ROJO Generos Do DiscursO

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Gneros de discurso /texto como objeto de ensino de lnguas: um retorno ao trivium? Roxane Rojo (IEL/UNICAMP)Em aparente paradoxo, a descontinuidade, com seus constantes retornos ao ponto zero, ao tempo zero, condio essencial para que possa haver o continusmo, pelas mudanas que se destinam a manter inalteradas as relaes de saber e de poder. Em contraste, as rupturas, que so propiciadas pelos acontecimentos, pelas experincias planejadas ou ditadas pelo acaso, constituem a essncia da continuidade, ao tecerem novas possibilidades de caminhos por onde a vida possa fluir, nos diferentes e incertos modos de andar a vida.1. (Collares et al.,1999: 216)

Uma das publicaes brasileiras recentes sobre a transdisciplinaridade em Lingstica Aplicada (Signorini & Cavalcanti (orgs), 1998) traz um texto de Signorini em que a autora discute em profundidade a reconstituio da multiplicidade e da complexidade do objeto como condio do trabalho transdisciplinar. Partindo da constatao de que a Lingstica Aplicada (doravante, LA) tem hoje definido seu objeto no mais em funo do campo epistemolgico da(s) disciplina(s) de referncia, Signorini (1998: 13) lembra que passa a ser necessrio ao lingista aplicado reconstituir o objeto em seu campo, atravs de uma reinsero deste objeto nas redes de prticas, instrumentos e instituies que lhe do sentido no mundo social (nfase adicionada). Neste processo, segundo a autora, os percursos transdisciplinares de investigao tm gerado configuraes tericometodolgicas prprias, no coincidentes nem redutveis s contribuies das disciplinas de referncia, em muito devidos introduo do fator sociopoltico no estudo da comunicao verbal, em diferentes contextos institucionais ou culturais. Do ponto de vista da constituio destas configuraes terico-metodolgicas na LA, cada vez mais se compreende a importncia de se estudar a vida social a partir das redes de prticas, instrumentos e instituies especficas, onde a ao humana se desenvolve. Dessa forma, tem-se insistido em LA, como tambm em vrias disciplinas (Lave & Wenger, 1991; Duranti & Goodwin, 1992 etc.), na necessidade de se construir conhecimento situado, em que se ressalta a centralidade da ao situada para se ter acesso compreenso da vida social. Sendo assim, o foco na atividade das pessoas nas prticas discursivas (espao de ao social) em que agem, atravs da mediao da linguagem, tem sido inclusive apontado como sendo central em paradigmas contemporneos das Cincias Humanas e Sociais como um todo (Bronckart et al., 1996). Gibbons et al. (1995) tambm nos lembra que o conhecimento transdisciplinar situado, gerado em contexto aplicado, e no simplesmente uma transposio de conhecimento elaborado alhures para um novo campo de ao. Por outro lado, importante ressaltar, com Signorini, que estas novas configuraes terico-metodolgicas, embora dialgicas, so prprias, isto , no coincidentes nem1

Agradeo a Figueiredo (2005) a possibilidade de ter localizado esta citao de Collares et al.

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redutveis s contribuies das disciplinas de referncia. Diria que, embora apropriadas (num sentido no s bakhtiniano do termo), so articuladas a partir de um ponto de vista e de uma apreciao valorativa nicos sobre o objeto de investigao, em relao ao qual as configuraes dos saberes ou teorias de referncia constituem como que um excedente de viso. Em artigo ainda indito (Rojo, no prelo a), busco definir, nos termos de Calvino (1988), estes pontos de vista e apreciao de valor prprios como suscitados por uma privao sofrida, isto , como a busca de soluo para problemas contextualizados, socialmente relevantes, ligados ao uso da linguagem e ao discurso, e a elaborao de resultados pertinentes e relevantes, de conhecimento til a participantes sociais em um contexto de aplicao. Em um dos contextos de aplicao mais freqentes na LA a educao , so encontrados vastos e inumerveis problemas apresentados na educao lingstica brasileira, seja no mbito do ensino de lngua materna, seja no de lnguas estrangeiras: problemas na alfabetizao e letramento das populaes; nas prticas escolares e extra escolares de leitura; nas capacidades de produo de textos das populaes; no trato e impacto das lnguas estrangeiras, na escola e fora dela; no uso acesso e domnio das novas tecnologias da comunicao e informao pelas populaes2. Diversos tipos de privao lingstica e cultural sofrida pela populao brasileira, na escola e fora dela, tm sido, portanto, objeto de investigao e de apreciao da LA no Brasil, a partir de ponto de vista prprio. Defendo (Rojo no prelo a) que justamente para construir esta articulao do ponto de vista e da apreciao valorativa sobre o problema ou sobre o objeto em estudo que se faz necessria a leveza do pensamento (ancorada no peso do objeto) que vem sendo chamada de transdisciplinaridade. preciso agora, como bem intuiu a organizadora desta coletnea, que comecemos a discutir que gnero de teorias leves e transdisciplinares estamos elaborando, cada um de ns, de maneira a sabermos as articulaes e pontos de vista prprios da LA que esto sendo construdos nas diferentes investigaes. No caso do tema que nos est interessando neste artigo a constituio complexa e recente do conceito de gnero de discurso ou gnero de texto, na perspectiva transdisciplinar da LA no campo do ensino de lngua materna , cabe perguntar como e porque o contexto da educao lingstica no mundo, mas, especialmente, no Brasil, veio a convocar para si o conceito de gneros de discurso/texto. E que outras facetas transdiciplinares participam desta convocao. Neste artigo, pretendo, portanto, discutir, no campo do ensino e da didtica de lngua materna: que articulaes e apreciaes de valor tm sido construdas em torno do conceito de gnero de discurso/texto, quando proposto como objeto de ensino de lngua; e os contextos sociopolticos em que o conceito de gnero de discurso/texto convocado como objeto de ensino de lngua no Brasil, do sculo XIX aos anos recentes.

A pergunta ttulo do artigo subjaz reflexo: trata-se de um retorno ao trivium?2

Veja-se, por exemplo, como um conjunto de problemas a serem enfrentados pela educao lingstica no pas, os resultados do INAF 2001 (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional), publicados na coletnea organizada por Ribeiro (org) (2003).

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Gnero de discurso/texto: um conceito que encontrou sua poca Retomado das antigas retrica e potica, muitas vezes pelo percurso das releituras bakhtinianas, a noo de gnero e as anlises de gneros diversos tm sido objeto de reflexo de numerosas escolas e vertentes tericas de anlise de discurso. Da Escola de Sidney de Genebra, da Nova Retrica abordagem Sistmico-Funcional, da Lingistica de Corpus reflexo bakhtiniana, gneros de discurso/texto tm sido objeto de trabalho de muitos lingistas, analistas de discurso e de lingistas aplicados. Bhatia (1997), no incio de seu artigo, retoma de um prefcio de Candlin a seu livro de 1993 a pergunta que no quer calar: o que tem este conceito para ser to recorrente nos trabalhos recentes?O que tem esse termo e a rea de estudos que ele representa, para atrair tanta ateno? O que lhe permite agrupar sob o mesmo guarda-chuva terminolgico crticos literrios, retricos, socilogos, cientistas cognitivistas, especialistas em traduo automtica, lingistas computacionais e analistas do discurso, especialistas em Ingls para Fins Especficos e professores de lngua? O que isso que nos permite reunir sob o mesmo rtulo publicitrios, especialistas em comunicao empresarial e defensores do Ingls Simplificado? (Candlin, 1993 [ix]).

A pergunta de Candlin ganha ainda mais interesse se observarmos a didatizao do conceito ou sua migrao das esferas das cincias da linguagem para as propostas, os programas e parmetros ou referenciais curriculares para a educao bsica em lngua e linguagem no mundo. Embora boa parte dessas propostas ainda divida os componentes da rea por capacidades, competncias ou habilidades em geral, envolvidas em escrever, ler, falar e ouvir , os gneros aparecem sempre nelas referenciados quando no propostos explicitamente como objetos de ensino3, indicados no elenco de atividades possveis de desenvolver tais capacidades ou habilidades4. Os objetivos dos currculos esto voltados s competncias e capacidades de leitura e escrita e de fala/escuta, mas os gneros em lugar dos tipos de textos (narrao, descrio, dissertao, argumentao), to presentes em dcadas anteriores aparecem como os objetos capazes de desenvolv-las. Todos os referenciais enfocam a linguagem e a lngua em uso, por meio de prticas situadas para a cidadania, o que por si s j convoca as noes de texto, gnero e discurso5. Vemos que, embora a maior parte destes referenciais no tome explicitamente o gnero como objeto de ensino e organizador do currculo, como o caso do Brasil, todos fazem meno a um conjunto de princpios e de concepes mais ou menos comum: a educao lingstica bsica para a vida, o aprendizado, a cidadania e o trabalho; o ensino da literatura como acesso s tradies culturais (heranas); a necessidade de trabalho com as diferentes mdias, modalidades de linguagem e tecnologias da informao e da comunicao; a anlise do funcionamento da linguagem (oral, escrita) situada, em3

Como o caso dos referenciais brasileiros para o Ensino Fundamental (PCN de 1-2 Ciclos e PCN de 3-4 Ciclos, em especial) e dos referenciais genebrinos para a escola primria e secundria. Como o caso dos referenciais ingls, australiano, canadense e de diversos estados da federao nos EEUU, como, por exemplo, Massachussets e Califrnia. Veja-se o Quadro 1 em anexo, onde retomo princpios e objetivos gerais de diversos referenciais curriculares de lngua /linguagem atuais, na Europa e nas Amricas.

