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1 Discurso de Mendes Bota sobre “FRANCISCO SÁ CARNEIRO – LIDO E VIVIDO” * Lagos (Sede do PSD/Lagos) e Portimão (Sociedade Recreativa Carrasquense), 4 de Dezembro de 2010 VER FOTOS NO FINAL Cumprem-se hoje trinta anos sobre o falecimento de Francisco Sá Carneiro, advogado e político, que marcou um lugar na História recente de Portugal, mais como um agitador de um final de ciclo e do começo de um outro ciclo, do que como um governante de obra feita para o álbum da posteridade, mas a quem o destino não deu o tempo necessário. Sá Carneiro foi um visionário entre Repúblicas, que tinha um pensamento estruturado sobre o lugar de Portugal no concerto das nações democráticas da Europa e sobre um modelo político que conjugava as liberdades fundamentais com as preocupações sociais, a defesa da iniciativa privada com a autoridade do Estado, o primado da política sobre a economia, o princípio da separação dos poderes e o regresso dos militares às casernas. Suscitou mais expectativas do que concretizações e, como todos os heróis que morrem novos (46 anos é a puberdade em política, foi a idade com que Cavaco começou Primeiro Ministro), dele não relevando a figura de Apolo, do aspecto determinado se fez mito, e perduraram até aos nossos dias múltiplos oráculos dispostos a interpretar o que Sá Carneiro faria ou diria a cada passo da conjuntura, e milhões de seguidores que dele nunca leram um livro sequer, e dos quais a lei da morte vem reduzindo a uma minoria saudosa e inspiradora. Quero com isto dizer que, felizmente, Sá Carneiro pertenceu ao restrito lote de estadistas que deixaram o seu pensamento, as suas ideias, os seus projectos, as suas promessas e compromissos de reforma e de mudança em obra publicada ainda fora do poder, que o que por aí mais se vê são compilações de discursos de circunstância de governantes ou ex- governantes à entrada ou à saída de congressos, de inaugurações, de cimeiras, de campanhas eleitorais ou de debates parlamentares obrigatórios, norma geral, prestações de contas auto- laudatórias e pouco ou nada visionárias, inovatórias e prospectivas. Antes de ascenderem ao poder, quem se recorda de algum livro político e doutrinário marcante de José Sócrates, Durão Barroso, António Guterres ou mesmo Cavaco Silva? Não é vasta a obra escrita que Sá Carneiro nos deixou, mas é relevante, pela dificuldade dos contextos em que ocorreu, denunciadora de coragem física e intelectual, desafiadora dos poderes políticos vigentes em ditaduras de sinal contrário. Mas suficiente para nos mostrar um homem inquieto e inconformado com os rumos do País, culto e informado, reflexivo suficiente para propor doutrina e caminhos ideológicos. Já sem falar dos inúmeros artigos dispersos em órgãos de comunicação social, com destaque para os célebres “Vistos” publicados no jornal Expresso antes do 25 de Abril de 1974, mas sofrendo graves mutilações pela Censura, Sá Carneiro publicou várias obras que deixaram a sua marca de pensador político, democrático e reformista: “Uma Tentativa de Participação Política”, em 1971; “Revisão da Constituição Política”, em 1971; “As Revisões da Constituição Política de 1933”, em 1971;

Discurso de Mendes Bota sobre “FRANCISCO SÁ CARNEIRO – … · de “um problema de Estado e não de Igreja”. Semanas depois, o Bispo regressou a Portugal. Semanas depois, o

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Discurso de Mendes Bota sobre “FRANCISCO SÁ CARNEIRO – LIDO E VIVIDO” *

Lagos (Sede do PSD/Lagos) e Portimão (Sociedade Recreativa Carrasquense), 4 de

Dezembro de 2010

VER FOTOS NO FINAL

Cumprem-se hoje trinta anos sobre o falecimento de Francisco Sá Carneiro, advogado e

político, que marcou um lugar na História recente de Portugal, mais como um agitador de um

final de ciclo e do começo de um outro ciclo, do que como um governante de obra feita para

o álbum da posteridade, mas a quem o destino não deu o tempo necessário.

Sá Carneiro foi um visionário entre Repúblicas, que tinha um pensamento estruturado sobre o

lugar de Portugal no concerto das nações democráticas da Europa e sobre um modelo político

que conjugava as liberdades fundamentais com as preocupações sociais, a defesa da iniciativa

privada com a autoridade do Estado, o primado da política sobre a economia, o princípio da

separação dos poderes e o regresso dos militares às casernas.

