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trabalho metafisica
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DiscursoemSereTempo. 1
PorLeandroScarabelot 2
Apresentao:
De acordo com o pargrafo 34 de Ser e Tempo, o discurso, juntamente com a
disposio, a compreenso e a interpretao, um dos modos originrios de abertura
do sera para que possa chegar ao sentido do Ser. O presente texto tem como objetivo
expor o conceito de discurso conforme o autor trabalhou em sua obra magna. No
entanto, para explicitar um, tambm ser necessrio discorrer sobre os outros, pois, no
que concerne questo do Ser e dos modos de ser do sera, todos encontramse
entrelaados. Alm disto, fazse necessrio uma explicao sobre o termo
sernomundo, sobre o qual o autor estrutura os modos de ser do sera. Assim,
acreditamosdirecionarmelhorasinvestigaessobreaquesto.
_____________________________________________________________________
Em 1927, Martin Heidegger publica Sein und Zeit (Ser e Tempo). Nesta obra, o
autor aborda a questo do Ser a partir do mtodo fenomenolgico em uma analtica
existencial, constituindo assim uma nova ontologia. O mtodo fenomenolgico de
Heidegger, assim como para Husserl, consiste em voltar s coisas mesmas. Desta
forma, o filsofo procura efetuar uma anlise existencial a partir daquilo que se mostra,
isto , dos fenmenos. Ao procurar investiglos, Heidegger procura desvelar o ser dos
fenmenos, e assim distanciase da tradio efetuando uma ciso entre ente e Ser do
ente (diferenciao ontolgica). Ao separlos, ele procura pensar o Ser em sua
radicalidade, isto , ir ao fundo da questo e procurar determinar se h realmente um
fundo. Desta forma, fazse necessrio discernir entre o ente e o Ser do ente, tendo em
1TrabalhofinaldadisciplinadeAntropologiaFilosficaIministradaem2015/01.2AlunodastimafasedagraduaoemLetrasLnguaPortuguesaeLiteraturas.
vista que o Ser dos entes no em si mesmo outro ente. Afinal, o que o ente e o 3
queoSerdoente?Oautorresponde:Chamamos de ente muitas coisas e em sentidos diversos. Ente tudo de que falamos, tudo que entendemos, com que nos comportamos dessa ou daquela maneira, ente tambm o que e como ns mesmos somos. Ser est naquilo que e como , na realidade, no ser simplesmente dado (Vorhandenheit), no teor e recurso, no valor e validade, na presena , no 4
h. 5
Prosseguindo em suas indagaes, o filsofo questiona sobre qual o ente que
em seu prprio ser (em sua existncia) tem a possibilidade de indagar sobre o sentido
do Ser, isto , de tornar transparente o ente que questiona o ser em seu prprio ser.
Dentre todos os entes, o nico que possui tanto a possibilidade de perguntar quanto a
possibilidade de responder sobre o sentido do Ser este ser que ns mesmos somos.
Contudo, para no cair em uma abstrao sobre a ideia de homem ou em uma
metafsica subjetiva, o autor procura estabelecer um termo para poder melhor estruturar
suaanliseexistencial,esteoDasein,oucomovamosnosreferirdoravante,osera.
Conforme Heidegger explica, o sera possui um primado nticoontolgico.
Primado ntico porque o sera no apenas um ente que ocorre entre os outros entes.
Pelo contrrio, diz o autor, do ponto de vista ntico, ele se distingue pelo privilgio de,
em seu ser, isto , sendo, estar em jogo seu prprio ser. Ou seja, o sera possui um 6
primado ntico porque de todos os entes, ele o nico que existe, isto , ele
determinado sem seu ser pela sua existncia. nesse mbito que se diz que a pedra
, mas no existe. E, com base nessa determinao pela existncia, o sera em si
mesmo ontolgico. Pertence ao sera, de maneira igualmente originria, e enquanto
constitutivo da compreenso da existncia, uma compreenso do ser de todos os entes
que no possuem o modo de ser do sera. O sera tem, por conseguinte, um primado
que a condio nticoontolgica da possibilidade de todas as ontologias. Desse
3SereTempo.parteI,4edio.p.32.4 Embora tenhamos preferncia pelo termo sera para nos referir ao Dasein, a traduo utilizada traz o termocomopresenae,poristo,noefetuaremosmudanasnascitaes.(N.A)5SereTempo.parteI,4edio.p.32.6idem,p.38.
modo, o sera se mostra como o ente que, ontologicamente, deve ser o primeiro a ser
interrogado,antesdequalqueroutro.
Neste sentido, o sera possui a primazia ntica por ser ontolgico, isto , pelo
fato de ele mesmo ser um ente que pode se questionar pelo sentido do Ser. Mas, por
que o sera tem essa possibilidade de pensar sobre o ser? Pois o sera
prontolgico, ou seja, em seu ser ele j possui uma abertura originria, ele tem uma
prcompreenso do que o ser por meio de seu prprio existir. De certa forma, o que
o autor quer dizer que o sera s pode perguntar pelo ser porque ele j compreende
o sentido do Ser por conta de sua prpria existncia, pois de alguma forma o ser j se
abriuparaele.
O que essa abertura originria do sera? Essa abertura a prpria existncia
do sera que sempre se d no mundo. O sera e sempre est no mundo. Para
explicar este fato, Heidegger emprega a expresso sernomundo. Mas, preciso
esclarecer. Este mundo no algo que est fora do sera. O sera no mundo, o
sera tem mundo e o sera mundo. E s porque existe o sera que existe o
mundo. Alm disto, s porque h Mundo que existe o ser simplesmente dado.
Mundo entre aspas , aqui compreendido como um existencirio: o mundo dos
entes, o mundo cotidiano do sera, o sera em sua cotidianidade mediana no 7
mundo das ocupaes. O sera sempre est em situao, em seus modos de ser, e
por isto nunca visto em si mesmo. O sera est sempre no Mundo (existencial) e no
mundo (existencirio) das ocupaes cotidianas. Nesse sentido, s o sera tem
mundo, pois o que faz que o Mundo seja mundo so os utenslios, ou melhor, a
maneira como o sera lida com os utenslios no mundo circundante, estes utenslios
so os seres intramundanos. Este ser (o sera) sempre um serem, no sentido de
habitao. O sera habita o mundo. Por isto, em contraposio aos seres que no
possuem o seu modo de ser, o sera um ser mundano. E, nesse mundo, o sera
sempre est ocupado com alguma coisa, est sempre em atividade. O mundo que
vem ao encontro do sera por meio do mundo circundante este mundo da
7Tentaremosexplicitaroseraemsuacotidianidademedianaconformeodesenrolardestetrabalho.
ocupao, isto , o modo como o sera lida com os entes que no so dotados do seu
modo de ser, ou seja, os utenslios. Os utenslios as coisas , conforme
mencionamos, so os entes intramundanos. No mundo circundante da ocupao, o
sera lida com esses utenslios em sua manualidade (Zuhand). Na manualidade, o
mundo pode se abrir ou se fechar. Se no manuseio, um utenslio quebra, falta ou
obstrui,omundoseabre.Senadaocorre,omundocontinuafechado.Porqu?
Isto ocorre, pois o mundo se d no modo de lidar com o utenslio. Quando o
manual causa a surpresa (quebra), a importunidade (falta) ou a impertinncia
(obstruo), o manual perde a sua manualidade e configurase momentaneamente
como ser simplesmente dado, ento, o mundo se desmundaniza. O ente se mostra
como algo que est ali, diante do (Vorhanden) sera e que no pode ser manuseado.
