Discricionariedade Administrativa Na Definição de Infrações e Na Cominação de Sanções

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Direito

Citation preview

Discricionariedade Administrativa na Definio de Infraes e na Cominao de Sanes

Quinta, 07 Nov 2013 Discricionariedade Administrativa na Definio de Infraes e na Cominao de Sanes O sancionamento administrativo constitui exerccio de funo administrativa, o que o sujeita aos princpios constitucionais inerentes a tal atividade, especialmente o da legalidade.

Entende-se que a finalidade principal do sancionamento administrativo obrigar o particular a cumprir a prestao a que esta adstrito e assegurar a execuo do interesse pblico subjacente ao contrato.

Tal finalidade peculiar conduz ao estabelecimento de clusulas penais, com finalidades assecuratrias (garantir o cumprimento da prestao), substitutiva da indenizao por perdas e danos (desobrigando a Administrao de recorrer s vias judiciais ordinrias), liberatria das obrigaes do contratado e sancionatria propriamente dita.

A aplicao ao sancionamento administrativo dos princpios constitucionais referentes a atividade punitiva do Estado (tipicidade, anterioridade, culpabilidade, etc.), ainda que originrios do direito penal, constitui tendncia do direito comparado e defendida inclusive por autores brasileiros como Lcia Valle de Figueiredo e Carlos Ari Sundfeld.

Tal aplicao se justifica, mesmo a despeito da dico literal de diversos dispositivos da Constituio restringir os mesmos ao direito penal, pelo princpio da mxima efetividade que deve nortear a interpretao constitucional.

A aplicao das sanes administrativas a licitantes e contratados se situa no quadro de relaes especiais de sujeio mantidas pelo Estado com particulares. Esses comparecem diante do Estado como co-participes de sua ao administrativa, quer como pretendentes contratao, quer como contratados. No tocante especificamente a estes ltimos, a aplicao dos contratos administrativos vista como uma clusula exorbitante dos contratos administrativos, ligada a faculdade de fiscalizao detida pelo poder publico frente ao particular contratado.

Nesse sentido, o extinto Tribunal Federal de Recursos fixou o entendimento de que:A prevalncia do interesse pblico sobre o privado enseja a admissibilidade de clusulas exorbitantes nos contratos administrativos, enfatizando o predomnio da vontade da Administrao na formulao e execuo da avena. Entre esse privilgios se insere o de aplicar penalidade contratual, em caso de inadimplncia do outro contratante. Aplicada multa contratual em procedimento regular, facultada a defesa do contratante, sua inscrio como dvida ativa da Unio possibilita a cobrana executiva, cabvel a desconstituio do ttulo, em embargos do devedor, se comprovada fora maior.

Segundo Hely Lopes Meirelles prpria Administrao cabe aplicar e executar a sano administrativa prevista no edital e no contrato, independentemente de reconhecimento ou autorizao judicial.

No caso de penalidade pecuniria (multa), seu valor pode ser descontado da garantia eventualmente prestada pelo contratado ou dos pagamentos ao mesmo devidos pela Administrao. Caso no seja possvel Administrao cobrar o valor da multa por alguma dessas formas, restar a via judicial.

As sanes administrativas vinculam-se a atuao administrativa do Estado, ou seja, onde quer que o Estado atue visando a satisfao do interesse pblico pode estabelecer sanes com o objetivo de punir as condutas dos particulares contrrias a tal atuao.

Assim, espera-se obter a conformao das condutas dos administrados com a atuao estatal em prol da coletividade.

Pode-se indagar qual fundamento jurdico da Administrao poder aplicar sanes a licitante, com o qual no foi firmado nenhum contratado. Efetivamente, se as relaes especiais de sujeio foram definidas como aquelas em que h um especfico vnculo jurdico entre a Administrao e um particular, vnculo esse para cuja tutela possvel aplicar-se sanes, pode, primeira vista, parecer que um licitante no contratado no se sujeita a qualquer sano. A anlise literal dos artigos 86, 87 e 88 da Lei de Licitaes, pode conduzir a tal entendimento, uma vez que aludem a sanes aplicveis a contratado, por inexecuo total ou parcial do contrato, ou a empresas ou profissionais que em razo dos contratos regidos pela mencionada lei tenham praticado ilcitos. Em nenhum momento referidos dispositivos mencionam licitantes.