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contextos diversos de uso, para diferentes propsitos e de maneira adequada a audincias variadas. De uma maneira mais conservadora6 distribuindo os descritores pelas quatro habilidades (falar, ouvir, ler e escrever) como o caso dos referenciais de Ontario e do currculo ingls , ou de maneira mais atualizada, trabalhando diversas modalidades de linguagem (linguagem e artes) ou diferentes lnguas em relao7 como nos currculos americanos, australiano e da comunidade europia , o conjunto dos referenciais faz meno ao texto como unidade de ensino, aconselha que o material textual seja o mais diversificado possvel e aponta para classificaes de textos literrios/informativos; discursos persuasivos, expositivos, narrativos e expressivos; textos literrios e no ficcionais; formais e informais , algumas vezes seguidas de enumeraes de gneros (voto, formulrios, jornais, debate, relatrio, gneros poticos e literrios). Portanto, se no indicam diretamente o gnero como objeto de ensino, como no caso brasileiro, funcionam dentro de um referencial que convoca o conceito. No entanto, visvel o recurso a diferentes tipologias de texto/discurso/gneros na base de cada proposta, assim como uma especial ateno dedicada aos textos literrios, apesar do apelo diversidade textual. Bunzen (2004: 19), comentando trs diferentes abordagens do conceito de gnero e de sua didatizao a da Escola de Sidney, a de Genebra e a da Nova Retrica , questiona a validade da opinio segundo a qual o ensino de gneros seria apenas um modismo. O autor argumenta que, nos trs enfoques, o conceito de gnero sempre utilizado para desestabilizar prticas de ensino vistas como problemticas ou tradicionais, funcionando como uma fora centrfuga (Bakhtin, 1934-35/1975), que vai procurar trazer para escola (lugar do uno da fora centrpeta) no mais o homogneo, mas o plurilingsmo, ou seja, o heterogneo. Mas, se no se trata de um modismo, se se trata de desestabilizar prticas didticas cristalizadas, porque talvez estas j no mais sirvam s demandas sociais colocadas para a escola na atualidade. O que mudou? Gnero de discurso: um conceito h sculos na escola Pensar as mudanas curriculares como determinadas por mudanas sociais mais amplas implica um tratamento transdisciplinar que dialoga com um primeiro saber de referncia, que a histria da escola e, em especial, a histria das disciplinas escolares. No caso da disciplina8 de Lngua Portuguesa no Brasil, esta introduzida oficialmente nos primeiros currculos oficiais para o ensino secundrio9 somente em 1838, de maneira bastante tmida,6 7 8

Na perspectiva da teoria tradicional de currculo, diria Silva (1999). Trazendo elementos das teorias crticas e ps-crticas de currculo (Silva, 1999). A palavra disciplina no sentido de seleo e organizao dos contedos de um currculo escolar, tal como a utilizamos hoje, recente. Segundo Campomori (2004: s/p), na Frana, por exemplo, s registrada aps a 1 Guerra Mundial, guardando sua idia de origem: disciplinar, ordenar, controlar. Para o autor, a disciplina escolar seria resultado da passagem dos saberes da sociedade por um filtro especfico, a tal ponto que, aps algum tempo, ela pode no mais guardar relao com o saber de origem. Para Chervel (1988: 60), a disciplina o preo que a sociedade paga cultura para pass-la de uma gerao outra. Regulamento do Colgio Pedro II de 1838 (Razzini, 2000: 38).

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convivendo com a formao clssica do trivium10 gramtica, retrica e lgica ou filosofia de maneira quase instrumental. Isto , indiciando um ainda tmido movimento de formao nacional, o Portugus introduzido como disciplina dos anos iniciais do currculo do Colgio Pedro II, com o intuito de preparar de maneira mais fcil, pois em lngua nacional o estudo do trivium que se exercia em Latim. No campo da histria da disciplinarizao11 da Lngua Portuguesa, Soares (2002) e Razzini (2000) so referncias indispensveis. Soares (2002: 157) mostra que, at o sculo XVIII, o portugus no era a lngua dominante em relao s outras duas a chamada lngua geral12 e o latim que com ele conviviam no Brasil Colnia. A autora informa ainda que apenas quase no final do Imprio que as disciplinas retrica, potica e gramtica fundiramse numa s disciplina que ento passou a se denominar Portugus. Razzini (2000) demonstra o quanto essa fuso foi paulatina13, tomando todo o perodo que vai de 1838 a 1890.At 1869, o ensino de Portugus era insignificante no currculo da escola secundria, onde predominavam as disciplinas clssicas, sobretudo o Latim. Depois de 1869, quando o exame de Portugus foi includo entre os Preparatrios de muitos cursos superiores (faculdades de Direito, faculdades de Medicina, Escola Politcnica, Escola de Minas, etc.), no Colgio Pedro II houve a ascenso desta disciplina, cujo desenvolvimento, ainda que sujeito a variaes, foi sempre crescente. [] O ensino da lngua e da literatura portuguesa sempre se pautou pelo ensino das lnguas clssicas, sobretudo do latim. A gramtica nacional era estudada a partir das categorias gramaticais da lngua latina e explicada como sua transformao, enquanto a literatura10

As sete Artes Liberais eram, nas universidades da Idade Mdia, a preparao indispensvel para o estudo superior da Filosofia e da Teologia. Essas sete disciplinas eram, de fato, divididas em dois grupos. O trivium reunia as disciplinas que se ocupavam do discurso, da palavra e o quadrivium as dedicadas ao estudo da natureza, representadas pelos nmeros. Portanto, o quadrivium e o trivium, juntos, que constituam caminhos para a sabedoria (situada, segundo Hugo de So Vitor, para l da Teologia, no fim da escalada intelectual). Collinot et al. (1999: 3) concebem disciplina como um conjunto de discursos em constante transformao, na medida em que se atualizam os domnios do conhecimento. Fazendo referncia a Michel Foucault (1971: 31-38), explicam que esse autor apresenta disciplina como um dos princpios da delimitao, do corte dos discursos admitidos como verdades, em um campo determinado de conhecimento. Esses discursos admitidos como verdades so validados em um dado momento e constituem os sistemas de formulao e reformulao de regras, de definies, de instrumentos, de mtodos, de objetos, em relao com as aquisies e os avanos dos saberes em construo (apud Barros Mendes, 2005). A lngua geral compreendia as vrias lnguas indgenas faladas no territrio brasileiro, provenientes, em sua maioria, de um mesmo tronco, o tupi, o que tornou possvel que se condensassem em um lngua comum, sistematizada pelos jesutas, sobretudo pelo Padre Jos de Anchieta, na Arte da Gramtica da Lngua mais usada na costa do Brasil. De fato, essa era a lngua que prevalecia no convvio social cotidiano entre indgenas e portugueses; entre indgenas, falantes de diferentes lnguas, entre si; entre religiosos e indgenas, na evangelizao e na catequese. Era por meio da lngua geral que os bandeirantes se comunicavam, nomeavam plantas e animais, povoaes, acidentes geogrficos, alm de ser a primeira lngua que os filhos dos colonizadores e dos indgenas aprendiam (Pessanha, Daniel & Menegazzo, 2003: s/p). Segundo Razzini (2000: 56), pelo Decreto 4.430, de 30 de outubro de 1869 (que passou a vigorar em 1870), o exame de Portugus foi includo nos exames de ingresso nas faculdades, os chamados Exames Preparatrios.

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nacional era apresentada segundo os critrios fixos da retrica e da potica clssicas, dividida por gneros. A leitura literria, base do ensino de latim e grego e base do ensino de retrica e potica, tambm se transformou na base do ensino da lngua e da literatura nacional, erigindo os "clssicos nacionais". Inicialmente, as aulas de Portugus no Colgio Pedro II, restritas ao primeiro ano do curso secundrio, dedicavam-se apenas ao estudo da gramtica. Aos poucos, elas foram absorvendo prticas pedaggicas e contedos das aulas de retrica. Primeiro vieram a leitura literria e a recitao (1855), para auxiliar o ensino da lngua que, no entanto, continuava a no ultrapassar o primeiro ano. Depois da ascenso do Portugus nos Exames Preparatrios (responsvel pela ampliao de carga horria), entraram no currculo de Portugus a redao e a composio (1870) e, depois da queda da Retrica e Potica, ainda veio a gramtica histrica (1890) (Razzini, 2000: 238-239, nfase adicionada).

