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v. 5, n. 2., p. 241-432, jan./jun. 2005 Tubarão - SC ISSN 1518-7632 Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem - Unisul

Linguagem Em Discurso 5-2 - Tempo Na Frase e Tempo No Texto as Teorias de Reichenbach e de Rojo e Veiga

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v. 5, n. 2., p. 241-432, jan./jun. 2005

Tubarão - SC

ISSN 1518-7632

Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem - Unisul

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Elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

Linguagem em (Dis)curso / Universidade do Sul de Santa Catarina. - v. 1, n. 1 (2000) - Tubarão : Ed. Unisul, 2000 -

Semestral ISSN 1518-7632

1. Linguagem - Periódicos. I. Universidade do Sul deSanta Catarina.

CDD 405

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Linguagem em (Dis)curso é financiada pelo Programa de Apoio a Publicações Científicas doConselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Universidade do Sulde Santa Catarina (UNISUL)

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Ana Zandwais (UFRGS)Anna Rachel Machado (PUC-SP)Angela Paiva Dionisio (UFPE)Belmira Rita da Costa Magalhães (UFAL)Bernardete Biasi-Rodrigues (UFC)Bethania Sampaio Corrêa Mariani (UFF)Carmen Rosa Caldas-Coulthard (Un. of Birmingham)Désirée Motta-Roth (UFSM)Edair Maria Gorski (UFSC)Freda Indursky (UFRGS)Heloísa Pedroso de Moraes Feltes (UCS)Heronides Maurílio de Melo e Moura (UFSC)Ingedore Grunfeld Villaca Koch (UNICAMP)Ingo Voese (UNISUL)Jair Antonio de Oliveira (UFPR)José Luiz Meurer (UFSC)José Marcelino Poersch (PUC-RS)José Carlos Junça de Morais (Un. Libre de Bruxelles)Lêda Maria Braga Tomitch (UFSC)Leila Bárbara (PUC-SP)Leonor Scliar-Cabral (UFSC)Lourenço Chacon Jurado Filho (UNESP)

Comissão EditorialAdair Bonini, Editor-chefeFábio José Rauen, Editor-assistenteDébora de Carvalho Figueiredo, Editora-assistenteSheila Teresinha Viana Bardini, Secretária

Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem - Unisul

Luiz Paulo da Moita Lopes (UFRJ)Mailce Borges Mota Fortkamp (UFSC)Manoel Luiz Gonçalves Corrêa (USP)Márcia Teixeira Nogueira (UFC)Maria Cristina Lírio Gurgel (UERJ)Maria Elias Soares (UFC)Maria Izabel Santos Magalhães (UNB)Maria Marta Furlanetto (UNISUL)Mônica Magalhães Cavalcante (UFC)Pedro de Moraes Garcez (UFRGS)Pedro de Souza (UFSC)Régine Kolinsky (Un. Libre de Bruxelles)Sílvia Ines Coneglian Carrilho de Vasconcelos (UEM)Solange Maria Leda Gallo (UNISUL)Telma Nunes Gimenez (UEL)Vera Lúcia Lopes Cristóvão (UEL)Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva (UFMG)Vilson José Leffa (UC-Pel)Ad hocMarci Fileti Martins (UNISUL)Mariléia Silva dos Reis (UNISUL)

Conselho Editorial

Equipe de Revisão e TraduçãoHeloísa Martins Mano Dornelles –EspanholFernando Simão Vugman – InglêsMaria José Werner Salles – FrancêsTodos os editores – Português

Editora UnisulDiretor: Barcelos de Souza FernandesEstagiário: Gabriel Estevão da SilvaTiragem: 1000 exemplares

Projeto Gráfico e capaBarcelos de Souza Fernandes

Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, v. 5, n. 2, p. 241-432, 2005

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Sumário/ Contents

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Editorial

ARTIGOS DE PESQUISA / RESEARCH ARTICLES

Quando a ficção invade a prosa: práticas discursivas não-canônicasno discurso acadêmico/ When fiction invades prose: non-canonicaldiscursive practices in academic discourse

Anna Elizabeth Balocco

No fio do discurso: análise do discurso sobre o trabalho no artigoopinativo do jornal Correio Riograndense/ On the line of discourse:analysis of the discourse about work in articles from the newspaperCorreio Riograndense

Maria Helena Bortolon Rech eHeloísa Pedroso de Moraes Feltes

Articulação adverbial no discurso religioso/ Adverbial articulationin religious discourse

Mariangela Rios de Oliveira, Maria Maura Cezario eFilipe Viana Luiz Albani

A carapuça da discórdia: uma análise dos discursos que emanam deum gesto presidencial/ The hood of discord: an analysis of thediscourses that emanate from a presidential gesture

Inês Staub Araldi

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337

357

389

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ENSAIOS/ ESSAYS

Defining a CALL activity/ Definindo uma atividade de CALLVilson J. Leffa

Vozes sociais citadas e sobrepostas: a polifonia e a dialogia/Quoted and superposed social voices: polyphony and dialogy

Ingo Voese

Tempo na frase e tempo no texto: as teorias de Reichenbach e deRojo e Veiga/ Tense at the sentence level and at the textuallevel: The theories of Reichenbach and Rojo &Veiga

Raquel Meister Ko. Freitag

RESENHA/ REVIEW

BALTAR, Marcos. Competência discursiva e gêneros textuais:uma experiência com o jornal de sala de aula. Caxias do Sul, RS:EDUCS, 2004. 173 p.

Por/By Adair Bonini

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TEMPO NA FRASE E TEMPO NO TEXTO: AS TEORIAS DEREICHENBACH E DE ROJO E VEIGA*

Raquel Meister Ko. Freitag**

Resumo: Este artigo apresenta um estudo comparativo das teorias de Reichenbach (1947) e de Rojoe Veiga (1999) para a estruturação lingüística das relações temporais no âmbito da frase e do discurso.Em um primeiro momento, compara as teorias no que se refere à orientação, representação e arranjo.Em seguida, analisa as propostas de estruturação temporal estabelecidas para além dos limites dafrase, ou seja, como as teorias estruturam o tempo no texto.Palavras-chave: tempo lingüístico; estudo comparativo; estrutura temporal.

1 INTRODUÇÃO

A expressão lingüística do tempo1 é a manifestação de uma característicacognitiva universal: todas as línguas têm em sua gramática um componenteresponsável pela codificação do tempo cronológico. Comrie (1985, p. vii),por exemplo, define o tempo gramatical como a gramaticalização da localizaçãono tempo cronológico.2

* Agradeço à Profª. Drª. Luizete Guimarães Barros pelo encorajamento e orientação neste trabalho e aos professoresDrª. Márluce Coan e Dr. Heronides Melo Moura, pela leitura atenciosa e pelas sugestões.

** Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Lingüística da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail:<[email protected]>.

1 A palavra tempo, em português, é polissêmica, e recobre pelo menos duas entidades distintas: tempo cronológico– tempo medido – e tempo gramatical – tempo codificado lingüisticamente. O tempo cronológico se gramaticaliza(no sentido de entrar para a gramática da língua) como tempo gramatical. Línguas como o alemão e o inglês têmpalavras distintas para tempo gramatical (Tempus, tense) e tempo cronológico (Zeit, time), conforme apontaWeinreich (1968, p. 14-15).

