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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais, realizada sob a orientação científica do Prof. Doutor Tiago Moreira de Sá

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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção

do grau de Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais, realizada sob a

orientação científica do Prof. Doutor Tiago Moreira de Sá

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A chi c’è stato:

Nonna, Giulia, Fra, Fede, Lotti.

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AGRADECIMENTOS

Quero agradecer o Prof. Dout. Tiago Moreira de Sá pela paciência e pela

disponibilidade demonstradas ao longo do meu percurso académico, cujos conselhos

permitiram-me o alcance deste importante resultado pessoal.

Ringrazio mia nonna Assunta per l’aiuto concreto e per l’appoggio morale, senza i quali

non avrei raggiunto questo obiettivo sul quale in pochi avrebbero scommesso.

Ringrazio Giulia per la sua sempre costante vicinanza e per il suo essersi sempre

schierata dalla mia parte anche in situazioni difficili. Soprattutto, per avermi mostrato

il suo amore nei momenti di maggior bisogno.

Ringrazio Francesco per le serate via skype, momento positivo e catartico di questa

difficile permanenza in Portogallo.

Ringrazio Federica per l’amicizia costante e per il mese di Novembre, in cui è stata

compagna di avventura.

Ringrazio i miei amici di sempre, Tovarišč, Matteo, Ruben, e i nuovi amici, soprattutto

Pietro, per essere stati figure positive e sempre disponibili in questo altrimenti

proibitivo percorso.

E più in generale, ringrazio chi ci ha creduto. È difficile ricevere riconoscimenti in un

mondo in cui quello che faccio non ha molto valore concreto. Siamo in pochi, ma siamo

arrivati fino a qui. Questo Mestrado è per me e per voi.

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AS RELAÇÕES EUA-RÚSSIA RELATIVAMENTE À QUESTÃO ÁRTICA

VALTER VECCHIOLI

PALAVRAS-CHAVE: EUA, Rússia, Ártico, reivindicação, Trump, degelo, UNCLOS.

Resumo:

Análise da história das relações internacionais entre os Estados Unidos e a

Federação Russa ao longo da mudança política e ecológica da calota Ártica, em

processo de degelo e de abertura às rotas navais e à esploração dos recursos naturais

submersos. Enquadramento das causas históricas de divergência e das reivindicações

territoriais das duas Nações e perspectivas de contato na administração da região após

a eleição do presidente Donald Trump.

Abstract:

Analysis of the story of international relations between US and Russian

Federation along the political and ecological changes in the Arctic basin, in course of

thawing and opening of naval routes and extraction of submerged natural resources.

Insertion of the historical causes of divergence and of the territorial claiming of the

two Countries, and perspectives of contact for the regional administration after

president Donald Trump election.

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ÍNDICE [exemplo]

Introdução ........................................................................................................... 1

Capítulo I: A Questão Ártica ............................................................................... 3

I. 1. Coordenadas histórico-geográficas ................................................... 3

I. 1.1 Dados geológicos ................................................................................. 6

I. 1.2 A United Nation Convention on the Law of the Sea e

a declaração de Ilulissat ................................................................................ 8

I. 2. A Geopolítica do A-5 .......................................................................... 12

I. 2.1 Canadá ............................................................................................... 12

I. 2.2 Noruega e Dinamarca ........................................................................ 13

I. 2.3 Federação Russa ................................................................................ 15

I. 2.4 O Lomonosov Ridge e os casos menores de reivindicação .............. 16

I. 3. Os Estados Unidos na Questão Ártica .............................................. 18

I. 3.1 Os Estados Unidos e a UNCLOS ......................................................... 18

I. 3.2 O Mar de Beaufort e a Passagem do Noroeste ................................ 19

I. 3.3 O Estreito de Bering .......................................................................... 22

I. 3.4 Os horizontes geopolíticos da Questão Ártica ................................. 24

Capítulo II: Rússia e EUA: atitudes antitéticas em comparação ..................... 27

II. 1. A visão articocéntrica da Rússia ...................................................... 27

II. 1.1 Militarização russa no Ártico ............................................................ 28

II. 1.2 Articocentrismo russo ...................................................................... 33

II. 2. A visão artico-periférica dos Estados Unidos. ................................. 39

II. 2.1 A importância histórica do Ártico americano .................................. 41

II. 2.2 A estratégia norte-americana para o Ártico: o PDARP ................... 45

II. 3. O encontro entre as duas realidades ............................................... 53

II. 3.1 Encontros e conflitos entre Estados Unidos e Rússia ..................... 54

II. 3.2 Os Estados Unidos e a Federação Russa no Ártico .......................... 59

Capítulo III: Donald Trump e os horizontes da Questão Ártica ....................... 68

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III. 1. As consequências da eleição de Trump no Ártico ......................... 68

III. 1.1 As divergências ecológicas .............................................................. 69

III. 1.2 A convergência económica ............................................................. 76

III. 2. A visão geopolítica de Trump face ao A-5. ..................................... 82

III. 2.1 Supremacia e isolamento ................................................................ 83

III. 2.2 Os horizontes possíveis ................................................................... 89

Conclusão .......................................................................................................... 97

Bibliografia ....................................................................................................... 98

Apêndice: Declaração de Ilulissat .................................................................... 100

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Introdução

Esta dissertação, dada a contemporaridade da questão analisada, não se propõe de dar

respostas certas a todas as perguntas acerca das relações futuras entre os Estados Unidos

e a Federação Russa em termos de gestão, divisão e exploração da calota ártica em

processo de degelo e de abertura às operações comerciais.

Embora existam coordenadas que podem ser traçadas para perceber quais seriam os

horizontes desta ligação intercontinental, baseadas sobre a natureza histórica das duas

nações, a linha política dos dois relativos presidentes e as necessidades económicas e

ecológicas destes Países relativamente ao Ártico, esta é ainda uma problemática recém-

nascida, e, por isto, potencialmente sujeita a variações comportamentais inesperadas que

mudariam todos os equilíbrios entre estas duas potências.

Qual, então, a finalidade de uma análise deste tipo?

Este assunto apresenta-se novo e pouco explorado. As condições climáticas da calota

ártica estão em contínua mudança, abrindo rotas comerciais importantes assim como

revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações

internacionais contemporâneas, justamente, foca a própria atenção a questões de maior

relevância mediática, em zonas do planeta mais conhecidas, cujas anatomias

geopolíticas foram já analisadas e portanto mais facilmente previsíveis e disputáveis.

O Ártico, pelo contrário, foi sempre considerado uma zona periférica, semi-

desconhecida, e de irrelevante importância geopolítica. Apesar de ser o contato mais

próximo entre os dois atores principais do século passado, de fato os Estados Unidos e a

Federação Russa, a sua importância em âmbito geopolítico tem crescido apenas graças

aos últimos descobrimentos de área, que repararam uma mudança radical no bioma

polar causada pelo aquecimento global, provocando então degelo e maior

explorabilidade das áreas submergidas, com o consequente relevamento de recursos.

Revela-se então muito interessante pelo menos iniciar a por ordem na questão,

apresentando inicialmente o cenário geopolítico da calota, as várias reivindicações

relativas a esta zona e os pontos de divergência entre as potências envolvidas, para

concentrar a atenção nos dois estados protagonistas da dissertação, analisando as raízes

histórico-culturais que os levaram a este ponto, ou seja, às duas filosofias políticas em

relativa contraposição.

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Finalmente, a verdadeira pergunta de investigação: quais serão as diferenças na gestão

da ordem geopolítica da calota ártica agora que a tendência política dos Estados Unidos

sai de uma verdadeira revolução ideológica com a eleição do novo Presidente Donald

Trump?

Por isso, esta análise não poderá oferecer uma resposta certa, mas com certeza tentará

expôr a situação com ordem analítico para traçar coordenadas dos mais prováveis

cenários futuros, chegando a algumas previsões dos próximos movimentos na área por

parte das potências em questão.

E, através desta análise, será permitido futuramente um ulterior aprofundamento que

explicará e comentará o futuro da região ártica e das duas potências que, maiormente,

têm poder de mudá-lo a favor das próprias necessidades.

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1

A Questão Ártica

1.1 Coordenadas histórico-geográficas

O oceâno Ártico é uma das cinco maiores bacias de água de que o planeta dispõe.

Apesar de ter o menor tamanho, é com certeza a que está a oferecer mais pontos de

investigação no campo da geopolítica contemporânea. Isto por causa das mudanças

climáticas, cujo impacto na fisionomia dos continentes está a ser mais sensível do

que no passado, que estão a transformar esta zona polar em uma nova fronteira

política e comercial, disfrutável para a recolha de novos recursos e para a criação de

novas rotas comerciais que permitiriam um encurtamento significativo das

distâncias navais entre nações aparentemente distantes, promovendo então um

crescimento do comércio e causando novas implicações legais, a partir das quais

irão surgir problemas políticos e administrativos que correrão o risco de criar novas

divergências e novas questões diplomáticas.

Observando a calota ártica em plano coronal, notamos que as nações que circundam

o Pólo Norte e o relativo oceâno são principalmente cinco, e estes cinco paises

haverão de ser os principais protagonistas da questão Ártica, apesar de intrusões

inesperadas de que será tratado mais além. Começando pelo meridiano de

Greenwich em sentido anti-horário identificamos assim a Noruega, cuja costa

setentrional, além do arquipélago das Svalbard, toca inteiramente as águas do

Ártico, separada pelo mar de Barents da Federação Russa, que tem o perfil mais

extenso e, conseqüentemente, uma zona de reivindicação maior, mais alguns

arquipélagos setentrionais como o da Новая Земля1, o da Terra do Francisco José,

o da Северная Земля2, mais algumas ilhas menores que aparecem até o confim com

o continente Americano no Estreito de Bering, que separam-na do Alasca, estado

mais setentrional dos Estados Unidos, comprado pelos Americanos no ano 1867 por

7,2 miliões de dólaros graças à intervenção do diplomata Russo nos EUA Eduard de

Stoeckl.3

1 Russo: “Novaja Zemlja”, em português: “Terra Nova”

2 Russo: “Severnaja Zemlja”, em português: “Terra Setentrional”

3 Tymoszewicz, Kyle, Arctic Sovereignty, Integrated Independent Study – Issue Based, s.l., 2013, p.5

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O Alasca tem fronteira como o estado do Yukon que pertence ao Canadá, cuja

presença no panorama ártico é incisiva graças não só às costas dos três territórios

árticos continentais – o Yukon, os Territórios do Noroeste e o Nunavut – mas

também ao enorme arquipélago setentrional cujas principais ilhas são a de Baffin, a

de Ellesmere, a de Victoria, a de Devon e a de Banks. Este conjunto de ilhas

aproxima-se à maior ilha do mundo a não constituir uma nação soberana: a

Gronelândia, que testemunha assim a presença do Reino Unido de Dinamarca no

cenário polar ártico. Esta é a porção continental mais setentrional do planeta, cuja

extremidade é representada pela Kaffeklubbe Island. O resto da calota é ocupado

pelo oceâno Ártico, cuja superficie gelada está a passar por um periodo de degelo

que abre novos horizontes no disfrutamento desta zona.

Porém, já desde o início do século XX os protagonistas da questão ártica mostraram

interesse na zona, embora fosse ainda considerada como uma porção remota do

mundo e cujo interesse não fosse ainda muito. A primeira declaração de soberania

no Ártico foi feita pelo senador Canadiano Pascal Poirier no dia 20 de Fevereiro do

1907. Ele, baseando-se na projeção dos meridianos de longitude do território do

Estado, pediu para o Canadá fazer uma declaração formal de posse das ilhas situadas

no extremo norte, estendendo-a ao Pólo Norte.4 O senado rejeitou a proposta.