Este trecho das concluses de Razzini (2000) a respeito de como ocorreu a implantao da cultura brasileira na escola secundria leva-nos a constatar, pelo menos trs fatos relevantes. Em primeiro lugar, o estudo da gramtica, na Europa Medieval ou na escola brasileira, seja gramtica greco-latina, seja gramtica do portugus, sempre antecedeu, nos anos escolares, o uso da lngua, seja na potica, seja na retrica. Em segundo lugar, a potica (os gneros literrios) sempre teve peso majoritrio nos exerccios de uso da lngua que se davam no ensino. Como bem mostra Razzini acima, primeiro vieram a leitura literria e a recitao (1855), para auxiliar o ensino da lngua. A redao e a composio em outros gneros (retricos deliberativos ou demonstrativos dissertao e argumentao) vieram 20 anos depois. Finalmente, de qualquer maneira, os gneros aristotlicos do discurso potico ou retrico estavam desde sempre l. Portanto, estamos lidando com mudanas que se do no solo de pelo menos 150 anos de prticas escolares cristalizadas. Cumpre sempre lembrar, como tambm o fazem todos estes autores, que a escola de que estamos falando obviamente tem papel social muito diverso do atual: destina-se a uma elite da populao que pretende seguir estudos universitrios; tem, portanto, funo propedutica e carter no obrigatrio, destinando-se formao dessas elites para os Exames Preparatrios. Como bem lembra ainda Razzini (2000: 238),No Brasil, enquanto mais de 70% da populao permaneceu analfabeta (inclusive at a dcada de 1950), uma pequena elite se preparava s pressas no curso secundrio para enfrentar os Exames Preparatrios, os exames de ingresso para os poucos cursos superiores existentes. A no obrigatoriedade da concluso do curso secundrio (at 1931) e a falta de seriedade dos Preparatrios, suscetveis a fraudes e ao clientelismo, prejudicaram a formao dos alunos e restringiram o currculo da escola secundria s exigncias dos Exames Preparatrios.

Na primeira metade do sculo XX, at a dcada de 70, embora, claro, as prticas e contedos sofressem modificaes ao longo do tempo14, essas mudanas no so de fundo.14

Por exemplo, Razzini mostra que textos modernos (do sculo XIX) eram mostrados aos alunos antes dos clssicos, no currculo de 1881, por serem mais contemporneos do leitor escolar. Tambm se

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Note-se que, at 1971, os estudos secundrios humansticos na escola pblica, ainda restrita elite, denominam-se Clssico e incluem, alm do latim e de duas lnguas estrangeiras, a histria da(s) literatura(s), o estudo da gramtica, da composio e da lgica (filosofia)15. Como notamos, entretanto, seja nas prticas de estudo da lngua ou dos topoi e figuras de retrica, seja nas prticas de leitura dos clssicos de antologias e seletas, seja nas de composio/redao, os gneros (poticos, retricos), na tradio da potica e da retrica aristotlica, estavam desde sempre l. Resta saber com que tratamento e suportando que prticas didticas. A herana aristotlica: gneros dos discursos poticos e retricos Segundo os estudiosos da obra aristotlica, a Potica (334aC) antecede a Retrica (330aC), j que aparece citada no segundo texto. Na Potica, j no incio do Captulo 1, Aristteles enumera diversos gneros (epopia, poema trgico, poesia ditirmbica, comdia) e os trata como espcies de poesia, usando tambm, mais adiante, o termo gnero16. Ao longo do livro, trata especialmente da tragdia, da comdia e da epopia, partindo da idia de arte (potica, musical) como imitao verossmel e tratando, sucessivamente, dos meios ou materiais com que a obra se faz; dos objetos a serem imitados e das maneiras de imitar; da constituio formal dos gneros (por exemplo, partes da tragdia a boa ordem ou disposio do espetculo, o canto e a forma expressiva ou elocuo). No que tange forma expressiva ou elocuo, nos Captulos 19 a 21 da Potica, Aristteles chega a realizar uma verdadeira gramtica das formas da lngua, indo dos fonemas (ditos letras) frase e s metforas e neologismos, de maneira a tratar da formas lingsticas envolvidas na elocuo. Em termos bakhtinianos, poderamos dizer que a Potica aristotlica dispensa considervel ateno forma composicional e ao estilo (formas lingsticas) dos gneros que aborda. No deixa, entretanto, de fazer alguma referncia s condies de recepo da tragdia pelo espectador, quando, por exemplo, no Captulo 14, faz meno origem da compaixo e do temor. Coisa diferente ocorre na Retrica. Mais tardia em relao Potica e estabelecendo estreitas relaes com a Poltica, o que move Aristteles no texto da Retrica so as maneiras de participao tica e efetiva na vida da polis. preciso ser capaz de persuadir os que so contra, como nos silogismos, no de maneira que faamos as duas coisas, pois no convm convencer a ningum de coisas reprovveis, mas para que no passemos por alto como e para qu, de modo que, quando o outro seinicia, por esta poca, uma paulatina nacionalizao das antologias e compndios de leitura: a Antologia Nacional foi alm da recompilao e reelaborao de seletas anteriores: seu aparecimento marcou tambm a definio do corpus de textos da literatura da "fase contempornea" e a preferncia pela escolha de "assuntos" nacionais, "que entendessem com a nossa terra" (Razzini, 2000: 242).15

A permanncia da Antologia Nacional no currculo de portugus nas sries iniciais do curso secundrio, at a dcada de 1940, refora a longevidade deste modelo clssico e beletrista de ensino da lngua nacional, em que autores e textos eram considerados sobretudo "paladinos da linguagem".[] Desta maneira, nos primeiros cinqenta anos de sua existncia, a Antologia Nacional no s influenciou o "bem falar" e o "bem escrever" de muitas geraes de brasileiros, como tambm lhes forneceu a formao literria nacional (Razzini, 2000: 243). Cuando la tragdia y la comdia hubieran hecho su aparicin, los poetas que abarcaban uno de estos dos gneros (Potica, Captulo 4, 1449a, nfase adicionada)

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sirva injustamente das mesmas raze,s saibamos desfaz-las (Aristteles, Retrica, Captulo 1, Lv 1, 1354b, traduo nossa).

Definindo retrica como a faculdade de dicernir, em cada circunstncia, o admissvel crvel (Retrica, Captulo 2, Lv. 1, 1355b), para produzir argumentos eficazes, em seguida, Aristteles divide os argumentos da arte retrica (artsticos ou propriamente retricos) em trs classes: os que dizem respeito ao carter do falante, os que visam situar o ouvinte em certo estado de nimo e outros, por fim, que dizem respeito ao prprio discurso, pelo que este na realidade significa ou pelo que parece significar (Retrica, Captulo 2, Lv. 1, 1355b). E quando fala das relaes implicadas na segunda classe a dos argumentos que visam situar o ouvinte que o autor recorre ao conceito de gnero, enumerando os gneros retricos deliberativo, forense e demonstrativo:Necessariamente, o ouvinte o espectador ou juiz e, se juiz, o ou das coisas acontecidas ou das que ainda vo acontecer. [] De maneira que, necessariamente, resultam trs gneros de discursos retricos: deliberativo, forense e demonstrativo. (Aristteles, Retrica, Captulo 3, Lv.1, 1358a, traduo nossa)

Podemos ento dizer, em termos bakhtinianos, que, diferentemente da Potica, na Retrica, o Estagirita desenvolve seu tema a partir da situao de produo dos discursos (em especial, as relaes entre os interlocutores) e de seus temas e situa os gneros em suas esferas de produo/circulao: poltica, jurdica e cientfica ou escolar. Talvez justamente porque esteja apreciando as formas de ao discursiva ticas e eficazes na polis. Tambm visvel, nos dois primeiros livros da Retrica, que Aristteles desenvolve seu tema sempre pautado nas relaes efetivas entre interlocutores, em especial nas apreciaes de valor do locutor sobre a situao e o tema, na rplica ativa ou respondibilidade do discurso e do ouvinte e nos efeitos de sentido dos discursos. Assim que fala, no Livro Segundo, de prazer, justia/injustia, virtude, igualdade, serenidade, inteireza, paixes, ira, amor, dio, amizade/inimizade, vergonha, respeito, favor, indignao, inveja, fazendo os discursos circularem num ambiente de lngua viva que alimenta as paixes humanas. somente no Terceiro Livro que Aristteles vai refletir sobre a entonao e o estilo nos gneros retricos, dando, ento mais ateno s formas da elocuo. Entretanto, neste texto, dispensa mais ateno aos mecanismos de significar (metforas, imagens, analogias, o pattico e outras) do que propriamente s formas da lngua, como fez na Potica. Uma suposio provisria com que podemos trabalhar que as idias da Potica vo fornecer material aos construtos do Formalismo Russo, enquanto que as idias da Retrica aproximam-se mais da teorizao bakhtiniana. Entretanto, no pela via direta da apropriao das idias aristotlicas que os gneros poticos e retricos vo adentrar a escola. Como acontece nos processos de didatizao, que insisto, constroem objetos transdisciplinares complexos (Signorini, 1998) e refratam idias por meio de outros filtros (Campomori, 2004), tambm o trivium chega a escola pelo filtro pedaggico e gramatical, em primeiro lugar, de Quintiliano. Orador, escritor e professor de retrica, Quintiliano escreve, em 95dC, De Institutione Oratoria espcie de diretrizes curriculares e pedaggicas para a boa formao na infncia, adolescncia e idade adulta. No Primeiro Livro da De Institutione Oratoria, trata-se do bom uso da linguagem, em termos de tekn. Alm disso, um novo filtro didtico se interpe mesmo chegada de Quintiliano escola. A primeira e at recentemente nica traduo para o

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portugus das Institutione foi feita no sculo XVIII por Jernimo Soares Barbosa, que organiza a traduo em termos de um Manual Didtico.Este tradutor, que lecionava Retrica na Universidade de Coimbra, fez da obra de Quintiliano um manual de estudos para os estudantes de Letras Clssicas da poca, como declara no prlogo. Sendo assim, em sua traduo ele selecionou apenas as teorias que interessavam aos estudantes e que fariam sentido corrente cultural daquele sculo, o Iluminismo (Viveiros, 2002, s/p).