2 Nas línguas, a expressão do tempo está estreitamente relacionada com a expressão de aspecto e de modalidade.Embora tempo, aspecto e modalidade freqüentemente se sobreponham (uma mesma expressão, seja item lexicalou gramatical, é responsável pela codificação de tempo, aspecto e modalidade) em uma dada situação, é precisoelencar um domínio e isolá-lo para descrever seu comportamento e chegar a uma classificação. Por isso, naanálise a seguir, mesmo que outros domínios semânticos também sejam codificados por uma dada forma verbal,apenas o significado temporal será considerado.

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Tempo na frase e tempo no texto:...

Apresento, a seguir, duas propostas que tentam explicar como o tempocronológico passa ao tempo gramatical nas línguas. A primeira proposta, deorientação lógico-positivista, é a de Hans Reichenbach (1947), e a segunda,de orientação funcional-descritiva, é a de Guilherme Rojo e Alexandre Veiga(1999). É preciso salientar que as propostas não são concorrentes no papelde “a melhor explicação” para a estrutura gramatical do tempo (como serávisto no desenvolvimento deste trabalho). A explicação lógico-formal deReichenbach é mais adequada no nível frasal, enquanto que a explicaçãofuncional-descritiva de Rojo e Veiga é mais adequada no nível do texto.

Especificamente, (i) comparo as teorias no que se refere à orientação,representação e arranjo, e (ii) analiso as propostas de estruturação temporalestabelecidas para além dos limites da frase, ou seja, como as teorias estruturamo tempo no texto.

O texto escolhido para dar suporte à análise das propostas de estruturaçãotemporal é “Guerra no Iraque derruba mitos”, publicado no Diário Catarinensedo dia 13/04/2003. Este texto caracteriza-se pela variedade de recursos temporais,determinada pelo seu tema: a comparação das expectativas antes da invasãoamericana ao Iraque com o que aconteceu de fato durante a invasão.

2 TEMPOS VERBAIS: A TEORIA DE HANS REICHENBACH

Para elaborar sua teoria para a estruturação dos tempos verbais,Reichenbach parte do pressuposto de que os tempos verbais determinam otempo em relação à referência e ao momento do ato de fala de um dadoenunciado.

Assim, denomine-se momento da fala3 ao momento da enunciação. Apartir da definição deste ponto, podemos estabelecer três relações: antes domomento de fala, simultâneo ao momento da fala e posterior ao momento dafala. A fixação de apenas um ponto nos fornece somente essas três relações

3 No original, consta speech point. Preferi traduzir point por momento, seguindo os demais trabalhos que tomampor base Reichenbach (cf. COAN, 1997, 2003; GIBBON, 1998).

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temporais. Dado o grande número de relações temporais existentes nas línguas,é preciso estabelecer um sistema mais complexo.

Argumentando segundo a perspectiva deste autor, em uma frase tal EstadosUnidos invadiu o Iraque, o tempo expresso pela forma verbal de pretérito perfeitoestá relacionado a dois parâmetros, cujas posições podem ser determinadas apartir do momento da fala. Chame-se a esses dois pontos de momento dasituação4 e momento da referência. No exemplo em questão, o momento dasituação é o momento da invasão, tal que os Estados Unidos invadiram o Iraque;o momento da referência é, neste caso, o próprio momento da fala. Em uma fraseindividual, como a do exemplo, não é claro em que ponto está situado o momentoda referência, pois sua determinação é dada pelo contexto da fala. Tomem-se osexcertos que seguem (a simbologia utilizada é: R, para momento da referência;F, para momento da fala; e S, para momento da situação):

(1) Após uma dura batalha em Karbala, a 3a Divisão de Infantaria dos EUApenetrou na zona vermelha no dia 1° de abril, sem enfrentar maior resistência.(col. 2 lin. 8-11)5

(2) O governo iraquiano dispõe de armas de destruição em massa. (col. 3lin. 4)

4 No original, consta event point. Preferi adotar a tradução situação, que recobre eventos, processos e estados.5 No parêntesis, col. refere-se à coluna e lin. refere-se à linha em que o excerto está situado no texto.

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(3) Soldados leais a Saddam lançarão mão de armas de destruição emmassa. (col. 2, lin. 4-6)

O excerto (1) ilustra uma situação anterior ao momento da fala, o queé expresso pela forma verbal de pretérito perfeito. O momento da referência é1o de abril, após uma dura batalha em Karbala. Já o excerto (2) ilustra umasituação (dispõe) que é simultânea ao momento da fala, e também simultâneaao momento da referência; em outras palavras, a data da publicação do jornalé, ao mesmo tempo, o momento da fala e o momento da referência, e tambémé simultânea ao momento da situação. E, no excerto (3), há uma situação queé posterior ao momento da fala (lançarão), mas cujo momento de referênciaé coincidente com o momento da fala (a data da publicação do jornal é, aomesmo tempo, o momento da referência e o momento da fala), por disposiçãoda teoria de Reichenbach.

Quando não há referência temporal explicitada textualmente, o momentoda fala torna-se o momento da referência. Nos tempos verbais ilustrados de (1) a(3), dois dos três pontos são simultâneos. A argumentação de Reichenbach apontapara a necessidade de estabelecimento de três momentos para que se possa fazer adistinção dos demais tempos do sistema verbal do inglês (e que pode ser estendidoàs demais línguas). A dificuldade das gramáticas escolares em definir os temposverbais, segundo Reichenbach (p. 289-290), está no fato de elas não reconhecerema estrutura de três lugares na determinação das relações temporais. Por exemplo,o excerto (4) não pode ser estruturado apenas com dois pontos6:

6 Para contraponto, vale apontar a proposta de Comrie (1985), que estabelece o momento de fala como centrodêitico, a partir do qual três tempos básicos podem ser estruturados: presente passado e futuro. Tais tempos sãodenominados tempos absolutos, em oposição aos relativos. Os tempos absolutos são os que tomam como pontode referência o momento da fala. Tempos relativos têm como referência algum outro ponto contextualmenteatribuído, e por isso, são ditos anafóricos.

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(4) “Antes da noite de sexta-feira, os EUA não haviam encontrado nenhumaprova de armas químicas” (col. 4, lin. 5-6)

O excerto (4) refere-se a uma situação – o encontro de provas daexistência de armas químicas – que é anterior ao momento de referência –a noite de sexta-feira, 11/04/2003 –, que, por sua vez, é anterior aomomento da fala – a data da publicação do jornal, domingo, dia 13/04/2003. Se nos valêssemos de apenas dois pontos, não conseguiríamoscodificar a nuança temporal existente na situação; com os três pontos deReichenbach, a nuança temporal codificada lingüisticamente fica maispróxima da situação temporal ocorrida.

A ordenação do tempo a partir de três pontos permite trezecombinações lógicas, embora a gramática do inglês reconheça seis por meiode forma verbal específica.

Tomando o momento da fala como ponto inicial, o momento dereferência pode ser anterior, simultâneo ou posterior; o que resulta em trêspossibilidades. O momento da situação também pode ser anterior, simultâneoou posterior ao momento da fala, o que resulta em mais três possibilidades. Oarranjo entre as três possibilidades de momento de referência e as trêspossibilidades de momento de situação resulta em nove formas, chamadasformas fundamentais. As demais diferenças aparecem somente quando a posiçãoda situação em relação ao momento da fala é considerada; essa posição éirrelevante normalmente. A forma F – S – R pode ser distinguida de F,S – R;resta a relação entre F e R na primeira e S e R na segunda. Essas duas formasnão diferem, podendo ser representadas pela mesma fórmula.