Alm disto, ao se configurar desta forma, a ocupao se mosta no com que e no para
que se estava manuseando o manual. Desta forma, a nosurpresa, a
noimportunidade e a noimpertinncia so as condies para que o mundo continue
sendo mundo. sob este aspecto que, o conhecimento, para Heidegger, sempre uma
forma de desmundanizao do mundo, uma objetificao e que, o no anunciarse
domundoacondiodepossibilidadeparaqueomanualnocausesurpresa .8
Desta forma, Heidegger explicita o ser do manual como algo que para. A
coisa no mais vista como algo emsi, que tenha sua essncia por simesma, ela
s pode ser enquanto manuseada por um sera na ocupao, isto , no manuseio. O
modo como o sera lida com o instrumento sempre prtemtico. Prtemtico no
sentido de que o manual s descobre o seu serpara no manuseio, ou seja, a forma
como se manuseia o manual que abre o sentido de seu ser. Pensemos no exemplo do
martelo, que o autor emprega para apresentar a manualidade. Um martelo algo para
pregar. Ningum se pergunta, ao pegar um martelo na mo: O que o martelar? ou
O que este martelo?, mas imediatamente assume a posio e comea o ofcio. E, da
mesma forma, ningum martela sem ter uma finalidade. Um manual sempre
manuseado de acordo com a circunviso da conjuntura da obra, o em virtude de pelo
8Idem,p.118.
qual se estava ocupado. Isto quer dizer: s irei martelar se houver um fim para isto e
sempre vou tentar martelar de acordo com o fim que me proponho em minha ocupao.
A obra a totalidade remissiva dos utenslios. Essa totalidade remissiva referese ao
fato de que quando vou utilizar um martelo, j tenho, de acordo com a circunviso
conjuntural a totalidade de minha empresa, isto , toda a srie de utenslios necessrios
para comear ou concluir a atividade, como o prego, a madeira, o lugar, etc. No
entanto, se o martelo quebra enquanto prego, ou se faltam os pregos, ou se h uma
obstruo na madeira, o mundo se desvela em seu ser simplesmente dado. No se
est mais na ocupao do obrar, pois houve uma perturbao das atividades
remissivas. Contudo, essa prpria perturbao das remisses que revela o utenslio
nosersimplesmentedadodomanualequefazcomqueomundosed.
Isso ocorre porque, quando h essa perturbao, a perspectiva conjuntural da
ocupao se abre e se mostra no com que e no para que se estava ocupado. Com isto,
o sera obrigado a ocuparse de outra forma, tanto na substituio daquilo que
causou a perturbao quanto no deixar de lado a atividade. O sera sempre precisa,
de alguma forma, voltar sua ocupao, mesmo que seja um no ocuparse de nada.
Isto s pode ser dito, pois enquanto lida com o manual na ocupao, h sempre a
possibilidade de tudo dar certo e tambm a de algo dar errado. Nesse sentido, quando
algo d errado quando h perturbaes nas remisses o mundo se configura de tal
forma que o manual perde a sua manualidade e fica diante do sera. O mundo se abriu
em seu ser simplesmente dado. Ao observar o mundo em seu ser simplesmente dado,
o sera pode (ou no) tematizar sobre o que v. Ele aponta o ente como algo que
est simplesmente a, e nesse tematizar sobre o que se v consiste a
desmundanizaodomundo.
Mais acima apresentamos o serem como habitao. Isto no est errado. Mas,
tambm no est completo. Serem um modo de sernomundo como tal. O serem
dividese em ocupao e preocupao. Nos pargrafos anteriores, tentamos explicitar a
estrutura do serem no modo de ser do sera como ocupao. preciso agora desvelar
o serem como preocupao, o modo de ser em que o sera com os outros, ou
melhor, que os outros vm ao seu encontro a partir da cotidianidade, a saber, no
impessoal. Para explicitar o impessoal, necessrio demonstrar a estrutura do sercom
e do cosera. Estes termos so utilizados existencialmente, isto , como modos de ser
do sera, pois, neste modo de ser, fundase o modo cotidiano de serprprio
[sersimesmo] cuja explicao torna visvel o que se poderia chamar de sujeito da
cotidianidade,asaber,oimpessoal. 9
Isto ocorre porque o sera nunca est sozinho no mundo. Alm dos entes
intramundanos que vem ao seu encontro no mundo circundante das ocupaes, h os
seres dotados do carter do sera, os cosera (ou seracom), que tambm vem ao
seu encontro. Os cosera podem vir ao seu encontro em diversas situaes. Como
Heidegger demonstra, o sera pode estar com os outros junto ao trabalho, isto ,
primordialmente, em seu sernomundo o sera pode estar sozinho o que seria um
modo deficiente de sercom, pois somente num sercom e para um sercom que o
outro pode faltar e tambm pode sentirse s mesmo no meio de outros sera, 10
isto se d no modo da indiferena e da estranheza, o que ocorre porque, alm dele, os
outrostambmpossuemmundo.Afinal,comoasseveraofilsofoSercom sempre uma determinao prpria da presena ser copresente caracteriza a presena de outros na medida em que, pelo mundo da presena, liberase a possibilidade para um sercom. A prpria presena s na medida em que possui a estrutura essencial do sercom,enquantocopresenaquevemaoencontrodosoutros. 11
E onde se d esse encontro? No mundo, claro. Mas, tambm, no mundo
circundante da ocupao, na cotidianidade, na esfera da publicidade. Essa esfera da
publicidade o sempre estarmos ocupados em atividades, como no trabalho, ou
quando lemos o jornal, pegamos o nibus, etc. Esse o sera cotidiano, que ns
mesmos somos a todo momento. Esse sercom os outros, esse seremconjunto nas
ocupaes da cotidianidade mediana mostra o sera em seu modo de ser impessoal.
Mas, impessoal no um termo pejorativo, pois o sera em seus modos de ser
sempre prprioimpessoal. Ele prprio, pois sempre meu, e impessoal porque
9Idem,p.164165.10Idem,p.172.11Idem,p.172.
em sua ocupao o sera com os outros cosera, e neste modo de ser, o sera
que tambm um cosera em sua base ontolgica se molda a partir do que os
outros cosera esperam. Este modo de lidar com os outros seres que tem o mesmo
modo de ser do sera, como mencionamos, chamase preocupao. E, assim como a
ocupao possui a circunviso que a guia como modo de descoberta do manual, a
preocupao est guiada pela considerao e pela tolerncia. Ambas podem
acompanhar os modos deficientes e indiferentes correspondentes preocupao, at
totaldesconsideraoetolerncia,queguiaaindiferena. 12
A abertura desses modos de sercom os outros s ocorre porque o sera, em
sua base ontolgica, j sercom. Esse ser com, de certa forma, sempre um ser
para o outro lidando com as ocupaes cotidianas. Segundo o autor, nas ocupaes
doquesefazcom,contraouafavordosoutrosisto,nomundocotidiano,sempre se cuida de uma diferena com os outros, seja apenas para nivelar as diferenas, seja para a presena, estando aqum dos outros, esforarse por chegar at eles, seja ainda para a presena, na precedncia sobre os outros querer subjuglos. Embora sem o perceber, a convivncia inquietada pelo cuidado em estabelecer esse intervalo. Em termos existenciais, ela possui o carter de espaamento. Quanto mais este modo de ser no causar surpresa para a prpria presena cotidiana,maispersistenteeoriginriasersuaaoeinfluncia. 13
O que Heidegger afirma nesta passagem que, enquanto sercom, isto ,
enquanto est na convivncia cotidiana, o ser a est sob tutela dos outros. Ele no
o que ele prprio , mas o que os outros lhe tomam como sendo. E que esse arbtrio
dos outros que dispe sobre as possibilidades cotidianas do ser do sera. Esse o
modo de ser prprioimpessoal. Para sermos mais precisos, daremos a palavra ao
filsofo, que explica que o prprio do sera cotidiano o prprioimpessoal. Este
prprioimpessoal distinguese do si mesmo em sua propriedade, isto , do si mesmo
apreendidocomoprprio.Destaforma,continuaHeideggerEnquanto o prprioimpessoal, cada presena se acha dispersa na impessoalidade, precisando ainda encontrar a si mesma. Essa disperso caracteriza o sujeito do modo de ser que conhecemos como a ocupao que se empenha no mundo que vem imediatamente ao encontro. O fato de a presena estar familiarizada consigo enquanto o prprioimpessoal
12ibidem,p.174175.13ibidem,p.178.