O filtro de Soares Barbosa encaminha definitivamente a didatizao da Potica e da Retrica aristotlicas para a pedagogizao e para a gramaticalizao das obras. Segundo Razzini (2000: 39),A gramtica geral, tambm conhecida como gramtica filosfica, parece ter orientado o ensino de lngua portuguesa durante quase todo o sculo XIX, comparando o vernculo com o latim. Em 1807, Jernimo Soares Barbosa publicou em Coimbra As Duas Lnguas ou Gramtica Filosfica da Lngua Portuguesa, comparada com a latina, para ambas se aprenderem ao mesmo tempo. (fig. 1) Na 2 edio, de 1830, o ttulo foi alterado para Gramtica Filosfica da Lngua Portuguesa, ou Princpios da Gramtica Geral aplicados nossa linguagem. (fig. 2). As denominaes gramtica geral e gramtica filosfica apareceram nos Programas de Ensino do Colgio Pedro II at 1879.

At aqui, refletimos brevemente sobre a questo de com que tratamento os gneros poticos e retricos estiveram presentes em nossas escolas, do sculo XIX at meados do XX. novamente Razzini (2000: 239) que nos ajuda a responder que prticas didticas se exerciam sobre estes gneros. A autora j nos auxiliou a detectar um maior espao concedido aos gneros poticos que aos retricos portanto, esfera literria em detrimento de outras desde os Programas do Colgio Pedro II de 1881: os seis livros indicados para leitura (a maioria compilada por professores portugueses) eram organizados por gneros e sub-gneros (de prosa e de poesia), pois acompanhavam a apresentao da leitura nas aulas de Retrica e Potica. Ao longo da quase centenria permanncia da Antologia Nacional em nossas salas de aula, esta tambm acabava por suportar prticas de estudo da gramtica, mais do que qualquer outra atividade. Segundo Razzini (2000: 241),A leitura da Antologia Nacional, porm, no era complemento do manual de histria literria, e sim ponto de partida para a leitura e recitao, o estudo do vocabulrio, o estudo da gramtica normativa, da gramtica histrica, dos exerccios ortogrficos, das anlises "lexicolgica" e "lgica", e da redao e composio, enfim, para a aquisio da norma culta vigente. A leitura literria nas aulas de portugus procurava, portanto, oferecer "bons modelos" literrios (vernculos e morais) para a "boa" aquisio da lngua, alm claro, de oferecer a seus leitores uma certa formao literria, mas sem prioriz-la17.

Ou seja, o texto de leitura j a tem um papel modelar seja para o estudo da lngua, seja para a redao/composio que os reproduzia. Trata-se do texto como pretexto (Geraldi, 1984) para outras atividades didticas e objetos de estudo. somente com a Lei 5.672, de 1971, que acompanha a necessria ampliao de acesso da17

Vale comentar que a situao no parece ter se modificado muito, em mais de meio sculo nas prticas de leitura e estudo dos textos, sobretudo literrios, das coletneas dos livros didticos presentes nas salas de aula de Ensino Fundamental hoje.

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populao escola, que se d a chamada virada pragmtica ou comunicativa no ensino de lngua materna, que passaremos a comentar. Dos gneros poticos e retricos ao texto e aos tipos de textos Segundo Clare (2002: s/p), a situao comea a se transformar ainda na dcada de 60, quando se firma o processo de democratizao de acesso da populao escola, em conseqncia de um novo modelo econmico. Trata-se de novas condies sociopolticas. Com a ditadura militar, a partir de 1964, passa-se a buscar o desenvolvimento do capitalismo, mediante expanso industrial. A proposta educacional, agora, passa a ser condizente com a expectativa de se atribuir escola o papel de fornecer recursos humanos que permitam ao Governo realizar a pretendida expanso industrial. Com a ampliao do acesso da populao escola pblica, muda o perfil no somente econmico, mas tambm cultural, tanto do alunado como do professorado. No mais uma escola pblica destinada apenas aos filhos das elites, mas as camadas populares passam a ter assento nas salas de aula. O novo perfil cultural do alunado acarreta heterogeneidade nos letramentos, nas variedades dialetais. Os esforos das escolas em adequar-se nova realidade tm impactos visveis na qualidade do ensino. Tambm o perfil scio-cultural, econmico e profissional dos docentes sofre alterao, com a ampliao das redes. A profisso de professor comea a desprestigiar-se, a perder autonomia, a deslocar-se nos espaos sociais: antes, uma profisso que conferia status s moas de classe mdia e alta; agora, a ascenso social para os que pertencem classe mais pobre da sociedade (Clare, 2002: s/p). Coerente com o avano miditico de uma poca de exploso da industrializao e da comunicao de massa no Terceiro Mundo, a Lei de Diretrizes e Bases 5692/71, estabelece a lngua portuguesa como instrumento de comunicao e expresso da cultura brasileira. A partir de ento, a disciplina Lngua Portuguesa passa a ser Comunicao e Expresso na 1 metade do 1 grau (1 4 srie, antigo primrio); Comunicao e Expresso em Lngua Portuguesa, na 2 metade (5 8 srie, antigo ginsio) e s guarda denominao condizente com as prticas e currculos cristalizados pela tradio Lngua Portuguesa e Literatura Brasileira no que passou a se denominar 2 grau (antigo colgio e atual ensino mdio)18. Diante da reconfigurao dos objetivos da disciplina e dos novos perfis de alunado e de professorado, diminui o beletrismo do ensino de portugus. Contitui-se um ensino mais precupado com a realidade prtica, que enfatiza sobretudo gneros que circulam na comunicao de massa e nas mdias. Segundo Clare (2002: s/p), um ensino utilitrio com a lngua voltada para a oralidade e, dessa forma, adequada nova clientela que assola as escolas. natural que novas teorias de referncia Teoria da Comunicao, Teoria da Recepo, Psicologia da Criatividade19 comecem a circular nos documentos oficiais e em18

Note-se que a ampliao de acesso da populao ao ensino mdio, ainda em processo, deu-se tambm muito mais lentamente que no ensino fundamental. Trabalhos como os de Paulino (2000) e Bunzen (2005), que analisam manuais didticos para ensino mdio entre os anos 70 e 90 em termos de conceitos e abordagens que os mesmos colocam em circulao, podem ser preciosos instrumentos de reflexo sobre esta fase da didatizao do texto na escola.

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materiais didticos. A lngua valorizada como instrumento de comunicao, ensinavam-se elementos de comunicao e funes da linguagem. Os materiais didticos tambm sofrem acentuadas mudanas. Agora, em lugar das obras de referncia como antologias, seletas e gramticas, cria-se um novo tipo de material didtico de apoio prtica docente que, propositalmente, interfere na autonomia do professorado. Batista (2001, 2003) mostra que este novo tipo de material, que conhecemos hoje como livro didtico, prope-se a estruturar e facilitar o trabalho de um professor de novo tipo, apresentando no somente os contedos, mas tambm as atividades didticas e organizando-se conforme a diviso do tempo escolar, em sries/volumes e meses ou bimestres/unidades, por exemplo. Os autores de livros didticos e os editores passam, portanto, a ser atores decisivos na didatizao dos objetos de ensino e, logo, na construo dos conceitos a serem ensinados. Quanto aos gneros, verifica-se uma fase de desaparecimento do conceito dos referenciais, propostas, programas e materiais, que passam a se pronunciar decisivamente em favor da presena do textos, e mais, de uma diversidade de textos, em especial das mdia de grande circulao, em sala de aula. Clare (2002; s/p) afirma que dava-se nfase, ento, apenas a textos jornalsticos e publicitrios, praticamente ignorando-se os literrios. Havia, ainda, destaque para textos no-verbais, charges e histrias em quadrinhos. Embora j no se fale em gneros possivelmente porque o que adentra a escola j no so principalmente os gneros poticos ou retricos, da esfera literria ou poltica/jurdica/escolar-acadmica20 , o que acontece efetivamente a ampliao progressiva de gneros de outras esferas (jornalstica, publicitria, miditicas, digital etc.) que comeam a adentrar as escolas; gneros escolarizados que passam a disputar espao com a potica e os textos literrios21. Aguiar (2002: s/p) faz uma caracterizao menos pessimista da situao dos gneros literrios ps anos 70 na escola brasileira:A lei 5692/71, que reforma o ensino bsico e secundrio, acentua a proposta do uso da literatura infantil no colgio. Alie-se ao fato a abertura da escola a todas as camadas da populao e tem-se um nmero agigantado de leitores em potencial. O quadro ideal para o avano da literatura de massa, largamente exercida no perodo anterior e agora estimulada ao extremo pelas conquistas tecnolgicas de edio e distribuio dos livros. No entanto, fatores externos contribuem para o aparecimento de novos textos. A aludida necessidade de crtica ao sistema vigente e a emergncia das vozes minoritrias (como a da mulher, do negro, das classes marginalizadas, da criana) do origem a obras novas, que redescobrem o Brasil urbano e rural no que ele tem de diferenas, trazendo luz traos culturais at ento pouco explorados.

