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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção
do grau de Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais, realizada sob a
orientação científica do Prof. Doutor Tiago Moreira de Sá
2
A chi c’è stato:
Nonna, Giulia, Fra, Fede, Lotti.
3
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer o Prof. Dout. Tiago Moreira de Sá pela paciência e pela
disponibilidade demonstradas ao longo do meu percurso académico, cujos conselhos
permitiram-me o alcance deste importante resultado pessoal.
Ringrazio mia nonna Assunta per l’aiuto concreto e per l’appoggio morale, senza i quali
non avrei raggiunto questo obiettivo sul quale in pochi avrebbero scommesso.
Ringrazio Giulia per la sua sempre costante vicinanza e per il suo essersi sempre
schierata dalla mia parte anche in situazioni difficili. Soprattutto, per avermi mostrato
il suo amore nei momenti di maggior bisogno.
Ringrazio Francesco per le serate via skype, momento positivo e catartico di questa
difficile permanenza in Portogallo.
Ringrazio Federica per l’amicizia costante e per il mese di Novembre, in cui è stata
compagna di avventura.
Ringrazio i miei amici di sempre, Tovarišč, Matteo, Ruben, e i nuovi amici, soprattutto
Pietro, per essere stati figure positive e sempre disponibili in questo altrimenti
proibitivo percorso.
E più in generale, ringrazio chi ci ha creduto. È difficile ricevere riconoscimenti in un
mondo in cui quello che faccio non ha molto valore concreto. Siamo in pochi, ma siamo
arrivati fino a qui. Questo Mestrado è per me e per voi.
4
AS RELAÇÕES EUA-RÚSSIA RELATIVAMENTE À QUESTÃO ÁRTICA
VALTER VECCHIOLI
PALAVRAS-CHAVE: EUA, Rússia, Ártico, reivindicação, Trump, degelo, UNCLOS.
Resumo:
Análise da história das relações internacionais entre os Estados Unidos e a
Federação Russa ao longo da mudança política e ecológica da calota Ártica, em
processo de degelo e de abertura às rotas navais e à esploração dos recursos naturais
submersos. Enquadramento das causas históricas de divergência e das reivindicações
territoriais das duas Nações e perspectivas de contato na administração da região após
a eleição do presidente Donald Trump.
Abstract:
Analysis of the story of international relations between US and Russian
Federation along the political and ecological changes in the Arctic basin, in course of
thawing and opening of naval routes and extraction of submerged natural resources.
Insertion of the historical causes of divergence and of the territorial claiming of the
two Countries, and perspectives of contact for the regional administration after
president Donald Trump election.
5
ÍNDICE [exemplo]
Introdução ........................................................................................................... 1
Capítulo I: A Questão Ártica ............................................................................... 3
I. 1. Coordenadas histórico-geográficas ................................................... 3
I. 1.1 Dados geológicos ................................................................................. 6
I. 1.2 A United Nation Convention on the Law of the Sea e
a declaração de Ilulissat ................................................................................ 8
I. 2. A Geopolítica do A-5 .......................................................................... 12
I. 2.1 Canadá ............................................................................................... 12
I. 2.2 Noruega e Dinamarca ........................................................................ 13
I. 2.3 Federação Russa ................................................................................ 15
I. 2.4 O Lomonosov Ridge e os casos menores de reivindicação .............. 16
I. 3. Os Estados Unidos na Questão Ártica .............................................. 18
I. 3.1 Os Estados Unidos e a UNCLOS ......................................................... 18
I. 3.2 O Mar de Beaufort e a Passagem do Noroeste ................................ 19
I. 3.3 O Estreito de Bering .......................................................................... 22
I. 3.4 Os horizontes geopolíticos da Questão Ártica ................................. 24
Capítulo II: Rússia e EUA: atitudes antitéticas em comparação ..................... 27
II. 1. A visão articocéntrica da Rússia ...................................................... 27
II. 1.1 Militarização russa no Ártico ............................................................ 28
II. 1.2 Articocentrismo russo ...................................................................... 33
II. 2. A visão artico-periférica dos Estados Unidos. ................................. 39
II. 2.1 A importância histórica do Ártico americano .................................. 41
II. 2.2 A estratégia norte-americana para o Ártico: o PDARP ................... 45
II. 3. O encontro entre as duas realidades ............................................... 53
II. 3.1 Encontros e conflitos entre Estados Unidos e Rússia ..................... 54
II. 3.2 Os Estados Unidos e a Federação Russa no Ártico .......................... 59
Capítulo III: Donald Trump e os horizontes da Questão Ártica ....................... 68
6
III. 1. As consequências da eleição de Trump no Ártico ......................... 68
III. 1.1 As divergências ecológicas .............................................................. 69
III. 1.2 A convergência económica ............................................................. 76
III. 2. A visão geopolítica de Trump face ao A-5. ..................................... 82
III. 2.1 Supremacia e isolamento ................................................................ 83
III. 2.2 Os horizontes possíveis ................................................................... 89
Conclusão .......................................................................................................... 97
Bibliografia ....................................................................................................... 98
Apêndice: Declaração de Ilulissat .................................................................... 100
Introdução
Esta dissertação, dada a contemporaridade da questão analisada, não se propõe de dar
respostas certas a todas as perguntas acerca das relações futuras entre os Estados Unidos
e a Federação Russa em termos de gestão, divisão e exploração da calota ártica em
processo de degelo e de abertura às operações comerciais.
Embora existam coordenadas que podem ser traçadas para perceber quais seriam os
horizontes desta ligação intercontinental, baseadas sobre a natureza histórica das duas
nações, a linha política dos dois relativos presidentes e as necessidades económicas e
ecológicas destes Países relativamente ao Ártico, esta é ainda uma problemática recém-
nascida, e, por isto, potencialmente sujeita a variações comportamentais inesperadas que
mudariam todos os equilíbrios entre estas duas potências.
Qual, então, a finalidade de uma análise deste tipo?
Este assunto apresenta-se novo e pouco explorado. As condições climáticas da calota
ártica estão em contínua mudança, abrindo rotas comerciais importantes assim como
revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações
internacionais contemporâneas, justamente, foca a própria atenção a questões de maior
relevância mediática, em zonas do planeta mais conhecidas, cujas anatomias
geopolíticas foram já analisadas e portanto mais facilmente previsíveis e disputáveis.
O Ártico, pelo contrário, foi sempre considerado uma zona periférica, semi-
desconhecida, e de irrelevante importância geopolítica. Apesar de ser o contato mais
próximo entre os dois atores principais do século passado, de fato os Estados Unidos e a
Federação Russa, a sua importância em âmbito geopolítico tem crescido apenas graças
aos últimos descobrimentos de área, que repararam uma mudança radical no bioma
polar causada pelo aquecimento global, provocando então degelo e maior
explorabilidade das áreas submergidas, com o consequente relevamento de recursos.
Revela-se então muito interessante pelo menos iniciar a por ordem na questão,
apresentando inicialmente o cenário geopolítico da calota, as várias reivindicações
relativas a esta zona e os pontos de divergência entre as potências envolvidas, para
concentrar a atenção nos dois estados protagonistas da dissertação, analisando as raízes
histórico-culturais que os levaram a este ponto, ou seja, às duas filosofias políticas em
relativa contraposição.
2
Finalmente, a verdadeira pergunta de investigação: quais serão as diferenças na gestão
da ordem geopolítica da calota ártica agora que a tendência política dos Estados Unidos
sai de uma verdadeira revolução ideológica com a eleição do novo Presidente Donald
Trump?
Por isso, esta análise não poderá oferecer uma resposta certa, mas com certeza tentará
expôr a situação com ordem analítico para traçar coordenadas dos mais prováveis
cenários futuros, chegando a algumas previsões dos próximos movimentos na área por
parte das potências em questão.
E, através desta análise, será permitido futuramente um ulterior aprofundamento que
explicará e comentará o futuro da região ártica e das duas potências que, maiormente,
têm poder de mudá-lo a favor das próprias necessidades.
3
1
A Questão Ártica
1.1 Coordenadas histórico-geográficas
O oceâno Ártico é uma das cinco maiores bacias de água de que o planeta dispõe.
Apesar de ter o menor tamanho, é com certeza a que está a oferecer mais pontos de
investigação no campo da geopolítica contemporânea. Isto por causa das mudanças
climáticas, cujo impacto na fisionomia dos continentes está a ser mais sensível do
que no passado, que estão a transformar esta zona polar em uma nova fronteira
política e comercial, disfrutável para a recolha de novos recursos e para a criação de
novas rotas comerciais que permitiriam um encurtamento significativo das
distâncias navais entre nações aparentemente distantes, promovendo então um
crescimento do comércio e causando novas implicações legais, a partir das quais
irão surgir problemas políticos e administrativos que correrão o risco de criar novas
divergências e novas questões diplomáticas.
Observando a calota ártica em plano coronal, notamos que as nações que circundam
o Pólo Norte e o relativo oceâno são principalmente cinco, e estes cinco paises
haverão de ser os principais protagonistas da questão Ártica, apesar de intrusões
inesperadas de que será tratado mais além. Começando pelo meridiano de
Greenwich em sentido anti-horário identificamos assim a Noruega, cuja costa
setentrional, além do arquipélago das Svalbard, toca inteiramente as águas do
Ártico, separada pelo mar de Barents da Federação Russa, que tem o perfil mais
extenso e, conseqüentemente, uma zona de reivindicação maior, mais alguns
arquipélagos setentrionais como o da Новая Земля1, o da Terra do Francisco José,
o da Северная Земля2, mais algumas ilhas menores que aparecem até o confim com
o continente Americano no Estreito de Bering, que separam-na do Alasca, estado
mais setentrional dos Estados Unidos, comprado pelos Americanos no ano 1867 por
7,2 miliões de dólaros graças à intervenção do diplomata Russo nos EUA Eduard de
Stoeckl.3
1 Russo: “Novaja Zemlja”, em português: “Terra Nova”
2 Russo: “Severnaja Zemlja”, em português: “Terra Setentrional”
3 Tymoszewicz, Kyle, Arctic Sovereignty, Integrated Independent Study – Issue Based, s.l., 2013, p.5
4
O Alasca tem fronteira como o estado do Yukon que pertence ao Canadá, cuja
presença no panorama ártico é incisiva graças não só às costas dos três territórios
árticos continentais – o Yukon, os Territórios do Noroeste e o Nunavut – mas
também ao enorme arquipélago setentrional cujas principais ilhas são a de Baffin, a
de Ellesmere, a de Victoria, a de Devon e a de Banks. Este conjunto de ilhas
aproxima-se à maior ilha do mundo a não constituir uma nação soberana: a
Gronelândia, que testemunha assim a presença do Reino Unido de Dinamarca no
cenário polar ártico. Esta é a porção continental mais setentrional do planeta, cuja
extremidade é representada pela Kaffeklubbe Island. O resto da calota é ocupado
pelo oceâno Ártico, cuja superficie gelada está a passar por um periodo de degelo
que abre novos horizontes no disfrutamento desta zona.
Porém, já desde o início do século XX os protagonistas da questão ártica mostraram
interesse na zona, embora fosse ainda considerada como uma porção remota do
mundo e cujo interesse não fosse ainda muito. A primeira declaração de soberania
no Ártico foi feita pelo senador Canadiano Pascal Poirier no dia 20 de Fevereiro do
1907. Ele, baseando-se na projeção dos meridianos de longitude do território do
Estado, pediu para o Canadá fazer uma declaração formal de posse das ilhas situadas
no extremo norte, estendendo-a ao Pólo Norte.4 O senado rejeitou a proposta.
Mesmo que o primeiro explorador que alcançou o Pólo Norte foi o americano
Robert Peary no 19095, os primeiros a criar minas na zona ártica para a recolha de
recursos foram os noruegueses, em novembro 1916, graças à companhia Store
Norske que ainda trabalha in loco na extração do carvão fóssil.6
Mesmo assim, as primeiras reivindicações oficiais houveram no ano 1925: o Canadá
inicialmente declarou o 60° e o 141° meridiano oeste serem seus confins marítimos,
com convergência dos dois no Pólo Norte. Seguiu uma declaração do governo
dinamarquês no 1933 em que reconhecia a Gronelândia um territorio do Reino
Unido da Dinamarca e portanto punha a base de uma potencial reivindicação
territorial entre os meridianos 60° e 10° oeste.7 Após as duas guerras mondiais terem
4 McCormick, Ty, Arctic Sovereignty, Inbox – Anthropology of an Idea, Mai/Jun 2014, p.20
5 ibidem
6 ibidem
7 Gillis, Charles, Who Owns The North Pole?, Maclean, Aug 2011, p.1
5
mudado o foco para outras zonas do planeta, a guerra fria deu origem a uma série de
intervenções diplomáticas para regulamentar uma zona que de facto representava a
única fronteira fisica entre os dois grandes colossos, os Estados Unidos e a União
Soviética, que levou à assinatura da United Nations Convention on the Law of the
Sea (UNCLOS), que estableceu a soberania sobre 200 milhas náuticas além da costa
de cada nação, e que podem ser estendidas em caso de continuação da plataforma
continental. 8 Desde então, todas as nações signatárias continuaram com
negociações diplomáticas exceto os Estados Unidos, que resolveram não ratificar o
tratado até agora e portanto encontram-se em uma posição de desvantagem no
âmbito da relativa diplomacia.9
Com a chegada do século XXI verificaram-se os efeitos do aquecimento global com
o degelo e os novos descubrimentos minerários na zona ártica. Com isso, os estados
começaram com novas reivindicações para extender o território nacional, primeira
entre as quais foi a Federação Russa, que enviou o seu pedido à relativa commissão
das Nações Unidas no 2001 e que com uma iniciativa muito criticada pelos outros
estados árticos mandou no 2007 a expedição submarina Артика10 para colocar uma
bandeira em uma cápsula de titânio na cordilheira submersa chamada Lomonosov
Ridge e reivindicâ-la como própria. O pedido, porém, foi rejeitado no 2002 por falta
de evidência científica.11 Sempre no 2001, a Dinamarca mandou o próprio pedido à
mesma commissão para a soberania sobre o Lomonosov Ridge, e a seguir fez
igualmente o governo canadiano, apesar de ter retirado o pedido porque não incluiva
o Pólo Norte.12
Porém, tem de ser considerado como até hoje o único pedido aceite pela Commissão
das Nações Unidas foi o da Noruega, que pediu uma porção relativamente menor de
oceano, e, sobretudo, resolveu a sua divergência sobre a soberania do Mar de
Barents com a Rússia no april do 201013.
8 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, p.16
9 ibidem
10 Russo: “Artika”
11 Gillis, Charles, Who Owns The North Pole?, Maclean, Aug 2011, p.2
12 ibidem
13 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, p. 205
6
Finalmente, o aumento da importância relativa à questão chamou a atenção de
estados extra-árticos que, graças à potencial possibilidade de tornar as águas internas
do Ártico inteiramente internacionais, querem disfrutar os recursos aproveitando,
nesta maneira, dos mesmos direitos dos estados árticos: a China em primeiro lugar,
e mais a Índia, o Brasil, o Japão, a Coreia do Norte e o Reino Unido, que até chegou
a ser um dos estados signatários do UNCLOS e a ser membro do Conselho Ártico,
embora não tenha soberania nenhuma dentro da região.14
1.1.1 Dados geológicos
Portanto, quais seriam as vantagens que levantam tanto barulho na cena
internacional? Não é difícil entender que a principal razão pela qual estes estados
estão-se a engajar assim tanto pode ser encontrada na natureza geológica e minerária
do subsolo ártico, que parece ser incrivelmente rica em recursos e quase totalmente
intacta.
Os dados recolhidos sobre a riqueza deste subsolo diferem de fonte em fonte, mas
são todos igualmente impressionantes: o Newsweek declara que, potencialmente, os
recursos árticos podem ser quantificados como o 22% do petróleo disponível no
inteiro planeta e das reservas de gases naturais, embora sejam quase todas já
reivindicadas pelas nações envolvidas e seja ainda impossível quantificar o exato
número dos recursos nas zonas do Ártico central15. De opinião diferente parece ser o
Economist, que em um artigo do 2007 quantifica esses recursos como o 25% da
disponibilidade global e, baseando os seus dados na pesquisa operada pela
sociedade de estatística londrina Wood Mackenzie, estima a presença de até 166
biliões de barris de petróleo ainda não descubertos, 70 bilhões dos quais estão no
Lomonosov Ridge tanto disputado.16
Ainda, o US Geological Survey acrece esta percentagem até ao 30% relativamente
ao gas, e limita ao 13% o petróleo ainda não descuberto, quantificando o total dos
14 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, p. 209
15 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, p.18
16 Demos, Telis, Melting icecaps are giving way to oil-rich waters that the U.S. can’t claim, The
Economist, Aug 2007, p.1
7
recursos em 1670 triliões cúbicos de gases naturais ainda disponíveis, e 90 biliões
de barris de petróleo. 17
Finalmente, a pressa Russa estimou, no 2011, que após uma investigação operada
pelos geólogos de Moscovo, fosse possível quantificar o total dos recursos no
subsolo ártico como um quarto da disponibilidade mundial de petróleo e gases
naturais, e o minístro Трутнев18 até indicou a quantidade de 5 milhões de toneladas
de combustível só no Lomonosov Ridge.19
A realidade é bem mais complexa. A US Geological Survey ofereceu-nos uma
tabela com a potencialmente exata quantificação dos vários recursos – que não se
limitam apenas a petróleo e gases naturais, mas compreendem gases hidratos e
diversos minerais – e que, no complexo, chega a ser 89,983 bilhões de barris de
petróleo, e 50,059 trilhões de m³ de gas natural, limitando assim os dados da US
Energy Information Administration que, no 2007, tinha quantificado 1247,102
bilhões de barris e 189,318 trilhões de m³ de gases naturais disponíveis.20
Finalmente, é preciso considerar como a maior fração na distribuição destes recursos
em termos de gases naturais fica na bacia siberiana ocidental, com 651,49856
trilhões de m³ disponíveis, enquanto a maioria do petróleo ainda extraível parece
estar no Alasca (29,96094 bilhões de barris). 21
Acerca a distribuição destes recursos por pais, é de novo o US Geological Survey
que nos oferece uma tabela relativa ao petróleo e aos m³ de gas natural.
Relativamente ao primeiro, o primado é dos Estados Unidos, que com 29,96 bilhões
de barris têm o 33,3% do total do petróleo Ártico. A seguir, a Federação Russa
dispõe de 25,89 bilhões de barris, que são o 28,77% do total. Muito pequena,
incrivelmente, é a disponibilidade do Canadá, que aparece na tabela com 0,85
milhões de barris equivalentes ao 0,95%.
17 Moens, Alexander; Dowd, Alan W., Taking Action in the Arctic – Canada and US must work together,
Fraser Forum, Abr 2009, p. 33
18 Russo: Trutnev
19 Глазунова, И. М., Арктическая Политика США в 2007-2011 гг., Трибуна Молодых Ученых,
Moscovo, 2011, p.228
20 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, pp. 192-
193
21 ibidem
8
Enquanto o pais que tem o primado absoluto na disponibilidade dos gases naturais é
a Rússia, com 34,25 trilhões de m³ e o 68,42% da disponibilidade total. Só 6,64
trilhões de m³ para os Estados Unidos, equivalentes ao 13,27%.
De qualquer forma, esta falta de conformidade sobre os dados relativos à quantidade
de recursos na zona ártica mostra-se indicativa da natureza ainda pouco explorada
da questão, assim como da dificuldade na exploração geológica na área, ainda
limitada a poucos períodos do ano por causa da glaciação das águas polares.
Glaciação que, sempre mais, diminui, abrindo novas rotas comerciais e revelando
novas fontes de recursos que eram inesploráveis. As implicações geopolíticas aqui
encontram-se com os problemas de natureza ecológica, enquanto o aquecimento
global estaria a provocar uma elevação do nível do mar que pode por a
sobrevivência de algumas cidades das várias costas numa condiçao de grande risco.
O clima do norte está-se a aquecer de 0,3°C por década, com uma diminuição
progressiva do bloco de gelo do 15% cada vinte anos e o resultado – potencialmente
catastrófico – de termos verões completamente ice-free no Ártico já daqui a 25
anos.22
Isto poderá permitir aos quebra-gelos de investigar melhor no subsolo da porção
mais central do Ártico, a procura de novos recursos ainda não descubertos, e aos
estados envolvidos de criar novos percursos entre a Eurásia e a America que
permitam um menor gasto de dinheiro e combustível.
Em conclusão, é também importante lembrar como entre os materiais destinados à
extração foram encontrados também diamantes (Cujas minas já são em fase de
planeamento no Ártico canadiano), prata, zinco e chumbo no Canadá, e urânio no
Ártico russo, cuja acessibilidade melhora ao longo dos anos e cujo utilizo seria
principalmente finalizado à venda.
1.1.2 A United Nations Conventions on the Law Of the Sea e a declaração de
Ilulissat
O que é que, portanto, regula as zonas de soberania nacional no oceano Ártico? Para
responder a esta questão, é preciso estender o foco da análise ao total das bacias de
água de que o planeta dispõe, que se submetem a una distribução de carácter político
22 Gillis, Charles, Who Owns The North Pole?, Maclean, Aug 2011, p.1
9
graças principalmente a duas convenções: a de Genebra no 1958, e a de Montego
Bay – melhor conhecida como a UNCLOS – no 1982.
Inicialmente, para perceber bem em que consiste o conceito de soberania,
apanhamos a definição nos oferecida pela Stanford Encyclopedia of Philosophy,
que, no 2010, o explicou como “autoridade suprema num território”23. Isto implica
principalmente duas coisas: o território, terrestre ou marinho, submete-se à
legislação do estado costeiro e obriga as entitades estrangeiras que alí se encontram
a se submeter igualmente, e o território torna-se imediatamente numa disposição de
recursos e disfrutamento regulada pelo estado costeiro, o qual pode dispôr sem
limitação da riqueza ofrecida e ditar as regras para o utilizo e o comércio da mesma.
Daqui vê-se a importância, para um estado, de garantir a máxima estensão territorial
numa zona como a do Ártico tão rica em recursos ainda não extraidos, e justifica-se
assim a longa série de questões ainda não resolvidas entre os estados envolvidos,
que ainda disputam sobre a soberania de algumas zonas de crucial importância
estratégica.
Para ofrecer uma solução potencialmente justa, a Convenção de Genebra do 1958
estabeleceu que a divisão das zonas marinhas além da costa fosse regulada pelo
princípio da linha mediana. Segundo este princípio, cada estado tem soberania sobre
uma faixa marinha delimitada, em largura, por linhas que fiquem equidistantes das
duas nações envolvidas, e com extensão de 3 milhas náuticas, distância calculada
como o máximo comprimento de um tiro de canhão.24
Isto tinha valor jurisdicional só em caso de ausência de evidências geomórficas, e
portanto podia muito facilmente ser interpretado ad hoc segundo o interesse dos
estados.
Portanto, propôs-se a promulgação de uma nova regulamentação jurídica sobre as
águas territoriais, que aconteceu em Montego Bay, na Jamáica, no 1982.
Esta convenção estabelece a garantia de soberania sobre 200 milhas náuticas de cada
costa – esta zona foi nomeada Zona Económica Exclusiva (ZEE) – e fica
condicionada pela morfologia da placa continental submersa, que traça os confins
23 Tymoszewicz, Kyle, Arctic Sovereignty, Integrated Independent Study – Issue Based, s.l., 2013, p.2
24 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, p. 207
10
entre uma ZEE e a outra. Ficam como águas internacionais todas as que não são
compreendidas em alguma ZEE.25
Provavelmente, se a convenção de Montego Bay tivesse mais rigidez, muitas
divergências nem teriam nascido: a origen, de facto, de todas as disputas territoriais
no âmbito ártico nasce do ponto de maior fraqueza que o texto de esta convenção
mostrou. Existe na verdade uma condição pela qual seria possível estender a
soberania até 350 milhas náuticas em caso de prova evidente da continuação da
placa continental relativa ao pais além do limite imposto pela convenção.26 Nasceu
daqui uma verdadeira caça às provas científicas para reivindicar zonas mais centrais
do Ártico, sobretudo o Lomonosov Ridge, e por causa da dificuldade para obter as
informações geológicas certas – vista a condição glacial desta bacia – ainda não há
resposta certa aos pedidos de reivindicação que foram mandados à Commissão
sobre a Lei do Mar (CLCS).
