Disserta o Fernanda Lima de Melo

Embed Size (px)

DESCRIPTION

dissertação

Citation preview

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA

    Fernanda Lima de Melo

    A ECONOMIA COMPORTAMENTAL E O DEBATE SOCIOLGICO SOBRE

    A RACIONALIDADE

    Belo Horizonte

    2010

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA

    Fernanda Lima de Melo

    A ECONOMIA COMPORTAMENTAL E O DEBATE SOCIOLGICO SOBRE

    A RACIONALIDADE

    Dissertao apresentada ao Programa de

    Ps-graduao em Sociologia da

    Universidade Federal de Minas Gerais,

    como requisito parcial obteno do ttulo

    em Mestre em Sociologia.

    Orientador: Antnio Augusto Pereira Prates

    Belo Horizonte

    2010

  • Agradecimentos

    Sob pena de esquecer alguns, usarei as seguintes linhas para agradecer a pessoas

    que, com sua especial importncia, ajudaram a preencher de palavras e sentido a

    dissertao aqui apresentada.

    Ao Antnio Augusto Prates, professor e orientador, por todo seu empenho na

    conduo da orientao. Agradeo pela oportunidade de compartilhar de sua sabedoria e

    de aprender com suas criteriosas revises de texto.

    Agradeo ao professor Bruno Reis pela disponibilidade, incentivo e pelas

    sugestes que ajudaram, em muito, a traar o argumento geral dessa dissertao. A ele e

    tambm ao professor Silvio Salej, agradeo por aceitarem participar da banca de defesa

    de dissertao, dedicando seu tempo e ateno ao aperfeioamento desse trabalho.

    Pelo apoio, ensinamentos e generosidade que foram to importantes quando

    ingressei no Programa de Ps-graduao em Sociologia, agradeo aos professores Jorge

    Alexandre Neves, Danielle Cireno e Corinne Davis.

    Agradeo aos meus pais que sempre acreditaram e incentivaram meu progresso

    acadmico. Por serem meu porto seguro e por me ensinarem a importncia do

    conhecimento, obrigada.

    Ao Frederico agradeo no s pelo conforto emocional e pacincia na

    convivncia diria, mas pelas incontveis discusses tericas que resultaram em grandes

    avanos nessa dissertao.

    Aos amigos da salinha agradeo pela prazerosa oportunidade de desfrutar de

    dilogos desarmados entre saberes sociais. A eles tambm agradeo pela amizade

    sincera e pelos cafs entre os pargrafos.

    Finalmente agradeo Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel

    Superior (CAPES) pelo financiamento que foi indispensvel para a concluso desse

    trabalho.

  • Resumo

    A temtica da racionalidade humana ocupa as preocupaes de estudiosos desde

    os primeiros escritos dos filsofos gregos, mas foi na economia que ela ganhou um

    carter axiomtico mais preciso e bem definido. A racionalidade econmica influenciou

    e tem influenciado muitos trabalhos dentro da sociologia por fornecer um modelo

    simplificado para compreender as escolhas humanas.

    Em resposta a algumas anomalias encontradas em modelos econmicos de

    deciso, avanos recentes dentro de uma rea chamada economia comportamental tem

    proposto modelos de deciso mais complexos que incorporam efeitos psicolgicos da

    tomada de deciso. Tais modelos, apesar de se mostrarem mais realistas para explicar

    alguns vieses comuns nas decises humanas, costumam perder em tratabilidade

    matemtica quando comparados a modelos econmicos mais ortodoxos.

    Nesta dissertao busca-se analisar a fecundidade das proposies da economia

    comportamental para auxiliar em anlises sociolgicas baseadas no componente da

    racionalidade dos atores sociais. Identificam-se diversos pontos de aproximao entre

    conceitos sociolgicos e psicolgicos, mas conclui-se que a avaliao de que essa

    aproximao ser til ou no sociologia s poder ser avaliada na medida em que os

    conceitos da economia comportamental forem aplicados sistematicamente aos estudos

    dos fenmenos sociais.

    Palavras-chave: racionalidade, otimizao, sociologia, economia comportamental

  • Abstract

    Human rationality has been a topic of concern among students since the first

    Greek philosophical writings. However, the theme is treated by precise and well defined

    axiomatic only among modern economists. The idea of economic rationality also

    influenced many works in sociology by providing a simplified model for the

    comprehension of human choices.

    In response to many anomalies found in the economic decision models, recent

    advances are being obtained from the area called behavioral economics, which propose

    more complex decision models in order to incorporate psychological effects in decision

    making. Despite being more realistic in the explanation of many biases in decision

    making, such behavioral models are less mathematically treatable than economic

    decision models.

    This work seeks to explore the possible contributions of behavioral econometrics

    to sociological analyses that are based on the assumption of rationality in decision

    making. Theoretically speaking, there seems to be many touching points between

    sociological and psychological concepts, especially those from behavioral economics.

    However, a concrete dialog between the two fields will only be achieved when the

    concepts from each field will be systematically incorporated by the other.

    Key-words: rationality, optimization, sociology, behavioral economics

  • 1

    Sumrio

    Introduo _________________________________________________________ 2

    1. O modelo Econmico da Deciso______________________________________ 8

    1.1 Breve histrico da teoria da deciso _______________________________________ 11

    1.2 Pressupostos sobre as preferncias ________________________________________ 14

    1.3 Racionalidade Bayesiana e a funo Von Neumann-Morgenstern de utilidade____ 16 2. A teoria econmica da deciso e a Sociologia ___________________________ 21

    2.1 O problema do status cientfico dos modelos racionais econmicos _____________ 21

    2.2 O debate macro-micro e a sociologia da ao _______________________________ 25

    2.3 O conceito de racionalidade na Sociologia Clssica __________________________ 29

    2.4 O conceito de racionalidade na Sociologia Contempornea____________________ 36 2.4.1Teorias das trocas sociais______________________________________________________36 2.4.2 A Teoria da Escolha Racional _________________________________________________48 2.4.3 Organizaes e racionalidade __________________________________________________52

    2.5 A tradio neo-institucional______________________________________________ 60 2.5.1Meyer e Rowan _____________________________________________________________60 2.5.2 Cyert e March e a limitao da racionalidade nas organizaes________________________63

    3. A Economia Comportamental _______________________________________ 68

    3.1 Histrico da Economia Comportamental___________________________________ 71

    3.2 Conceitos bsicos ______________________________________________________ 74 3.2.1 Preferncias _______________________________________________________________74 3.2.2 Julgamento de probabilidade __________________________________________________77

    3.3 Tpicos bsicos ________________________________________________________ 79 3.3.1 Escolhas intertemporais ______________________________________________________79 3.3.2 Avaliao dependente da referncia e averso perda_______________________________86 3.3.3 Tomada de deciso sob risco e incerteza _________________________________________89 3.3.4 Teoria comportamental dos jogos_______________________________________________93 3.3.5 Justia e preferncias sociais __________________________________________________95

    Concluso: O que as Cincias Sociais tm a ganhar com a Economia

    Comportamental?___________________________________________________ 98

    Proposies da Economia Comportamental e seus possveis ganhos na Sociologia ____ 99 APNDICE ______________________________________________________ 106

    O comportamento do consumidor___________________________________________ 106 Referncias_______________________________________________________ 110

  • 2

    Introduo

    Uma das discusses centrais das cincias sociais contempornea aquela que envolve a

    oposio entre formas de explicao dos fenmenos sociais nos nveis macro e micro. A

    perspectiva macro-sociolgica prope que os fenmenos sociais possuem influncia causal de

    fatores histricos, estruturais ou globais. Tais fatores tm como propriedade a influncia ou at

    mesmo a determinao dos comportamentos dos indivduos e coletividades na formao de

    acontecimentos sociais e polticos. Considerando o determinismo das estruturas sobre as aes

    individuais, tal perspectiva no procura elaborar um quadro analtico que busque compreender

    os fundamentos ou motivaes dos indivduos em suas aes. A construo de tal quadro

    analtico, por outro lado, constitui o foco principal das teorias do tipo micro.

    A dicotomia entre as duas formas de abordagem dos fenmenos sociais, entretanto, no

    deve ser tomada rigorosamente. De acordo com Castro (1994:4), muitos autores, no estado atual

    do debate na sociologia, enfatizam a importncia de se levar em conta o contexto social como

    fator explicativo da variao dos objetivos dos atores. Nesse sentido, pode-se dizer que os dois

    enfoques em questo no so mutuamente excludentes, visto que os indivduos tanto agem

    segundo determinaes estruturais, como quer a perspectiva macro, como podem, ao agir,

    reproduzir ou provocar modificaes de tais estruturas, como quer a perspectiva micro.

    A partir das consideraes anteriores, faz-se mister a elaborao e o refinamento de

    quadros analticos tanto micro quanto macro. Nesse sentido, a teoria econmica da deciso,

    mais conhecida na sociologia como Teoria da Escolha Racional, como representante dessa

    tentativa de refinamento dos quadros analticos no mbito micro, possui grande impacto nas

    cincias sociais. O tema da racionalidade na sociologia, segundo a distino anterior, representa

    uma tentativa de utilizao dos princpios micro-sociolgicos como fundao para a

    compreenso dos fenmenos macro-sociolgicos. A articulao de modelos da Escolha

    Racional para explicar o comportamento individual, acoplada a elaborao de anlises a respeito

    de fatores macro-sociolgicos pode ser, portanto, uma tentativa de superao da dicotomia

    macro-micro atravs da utilizao de princpios sobre a ao individual como norteadores da

    compreenso de fenmenos sociolgicos de nvel agregado.

    A Teoria da Escolha Racional na sociologia baseada na teoria econmica da deciso e

    parte do pressuposto de que os indivduos so racionais e agem intencionalmente, no sentido de

    realizar seus interesses procurando maximizar seus ganhos. Conhecidas as alternativas de ao

    disposio dos atores, possvel prever que eles escolhero alternativas que lhes ofeream

    maior ganho com menor custo, dadas as preferncias que possuem.