Mesmo que o primeiro explorador que alcançou o Pólo Norte foi o americano

Robert Peary no 19095, os primeiros a criar minas na zona ártica para a recolha de

recursos foram os noruegueses, em novembro 1916, graças à companhia Store

Norske que ainda trabalha in loco na extração do carvão fóssil.6

Mesmo assim, as primeiras reivindicações oficiais houveram no ano 1925: o Canadá

inicialmente declarou o 60° e o 141° meridiano oeste serem seus confins marítimos,

com convergência dos dois no Pólo Norte. Seguiu uma declaração do governo

dinamarquês no 1933 em que reconhecia a Gronelândia um territorio do Reino

Unido da Dinamarca e portanto punha a base de uma potencial reivindicação

territorial entre os meridianos 60° e 10° oeste.7 Após as duas guerras mondiais terem

4 McCormick, Ty, Arctic Sovereignty, Inbox – Anthropology of an Idea, Mai/Jun 2014, p.20

5 ibidem

6 ibidem

7 Gillis, Charles, Who Owns The North Pole?, Maclean, Aug 2011, p.1

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mudado o foco para outras zonas do planeta, a guerra fria deu origem a uma série de

intervenções diplomáticas para regulamentar uma zona que de facto representava a

única fronteira fisica entre os dois grandes colossos, os Estados Unidos e a União

Soviética, que levou à assinatura da United Nations Convention on the Law of the

Sea (UNCLOS), que estableceu a soberania sobre 200 milhas náuticas além da costa

de cada nação, e que podem ser estendidas em caso de continuação da plataforma

continental. 8 Desde então, todas as nações signatárias continuaram com

negociações diplomáticas exceto os Estados Unidos, que resolveram não ratificar o

tratado até agora e portanto encontram-se em uma posição de desvantagem no

âmbito da relativa diplomacia.9

Com a chegada do século XXI verificaram-se os efeitos do aquecimento global com

o degelo e os novos descubrimentos minerários na zona ártica. Com isso, os estados

começaram com novas reivindicações para extender o território nacional, primeira

entre as quais foi a Federação Russa, que enviou o seu pedido à relativa commissão

das Nações Unidas no 2001 e que com uma iniciativa muito criticada pelos outros

estados árticos mandou no 2007 a expedição submarina Артика10 para colocar uma

bandeira em uma cápsula de titânio na cordilheira submersa chamada Lomonosov

Ridge e reivindicâ-la como própria. O pedido, porém, foi rejeitado no 2002 por falta

de evidência científica.11 Sempre no 2001, a Dinamarca mandou o próprio pedido à

mesma commissão para a soberania sobre o Lomonosov Ridge, e a seguir fez

igualmente o governo canadiano, apesar de ter retirado o pedido porque não incluiva

o Pólo Norte.12

Porém, tem de ser considerado como até hoje o único pedido aceite pela Commissão

das Nações Unidas foi o da Noruega, que pediu uma porção relativamente menor de

oceano, e, sobretudo, resolveu a sua divergência sobre a soberania do Mar de

Barents com a Rússia no april do 201013.

8 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, p.16

9 ibidem

10 Russo: “Artika”

11 Gillis, Charles, Who Owns The North Pole?, Maclean, Aug 2011, p.2

12 ibidem

13 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, p. 205

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Finalmente, o aumento da importância relativa à questão chamou a atenção de

estados extra-árticos que, graças à potencial possibilidade de tornar as águas internas

do Ártico inteiramente internacionais, querem disfrutar os recursos aproveitando,

nesta maneira, dos mesmos direitos dos estados árticos: a China em primeiro lugar,

e mais a Índia, o Brasil, o Japão, a Coreia do Norte e o Reino Unido, que até chegou

a ser um dos estados signatários do UNCLOS e a ser membro do Conselho Ártico,

embora não tenha soberania nenhuma dentro da região.14

1.1.1 Dados geológicos

Portanto, quais seriam as vantagens que levantam tanto barulho na cena

internacional? Não é difícil entender que a principal razão pela qual estes estados

estão-se a engajar assim tanto pode ser encontrada na natureza geológica e minerária

do subsolo ártico, que parece ser incrivelmente rica em recursos e quase totalmente

intacta.

Os dados recolhidos sobre a riqueza deste subsolo diferem de fonte em fonte, mas

são todos igualmente impressionantes: o Newsweek declara que, potencialmente, os

recursos árticos podem ser quantificados como o 22% do petróleo disponível no

inteiro planeta e das reservas de gases naturais, embora sejam quase todas já

reivindicadas pelas nações envolvidas e seja ainda impossível quantificar o exato

número dos recursos nas zonas do Ártico central15. De opinião diferente parece ser o

Economist, que em um artigo do 2007 quantifica esses recursos como o 25% da

disponibilidade global e, baseando os seus dados na pesquisa operada pela

sociedade de estatística londrina Wood Mackenzie, estima a presença de até 166

biliões de barris de petróleo ainda não descubertos, 70 bilhões dos quais estão no

Lomonosov Ridge tanto disputado.16

Ainda, o US Geological Survey acrece esta percentagem até ao 30% relativamente

ao gas, e limita ao 13% o petróleo ainda não descuberto, quantificando o total dos

14 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, p. 209

15 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, p.18

16 Demos, Telis, Melting icecaps are giving way to oil-rich waters that the U.S. can’t claim, The

Economist, Aug 2007, p.1

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recursos em 1670 triliões cúbicos de gases naturais ainda disponíveis, e 90 biliões

de barris de petróleo. 17

Finalmente, a pressa Russa estimou, no 2011, que após uma investigação operada

pelos geólogos de Moscovo, fosse possível quantificar o total dos recursos no

subsolo ártico como um quarto da disponibilidade mundial de petróleo e gases

naturais, e o minístro Трутнев18 até indicou a quantidade de 5 milhões de toneladas

de combustível só no Lomonosov Ridge.19

A realidade é bem mais complexa. A US Geological Survey ofereceu-nos uma

tabela com a potencialmente exata quantificação dos vários recursos – que não se

limitam apenas a petróleo e gases naturais, mas compreendem gases hidratos e

diversos minerais – e que, no complexo, chega a ser 89,983 bilhões de barris de

petróleo, e 50,059 trilhões de m³ de gas natural, limitando assim os dados da US

Energy Information Administration que, no 2007, tinha quantificado 1247,102

bilhões de barris e 189,318 trilhões de m³ de gases naturais disponíveis.20

Finalmente, é preciso considerar como a maior fração na distribuição destes recursos

em termos de gases naturais fica na bacia siberiana ocidental, com 651,49856

trilhões de m³ disponíveis, enquanto a maioria do petróleo ainda extraível parece

estar no Alasca (29,96094 bilhões de barris). 21

Acerca a distribuição destes recursos por pais, é de novo o US Geological Survey

que nos oferece uma tabela relativa ao petróleo e aos m³ de gas natural.

Relativamente ao primeiro, o primado é dos Estados Unidos, que com 29,96 bilhões

de barris têm o 33,3% do total do petróleo Ártico. A seguir, a Federação Russa

dispõe de 25,89 bilhões de barris, que são o 28,77% do total. Muito pequena,

incrivelmente, é a disponibilidade do Canadá, que aparece na tabela com 0,85

milhões de barris equivalentes ao 0,95%.

17 Moens, Alexander; Dowd, Alan W., Taking Action in the Arctic – Canada and US must work together,

Fraser Forum, Abr 2009, p. 33

18 Russo: Trutnev

19 Глазунова, И. М., Арктическая Политика США в 2007-2011 гг., Трибуна Молодых Ученых,

Moscovo, 2011, p.228

20 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, pp. 192-

193

21 ibidem

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Enquanto o pais que tem o primado absoluto na disponibilidade dos gases naturais é

a Rússia, com 34,25 trilhões de m³ e o 68,42% da disponibilidade total. Só 6,64

trilhões de m³ para os Estados Unidos, equivalentes ao 13,27%.

De qualquer forma, esta falta de conformidade sobre os dados relativos à quantidade

de recursos na zona ártica mostra-se indicativa da natureza ainda pouco explorada

da questão, assim como da dificuldade na exploração geológica na área, ainda

limitada a poucos períodos do ano por causa da glaciação das águas polares.

Glaciação que, sempre mais, diminui, abrindo novas rotas comerciais e revelando

novas fontes de recursos que eram inesploráveis. As implicações geopolíticas aqui

encontram-se com os problemas de natureza ecológica, enquanto o aquecimento

global estaria a provocar uma elevação do nível do mar que pode por a

sobrevivência de algumas cidades das várias costas numa condiçao de grande risco.

O clima do norte está-se a aquecer de 0,3°C por década, com uma diminuição

progressiva do bloco de gelo do 15% cada vinte anos e o resultado – potencialmente

catastrófico – de termos verões completamente ice-free no Ártico já daqui a 25

anos.22

Isto poderá permitir aos quebra-gelos de investigar melhor no subsolo da porção

mais central do Ártico, a procura de novos recursos ainda não descubertos, e aos

estados envolvidos de criar novos percursos entre a Eurásia e a America que

permitam um menor gasto de dinheiro e combustível.

Em conclusão, é também importante lembrar como entre os materiais destinados à

extração foram encontrados também diamantes (Cujas minas já são em fase de

planeamento no Ártico canadiano), prata, zinco e chumbo no Canadá, e urânio no

Ártico russo, cuja acessibilidade melhora ao longo dos anos e cujo utilizo seria

principalmente finalizado à venda.

1.1.2 A United Nations Conventions on the Law Of the Sea e a declaração de

Ilulissat

O que é que, portanto, regula as zonas de soberania nacional no oceano Ártico? Para

responder a esta questão, é preciso estender o foco da análise ao total das bacias de

água de que o planeta dispõe, que se submetem a una distribução de carácter político

22 Gillis, Charles, Who Owns The North Pole?, Maclean, Aug 2011, p.1

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graças principalmente a duas convenções: a de Genebra no 1958, e a de Montego

Bay – melhor conhecida como a UNCLOS – no 1982.

Inicialmente, para perceber bem em que consiste o conceito de soberania,

apanhamos a definição nos oferecida pela Stanford Encyclopedia of Philosophy,

que, no 2010, o explicou como “autoridade suprema num território”23. Isto implica

principalmente duas coisas: o território, terrestre ou marinho, submete-se à

legislação do estado costeiro e obriga as entitades estrangeiras que alí se encontram

a se submeter igualmente, e o território torna-se imediatamente numa disposição de

recursos e disfrutamento regulada pelo estado costeiro, o qual pode dispôr sem

limitação da riqueza ofrecida e ditar as regras para o utilizo e o comércio da mesma.

Daqui vê-se a importância, para um estado, de garantir a máxima estensão territorial

numa zona como a do Ártico tão rica em recursos ainda não extraidos, e justifica-se

assim a longa série de questões ainda não resolvidas entre os estados envolvidos,

que ainda disputam sobre a soberania de algumas zonas de crucial importância

estratégica.

Para ofrecer uma solução potencialmente justa, a Convenção de Genebra do 1958

estabeleceu que a divisão das zonas marinhas além da costa fosse regulada pelo

princípio da linha mediana. Segundo este princípio, cada estado tem soberania sobre

uma faixa marinha delimitada, em largura, por linhas que fiquem equidistantes das

duas nações envolvidas, e com extensão de 3 milhas náuticas, distância calculada

como o máximo comprimento de um tiro de canhão.24

Isto tinha valor jurisdicional só em caso de ausência de evidências geomórficas, e

portanto podia muito facilmente ser interpretado ad hoc segundo o interesse dos

estados.

Portanto, propôs-se a promulgação de uma nova regulamentação jurídica sobre as

águas territoriais, que aconteceu em Montego Bay, na Jamáica, no 1982.

Esta convenção estabelece a garantia de soberania sobre 200 milhas náuticas de cada

costa – esta zona foi nomeada Zona Económica Exclusiva (ZEE) – e fica

condicionada pela morfologia da placa continental submersa, que traça os confins

23 Tymoszewicz, Kyle, Arctic Sovereignty, Integrated Independent Study – Issue Based, s.l., 2013, p.2

24 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, p. 207

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entre uma ZEE e a outra. Ficam como águas internacionais todas as que não são

compreendidas em alguma ZEE.25

Provavelmente, se a convenção de Montego Bay tivesse mais rigidez, muitas

divergências nem teriam nascido: a origen, de facto, de todas as disputas territoriais

no âmbito ártico nasce do ponto de maior fraqueza que o texto de esta convenção

mostrou. Existe na verdade uma condição pela qual seria possível estender a

soberania até 350 milhas náuticas em caso de prova evidente da continuação da

placa continental relativa ao pais além do limite imposto pela convenção.26 Nasceu

daqui uma verdadeira caça às provas científicas para reivindicar zonas mais centrais

do Ártico, sobretudo o Lomonosov Ridge, e por causa da dificuldade para obter as

informações geológicas certas – vista a condição glacial desta bacia – ainda não há

resposta certa aos pedidos de reivindicação que foram mandados à Commissão

sobre a Lei do Mar (CLCS).

A peculiaridade desta convenção foi que entre os estados que sempre recusaram a

ratificação há, provavelmente, um dos mais envolvidos na questão Ártica, ou seja,

os Estados Unidos. Enquanto uma investigação sobre as razões desta decisão irá ser

efetuada mais além neste texto, pode-se facilmente reparar como a evolução do

estado da política ártica dos Estados Unidos esteja ainda numa fase germinal, e que

esta embrionalidade garante mais espaço para a ação de estados mais competitivos

na questão como a Federação Russa.