Mas a autora chega uma concluso preocupante, com a qual a dcada de 90 e o incio do sculo 21 est tendo de se haver: o Pas passa, de certo modo, da oralidade para a sociedade de massa, sem apostar na expresso e na comunicao letradas para a maioria dos brasileiros. Por tudo o que vimos, a defesa da presena de uma diversidade de textos e a prioridade do20

No entanto, tanto a narrao como a dissertao a permanecem, como exerccios agora meramente escolares que servem composio, despidos das discusses afeitas seja potica, seja retrica. Gouveia (2004) mostra um movimento semelhante acontecendo nos referenciais curriculares portugueses de 2001, com reaes de retorno ao literrio tambm semelhantes.

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texto como unidade de ensino de lngua na sala de aula no nova nas propostas curriculares, programas de ensino e materiais didticos brasileiros. A obra fundadora de prticas didticas de Geraldi (1984) j apontava o texto (e no a ortografia, a gramtica, a sentena, ou as figuras) como a principal unidade de trabalho do professor de Portugus em sala de aula. Alertava tambm que o texto no deveria servir de pretexto ou apenas suporte para estas outras prticas de ensino mais consolidadas, mas que deveria penetrar na sala de aula como objeto de prticas de leitura e de produo22. Reflexes como estas e outras, de outros autores, contriburam muito para as mudanas nos programas e currculos de lngua, nas dcadas de 70 a 90, que, de centrados nos contedos (gramaticais), passam a se caracterizar como centrados em procedimentos (eixos procedimentais de leitura e de produo de textos). No entanto, as prticas didticas consolidadas apresentam sempre resistncias e o uso do texto como pretexto tem continuidade e vem a ser suplementado pela gramaticalizao do texto ele prprio, por meio do acesso dos professores a teorias cognitivas de leitura e de produo e a teorias da lingstica textual da dcada de 80. Nas prticas de leitura e produo, assim como nos materiais didticos que circulam em sala de aula, o texto entra menos como produtor de sentidos e mais como suporte de anlises gramaticais, agora tambm textuais, como se o mero conhecimento de estruturas e tipos textuais, regras e normas pudesse fazer circular o dilogo e os sentidos. Vale ainda lembrar que, no caso da discusso sobre os resultados do ensino de lngua materna no Brasil, no so nada novos tambm os desafios que essas mudanas conjunturais scio-polticas acarretaram: desafios para a superao do analfabetismo funcional da grande maioria da populao e, mais recentemente, desafios para o incremento dos letramentos tambm da maioria da populao leitora. Exames e avaliaes nacionais aplicados populao de escolaridade relativamente longa (3 ano do Ensino Mdio) demonstraram que mesmo boa parte do Brasil leitor, na situao de exame, demonstra dominar apenas as capacidades escolares mais bsicas do trato da significao dos textos (localizao e reteno de informaes explcitas, inferncia global do tema de textos pequenos, inferncias locais, estabelecimento de relao entre tpicos do texto e conhecimento amplo de mundo). As capacidades aprendidas tm muito a ver com o que a pesquisa tem demonstrado serem as prticas cristalizadas de leitura e escrita na escola23, no seu carter restrito e empobrecedor. Alm disso, as mudanas de conjuntura scio-poltica do final do sculo passado, por causa das novas tecnologias da informao e da comunicao e do processo de globalizao, deram-se de maneira muito mais rpida. Em apenas um quarto de sculo 1970-1995), mudam novamente as necessidades educacionais. Nas dcadas de 60 e 70, considerando o nvel de desenvolvimento da industrializao na Amrica Latina, a poltica educacional vigente priorizou a formao de profissionais capazes de dominar a utilizao de maquinarias ou de dirigir processos de produo. Esta tendncia levou o Brasil, na dcada de 70, a propor a profissionalizao compulsria, estratgia que visava inclusive diminuir a presso da demanda sobre o ensino superior. Na dcada de 90, enfrentamos um desafio22

No Brasil, foi tambm importante o papel de Geraldi no questionamento e reviso das prticas de reproduo de textos modelares na redao/composio, em favor de prticas de efetiva produo de textos situados. Ver, a respeito, Rojo (2001b).

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de outra ordem. O volume de informaes, produzido em decorrncia da globalizao e das novas tecnologias, constantemente superado, colocando novos parmetros para a formao dos cidados. No se trata de acumular conhecimentos. A formao do aluno deve ter como alvo principal a aquisio de conhecimentos bsicos, a preparao cientfica e a capacidade para utilizar as diferentes tecnologias relativas s reas de atuao. Moita Lopes & Rojo (2004: 43-46) afirmam queSe, no passado, a educao lingstica poderia ter sido considerada secundria em termos de sua relevncia para as nossas vidas, isso certamente no o caso dos dias de hoje. Como dar conta, na educao escolar, dos mltiplos letramentos, necessrios para compreender e atuar nos contextos de mudanas radicais com que nos deparamos no diaa-dia, uma questo continuamente tematizada, internacionalmente, nos fruns educacionais e na literatura especializada recente. A compreenso de que vivemos em um mundo multisemitico (para alm da letra, ou seja, um mundo de cores, sons, imagens e design que constroem significados em textos orais / escritos e hipertextos) e de que necessrio entender tal mundo, para que seja possvel fazer escolhas entre os discursos que se apresentam, tem transformado a educao lingstica em pea fundamental para enfrentar os desafios da contemporaneidade na construo da cidadania.[...] preciso, ento, trazer a linguagem para o centro de ateno na vida escolar, tendo em vista o papel do discurso nas sociedades densamente semiotizadas em que vivemos. So muitos os discursos que nos chegam e so muitas as necessidades de lidar com eles no mundo do trabalho e fora do trabalho, no s para o desempenho profissional, como tambm para saber fazer escolhas ticas entre discursos em competio e saber lidar com as incertezas e diferenas caractersticas de nossas sociedades atuais. Ensinar a usar e a entender como a linguagem funciona no mundo atual tarefa crucial da escola na construo da cidadania, a menos que queiramos deixar grande parte da populao no mundo do face-aface, excluda das benesses do mundo contemporneo das comunicaes rpidas, da tecno-informao e da possibilidade de se expor e fazer escolhas entre discursos contrastantes sobre a vida social.

Assim, trata-se de dar conta das demandas da vida, da cidadania e do trabalho numa sociedade globalizada e de alta circulao de comunicao e informao, sem perda da tica plural e democrtica, por meio do fortalecimento das identidades e da tolerncia s diferenas24. Para tal, so requeridas uma viso situada de lngua em uso, linguagem e texto e prticas didticas plurais e multimodais, que as diferentes teorias de texto e de gneros favorecem e possibilitam. E nesta nova conjuntura do final dos anos 90 que a noo de gnero discursivo/textual (re)convocada25, notadamente pelos PCN (1998)26, para desestabilizar prticas de ensino vistas como problemticas ou tradicionais, como afirma Bunzen (2004: 19). Quais prticas problemticas? A do tratamento do sentido como significado literal e unvoco, a do trato autoritrio e no dialgico do texto como voz de autoridade a ser reconhecida e assimilada (repetida); a do tratamento do texto unicamente como normativo, regrado, formatado, modelar, unidade gramatical.24 25

Currculos ps-crticos, para Silva (1999). Para uma viso interna pesquisa acadmica deste processo de convocao do conceito, cf. Rojo (2001a). Como vimos antes, no somente pelos novos referenciais brasileiros, mas num movimento mundial.