A peculiaridade desta convenção foi que entre os estados que sempre recusaram a
ratificação há, provavelmente, um dos mais envolvidos na questão Ártica, ou seja,
os Estados Unidos. Enquanto uma investigação sobre as razões desta decisão irá ser
efetuada mais além neste texto, pode-se facilmente reparar como a evolução do
estado da política ártica dos Estados Unidos esteja ainda numa fase germinal, e que
esta embrionalidade garante mais espaço para a ação de estados mais competitivos
na questão como a Federação Russa.
O que aparece, é que as ações do governo Russo começam a lembrar aos outros
estados Árticos, inclusive os Estados Unidos e o Canadá, que a inação não pode
mais ser considerada uma opção.27 No 2001 a Russia reivindicou mais ou menos
metade da área interna do círculo polar, e seis anos mais tarde, após a expedição
Артика, chegou-se ao ponto em que o capitão destes exploradores pôde declarar:
“O Ártico é nosso”.28
A força destas iniciativas russas está na convinção que a plataforma continental
eurasiática alcance as três cordilheiras submersas centrais, a central das quais é a de
25 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, p.16
26 ibidem
27 Moens, Alexander; Dowd, Alan W., Taking Action in the Arctic – Canada and US must work together,
Fraser Forum, Abr 2009, p. 34
28 ibidem
11
Lomonosov. Isto justificaria as provocações porque perpetradas segundo as regras da
UNCLOS, que mostra então uma fraqueza interpretativa. Pode-se dizer portanto que
a Rússia disfruta a UNCLOS, aproveitando dos pontos de maior deficência para
reivindicar uma porção sempre maior da calota. E de facto, como a Federação Russa
mostra-se a única nação que interpreta o espírito da Convenção como uma
potencialidade de acreção territorial, os outros estados encontram-se obrigados a
explorar a possibilidade de um novo tratado com a Rússia, para dividir finalmente
os recursos da bacia ártica numa maneira mais justa.29
De momento, a maior medida tomada contra esta dificuldade interpretativa foi uma
declaração que envolveu os estados Árticos no 2008, escrita na cidade de Ilulissat na
Gronelândia e conhecida como a Declaração de Ilulissat.
Nesta declaração, as cinco nações árticas renovaram o compromisso de respeitar a
Convenção de Montego Bay segundo a lei das Nações Unidas para a
regulamentação dos mares.30
Declaram portanto os estados em Ilulissat:
“By virtue of their sovereignty, sovereign rights and jurisdiction in large areas
of the Arctic Ocean the five coastal states are in a unique position to address these
possibilities and challenges. In this regard, we recall that an extensive international
legal framework applies to the Arctic Ocean as discussed between our
representatives at the meeting in Oslo on 15 and 16 October 2007 at the level of
senior officials. Notably, the law of the sea provides for important rights and
obligations concerning the delineation of the outer limits of the continental shelf, the
protection of the marine environment, including ice-covered areas, freedom of
navigation, marine scientific research, and other uses of the sea. We remain
committed to this legal framework and to the orderly settlement of any possible
overlapping claims.”31
De qualquer forma, a declaração de Ilulissat propôs-se também como um convite à
29 Moens, Alexander; Dowd, Alan W., Taking Action in the Arctic – Canada and US must work together,
Fraser Forum, Abr 2009, p. 34
30 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, p.16
31 Arctic Ocean Conference – declaração de Ilulissat, Ilulissat, 05/27-29/2008.
12
cooperação finalizada à investigação científica e à manutenção ecológica do
território, e mostrou-se como uma revolucionária demonstração de aproximação
entre a Federação Russa e os outros estados Árticos. Mas não só: o propósito da
declaração não foi somente à reivindicação de justiça para a divisão do território
oceânico ártico entre o A-5 (Esta é a maneira em que os cinco signatários se
nomearam nos documentos oficiais), mas sobretudo uma reivindicação de soberania
compartilhada contra a intrusão dos estados extra-árticos, que sempre mais
mostraram interesse na questão para garantir a internacionalidade das águas e,
conformemente com isto, a possibilidade para aproveitar dos recursos e usufruir das
vantagens hipoteticamente ainda limitadas aos estados geograficamente mais
próximos.32
1.2 A Geopolítica do A-5
Então, após termos analizado a natureza da jurisdição que pretende regular a
distribuição do subsolo ártico submerso para o A-5, é agora preciso ilustrar o estado
atual da política ártica das nações envolvidas, em que consistem as diversas
reivindicações e quais são os argumentos a vantagem dos síngulos estados para garanti-
las.
1.2.1 Canadá
Como já observado no capítulo precedente, o Canadá sofre uma menor
disponibilidade de recursos apesar de poder dispôr de uma porção territorial
verdadeiramente grande. Este estado projecta-se desde sempre numa visão política
tri-oceânica, considerando-se um estado ártico por natureza e promovendo
continuamente iniciativas para a garantia dos direitos territoriais no cenário polar.
Após as crises energéticas dos anos 1973, 1975 e 1979, os exploradores canadianos
empreenderam as primeiras expedições em direção do Pólo com o fim de obter
recursos necessários para o saneamento da economia em termos de energia elétrica.
E portanto, graças ao descubrimento de uma grande quantidade de hidrocarbonetos
no delta do rio Mackenzie, na bacia do Mar de Beaufort – pela qual houve uma
longa disputa com os Estados Unidos que ainda parece não alcançar uma resolução
32 Yeager, Brooks B., The Ilulissat Declaration – Background and implications for Arctic Governance, s.l.,
11/05/2008.
13
– e nas ilhas árticas do arquipélago setentrional, o Canada começou uma política
industrial extrativa que, até agora, representa uma das mais importantes riquezas do
país.33
Verificando-se porém o problema dos altos custos da extração, o governo canadiano
resolveu construir um oleoduto, o Mackenzie, entre o Ártico e o estado da Alberta
cuja função é crucial também para a aquisição de recursos dos Estados Unidos.
Substancialmente, tendo o Canadá uma extensão territorial significativa, a porção de
Ártico que pretende reivindicar é igualmente sensível, e apesar de ser um dos
maiores promotores da cooperação entre os estados árticos, o Canadá encontra-se
em três disputas internacionais para a reivindicação de porções territoriais deste
oceano: a questão da Ilha de Hans, a reivindicação do Lomonosov Ridge e do Pólo
Norte, e a nacionalização das águas do Mar de Beaufort com a consequente
regulamentação da passagem do noroeste sob a jurisdição Canadiana.
1.2.2 Noruega e Dinamarca
Os dois estados européus justapõem uma mansidão política e um contínuo tentar o
compromisso com os outros estados árticos a uma necessidade de auto-afirmação
apesar de um peso político menor. Os dois estados, que foram unidos, representam a
porção européia ocidental do Ártico, e põem-se como árbitros para o equilibrio da
calota polar sob um ponto de vista não só geopolítico mas também ecológico e
geológico.
As primeiras descobertas no Ártico foram feitas pelos exploradores noruegueses nos
anos ’60, que encontraram depósitos de recursos no Mar do Norte até agora a
disposição do governo do Reino de Noruega, assim como do Federal Russo. Os
noruegueses então obtiveram as primeiras licenças para a exploração do Mar de
Barents ocidental no 1980, que levaram os exploradores do reino à descoberta da
bacia de Snøhvit quatro anos mais tarde. Aí foi instalada a maior planta para a
extração do gas no inteiro Ártico, que produz agora acerca do 30% da exportação de
gas na Europa.34 Esta bacia, em vista do aquecimento global e do consequente
33 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, pp. 198-
199
34 Ibidem, p.199
14
degelo, vai-se propôr como a principal fonte de aquisição de materiais para a
navegação a disposição não só dos norueguêses, mas também dos norte-americanos
e dos asiáticos.35
O Mar de Barents é sem dúvida a principal fonte de recursos para o pais. Só a
porção ocidental da bacia fornece à Noruega o 30% dos recursos totais que o país
disfruta. E portanto conveio aos diplomatas noruegueses encontrar um acordo com
os vizinhos russos para a divisão do Mar de Barents, se calhar a única questão de
reivindicação ártica a ter encontrado uma solução definitiva. De facto, russos e
noruegueses, após terem estipulado um acordo comercial em Austvik no 2007,
regularam a distribuição das águas territoriais da zona cinzenta da bacia do Mar de
Barents no 2010, conformando-se à lei do mar e dividindo assim o lucro adquirido
através da extração dos hidrocarbonetos aí presentes. Esta situação de estabilidade
levou os dois paises a criar uma joint venture entre as duas maiores companhia de
lavoração do petróleo dos paises: a norueguesa Statoil Hydro e a celebérrima
Газпром36 russa.37
A situação internacional da Dinamarca está menos estável. O Reino Unido de
Dinamarca compreende não só a parte continental do pais e as duas ilhas maiores –
inclusive a em que fica a capital Copenhaga – mas também o arquipélago das ilhas
Fær Øer e a enorme ilha da Gronelândia. Porém, embora a Gronelândia permita à
Dinamarca o acesso direito aos recursos do Ártico exatamente como acontece com
os outros quatros paises, põe também o país no centro da que se calhar representa a
maior divergência entre as reivindicações nacionais no ártico: a questão do
Lomonosov Ridge. Portanto, se podemos afirmar com certeza que a posição da
Noruega encontra-se numa altura de estabilidade – lembramos como as
reivindicações territoriais além das 200 milhas navais do país são as únicas até agora
que foram aceitas pela Commissão para a Lei do Mar (CLCS) – não é possível dizer
o mesmo da Dinamarca, agora no centro de uma dísputa contra Canadá e Federação
Russa para a posse da cordilheira submersa e ainda longe de qualquer resolução da
questão.
35 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, p.199
36 Russo: Gazprom
37 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, p.200
15
1.2.3 Federação Russa
Os Russos são os que, sem dúvida, aproveitaram mais da fraqueza da convenção de
Montego Bay para anexar o maior espaço territorial possível na calota polar. A
política Russa, apesar da sua história mais orientada à defensa do enorme bloco
continental do que ao ataque e à conquista, mostrou-se sempre muito agressiva no
cenário ártico, com iniciativas as vezes discutíveis mas que, de momento, põem-na
na posição de supremacia que queria obter.
As primeiras descobertas soviéticas aconteceram no Mar de Barents nos anos 70,
após uma investigação sobre a natureza geo-sísmica daquela porção de placa
continental. O mapeamento daquela parte da placa levou os russos ao descubrimento
dos colossáis campos de Штокмановское38, de Ледовое39, e de Лудовское40 no
Mar de Barents, e mais os de Русанов41, de São Petersburgo, do Mar de Kara e do
Mar de Pecora. Só nos últimos vinte anos foram perfurados mais do que 100 poços
de petróleo só no Mar de Barents, onde é calculável a presença de mais ou menos 6
bilhões de toneladas de petróleo. Só estas bacias representam pela Rússia o 74% da
inteira produção de hidrocarbonetos na parte continental do pais, e são todas
destinadas à venda.42
Como já afirmado, a condição de supremacia russa levou o país a tomar algumas
iniciativas que despertaram indignação e discordância nos outros paises do A-5.
Após a expedição Артика do 2007, o Ministro do Estrangeiro canadiano Peter
Mackay declarou: “This isn’t the 15th century. You can’t go around the world and
just plant flags”43 e ainda o primeiro ministro da altura Stephen Harper, na
38 Russo: Shtokmanovskoe
39 Russo: Ledovoe
40 Russo: Ludovskoe
41 Russo: Rusanov
42 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, pp.200-
201
43 Gillis, Charles, Who Owns The North Pole?, Maclean, Aug 2011, p.2
16
promoção do seu programa intitulado Canada First, reagiu à agressividade dos
russos declarando que: “To protect the North, we must control the North”.44
A Federação Russa, de qualquer forma, não mostra preocupação, alternando
iniciativas de reaproximação como a assinatura da Declaração de Ilulissat a outras
de imposição territorial, como a decisão de treinar tropas que teriam a missão de
lutar no Ártico e apliar o raio operacional do país eurasiático na calota polar.45
1.2.4 O Lomonosov Ridge e os casos menores de reivindicação
Excluindo de momento os Estados Unidos na descrição do panorama geopolítico no
Ártico – cujo aprofundamento será o principal assunto do capitolo a seguir – o
mapeamento das divergências nas reivindicações territoriais no Ártico pode ser
dividido em três questões, uma das quais já está resolvida – a questão do Mar de
Barents entre Noruega e Rússia – e uma outra das quais não tem grande relevância
geopolítica, ou seja, a questão relativa à Ilha de Hans entre Canadá e Dinamarca.
Brevemente, a Ilha de Hans é uma ilhota inabitada de 1,3Km² que fica entre a
Gronelândia e a Ilha de Ellesmere, no canal Kennedy do estreito de Nares,
reivindicada inicialmente pelo Canadá no ano 1973, e pouco mais tarde pela
Dinamarca. A procura de um acordo, os dois estados resolveram procrastinar
qualquer decisão em vista da convenção de Montego Bay, para que esta decidisse a
quem pertencia a ilha. Contudo, apesar de anos de estudos sobre a placa continental
daquela área, ainda não se chegou à definição certa da natureza geológica da ilha, e
não obstante Canadá e Dinamarca continuem a enviar contingentes militares e para-
militares, mais várias vísitas diplomáticas, a ilha não tem soberania.46
Porém, o principal foco da questão Ártica – não considerando os Estados Unidos –
encontra-se na cordilheira submersa chamada Lomonosov Ridge.
Na verdade, esta é só a cordilheira central de um sistema a três, aos lados da qual
estão duas cordilheiras menores: a α-Mendeleev Ridge no lado americano e a Gakkel
44 Moens, Alexander; Dowd, Alan W., Taking Action in the Arctic – Canada and US must work together,
Fraser Forum, Abr 2009, p. 34
45 Ibidem
46 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, pp.202-
203
17
Ridge no lado eurasiático. Este sistema encontra-se entre a Ilha de Ellesmere e a
Gronelândia, e chega à profundidade de 1800 Km debaixo do Pólo Norte até o
arquipélago das Novas Ilhas Siberianas.47
Sendo a cordilheira particularmente rica em recursos, três estados do A-5 enviaram
à CLCS pedidos para a soberania, expondo as próprias evidências científicas.
No 2001 a Federação Russa enviou o primeiro pedido para uma secção da
cordilheira que incluiva o Pólo Norte. O que resultava da investigação dos russos
era que a cordilheira fosse o prolongamento natural da placa eurasiática, e portanto a
continuação submersa do continente. Um mês depois, foram publicados documentos
dinamarqueses para a reivindicação da cordilheira como conexão geológica à
Gronelândia, e portanto, território nacional.
Seguiu o pedido canadiano, inicialmente projetado para o 2013, mas retirado antes
da publicação porque os cientistas não tinham posto o Pólo Norte na secção
reivindicada, com consequente recusa do minístro Harper.48
Enquanto os expertos não concordaram com a decisão, evidenciando como o Pólo
Norte será declarado não-canadiano daqui a 10-20 anos (Esta foi também a
declaração do experto em lei internacional Michael Byers: “In five or ten or twelve
years, we are going to have to admit that the North Pole is not canadian”49), a
posição do governo canadiano fica irremovível apesar da evidência científica.
Mesmo assim, todos os pedidos enviados à CLCS foram recusados – exceto o da
Noruega – e agora novos pedidos estão em fase de preparação, com a Dinamarca
que pretende de novo incluir o Pólo Norte na porção territorial reivindicada, e o
Canadá que promove expedições científicas com custos que chegam aos 100
milhões de dólaros canadianos para encontrar elementos a favor da reivindicação
canadiana do Pólo Norte, e os Russos que após a recusa do pedido no 2002 ainda
não propuseram novos pedidos.50
De qualquer forma, o estado mais indicado para obter a reivindicação da cordilheira
é a Dinamarca: o geofisicista marinho canadiano Ron Macnab declarou: “Very early
47 Gillis, Charles, Who Owns The North Pole?, Maclean, Aug 2011, p.1
48 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, pp. 18-19
49 ibidem
50 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, pp. 18-19
18
on in the game, it became very clear that the Danish wedge would include the North
Pole. My own sense is that Denmark has the strongest claim”. Daqui a um ano
espera-se a resposta da CLCS.51
1.3 Os Estados Unidos na Questão Ártica
Enquanto até agora evidenciamos todas as questões que não envolvem os Estados
Unidos, e vimos como mesmo sem a presência deste colosso a situação no Ártico
apresenta-se intrincada e não resolvida, um rolo de absoluto protagonista é representado
pelos Americanos na inteira economia geopolítica do Ártico, com questões de difícil
resolução internas e externas.
1.3.1 Os Estados Unidos e a UNCLOS
Como já afirmado, a principal peculiaridade da convenção de Montego Bay foi
que os Estados Unidos nunca a ratificaram, apesar de terem assinado o tratado no
1994.52 Antes de procurar as razões pelas quais um estado cuja importância no
cenário ártico não pode ser posta em questão, é necessário lembrar como uma
decisão do género de facto impede aos Estados Unidos de tomar decisões nos
summits do Conselho Ártico, união sem poder jurisdicional dos estados Árticos
com a compartecipação de outras entidades nacionais como a Finlândia, o Reino
Unido e a Suécia, e vários estados observadores como a China, o Japão, a Índia e a
Itália – único entre os outros estados da União Europeia.
Esta posição de desvantagem, e a mais importância dada a outras questões
internacionais como a situação no médio oriente ou, mais antes, a crise nos Balcãs,
puseram os Estados Unidos em grande atraso respeito aos outros parceiros árticos.
A América, de facto, parece ter reparado o enorme valor da calota polar só após as
últimas descobertas, e só recentemente iniciaram a promover uma política de
contacto diplomático com o A-5 para a resolução, principalmente, de duas
questões de divergência na soberania, que irão ser analizadas mais além.
Investigando as razões que levaram os Estados Unidos à decisão de não ratificar o
tratado, encontra-se a hipótese que vê este fenómeno devido a um choque entre as
grandes companhia de extração (Big Oil, Exxon) e um grupo de Republicanos que
51 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, pp. 18-19
52 Demos, Telis, Melting icecaps are giving way to oil-rich waters that the U.S. can’t claim, The
Economist, Aug 2007, p.1
19
influenciou o senado para não querer reconhecida a soberania das Nações Unidas
sobre as decisões geopolíticas do Ártico. O presidente do Center for Security
Policy Frank Gaffney chegou a declarar o tratado “the most egregious transfer of
American sovereignty, wealth, and power to the UN”.53
Mesmo assim, expertos declaram que os Estados Unidos deveriam ratificar o
tratado para evitar as acusações de hipocrisia no criticar a política Russa como
“não pertinente ao espírito do tratado” e para garantir a solidariedade do A-5 em
caso de futuros problemas extra-árticos.54
Fica o problema de não poder assim enviar pedidos sobre a soberania de territórios
ao CLCS, a benefício dos principais estados rivais: o Canadá na questão do Mar de
Beaufort e da passagem do noroeste, e a Federação Russa na questão do Estreito
de Bering, ou seja, as duas maiores problemáticas que os Estados Unidos
pretendem resolver no cenário da calota ártica.
1.3.2 O Mar de Beaufort e a passagem do noroeste
O problema da soberania sobre o Mar de Beaufort origina não só da necessidade de
aceder aos recursos submersos, mas também da de internacionalizar uma porção de
águas de aproximadamente 6250 milhas² que agora se consideram internas
canadianas, para facilitar a passagem de novas rotas comerciais da América à Asia.
Os confins marítimos entre Canadá e Alasca foram fixados no 1825, quando o
Canadá pertencia ao Reino Unido e o Alasca ao império Russo. Russos e britânicos
puseram o confim ao longo do 141° meridiano, e agora são discutidos pelos Estados
Unidos porque baseados num princípio – o da equidistância – agora obsoleto após a
convenção – lembramos: não ratificada – de Montego Bay.
Portanto, os Estados Unidos sostêm a tese que todas as águas da passagem do
noroeste, que encontra-se mesmo entre a extremidade ocidental do Alasca e a
extremidade oriental da Chukotka na Rússia, têm de ser consideradas internacionais,
e segundo este princípio o Canadá deveria perder o direito jurisdicional sobre as
53 Demos, Telis, Melting icecaps are giving way to oil-rich waters that the U.S. can’t claim, The
Economist, Aug 2007, p.1
54 Moens, Alexander; Dowd, Alan W., Taking Action in the Arctic – Canada and US must work together,
Fraser Forum, Abr 2009, p. 35
20
águas de Beaufort.55 Como fundamento para valorizar esta posição, os Estados
Unidos põem o Artigo 37 da UNCLOS, que afirma:
“In straits […], all ships and aircraft enjoy the right of transit passage, which
shall not be Impeded; except that, if the strait is formed by an island of a State
bordering the strait and its mainland, […]”56
Contudo, a internacionalização das águas da passagem do noroeste promoveriam a
intrusão dos estados extra-árticos, que se sentiriam justificados a passar pelas águas
árticas sem obedecer à jurisdição de qualquer nação costeira.57 A China, por
exemplo, mostrou interesse verdadeiro na questão, com a explícita intensão de
mover os seus próprios interesses na nova rota comercial.
Outros problemas que os Estados Unidos têm que enfrentar nesta questão vêm de
diversas lobbies petrolíferas (Exxon, Chevron, Conoco Philips) que alinharam com
os grupos ambientalistas para a proteção do ecosistema ártico, e portanto declaram-
se contra a intervenção dos Estados Unidos na área de Beaufort.58
E qual é então a entidade das vantagens que esta passagem do noroeste dariam aos
paises beneficiários?
Aqui também, as fontes não dão uma única mesuração: segundo Carl Ek,
especialista nas relações entre Estados Unidos e Canadá, o degelo da passagem
encurtaria as rotas entre a Europa e a Ásia de uma quantidade de milhas entre 3000 e
4000.59 Segundo Byers, o promotor de Canada First, em vez, o encurtamento
chegaria até a 7000 Km, equivalentes a quase 4500 milhas marítimas.60
De qualquer forma, o utilizo da passagem do noroeste tem crucial importância não
só sob um ponto de vista relativo à distância, mas também à posição estratégica que
55 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, p.204
56 CLCS, United Nations Convention on the Law of the Sea, Montego Bay, 1982, p.37
57 Gillis, Charles, Who Owns The North Pole?, Maclean, Aug 2011, p.3
58 Demos, Telis, Melting icecaps are giving way to oil-rich waters that the U.S. can’t claim, The
Economist, Aug 2007, p.1
59 Moens, Alexander; Dowd, Alan W., Taking Action in the Arctic – Canada and US must work together,
Fraser Forum, Abr 2009, p. 35
60 Tymoszewicz, Kyle, Arctic Sovereignty, Integrated Independent Study – Issue Based, s.l., 2013, p.15
21
garante a possibilidade de realizar expedições oriente-ocidente sem passar pelo
Canal de Suez, e se submeter à relativa jurisdição.
Daqui percebe-se bem a dimensão da divergência entre o Canadá e os Estados
Unidos. Tem que ser mencionado, contudo, como à atividade política do governo
canadiano – que com a sua estratégia defensiva Canada First pretende defender os
direitos nacionais no Ártico com gasto de 3 bilhões de dólaros canadianos para a
compra de oito quebra-gelo 61– não se opõe laxismo por parte do governo
americano, apesar das acusações perpetradas ao Presidente Barack Obama pelas
principais companhias petrolíferas, que resolveram gastar mais do que 153 milhões
de dólaros para uma campanha publicitária que o definia “insuficientemente pro-
oil”62 e portanto pouco ativo nas bacias árticas: o Presidente, de facto, ordenou
também dois novos quebra-gelo para a ação direta na porção artica de competência,
e promete novos contactos com os canadianos para chegar à esperada resolução
diplomática.63
De qualquer forma, parece que uma resolução definitiva para esta questão possa ser
ofrecida mesmo pela natureza geológica do território e pelas regras de Montego
Bay: a forma da placa continental vira significativamente a oeste após 200 milhas
náuticas da costa da Alasca, que daria ao Canadá o direito de reivindicar aquela
porção como continuação da ZEE do Yukon, e pondo o estado numa situação
favorável na questão.