O que aparece, é que as ações do governo Russo começam a lembrar aos outros

estados Árticos, inclusive os Estados Unidos e o Canadá, que a inação não pode

mais ser considerada uma opção.27 No 2001 a Russia reivindicou mais ou menos

metade da área interna do círculo polar, e seis anos mais tarde, após a expedição

Артика, chegou-se ao ponto em que o capitão destes exploradores pôde declarar:

“O Ártico é nosso”.28

A força destas iniciativas russas está na convinção que a plataforma continental

eurasiática alcance as três cordilheiras submersas centrais, a central das quais é a de

25 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, p.16

26 ibidem

27 Moens, Alexander; Dowd, Alan W., Taking Action in the Arctic – Canada and US must work together,

Fraser Forum, Abr 2009, p. 34

28 ibidem

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11

Lomonosov. Isto justificaria as provocações porque perpetradas segundo as regras da

UNCLOS, que mostra então uma fraqueza interpretativa. Pode-se dizer portanto que

a Rússia disfruta a UNCLOS, aproveitando dos pontos de maior deficência para

reivindicar uma porção sempre maior da calota. E de facto, como a Federação Russa

mostra-se a única nação que interpreta o espírito da Convenção como uma

potencialidade de acreção territorial, os outros estados encontram-se obrigados a

explorar a possibilidade de um novo tratado com a Rússia, para dividir finalmente

os recursos da bacia ártica numa maneira mais justa.29

De momento, a maior medida tomada contra esta dificuldade interpretativa foi uma

declaração que envolveu os estados Árticos no 2008, escrita na cidade de Ilulissat na

Gronelândia e conhecida como a Declaração de Ilulissat.

Nesta declaração, as cinco nações árticas renovaram o compromisso de respeitar a

Convenção de Montego Bay segundo a lei das Nações Unidas para a

regulamentação dos mares.30

Declaram portanto os estados em Ilulissat:

“By virtue of their sovereignty, sovereign rights and jurisdiction in large areas

of the Arctic Ocean the five coastal states are in a unique position to address these

possibilities and challenges. In this regard, we recall that an extensive international

legal framework applies to the Arctic Ocean as discussed between our

representatives at the meeting in Oslo on 15 and 16 October 2007 at the level of

senior officials. Notably, the law of the sea provides for important rights and

obligations concerning the delineation of the outer limits of the continental shelf, the

protection of the marine environment, including ice-covered areas, freedom of

navigation, marine scientific research, and other uses of the sea. We remain

committed to this legal framework and to the orderly settlement of any possible

overlapping claims.”31

De qualquer forma, a declaração de Ilulissat propôs-se também como um convite à

29 Moens, Alexander; Dowd, Alan W., Taking Action in the Arctic – Canada and US must work together,

Fraser Forum, Abr 2009, p. 34

30 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, p.16

31 Arctic Ocean Conference – declaração de Ilulissat, Ilulissat, 05/27-29/2008.

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12

cooperação finalizada à investigação científica e à manutenção ecológica do

território, e mostrou-se como uma revolucionária demonstração de aproximação

entre a Federação Russa e os outros estados Árticos. Mas não só: o propósito da

declaração não foi somente à reivindicação de justiça para a divisão do território

oceânico ártico entre o A-5 (Esta é a maneira em que os cinco signatários se

nomearam nos documentos oficiais), mas sobretudo uma reivindicação de soberania

compartilhada contra a intrusão dos estados extra-árticos, que sempre mais

mostraram interesse na questão para garantir a internacionalidade das águas e,

conformemente com isto, a possibilidade para aproveitar dos recursos e usufruir das

vantagens hipoteticamente ainda limitadas aos estados geograficamente mais

próximos.32

1.2 A Geopolítica do A-5

Então, após termos analizado a natureza da jurisdição que pretende regular a

distribuição do subsolo ártico submerso para o A-5, é agora preciso ilustrar o estado

atual da política ártica das nações envolvidas, em que consistem as diversas

reivindicações e quais são os argumentos a vantagem dos síngulos estados para garanti-

las.

1.2.1 Canadá

Como já observado no capítulo precedente, o Canadá sofre uma menor

disponibilidade de recursos apesar de poder dispôr de uma porção territorial

verdadeiramente grande. Este estado projecta-se desde sempre numa visão política

tri-oceânica, considerando-se um estado ártico por natureza e promovendo

continuamente iniciativas para a garantia dos direitos territoriais no cenário polar.

Após as crises energéticas dos anos 1973, 1975 e 1979, os exploradores canadianos

empreenderam as primeiras expedições em direção do Pólo com o fim de obter

recursos necessários para o saneamento da economia em termos de energia elétrica.

E portanto, graças ao descubrimento de uma grande quantidade de hidrocarbonetos

no delta do rio Mackenzie, na bacia do Mar de Beaufort – pela qual houve uma

longa disputa com os Estados Unidos que ainda parece não alcançar uma resolução

32 Yeager, Brooks B., The Ilulissat Declaration – Background and implications for Arctic Governance, s.l.,

11/05/2008.

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13

– e nas ilhas árticas do arquipélago setentrional, o Canada começou uma política

industrial extrativa que, até agora, representa uma das mais importantes riquezas do

país.33

Verificando-se porém o problema dos altos custos da extração, o governo canadiano

resolveu construir um oleoduto, o Mackenzie, entre o Ártico e o estado da Alberta

cuja função é crucial também para a aquisição de recursos dos Estados Unidos.

Substancialmente, tendo o Canadá uma extensão territorial significativa, a porção de

Ártico que pretende reivindicar é igualmente sensível, e apesar de ser um dos

maiores promotores da cooperação entre os estados árticos, o Canadá encontra-se

em três disputas internacionais para a reivindicação de porções territoriais deste

oceano: a questão da Ilha de Hans, a reivindicação do Lomonosov Ridge e do Pólo

Norte, e a nacionalização das águas do Mar de Beaufort com a consequente

regulamentação da passagem do noroeste sob a jurisdição Canadiana.

1.2.2 Noruega e Dinamarca

Os dois estados européus justapõem uma mansidão política e um contínuo tentar o

compromisso com os outros estados árticos a uma necessidade de auto-afirmação

apesar de um peso político menor. Os dois estados, que foram unidos, representam a

porção européia ocidental do Ártico, e põem-se como árbitros para o equilibrio da

calota polar sob um ponto de vista não só geopolítico mas também ecológico e

geológico.

As primeiras descobertas no Ártico foram feitas pelos exploradores noruegueses nos

anos ’60, que encontraram depósitos de recursos no Mar do Norte até agora a

disposição do governo do Reino de Noruega, assim como do Federal Russo. Os

noruegueses então obtiveram as primeiras licenças para a exploração do Mar de

Barents ocidental no 1980, que levaram os exploradores do reino à descoberta da

bacia de Snøhvit quatro anos mais tarde. Aí foi instalada a maior planta para a

extração do gas no inteiro Ártico, que produz agora acerca do 30% da exportação de

gas na Europa.34 Esta bacia, em vista do aquecimento global e do consequente

33 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, pp. 198-

199

34 Ibidem, p.199

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14

degelo, vai-se propôr como a principal fonte de aquisição de materiais para a

navegação a disposição não só dos norueguêses, mas também dos norte-americanos

e dos asiáticos.35

O Mar de Barents é sem dúvida a principal fonte de recursos para o pais. Só a

porção ocidental da bacia fornece à Noruega o 30% dos recursos totais que o país

disfruta. E portanto conveio aos diplomatas noruegueses encontrar um acordo com

os vizinhos russos para a divisão do Mar de Barents, se calhar a única questão de

reivindicação ártica a ter encontrado uma solução definitiva. De facto, russos e

noruegueses, após terem estipulado um acordo comercial em Austvik no 2007,

regularam a distribuição das águas territoriais da zona cinzenta da bacia do Mar de

Barents no 2010, conformando-se à lei do mar e dividindo assim o lucro adquirido

através da extração dos hidrocarbonetos aí presentes. Esta situação de estabilidade

levou os dois paises a criar uma joint venture entre as duas maiores companhia de

lavoração do petróleo dos paises: a norueguesa Statoil Hydro e a celebérrima

Газпром36 russa.37

A situação internacional da Dinamarca está menos estável. O Reino Unido de

Dinamarca compreende não só a parte continental do pais e as duas ilhas maiores –

inclusive a em que fica a capital Copenhaga – mas também o arquipélago das ilhas

Fær Øer e a enorme ilha da Gronelândia. Porém, embora a Gronelândia permita à

Dinamarca o acesso direito aos recursos do Ártico exatamente como acontece com

os outros quatros paises, põe também o país no centro da que se calhar representa a

maior divergência entre as reivindicações nacionais no ártico: a questão do

Lomonosov Ridge. Portanto, se podemos afirmar com certeza que a posição da

Noruega encontra-se numa altura de estabilidade – lembramos como as

reivindicações territoriais além das 200 milhas navais do país são as únicas até agora

que foram aceitas pela Commissão para a Lei do Mar (CLCS) – não é possível dizer

o mesmo da Dinamarca, agora no centro de uma dísputa contra Canadá e Federação

Russa para a posse da cordilheira submersa e ainda longe de qualquer resolução da

questão.

35 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, p.199

36 Russo: Gazprom

37 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, p.200

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1.2.3 Federação Russa

Os Russos são os que, sem dúvida, aproveitaram mais da fraqueza da convenção de

Montego Bay para anexar o maior espaço territorial possível na calota polar. A

política Russa, apesar da sua história mais orientada à defensa do enorme bloco

continental do que ao ataque e à conquista, mostrou-se sempre muito agressiva no

cenário ártico, com iniciativas as vezes discutíveis mas que, de momento, põem-na

na posição de supremacia que queria obter.

As primeiras descobertas soviéticas aconteceram no Mar de Barents nos anos 70,

após uma investigação sobre a natureza geo-sísmica daquela porção de placa

continental. O mapeamento daquela parte da placa levou os russos ao descubrimento

dos colossáis campos de Штокмановское38, de Ледовое39, e de Лудовское40 no

Mar de Barents, e mais os de Русанов41, de São Petersburgo, do Mar de Kara e do

Mar de Pecora. Só nos últimos vinte anos foram perfurados mais do que 100 poços

de petróleo só no Mar de Barents, onde é calculável a presença de mais ou menos 6

bilhões de toneladas de petróleo. Só estas bacias representam pela Rússia o 74% da

inteira produção de hidrocarbonetos na parte continental do pais, e são todas

destinadas à venda.42

Como já afirmado, a condição de supremacia russa levou o país a tomar algumas

iniciativas que despertaram indignação e discordância nos outros paises do A-5.

Após a expedição Артика do 2007, o Ministro do Estrangeiro canadiano Peter

Mackay declarou: “This isn’t the 15th century. You can’t go around the world and

just plant flags”43 e ainda o primeiro ministro da altura Stephen Harper, na

38 Russo: Shtokmanovskoe

39 Russo: Ledovoe

40 Russo: Ludovskoe

41 Russo: Rusanov

42 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, pp.200-

201

43 Gillis, Charles, Who Owns The North Pole?, Maclean, Aug 2011, p.2

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promoção do seu programa intitulado Canada First, reagiu à agressividade dos

russos declarando que: “To protect the North, we must control the North”.44

A Federação Russa, de qualquer forma, não mostra preocupação, alternando

iniciativas de reaproximação como a assinatura da Declaração de Ilulissat a outras

de imposição territorial, como a decisão de treinar tropas que teriam a missão de

lutar no Ártico e apliar o raio operacional do país eurasiático na calota polar.45

1.2.4 O Lomonosov Ridge e os casos menores de reivindicação

Excluindo de momento os Estados Unidos na descrição do panorama geopolítico no

Ártico – cujo aprofundamento será o principal assunto do capitolo a seguir – o

mapeamento das divergências nas reivindicações territoriais no Ártico pode ser

dividido em três questões, uma das quais já está resolvida – a questão do Mar de

Barents entre Noruega e Rússia – e uma outra das quais não tem grande relevância

geopolítica, ou seja, a questão relativa à Ilha de Hans entre Canadá e Dinamarca.

Brevemente, a Ilha de Hans é uma ilhota inabitada de 1,3Km² que fica entre a

Gronelândia e a Ilha de Ellesmere, no canal Kennedy do estreito de Nares,

reivindicada inicialmente pelo Canadá no ano 1973, e pouco mais tarde pela

Dinamarca. A procura de um acordo, os dois estados resolveram procrastinar

qualquer decisão em vista da convenção de Montego Bay, para que esta decidisse a

quem pertencia a ilha. Contudo, apesar de anos de estudos sobre a placa continental

daquela área, ainda não se chegou à definição certa da natureza geológica da ilha, e

não obstante Canadá e Dinamarca continuem a enviar contingentes militares e para-

militares, mais várias vísitas diplomáticas, a ilha não tem soberania.46

Porém, o principal foco da questão Ártica – não considerando os Estados Unidos –

encontra-se na cordilheira submersa chamada Lomonosov Ridge.

