Dissertação - Alagoinhas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

ENTRE A FERROVIA E O COMRCIO: Urbanizao e Vida Urbanaem Alagoinhas (1868-1929)

KEITE MARIA SANTOS DO NASCIMENTO LIMA

Salvador - Ba. 2010.

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KEITE MARIA SANTOS DO NASCIMENTO LIMA

ENTRE A FERROVIA E O COMRCIO: Urbanizao e Vida Urbanaem Alagoinhas (1868-1929)

Dissertao apresentada ao Programa de Psgraduao da Universidade Federal da Bahia para obteno do ttulo de Mestre em Histria.

Orientadora: Prof. Dr. Lina Maria Brando de Aras

Salvador- Ba, 2010.

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FICHA CATALOGRFICA

L628

Lima, Keite Maria Santos do Nascimento Entre a ferrovia e o comrcio: urbanizao e vida urbana em Alagoinhas (18681929) / Keite Maria Santos do Nascimento Lima. Salvador, 2010. 148 f.: il. Orientadora: Prof. Dr. Lina Maria Brando de Aras Dissertao (mestrado) Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, 2010. 1. Cidade Alagoinhas (Ba). 2. Urbanizao. 3. Vida urbana. 4. Prticas de sociabilidade. I. Aras, Lina Maria Brando de. II. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas. III. Ttulo.

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ENTRE A FERROVIA E O COMRCIO: Urbanizao e Vida Urbanaem Alagoinhas (1868-1929)

KEITE MARIA SANTOS DO NASCIMENTO

Orientadora: Prof. Dr. Lina Maria Brando de Aras

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________________________ Prof. Dr. Lina Maria Brando de Aras (Orientadora) Universidade Federal da Bahia (UFBA)

__________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Santos Silva (Titular) Universidade do Estado da Bahia (UNEB)

__________________________________________________ Prof. Dr. Celeste Maria Pacheco de Andrade (Titular) Universidade Estadual de Feira de Santana Federal (UEFS) Universidade do Estado da Bahia (UNEB)

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, quero agradecer ao Ser Supremo por me possibilitar esta graa. A Joaquim Jnior, meu esposo, companheiro de todas as horas e as minhas filhas Maria Eduarda e Ana Caroline, pela pacincia, incentivo e compreenso das minhas ausncias. Aos meus familiares - a minha me, Jurnia, a meu pai Jos Carlos e a meus irmos Kscia, Marinalva e Jos Fbio, pelo incentivo nos momentos difceis desta jornada. A Eliana Lima Borges e Gerson Borges pelo incentivo. Nesse percurso de incertezas, expectativas, intercmbio de ideias e dilogos sobre o tema, conheci e reencontrei pessoas que contriburam significativamente para a concluso desse trabalho: Professora Dra. Lina Aras, minha orientadora, pelo incentivo e apoio que demonstrou desde quando ainda era aluna especial do Mestrado da UFBA. Professor Dr. Paulo Santos Silva, sou-lhe grata pelas suas sugestes, discusses e incentivo que culminou na elaborao do projeto de pesquisa. Ainda agradeo-lhe a disponibilidade de ter cedido seu tempo para ler os primeiros escritos dessa dissertao. Espero ter incorporado algumas de suas sugestes. Professor Clvis Ramaiana, nossas conversas foram sempre muito produtivas; suas leituras de parte do texto acompanhadas de sugestes foram essenciais para o desenvolvimento deste trabalho. Professoras Ana Maria Carvalho dos Santos Oliveira e Celeste Maria Pacheco de Andrade que participaram da minha banca de qualificao apresentaram questes e apontaramimportantes caminhos a seguir.

Suely Cervolo, pelas discusses em torno do uso da iconografia que possibilitaram um melhor aproveitamento das fontes. Agradeo tambm a vrias outras pessoas e instituies: coordenao e direo do colgio Santssimo Sacramento, em especial a Maria da Glria Arajo dos Santos e Luciene Borges; a Iraci Gama Santa Luzia pela cesso de algumas fontes da FIGAM; aos funcionrios dos diversos arquivos por onde pesquisei, em especial, a Epaminondas e a Ney do Arquivo da Cmara Municipal de Alagoinhas. Aos amigos de hoje e de sempre que me enriqueceram com suas ideias, conhecimentos e incentivo. Cntia Souza, irm de corao e colega do Mestrado, juntas dividimos dvidas, incertezas e alegrias, Mariclia Cardoso amiga de ontem, de hoje e de sempre, Fabiana

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Machado da Silva, que se tornou uma grande amiga durante o percurso do Mestrado; Ede que me auxiliou nas pesquisas nos arquivos da cidade; a Ana Gabriela Lima Borges, prima do corao, que me acolheu em Salvador; Maria Ins Rosrio pela ajuda constante na organizao do trabalho. Finalmente, agradeo a todos os professores do programa de ps-graduao em Histria da UFBA.

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RESUMO

O trabalho apresentado analisa a formao e o desenvolvimento da Cidade de Alagoinhas ocorrida em fins do sculo XIX e incio do XX. O centro do argumento consistiu em mostrar que os elementos que impulsionaram a fundao e urbanizao de um novo ncleo urbano esto relacionados implantao dos trilhos da Estrada de Ferro Bahia and So Francisco e ao desenvolvimento das atividades mercantis ocasionadas principalmente pela presena dos imigrantes estrangeiros. O espao materializado pela ao humana sobre a natureza, as transformaes urbansticas, econmico-social e as prticas de sociabilidade, festas, comportamento e hbitos, compem a anlise da pesquisa. Palavras-chave: Cidade de Alagoinhas, urbanizao, vida urbana e prticas de sociabilidade.

ABSTRACT

The work presented examines the formation and development of the city of Alagoinhas occurred in the late nineteenth and early twentieth centuries. The center of the argument was to show that the factors that drove the founding of a new urbanization and urban core are related to the implementation of the rails of the railroad Bahia and San Francisco and the development of commercial activities occasioned mainly by the presence of foreign immigrants. The space embodied by human action on nature, urban transformations, economic, and social practices of sociability, parties, and habits make up the research analysis. KEYWORDS: City of Alagoinhas, urbanization, urban life and practices of sociability.

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LISTA DE ABREVIATURAS

APEB - Arquivo Pblico do Estado da Bahia / Salvador.

APMA - Arquivo Pblico Municipal de Alagoinhas.

BPEB - Biblioteca do Estado da Bahia / Salvador.

FCM - Fundao Clemente Mariani / Salvador.

FIGAM - Fundao Iraci Gama /Alagoinhas.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica- Alagoinhas.

IGHBa - Instituto Geogrfico e Histrico da Bahia / Salvador.

TEMPOSTAL- Museu de Postais da Bahia.

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LISTA DE FIGURAS Figura 01 - Mapa dos Limites da Freguesia de Santo Antnio de Alagoinhas. Figura 02 - Fotografia do Cel. Jos Emigydo Leal, 1851. 30 32

Figura 03 - Elevao e planta da Matriz do velho povoado de Alagoinhas. Projetada em 1862, pelo engenheiro fiscal Loureno Eloy Pessoa de Barros. 45 Figura 04 - Planta base da cidade de Alagoinhas elaborada entre os anos 1868 a1871. Figura 05 - Estao Alagoinhas Figura 06 - Carto Postal da Estao da Estrada de Ferro do S. Francisco, 1907. Figura 07 - Anncio do Hotel Popular em Alagoinhas, 1877. 56 59 59 62

Figura 08 - Anncios dos estabelecimentos comerciais dos proprietrios italianos Federico e Victor Farano e Vicente Peluso, 1905. 83 Figura 09 - Praa do Comrcio, atualmente conhecida por J.J.Seabra, 1900. Figura 10 - Praa do Mercado, atualmente conhecida por Praa Rui Barbosa, (1900?). Figura 11 - Carto postal da rua Dr. Luis Viana, 1909. Figura 12- A Nova Avenida- Ponte sobre o Rio Catu, 1908. Figura 13 - Desenho da Fachada do Matadouro Municipal, 1908. Figura 14 - Anncio do Carnaval em Alagoinha, 1929. 97 98 100 106 106 118

Figura 15 - Imagem do prdio onde funcionava a casa comercial do intendente coronel Saturnino da Silva Ribeiro, 1929. 126 Figura 16 - Imagem de Saturnino Ribeiro com a esposa e seus funcionrios em frente sua firma,1929. 126 Figura 17 - Imagem dos polticos baianos que participaram da festa da inaugurao da Usina Eltrica, 1929. 129 Figura 18 - Propaganda do Grupo de Imprensa de Alagoinhas, 1929. Figura 19 - Vista panormica da praa J. J. Seabra. O Pavilho Bar, 1929. 130 132

Figura 20 - Imagem do desfile das escolas de Alagoinhas durante os festejos da inaugurao da Usina Eltrica, 1929. 133 Figura 21 - Imagem do prefeito Cel. Saturnino da Silva Ribeiro e da fachada do edifcio da prefeitura municipal de Alagoinhas, 1930. 136

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Figura 22 - Vista panormica da praa J. J Seabra, 1930. Figura 23 - Vista panormica da praa J. J Seabra,1930.

137 137

Figura 24 - Imagem dos comerciantes Joaquim Cravo, seu filho e Sr. Giordano Strappa, amigo da famlia, 1930. 138 Figura 25 - Imagem do edifcio da fbrica de vinhos, xaropes e vinagres, do escritrio Sr. Giordano Strappa, 1930. 139

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LISTA DE TABELAS Tabela 1- Relao dos Primeiros Comerciantes que se Estabeleceram nas reas Prximas a Estao. 48 Tabela 2 - Comerciantes de Alagoinhas Registrados na Junta Comercial da Bahia, 18801899. 79 Tabela 3 - Estabelecimentos Comerciais em Alagoinhas - 1880-1915. Tabela 4 - Casas Comerciais nos Distritos (1889-1930). 81 85

Tabela 5 - Distribuio dos Estabelecimentos Comerciais em reas Distantes do Centro da cidade. 89 Tabela 6 - Novas Designaes para as Ruas do Centro da Cidade. 120

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SUMRIO

Introduo

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Captulo I - De vila a cidade: os impactos de uma ferrovia

27 27 43 53

1.1 Ascenso e expectativas de uma vila 1.2 Desencontros nos caminhos de ferro1.3 Urbanizao ao longo dos trilhos Captulo II O comrcio e a expanso da cidade (1889-1919)

74 76 92 99109

2.1 O boom do comrcio em Alagoinhas 2.2 O Comrcio e as mudanas na infraestrutura urbana 2.3 A cidade em obras: em busca de uma nova visualidade urbanaCaptulo III - Alagoinhas: transformaes urbanas e prticas de sociabilidade

3.1 As festas em Alagoinhas 3.2 Uma dcada de realizaes empreendedoras 3.3 Enfim, a Luz 3.4 Alagoinhas: uma cidade para ser vista 3.5 lbum Artstico Comercial e Industrial do Estado da Bahia (1930) 3.6 Alagoinhas no lbum da Bahia de 1930Consideraes Finais Fontes Bibliografia