  • 3

    A teoria econmica da deciso possui alguns pressupostos bsicos em relao ao

    comportamento dos indivduos. Assim como eles agem com base em objetivos, so

    tambm capazes de ordenar de forma hierrquica suas preferncias e realizar clculos

    racionais que se referem maximizao da utilidade a partir da escolha entre

    alternativas. Assim, segundo Elster (1994:38), a escolha racional instrumental:

    guiada pelo resultado da ao. As aes so avaliadas e escolhidas no por elas mesmas,

    mas como meios mais ou menos eficientes para um fim ulterior. As relaes de

    preferncia so tomadas como noes operacionais na teoria econmica clssica. Assim,

    supe-se que as escolhas so determinadas pelas preferncias. Isso porque so as

    escolhas que so diretamente observveis, no as preferncias. Da vem o conceito de

    preferncias reveladas, que implica que podemos conhecer as preferncias apenas

    indiretamente pela observao das alternativas escolhidas.

    Um esquema bsico e simplificado da estruturao das escolhas segue abaixo:

    Para que o modelo econmico possa prever as escolhas dos indivduos, preciso

    que eles apresentem preferncias estveis, sendo ento capazes de elaborar uma lista

    hierarquizada de resultados que gostariam de obter.

    A partir do clculo de utilidade esperada dos diversos cursos de ao1, o ator

    compara as alternativas e escolhe aquela que tenha a maior utilidade. Para que a funo

    utilidade possa se aplicar a uma dada situao, entretanto, necessrio que as

    preferncias sejam estveis, como dito anteriormente. A estabilidade das preferncias,

    1 O clculo da utilidade da escolha do ator pode ser descrito da seguinte forma: EU (A) = p(s) x u[C(S,A)], onde EU (A) a utilidade esperada de uma ao A, P(s) a probabilidade de ocorrer o estado do mundo s resultante da ao A, u a utilidade ou o ganho que se espera com o resultado da ao A, ou estado do mundo S, ou seja, u[C(S,A)] a utilidade esperada da conseqncia C resultante da combinao de A e S. Finalmente, o somatrio se refere ao fato de que o ator leva em conta duas ou mais possibilidades de resultados para a ao, assim, precisa somar a possibilidade das vrias conseqncias ou resultados oriundos de A.

    Preferncias ordenadas quanto a estados do mundo, ou resultados

    Informaes sobre as possibilidades de ao disponveis

    Estados do Mundo ou resultados das aes que o indivduo capaz de vislumbrar, j que sua

  • 4

    por sua vez, garantida atravs do preenchimento dos pressupostos ou axiomas de

    completude, fixidez, transitividade e invarincia que se aplicam estrutura de

    preferncias.

    A completude se refere ao fato de que novas possibilidades de preferncias no

    podem surgir aps a construo do modelo explicativo. A fixidez das preferncias tal

    que as possibilidades de preferncias so dadas, no mudam durante o processo de

    escolha. A transitividade se configura em uma estrutura onde, dadas as preferncias A,

    B e C, se A prefervel a B e B prefervel a C, C no pode ser prefervel a A. A

    invarincia revela que independentemente da maneira como se enuncia o problema da

    escolha, o indivduo escolher sempre a mesma opo se esta apresentar o melhor

    clculo de utilidade (Downs, 1999). Se esses axiomas so satisfeitos, torna-se possvel a

    construo de uma funo utilidade esperada que represente as preferncias de um

    indivduo.

    A racionalidade tema na sociologia desde as obras de Weber, mas foi preciso todo

    um desenvolvimento de teorias sobre a escolha racional dentro da Economia para que

    tal tema retornasse como uma preocupao dentro da sociologia. A racionalidade

    aplicada sociologia contm o elemento da otimizao que a diferencia de todas as

    outras abordagens em sociologia. O conceito de otimizao postula que, agindo

    racionalmente, o ator se engajar em algum tipo de otimizao, seja ela chamada de

    maximizao de utilidade ou reduo de custos, por exemplo.

    O tema da racionalidade na sociologia se diferencia, ainda, da aplicao econmica,

    pois seu principal objetivo no compreender como uma ao particular pode ser vista

    como tendo sentido ou sendo racional, mas mostrar como aes que so racionais ou

    tem sentido para os atores podem se combinar para produzir resultados sociais, e no

    apenas econmicos. Essa combinao de aes, por sua vez, pode produzir padres

    sociais algumas vezes sem a inteno dos atores, e outras vezes intencionalmente,

    algumas vezes produzindo um timo social e outras vezes no.

    Podemos dizer que o conceito de racionalidade na sociologia primariamente

    usado para compreender o jogo estratgico entre presses sociais representadas pelas

    normas e instituies e a ao racional do homem, que, por sua vez, possui influncia

    sobre as estruturas. A abordagem sociolgica se distingue ainda da abordagem

    econmica, pois ela leva em conta limitaes da ao racional que so dadas pela

    sociedade. O conceito de racionalidade na sociologia, portanto, surge para dar conta da

  • 5

    explicao de comportamentos que so racionais, mas no necessariamente fazem parte

    do domnio da atividade humana econmica.

    Nessa sociologia o debate macro-micro toma a cena e entendido em termos de

    trocas. As normas sociais se traduzem em regras ou contratos que regulam o movimento

    estratgico do jogo social em que os interesses racionais individuais se expressam. A

    vida social vista como um espao de disputa por bens raros e a sociedade,

    semelhana do mercado, vista como o produto da organizao de interesses em

    conflito. Uma vez que os indivduos em um sistema social no controlam todas as

    ferramentas para a satisfao de seus objetivos ou desejos, preciso que eles se engajem

    em trocas com outros atores. Coleman (1994) assinala ainda que as trocas sociais

    ocorrem em sistemas de trocas em que h competio por recursos que so escassos, de

    forma que esses mercados sociais podem lembrar mercados econmicos.

    Como aponta Sciberras (2008), a principal diferena entre o sistema social e o

    econmico e, por derivao, as preocupaes com relao ao racional sociolgica e

    econmica, que na primeira no h um meio objetivo, que representado na segunda

    pelo dinheiro que regula as trocas econmicas. As trocas sociais, portanto, no diferem

    substancialmente daquelas econmicas de modo que possvel inclusive compreender a

    economia como parte da sociologia que se ocupa das aes no mbito econmico.

    Evidncias recentes vindas de um campo de estudos conhecido como economia

    comportamental tm colocado dvidas sobre a aplicabilidade do modelo econmico, em

    sua forma padro, para a descrio de escolhas. A economia comportamental, nos

    ltimos 30 anos vem buscando o aprimoramento matemtico dos modelos econmicos,

    dando a eles maior fundamentao psicolgica.

    A economia comportamental representa um conjunto de teorias psicolgicas,

    que, ao contrrio do que possa parecer, no busca o abandono do modelo econmico

    padro inteiramente, mas o incremento do poder explicativo dos modelos econmicos,

    dando a eles bases psicolgicas mais realistas. Para a economia comportamental, a

    natureza restritiva de alguns pressupostos do modelo econmico clssico faz com que

    surjam tipos de comportamentos sobre os quais esse modelo no tem muito a dizer, as

    chamadas anomalias.

    No ncleo da economia comportamental est a convico de que o aumento do

    realismo nas anlises econmicas, atravs da utilizao de fundamentos psicolgicos,

    ir aperfeioar o campo da economia nos seus prprios termos, gerando melhores

  • 6

    conceitos, fazendo melhores predies dos fenmenos de campo, e sugerindo melhores

    polticas.

    Os desenvolvimentos tericos da economia comportamental so ainda bastante

    recentes e ainda no geraram grande impacto na sociologia. Nessa dissertao temos o

    objetivo final de avaliar se os achados da economia comportamental servem

    sociologia. Queremos analisar a fecundidade das proposies sobre a inconsistncia

    dinmica das preferncias para auxiliar em anlises sociolgicas que buscam, a partir de

    pressupostos sobre a racionalidade individual, explicar de fenmenos de nvel agregado.

    Isso porque, apesar dos modelos da economia comportamental fornecerem uma

    descrio mais acurada dos dados, eles so mais complexos, de modo que as predies

    no so to facilmente derivadas, como no modelo econmico. Alm disso, cabe

    verificar em que medida a apropriao, por parte da sociologia, dos ganhos realsticos

    propiciados pelos modelos da economia comportamental, pode levar a expectativas

    diferentes das que se tem atualmente quanto aos padres sociais produzidos pela

    agregao das aes racionais dos indivduos.

    Para atingir tal objetivo, essa dissertao estar dividida em trs captulos que

    pretendem mostrar desde a origem da teoria econmica sobre a deciso, passando por

    sua aplicao na sociologia e os debates que ela tem travado com a psicologia, at uma

    avaliao da proposta da economia comportamental para a sociologia. Diferente de uma

    viso cronolgica, os captulos buscam fornecer uma panormica geral de cada uma das

    temticas abordadas, buscando mobilizar os principais autores que tm influncia para a

    discusso do problema de pesquisa.

    No captulo 1, tratamos de apresentar uma viso geral da teoria da deciso

    econmica. Passamos por seu histrico de formao at a teoria da utilidade como

    conhecida hoje. So apresentados os principais axiomas e pressupostos que sustentam a

    teoria da utilidade esperada, bem como sua sistematizao em termos de funes

    matemticas.

    J o captulo 2 apresenta desenvolvimentos tericos na sociologia que fazem uso

    do conceito de racionalidade. Mostraremos como a racionalidade funciona como um

    conceito operativo na tentativa de superao da dicotomia macro-micro dentro da

    sociologia. Para isso, veremos como o componente da racionalidade das aes

    individuais pode ser analisado em uma perspectiva sociolgica que busca compreender

    processos sociais que vo alm do indivduo, mas que so, por sua vez, criados por eles.

  • 7

    Este captulo busca ainda apresentar alguns modelos sociolgicos que levaram

    em conta elementos psicolgicos no estudo da dinmica das aes humanas dentro das

    relaes sociais. Sero apresentadas teorias que, apontando para algumas limitaes no

    modelo econmico de racionalidade, representaram tentativas de refinamento de seus

    modelos para a ao racional atravs da busca por fundamentaes psicolgicas para a

    racionalidade.

    A economia comportamental tema central do captulo 3. Nessa parte

    apresentaremos do que tratam as teorias presentes nesta escola. Mostraremos como os

    modelos da economia comportamental representam uma tentativa de refinamento de

    modelos racionais para a ao humana e como eles diferem daqueles apresentados pela

    Economia.

    Finalmente, na concluso trataremos de avaliar como os modelos desenvolvidos

    pela economia comportamental podem ou no ser teis para a sociologia. Buscaremos

    mostrar se e de que forma a dinmica inconsistente das preferncias e os fenmenos

    psicolgicos que a suportam podem ser aplicados a anlises sociais voltadas para a

    agregao de comportamentos individuais.