Na verdade, esta é só a cordilheira central de um sistema a três, aos lados da qual

estão duas cordilheiras menores: a α-Mendeleev Ridge no lado americano e a Gakkel

44 Moens, Alexander; Dowd, Alan W., Taking Action in the Arctic – Canada and US must work together,

Fraser Forum, Abr 2009, p. 34

45 Ibidem

46 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, pp.202-

203

Page 23: Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...§ão Valter... · revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações internacionais

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Ridge no lado eurasiático. Este sistema encontra-se entre a Ilha de Ellesmere e a

Gronelândia, e chega à profundidade de 1800 Km debaixo do Pólo Norte até o

arquipélago das Novas Ilhas Siberianas.47

Sendo a cordilheira particularmente rica em recursos, três estados do A-5 enviaram

à CLCS pedidos para a soberania, expondo as próprias evidências científicas.

No 2001 a Federação Russa enviou o primeiro pedido para uma secção da

cordilheira que incluiva o Pólo Norte. O que resultava da investigação dos russos

era que a cordilheira fosse o prolongamento natural da placa eurasiática, e portanto a

continuação submersa do continente. Um mês depois, foram publicados documentos

dinamarqueses para a reivindicação da cordilheira como conexão geológica à

Gronelândia, e portanto, território nacional.

Seguiu o pedido canadiano, inicialmente projetado para o 2013, mas retirado antes

da publicação porque os cientistas não tinham posto o Pólo Norte na secção

reivindicada, com consequente recusa do minístro Harper.48

Enquanto os expertos não concordaram com a decisão, evidenciando como o Pólo

Norte será declarado não-canadiano daqui a 10-20 anos (Esta foi também a

declaração do experto em lei internacional Michael Byers: “In five or ten or twelve

years, we are going to have to admit that the North Pole is not canadian”49), a

posição do governo canadiano fica irremovível apesar da evidência científica.

Mesmo assim, todos os pedidos enviados à CLCS foram recusados – exceto o da

Noruega – e agora novos pedidos estão em fase de preparação, com a Dinamarca

que pretende de novo incluir o Pólo Norte na porção territorial reivindicada, e o

Canadá que promove expedições científicas com custos que chegam aos 100

milhões de dólaros canadianos para encontrar elementos a favor da reivindicação

canadiana do Pólo Norte, e os Russos que após a recusa do pedido no 2002 ainda

não propuseram novos pedidos.50

De qualquer forma, o estado mais indicado para obter a reivindicação da cordilheira

é a Dinamarca: o geofisicista marinho canadiano Ron Macnab declarou: “Very early

47 Gillis, Charles, Who Owns The North Pole?, Maclean, Aug 2011, p.1

48 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, pp. 18-19

49 ibidem

50 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, pp. 18-19

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on in the game, it became very clear that the Danish wedge would include the North

Pole. My own sense is that Denmark has the strongest claim”. Daqui a um ano

espera-se a resposta da CLCS.51

1.3 Os Estados Unidos na Questão Ártica

Enquanto até agora evidenciamos todas as questões que não envolvem os Estados

Unidos, e vimos como mesmo sem a presência deste colosso a situação no Ártico

apresenta-se intrincada e não resolvida, um rolo de absoluto protagonista é representado

pelos Americanos na inteira economia geopolítica do Ártico, com questões de difícil

resolução internas e externas.

1.3.1 Os Estados Unidos e a UNCLOS

Como já afirmado, a principal peculiaridade da convenção de Montego Bay foi

que os Estados Unidos nunca a ratificaram, apesar de terem assinado o tratado no

1994.52 Antes de procurar as razões pelas quais um estado cuja importância no

cenário ártico não pode ser posta em questão, é necessário lembrar como uma

decisão do género de facto impede aos Estados Unidos de tomar decisões nos

summits do Conselho Ártico, união sem poder jurisdicional dos estados Árticos

com a compartecipação de outras entidades nacionais como a Finlândia, o Reino

Unido e a Suécia, e vários estados observadores como a China, o Japão, a Índia e a

Itália – único entre os outros estados da União Europeia.

Esta posição de desvantagem, e a mais importância dada a outras questões

internacionais como a situação no médio oriente ou, mais antes, a crise nos Balcãs,

puseram os Estados Unidos em grande atraso respeito aos outros parceiros árticos.

A América, de facto, parece ter reparado o enorme valor da calota polar só após as

últimas descobertas, e só recentemente iniciaram a promover uma política de

contacto diplomático com o A-5 para a resolução, principalmente, de duas

questões de divergência na soberania, que irão ser analizadas mais além.

Investigando as razões que levaram os Estados Unidos à decisão de não ratificar o

tratado, encontra-se a hipótese que vê este fenómeno devido a um choque entre as

grandes companhia de extração (Big Oil, Exxon) e um grupo de Republicanos que

51 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, pp. 18-19

52 Demos, Telis, Melting icecaps are giving way to oil-rich waters that the U.S. can’t claim, The

Economist, Aug 2007, p.1

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influenciou o senado para não querer reconhecida a soberania das Nações Unidas

sobre as decisões geopolíticas do Ártico. O presidente do Center for Security

Policy Frank Gaffney chegou a declarar o tratado “the most egregious transfer of

American sovereignty, wealth, and power to the UN”.53

Mesmo assim, expertos declaram que os Estados Unidos deveriam ratificar o

tratado para evitar as acusações de hipocrisia no criticar a política Russa como

“não pertinente ao espírito do tratado” e para garantir a solidariedade do A-5 em

caso de futuros problemas extra-árticos.54

Fica o problema de não poder assim enviar pedidos sobre a soberania de territórios

ao CLCS, a benefício dos principais estados rivais: o Canadá na questão do Mar de

Beaufort e da passagem do noroeste, e a Federação Russa na questão do Estreito

de Bering, ou seja, as duas maiores problemáticas que os Estados Unidos

pretendem resolver no cenário da calota ártica.

1.3.2 O Mar de Beaufort e a passagem do noroeste

O problema da soberania sobre o Mar de Beaufort origina não só da necessidade de

aceder aos recursos submersos, mas também da de internacionalizar uma porção de

águas de aproximadamente 6250 milhas² que agora se consideram internas

canadianas, para facilitar a passagem de novas rotas comerciais da América à Asia.

Os confins marítimos entre Canadá e Alasca foram fixados no 1825, quando o

Canadá pertencia ao Reino Unido e o Alasca ao império Russo. Russos e britânicos

puseram o confim ao longo do 141° meridiano, e agora são discutidos pelos Estados

Unidos porque baseados num princípio – o da equidistância – agora obsoleto após a

convenção – lembramos: não ratificada – de Montego Bay.

Portanto, os Estados Unidos sostêm a tese que todas as águas da passagem do

noroeste, que encontra-se mesmo entre a extremidade ocidental do Alasca e a

extremidade oriental da Chukotka na Rússia, têm de ser consideradas internacionais,

e segundo este princípio o Canadá deveria perder o direito jurisdicional sobre as

53 Demos, Telis, Melting icecaps are giving way to oil-rich waters that the U.S. can’t claim, The

Economist, Aug 2007, p.1

54 Moens, Alexander; Dowd, Alan W., Taking Action in the Arctic – Canada and US must work together,

Fraser Forum, Abr 2009, p. 35

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20

águas de Beaufort.55 Como fundamento para valorizar esta posição, os Estados

Unidos põem o Artigo 37 da UNCLOS, que afirma:

“In straits […], all ships and aircraft enjoy the right of transit passage, which

shall not be Impeded; except that, if the strait is formed by an island of a State

bordering the strait and its mainland, […]”56

Contudo, a internacionalização das águas da passagem do noroeste promoveriam a

intrusão dos estados extra-árticos, que se sentiriam justificados a passar pelas águas

árticas sem obedecer à jurisdição de qualquer nação costeira.57 A China, por

exemplo, mostrou interesse verdadeiro na questão, com a explícita intensão de

mover os seus próprios interesses na nova rota comercial.

Outros problemas que os Estados Unidos têm que enfrentar nesta questão vêm de

diversas lobbies petrolíferas (Exxon, Chevron, Conoco Philips) que alinharam com

os grupos ambientalistas para a proteção do ecosistema ártico, e portanto declaram-

se contra a intervenção dos Estados Unidos na área de Beaufort.58

E qual é então a entidade das vantagens que esta passagem do noroeste dariam aos

paises beneficiários?

Aqui também, as fontes não dão uma única mesuração: segundo Carl Ek,

especialista nas relações entre Estados Unidos e Canadá, o degelo da passagem

encurtaria as rotas entre a Europa e a Ásia de uma quantidade de milhas entre 3000 e

4000.59 Segundo Byers, o promotor de Canada First, em vez, o encurtamento

chegaria até a 7000 Km, equivalentes a quase 4500 milhas marítimas.60

De qualquer forma, o utilizo da passagem do noroeste tem crucial importância não

só sob um ponto de vista relativo à distância, mas também à posição estratégica que

55 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, p.204

56 CLCS, United Nations Convention on the Law of the Sea, Montego Bay, 1982, p.37

57 Gillis, Charles, Who Owns The North Pole?, Maclean, Aug 2011, p.3

58 Demos, Telis, Melting icecaps are giving way to oil-rich waters that the U.S. can’t claim, The

Economist, Aug 2007, p.1

59 Moens, Alexander; Dowd, Alan W., Taking Action in the Arctic – Canada and US must work together,

Fraser Forum, Abr 2009, p. 35

60 Tymoszewicz, Kyle, Arctic Sovereignty, Integrated Independent Study – Issue Based, s.l., 2013, p.15

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garante a possibilidade de realizar expedições oriente-ocidente sem passar pelo

Canal de Suez, e se submeter à relativa jurisdição.

Daqui percebe-se bem a dimensão da divergência entre o Canadá e os Estados

Unidos. Tem que ser mencionado, contudo, como à atividade política do governo

canadiano – que com a sua estratégia defensiva Canada First pretende defender os

direitos nacionais no Ártico com gasto de 3 bilhões de dólaros canadianos para a

compra de oito quebra-gelo 61– não se opõe laxismo por parte do governo

americano, apesar das acusações perpetradas ao Presidente Barack Obama pelas

principais companhias petrolíferas, que resolveram gastar mais do que 153 milhões

de dólaros para uma campanha publicitária que o definia “insuficientemente pro-

oil”62 e portanto pouco ativo nas bacias árticas: o Presidente, de facto, ordenou

também dois novos quebra-gelo para a ação direta na porção artica de competência,

e promete novos contactos com os canadianos para chegar à esperada resolução

diplomática.63

De qualquer forma, parece que uma resolução definitiva para esta questão possa ser

ofrecida mesmo pela natureza geológica do território e pelas regras de Montego

Bay: a forma da placa continental vira significativamente a oeste após 200 milhas

náuticas da costa da Alasca, que daria ao Canadá o direito de reivindicar aquela

porção como continuação da ZEE do Yukon, e pondo o estado numa situação

favorável na questão.

Mesmo assim, o Canadá mostra-se aberto à via diplomática: como inicialmente os

navios americanos que passavam por alí não pediam permissão aos canadianos, foi

assinado o Arctic Cooperation Agreement pelo Presidente Ronald Reagan e o

Primeiro Ministro canadiano Brian Mulroney, em que decidia-se que os Estados

Unidos não teriam mais permissão para enviar barcos na passagem sem a aprovação

do Canadá, mas o Canadá empenharia-se a dar esta permissão em qualquer caso,

sem excepções.64

61 Moens, Alexander; Dowd, Alan W., Taking Action in the Arctic – Canada and US must work together,

Fraser Forum, Abr 2009, p. 34

62 Tymoszewicz, Kyle, Arctic Sovereignty, Integrated Independent Study – Issue Based, s.l., 2013, p.13

63 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, p.16

64 Tymoszewicz, Kyle, Arctic Sovereignty, Integrated Independent Study – Issue Based, s.l., 2013, pp.29-

31

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22

Lembramos também o alarme lançado pelo ambassador canadiano nos Estados

Unidos Paul Cellucci, que pediu maior controle militar na área sostendo que se a

passagem do noroeste ficasse sob a jurisdição das Nações Unidas, e portanto

mantivesse a sua condição de internacionalidade, esta seria usada pelos terroristas

como rota sujeita a menor militarização e portanto mais segura para o tráfico de

armas de destruição maciça. O resultado desta declaração foi a abertura de novas

negociações para o emprego de forças militares americanas na porção oceânica de

contenção.65

Entretanto, deve ser lembrado também que existe uma passagem do nordeste, que já

se encontra na condição de ser ice-free e portanto utilizável principalmente pelos

russos, que assim pode garantir os negócios com a Europa apesar da crise ucraniana.