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INTRODUO Alagoinhas Cidade cheia de seiva e cheia de vida, cheia de sol glorificador do nosso Brasil - cidade velha, mas cidade nova, que vibra que palpita e que sonha sob as bnos pags de um cu liricamente azul ou sob a prata antiga de um luar liricamente branco! Cidade linda, erguida, pedra a pedra para o entusiasmo dos nossos olhos e para satisfao do nosso orgulho! Nos passos agigantados com que percorres a trilha infinita do Progresso, nas investidas, sempre vitoriosas do teu comrcio, no esplendor honesto de tua atividade vive toda a nossa vida de patriotas e anseia toda a alma cvica da nossa gente! Alagoinhas! Guardas no corao da tua Alagoinhas Velha o corao muito manso e muito bom, o corao generoso de velhice! Mas s, Alagoinhas Nova, uma gloriosa, uma esplendente mocidade! nica te sada, na honestidade de tua administrao [...]1. Na abertura da edio especial da revista nica, de 15 de outubro de 1929, o poema acima homenageou a cidade de Alagoinhas em virtude da inaugurao da usina eltrica ocorrida em 22 de setembro do mesmo ano. Escrito por Amado Coutinho, editor e diretor da revista, o poema enfoca a construo e a expanso de uma nova cidade, ocorrida em meados do sculo XIX, chamando ateno para os encantos naturais de sua paisagem, para o desenvolvimento do comrcio e a atuao de suas administraes que conduziram um pequeno povoado, pouso de tropeiros viajantes e das boiadas, do final do sculo XVIII, a tornar-se nas primeiras dcadas do sculo XX uma cidade promissora. O cenrio urbano captado pelas lentes ufanistas de Amado Coutinho era at 1863 pouco populoso, composto apenas por trapiches de fumo e engenhos de acar, considerados a maior fonte de riqueza da regio. A implantao dos trilhos, a circulao de ideias e de pessoas e a concomitante expanso do comrcio iro dar uma nova configurao espacial/cultural a esse territrio. Nosso objetivo , pois, compreender a dinmica da formao urbana alagoinhense iniciada com a chegada da ferrovia e ampliada com o desenvolvimento do comrcio, articulando as relaes entre a formao do espao urbano e os usos sociais da cidade. Nossa inteno , portanto, analisar a formao da cidade a partir do cruzamento entre a construo de sua infraestrutura e sua urbanidade. Tal procedimento implica em discutir a materialidade dos espaos construdos no perodo estudado (1868-1929) e o tecido das relaes sociais como mecanismo para entender a questo urbana.1

Revista nica. Mensrio Ilustrado, Nmero extraordinrio. Ano I. Bahia, 15 Out. 1929.

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Considerando as dificuldades em trabalhar com um perodo de longa durao, optamos por analisar o processo de urbanizao de uma cidade que surgia em meados do sculo XIX. A periodizao corresponde a vrias etapas de construo desse espao urbano e suas correlatas transformaes socioeconmicas. Assim, o espao temporal balizado inicia-se com a remoo da sede da Vila para prximo Estao em 1868, indo at a inaugurao da usina eltrica em 1929, perodo de novas ordenaes e novos modos de vida dessa sociedade. A escolha desta cidade como objeto de anlise se imps por uma srie de questes: a curiosidade despertada, enquanto pesquisadora, pela origem da cidade; os desencontros de informaes quanto ao processo de povoamento; a chegada da ferrovia; a no concluso da igreja na antiga vila, hoje comumente chamada de Runas de Alagoinhas Velha; a ausncia de dados em relao primeira Estao, usina eltrica, s filarmnicas. Todos esses aspectos nos fizeram perceber que existiam algumas lacunas na histria da cidade. O fato de o comrcio de Alagoinhas, no incio do sculo XX, ser reconhecido como um dos mais desenvolvidos do interior baiano com a presena principalmente de comerciantes estrangeiros nos chamou ateno do sentido da necessidade de conhecermos ainda mais a histria do municpio2. Por fim, ao visualizar a organizao espacial do centro da cidade, algumas questes nos intrigavam, como por exemplo: em Alagoinhas existiu um plano urbanstico oficial que norteou a ocupao das terras em torno da Estao Alagoinhas entre 1868-1880? Como se deu o processo de expanso e urbanizao da cidade? Como se deu a dinmica da apropriao dos espaos prximos Estao? Quem eram os proprietrios dessas terras? Ao longo da pesquisa, respondemos essas questes e outras surgiram a partir do contato com as fontes que ampliaram as informaes sobre a cidade, trazendo tona muitos dados at ento desconhecidos.Com isso, esperamos ampliar as discusses em torno dos estudos na rea de Histria Urbana, partindo de anlises das particularidades de uma pequena cidade baiana que assim como muitas cidades do interior do pas tiveram na ferrovia e no comrcio um instrumento de transformao do seu espao urbano, seno a formao desses espaos , como o caso de Alagoinhas. Para Richard Roger, [...] o sangue vital dos estudos de histria urbana continua sendo a combinao de estudos de casos empricos pormenorizados, em conjuno com os grandes processos3.

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Revista A Luva. n 68 e 69. Ano III. Bahia, 29 fev. 1928. ROGER, Richard. Theory, Pratice and European Urban History, 1993. p. 4. apud. BARBUY, Helosa. Cidade-exposio: Comrcio e Cosmopolitismo em So Paulo, 1860-1914. So Paulo: EDUSP, 2006.

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Temtica de carter interdisciplinar, a histria urbana pode ser tratada a partir de diferenciados olhares e em diversas linhas de pesquisas desenvolvidas por variados autores. Essa elasticidade do tema permitiu a socilogos, economistas, filsofos, antroplogos, gegrafos, arquitetos e historiadores problematizarem e perceberem a cidade a partir de olhares particularizados, o que possibilitou o surgimento de vrias interpretaes, ampliando o leque de definies o que tem gerado a fragmentao dos estudos, mas tambm tem contribuindo para o enriquecimento terico do tema. Um estudo que nos interessou mais particularmente foi o trabalho do filsofo francs Henri Lefebvre, O Direito Cidade. Nesta obra, o autor apresenta sua concepo sobre a produo social do espao. Para Lefebvre, a cidade um produto social. A cidade muda quando a sociedade em seu conjunto sofre transformaes. Neste caso, ela no apenas um elemento decorrente de fatores econmicos, mas o lcus de coexistncia da pluralidade e das simultaneidades de padres, de maneiras de viver a vida urbana, que se caracteriza tambm por um espao de conflitos. Neste ponto, Lefebvre demonstra que os pesquisadores interessados em histria urbana devem perceber como no espao da cidade, a reproduo das relaes do capitalismo moderno se desdobra na vida cotidiana de uma sociedade urbana4. A partir deste enfoque, discutimos a formao da cidade de Alagoinhas como um espao construdo pelas aes de grupos e pessoas, que atravs da reproduo das relaes capitalistas e da vida cotidiana, impulsionaram o desenvolvimento de uma pequena vila do interior baiano no final do sculo XIX. Entretanto, para compreendermos a construo e a consolidao do espao urbano em Alagoinhas, no perodo que medeia 1868 a 1929, buscamos entender primeiro suas origens, ou seja, a dinmica socioespacial da vila e suas transformaes. Os trabalhos publicados pelo arquiteto e urbanista Murillo Marx, Cidade no Brasil,Cidade no Brasil: terra de quem? e Cidade Brasileira, possibilitaram reflexes importantes em torno da dinmica desse territrio. Essas obras, em seu conjunto, apresentam elementos significativos para pensar o urbano no contexto colonial e as mudanas ocorridas nas cidades brasileiras a partir de 1850, at a instaurao da Repblica. Na obra Cidade no Brasil: em que termos?, o autor apresenta dezoito verbetes enciclopdicos que se referem evoluo semntica das palavras e expresses que so ou foram usuais na histria urbana, assim como destaca as mudanas ocorridas nos conceitos e prticas urbanas a partir da segunda metade do sculo XIX. O conjunto desses vrios

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LEFEBVRE, Henry. O Direito Cidade. So Paulo: Centauro, 2001. p. 45-47.

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significados relacionados configurao do meio urbano contribuiu para nos acercarmos da compreenso de um perodo de mudanas que muito importa e que redesenhou nossos ncleos urbanos, aqueles em que nascemos e em que nos formamos, cujas caractersticas sofrem hoje novas, inditas e profundas transformaes5. J em sua obra Cidade no Brasil: terra de quem?, Murilo Marx discute o espao urbano a partir dos aspectos polticoinstitucional, econmico-fundirio e o socioespacial, e foca sua anlise na relao entre Estado\ Igreja, instituies, que, num primeiro momento de nossa histria urbana, foram responsveis pelo ordenamento espacial urbano. Segundo o autor, [...] se a aglomerao surgia espontaneamente e, ao longo do tempo, ia galgando diferentes estgios hierrquicos, esse processo ocorria norteado pela Igreja at o momento decisivo da criao do municpio.6 Essa situao se modifica medida que, com o advento da Repblica, o processo de secularizao contribui para acelerar a separao entre a Igreja e o Estado. Para Murillo Marx:[...] somente com as leis republicanas, especialmente o nosso ainda nico Cdigo Civil, ganhou outra ateno o trato institucional e administrativo dos assuntos municipais e se consolidaram os novos conceitos de domnio e transmisso dos bens de raiz surgidos em pleno imprio. Estado sem religio oficial separado da Igreja; terras negociadas, que se compram e vendem; poder pblico mais atento s questes mundanas dos cidados, de suas propriedades ou de sua falta; governo que se tornou tambm proprietrio e fiador, embaraado pelas leis do mercado7.

As mudanas ocorridas no sistema scio-poltico-brasileiro, que conduziram a uma reviso conceitual da legislao, aos poucos se refletiro na paisagem urbana. Novos elementos urbansticos redesenharam e ampliaram os espaos urbanos que de uma maneira geral alteraram os centros tradicionais que passaram a conviver com edifcios monumentais, abertura de ruas e avenidas, delineamento de praas, construo de lojas e escritrios.8 Ainda nessa obra, o autor busca entender no apenas a criao do ambiente urbano, mas tambm discute as razes de sua gnese, conformao e transformao que, segundo Murillo Marx, esto atreladas tambm questo da terra, de sua partilha, distribuio e domnio9. Assim como Lefebvre e Murilo Marx, as discusses da historiadora Da Ribeiro Fenelon contriburam para pensarmos criticamente a histria urbana de Alagoinhas. Pesquisadora e professora da Ps-graduao em Histria da Pontifcia Universidade Catlica5 6

MARX, Murillo. Cidade no Brasil: em que termos? So Paulo: Studio Nobel, 1999. p. 10-11. MARX, Murillo. Cidade no Brasil: terra de quem? So Paulo: Studio Nobel, 1991. p. 12. 7 Idem. Ibidem. p.123. 8 Idem. Ibidem. p.13-14. 9 Idem. Ibidem. p. 12-14.

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de So Paulo, publicou um texto de abertura em uma coletnea sobre Cidades no qual sistematiza suas ideias enquanto pesquisadora da cultura urbana. Para Da Fenelon, em ltima anlise, so as relaes sociais que delineiam a paisagem urbana, ou seja, configuram o espao e territrios urbanos. Assim, o pesquisador/historiador que se prope a compreender a problemtica da sociedade urbana no pode perder de vista que o espao citadino est impregnado de experincias, vivncias sociais que constantemente encontram-se em transformao, por isso preciso analisar a cidade buscando:captar e investigar, nas relaes sociais institudas na cidade, o entendimento de modos de viver, de morar, de lutar, de trabalhar e de se divertir dos moradores que, com suas aes, esto impregnando e constituindo a cultura urbana.Assim agindo, esses moradores deixam registradas ou vo imprimindo suas marcas no decorrer do tempo histrico, marcas que traduzem a maneira como se relacionaram ou construram seus modos de vida neste cotidiano urbano10.