Mesmo assim, o Canadá mostra-se aberto à via diplomática: como inicialmente os
navios americanos que passavam por alí não pediam permissão aos canadianos, foi
assinado o Arctic Cooperation Agreement pelo Presidente Ronald Reagan e o
Primeiro Ministro canadiano Brian Mulroney, em que decidia-se que os Estados
Unidos não teriam mais permissão para enviar barcos na passagem sem a aprovação
do Canadá, mas o Canadá empenharia-se a dar esta permissão em qualquer caso,
sem excepções.64
61 Moens, Alexander; Dowd, Alan W., Taking Action in the Arctic – Canada and US must work together,
Fraser Forum, Abr 2009, p. 34
62 Tymoszewicz, Kyle, Arctic Sovereignty, Integrated Independent Study – Issue Based, s.l., 2013, p.13
63 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, p.16
64 Tymoszewicz, Kyle, Arctic Sovereignty, Integrated Independent Study – Issue Based, s.l., 2013, pp.29-
31
22
Lembramos também o alarme lançado pelo ambassador canadiano nos Estados
Unidos Paul Cellucci, que pediu maior controle militar na área sostendo que se a
passagem do noroeste ficasse sob a jurisdição das Nações Unidas, e portanto
mantivesse a sua condição de internacionalidade, esta seria usada pelos terroristas
como rota sujeita a menor militarização e portanto mais segura para o tráfico de
armas de destruição maciça. O resultado desta declaração foi a abertura de novas
negociações para o emprego de forças militares americanas na porção oceânica de
contenção.65
Entretanto, deve ser lembrado também que existe uma passagem do nordeste, que já
se encontra na condição de ser ice-free e portanto utilizável principalmente pelos
russos, que assim pode garantir os negócios com a Europa apesar da crise ucraniana.
E mais, não pode ser omitido como as relações entre os Estados Unidos e o Canadá
no âmbito ártico compreendam também pontos de convergência, como aconteceu na
realização do gasduto americano que de Prudhoe Bay, na Alasca, leva recursos até
Valdez, nos Estados Unidos continentais, passando pelo território canadiano e
confluindo no gasduto canadiano Mackenzie, para alimentar os estados de
Washington, Montana e North Dakota.66
1.3.3 O Estreito de Bering
Apesar da proverbial agressividade da política federal Russa na questão ártica, cuja
emblemática representação resultou ser a expedição Артика do 2007, algumas
declarações do estado eurasiático desmentem a ideia de uma Rússia arrogante. O
Primeiro Ministro canadiano Ben Harper relatou as palavras do Presidente russo
Vladimir Putin acerca da iniciativa, que garantia que não houve intenção de ofender,
nem de violar qualquer acordo internacional, nem de invadir a zona de soberania
canadiana.
E é com esta ambiguidade da política externa Russa que os Estados Unidos têm a
ver relativamente á questão do Estreito de Bering, que se entrepõe entre a porção
65 Tymoszewicz, Kyle, Arctic Sovereignty, Integrated Independent Study – Issue Based, s.l., 2013, pp.29-
31
66 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, pp.198-
199
23
extrema oriental da Federação Russa, com o estado da Chukotka e a sua capital
Anadyr, e a porção extrema ocidental dos Estados Unidos, com a Alasca.
A contenção entre os dois estados é relativa à definição dos confins marítimos do
mar de Bering, alí substante.
Quando de facto os Estados Unidos compraram a Alasca no 1867, com o acto de
compra estabeleceram o confim marítimo três milhas além da costa, como a norma
da altura ainda impunha. Após Montego Bay e as novas normas definidas pela
UNCLOS, encontraram-se novas divergências na redefinição do confim, que
levaram os dois paises a um longo caminho diplomático, cuja mais importante
tratativa resultou no Maritime Boundary Agreement.67
Segundo este acordo, a redefinição do novo confim tinha que seguir uma linha reta
que, partindo do ponto corrispondente a 65°30’ de latitude norte e a 168°58’30” de
longitudo oeste, divide a secção setentrional do oceano Pacífico e, através de uma
bem definida sucessão de pontos topográficos, passa no meio do Mar de Bering e
continua até ao oceano Ártico.68
De qualquer forma, para perceber as dificuldades do iter diplomático para um
acordo definitivo sobre a questão, é importante lembrar como a natureza de um dos
dois paises envolvidos estivesse numa fase de mudança epocal. O Maritime
Boundary Agreement de facto foi ratificado pelos Estados Unidos no 1991, ano em
que se estava a preparar a dissolução da União Soviética para a criação da nova
Federação Russa e da consequente instituição da Comunidade dos Estados
Independentes.
Os primeiros envolvidos, ou seja os soviéticos, não ratificaram o acordo. As razões
desta decisão têm fundamento histórico e trazem consigo o oneroso testemunho de
décadas de guerra fria, em que o estreito de Bering representava, se calhar, o único
exemplo de quase-continuidade física entre o bloco continental da União Soviética e
a Alasca, então a única fronteira direta transitável entre os dois estados. Manter a
ambiguidade geopolítica daquela área teria garantido, de qualquer forma, que se
evitasse a edificação de uma Cortina de Ferro oriental, que iria ser militarizada e se
teria tornada numa zona sensível.
67 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, p.204
68 Ibidem
24
Porém, após a dissolução da União Soviética, o novo governo Russo de Boris
El’tsin aceitou uma revisão do acordo, declarando-se não concorde com a
designação da fronteira marítima. A origem desta nova divergência fonda-se sobre a
inexistência de uma base cartográfica condivisível para a aplicação do acordo.
De facto, a área representada numa carta geográfica muda de forma e tamanho
segundo as diversas projeções cartográficas existentes: a equivalente, a conforme, e
a equidistante.
Portanto, os russos criticaram o utilizo da base cartográfica conforme segundo a
projeção do Mercatore na qual baseia-se o acordo, porque obrigaria os russos a
ceder cerca de 15000 milhas² náuticas aos Estados Unidos, equivalentes a cerca de
50000 Km² de oceano, com consequentes perdas em termos não só de recursos, mas
também de produção pesqueira, muito abundante naquela área, e dos ganhos
relativos a esta atividade.69
1.3.4 Os horizontes gopolíticos da questão ártica
Após ter sido um assunto de marginal importância, a questão ártica estã ganhando
posições nas prioridades dos governos mundiais e dos estudos geopolíticos. A
mudança climática está finalmente a mostrar as suas consequências visíveis, com o
degelo da calota polar e a consequente abertura de novos horizontes para a extração
de recursos, que oferecem então uma válida alternativa à egemonia dos estados do
oriénte medio com a formação de novas hierarquias económicas que mudarão o
inteiro cenário comercial num plano global.
As novas rotas comerciais garantirão maior velocidade no transporto destes
materiais, e no comércio entre a América e a Eurásia, com controle crescente e
adequada militarização.
Sendo esta uma questão ainda aberta, todas as situações de distância entre os paises
do A-5 haverão de passar por um iter ainda durável para chegar a uma resolução
concordada por todas as partes envolvidas.
O diretor das investigações do Australian Centre for Ocean Resource and Security
Clive Schofield escreveu no início do 2015 um relatório em que pronosticava que:
69 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, pp.204-
205
25
“At the commission’s current rate of progress, several decades are likely to pass
before final and binding outer limits to national continental-shelf claims can be
fixed for all states that have submitted claims”70 que abre então a novas intervenções
sobre os pedidos já enviados – com implícito convite à investiçação cientifica a
soster os vários pedidos – e adia a designação definitiva das questões à metade do
século XXI, em que o progresso científico será mais avançado e a fisionomia da
calota polar apresenterá-se muito diferente do que agora.
Sob um ponto de vista etnológico, muitos estados têm ainda que trabalhar sobre um
maior envolvimento dos povos árticos, evitando assim uma excessiva centralização
do poder político em questões tão periféricas.
O Canadá, nesta questão, mostra-se paradigmático: a divisão em três territórios
árticos garante uma representação diplomática dos povos setentrionais (O território
do Nunavut centraliza-se nas ilhas do Ártico ocidental, e a capital Iqaluit fica
mesmo no arquipélago). A natureza puntiforme da Noruega – apesar do arquipélago
das Svalbars – não perceba a questão ártica como distante do governo central de
Oslo, portanto o povo norueguês inteiro sente-se representado nas disputas.
Igualmente, a grande autonomia desfrutada pela Gronelândia põe a ilha numa
condição de independência decisional relativamente ao governo de Copenhaga.
Pelo contrário, os dois estados que ainda têm que trabalhar com isto são a Federação
Russa, que embora tenha um bom sistema de deslocalização para as funções
diplomáticas dos vários области71, ainda põe Moscovo em posição central na
execução das iniciativas na porção Ártica de pertinência.
Mesmo assim, a situação mais atrasada, em toda a questão ártica e também no
problema etnológico, é a dos Estados Unidos. O Alasca, única representação
territorial dos EUA no Ártico, com a peculiaridade de ser uma exclave do bloco
teritorial americano, tem ainda que trabalhar proceduralmente por meio dos
diplomatas de Washington, sem delegação para os representantes do Alasca que
dariam voz aos povos indígenas principalmente envolvidos na questão.72
70 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, p.18
71 Russo: oblasti, entidades estatais em que a Federação Russa fica dividida
72 Anjum, Sheila, Arctic Decisions Made at National and International Levels – Alaska has a limited role
as a state, some Alaskans can have influence, Alaskan Business Monthly, Dec. 2013, pp.20-21
26
Além dos pronósticos confortantes, há também de ser considerada uma perspectiva
negativa. Fontes russas insistem muito na necessidade de militarizar a região,
definido o espaço oceânico ártico como uma importante posição estratégica para a
instalação de mísseis balísticos.73 Além disso, os russos lançam também um alarme
de entidade internacional, inferendo como uma das principais desvantagens do
degelo, além do perigo ecológico sobre que seria necessário um excursus tão
iluminante quanto distante do assunto aqui tratado, seria a criação de novas rotas
marinhas para o tráfico ilegal de homens, armas e droga, e portanto pede uma maior
segurança nas zonas sob a jurisdição internacional, prometendo uma adequada
militarização nas de pertinência russa.74
Contudo, em conclusão, a questão ártica é um assunto explorado só recentemente,
que verá o envolvimento de sempre mais entidades e para a qual os Estados Unidos
são chamados a intervir numa maneira mais incisiva e determinada, com o objetivo
de diminuir o gap com o resto do A-5 e garantir ao colosso uma posição de
egemonia energética, comercial, politica e militar nos próximos séculos, e conseguir
numa medida diplomática todos os objectivos que a questão ártica está a levar.
73 Глазунова, И. М., Арктическая Политика США в 2007-2011 гг., Трибуна Молодых Ученых,
Moscovo, 2011, p.229
74 ibidem
27
2
Russia e EUA: atitudes antitéticas em comparação
2.1 A visão articocéntrica da Rússia
A Federação Russa identifica-se como um estado Ártico. Embora a maioria da
povoação russa encontre-se numa área que abrange o quadrilátero definido pelas
cidades de Мурманск75 no norte, São Petersburgo no oeste, Сочи76 no estremo sul e
Пермь77 na região oriental dos Urais – divisão geográfica entre a porção europeia do
País e a Sibéria – , o interesse pelas regiões da longa costa setentrional foi sempre
considerado uma prioridade pelos governos federais, desde a queda do Império Russo,
inclusive na altura da União Soviética.
A proteção dos recursos desta região tão vasta, assim como a reivindicação de porções
maiores de território, leva o estado a uma contínua e incessante operação de
melhoramento das dotações militares na zona, finalizada não só à defesa da região sob o
controle de Moscovo, mas também a uma série de provocações – como já visto
precedentemente – que têm como objetivo final garantir um controle hegemónico na
inteira região, contra todas as tentativas diplomáticas produzidas ao longo dos anos, que
viram a Rússia ser um estado co-operador apesar de ter uma filosofia totalmente
diferente.
Sob um ponto de vista de poder militar a Rússia pôde sempre contar com um sentido de
supremacia, vistos não só os orientamentos diplomáticos dos outros estados do A-5,
mas sobretudo considerada a política de não intervenção operada pelo único concorrente
em termos de exército e dotações militares, ou seja, os Estados Unidos.
Os quais, vítimas de mudanças ideológicas radicais nas últimas décadas em termos de
poder executivo, não conseguiram manter na região uma política consistente, alternando
períodos de ação e intervenção a outros de descentralização do problema, deixando às
necessidades dos povos da Alasca o cetro decisional.
75 Russo: “Murmansk”
76 Russo: “Soči”
77 Russo: “Perm’”
28
2.1.1 Militarização russa no Ártico
A história da militarização que o governo federal de Moscovo operou para o controle
hegemónico da porção Ártica do seu território começa na terceira década do século
XX.78
Aleksandr’ Golc, no 2011, identifica dois pontos de investigação que coincidem com
dois acontecimentos históricos, nos quais a mudança em termos de quantificação
militar na região apresentou-se significativa.79
O primeiro representa a intervenção militar Russa ao longo da segunda Guerra
Mondial, em que o Ártico parou de ser só um traseiro pouco estratégico nos
movimentos dos exércitos contendentes e começou a ganhar uma função logística de
importância vital. Os russos, de facto, começaram a perceber o potencial estratégico
da região utilizando-a como palco para as linhas de comunicação entre a União
Soviética e os seus aliados.80
É importante lembrar como a Rússia, naquela altura, ficasse num espaço geopolítico
isolado dos outros aliados, cujo orientamento oeste-este contrapunha-se à dicotomia
em que se encontravam o estado Soviético, com batalhas tanto no frente ocidental
contra o exército Italo-Alemão como no frente oriental contra o apéndice Japonês.
O descobrimento de um novo eixo norte-sul para a comunicação com os Estados
Unidos e o Canadá representou para a Rússia uma segura rota de comunicação para a
organização e o desenvolvimento de operações militares conjuntas.81
O segundo ponto de investigação em que historicamente a Rússia encontrou-se a
reconhecer a importância de uma tão cumprida porção costeira com o Oceano Ártico
foi perante a Guerra Fria.
Porém, a situação nessa altura apresentava-se oposta: o Oceano Ártico deixara de ser
uma zona franca, conjunção segura entre dois aliados tão importantes como a União
78 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.110
79 Ibidem
80 ibidem
81 ibidem
29
Soviética e os Estados Unidos, passando a representar um terceiro frente para uma
potencial guerra nuclear.82
Os estrategistas soviéticos esperavam que os Americanos atacassem com
bombardeiros estratégicos ou com mísseis balísticos através do Pólo Norte, tratando-
se de uma parte do globo livre de possíveis intercessões por terceiras entidades e,
potencialmente, menos protegida pelos exércitos dos dois protagonistas.83
Nestas duas alturas, como aparece evidente, a Rússia viu-se forçada a maximizar o
próprio esforço, reforçando o Ártico de suficientes forças bélicas de maneira a poder
intimidar e, se tivesse sido necesário, rejeitar um possível ataque americano.
Porém, não foi só nestas duas alturas que a Russia nos deu exemplo de grande
cuidado perante a proteção da costa ártica.
O período do pós-Guerra Fria fez surgir inevitáveis modernizações das Forças
Armadas, consequência de uma necessária re-organização militar do recém-nascido
estado federal Russo, e contrário à tendência conservadora dos militares russos,
fortes dos sucessos passados e particolarmente repulsivos às mudanças.
O primeiro Presidente, mesmo a cavalo das duas épocas históricas da nação Russa,
no meio da desintegração do colosso internacionalista Soviético e da criação
arbitrária de uma nova entidade nacional Russa, que demonstrou de ter intenção de
reformar e reorganizar o inteiro aparelho bélico nacional foi Михаил Горбачёв84,
histórico último presidente do Estado Soviético, que expressou uma decisa
intolerância para com a natureza estática do aparelho bélico, considerando-o apenas
relativamente conveniente sob um ponto de vista económico e logístico do exército.
Este acabou por definir a força militar do País como
82 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.110
83 Ibidem
84 Russo: “Michail Gorbačëv”
30
“...um dinossauro gigantesco e inflexível, que absorvia imensos recursos do
Estado”85
Os resultados obtidos pelo Presidente em termos de reorganização militar foram a
redução das unidades efetivas de cinco para quatro milhões de homens, com relativa
vantagem económica e com uma pouco sensível redução das forças empenhadas na
proteção da região polar.86
Seguiu-o o primeiro verdadeiro presidente da nova Federação Russa, o liberal Борис
Ельцин87, que insistiu em solicitar uma mudança radical no sistema da conscrição,
tanto que conseguiu libertar o país de um aparelho burocrático que não envolvia
apenas cerca de vinte milhões de jovens no País inteiro, mas que representava
também uma estrutura de grande gasto económico e de grande emprego de recursos
humanos.88
Ainda nesta altura, o Ártico obteve um contingente de Forças Armadas mais
reduzidas, profissionais, mais flexíveis, preparadas e eficientes para uma eventual
operação militar de área, e com a ulterior motivação dos novos regimes de contratos
de três anos, com a possibilidade de dispor de novíssimas tecnologias militares numa
zona onde um utilizo das mesmas não podia representar um verdadeiro risco para a
incolumidade dos cidadãos.89
A chegada do Presidente Владимир Владимирович Путин90 no ano 2000
representou um ponto de mudança radical no que diz respeito a muitos assuntos,
porém, a atitude presidencial face ao exército não parou de ser orientada à poupança
e à racionalização dos recursos humanos. A grande ambição do Presidente revelou-se
com a declaração que fez no ano seguinte à sua subida ao poder, através da qual
85 Thornton, 2011 – excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de
2014, Letras Itinerantes, p.110
86 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.110
87 Russo: “Boris El’cin”
88 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.110
89 Ibidem, pp.110-111
90 Russo: “Vladimir Vladimirovič Putin”
31
comunicou que na sua opinião as forças armadas ideais seriam capazes de contribuir
para as grandes ambições do poder da Rússia.91
Apesar desta ambição, contudo, as suas reformas iniciais foram puntiformes. Tentou
desvalorizar o conceito de mobilização e tentou profissionalizar as unidades dos
para-quedistas. No Ártico, em todo caso, não houve uma mudança sensível.
Igualmente, a paréntese Presidencial de Дмитрий Анатольевич Медведев92não
ofereceu novos cenários à situação no Ártico. Se bem o valor potencial da região
estivesse em forte crescimento, as reformas militares do Presidente centralizaram-se
sobretudo nas regiões meridionais da Ossétia do Sul, com a entrega local de novos
meios eletrónicos. Esta polarização da atitude bélica da Rússia representa claramente
as ambições territoriais da Federação Russa, tornando-as mais explícitas.
Nessa altura, a questão Ártica permanece silente, e até diminui com a racionalização
da Marinha de Guerra na península de Kola em 2008, em que o número dos
submarinos militares foi fracionado, partindo da maciça quantidade de 180 unidades
ativas e operativas.93
Contudo, estas decisões não devem levar a opinião pública a uma tentativa de
desmilitarização da área. Sob a segunda presidência do Путин94a flota da Marinha
de Guerra no Ártico permanece a mais preparada e a mais consistente entre todo o A-
5, inclusive os Estados Unidos, cuja política relativamente ao Ártico é diferente, e
consequentemente, é também a sua presença na região das forças bélicas.
Para fornecer uma ideia da natureza da Força Armada Russa em operação, pode-se
imaginar uma formação triangular do exército, com o vértice no Polo Norte e a base
nas zonas costeiras95.
91 Thornton, 2011 – excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de
2014, Letras Itinerantes, p.111
92 Russo: “Dmitrij Anatol’evič Medvedev”
93 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.117
94 Russo: “Putin”
95 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.112
32
Nesta zona é operativa uma esquadra de quebra-gelo que, em termos de número, é a
maior do mundo e constitui a principal ferramenta de apoio à navegação no Ártico
russo, garantindo assim a navegabilidade das rotas marítimas do Ártico, abrindo o
caminho aos návios para os portos setentrionais (Principalmente Мурманск96 entre
todos) e entrando nos rios das regiões continentais setentrionais.97
Tudo isso juntamente aos submarinos e às forças aéreas, que dispõem das bases aero-
navais mais setentrionais do globo, como as de Воркута, Тикси, Оленя е
Мончегорск98, com a base ainda mais estratégica de Анадыр99 na península de
Чукотка100 perto do estreito de Bering que permite um controle relativamente
absoluto da passagem do noroeste, após a Guerra Fria – especialmente a partir do ano
2006 – começaram a servir bombardeiros Russos como o Tu-160 Blackjack e o Tu-
22M3.101
A intenção do governo da Rússia de utilizar tantas forças militares na região, porém,
segundo Pavel Baev, não seria provocatória. Estes bombardeiros de facto não
transportavam armas nucleares mesmo para evitar criar malentendidos para com às
outras entidades do A-5, e eram definidos como sendo apenas patrulhas de combate
de caráter estratégico.102
Em conclusão, a dúplice natureza – para não dizer ambígua – da política militar
Russa na questão Ártica pretende manter um equilíbrio entre a procura e a ambição
ao estado de supremacia na região sem chegar à provocação, e, consequentemente,
ao choque. A Rússia mostra não preferir a via diplomática mas evita as violações da
estase na calota, para não perder os privilégios diplomáticos obtidos.
96 Russo: Murmansk
97 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.123
98 Russo: Vorkuta, Tiksi, Olenja e Mončegorsk
99 Russo: Anadyr
100 Russo: Čukotka
101 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,
p.125
102 Ibidem
33
Torna-se difícil então definir uma filosofia militar unitária e consistente, mas é
possível traçar as coordenadas da linha atitudinal do colosso eurasiático, presença
instável na fraca armonia do panorama Ártico e pronta ao ataque caso venha a
revelar-se necesário.
As forças do A-5 permanecem à espera da realização das estratégias políticas em
relação à reivindicação territorial dos territórios contendidos de maneira que esta
ambiguidade ganhe mais clareza, contando com os acordos assinados
(Principalmente o UNCLOS) e com a vontade conjunta de não transformar a região
num cenário de guerra, que quebraria os equilibrios mundiais não só em termos de
geografia política Ártica, mas em projeção mundial absoluta.
2.1.2 O articocentrismo Russo
Como visto, ao longo dos anos o cuidado que o governo federal da Rússia teve para
com a proteção da região ártica foi continuo e razoável. A ideia que as operações de
política esterna, sejam ações de caráter bélico, sejam só definições de equilíbrios
diplomáticos, tenham um apéndice setentrional possivelmente menos evidente mas
igualmente estratégico e de importância relativamente ao crescimento acompanhou
todo o caminho de sucessão dos vários chefes de Estado, com medidas calibradas
pela situação socio-económica que o País passou, mas sem que a questão perdesse
importância.
Com certeza, as medidas e as ações projetadas para o cuidado – ou melhor, a
consideração – da questão Ártica pelo governo central não se limitam a intervenções
na militarização de área. Uma vez que a maneira mais eficaz para defender a própria
soberania na zona encontra-se dependente da ação militar, e tudo o que está atrás da
evidente maciça presença do exército tem risco de permanecer num cluster filosófico
que poderia ser subestimado em investigações como esta.
Pelo contrário, a filosofia articocéntrica que a Federação Russa mostra ter representa
a raíz ideológica que não só acaba por definir as ações políticas internas em termos
de segurança da região, mas também traça importantes coordenadas sobre as relações
esternas que o País tem com as outras entidades de zona, sendo o Ártico considerado
o núcleo natural da nação Russa, a qual reconhece-se na natureza deste território, no
34
gelo, nas temperaturas rígidas, nos povos varangianos progenitores genéticos do
povo Russo, e em muito mais.
A natureza continental da Federação Russa prevê uma percentagem biotópica ártica e
sub-polar que supera o 50% do território, justificando a identificação que o povo tem
com as povoações da calota, considerando-se uma propagação em zonas mais
temperadas de um povo que permanece polar, e que cuida da sua região mais
distintiva como fosse uma região mais central.