Suscitou mais expectativas do que concretizações e, como todos os heróis que morrem novos

(46 anos é a puberdade em política, foi a idade com que Cavaco começou Primeiro Ministro),

dele não relevando a figura de Apolo, do aspecto determinado se fez mito, e perduraram até

aos nossos dias múltiplos oráculos dispostos a interpretar o que Sá Carneiro faria ou diria a

cada passo da conjuntura, e milhões de seguidores que dele nunca leram um livro sequer, e

dos quais a lei da morte vem reduzindo a uma minoria saudosa e inspiradora.

Quero com isto dizer que, felizmente, Sá Carneiro pertenceu ao restrito lote de estadistas que

deixaram o seu pensamento, as suas ideias, os seus projectos, as suas promessas e

compromissos de reforma e de mudança em obra publicada ainda fora do poder, que o que

por aí mais se vê são compilações de discursos de circunstância de governantes ou ex-

governantes à entrada ou à saída de congressos, de inaugurações, de cimeiras, de campanhas

eleitorais ou de debates parlamentares obrigatórios, norma geral, prestações de contas auto-

laudatórias e pouco ou nada visionárias, inovatórias e prospectivas.

Antes de ascenderem ao poder, quem se recorda de algum livro político e doutrinário

marcante de José Sócrates, Durão Barroso, António Guterres ou mesmo Cavaco Silva?

Não é vasta a obra escrita que Sá Carneiro nos deixou, mas é relevante, pela dificuldade dos

contextos em que ocorreu, denunciadora de coragem física e intelectual, desafiadora dos

poderes políticos vigentes em ditaduras de sinal contrário. Mas suficiente para nos mostrar

um homem inquieto e inconformado com os rumos do País, culto e informado, reflexivo

suficiente para propor doutrina e caminhos ideológicos.

Já sem falar dos inúmeros artigos dispersos em órgãos de comunicação social, com destaque

para os célebres “Vistos” publicados no jornal Expresso antes do 25 de Abril de 1974, mas

sofrendo graves mutilações pela Censura, Sá Carneiro publicou várias obras que deixaram a

sua marca de pensador político, democrático e reformista:

“Uma Tentativa de Participação Política”, em 1971;

“Revisão da Constituição Política”, em 1971;

“As Revisões da Constituição Política de 1933”, em 1971;

2

“Ser ou Não Ser Deputado”, em 1973;

“Vale a Pena Ser Deputado?, em 1973”

“Por uma Social Democracia Portuguesa”, em 1975;

“Poder Civil: Autoridade Democrática e Social-Democracia”, em 1975;

“Impasse”, em 1978;

“Uma Constituição para os Anos 1980: Contributo para um Projecto de Revisão”, em 1979.

Daí que são cada vez menos aqueles que, ainda no activo da política em geral, e do partido

em particular, possam falar com intimidade de experiências partilhadas, de quem foi o

homem, o político e o líder chamado Francisco Sá Carneiro. Muitos faleceram, outros

“adeslembraram-se”, e dos que sobram, a maioria não foi seu seguidor em tempo real, antes

pelo contrário, mas crescendo em admiração quantas mais décadas passaram sobre o seu

desaparecimento.

Há sempre um lugar no panteão do coração português, pronto para acolher os heróis mortos

de forma trágica e brutal.

E é este o título desta palestra: “Francisco Sá Carneiro, lido e vivido”. E, devo confessar com

sinceridade que, tendo adquirido há muito tempo os galões de veterano do PSD, com mais de

três décadas de militância ininterrupta, é grande o espaço da leitura na aprendizagem que fiz

do que foi a vida e pessoa de Sá Carneiro, sendo certo que também existe uma fatia, pequena

e singela, é verdade, de momentos em que os nossos passos pisaram o mesmo chão da

vivência político-partidária.

Feita esta introdução de enquadramento, convido os assistentes a acompanharem-me neste

voo rasante sobre o percurso de vida deste grande homem e estadista, ao sabor de um

improviso guiado pelos marcos cronológicos que se seguem.

SÁ CARNEIRO, ANTES DA POLÍTICA

1934

Nasceu a 19 de Julho de 1934, na Rua da Picaria nº 49, no Porto, teve 3 irmãos e 4 irmãs, e 3

filhos e 2 filhas, numa família da alta burguesia. O pai, José Gualberto, advogado, oriundo

Barcelos. A mãe, Maria Francisca, filha dos Condes de Lumbrales, de Salamanca.