A compreenso da cidade a partir de uma perspectiva cultural possibilitou ao historiador do urbano apreender a dinmica citadina a partir de suas formas e padres de organizao scioespacial. Debruando-se sobre os diferentes sujeitos e grupos sociais que se apossam do espao da cidade, o experienciam e o transformam, percebe-se que as formas urbanas por eles construdas produzem uma representao fsica dos modos de vida e das relaes cotidianas das sociedades no qual esto inseridos. As discusses apresentadas pela historiadora Sandra Jatahy Pesavento tambm indicaram possveis formas de lermos a cidade. Apesar de no problematizarmos o conceito de representao11por optarmos em focar a cidade de Alagoinhas na materialidade dos espaos e suas correlatas conseqncias, o estudo de Pesavento possibilitou tambm um viis de anlise no que tange compreenso da cidade como espao de sociabilidade. Para a autora, a cidade [...] lugar do homem, cidade, obra que impensvel no individual; cidade, moradia de muitos, a compor um tecido sempre renovado de relaes sociais12. Pensando nessas questes e levando em conta outras abordagens sobre o tema cidade, buscamos compreender a histria urbana de Alagoinhas, no perodo entre 1868-1929, que a partir de meados do sculo XIX, passou por inmeras transformaes. A chegada dos trilhos da Estrada de Ferro Bahia and So Francisco, em 1863, a mudana da vila para perto da10 11

FENELON, Da Ribeiro (org.). Introduo. In: Cidades. So Paulo: Olho d gua, Nov. 1999. p. 6. PESAVENTO, Sandra Jatahy. O Imaginrio da Cidade: vises literrias do urbano-Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2002. Nesta obra Pesavento trabalha os conceitos de representao e imaginrio para analisar as imagens construdas e difundidas pelas cidades citadas. 12 Idem. Cidades invisveis, cidades sensveis, cidades imaginrias. In: Revista Brasileira de Histria. v. 27. n 53. So Paulo: ANPUH, jan-jun., 2007. p. 7-23.

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Estao Alagoinhas, em 1868, o desenvolvimento do comrcio em fins do sculo XIX foram elementos que, alm de serem responsveis pelo nascimento de uma nova cidade, Alagoinhas Nova, implicaram novas ordenaes do espao urbano e promoveram o surgimento de novas relaes sociais atravs dos modos de viver, morar, trabalhar e se divertir. Alguns autores, entre os poucos que trataram da histria urbana de Alagoinhas nos primeiros anos de sua fundao, foram referncias fundamentais da presente pesquisa. O processo de povoamento, criao da vila, chegada da ferrovia, construo da igreja de Alagoinhas Velha, mudana da cidade, construo dos prdios pblicos e a inaugurao da usina eltrica foram acontecimentos que esto presentes nas obras dos memorialistas locais e que, de modo geral esto circunscritos ao nosso recorte temporal. O primeiro trabalho, que podemos considerar como uma biografia urbana, realizado em Alagoinhas, foi o do jornalista e mdico Amrico Barreira. Cearense, chegou cidade em 1898, designado pelo Secretrio do interior da Bahia para prestar assistncia aos prisioneiros de Canudos, doentes, que eram atendidos em Alagoinhas. Liderando uma equipe de cinco mdicos, Amrico Barreira tambm tinha a incumbncia de acompanhar os casos de epidemias que assolavam a cidade desde a dcada de 1870. Deveria ainda verificar os casos novos de epidemias, desinfeces, tratamento hospitalar e em domicilio13. Em 1902, ano de seu retorno ao Cear, escreveu um livro sobre a cidade intitulado Alagoinhas e seu municpio, 1902. Essa obra, que, a princpio, era para ser apenas um relatrio sobre a condio sanitria da cidade, tornou-se um livro que traz em seu bojo o registro da vida pregressa de Alagoinhas, revivendo uma longa srie de fatos histricos, registrando nomes dos vultos da poca e do progresso do municpio. A obra foi financiada pelo poder pblico municipal. Em 19 de setembro de 1902, a Cmara Municipal sancionou a lei de n 185 que determinava:Art 1o- concedido ao Dr. Amrico Barreira o auxlio de RS. 500.000 para a publicao de sua obra Alagoinhas e seu municpio,- sendo obrigado a fornecer ao municpio 200 exemplares da referida obra. Art 2o Fica aberto para o fim do art 1o desta lei o crdito respectivo14.

Amrico Barreira preocupou-se em registrar a histria da cidade desde fins do sculo XVIII, quando a regio se configurava um local de passagem de boiadas at o inicio do sculo XX, quando j despontava como um centro comercial em ascenso. Dedicou-se tambm em13

BARREIRA, Amrico. Alagoinhas e seu Municpio. Notas e apontamentos para o futuro. Alagoinhas: Typografia do Popular, 1902. p. 156-158. 14 Registros de Leis e Resolues do Conselho de Alagoinhas, 1898-1902. Livro n 03. Cmara Municipal de Alagoinhas.

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ressaltar a histria poltica do municpio nas primeiras dcadas da Repblica. Para isso transcreveu as atas municipais desse perodo, deixando registrados nomes de indivduos alagoinhenses que participaram e atuaram na poltica da cidade. Utilizando-se de uma memria coletiva e algumas vezes individual, Amrico Barreira coletou informaes sobre os principais homens pblicos, comerciantes, jornalistas, proprietrios de terras da cidade e, a partir desses dados, elaborou uma seo de notas biogrficas que exalta os grandes homens alagoinhenses. Ao longo do sculo XX, a obra Alagoinhas e seu municpio, 1902, tornou-se uma referncia indispensvel para refletir sobre a formao da cidade. Em 1959, Naylor Bastos Vilas-Boas publica o livro Traos da vida de Incio Paschoal Bastos [1860-1942]. Nesta obra, o autor faz uma homenagem a Incio Bastos que em 1960 completaria cem anos de vida. Ao traar uma biografia do comerciante e administrador pblico considerado um dos intendentes que mais investiu em obras de infraestrutura no municpio, Naylor Bastos oferece descries precisas do processo de fundao e desenvolvimento da Nova Alagoinhas. Utilizando-se de documentos oficiais encontrados na Casa Rui Barbosa no Rio de Janeiro, na Biblioteca do Instituto Geogrfico e Histrico da Bahia e em arquivos particulares, o autor recupera aspectos importantes da histria poltica e socioespacial da cidade15. Salomo Antnio de Barros, jornalista que atuava na imprensa do municpio desde 1929, quando era diretor do jornal O Popular, tambm publicou um abrangente e bem documentado estudo sobre o desenvolvimento urbano da cidade de Alagoinhas. Sua obra, intitulada Vultos e Feitos do municpio de Alagoinhas, aborda aspectos polticos, sociais, e econmicos, destacando acontecimentos relevantes que permearam a vida urbana de Alagoinhas, desde a origem do municpio at a dcada de 70 do sculo passado. Numa perspectiva de dar continuidade e ampliar o trabalho de Amrico Barreira, Salomo de Barros, a partir de pesquisas em arquivos pblicos e particulares, leituras de monografias e publicaes oficiais e em relatos obtidos junto populao local, escreveu um texto que, segundo o autor, no tinha a pretenso de tornar-se [...] uma obra de alcance literrio, mas, sim, um documentrio do que vem sendo realizado nas diversas fases da existncia de

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VILAS-BOAS, Naylor. Traos da Vida de Incio Pascoal Bastos (1860-1942). Memria comemorativa do seu nascimento, em que tambm se trata, por forosa correlao, de Alagoinhas e de Pedro Rodrigues Bastos e sua descendncia. Salvador, 1959.

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Alagoinhas atravs da atividade e do desprendimento das geraes que tm estado a seu servio16. recorrente na imprensa local encontrar notas, artigos sobre a contribuio da obra de Salomo de Barros para a cidade. No Jornal Alagoinhas, em 30 de outubro de 1998, foi publicado:Salomo de Barros foi um apaixonado amante da sua Terra Natal, idealista raa pura... A fora do ideal sabemos gera a vontade de servir. E servir, como fez de uma maneira mais eloqente possvel ao escrever e publicar Salomo de Barros o mais importante documento histrico existente sobre a Terra Alagoinhense at agora. Justamente o seu livro Vultos e Feitos do Municpio de Alagoinhas. Trabalho de flego, sem dvida apenas realizado por quem tivesse acendrado amor terra que lhe serviu de bero. Obra, que naturalmente exaltando com justia o Povo Alagoinhense, verdadeiramente engrandece tambm a Bahia17.

Salomo de Barros, em Vultos e Feitos da cidade de Alagoinhas, estuda a cidade construda pelos homens, que trazem as marcas da ao social, assim a cidade criada e recriada atravs dos tempos, derrubada e transformada em sua forma e traado18. Nesse sentido, assim como Amrico Barreira em 1902, Salomo de Barros valoriza o que ele chama de personalidades notveis, responsveis por promoverem o desenvolvimento poltico e social da cidade. Assim, nesta obra, foi tambm reservado um espao para o registro das biografias dos grandes homens da terra, os vultos da cidade seguida dos seus grandes feitos. Joanita Cunha, ao escrever um livro de memrias, registrando suas vivncias na cidade de Alagoinhas foi a que, entre os autores lidos, mais inseriu o elemento scio-cultural ao descrever a histria urbana da cidade. Seu livro, Traos de Ontem, publicado em 1979, traz reminiscncias de situaes vividas pela autora no perodo de 1930 a 1940. Em seu texto, emerge uma cidade dinmica com seus bailes, filarmnicas, quermesses e festas, um ambiente no qual Joanita e suas irms viveram intensamente os momentos e os fatos ocorridos19. Apesar de retratar a dcada de 1930, Joanita Cunha assim como outros memorialistas reconhece a participao da ferrovia para a formao da cidade e sua contribuio no crescimento econmico da regio, destacando o desenvolvimento do comrcio, citando os principais edifcios e as praas pblicas. Ao longo do texto, encontramos relatos de situaes vivenciadas pelos alagoinhenses no inicio sculo XX que demonstram alguns aspectos da vida16 17

BARROS, Salomo Antonio. Vultos e Feitos do Municpio de Alagoinhas. Salvador: Artes Grficas, 1979. Jornal Alagoinhas, 30/10/1998. 18 PESAVENTO, Sandra Jathay. O Imaginrio da Cidade: vises literrias do urbano Paris, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Editora da UFRS, 2002. 19 SANTOS, Joanita. Traos de Ontem. Belo Horizonte: Graphilivros, 1987.

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social e cultural da cidade. Ao longo de seu texto, Joanita Cunha deixou indcios e pistas que confrontadas com outros documentos nos ajudaram a compreender melhor a dinmica urbana da cidade neste perodo. Os ltimos estudos historiogrficos existentes sobre Alagoinhas versam sobre diferentes temticas como: a poltica na regio, as conseqncias do golpe de 1964 em Alagoinhas, o comportamento da imprensa no municpio de Alagoinhas durante o quatrinio 1960-1964. Entre os trabalhos relacionados ao processo de urbanizao, destaca-se o de Jeane Rocha que faz um estudo sobre a trajetria pessoal do Coronel Saturnino da Silva Ribeiro e a Dissertao de Carlos Nssaro Arajo da Paixo, que discute as transformaes urbanas ocorridas na cidade nas dcadas de 1930 e 1940 a partir das memrias de Joanita Cunha20. Os trabalhos aqui analisados e lidos foram fundamentais para compreendermos a dinmica de formao de uma nova cidade que surgia atrelada aos trilhos da estrada de ferro Bahia and So Francisco, responsvel, a princpio, pelo processo de ocupao, formao e desenvolvimento urbano nas ltimas dcadas do sculo XIX. Mas tambm nos deu subsdio para entendermos de maneira geral como a presena dos comerciantes com seus servios e a diversidade de mercadorias contriburam para o desenvolvimento de uma nova vida urbana a partir do incio do sculo XX. A implantao dos caminhos de ferro da empresa Bahia and So Francisco Railway Company, em 1863, exerceu papel importante no desenvolvimento da cidade de Alagoinhas. A vila, antes da chegada da estrada de ferro, possua um comrcio incipiente realizado por alguns viajantes que, no lombo de burros, vendiam seus produtos aos moradores da vila que em sua maioria, se dedicava atividade agrcola, possuindo lavouras de subsistncia e alguns stios que abasteciam a cidade. Ali estava instalado, ainda, um nmero significativo de trapiches de fumo e engenhos de acar, considerados a maior riqueza da regio. O vai e vem dos tropeiros e corredores de gado21, que demandavam da Feira Velha e vinham descansar e matar a sede de suas boiadas nas lagoas da regio, foi fator importante na escolha do nome do municpio. Em virtude desta caracterstica natural, a cidade, a princpio, foi denominada de Lagoinha, depois Lagoinhas e, finalmente, Alagoinhas.