significa, igualmente, que o impessoal prelineia a primeira interpretao do mundo e do sernomundo. O prprio impessoal, em funo do que a presena e est cotidianamente, articula o contexto referencial da significncia. O mundo da presena libera o ente que vem ao encontro numa totalidade conjuntural, familiar ao impessoal e nos limites estabelecidos pela medianidade. De incio, a presena de fato est no mundo comum, descoberto pela medianidade. De incio, eu no sou no sentido do propriamente si mesmo e sim os outros nos moldes do impessoal. 14
Dando continuao explanao, o filsofo aborda a questo das aberturas
existenciais do sera, a saber, o serem como tal ou a do sera. Em primeiro lugar,
explica Heidegger, tentouse esclarecer o sernomundo em seus modos essenciais de
serjuntoaomundo, de sercom e de serprprio. Mas, ainda necessrio demonstrar
comoestesmodosdesernomundoestoconectados.Paraisto,oautorexplicaqueO que se constitui essencialmente pelo sernomundo sempre em si mesmo o pre [a] de sua presena. Segundo o significado corrente da palavra, o pre da presena remete ao aqui e l. O aqui de um euaqui sempre se compreende a partir de um l mo, no sentido de um ser que se distancia e se direciona numa ocupao. A espacialidade existencial da presena que lhe determina o lugar j est fundada no seu sernomundo. O l a determinao daquilo que vem ao encontro dentro do mundo. Aqui e l so apenas possveis no pre da presena, isto , quando se d um ente que, enquanto ser do pre da presena, rasgou espacialidade. Em seu ser mais prprio, este ente traz o carter de no fechamento. A expresso pre referese a essa abertura essencial. Atravs dela, esse ente (a presena) est junto ao presente domundoesefazpresenaparasimesmo. 15
Em seguida, Heidegger assevera que falar de lumen naturale no homem no
indicaria nada mais do que a estrutura ontolgicoexistencial do sera, ou seja, o fato
de ele ser no molde do a de seu sera. Com isto, o autor explica que ser
esclarecido significa estar em si mesmo iluminado como sernomundo, no atravs
de outro ente, mas, de tal maneira que ele [o sera] mesmo seja a claridade. Ou seja, 16
s porque o sera abertura que ele pode descobrir os entes que vem ao encontro e
tambm a si mesmo. Desta forma, o filsofo abre caminho para a explicitao dessa
abertura do a, isto , a constituio existencial do a do sera. Dentre os modos
constitutivos dessa abertura do a, encontramse dois modos igualmente originrios, a
14Ibidem,p.182.15Ibidem,p.186.16Ibidem,p.187.
saber, a disposio e a compreenso. E estas, de maneira igualmente originria, so
determinadas pelo discurso. Assim, o autor estrutura sua explicao da constituio
existencial do a em: o sera como disposio (29), do temor como modo da
disposio (30) o sera como compreenso (31) a compreenso e a interpretao
(32). a proposio como modo derivado da interpretao (33) e, sera, discurso e
linguagem(34).Cabeagoraabordlos.
No pargrafo 29, Heidegger explica que, o que indicado ontologicamente pelo
termo disposio ou tonalidade afetiva conhecido onticamente como humor
alm disto, o filsofo assevera que preciso observar este fenmeno como um
existencial fundamental, e, por isto, efetua a delimitao de sua estrutura. A princpio, o
serajestsemprenohumor,mesmoqueelenopercebaisso.Segundooautor,O fato de os humores poderem se deteriorar e transformar diz somente que a presena j est sempre de humor. Tambm a falta de humor contnua, regular e inspida, que no deve ser confundida com o mau humor, no um nada, pois nela, a prpria presena se torna enfadonha para si mesma. Nesse mau humor, o ser do pre mostrase como peso. Por que, no se sabe. E a presena no pode saber, visto que as possibilidades de abertura do conhecimento so restritas se comparadas com a abertura originria dos humores em que a presena se depara comseuserenquantopre. 17
Mas, por que esta disposio, ou este humor, tem esse carter de abertura
existencial do sera? Heidegger, como comentamos previamente, estrutura o sera
como sernomundo. Como sernomundo, o sera tem o carter de estarlanado. Este
estarlanado no mundo o autor chama de facticidade, isto . o fato de ser e de ter de
ser no mundo, ou seja, o sera, enquanto sernomundo, est entregue
responsabilidade de ser e de ter de ser, ou seja, sua prpria existncia. Entretanto,
como mencionado na citao anterior, as possibilidades de abertura do conhecimento
so restritas se comparadas com a abertura originria dos humores e isto ocorre
porque em primeiro lugar, o sera no conhece, mas se abre em disposio. Neste
abrirseemdisposio,conformeoautor,a presena j se colocou sempre diante de si mesma e j sempre se encontrou, no como percepo mas como um disporse no humor. Enquanto ente entregue responsabilidade de seu ser, ela tambm se
17Ibidem,p.188.
entrega a responsabilidade de j se ter sempre encontrado encontro que no tanto fruto de uma procura direta mas de uma fuga. O humor no realiza uma abertura no sentido de observar o estar lanado e sim de enviarseedesviarse. 18
Assim, o autor caracteriza o primeiro carter ontolgico da disposio como um
abrir do sera em seu estarlanado, que na maior parte da vezes e antes de tudo se
d no modo de um desvio que se esquiva. Alm disto, o autor explicita a primazia do
humor sobre o saber e a vontade. Para isto, ele explica que, mesmo que o humor
tenha de ser dominado pelo saber e pela vontade, neste modo de ser, o sera se abre
para si mesmo antes de qualquer conhecimento e vontade e para alm de seus
alcances de abertura. Ademais, nunca nos assenhoramos do humor sem humor, mas
sempre a partir de um humor contrrio. Com isto, Heidegger busca explicitar que a 19
disposio como humor est longe de ser uma simples constatao de um estado de
alma, ou tampouco o carter de uma apreenso reflexiva, pois esta apreenso reflexiva
sempre se d a partir do mundo mas o contrrio: s porque o a do sera j se abriu
como disposio que se pode falar destas coisas. Segundo o autor, o mero humor
abre o a do sera de modo mais originrio, embora tambm o feche de modo ainda
mais obstinado do que qualquer no percepo. E isso que o filsofo explica sobre o
mauhumor:Nele [no mauhumor], a presena se faz cega para si mesma, o mundo circundante da ocupao se vela, a circunviso da ocupao se desencaminha. A disposio to pouco trabalhada pela reflexo que faz com que a presena se precipite para o mundo da ocupaes numa dedicaoeabandonosirrefletidos.Ohumorseprecipita. 20
Conforme assevera Heidegger, este precipitarse do humor no algo que
venha de dentro e, tampouco, algo que venha de fora do sera. Ele cresce a partir de si
mesmo como modo de sernomundo. Ou seja, a partir da disposio que o
sernomundo se revela em sua totalidade e s assim torna possvel um direcionarse
para Esse revelar o mundo em sua totalidade que possibilita o direcionamento do 21
sera o que faz tambm com que os entes que vem ao seu encontro no mundo
18Ibidem,p.189190.19Ibidem,p.190.20Ibidem,p.191.21Ibidem,p.191.
circundante possam toclo. Como isto ocorre? Descrevemos previamente que os seres
intramundanos vem ao encontro do sera por meio da abertura feita atravs da
ocupao. Na ocupao, h um deixar e fazer vir ao encontro, que , primariamente,
circunviso. Na ocupao, dotada desta circunviso, aquilo que deixa e faz vir ao
encontro tem o carter de ser atingido. E, conforme explicita o autor, do ponto de vista
ontolgico,inutilidade, resistncia, ameaa so apenas possveis porque o serem como tal se acha determinado previamente em sua existncia, de modo a poder ser tocado dessa maneira pelo que vem ao encontro dentro do mundo. Esse ser tocado fundase na disposio, descobrindo o mundo como tal no sentido, por exemplo da ameaa. Apenas o que na disposio do temor, o no temor, pode descobrir o que est mo no mundocircundantecomoalgoameaador. 22
Desta forma que Heidegger explica o porqu de no se poder falar de uma
atividade psquica, ou que os sentidos so estimulados, pois para fazer isto preciso
que o sera j se tenha aberto em disposio. Assim, na disposio, conforme o
filsofo aponta, subsiste existencialmente um liame de abertura com o mundo, a partir
do qual algo que toca pode vir ao encontro. Este liame de abertura aquilo que liga o 23
sera ao mundo por meio da disposio, e com isto, d a possibilidade para que o
sera se sinta ameaado pelo manual. Este estar ameaado que descoberto na
disposio se d porque, em si, o sera possui esse modo de ser e tambm seu
contrrio. por isto que, da mesma forma, possvel dizer que o sera s se sente
ameaado por um ente intramundano, ou por um cosera, porque em seu modo de ser
tambmestomododeserameaador.Almdisto,ofilsofoexplicitaqueA disposio no apenas abre a presena em seu estarlanado e dependncia do mundo j descoberto em seu ser, mas ela prpria o modo de ser existencial em que a presena permanentemente se abandona ao mundo e por ele se deixa tocar de maneira a se esquivar desimesma. 24
Prosseguindo em sua anlise, Heidegger demonstra o temor como um modo da
disposio numa relao com uma disposio fundamental do sera, a saber, a
angstia. Para isto, o autor se vale de trs perspectivas: o que se teme, o temer e o
22Ibidem,p.192.23Ibidem,p.192.24Ibidem,p.194.