O quadro sinóptico das relações temporais do inglês proposto porReichenbach, bem como a nomenclatura sugerida, é o que se observa na figura 1.

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Tempo na frase e tempo no texto:...

Figura 1 – Estruturas das relações temporais (REICHENBACH, 1947, p. 297).

Apesar de proposta para o inglês, a esquematização das relaçõestemporais pode ser aplicável a todas as línguas.7 Porém, existem situaçõestemporais mais complexas do que as esquematizadas. Quando mais de umaoração se combinam para formar um período, os tempos verbais se ajustam,de acordo com certas regras que os gramáticos costumam chamar de regrasde seqüenciação temporal.

As regras de seqüenciação temporal são tradicionalmente denominadasconsecutio temporum, ou concordância temporal. Weinreich (1968, p. 46)propõe que existe relação entre os grupos temporais. Um tempo no discursoestá contextualizado; não pode ser ilimitadamente combinável com outrostempos. Certas combinações são preferidas no contexto; outras são limitadasou inadmissíveis. As possibilidades de combinação entre os tempos são as quese seguem no quadro 1.

7 Isto significa que em todas as línguas é possível determinar o momento da fala, o momento da referência e omomento da situação, embora o arranjo entre estes três momentos seja variável.

S - R - FS,R - FR - S - FR - F - SS - F - RF, R, SF, R - SF - S - RF , S - RS - F - RF - R, SF - R - S

passado anteriorpassado simplespassado posterior

presente anteriorpresente simplespresente posterior

futuro anterior

futuro simplesfuturo posterior

Tempo verbal do inglês

simple past

present

future

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Quadro 1 – Relações de consecutio temporum (WEINREICH, 1968, p. 46-47).

Para Reichenbach (1947), tais regras se resumem ao princípio depermanência do ponto de referência: enquanto as situações referidas nasorações constituintes do período podem ocupar diferentes momentos, omomento de referência de todas deve ser o mesmo, em todo o período. Tome-se o excerto:

(5) “A imprensa repercutiu versões que acabaram se tornando mitos, (quesão) hoje facilmente derrubáveis à luz dos acontecimentos.” (col. 1 lin. 8-11)

A frase (5) é composta por três orações. Na primeira oração, a situaçãoS

1 é a repercussão de versões pela imprensa, que é simultânea R

1, e ambas

são anteriores ao momento da fala. Na segunda oração, a situação S2, acabaram

se tornando mitos, é simultânea ao momento de referência R2, e ambos são

anteriores ao momento da fala. E, na terceira oração, a situação S3, são

facilmente derrubáveis, é simultânea ao momento de referência e ao momento

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Tempo na frase e tempo no texto:...

de fala. O momento de referência para todas as situações da oração é o mesmo.Por essa razão é que Reichenbach considera tal período regido pelo “princípiode permanência do ponto de referência”.

Quando uma determinação temporal é adicionada, como agora, ontem,ou 1o de abril, ela se refere não à situação, mas ao momento de referência daoração. Portanto, em mitos são hoje facilmente derrubáveis, o advérbiorefere-se somente à situação, porque o momento da situação e o momento dareferência são coincidentes. Mas em antes da noite de sexta-feira, os EUAnão haviam encontrado nenhuma prova de armas químicas, antes da noitesexta-feira é o momento de referência, e a situação do não-encontro de armaspode ter ocorrido em um momento qualquer anterior à noite de sexta-feira.Neste caso, Reichenbach fala do uso posicional do ponto de referência. Omomento de referência é apenas suporte da posição temporal. E quando doismomentos temporais são comparados por palavras como quando, antes,depois, as comparações se referem ao momento de referência, e não aomomento da situação. Neste caso, a regra de permanência do ponto dereferência é substituída pelo uso posicional do ponto de referência, sendopossível, portanto, que uma língua se oriente por mais de um princípio.8

3 TEMPO VERBAL, TEMPOS VERBAIS: A TEORIA DE GUILHERMEROJO E ALEXANDRE VEIGA

Rojo e Veiga (1999) elaboraram uma teoria de relações temporais queintegra fenômenos deixados de lado por outras teorias. A primeira consideraçãoé que o tempo lingüístico é bidimensional e, portanto, pode ser anterior, simultâneoou posterior a outro. Essas relações temporais podem ser expressas por vetores(V). Assim, por convenção, –V simboliza anterioridade; oV simbolizasimultaneidade; e +V, posterioridade. Convencione-se também que o ponto central

8 Reichenbach (1947) salienta que há línguas que se orientam mais por um princípio do que por outro. Eleexemplifica com o inglês e o alemão; o inglês tende a requisitar mais o princípio do uso posicional do ponto dereferência, ao passo que o alemão tende a requisitar mais o princípio de permanência do ponto de referência.As línguas podem ser regidas ora por um princípio, ora por outro, mas nunca pelo dois princípios ao mesmotempo (na mesma situação).

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das relações temporais é a origem (simbolizada por O), e as relações temporaispossíveis são O–V, OoV e O+V, para anterioridade, simultaneidade e posterioridadede uma situação em relação a um ponto de origem. Rojo e Veiga mantêm aconvenção de representar o anterior à esquerda e o posterior à direita. As relaçõestemporais podem ser esquematizadas como no quadro que segue:

Figura 2 – Esquema de representação temporal (adaptado do gráfico 44.2 deROJO e VEIGA, 1999, p. 2877).

As relações temporais esquematizadas pelos vetores correspondem, porexemplo, a:

(6) “Após uma dura batalha em Karbala, a 3ª Divisão de Infantaria dos EUApenetrou na zona vermelha no dia 1º de abril, sem enfrentar maiorresistência.” (c.2 l. 8-11)

(7) “O governo iraquiano dispõe de armas de destruição em massa (químicase biológicas) e, por isso, representa uma ameaça aos EUA e ao mundo.” (c.3 l. 4)

(8) “Soldados lançarão mão de armas de destruição em massa.” (c. 2, l. 4-6)

Em (6), a relação temporal é de anterioridade à origem, simbolizadapelo vetor O–V. Em (7), a relação temporal da situação é de simultaneidade àorigem, cuja representação é OoV. E, em (8), a situação tem uma relaçãotemporal de posterioridade à origem, cuja fórmula é O + V. Os advérbiospresentes em (6) convergem com os valores temporais das formas verbais emuso. Porém, seu significado é próprio e independente.

Rojo e Veiga ressaltam que, a princípio, as “fórmulas” pararepresentação das relações temporais podem parecer complicadas, mas narealidade são bem simples; devem ser lidas da esquerda para a direita,

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respeitando-se as convenções. Uma fórmula como O–V se refere a uma situaçãoque é anterior (–V) à origem. Já uma fórmula tal como (O–V)+V refere-se auma situação que é posterior (+V) a outra situação, que por sua vez é anterior(–V) à origem.