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ROCHA, Jeane Anglica Machado. A trajetria do Coronel Saturnino da Silva Ribeiro. Alagoinhas: ]UNEB/Departamento de Educao - Campus II, 2003. [Monografia Especializao em Histria Poltica]. PAIXO, Carlos Nassro Arajo. Traos da cidade de Alagoinhas: memria, poltica e impasses da modernizao (1930-1949). UNEB/Campus V, 2009. Dissertao [Mestrado em Histria Regional e Local]. 21 Alagoinhas no incio do sculo XVII era corredor da principal rota que interligava Salvador a Paulo Afonso. Esta estrada detinha um grande afluxo de boiadas, tropas, mercadorias, andarilhos e palmeadores. Para um melhor entendimento da importncia de Alagoinhas nessa estrada dos bandeirantes nortista ver: VILAS-BOAS, Naylor. Traos da Vida de Incio Pascoal Bastos (1860-1942). Salvador, 1959. p. 6-10.

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Apesar da importncia do trfego de pessoas e mercadorias na viabilizao do desenvolvimento local entre o sculo XVII e a primeira metade do sculo XIX, foi a ferrovia que desempenhou o papel de fora motriz para trazer dinamismo para a cidade. Os proprietrios de terras, comerciantes e polticos, com a chegada dos trilhos de ferro e com a inaugurao da estao, construram estratgias para consolidar no municpio atividades voltadas para o comrcio e a ferrovia. A ferrovia alterou a relao dos moradores com o espao e o tempo no final do sculo XIX. A partir de 1870, ocorreu em Alagoinhas uma ruptura na tradicional estrutura da Vila, que tinha seu ncleo inicial em volta da Igreja de Santo Antnio das Alagoinhas e de sua feira organizada e prspera da qual participavam pessoas de outras localidades. Naquele momento a ferrovia caracterizava-se como um plo de atrao e, com ela e por ela se desenvolveriam as atividades econmicas, sociais e polticas do municpio. Se antes o tempo era marcado pelo ir e vir dos carros-de-boi, pela chegada dos mascates com suas novidades e pela expectativa de chegada da feira, agora as atividades cotidianas da vila passavam a ser marcadas pela chegada e sada dos trens. A acelerao do ritmo de vida exigia um novo sistema de infraestrutura urbana que valorizasse a rea onde estava localizada a estao, em detrimento da organizao scioespacial da antiga vila. O abandono das atividades comerciais, o descaso com a construo da igreja matriz e a transferncia da feira para o novo ncleo ocorreu em paralelo com a construo de novos bairros residenciais, o incremento de servios, comrcio e lazer. Assim, nas cercanias da linha do trem, emergiu um novo povoado, no qual a estao tornou-se o centro irradiador de ruas, praas e atividades comerciais. Na construo desse novo espao urbano, surgiram novas formas para viabilizar a reproduo do capital gerado pela ferrovia e pelo comrcio, que em fins do sculo XIX, tornou-se um propulsor da introduo e da circulao de objetos na vida urbana. Assim, Alagoinhas, paulatinamente, tornou-se a cidade dos trapiches de fumos, dos servios, dos prdios pblicos, das casas comerciais e da ostentao das casas particulares. A forma, imagem e estrutura da cidade haviam realmente mudado, tanto em decorrncia da transferncia da sede da Vila para perto da Estao, quanto pela construo e planejamento do novo traado da cidade. A Resoluo n 1013 de 16 de abril de 1868, sancionada por Jos Bonifcio Nascente Azambuja, Presidente da Provncia da Bahia, decretou a remoo da Vila de Alagoinhas para as proximidades da Estao da Estrada de

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Ferro22. Coube, contudo, ao Comendador Jos Moreira Rego fazer cumprir a lei. Seu empenho acelerou a transferncia da vila. Seu papel no cenrio poltico local valorizado pelos memorialistas da cidade que, em suas obras, enaltecem o esprito valoroso do grande benfeitor da nova Alagoinhas. Segundo Amrico Barreira:Inaugurada estao de Alagoinhas em 13 de fevereiro de 1863, compreendeu Moreira Rego a necessidade de aproveitando a facilidade de comunicao e transporte mudar para aqui o comrcio da antiga Vila, e ainda hoje se narram com admirao os extraordinrios esforos que ps em pratica para realizar esse ideal. S sua tenacidade e fora de vontade poderiam triunfar das dificuldades que o bairrismo da Vila lhe opunha23.

Ainda que esses atributos expressassem o esprito de empreendedor de Moreira Rego, o fato que o comendador foi uns dos maiores beneficiados com a mudana dos trilhos e, conseqentemente, com a mudana da vila, visto que era proprietrio de terras naquela localidade, alm de ter contrato firmado com a companhia inglesa e ser dono de trapiches prximos estao. Assim como a ferrovia, o desenvolvimento do comrcio no final do sculo foi um elemento determinante na produo de novas espacialidades em Alagoinhas. Neste caso, a abertura de novas ruas no centro, construo de novas casas comercias, a insero dos comerciantes na poltica viabiliza transformaes no espao urbano ampliando o processo de urbanizao iniciado com a ferrovia. A dcada de 1920 se caracteriza por ser uma poca de grandes transformaes na infraestrutura urbana da cidade assim como, nesse perodo, percebemos mais claramente a dinmica da vida urbana ocorrida atravs dos encontros, confrontos das diferenas visveis pela segregao dos espaos de sociabilidade, enfim dos modos de viver e vivenciar o ambiente urbano. O ano de 1929 marca o auge dos melhoramentos urbanos. A edificao do Pavilho Bar, a implantao do sistema de telefonia, os melhoramentos na Praa Dr. Ruy Barbosa e construo da Usina Eltrica Saturnino Ribeiro inauguram novos padres urbansticos que levavam em considerao tanto o embelezamento da cidade quanto soluo para os problemas pendentes da infra-estrutura urbana. A proposta de estudar a origem e formao da cidade de Alagoinhas pretende descrever estas transformaes que proporcionaram sua formao e desenvolvimento. Com

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BARREIRA, Amrico. Alagoinhas e seu Municpio. Notas e apontamentos para o futuro. Alagoinhas: Typografia do Popular, 1902. p. 41. 23 Idem. Ibidem. p. 118.

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base na literatura sobre o tema, as problematizaes deste trabalho apiam-se nas seguintes questes: a) A ferrovia foi responsvel pela construo de uma nova cidade, em razo de o processo de ocupao/urbanizao ter-se concentrado no espao circunscrito Estao Alagoinhas a partir de 1863. b) A ferrovia forjou o traado da cidade e alterou os hbitos e costumes dos moradores, graas a um maior contato com a capital e com outras regies, facilitando o acesso a diversas mercadorias e idias em circulao; criao de novas rotas, facilitando a circulao de pessoas e mercadorias; ou ainda pelo fato de constituir-se um instrumento ideolgico da nova era, carregando em si a crena no progresso. c) Tanto quanto a ferrovia, o comrcio contribuiu para a expanso da cidade, promovendo a implementao de infraestrutura e servios urbanos. d) A presena da ferrovia, o uso do transporte ferrovirio, as atividades comerciais voltadas tanto para o mercado externo quanto para o mercado interno, a presena dos imigrantes, a diversidade de mercadorias e a interveno do poder pblico no espao citadino alteraram os hbitos e costumes dos moradores e possibilitou aos alagoinhenses novas formas de relaes e vivncia com a cidade. Essas questes foram trabalhadas ao longo do texto. Para tanto, a presente dissertao foi estruturada da seguinte forma: no primeiro captulo, analiso o impacto da implantao dos trilhos da ferrovia Bahia and So Francisco na Vila de Alagoinhas e o inicio da formao de uma nova cidade. As notcias, nos anos de 1852, que circulavam com relao s possibilidades de os trilhos dessa Estrada de Ferro passar na vila de Alagoinhas, alimentaram a euforia da populao, e uma dcada aps, essa populao viveu a frustrao de ver os trilhos serem implantados a trs quilmetros do povoado, o que culminou na paulatina desvalorizao de suas terras e de suas atividades econmicas e na transferncia da Vila para prximo Estao. Nesse captulo, buscamos entender a dinmica social da vila atravs da anlise do Cdigo de Postura de 1955. Atravs das normas urbansticas, compreendemos a apropriao e a produo desse espao urbano, os modos de vida, a ao de grupos polticos que atuavam no povoado assim como analiso como se deu o processo de urbanizao ao longo dos trilhos. O segundo captulo examina a cidade, a relao entre o comrcio e a expanso da cidade. O desenvolvimento acentuado do comrcio, ocorrido no final do sculo XIX e incio do sculo XX, possibilitou a cidade de Alagoinhas ampliar seu rol de influncia. Assim como a ferrovia foi um fator decisivo no projeto de uma nova cidade em 1868-1869, a

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diversificao das atividades comerciais, j no final do sculo XIX, norteou as principais transformaes ocorridas no espao urbano. Nesta perspectiva, relacionamos os principais comerciantes que atuaram na cidade, que viveram e ajudaram a construir uma Alagoinhas prspera com um comrcio dinmico e afamado em toda a regio. Trabalhamos ainda a relao entre o comrcio e as mudanas na infraestrutura que culminou em uma nova esttica em sua paisagem urbana. O terceiro captulo procura associar as transformaes de carter fsico da cidade ao uso que seus habitantes faziam do espao urbano. Procurou-se analisar as novas formas de estar e usufruir a cidade. As festas e as diversas formas de lazer, atravs do esporte, do teatro e do cinema foram aqui tomadas como exemplos dessas transformaes. Na dcada de 1920, a cidade deixa de ser apenas o lugar das instituies, das grandes casas comerciais, mas tambm incorpora espaos apropriados para festas, as ruas so utilizadas para desfiles, diverses. Enfim, a cidade passa a desenvolver um duplo papel: lugar de consumo e consumo do lugar24. A nfase de nossa anlise recaiu sobre a formao da cidade atravs de seu processo de urbanizao - entendido como o crescimento progressivo do assentamento urbano e o seu desenvolvimento atravs da atuao de diversos agentes sociais e da vida urbana, caracterizada pela vivncia na cidade que pressupe encontro, confronto das diferenas, modos de viver e vivenciar o ambiente urbano25. Para a realizao deste trabalho, percorremos os diversos acervos histricos em Salvador e em Alagoinhas, em busca da reconstituio da histria dessa cidade no perodo estudado. Foi preciso perscrutar fontes impressas, manuscritas, cartogrficas e iconogrficas no intuito de juntar alguns fios dessa histria. Da documentao oficial do Arquivo Pblico do Estado da Bahia foram utilizadas, especificamente, as falas de Presidentes da Provncia, os ofcios enviados a Salvador pela Cmara Municipal da vila de Alagoinhas, 1853-1889. Foram tambm analisadas as posturas-cdigo de norma que organizava o espao urbano da vila de 1853, as Declaraes de Registros de Firmas da Junta Comercial da Bahia. Na seo de microfilmagem do Arquivo, tivemos acesso aos jornais A Verdade, O Porvir, A voz do povo que circulavam na cidade no final do sculo XIX. Na Biblioteca Pblica do Estado da Bahia, analisamos o jornal Dirio da Bahia de 1919; Revista do Brasil, 1908, Correio de Alagoinhas, 1920-1925; Revista nica 1929; A

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LEFEBVRE, Henry. O Direito Cidade. So Paulo: Centauro, 2001. p. 12. Idem. Ibidem. p. 15.