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E por que esta noo e no outra? Em primeiro lugar, porque, como nota Marcuschi (2002: 23), diferentemente dos tipos de texto, os gneros de discurso/texto no so construtos tericos definidos por propriedades lingsticas intrnsecas, mas realizaes lingsticas concretas definidas por propriedades scio-comunicativas. Portanto, diferentemente da noo de tipo, a de gnero, em princpio, favorece um tratamento mais flexvel da forma e do estilo e o dilogo entre linguagens e vozes na construo dos sentidos situados ou contextualizados. mais resistente, em princpio, gramaticalizao. Gneros de discurso/texto como objeto de ensino de lnguas: mais um retorno ao trivium ou salto qualitativo? Bhatia (1997: 649) alerta para o fato de que a anlise aplicada de gneros, ao contrrio de muitas outras estruturas analticas, no esttica nem prescritiva. Potencialmente, dinmica e criativa. Entretanto, j em 1993, preocupava-se com o fato de que uma das limitaes do enfoque, ao que parecia, era encorajar tanto uma como outra abordagem aplicada (prescritiva e criativa). Qual conceito de gnero de discurso/texto foi ento convocado didatizao27? Os PCN (1998)28, embora no indiquem fontes dos conceitos didatizados, revozeiam tanto as teorias textuais, como a obra bakhtiniana e a abordagem didtica dos gneros textuais da Equipe de Didtica de Lnguas da Universidade de Genebra (Schneuwly & Dolz), afiliada ao interacionismo scio-discursivo, dentre outras vertentes menos relevantes para nosso tpico. Veja-se, a ttulo de exemplo rpido, os trechos abaixo:Os textos organizam-se sempre dentro de certas restries de natureza temtica, composicional e estilstica, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gnero. Desse modo, a noo de gnero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino. (PCN, p. 23) Todos estes trs elementos o contedo temtico, o estilo e a construo composicional esto indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e so igualmente determinados pela especificidade de um(a) determinado(a) esfera/campo da comunicao. Evidentemente, cada enunciado particular individual, mas cada esfera/campo de utilizao da lngua elabora seus tipos relativamente estveis de enunciados, sendo isso que denominamos gneros do discurso. (Bakhtin, 1952-53/1979: 262) As prticas de linguagem implicam dimenses, por vezes, sociais, cognitivas e lingsticas do funcionamento da linguagem numa situao de comunicao particular. Para analis-las, as

Ao tomar a lngua materna como objeto de ensino, a dimenso de como os sujeitos aprendem e de como os sujeitos desenvolvem sua competncia discursiva no pode ser perdida. O ensino de Lngua27

Para uma reviso das mltiplas teorias de gneros de discurso/texto e seu cotejo, ver Vian Jr. (1997, 2001). Para um cotejo das propostas didticas de 3 escolas de estudo dos gneros (Sidney, Genebra e Nova Retrica), ver Bunzen (2004). Para um cotejo de trs abordagens do conceito (Bakhtin, Bronckart/Adam, Marcuschi) e seus efeitos aplicados, ver Rojo (2005). A pesquisa de Gomes-Santos (2004) indica uma complexa rede de relaes entre a proposta dos PCN (1998) de se tomarem os gneros de discurso/texto como objeto de ensino e a produo acadmica sobre os gneros de texto/discurso, interpretativa ou descritiva. A meu ver, com uma cabea de vantagem para a proposta dos PCN, que acarretou um incremento dos estudos acadmicos a respeito.

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Portuguesa deve se dar num espao em que as prticas de uso da linguagem sejam compreendidas em sua dimenso histrica e em que as necessidades de anlise e de sistematizao terica dos conhecimentos lingsticos decorra dessas mesmas prticas. (PCN, p. 34)

interpretaes feitas pelos agentes da situao so essenciais. Estas interpretaes dependem da identidade social dos atores e das representaes que eles tm dos usos possveis da linguagem e das funes que eles privilegiam de acordo com sua trajetria. Neste sentido, as prticas sociais so o lugar de manifestaes do individual e do social na linguagem (Bautier, 1995: p. 203). (Schneuwly & Dolz, 1997: 72-73)

Figueiredo (2005)29 tambm aponta o eco das vozes bakhtinianas e didticas na trama dos PCN. Segundo a autora,As vozes que se fazem mais presentes embora no exclusivamente so as do Grupo de Didtica de Francs Lngua Materna da Universidade de Genebra (notadamente, os textos de Dolz & Schneuwly), o que nos permite inscrever as abordagens da noo de gnero nos PCN dentro de uma tendncia textual. Em concordncia com tal tratamento da noo de gneros, em relao ao trabalho didtico com textos, percebe-se tambm a reverberao de abordagens bastante influenciadas pelas teorias cognitivas e textuais da linguagem, desde a dcada de 1980 j bastante presentes nas propostas curriculares de vrios estados do pas, as quais, em parte, foram tomadas como base para a elaborao dos PCN. A diferena destas propostas em relao quelas presentes no documento analisado que, nele, aparece com mais nfase uma preocupao em se considerar as condies scio-discursivas de produo dos textos, provavelmente fruto no s das novas abordagens das diferentes linhas da Lingstica, mas principalmente fruto da prpria incorporao da noo de gnero como objeto privilegiado de ensino-aprendizagem (Figueiredo, 2005: 195-196).

No entanto, a autora aponta tambm quePode-se perceber nos PCN a influncia de Bakhtin pela considerao da historicidade da lngua e pela questo do plurilingismo, ambos temas bastante importantes para o desenvolvimento de uma educao cidad. Mesmo que de forma talvez pouco enftica, h tambm, em alguns trechos desses Parmetros, sugestes de uma abordagem no s enunciativo-discursiva (ou seja, em que se considere a influncia de aspectos ligados ao contexto imediato da enunciao), mas tambm scio-histrica dos gneros que, como vimos, favorecem uma leitura mais crtica de textos (Figueiredo, 2005: 196).

Ao se apropriarem do conceito de gnero de discurso do Crculo de Bakhtin para efeitos de didatizao, os PCN realizam, portanto, tanto uma operao de desarticulao do conceito de seu espao de sentido original, como uma re-articulao do conceito com outros j presentes nesta esfera de comunicao escolar (documentos educacionais oficiais, teorias29

A autora realiza, nos PCN de 3 e 4 Ciclos, uma anlise temtico-lexical da utilizao dos termos gnero, texto, discurso, entre outros, que a faz detectar, ao analisar a adjetivao da noo de gneros (textual/de texto, discursivo/do discurso), que o documento opta por um apagamento da mesma, provavelmente em funo de um certo objetivo conciliatrio entre diferentes correntes acadmicas objetivo esse conveniente ao carter poltico-legal do texto , bem como em funo de no envolver o professor em discusses que no lhe interessam. Disso, a autora conclui que essa opo de apagamento confirma o que Gomes-Santos (2004) conclui, e ns ento reiteramos, que os PCN tm, na realidade, trs diferentes interlocutores visados: o professor, a produo acadmica e a esfera poltico-legal

(Figueiredo, 2005: 197).

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de didtica de lngua materna), que do gnese a um novo conceito e no somente a um novo uso do conceito. Bakhtin e seu Crculo ocuparam-se da construo de uma nova viso de lngua e de linguagem, livre do subjetivismo da estilstica de seu tempo e da abstrao da lingustica estrutural e do formalismo russo. Uma viso concreta do enunciado tomado como unidade de sentido que viesse a substituir tanto a sentena (orao) como o estilo em sua concepo tradicional. O foco de Bakhtin ele mesmo, seu corpus e seu problema privilegiado, o romance polifnico (Dostoivski, Rabelais). So a teoria da enunciao e o romance polifnico como objetos de estudo que demandam do Crculo uma reviso do conceito de gnero literrio, que o estende para alm das fronteiras da arte verbal: para a vida e para a tica, para alm da esttica. O deslocamento sucessivo dos gneros literrios para os gneros lingsticos (Bakhtin/Volochinov, 1929: 43) e, finalmente, para aos gneros do discurso (Bakhtin, 1952-53), opera a extenso do conceito para todas as formas de discurso da vida e da atividade humana e recoloca-o, de forma scio-situada, no fluxo das mais variadas formas de relao social (esferas ou campos de atividade humana). Mas o foco de Bakhtin ele mesmo no deixa de ser, na esfera literria, o romance polifnico. Assim, pensar o funcionamento do conceito em outras esferas de atividade humana que no a da esttica verbal implica repens-lo por inteiro: coloc-lo em funcionamento em novas redes de prticas e instituies, como diria Signorini (1998). O prprio Bakhtin (193435/1975) caracteriza o romance, seu objeto de estudo, como um gnero pertencente a uma esfera mais flexvel, que permite uma assimilao e transmisso da palavra do outro de maneira mais plstica. Opondo os gneros da vida cotidiana, os gneros retricos e os gneros poticos literatura em prosa, o autor afirma que os primeiros podem permitir uma bivocalidade e, at mesmo, uma polmica, mas que o plurilingismo e a polifonia encontram seu melhor ambiente na prosa literria. Se nos deslocamos da esfera literria para a pedaggica, o que vamos encontrar? No af de caracterizar os diversos funcionamentos do dialogismo nas esferas da vida cotidiana e nas oficiais, como a escolar, a religiosa, a poltica, Bakhtin (1934-35/1975: 142) faz uma das poucas referncias educao lingstica de sua obra, afirmando que:O ensino das disciplinas verbais conhece duas modalidades escolares da transmisso que assimila o discurso de outrem (do texto, das regras, dos exemplos): de cor e com suas prprias palavras. [] Esta segunda modalidade de transmisso escolar da palavra de outrem com nossas prprias palavras inclui toda uma srie de variantes da transmisso que assimila a palavra de outrem em relao ao carter do texto assimilado e dos objetivos pedaggicos de sua compreenso e apreciao.