E mais, não pode ser omitido como as relações entre os Estados Unidos e o Canadá

no âmbito ártico compreendam também pontos de convergência, como aconteceu na

realização do gasduto americano que de Prudhoe Bay, na Alasca, leva recursos até

Valdez, nos Estados Unidos continentais, passando pelo território canadiano e

confluindo no gasduto canadiano Mackenzie, para alimentar os estados de

Washington, Montana e North Dakota.66

1.3.3 O Estreito de Bering

Apesar da proverbial agressividade da política federal Russa na questão ártica, cuja

emblemática representação resultou ser a expedição Артика do 2007, algumas

declarações do estado eurasiático desmentem a ideia de uma Rússia arrogante. O

Primeiro Ministro canadiano Ben Harper relatou as palavras do Presidente russo

Vladimir Putin acerca da iniciativa, que garantia que não houve intenção de ofender,

nem de violar qualquer acordo internacional, nem de invadir a zona de soberania

canadiana.

E é com esta ambiguidade da política externa Russa que os Estados Unidos têm a

ver relativamente á questão do Estreito de Bering, que se entrepõe entre a porção

65 Tymoszewicz, Kyle, Arctic Sovereignty, Integrated Independent Study – Issue Based, s.l., 2013, pp.29-

31

66 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, pp.198-

199

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23

extrema oriental da Federação Russa, com o estado da Chukotka e a sua capital

Anadyr, e a porção extrema ocidental dos Estados Unidos, com a Alasca.

A contenção entre os dois estados é relativa à definição dos confins marítimos do

mar de Bering, alí substante.

Quando de facto os Estados Unidos compraram a Alasca no 1867, com o acto de

compra estabeleceram o confim marítimo três milhas além da costa, como a norma

da altura ainda impunha. Após Montego Bay e as novas normas definidas pela

UNCLOS, encontraram-se novas divergências na redefinição do confim, que

levaram os dois paises a um longo caminho diplomático, cuja mais importante

tratativa resultou no Maritime Boundary Agreement.67

Segundo este acordo, a redefinição do novo confim tinha que seguir uma linha reta

que, partindo do ponto corrispondente a 65°30’ de latitude norte e a 168°58’30” de

longitudo oeste, divide a secção setentrional do oceano Pacífico e, através de uma

bem definida sucessão de pontos topográficos, passa no meio do Mar de Bering e

continua até ao oceano Ártico.68

De qualquer forma, para perceber as dificuldades do iter diplomático para um

acordo definitivo sobre a questão, é importante lembrar como a natureza de um dos

dois paises envolvidos estivesse numa fase de mudança epocal. O Maritime

Boundary Agreement de facto foi ratificado pelos Estados Unidos no 1991, ano em

que se estava a preparar a dissolução da União Soviética para a criação da nova

Federação Russa e da consequente instituição da Comunidade dos Estados

Independentes.

Os primeiros envolvidos, ou seja os soviéticos, não ratificaram o acordo. As razões

desta decisão têm fundamento histórico e trazem consigo o oneroso testemunho de

décadas de guerra fria, em que o estreito de Bering representava, se calhar, o único

exemplo de quase-continuidade física entre o bloco continental da União Soviética e

a Alasca, então a única fronteira direta transitável entre os dois estados. Manter a

ambiguidade geopolítica daquela área teria garantido, de qualquer forma, que se

evitasse a edificação de uma Cortina de Ferro oriental, que iria ser militarizada e se

teria tornada numa zona sensível.

67 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, p.204

68 Ibidem

Page 30: Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...§ão Valter... · revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações internacionais

24

Porém, após a dissolução da União Soviética, o novo governo Russo de Boris

El’tsin aceitou uma revisão do acordo, declarando-se não concorde com a

designação da fronteira marítima. A origem desta nova divergência fonda-se sobre a

inexistência de uma base cartográfica condivisível para a aplicação do acordo.

De facto, a área representada numa carta geográfica muda de forma e tamanho

segundo as diversas projeções cartográficas existentes: a equivalente, a conforme, e

a equidistante.

Portanto, os russos criticaram o utilizo da base cartográfica conforme segundo a

projeção do Mercatore na qual baseia-se o acordo, porque obrigaria os russos a

ceder cerca de 15000 milhas² náuticas aos Estados Unidos, equivalentes a cerca de

50000 Km² de oceano, com consequentes perdas em termos não só de recursos, mas

também de produção pesqueira, muito abundante naquela área, e dos ganhos

relativos a esta atividade.69

1.3.4 Os horizontes gopolíticos da questão ártica

Após ter sido um assunto de marginal importância, a questão ártica estã ganhando

posições nas prioridades dos governos mundiais e dos estudos geopolíticos. A

mudança climática está finalmente a mostrar as suas consequências visíveis, com o

degelo da calota polar e a consequente abertura de novos horizontes para a extração

de recursos, que oferecem então uma válida alternativa à egemonia dos estados do

oriénte medio com a formação de novas hierarquias económicas que mudarão o

inteiro cenário comercial num plano global.

As novas rotas comerciais garantirão maior velocidade no transporto destes

materiais, e no comércio entre a América e a Eurásia, com controle crescente e

adequada militarização.

Sendo esta uma questão ainda aberta, todas as situações de distância entre os paises

do A-5 haverão de passar por um iter ainda durável para chegar a uma resolução

concordada por todas as partes envolvidas.

O diretor das investigações do Australian Centre for Ocean Resource and Security

Clive Schofield escreveu no início do 2015 um relatório em que pronosticava que:

69 Castiello, Nicolino, Artico – “Eldorado” e “frontiera” geopolitica del XXI secolo? , Napoli, 2010, pp.204-

205

Page 31: Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...§ão Valter... · revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações internacionais

25

“At the commission’s current rate of progress, several decades are likely to pass

before final and binding outer limits to national continental-shelf claims can be

fixed for all states that have submitted claims”70 que abre então a novas intervenções

sobre os pedidos já enviados – com implícito convite à investiçação cientifica a

soster os vários pedidos – e adia a designação definitiva das questões à metade do

século XXI, em que o progresso científico será mais avançado e a fisionomia da

calota polar apresenterá-se muito diferente do que agora.

Sob um ponto de vista etnológico, muitos estados têm ainda que trabalhar sobre um

maior envolvimento dos povos árticos, evitando assim uma excessiva centralização

do poder político em questões tão periféricas.

O Canadá, nesta questão, mostra-se paradigmático: a divisão em três territórios

árticos garante uma representação diplomática dos povos setentrionais (O território

do Nunavut centraliza-se nas ilhas do Ártico ocidental, e a capital Iqaluit fica

mesmo no arquipélago). A natureza puntiforme da Noruega – apesar do arquipélago

das Svalbars – não perceba a questão ártica como distante do governo central de

Oslo, portanto o povo norueguês inteiro sente-se representado nas disputas.

Igualmente, a grande autonomia desfrutada pela Gronelândia põe a ilha numa

condição de independência decisional relativamente ao governo de Copenhaga.

Pelo contrário, os dois estados que ainda têm que trabalhar com isto são a Federação

Russa, que embora tenha um bom sistema de deslocalização para as funções

diplomáticas dos vários области71, ainda põe Moscovo em posição central na

execução das iniciativas na porção Ártica de pertinência.

Mesmo assim, a situação mais atrasada, em toda a questão ártica e também no

problema etnológico, é a dos Estados Unidos. O Alasca, única representação

territorial dos EUA no Ártico, com a peculiaridade de ser uma exclave do bloco

teritorial americano, tem ainda que trabalhar proceduralmente por meio dos

diplomatas de Washington, sem delegação para os representantes do Alasca que

dariam voz aos povos indígenas principalmente envolvidos na questão.72

70 Schlanger, Zoë, Chill on the Arctic!, Page One/Arctic, Newsweek, Set 2015, p.18

71 Russo: oblasti, entidades estatais em que a Federação Russa fica dividida

72 Anjum, Sheila, Arctic Decisions Made at National and International Levels – Alaska has a limited role

as a state, some Alaskans can have influence, Alaskan Business Monthly, Dec. 2013, pp.20-21

Page 32: Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...§ão Valter... · revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações internacionais

26

Além dos pronósticos confortantes, há também de ser considerada uma perspectiva

negativa. Fontes russas insistem muito na necessidade de militarizar a região,

definido o espaço oceânico ártico como uma importante posição estratégica para a

instalação de mísseis balísticos.73 Além disso, os russos lançam também um alarme

de entidade internacional, inferendo como uma das principais desvantagens do

degelo, além do perigo ecológico sobre que seria necessário um excursus tão

iluminante quanto distante do assunto aqui tratado, seria a criação de novas rotas

marinhas para o tráfico ilegal de homens, armas e droga, e portanto pede uma maior

segurança nas zonas sob a jurisdição internacional, prometendo uma adequada

militarização nas de pertinência russa.74

Contudo, em conclusão, a questão ártica é um assunto explorado só recentemente,

que verá o envolvimento de sempre mais entidades e para a qual os Estados Unidos

são chamados a intervir numa maneira mais incisiva e determinada, com o objetivo

de diminuir o gap com o resto do A-5 e garantir ao colosso uma posição de

egemonia energética, comercial, politica e militar nos próximos séculos, e conseguir

numa medida diplomática todos os objectivos que a questão ártica está a levar.

73 Глазунова, И. М., Арктическая Политика США в 2007-2011 гг., Трибуна Молодых Ученых,

Moscovo, 2011, p.229

74 ibidem

Page 33: Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...§ão Valter... · revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações internacionais

27

2

Russia e EUA: atitudes antitéticas em comparação

2.1 A visão articocéntrica da Rússia

A Federação Russa identifica-se como um estado Ártico. Embora a maioria da

povoação russa encontre-se numa área que abrange o quadrilátero definido pelas

cidades de Мурманск75 no norte, São Petersburgo no oeste, Сочи76 no estremo sul e

Пермь77 na região oriental dos Urais – divisão geográfica entre a porção europeia do

País e a Sibéria – , o interesse pelas regiões da longa costa setentrional foi sempre

considerado uma prioridade pelos governos federais, desde a queda do Império Russo,

inclusive na altura da União Soviética.

A proteção dos recursos desta região tão vasta, assim como a reivindicação de porções

maiores de território, leva o estado a uma contínua e incessante operação de

melhoramento das dotações militares na zona, finalizada não só à defesa da região sob o

controle de Moscovo, mas também a uma série de provocações – como já visto

precedentemente – que têm como objetivo final garantir um controle hegemónico na

inteira região, contra todas as tentativas diplomáticas produzidas ao longo dos anos, que

viram a Rússia ser um estado co-operador apesar de ter uma filosofia totalmente

diferente.

Sob um ponto de vista de poder militar a Rússia pôde sempre contar com um sentido de

supremacia, vistos não só os orientamentos diplomáticos dos outros estados do A-5,

mas sobretudo considerada a política de não intervenção operada pelo único concorrente

em termos de exército e dotações militares, ou seja, os Estados Unidos.

Os quais, vítimas de mudanças ideológicas radicais nas últimas décadas em termos de

poder executivo, não conseguiram manter na região uma política consistente, alternando

períodos de ação e intervenção a outros de descentralização do problema, deixando às

necessidades dos povos da Alasca o cetro decisional.

75 Russo: “Murmansk”

76 Russo: “Soči”

77 Russo: “Perm’”

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2.1.1 Militarização russa no Ártico

A história da militarização que o governo federal de Moscovo operou para o controle

hegemónico da porção Ártica do seu território começa na terceira década do século

XX.78

Aleksandr’ Golc, no 2011, identifica dois pontos de investigação que coincidem com

dois acontecimentos históricos, nos quais a mudança em termos de quantificação

militar na região apresentou-se significativa.79

O primeiro representa a intervenção militar Russa ao longo da segunda Guerra

Mondial, em que o Ártico parou de ser só um traseiro pouco estratégico nos

movimentos dos exércitos contendentes e começou a ganhar uma função logística de

importância vital. Os russos, de facto, começaram a perceber o potencial estratégico

da região utilizando-a como palco para as linhas de comunicação entre a União

Soviética e os seus aliados.80

É importante lembrar como a Rússia, naquela altura, ficasse num espaço geopolítico

isolado dos outros aliados, cujo orientamento oeste-este contrapunha-se à dicotomia

em que se encontravam o estado Soviético, com batalhas tanto no frente ocidental

contra o exército Italo-Alemão como no frente oriental contra o apéndice Japonês.