pelo que se teme. Neste sentido, para o filsofo, o que se teme, o temvel, sempre
um ente que vem ao encontro dentro do mundo e que possui o modo de ser do manual,
ou do ser simplesmente dado ou ainda da copresena. No entanto, ele salienta que 25
no se trata de se relatar onticamente o que pode se tornar temvel, mas de estruturar
fenomenologicamente o que temvel em sua temeridade. Aquilo que temido pelo
sera tem o carter de ameaa. Esta ameaa, por sua vez, se d pois aquilo que
ameaa tem o modo conjuntural de dano. Este modo conjuntural de dano, sempre se
mostra a partir de uma regio dada. Nesta regio dada, aquilo que era familiar se torna
estranho. O estranhoameaador, por sua vez, espreita o sera. Ele est em todo
lugar e em lugar algum. Ele se aproxima mas pode nunca chegar. O aproximarse
daquilo que danoso, com sua possibilidade de nunca chegar, o que o caracteriza
comoameaa.
Contudo, assevera o filsofo, o prprio temer libera a ameaa que assim
caracterizada se deixa e faz tocar a si mesma. Pois, como diz, no se constata
primeiro um mal futuro (malum futurum) para a seguir temer. O temer tambm no
constata primeiro aquilo que se aproxima mas, em sua temeridade, j o descobriu
previamente. temendo que o temor pode ter claro para si o temvel, esclarecendoo.
Portanto, s porque o sera teme que ele descobre aquilo que teme. Mas pelo que 26
o ser a teme? O sera teme por si mesmo. Mas, ele tambm pode temer por suas
propriedades (por aquilo que possui) e pelos outros. Como mencionado, tanto o
manual quanto o ser simplesmente dado ou ainda o cosera podem se apresentar
como ameaadores para o sera por se mostrarem danosos de alguma forma. Esta
possibilidade de dano, mesmo que no seja inerente ao corpo do sera , sendo em
alguma propriedade sua ou em outro sera, est intimamente ligada com o estar em
jogo o seu prprio ser. Pois, uma vez que o sera, enquanto sernomundo, um ser
em ocupaes junto a, e que, de incio e, na maior parte das vezes o sera s a
partir daquilo com que se ocupa, quando algo apresenta a ameaa de dano, aquilo pelo
que se teme o seu prprio ser, sua prpria existncia. Da mesma forma, preciso ter
25Ibidem,p.195.26Ibidem,p.196.
em vista que como sernomundo, o sera tambm sercom. Por isto, quando se teme
por outro sera, temese pelo seu prprio sercom que pode vir a ser suprimido e, desta
forma, tambm o prprio ser do sera que est em jogo, pois caso venha a perder
esteoutrosera,eleficaremummododebilitadodesercom.
A seguir, no pargrafo 31, Heidegger vai abordar a questo do sera como
compreenso, pois, assim como a disposio, ela tambm uma abertura originria da
constituio desse ser. Alm disto, toda compreenso est sempre sintonizada com o
humor, afinal, para que mundo possa se abrir em uma compreenso originria, o sera
precisa estar humorado de determinada forma para que exista essa possibilidade.
Desta forma, a compreenso, sendo um modo de ser fundamental do sera, no pode
ser concebida como um simples conhecimento sobre as coisas, um esclarecimento,
mascomoumaaberturaoriginriadaexistnciadosera.Poristo,afirmaofilsofo,Dizer que a presena existindo o seu pre significa, por um lado, que o mundo est presente, a sua presena o serem. Este e est igualmente presente como aquilo em funo de que a presena . Nesse em funo de, o sernomundo existente se abre como tal. Chamouse essa abertura de compreenso. No compreender dessa funo, abrese conjuntamente a significncia que nela se funda. A abertura da compreenso enquanto abertura de funo e significncia diz respeito, de maneira igualmente originria, a todo o sernomundo. Significncia a perspectiva em funo da qual o mundo se abre como tal. Dizer que funo e significncia se abrem na presena significa que a presena um ente que, como sernomundo, ele prprio est em jogo. 27
Essa significncia, a qual Heidegger faz meno, a perspectiva em funo da
qual o mundo se abre como tal em um lidar com os utenslios conforme as tonalidades
afetivas (os humores), isto , enquanto sernomundo que se dispe em as suas
ocupaes (e preocupaes), o sera sempre j se compreendeu a partir de sua
abertura de mundo. Por isto, existencialmente falando, este compreender estruturase
na chave de algo como algo . Desta forma, o filsofo interpreta 28
fenomenologicamente a compreenso subsistindo como um poderser, pois em seu
poderser, o sera se abre em suas possibilidades de lidar com o mundo em sua
27Ibidem,p.198.28Tentaremosabordarmelhorestaquestomaisadianteaocomentar32.(N.doA.)
prpria existncia. No que o sera primeiro seja algo simplesmente dado e que
ainda possui, de quebra, a possibilidade de poder ser alguma coisa, mas como
sernomundo ele j em si mesmo a sua prpria possibilidade de ser. Desta forma,
filsofoasseveraqueToda presena o que ela pode ser e o modo em que a sua possibilidade A possibilidade essencial da presena diz respeito aos modos caracterizados de ocupao com o mundo, de preocupao com os outros e, nisso tudo, possibilidade de ser para si mesma em funo desimesma. 29
Alm disto, Heidegger tambm afirma que a possibilidade no significa um
poderser solto no ar, pois, enquanto um ser essencialmente disposto, o sera j caiu
em determinadas possibilidades e, enquanto o poderser que ele , j deixou passar
tais possibilidades, doando continuamente a si mesmo as possibilidades de seu ser,
assumindoas ou recusandoas. Nesse movimento de assumir ou recusar as suas 30
possibilidades, o sera descobre que a sua possibilidade de ser est entregue sua
prpria responsabilidade, isto , ele livre em suas escolhas. Por esta responsabilidade
de assumir ou recusar as suas possibilidades, o sera descobre sua liberdade para o
poderser mais prprio. Desta forma, como explica o filsofo, a compreenso, que
esse poderser, nunca est ausente no sentido de algo que simplesmente ainda no foi
dado mas que, na qualidade essencial de nunca ser simplesmente dado, junto com
oserdosera,nosentidodeexistncia. 31
Assim, o sera sempre j se compreendeu ou no compreendeu como sendo
dessa ou daquela maneira. Isto , enquanto um ente que existe, e que enquanto existe
est em jogo o seu prprio ser, o sera se lana existencialmente em suas
possibilidades daquilo que podeser. Em suas possibilidades daquilo que podeser, o
sera sempre sabe a quantas anda o seu poderser. Isto ocorre pois esse saber no
viria primeiro de uma percepo imanente de si mesmo, mas porque ao ser do a do
sera pertence, em sua essncia, a compreenso. E, conforme aponta o autor,
somente porque o sera na compreenso de seu a que ele tem a possibilidade de se
29Ibidem,p.199.30Ibidem,p.199.31Ibidem,p.199.
perder e de se desconhecer. Alm disto, o filsofo tambm aponta que, como abertura,
a compreenso sempre alcana toda a constituio fundamental do sernomundo.
Como poderser, o serem sempre um podersernomundo. Desta forma, a partir 32
da abertura que se faz por meio da compreenso existencial, o mundo se mostra como
possibilidade.