  • 8

    1. O modelo Econmico da Deciso

    O individualismo metodolgico na economia caracterizado por admitir um

    modelo de ao racional que procura explicar a conduta econmica com base na

    instrumentalidade da ao. Nesta parte do texto propomos a discusso sobre as origens e

    pressupostos comportamentais da teoria econmica no que se refere ao utilitria

    humana baseada na satisfao dos desejos ou preferncias do ator.

    Podemos atribuir a origem da teoria moderna da deciso econmica juno da

    filosofia utilitarista e a teoria econmica. Morrow (1995) aponta o incio da utilizao

    da teoria da utilidade como filosofia em 1800 por Jeremy Bentham. Bentham, em seus

    estudos sobre o clculo comportamental baseado nos mecanismos de prazer e dor,

    influenciado pelas teorias matemticas de Pascal e Bernoulli, desenvolveu o chamado

    princpio da utilidade, que estava baseado na idia de que o auto-interesse est sujeito a

    leis empricas. Sua teoria utilitria, apesar de fornecer as bases para o entendimento

    moderno do comportamento racional, ao considerar o homem como um ser dotado de

    desejos e vontades, era matematicamente simples e pouco desenvolvida, o que no a

    fazia to til para o desenvolvimento de uma teoria rigorosa da deciso. O conceito de

    utilidade foi modificado na revoluo marginalista no final do sculo XIX e a partir da

    metade do sculo XX, Von Neumann e Morgenstern (1944) resgataram a teoria

    utilitria dando a ela um fundamento matemtico firme, como veremos mais adiante.

    Vrias outras verses rigorosas vm sendo produzidas aps tal obra seminal e a

    economia vem utilizando a teoria utilitria e a teoria dos jogos como ferramenta para a

    descrio do comportamento individual.

    Bentham usava o conceito de utilidade com um sentido hedonstico, significando

    que o prazer individual a nica finalidade da experincia humana. Esse conceito de

    utilidade que foi posteriormente modificado pelos economistas para ser aplicado ao

    conceito de utilidade decisria. Esse significado de utilidade se refere ao peso atribudo

    a um resultado em uma deciso e revelado pelas escolhas das pessoas. Esse conceito

    moderno de utilidade parece ter duas vantagens bvias em relao ao conceito de

    Bentham. Primeiro, porque ele mais fcil de se mensurar, desde que a utilidade

    decisria pode ser inferida das escolhas das pessoas e no atravs da mensurao do

    prazer e da dor. Segundo, porque tal conceito moderno no implica um

    comprometimento com a filosofia hedonista.

  • 9

    Esse novo homem econmico, de tipo racional, difere da verso benthamiana

    original, pois o componente motivador se desloca de um componente hednico para um

    componente de racionalidade, a partir do qual a ao passa a ser baseada na satisfao

    das preferncias do ator, sejam quais forem. A segunda verso enfatiza a racionalidade

    da escolha de modo que o auto-interesse entendido como escolha que se revela a partir

    da preferncia. A racionalidade do indivduo agora se faz presente na relao entre

    meios e fins, ou de modo mais claro, entre aes e satisfaes de desejos. A partir dessa

    definio, o auto-interesse no est mais necessariamente atrelado a consideraes

    egostas ou hedonistas, podendo um indivduo obter satisfao utilitria atravs do bem-

    estar de sua famlia, se esse resultado est entre suas principais preferncias.

    A teoria moderna da utilidade assume, como mencionado anteriormente, que o

    comportamento racional. O comportamento racional significa a escolha dos melhores

    meios para atingir um conjunto de fins predeterminados. O critrio para definio de

    racionalidade, segundo essa teoria, passa ento por uma avaliao da consistncia das

    escolhas e no do processo de pensamento, da implementao de objetivos ou da

    moralidade dos objetivos (Morrow, 1995). No mesmo caminho, Becker (1986)

    argumenta que a abordagem econmica no supe que a unidade de deciso

    necessariamente consciente de seus esforos para maximizar, que possa verbalizar as

    razes para a existncia de padres sistemticos em seu comportamento, nem que haja

    distines conceituais entre decises conforme seus objetos.

    Dessa forma, o comportamento racional deve ser entendido como orientado por

    objetivos, isto , os atores racionais procuram atingir resultados desejados e, para saber

    quais so os objetivos dos atores, preciso deduzi-los a partir da observao das aes.

    Como os economistas no tm muito a dizer sobre a formao de preferncias, assume-

    se que elas no mudam substancialmente ao longo do tempo (Becker, 1986), ainda, que

    elas so definidas previamente pelo analista, exgenas ao modelo. Na abordagem

    econmica preciso que as preferncias sejam estveis, seguindo um conjunto de

    requerimentos que veremos mais adiante, para que se possam derivar predies sobre o

    comportamento humano.

    Para Elster (1986), a teoria econmica da deciso, chamada por ele de Teoria da

    Escolha Racional , antes de qualquer coisa, uma teoria normativa em sua forma padro.

    Ela nos diz o que devemos fazer para atingirmos nossos objetivos da melhor forma

    possvel, entretanto, ela no nos diz o que nossos objetivos devem ser. Diferente da

  • 10

    teoria moral, a TER se importa muito mais com os meios do que com os fins. O autor

    ressalta ainda que para que uma escolha seja racional preciso tambm que o sujeito

    saiba no que acreditar com respeito aos fatos relevantes que realmente importam para a

    deciso, e assim deve haver tambm uma plausibilidade das crenas para que sejam

    realizadas as relaes certas a partir das evidncias disponveis.

    Uma vez que construda uma teoria normativa da escolha, ela utilizada para

    propsitos explicativos. Dessa forma, necessrio mostrar a maneira como a ao

    racional utilizou o caminho apropriado e realizou uma conexo apropriada entre

    desejos, crenas e evidncias. Uma explicao racional de uma parte do

    comportamento, ento, demonstra relaes entre o comportamento e seus desejos, que

    podem ser imputados a ele. Desejos e crenas so, portanto, razes para o

    comportamento. Em seu conjunto, as crenas e desejos devem ainda ser internamente

    consistentes, de forma que eles no vo de encontro uns aos outros.

    Como j mencionado anteriormente, a escolha racional primeiramente e

    principalmente normativa, dizendo o que se deve fazer para atingir os objetivos da

    melhor maneira possvel, mas no nos diz nada sobre quais devem ser nossos objetivos.

    Desta verso normativa possvel derivar uma teoria explanatria sobre as aes,

    assumindo que as pessoas so racionais em todos os seus comportamentos. Para

    explicar uma ao preciso verificar se ela otimiza a relao com os desejos e crenas

    do agente. Dadas as crenas do ator, a ao deve ser o melhor caminho para satisfazer

    seus desejos. Alm disso, demandado que esses desejos e crenas sejam eles mesmos

    internamente consistentes. Elster (1986) ressalta que, com respeito s crenas,

    importante que elas tambm estejam otimamente relacionadas com as evidncias

    disponveis para o agente. E como uma extenso dessa demanda, a coleta de evidncias

    deve tambm seguir os cnones da racionalidade. Para o autor ento, a ao racional

    envolve trs operaes otimizadas: encontrar a melhor ao para as dadas crenas e

    desejos; construir a crena melhor fundamentada para dada evidncia; e coletar a

    quantidade certa de evidncias para dados desejos e crenas anteriores.

    A abordagem econmica, mais do que outras abordagens, explcita na adoo

    dos princpios de maximizao de comportamento (comportamento esse que pode ser de

    firmas, pessoas, burocracias ou governos), alm da utilizao do conceito de mercados.

    Os mercados variam em graus de eficincia e so estveis, mostrando-se capazes de

    coordenar a ao de participantes de forma que seus comportamentos se tornem

  • 11

    consistentes mutuamente. Segundo Becker (1986), os instrumentos de mercado, que

    constrangem os desejos e coordenam as aes das pessoas, exercem as funes

    chamadas de estruturas nas teorias sociolgicas.

    Becker afirma que a combinao das proposies do comportamento

    maximizador, do equilbrio de mercado e da estabilidade das preferncias formam o

    corao da abordagem econmica. A partir delas, diversos teoremas podem ser

    associados a essa abordagem e no h a restrio quanto definio de recursos,

    podendo ser considerado como recurso escasso inclusive o prprio tempo.

    O autor alerta que a abordagem econmica no assume que todo participante de

    qualquer mercado necessariamente tenha informao completa ou se engaje em

    transaes sem custo. A informao incompleta e a transao com custo, no deve,

    entretanto, ser confundida como comportamento irracional ou voltil. Segundo Becker

    (1986), a abordagem econmica desenvolveu uma teoria da tima ou racional

    acumulao de informaes e distribuio dos custos. Alm disso, o comportamento

    humano no pode ser entendido como compartimentalizado, ao contrrio, ele deve

    entendido como envolvendo participantes que maximizaro pela escolha da alternativa

    que tem o maior retorno esperado, a partir de uma srie de preferncias estveis e de

    uma acumulao tima de informao e outros inputs em uma variedade de mercados

    (Becker, 1986).

    1.1 Breve histrico da teoria da deciso

    A preocupao com o tratamento objetivo das escolhas vem de longa data, desde

    a proposio da primeira teoria matemtica sobre probabilidade, no sculo XVII por

    Pascal (1623-1662) e Fermat (1601-1665). Com base nessa teoria, Pascal, mais tarde,

    desenvolveu a primeira teoria matemtica sobre escolha, baseada no princpio da

    expectncia matemtica. Ele procurou, com tal teoria, defender a f em Deus em

    termos pragmticos. Atribuindo uma probabilidade de 0 para a existncia de Deus e

    1- para a no existncia de Deus, o valor esperado (ou esperana matemtica) de levar

    uma vida pia seria maior do que o valor esperado para levar uma vida mundana,

    independente de qualquer que seja a probabilidade de Deus existir.

    Pascal argumentou que a deciso deve ser baseada na comparao entre valores

    esperados e o princpio que estabelece isso ficou conhecido como o princpio da

  • 12

    expectncia matemtica. Apesar de esse princpio no ser capaz de levar em conta

    possveis atitudes dos indivduos frente ao risco, ele foi o primeiro princpio matemtico

    que levou em conta decises em contexto de incerteza, contexto esse, tambm chamado

    de contexto de risco por muitos autores, caracterizado por uma situao em que o

    tomador de deciso no tem conhecimento exato dos resultados de sua ao,

    conhecendo apenas as probabilidades desses resultados.