Assim, considerando um ponto de origem, as relações temporaisestabelecidas a partir desse ponto são apenas três: anterioridade, simultaneidadee posterioridade. A existência de outras relações temporais mais complexasnão se deve ao aumento das relações temporais, mas sim ao encadeamento daspossibilidades iniciais, que é, teoricamente, ilimitado. Isso significa que umponto qualquer, orientado em relação à origem, pode ser convertido emreferência, sobre o qual se ancora uma situação, que será diretamente orientadaem relação a essa referência, e indiretamente orientada em relação à origem.A possibilidade de encadeamento é ilustrada pelo quadro a seguir:

Figura 3 – Esquema de representação de estruturas temporais complexas(adaptado do gráfico 44.3 de ROJO e VEIGA, 1999, p. 2877).

Tome-se a origem O. O ponto A, que é anterior à origem O, torna-se oponto de referência ao qual outras situações podem ser anteriores, como A’,simultâneas, como S’, ou posteriores, como P’, resultando formulações vetoriaisO–V, OoV, e O+V, respectivamente. O ponto A’’ está orientado em relação aoponto A, que por sua vez está orientado em relação à origem O. A formulaçãovetorial para cada uma das situações é (O-V)-V, (O-V)oV e (O-V)+V, e assimsucessivamente, para A’’’, etc.

(9) “O mito de que Bagdá seria uma nova Stalingrado começou a ruir umdia depois da chegada da 3ª Divisão de Infantaria do exército americano àcapital.” (c. l.)

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No esquema vetorial de Rojo e Veiga, seria é uma situação posterior aoponto de referência O, a situação da enunciação, assim como começou a ruir.Porém, seria é uma situação posterior a começou a ruir. Começou a ruirtorna-se o ponto de referência para seria. Relativamente à origem, seria éindiretamente anterior, e a começou a ruir, seria é diretamente posterior. Arepresentação vetorial da estrutura temporal da frase é a seguinte:

(10) “O mito de que Bagdá seria (O-V)+V uma nova Stalingrado começoua ruir O-V um dia depois da chegada da 3ª Divisão de Infantaria do exércitoamericano à capital.” (col. 1 lin. 22-25)

Levando-se em consideração o significado condicional, seria tem outraestrutura temporal. ‘Bagdá ser Stalingrado’ é um mito que se dará emdeterminadas condições. Se tais condições não se dão – já que o mito ruiu –então Bagdá não será Stalingrado (‘negação da hipótese’ ou ‘negação implícita’,nos termos de Bello (1979 [1809])). Temporalmente, as situações ‘começoua ruir’ e ‘ser uma nova Stalingrado’ são concomitantes, e seria tem a seguinteestrutura vetorial (O-V)oV.

De acordo com a proposta de Rojo e Veiga, o encadeamento dereferências temporais secundárias, e a sua orientação em relação à origem,não têm, em princípio, um limite teórico. Mas, na prática, sim. No espanhol,por exemplo, a relação temporal mais complexa é representada pela fórmula(O–V)+V)–V, que corresponde, em português, a uma construção como teriabombardeado. As possibilidades de relação temporal no espanhol, e emportuguês, são as que seguem:

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Quadro 2 – Relações temporais no português e no espanhol (adaptado de ROJO e VEIGA, 1999, p.2885).

O encadeamento dos vetores para a formação de toda a gama de temposverbais do espanhol, e de todas as línguas, pode ser melhor visualizado noquadro que segue:

Quadro 3 – Encadeamento vetorial (adaptado do gráfico 44.2 de ROJO eVEIGA, 1999, p. 2884).

O valor temporal das formas verbais como de (11) se manifesta de fatona sua relação com a referência, e não em sua relação com a origem. Porexemplo, tinha penetrado expressa uma situação anterior a uma referênciaanterior à origem. Logo, se a referência é anterior, e se a situação é anterior àreferência, pode-se deduzir que a situação também é anterior à origem. Omesmo ocorre com uma situação simultânea a uma referência anterior à origem,

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que necessariamente também é anterior à origem. Porém, quando se trata deuma situação posterior a uma referência anterior à origem, a situação posteriorfica indeterminada quanto à origem.

Rojo e Veiga afirmam que em todos os três casos, anunciaram temvalor temporal anterior à origem e estariam expressa posterioridade àreferência anterior à origem. Porém, a forma verbal por si só não é capaz dedefinir se é uma situação anterior, simultânea ou posterior à origem. Osadvérbios marcam de modo mais explícito essa relação, mostrando a relaçãoentre estariam e o ponto de origem.

Figura 4 – Esquema de representação de estruturas temporais (adaptado dográfico 44.4 de ROJO e VEIGA, 1999, p. 2878).

Sem expressões adverbiais de tempo, a situação fica indeterminada, epode corresponder a qualquer uma das possibilidades assinaladas no esquemaanterior, sendo o seu valor determinado em função do contexto.

As formas verbais orientam as situações expressas em relação à origem,ao ponto central de todas as relações. Rojo e Veiga ressaltam que é umalocalização no sentido lato, pois uma situação pode ser dita anterior, simultâneaou posterior à origem. Uma orientação estabelecida por uma forma verbalpode ser mais específica, com o uso de um advérbio, como em (12).

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As formas verbais expressam relação com base na referência e possuemuma orientação concreta em relação à origem. Os advérbios, porém, expressamsimplesmente anterioridade, simultaneidade ou posterioridade a qualquer ponto.Porém, tanto as formas verbais como os advérbios expressam relação temporalde anterioridade, simultaneidade e posterioridade em relação a um dado ponto.Rojo e Veiga denominam formas alocêntricas as que indicam essa relação entreum ponto e a origem. As outras formas mostram relação temporal em referênciaà origem. Dado que a origem não é nada além do ponto zero do sistema, todas asrelações expressas por advérbios ou formas verbais são relativas. O fatorfundamental para defini-las é a relação temporal primária.

A origem é um ponto dado a partir do qual se orientam temporalmenteas situações expressas pelas formas verbais. As orientações podem ser diretas,como as relações de presente, passado e futuro, ou indiretas, quando entre asituação e a origem se interpõe um outro ponto, cuja relação com a origempode ser direta ou indireta. A origem é o centro dêitico de todas as relaçõestemporais. A questão que se coloca é: onde se situa esse ponto central? Rojo eVeiga citam autores como Bello (1979 [1809]) e Reichenbach (1947), quetomam como centro da referência, respectivamente, o “acto da palabra” e o“speech time”. Porém, a identificação do ponto zero como o momento derealização verbal da fala nem sempre é aceitável. É o caso do jornal: o “agora”do jornalista escrevendo o jornal não resulta no “agora” do leitor; existe umlapso de tempo entre os dois momentos. Não se pode identificar o centro dasrelações temporais no momento da enunciação. Rojo e Veiga propõem que aorigem seja estabelecida no “momento da comunicação”.

Assim, Rojo e Veiga concluem que a localização da origem, centro dêiticodas relações do sistema temporal, pode ser variável. A mais habitual e espontâneaparece ser o momento da fala, mas determinados fatores podem alterar esse ponto,levando-o para bem distante do “agora”, tanto do emissor quanto do receptor.