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Luva. Os postais analisados na dissertao se encontram no Museu de Postais da Bahia Tempostal. No Instituto Geogrfico Histrico da Bahia, tivemos acesso s seguintes obras: Dirio de uma expedio de Euclides da Cunha e ao livro Descries Prticas da Provncia da Bahia de Durval Vieira Aguiar. No Arquivo Pblico da Cmara de Alagoinhas, tivemos acesso aos seguintes documentos: Registros das decises e Leis do Conselho Municipal de Alagoinhas no perodo 1893-1915; ao livro de Qualificao Eleitoral e Estadual de 1895; livro de Declarao de estrangeiros que residiam em Alagoinhas em 1890; Cpias de ofcios 1896-1900 e as atas da sesso do Conselho Municipal, 1920-1929. Pesquisamos tambm o acervo da Fundao Iraci Gama. Nesta instituio, encontramos jornais locais, especialmente o Noticiador Alagoinhense de 1864, jornal Sete Dias, que circulavam no final do sculo XIX na cidade. Tambm analisamos o jornal Correio de Alagoinhas, 1905-1912 e a Revista dos Municpios, 1924. Tivemos acesso tambm a alguns arquivos particulares como o de Maria Valverde Leal, bisneta do coronel Jos Joaquim Leal. Algumas fotografias usadas na dissertao foram cedidas por Jos Lus, fotgrafo; e o lbum Artstico Comercial e Industrial do Estado da Bahia foi cedido por Amlia Saback aluna do curso de histria do Campus II, Alagoinhas. At onde sabemos, parte desse material documental indita. Alguns pesquisadores que antecederam esse trabalho analisaram a formao da cidade a partir das produes dos memorialistas, as fontes oficias deste perodo ainda requeriam um tratamento mais sistematizado. Os registros dos comerciantes, localizados no Arquivo Pblico da Bahia, e os Livros de Leis e Resoluo encontrados na Cmara municipal assim como a declarao dos estrangeiros que residiam na cidade no final do sculo XIX e os Jornais encontrados no setor de microfilmagem do Arquivo Pblico da Bahia foram fundamentais para avanarmos nas discusses em torno da histria urbana de Alagoinhas. Entretanto este trabalho longe de encerar as discusses em torno do surgimento e desenvolvimento da cidade de Alagoinhas, no perodo entre 1868-1929, procurou apontar algumas direes na discusso de alguns aspectos. Esperamos que as pesquisas aqui desenvolvidas contribuam para abrir novos horizontes e caminhos para a historiografia local.

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CAPTULO I - DE VILA A CIDADE: OS IMPACTOS DE UMA FERROVIA

1.1 Ascenso e expectativas de uma vila.

A histria de Alagoinhas na sua origem se confunde com a histria de algumas vilas e cidades coloniais que tiveram sua formao influenciada pela necessidade de estabelecer a comunicao entre o interior brasileiro, pouco conhecido, com as cidades que tinham a funo de centros regionais26. Na provncia da Bahia, ser a estrada dos bandeirantes nortistas, chamada de Estrada das Boiadas - caminhos de barro que ligavam a Bahia aos sertes do Piau - que proporcionou a formao de pequenos povoados nos primeiros tempos de nossa colonizao. Entre os ncleos que faziam parte da velha rota, encontramos Inhambupe27. Povoada pelas famlias Garcia Dvila e Vaz de Gouveia e pouso de boiadas, tropas e andarilhos est regio adquiriu uma posio privilegiada como um entreposto nos caminhos de gado. As terras que mais tarde iriam formar o povoado de Alagoinhas situavam-se em meio a essa estrada. Entretanto, somente no incio do sculo XVIII, a regio integraria a antiga rota28. O incio da ocupao do territrio alagoinhense de difcil preciso em virtude da ausncia de documentao. Esse fato gerou desencontros de informaes quanto origem do povoamento da regio no conjunto de trabalhos que problematizam a formao da cidade de Alagoinhas29. A bibliografia que aborda o tema apresenta duas explicaes para o povoamento da cidade. A primeira remete ao aspecto lendrio de que revestido o sacerdote lusitano, cujo nome ignorado, que, final do sculo XVIII, se estabeleceu na regio abaixo de Inhambupe, ergueu uma pequena capela, e em torno desta formou-se o povoado que veio ser26

REIS Filho, Nestor Goulart. Contribuio ao Estudo da Evoluo Urbana do Brasil (1500-1720). So Paulo: Pioneira, 1968. p. 123. 27 As primeiras histrias do municpio de Inhambupe esto associadas chegada do fidalgo portugus Alexandre Vaz de Gouveia em 1570. Os Gouveia fundaram a Capela Nossa Senhora da Conceio no ano de 1624. Marechal Guilherme Dvila, holands criador de gado, solicitou ao Governador geral da poca Diogo de Mendona Furtado, a posse de uma sesmaria de terras devolutas entre o rio Inhambupe e o rio Subama. Ao se estabelecer prximo a rea dominada pelos Gouveia, os Garcia Dvila construram outra capela sob a invocao do Divino Esprito Santo. A partir da, o povoado ficou dividido e conhecido at 1818 por Inhambupe de cima, domnio dos Gouveia, e Inhambupe de baixo, domnio dos Garcia Dvila. Ver: MARES, Estela. Evoluo Histrica de Inhambupe. Salvador: Contemp, 1993. p. 19. 28 VILAS-BOAS, Naylor Bastos. Traos da Vida de Incio Pascoal Bastos (1860-1942). Salvador, 1959. p. 9. 29 BARREIRA, Amrico, Alagoinhas e seu municpio. Notas e apontamentos para o futuro. Alagoinhas: Typografia do Popular, 1902. BARROS, Salomo Antonio. Vultos e Feitos do Municpio de Alagoinhas. Salvador: Artes Grficas, 1979.

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chamado de Lagoinhas. Contrapondo-se a essa explicao, Salomo de Barros afirma que o referido padre chamava-se Joo Augusto Machado30, veio para o Brasil atravs de uma Ordem Catlica Belga, designado para servir em Catuiara (hoje cidade de Teodoro Sampaio), se estabeleceu em um stio de bons ares e gua abundante e fundou uma capela que ficou sob a Jurisdio da freguesia do Divino Esprito Santo do Inhambupe de Cima, dando incio ao povoamento da regio. Especulaes parte sobre a identidade do misterioso padre e os reais motivos que o trouxeram para a regio Norte da Bahia, o fato que o local escolhido apresentava algumas caractersticas importantes para tornar-se um povoado promissor: a predominncia de lagoas, a perenidade de seus rios e sua localizao geogrfica, que permitiu sua insero na antiga estrada dos bandeirantes31, possibilitando tornar-se um ponto de pouso dos tropeiros viajantes e das boiadas que partiam da Bahia em direo ao sul do Piau. A partir da pequena capela, o arraial foi gradativamente prosperando. Todavia, a capela precisava ser oficializada, reconhecida como Igreja, visitada por um padre para que o lugarejo fosse reconhecido pela populao, pelo clero e governo32. Assim, no incio do sculo XIX, graas aos esforos do padre Jos Rodrigues Pontes, a capela foi elevada categoria de freguesia de Santo Antnio de Alagoinhas, por alvar de D. Joo VI, de sete de novembro de 1816, sendo nomeado seu primeiro vigrio o padre Pontes que nela permaneceu at 1830, ano de sua morte33. A nova condio de freguesia favoreceu a evoluo fsica da parquia e posteriormente a construo do seu tecido urbano. Segundo Murilo Marx, esse novo status de parquia ou freguesia:No era somente o acesso garantido ento desejada e necessria assistncia religiosa que se obtinha, mas tambm o reconhecimento da comunidade de fato e de direito perante a Igreja oficial, portanto perante o prprio Estado. No era apenas o acesso ao batismo mais prximo, ao casamento mais fcil, ao amparo aos enfermos, aos sacramentos na morte, mas tambm a garantia do registro de nascimento, de matrimnio, de bito, registro oficial, com todas as implicaes jurdicas e sociais. No era somente o acesso ao rito litrgico que propiciasse no quotidiano, nos faustos e infaustos, o confronto30

Segundo Salomo de Barros, o referido sacerdote em virtude de sua crescida descendncia familiar foi omitido nos documentos oficiais j que atestava uma mancha para Igreja. As informaes obtidas por Salomo de Barros foram dadas por Celso Machado, radialista, durante a pesquisa sobre o municpio. BARROS, Salomo Antnio. Vultos e Feitos do Municpio de Alagoinhas. Salvador: Artes Grficas, 1979. p. 47. 31 VILAS-BOAS, Naylor Bastos. Traos da Vida de Incio Pascoal Bastos (1860-1942). Salvador, 1959. p. 9. 32 MARX, Murillo. Cidade no Brasil: terra de quem? So Paulo: Studio Nobel, 1991. p. 19. 33 BARREIRA, Amrico. Alagoinhas e seu Municpio. Notas e apontamentos para o futuro. Alagoinhas: Tipografia Popular, 1902. p. 28.

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espiritual; era tambm o usufruto da formalidade civil com todo o direito e a segurana que pudesse propiciar34. (Grifo nosso)

A possibilidade de fazer uso desses servios ou recursos institucionais, a determinao dos limites territoriais estabelecidos para a recente freguesia (na rea que pertenceria a Santo Antnio de Alagoinhas foram anexadas terras frteis, fazendas e engenhos prsperos considerados a maior riqueza da regio)35 aliados ao desenvolvimento do comrcio dinamizaram a vida do lugarejo que aos poucos se tornou um dos povoados mais promissores da cadeia de stios que ligavam verticalmente a capital colonial a Bahia ao rio So Francisco36. Assim a independncia poltica e eclesistica do municpio foi uma questo de tempo. Trinta e seis anos aps ser elevada a categoria de freguesia, em 1852, Santo Antnio de Alagoinhas passou a ser territrio autnomo37. O limite do novo municpio permaneceu o mesmo da freguesia. Eis a um aspecto interessante na histria da criao da vila: os primeiros vereadores eram proprietrios das terras que pertenciam circunscrio territorial do povoado. De acordo com Raffestin, o territrio forma-se a partir da ao de atores sintagmticos que realizaram um programa, territorializando o espao. Dessa forma, o territrio um espao fsico onde se construiu um esforo humano e nele revelam-se relaes marcadas pelo poder que o modificam, pelas redes que se instalam como estradas, fazendas, casas comerciais e povoados38. Assim, a delimitao do territrio, formado pelo municpio de Santo Antnio de Alagoinhas, deu-se principalmente, a partir da ao de indivduos proprietrios de fazendas e de engenhos. De norte a sul do municpio, a especificao de suas fronteiras se dava a partir de nomes das propriedades rurais. Conforme se verifica no mapa abaixo:

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MARX, Murillo. Cidade no Brasil: terra de quem? So Paulo: Studio Nobel, 1991. p. 18-19. Alagoinhas at o ano de 1852 na parte poltica, como na eclesistica pertencia ao municpio de Inhambupe. Ver: BARREIRA, Amrico. Alagoinhas e seu Municpio. Notas e apontamentos para o futuro. Alagoinhas: Tipografia Popular, 1902. p. 28-29. 36 Entre os stios que faziam parte dessa estrada, encontraremos: Xing, Geremoabo , Bom Conselho, Mirandela, Tucano, Soure e Inhambupe. Ver: VILAS-BOAS, Naylor Bastos. Traos da Vida de Incio Pascoal Bastos (1860-1942). Salvador, 1959. p. 9. 37 Alagoinhas at o ano de 1852 na parte poltica, como na eclesistica pertencia ao municpio de Inhambupe. Ver: BARREIRA, Amrico. Op. Cit.. p. 29. 38 RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. So Paulo: tica, 1993. p. 143.