    O princpio da expectncia matemtica, apesar de se mostrar til na descrio

    de algumas escolhas, apresentava alguns problemas de aplicabilidade a algumas

    situaes. Em 1738, Bernoulli apresentou o paradoxo de So Petesburgo2 para mostrar

    que o princpio da expectncia matemtica no obedecido invariavelmente e a

    soluo proposta pelo autor para esse paradoxo considerado o marco inicial da Teoria

    da Utilidade Esperada. Tal teoria, proposta por Bernoulli, entretanto, ainda no

    apresentava a fundamentao axiomtica conhecida contemporaneamente.

    Bernoulli (1738) postulou o que mais tarde ficou conhecido como a lei da

    utilidade marginal decrescente, que implica que medida que a riqueza aumenta,

    decresce a utilidade adicional devido ao aumento da riqueza. Em termos matemticos,

    esta lei diz que a utilidade, em funo do dinheiro ou da riqueza, uma funo cncava.

    O autor foi alm e sups que a utilidade igual ao logaritmo do resultado em termos

    monetrios. Com base nesses achados a subjetividade foi introduzida teoria da

    deciso, de modo que no era mais necessrio apenas multiplicar as probabilidades

    pelos resultados, como no princpio da expectncia matemtica, sendo possvel supor

    que os riscos estimados para cada indivduo so diferentes.

    A contribuio de Bernoulli, que pode ser considerado o primeiro autor a propor

    o princpio mais geral da maximizao da utilidade esperada, foi, entretanto, esquecida

    por um longo perodo de tempo at que Bentham, no sculo XVIII, redescobriu o

    conceito de utilidade, desenvolvendo sua filosofia utilitarista. Bentham, como j

    2 O paradoxo pode ser apresentado do seguinte modo: suponha que uma moeda jogada repetidamente at que a primeira cara aparea. O jogo paga 2n-1 reais se a primeira cara aparecer na ensima jogada. A pergunta que se coloca qual preo um indivduo pagaria para entrar nesse jogo. Se o indivduo se baseasse no princpio da expectncia matemtica, ele estaria disposto a pagar, no mximo, o valor da esperana matemtica, que nesse caso infinita, de modo que o indivduo estaria disposto a pagar qualquer preo para entrar nesse jogo. Essa soluo, entretanto, certamente diferente do que os indivduos fariam objetivamente. A soluo de Bernoulli para esse paradoxo leva em conta que o valor que uma pessoa atribui para sua riqueza, no o valor monetrio desta, mas seu valor moral ou utlidade. O valor de um item, portanto no pode ser baseado no seu preo, mas nas circunstncias do indivduo que faz a escolha.

  • 13

    mencionado anteriormente, resgatou o conceito de utilidade marginal decrescente e o

    aplicou a anlises hedonistas da escolha que levavam em conta o aumento da riqueza e a

    diminuio da felicidade. Este autor, por sua vez, influenciou os economistas

    marginalistas na segunda metade do sculo XIX, que incorporaram a utilidade em suas

    teorias, modelando contextos de incerteza. A partir dos modelos marginalistas era

    possvel aplicar a teoria da utilidade ao comportamento do consumidor.

    Para Jevons (1871), um dos economistas marginalistas, a maximizao da

    utilidade maximiza tambm o prazer e a felicidade, de forma que o julgamento pessoal

    da utilidade era entendido como causa das preferncias. Os marginalistas concebiam a

    funo utilidade como uma mensurao do bem-estar psicolgico dos indivduos

    derivado do consumo de bens. Tais tericos, confiando na matemtica como

    instrumento para o desenvolvimento de teorias econmicas, propuseram teorias do valor

    baseadas no conceito de utilidade.

    No incio do sculo XX, Pareto (1906) desenvolveu uma abordagem ordinalista

    teoria da utilidade, de grande importncia para o desenvolvimento posterior da teoria

    da deciso econmica, que s foi retomada na dcada de 30. Essa abordagem tornava

    desnecessria qualquer medida cardinal de utilidade e tornou possvel a indexao de

    uma numerao ordenada para o conjunto das cestas de consumo consideradas para

    escolha. Desse modo, a cesta que fornecesse maior nvel de bem-estar recebia o nmero

    mais alto e a segunda cesta de maior nvel, recebia o segundo maior nmero e assim por

    diante.

    Outro importante desenvolvimento para a teoria da deciso econmica ocorreu

    com os trabalhos de Hicks e Allen, na dcada de 30, que interpretaram a utilidade no

    como causa das preferncias, como era visto at ento, mas como uma descrio das

    preferncias. Os indivduos, portanto, escolhem o que preferem e a utilidade passa a ser

    vista como uma indexao matemtica que descreve o que eles preferem. Essa

    abordagem utilidade se tornou base para a teoria moderna da deciso econmica, que

    entende a funo de utilidade como emuladora do comportamento.

    O ltimo e mais importante desenvolvimento terico para a teoria da deciso

    pode ser atribudo a Von-Neumann e Morgenstern, que, em 1944 desenvolveram uma

    axiomatizao para a Teoria da Utilidade Esperada, retomando o interesse despertado

    por Bernoulli para o estudo de escolhas sob incerteza. Os autores mostraram que a

    maximizao de utilidade esperada equivale logicamente hiptese de que o

  • 14

    comportamento de escolha satisfaz algumas restries sob a forma de axiomas. Assim,

    se esses axiomas so satisfeitos, trona-se possvel a construo de uma funo utilidade

    esperada que represente as preferncias de um indivduo. A obra de Von-Neumann e

    Morgenstern lanou as bases modernas para a Teoria da Utilidade Esperada e

    estabeleceu a teoria dos jogos, que trata de interaes estratgicas entre atores racionais.

    As prximas linhas esto dedicadas a apresentao da teoria moderna da deciso

    econmica como a conhecemos hoje. Ser feito um esforo para apresentar os

    princpios subjacentes teoria, os axiomas relacionados s preferncias e o modelo

    matemtico comumente usado para a representao das escolhas. claro que existem

    diversas controvrsias acerca da construo de modelos para as escolhas dentro da

    economia, mas para os propsitos desse texto, deixaremos de fora tais debates com o

    intuito de construir um retrato mais claro do eixo principal da produo econmica

    sobre as decises.

    1.2 Pressupostos sobre as preferncias

    Para a teoria da utilidade, as preferncias dos atores seguem alguns pressupostos

    bsicos. O pressuposto da completude estabelece que os atores podem fazer

    comparaes entre todas as conseqncias, ou seja, as alternativas so sempre

    comparveis, podendo existir relaes de fraca ou forte preferncia ou de indiferena

    entre as alternativas, como j foi demonstrado anteriormente. A completude implica o

    pressuposto da reflexividade, que estabelece que, para cada alternativa, seja possvel a

    comparao com todas as outras. As preferncias tambm so transitivas, que significa

    dizer que se A preferido a B e B preferido a C, ento A preferido a C.

    Para Morrow (1995), a completude e a transitividade so os elementos bsicos

    da ordenao de preferncias, pois elas fornecem os pressupostos que permitem que

    cada ator seja capaz de ranquear os resultados do menor para o maior, sendo permitida a

    indiferena entre as alternativas. Esses pressupostos so chamados ordinais, pois sem

    eles os atores estariam inaptos a fazer comparaes entre as conseqncias.

    Existe ainda o pressuposto de que os consumidores maximizam utilidades. Isso

    freqentemente tomado tanto como uma afirmao descritiva quanto normativa: pessoas

    se comportam dessa maneira ou deveriam se comportar dessa maneira para maximizar

    seu bem-estar. Alm disso, tambm assumido que mais mercadoria sempre

  • 15

    prefervel a menos mercadorias. Esse o chamado princpio da monotonicidade das

    preferncias que no sempre aplicvel no modelo econmico clssico, como nos casos

    de saciao e de mercadorias referidas como ruins, como poluio, por exemplo.

    Segundo Morrow (1995), a teoria da utilidade assume que as preferncias em

    relao aos resultados so fixas, ou seja, no mudam durante o curso da deciso sendo

    examinada. No feito nenhum tipo de concesso mudana nas preferncias para que

    a teoria no perca poder explanatrio. Pelo fato de que as preferncias no so

    observadas e sim inferidas do comportamento, as mudanas nas preferncias no podem

    ser confirmadas. Assim, a teoria utilitria assume que as preferncias so fixadas e que

    mudanas no comportamento so causadas no por mudanas nas preferncias, mas por

    mudanas na situao e na informao disponvel para os atores.

    Alm disso, h que se distinguir entre preferncias sobre conseqncias e

    preferncias sobre aes (ou estratgias). As conseqncias so resultados finais e aes

    so escolhas que podem produzir uma dentre vrias conseqncias. As preferncias

    sobre conseqncias so fixas, mas preferncias sobre as estratgias de ao podem

    mudar conforme o ator ganhe novas informaes sobre a eficcia dos diferentes tipos de

    ao. Dessa forma, as mudanas nas preferncias que possam porventura aparecer

    estaro provavelmente refletindo uma mudana na preferncia em relao a aes e no

    a conseqncias.

    O modelo de utilidade permite, portanto, explicar mudanas de objetivos mesmo

    que as preferncias permaneam inalteradas. Isso porque o custo de oportunidade3 dos

    diversos objetivos pode sofrer alterao ou porque podem ocorrer problemas de

    alteraes de informao. Essa abordagem econmica mostra que, se as preferncias de

    uma dada pessoa satisfazem os axiomas descritos anteriormente, ento essas

    preferncias admitiro sua representao por uma funo utilidade bem definida e o

    comportamento racional ser equivalente maximizao de utilidade.

    As preferncias ordenadas podem ser representadas por uma seqncia numrica

    descendente. O nmero atribudo a cada resultado chamado utilidade e a funo que

    liga as conseqncias s suas utilidades dentro de uma escala de preferncia chamada

    funo utilidade. Como as preferncias so ordinais, a maior utilidade atribuda ao

    melhor resultado, e a diferena numrica entre cada alternativa nos permite comparar

    3 Custo de oportunidade o custo de se desistir das outras alternativas quando uma delas escolhida (Harsanyi, 1986)

  • 16

    alternativas e calcular a representao do risco que um ator est disposto a correr para

    atingir os resultados preferidos.