Atraso de quatro anos no registo de nascimento. Um homem que viria a ser avançado no seu

tempo, começou atrasado no reconhecimento da existência. Um destino envolto em polémica

desde o primeiro suspiro de vida. À data do nascimento, FSC já tinha 5 irmãos, todos eles

com apelidos Pinto da Costa Leite (da mãe) e Sá Carneiro (do pai). Uma lei recente, impedia

Francisco de tomar esta quantidade de apelidos. O pai interpôs recurso e esperou quatro anos

até lhe ser autorizada a substituição dos apelidos maternos pelo título nobiliárquico de

Lumbrales, ficando pois Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro, sendo o primeiro da

família a usar o apelido Lumbrales. E só então foi registado…

Praia da Granja, o destino das suas férias de Verão. Praia do Mindelo, Praia da Foz. Mais

tarde, homem, Areias de S. João no Algarve.

A casa dos pais era na Rua da Picaria

3

1950

Outubro, viagem a França com o pai.

1951

Veio para Lisboa, cursar o curso de Direito na Universidade de Lisboa.

1954

Aos 20 anos, conheceu Isabel Maria, sua futura mulher. Ele estudava em Lisboa e ela no

Porto.

1955

Ofereceram-lhe uma lambreta, conduzia como um louco.

1956

Terminou o curso.

1957

Casou, tendo montado escritório no Porto de imediato. O seu irmão Ricardo casou com a

sua cunhada.

1957

Frequentam cursos de formação religiosa, integram a equipa dos casais de Nossa Senhora,

Porto II, orientada pelo franciscano Frei Vargas.

1958

Nasce o primeiro filho Francisco. Passeiam de carro pelo “Portugal Desconhecido”.

1961

Escreveu um texto de 30 páginas, de que apenas publicou a primeira, sobre a relação do

indivíduo com a sociedade e da sociedade com a democracia. São os seus primeiros

pensamentos sobre a social democracia.

1963

Frequenta o 3º Curso de Cristandade para Homens. Frei Bento e Frei Mateus, da Ordem

Franciscana enquadram a nova doutrina social da Igreja “Pacem in Terris” do Concílio

Vaticano II. Sá Carneiro é um católico tranquilo mas começa a agitar-se sobre a

necessidade de os católicos tomarem posição sobre a política e a vida pública. A prática da

religião católica podia não se limitar apenas à observância estrita dos deveres religiosos, mas

ser a transposição da palavra das encíclicas para a vida quotidiana.

1966

Integrou a Cooperativa de Promoção Cultural “Confronto” de que foi presidente da Mesa da

Assembleia geral.

1967

Janeiro - Escreveu sobre o divórcio entre pessoas casadas canonicamente, uma notável peça

jurídica na Revista dos Tribunais.

FAZER POLÍTICA NO ANTIGO REGIME

4

1968

Inaugura a sua Quinta do Esperigo. Começa a estudar e a anotar a Constituição, decide

entrar para a política.

1969

Escreveu ao Núncio Apostólico e a Marcello Caetano exigindo o regresso do Bispo do

Porto D. António Ferreira Gomes – foi o seu 1º passo na vida política. Foi decisivo. Falava

de “um problema de Estado e não de Igreja”. Semanas depois, o Bispo regressou a Portugal.

Primeiro a Fátima, depois ao Porto.

Integrou o movimento ”Justiça e Paz”.

Setembro - Melo e Castro convidou FSC, Mário Pinto e outros a candidatarem-se pela União

Nacional nas eleições de Outubro, pela liberalização do regime. Queria refrescar as listas,

renovação, alterar a situação por dentro, e tinha alguns lugares para sangue novo, com gente

nova, descomprometida. O regime prometia liberalização, pluralismo político, transformação

progressiva no quadro de uma democracia política de modelo europeu ocidental. Sá Carneiro

teve muitas dúvidas. Primeiro negou-se, depois aceitou sob condição de publicação de um

comunicado da UN com a posição do grupo.

28 de Setembro – depois de atrasado pela UN, o comunicado saiu no primeiro dia de

campanha eleitoral, o que muito desagradou a Marcello Caetano que lhe escreveu a verberar

o ocorrido..

12 de Outubro – 1º discurso político em Matosinhos

Foi deputado eleito à Assembleia Nacional pela UN.