A primeira demonstração, na história contemporária, de interesse que a entidade
Russa teve para a sua região mais setentrional expressou-se em ocasião da Revolução
Bolchevique de 1917, em que não só os russos ganharam consciência da utilidade de
uma região tão conectada com outras partes do planeta que pareciam remotas e
fornecida de um quantitativo de recursos – especialmente hidrocarbonetos, como
visto – que teria revolucionado a economia do País, especialmente naquela altura em
que a mudança levada pela revolução podia ter semeado na povoação um sentido de
dúvida e uma falta de segurança para o futuro, mas também começaram a entender o
Ártico como uma região identificativa, que define o povo russo e que tem que ser
defendida, assim como têm que ser defendidas as reivindicações relativas a este
assunto, e como fica pressuposto que esta região é uma fonte adicional de força e
prestígio para a Federação.103
O teorético Igor Zonn, no ano 2008, considerou como a relevância da região Ártica
para o povo russo em termos de identidade e prestígio ainda aumentou após o
colapse da União Soviética. O que Moscovo experimentou, de facto, foi uma forte
redução do tamanho da nação mesma, que se bem permanecesse ainda a mais
estendida do globo, perdia uma percentagem de território importante, especialmente
nas regiões da Ásia central.104
Esta implosão política foi acompanhada pelos movimentos de separatismo no eixo
leste-oeste, e resultaram na secessão dos estados bálticos e centro-meridionais.
103 Baev, 2007, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014,
Letras Itinerantes, p.366
104 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,
p.376
35
Consequentemente, o baricentro do colosso continental acabou por subir em latitude,
aproximando-se a aquela região ainda intacta do território nacional, ou seja, a área
costeira Ártica e o território sub-polar.
Daqui o novo governo Russo achou consistente uma política de desenvolvimento
económico de longo prazo cujos efeitos ainda são visíveis na região polar.105
Caitlyn Antrim, no ano 2010, propõe-nos uma re-elaboração deste conceito,
analizando como na segunda década do novo milénio o País experimentaria um
processo de mudança gradual mas revolucionário, em que o que historicamente foi
sempre um enorme colosso continental trasformaria-se num estado marítimo,
conferindo maior consideração à efetivamente enorme linha costeira setentrional e do
nordeste, e abandonando a mentalidade bipolar – em termos de costas – que via o
País como um enorme maciço continental entre dois acessos marítimos puntiformes,
que seriam São Petersburgo na parte ocidental, e o complesso Сахалин -
Владивосток106 na costa oriental107.
Antrim teoriza como o litoral norte da Eurásia – constituido quase exclusivamente
por território russo – irá-se transformar numa área central de colaboração, que irá
permitir à Rússia uma comunicação e uma cooperação consistente com os outros
parceiros da realidade ártica, em termos de equilibrio militar, resposta a emergências,
segurança marítima, vigilância, investigação e definição das políticas regionais no
respeito dos interesses comuns.108
Para valorizar estas teorias que investigam sobre as raízes desta mudança artico-
céntrica é possível considerar uma intervenção do Presidente federal Путин 109 que,
relativamente ao trabalho que seria necessário realizar para o desenvolvimento da
105 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,
p.376
106 Russo – “Sakhalin – Vladivostok”
107 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,
p.376
108 Ibidem pp. 376/377
109 Russo: “Putin”
36
região Ártica, declara em ocasião do encontro da Sociedade de Geografia da Rússia
em 2009:
“Quando dizemos grande, um grande País, um grande Estado, certamente o
tamanho conta... quando não há tamanho, não há influência, não há significado”110
E através desta declaração inclui – e centraliza – o papel da enorme porção
setentrional que se via negligenciada demasiadas vezes, e que teria que ganhar uma
posição mais nuclear não só nas intervenções políticas de tipo top-bottom, mas
também na consideração popular com respeito à concepção global da nação russa.
Um ano antes, o Conselho de Segurança da Federação Russa designou os pontos
principais que definem a estratégia política do País para a questão Ártica
internacional. Entre os pontos mais relevantes, é possível isolar quatro preceitos
essenciais para compreendermos a visão artico-céntrica que o País adquire de ano em
ano.
O primeiro ponto é que a estratégia Ártica do País tem como objetivo o uso da região
como base estratégica de recursos para o incremento do desenvolvimento
socioeconómico da Federação. Este ponto considera o Ártico como a bacia de
recursos incontáveis da qual foi tratado o primeiro capítulo. A economia da Rússia,
em qualidade de país ártico, não pode prescindir dos benefícios da extração destes
recursos, parte integrante do sistema económico federal. O Ártico, porém, não é visto
como uma área colonial de exploração intensiva, mas como uma região central de
interesse geopolítico, cuja riqueza é parte integrante do core da economia russa, a
qual se define ártica e dependente do ártico.111
O segundo ponto em questão é a preservação do Ártico como zona de paz e
cooperação. Neste sentido o papel das assinaturas obtidas pelo A-5 da difícil entidade
diplomática russa é central. O UNCLOS, assim como a declaração de Ilulissat, é
parte daqueles tentativos que permitem um equilíbrio entre as provocações arbitrárias
e a projeção diplomática que o governo federal mostra expressar. E este equilíbrio
110 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,
p.376
111 Основый гозударственной политики Российской Федерации в Арктике на период до 2020 года и
дальнейшую перспективу, 2008. Tradução de Antrim, 2010.
37
tem a função de manter uma soberania segura sobre uma porção enorme de calota
Ártica sem que os outros estados parceiros achem necessária uma intervenção de tipo
bélico. A paz e a cooperação são pilares vitais para o desenvolvimento da região
Ártica, enquanto a militarização da zona garante uma defensa sólida e consistente.112
Às questões políticas e económicas acosta-se uma outra temática muito central nas
declarações emitidas pelas entidades do A-5, porém, assunto pouco tratado pelas
autoridades russas: a questão ecológica. Ainda que entidades externas ao A-5, como
por exemplo o Reino Unido, tenham expressado uma certa intolerância face às
medidas de extração empreendidas pela Federação Russa, esta põe entre os pilares da
estratégia para o Ártico a conservação dos ecossistemas originais da calota polar,
promovendo medidas de controle no processo extrativo e propondo investimentos
para o cuidado da flora e da fáuna da região. Novamente, o Ártico não é visto como
colónia, mas como região central de identificação coletiva, e o cuidado pelas
condições naturais mantém-se alto.113
Finalmente, o último ponto de partida para orientar a investigação sobre a filosofia
artico-céntrica da Federação Russa abrange a temática das rotas navais e da
comunicação entre pontos periféricos da região, disfrutando a proximidade
geográfica e a continuidade geológica, apesar da rigidez climática e do sistema de
comunicação ainda não suficientemente desenvolvido.
Este ponto prevê a integração da região Ártica na rede de transportes nacional e na
rede nacional de comunicações. A falta de grandes centros urbanos na faixa
setentrional da Federação Russa – com a exeção do porto de Мурманск114-
contribuiu a um sentido de negligência em termos de inclusão da região no sistema
de comunicação russo, o qual extende-se em duas direções, ou seja, num eixo norte-
sul que parte precisamente de Мурманск115e, passando por Moscovo, chega à região
112 Основый гозударственной политики Российской Федерации в Арктике на период до 2020 года и
дальнейшую перспективу, 2008. Tradução de Antrim, 2010.
113 Ibidem
114 Russo: “Murmansk”
115 Russo: “Murmansk”
38
meridional do Дагестан116com o grande centro urbano de Макачкала117, e daí
continua num segundo eixo oeste-leste que, passando pelas regiões meridionais da
Sibéria e da Yakútia chega ao oceano Pacífico, com ponto terminal na cidade de
Владивосток118.
Removendo estes dois eixos do mapa da Rússia, é possível identificar um
quadrilátero de enorme extensão que compreende regiões árticas propriamente
definidas, ou seja, a faixa costeira que parte da peninsula de Kола119 para chegar à
outra peninsula de Чукотка120, e uma região interna da Sibéria e da República de
Sakha-Yakútia que vive em condições climáticas extremas, até piores das costeiras,
com a cidade de Якутск121 - definida a cidade mais fria do planeta - ponto central.
Estas zonas vivem uma condição de isolamento comunicativo importante. São
centros esporádicos, pouco habitados e de difícil alcance. Daqui revela-se a
importância do quarto pilar da estratégia Russa para a década que está a terminar:
uma inclusão desta enorme periferia mudaria a natureza do País, que finalmente
acabaria de se sentir nação ártica só por história e tradição, e que iniciaria a
considerar as regiões árticas como mais acessíveis, e, consequentemente, mais
disfrutáveis.
O que está por trás destas declarações diplomaticamente irrepreensíveis surge em
superfície com as investigações de Ariel Cohen, que em 2011 acentua a natureza da
geopolítica russa tradicional lembrando que o objetivo principal do estado eurasiático
permanece o de fazer da Rússia a potência líder do Ártico.122
116 Russo: “Dagestan”
117 Russo: “Makačkala”
118 Russo: “Vladivostok”
119 Russo: “Kola”
120 Russo: “Čukotka”
121 Russo: “Jakutsk”
122 Cohen, Ariel, 2011, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho
de 2014, Letras Itinerantes, p.377
39
Permanece, como sempre, este sentido de ambiguidade que ocorre em qualquer
análise pretenda-se fazer sobre o comportamento da nação russa face às questões de
equilíbrio internacional. É possível ver uma potência que tende à supremacia, mas
que em ocasiões regulares parece cuidar da própria segurança evitando choques
bélicos inúteis, e cedendo a pedidos de aproximação com as exigências dos outros
países, muitas vezes surpreendendo estas mesmas entidades geopolíticas.
Blank, em 2008, oferece-nos uma definição da Rússia que pode ser posta como
resumo da inteira – fictícia – esquizofrenia comportamental do governo russo em
questões de política esterna.
Ele afirma que:
A Rússia vê-se a si mesma (ou em pelo menos professa ver-se) como um ator
soberano e totalmente independente da política mundial, que deve ser considerado
como uma superpotência igual à norte-americana, sendo capaz de prosseguir as
suas políticas mantendo-se livre de constrangimentos nas matérias que mais lhe
interessam.123
A Rússia mantém-se independente, e se por um lado tenta acrescer as relações com
as outras potências globais, principalmente os Estados Unidos, cuja política ártica é
diametralmente oposta, pelo outro entra em competição para uma liderança
considerada essencial pelos Russos, e uma ameaça pelos outros paises da região.
2.2 A visão artico-periférica dos Estados Unidos
Como já afirmado, apesar de serem as duas unidades geopolíticas mais relevantes sob
um ponto de vista de importância e de prestígio bélico, os Estados Unidos e a Federação
Russa continuam a ter uma concepção ideológica relativa ao Ártico muito diferente.
Se por um lado a Rússia pretende identificar-se como uma verdadeira nação ártica, cujo
baricentro fica projetado numa dimensão continental tri-oceânica e cujo orientamento
para as regiões mais setentrionais aproxima às medidas militares e para-militares uma
123 Blank, 2008, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014,
Letras Itinerantes, p.375
40
série de declarações que manifestam a ideologia artico-céntrica, considerando o Ártico
como uma região integrativa do sistema russo face aos equilibrios mundiais, os Estados
Unidos têm uma conformação geográfica paradoxal, que se ilustra como a de um país
boreal de uma certa continuidade geográfica, mas que toca a calota ártica apenas graças
a um apéndice em discontinuidade com o território central, e que então não pode ser
identificativo em termos de natureza nacional.
Os Estados Unidos não se consideram um estado ártico, não existe uma ideologia
artico-céntrica num país cujas dependências estão espalhadas em qualquer região do
mundo, seja com territórios deslocalizados mas sempre sob a soberania central do
governo de Washington, seja com dependências não oficiais, que incluem territórios
estrangeiros que permitem a presença do exército americano e a construção de bases
logísticas militares, seja também com territórios de guerra sob a ocupação americana
que de facto não só se encontram numa condição de dependência total do exército dos
EUA, mas também acusam decisões de tipo governativo – e consequentemente
legislativo – que partem de Washington e que condicionam a vida política numa
maneira sensível e conveniente para o governo central.
Como já ampliamente tratado no capítulo precedente, existe um conflito de necesidades
entre o núcleo demográfico americano, que se encontra na porção maior de território
compreendida entre as duas costas oceânicas – e mais densamente povoada na região
centro-oriental e na Califórnia no oeste – e o Estado da Alasca, cujas povoações se
identificam com a realidade ártica tanto quanto se identificam com a realidade
americana mais paradigmática.
Isto, ao longo dos anos, criou uma divergência significativa entre as exigências locais
dos povos da região setentrional, na maioria dos casos de raça e património cultural
diferentes das outras naturezas demográficas do melting pot americano, e as que são as
prioridades dos americanos do maciço continental, que mostram ter outras prioridades
em termos de política exterior.
Qual então o papel deste apéndice ártico na economia complexiva do estado
Americano? Como pode esta dicotomia chegar a um equilíbrio tal que permita uma
exploração dos recursos árticos e do potencial estratégico da região polar sem que se
forme um conflito entre os verdadeiros beneficiários deste tipo de política – o governo
central de Washington – e as povoações envolvidas, que formam uma verdadeira
41
periferia ideológica cujas necessidades não são consideradas cruciais pela linha política
central?
Se bem, de facto, esta distância entre o governo federal e o governo da região subsista e
condicione as decisões tomadas em matéria de política ártica, os Estados Unidos
garantem uma forma de interesse face à questão Ártica de pura natureza económica.
Analisamos já os pontos de potencial acréscimo da riqueza económica e estratégica que
os Estados Unidos estão a tentar de alcançar, mas é preciso agora aprofundar a
concepção relativamente ao Ártico que este País teve na sua história para justificar não
só a estratégia americana para a política regional da calota, mas também a posição
ideológica que se vai enfrentar com uma realidade sólida e politicamente mutável como
a Federação Russa, principal ator dos jogos políticos que levam às principais mudanças
na região.
2.2.1 A importância histórica do Ártico americano
A primeira manifestação de interesse verdadeiro pela região ártica que os americanos
declararam à história verificou-se no ano 1939. Naquele ano, o governo americano
tentou adquirir a Gronelândia numa operação diplomática realizada com a
representância governativa dinamarquesa.124
Esta primeira operação, longe de qualquer sentido de irredentismo por parte do
governo de Washington, manifestou a consciência que os americanos tinham de
quanto a região poderia potencialmente ganhar quanto a importância estratégica, em
vista de comunicações com regiões mais periféricas ainda impossíveis então.
Esta importância começou-se a manifestar de forma muito mais explícita em ocasião
da explosão da primeira bomba atómica soviética, que foi detonada em agosto de
1949. A este ponto partiu a problemática de ter um fronte setentrional relativamente
fraco, com a consequente necessidade de reforçar o contingente militar operativo na
área, em vista de eventuais choques com o novo concorrente geopolítico.125
Nesta ocasião, os EUA sentiram-se obrigados a uma reavaliação das próprias
estimativas anteriores, que consideravam a União Soviética como um estado incapaz
124 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p127
125 Ibidem, p.126
42
de efetuar um ataque bem-sucedido com armas nucleares e com bombardeiros de
longo raio de ação antes de 1955.126
A importância estratégica do 49° Estado cresceu vertiginosamente. A Guerra Fria
tornou-se realidade e rapidamente demonstrou como o caminho mais curto entre as
duas superpotências contrapostas era através do Ártico. Em poucos anos os dois
exércitos realizaram que as bases árticas estavam numa posição privilegiada para o
lanço de bombardeiros e mísseis balísticos.
A Alasca, em qualidade de postação mais avançada no eixo latitudinal dos Estados
Unidos, assumiu uma importância crucial, tornando-se na base norte-americana mais
avançada em relação ao território russo. A região não se encontrava suficientemente
preparada para enfrentar qualquer tipo de choque, não tendo sido particularmente
operativa nos dois conflitos mundiais, e agora requiria um esforço militar muito
maior por parte do governo central americano, que teria que considerar aquele como
um novo frente, e não só um apéndice abandonado.127
Viu-se rapidamente como a Alasca representasse o único território do sistema
politico norte-americano capaz de hospedar uma série de treinos operacionais em
condições climáticas e geológicas glaciares extremas, bastante semelhantes às que se
podiam encontrar no território continental russo, o qual, como já vimos, compreende
um enorme quadrilátero de natureza biotópica polar e subpolar onde as condições
climáticas favoreceriam um exercito, o russo, mais abituado a estas condições
respeito aos americanos mais confortáveis em territórios temperados ou quentes.128
A posição privilegiada que o Alasca tinha permitia também a identificação de
eventuais ataques partidos pelo exército contraposto, assim como dava possibilidade
de monitorar as operações de tipo nuclear que a União Soviética continuava
intencionalmente a efetuar, mesmo através do relevamento de alterações sísmicas na
calota polar, verdadeira janela sobre o panorama bélico inimigo129.
126Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p126
127 Ibidem
128 Ibidem
129 Ibidem
43
Graças à densidade de povoação particularmente baixa que o Estado setentrional
permitia, não foi difícil naquela altura proceder à instalação de uma série de bases
militares, aeródromos militares, centros de treino com munições reais de ataque e de
exercícios militares em grande escala.130
Na região de Anchorage, maior cidade em termos de tamanho e população do Estado
do Alasca, nasceram as estações de artilharia antiaérea de Fort Richardson e Fort
Greely, mais a base aérea de Elmendorf, enquanto nas regiões do interior – que têm
condições climáticas ainda mais rígidas – perto do centro de Fairbanks surgiram a
base Fort Wainwright e a aero-estação de Eielson.131 Até as ilhas Aleutas foram
envolvidas neste processo de militarização local, com a fundação da base aérea de
Eareckson, operativa nos dois eixos norte-sul e leste-oeste, vista a proximidade com
as penínsulas de Чукотка132e Камчатка133 integradas em continuidade com o
território siberiano da Federação Russa.134
Laurel Hummel, no 2015, notifica como perante a Guerra Fria, e também nos anos a
seguir, o emprego de recursos humanos nas instalações militares do Alasca
representou para os cidadãos uma das principais fontes de empregabilidade, embora
recebesse ainda uma fração mínima de ajuda em termos de unidades militares em
relação a outras operações em que os Estados Unidos empregavam um esforço
sensivelmente diferente.135
Com o avançar dos anos e das tecnologias, os Estados Unidos foram obrigados a
considerar como o risco de ataques balísticos mais precisos por parte da Rússia
estivesse em crescimento esponencial. A posição privilegiada das bases no Alasca
garantia uma certa preparação para a deteção e a destruição destas potenciais
130 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p126
131 Ibidem, p127
132 Russo: “Čukotka”
133 Russo: “Kamčatka”
134 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,
p.127
135 Hummels, Laurel, 2005, Excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI,
Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.376
44
iniciativas, mas deixava por outro lado uma questão acessória que ganhara
importância: o eixo EUA-Rússia tinha uma terceira entidade nacional em direta
continuidade, com a qual era preciso encontrar um acordo para o utilizo proatívo da
inteira faixa continental americana contra o risco de ataques pelo lado eurasiático.
Em 1958, portanto, Estados Unidos e Canadá deram origem a um comando militar
comum, que tomou o nome de North American Air Defense, e que, mais além, foi re-
batizado North American Aerospace Defence Treaty, ou NORAD, que propunha
assegurar uma vigilância na área polar mais estendida, em defesa do espaço aéreo da
América do Norte na sua continuidade trioceânica.136
O NORAD instalou imediatamente uma construção colossal, estabelecendo uma rede
de instalações militares e de estações radar orientadas mais a norte possível, próximo
do paralelo 70.137 Esta linha de continuidade acabou não só por conectar o Alasca
com os territórios árticos canadianos, mas passando pela Gronelândia chegava às
ilhas Fær Öer – sempre de dependência dinamarquesa - e à Islândia. Esta linha de
defesa anti-soviética tomou nome de Distant Early Warning Line, ou DEWL.138
Guillaume Clausonne, em 2007, acentua esta necessidade que os Estados Unidos, na
altura da Guerra Fria, tiveram de conetar o frente ocidental à possível ameaça russa
através do caminho ártico lembrando como Washington procurou criar uma rede de
comunicação a distância entre as principais bases militares no Alasca e outros
centros estratégicos nos outros paises do A-5, como Thule e Søndre Strønmfjord na
Gronelândia.139
Em 1985 o cuidado para com as operações ao longo da DEWL ainda aumentou. O
colapse iminente da União Soviética não representava um impedimento ao
desenvolvimento da defesa do espaço aéreo e territorial do frente setentrional do
136 Clausonne, Guillaume, 2007, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século
XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, pp. 128/129
137 Bloomfield, 1981, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de
2014, Letras Itinerantes, p.129
138 Ibidem
139 Clausonne, Guillaume, 2007, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século
XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.128
45
continente americano. Mesmo a DEWL acusou um processo de renovação e
modernização, com a integração de novas estações que deram origem a uma nova
rede de proteção com o nome de North Warning System.140
Nos anos ’90 às complexas instalações militares que, apesar de não terem dado à
porção ártica do território americano um papel identificativo pela nação, conseguiam
garantir uma proteção continua para a incolumidade dos Estados Unidos de
localização paradigmática, acostaram-se outros tipos de instalações, de natureza
científica. As bacias árticas, de natureza ainda misteriosas na época, começavam a
revelar um potencial geológico interessante, e a maciça dotação de meios de que os
Estados Unidos dispunham permitiu uma série de explorações de caráter científico e
perlustrativo que ilustraram aos americanos as caraterísticas dos fundais oceánicos e
do potencial extrativo da área submergida.141
Submarinos Sturgeon perlustraram a área por duas decadas, acabando por ser
substituidos por quatorze unidades submarinas nucleares ainda mais desenvolvidas,
chamadas unidades Ohio, só em 2012, em plena questão Ártica e no meio da
sucessão de reivindicações territoriais que deram origem à complexa situação a
mosaico de hoje em dia.142
2.2.2 A estratégia norte-americana para o Ártico: o PDARP
Resulta claramente evidente como, sendo a sensibilização americana face às questões
abertas na região ártica ainda não maciça, também a ideia de os Estados Unidos
serem uma nação ártica é completamente excluível. Os Estados Unidos,
diferentemente não só da Federação Russa mas também de todas as outras entidades
envolvidas na questão, sentem-se parte chamada em causa só por interesses relativos
ao equilíbrio geopolítico e aos recursos naturais extraíveis.
Em certa medida é então possível afirmar que os Estados Unidos entraram
ativamente na questão ártica com algumas décadas de atraso, apesar das medidas
140 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,
p.129
141 Ibidem, p. 135
142 Ibidem, p. 139
46
puramente militares já tomadas – mas tudo o que tinha acontecido foi apenas causado
pela ameaça Soviética, e não por alguma particular sensibilização ao problema.
A confirmar estas considerações estão as afirmações de Scott Borgerson, na ocasião
de ter testemunhado perante o Comité dos Negocios Estrangeiros da Câmara dos
Representantes dos Estados Unidos, em 2009.
A alerta que o próprio quis fazer resume quanto já ampliamente tratado:
“...talvez porque o Alasca pareça estar muito distante, esquece que devido à
costa do Alasca também somos uma nação do Ártico e, a geopolítica do Ártico,
apesar de termos ignorado durante alguns anos. Está a desenvolver-se rapidamente
sem nós.”143
E manifesta assim uma certa inquietação sobre o prazo em que os Estados Unidos
não puderam por condições nas tratativas para a repartição da calota ártica – que
corresponde mais ou menos ao periodo que intercorreu entre o colápse da União
Soviética e o início da última década – , e é devido afirmar que não faltaram por
causas de natureza política ou falta de preparação militar, mas devido a um grande
sentido de esnobismo em relação à questão.
O sentido de Ártico como periferia – ou visão ártico-periférica em contraposição
com a filosofia artico-céntrica já tratada na análise aprofundada da situação na
Rússia – é a causa principal deste atraso, que colocou os Estados Unidos numa
posição mais oculta, e por isso, menos previsível.