Com base nesta discusso das formas escolares de transmisso, assimilao e apreciao da palavra, o autor vai definir duas atitudes ideolgicas que operam na transmisso da palavra alheia: a palavra autoritria e aquela internamente persuasiva. Qualificando a palavra do pai, dos adultos, dos padres, dos professores como palavra autoritria, o discurso autoritrio fica caracterizado por exigir nosso reconhecimento incondicional e no uma compreenso e assimilao ativa e livre, em nossa prprias palavras, como no caso da palavra persuasiva. Segundo Bakhtin (1934-35/1975: 144), ela tambm no permite qualquer jogo com o contexto que a enquadra. Mas, quando comea o trabalho do pensamento independente experimental e seletivo, antes de tudo ocorre uma separao da palavra persuasiva da palavra autoritria imposta e da massa das palavras indiferentes 16

que no nos atingem. [] A concepo particular do ouvinte-leitor compreensivo constitutiva para ela (145-146). Assim, o deslocamento dos gneros cotidianos, retricos, poticos, literrios e outros para a circulao na esfera escolar (didatizao), vai colocar em confronto as formas do dialogismo prprias de cada gnero e de cada texto e as formas da recepo da palavra na escola. No universo da transmisso do conhecimento, isto , da autoridade da cincia oficial, natural que ganhem espao as formas de transmisso e assimilao autoritrias: centrpetas, no dizer de Bunzen (2004); prescritivas, no dizer de Bhatia (1997). No entanto, na poca atual, a escola est consciente de que no h legtima aprendizagem, ou pelo menos aprendizagem flexvel e criativa, necessria ao exerccio tico e plural da cidadania e ao trato tico dos discursos na sociedade global, a partir do tratamento dos textos como matria morta, repetvel, modelar, unvoca; sem a instaurao do discurso prprio por meio de palavras internamente persuasivas. Isto traz para a escola seu atual paradoxo: transmitir o conhecimento acumulado pela sociedade s novas geraes, mais deixando que ecoem diferentes vozes e linguagens sociais neste espao de circulao, permitindo a rplica ativa, sob pena de no educar para o nosso tempo. a esse paradoxo, talvez, que o dilogo com os estudos bakhtinianos vem atender, pois este paradoxo parece explicar a assuno do gnero do discurso (e no das formas, das normas, das regras, da gramtica e das tipologias) como objeto de ensino das lnguas e das linguagens. Se as tipologias e gramticas se apresentam de sada como formas autoritrias, modelares, prescritivas, centrpetas; os gneros so mais flexveis e aptos a uma abordagem persuasiva, s apreciaes de valor, abordagem criativa, centrfuga. J abordagem didtica dos gneros textuais da Equipe de Didtica de Lnguas da Universidade de Genebra, que, como no caso de nossos PCN, tambm os prope como objetos de ensino de lngua materna, mantm a ambigidade desta dupla via de abordagem dos textos na escola. Schneuwly (1994: 28), relacionando a metfora vygotskiana de signo como instrumento e a teoria de gneros bakhtiniana, tece a metfora do gnero como megainstrumento de comunicao (e de ensino):Poderamos aqui construir uma outra metfora: considerar o gnero como um megainstrumento, como uma configurao estabilizada de vrios subsistemas semiticos (sobretudo lingsticos, mas tambm paralingsticos), permitindo agir eficazmente numa classe bem definida de situaes de comunicao. (nfase adicionada)

A idia do gnero como um mega-instrumento, inclusive para o ensino-aprendizagem, isto , como o grande instrumento por meio do qual outros instrumentos lingsticos (recursos lexicais, fraseolgicos e gramaticais da lngua ou o estilo, em Bakhtin) entrariam em funcionamento ou seriam analisados, tem sido bastante produtiva e bem recebida no ensino de lnguas. No entanto, a abordagem didtica tambm aponta tanto para o gnero como modelo e referncia que se oferece a uma abordagem prescritiva , como para sua flexibilidade e plurissemia. No tratamento do gnero como mega-instrumento para o ensino Textual de lnguas e, ao mesmo tempo e por isso mesmo, como objeto privilegiado de ensino, Gramtica (Adam...) temos uma maneira interdisciplinar de reconstituir o objeto que, deOutras modo, reconstitui certo o trivium (continuidade, no dizer de Collares et al.): disciplinasEnunciao (Culioli...) convocadas pelos temas Gneros textuais como objetos de ensino

Histria, Sociologia (Bakhtin...)

Psicologia (Leontiev, Vygotsky...)

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Em artigo recente (Rojo, 2005), comparando a perspectiva bakhtiniana sobre os gneros de discurso e a da Escola de Genebra sobre os gneros textuais, perguntamo-nos que tipos de resultados aplicados sobretudo em educao e didtica de lnguas para a melhoria das prticas didticas teremos a partir da adoo de cada uma das perspectivas. Tentando responder a esta questo, emitimos a seguinte apreciao de valor:Uma aproximao dos gneros textuais como a que discutimos acima [Bronckart, 1997; Adam, 1999; Marcuschi, 2002], que, como vimos, enfatiza uma abordagem das formas do texto textuais/de composio; lingsticas/de estilo e uma abordagem paralela do contexto em termos pragmticos (inteno do autor, efeitos do texto etc.) ou funcionais (finalidades), do ponto de vista dos professores em sala de aula, no se diferencia muito das teorias anteriormente assimiladas, a no ser pelo fato de criar mais uma categoria entre o texto e o tipo: o gnero. E, claro, embora leve a uma diversidade maior de textos em sala de aula, no leva transformao das prticas na direo de uma leitura crtica. Essas experincias, tanto na formao de professores como na anlise das interaes em sala de aula, orientaram-nos, portanto, na direo de um enfoque bakhtiniano dos gneros discursivos [Bakhtin, 1952-53; 1934-35]. Nossos professores de lngua seja por formao profissional, seja por falta de formao30 so muito atrados pela descrio de lngua e pelo ensino de gramtica. Sempre fazemos sucesso na formao de professores quando discutimos as caractersticas formais e de estilo de um texto ou gnero, a partir de nossos instrumentos. Por outro lado, nossos alunos no precisam ser gramticos de texto e nem mesmo conhecer uma metalinguagem sofisticada. Ao contrrio, no Brasil, com seus acentuados problemas de iletrismo, a necessidade dos alunos de terem acesso letrado a textos (de opinio, literrios, cientficos, jornalsticos, informativos etc.) e poderem fazer uma leitura crtica e cidad desses textos.

Deixamos em suspenso, no incio deste texto, quando tratavamos das obras de Aristteles, uma suposio provisria de que a Potica se prestaria com mais facilidade como, alis, efetivamente se prestou, em suas sucessivas didatizaes a abordagens voltadas forma, aos materiais (lingsticos), ao estilo (no sentido clsico), gramtica e funo de texto modelar que a Retrica, que trata principalmente das maneiras ticas e polticas de agir no mundo. Neste sentido que cabe nossa pergunta do ttulo do artigo e do subttulo desta seo: ser a re-articulao do conceito de gneros do discurso/texto um novo retorno ao trivium? Um retorno do reprimido quando da virada pragmtica que destinou o campo didtico de ensino de lngua a uma abordagem no conteudsticas, mas procedimental? Um retorno que30

Seja, como tentamos demonstrar neste artigo, pelo impacto duradouro da histria e da tradio.

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permite, a um s tempo, o regresso da gramtica/potica, da retrica (figuras, tcnicas) e da lgica (estrutura dos argumentos, por exemplo)? Ou ser uma janela aberta ao retorno da Retrica na perspectiva propriamente aristotlica, que permite ao homem livre (cidado) participar, tica e politicamente, no mais da polis ou da gora, mas de uma sociedade global de alto fluxo de informao, julgando no mais fatos e homens, mas discursos e linguagens? O momento atual de re-articulao do conceito no campo didtico, pelas contribuies da didtica de lnguas e da lingstica aplicada, oscila entre esses plos: um resgate de uma esquecida pespectiva poltica aristotlica na educao para a coisa pblica ou um novo conceito re-articulado a servio de prticas escolares j conhecidas. No primeiro caso, estaremos, no dizer de Collares et al., lidando com uma reconstituio do objeto enquanto ruptura, que tece novas possibilidades de caminhos por onde a vida possa fluir. Quais possibilidades de caminhos? Se enfatizamos a formao geral do jovem como protagonista da coisa pblica, como leitor e produtor crtico, replicante, de discursos globalizantes, como multicultural em sua cultura e poliglota em sua lngua, temos de enfocar, de maneira transdisciplinar, os discursos em sociedade como prticas letradas em sua relao com as identidades dos jovens e com as culturas juvenis, numa abordagem curricular ps-crtica (Silva, 1999) e culturalmente sensvel. No cuidaremos mais, na composio do currculo, da seleo de objetos ou contedos a serem estudados, ainda que gneros textuais/discursivos, mas de que praticas sociais letradas e cidads podem ser favorecidas como quer Aristteles na Retrica por meio do uso e da compreenso de discursos situados:Anlises de discurso, enunciao

Sociologia, Histria

Discursos Letramentos (Gneros) Psicologias

Em qualquer caso, se for esse o estado da questo, critrios de validao da construo terica, no campo aplicado, s podero ser construdos a partir de uma apreciao de valor. Se partimos do suposto de que, no Brasil hoje, a urgncia educacional gira em torno dos letramentos da populao e da formao de leitores e produtores de discursos capazes de rplica ativa e de responsabilidade tica, a valorao que cabe j foi articulada pelo prprio Bakhtin (1934-35/1975: 146):Cada palavra implica uma concepo singular do ouvinte, seu fundo aperceptivo, um certo grau de responsabilidade e uma certa distncia. Tudo isso muito importante para se entender a vida histrica da palavra. Ignorar estes aspectos e nuanas conduz

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reificao da palavra, extino de seu dialogismo natural.