Hospedou-se no Hotel Tivoli-Jardim. Viaja de comboio ou avião Porto-Lisboa-Porto, às

terças-feiras. Conciliava família, escritório e actividade parlamentar. Produziu intensa

legislação. Tornou-se amigo de Balsemão.

1970

A Ala Liberal era liderada por Pinto Leite. Em Julho, com a morte deste passou a ser

liderada por FSC, que lhe fez o elogio fúnebre.

Chega à política através da sua própria descoberta da dimensão social do Evangelho.

Descobre Agustina, Sttau Monteiro, Cardoso Pires. Tem espírito de missão, ditado pelas suas

convicções morais e religiosas.

Foi discreto na primeira sessão legislativa. Fala pouco. No silêncio do quarto ensaiava para

um gravador as intervenções que tinha de fazer, exercitava-se todos os dias. Tinha o sonho

de vir a improvisar os discursos.

No Outono, aparecimento da SEDES, de que, “por prudência”, não foi fundador.

1971

5

Visita Angola com outros deputados, entre os quais Pinto Balsemão e Magalhães Mota, e

regressa muito sensibilizado para o problema colonial português, empenhando-se a fundo

contra a manutenção do estado de coisas no Ultramar português.

Na sequência de um parecer desfavorável da Câmara Corporativa, com os 3 votos contra de

Lurdes Pintassilgo, Gonçalves Pereira e Freitas do Amaral, a maioria da Assembleia Nacional

acaba por rejeitar o projecto de revisão constitucional, trabalhado conjuntamente com

Mota Amaral, e apresentado em Outubro pela Ala Liberal, impedindo a discussão na

especialidade.

Faz então o seu primeiro grande discurso de improviso durante uma hora, numa crítica

desapiedada ao regime, em defesa do projecto liberal, entusiasmando os seus apoiantes e

deixando perplexos os opositores. Entre surpresa e inquietação, começa a ser olhado com

respeito.

Publica o livro “Revisão da Constituição Política”, com prefácio de Sá Borges.

Apresentou, com Balsemão, um projecto-lei da Imprensa, mas irritou-se, abandonou a

discussão, deixando aquele sozinho. Termina o ano de 1971 muito desanimado e pessimista.

1972

Convidou Spínola a candidatar-se à presidência da República, com o apoio da Ala Liberal,

enviando-lhe uma carta em nome de um “conjunto de cidadãos”. Identifica-se com a sua

proposta de autonomia progressiva para os territórios portugueses, e numa solução política

para a guerra colonial, mas numa perspectiva moderada e reformista. E considera Spínola o

único militar português com envergadura e prestígio para assumir uma candidatura

presidencial.

Mas Spínola recusa avançar, considera inoportuno, está longe de Lisboa, tinha aversão à

política e o seu universo era a guerra.

25 de Julho – Recusou-se a votar a eleição de Américo Thomaz, nem pôs os pés na

Assembleia Nacional.

Começou a identificar-se como social democrata, e assumiu frontalmente a oposição ao

regime. Defendia para Portugal uma democracia típica da Europa Ocidental. Tem como

referências as social-democracias alemã e escandinava, na defesa dos valores humanos.

Visita à Alemanha.

Faz parte do Conselho Geral da Ordem dos Advogados.

15 de Novembro – Início de nova sessão legislativa. Dividido entre a revolta e o desejo de

afirmação política, decide entrar pela via aberta da provocação, tornar-se um deputado

incómodo, assumindo frontalmente a oposição ao regime e está no hemiciclo para a

incarnar.

Era uma espécie de vingança perante si próprio, pela ingenuidade de ter acreditado na

possibilidade de levar a bom porto os objectivos que o norteavam 3 anos antes

6

Em Dezembro proferiu um importante discurso na Assembleia Nacional onde apresentou

projectos de lei, numa série de iniciativas reformistas, denunciando a falta de liberdade, de

reunião e de associação, propõe a alteração do Código Civil e da organização judiciária,

solicita inquérito às actividades da PIDE e uma amnistia para os crimes políticos, o que foi

entendido como uma grave provocação ao governo e ao regime, provocando sério incómodo,

tendo todas essas iniciativas sido recusadas sequer ser examinadas.