Mas, pergunta Heidegger, por que a compreenso, em todas as dimenses
essenciais do que nela se pode abrir, sempre conduz s possibilidades? Isto ocorre 33
porque essas possibilidades que se abrem para o sera tm o carter de projeto. No
entanto, estes projetos em que o sera est, no tm um sentido espacial, eles tem a
ver com o fato do sera estarlanado nas possibilidades de seu poderser. Por isto, em
sua condio de estarlanado, o sera se direciona para suas possibilidades no modo
de ser do projeto. O projeto de que Heidegger fala a constituio ontolgico
existencial do mbito de articulao para o poderser de fato e nada tem a ver com um
possvel relacionamento frente a um plano previamente concebido, um planejar que o
sera teria instalado em seu ser. Ao contrrio, diz Heidegger, como presena, ela j
sempre se projetou e s na medida em que se projeta. Na medida em que , a
presenajsecompreendeuesempresecompreenderapartirdepossibilidades. 34
Desta forma, mesmo que o sera no tematize ou esteja esclarecido sobre os
seus projetos, ele sempre se compreender a partir deles. Afinal, o sera s pode
tematizar ou se esclarecer a respeito de suas possibilidades enquanto ser existente
porque o mundo j se abriu atravs da disposio que compreende. Assim, enquanto
projeto, a compreenso o modo de ser da presena em que a presena as suas
possibilidadesenquantopossibilidades. Poristo,complementaHeidegger,35
Com base no modo de ser que se constitui atravs do existencial do projeto, a presena sempre mais do que de fato, mesmo que se quisesse ou pudesse registrla como um ser simplesmente dado em seu teor ontolgico. No entanto, ela nunca mais do que de fato porque o poderser pertence essencialmente sua facticidade. Tambm a presena, enquanto possibilidade de ser, nunca menos, o que significa
32Ibidem,p.200.33Ibidem,p.200.34Ibidem,p.201.35Ibidem,p.201.
dizer que aquilo que, em seu poderser, ela ainda no , ela existencialmente. 36
Mas, como, a partir da compreenso que se projeta, o sera pode ser mais do
que de fato e, tambm, nunca ser mais do que de fato? Ele sempre mais do que
de fato, pois em seu projetar, a compreenso se abre nas possibilidades de
destinao do sera. O sera se descobre em funo de alguma coisa e se projeta
para essa possibilidade. No entanto, ele nunca mais do que de fato, pois em seu
descobrirse em funo de alguma coisa no seu projetarse para essa possibilidade, o
sera se descobre como ainda no. Alm disto, conforme mencionamos acima, o
projeto sempre diz respeito a toda a abertura do sernomundo, isto , como poderser,
o serem se abre como podersernomundo. Neste podersernomundo, a prpria
compreenso prelineia suas possibilidades a partir do mundo que se abre, tanto no lidar
comosmanuaisquantocomosseressimplesmentedadosoucomoutrossera.
Com isto, a compreenso pode se lanar para as suas destinaes, isto , o
sera pode existir como ele prprio. E brotando de seu prprio si mesmo como tal, a
compreenso pode ser prpria ou imprpria. Imprprio nesse sentido, explica
Heidegger, no significa que a presena rompa consigo mesma e s compreenda o
mundo. Mundo pertence ao seu prprio ser como sernomundo. Isto , o sera, por 37
meio da compreenso, sendo esta compreendida como um existencial, no
compreende primeiro o mundo, para depois compreender a si mesma e depois aos
outros. Enquanto abertura, o sera sempre se compreende a partir de seu serem como
tal, ou seja, na circunviso da ocupao e na considerao da preocupao. Por isso,
conforme explica o autor, a compreenso prpria e a imprpria podem ser autnticas
ou inautnticas. A compreenso, enquanto poderser est inteiramente impregnada de
possibilidade. No entanto, assevera Heidegger, o translado para uma dessas 38
possibilidades fundamentais da compreenso no deixa de lado as outras. Pelo
contrrio, diz ele, esse translado, sendo inerente compreenso, j uma modificao
36Ibidem,p.201.37Ibidem,p.202.38Ibidem,p.202.
existencial do projeto como um todo, pois a compreenso sempre diz respeito
aberturademundocomotal,isto,oseracomosernomundo.
Alm disto, Heidegger tambm explica que, em seu carter existencial de
projeto, a compreenso constitui o que ele chama de viso do sera. Esta viso no
deve ser interpretada como uma viso ntica, a partir do olhar, observar. Ela deve
ser compreendida existencialmente, pois essa viso que, junto com a abertura do a e
de modo igualmente originrio, mostra o sera nos modos bsicos de seu ser, ou
seja, na circunviso da ocupao, na considerao da preocupao e na viso do ser
como tal em funo do qual o sera sempre como ele . A esta viso que mostra o
sera em seus modos bsicos de ser, isto , que se refere primeira e totalmente sua
existncia, Heidegger denomina transparncia (Durchsichtigkeit). Essa transparncia,
explica o autor, designa um conhecimento de si. No entanto, explica o autor, este
conhecimento no algo que venha a partir de um exame perceptivo, ou da inspeo
desimesmocomoumponto,masde uma captao compreensiva de toda a abertura do sernomundo atravs dos momentos essenciais de sua constituio. O ente que existe tem a viso de si, somente na medida em que ele se faz, de modo igualmente originrio, transparente em seu ser junto ao mundo, em seu sercomosoutros,momentosconstitutivosdesuaexistncia. 39
Assim, o sera s pode ter viso de si, pois j possui certa compreenso de
mundo a partir de um afinarse com sua existncia, em seus modos bsicos de ser.
Afinal, enquanto existenciais, a disposio e a compreenso caracterizam a abertura
originria do sernomundo. E, conforme explica o filsofo, no modo de ser do humor, a
presena v possibilidades a partir das quais ela . Na abertura projetiva destas
possibilidades, ela j est sempre sintonizada com o humor. O projeto do poderser
mais prprio est entregue ao fato de ser lanado no pre da presena. Isto quer 40
dizer que, enquanto disposio e compreenso, o sera se situa em suas
possibilidades existenciais a partir daquilo que ele mesmo j , ou seja, enquanto um
ente que ele se projeta para as possibilidades daquilo que ele ainda no conforme a
suadisposioafetiva.
39Ibidem,p.202.40Ibidem,p.204.
Prosseguindo em sua anlise, no pargrafo 32, Heidegger vai abordar
compreenso e interpretao. Conforme o autor explica, na compreenso, o sera vai
projetar o seu ser para as suas possibilidades. Esse ser para possibilidades, constitutivo
da compreenso, diz ele, um poderser que repercute sobre a presena as
possibilidades enquanto aberturas. Alm disto, o prprio projetarse da compreenso 41
possui a possibilidade prpria de se elaborar em formas, a isto, Heidegger chama de
interpretao. Desta forma, a interpretao fundase na compreenso, e no o
contrrio. Assim, diz o autor, interpretar no tomar conhecimento de que se
compreendeu, mas elaborar as possibilidades projetadas na compreenso. Por isto, a 42
interpretao uma apropriao daquilo que se compreende existencialmente, isto ,
do poderser das possibilidades. E como, existencialmente falando, o sera em sua
estrutura j um sercom, e em seu sercom ele tambm no mundo, a interpretao
pode ser descrita como um domnio de habilidades pblicas. Afinal, como assevera o
autor, a partir da significncia aberta na compreenso de mundo que o ser da ocupao com o manual se d a compreender, qualquer que seja a conjuntura que possa estabelecer com o que lhe vem ao encontro. A circunviso descobre, isto , o mundo j compreendido se interpreta. O que est mo se explicita na viso da compreenso. Todo preparar, acertar, colocar em condies, melhorar, completar, se realiza de tal modo que o manual dado na circunviso interpretado em relao aos outros em seu serpara e vem a ser ocupado, segundo essa interpretao recproca. O que se interpreta reciprocamente na circunviso de seu serpara como tal, ou seja, que se explicita na compreenso, possui a estruturadealgocomoalgo.
Portanto, s porque o sera j sernomundo, como ocupao e
preocupao, que ele pode se dispor com e compreender o mundo na forma da
interpretao. Assim, quando o sera est em seu mundo da ocupao, a sua
circunviso lhe pergunta: o que esse manual determinado? e a interpretao da
circunviso responde: ele para. Por isto, s porque o sera se compreende e se
dispe em seu estarlanado no mundo que ele se projeta para as suas possibilidades.
41Ibidem,p.204.42Ibidem,p.204.