Ocorre, porm, que ao manifestar sua vontade de participar no certamente, aceitando os termos do edital, vincula-se o particular a Administrao como auxiliar potencial de suas atividades. Surge o risco de que o descumprimento dos deveres que lhe so impostos traga prejuzos a Administrao e a coletividade como um todo. No por acaso que a Lei 8.666 de 1993, em seu artigo 43, pargrafo 6, probe a desistncia das propostas aps a fase de habilitao. Pretende-se garantir a seriedade das propostas, com o que o licitante fica vinculado perante a Administrao, salvo por motivo justo decorrente de fato superveniente e aceito pela Comisso.

recomendvel que o edital da licitao preveja e descreva as hipteses de sancionamento, conforme ser visto mais a frente, colaborando com a lei na determinao dos pressupostos de aplicao das sanes. Mesmo que no faa, porm, se a conduta do licitante puder ser aplicada de acordo com a hiptese legal, o mesmo dever ser punido.

Um dos clssicos do direito administrativo, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, consignou o seguinte a respeito:

No se pode aplicar sanes aos particulares, em geral, sem previso legal; ao contrrio, independem dela as impostas aos servidores pblicos, sejam agentes pblicos integrados na organizao administrativa, sejam particulares colaboradores com a Administrao Pblica, nos termos legais, como delegados ou prestacionistas de servios.

Para Cretella Jnior: Ao passo que a represso ao ilcito penal regida pelo princpio da legalidade, a autoridade que exerce o poder disciplinar pode aplicar, discricionariamente, sanes disciplinares, em virtude de infraes aos deveres da profisso, a princpios de honra, de dignidade, de tica, mesmo que no haja expressa disposio estatutria precisa a respeito. A Administrao age dentro das chamadas normas elsticas, flexveis ou plsticas.

Em Jess Torres Pereira Jnior, salienta-se o seguinte trecho: da natureza das penalidades administrativas o abrandamento do rigor na tipificao da conduta que gera o juzo de reprovao. Assim ocorre nas sanes disciplinares e nas atinentes inexecuo dos contratos pblicos. No se encontraro na Lei definies de tipos aos quais deva corresponder tal ou qual sano. Abre-se para a Administrao espao discricionrio para dosar a penalidade apropriada, desde que, em qualquer caso, se cumpra o devido processo legal, nele includo o direito defesa.

Ainda, se faz necessrio explicitar o que se entende por discricionariedade administrativa:

A margem de liberdade que remanesa ao administrador para eleger, segundo critrios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a soluo mais adequada satisfao da finalidade legal, quando, por fora da fluidez das expresses da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela no se possa extrair objetivamente, uma soluo unvoca para a situao vertente.

A discricionariedade acaba abrandando o rigor da submisso do administrador pblico lei, abrindo a possibilidade de agir com uma certa liberdade. Contudo, a discricionariedade no se confunde com arbitrariedade.

Celso Antnio Bandeira de Mello faz decorrer a discricionariedade das seguintes causas: a) da hiptese da norma (impreciso da descrio da situao ftica que deflagra o comando da norma ou omisso de sua atuao); b) do comando da norma (autorizao para que o agente pblico possa aplic-la ou deixar de aplic-la, escolher a oportunidade de aplic-la, escolher a forma jurdica que revestir o ato a ser praticado e a medida mais satisfatria a ser adotada tendo em vista as circunstncias do caso concreto); c) da finalidade da norma (quando tal finalidade se expressa atravs de termos vagos, indeterminados ou imprecisos, como moralidade pblica e interesse pblico.

A discricionariedade destina-se, porm, no a dar ao administrador pblico a liberdade de adotar qualquer soluo, mas sim de tomar a melhor deciso possvel tendo em vista as peculiaridades do caso concreto.

No impede a discricionariedade que o Judicirio possa aferir a compatibilidade entre o ato e a lei. Nesse sentido, diz Celso Antnio Bandeira de Mello:

A discricionariedade jamais poderia ser entendida como margem de liberdade que obstasse o controlador (interno ou externo) da legalidade do ato de verificar se a inteleco das palavras normativas, efetuada pelo agente administrativo ao aplicar a lei, foi ou no desbordante do campo significativo possvel daquelas palavras, considerando tal campo significativo ao lume da acepo corrente que tenham em dada sociedade e de seu enfoque contextual no sistema normativo.

Tambm no h discricionariedade no momento da aplicao da sano. Esta constitui exerccio de poder-dever indisponvel para o administrador pblico. A lei, porm, pode vir a prever a possibilidade de no ser aplicada a sano, da mesma ser atenuada ou at agravada se for verificada a presena de fatores como reincidncia, boa-f do administrado, ter este corrigido a falta.