´

15 de Dezembro – Concedeu entrevista a Jaime Gama no jornal República, confessando-se

social democrata. Considera Sá Carneiro que “Os conceitos de catolicismo progressista e de

democracia-cristã são bastante equívocos para mim, e não aceito enquadrar-me em

qualquer deles. Entendo que os partidos políticos – que considero absolutamente

indispensáveis a uma vida política sã e normal – não carecem de ser confessionais, nem

devem sê-lo. Daí que não me mostre nada favorável nem inclinado a filiar-me numa

democracia-cristã.”

Para Sá Carneiro era o fim, dizendo pela única vez: “Enganei-me! Acabou-se! A minha vida

política acabou! A Ala Liberal não existe!” E germina a ideia da renúncia no Natal.

1973

25 de Janeiro – Renuncia ao cargo de deputado por considerar incompatível com a sua

dignidade. Diz: “o repúdio activo é também uma forma de luta!”

Regressa ao Porto e retoma a advocacia. Jornais estrangeiros noticiam a sua renúncia

7 de Fevereiro – Pinto Machado faz na Assembleia Nacional um discurso de louvor e

homenagem a Sá Carneiro.

Publica o livro “Ser ou Não Ser Deputado”.

Em Abril teve um grave acidente de automóvel, Sofre grave acidente de automóvel

conduzido pelo irmão Ricardo que se despista, fractura da bacia, hemorragia interna, rotura

do baço, traumatismo renal e sete costelas partidas. Prepara-se para morrer e tomas as últimas

disposições. Ao terceiro dia o amigo Frei Mateus dá-lhe a extrema-unção. Em desespero de

causa foi operado, extraído o baço, que tinha uma rotura obstruída por um coágulo. Passa o

Verão na Quinta do Esperigo em convalescença.

1 de Junho – Começa a sentir nostalgia da vida política e aceita escrever a coluna “Visto” no

Expresso de Pinto Balsemão. Muito cortado pela censura. Marcelo medeia as fúrias: “É

melhor um Visto cortado que Visto nenhum!”

Julho – Congresso dos Liberais, terceira via, Sá Carneiro declina o convite secamente.

Muito instado concede aparecer meia hora no hall da Sinase com a mulher, para a fotografia,

o Congresso interrompe em euforia, mas ele volta para casa.

Setembro – Escreve no Visto a convidar à abstenção nas eleições de Outubro seguinte para

a Assembleia Nacional.

7

Outubro – Colóquio na SEDES, faz violento ataque ao regime e fala de uma certa agitação

em alguns sectores das Forças Armadas.

Dezembro – publica o livro “Vale a Pena Ser Deputado?”

1974

Março – Declara aos jornalistas a necessidade de criação de um partido do centro.

FAZER POLÍTICA NO NOVO REGIME

Só por intoxicação da opinião pública se pode entender, que não aceitar, que este homem

viesse a ser apelidado no pós-25 de Abril de “fascista”, direitista e reaccionário. Mais de três

décadas após a sua morte, é mais do que tempo de repor a verdade das coisas e de render

Justiça a este Homem e político.

25 de Abril – A Revolução apanha-o a tomar banho em casa, no Porto.

26 de Abril – Parte para Lisboa para estar no centro dos acontecimentos

27 de Abril – Dá entrevista à televisão e fala da criação de um partido político, sucedendo-se

nos dias seguintes reuniões preparatórias no Expresso e na Quinta da Marinha, casa de

Balsemão. Encontra-se com Barbosa de Melo.

03 de Maio – Com Balsemão, Magalhães Mota e Miller Guerra é recebido por Spínola na

Cova da Moura. Miller, com ideias diferentes quanto ao Ultramar, abandona o grupo.

05 de Maio – O aparecimento do Partido Social Democrata Cristão, obriga Sá Carneiro a

adoptar o nome de Partido Popular Democrático.

06 de Maio – Em conferência de imprensa realizada na Sinase, e juntamente com Magalhães

Mota e Balsemão, é anunciado oficialmente a criação do PPD, em apoio ao programa do

MFA e aderindo ao movimento democrático português. Marcelo Rebelo de Sousa redigiu o

comunicado lido no Telejornal das 19h30.

12 de Maio – Primeira sede do PPD no Largo do Rato. 10 dias depois já tem 3.000 filiados.

15 de Maio – Posse como Ministro Sem Pasta e Ministro Adjunto do Primeiro Ministro

Adelino da Palma Carlos, no I Governo Provisório.

Junho – Visita a Bruxelas para promover adesão de Portugal à Comunidade Europeia.

24 de JUnho – 1ª Comissão Política do PPD.