Neste projetarse, ele se apropria das possibilidades, isto , daquilo que podeser e,
comisto,deixacomqueomundoseabra.Assim,HeideggerexplicaqueA indicao do paraqu no simplesmente a denominao de algo, mas o denominado compreendido como isto que se deve tomar como estando em questo. O que se abre na compreenso, o compreendido, sempre de tal modo acessvel que pode explicitarse em si mesmo como istooucomoaquilo. 43
Desta forma, o como constitui a explicitao do compreendido e, assim,
constitui a interpretao. No entanto, essa interpretao do como prpredicativa.
Mas, o que se quer dizer com isto? Por prpredicativa indicase que a interpretao
no precisa efetuar uma constatao (uma proposio) sobre aquilo que interpreta.
Pois, no prprio lidar com o manual que a interpretao o revela como tal. A partir da
interpretao que compreende, o manual revela no s o seu paraqu, mas tambm
explicita a totalidade conjuntural daquilo que vem ao encontro. Voltando ao exemplo do
martelo, podese dizer que s porque o sera lida com esse manual em sua
ocupao, e esta sempre a partir de uma disposio e uma compreenso, que ele (o
manual) pode ser interpretado prpredicativamente (ou prtematicamente) pelo sera.
A forma como o sera vai determinar o uso desse martelo depende de sua disposio e
compreenso de mundo, pois, o sera pode at saber como usar o martelo, isto ,
como martelar, mas, dependendo de sua disposio e compreenso daquilo que
podeser, ele pode usar o martelo para outro determinado fim, como outra coisa. No
entanto, isto no faz com que o martelo se torne outra coisa, mas sim, que ele
interpretado como outra coisa, suas possibilidades so apropriadas de maneira
diferente. Por isto, toda interpretao, que s se d atravs da disposio e da
compreenso, prpredicativa, pois, antes de tematizar sobre um ente, o sera j
precisatertidoacesso(teraberto)suaestruturacomo.Poristo,explicaHeidegger,A articulao do que foi compreendido na aproximao interpretativa dos entes, na chave de algo como algo, antecede toda e qualquer proposio temtica a seu respeito. O como no ocorre pela primeira vez na proposio. Nela, ele apenas se pronuncia o que, no entanto, s possvelpelofatodejseoferecerparaserpronunciado. 44
43Ibidem,p.205.44Ibidem,p.205206.
Assim, mesmo que o sera no articule uma proposio sobre o ente, isto ,
mesmo que no tematize sobre o ente, isso no quer dizer que ele no disponha de
uma interpretao compreensiva da estruracomo deste ente. Pois, no simples
visualizar as coisas que o circundam em seus afazeres, o sera j traz consigo
originariamente a estrutura da interpretao, afinal, quando lida com um utenslio, o
sera no precisa discorrer sobre aquilo que vai manusear. Quando o sera abstrai
sobre um ente, isto , quando ele o toma como simplesmente diante de si, ele o fixa
como uma no compreenso. Desta forma, diz Heidegger, a apreenso livre da
estruturacomo privase de qualquer viso meramente compreensiva. Derivase dela e
no mais originria. Por isto, complementa o autor, o fato de o como no ser 45
pronunciado onticamente no deve levar a desconsiderlo enquanto constituio
existencial a priori da compreenso. Mas, como isto possvel? Isto s possvel 46
porque tudo o que est a mo do sera s compreendido a partir de uma totalidade
conjuntural, ou seja, a partir das relaes remissivas dos utenslios, o sera sempre
interpretaopoderserdesuaspossibilidades.
Heidegger tambm salienta que a interpretao sempre fundamentada numa
posio prvia, numa viso prvia e numa concepo prvia. Isto , enquanto lida
cotidianamente com aquilo que se abriu na circunviso da ocupao, o sera, em
primeiro lugar, j interpreta o ente a partir de certa perspectiva conjuntural j
apreendida, ele j parte de uma posio prvia. Esta posio prvia sempre guiada
por uma viso prvia, que d o sentido (direo) pelo qual aquilo que compreendido
ser interpretado. Isto , a viso prvia recorta aquilo que foi assumido na posio
prvia, segundo uma possibilidade determinada de interpretao. A partir da posio
prvia e da viso prvia que o sera pode articular aquilo que compreende como um
conceito. No entanto, conforme explica Heidegger, como quer que seja, a interpretao
sempre j se decidiu, definitiva ou provisoriamente, por uma determinada conceituao,
poisestfundadanumaconcepoprvia. 47
45Ibidem,p.20646Ibidem,p.20647Ibidem,p.207
Adiante, ainda abordando a questo da interpretao, Heidegger vai explicar o
que o sentido. Esse sentido, porm, no provm de sentimentos (daquilo que se
sente), tampouco seria um significado inerente s coisas. Sentido, neste caso, um
existencial do sera. O sera, diz o filsofo, s tem sentido na medida em que a
abertura do sernomundo pode ser preenchida por um ente que nela se pode
descobrir. Isto , em suas ocupaes, o sera pode se projetar para suas 48
possibilidades e, a partir da interpretao que compreende, descobrir o ente e seu Ser.
Poristo,dizoautor,O conceito de sentido abrange o aparelhamento formal daquilo que pertence necessariamente ao que articulado pela interpretao que compreende. Sentido a perspectiva em funo da qual se estrutura o projeto pela posio prvia, viso prvia e concepo prvia. a partir delaquealgosetornacompreensvelcomoalgo. 49
Desta forma, o sentido pode ser compreendido como uma direo que o sera
toma para compreender aquilo que se projeta em suas possibilidade abertas pelo
mundo. E por isso que Heidegger afirma que s o sera pode ser com sentido ou sem
sentido. Pois, como mencionado, o sentido no uma propriedade colada sobre o ente
que o sera possa descobrir, mas o prprio sera que doa o seu sentido para o
ente. Sendo assim, s pode haver sentido se houver um sera para fundamentlo em
seuser.
Prosseguindo em sua investigao, no pargrafo 33, Heidegger aborda a
proposio como modo derivado da interpretao. Conforme supramencionado, toda 50
interpretao fundase na compreenso. O sentido, desta forma, aquilo que se
articula como tal na interpretao e que, na compreenso, j se prelineou como
possibilidade de ser articulado. Assim, diz Heidegger, na medida em que a proposio
(o juzo) se funda na compreenso, representando uma forma derivada de exerccio de
interpretao, ela tambm possui um sentido. A partir disto, o filsofo pretende 51
efetuar trs movimentos: primeiro, demonstrar como, na proposio, a estruturacomo,
48Ibidem,p.208.49Ibidem,p.208.50Emboraotermoenunciaopareamaisapropriado,nossaedioutilizaotermoproposio,poristomanteremosatraduooriginal.51Ibidem,p.211.
constitutiva de toda compreenso e interpretao, est suscetvel modificaes
segundo, demonstrar como a proposio ocupa um lugar privilegiado na problemtica
de uma ontologia fundamental, tendo em vista que, no princpio, o logos era o fio
condutor de acesso ao ente propriamente dito e da determinao do ser dos entes e, 52
terceiro,discutirseaproposioseriaolugarprprioeprimriodaverdade.
Em seguida, Heidegger atribui trs significados proposio. Segundo o autor,
estes significados so hauridos do fenmeno por ela designado, interrelacionados
entre si e que, em sua unidade, delimitam a estrutura completa da proposio. No 53
primeiro deles, a proposio articulada como demonstrao. Isto , ela deixa e faz
ver o ente a partir dele mesmo e por si mesmo. Por isto, diz o filsofo, na proposio,
o martelo pesado demais, o que se descobre viso no um sentido, mas um
ente no modo de ser de sua manualidade. No segundo, a proposio articulada 54
como predicao. Neste caso, propese ao sujeito um predicado e este predicado
determina o sujeito. Na proposio sobre o martelo, o que se prope no um
predicado que possa ser explicado por uma gramtica. Este predicado o prprio
martelo, que ao se mostrar no modo de sua manualidade, configurouse como pesado
demais. Isto , a circunviso agora o v como uma ferramenta inapropriada para o
manuseio na ocupao e articula a proposio determinante. Esta proposio que
determina restringe o contedo, se comparada com a primeira. Assim, toda
predicao s o que como demonstrao, pois os integrantes da articulao
predicativa, isto , sujeito e predicado, surgem numa demonstrao. A determinao,
por si, no descobre o manual, mas como modo de demonstrao ela restringe a viso
inicial quilo que se mostra como tal, neste caso, o martelo. No terceiro significado, o
mais abrangente, a proposio articulada como comunicao, declarao. Enquanto
comunicao,asseveraHeidegger,[...] a proposio est diretamente relacionada com as duas acepes anteriores. Ela tambm opera um deixar e fazer ver aquilo que se demonstra nas determinaes. O deixar e fazer ver comunica aos outros o ente demonstrado em sua determinao. Comunicase o ser para o que
52Ibidem,p.211.53Ibidem,p.211.54Ibidem,p.212.
se demonstra na viso de sua comunho. Devese preservar esta comunho do ser como sernomundo, isto , o mundo em que e a partir do qual o que a se demonstra vem ao encontro. A necessidade de pronunciarse pertence proposio, entendida como comunicao existencial. 55
Desta forma, diz o autor, se reunirmos as trs acepes sobre a proposio
numa viso uniforme de todo o fenmeno, teremos a seguinte definio: a proposio
uma demonstrao que determina atravs da comunicao. Mas, perguntase ele, 56
de que forma possvel entender a proposio como um derivado da interpretao?
