amicrofilarémicos e que, devido à reduzida janela de eficácia terapêutica, deve ser dada diariamente durante a época do mosquito até um a dois meses depois do fim da mesma. Esta substância elimina larvas L3 e larvas L4 (Ettinger e Feldman, 2004). No que diz respeito ao uso de lactonas macrocí-clicas, estas substâncias assumem relativa importância na prevenção da dirofilariose uma vez que, ao contrário da dietilcarbamazina, possuem uma janela de eficácia terapêutica muito grande e devem ser dadas mensal-mente ou ainda menos frequentemente, pois estes agentes interrompem o desenvolvimento larvar dois meses após a infeção. Para além disso produzem me-nos reações adversas em cães microfilarémicos. Deste modo, a dietilcarbamazina tem caído em desuso na prevenção da dirofilariose e tem vindo a ser substituí-da pelas lactonas macrocíclicas, como a ivermectina, a moxidectina, a milbemicina e a selamectina (Ettinger e Feldman, 2004; Rocha, 2010).

O tratamento profilático deve ter início entre as 6 a 8 semanas de idade em regiões endémicas ou, em re-giões não endémicas, 1 mês antes e 1 mês depois da época do mosquito. (Ettinger e Feldman, 2004).

Tratamento médico

Antes de iniciar qualquer tratamento, o médico ve-terinário deve classificar o quadro clínico do animal (quadro 2) e só depois decidir o tratamento a instituir (Ettinger e Feldman, 2004; AHS - Current canine gui-delines, 2012).

Relativamente ao tratamento adulticida é utilizada o dihidrocloridato de melarsomina, uma substância bas-tante segura, mas não isenta de algumas reações adver-sas, visto que um tratamento adulticida bem-sucedido implica a ocorrência de tromboembolismos. No en-tanto, este efeito pode ser contornado com a restrição de exercício físico após a administração do fármaco (Ettinger e Feldman, 2004; AHS - Current canine gui-delines, 2012).

A terapia microfilaricida, segundo a American Heartworm Society, costumava ser instituída três a quatro semanas após a terapia adulticida, recorrendo ao uso de lactonas macrocíclicas. No entanto existem

Quadro 2 - Classificação segundo classe da gravidade da infeção. Adaptado de: http://www.heartwormsociety.org

Cla

sse

1 2 3 4

Des

criç

ão Fadiga durante exercícioTosse ocasional Diminuição da condição corporal

Sinais radiográficosAlterações hematológicasProteinúria moderadaFadiga durante exercícioTosse ocasional

Fadiga constante Tosse persistenteDispneiaAsciteSinais radiográficosAnemia graveProteinúria

Pulso jugularAumento da pressão venosa centralInsuficiência cardíacaAnemia hemolíticaCoagulação intravascular disseminada

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autores que defendem a administração destas subs-tâncias na altura em que é feito o diagnóstico, antes da realização do tratamento adulticida, o que permi-te uma morte progressiva e lenta das microfilárias e consequentemente reduz o risco de reações adversas, uma vez que a morte rápida de um grande número de microfilárias pode conduzir a choque anafilático (AHS - Current canine guidelines, 2012).

Para indivíduos classificados com uma infeção leve a moderada (classes 1 e 2), o tratamento con-siste em duas injeções IM profundas na região da musculatura lombar, de 2,5 mg/kg, com 24 horas de intervalo. Relativamente aos animais classificados com uma infeção grave (classe 3) está indicada uma primeira administração IM profunda de 2,5mg/kg de melarsomina, seguida de internamento do animal no mesmo dia (AHS - Current canine guidelines, 2012). Posteriormente deverão ser dadas indicações impor-tantes ao proprietário como a necessidade de restrição de exercício físico durante 1 mês e o tipo de reações adversas que podem ocorrer. Se, por acaso, aconte-cerem reações sistémicas adversas, a segunda fase do tratamento é adiada ou cancelada mas, no geral, o protocolo de tratamento é concluído ao final de 2 a 3 meses. Assim, após 1 mês da primeira injeção é administrada da mesma forma mais uma dose de me-larsomina e um dia depois outra dose de melarsomina é administrada no local contra-lateral. Ao fim de 6 meses após o fim do protocolo é realizado um teste antigénico que nos vai indicar o sucesso ou insucesso da terapia adulticida (Ettinger e Feldman, 2004).