    Porque a racionalidade, tratada de uma maneira normativa, no significa que as

    decises sero livres de erro, os atores podem fazer escolhas que os levaro a

    conseqncias indesejadas. Os economistas costumam justificar tais erros com

    argumentos como o fato de que as situaes so arriscadas, a limitao nas informaes

    disponveis que pode levar a um julgamento incorreto e crenas incorretas sobre as

    conseqncias das aes. Dessa forma, as decises s podem ser julgadas

    apropriadamente considerando as condies sob as quais elas foram feitas.

    1.3 Racionalidade Bayesiana e a funo Von Neumann-Morgenstern de

    utilidade

    A anlise bayesiana da deciso a estrutura formal comumente utilizada pela

    teoria econmica da deciso para operacionalizar matematicamente a escolha. A idia

    bayesiana que as aes racionais maximizam valores mdios ponderados de possveis

    resultados, e o peso para o valor de um resultado a probabilidade para o resultado,

    dada a ao (Sobel, 1994). As aes so ento vistas como loterias (distribuies de

    probabilidades discretas) naturais nas quais probabilidades subjetivas4 possuem chances

    estipuladas. A noo de racionalidade bayesiana implica que os agentes racionais sejam

    capazes de atribuir probabilidades subjetivas a todos os aspectos sujeitos incerteza do

    problema de deciso que enfrentam. A teoria de probabilidade bayesiana fornece,

    portanto, um modelo para anlise de escolhas que se estende a ambientes onde no h

    perfeita informao, tendo os agentes que trabalhar com probabilidades relacionadas aos

    resultados.

    Para Sobel (1994), as teorias decisionais bayesianas, ao considerarem que as

    aes racionais maximizam utilidades esperadas, assumem que a utilidade esperada de

    uma ao um tipo de mdia dos valores de seus possveis resultados finais totais. Mais

    precisamente, tomando os resultados finais totais de uma ao a como sendo o conjunto

    de caminhos (ou mundos totais possveis) w pelos quais ela pode acontecer, a utilidade

    4 Estimadas pelo tomador de deciso.

  • 17

    esperada de uma ao a igual ao somatrio da multiplicao das probabilidades de

    cada conjunto de caminhos, dada a ao a, pelos valores desses mundos totais possveis.

    O principal desenvolvimento da teoria racional bayesiana aplicada deciso

    econmica moderna pode ser atribudo ao trabalho dos matemticos Von-Neumann e

    Morgenstern em 1944, com a publicao de Theory of games and economic behavior. O

    modelo proposto pelos autores usado para encontrar estratgias em situaes em que o

    ator no tem total controle sobre a situao de escolha. A funo de utilidade de von-

    Neumann e Morgenstern (1944) uma ferramenta matemtica que est de acordo com o

    conjunto de axiomas sobre as preferncias, descrito anteriormente e, por isso, representa

    um grande avano na construo da teoria decisria na economia. Ela se torna til

    particularmente na previso de escolhas em situao de risco ou incerteza, uma vez que

    essa funo de utilidade consegue estruturar matematicamente a noo de que cada

    indivduo escolhe uma alternativa de acordo com certa probabilidade.

    Morrow (1995), buscando sumarizar as proposies de Von-Neumann e

    Morgenstern para a deciso, define um problema decisional como contendo:

    a) Um conjunto de aes A em que uma delas ser escolhida como uma deciso5.

    b) Um conjunto de estados do mundo S. Os estados devem ser mutuamente

    exclusivos e exaustivos. Um estado do mundo consiste em todos os fatores que

    influenciam o resultado e que no esto sob controle do tomador de deciso. O

    subconjunto de estados chamado de evento.

    c) Um conjunto de conseqncias ou resultados C em que cada uma deles se refere

    a uma ao e um estado do mundo.

    d) Uma ordem de preferncia entre as conseqncias P. As preferncias devem ser

    completas, transitivas e fixadas.

    possvel calcular a utilidade esperada para uma ao pela multiplicao da

    probabilidade da ocorrncia de cada estado pela utilidade da conseqncia que resulta

    daquele estado e da ao e finalmente somando esses produtos de todos os possveis

    estados. A ao disponvel com a maior utilidade esperada a escolha.

    Matematicamente essa funo expressa da seguinte maneira:

    EU(A) = p(S)*u[C(S,A)]

    5 Esse conjunto tambm referido por Elster (1986) como conjunto de possibilidades.

  • 18

    Onde EU a utilidade esperada, A a ao disponvel, p a probabilidade, S o

    estado do mundo, u a utilidade, e C(S, A) a conseqncia que resulta quando S o

    estado do mundo e A a ao (Morrow, 1995, p.23).

    A distribuio de probabilidades reflete as crenas do tomador de deciso sobre

    quais aes levaro as quais conseqncias, e essas crenas originam-se do

    conhecimento que o autor tem sobre a situao, que exgeno ao modelo. O

    conhecimento que o ator tem sobre os estados do mundo, por sua vez, determina duas

    condies sob as quais as decises sero feitas: certeza, risco ou incerteza.

    A condio de certeza ocorre quando o estado do mundo conhecido

    anteriormente escolha de uma ao, representando uma condio de perfeita

    informao. Em decises de risco apenas a probabilidade de ocorrncia de cada estado

    conhecida. Esse conhecimento pode ser baseado no conhecimento das freqncias de

    repetio. Nesse caso os atores tm alguma informao ou crena que os auxilia na

    tomada de deciso sobre as alternativas.6

    Para criar uma funo Von Neumann-Morgenstern de utilidade, a ordenao de

    preferncias em relao aos resultados insuficiente. Para que as funes de utilidade

    capturem os riscos dos resultados menos preferidos preciso conhecer as preferncias

    em relao a todas as escolhas de risco possveis. Segundo Morrow(1995), as escolhas

    de risco entre os resultados so representadas como loterias, onde um resultado

    selecionado a partir de um conjunto fixado de conseqncias com probabilidades de

    seleo de cada resultado conhecidas. Se um indivduo capaz de ranquear todas as

    loterias possveis sobre as conseqncias e tais preferncias sobre as loterias observam

    certas condies de regularidade, ento uma funo de utilidade pode refletir as

    preferncias. Aes so representadas como loterias, com a probabilidade de cada

    conseqncia ser o prmio que representa a probabilidade de que essa conseqncia ir

    6 Alguns autores, como Morrow (1995), diferenciam uma situao de risco de uma situao de incerteza. Assim, se, em uma situao de risco apenas as probabilidades so conhecidas, a condio de incerteza se d quando as probabilidades de ocorrncia de cada estado so desconhecidas ou no fazem sentido para o ator. Estas seriam condies de inexistncia de informaes ou crenas sobre as probabilidades de cada resultado e, nesses casos, a funo utilidade descrita anteriormente no pode ser aplicada devido a falta de informaes sobre os resultados. Para os propsitos desse texto no ser utilizada essa distino, considerando que sempre atribumos alguma probabilidade para algum evento, mesmo que baseados em fracas evidncias.

  • 19

    ocorrer, dada aquela ao. Para melhor entendimento da representao matemtica e

    grfica do modelo econmico da deciso ver o apndice.

    A teoria econmica da deciso assume ainda que as pessoas tendem a evitar o risco7,

    de modo que suas preferncias, no caso de escolhas de risco, podem ser representadas

    em uma funo exponencial. Diz-se que uma pessoa tem averso ao risco se ela prefere

    certos prospectos (x) a qualquer prospecto com valor esperado x. Isso significa dizer

    que, em uma situao de risco, o mal-estar pela perda de utilidade superior ao bem-

    estar proporcionado pelo ganho do mesmo montante de utilidade Na teoria da utilidade

    esperada, a averso ao risco causada pela concavidade da funo utilidade. Essa

    caracterstica , por sua vez, explicada pela lei de diminuio da utilidade marginal.

    A funo de utilidade baseada na teoria da utilidade esperada tem, portanto, uma

    forma cncava, causada pela lei da diminuio da utilidade marginal. A implicao

    disso que existe uma averso ao risco em todos os nveis. Essa funo cresce

    monotonicamente, significando que u (utilidade) crescente em todo intervalo de x

    (figura 1).

    (Figura 1)

    Assim como os sujeitos podem diferir no quanto eles esto preparados para correr

    riscos, eles tambm podem diferir nas suas preferncias no tempo. A economia clssica

    assume que o fator tempo altera a desejabilidade das conseqncias e, para que as

    escolhas intertemporais sejam compatveis com os pressupostos da teoria da utilidade,

    assume-se que a taxa de desconto temporal fixa e no muda ao longo do tempo, de

    modo que as escolhas possam ser representadas em uma funo exponencial de

    7 As pessoas podem, entretanto, variar quanto ao grau de averso ao risco e inclusive podem apresentar um comportamento de busca de risco, como o caso dos apostadores patolgicos, mas, em geral se observa uma tendncia a averso ao risco (mesmo que em variados graus), representada por uma funo exponencial convexa. Alm disso, como j foi dito anteriormente, cada pessoa pode apresentar uma funo-utilidade diferente.

  • 20

    desconto. As escolhas temporais sero discutidas em maior detalhe na terceira parte

    dessa dissertao.

  • 21

    2. A teoria econmica da deciso e a Sociologia

    A teoria da deciso econmica possui grande influncia na construo de teorias

    sociolgicas e a prxima sesso dessa dissertao se dedica a apresentar alguns

    desenvolvimentos sociolgicos que levaram em conta alguns princpios sobre a

    racionalidade descritos at aqui. O agrupamento dos princpios econmicos sobre a

    racionalidade e as teorias sociolgicas derivadas dele conhecido no campo da

    sociologia com o nome de Teoria da Escolha Racional. claro que esse um campo

    com diversas discordncias e debates internos, mas a nomenclatura ajuda a

    distinguirmos um conjunto de teorias que compartilham a viso de um homem racional,

    sujeito a constrangimentos institucionais.

    A seguir ser feito um esforo de mapeamento de algumas teorias sociolgicas

    que se dedicaram discusso da racionalidade. Devido enormidade de teorias que se

    dedicaram ao tema, foi feita uma escolha de apresentao de apenas algumas delas,

    consideradas mais relevantes para a discusso desse trabalho. Primeiramente sero

    apresentadas algumas teorias que procuraram aliar os pressupostos econmicos da ao

    s anlises institucionais, buscando explicar o papel da racionalidade na dinmica dos

    fenmenos coletivos. Veremos como o componente da racionalidade das aes

    individuais pode ser analisado em uma perspectiva sociolgica que busca compreender

    processos sociais que vo alm do indivduo, mas que so, por sua vez, criados por eles.