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4 COMPARANDO TEORIAS

As teorias de estruturação temporal propostas por Reichenbach (1947)e por Rojo e Veiga (1999) apresentam pontos divergentes. Para a teoria deReichenbach, apenas o estabelecimento do momento da fala não é suficientepara estruturar toda a gama temporal das línguas. É necessário tambémestabelecer outros dois momentos: o momento da referência e o momento dasituação, ainda que estes sejam coincidentes em alguns tempos verbais. Aspossibilidades de arranjo entre estes três momentos resultam na diversidadede estruturas temporais que as línguas manifestam. Já a teoria de Rojo e Veiga(1999) toma um dado ponto como origem para uma orientação vetorial dostempos verbais. Normalmente, a origem coincide com o momento da fala, masnem sempre. Por isso, Rojo e Veiga postulam como ponto de origem do seusistema vetorial o momento da comunicação. A representação das variadasestruturas temporais das línguas se dá pelo encadeamento de vetores.

O quadro 8 resume as principais propriedades de cada teoria, no quese refere à orientação, representação e arranjo:

Quadro 4 – Quadro comparativo das teorias de Reichenbach (1947)e de Rojo e Veiga (1999).

Quanto ao eixo de orientação, as teorias de Reichenbach e de Rojo e Veigadiferem; uma assume a orientação anafórica enquanto a outra assume a orientaçãodêitica. A noção de dêixis e anáfora, inicialmente proposta no plano nominal, quando

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passada para o plano verbal costuma ser ambígua. Tempos dêiticos tomam comoreferência o momento da enunciação. E tempos anafóricos ancoram a referênciaem outro tempo que não o momento da enunciação (cf. COMRIE, 1985).

De acordo com a proposta de Reichenbach, os tempos verbais têmnatureza essencialmente anafórica, uma vez que são estruturados a partir deum momento de referência, ainda que coincidente com o momento da fala ouo momento da situação.

Já para Rojo e Veiga, os tempos verbais são dêiticos, já que a orientaçãode uma dada situação está relacionada à origem, que é coincidente com omomento da comunicação. “Considerar que es una categoría deícticasignifica que establece un sistema centrado en una referência internaque, en la interpretación más habitual, se identifica con el momento de laenunciación” (ROJO e VEIGA, 1999, p. 2879). Tanto as formas verbais comoos advérbios expressam relação temporal de anterioridade, simultaneidade eposterioridade em relação a um dado ponto. São ditas formas alocêntricas asque indicam essa relação entre um dado ponto qualquer à origem do sistema.As outras formas mostram relação temporal em referência à origem. Dado quea origem não é nada além do ponto zero do sistema, todas as relações expressaspor advérbios ou formas verbais são relativas. O fator fundamental para defini-las é a relação temporal primária.

A concepção do eixo de orientação das teorias de estruturaçãotemporal mostra diferenças quando a análise da estrutura temporal é estendidaao nível do discurso.

5 RELAÇÕES TEMPORAIS NO TEXTO

A fala não é constituída por frases isoladas e independentes. Oencadeamento frasal resulta no texto. Como as relações temporais existentesnas frases se encadeiam entre si para formar o texto? A resposta não estáexplicitada em nenhuma das teorias. Mas podemos tentar elucidá-la a partirdos seus pressupostos, especialmente considerando a noção de eixo deorientação e as possibilidades de arranjo temporal. Tome-se o seguinte excerto:

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(13) “Na segunda-feira, as tropas encontraram 14 tonéis suspeitos de contergases nervoso e mostarda. Mas testes revelaram que o produto não passavade pesticida para lavoura.” (col. 4, lin. 8-12)

A análise considerando as situações expressas na frase em separadoleva às seguintes estruturações temporais:

Porém, analisando as situações em conjunto, o resultado é diferente:

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As situações expressas no excerto são semanticamente encadeadas doponto de vista temporal. Para realizar o teste é preciso encontrar o produto,não ao contrário. Logo, no discurso, as seqüências frasais dão origem a umaestrutura de representação relativamente complexa. De acordo com a teoriade Rojo e Veiga, as possibilidades ilimitadas de arranjos vetoriais refletem talcomplexidade e podem reatualizar as nomenclaturas não fixadas apenas namorfologia. Já na teoria de Reichenbach, as seqüências são coordenadas,sempre respeitando o limite das nove possibilidades de combinações temporais.

Na teoria de Reichenbach, a referência das duas orações é segunda-feira. A posição do evento em relação à referência é que nos faz ver que ‘revelar’é posterior à ‘encontrar’, S

2 é posterior à S

1, conforme (3) de (15).

Como a teoria de Rojo e Veiga é baseada no discurso, possibilita novascombinações. Isso significa que nem todo encontraram é só passado (O–V),neste caso, é passado mais-que-perfeito. O valor temporal de encontraram,considerando o contexto discursivo no qual está inserido, é muito mais do quepassado anterior. Observe-se:

(16) “Primeiro pretexto para a guerra, as supostas armas de destruição emmassa até agora não passam de um mito. Até a noite de sexta-feira, os EUAnão haviam encontrado nenhuma prova da existência de armas químicas oubiológicas no Iraque. No máximo, indícios pouco críveis – máscaras antigáse macacões contra armas químicas foram encontrados entre os equipamentosdos militares mortos. Na segunda-feira, as tropas encontraram 14 tonéissuspeitos de conter gases nervoso e mostarda. Mas testes revelaram que oproduto não passava de pesticida para lavoura.” (col. 4, lin. 1-12)

O excerto contém cinco situações – armas químicas não passam de ummito, não haviam encontrado armas químicas; indícios pouco críveis foramencontrados, as tropas encontraram tonéis, e testes revelaram – todasestabelecidas relativamente ao momento da fala, na teoria de Reichenbach, ouorigem do sistema, na teoria de Rojo e Veiga, que é domingo, dia da publicaçãodo jornal. A estrutura das relações temporais do excerto, conforme a teoria deReichenbach, é a seguinte:

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A primeira oração refere-se a uma situação que é simultânea ao momentoda fala e ao momento da referência (até agora as armas químicas não passamde um mito); as segunda e terceira orações referem-se a situações que sãosimultâneas à referência, mas anteriores ao momento da fala (até a noite desexta-feira, os EUA não haviam encontrado e indícios pouco críveis foramencontrados); e as quarta e quinta orações referem-se a situações que sãosimultâneas à referência e anteriores ao momento da fala (tropas encontraramtonéis e testes revelaram)9.

Analisando individualmente os pares de situações, S2,S

3 e S

4,S

5 são

caracterizados pela permanência do ponto de referência. Já o conjunto dasrelações temporais do excerto é caracterizado pelo uso posicional do pontode referência.

Considerando a teoria de Rojo e Veiga, as relações temporais do excertosão as seguintes:

9 Recorde-se que as situações não são simultâneas, conforme apontado anteriormente. O modelo de Reichenbachnão permite que se codifique com precisão a relação temporal estabelecida entre as duas orações.

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A primeira oração refere-se a uma situação simultânea à origem (atéagora, armas químicas não passam de um mito). A segunda oração refere-se a uma situação que é anterior à origem (até a noite de sexta-feira nãohaviam encontrado). A terceira oração refere-se a uma situação que ésimultânea à situação que é anterior à origem (indícios pouco críveis foramencontrados). A quarta oração refere-se a uma situação que é anterior àsituação que é simultânea à situação que é anterior à origem (na segunda-feira, as tropas encontraram tonéis). E, finalmente, a quinta oração éposterior à situação que é anterior à situação que é simultânea à situação queé anterior à origem (testes revelaram) (note-se que a quarta oração é maisanterior que a quinta oração).