Julho – PPD muda-se para a Av. Duque de Loulé.

09de Julho – Demissão do Governo Palma Carlos. FSC regressa ao PPD a tempo inteiro.

13 de Agosto – No 1º número do Povo Livre titula: “Situamo-nos numa linha progressista

não marxista”

8

Setembro – Recebe aulas de dicção com Glória de Matos, na sede da Duque de Loulé.

25 de Outubro – 1º comício PPD em Lisboa, no Pavilhão dos Desportos, 15.000 pessoas.

23-24 de Novcembro – 1º Congresso do PPD no Pavilhão dos Desportos. Aprovado

programa, FSC eleito Secretário-Geral em lista de consenso, e aprovada por aclamação o

pedido de adesão à Internacional Socialista. O discurso é importante texto sobre a social

democracia. Começa a ficar doente com cólicas violentas.

29 de Novembro – 1º comício do PPD no Porto, Palácio de Cristal com Mota Pinto, José

Augusto Seabra, Emídio Guerreiro, Magalhães Mota, Pinto Balsemão e FSC.

1 de Dezembro – Boicote violento do comício do PPD em Viana do Castelo

Dezembro – Visita aos EUA

1975

17 de Janeiro – Legalização do PPD, 6.300 assinaturas, entregues no Supremo Tribunal de

Justiça.

Fevereiro - Começam problemas de saúde – cólicas, estado de choque, operações.

11 de Março – Doente em casa assiste à distância aos acontecimentos político-militares.

10 de Abril – Vai para clínica em Londres, escoliose.

25 de Abril – Volta para votar para a Assembleia Constituinte. O PPD obtém 26,39% com

1.507.282 votos.

24-25 de Maio – 1º Conselho Nacional do PPD, abandona o partido por motivos de

doença, e foi substituído por Emídio Guerreiro, como Secretário-Geral interino.

Regressa para tratamentos em Londres, onde fica durante meses, e passa o Verão no Sul de

Espanha em convalescença, em S. Pedro de Alcântara.

23 de Setembro – Conferência de Imprensa no Hotel Roma, para anunciar o regresso à vida

política após prolongada doença, e o propósito de retomar as funções de Secretário-Geral do

PPD

27 e 28 de Setembro – No Conselho Nacional na Estalagem da Via Norte,no Porto, FSC

exige que o seu regresso seja referendado por voto secreto. Vence com 14 votos contra e

reconquista o poder.

2 de Novembro – Decorre o cerco à Assembleia Constituinte, FSC está em Leiria.

25 de Novembro – Está em visita a Bona, enquanto Portugal vive os acontecimentos políticos

que mudaram o curso de Portugal.

9

06-07 de Dezembro – II Congresso (extraordinário) do PPD de Aveiro – primeira grande

dissidência no PPD – saíram 4 membros do Governo e 14 deputados. Sá Carneiro foi

confirmado na liderança

1976

6 de Janeiro – FSC almoçou com Snu Abecassis no restaurante Varanda do Chanceler, em

Lisboa, por sugestão de Natália Correia. Daqui nasceu uma relação amorosa, consumada dois

anos depois ao viverem juntos até que juntos faleceram.

Março – FSC recusa-se a assinar o II Pacto MFA-Partidos a título pessoal

25 de Abril – Primeiras eleições para a Assembleia da República, PPD obtém 24,38% com

1.336.697 votos.

9 de Junho – FSC eleito líder do Grupo Parlamentar

Agosto – FSC na Festa do Pontal

2 de Outubro – PPD passa a PPD/PSD

30 e 31 de Outubro – III e IV Congressos do PSD. Estatutos e FSC foi eleito Presidente do

PPD/PSD

12 de Dezembro – Eleições autárquicas. PPD elege 115 Presidentes de Câmara

1977

7 de Novembro – Após uma derrota política FSC entregou o cartão de militante e comunicou

o abandono da liderança do partido. Quatro dias depois, em Conselho Nacional, Sousa

Franco é eleito presidente do PSD.