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Figura 1 Mapa dos Limites da Freguesia de Santo Antnio de Alagoinhas. Fonte: APEB - Seo Colonial e Provincial. Mao 1241.

Dentre os indivduos que dominavam territorialmente a vila, sejam pela posse da terra e/ou no exerccio de postos ou cargos pblicos, destaca-se o coronel Jos Joaquim Leal, escravocrata e abastado proprietrio do engenho Ladeira Grande, da fazenda do Poo da Pedra Pindobal e da sesmaria do Madureira e, em 1853, Presidente da Cmara Municipal da Nova Vila. Controlando as maiores propriedades agrcolas, a famlia Leal era uma das mais poderosas do municpio de Alagoinhas. Na metade do sculo XIX, eles possuam dois engenhos, onze fazendas alm de casas na Vila. Apesar de alguns membros da famlia Leal terem atuado na poltica do municpio, foi Jos Joaquim Leal, chefe e lder da extensa famlia quem mais influenciou no destino poltico do municpio39. Quando presidente da Cmara em 1853-1856 preocuparam-se em dirimir dvidas quanto delimitao do municpio para que as fronteiras no sofressem invases ou abusos de qualquer espcie. Preocupou-se tambm em sensibilizar o governo provincial tanto para a construo de um cemitrio quanto para a reforma da Igreja Matriz que se encontrava em um estado precrio, solicitando a abertura de estradas e construo de pontes40. Enfim, durante sua gesto, os vereadores ocuparam-se em

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BARREIRA, Amrico. Alagoinhas e seu Municpio. Notas e apontamentos para o futuro. Alagoinhas: Tipografia Popular, 1902. p. 112. 40 Oficios enviados ao governo da provncia pela cmara da vila de Alagoinhas, 1853-1856. APEB - Seo colonial. Mao 1241.

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determinar a extenso e o contorno da nova vila, instrumentalizando-a de servios necessrios ao seu desenvolvimento. A liderana exercida por Jos Joaquim Leal na regio estava principalmente pautada na tradio de seu poder poltico e econmico. Em 1859, Joaquim Leal faleceu e quando houve a partilha em 1889, o seu patrimnio estava avaliado em aproximadamente noventa e cinco contos de reis, os quais incluam a Fazenda Poo da Pedra, Comboy e escravos:Certifico aos que presente, que em meu cartrio acham-se esses autos de inventrio e partilha amigavelmente feitos entre o Coronel Jos Emigydo Leal e sua irm D. Maria Aureliana Leal [...] por falecimento do Coronel Jos Joaquim Leal e sua esposa Josefa de Jesus Leal. [...] Os bens separados para o quinho do suplicante que da quantia de sessenta e quatro contos e cinqenta e oito reis concede mil e duzentos e trinta e seis tarefas de terras, denominadas Poo da Pedra e Comboy em sua avaliao de quatorze mil reis cada tarefa, e todas por dezessete contos e trezentos e quatro mil reis cuja parte esta foi julgada por sentena. [...] Determino possam que se faam as necessrias notas nas matrculas dos escravos que por fora da presente partilha ficam pertencendo a cada um dos herdeiros [...]41.

Alm dos bens acima citados, outras propriedades menores e casas na vila fizeram parte da partilha. Seu filho, o cel. Jos Emigydo Leal assumiu os negcios da famlia. Era, proprietrio de cinco fazendas no municpio alm de possuir fazendas de gado no serto. Herdou o engenho Poo da Pedra, a mais antiga propriedade da famlia. Assumiu a liderana do municpio aps morte de seu pai. Jos Emigydo Leal, representado na imagem a seguir, foi tenente coronel chefe do estado maior. Ocupou diversos cargos de nomeao do governo e de eleio popular, entre estes, o de vereador da cmara da qual foi presidente42.

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Certificao de Requerimento do Coronel Jos Emigydo Leal o qual atesta a partilha de bens do cel Jos Joaquim Leal realizada em 13 dez. 1884. Documento encontrado no arquivo particular de Rita Maria Valverde Leal, bisneta do referido coronel. 42 BARREIRA, Amrico. Alagoinhas e seu Municpio. Notas e apontamentos para o futuro. Alagoinhas: Tipografia Popular, 1902. p. 113.

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Figura 2 - Fotografia do Cel. Jos Emigydo Leal tirada em 1851. Fonte: Arquivo particular de Rita Maria Valverde Leal.

O poder municipal esteve nas mos da famlia Leal por longo perodo na fase imperial. Com a chegada da Estrada de Ferro Bahia and So Francisco (1863) e o advento da Repblica (1889), o poder e prestgio da famlia foram confrontados com um poder externo que extrapolou os limites da vila. Era toda uma concepo de vida urbana formada na estrutura social do Imprio que se modificava por fora do processo em curso, era o surgimento de um novo sistema poltico que fortaleceu a posio de novos elementos do municpio de Alagoinhas dentre os quais a famlia Leal no fazia parte. Uma das rupturas no domnio municipal sofrida pela famlia Leal ocorreu no ano de 1868, quando sob a chefia do Comendador Jos Moreira de Carvalho Rego, foi removida a sede da vila de Alagoinhas para reas prximas Estao. Dessa forma, a famlia Leal foi paulatinamente perdendo o controle econmico e poltico do municpio. Antes, porm, de ocorrerem essas mudanas polticas e econmicas na vila, Jos Joaquim Leal aliado a outros vereadores tiveram o encargo de organizar as funes polticoadministrativo- judicirias do novo municpio com o objetivo de promover sua urbanizao e seu desenvolvimento econmico. Uma das primeiras preocupaes da Cmara Municipal de 1853 foi sistematizar o Cdigo de Postura. As posturas, mecanismo utilizado pela Cmara para regular as transformaes urbanas, gozavam de ampla autonomia que lhes conferiam as Ordenaes do Reino, tanto pela aplicao destas, como lei maior, pelas atribuies conferidas s municipalidades, como pelo prprio laconismo em relao s questes propriamente espaciais de convvio urbano43.

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MARX, Murilo. Cidade no Brasil em que Termos? So Paulo: Studio Nobel, 1999. p. 43.

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Entretanto, cabe salientar que essas deliberaes das cmaras municipais, no perodo colonial e imperial, apesar dos esforos de seus legisladores, no resultavam em um controle muito eficaz sobre as transformaes urbanas. Em primeiro lugar, em virtude do desinteresse dos proprietrios rurais com relao aos assuntos voltados para o espao urbano, sendo que esses proprietrios em sua grande maioria faziam parte do Conselho, e segundo, pela falta de carter metdico e sistemtico das leis sancionadas44. As mudanas polticas e sociais ocorridas no Brasil, na segunda metade do sculo XIX, repercutiram sobre o carter das posturas municipais. Questes relativas ao alinhamento, regulamentao de lotes, demarcaes tambm passam a ser objeto de maior cuidado pela cmara. As posturas, perdendo um pouco sua autonomia so submetidas exame e a aprovao45. Dessa forma, a Comisso de Posturas de Alagoinhas, em 16 de agosto de 1853, apresentou aos representantes da Cmara o Cdigo de Postura do municpio. Foram estabelecidas diretrizes para auxiliar os administradores na organizao do espao urbano. As propostas de leis foram avaliadas e em 1855 sancionadas com algumas ressalvas46. O Cdigo de Posturas de 1855 deliberava logo de incio a aparncia das construes. Nas posturas n 1, 2 e 3, verifica-se uma preocupao no s com tamanho das portas e janelas, que seriam vistoriados pelos fiscais, mas tambm com a esttica das casas cujas paredes deveriam ser rebocadas e caiadas. A limpeza e a higiene das ruas eram de responsabilidade dos moradores. Cmara, competia a fiscalizao da limpeza e, tomar providncias contra os abusos praticados. Adotaram-se tambm medidas de carter sanitrio. A proibio da criao de porcos soltos ou enchiqueirados dentro da cidade e de seus arraiais e a venda de gneros alimentcios que se apresentassem adulterados47 foram medidas que objetivaram melhorar as condies sanitrias do povoado. Contudo, a interveno do poder pblico frente s questes de higiene no foi to efetiva j que no se definiam exatamente os locais da destinao de lixo e da criao dos porcos. A preocupao com a sade pblica do municpio levou a Cmara a solicitar tambm ao vice-presidente da provncia autorizao para levantar currais e casas de aougue como se pode ver no texto do ofcio:

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MARX, Murilo. Cidade no Brasil em que Termos? So Paulo: Studio Nobel, 1999. p. 43. Idem. Ibidem. 46 Essas ressalvas dizem respeito estrutura da redao de algumas posturas e mudanas no texto da n 7 na parte relativa ao imposto; as posturas n 21, 22 e 30, segundo o documento as normas no deveriam ser aprovadas, pois j estavam previstas no Cdigo Penal. Posturas municipais da cidade de Alagoinhas, 15/04/1883. In: Cdigo de Posturas, Seo Legislativa. Srie: posturas, local; Alagoinhas (1860-1887), livro 855. Arquivo Pblico do Estado da Bahia. 47 Ibidem. Art n 4, 13 e 16.

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Havendo neste Municpio duas feiras uma nesta Vila e outra no Povoado da Capela dos Santos Peregrinos no Distrito de Periperi, em ambas destas feiras h aougue e talha-se a carne no campo com grande dano sade pblica, esta Cmara considerando a necessidade de remediar este mal pede a V. Ex autorizao para que pelo rendimento dela possa levantar currais e fazer casas de aougue em um e outro lugar e ficando estas como parte das vendas da Cmara. 13 de Agosto de 185348.

A anlise das normas impostas aos habitantes da Vila de Santo Antnio de Alagoinhas em 1853 revela a dinmica dessa sociedade. Pois, o que se probe o que se pratica, e pelo exame do que se probe podem-se perceber, portanto, prticas em uso em uma determinada sociedade. Assim que o fato de uma norma ter proibido, por exemplo, apresentao de danas, vendas de bilhetes sem a autorizao da Cmara, revela que isso se dava livremente na vila ; ou ainda em relao ao fato de se andar com armas de fogo compridas49 e a proibio de venda de plvora, ou fogos de artifcios sem licena do poder pblico50 revela que habitualmente os homens andavam armados. Tambm se previa multa para quem manipulasse drogas de farmcia sem ter habilitao51, assim como para os indivduos que perturbassem o sossego das famlias com vozerias e tumultos, injurias e obscenidades, tanto de noite como de dia, nesta Vila, e povoaes do seu termo52. O exame dessas e de outras proibies nos d a conhecer, ainda que parcialmente, os hbitos, os espaos urbanos e as atividades econmicas da Vila de Alagoinhas53. Assim, observa-se que o comrcio ao ser objeto de regulao das posturas n 11,18 e 19, que objetivavam a fiscalizao de pesos e medidas usados, a venda de produtos sem a licena da Cmara e a coibio dos atravessadores54, demonstra que a vila dispunha de um comrcio dinmico e concorrido. Para os comerciantes locais, a presena dos mascates (vendedores ambulantes) constitua-se em um problema que caberia s autoridades municipais solucionar. Em um abaixo-assinado enviado Cmara Municipal em 1853, os reclamantes se colocam nestes termos:De alguns anos para c no mercado desta vila tem concorrido alguns comerciantes volantes que sem domiclio fixo em qualquer de seus distritos, apenas aparecem no dia designado para eles [...] Hoje mais do que nunca se48

APEB - Seo de Arquivo Colonial e Provincial. Governo da Provncia. Cmara de Alagoinhas, 1853-1886. Mao 1241. 49 Posturas municipais da cidade de Alagoinhas, 15/04/1883. In: Cdigo de Posturas, Seo Legislativa. Srie: posturas, local; Alagoinhas (1860-1887), livro 855. Art n 7. 50 Ibidem. Art n 22. 51 Ibidem. Art n 29. 52 Ibidem. Art n 19. 53 Ibidem. Art n 8. 54 Ibidem. Art n 11, 18 e 19.