Assim, encontraram, no excerto, tem o seguinte valor temporal (O-V)oO)-V). A recursividade da teoria de Rojo e Veiga garante que se possaestabelecer o valor temporal para uma situação no discurso, sem atrelá-lanecessariamente ao seu valor temporal morfologicamente convencionado (nocaso do morfema –ra, seu valor modo-temporal é de pretérito perfeito ou depretérito mais-que-perfeito, que são homógrafos no português).

A estruturação temporal do discurso com base na teoria de Rojo e Veigapermite que se visualize melhor as relações temporais estabelecidas, e isto édevido ao fato de sua teoria tomar por base a origem do sistema, e não omomento da enunciação, como faz Reichenbach. As relações são estabelecidasa partir de uma origem, que nem sempre coincide com o momento da fala.

Considerando que o tempo verbal está vinculado ao tempo cronológico,a noção de tempo absoluto, como propõe Comrie (1985), é, na verdade, ilusória,de acordo com a teoria da Rojo e Veiga. O tempo verbal sempre será relativo,uma vez que está atrelado ao tempo cronológico. Tome-se o texto que subsidiaa análise – “Guerra no Iraque derruba mitos”. O texto foi publicado no jornalDiário Catarinense do dia 13 de abril de 2003. O tempo verbal empregado notexto é relativo ao tempo cronológico da data da publicação. As frases que

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seguem ilustram a relatividade do tempo verbal:

(19) “A temida Guarda Republicana parece ter se transformado em umexército fantasma.” (col. 1 lin. 42-43)

(20) “O governo iraquiano dispõe de armas de destruição em massa(químicas e biológicas) e, por isso, representa uma ameaça aos EUA e aomundo.” (col. 3 lin. 4)

(21) Como Stalingrado, a capital iraquiana, Bagdá, será palco de umasangrenta batalha urbana. (col. 1 lin. 20-23)

A partir do momento da publicação do jornal, toda leitura terá quereatualizar os valores temporais das situações. Para o excerto (19), existem asseguintes possibilidades de reatualização:

(19a) O jornal de 13 de abril de 2003 informa que a temida GuardaRepublicana parece ter se transformado em um exército fantasma.

(19b) O jornal de 13 de abril de 2003 informou que a temida GuardaRepublicana parecia ter se transformado em um exército fantasma.

(19c) O jornal de 13 de abril de 2003 informava que a temida GuardaRepublicana parecia ter se transformado em um exército fantasma.

Nos casos de reatualização temporal, a relação temporal existente não sealtera, apenas as formas da sua expressão. A relação temporal de (19), de acordocom Rojo e Veiga, é a de uma situação simultânea à outra, que é a origem. Com areatualização temporal, a situação, em a-b-c, continua sendo simultânea à outrasituação, porém, a origem do sistema desloca-se para o momento da reatualização.As relações temporais estabelecidas continuam sendo as mesmas, apenas sãorealizadas por formas morfológicas diferentes. A escolha das formas morfológicasna reatualização não é aleatória: segue o princípio do consecutio temporum(WEINREICH, 1968), já discutido na seção 2.

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A teoria de Reichenbach, que estrutura os tempos em função de trêspontos linearizados, torna as relações temporais visualmente mais explícitas.Mas, a partir do momento em que o escopo de análise é maior do que a frase,a teoria de Rojo e Veiga tem maior valor explanatório, dado que as possibilidadesde combinação são, teoricamente, ilimitadas. A teoria de Reichenbach se limitaao encadeamento das 9 possibilidades de arranjo dos pontos.

6 A REFERÊNCIA

Um dos pontos centrais que distingue as teorias de Reichenbach e deRojo e Veiga é quanto ao estabelecimento de um tempo de referência.

Rojo e Veiga, apesar de não fixarem um ponto de referência, discutem asua importância indiretamente, atribuindo aos advérbios o papel de melhorexplicitar as relações entre os verbos e a origem (cf. seção 3, exemplos 11 e12). A importância da referência para a interpretação temporal é destacadapor Ilari (1997), pois é através da referência que se pode compreender certasdeterminações temporais que a sentença sofre no co-texto, em particular, nocontexto narrativo. À falta de indicações mais específicas, dadas pelos adjuntosde tempo, por exemplo, o co-texto anterior fixa geralmente o momento dereferência da oração seguinte.

A opção de não atrelar a orientação temporal a uma referência podeestar relacionada à definição do estatuto da referência. Se considerarmos quea referência faz parte da estrutura do tempo, é esperado que ela seja um dosseus constituintes internos. Esta parece ser a concepção de Reichenbach: tempoé uma articulação de três constituintes – momento da fala, momento da situaçãoe momento da referência.

Mas também podemos considerar a referência como uma categoria funcionalindependente do tempo, assim como o aspecto e a modalidade. Coan (2003), porexemplo, defende que a referência é uma categoria funcional independente.

A codificação de aspecto também necessita de uma referência,especialmente o aspecto progressivo. O aspecto progressivo está relacionadocom a codificação de uma situação em andamento relativamente ao tempo de

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referência (explícito ou implícito) em predicados dinâmicos: Maria estavatomando banho (durante o jornal da noite).

A possibilidade de uma categoria de referência permite ganhos emtermos de economia descritiva. Ao invés de postular uma referência específicapara a codificação do aspecto e outra referência específica para a codificaçãodo tempo, é mais econômico postular uma categoria de referência que interagecom a categoria de tempo e de aspecto. A opção de não atrelar a referência aotempo permite supor que Rojo e Veiga considerem a referência como umacategoria funcional independente.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foram apresentadas duas teorias formuladas para tentar explicar como otempo cronológico passa ao tempo gramatical nas línguas (REICHENBACH, 1947;ROJO e VEIGA, 1999). A teoria de Reichenbach estabelece, a partir do momentoda fala, e outros dois momentos – o momento da referência e o momento dasituação – a gama temporal por combinações lógicas, ainda que estes momentossejam coincidentes em alguns tempos verbais. Já a teoria de Rojo e Veiga (1999)toma um dado ponto como origem para uma orientação vetorial dos temposverbais. Normalmente, a origem coincide com o momento da fala, mas nem sempre.Por isso, Rojo e Veiga postulam como ponto de origem do seu sistema vetorial omomento da comunicação. A representação das variadas estruturas temporaisdas línguas se dá pelo encadeamento de vetores.

No âmbito da frase, as duas teorias têm o mesmo poder explanatório.Porém, no âmbito do texto, a teoria de Rojo e Veiga mostra-se mais adequadapara representar a complexidade das relações temporais. A diferença entre asteorias resume-se à distinção entre dêixis e anáfora. De acordo com a propostade Reichenbach, os tempos verbais têm natureza essencialmente anafórica, umavez que são estruturados a partir de um momento de referência, ainda quecoincidente com o momento da fala ou o momento da situação. Já para Rojo eVeiga, os tempos verbais são dêiticos, já que a orientação de uma dada situaçãoestá relacionada à origem, que é coincidente com o momento da comunicação.