    Em seguida sero apresentadas teorias que, ainda utilizando a teoria da ao racional

    como base, procuram estudar fenmenos sociais usando alguns artifcios psicolgicos

    com o intuito de aumentar o realismo de suas teorias.

    2.1 O problema do status cientfico dos modelos racionais econmicos

    Terry Moe (1979), ao tratar do debate acerca da aplicao emprica dos modelos

    racionais da economia, argumenta que a principal marca destes modelos que eles so

    construdos em torno de idealizaes fundamentais, algumas vezes referidos como

    axiomas, postulados ou pressupostos, que fazem afirmaes caracteristicamente

    irrealistas sobre tomadores de deciso e contextos de tomada de deciso, por exemplo, a

  • 22

    perfeita informao, pressuposto que faz parte de um grande nmero de modelos

    racionais.

    Ao mesmo tempo em que alguns modelos possuem premissas mais realistas que

    outros, todos eles so construdos a partir de pressupostos que no costumam ser

    empiricamente vlidos e, na maioria dos casos, no esto nem prximos da preciso

    descritiva. Moe (1979) ressalta que isso parece violar o que a maioria dos cientistas

    sociais considera serem princpios cientficos bsicos, a saber, os princpios derivados

    da perspectiva da lei de abrangncia para a explicao de fenmenos, delineadas por

    Carl Hempel. Essa lei determina que explicar um evento o mesmo que inferir que a

    assertiva de que ele ocorreu a partir (1) de certas assertivas das condies iniciais e (2)

    de certas leis universais empiricamente estabelecidas.

    Em defesa do status cientfico dos modelos racionais econmicos, Moe (1979)

    aponta o trabalho desenvolvido por Friedman. Este argumenta que a determinao da

    validade emprica de uma teoria independe de seus pressupostos, que podem ser

    irrealistas, em certa medida. A validade emprica dependeria, ento, exclusivamente de

    sua preciso preditiva, dessa forma, os pressupostos seriam julgados de acordo com o

    quanto eles facilitam a predio. A partir dessas colocaes, Friedman acredita que os

    modelos racionais podem partilhar dos critrios de abrangncia exigidos por uma

    cincia positiva.

    Argumentos mais refinados, como os que se baseiam na defesa de que, em certa

    medida, pode-se encontrar em todas as teorias um quantum de irrealismo alm da

    presena de termos tericos e idealizaes, so usados em defesa do status de

    abrangncia dos modelos racionais. Moe (1979) se posiciona contrariamente a essa

    noo, afirmando que a partir do ponto de vista da lei de abrangncia, os modelos

    racionais no podem ser aceitos como teorias cientficas e que seus pressupostos devem

    ser substitudos por leis que possam ser verificveis caso se queira explicar o

    comportamento social.

    O problema com modelos racionais econmicos e seu status cientfico no

    estaria na presena de termos tericos ou idealizaes que no podem ser

    empiricamente observveis, mas na construo de teorias sobre tomadores de deciso e

    contextos de tomada de deciso que no existem. Os modelos racionais, portanto, no

    poderiam ser comparados s teorias da cincia natural, pois no possvel, a partir

    deles, criar uma lei que ligue o contexto a um resultado, como na fsica, por exemplo.

  • 23

    Os modelos racionais no fornecem teorias a partir das quais se possa deduzir o

    contexto e nem avaliar os resultados de uma ao.

    Moe (1979) argumenta, entretanto, que mesmo aceitando os critrios da lei de

    abrangncia, os modelos racionais econmicos podem continuar sendo vistos como

    exercendo um importante papel nas cincias sociais, se considerarmos que eles no

    representam uma teoria em sentido convencional. Tais modelos teriam, a partir desse

    ponto de vista, trs principais funes dentro das cincias sociais: instrumental,

    normativa e de guia para construes tericas.

    O papel instrumental se d a partir da sua utilizao como ferramenta para

    realizar previses sobre certos tipos de comportamentos sociais, funcionando tambm

    como uma teoria-instrumento para alcanar fins prticos, sendo mais ou menos til na

    medida em que permite que tomadores de deciso lidem eficazmente com a srie de

    fenmenos envolvidos na escolha. Normativamente os modelos racionais funcionam

    como modelos idealizados com os quais comportamentos reais so comparados. Assim,

    os modelos indicariam como domadores de deciso individuais devem se comportar

    para alcanar eficientemente dados objetivos sob certas circunstncias. Em seu papel

    normativo, os modelos racionais no requerem preciso descritiva e no pressupem a

    explicao ou predio do comportamento, mas podem ser bastante teis na medida em

    que fornecem um recurso claro, lgico e sistemtico para se dizer algo sobre o

    comportamento.

    Como guias para construo de teorias, os modelos racionais so considerados

    como estruturas transitrias que no podem explicar fenmenos empricos, mas podem

    mostrar o caminho para teorias o fazerem. Constituiriam, assim, pr-teorias que

    fornecem uma base sistemtica para a explicao de certos comportamentos sociais

    orientando o desenvolvimento de leis empricas.

    O autor ressalta que h ainda outra vertente que objetiva o incremento no status

    cientfico dos modelos racionais a partir de sua reestruturao para que eles possam,

    assim, cobrir os critrios de abrangncia. Trata-se de uma busca de um ajustamento e

    refinamento terico das proposies bsicas em direo ampliao da validade

    emprica das teorias. Esse empreendimento reflete em um direcionamento para um

    maior realismo terico que contribui potencialmente para o progresso cientfico dos

    modelos racionais.

  • 24

    A teoria das organizaes de Simon apontada por Moe (1979) como o mais

    radical rompimento com os axiomas tradicionais que satisfaziam o modelo de escolha

    individual onde mudanas nas premissas mais bsicas operaram uma substituio do

    homem racional por um homem administrativo com a racionalidade e o conhecimento

    limitados.

    Dada a natureza da lei de abrangncia, esses desenvolvimentos parecem

    naturais, pois objetivam a construo e o incremento de modelos que se ajustam em

    direo ao aumento do realismo e melhor confirmao emprica de leis tericas.

    Trataremos da grande rea da sociologia da ao como um conjunto de

    tentativas de ampliar a noo de racionalidade, aplicando a ela elementos sociolgicos,

    buscando assim um incremento realstico para o entendimento racional das aes

    humanas. Partiremos do argumento de Boudon (1992) de que a sociologia da ao pode

    ser entendida como um conjunto de teorias sociolgicas que compartilham do

    individualismo metodolgico e da noo racional do comportamento.

    Apresentaremos a teoria Weberiana como representante da origem da discusso

    sobre a racionalidade na sociologia e, em seguida, apresentaremos alguns estudos

    sociolgicos que se valeram de alguma forma da noo de racionalidade para

    compreender os fenmenos sociolgicos. Mostraremos como as teorias da troca, da

    escolha racional e das organizaes utilizam o componente da racionalidade dos atores

    em suas anlises.

    Ao final dessa segunda parte da dissertao propomo-nos a analisar modelos

    racionais na sociologia que incorporam elementos psicolgicos para explicar as escolhas

    humanas, seja na tentativa de se tornarem seus modelos mais realistas, possibilitando a

    construo de proposies empricas de maior validade para a explicao de fenmenos

    sociais, seja na tentativa de servir como guia para construes tericas. Trataremos dos

    desenvolvimentos tericos de Simon para exemplificar as tentativas de incremento dos

    modelos racionais e da teoria de Homans, que alm desse objetivo primeiro, busca

    tambm fornecer um guia para construes tericas em sociologia.

  • 25

    2.2 O debate macro-micro e a sociologia da ao

    Segundo Blau (1987), a micro sociologia e a macro sociologia envolvem

    perspectivas tericas contrastantes sobre a vida social e, conseqentemente, a explicam

    em diferentes termos. O autor ainda ressalta que a micro sociologia e a macro sociologia

    empregam diferentes conceitos e buscam formular diferentes teorias para explicar

    relaes sociais, os padres sociais mais complexos e os fenmenos que emergem das

    relaes sociais. A micro-sociologia se ocupa da analise os processos sociais bsicos

    que engendram relaes entre as pessoas. O foco dessa perspectiva na interao social

    e na comunicao, e importantes conceitos so reciprocidade, smbolos significantes,

    obrigaes, troca e dependncia, segundo o autor. A macro-sociologia, por outro lado,

    analisa as estruturas de diferentes posies dentro de uma populao e seus

    constrangimentos em relaes sociais. O foco de anlise em limitaes externas do

    ambiente social nas relaes entre as pessoas e, importantes conceitos so diferenciao,

    instituies, desigualdade, heterogeneidade e crculos transversais. Em resumo, Blau

    (1987) destaca que a micro sociologia trata da dinmica interna das relaes sociais

    enquanto a macro sociologia analisa as influencias nas relaes sociais exercidas por

    constrangimentos internos e oportunidades.

    Podemos distinguir neste ponto, duas abordagens sobre a ligao entre as teorias

    macro-sociolgica e as micro-sociolgicas. Uma delas defende que devemos de partir

    de princpios micro sociolgicos e us-los como fundao para uma teoria macro

    sociolgica. J a abordagem alternativa repousa na hiptese de que diferentes

    perspectivas e modelos conceituais so necessrios para micro e macro teorias,

    primariamente porque os termos mais importantes das teorias macro sociais se referem a

    propriedades emergentes da estrutura da populao que no tem equivalentes em anlise

    micro sociolgicas.

    As teorias da ao na sociologia, segundo a distino anterior, representam uma

    tentativa de utilizao dos princpios micro-sociolgicos como fundao para a

    compreenso dos fenmenos macro-sociolgicos. Essa , portanto, uma tentativa de

    superao da dicotomia macro-micro atravs da utilizao de princpios sobre a ao

    individual como norteadores da compreenso de fenmenos sociolgicos de nvel

    agregado.

  • 26

    Segundo Boudon (1995), o princpio mais fundamental da sociologia da ao o

    de que todo o fenmeno social sempre resultado de aes individuais, assim, um

    socilogo que pretende explicar um fenmeno social deve procurar o sentido dos

    comportamentos individuais que esto em sua origem. Assim, segundo a sociologia da

    ao, todos os fenmenos sociais, inclusive as mudanas observadas nas crenas ou nos

    costumes, explicam-se da mesma maneira. Entende-se as aes sociais como tendo um

    sentido, representando adaptaes compreensveis a condies sociais em mutao.