Na análise de Ron Huebert, publicada em 2009, a descrição desta desavantagem
aparece ainda mais crítica. Ele observa com cinismo que a visão norte-americana do
Alasca tende a focar-se exclusivamente nas reservas de hidrocarbonetos – existentes
e estimadas – considerando-o um amplo deserto para ser usado, apenas restando
estudar e decidir sobre o que lhe fazer ao longo dos anos.144
143 Borgerson, Scott, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de
2014, Letras Itinerantes, p.372
144 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,
p.372 – citação literal
47
Contudo, sendo os Estados Unidos um estado líder mundial, pode aproveitar desta
posição privilegiada nos equilibrios geopolíticos, também na questão Ártica, para
recuperar parcialmente este atraso e impor as suas condições para assegurar o efetivo
cumprimento da propria estratégia em relação a isto.
Emblemático para percebermos o gap temporal em que os Estados Unidos viram
tratar desta questão após as outras entidades já terem trabalhado longamente para
deliniar um mapa ideal da inteira situação no Ártico é considerar quando se deu
efetivamente a primeira intervenção política relativa à temática em termos de
estratégia – e não só de proteção militar.
O Presidente George W. Bush foi de facto o primeiro presidente dos Estados Unidos
que deu substância a uma ideia política relativamente ao Ártico, quando em 9 de
Janeiro 2009 verteu em duas Diretivas Presidenciais, a NSPD-66 e a HSPD-25, que
dão corpo à primeira guia embrional sobre o comportamento da nação americana
face ao Ártico, conhecida como Presidencial Directive on Arctic Region Policy145,
ou PDARP.
A astúcia deste documento está no fato de ser o primeiro caso na história americana
em que ao Alasca é conferido caráter nacional, e que, só hipoteticamente, inclui a
região Ártica nas regiões identificativas de uma identidade americana multipolar.
É possível analizar as linhas de raciocínio do governo americano relativamente à
questão considerando um após o outro os pontos de interesse manifestados no
documento, primeiro dos quais – e não podia ser diferentemente – é a defesa e a
segurança da região Ártica.146
Ainda mais urgente do que extrair os hidrocarbonetos, de facto, está o evitar que a
desolada extensão de permafrost desde sempre considerada uma deriva da
civilização se transforme num verdadeiro frente, uma janela para um acesso seguro e
145 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,
p.372
146 Ibidem
48
eficaz ao coração da nação americana, vista também a tendência ao degelo já em
análise na altura.147
Paralelamente à necessidade de fechar o acesso ártico a possíveis ataques por parte
da entidade em contraposição, torna-se central na línha política americana abrir o
acesso marítimo ao comércio – vista a abertura das duas novas rotas comerciais – em
condições de segurança e que convenham sob um ponto de vista económico, então,
sem intercessões políticas de estados soberanos.148
Os mares da região, diz o documento, têm de estar em condição de liberdade e
segurança. Impor o liberalismo numa região de interesse de estados quais a Rússia é
um risco de consequências problemáticas sob um ponto de vista diplomático, mas
permanece uma prioridade na visão comercial e de exploração intensiva que os
Estados Unidos propõem e contrapõem à nacionalização do Ártico sugerida pelos
russos – os quais, relembramos, consideram-se um estado Ártico e cuidam muito
mais de questões de soberania.
À pulsão à exploração intensiva os Estados Unidos, que historicamente promovem
uma ética muito pessoal em questões ecológicas, contrapõem um outro ponto de
interesse no documento, o qual declara que entre as prioridades nacionais aparece a
proteção do ambiente e a conservação dos recursos biológicos no Ártico.149 Isto
traduz-se na proposta de controlar a intensificação destas operações estrativas, mas
não evita que o fundal da zona de pertinência americana seja disfrutado para o
enriquecimento económico do governo central. Isto, pelo menos, é o que se realiza
nesta altura após não só ter posto estas condições, mas também ter aprovado algumas
linhas comportamentais avançadas pela Grã Bretanha, estado observador no Arctic
Council e entidade esterna mais próxima ao A-5 e às suas políticas ambientais.
147 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,
p.372
148 Ibidem
149 Ibidem
49
Como garantia de controle face à ecologia da região, George W. Bush adiciona um
ulterior pilar atitudinal, assegurando a sustentabilidade ambiental para a gestão dos
recursos naturais e o desenvolvimento económico da região.150
Tendo já em conta que no inteiro documento não se encontram medidas para a
conjunção do apéndice ártico do Alasca ao território americano continental – como
pelo contrário resulta dos propósitos da política russa em relação ao quadrilátero
menos densamente populado que referimos no capítulo anterior - , os Estados Unidos
têm consciência da própria posição privilegiada relativamente às relações com os
outros estados do A-5, sempre em contraposição com o isolamento ideológico e
político em que se encontra a Federação Russa.
Isto resulta muito evidente na tendência – expressada explicitamente no documento –
a procurar cooperação, e não liderança, no âmbito das instituções do Ártico.151
Para perceber melhor este raciocínio é suficiente considerar como os Estados Unidos
da América já se encontrariam numa posição de liderança internacional sem vir a
precisar de reivindicações ou de provocações, quais as promovidas pelo governo
russo, e portanto podem optar por uma política de cooperação sem medo de perder
algum privilégio em relação às necessidades politico-económicas que o Estado tem.
Onde pelo contrário o governo Bush expressa a necessidade de alcançar uma posição
de liderança, e isto também revela-se no documento em consideração, é em termos
de pesquisa científica.152 Como já tratado, as explorações de caráter científico – ou
pseudo-científico vistos os interesses económicos atrás de várias iniciativas lideradas
pelo governo Americano nos anos noventa – foram comuns no século passado. A
excelência académica americana revela um cuidado enorme em relação aos possíveis
descubrimentos científicos na zona, e por isso põe a condição de liderança como uma
caraterística essencial para o desenvolvimento de uma política americana na inteira
questão Ártica.
150 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,
p.372
151 Ibidem
152 Ibidem
50
Entre os pontos promovidos pelo Presidente surge também uma referência aos povos
do Alasca, legalmente cidadãos americanos, representados no Parlamento em
qualidade de Estado, mas muitas vezes ignorados em comparação com outras
questões desde sempre mais cruciais para a superpotência norte-americana. O
documento, de facto, declara ser uma prioridade envolver as comunidades indígenas
nas decisões que se afetam.153
Infelizmente, tem que ser considerado como até agora a influência destas povoações
permaneça relativa, em comparação com os interesses do governo central e com o
seu poder decisional. Porém, por outro lado, são mesmo os povos do Alasca os
principais protagonistas dos efeitos destas mudanças climáticas e orográficas,
acusando uma variação sensível da temperatura, com consequências radicais na
paisagem do biótopo polar e uma sucessão de migrações para as regiões do sul, com
a desmontagem de aldeias e de postações de pesca a vantagem de um mais aberto
acesso às rotas marítimas, disfrutadas pelo governo central.154
Uma medida tomada pelo governo Bush e explicitada no Presidencial Directive on
Arctic Region Policy é a organização de uma defensa antimíssil e de um sistema de
aviso prévio, com o estabelecimento de operações de segurança marítima e presença
naval, finalizada à prevenção de ataques de natureza terrorística ou simplesmente
bélica que poriam em condição de vulnerabilidade o complexo territorial
estadounidense.155
Sempre finalizada à proteção – no caso dos interesses económicos do estado
americano – é a medida incluida no PDARP pela qual, segundo a visão americana
das passagens a nordeste e a noroeste, os Estados Unidos consideram-nos como
Estreitos Internacionais onde é obrigatória a aplicação do regime de passagem em
trânsito, com a preservação dos direitos nacionais em termos de sobrevoo e
153 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,
p.372
154 Ibidem
155 Ibidem
51
navegação interior, garantindo liberdade e livre utilizo dos mares de todo o
mundo.156
Existem outros três pontos no PDARP que explicam perfeitamente o orientamento
executivo dos Estados Unidos face à questão Ártica, primeiro dos quais é o que
pretende projetar o poder marítimo para toda a região, com a construção de
infrastruturas em posições estratégicas que facilitem a livre navegação e o comércio
de área.157 Aqui também ao nacionalismo russo contrapõe-se o liberalismo
americano: os Estados Unidos, relembramos, dispõem de uma porção relativamente
reduzida de calota sobre a qual pode reivindicar soberania. Consequentemente, não é
prioridade dos americanos o sistema de nacionalizações territoriais sobre as porções
de calota ártica não ocupadas por alguma entidade. É muito mais conveniente
promover uma liberalização da área, liberalizando assim também todas as operações
comerciais que podem ser disfrutadas pelas potências americanas em termos de livre
circulação dos recursos extraidos e livre comunicação entre os Estados Unidos
continentais e o apéndice ártico.158
Seguidamente, os Estados Unidos tendem a mão ao Arctic Council – incluindo a
NATO no documento – promovendo e incentivando a pacífica resolução dos
conflitos na região polar, privilegiando, de novo, a cooperação com as corporações
internacionais formadas para tratar da questão.159 Os EUA desencorajam as
iniciativas de caráter nacional em vantagem de decisões globais das comissões para o
Ártico. Aqui também não é possível esconder uma certa veleidade tendenciosa, mas
limitamonos ao âmbito das conjeturas.
Finalmente, um último ponto de interesse para a compreensão da estratégia e da
ideologia que os Estados Unidos põem face à questão Ártica é o que promove a
156 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,
p.372
157 Ibidem, p. 373
158 Ibidem, p. 372
159 Ibidem
52
investigação científica incentivando relações com entidades académicas de todo o A-
5 – e não só – e outros laboratórios de pesquisa.160
Em conclusão, a visão artico-periférica dos Estados Unidos não pretende esnobar a
dimensão polar – e a extensão polar da propria nação – em termos de exploração
económico e de aparências internacionais para manter uma dimensão sobre-nacional
na calota, porém, tem dificuldades em incluir o Alasca na identificação nacional,
deixando às necessidades dos povos indígenos o fardo de enfrentar as consequências
ambientais na área e centralizando em maneira maximal o proveito.
Entidades tão diferentes como Estados Unidos e Federação Russa, portanto,
enfrentam-se e comparam-se a partir destas considerações. Duas realidades
contrapostas encontram-se atores do cenário internacional, fortes do prestígio
geopolítico adquirido em âmbitos diferentes, e orientados – os dois – a impor a
própria visão no processo decisional que irá mudar os equilíbrios da calota ártica nas
próximas décadas.
Por um lado um estado Ártico, artico-céntrico, focado na liderança geopolítica e
militar sobre a calota polar, que considera a região setentrional como um órgão vital
necessário para sustentamento nacional e, portanto, promovendo políticas de
nacionalização maciça das áreas oceánicas disputadas, consideradas como um justo
prolongamento da região polar de influência russa.
Pelo outro lado um estado da região temperada, com um apéndice ártico entendido
como a nova Eldorado das indústrias extrativas e das rotas comerciais, que, apesar de
dever ser defendido porque exposto excessivamente à área costeira Russa, é
considerado factualmente uma colónia para o exploração intensivo dos recursos, e
que tem que ficar livre de imposições burocráticas nacionais, mantendo-se livre,
internacional e gerido pela cooperação dos estados envolvidos, sem lideranças
explícita, mas com a implícita posição privilegiada dos Estados Unidos.
160 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,
p.372
53
2.3 O encontro entre as duas realidades
Esclarecidas as duas filosofias face à questão ártica, e a natureza das duas entidades
mais relevantes na economia da questão – e não só - , torna-se doveroso agora realizar
uma análise mais aprofundada do histórico dos pontos de contato – e de conflito – entre
as duas realidades, seja em relação à questão, seja em maneira mais geral entre as duas
maneiras de enfrentar a geopolítica mundial.
É preciso partir de uma análise geral vista a sucessão de ideologias presidenciais as
vezes reformistas uma da outra, que consequentemente mudam a maneira de enfrentar o
outro contendente, traçando um percurso de contato e choque o qual acaba por desenhar
também o histórico das relações em âmbito ártico, esplicando bem como os dois Paises
construiram uma línha de pensamento comum que se baseia nas divergências para
desinar a atitude comportamental que se irá realizar no futuro.
No começo da análise desta cronologia de fatos é importante lembrar como a sucessão
de presidentes na Rússia viu exclusivamente uma mudança radical em termos de
ideologia nos últimos anos, e é a passagem duma política de abertura ao sistema global
conduzido pelos Estados Unidos juntada a uma atidude de baixo perfil que promoveu o
primeiro Presidente da recém-nascida Federação Russa, ou seja, Борис Ельцин161 para
uma política de reivindicação de prestígio e de autonomia nas decisões, até a uma
verdadeira tomada de posição conflitual com o sistema da NATO e dos aliados em
questões geopolíticas potencialmente conflituosas – veja-se o choque na questão da
Ucrânia – que circonscreveu a Rússia a um papel de antagonista diplomático, e que se
realizou graças à sucessão entre duas figuras políticas de igual pensamento, ou seja, o
condutor das operações Владимир Владимирович Путин162e o executor político
Дмитрий Анатольевич Медведев163.
Ainda assim, também entre eles, são registáveis algumas diferenças de comportamento
face às questões diplomáticas que traçam uma mudança importante no percurso
histórico dos dois Paises.
161 Russo: “Boris El’cin”
162 Russo: “Vladimir Vladimirovič Putin”
163 Russo: “Dmitrij Anatol’evič Medvedev”
54
Pelo outro lado, os Estados Unidos acusam uma série de revoluções ideológicas que
tornam difícil uma análise unitária da nação em qualidade de entidade política, vistas as
enormes diferenças em termos de prioridades entre os Republicanos George Bush e
George W. Bush e os Democratas Bill Clinton e Barack Obama, para não mencionar a
última escolha de mudança radical que o povo americano nos ofereceu eligindo o novo
Presidente, com uma visão política fortemente pessoal, Donald Trump.
Mais do que a Rússia, então, são os Estados Unidos os verdadeiros coordenadores da
história cronológica dos pontos de contato entre estas duas realidades, vistas as atitudes
de confronto alternadas às de isolamento e suspeito que estas presidências mostraram
em ocasiões de contato internacional.
Será necessário então, para uma compreensão global da inteira problemática, enumerar
sob um ponto de vista ideológico, quais são as tapas principais que viram estas duas
superpotências obrigadas a se enfrentar, e muitas vezes, a escolher compromissos para a
sobrevivência das próprias heranças diplomáticas, chegando até a ameaças de choque e
de desestabilização da ordem mundial.
2.3.1 Encontros e conflitos entre Estados Unidos e Rússia
O PDARP pode-se considerar um documento paradigmático para esplicar os pontos
de união que os passados inimigos encontraram sob a presidência de George W.
Bush.
Na ocasião do encontro de Pratica di Mare na Itália em 28 de Maio de 2002, os dois
colossos geopolíticos poram um selo na re-encontrada inter-compreensão e
proximidade política com a assinatura do presidente Путин164de um documento
histórico, que punha a Federação Russa na novíssima condição de ser alinhada com a
NATO, depois que a NATO mesma tinha sido construida para bloquear a ameaça do
antigo estado Soviético.165
Neste clima de completa proximidade e de esperanças concretas de cooperação
futura acontece a passagem de poder entre o Republicano George W. Bush, co-
164 Russo: “Putin”
165 La Repubblica, Firmata l’intesa NATO-Russia. “Uniti contro il Terrorismo”, 28-05-02.
55
assinatário do documento, e o Democrata Barack Hussein Obama, o qual fundou a
própria linha eleitoral mesmo no conceito da mudança.
A opinião do novo presidente norte-americano, porém, não interpretava nas
tentativas de cooperação entre os dois Paises uma verdadeira pulsão à união
ideológica, quanto interpretava a série de intervenções para reunificar o mundo sob a
égide dos dois colossos como uma sucessão de operações de façada, contatos
fictícios que faltavam de comunião intencional em assuntos políticos mais profundos,
e portanto, baseada na aparência mas de modo algum considerável como fatual.
Portanto, em ocasião do seu insediamento ao poder em 2009, o presidente Obama
decidiu anunciar um completo reset da diplomacia entre o seu país e a Federação
Russa, para deviar a tendência duma direção definida perigosa sob a administração
do Presidente Bush, com a promessa de aprofundir os pontos de contato com a
contrapartida e convencer os russos a realizar iniciativas pragmáticas de mútuo
interesse, assim como estabelecer uma segurança mais forte e conectar as trocas
comerciais de maneira mais segura e certificada, com o fim de reduzir as tensões que
tinham começado a surgir após a iniciativa bélica dos russos contra o estado da
Geórgia.166
A Rússia mostrou uma atitude colaborativa face ao novo curso ideológico tomado
pelos parceiros americanos. A que o Presidente Obama considerou uma própria
verdadeira vitória foi a garantia que a Rússia lhe resolveu dar em termos de
segurança relativamente à possibilidade dada ao exército norte-americano de avançar
as próprias tropas na zona central do Afeganistão, sendo as rotas do Paquistão mais
perigosas e menos controladas na altura.167
É então possível definir as relações entre o primeiro período político de Obama e a
primeira das duas fases presidenciais de Путин168como uma continuação das
tentativas de aproximação já realizadas sob o governo Bush, com ulteriores pontos de
166 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American
Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3
167 Ibidem
168 Russo: “Putin”
56
contato, seja em âmbito ártico – com pouquíssimos contatos entre as duas entidades
– seja nos outros pontos considerados mais quentes.
Como previsível, a sucessão entre Путин169e Медведев170 não podia constituir uma
mudança relevante no histórico das relações entre os americanos e os russos. Como
ulterior selo à renovada proximidade de intenções, os dois Presidentes assinaram um
tratado, o New Strategic Arms Reduction Treaty, conhecido como START, onde
vinham a ser reduzidos os limites ao chefes dos dois exércitos em termos de emprego
de recursos humanos de um terço.171
O Presidente Путин172 participou também no primeiro summit sobre a energia
nuclear que o Presidente Obama organizou em 2010173, prometendo na ocasião de
trabalhar juntamente aos Estados Unidos na operação de reorganização de 17000
armas nucleares e de revisão do quantitativo de plutónio das mesmas segundo quanto
estabelecido por regras internacionais de segurança.174
Em termos de cooperação internacional, o presidente Obama acabou por declarar
que, no respeito da cooperação militar, os dois Países iriam empenhar-se para
desenvolver
“...a new strategic relationship based on mutual trust, openness,
predictability, and cooperation”175
renovando os acordos entre os dois exércitos e estabelecendo uma novo Grupo de
Trabalho para a Commissão de Cooperação da Defensa Russo-Americana.
169 Russo: “Putin”
170 Russo: “Medvedev”
171 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American
Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3
172 Russo: “Putin”
173 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American
Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3
174 Ibidem
175 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American
Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3
57
Para coroar esta fase idílica entre as duas entidades, é necessário mencionar a
cooperação que a Federação Russa ofereceu na imposição de sanções internacionais
contra o Irão devido ao seu programa nuclear, promovendo a execução do que foi
tratado no U.N. Security Council Resolution de 1929.176
Porém, enquanto todos os analistas da geopolítica international podiam prever uma
natural continuação desta relação de proximidade entre os Estados Unidos e a
Federação Russa com a volta ao poder do Presidente – e ainda ideologista de partido
- Путин177, esta acabou por ser a tapa crucial que revolucionou o espetro
diplomático entre os dois Países, e os dois pontos temporais de afastamento mais
importantes nesta análise são individuáveis em 2012 e, sucessivamente e com maior
clamor, em 2015.
A primeira queixa que o presidente Путин178 lançou contra o governo americano foi
– ironia da sorte – direcionada ao então Secretário de Estado Hillary Clinton, devido
a protestos em grande escala que surgiram nas praças da cidade de Moscovo contra
um eventual condicionamento das eleições Russas de 2011 por parte do governo
americano, seguidos por declarações do Secretário de Estado em que se queixava
uma intervenção ilegal do governo russo no processo eleitoral em questão.179
Antes do afastamento mais crucial, uma outra tapa em direção desta nova situação de
contraposição deu-se quando em dezembro de 2012 o Presidente Obama assinou o
ato que tomava o nome de Magnitsky Act, que impôs restrições financeiras e
turísticas aos cidadãos da Federação Russa, sendo o governo de Moscovo suspeite de
violação dos direitos humanos dentro das próprias fronteiras.180
Apesar disto, embora este fato represente o primeiro ponto importante de divergência
entre a visão diplomática das duas entidades envolvidas, o choque definitivo que
176 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American
Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3
177 Russo: “Putin”
178 Russo: “Putin”
179 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American
Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3
180 Ibidem
58
acabou por separar as duas linhas de conduta até à mútua ameaça foi a invasão russa
da Ucrânia em 2015 e a sucessiva anexão da Crimeia, vista pelos Estados Unidos
como uma ilegítima apropriação de terras de diferente soberania e portanto não
reconhecendo o resultado do referendum emitido na região peninsular para que o
povo decidisse o próprio orientamento na questão.181
Este choque fez surgir uma série de preocupações, umas das quais concernem o
equilíbrio da difícil situação no Ártico – e por isso irão ser tratadas no parágrafo
relativo – e muitas outras foram projetadas mais geralmente à questão da mantenção
do equilíbrio global entre estes dois colossos, com o risco de um isolamento da
entidade russa, que, inevitavelmente, acabou por acontecer.
Foi uma verdadeira queda de eventos. Após a anexão da Criméia por parte da Rússia,
as Nações Unidas condenaram oficialmente a operação política com a emissão da
UN Security Council Resolution, a qual foi rejeitada pelo governo Russo.182
A partir deste ponto, os Estados Unidos e os aliados européus – lembramos, algum
dos quais membros do Arctic Council e até do A-5 – resolveram isolar a Federação
Russa com a expulsão oficial do G8 e a imposição de uma série de sanções
económicas, até ao reforço das guarnições militares em vista de um possível evento
bélico.183
De facto, para contrastar a crescente posição agressiva da política do Presidente
Путин184, a NATO renegou em maneira irrevogável a assinatura obtida em Pratica
di Mare pedindo aos membros de voltar à primeira missão pela qual a organização
tinha nascido, e por isso, preparar uma defensa coletiva contra a nova ameaça russa
181 Tingstad, Abbie; Pezard, Stephanie; Stephenson Scott, Will the Breakdown in U.S.-Russia Cooperation
Reach the Arctic?, Inside Sources, Out 12, 2016, p.1
182 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American
Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.4
183 Ibidem
184 Russo: “Putin”
59
revigorando as esquadras navais e investindo no renovamento dos recursos
bélicos.185
Uma ulterior preocupação surgiu com o avançamento cibernético que esta década
testemunhou, vistos alguns acontecimentos relativos a cyber-ataques e apropriação
ilegal de dados informáticos operadas por hackers que foram interpretados como
formas de agressão de difícil denúncia, mas que orientaram a opinião internacional
contra informáticos ao serviço do governo Russo com a finalidade de enfraquecer a
estabilidade política do bloco americano.186
Isto até ao ponto em que em outubro 2016 a intelligence norte-americana expressou
confiança no achar que o governo federal Russo fosse o responsável desta série de
ataques cibernéticos contra o Democratic National Committee, adicionando a
acusação que isto teria sido uma influência relevante em vista das eleições
presidenciais de dezembro do mesmo ano, coisa que, como vimos, continuou a ser
discutida até agora.187
A razão de existência desta longa digressão é que deste modo foi traçado o que pode
ser visto como o ponto de revolução das tendências diplomáticas entre estas duas
entidades. Cada região de conflito, embora o Ártico seja ainda uma zona de
confronto embrional e que portanto testemunha um menor número de casos
relevantes para a nossa análise, acusou uma série de consequências em relação a este
afastamento conflitual. A história das relações internacionais entre os Estados Unidos
e a Federação Russa em relação ao degelo da calota ártica e à exploração dos
recursos descubertos na zona não prescinde desta tapa crucial.
Porém, sendo o Ártico uma zona de caraterísticas particulares e de interesses
profundos entre as duas entidades, são múltiplos os fatores em questão, e o histórico
dos contatos entre estas duas superpotências prevê o intervento de outras entidades,
185 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American
Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.4
186 Idem
187 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American
Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3
60
para que a leitura duma linha atitudinal na análise cronológica dos contatos revela-se
muito mais complicada.
2.3.2 Os Estados Unidos e a Federação Russa no Ártico
O Ártico é uma região do planeta Terra cujas condições climáticas e orográficas
extremas impedem aos estrategistas uma fácil realização de um plano de ação, pelo
menos segundo as diretivas comportamentais aplicáveis em outras regiões.