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Apesar de a teoria de Reichenbach tornar as relações temporaisvisualmente explícitas, quando se trata de uma análise das relações temporaisno texto, a teoria de Rojo e Veiga tem maior valor explanatório, dado que aspossibilidades de combinação são, teoricamente, ilimitadas, desvinculando arelação temporal das formas morfológicas características.

REFERÊNCIAS

BELLO, Andrés. Análisis ideológica de los tiempos de la conjugación castellana. In: ______.Obra literaria. Caracas: Ayacucho, 1979 [1809]. p. 415-459.

COAN, Márluce. Anterioridade a um ponto de referência passado: pretérito (maisque) perfeito. Dissertação (Mestrado em Lingüística) – Curso de Pós-Graduação em Lingüística,Universidade Federal de Santa Catarina, 1997.

______. As categorias tempo, aspecto, modalidade e referência na significaçãodos pretéritos mais-que-perfeito e perfeito: correlações entre função(ões)-forma(s)em tempo real e aparente. Tese (Doutorado em Lingüística) – Curso de Pós-Graduação emLingüística, Universidade Federal de Santa Catarina, 2003.

COMRIE, Bernard. Tense. 4nd ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1985.

GIBBON, Adriana. A expressão do futuro na língua falada em Florianópolis: variaçãoe gramaticalização. Dissertação (Mestrado em Lingüística) – Curso de Pós-Graduação emLingüística, Universidade Federal de Santa Catarina, 1999.

ILARI, Rodolfo. A expressão do tempo em português: expressões da duração e dareiteração, os adjuntos que focalizam eventos, momentos estruturais na descrição dos tempos.São Paulo: Contexto, 1997.

REICHENBACH, Hans. The tenses of verbs. In: ______. (ed.). Elements of symboliclogic. New York: The MacMillan Company, 1947. p. 287-298.

ROJO, Guilhermo; VEIGA, Alejandro. El tiempo verbal, los tiempos verbales. In: Bosque, I.;Demonte, V. (Orgs.). Gramática descriptiva de la lengua española: las construccionessintácticas fundamentales, relaciones temporales, aspectuales y modales. Madrid: Espasa Calpe,1999. v. 2, p. 2867-2935.

WEINREICH, Harald. Estructura y función de los tiempos en el lenguage. Traduçãode Federico Latorre. Madrid: Gredos, 1968.

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Recebido em 14/10/04. Aprovado em 16/05/05.

Title: Tense at the sentence level and at the textual level: the theories of Reichenbach and Rojo &VeigaAuthor: Raquel Meister Ko. FreitagAbstract: The present paper makes a comparative study of the theories of Reichenbach (1947) andRojo & Veiga (1999) concerning the linguistic structuring of tense relations at the level of the sentenceand of discourse. First, these theories are compared in terms of orientation, representation andarrangement. Next, the propositions for tense structuring beyond the limits of the sentence areanalyzed, that is, how these theories structure tense in the text.Keywords: tense; comparative study; tense structure.

Tìtre: Le temps dans la phrase et le temps dans le texte: les théories de Reichenbach et de Rojo et VeigaAuteur: Raquel Meister Ko. FreitagRésumé: Cet article présente une étude comparative entre les théories de Reichenbach (1947) et deRojo e Veiga (1999) pour la structuration linguistique des rapports temporels dans le sein de laphrase et du discours. Tout d’abord, on fait la comparaison entre les théories en ce qui concernel’orientation, la représentation et la disposition. Ensuite, on analyse les propositions de structurationtemporelle établies au-delà des limites de la phrase, c’est-à-dire, comment les théories structurent letemps dans le texte.Mots-clés: temps linguistique; étude comparative; structure temporelle.

Título: Tiempo en la frase y tiempo en el texto: las teorías de Reichenbach y de Rojo y VeigaAutor: Raquel Meister Ko. FreitagResumen: Este artículo presenta un estudio comparativo de las teorías de Reichenbach (1947) y deRojo y Veiga (1999) para la estructuración lingüística de las relaciones temporales en el ámbito de lafrase y del discurso. Primeramente compara las teorías en lo que respecta a la orientación,representación y arreglo. A continuación analiza las propuestas de estructuración temporal queultrapasan los límites de la frase, o sea, cómo las teorías estructuran el tiempo en el texto.Palabras-clave: tiempo lingüístico; estudio comparativo; estructura temporal.

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RESENHA

BALTAR, Marcos. Competência discursiva e gêneros textuais: umaexperiência com o jornal de sala de aula. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2004. 173 p.

Resenhado por Adair Bonini (Universidade do Sul de Santa Catarina)

Este livro, adaptação de uma tese de doutorado defendida em 2003, possibilitainteressantes reflexões aos envolvidos com o ensino de linguagem, em especial aosinteressados em produção textual no ensino médio. Trata-se do relato, e conseqüenteanálise, de uma experiência de ensino em dois colégios de Porto Alegre.

Ao recorrer às noções de competência discursiva, gênero textual eprojeto didático, Baltar constrói uma experiência inovadora e diametralmenteoposta à tradicional concepção de ensino de produção de texto,1 motivo peloo qual revela-se de grande utilidade aos professores da educação básica (ensinofundamental e médio). Possibilita, a esses profissionais da educação, umapaisagem bastante nítida das dificuldades e benefícios da implementação deformas inovadoras de ensino. Além disso, serve como um pano de fundo apartir do qual o professor poderá pensar a sua prática e inovações dentro domesmo tipo de experiência.

Outro público leitor que poderá se beneficiar desse material são ospesquisadores do ensino de linguagem e da educação de modo geral, bem comoos analistas do texto e do discurso. A experiência de ensino relatada traz retornopara a pesquisa em didática, de modo geral, mostrando-se relevante especialmenteaos estudiosos da pedagogia de projetos. Além disso, ao discutir as peculiaridadesda emergência de um gênero textual no contexto escolar (o jornal de sala deaula), produz resultados relevantes para os estudos de texto e discurso.

1 Entende-se aqui por orientação tradicional do ensino de redação aquela que dá ênfase a aspectos formais dalinguagem e emprega exercícios de treino e fixação, tendo por base uma postura prescritivista decorrente deuma visão positivista da ciência e do saber.

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Resenha

O livro está organizado em duas partes. A primeira, contendo trêscapítulos, é O percurso teórico. O primeiro desses capítulos discute a noçãode competência, concentrando-se principalmente nas proposições de Chomsky(1957), Hymes (1971) e Perrenoud (1999). É a partir da revisão histórica dodesenvolvimento dessa noção que Baltar postula o seu conceito de competênciadiscursiva. O segundo capítulo, sobre os gêneros textuais, traz uma exposiçãosobre classificações empreendidas no estudo desse fenômeno e a exposiçãoda teoria de base do trabalho, a abordagem interacionista sócio-discursivaproposta por Jean Paul Bronckart (1985, 1999) e desenvolvida no Brasil,entre outros, por Anna Rachel Machado (1998, 2005). No terceiro capítulo, oautor faz uma síntese das teorias, noções e conceitos considerados no estudo.Procura, assim, contextualizar o leitor quanto o modo como a experiência deensino foi construída e, conjuntamente, apresentar os motivos dessa empreitada.A segunda parte do livro, com o título O jornal de sala de aula, é onde o autorexpõe de fato a implementação e os resultados de sua pesquisa. No primeirodos dois capítulos dessa parte, há o relado histórico de como a experiência deensino foi realizada em duas escolas em momentos distintos. Nesse capítulotambém o autor procura contextualizar o leitor quanto à função do jornal naescola, bem como quanto às experiências que têm sido desenvolvidas nessesentido. No último capítulo, é realizado o relato do transcorrer da experiênciabem como dos resultados alcançados.