Isto s possvel se, em sua articulao, as estruturas essenciais da interpretao
reaparecerem. Assim, explica o filsofo, a demonstrao que a proposio faz se
estabelece com base naquilo que se abriu na compreenso e descobriu na
circunviso. A proposio no paira no ar, desligada, a ponto de poder por si mesma
abrir pela primeira vez o ente como tal no entanto, ela j se detm no sernomundo. 57
Com isto, a proposio s ocorre, pois o mundo j se abriu para o sera, pois, para que
se possa efetuar uma proposio, o mundo j deve ter sido descoberto por ele de
alguma forma em suas ocupaes e preocupaes. Isto , o sera s pode efetuar uma
proposio porque j descobriu o mundo. E como o sera descobre o mundo? A partir
deseulidarcomomundonestecontnuoprojetarseparaassuaspossibilidades.
Alm disto, como a proposio um derivado da interpretao, ela tambm deve
ser fundada numa posio prvia, viso prvia e concepo prvia. Isto , para que se
possa articular uma proposio, preciso j ter interpretado o mundo em seu poderser
das possibilidades. Desta forma, quando se enuncia uma proposio, j h uma
perspectiva orientada para aquilo que se vai enunciar na proposio, uma posio
prvia, pois quando se diz o martelo pesado, o que se mostra na proposio no
um amontoado de palavras, mas um ente que determinado pela forma como se lida
com ele no mundo. Assim, antes de analisar logicamente uma sentena, o sera j
tem uma interpretao sobre aquilo que se prope, pois j tem conhecimento de
mundo. Da mesma forma, antes de efetuar a proposio, o sera precisa se situar
55Ibidem,p.21221356Ibidem,p.214.57Ibidem,p.214.
numa viso prvia, isto , efetuar um recorte sobre aquilo que vai propor (tematizar), e
se direcionar a partir desta viso. E ainda, para que efetue uma proposio sobre
algo, ele precisa j ter uma concepo prvia sobre aquilo que vai propor, pois j deve
ter um conceito sobre aquilo que discorre. Com isto, a proposio se mostra um
derivado da interpretao, pois em primeiro lugar o sera est no mundo, ocupandose
e preocupandose, e em seu sernomundo, ele j interpreta os entes que vem ao
encontro de acordo com a circunviso da ocupao ou de acordo com a considerao
da preocupao. E s a partir da que o sera pode propor algo, porque os entes que
vm ao seu encontro no mundo foram interpretados em seu modo de ser, isto , na
formaemqueoseralidacomeles,eagorasoaquilosobreoqueoseraprope.
Ainda neste pargrafo, Heidegger vai questionar a tradio a respeito do logos.
Pois, no incio, o logos, isto , o discurso compreendido como um ser simplesmente
dado, algo como os entes intramundanos. No entanto, Heidegger aponta isto como um
equvoco, pois a linguagem um existencial, isto , ela um modo de ser do sera. O
sera, em seu ser, um ser que se comunica. Contudo, conforme o que foi apontado,
ao interpretar o logos como um ser simplesmente dado, eles o teriam identificado como
as coisas que podem ser encontradas no mundo. Mas, do ponto de vista
fenomenolgico isto estaria incorreto, pois em primeiro lugar h mundo. E no mundo
no se encontram as palavras. As palavras provm do sera. ele que, em seu lidar
com o mundo, interpreta os entes que lhe vm ao encontro conforme sua funo e
significncia, e a partir da articula uma proposio. E o sentido que ser interpretado
nessa proposio vai depender tambm de um sera e de seu conhecimento de
mundo (que tambm conhecimento de si mesmo). Desta forma, como o discurso
fundamentado pelo sera a partir de seu conhecimento de mundo, a verdade no
seria fundamentada nele, mas sim, o discurso que seria fundamentado na verdade.
Pois,paraquehajaaverdade,precisoumseraquelidecomomundo.
Adiante em sua anlise dos modos de ser do sera, no pargrafo 34, Heidegger
vai abordar a questo do discurso e da linguagem. Conforme o autor, a partir de seus
existenciais fundamentais, compreenso e disposio, o ser do a se abre como
sernomundo. Alm disto, toda compreenso tem possibilidade prpria de se projetar
em interpretao, ou seja, elaborar em formas o poderser das possibilidades. E ainda,
como j mencionado, compreenso e disposio so igualmente originrias, portanto
toda compreenso j est em certa disposio e viceversa. isto, somase o fato de
que ambas tm a possibilidade de serem interpretadas. Nessa interpretao da
compreenso disposta, o sera tem a possibilidade de articular sobre sua interpretao,
como foi demonstrado a respeito da proposio. Naquilo que foi demonstrado a respeito
da proposio, observouse que ela tambm tem o sentido de comunicao, na forma
de declarao. Contudo, diz Heidegger, apesar de ter deixado de lado a linguagem at
o presente momento, porque de alguma forma ela j estava ali a todo instante, pois
um fenmeno que se radica na constituio existencial da abertura do sera. Alm
disto, o filsofo assevera que o fundamento ontolgicoexistencial da linguagem o
discursoetambmqueDo ponto de vista existencial, o discurso igualmente originrio disposio e compreenso. A compreensibilidade j est sempre articulada, antes mesmo de qualquer interpretao apropriadora. O discurso a articulao dessa compreensibilidade. Por isso que o discurso se acha base de toda interpretao e proposio. Chamamos de sentido o que pode ser articulado na interpretao e, por conseguinte, mais originariamente ainda, j no discurso. Chamamos de totalidade significativa aquilo que, como tal, se estrutura na articulao do discurso. 58
No entanto, esta totalidade significativa tambm pode se desmembrar em
significaes. Isto quer dizer que o sera lida com a linguagem tanto de maneira ntica
quanto de maneira ontolgica. De maneira ntica, pois ao considerar a linguagem como
um ser simplesmente dado, o sera tematiza sobre a prpria linguagem e ignora o fato
de que para falar da linguagem necessrio conhecimento de mundo, isto , que
necessria toda uma abertura de remisses e significncias que s se do a partir do
sernomundo como tal, em seu serem e sercom. E, de maneira ontolgica, porque da
maneira como Heidegger aborda a questo, ele procura ir ao mago do ser do discurso
que se constitui como a mais originria abertura do a, junto com a compreenso e a
disposio. Assim sendo, o sera s pode discursar porque, em seu estarlanado, ele
58Ibidem,p.219.
de certa forma j se compreende e se dispe com o mundo, isto , consigo e com os
entes que vm ao seu encontro. Desta forma, para Heidegger, assim como o sera, o
discurso concebido como um ser mundano, pois, nas palavras do autor, a
compreensibilidade do sernomundo, trabalhada por uma disposio, se pronuncia
como discurso. A totalidade significativa da compreensibilidade vem palavra. Das
significaes brotam palavras. As palavras, porm, no so coisas dotadas de
significados. 59
Conforme explica Heidegger, a linguagem, como um ente intramundano, essa
totalidade de palavras em que e como tal o discurso possui seu prprio ser mundano,
pode ser encontrada maneira de um manual. Desta forma, a partir da prpria
abertura de mundo do sera que ele pode discursar. Com isto, o discurso que funda a
linguagem s pode ser mundano porque o sera dependente do mundo. Ele, em
sua abertura que se articula em significaes, j possui o carter de
estarlanadonomundo, e assim se direciona, ou melhor, doa sentido quilo que
interpreta no projetarse de suas possibilidades e articula sua compreensibilidade por
meio do discurso. Alm disto, assevera o autor, na prpria linguagem discursiva, h
ainda duas possibilidades intrnsecas, isto , que esto em sua essncia: a escuta e o
silncio. Mas, para apresentlas necessrio estruturar melhor o que vem a ser o
discurso. Assim, Heidegger vai estabelecer que o discurso, como articulao
significativa da compreensibilidade do sernomundo ao qual tambm pertence o
sercom , sempre se mantm num determinado modo de convivncia ocupacional, isto
, o sera sempre discorre sobre algo e para algum, mesmo que este algum seja ele
mesmo.Destaforma,autorchamaatenoaofatodequeO referencial do discurso sempre interpelado dentro de determinados limites e numa determinada perspectiva. Todo discurso tem algo sobre que discorre (Geredetes) que, como tal, constitui propriamente o dito dos desejos, das perguntas, dos pronunciamentos. Nele, o discurso se comunica. 60
Assim, o discurso estruturado a partir da abertura do sernomundo do sera.