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v o mercado eivado de um sem nmero de tais comerciantes acostelados em barracas, aqui nas frentes das casas com suas fazendas dispostas em malas ou caixes. [...] esses em virtudes dessas atividades resulta uma grande soma de capitais que no so investidos no municpio. Por outro lado os comerciantes fixos e estabelecidos nesta localidade investem seus lucros no municpio [...] Duas classes de comerciantes que figuram nos mercados desta vila preciso equilibrar os dois lados da balana [...]55.

Ao destacar a retido e o compromisso dos comerciantes estabelecidos no municpio, os reclamantes reivindicavam que os vendedores ambulantes pagassem impostos a ttulo de licena para negcios na vila. Enfatizavam a necessidade de se colocar em prtica princpio de igualdade de deveres para os citados comerciantes. Entretanto, no exigia a excluso e a retirada dos mascates da vila j que suas mercadorias tornavam o comrcio mais atrativo. Assim como o comrcio, a feira era atividade importante para a economia do municpio, por isso, alguns aspectos dessa prtica foram normatizados pelo Cdigo de Postura de 1855, que previa multa para os feirantes que vendessem produtos estragados e estipulava o horrio aos quais os atravessadores de gneros de primeira necessidade poderiam vender seus produtos, sob pena de multa e oito dias e priso, caso a determinao no fosse cumprida56. Nos documentos da Cmara Municipal de Alagoinhas enviados a Salvador, relacionados aos anos de 1853-1868 existem vrias referncias: a mudanas do dia de realizao da feira, aos mascates e tropeiros que dela participavam aos produtos que eram vendidos. Assim fica demonstrada a importncia da feira para o cotidiano dos alagoinhenses e dos comerciantes e para o crescimento econmico da vila. Em alguns casos, a transferncia do dia da feira gerou discrdia e protestos pelos feirantes de outros povoados que argumentavam que a feira da vila era animada e forte57. Em novembro de 1864, atravs do jornal local, foi exigido Cmara Municipal maior rigor para reprimir a ao dos atravessadores que estavam vendendo gneros de primeira necessidade em atacado na feira local, um problema vivido pela vila desde 1853. A reclamao publicada ressalta que no requer a proibio desse comrcio porm somente pedimos que se no consinta a andar-se atalhando pelas estradas a farinha, o feijo etc. O que os faz subir no preo, e por isso mesmo aumenta a pobreza do lugar [...]58.

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APEB - Seo de Arquivo Colonial e Provincial. Governo da Provncia. Cmara de Alagoinhas, 1853-1886. Mao 1241. 56 Posturas municipais da cidade de Alagoinhas, 15/04/1883. In: Cdigo de Posturas, Seo Legislativa. Srie: posturas, local; Alagoinhas (1860-1887), livro 855. Art n 10 e 13. 57 Com relao aos problemas, gerados no municpio, em virtude da transferncia do dia da feira livre, tratamos no subitem 1.2. 58 O Noticiador Alagoinhense. n 7. 12 nov. 1864, p. 1.

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A situao descrita no Noticiador Alagoinhense, a imposio de normas que viesse coibir a ao desses comerciantes e os ofcios enviados ao Governo da provncia solicitando ora a aprovao de uma postura relacionada transferncia da feira ora a autorizao para construo de currais e casa de aougue demonstravam as fortes imbricaes entre o comrcio, a cidade e a feira. Mais que um espao de negcios, ela se tornara uma referncia para toda a regio. Ao tentar disciplinar os comportamentos dos citadinos nos espaos urbanos comrcio e a feira a Cmara Municipal visava um maior desenvolvimento econmico para o municpio. No obstante, no Cdigo de Postura de 1855, as preocupaes com alguns aspectos do urbanismo no constituam uma viso Global da infra-estrutura urbana. Nesse sentido, as normas visavam melhoria apenas esttica de casas particulares. Os logradouros e os prdios pblicos no faziam parte das matrias tratadas pelas posturas municipais. Se por um lado, a anlise dessas posturas nos ajuda a entender os usos dos espaos, o cotidiano dos alagoinhenses em meados de sculo XIX, por outro lado difcil precisar a paisagem urbana do povoado. A ausncia de fontes iconogrficas, plantas disponveis, descries mais detalhadas dos prdios existentes nos documentos examinados tornam mais difcil essa tarefa. Todavia, para termos uma imagem, ainda que superficial, do espao fsico da vila e de como ele se constitua, nos baseamos na interpretao e documentos enviados pela Cmara de Alagoinhas no perodo de 1863-1868, ao Governo da provncia59. Em alguns desses documentos, a municipalidade demonstra preocupao com as formas arquitetnicas e urbansticas da vila. O prdio da Matriz, por exemplo, figura em alguns ofcios e relatrios desses perodos. So recorrentes os pedidos de reforma para o edifcio, que acreditamos ser o destaque e o prdio mais importante do povoado, pois no espao aberto em frente igreja, na praa, eram realizados a feira semanal, reunies religiosas, cvicas e recreativas. Alagoinhas, assim como outras vilas e cidades do perodo colonial seguia os parmetros estabelecidos em 1707 pelo Conclio Sinodal, as Constituicones primeyras do arcebispado da Bahia, publicadas em 1719, que concediam licena para a construo de templos religiosos igrejas, capelas, clausuras para os povoados alm da definio dos critrios para a localizao dos templos na cidade e a definio dos seus respectivos adros60.

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APEB - Seo de Arquivo Colonial e Provincial. Governo da Provncia. Cmara de Alagoinhas, 1853-1886. Mao 1241. 60 MARX, Murillo. Cidade no Brasil: terra de quem? So Paulo: Studio Nobel, 1991. p. 44.

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O arcebispado da Bahia exigia atravs desse documento que a capela no estivesse em lugar ermo e desabitado j que deveria:[...] atender um preceito eclesistico que conferia de imediato, na paisagem de qualquer lugar, o destaque almejado, que o relevo sugerisse se no a primazia absoluta ao edifcio de templo. E, em boa parte, nosso territrio com seu relevo ensejou a explorao das colinas e das escarpas pelas capelas e igrejas de todo porte. Estava de sada garantida a forte presena, se no incontrastvel predomnio, desse elemento arquitetnico, pela sua posio topogrfica61.

Dessa forma, a igreja era o edifcio mais destacado, e o espao ao seu redor era o ponto focal da vida e da paisagem da maioria das freguesias, vilas cidades do perodo colonial. Alagoinhas no uma exceo, j que nasceu a partir de uma capela e sua paisagem enquanto vila dependeu da localizao da igreja. Esse edifcio religioso foi de fundamental importncia na configurao do tecido urbano da vila. A partir dele delinearam-se o largo e seus logradouros principais62. Assim, a espao fsico de Santo Antnio de Alagoinhas reconstrudo a partir da anlise da documentao e pode ser descrito da seguinte forma: no alto de uma colina, a igreja e sua praa, centro da vila. Ao lado da praa, algumas casas residenciais, sobrados, comerciais e a casa da Cmara que servia tambm para sesses dos jris e a cadeia. Esses elementos definiam a configurao espacial da Vila. A ausncia de referncia na documentao a nome de ruas, praas, edifcio pblico dificulta traarmos um quadro mais amplo desse espao urbano e demonstra a pouca importncia dada pelas autoridades municipais aos interesses e problemas citadinos, o que compreensvel se levarmos em considerao que no perodo colonial eram os grandes proprietrios de terras que ocupavam os cargos de vereadores, e a influncia desses senhores [...] no mundo rural se refletia no urbano ou, melhor dizendo, literalmente tornava o mundo urbano sua projeo63. Por isso, era comum o governo municipal estar voltado mais para os problemas rurais deixando para segundo plano os problemas da urbe. Ao mesmo tempo em que a Cmara de Alagoinhas negligenciava alguns servios urbanos, sem dar a devida ateno ao calamento, aberturas de ruas, alinhamento e nivelamento, por outro lado, nos ofcios relacionados aos anos de 1854 -1863 percebe-se uma preocupao com o desenvolvimento econmico do municpio. Nos relatrios enviados ao61 62

MARX, Murillo. Cidade no Brasil: terra de quem? So Paulo: Studio Nobel, 1991. p. 22. BARREIRA, Amrico. Alagoinhas e seu Municpio. Notas e apontamentos para o futuro. Alagoinhas: Tipografia Popular, 1902. p. 33. 63 MARX, Murilo. Op. Cit.. p. 90.

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governo da provncia, os vereadores ressaltam a importncia da vila para regio, graas a sua expanso comercial, seus engenhos e a incipiente produo manufatureira. Essa necessidade de evidenciar as riquezas e a economia regional pode estar associada perspectiva de os trilhos da estrada de ferro da Bahia ao So Francisco passarem na vila. O fato de Alagoinhas estar localizada em uma rea estratgica que dava acesso ao serto e ter sido incorporada a estrada dos bandeirantes nortistas no incio do sculo XIX, possibilitou sua insero na rede ferroviria que ligou a Bahia ao Vale do So Francisco. De acordo com Francisco Zorzo, essa uma caracterstica da rede de estradas de ferro da Bahia, que eram construdas aproveitando-se as diretrizes das estradas tradicionais, utilizadas anteriormente por tropeiros e carreiros64. Modificando alguns trechos, retificando outros, diante de necessidades tcnicas, o objetivo do sistema de transporte ferrovirio da Bahia era transportar os produtos agrcolas do interior [...] para pontos estratgicos da costa situados no Recncavo ou no litoral e, desses pontos, para o porto da capital 65. O Decreto n 641 do Governo Imperial, datado de 1852, pode ser considerado um marco na implantao das estradas de ferro no Brasil, por criar condies e estmulos para que investidores nacionais e estrangeiros injetassem capital na construo e expanso da rede ferroviria brasileira66. Diante da possibilidade de crescimento econmico e o retorno dos investimentos aplicados no transporte ferrovirio, os proprietrios de terras da Bahia que compunham a Junta da Lavoura, em 1852, apresentou sociedade baiana e aos polticos da provncia um [...] projeto para a construo de uma estrada de ferro que, partindo da capital baiana (Salvador), alcanasse a vila de Juazeiro cidade porturia e comercial, banhada pelas guas do Rio So Francisco 67. O vale do So Francisco, desde o incio da colonizao, foi considerado o meio de integrao entre a Provncia da Bahia e a de Minas gerais, Gois, Piau, Cear e Pernambuco. Em uma extremidade dessa [...] antiga rota encontramos Juazeiro, beneficiado com a velha estrada histrica da Bahia que ligava Bahia Piau Maranho, a cidade de Juazeiro se tornou logo um centro preferido das transaes comerciais destas regies, cresceu e se

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ZORZO, Francisco Antnio. Ferrovia e Rede Urbana na Bahia: doze cidades conectadas pela ferrovia no Sul do Recncavo e Sudeste Baiano (1870 -1930). Feira de Santana: UEFS, 2001. p. 78. 65 Ibidem. 66 Esse decreto tornava o investimento em ferrovia um negcio atraente a medida que estabelecia juros de 5%, isenes de impostos, direitos de desapropriao de terrenos particulares e apropriao de terrenos pblicos. Conferir: CARLETTO, Cssia Maria Muniz. A Estrada de Ferro de Nazar no contexto da poltica. Salvador: UFBA, 1970. p. 16-18. 67 SOUZA, Robrio Santos. Experincias de trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: trabalho, solidariedade e conflitos (1892-1909). Campinas, SP. 2007. Dissertao [Mestrado] - Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. p. 10.