O descobrimento de um novo eixo norte-sul para a comunicação com os Estados

Unidos e o Canadá representou para a Rússia uma segura rota de comunicação para a

organização e o desenvolvimento de operações militares conjuntas.81

O segundo ponto de investigação em que historicamente a Rússia encontrou-se a

reconhecer a importância de uma tão cumprida porção costeira com o Oceano Ártico

foi perante a Guerra Fria.

Porém, a situação nessa altura apresentava-se oposta: o Oceano Ártico deixara de ser

uma zona franca, conjunção segura entre dois aliados tão importantes como a União

78 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.110

79 Ibidem

80 ibidem

81 ibidem

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Soviética e os Estados Unidos, passando a representar um terceiro frente para uma

potencial guerra nuclear.82

Os estrategistas soviéticos esperavam que os Americanos atacassem com

bombardeiros estratégicos ou com mísseis balísticos através do Pólo Norte, tratando-

se de uma parte do globo livre de possíveis intercessões por terceiras entidades e,

potencialmente, menos protegida pelos exércitos dos dois protagonistas.83

Nestas duas alturas, como aparece evidente, a Rússia viu-se forçada a maximizar o

próprio esforço, reforçando o Ártico de suficientes forças bélicas de maneira a poder

intimidar e, se tivesse sido necesário, rejeitar um possível ataque americano.

Porém, não foi só nestas duas alturas que a Russia nos deu exemplo de grande

cuidado perante a proteção da costa ártica.

O período do pós-Guerra Fria fez surgir inevitáveis modernizações das Forças

Armadas, consequência de uma necessária re-organização militar do recém-nascido

estado federal Russo, e contrário à tendência conservadora dos militares russos,

fortes dos sucessos passados e particolarmente repulsivos às mudanças.

O primeiro Presidente, mesmo a cavalo das duas épocas históricas da nação Russa,

no meio da desintegração do colosso internacionalista Soviético e da criação

arbitrária de uma nova entidade nacional Russa, que demonstrou de ter intenção de

reformar e reorganizar o inteiro aparelho bélico nacional foi Михаил Горбачёв84,

histórico último presidente do Estado Soviético, que expressou uma decisa

intolerância para com a natureza estática do aparelho bélico, considerando-o apenas

relativamente conveniente sob um ponto de vista económico e logístico do exército.

Este acabou por definir a força militar do País como

82 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.110

83 Ibidem

84 Russo: “Michail Gorbačëv”

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“...um dinossauro gigantesco e inflexível, que absorvia imensos recursos do

Estado”85

Os resultados obtidos pelo Presidente em termos de reorganização militar foram a

redução das unidades efetivas de cinco para quatro milhões de homens, com relativa

vantagem económica e com uma pouco sensível redução das forças empenhadas na

proteção da região polar.86

Seguiu-o o primeiro verdadeiro presidente da nova Federação Russa, o liberal Борис

Ельцин87, que insistiu em solicitar uma mudança radical no sistema da conscrição,

tanto que conseguiu libertar o país de um aparelho burocrático que não envolvia

apenas cerca de vinte milhões de jovens no País inteiro, mas que representava

também uma estrutura de grande gasto económico e de grande emprego de recursos

humanos.88

Ainda nesta altura, o Ártico obteve um contingente de Forças Armadas mais

reduzidas, profissionais, mais flexíveis, preparadas e eficientes para uma eventual

operação militar de área, e com a ulterior motivação dos novos regimes de contratos

de três anos, com a possibilidade de dispor de novíssimas tecnologias militares numa

zona onde um utilizo das mesmas não podia representar um verdadeiro risco para a

incolumidade dos cidadãos.89

A chegada do Presidente Владимир Владимирович Путин90 no ano 2000

representou um ponto de mudança radical no que diz respeito a muitos assuntos,

porém, a atitude presidencial face ao exército não parou de ser orientada à poupança

e à racionalização dos recursos humanos. A grande ambição do Presidente revelou-se

com a declaração que fez no ano seguinte à sua subida ao poder, através da qual

85 Thornton, 2011 – excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de

2014, Letras Itinerantes, p.110

86 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.110

87 Russo: “Boris El’cin”

88 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.110

89 Ibidem, pp.110-111

90 Russo: “Vladimir Vladimirovič Putin”

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comunicou que na sua opinião as forças armadas ideais seriam capazes de contribuir

para as grandes ambições do poder da Rússia.91

Apesar desta ambição, contudo, as suas reformas iniciais foram puntiformes. Tentou

desvalorizar o conceito de mobilização e tentou profissionalizar as unidades dos

para-quedistas. No Ártico, em todo caso, não houve uma mudança sensível.

Igualmente, a paréntese Presidencial de Дмитрий Анатольевич Медведев92não

ofereceu novos cenários à situação no Ártico. Se bem o valor potencial da região

estivesse em forte crescimento, as reformas militares do Presidente centralizaram-se

sobretudo nas regiões meridionais da Ossétia do Sul, com a entrega local de novos

meios eletrónicos. Esta polarização da atitude bélica da Rússia representa claramente

as ambições territoriais da Federação Russa, tornando-as mais explícitas.

Nessa altura, a questão Ártica permanece silente, e até diminui com a racionalização

da Marinha de Guerra na península de Kola em 2008, em que o número dos

submarinos militares foi fracionado, partindo da maciça quantidade de 180 unidades

ativas e operativas.93

Contudo, estas decisões não devem levar a opinião pública a uma tentativa de

desmilitarização da área. Sob a segunda presidência do Путин94a flota da Marinha

de Guerra no Ártico permanece a mais preparada e a mais consistente entre todo o A-

5, inclusive os Estados Unidos, cuja política relativamente ao Ártico é diferente, e

consequentemente, é também a sua presença na região das forças bélicas.

Para fornecer uma ideia da natureza da Força Armada Russa em operação, pode-se

imaginar uma formação triangular do exército, com o vértice no Polo Norte e a base

nas zonas costeiras95.

91 Thornton, 2011 – excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de

2014, Letras Itinerantes, p.111

92 Russo: “Dmitrij Anatol’evič Medvedev”

93 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.117

94 Russo: “Putin”

95 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.112

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Nesta zona é operativa uma esquadra de quebra-gelo que, em termos de número, é a

maior do mundo e constitui a principal ferramenta de apoio à navegação no Ártico

russo, garantindo assim a navegabilidade das rotas marítimas do Ártico, abrindo o

caminho aos návios para os portos setentrionais (Principalmente Мурманск96 entre

todos) e entrando nos rios das regiões continentais setentrionais.97

Tudo isso juntamente aos submarinos e às forças aéreas, que dispõem das bases aero-

navais mais setentrionais do globo, como as de Воркута, Тикси, Оленя е

Мончегорск98, com a base ainda mais estratégica de Анадыр99 na península de

Чукотка100 perto do estreito de Bering que permite um controle relativamente

absoluto da passagem do noroeste, após a Guerra Fria – especialmente a partir do ano

2006 – começaram a servir bombardeiros Russos como o Tu-160 Blackjack e o Tu-

22M3.101

A intenção do governo da Rússia de utilizar tantas forças militares na região, porém,

segundo Pavel Baev, não seria provocatória. Estes bombardeiros de facto não

transportavam armas nucleares mesmo para evitar criar malentendidos para com às

outras entidades do A-5, e eram definidos como sendo apenas patrulhas de combate

de caráter estratégico.102

Em conclusão, a dúplice natureza – para não dizer ambígua – da política militar

Russa na questão Ártica pretende manter um equilíbrio entre a procura e a ambição

ao estado de supremacia na região sem chegar à provocação, e, consequentemente,

ao choque. A Rússia mostra não preferir a via diplomática mas evita as violações da

estase na calota, para não perder os privilégios diplomáticos obtidos.

96 Russo: Murmansk

97 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.123

98 Russo: Vorkuta, Tiksi, Olenja e Mončegorsk

99 Russo: Anadyr

100 Russo: Čukotka

101 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,

p.125

102 Ibidem

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33

Torna-se difícil então definir uma filosofia militar unitária e consistente, mas é

possível traçar as coordenadas da linha atitudinal do colosso eurasiático, presença

instável na fraca armonia do panorama Ártico e pronta ao ataque caso venha a

revelar-se necesário.

As forças do A-5 permanecem à espera da realização das estratégias políticas em

relação à reivindicação territorial dos territórios contendidos de maneira que esta

ambiguidade ganhe mais clareza, contando com os acordos assinados

(Principalmente o UNCLOS) e com a vontade conjunta de não transformar a região

num cenário de guerra, que quebraria os equilibrios mundiais não só em termos de

geografia política Ártica, mas em projeção mundial absoluta.

2.1.2 O articocentrismo Russo

Como visto, ao longo dos anos o cuidado que o governo federal da Rússia teve para

com a proteção da região ártica foi continuo e razoável. A ideia que as operações de

política esterna, sejam ações de caráter bélico, sejam só definições de equilíbrios

diplomáticos, tenham um apéndice setentrional possivelmente menos evidente mas

igualmente estratégico e de importância relativamente ao crescimento acompanhou

todo o caminho de sucessão dos vários chefes de Estado, com medidas calibradas

pela situação socio-económica que o País passou, mas sem que a questão perdesse

importância.

Com certeza, as medidas e as ações projetadas para o cuidado – ou melhor, a

consideração – da questão Ártica pelo governo central não se limitam a intervenções

na militarização de área. Uma vez que a maneira mais eficaz para defender a própria

soberania na zona encontra-se dependente da ação militar, e tudo o que está atrás da

evidente maciça presença do exército tem risco de permanecer num cluster filosófico

que poderia ser subestimado em investigações como esta.

Pelo contrário, a filosofia articocéntrica que a Federação Russa mostra ter representa

a raíz ideológica que não só acaba por definir as ações políticas internas em termos

de segurança da região, mas também traça importantes coordenadas sobre as relações

esternas que o País tem com as outras entidades de zona, sendo o Ártico considerado

o núcleo natural da nação Russa, a qual reconhece-se na natureza deste território, no

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gelo, nas temperaturas rígidas, nos povos varangianos progenitores genéticos do

povo Russo, e em muito mais.

A natureza continental da Federação Russa prevê uma percentagem biotópica ártica e

sub-polar que supera o 50% do território, justificando a identificação que o povo tem

com as povoações da calota, considerando-se uma propagação em zonas mais

temperadas de um povo que permanece polar, e que cuida da sua região mais

distintiva como fosse uma região mais central.

A primeira demonstração, na história contemporária, de interesse que a entidade

Russa teve para a sua região mais setentrional expressou-se em ocasião da Revolução

Bolchevique de 1917, em que não só os russos ganharam consciência da utilidade de

uma região tão conectada com outras partes do planeta que pareciam remotas e

fornecida de um quantitativo de recursos – especialmente hidrocarbonetos, como

visto – que teria revolucionado a economia do País, especialmente naquela altura em

que a mudança levada pela revolução podia ter semeado na povoação um sentido de

dúvida e uma falta de segurança para o futuro, mas também começaram a entender o

Ártico como uma região identificativa, que define o povo russo e que tem que ser

defendida, assim como têm que ser defendidas as reivindicações relativas a este

assunto, e como fica pressuposto que esta região é uma fonte adicional de força e

prestígio para a Federação.103

O teorético Igor Zonn, no ano 2008, considerou como a relevância da região Ártica

para o povo russo em termos de identidade e prestígio ainda aumentou após o

colapse da União Soviética. O que Moscovo experimentou, de facto, foi uma forte

redução do tamanho da nação mesma, que se bem permanecesse ainda a mais

estendida do globo, perdia uma percentagem de território importante, especialmente

nas regiões da Ásia central.104

Esta implosão política foi acompanhada pelos movimentos de separatismo no eixo

leste-oeste, e resultaram na secessão dos estados bálticos e centro-meridionais.

103 Baev, 2007, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014,

Letras Itinerantes, p.366

104 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,

p.376

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Consequentemente, o baricentro do colosso continental acabou por subir em latitude,

aproximando-se a aquela região ainda intacta do território nacional, ou seja, a área

costeira Ártica e o território sub-polar.