Quanto aos indivíduos que apresentam síndro-me da veia cava e hipertensão pulmonar (classe 4), o tratamento adulticida é contraindicado (Ettinger e Feldman, 2004; AHS - Current canine guidelines, 2012).

Tratamento anti-Wolbachia

A relação de simbiose que se verifica entre o para-sita e a bactéria Wolbachia pode ser uma mais-valia no tratamento da dirofilariose visto que a eliminação da bactéria por antibioterapia conduz a uma série de efeitos muito benéficos incluindo: inibição do desen-volvimento larvar, esterilidade das fêmeas e efeito adulticida. Para este propósito é utilizado um antibió-tico da família das tetraciclinas, a doxiciclina, que ad-ministrada antes do tratamento adulticida com melar-somina, reduz as reacções pró-inflamatórias causadas pela morte dos parasitas adultos (Ettinger e Feldman, 2004).

Tratamento cirúrgico

Existe um método de remoção mecânica de dirofilá-rias que deve ser realizado com associação de melar-

somina para uma adequada destruição de dirofilárias adultas. Desta forma, esta alternativa terapêutica é van-tajosa no sentido em que reduz a toxicidade da melar-somina e o risco de ocorrência de tromboembolismos (Ettinger e Feldman, 2004).

Gato, hospedeiro acidental

De facto, a dirofilariose no gato assume um compor-tamento muito diferente daquele que assume no cão, o seu hospedeiro definitivo (quadro 3) (AHS - Current canine guidelines, 2012).

Quadro 3 - Diferenças na infeção por D. immitis no gato e no cão. Adaptado de www.heartwormsociety.org

Gato Cão

Suscetibilidade à infeção Mais baixa do que o cão. Muito elevada.

Longevidade dos parasitas

2 - 3 anos. 5 - 7 anos.

Infeções ectópicas Não incomum. Ocasionalmente.

Número de adultos no hospedeiro

Inferior a 6, sendo que o mais comum são 1 a 2

adultos.Mais de 30.

Infeções de sexo único

Comum. Pouco comum.

Microfilarémia

Transitória (dura 1 mês)Ocorre em menos de 20% de gatos

naturalmente infetados

PersistenteMuito comum, entre 80 a 90%

Órgãos mais afetados

Pulmões Coração e pulmões

Sinais clínicos

Em relação aos gatos, estes podem também ser as-sintomáticos. As manifestações agudas estão normal-mente associadas aos sistemas cardiovascular e respi-ratório e às localizações ectópicas do parasita, comuns neste hospedeiro.

Na forma crónica, mais frequente, o gato exibe perda de peso, anorexia, letargia, intolerância ao exercício, dispneia, ascite, tosse, vómito, sinais de insuficiência cardíaca direita, tosse, disfagia, diarreia e síncope. Considera-se que tosse e dispneia em gatos são acha-dos consistentes com infeção por D. Immitis (Ettinger e Feldman, 2004).

Aquando da realização do exame físico, muitas ve-zes, o parasita nada é detetado (Ettinger e Feldman, 2004; Almeida, 2010).

Diagnóstico

No caso do gato, o diagnóstico torna-se mais com-plicado (Almeida, 2010). Se em parte isto se deve à ausência de sinais clínicos específicos e à carga parasi-tária baixa sem existência de microfilariémia na maior

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parte das vezes (Almeida, 2010), também tem um pa-pel importante a falta de sensibilização dos médicos veterinários para com a dirofilariose felina (Ettinger e Feldman, 2004; AHS - Current canine guidelines, 2012).

São vários os métodos utilizados:

- Deteção de Microfilárias

Como foi já referido, é raro haver microfilarémia em gatos infetados por D.immitis, assim sendo não são normalmente utilizados testes para identificação de microfilárias (AHS - Current canine guidelines, 2012; Capvet, 2012).