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constituiu o foco mais poderoso da civilizao e da riqueza desta parte do Brasil[...]68na outra extremidade encontramos Salvador, cidade porturia, comercial cujo mercado era abastecido por mercadorias exportadas e importadas. Assim, possvel afirmar que para Junta da Lavoura uma rede ferroviria que ligasse Salvador a Juazeiro explicava-se por razes de ordem econmica, visto que esta estrada poderia promover a expanso do mercado consumidor e fortalecer as relaes comerciais com as provncias do norte. Essa ferrovia ligava as zonas produtoras do interior a Salvador, antes de estabelecer conexes com os centros comerciais de Pernambuco, Piau e Minas Gerais 69. Atravs da lei n 450, datada de 21 de junho de 1852, o governo provincial concedeu a garantia de juros Junta da Lavoura e outros proprietrios para construo de uma estrada de ferro que partisse da capital at o rio So Francisco70. Entretanto, somente em 1858 as obras foram efetivamente iniciadas. Com pequenas variaes, a via frrea, que levaria Salvador terra do serto e ao rio So Francisco, apresentava um traado com aspecto e formas da antiga rota dos bandeirantes. Adaptando-se ao relevo do terreno, seguindo um vale, procurando um planalto, construindo tneis e pontes, os trilhos aos poucos, percorriam pequenas freguesias, vilas consideradas regies tributrias do Vale do rio So Francisco71. Em relao insero da vila de Alagoinhas nesse traado, cabe-nos assinalar alguns aspectos que foram determinantes para a implantao dos trilhos na recm-emancipada vila: primeiro, o povoado, graas a sua localizao geogrfica, era considerado alm de prtico do nordeste baiano, uma rea estratgica que encurtava as distncias entre a provncia da Bahia e o porto fluvial de Juazeiro; somam-se a isso a perspectiva do tabaco produzido em Inhambupe72, que at ento era conduzido para cidade de Santo Amaro em lombos de burros, ser transportado para Alagoinhas pela ferrovia, fato que ampliaria o rendimento da

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SAMPAIO, Teodoro. O Rio So Francisco e a Chapada Diamantina. So Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 103. 69 SOUZA, Robrio. Santos. Experincias de trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: trabalho, solidariedade e conflitos (1892-1909). Campinas, SP. 2007. Dissertao [Mestrado] - Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. p. 11. 70 Fala proferida na abertura da Assemblia Legislativa pelo presidente da provncia Joo Maurcio Wanderley, 1 de mar. de 1853. Disponvel em HTTP://www.crl.edu/content.asp. 71 ZORZO, Francisco Antnio. Ferrovia e Rede Urbana na Bahia: doze cidades conectadas pela ferrovia no Sul do Recncavo e Sudeste Baiano (1870 -1930). UEFS, 2001. p. 77- 81. 72 Inhambupe no sculo XIX e inicio do sculo XX era grande produtor de fumo de corda e de folha da regio, abastecendo o mercado do Cear, Maranho e Piau, alm de exportar para Europa o fumo de folha, Inhambupe era um ncleo importante para a economia de toda a regio. Ver sobre a economia de Inhambupe em sua origem e outros aspectos da cidade em: MARES, Estela. Evoluo Histrica de Inhambupe. Salvador: Contemp, 1993. p. 27-28.

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via frrea73. Esses fatores aliados a riqueza econmica que se baseava no gado, tabaco e acar, possibilitou a Alagoinhas fazer parte da Era ferroviria do sculo XIX. Diante da perspectiva da chegada da ferrovia, o governo municipal preocupou-se em estreitar as relaes com o governo da Provncia, deixando-os cientes, atravs de ofcios e relatrios, do desenvolvimento da produo agrcola, da organizao e direo da indstria agrcola de acar, bem como das dificuldades para a criao de gado em todo municpio74. Tudo indica que em 1855 a Cmara de Alagoinhas foi informada de uma possvel alterao na rota da Estrada de Ferro. Ao que parece, os trilhos que a princpio iriam passar em Alagoinhas seriam desviados para Santo Amaro. Preocupados com a possvel mudana, a Cmara, em uma sesso extraordinria de 28 de abril de 1855, elaborou um documento no qual menciona as vantagens para companhia e para a populao geral da implantao dos trilhos na vila de Alagoinhas. No documento enviado a lvaro Tibrio de Moncorvo e Lima, governador da provncia, os vereadores se posicionaram nestes termos:Contestando o plano de passar a estrada de ferro desta vila, como antes tinha deliberado pelo recncavo de Santo Amaro, reprovamos tal mudana de planos. No podemos deixar de expor nossa opinio a esse respeito apresentando as grandes utilidades pblicas, que resultaro do interior da provncia, passando esta estrada por essa vila [...] Ser enfim muito mais conveniente ao bem pblico passagem da estrada por estes lugares que pelo recncavo que, sendo quase perto do mar inacessvel em tempos de chuvas. Ns apresentamos essas idias avulsas considerao de V. Ex, para transmitir a companhia dignando-se V Ex pelo melhoramento dos que habitam to distante da capital e dos portos martimos75.

Os vereadores tentam sensibilizar o governo da provncia, ressaltando a importncia de uma estrada de ferro tanto para Alagoinhas quanto para as reas prximas. Estes vereadores viam na ferrovia no somente uma possibilidade de circulao de mercadorias, mas de atendimento s grandes utilidades pblicas, melhorando, assim a vida dos que habitavam os povoados inseridos na rota. Sinalizam tambm os possveis prejuzos que a companhia poderia sofrer, pois afirmam a dificuldade de acesso ao recncavo de Santo Amaro no perodo de chuvas. Embora no tenhamos encontrado nas correspondncias analisadas referentes aos anos 1855 1863 um posicionamento do Governo provincial nem da Companhia a respeito da solicitao feita pela Cmara consideramos que os argumentos utilizados pelos vereadores, aliados a uma anlise tcnica e racional das vantagens econmicas constituram fatores73 74

Fala proferida pelo presidente da provncia Joaquim Anto Fernandes, 1866. Relatrio enviado ao governador da Provncia em 7 dez. 1855. Mao Colonial 1241. 75 Ofcio enviado ao governo da Provncia em 28 abr.1855. Mao Colonial 1241.

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relevantes para a permanncia do plano de viao inicial que inclua Alagoinhas no roteiro da ferrovia. Paradoxalmente, a possibilidade da chegada dos trilhos, no incio da dcada de 60 do sculo XIX em Alagoinhas, ocorre num momento de crise da economia local. A produo agrcola que tinha nos engenhos de acar e no tabaco a garantia do desenvolvimento da regio estava passando por um perodo de estagnao, gerado principalmente pelo aumento dos preos dos escravos. Por outro lado, o mercado do municpio, que era abastecido por produtos vindos por Santo Amaro, passava por dificuldades em virtude da precariedade dos meios de transportes, visto que a conduo tanto de pessoas quanto de mercadorias se dava por meios de animais de carga, que levavam dias para chegar a vila por causa da m condio das estradas76. A desestruturao vivida pela economia da vila gerou ansiedade e expectativa por parte do governo local para a chegada da linha frrea. Para fazendeiros, comerciantes e os conselheiros, a ferrovia possibilitaria maior rapidez e volume no transporte da produo e no recebimento de mercadorias alm de funcionar como fator de atrao para a regio, graas facilidade de acessos, trazendo trabalhadores livres e comerciantes. Enfim, a ferrovia criaria condies capazes de estruturar a economia local e viabilizaria o desenvolvimento urbano. Apostando num crescimento scioeconmico com a implantao da ferrovia, o governo municipal, presidido pelo Coronel Jos Emigydo Leal, se disponibiliza a organizar a infraestrutura bsica para o funcionamento da futura estrada. Portanto, solicita a presena do Engenheiro da Estrada de Ferro para desenhar uma planta que indicasse o lugar no qual seria construdo o prdio da estao. A partir dessa referncia os habitantes, que porventura quisessem construir casas de morada ou comrcio prximo estao da estrada, no o fizessem de forma aleatria e sem capricho77. Percebe-se a partir dessa fala uma preocupao com a valorizao das reas prximas a Estao Alagoinhas, bem como uma preocupao com a esttica das edificaes privadas. A despeito dos governantes no se aterem as questes relacionadas a esttica urbana nos primeiros anos de existncia da Cmara Municipal, o que verificvel na ausncia de diretrizes do Cdigo de Postura de 1855, e em alguns ofcios enviados as autoridades governamentais entre 1855 e 1863, visto que no se tem referncias a abertura de ruas, a criao de praas, a construo de edifcios pblicos, percebe-se que a vinda de uma ferrovia

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Ofcio enviado ao governo da Provncia em 1857. Mao Colonial 1241. Idem. 7 abr. 1862.

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refletiu, ainda que de maneira restrita, positivamente, na viso dos conselheiros, tanto no trato, como no uso do espao urbano. Particularmente, no houve grandes modificaes na estrutura urbana existente na vila. A ateno do poder pblico municipal estava focada na reforma da Igreja e na construo de um cemitrio. A inquietao da Cmara em relao salubridade do municpio remonta a 1854, ano em que foi enviado um ofcio aos deputados da Assemblia Provincial, solicitando auxlio financeiro para construo de um cemitrio. O argumento utilizado pelo Conselho assentou-se na ausncia de espao da Igreja dos Santos Peregrinos de Periperi, para acomodar o grande nmero de cadveres que concorrem para esta Igreja78. Aps trs anos, foi novamente solicitado ao governo providncias para construo do cemitrio, que passa a ser visto como um problema de sade pblica79. Ao mesmo tempo em que o poder pblico se preocupa com o saneamento da vila, busca tambm auxlio do governo para restaurar a Igreja. interessante salientarmos que, em toda a documentao analisada, o nico prdio pblico que sofreu interveno dos administradores foi igreja Matriz. A igreja teve o seu papel como agente configurador da paisagem urbana de Alagoinhas. Estava localizada num ponto geograficamente destacado, num terreno amplo que exibia de todos os lados a capela, e concentrava em seu entorno atividades de negcios do povoado. Considerando a importncia da Igreja de Santo Antnio das Alagoinhas para toda a populao catlica e devota de Santo Antnio, e para a paisagem urbana, compreendemos as preocupaes e solicitaes reiteradas da Cmara para a reforma do edifcio. Em 1854, o presidente da Cmara Jos Joaquim Leal envia a Salvador um parecer da comisso acerca do estado decadente em que se encontrava a Igreja Matriz, solicitando providncias ao presidente da Assemblia Provincial. Depois de analisar o estado da Matriz, a Comisso elabora um relatrio que detalha o estado da Igreja: a capela mor paredes afastadas, - corpo da Igreja para dentro paredes com algumas rachaduras. Para a comisso, o prdio tambm sofria a presena de formigueiros que comprometia as paredes externas80. Em 1857, a Cmara Municipal mais uma vez solicitou a ateno do governo para o prdio da Igreja que ainda necessitava de reparos.

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Ofcio enviado aos vereadores da Assemblia Provincial, mar. 1854. Mao colonial 1241. Idem. 1857. 80 Idem. 27 de mai. 1854.

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importante salientar que assim como o governo local se preocupava com a situao agrcola do municpio, gerada pela crise dos Engenhos de acar, pela falta de escravos e pelas estiagens, do mesmo jeito inquietavam-se com as ms condies apresentadas pela estrutura fsica da igreja. Esta constatao vem corroborar a importncia no s religiosa, mas poltica dessa instituio. De acordo com Murilo Marx, os laos estreitos entre Estado/Igreja proporcionaram a valorizao do patrimnio religioso ao qual cabia aos administradores locais preservar81. A reforma da Matriz, solicitada em 1854, recebe novo impulso com a confirmao da passagem da ferrovia. Agora mais do que nunca, o municpio precisaria de um edifcio que coadunasse com o prog