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ANEXO: Quadro 1: Princpios e objetivos gerais de diversos referenciais curriculares de lngua /linguagemPrincpios/Objetivos Referenciais Massachusetts English Language Arts Curriculum Framework

While encouraging respect for differences in home backgrounds, an effective English language arts curriculum nurtures students sense of their common ground as present or future American citizens in order to prepare them for responsible participation in our schools and in civic life.

An effective English language arts curriculum builds on the language, experiences, and interests that students bring June 2001 to school. http://www.doe.mass.edu/frame An effective English language arts curriculum draws on literature from many genres, time periods, and cultures, works/current.html featuring works that reflect our common literary heritage. 01/10/2004 An effective English language arts curriculum emphasizes writing as an essential way to develop, clarify, and communicate ideas in persuasive, expository, narrative, and expressive discourse.

An effective English language arts curriculum provides for literacy in all forms of media. The EnglishLanguage Arts Content Standards for California Public Schools, Kindergarten Through Grade 2001 http://www.cde.ca.gov/be/st/ss/i ndex.asp 01/10/2004

Students must read a broad variety of quality texts to develop proficiency in, and derive pleasure from, the act of reading. Students must also have experience in a broad range of writing applications, from the poetic to the technical. Reading and writing technical materials, moreover, are critical life skills. Participation in societyfilling out forms, voting, understanding the daily newspaper requires solid reading and writing competencies. Similarly, most jobs demand the abilities to read and write well. Collegiate and technical courses generally require a high level of proficiency in both abilities. () Through literature, moreover, students experience the unique history of the United States in an immediate way and encounter many cultures that exist both within and beyond this nations borders. Through reading and writing students may share perspectives on enduring questions, understand and learn how to impart essential information, and even obtain a glimpse of human motivation. Reading and writing offer incomparable experiences of shared conflict, wisdom, understanding, and beauty. In selecting both literary and informational texts for required reading and in giving writing assignments (as well as in helping students choose their own reading and writing experiences), local governing boards, schools, and teachers should take advantage of every opportunity to link that reading and writing to other core curricula, including history, social science, mathematics, and science. By understanding and creating literary and technical writing, students explore the interrelationships of their own existence with those of others.

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Princpios/Objetivos English learning area, students learn about the English language: how it works and how to use it effectively. They develop an understanding of the ways in which language operates as a social process and how to use language in a variety of forms and situations. They learn to speak, listen, view, read and write effectively. Students understand that language is influenced by both situation and sociocultural context; that language conventions vary between types of text, situations and purposes; and that language may be used or interpreted differently depending on the sociocultural background of the audience. They understand the effect of society, history and technology on language and communication and discuss the ways in which these affect language. Students adapt their own language and interpretive strategies to specific text types, purposes and situations. They appreciate diversity and interpret texts from a number of different perspectives. Students understand the cultural nature of the conventions by which meaning is made from oral, visual and written texts; that societies develop conventions that influence the way texts are produced and interpreted; and that conventions include attitudes, values, beliefs and world-views. They appreciate that conventions change over time and that, at any one time, there may be a range of different and sometimes conflicting conventions for producing and interpreting oral texts. Six skill areas are described as key skills because they help learners to improve their learning and performance in education, work and life. These key skills are embedded in the National Curriculum. [] The key skill of communication includes skills in speaking, listening, reading and writing. Skills in speaking and listening include the ability to speak effectively for different audiences; to listen, understand and respond appropriately to others; and to participate effectively in group discussion. Skills in reading and writing include the ability to read fluently a range of literary and non-fiction texts and to reflect critically on what is read; and the ability to write fluently for a range of purposes and audiences, including critical analysis of their own and others writing. Opportunities for developing this key skill are provided through English in particular and through pupils use of language across the curriculum. [] The key skill of information technology includes the ability to use a range of information sources and ICT tools to find, analyse, interpret, evaluate and present information for a range of purposes. Skills include the ability to make critical and informed judgements about when and how to use ICT for maximum benefit in accessing information, in solving problems or for expressive work. The ability to use ICT information sources includes enquiry and decision-making skills, as well as information-processing and creative thinking skills and the ability to review, modify and evaluate work with ICT. Opportunities for developing this key skill are provided explicitly through the subject of ICT and through pupils use of ICT across the curriculum.

Referenciais English learning area statement of Curriculum Framework Curriculum Council Western Australia of

http://www.curriculum.wa.edu.a u/pages/framework/framework1 2.htm 01/10/2004

National Curriculum for England 2002 http://www.nc.uk.net/nc_resour ces/html/language.shtml 01/10/2004

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Princpios/Objetivos Language is central to students intellectual, social, and emotional growth, and must be seen as a key element of the curriculum. Parents, students, and teachers need to understand that language is a crucial tool for learning in all areas. Whether they are studying literature or history, or learning science, students need fundamental language skills to understand information and express their ideas. Through language learning, students acquire skills that are essential in the workplace; for example, they learn to analyse ideas and information and to communicate them clearly, both orally and in writing. Through a study of literature, they come to understand other people and themselves and to appreciate the power of words and the many different uses of language. By examining media productions, they develop the ability to understand and interpret a range of media messages. When students learn to use language in the elementary grades, they do more than master the basic skills. They learn to express feelings and opinions, and, as they mature, to support their opinions with sound arguments and research. They become aware of the many purposes for which language is used and the diversity of forms it can take to appropriately serve these purposes and a variety of audiences. They learn to use the language and forms appropriate for different formal and informal situations for example, the formal language of debate, the figurative language of poetry, the technical language and formal structures used in report writing. In sum, they experience the expressive and communicative power of language and come to appreciate language as both a source of pleasure and an important medium for recording and communicating ideas and information. Le Chapitre 3 Il dveloppe lapproche retenue. Il se fonde sur une analyse de lusage de la langue en termes de stratgies utilises par les apprenants pour mettre en oeuvre des comptences gnrales et communicatives afin de mener bien les activits et les oprations que supposent la production et la rception de textes qui traitent de thmes donns, ce qui leur rend possible laccomplissement des tches auxquelles ils se trouvent confronts dans les situations qui surviennent dans les domaines varis de la vie sociale. Les termes souligns indiquent les paramtres de description de lutilisation de la langue et de la capacit de lutilisateur/apprenant utiliser la langue. Le progrs de lapprentissage des langues peut alors se mesurer en termes de niveaux de comptence en continu, dfinis par des descripteurs appropris. Cet outil devrait tre assez riche pour tenir compte de tout lventail des besoins de lapprenant et, en consquence, des objectifs viss par diffrents partenaires ou attendus des candidats une certification en langue. Le Chapitre 4 Il expose dans le dtail (mais de manire ni exhaustive ni dfinitive) les catgories ncessaires la description de lutilisation de la langue par lapprenant/utilisateur en fonction des paramtres identifis et qui couvrent tour tour les domaines et les situations qui constituent le contexte de lutilisation de la langue; les tches, buts et thmes de la communication ; les activits et les oprations de communication ; les textes ; les comptences et stratgies gnrales et communicatives de lutilisateur/apprenant.

Referenciais The Ontario Curriculum, Grades 1-8: Language Canad, 1997 http://www.edu.gov.on.ca/en g/document/curricul/curr97l. html#introduction 01/10/2004

Cadre europen commun de rfrence pour lapprentissage et lenseignement des langues Portfolio europen des langues, propositions dlaboration Conseil de lEurope, 1997 http://www.missionlaique.com/enseignants/pdf/f ranc33/cf33p04.pdf+param %C3%A8tres+curriculaires+ France&hl=pt-BR 01/10/2004

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Princpios/Objetivos Levar o aluno a utilizar a linguagem na escuta e produo de textos orais e na leitura e produo de textos escritos de modo a atender a mltiplas demandas sociais, responder a diferentes propsitos comunicativos e expressivos, e considerar as diferentes condies de produo do discurso. O ensino de Lngua Portuguesa deve se dar num espao em que as prticas de uso da linguagem sejam compreendidas em sua dimenso histrica e em que as necessidades de anlise e de sistematizao terica dos conhecimentos lingsticos decorra dessas mesmas prticas. Ainda que a unidade de trabalho seja o texto, necessrio que se possa dispor tanto de uma descrio dos elementos regulares e constitutivos do gnero, quanto das particularidades do texto selecionado. Os textos organizam-se sempre dentro de certas restries de natureza temtica, composicional e estilstica, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gnero. Desse modo, a noo de gnero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino. Nas inmeras situaes sociais de exerccio da cidadania que se colocam fora dos muros da escola a busca de servios, as tarefas profissionais, os encontros institucionalizados, a defesa de seus direitos e opinies os alunos sero avaliados (em outros termos, aceitos ou discriminados) medida que forem capazes de responder a diferentes exigncias de fala e de adequao s caractersticas prprias de diferentes gneros do oral [...] A aprendizagem de procedimentos apropriados de fala e escuta, em contextos pblicos, dificilmente ocorrer se a escola no tomar para si a tarefa de promov-la.

Referenciais Parmetros Curriculares Nacionais Lngua Portuguesa 3 e 4 Ciclos Brasil/SEF/MEC, 1998 http://www.mec.gov.br 01/10/2004

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