    Alm disso, Boudon (1992) defende que as teorias que compem o que

    chamamos de sociologia da ao compartilham no mnimo dois princpios

    fundamentais: o individualismo metodolgico e o princpio da racionalidade.

    No sentido metodolgico, para o autor, a noo de individualismo implica que,

    para explicar um fenmeno social, necessrio descobrir suas causas individuais, ou

    seja, compreender as razes que levam os atores sociais a fazer o que fazem ou a

    acreditarem naquilo que acreditam.

    Deve ser ressaltado que o individualismo metodolgico no implica que se

    conceba o ator social como que suspenso numa espcie de vazio social. Ele pressupe,

    ao contrrio, que o ator foi socializado, que est em relao com outros atores, os quais,

    tal como ele prprio, ocupam papis sociais, tm convices, etc. Assim, de um modo

    geral, o individualismo metodolgico reconhece indiscutivelmente que o ator social se

    move dentro de um contexto que se lhe impe em larga medida. Este princpio no

    implica, portanto, que se conceba a sociedade como uma justaposio de solides

    calculistas. A sociologia da ao, portanto, veicula no uma imagem atomista, mas

    interacionista da sociedade, o que certamente diferente (Boudon, 1992). Todavia,

    freqente a confuso entre individualismo e atomismo.

    Alm disso, uma vez que a sociologia da ao se interessa por fenmenos que

    so, em geral, resultado de inmeras causas individuais, indispensvel agrupar os

    atores por grupos abstratos, reuni-los por tipos ou, como se pode afirmar na esteira de

    Weber, insistindo no carter simplificador desse processo, por tipos ideais. Dessa forma,

    o princpio do individualismo metodolgico no exclui que, em determinadas

    condies, no se possa tratar legitimamente uma entidade coletiva como um indivduo.

    Segundo o princpio do individualismo metodolgico, um fenmeno social deve

    ser interpretado, na medida do possvel, como efeito de aes, de convices, de

    comportamentos individuais. Mas, para que a explicao seja completa, tambm

  • 27

    necessrio pr em evidncia o porqu o sentido dessas aes ou dessas convices.

    Na linha de Weber, fala-se geralmente de compreenso para designar esse momento de

    anlise. Segundo a sociologia da ao, a explicao de um fenmeno social supe que

    sejam determinados os comportamentos individuais de que ele o efeito e que esses

    comportamentos sejam compreendidos. A sociologia da ao estabelece, portanto, a

    hiptese de que o comportamento de um ator, em princpio, sempre compreensvel,

    mesmo que o observador no tenha acesso imediato s razes do ator.

    A noo de compreenso indica, portanto, que possvel, atravs da verificao

    de fatos, descobrir o porqu do comportamento do ator. Dessa forma, para o socilogo,

    compreender o comportamento de um ator equivale a compreender as razes do mesmo.

    Segundo Boudon (1992), nesse sentido, e apenas nesse sentido que se pode afirmar

    que a sociologia, ou pelo menos a sociologia da ao, tende a subscrever o postulado da

    racionalidade do ator social. Essa noo de racionalidade, como podemos notar, mais

    abrangente do que a da filosofia hedonista ou da economia clssica, exigindo apenas a

    idia de sentido e no um conjunto de axiomas. A sociologia trata um comportamento

    como sendo racional sempre que esse esteja em condies de fornecer uma explicao

    que possa ser enunciada do seguinte modo: O fato do ator X ter se comportado de

    maneira Y compreensvel. Com efeito, na situao que era a sua, tinha razes para

    fazer Y (Boudon, 1992).

    Embora seja to absurdo afirmar que o homem racional como afirmar que

    irracional, ao socilogo convm considerar o ator como racional, afirmam Boudon

    (1992). Em outras palavras, deve-se partir do princpio de que este tem sempre razes

    vlidas para fazer o que faz e tentar, por todos os meios sua disposio, descobrir

    essas razes.

    Entendida dessa forma, no possvel definir a sociologia da ao por uma

    ruptura com o utilitarismo benthamiano, como j apresentado anteriormente. Em

    contrapartida, pode-se adiantar com segurana que a sociologia da ao levada a

    manipular uma gama de tipos de racionalidade mais rica, por exemplo, do que a

    economia. Na sociologia da ao geralmente adota-se uma noo de racionalidade um

    pouco menos estrita, que redefinida a partir das noes de maximizao ou otimizao

    implicitamente contidas na definio econmica de racionalidade. Introduz-se a idia de

    que a otimizao uma idia regulatria, mas que na prtica se torna muito difcil, ou

    at impossvel, estabelecer, ainda que de forma aproximada, qual o meio prefervel para

  • 28

    atingir um objetivo, ou at saber claramente os objetivos que podemos fixar,

    considerando os meios que dispomos. Nesse caso deve-se visar uma soluo que seja

    satisfatria para usar o termo de Simon (1957) ou mesmo decises graduais para

    reduzir incertezas (Cyert e March, 1964), demonstrando mais uma adaptao racional s

    situaes do que uma soluo maximizadora global.

    Para Boudon (1992), ao utilizar noes como a de satisfao em seus esquemas

    de anlise, os socilogos descrevem a ao de uma maneira mais realista do que os

    esquemas que se baseiam numa concepo estrita da racionalidade.

    Podemos inclusive entender as diferenas entre as perspectivas econmica e

    sociolgica de uma forma um pouco menos dicotmica, considerando a economia como

    abordagem que se preocupa em analisar uma faceta da ao social a partir de

    pressupostos simplificados sobre a ao humana. Argumentando nesse sentido, Parsons

    (1935) entende que todas as cincias humanas buscam, cada uma a seu modo, procuram

    analisar aspectos de um mesmo fenmeno, a vida social.

    Como veremos, quer os tericos considerem a economia como uma cincia que

    estuda a ao social em seu aspecto econmico, quer considerem a economia como

    norteadora das anlises sociolgicas sobre a ao social humana, ambas as disciplinas se

    aproveitaram dos desenvolvimentos tericos uma da outra para a construo da

    explicao sobre os fenmenos humanos.

    Diversas teorias sociolgicas compem essa grande rea chamada Teoria da

    Ao na sociologia e cada uma delas apresenta suas particularidades. Veremos algumas

    delas mais adiante, mas antes preciso fazer algumas consideraes sobre o surgimento

    do conceito de racionalidade na sociologia.

    A racionalidade tema na sociologia desde as obras de Weber, mas foi preciso

    todo um desenvolvimento de teorias sobre a escolha racional dentro da Economia para

    que tal tema retornasse como uma preocupao dentro da sociologia, com o crescimento

    de uma escola de pensamento chamada Teoria da Ao Racional nas Cincias

    Sociais. Weber, portanto, no deve ser visto como um fundador da teoria da ao

    racional na sociologia, mas ele no deixa de ter, por isso, importncia para essa escola

    na sociologia. Com o desenvolvimento dos estudos sobre a ao na sociologia, o autor

    clssico foi retomado e suas idias sobre racionalidade adquiriram ainda mais

    importncia. Por sua importncia no que diz respeito temtica das aes humanas, as

  • 29

    pginas seguintes sero dedicadas ao esclarecimento da viso weberiana sobre

    racionalidade.

    2.3 O conceito de racionalidade na Sociologia Clssica

    A racionalidade tema na sociologia desde os escritos clssicos de Marx

    Durkheim e Weber. Tal conceito, entretanto, possui significaes muito diversas entre

    os autores.

    Para Durkheim, a racionalidade um atributo dos laos sociais que operam no

    nvel social, e no individual. As realidades sociais, segundo essa perspectiva so,

    portanto, totalidades funcionais ou harmnicas e, nesse sentido, racionais. Entendendo

    que a sociedade transcende e modifica o homem, a conscincia no concebida como

    uma instncia subjetiva de regras egostas, mas como formada por um conjunto de

    representaes sociais que produzem o indivduo.

    Marx, assim como Durkheim, d importncia racionalidade como um atributo

    da estrutura social e no exatamente como um atributo do homem. Para o autor, que

    acredita que as relaes estabelecidas entre os homens so condicionadas

    historicamente, cada tipo de vida material condiciona a forma de conscientizao. Na

    ideologia marxista s seria possvel que a ao humana se realizasse em si mesma em

    uma vida social comunitria.

    A racionalidade, que tratada como uma caracterstica da modernidade em

    Durkheim e Marx, adquire centralidade na obra weberiana, pois alm do atributo

    racional do funcionamento social moderno, h a introduo da racionalidade como um

    operador da ao humana. Defendendo uma sociologia capaz de compreender os

    sentidos e conexes presentes nas aes sociais, Weber prope uma concepo

    especfica de mtodo e de objeto na sociologia, a qual se assenta na explicao de aes

    sociais individuais sob condies socialmente determinadas.

    Por tratar da racionalidade como um atributo individual, a obra weberiana

    merece ateno nesse trabalho, pois representa o despertar do interesse da sociologia em

    compreender a dinmica social a partir da lgica de operao individual. As prximas

    pginas trataro de esclarecer o conceito de racionalidade em Weber e apontar sua

    importncia para o desenvolvimento de uma sociologia da ao.

  • 30

    Weber apresenta como eixo condutor de sua obra o estudo da cultura. Tal

    cincia teria como objeto de estudo as aes humanas. Essa escolha se deve ao fato de

    que o autor considera que as aes humanas so previsveis e, por isso, seria possvel

    estudar cientificamente suas regularidades.

    A cultura a partir desse ponto de vista no pode ser tratada como uma totalidade,

    mas sim como um universo de significaes inesgotvel, muitas vezes contraditrio. A

    tarefa do conhecimento ento buscar ordenar a complexidade da cultura a partir de

    conceitos, criando assim uma totalidade, que , portanto, construda. Essa tarefa

    alcanada a partir da utilizao da lgica e da explicao causal como ferramentas para

    a produo de um conhecimento cientfico que se quer, por sua vez, objetivo.

    Tal arranjo lgico o instrumento de que se vale essa cincia que pretende que

    seus resultados sejam compreensveis universalmente. Assim, o atributo lgico das

    categorias do conhecimento, ao contrrio da realidade, inconsistente, o que permite a

    produo de explicaes causais. Dessa forma, possvel compreender por sociologia

    em Weber, uma cincia que pretende entender pela interpretao, a ao social para

    desta maneira explic-la causalmente no seu desenvolvimento e nos seus efeitos.