Os fatores que têm de ser tomados em consideração são diversos, e condicionam em
maneira importante qualquer veleidade bélica – ou em qualquer maneira operativa –
queira-se realizar na região. Rússia e Estados Unidos têm consciência disto, e não
pretendem transformar o Ártico numa região de relevante risco bélico, por uma série
de razões que irão ser analizadas.
Relativamente às relações internacionais que a Federação Russa e os Estados Unidos
tiveram em relação à questão Ártica, uma teoria importante que analiza o histórico
dos encontros assim como as razões do temperamento passivo-agressivo usado pelas
duas potências em várias ocasiões de divergência é a que vê os dois Estados
envolvidos como não interessados a uma realização bélica da questão, por razões
acessórias de natureza económica e logistica.
Embora o evento de 2015 seja sempre um ponto crucial na análise do relacionamento
entre as duas nações, no que concerne o Ártico as duas partes mantêm uma atitude de
frieza e de séria diplomacia, apesar de provocações esporádicas e declarações
limitadas a coordenadas espácio-temporais não aplicáveis a uma linha de condução
unitária.
Abbie Tingstad, Stephanie Pezard e Scott Stevenson, no analizar as possibilidades
concretas que esta condição de tenda se transforme num choque de natureza bélica,
parecem excluir esta eventualidade, afirmando como uma organização de operações
militares num território aspérrimo como o da região polar não seria conveniente sob
um ponto de vista económico e de recursos humanos a nenhuma das duas fações.188
188 Tingstad, Abbie; Pezard, Stephanie; Stephenson Scott, Will the Breakdown in U.S.-Russia Cooperation
Reach the Arctic?, Inside Sources, Out 12, 2016, p.1
61
O risco – dizem – aparece limitado. A condição de gelo das bacias aquáticas torna o
ingresso de alguns meios destinados à ação militar assim como a estrutura de meios
de comunicação quase impossível na maioria do ano, sem contar a ação de defensa e
de controle do território que trabalha para evitar a realização de um choque, com a
consequência de vários frentes de combate que iriam multi-polarizar a eventual
guerra com novos gastos de recursos e de disponibilidades financeiras.189
O que os três teoréticos teorizam como mais provável em termos de realização é a
que eles chamam uma resources war.190 Neste sentido, o choque consistiria na
corrida aos recursos em menor tempo e em maior quantidade possível, com a
finalidade de por a bandeira sobre a maior parte das zonas extrativas e,
consequentemente, afetar a economia da nação rival que se veria privada de uma
parte de potencial disponibilidade económica.191
Porém, isto aplicaria-se muito mais a uma nação, como a Federação Russa, que
sempre pôs entre as suas prioridades a nacionalização de vastas partes da calota
ártica. A guerra dos recursos, de momento, para os Estados Unidos encontra-se numa
fase germinal, visto o periodo exíguo em que o estado federal tem enfrentado a
questão Ártica e as veleidades exprimidas de cooperação e de igualdade – pelo
menos de iure – entre todos os parceiros envolvidos na situação.
É muito mais plausível que a série de provocações lançadas pelas duas partes tenha
uma origem ideológica mais do que estratégica. Os dois Estados não podem aceitar,
por coerência com as próprias linhas de conduta em âmbitos internacionais, que uma
das duas partes obtenha uma supremacia absoluta, e por isso, acontece que um dos
dois lados pretenda reivindicar o controle sobre a zona para, de qualquer forma,
relembrar ao outro que tem de ser presente e operativo.192
189 Tingstad, Abbie; Pezard, Stephanie; Stephenson Scott, Will the Breakdown in U.S.-Russia Cooperation
Reach the Arctic?, Inside Sources, Out 12, 2016, p.1
190 Ibidem
191 Ibidem
192 Ibidem
62
Para enumerar as mais importantes destas provocações, deixando a viagem do
submarino Арктика193 de lado, tendo já em conta a relevância absoluta deste gesto
efetuado pelos Russos em termos de reivindicação territorial e de supremacia, o ano
de maior tensão antes do episódio da anexão da Crimeia foi 2012.
Neste ano enfrentavam-se dois Estados em fase de divergência embrional. A
Federação Russa acabava de celebrar a renovação do apoio popolar graças aos
resultados eleitorales favoráveis à fação gerida por Путин194, e acabava de colidir
com os Estados Unidos por causa das queixas de condicionamento eleitoral surgidas
na América, chegando rapidamente à sua expulsão do G8. Neste cenário, o Ártico foi
sede de um evento de retaliação que afastou sensivelmente as duas partes nas
tratativas diplomáticas de área.
Como resposta à iniciativa dos Russos, que evadiram o controle norte-americano
perante uma patrulha no Gulfo do México através do ingresso não autorizado do
submarinho Акула195, o Commando da Defesa Aerospacial Norte-Americana
reportou a intercepção de dois unidades aéreas Tu-95 Bears pertencentes ao exército
russo, entradas no espaço sob o controle norte-americano ao largo da costa do
Alasca.196
Daqui seguiram-se uma série de reivindicações e de provocações que deixaram
apodrecer todo o aparelho diplomático que se criara ao longo dos primeiros anos da
nossa década.
Inicialmente, a Rússia quis uma revisão do acordo sobre a limitação no uso de
plutónio nas armas e nos meios militares que fora assinado e ratificado no ano 2000.
197 O Presidente Путин198 após ter inferido que este tipo de percurso diplomático
193 Russo: “Arktika”
194 Russo: “Putin”
195 Russo: “Akula”
196 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American
Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3
197 Ibidem, p.11
198 Russo: “Putin”
63
tinha-se tornado obsoleto, dada a mudança de tendência que a relação com o Estados
Unidos tinha mostrado, declarou que o 2000 Plutonium Management and Disposition
Agreement teria sido contra-revisionado e re-tomado em consideração apenas no
caso em que os Estados Unidos tivessem atenuado as sanções impostas e, ainda mais
clamoroso, tivessem pago um reembolso económico à Rússia pelas perdas generadas
pelas sanções199
Sucessivamente, a nova linha política de Путин200 afastou ulteriormente a Federação
Russa de uma ideia de cooperação na questão Ártica quando o Presidente pediu em
2016 – e já nos encontramos na fase em que o rasgo entre as duas superpotências
chegou à sua realização mais evidente – que às representâncias de Suécia e Finlândia
fosse impedida uma aproximação à NATO tal que poderia ter terminado com o
ingresso dos dois Estados na organização.201
Os dois Estados – declarava o Presidente – em qualidade de estados neutrais podiam
mudar os equilíbrios já instáveis da corporação internacional ao ponto de chegar a
consequências catastróficas.202 Isto, de qualquer forma, não impediu que houvessem
consequências no âmbito do Arctic Council, contribuindo ao isolamento em que a
Rússia se colocara, e afastando uma vez mais a federação eurasiática do bloco
ocidental de referência norte-americana.
Apesar disto, Tingstad, Pezard e Stephenson concluem que a falta de um suficiente
número de postos de controle, assim como a dificuldade de movimento dos meios
numa calota cujo degelo ainda não se pode considerar significativo para a realização
de verdadeiras operações bélicas, de qualquer forma evitam que qualquer provocação
– as quais chegam quase sempre de um lado para o outro – se transforme numa
verdadeira guerra.203
199 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American
Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.11
200 Russo: “Putin”
201 Tingstad, Abbie; Pezard, Stephanie; Stephenson Scott, Will the Breakdown in U.S.-Russia Cooperation
Reach the Arctic?, Inside Sources, Out 12, 2016, p.3
202 Ibidem
203 Ibidem, p.4
64
De ideia antitética é a análise que, partindo não da natureza desconfortável da área,
mas da velocidade nos processos de instalação de estruturas militares no Ártico, nos
ofereceu Andrei Akulov.
Ele considera como pelo contrário, o Ártico possa ser considerado uma zona quente
pela relação proporcional que existe entre o número de meios finalizados à operação
militar e a exposição que um frente tem face ao outro. O investigador sublinha o fato
do Alasca ser usado como ponto de lanço balístico para missões da Aeronáutica
Militar norte-americana para missões que abrangem o inteiro hemisfério setentrional,
e como a partir daquele ponto Europa e Ásia possam ser alcançadas sem
abastecimento.204
Para além disso, inclusive, já foi decidido que para o ano 2020 será usada a base
aérea de Eielson para o estacionamento de duas esquadras aéreas de F-35 Lightning
II Fighters, com a expetativa de conferir aos Estados Unidos a supremacia nas vias
aéreas entre todos os exércitos do hemisfério setentrional, inclusive o da Federação
Russa cuja veleidade à liderança – como visto – é parte dos preceitos fundamentais
de existência.205
Uma outra observação que Akulov faz com a finalidade de desmentir os
substenidores de uma difícil realização bélica no Ártico é relativa ao maciço utilizo
de submarinos com mísseis balísticos de longo raio, os Tomahawks, que em missão
no Mar de Barents seriam capazes de alcançar as maiores cidades da Federação
Russa, inclusive Moscovo, num prazo de 15-16 minutos.206
E em adição a isto, ele observa como o Ártico seja a única estação de habilitação
para estes submarinos com dotação Tomahawk de interceptar as bases de lanço dos
mísseis balísticos intercontinentais russos, os ICBM, localizadas nas regiões de
204 Akulov, Andrei, Arctic: Incredibly Important Issues on Russia-U.S. Agenda, Strategic Culture
Foundation Journal, Moscovo, 14-11-16, p.1
205 Ibidem
206 Akulov, Andrei, Arctic: Incredibly Important Issues on Russia-U.S. Agenda, Strategic Culture
Foundation Journal, Moscovo, 14-11-16, p.1
65
Оренбург207e Красноярск208, cujo potencial de destruição é relevante ao ponto de
poder ser considerado uma verdadeira ameaça à estabilidade mundial.209
Dá-nos um elemento de contradição com quanto analizado por Akulov uma
declaração de importância crucial da Guarda Costeira norte-americana, que
consultada sobre as possíveis transformações que as relações entre Estados Unidos e
Federação Russa podiam acusar, respondeu que
“The US must work to better understand Russian capabilities in the Arctic to
avoid miscalculations that can lead to escalation. US-Russian Arctic operations are
a source of optimism between the two nations, and this must be continued.”210
Em qualquer caso, assim como é possível traçar algumas coordenadas da situação
entre Estados Unidos e Federação Russa em termos de estratégia militar e de
potencial de risco – com visões em oxímoro segundo quais fontes termos em
consideração – é devido considerar como os exércitos não sejam os únicos atores que
definem o andamento das relações entre estas duas superpotência, visto o
importantíssimo contributo que os interesses económicos na zona dão à manutenção
da estabilidade mesmo em situações de deslize diplomático.
Em termos de economia já são tratadas as vontades dos dois Estados concernentes a
extração dos recursos e o controle sobre as áreas marítimas contendidas. O que não
foi mencionado é que na área já trabalham duas companhias entre as mais produtivas
do mundo especializadas na extração e no processamento de recursos subterrâneos,
as quais contribuem respetivamente à saude económica dos Estados Unidos e da
Federação Russa: a Exxon por um lado, e a Рoснефт211pelo outro.
Estas duas companhias entraram numa joint-venture no ano 2012, contrariamente à
tendência de afastamento entre Estados Unidos e Federação Russa que iniciou a
207 Russo: “Orenburg”
208 Russo: “Krasnojarsk”
209 Akulov, Andrei, Arctic: Incredibly Important Issues on Russia-U.S. Agenda, Strategic Culture
Foundation Journal, Moscovo, 14-11-16, p.1
210 Ibidem, p.3
211 Russo: “Rosneft”
66
aparecer naquele ano. 212 Isto foi realizado para desenvolver novas reservas off-shore
no Mar de Kara – assim como no Mar Negro – e postos de processamento on-shore
na Sibéria.213
O ano seguinte, as duas companhias reforçaram os laços desenvolvendo esta política
de realização de apostamentos de operatividade mútua com ulteriores contruções de
sete blocos na Чукотка214, no Лаптев215e no mar de Kara. 216
O ativo dos dois colossos económicos graças à união no território Ártico mostra
números exorbitantes. A Exxon dispõe de 63,6 milhões de aras exploráveis no
território sob a soberania Russa, e o 33% da produtividade no Mar de Kara, mais um
30% de ativos no Mar de Сахалин217e no Mar Negro, que embora não se encontrem
no Ártico, dão uma ideia da disponibilidade da sociedade em território russo.218
Do outro lado, a Роснефт 219estima ter uma disponibilidade de 87 bilhões de barris
de petróleo que se encontram em três blocos do Mar de Kara e que pertencem à joint-
venture estabelecida com a Exxon Mobil.220
Mas a relevância desse assunto ganha um valor ulterior quando no ano 2013 o
Presidente Obama impõe sanções ao governo federal da Rússia, com consequências
importantes no proveito da joint-venture em questão.
212 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC,
13-12-16, p.1
213 Ibidem
214 Russo: “Čukotka”
215 Russo: “Laptev”
216 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC,
13-12-16, p.1
217 Russo: “Sakhalin”
218 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC,
13-12-16, p.1
219 Russo: “Rosneft”
220 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC,
13-12-16, p.1
67
De facto, como consequência direta do evento, a Exxon Mobil declarou-se obrigada a
desistir da cooperação em todas as operações no Mar de Kara.221
Max Tillerson – agora chefe executivo da Exxon Mobil nomeado pelo novo
Presidente Donald Trump -, criticou severamente a iniciativa do Presidente Obama, e
foi-lhe conferido o título pela Ordem da Amizade pelo Presidente Путин222em
pessoa, em oposição explícita à decisão política tomada por Obama e ao complexo
político representado pelo Presidente norte-americano na sua totalidade.223
Entrelaçamentos entre política, estratégia e economia então tornam as relações entre
Estados Unidos e Federação Russa no Ártico de difícil leitura. Não é de compreensão
imediata a série de afastamentos e aproximações que seguiram o andamento
diplomático das duas Nações. Por um lado, a tendência geral de proximidade seguida
por dois choques decisivos é aplicável, pelo menos sob um ponto de vista
macroscópico. Mas pelo outro, muitos outros fatores influenciam a rede de
comunicações-provocações complexa que compõe a história contemporária do
Ártico. Duas entidades tão envolvidas na reivindicação de prestígio chegam a
entrelaçar-se com interesses económicos de corporações cujos proveitos são
enormemente significativos, e tudo isso através de uma intensão mútua de manter um
equilíbrio que não decline numa guerra que não seria conveniente sob nenhum ponto
de vista.
Federação Russa e Estados Unidos sabem que a questão ártica é mais semelhante a
um jogo de xadrez, em que cada movimento pode mudar a tendência geral, e por
isso, sabem dosear agressividade e diplomacia, ação direta e pedidos de cooperação,
para que esta tenda dure o tempo necessário suficiente para uma exploração e uma
extração relevante dos recursos, na espera dos novos pedidos de reivindicação
territorial, que, sob um ponto de vista geopolítico, representam a questão mais
importante a ser considerada.
221 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC,
13-12-16, p.2
222 Russo: “Putin”
223 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC,
13-12-16, p.1
68
3
Donald Trump e os horizontes da questão ártica
3.1 As consequências da eleição de Trump no Ártico
No dia 9 de Novembro de 2017, após uma campanha eleitoral bem além das regras não
escritas do politically correct, descrevendo um auténtico cisma na mentalidade pública
dos cidadãos norte-americanos, o candidato Republicano Donald J.Trump, embora não
tivesse a maioria numérica absoluta dos votos, conseguiu vencer a contraposta ex-
secretária de Estado Hillary Rodham cônjuge Clinton, candidata pelo partido
Democrata, nas eleições presidenciais mais controversas da história moderna dos
Estados Unidos da América.
Como já antecipado, a vitória do empresário de Nova Iorque não foi esmagadora. Os
dados eleitorais afirmam que o Partido Republicano ganhou através do voto dos
Grandes Eleitores – segundo o sistema eleitoral americano – que superou o mesmo
relativo a Hillary Clinton com o resultado de 306 a 232.
Esta decisão tomada pelo povo norte-americano traça um ponto de viragem absoluto, e
de qualquer forma revolucionário. A linha política do Presidente em saída Barack
Obama tinha dado origem a algumas tendências nas relações internacionais que
acostavam o governo norte-americano ao bloco da União Europeia, e sobretudo após o
ano 2015 afastava o diálogo com o governo da Federação Russa, culpável de ter
ocupado ilegalmente o território ucraniano da Criméia contra as disposições
internacionais.
Esta mudança tão radical pode potencialmente inverter a filosofia política dos Estados
Unidos, com efeitos em cascata que irão afetar qualquer âmbito da política internacional
de interesse estadounidense, e, portanto, também o ainda pouco explorado âmbito
ártico.
Donald Trump pôs alguns pilares ideológico na sua campanha eleitoral. Apesar de
nunca ter nomeado a questão ártica em maneira direta, deu-nos uma ideia muito clara de
quais seriam as suas prioridades em termos de energia, poluição, reivindicação do
prestígio americano no complexo internacional – paradigmático, neste sentido, o seu
slogan Make America Great Again – e economia, com um mal escondido euro-
69
ceticismo em relação à disposição vertical das hierarquias no sistema da União Europeia
e uma afinidade perante as decisões políticas do Presidente russo Владимир Путин224
que irão ser relevantes também na análise da relação entre as duas superpotências no
âmbito da organização político-económica da calota ártica.
Pareceria então que a Rússia tenha sido a entidade política a qual o éxito das eleições
norte-americanas foi mais conveniente, podendo potencialmente ter perdido um opositor
explícito e evitando a sucessão de um político ainda mais contraposto às ideias em
campo internacional do governo russo, e ganhando desta forma um potencial parceiro,
cuja visão centralizada no desenvolvimento económico e na proteção do povo nacional
contra o ingresso maciço de recursos humanos estrangeiros é parecida à ideia de
isolamento e protecionismo promovida pela segunda fase do governo Путин225.
Porém, os fatores em consideração são múltiplos e nem todos assim diretamente
polarizados para uma reunião de intenções entre os dois Estados. Existem pontos de
divergência que para além disso poderiam afastar as diretivas das duas entidades
contrapostas, especialmente numa zona franca como o Ártico, em que se entrelaçam
interesses económicos, interesses geopolíticos, questões ecológicas, problemáticas
etnológicas e uma história diplomática absolutamente não linear.
Os novos protagonistas da cena ártica deverão conhecer quais seriam os riscos de mudar
radicalmente os equilíbrios diplomáticos, e só nos próximos anos será possível
quantificar e avaliar as ações perpetradas por essas entidades. De momento, o que é
possível, é propor uma análise técnica dos pontos mais cruciais em que as intenções
políticas de Estados Unidos e Rússia são explícitas, e daqui traçar um mapa ideal dos
horizontes futuros da questão ártica após esta reviravolta ideológica tão significativa
para os equilíbrios mundiais.
3.1.1 As divergências ecológicas
A abordagem de Donald Trump à fase executiva após o seu insediamento na Casa
Branca foi caraterizada por rapidez decisional e grande imprevisibilidade. Isso por
um lado complica uma análise de tipo analítico baseada nas promessas e nas
224 Russo: “Putin”
225 Idem
70
intenções explicitadas em campanha eleitoral, mas pelo outro ilustra quais os âmbitos
mais urgentes em que o Presidente tem intenção de operar.226
Contudo, verificando os sinais lançados pelo Presidente que explicitam uma
cronologia de intervenções na primeira fase executiva, o Ártico continua a ser um
assunto considerado de segunda ordem, ignorado na maioria das vezes em
comparação com a direta abordagem que Trump pretende mostrar face às outras
questões de importância internacional.
A política ártica, em continuação com o que sempre resultou do histórico decisional
dos presidentes norte-americanos, representa uma excepção à regra, quase um
pormenor omitido e fora do clamor internacional, se bem não tenha sido
completamente livre dos efeitos da inversão de tendência após o ano 2015.227
Porém, em comparação com as consequências sofridas por países mais centrais na
cena internacional, especialmente na Europa, os efeitos desta mudança ideológica
radical no Ártico permaneceram visíveis em poucas iniciativas ao longo dos anos,
quase se quisesse evitar que estes movimentos tão relevantes em termos de potencial
ofensivo afetassem uma zona em que a distância entre as partes em questão é pouca e
a exposição ao potencial inimigo é máxima.228
Em todo caso, não é apenas por razões de risco elevado que a questão ártica está a
ser deixada de lado pelo novo Presidente norte-americano, apesar de se ter
demonstrado uma questão crucial para a futura substenção económica do País. Neste
âmbito de facto é considerável como a falta de certidão relativamente ao Ártico seja
verificável nas declarações de Donald Trump em fase eleitoral, que sempre se
limitou a mencionar o problema de maneira fragmentária e não linear, sem oferecer
uma ideia explícita de quais são as suas intenções em relação a isto.229
O professor Valery Konyšev, professor de Relações Internacionais na Universidade
Estatal de São Petersburgo, relativamente à questão nos confirma como
226 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.1
227 Ibidem
228 Ibidem
229 Ibidem
71
“...the statements […] regarding the Arctic are private and fragmentary, not
reflecting any strategic direction”230
e portanto deixa a questão analítica do futuro do Ártico para épocas em que as ideias
presidenciais se tornem mais explícitas e de mais fácil leitura.231
A origem do problema é que Donald Trump parece não ter considerado de maneira
suficiente a questão ártica na escolha dos seus assistentes – com a excepção de
Tillerson, cuja utilidade na resolução dos problemas diplomáticos com a Rússia se
está a revelar decisiva – visto que não aparecem pessoas com experiência particular
neste âmbito entre os seus homens de confiança mais próximos.232
Enquanto, de facto, na Federação Russa o Ártico permanece uma questão central na
política nacional e internacional, e já tratamos as razões históricas e ideológicas que
levam a esta alta consideração da problemática, nos Estados Unidos, salvo algumas
iniciativas pouco acompanhadas por visibilidade mediática e opinionística, o assunto
permanece um side issue de relevância elitária, tradicionalmente negligenciado seja
pelos planos políticos verdadeiros, seja pelos debates concernentes a opinião
pública.233
Ron Huebert, professor associado na Universidade de Calgary, relativamente a esta
falta de experiência em âmbito de política ártica, declara polemicamente: I am not
sure Trump even knows what Arctic is.234 Pois a força desta declaração é devida à
intensão polémica de sublinhar a falta de preparação para enfrentar uma questão de
potencial de risco tão elevado, mas é explicada por um conjunto de declarações
acessórias do professor, o qual define a consideração da questão Ártica pelo
230 Konyšev, Valery, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct,
Analysis, 13-01-17, p.2
231 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.2
232 Ibidem
233 Ibidem
234 Huebert, Rob, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,
13-01-17, p.2
72
Presidente Trump e os seus homens como um afterthought, ou seja, uma questão
secundária de procrastinação fácil e de prioridade relativamente baixa.235
É portanto impossível definir os horizontes da questão ártica apenas baseando-nos
sobre fragmentárias e pouco eloquentes declarações no meio de uma campanha
eleitoral focada decisamente para outras questões consideradas mais relevantes?
Se bem quanto afirmado agora seja verdade, temos uns elementos centrais de
investigação que poderiam traçar um caminho avaliativo de quais serão os próximos
movimentos neste âmbito. E, paradoxalmente, o ponto de maior explicitação do qual
é possível começar esta análise é um âmbito em que Estados Unidos e Federação
Russa se irão encontrar em oposição, e irão divergir por falta de afinidade ideológica
na raíz da questão: a problemática da ecologia.
Perante a sua campanha eleitoral, Donald Trump chegou ao ponto de afirmar como o
aquecimento global fosse apenas uma brincadeira dos chineses,236promitindo
explicitamente puxar os Estados Unidos para fora do Paris Climate Change
Agreement, resultado de orgulho da política centralizada na ecologia e em medidas
para a prevenção de catástrofes naturais por causa da intervenção do homem
promovida pelo ex-presidente Barack Obama.237
A declaração do futuro Presidente norte-americano deu lugar a uma série de
declarações de alarme e dissidência por diversos cientistas em serviço na calota
polar, os quais de dia em dia têm testemunho direto e podem documentar em
primeira pessoa os efeitos extremamente sensíveis do aquecimento global no
ecossistema do oceano Ártico e as consequências – por vezes positivas mas
desastrosas para o biótopo polar e para as povoações obrigadas a uma migração não
esperada – que esta mudança provoca na área.238
Após a eleição, porém, vista a nova intenção de reunificar ideologicamente o inteiro
espetro dos cidadãos norte-americanos sob a única figura do novo Presidente, e
235 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.2
236 Ibidem
237 Ibidem
238 Ibidem
73
passada de validade a necessidade propagandística de quebrar o status quo com
declarações de forte impacto e de proverbial agressividade, o Presidente Trump
resolveu revisionar as próprias palavras, com novas declarações mais diplomáticas e
istitucionais.