Cabe acrescentar aqui também outros aspectos favoráveis em relação àorganização do livro. O primeiro deles é a excelente e atual bibliografiaconsiderada no estudo. O segundo é a incorporação, como anexo, de algunsdos jornais produzidos pelos alunos. Isso não só confere credibilidade e clarezaao estudo, como torna a leitura mais agradável. O terceiro aspecto relevantesão as introduções de duas importantes pesquisadoras desse campo de estudos:Anna Rachel Machado (texto da orelha) e Angela Kleiman (prefácio).

Há poucos pontos no trabalho sobre os quais se possa levantar algumquestionamento. Um deles diz respeito ao conceito de competência discursiva,que poderia ter sido explorado em maior profundidade seja em relação aotrabalho de Perrenoud (op. cit.) seja em relação ao de Bronckart (op. cit.).Cabe lembrar ainda que a noção de competência é controversa, pois a suainterpretação é variável de acordo com o observador. Não é difícil determinara competência, quando se trata de um ensino profissionalizante, uma vez que

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ela é, de certo modo, estabelecida no próprio meio. Em termos da educaçãobásica, contudo, essa noção pode variar bastante, pois é estabelecida em funçãodas demandas futuras a que o aluno estará submetido. A determinação dessademanda pode divergir consideravelmente entre os vários teóricos que venhama discutir o tema. Sendo controverso, seria aconselhável que o autor tivesseargumentado mais em favor de sua proposta.

Outro aspecto que, de certo modo, fragiliza o trabalho é o recurso queBaltar faz, no capítulo 2, ao artigo de Petitjean (1989). A classificação degênero que esse autor propõe é pouco clara e não traz grande contribuiçãopara as discussões teóricas postas no livro. Dado que a maioria dos estudiosos(incluindo Bronckart) defendem a idéia de que as tipologias de gênero sãoartificiais e infrutíferas, o trabalho ganharia mais caso o autor tivesseaproveitado esse espaço para aprofundar as relações do termo competênciadiscursiva com o aporte teórico do interacionismo sócio-discursivo.

Quanto aos aspectos positivos, vários podem ser mencionados. Entre asqualidades da experiência realizada, é possível mencionar o fato de opesquisador/educador ter conseguido implementar práticas que fogem bastanteà artificialidade da produção escolar tradicional. Isso decorre, principalmente,de Baltar ter recorrido a (ou construído) um gênero que é ao mesmo tempo“suporte”, o que permite a imediata circulação social dos textos produzidos.

É importante notar adicionalmente que o jornal produzido passa, decerta maneira, durante a experiência, de um caráter “escolarizado” para“escolar”2. Ao desenvolver-se desse modo, a experiência revela aspectosinteressantes sobre o que constitui um gênero, e isso é bem explorado peloautor, ao mostrar que as condições de produção escolares influíramsobremaneira na construção dos textos, levando esse jornal a se caracterizar,de fato, como “jornal de sala de aula”.

Dois aspectos podem ser vistos como bastante relevantes no que tange àeficiência das práticas construídas em sala de aula. O primeiro deles é o própriosurgimento de gêneros jornalísticos escolares. Nas palavras de Baltar (p. 138):

2 Rojo (2000) postula que os gêneros ocorrem sob duas formas na escola: como “escolares”, quando servem comoinstrumento de comunicação na instituição escolar, e como “escolarizados”, quando são tomados como objetosde ensino.

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[...] a pesquisa estava apontando para o surgimento de gêneros textuaisnovos, que poderiam ser denominados de gêneros textuais jornalísticosescolares. Assim, a entrevista feita por Ricardo para a Gazeta poderia serclassificada como petencente ao gênero entrevista escolar; a reportagemdas alunas do Testemunha Ocular poderia ser classificada comopertencente ao gênero reportagem escolar. A notícia escrita por Igor seriaclassificada como notícia escolar.

O segundo aspecto importante neste sentido é o fato de os alunos teremse envolvido efetivamente na atividade, sendo que muitos deles conseguiramchegar a produções autênticas. Esse envolvimento é, provavelmente, o fatorque garantiu a emergência dos gêneros como escolares e talvez seja o quemelhor revela a eficiência do trabalho com um projeto desse porte. Tais alunosconseguiam visualizar um interlocutor e se preocupavam com isso, conformese pode notar nesse trecho do livro (p. 139):

Um ponto interessante do trabalho [...] foi a crítica voraz de algunsalunos, que se sentiram prejudicados pelo fato de a impressão de suaseção ter apresentado problemas de digitação. Os alunos, chamando aatenção para os problemas de textualização: ortografia, acentuação eaté mesmo sintaxe, demonstravam seu interesse em preservar-se da pechade escrever errado.

Em termos de uma reflexão sobre o ensino de produção textual, o relatodessa experiência leva a pensar pelo menos dois temas bastante relevantes.Primeiramente, é possível uma reflexão sobre quais são os gêneros mais emenos produtivos em um jornal de sala de aula. A entrevista e a reportagem,por exemplo, revelaram-se mais produtivos em relação à crônica que, conformeo autor (p. 131), foi pouco atrativa aos alunos. Outra reflexão importante é ade qual papel o professor pode assumir na condução da experiência, pois eleprecisa decidir quais aspectos ficarão totalmente a cargo dos alunos e quaisserão dados como incumbência. Em face de seus objetivos de ensino, precisa,portanto, solicitar que algumas seções específicas sejam incluídas no jornal eque alguns temas sejam considerados.

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De modo geral, pode-se dizer que se trata de leitura não só prazerosacomo de grande importância aos interessados em melhorar as práticas e,portanto, a qualidade do ensino no país.

REFERÊNCIAS

BRONCKART, J. P. Le fonctionnement des discours: un modèle psychologique et uneméthode d’analyse. Lausenne: Delachaux & Niestlé, 1985.

______. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. Tradução de Anna Rachel Machado. São Paulo: Educ, 1999.

CHOMSKY, N. Syntactic structures. The Hague: Mouton, 1957.

HYMES, D. H. On communicative competence. In: PRIDE, J. B.; HOLMES, J. (Eds.).Sociolinguistics. Harmondsworth: Penguin Books, 1971.

MACHADO, A. R. O diário de leituras: a introdução de um novo instrumento naescola. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

______. A perspectiva interacionista sócio-discursiva de Bronckart. In: MEURER, J. L.;BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Orgs.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo:Parábola, 2005.

PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed,1999.

PETITJEAN, A. Les tipologies textuelles. Pratiques, n. 62, p. 86-125, 1989.

ROJO, R. Interação em sala de aula e gêneros escolares do discurso: um enfoque enunciativo.In: CONGRESSO NACIONAL DA ABRALIN, 2, Florianópolis, 1999. Anais... Florianópolis:ABRALIN; UFSC, 2000.

Recebido em 19/05/05. Aprovado em 28/06/05.