O princpio da proporcionalidade exige que as penalidades mais graves sejam aplicadas s infraes de maior potencial ofensivo e aos casos de reincidncia, e as de menor gravidade, como a advertncia, s infraes menos graves, podendo o Judicirio, frente ao caso concreto, controlar violaes a tal princpio.

Refira-se que os artigos 86 a 88 da Lei n 8.666/93 no mencionam quais critrios devem ser seguidos pelo administrador na aplicao das sanes. No mesmo sentido, os artigos 40, inciso III, e 55, inciso VII, do mesmo diploma, referentes respectivamente aos itens e clusulas obrigatrias do edital e do contrato administrativo, mencionam a necessidade de tais atos conterem disposies sobre matria punitiva.

Sobre tal circunstncia, Maral Justen Filho Leciona que:

Ocorre, porm, que o artigo 87 restringiu-se a arrolar um elenco de sanes administrativas cabveis em virtude da inexecuo total ou parcial do contrato. A Lei silenciou acerca dos pressupostos de aplicao de cada sano. impossvel definir os casos de aplicao das diversas. Quando muito, o inciso II remete ao regramento estabelecido no ato convocatrio, o que insuficiente e ofende o princpio da legalidade. A questo tanto mais difcil porque a leitura do elenco legal faz presumir uma variao de gravidade entre as diversas sanes. No possvel colocar em um mesmo patamar a sano de advertncia e a declarao de inidoneidade para licitar. A lei no pode remeter Administrao a faculdade de escolher quando e como aplicar cada sano prevista no art. 87, pois isso ofenderia ao princpio da legalidade. Logo, ser impossvel aplicar qualquer das sanes previstas no art. 87 sem que as condies especficas de imposio estejam explicitadas.

Em contrapartida ao posicionamento do doutrinador acima mencionado, o STJ j consignou a possibilidade de aplicao das sanes a licitante desde que atendidos os princpios da legalidade e da tipicidade, conforme de depreende dos seguintes julgados:

Mandado de Segurana. Recurso. Edital de Licitao. Proposta vencedora. Sanes aplicadas pela Administrao, em decorrncia do descumprimento do contrato. Violao a direito lquido e certo indemonstrada.Descumpridas as normas do edital, a aplicao das penalidades previstas no prprio edital e na legislao pertinente, no fere direito, muito menos lquido e certo.

Processual Medida Cautelar Falta de Fundamentao Liminar Suspenso Ato Administrativo Declaratrio de inidoneidade de empresa e proibitivo de contratao com Administrao Licitao.Todas as decises dos rgos do Poder Judicirio tm de ser fundamentadas (artigo 93, inciso IX da Constituio Federal e artigo 165 do CPC.S excepcionalmente e quando autorizado por lei, poder o juiz determinar medidas cautelares sem a audincia das partes.No pode prevalecer a liminar que no leva em considerao o interesse maior do Municpio e da coletividade.Correto o procedimento administrativo que, escudado na legislao pertinente, inabilitou a recorrida de participar de futuras licitaes.

Portanto, no entende o Superior Tribunal de Justia que haja violao ao princpio da legalidade quando a sano aplicada em conformidade ao que dispem a lei e os atos convocatrios. Isso impe o exame do papel do edital e do contrato na definio dos pressupostos de aplicao das sanes.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:- BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. So Paulo: Malheiros, 1992.- ______. Princpios Gerais de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1979.- CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1970. tomo I.- CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1992.- CRETELLA JUNIOR, Jos. Das Licitaes Pblicas. Rio de Janeiro: Forense, 1993.- DIAS, Eduardo Rocha. Sanes administrativas aplicveis a licitantes e contratados. So Paulo: Dialtica, 1997.- JUSTEN FILHO, Maral. Comentrios Lei de Licitaes e Contratos Administrativos. 2002.- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. So Paulo: RT, 1995.- NIETO, Alejandro. Derecho Administrativo Sancionador. Madri: Tecnos., 1994- PEREIRA JUNIOR, Jess Torres. Comentrios Lei das Licitaes e Contrataes da Administrao Pblica. 6.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.- SUNDFELD, Carlos Ari. Licitao e Contrato Administrativo. So Paulo: Malheiros, 1994.- RMS 4.261-8 So Paulo, Rel Min. Hlio Mosimannm DJU 29.08.04, p.22.183