- Serologia

Testes para deteção de antigénios

Apesar de estar provado que, mesmo em gatos, a sensibilidade do método ELISA aumenta proporcio-nalmente ao número de fêmeas maduras é muito co-mum a existência de falsos-negativos. Estes falsos-ne-gativos podem ser explicados por uma série de fatores que são mais comuns em gatos: pela presença somente de machos na infeção, pela baixa carga parasitária ou pela existência de infeções imaturas mas sintomáticas (Rosa, 2009; AHS - Current canine guidelines, 2012).

Teste para deteção de anticorpos

Estes testes podem detetar infeção quer seja por nemátodes machos ou fêmeas ou mesmo estadios larvares visto que todas as formas do parasita es-timulam uma resposta imune desde os 2 meses de infeção. A desvantagem é que estes testes não asse-guram que a infeção ainda esteja a decorrer já que os anticorpos detetados podem ser referentes a uma infeção passada.

Radiografia torácica

As anomalias detectadas passam por aumento das ar-térias pulmonares caudais e da tortuosidade, com fre-quente perda de definição dos contornos, alterações do parênquima pulmonar (infiltrações focais ou difusas), ocasionalmente atelectasia (Ettinger e Feldman, 2004). Um padrão broncointersticial que pode desaparecer em poucos meses é um aspeto sugestivo de dirofilariose felina (Almeida, 2010).

Ecocardiografia

Este método provou ser mais sensível em gatos do que em cães (Ettinger e Feldman, 2004; Almeida, 2010), podendo observar-se uma ecodensidade em linha dupla nas principais artérias pulmonares, no ventrículo direito e, por vezes, na junção atrioventri-cular em animais infetados com D. immitis (Ettinger e Feldman, 2004; Rosa, 2009).

Angiografia

A angiografia pulmonar é um método útil no diag-nóstico de dirofilariose felina. Através desta técnica conseguem-se mostrar corpos estranhos radiopacos intravasculares e o aumento das dimensões e da tortu-osidade das artérias pulmonares (Ettinger e Feldman, 2004; Rosa, 2009).

Prevenção e tratamento

Tendo em consideração que o gato não é o hospe-deiro definitivo da D. immitis e que a incidência da di-rofilariose felina é bastante baixa, coloca-se em causa a necessidade ou não da instituição de uma profilaxia para a dirofilariose nesta espécie (Ettinger e Feldman, 2004).

As substâncias ativas mais usadas em gatos para este propósito são a ivermectina e a milbemicina oxima orais e a selamectina e moxidectina tópicas (Ettinger e Feldman, 2004; AHS - Current feline guidelines, 2012).

Tendo em conta que um gato infetado na maioria das vezes é amicrofilarémico, a terapêutica microfilarici-da não é necessária nesta espécie (Ettinger e Feldman, 2004; Capvet, 2012). No entanto, em casos de gatos microfilarémicos a ivermectina na dose de 24 μg/kg PO assim como a milbemicina na dose de 2mg/kg PO administradas mensalmente são eficazes no tratamento da microfilarémia, sendo que esta deve ser inexistente 3 a 12 meses após o início do tratamento (Rosa, 2009). Relativamente à terapêutica adulticida, esta assume um papel problemático, dado que a tiacertasamida pode até colocar em risco de vida gatos perfeitamente sau-dáveis, por vezes levando a edema, insuficiência res-piratória e morte. Outro problema que se coloca para além das reações adversas à tiacertasamida é a elevada frequência com que ocorrem tromboembolismos após a terapia adulticida e que na maioria das vezes são fa-tais (Ettinger e Feldman, 2004). Desta forma, alguns autores desaconselham a terapia adulticida e propõem uma alternativa cirúrgica, no entanto também existe documentação insuficiente sobre o assunto (Ettinger e Feldman, 2004; Rosa, 2009).

Até ao momento o que se aconselha no tratamen-to da dirofilariose felina consiste numa terapêutica de suporte com corticosteroides (prednisona, 1 a 2 mg/kg TID, a cada 48horas) de forma a controlar os sinais respiratórios (Ettinger e Feldman, 2004). No caso de emergências tromboembólicas está indicado o uso de oxigénio, de corticosteroides (dexametasona, 1 mg/kg, IV/IM ou prednisolona, 50 a 100 mg, IV) e bronco-dilatadores (Ettinger e Feldman, 2004; Capvet, 2012).