    (Weber, 1995, p.400)

    Podemos perceber, a partir do exposto acima, que o pensamento weberiano, que

    pretende a objetividade do conhecimento, se realiza como um racionalismo

    metodolgico, ao buscar estabelecer conexes de sentido entre os fenmenos. Por mais

    que seu objeto de estudo sejam as aes, o interesse principal por uma explicao que

    se ancore em um ponto de vista racional de forma que se possa ordenar os fenmenos

    que se apresentam inconsistentes na cultura, por isso, o domnio do trabalho cientfico

    no tem por base as conexes objetivas entre as coisas mas as conexes conceituais

    entre problemas. (Weber, 1986, p.83)

    Como condio ontolgica que permite tal racionalismo metodolgico

    imprescindvel a considerao do pressuposto da conscincia do analista, que possibilita

    a atribuio de sentido ao mundo. A reflexividade no significa, portanto, um primado

    do indivduo sobre a sociedade. O individualismo um pressuposto em Weber e no

    exatamente um objeto ltimo de estudo, como no utilitarismo clssico.

    A cincia weberiana seria, portanto, a tentativa de realizao radical da

    conscincia, da reflexividade. Para tal, Weber trabalha com os tipos ideais que se

    realizam em uma racionalidade exagerada que no corresponde diretamente realidade.

  • 31

    Os fenmenos sociais so ento classificados segundo seu grau de racionalidade. Os

    tipos ideais funcionam, dessa forma, como um parmetro de um mximo de

    racionalidade a partir dos quais os fenmenos da realidade se aproximam ou se

    distanciam. Nesse sentido possvel compreender a rejeio weberiana oposio entre

    racional e irracional, pois o que se observa muito mais uma distribuio dos conceitos

    conforme uma gradao, como observa Nobre:

    Ao invs de contraposies rgidas entre as aes e os valores, preferia

    pensar em termos de graus de diferenciao, ou seja, as diferenas tm

    mais a ver com um problema de gradao do que de oposio. Tanto que,

    em seus escritos, junto s delimitaes sociolgicas, aparecem

    recorrentes advertncias quanto ao fato de as coisas se apresentarem

    muito mais confusas no plano real. (Nobre, 2004, p.31)

    As aes humanas so um importante objeto de estudo para Weber, pois o agir

    significativo, dotado de sentido e motivao, seria o trao distintivo do homem como

    um ser de cultura. A ao per se, entretanto, no interessa ao autor, mas sim a conexo

    causal entre elas. E o fato de ser possvel se chegar s causas da ao, no parte, como

    j alertado anteriormente, da objetividade da realidade, mas da capacidade humana de

    transformar a racionalidade como um valor e de orientar a ao e o pensamento de

    acordo com ela.

    Para se alcanar um entendimento das conexes lgicas entre fenmenos,

    segundo uma perspectiva weberiana, deve-se lanar o olhar para a situao como um

    todo e no somente para a ao ou para o agente. O agente importa a Weber na medida

    em que est em relao, assim, as aes so sociologicamente relevantes somente

    quando esto ligadas por um sentido de causalidade. Tal caracterstica da relevncia

    social da ao o principal elemento que distingue a sociologia weberiana de uma

    abordagem psicolgica.

    O grau de racionalidade, a partir do qual os tipos de ao sero classificados, se

    refere ao nvel de reflexividade sobre as variveis que influenciam um curso de ao.

    Assim, uma ao mais racional quanto mais se consegue, a partir de um clculo

    lgico, controlar os determinantes da ao, proporcionando ao agente a previsibilidade

    dos cursos de ao disponveis.

    Toda ao, portanto, parece envolver uma recusa, ou seja, o engajamento em um

    curso de ao em detrimento de outro. Para que se possa avaliar a eficcia racional de

  • 32

    uma ao preciso, ento, verificar se a opo escolhida fornece o meio mais

    econmico, ou mais adequado para o fim desejado. Nesse sentido, a utilizao do

    conceito tpico ideal serve bem aos objetivos weberianos da avaliao racional da ao:

    A construo de uma ao rigorosamente racional com relao a fins

    serve nesses casos para a sociologia por causa de sua evidente

    inteligibilidade e do seu carter de racionalidade e de univocidade

    como tipo (tipo ideal) mediante o qual possvel compreender a ao

    real que influenciada por irracionalidades de todo tipo e de toda espcie

    (afetos, sentimentos) como um desvio do desenvolvimento esperado de

    uma ao racional. (Weber, 1995, p. 402)

    Como tipos ideais de ao social, Weber distingue a ao racional com relao a

    fins, a ao racional com relao a valores, a ao tradicional e a ao afetiva. Todas

    estas so, de alguma forma avaliadas com relao a um maior ou menor grau de

    reflexividade.

    O comportar-se racionalmente com relao a fins implica orientar a ao para

    que ela funcione como um meio mais adequado para se alcanar um fim ulterior. Para

    isso dependem a considerao dos diversos cursos de ao disposio do sujeito e a

    previsibilidade das conseqncias de cada um deles. Esta sempre ser uma ao racional

    com relao a fins mesmo que os fins ltimos do agir sejam valores, pois o que importa

    o grau mximo de reflexividade sobre os determinantes da ao que se realiza nesse

    tipo. As aes racionais com relao a fins no so avaliadas por elas mesmas, mas

    como meios mais ou menos eficientes para um fim ulterior.

    Tambm se orienta de maneira planejada, a partir da elaborao consciente dos

    princpios ltimos da ao, o agir racional com relao a valores. Esse tipo se diferencia

    do tipo racional com relao a fins, entretanto, pelo fato de que o sentido desse tipo de

    ao reside na prpria ao e sua peculiaridade valorativa e no em suas conseqncias.

    H aqui uma crena consciente no valor de comportar-se de determinada forma,

    independente da considerao dos resultados da ao.

    A ao tradicional est, para Weber, na fronteira entre o que se pode chamar de

    uma ao orientada por um sentido. Ela determinada por costumes arraigados e pode

    se manifestar muitas vezes como uma simples reao a estmulos da situao ou

    envolvendo um baixo grau de conscincia. Os comportamentos rotineiros se aproximam

    dessa qualidade de ao.

  • 33

    Com mais baixo grau de reflexividade se encontra a ao afetiva que regida

    pela emoo, pelos sentimentos. Trata-se muitas vezes de uma reao a estmulos do

    ambiente, sem necessariamente uma orientao de sentido.

    Todos esses tipos, exatamente por se tratarem de abstraes conceituais podem

    ser considerados como tipos conceituais puros, construdos para os fins da pesquisa

    sociolgica, com relao aos quais a ao real se aproxima mais ou menos, ou, o que

    mais freqente, composta de uma mescla (Weber, 1995, p. 418).

    Fbio Wanderley Reis, em seu ensaio intitulado Weber e a Cincia Social

    Atual, se prope a discutir a racionalidade em Max Weber a partir de uma comparao

    com os modelos propostos pela Teoria da Escolha Racional (TER), em seus

    fundamentos.

    O autor observa que as perspectivas mais ortodoxas da Teoria da Escolha

    Racional, que se valem do instrumental analtico da cincia econmica, parecem

    apresentar um claro retrocesso em relao a Weber quando estas buscam distinguir o

    terreno dos comportamentos guiados por normas do terreno dos comportamentos

    racionais por excelncia.

    Este certamente o caso em que o comportamento racional, tomado

    como categoria decisiva para a explicao dos fenmenos sociais de todo

    tipo, assimilado ao comportamento orientado pela busca dos interesses,

    os quais, por sua vez, so entendidos como correspondendo, na forma

    exemplar, a objetivos estritamente egostas, no havendo lugar, portanto,

    para a moderao dos apetites egostas que as normas visariam assegurar.

    (Reis, 2000, p.314)

    Reis argumenta que o recuo a um estado pr-social onde opera a pura

    racionalidade, proposto por alguns modelos racionais, ilusrio assim como o

    tambm a idia que, a partir da operao das categorias racionais, possvel deduzir a

    sociedade.

    O fato de que Weber est frente de certas limitaes da TER no significa,

    entretanto, para o autor, que o tratamento dado por ele racionalidade seja adequado em

    todos os sentidos. Tal problema identificado na anlise weberiana se refere distino

    feita entre a racionalidade com relao a fins, ou puramente instrumental, e a

    racionalidade com relao a valores, cuja natureza dos fins seria mais substantiva, que

    parece gerar uma confuso.

  • 34

    Isso porque toda ao racional deveria ser considerada como instrumental, ou

    seja, como uma articulao eficaz entre meios e fins. E para tal caracterizao racional,

    a natureza dos fins seria irrelevante e, o seria tambm, conseqentemente, a distino

    entre esses dois tipos de ao.

    O autor ressalta ainda que seu debate no pretende chegar concluso de que os

    fins se equivalem, mas apontar para o fato de que no h como prever que alguns fins

    sejam mais racionais que outros pois o carter instrumental da ao racional nada tem a

    ver com o fato de que se persigam, de maneira mope, objetivos de natureza econmica

    ou que se estabeleam cadeias de fins e meios ao perseguir um ideal tico (Reis, 2000,

    p. 316). Dessa maneira Reis aponta que, do ponto de vista racional, a partir do qual as

    tipologias de ao so classificadas, as aes do tipo racional referente a fins e racional

    referente a valores se equivalem, tornando desnecessria a distino entre elas de um

    ponto de vista que as classifique a partir do grau de racionalidade presente.

    De fato, Weber parece ter utilizado de forma um pouco confusa as categorias

    tpicas ideais, criadas por ele mesmo, ao tratar das tipologias de ao. Se se admite que

    o parmetro para qualificar um conceito o seu grau mximo de racionalidade no

    sentido de uma busca para adequar os meios mais eficazes para o fim pretendido, no h

    porque distinguir os tipos de racionalidade da ao (no caso a distino entre ao

    racional com relao a fins e a valores) conforme a categoria dos fins que so

    almejados, entendendo que o fim de uma ao com relao a valores se realiza nela

    mesma. Do contrrio, o parmetro de classificao deixaria de ser o quantum de

    racionalidade e passaria a ser uma categoria valorativa da racionalidade dos fins.

    Tal posicionamento weberiano, entretanto, deve ser visto apenas