Daqui o novo governo Russo achou consistente uma política de desenvolvimento

económico de longo prazo cujos efeitos ainda são visíveis na região polar.105

Caitlyn Antrim, no ano 2010, propõe-nos uma re-elaboração deste conceito,

analizando como na segunda década do novo milénio o País experimentaria um

processo de mudança gradual mas revolucionário, em que o que historicamente foi

sempre um enorme colosso continental trasformaria-se num estado marítimo,

conferindo maior consideração à efetivamente enorme linha costeira setentrional e do

nordeste, e abandonando a mentalidade bipolar – em termos de costas – que via o

País como um enorme maciço continental entre dois acessos marítimos puntiformes,

que seriam São Petersburgo na parte ocidental, e o complesso Сахалин -

Владивосток106 na costa oriental107.

Antrim teoriza como o litoral norte da Eurásia – constituido quase exclusivamente

por território russo – irá-se transformar numa área central de colaboração, que irá

permitir à Rússia uma comunicação e uma cooperação consistente com os outros

parceiros da realidade ártica, em termos de equilibrio militar, resposta a emergências,

segurança marítima, vigilância, investigação e definição das políticas regionais no

respeito dos interesses comuns.108

Para valorizar estas teorias que investigam sobre as raízes desta mudança artico-

céntrica é possível considerar uma intervenção do Presidente federal Путин 109 que,

relativamente ao trabalho que seria necessário realizar para o desenvolvimento da

105 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,

p.376

106 Russo – “Sakhalin – Vladivostok”

107 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,

p.376

108 Ibidem pp. 376/377

109 Russo: “Putin”

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região Ártica, declara em ocasião do encontro da Sociedade de Geografia da Rússia

em 2009:

“Quando dizemos grande, um grande País, um grande Estado, certamente o

tamanho conta... quando não há tamanho, não há influência, não há significado”110

E através desta declaração inclui – e centraliza – o papel da enorme porção

setentrional que se via negligenciada demasiadas vezes, e que teria que ganhar uma

posição mais nuclear não só nas intervenções políticas de tipo top-bottom, mas

também na consideração popular com respeito à concepção global da nação russa.

Um ano antes, o Conselho de Segurança da Federação Russa designou os pontos

principais que definem a estratégia política do País para a questão Ártica

internacional. Entre os pontos mais relevantes, é possível isolar quatro preceitos

essenciais para compreendermos a visão artico-céntrica que o País adquire de ano em

ano.

O primeiro ponto é que a estratégia Ártica do País tem como objetivo o uso da região

como base estratégica de recursos para o incremento do desenvolvimento

socioeconómico da Federação. Este ponto considera o Ártico como a bacia de

recursos incontáveis da qual foi tratado o primeiro capítulo. A economia da Rússia,

em qualidade de país ártico, não pode prescindir dos benefícios da extração destes

recursos, parte integrante do sistema económico federal. O Ártico, porém, não é visto

como uma área colonial de exploração intensiva, mas como uma região central de

interesse geopolítico, cuja riqueza é parte integrante do core da economia russa, a

qual se define ártica e dependente do ártico.111

O segundo ponto em questão é a preservação do Ártico como zona de paz e

cooperação. Neste sentido o papel das assinaturas obtidas pelo A-5 da difícil entidade

diplomática russa é central. O UNCLOS, assim como a declaração de Ilulissat, é

parte daqueles tentativos que permitem um equilíbrio entre as provocações arbitrárias

e a projeção diplomática que o governo federal mostra expressar. E este equilíbrio

110 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,

p.376

111 Основый гозударственной политики Российской Федерации в Арктике на период до 2020 года и

дальнейшую перспективу, 2008. Tradução de Antrim, 2010.

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37

tem a função de manter uma soberania segura sobre uma porção enorme de calota

Ártica sem que os outros estados parceiros achem necessária uma intervenção de tipo

bélico. A paz e a cooperação são pilares vitais para o desenvolvimento da região

Ártica, enquanto a militarização da zona garante uma defensa sólida e consistente.112

Às questões políticas e económicas acosta-se uma outra temática muito central nas

declarações emitidas pelas entidades do A-5, porém, assunto pouco tratado pelas

autoridades russas: a questão ecológica. Ainda que entidades externas ao A-5, como

por exemplo o Reino Unido, tenham expressado uma certa intolerância face às

medidas de extração empreendidas pela Federação Russa, esta põe entre os pilares da

estratégia para o Ártico a conservação dos ecossistemas originais da calota polar,

promovendo medidas de controle no processo extrativo e propondo investimentos

para o cuidado da flora e da fáuna da região. Novamente, o Ártico não é visto como

colónia, mas como região central de identificação coletiva, e o cuidado pelas

condições naturais mantém-se alto.113

Finalmente, o último ponto de partida para orientar a investigação sobre a filosofia

artico-céntrica da Federação Russa abrange a temática das rotas navais e da

comunicação entre pontos periféricos da região, disfrutando a proximidade

geográfica e a continuidade geológica, apesar da rigidez climática e do sistema de

comunicação ainda não suficientemente desenvolvido.

Este ponto prevê a integração da região Ártica na rede de transportes nacional e na

rede nacional de comunicações. A falta de grandes centros urbanos na faixa

setentrional da Federação Russa – com a exeção do porto de Мурманск114-

contribuiu a um sentido de negligência em termos de inclusão da região no sistema

de comunicação russo, o qual extende-se em duas direções, ou seja, num eixo norte-

sul que parte precisamente de Мурманск115e, passando por Moscovo, chega à região

112 Основый гозударственной политики Российской Федерации в Арктике на период до 2020 года и

дальнейшую перспективу, 2008. Tradução de Antrim, 2010.

113 Ibidem

114 Russo: “Murmansk”

115 Russo: “Murmansk”

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38

meridional do Дагестан116com o grande centro urbano de Макачкала117, e daí

continua num segundo eixo oeste-leste que, passando pelas regiões meridionais da

Sibéria e da Yakútia chega ao oceano Pacífico, com ponto terminal na cidade de

Владивосток118.

Removendo estes dois eixos do mapa da Rússia, é possível identificar um

quadrilátero de enorme extensão que compreende regiões árticas propriamente

definidas, ou seja, a faixa costeira que parte da peninsula de Kола119 para chegar à

outra peninsula de Чукотка120, e uma região interna da Sibéria e da República de

Sakha-Yakútia que vive em condições climáticas extremas, até piores das costeiras,

com a cidade de Якутск121 - definida a cidade mais fria do planeta - ponto central.

Estas zonas vivem uma condição de isolamento comunicativo importante. São

centros esporádicos, pouco habitados e de difícil alcance. Daqui revela-se a

importância do quarto pilar da estratégia Russa para a década que está a terminar:

uma inclusão desta enorme periferia mudaria a natureza do País, que finalmente

acabaria de se sentir nação ártica só por história e tradição, e que iniciaria a

considerar as regiões árticas como mais acessíveis, e, consequentemente, mais

disfrutáveis.

O que está por trás destas declarações diplomaticamente irrepreensíveis surge em

superfície com as investigações de Ariel Cohen, que em 2011 acentua a natureza da

geopolítica russa tradicional lembrando que o objetivo principal do estado eurasiático

permanece o de fazer da Rússia a potência líder do Ártico.122

116 Russo: “Dagestan”

117 Russo: “Makačkala”

118 Russo: “Vladivostok”

119 Russo: “Kola”

120 Russo: “Čukotka”

121 Russo: “Jakutsk”

122 Cohen, Ariel, 2011, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho

de 2014, Letras Itinerantes, p.377

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Permanece, como sempre, este sentido de ambiguidade que ocorre em qualquer

análise pretenda-se fazer sobre o comportamento da nação russa face às questões de

equilíbrio internacional. É possível ver uma potência que tende à supremacia, mas

que em ocasiões regulares parece cuidar da própria segurança evitando choques

bélicos inúteis, e cedendo a pedidos de aproximação com as exigências dos outros

países, muitas vezes surpreendendo estas mesmas entidades geopolíticas.

Blank, em 2008, oferece-nos uma definição da Rússia que pode ser posta como

resumo da inteira – fictícia – esquizofrenia comportamental do governo russo em

questões de política esterna.

Ele afirma que:

A Rússia vê-se a si mesma (ou em pelo menos professa ver-se) como um ator

soberano e totalmente independente da política mundial, que deve ser considerado

como uma superpotência igual à norte-americana, sendo capaz de prosseguir as

suas políticas mantendo-se livre de constrangimentos nas matérias que mais lhe

interessam.123

A Rússia mantém-se independente, e se por um lado tenta acrescer as relações com

as outras potências globais, principalmente os Estados Unidos, cuja política ártica é

diametralmente oposta, pelo outro entra em competição para uma liderança

considerada essencial pelos Russos, e uma ameaça pelos outros paises da região.

2.2 A visão artico-periférica dos Estados Unidos

Como já afirmado, apesar de serem as duas unidades geopolíticas mais relevantes sob

um ponto de vista de importância e de prestígio bélico, os Estados Unidos e a Federação

Russa continuam a ter uma concepção ideológica relativa ao Ártico muito diferente.

Se por um lado a Rússia pretende identificar-se como uma verdadeira nação ártica, cujo

baricentro fica projetado numa dimensão continental tri-oceânica e cujo orientamento

para as regiões mais setentrionais aproxima às medidas militares e para-militares uma

123 Blank, 2008, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014,

Letras Itinerantes, p.375

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série de declarações que manifestam a ideologia artico-céntrica, considerando o Ártico

como uma região integrativa do sistema russo face aos equilibrios mundiais, os Estados

Unidos têm uma conformação geográfica paradoxal, que se ilustra como a de um país

boreal de uma certa continuidade geográfica, mas que toca a calota ártica apenas graças

a um apéndice em discontinuidade com o território central, e que então não pode ser

identificativo em termos de natureza nacional.

Os Estados Unidos não se consideram um estado ártico, não existe uma ideologia

artico-céntrica num país cujas dependências estão espalhadas em qualquer região do

mundo, seja com territórios deslocalizados mas sempre sob a soberania central do

governo de Washington, seja com dependências não oficiais, que incluem territórios

estrangeiros que permitem a presença do exército americano e a construção de bases

logísticas militares, seja também com territórios de guerra sob a ocupação americana

que de facto não só se encontram numa condição de dependência total do exército dos

EUA, mas também acusam decisões de tipo governativo – e consequentemente

legislativo – que partem de Washington e que condicionam a vida política numa

maneira sensível e conveniente para o governo central.

Como já ampliamente tratado no capítulo precedente, existe um conflito de necesidades

entre o núcleo demográfico americano, que se encontra na porção maior de território

compreendida entre as duas costas oceânicas – e mais densamente povoada na região

centro-oriental e na Califórnia no oeste – e o Estado da Alasca, cujas povoações se

identificam com a realidade ártica tanto quanto se identificam com a realidade

americana mais paradigmática.

Isto, ao longo dos anos, criou uma divergência significativa entre as exigências locais

dos povos da região setentrional, na maioria dos casos de raça e património cultural

diferentes das outras naturezas demográficas do melting pot americano, e as que são as

prioridades dos americanos do maciço continental, que mostram ter outras prioridades

em termos de política exterior.

Qual então o papel deste apéndice ártico na economia complexiva do estado

Americano? Como pode esta dicotomia chegar a um equilíbrio tal que permita uma

exploração dos recursos árticos e do potencial estratégico da região polar sem que se

forme um conflito entre os verdadeiros beneficiários deste tipo de política – o governo

central de Washington – e as povoações envolvidas, que formam uma verdadeira

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periferia ideológica cujas necessidades não são consideradas cruciais pela linha política

central?

Se bem, de facto, esta distância entre o governo federal e o governo da região subsista e

condicione as decisões tomadas em matéria de política ártica, os Estados Unidos

garantem uma forma de interesse face à questão Ártica de pura natureza económica.

Analisamos já os pontos de potencial acréscimo da riqueza económica e estratégica que

os Estados Unidos estão a tentar de alcançar, mas é preciso agora aprofundar a

concepção relativamente ao Ártico que este País teve na sua história para justificar não

só a estratégia americana para a política regional da calota, mas também a posição

ideológica que se vai enfrentar com uma realidade sólida e politicamente mutável como

a Federação Russa, principal ator dos jogos políticos que levam às principais mudanças

na região.

2.2.1 A importância histórica do Ártico americano

A primeira manifestação de interesse verdadeiro pela região ártica que os americanos

declararam à história verificou-se no ano 1939. Naquele ano, o governo americano

tentou adquirir a Gronelândia numa operação diplomática realizada com a

representância governativa dinamarquesa.124

Esta primeira operação, longe de qualquer sentido de irredentismo por parte do

governo de Washington, manifestou a consciência que os americanos tinham de

quanto a região poderia potencialmente ganhar quanto a importância estratégica, em

vista de comunicações com regiões mais periféricas ainda impossíveis então.