Ele afirma então como é admissível que a tese do aquecimento global de natureza
antropogénica possa verdadeiramente não ser apenas uma brincadeira promovida
pelo governo chinês, e portanto, teria considerado os pontos do Paris Climate
Change Agreement com mentalidade aberta e analítica.239
Em todo caso, na opinião de Rafe Pomerance, presidente de Arctic 21, ou seja, uma
rede de organizações científicas que trabalham para a resolução da questão ecológica
em relação à mudança climática em Capitol Hill, os sinais mandados pelo recém-
eligido Presidente Donald Trump são bastante deprimentes. Ele declara que:
“so far the various appointments to critical jobs indicate that [Trump] will
completely turn around the course set by Obama”240
pondo o foco sobre uma problemática que não se pode considerar secundária, ou
seja, a veleidade do novo Presidente de se impor na economia da política nacional
não como um reformador mas como um restaurador da tradição política em direta
contraposição com todas as mudanças realizadas pelo passado Presidente Obama, o
qual se arrisca agora a ser vítima de uma verdadeira Damnatio Memoriae e de ver
todo o seu operado radicalmente anulado e restabelecido como era na época de
George W. Bush por parte do novo Presidente, além de uma verdadeira avaliação das
operações realizadas por ele.241
Pomerance adiciona à questão um segundo problema, que confere ainda mais clareza
a qual seria a polaridade das diretivas do novo Presidente em relação à questão ártica
sob um ponto de vista ecológico. De facto, Donald Trump decidiu colocar Scott
239 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.2
240 Pomerance, Rafe, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct,
Analysis, 13-01-17, p.2
241 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3
74
Pruitt, um convencido negador do aquecimento global, no comando da
Environmental Protection Agency, ou EPA.242
Como direta consequência desta decisão, a equipa gestional de transição sob o
comando de Pruitt começou uma série de investigações sobre o pessoal operativo na
área que, na definição de Pomerance, parece mais uma verdadeira caça às bruxas
finalizada à eliminação dos recursos humanos ideologicamente não alinhados com a
nova filosofia em questão de ecologia e conservação do ecossistema.243
Finalmente, Pomerance oferece-nos uma ulterior observação de qual seria a intenção
de Donald Trump e do seu partido face à problemática ecológica na calota polar. Em
adição a quanto já afirmado, ele declara que:
“both Houses of Congress are now controlled by the Republican Party, which
has been – not totally but heavily – governed by a denialist wing. This is a
completely new and worrying situation.”244.
Um ponto de mediação face à problemática ambiental provém do homem de
confiança do Presidente Donald Trump mais próximo ao governo da Federação
Russa, ou seja, Max Tillerson. Ele – relembramos - chefe executivo da Exxon Mobil
massivamente operativa na extração intensiva no Ártico, foi nomeado pelo novo
Presidente norte-americano novo Secretário de Estado.245
Em completa oposição às que parecem ser as diretivas unipolares do Presidente face
à ecologia do bioma ártico, ele acabou por reconhecer publicamente a existência de
uma problemática concreta relativa à mudança climática, e por admitir o papel
relevantíssimo da exploração e a extração de combustíveis fósseis no Ártico na
aceleração temporal que esta mudança acusou.246
242 Pomerance, Rafe, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct,
Analysis, 13-01-17, p.3
243 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.2
244 Pomerance, Rafe, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct,
Analysis, 13-01-17, p.3
245 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC,
13-12-16, p.1
246 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3
75
Em todo caso, a opinião pública não deve pensar que o tycoon, extraordinariamente
enriquecido mesmo pela exploração de um biótopo antecedentemente intacto e
exente da intervenção antrópica, seja um convencido substenidor da causa ambiental,
e, como irá ser tratado mais além, que isto evite uma nova intervenção em termos
económicos da Exxon para garantir uma nova ingentíssima renda ao governo norte-
americanos através da operação extrativa de área.247
O que a Federação Russa tem a ver com esta nova política ambiental do Presidente
Trump concerne o fato que a iper-produtividade da porção ártica de soberania
estadounidense pode potencialmente levar a consequências catastróficas também na
porção – maior e de maior identificação nacional – de território ártico reivindicada
pelo estado eurasiático.
De facto, uma excessiva nonchalance na sucessão de decisões e diretivas em relação
à questão ecológica no Ártico levaria muito provavelmente a uma tomada de posição
do Presidente Путин248em explícita oposição às intenções do correspondente
Presidente dos Estados Unidos. E mais, uma consequência direta desta política
poderia afastar outros potenciais negociadores russos, desencorajados pela linha
governativa do Presidente, com efeitos imediatos na economia da região e dos
Estados envolvidos.249
A decisão – sucessivamente submetida a revisão – do Presidente Donald Trump de
considerar a possibilidade de sair dos acordos de Paris e de re-colocar os Estados
Unidos em posições menos operativas em diversos programas ambientais de
cooperação internacional no Ártico acabou por causar um sentido de
descontentamento difundido na Federação Russa e no inteiro A-5, como confirma o
professor Aleksandr’ Sergunin, titular da cadeira de Relações Internacionais na
Universidade Estatal de São Petersburgo.250
247 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3
248 Russo: “Putin”
249 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3
250 Sergunin, Aleksandr’, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct,
Analysis, 13-01-17, p.3
76
Isso porque a Federação Russa é o País que, por tamanho e identidade nacional,
resulta ser o mais afetado pela degradação ambiental na calota polar.
Porém, se por um lado esta divergência poderia mostrar um potencial cenário de
ulterior afastamento no histórico das relações internacionais entre Estados Unidos e
Federação Russa, existe um segundo ponto, desta vez um ponto de incontro, cuja
força e cujas consequências acabam por anular os efeitos desta tendência ao
afastamento, e que provavelmente projetarão os dois Estados para uma junção de
intenções verdadeira e significativa: o plano económico.
3.1.2 A convergência económica
Continuando a traçar um mapa ideal de quais seriam os horizontes da questão ártica
após o ingresso de Donald Trump como novo fator desta complexa equação, na
análise de todas as declarações eleitorais e pós-eleitorais do Presidente em termos de
desmontagem da política económica levada à realização pelo seu antecessor Obama
e de focalização dos objetivos orientada para uma nova auto-suficiência económica
de tipo intensivo e privo de preconceitos acessórios – entre os quais tem que se ter
em consideração a problemática ecológica precedentemente tratada – é devido pensar
que na zona Ártica a restauração das condições favoráveis à joint-venture entre a
Exxon Mobil e a russa Роснефт251 tenha que se revelar uma etapa fundamental para
o conseguimento deste propósito.252
Alcançar esta condição de junção económica irá-se mostrar como um dos objetivos
mais explícitos na política ártica de Donald Trump, mesmo que não vá prescindir
duma nova convergência intencional com o governo russo após tantos anos de
distância sob o ponto de vista político, e por isso reveler-se-á fácil perceber quais
serão as ações dos dois governos para restaurar condições ideais que levarão a uma
nova condição de saúde económica, apesar das consequências ecológicas menores,
mas com um devido cuidado sobre as consequências mais evidentes, no respeito da
ideología artico-céntrica da Federação Russa.253
251 Russo: “Rosneft”
252 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3
253 Akulov, Andrei, Arctic: Incredibly Important Issues on Russia-U.S. Agenda, Strategic Culture
Foundation Journal, Moscovo, 14-11-16, p.3
77
O diálogo será necessário. E, vista a natureza do interesse que leva Donald Trump a
procurar um contato e uma cooperação com Путин254, vistas as preferências
expressadas por Путин255 nos atos diplomáticos dos últimos anos e visto o objetivo
ambicioso que os dois governos intendem alcançar, é já possível indicar que uma
figura central no conseguimento desta operação será o chefe executivo da Exxon
Mobil, próximo a Путин256 na visão política e homem de confiança de Donald
Trump, o Secretário de Estado dos Estados Unidos Max Tillerson.257
Como já visto, o fenómeno que causou um declínio da colaboração entre a Exxon
Mobil e a Роснефт258 no meio da crise diplomática de 2015 que rasgou a rede de
colaborações entre Estados Unidos e Federação Russa foi a imposição de sanções
económicas operada por Obama cujos efeitos afastaram a Роснефт259 do projeto de
trabalho cooperativo, isolando as duas companhias na procura de proveitos através
da exploração dos recursos descobertos na calota.
Sergunin, na sua análise das relações entre os russos e os norte-americanos,
contrapõe o risco de alienação de futuros negociadores russos já mencionado – em
caso de ameaça concreta e identificável à liberdade operativa dos russos na própria
zona de reivindicação territorial – à esperança, expressada pelo governo de Moscovo
e parcialmente confirmada pela eleição de Tillerson para a carga de Secretário de
Estado, que Donald Trump resolva revisionar – ou mesmo eliminar radicalmente –
estas sanções declaradas obsoletas pelas partes em causa, inclusive a proibição dos
projeitos sobre a extração off-shore de hidrocarbonetos fósseis em forma de gás e de
petróleo.260
254 Russo: “Putin”
255 Idem
256 Idem
257 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC,
13-12-16, p.1
258 Russo: “Rosneft”
259 Idem
260 Sergunin, Aleksandr’, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct,
Analysis, 13-01-17, p.3
78
Um potencial problema para a realização desta veleidade está no fato que
diferentemente das figuras prominentes destas instituções operativas na indústria
extrativa, as quais já declaram a vontade de tornar-se entidades centrais na economia
do governo estadounidense, o lado executivo do governo Trump, inclusive a figura
presidencial, nunca evidenciaram o Ártico como singula entidade em consideração,
nem como sujeito específico para deliniar uma linha de conduta clara e analisável
pelas outras partes em questão.261
A questão ártica, de momento, está confinada no papel de side issue no programa
político sobre a gestão e a racionalização de todos os recursos de gás e petróleo a
disposição dos norte-americanos, os quais – prometem – serão geridos de maneira
marcadamente pragmática e de forte conotação liberal, e portanto os recursos da zona
polar são apenas reduzidos a adendos de uma sumatória muito mais complexas e de
urgência considerada mais significativa.262
Neste caso, como substém Rob Huebert, a questão ecológica e os horizontes
económicos estão entrelaçados numa relação de proporcionalidade inversa. Ao
cuidar de um aspeto, corre-se o risco de perder posições no outro, sem se atingir um
equilíbrio substentável.
Emblemáticas são as suas declarações, que irão ser analisadas nesta investigação
como pilares para uma compreensão aprofundada das possibilidades realizativas da
política dos dois Países no Ártico, em que o professor prediz como o novo governo
de Donald Trump irá realizar:
“... a complete reversal of U.S. policy, in particular regarding the development
of fossil fuels.”263
A polarização de Trump em direção da exploração intensiva do quantitativo de
recursos subterrâneos deixa pensar que esta relação entre a ecologia e a economia,
enquanto sob o precedente governo de Barack Obama parecia pender para a primeira
261 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3
262 Ibidem
263 Huebert, Rob, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,
13-01-17, p.3
79
questão, ou seja, para o respeito do ambiente e o controle sobre operações em joint-
venture de segura vantagem económicas, agora irá mudar de tendência, deixando as
preocupações dos pesquisadores operativos na zona por lado e dando uma esperada
luz verde às companhias extrativas e aos interesses económicos.264
Continua assim Huebert:
“...U.S. outgoing President Barack Obama was slowly moving towards a ban of
any type of new development in the Arctic region.
Trump made abundantly clear that his major focus will not be about respecting the
Paris accord but rather insuring that the U.S. has energy self-efficiency. Part of that
efficiency will be based on opening up resources in the Arctic”265
Explicitando então que existe um regime hierárquico entre a divergência ecológica e
a convergência económica com a visão política da controparte russa, que enquanto
via uma preferência – visível pela atitude para a distância mostrada pelo ex-
Presidente Barack Obama – para o fator ecológico, agora vê promovido o fator
económico, de importância central para a restauração de uma supremacia definida
perdida, e de uma liderança económica que não abrange apenas o âmbito ártico mas
que irá re-propor os Estados Unidos como colosso económico mundial
absolutamente indisputado.266
Como solução, então, ao deslize e ao suspeito que ainda se furece no Ártico entre os
norte-americanos e Путин267, Huebert conclui a sua exposição tendo como
prospeção para o futuro um possível:
“much more welcoming regime for companies to return the Arctic once the oil
prices rebound, as they inevitably will”268
264 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3
265 Huebert, Rob, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,
13-01-17, p.3
266 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3
267 Russo: “Putin”
268 Huebert, Rob, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,
13-01-17, p.3
80
voltando assim à projeção aqui exposta e confirmada por Sergunin que considera a
revisão radical das sanções impostas por Obama anos atrás como uma condição
necessária para uma restauração do motor económico no âmbito ártico.
Sempre Huebert, porém, ipotiza que uma outra condição necessária à sobrevivência
saudável de um estado de saúde económica na questão Ártica e nas suas operações
seja uma clarificação das posições dos dois Presidentes, Trump por um lado que
ainda não tem explicitado quais serão as diretivas de política externa face a esta
questão, e Путин269 pelo outro que ainda se encontra na fase de avaliação dos danos
provocados pela oposição de Obama e a sua imposição de sanções, e que além de
uma atitude acolhedora nas declarações oficiais ainda não mostrou uma verdadeira
resolução nos contatos com a controparte relativamente a esta questão.270
De momento, declara, a relação recém-nascida entre o presidente dos Estados Unidos
e o da Federação Russa, pode-se definir:
“[a] bizarre relationship Trump is developing with the Russian President Putin”
271
e, consequentemente, ainda não previsível nem avaliável, por causa da extrema
contemporaridade da questão.
Porém, enquanto Huebert limita-se a definir os relacionamentos entre as duas
superpotências apenas hipotetizando um sucessivo desenvolvimento da situação
económica, o professor James Kraska, figura do US Naval War College propõe como
perspectiva futura uma ação mais mediada por parte dos Estados Unidos, não
considerando como provável uma pulsão extrema à esploração intensiva em
condições de total liberdade operacional.272
269 Russo: “Putin”
270 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4
271 Huebert, Ron, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,
13-01-17, p.4
272 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4
81
A sua análise considera os Estados Unidos como uma figura em fase de abertura de
mentalidade e de maior atenção à quantificação dos proveitos, contra a proibição e a
teimosa negação de que deu mostra a política de Obama.
Em relação a isto, o professor afirma que:
“I think we can see the U.S. adopt a more balanced approach to offshore oil and
gas development, much like Norway has”.273
Para além disso, apesar de ser o futuro o único revelador de quais serão as ações dos
dois Presidentes em relação a esta situação, e qual será a polaridade de Donald
Trump na escolha dicotómica entre a preservação da natureza e das condições
ecológica do bioma ártico e a liberalização da exploração de recursos em
favorecimento do lado económico e da operatividade das companhias extrativas –
lembramos a centralidade da posição política de Max Tillerson como fator
emblemático para tomarmos em consideração – é já possível avaliar quais serão as
ações de provável realização em campo economico pelo Presidente recém-eleito.
A maioria dos investigadores concordam em considerar como Trump queira sair das
condições proibitivas do acordo de Paris, e que tenha uma tendência a favorecer o
proveito em relação a causas ambientais e fatores contrários ao enriquecimento do
seu País. Não é difícil pensar que a única maneira para que ele realize este projeto
seja restaurar o diálogo com a presença economicamente mais relevante na calota
ártica, revendo radicalmente as sanções e deixando aos russos – ao governo de
Путин274 por um lado e à companhia extrativa Роснефт275 pelo outro uma maior
liberdade de ação.
Porém, enquanto o espetro do sistema ecológico-económico pareça mais claro e a
tendência futura apareça bastante previsível, o que complica a formação deste mapa
ideal das relações entre Estados Unidos e Federação Russa futuras é a consideração
273 Kraska, James, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,
13-01-17, p.4
274 Russo: “Putin”
275 Russo: “Rosneft”
82
de uma nova política militar em forte contraposição com as veleidades orientadas à
cooperação desde sempre promovidas pelo estado norte-americano.
O futuro da UNCLOS, então considerado em via de ratificação por todas as
entidades tomadas em consideração, aparece-nos muito mais incerto agora, e as
consequências desta nova polaridade irão mudar o papel dos Estados Unidos na
inteira questão ártica, com fatores acessórios de crucial importância que terão de ser
considerados para a realização desta análise.
3.2 A visão geopolítica de Trump face ao A-5
A ideia de ártico como território de fronteira, como já ampliamente tratado, é uma
concepção obsoleta. Os Países convergentes no oceano Ártico aprenderam, após uma
série de fatos relevantes que já foram mencionados precedentemente, a cooperar e a
construir um equilíbrio bastante estável, reconhecendo na figura da Federação Russa
um potencial fator de risco – portanto sujeito a maior controle e visto com uma certa
atenção pelas outras entidades do A-5 – e conferindo à new entry, ou seja, os Estados
Unidos, um papel de importância igual à das outras nações, vistos também todos os
propósitos de colaboração e de desenvolvimento político e económico da área.
A eleição de Donald Trump, além de representar uma mudança no fator económico e
ecológico, cuja proporcionalidade inversa resulta ser uma projeção verdadeira em
aplicação à questão ártica, agora é potencialmente uma ameaça para este equilíbrio,
sendo agora a política dos Estados Unidos mais próxima à da Rússia – projetada para
a liderança e a supremacia territorial – respeito às políticas mais diplomáticas e
cooperativas das entidades europeias.
É então necessário, para a plenitude desta previsão analítica, não se limitar a
considerar a proximidade de Estados Unidos e Federação Russa em termos de
colaboração dos governos e similaridade de intenções. As duas nações são peças de
um mosáico muito mais complexo, que abrange uma série de problemáticas
geopolíticas e militares as quais não podem ser ignoradas, e que dependem
enormemente da rede de equilíbrios criada no A-5 e, em sentido mais extendido, no
inteiro Arctic Council.
O fato já tratado que nos mostra uma política de Donald Trump em relação à questão
ártica apenas numa fase de considerações gerais e que faz resultar evidente como as
83
prioridades em política internacional do Presidente sejam outras, não tem que deixar
os pesquisadores convencidos que isso se traduza numa certa frouxidão dos norte-
americanos face à questão. Os Estados Unidos, na sombra, estão a promover
intervenções de importância significativa na organização do exército no que continua
a ser um frente de máxima exposição para a contropartida eurasiática.
E embora agora não pareça que a Federação Russa simbolize a ameaça que parecia
ser sob a administração de Barack Obama, e então não sendo mais o Ártico um
confim de mentalidades opostas e sujeitas ao risco concreto de choque, o Ártico
continua a ser um ponto vital do território americano, para não dizer que ainda
representa a sua parte mais exposta, e portanto mais vulnerável.
Os Estados Unidos de Trump professam grandeza, nos slogan e nas ações já
mostradas pelos primeiros cem dias de presidência. Isso irá abranger com certeza
também a questão ártica, transformando os que então se apresentavam como
convencidos paladinos da cooperação em novas variáveis não controláveis do
sistema complexo da questão ártica, à procura da grandeza em qualquer âmbito –
inclusive este – e do controle militar da zona.
O A-5 ainda não expressou a própria opinião acerca da questão. Estão todos à espera
dos primeiros movimentos do Presidente norte-americano para avaliar qual o novo
papel do governo de Washington em relação à questão.
3.2.1 Supremacia e isolamento
O espelho das intenções relativamente à geopolítica ártica que o Presidente Donald
Trump vai realizar em breve será a avaliação do seu comportamento em relação à
ratificação – ou à falta de ratificação, em continuação com quanto já realizado nos
planos políticos dos Presidentes precedentes – do tratado da UNCLOS, que vê ainda
os Estados Unidos como uma entidade separada em relação às outras, não sendo
aceites todas as condições enumeradas no texto do acordo.
A opinião do professor James Kraska relativamente a esta questão aparece bem clara.
Ele considera que irá ser muito difícil que o Presidente, vista a sua veleidade à
supremacia em outros âmbitos geopolíticos mais conhecidos, se esforçe para a
84
obtenção desta ratificação.276 Isto significa que é altamente provável que o Presidente
norte-americano mostre uma certa continuidade – pelo menos em termos de
esnobismo face aos preceitos da UNCLOS – com as outras realizações executivas
dos Presidentes do passado. E com isso, revelar-se-á muito provavelmente a intensão
do Presidente Trump de continuar a considerar este tratado como um reflexo de um
certo clientelismo de área, vista a fraqueza do texto que facilmente pode ser usada
pelas companhias mundiais – também de outras nações, até diretas rivais – para
reivindicações de liberdade de trânsito em áreas de forte interesse estratégico.277
Mas o sentido mais importante desta decisão muito previsível irá afetar a história
geopolítica do Ártico. De facto, voltando às considerações efetuadas na primeira
parte desta investigação sobre a construção ideal de um mapa das reivindicações
territoriais e das ações promovidas pelos vários governos finalizadas à obtenção da
soberania sobre a maioria dos territórios indicados, uma continuidade em considerar
o da UNCLOS um tratado que não tem que ser ratificado irá-se traduzir no
cancelamento de todos os pedidos de reivindicação realizados pelos Estados Unidos,
os quais não podem ser registrados e sujeitos à procedura de avaliação.278
Isto expõe sensivelmente os Estados Unidos a uma nova condição de fraqueza em
termos de controle sobre o território – além da porção de calota já reivindicada e
obtida pelo governo norte-americano segundo as disposições da UNCLOS. A falta de
possibilidade em relação a uma potencial ampliação da área de influência e soberania
limita o poder de ação dos Estados Unidos no âmbito dos equilíbrios internacionais
criados na zona polar, cujas consequências, de forma indireta, irão ser verificáveis
numa re-militarização da área, finalizada à defensa dos interesses norte-americanos
na calota e na limitação das potenciais tentativas de ampliação das áreas de
influência das outras entidades nacionais envolvidas na questão.279
276 Kraska, James, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,
13-01-17, p.4
277 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4
278 Ibidem
279 Ibidem
85
E de facto existe já uma – ainda germinal – indicação que dá clareza a este discurso,
vistas as iniciais iniciativas de reorganização do exército promovidas pelo governo
central de Washington. Os analistas do poder bélico dos Estados Unidos concordam
em afirmar que a ideia de Trump em relação à disposição do próprio exercito no
território mundial seja a de criar uma nova filosofia nos generais que se aproxime
mais a um pragmatismo inteligente e à obtenção de resultados concretos com a
otimização dos esforços, deixando por lado todos os idealismos e o retrato
estereotípico de interventismo absoluto e sem juíço que os Estados Unidos têm
ganho ao longo dos anos.280
São muitos os pesquisadores que dão por certa uma viragem para uma política de
espera e avaliação, e um abandono do interventismo, baseando-se não ainda na
disposição do exército no Ártico, que, como iremos tratar, irá ser ampliado
significativamente, mas na atitude mostrada na reorganização dos exércitos em zonas
de operatividade considerada mais urgente, como por exemplo o Médio Oriente e a
Ásia central.281
Naquelas zonas, após a intervenção inicial oficialmente finalizada à deconstrução de
regimes ditatoriais e à proteção contra eventuais armas de destruição maciça, os
Estados Unidos estão a operar ações movidas por um sentido de supremacia
idealística, juxtaposta aos interesses económicos sempre presentes nas ações de
política militar norte-americana dos últimos anos.
De qualquer forma, não seja entendido que esta nova projeção ao pragmatismo
signifique com certeza uma atitude assertiva. Pragmatismo é traduzível com espera e
avaliação, e não com passividade e fraqueza de intenções. Os Estados Unidos
mantêm-se intensos substenidores da própria grandeza, especialmente agora que esta
pulsão foi explicitada pela política do recém-eleito Presidente.