Enquanto comunicao, o que o discurso faz partilhar a abertura do sera, isto ,
59Ibidem,p219.60Ibidem,p.220.
sua disposio comum e compreenso do sercom. Por isto, assevera o autor, que a
comunicao nunca uma transposio de vivncias, algo que v do interior de um
sujeito para outro, pois no existe o interior e exterior, algo que se d em uma mente e
que o sera expresse de seu dentro para dentro de outro sera. O sercom, isto ,
cosera, se revela na compreenso e disposio comuns, mas s partilhado quando
o sera apreende e apropriase dele atravs do discurso. Discursar, portanto, seria
partilhar explicitamente o seu sercom. Alm disto, explica Heidegger, todo discurso
sobre alguma coisa comunica atravs daquilo sobre que discorre e sempre possui o
carter de pronunciamento. No discurso, o sera se pronuncia. Mas, conforme
mencionamos, esse pronunciar do sera no algo que v de um interior outro,
tampouco de um interior para o exterior, que ele estivesse dentro de algo e a fosse
para fora. O sera, como sernomundo, ao compreender j est fora e, ao discursar,
o que ele pronuncia este estar fora, o estar no mundo lidando com ele a partir de sua
disposio. O modo como a disposio se mostra no discurso pelo tom, na
modulao,noritmodefalar.
Assim, conforme Heidegger explicita, o discurso se mostra como a articulao
em significaes da compreensibilidade inserida na disposio do sernomundo. Em
outras palavras, o sera s pode discursar porque compreende e interpreta o mundo
a partir de seus humores e articula aquilo que compreende em uma proposio
comunicativa. Alm disto, explica o filsofo, os momentos constitutivos do discurso so:
o referencial do discurso (Beredete), aquilo sobre o que se discorre como tal
(Geredete), a comunicao e o anncio. Cada um destes elementos no so em
primeiro plano parte da linguagem, mas arraigados na constituio existencial do sera,
e por isto estruturam o ser da linguagem. Desta forma, a linguagem s possvel
porque o sera, em seu Ser, j possui linguagem. E por isto que o autor assevera que
s ser possvel compreender a essncia da linguagem a partir de uma analtica do
sera.
A seguir, Heidegger vai estabelecer que a conexo entre o discurso e a
compreensibilidade da compreenso se d a partir de sua possibilidade existencial que,
no caso, a escuta. Assim, ele vai explicar que s podemos escutar porque podemos
compreender. Mas no um escutar que se refira a perceber rudos, que seja um
estmulo sonoro sensorial. Este escutar uma compreenso. o estar aberto
existencialdoseraenquantosercomosoutros.Poristo,HeideggerexplicaEnquanto escuta da voz do amigo que toda presena traz consigo, o escutar constitui at mesmo a abertura primordial e prpria da presena para o seu poderser mais prprio. A presena escuta porque compreende. Como sernomundo articulado em compreenses com os outros, a presena obedece na escuta coexistncia e a si prpria, pertencente a essa obedincia. O escutar recproco de um e outro, onde se forma e elabora o sercom, possui os modos possveis de seguir, acompanhar e os modos privativos de no ouvir, resistir, defenderse e fazerfrentea. 61
O autor tambm assevera que s com base nesta possibilidade de escutar,
existencialmente primria, que se pode ouvir. Ouvir, portanto, uma escuta
compreensiva. Por isto, ele explica que no ouvimos rudos puros, ouvimos o mundo
em sua mundanidade, isto , o mundo funcionando. Ouvimos o barulho da obra (da p
juntando terra, do martelo batendo), o barulho da rua (os carros e motocicletas), o
piar dos passarinhos, outros sera discursando. Desta forma, sempre escutamos os
sons que aparecem a partir de uma compreenso de mundo. Pois, o sera, como
sernomundo sempre est junto quilo que est a mo, isto , daquilo que
compreende. Tambm por isto que Heidegger explica que, quando escutamos o
discurso do outro e no compreendemos, no uma infinidade de rudos que ouvimos,
mas palavras incompreensveis. Assim, discurso e escuta so fundados a partir da
compreenso e no o contrrio. Pois, s quem compreendeu antes que poder tanto
discursarquantoescutar.
Alm disto, como mencionamos, o filsofo tambm fala de outra possibilidade
constitutiva do discurso, a saber, o silncio. Este silncio no uma pura falta de som,
afinal, o mundo sempre tem seus barulhos. Tambm no um silenciarse no sentido
de ficar mudo. Neste caso, seria um silenciarse da falao dos discursos prolixos que
encobrem e emprestam ao que se compreendeu uma clareza aparente para 62
61Ibidem,p.222.62Ibidem,p.224.
possibilitar uma maior compreensibilidade daquilo que se escuta. Assim, o silenciar
mostrase como constitutivo do discurso, pois s quem cessa a falao que pode se
abrirparaumacompreensomaisprpria.poristoqueHeideggerasseveraSilenciar em sentido prprio s possvel num discurso autntico. Para poder silenciar, a presena deve ter algo a dizer, isto , deve dispor de uma abertura prpria e rica de si mesma. Pois s ento que o estar em silncio se revela e, assim, abafa a falao. Como modo de discurso, o estar em silncio articula to originariamente a compreensibilidade da presena que dele provm o verdadeiro ouvir e a convivncia transparente. 63
O filosofo tambm vai explicar que porque o discurso constitutivo do ser do a
(da disposio e da compreenso) que sera significa: como sernomundo, o ser a se
pronunciou como serem um discurso. O sera possui linguagem. Partindo disto,
Heidegger vai retornar s razes da filosofia, aos gregos, para buscar uma explicao
de como a linguagem foi objetivada, tornandose um ser simplesmente dado. Segundo
o autor, os gregos no possuam uma palavra para linguagem, pois a comunicao
como forma de coexistncia se dava a partir do logos, que era compreendido
sobretudo como discurso. Contudo, conforme o que o autor explica, quando o logos
perdeu sua amplitude significativa (isto , seu carter de discurso como comunicao)
e passou a ser interpretado como proposio (no sentido de enunciados soltos no ar),
a elaborao das estruturas bsicas das formas e dos integrantes do discurso
passaram a ser feitas a partir da lgica deste logos. No entanto, esta lgica se funda
na ontologia do simplesmente dado, portanto no vai ao fundo daquilo que o Ser do
discurso que fundamenta a linguagem. O autor tambm vai atentar para o fato que os
linguistas, por no compreenderem que o discurso um existencial, isto , estruturase
na abertura de mundo do sera, nunca chegaro uma essncia da linguagem. Com
isto, possvel perceber que Heidegger aborda a linguagem em Ser e Tempo, no a
fim de pensar sobre uma possvel filosofia da linguagem, mas para melhor estruturar
os modos de ser do sera. Afinal, conforme explicita o autor, s ser possvel encontrar
oSerdalinguagemapartirdeumaanalticaexistencialdosera.
63Ibidem,p.224.
RefernciasBibliogrficas:
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I. Traduo: Mrcia de S Cavalcante. 4
Edio.Editora:VozesLTDA,Petrpolis,1993.