1978

28 e 29 de Janeiro – V Congresso do PSD no Porto, FSC para o CN, Sousa Franco para a

CPN e Sérvulo Correia para Secretário-Geral

Março – Publicou o livro “Impasse”

3 de Abril – Comissão Política Nacional demitiu-se

15 de Abril – IV Conselho Nacional Extraordinário

1 e 2 de Julho – VI Congresso do PSD, Cinema Roma, FSC consegue 2/3 dos votos e volta à

presidência do PSD

Agosto – FSC de novo na Festa do Pontal

1979

Janeiro – Publica o livro “Uma Constituição para os anos 80”

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4 de Abril – 2ª dissidência no PSD. Demitiram-se 37 deputados do PSD que passaram a

independentes

5 de Abril – Hernâni Lopes demite-se do PSD, FSC eleito líder parlamentar

16 e 17 Junho – VII Congresso do PSD, Hotel Roma, FSC reeleito líder do PSD

5 de Julho – Criada a Aliança Democrática = PSD+ CDS + PPM + Grupo dos Reformadores

4 de Agosto – Jornal “Diário” publica o primeiro artigo sobre o caso da “Dívida Sá

Carneiro”

22 de Agosto – FSC apresenta queixa na PJ contra jornal “Diário”

2 de Dezembro – Vitória da AD nas eleições para a Assembleia da República

16 de Dezembro – AD vence eleições autárquicas, conquistando maioria de 196 câmaras

municipais

1980

3 de Janeiro – Tomada de posse do VI Governo Constitucional. Desliga-se da presidência do

Partido.

Televisão a cores em Portugal.

26 de Abril – Entrega de terras a pequenos agricultores no Baixo Alentejo

14 de Agosto – FSC faz comunicação ao País refutando as calúnias do jornal “O Diário”

5 de Outubro – Vitória da AD nas eleições para a Assembleia da República com 47,1%

4 de Dezembro – De tarde gravou tempo de antena ameaçando demitir-se caso Soares

Carneiro perdesse. 19h conferência de imprensa com Soares Carneiro e Freitas do Amaral no

Hotel Altis, parte para o Aeroporto de Lisboa em direcção ao Porto para um comício de

Soares Carneiro. 20,16h Cessna despenhou-se em Camarate. Morreram FSC e Snu

Abecassis, Adelino Amaro da Costa (Ministro da Defesa e esposa, António Patrício Gouveia

e 2 co-pilotos. Foi ordenado rigoroso inquérito às causas do acidente.

11 de Dezembro – Governo afastou hipótese de sabotagem.

1981

2 de Fevereiro – Governo de Balsemão informou que inquérito afastou origem criminosa.

Polémica até hoje. Inquéritos da AR disseram sim, nim e o seu contrário.

Cria-se o mito. Há 4 teses. Ou acidente, por negligência, dos pilotos ou da manutenção. Ou

atentado, contra Amaro da Costa ou contra Sá Carneiro.

SÁ CARNEIRO VIVIDO EM QUATRO MOMENTOS

11

Novembro de 1979 – Jantar num restaurante a caminho do Aeroporto, fui chamado para a

beira dele, e foi a única vez em que falámos de perto. Penso que alguém lhe terá indicado que

estava ali um jovem com potencial e com futuro. Não me recordo do que falámos, além de ter

querido saber da implantação do PSD no Algarve.

Setembro de 1980 – Comício em Lagos, durante a campanha eleitoral para a Assembleia da

República. Integrei a lista de candidatos a deputado pelo círculo eleitoral de Faro, e nessa

condição pisei o mesmo palco que Sá Carneiro.

04/12/1980 – Estava-se no culminar da campanha presidencial, na qual me tinha envolvido

bastante. Dias antes recebera Soares Carneiro na janela da Câmara Municipal de Loulé, com

grande ajuntamento popular. Estava em casa, quando vi pela televisão o infausto

acontecimento. Corri para a sede de campanha distrital, em Faro, na Rua João Lúcio, à

Pontinha. Estava tudo em estado de choque, desorientado, entre gritos, choros e esbracejar de

desespero. E recordo-me, como se fosse hoje, da frieza de José Vitorino, impassível, como se

não fosse nada com ele, como se o sofrimento não lhe tocasse. “A vida continua!”. “A vida

continua!” Exclamava. E, de certa forma, era a única coisa certa nele. Nada mais batia certo.