A análise operada pelos expertos da questão baseia-se na – inicial e ainda não
particularmente significativa – intervenção do governo face ao número de unidades
operativas no Ártico da marinha militar, em fase de crescimento e de reorganização
logística. É sempre James Kraska que ilustra a situação considerando como a
280 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4
281 Ibidem
86
estratégia norte-americana em relação à questão ártica estaria-se a revelar projetada
para um potenciamento dos recursos humanos e militares na área. 282
Ele explica como:
“...the U.S. Navy is likely to grow, so there may be a greater subsurface
(Submarine) presence in the region, but not markedly”283
e portanto a proteção do Ártico em termos de presença de militares na zona é uma
possível realização das intenções do novo Presidente, ajudando os pesquisadores na
leitura dos futuros horizontes no equilíbrio entre as entidades envolvidas na questão.
Aqui intervém também Ron Huebert, que tenta ampliar a problemática aos outros
acordos militares que, como visto, estão em processo no Ártico. Uma política de re-
enforço bélico pode potencialmente levar a uma nova condição de isolamento,
exatamente como aconteceu pelos Russos por causa da mesma intensão de fortificar
a presença do exército na zona, com consequências significativas para a manutenção
de acordos precedentes com as outras entidades nacionais envolvidas.284
Lembramos como os Estados Unidos tenham criado um frente único de proteção de
área com a colaboração do governo do Canadá, igualmente exposto ao risco de
ataques e de incursões por parte da contropartida eurasiática, levado à sua realização
graças à ação do NORAD. O sistema em consideração aqui é de natureza binária, e
portanto um desequilíbrio levado por novas políticas bélicas de uma das duas
entidades irá com certeza afetar também a atitude do outro estado parceiro, o qual já
está a dar mostra de um certo cuidado e de uma atenta avaliação em relação às
disposições que irão partir por Trump e pelos generais do exército estadounidense.
Relativamente a isto, Huebert afirma que:
282 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4
283 Kraska, James, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,
13-01-17, pp. 4-5
284 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.5
87
“More U.S. isolationism in this context might mean building up the borders in
the region. It is something Canada is watching closely and it will have direct
repercussions for the U.S.-Canadian relationship in NORAD.”285
introduzindo também a problemática da criação de novas fronteiras no Ártico, com
maior dificuldade de comunicação entre os dois pólos operativos do exército
conjunto que pode com muita probabilidade levar os Estados Unidos a permanecer
isolados pelo estado parceiro – e, consequentemente, pelos outros estados do A-5 –
com uma possível, se bem ainda não provável, disjunção do NORAD e
reorganização do inteiro frente norte-americano.
Analisando a presença do exército norte-americano, de facto, o Alasca tomado
separadamente já mostra uma certa auto-suficiência em termos de potencial
defensivo e de perlustração de área. Quanto aos submarinos, os Estados Unidos
mostram com orgulho a maior flota do mundo quanto a unidades e potência bélica.286
Portanto, como conclui a sua análise o professor Huebert:
“Depending on how you measure it, the U.S. already has a hefty military
presence in the Arctic. […] The Americans maintain a very substantial air base in
Southern Alaska – mostly oriented towards Asian issues, but it is still an Arctic
base.”287
e, sobre a natureza destes recursos militares:
“They also have their key anti-ballistic missile intercepts sites in Alaska, at Fort
Greely. Finally, they have the world’s largest submarine attack fleet – something
that is very difficult to get a hand because it is so secret”.288
285 Huebert, Ron, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,
13-01-17, p.5
286 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.5
287 Huebert, Ron, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,
13-01-17, p.5
288 Idem, ibidem
88
por esta razão então os Estados Unidos não têm motivos para temer esta condição de
isolamento sob um ponto de vista bélico, deixando de lado as consequências
potencialmente mais incidentes sob um ponto de vista diplomático.
A situação fica na mão do Congresso. Esta istituição, de momento, encontra-se na
condição ideal de ser constituida por uma maioria Republicana, permitindo assim
uma maior rapidez em termos de tempos de resolução e ação. É estimado porém que
Congresso não tenha a intenção de revisionar e alterar o budget destinado ao exército
em missão na calota ártica, pelo menos de momento, apesar de ter este poder. Trump
considera a sua flota já bastante poderosa e auto-suficiente sem intervenções
imediatas, e pretende virar a sua atenção para potenciar seções do seu exército em
zonas em que se encontra em condição de maior operatividade, na espera de uma
resolução da situação de tensão de novíssima fatura com o governo da Coréia do
Norte, a qual poderia revolucionar as disposições governativas em termos de
reorganização do exército e aumento dos recursos financeiros destinado a uma ou a
outra secção.289
O que, em todo caso, iremos considerar sobre a posição de Trump na complexa
interface de reivindicações e tomadas de posição que é o Arctic Council, é que o
Presidente norte-americano seja maiormente orientado para uma política introvertida,
professando uma atitude pragmática e atenta face às questões de divergência e às de
colaboração, promovendo uma revisão básica da organização do exército forte de
uma flota autosuficiente e do suficiente poder político.
O Canadá, com cuidado para a sobrevivência do NORAD, está em fase de
observação. A fechadura das linhas de comunicação coloca-lo-á, paradoxalmente,
numa posição mais próxima às dos outros estados do A-5, com a excepção da
Federação Russa, a qual no outro lado promove um outro tipo de isolamento, com
raizes históricas e ideologias diferentes.
O que resta verificar, para concluir a análise do futuro imediáto da questão ártica,
portanto, é como o A-5 e o Arctic Council se proporão relativamente às intervenções
de Donald Trump no âmbito da militarização, sem esquecer as variações de
289 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4
89
polaridade levadas pela questão ecológica e pelos interesses económicos, em que a
Federação Russa permanece ator principal.
Será o sistema binário russo-americano, com o desenvolvimento da propria nova
política de contato, a alterar os equilibrios do A-5, ou pelo contrário revelar-se-á um
evento de polaridade oposta, em que os estados do A-5 tomarão um partido ou o
outro, desenhando assim a nova tendência diplomática da questão ártica?
3.2.2 Os horizontes possíveis
O que o Presidente Donald Trump irá provavelmente lançar às entidades
governativas que formam o inteiro Arctic Council é um desafio. Ele nunca excluiu a
possibilidade de uma colaboração produtiva com os parceiros desta associação, mas
com caraterísticas pessoais que ele tenterá impor aos outros Presidentes, à espera das
respostas e na avaliação das consequências.
Tendo em consideração como o Presidente norte-americano tem desenhado desde
sempre a sua linha política, ou seja, uma série de escolhas e de decisões finalizadas à
inversão de tendência relativamente a quanto Obama tinha construido, não é difícil
pensar que este tipo de atitude se verificará também no âmbito Ártico, cuja situação,
como visto, tem caraterísticas peculiares que se irão refletir na história do futuro
próximo da região e das suas instituções.
Enquanto, de fato, Barack Obama e, antes dele, já George W. Bush tinham definido
uma imagem dos Estados Unidos no Ártico que os ilustrava como líderes do grupo
sem reivindicação de liderança, e como pioneiros de atividades cooperativas acerca
das problemáticas ecológicas – o problema do aquecimento climático junto ao do
degelo da calota em termos de perda de território para as povoações indígenas - , o
novo Presidente irá garantir uma sistemática discussão no interno do Arctic Council
apenas através da sua própria ideia de multilateralismo, que se traduz num
multilateralismo hierárquico, que prevê uma certa autonomia decisional por parte de
todas as entidades, inclusive os Estados Unidos, os quais tenterão cuidar dos próprios
interesses sem procura de aprovação coletiva, pena um afastamento gradual do
90
sistema de colaborações e o isolamento, perspetiva já considerada seja por Trump e o
seu governo, seja pelos outros membros parceiros.290
Ele aceitará a opinião e as considerações dos outros Estados só se compreenderem
uma atenção cuidadosa aos interesse do Alasca e uma política de protecionismo para
a extração dos recursos, coisa que, como sabemos, não reflete totalmente a opinião
das outras partes em questão, especialmente da Rússia, vista a sua pulsão à liderança
e os seus movimentos de militarização maciça ainda agora operativos no Ártico.291
Ron Hurbert nos explica que:
“Trump has made no secret of the fact that he wants to reverse as much as
possible of what Obama has achieved, and it’s quite clear that he does not support
the idea of multilateralism for multilateralism alone.”292
E, em função disto, conclui declarando que o Arctic Council aceitará uma
continuação ativa do trabalho começado com Obama apenas no caso em que:
“...it is not going to have that American support and input that really had come
to energize the organization under Obama.”293
pedindo então uma filosofia de continuação em vez das perspetivas revolucionárias
ameaçadas por Trump.
Aparece bastante claro como haja uma divergência opinacional muito grande. O
multilateralismo que Trump propõe tem semelhança mais com uma forma de
federalismo Ártico internacional e multipolar, com autonomias definidas e lideranças
alcançadas pelos resultados económicos, mais do que pela autoridade obtida no
campo da investigação e dos estudos ecológicos, deixando também por trás o
prestígio nacional de raizes históricas, que os Estados Unidos já têm.
290 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.5
291 Ibidem
292 Huebert, Ron, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,
13-01-17, p.5
293 Ibidem
91
No caso em que, portanto, o Arctic Council resolver não aceitar esta nova visão
imposta por Donald Trump, o fato irá desencadear uma reação em cadeia que tem
risco de levar o equilíbrio fraco da calota ártica para duas possíveis realizações, que
se revelarão as duas mais prováveis conclusões desta última fase diplomática.294
A primeira resolução da problemática seria a mais vantajosa para os Estados Unidos.
Os Estados árticos podem aceitar esta nova filosofia multilateral, com o apoio de
uma Federação Russa já orientada para uma autonomia operacional e os outros
Estados obrigados a aceitar uma nova fase de fraqueza no campo da cooperação,
virando a própria atenção para os interesses pessoais e reforçando a defensa da
própria porção territorial e das operações extrativas em processo naquelas áreas.295
Este cenário ilustraria uma extremização do conceito do multilateralismo, em que
cada Estado recusa contatos com os outros – com a excepção de colaborações de
caráter puramente económico, sem procurar acordos políticos e mediações – e as
disposições de extra-territorialidade das áreas estratégicas nas novas rotas formadas
no oceano Ártico são mantidas tais, sempre à espera dos novos pedidos de
reivindicação territorial a que, lembramos, não podem participar mesmo os Estados
Unidos.
Mas a hipótese mais provável é a que prevê uma virada por trás dos outros Estados
do A-5, afastando os próprios interesses voltados para a cooperação dos Estados
Unidos e das suas veleidades de autonomia, mas mantendo uma união, e também,
reforçando a própria vontade de trabalharem juntos, apesar da presença dos Estados
Unidos – sempre bastante marginais na questão Ártica, e tolerando a atitude ambígua
dos Russos, que também são orientados para uma política mais autónoma mas que,
como já tratado, de vez em quando mostram uma certa aproximação, especialmente
em termos de diplomacia, para evitar choques absolutamente não convenientes
naquela zona, de caraterísticas territoriais difíceis para uma ação bélica e de
exposição ao inimigo demasiado extendida e vulnerável.296
294 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4
295 Ibidem
296 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4
92
Os Estados Unidos devem ter previsto este cenário, tanto que de momento ainda
mantêm uma atitude de baixo perfil quanto a enfrentar questões sobre o Ártico, e este
não é um caso.297 A opinião pública estadounidense – mas também mundial – tem o
seu papel nesta manobra: os protestos para a proteção do ambiente, vista a vontade
de Donald Trump de voltar à produção de energia através da combustão do carvão298,
já tiveram a certa ressonância até aos planos altos da Casa Branca.
Ele, de momento, tem de assegurar que a sua imagem política mantenha o respeito
suficiente para justificar ações bélicas não condivisíveis por todos, veja-se a série de
ameaças ao governo da Coreia do Norte, assim como os problemas de política
interna, último dos quais a demissão do chefe do FBI James Comey devido ao seu
envolvimento no escândalo Russiagate.299
Considerado isto, não pode insistir de maneira exagerada na questão ambiental, e
embora seja previsível qual será a sua posição sobre os pedidos de salvaguarda do
ambiente ártico contra a exploração excessiva dos seus recursos, de momento
mantém-se na sombra, impondo a própria visão política mas ainda não promovendo
publicamente nenhuma decisão relativamente a isto.300
Analisados agora os dois possíveis resultados desta atitude inicial do novo curso
político dos Estados Unidos, é preciso focar a atenção em qual será a resposta da
Federação Russa, vista não apenas a atitude que tem sempre mostrado em relação ao
Ártico, mas também a posição ideológica mais favorável ao lado político de Trump
respeito à acérrima adversária política que riscava de ser eligida em seu lugar, ou
seja, Hillary Clinton.
Путин301 recebeu declarações de simpatia e apoio político pelo recém-eligido
Presidente Trump em diversas ocasiões, dando clareza sobre o fato que considera o
297 Ibidem, p.6
298 F.Q., Trump riporta gli Stati Uniti al carbone. Firma decreto anti-politiche ambientali e annuncia:
“Minatori di nuovo al lavoro”, il Fatto Quotidiano, mondo, 28-03-17, p.1
299 Collinson, Stephen; Zeleny, Jeff; Diamond, Jeremy, Trump fires FBI director James Comey, CNN
Politics, 10-05-2017, pp. 1-3
300 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.6
301 Russo: “Putin”
93
novo chefe de Estado dos Estados Unidos um interlocudor muito mais favorável do
que foi Obama e, principalmente, do que podia ter sido Hillary Clinton.302
Como já visto, os dois Estados não apresentam uma união de intenções exatamente
contígua. Permanece o problema ecológico – para manter a atenção apenas no âmbito
ártico, sem mencionar os diversos pontos de divergência na política externa que estão
sujeitos ao clamor público – e irão-se enfrentar outras questões de direito
internacional, vista a expansão tão rápida da joint-venture entre a Exxon Mobil e a
Роснефт303 e a posição agora extremamente favorável de Tillerson na rede política
das duas superpotências.304
Porém, Moscovo dá ideia de ser optimista face à iminente realização política da
administração de Trump. Por um lado, a figura de Max Tillerson como figura-chave
para a aproximação das duas partes parece confiável para ambos os governos, e por
ele passarão todas as disposições relativamente aos contatos diplomáticos que se
verificarão no próximo futuro entre as duas potências mundiais305 - veja-se
relativamente a isto a descrição oferecida por Valery Konišev desta figura de
importância crucial para as relações entre Estados Unidos e Federação Russa:
“He has experience in cooperation, no Russophobia, no ideological blinkers
when making decisions”306.
Pelo outro, a elite política da Federação Russa tem expetativa de um comportamento
construtivo por parte dos Estados Unidos no âmbito das relações com a contropartida
eurasiática. E isto traduz-se com uma diminuição sensível da Russofobia entre os
cidadãos norte-americanos, criada – substêm – pela máquina mediática na mão dos
302 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.6
303 Russo: “Rosneft”
304 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.6
305 Ibidem
306 Konyšev, Valery, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct,
Analysis, 13-01-17, p.6
94
Democratas na última fase do governo de Barack Obama, e com uma nova relação
constuida sobre bases mais pragmáticas e orientadas para o proveito comum.307
A primeira demonstração da veracidade destas observações poderia potencialmente
ser esta tão esperada revisão das sanções impostas por Obama ao governo russo.
Todos, no Kremlin, estão à espera de uma intervenção definitiva do Presidente norte-
americano para cancelar esta dívida e reforçar a economia Russa em função de
futuras colaborações em zonas de interesse financeiro, primeira entre todas
permanece a calota ártica.
Trump e Путин308 comportam-se e vêem-se um ao outro como dois businessmen de
grande racionalidade e de visão pragmática e longimirante.309 Isto deixa pensar que,
contrariamente a quanto as outras entidades do A-5 ameaçam fazer, ou seja, criar um
subgrupo em cooperação contra a maior autonomia alcançada pelos Estados Unidos,
Путин310poderia aproveitar desta nova figura de não discutível potência e da sua
confiança em termos políticos, criando uma nova estrutura binária que seja
consistente e estável, e de qualquer forma, se contraponha ao outro pólo do A-5, até à
realização de um verdadeiro cisma.
Apesar de todas estas considerações, em todo caso, o futuro continua incerto. À
questão ecológica juxtapõe-se a questão militar, que tem que ser enfrentada e
resolvida entre as duas entidades envolvidas com um diálogo que seja aberto e
razoável.311
Os expertos russos permanecem prudentes sobre esta questão. O quantitativo
excessivo de recursos bélicos por um lado e pelo outro preocupam as corporações
militares das duas superpotências, com atenção particular para as declarações de
Donald Trump sobre a defesa global para os mísseis, inclusive nas bases do
307 Idem, ibidem
308 Russo: “Putin”
309 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.7
310 Russo: “Putin”
311 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.7
95
Ártico.312 Do outro lado, os Estados Unidos têm mostrado desde sempre uma certa
intolerância face ao excessivo contingente militar finalizado à defesa do Ártico russo,
vista a falta de choques bélicos e a série de provocações recebidas pelos generais da
Federação Russa.313
Em todo caso, não parece existir uma preocupação tal que pode evitar o contato entre
estas duas entidades, cujos interesses comuns no Ártico são muitos e cujas ideologias
políticas são suficientemente contíguas.
Konyšev declara através do jornal Russia Direct que:
“Moscow had concerns about some of Trump’s campaign advisors’ declaration
on global ballistic missile defense, including its Arctic component. […] Moscow is
not expecting military escalation with the U.S. in the Arctic”314
pondo particular énfase no fato que uma eventual intervenção relativa a um
crescimento significativo das unidades bélicas norte-americanas no Ártico não seria
interpretada pelos expertos russos como uma ameaça de agressão militar, mas mais
facilmente como uma direta consequência dos benefícios da nova política económica
de Donald Trump, na porção continental do País e também na apéndice ártica.315
Finalmente, esta nova situação económica esperada pelos expertos russos poderia
levar a consequências favoráveis também sob o ponto de vista da divergência de
visão relativamente à situação ambiental da calota. Embora a administração de
Donald Trump se tenha mostrado relutante para concretizar um plano de proteção
ecológica na sua porção de Ártico, como o risco de criar novas tensões no já
comprometido equilíbrio da questão ártica, a convergência dos interesses políticos e
económicos acabará provavelmente por restaurar um certo diálogo também sobre as
divergências, com a criação de uma nova estrutura de trabalho comum que permita
312 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.7
313 Ibidem
314 Konyšev, Valery, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct,
Analysis, 13-01-17, p.7
315 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.7
96
ao governo Russo garantir algumas condições ecológicas sem que estas afetem os
interesses económicos dos estadounidenses.316
A Federação Russa e os Estados Unidos, portanto, têm a ocasião de re-juntar as
forças contra uma oposição comum dos outros membros do Arctic Council,
especialmente os observadores da União Europeia, e convergendo na figura de Max
Tillerson poderão construir um novo equilíbrio bipolar que acabará por alterar
definitivamente a hierarquia do Ártico, com consequências na ecologia, na economia,
na política e na etnografia regional.
316 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4
97
Conclusão
Como podemos ver , o futuro da região ártica é imprevisivel. Ainda não são claras as
vontades do Presidente norte-americano em relação à gestão da questão ártica, como
se fosse uma problemática de interesse menor – coisa que, como visto e ampliamente
analisado, não é.
Enquanto o presidente Путин317apresenta-se como o representante das vontades de
um povo inteiro e completamente identificável com o ártico, e portanto cuida dos
interesses do seu povo em maneira pouco constante mas fortemente polarizada à
conservação das próprias áreas de extração e a assegurar ao seu País uma maior
porção esplorável de Ártico possível, o outro presidente, Donald Trump, constrói
umas primeiras re-definições dos antigos acordos graças a figuras de caratura política
importantes, dando impressão de preferir os aspeitos comerciais às questões
ecológicas, muitas vezes em contraposição direta.
O que é previsível é que, vista a tendência de ambos os Presidentes ao
enrequicemento económico e à supremacia territorial, as duas figuras terão interesse
em manter um relacionamento sereno e produtivo, que os levará com quase total
certeza à liderança diarquica na zona ártica.
Pelo outro lado, as entidades do A-5 não envolvidas neste processo terão que
trabalhar para manter um equilíbrio geopolítico aceitável, vista a presença marcante
destes dois colossos.
Com certeza, o cenário ártico representará a nova fronteira dos equilíbrios
geopolíticos mundiais, e a importância das decisões tomadas pelas figuras
decisionais é crucial. Somente o tempo nos oferecerá ulteriores informações para este
puzzle geopolítico, e revelará se estas previsões, embora já tenham bases analíticas
consistentes, se realizarão ou desenharão uma história política diferente e imprevista.
317 Russo: “Putin”
98
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ANEXO
Declaração de Ilulissat
THE ILULISSAT DECLARATION ARCTIC OCEAN CONFERENCE ILULISSAT, GREENLAND, 27 – 29
MAY 2008 At the invitation of the Danish Minister for Foreign Affairs and the Premier of
Greenland, representatives of the five coastal States bordering on the Arctic Ocean – Canada,
Denmark, Norway, the Russian Federation and the United States of America – met at the
political level on 28 May 2008 in Ilulissat, Greenland, to hold discussions. They adopted the
following declaration: The Arctic Ocean stands at the threshold of significant changes. Climate
change and the melting of ice have a potential impact on vulnerable ecosystems, the
livelihoods of local inhabitants and indigenous communities, and the potential exploitation of
natural resources. By virtue of their sovereignty, sovereign rights and jurisdiction in large areas
of the Arctic Ocean the five coastal states are in a unique position to address these possibilities
and challenges. In this regard, we recall that an extensive international legal framework applies
to the Arctic Ocean as discussed between our representatives at the meeting in Oslo on 15 and
16 October 2007 at the level of senior officials. Notably, the law of the sea provides for
important rights and obligations concerning the delineation of the outer limits of the
continental shelf, the protection of the marine environment, including ice-covered areas,
freedom of navigation, marine scientific research, and other uses of the sea. We remain
committed to this legal framework and to the orderly settlement of any possible overlapping
claims. This framework provides a solid foundation for responsible management by the five 2
coastal States and other users of this Ocean through national implementation and application
of relevant provisions. We therefore see no need to develop a new comprehensive
international legal regime to govern the Arctic Ocean. We will keep abreast of the
developments in the Arctic Ocean and continue to implement appropriate measures. The
Arctic Ocean is a unique ecosystem, which the five coastal states have a stewardship role in
protecting. Experience has shown how shipping disasters and subsequent pollution of the
marine environment may cause irreversible disturbance of the ecological balance and major
harm to the livelihoods of local inhabitants and indigenous communities. We will take steps in
accordance with international law both nationally and in cooperation among the five states
and other interested parties to ensure the protection and preservation of the fragile marine
environment of the Arctic Ocean. In this regard we intend to work together including through
the International Maritime Organization to strengthen existing measures and develop new
measures to improve the safety of maritime navigation and prevent or reduce the risk of ship-
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based pollution in the Arctic Ocean. The increased use of Arctic waters for tourism, shipping,
research and resource development also increases the risk of accidents and therefore the need
to further strengthen search and rescue capabilities and capacity around the Arctic Ocean to
ensure an appropriate response from states to any accident. Cooperation, including on the
sharing of information, is a prerequisite for addressing these challenges. We will work to
promote safety of life at sea in the Arctic Ocean, including through bilateral and multilateral
arrangements between or among relevant states. The five coastal states currently cooperate
closely in the Arctic Ocean with each other and with other interested parties. This cooperation
includes the collection of scientific data concerning the continental shelf, the protection of the
marine environment and other scientific research. We will work to strengthen this
cooperation, which is based on mutual trust and transparency, inter alia, through timely
exchange of data and analyses. The Arctic Council and other international fora, including the
Barents Euro-Arctic Council, have already taken important steps on specific issues, for example
with regard to safety of navigation, search and rescue, environmental monitoring and disaster
response and scientific cooperation, which are relevant also to the Arctic Ocean. The five
coastal states of the Arctic Ocean will continue to contribute actively to the work of the Arctic
Council and other relevant international fora.
Ilulissat, 28 May 2008