Relativamente ao tratamento anti-Wolbachia nos gatos, em que a terapia adulticida é contraindicada, o uso de doxiciclina permite que estes animais convivam melhor com a doença, no entanto nunca conduzindo a uma verdadeira cura (Ettinger e Feldman, 2004).

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Dirofilaria repens

Ciclo biológico

O ciclo biológico de D. repens inicia-se quando um mosquito infetado por este parasita procede a uma re-feição sanguínea no hospedeiro definitivo, o cão, in-troduzindo larvas L3 na corrente sanguínea do animal. As larvas L3 vão passar por mais duas mudas (L4 e L5) até atingirem, então, a fase adulta. Nesta última fase, os adultos migram para o tecido subcutâneo onde permanecem por 5 ou 10 anos até ao final da sua vida. Entretanto, as fêmeas adultas de D. repens vão liber-tando para a circulação sanguínea microfilárias (AHS - Current feline guidelines, 2012).

Desta forma, quando um mosquito faz uma refeição sanguínea num animal infetado ingere microfilárias que circulam pela corrente sanguínea. Após a inges-tão, as microfilárias fazem uma migração através do hemocélio do intestino médio para os túbulos de Mal-pigui, local onde as microfilárias se vão desenvolver até ao terceiro estadio larvar. Neste estadio, as larvas vão fazer uma migração até à probóscide do mosquito, possibilitando que o mosquito infete outros hospedei-ros definitivos ou acidentais, como o Homem e o gato (AHS - Current feline guidelines, 2012).

Sinais clínicos

Assim como acontece com D. immitis, a maioria dos cães com dirofilariose subcutânea são assintomáticos. Durante o exame físico de um cão infetado pode ser encontrado um nódulo de pequenas dimensões, não doloroso, que resulta da presença de uma dirofilária adulta no tecido subcutâneo (CDC – D. repens, 2012; CVBD – D. repens, 2012).

Diagnóstico

O diagnóstico, à semelhança do que acontece para D. immitis, é diferente consoante se pretenda identi-ficar a presença de dirofilárias adultas ou de microfi-lárias circulantes no sangue. Através da remoção ci-rúrgica dos nódulos observados no animal é possível confirmar a infeção por dirofilárias adultas. No que diz respeito à identificação de microfilárias é neces-sário realizar uma colheita de sangue. A análise desta amostra deve utilizar o teste de Knott e as microfilá-rias de D. repens devem ser diferenciadas das de D. immitis, quer recorrendo a testes imunológicos quer por observação da sua morfologia (CVBD – D. re-pens, 2012). A técnica histoquímica da fosfatase áci-da pode ser usada nesse sentido (CDC – D. repens, 2012)

Prevenção e Tratamento

A profilaxia da dirofilariose subcutânea consiste na minimização do risco de infeção através do uso de ec-

toparasiticidas de largo espectro que repelem e destro-em os vetores da doença (CVBD – D. repens, 2012).

O tratamento indicado para a dirofilariose sub-cutânea consiste na remoção cirúrgica dos nódulos causados pelas dirofilárias, podendo também estar indicado um tratamento anti-helmíntico em cães que apresentem sinais clínicos como dermatite prurigino-sa para além de nódulos subcutâneos. Nestes casos é recomendado o uso combinado de melarsomina e de doramectina (CVBD – D. repens, 2012).

Assim como se encontra recomendado o uso de te-traciclinas (doxiciclina) nas infeções por D. immitis, estes antibióticos têm mostrado também eficácia em inibir o desenvolvimento larvar deste parasita ao eli-minar as bactérias simbiontes das dirofilárias, Wolba-chia spp (CVBD – D. repens, 2012).

Saúde Pública

Apesar de à primeira vista não parecer uma parasito-se de grande preocupação existe, no entanto, um relato de um caso de meningoencefalite concomitante com a infeção por D. repens (Poppert et al., 2009). Neste sentido, torna-se cada vez mais importante o papel do médico-veterinário de aconselhar os proprietários dos animais na prevenção destas parasitoses.

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