O momento de altas emoções, e o desprendimento de quem tinha a obrigação de não estar

desprendido. Era incompreensível. Faltavam ali lágrimas naquele rosto. Traços de desgosto e

tristeza. Parecia até uma cara aliviada. “A vida continua” – repetia. Como se não tivesse

morrido o pai da nossa família. Como se tratasse de uma simples substituição num campo de

futebol. Foi uma imagem que me chocou e me tem acompanhado ao longo de toda a minha

vida. Nessa noite, pelo País fora, houve quem tivesse atirado foguetes de regozijo pela morte

de Sá Carneiro. Há sempre energúmenos dispostos a tudo. Mas, de verdade, além da morte

confirmada, a vida continuou. De forma diferente, mas continuou. Com Sá Carneiro vivo, a

História recente de Portugal teria sido muito diferente. Não sei, se para melhor ou pior, mas

teria sido diferente.

20-21-22 de Fevereiro de 1981 (eu estava convencido de ter sido em 1980...um dia terei que

colocar isto a limpo) – Congresso do PSD, no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa. Sá

Carneiro, se não estava presente corporalmente como interiorizei durante muitos anos, estaria

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pelo menos em espírito a pairar por cima de todos nós, e eu a falar com as pernas a tremer.

Fui interrompido com aplausos de minuto a minuto, durante um quarto de hora. E recordo-me

de constatar esta situação anacrónica. Da barriga para cima, o coração, a voz e o cérebro

funcionavam em total sincronia. Da barriga para baixo, as pernas pareciam umas cordas

bambas, descontroladas, tal o nervoso miudinho. Foi a primeira e a última vez (até hoje) que

tal me aconteceu em cima de um palco.

COMO ERA SÁ CARNEIRO

Teve poucos amigos íntimos. Cultivava a distância entre os outros e a sua pessoa. Mais

racional do que afectivo. Em casa, o ambiente era simpático, mas algo formal. Não era uma

pessoa alegre. Como pai, tinha duas facetas: muito austero e severo, ou quando brincava com

os filhos ficava igual a eles.

Com o irmão Ricardo, era diferente. Bons companheiros, sempre amigos, depois

inseparáveis. Vieram para Lisboa, fizeram o mesmo curso, dormiram no mesmo quarto na

Residencial Lisbonense, exerceram a mesma profissão, no mesmo escritório, defenderam as

mesmas causas, ambos subdirectores da Revista dos Tribunais, indispensáveis, até se casaram

com duas irmãs. Adoravam visitar antiquários.

Não suportava que o seu ponto de vista não vencesse. Preferia ir-se embora. Não gostava que

o contraditassem. Odiava perder. Era um homem de rupturas e não de paz podre.

O carisma, é algo que não se adquire no supermercado. Ou se tem, ou não se tem. Sá

Carneiro tinha um grande carisma, sustentado num exemplo de convicções e de princípios

éticos pelos quais se bateu até ao fim. Era daqueles predestinados que antecipam o futuro, e

que vêm para lá da linha do horizonte, muito antes de lá chegarem. Sá Carneiro. Não era um

homem do linguajar politicamente correcto. Era um homem que sabia o que queria, e para

onde ia. Não discursava ao sabor das circunstâncias, muito menos das conveniências, e

menos ainda das sondagens ou das páginas dos jornais. Não sei se Portugal teria sido melhor

ou pior com Sá Carneiro vivo. Mas sei que, no meio da saudade que nos deixou a sua partida

súbita, houve muitos momentos na vida do PSD, com outros líderes que não souberam ou não

conseguiram estar à altura das responsabilidades, em que gostaria que Sá Carneiro cá

estivesse, senti que ele nos fez falta. E neste País, com tanto político descredibilizado, com

tanto governante irresponsável, sinto que o exemplo de probidade, convicção, coerência e

honestidade dado por Sá Carneiro deve ser exaltado como um farol orientador do que deve

ser o comportamento de quem gere a causa pública.

Obrigado pela vossa atenção.

*As fontes utilizadas para a elaboração deste trabalho curricular e político sobre Francisco

Sá Carneiro, provieram do conhecimento consolidado de múltiplos testemunhos do autor e

de várias pessoas, e da leitura das seguintes obras: “Solidão e Poder”, de Maria João

Avillez (ed. Oficina do Livro) e “Francisco Sá Carneiro – fotobiografia”, de Rui Guedes (ed.

Bertrand Editora).

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CONFERÊNCIA NA SEDE DO PSD EM LAGOS À TARDE, SEGUIDA DE MISSA

EM MEMÓRIA DE FRANCISCO SÁ CARNEIRO E ACOMPANHANTES NO

FATÍDICO ACONTECIMENTO

CONFERÊNCIA NA SEDE DA SOCIEDADE RECREATIVA CARRASQUENSE, EM PORTIMÃO, À NOITE