Esta importância começou-se a manifestar de forma muito mais explícita em ocasião

da explosão da primeira bomba atómica soviética, que foi detonada em agosto de

1949. A este ponto partiu a problemática de ter um fronte setentrional relativamente

fraco, com a consequente necessidade de reforçar o contingente militar operativo na

área, em vista de eventuais choques com o novo concorrente geopolítico.125

Nesta ocasião, os EUA sentiram-se obrigados a uma reavaliação das próprias

estimativas anteriores, que consideravam a União Soviética como um estado incapaz

124 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p127

125 Ibidem, p.126

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de efetuar um ataque bem-sucedido com armas nucleares e com bombardeiros de

longo raio de ação antes de 1955.126

A importância estratégica do 49° Estado cresceu vertiginosamente. A Guerra Fria

tornou-se realidade e rapidamente demonstrou como o caminho mais curto entre as

duas superpotências contrapostas era através do Ártico. Em poucos anos os dois

exércitos realizaram que as bases árticas estavam numa posição privilegiada para o

lanço de bombardeiros e mísseis balísticos.

A Alasca, em qualidade de postação mais avançada no eixo latitudinal dos Estados

Unidos, assumiu uma importância crucial, tornando-se na base norte-americana mais

avançada em relação ao território russo. A região não se encontrava suficientemente

preparada para enfrentar qualquer tipo de choque, não tendo sido particularmente

operativa nos dois conflitos mundiais, e agora requiria um esforço militar muito

maior por parte do governo central americano, que teria que considerar aquele como

um novo frente, e não só um apéndice abandonado.127

Viu-se rapidamente como a Alasca representasse o único território do sistema

politico norte-americano capaz de hospedar uma série de treinos operacionais em

condições climáticas e geológicas glaciares extremas, bastante semelhantes às que se

podiam encontrar no território continental russo, o qual, como já vimos, compreende

um enorme quadrilátero de natureza biotópica polar e subpolar onde as condições

climáticas favoreceriam um exercito, o russo, mais abituado a estas condições

respeito aos americanos mais confortáveis em territórios temperados ou quentes.128

A posição privilegiada que o Alasca tinha permitia também a identificação de

eventuais ataques partidos pelo exército contraposto, assim como dava possibilidade

de monitorar as operações de tipo nuclear que a União Soviética continuava

intencionalmente a efetuar, mesmo através do relevamento de alterações sísmicas na

calota polar, verdadeira janela sobre o panorama bélico inimigo129.

126Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p126

127 Ibidem

128 Ibidem

129 Ibidem

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Graças à densidade de povoação particularmente baixa que o Estado setentrional

permitia, não foi difícil naquela altura proceder à instalação de uma série de bases

militares, aeródromos militares, centros de treino com munições reais de ataque e de

exercícios militares em grande escala.130

Na região de Anchorage, maior cidade em termos de tamanho e população do Estado

do Alasca, nasceram as estações de artilharia antiaérea de Fort Richardson e Fort

Greely, mais a base aérea de Elmendorf, enquanto nas regiões do interior – que têm

condições climáticas ainda mais rígidas – perto do centro de Fairbanks surgiram a

base Fort Wainwright e a aero-estação de Eielson.131 Até as ilhas Aleutas foram

envolvidas neste processo de militarização local, com a fundação da base aérea de

Eareckson, operativa nos dois eixos norte-sul e leste-oeste, vista a proximidade com

as penínsulas de Чукотка132e Камчатка133 integradas em continuidade com o

território siberiano da Federação Russa.134

Laurel Hummel, no 2015, notifica como perante a Guerra Fria, e também nos anos a

seguir, o emprego de recursos humanos nas instalações militares do Alasca

representou para os cidadãos uma das principais fontes de empregabilidade, embora

recebesse ainda uma fração mínima de ajuda em termos de unidades militares em

relação a outras operações em que os Estados Unidos empregavam um esforço

sensivelmente diferente.135

Com o avançar dos anos e das tecnologias, os Estados Unidos foram obrigados a

considerar como o risco de ataques balísticos mais precisos por parte da Rússia

estivesse em crescimento esponencial. A posição privilegiada das bases no Alasca

garantia uma certa preparação para a deteção e a destruição destas potenciais

130 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p126

131 Ibidem, p127

132 Russo: “Čukotka”

133 Russo: “Kamčatka”

134 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,

p.127

135 Hummels, Laurel, 2005, Excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI,

Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.376

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iniciativas, mas deixava por outro lado uma questão acessória que ganhara

importância: o eixo EUA-Rússia tinha uma terceira entidade nacional em direta

continuidade, com a qual era preciso encontrar um acordo para o utilizo proatívo da

inteira faixa continental americana contra o risco de ataques pelo lado eurasiático.

Em 1958, portanto, Estados Unidos e Canadá deram origem a um comando militar

comum, que tomou o nome de North American Air Defense, e que, mais além, foi re-

batizado North American Aerospace Defence Treaty, ou NORAD, que propunha

assegurar uma vigilância na área polar mais estendida, em defesa do espaço aéreo da

América do Norte na sua continuidade trioceânica.136

O NORAD instalou imediatamente uma construção colossal, estabelecendo uma rede

de instalações militares e de estações radar orientadas mais a norte possível, próximo

do paralelo 70.137 Esta linha de continuidade acabou não só por conectar o Alasca

com os territórios árticos canadianos, mas passando pela Gronelândia chegava às

ilhas Fær Öer – sempre de dependência dinamarquesa - e à Islândia. Esta linha de

defesa anti-soviética tomou nome de Distant Early Warning Line, ou DEWL.138

Guillaume Clausonne, em 2007, acentua esta necessidade que os Estados Unidos, na

altura da Guerra Fria, tiveram de conetar o frente ocidental à possível ameaça russa

através do caminho ártico lembrando como Washington procurou criar uma rede de

comunicação a distância entre as principais bases militares no Alasca e outros

centros estratégicos nos outros paises do A-5, como Thule e Søndre Strønmfjord na

Gronelândia.139

Em 1985 o cuidado para com as operações ao longo da DEWL ainda aumentou. O

colapse iminente da União Soviética não representava um impedimento ao

desenvolvimento da defesa do espaço aéreo e territorial do frente setentrional do

136 Clausonne, Guillaume, 2007, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século

XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, pp. 128/129

137 Bloomfield, 1981, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de

2014, Letras Itinerantes, p.129

138 Ibidem

139 Clausonne, Guillaume, 2007, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século

XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.128

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continente americano. Mesmo a DEWL acusou um processo de renovação e

modernização, com a integração de novas estações que deram origem a uma nova

rede de proteção com o nome de North Warning System.140

Nos anos ’90 às complexas instalações militares que, apesar de não terem dado à

porção ártica do território americano um papel identificativo pela nação, conseguiam

garantir uma proteção continua para a incolumidade dos Estados Unidos de

localização paradigmática, acostaram-se outros tipos de instalações, de natureza

científica. As bacias árticas, de natureza ainda misteriosas na época, começavam a

revelar um potencial geológico interessante, e a maciça dotação de meios de que os

Estados Unidos dispunham permitiu uma série de explorações de caráter científico e

perlustrativo que ilustraram aos americanos as caraterísticas dos fundais oceánicos e

do potencial extrativo da área submergida.141

Submarinos Sturgeon perlustraram a área por duas decadas, acabando por ser

substituidos por quatorze unidades submarinas nucleares ainda mais desenvolvidas,

chamadas unidades Ohio, só em 2012, em plena questão Ártica e no meio da

sucessão de reivindicações territoriais que deram origem à complexa situação a

mosaico de hoje em dia.142

2.2.2 A estratégia norte-americana para o Ártico: o PDARP

Resulta claramente evidente como, sendo a sensibilização americana face às questões

abertas na região ártica ainda não maciça, também a ideia de os Estados Unidos

serem uma nação ártica é completamente excluível. Os Estados Unidos,

diferentemente não só da Federação Russa mas também de todas as outras entidades

envolvidas na questão, sentem-se parte chamada em causa só por interesses relativos

ao equilíbrio geopolítico e aos recursos naturais extraíveis.

Em certa medida é então possível afirmar que os Estados Unidos entraram

ativamente na questão ártica com algumas décadas de atraso, apesar das medidas

140 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,

p.129

141 Ibidem, p. 135

142 Ibidem, p. 139

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puramente militares já tomadas – mas tudo o que tinha acontecido foi apenas causado

pela ameaça Soviética, e não por alguma particular sensibilização ao problema.

A confirmar estas considerações estão as afirmações de Scott Borgerson, na ocasião

de ter testemunhado perante o Comité dos Negocios Estrangeiros da Câmara dos

Representantes dos Estados Unidos, em 2009.

A alerta que o próprio quis fazer resume quanto já ampliamente tratado:

“...talvez porque o Alasca pareça estar muito distante, esquece que devido à

costa do Alasca também somos uma nação do Ártico e, a geopolítica do Ártico,

apesar de termos ignorado durante alguns anos. Está a desenvolver-se rapidamente

sem nós.”143

E manifesta assim uma certa inquietação sobre o prazo em que os Estados Unidos

não puderam por condições nas tratativas para a repartição da calota ártica – que

corresponde mais ou menos ao periodo que intercorreu entre o colápse da União

Soviética e o início da última década – , e é devido afirmar que não faltaram por

causas de natureza política ou falta de preparação militar, mas devido a um grande

sentido de esnobismo em relação à questão.

O sentido de Ártico como periferia – ou visão ártico-periférica em contraposição

com a filosofia artico-céntrica já tratada na análise aprofundada da situação na

Rússia – é a causa principal deste atraso, que colocou os Estados Unidos numa

posição mais oculta, e por isso, menos previsível.

Na análise de Ron Huebert, publicada em 2009, a descrição desta desavantagem

aparece ainda mais crítica. Ele observa com cinismo que a visão norte-americana do

Alasca tende a focar-se exclusivamente nas reservas de hidrocarbonetos – existentes

e estimadas – considerando-o um amplo deserto para ser usado, apenas restando

estudar e decidir sobre o que lhe fazer ao longo dos anos.144

143 Borgerson, Scott, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de

2014, Letras Itinerantes, p.372

144 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,

p.372 – citação literal

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Contudo, sendo os Estados Unidos um estado líder mundial, pode aproveitar desta

posição privilegiada nos equilibrios geopolíticos, também na questão Ártica, para

recuperar parcialmente este atraso e impor as suas condições para assegurar o efetivo

cumprimento da propria estratégia em relação a isto.

Emblemático para percebermos o gap temporal em que os Estados Unidos viram

tratar desta questão após as outras entidades já terem trabalhado longamente para

deliniar um mapa ideal da inteira situação no Ártico é considerar quando se deu

efetivamente a primeira intervenção política relativa à temática em termos de

estratégia – e não só de proteção militar.

O Presidente George W. Bush foi de facto o primeiro presidente dos Estados Unidos

que deu substância a uma ideia política relativamente ao Ártico, quando em 9 de

Janeiro 2009 verteu em duas Diretivas Presidenciais, a NSPD-66 e a HSPD-25, que

dão corpo à primeira guia embrional sobre o comportamento da nação americana

face ao Ártico, conhecida como Presidencial Directive on Arctic Region Policy145,

ou PDARP.

A astúcia deste documento está no fato de ser o primeiro caso na história americana

em que ao Alasca é conferido caráter nacional, e que, só hipoteticamente, inclui a

região Ártica nas regiões identificativas de uma identidade americana multipolar.

É possível analizar as linhas de raciocínio do governo americano relativamente à

questão considerando um após o outro os pontos de interesse manifestados no

documento, primeiro dos quais – e não podia ser diferentemente – é a defesa e a

segurança da região Ártica.146

Ainda mais urgente do que extrair os hidrocarbonetos, de facto, está o evitar que a

desolada extensão de permafrost desde sempre considerada uma deriva da

civilização se transforme num verdadeiro frente, uma janela para um acesso seguro e

145 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,

p.372

146 Ibidem

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eficaz ao coração da nação americana, vista também a tendência ao degelo já em

análise na altura.147

Paralelamente à necessidade de fechar o acesso ártico a possíveis ataques por parte

da entidade em contraposição, torna-se central na línha política americana abrir o

acesso marítimo ao comércio – vista a abertura das duas novas rotas comerciais – em

condições de segurança e que convenham sob um ponto de vista económico, então,

sem intercessões políticas de estados soberanos.148

Os mares da região, diz o documento, têm de estar em condição de liberdade e

segurança. Impor o liberalismo numa região de interesse de estados quais a Rússia é

um risco de consequências problemáticas sob um ponto de vista diplomático, mas

permanece uma prioridade na visão comercial e de exploração intensiva que os

Estados Unidos propõem e contrapõem à nacionalização do Ártico sugerida pelos

russos – os quais, relembramos, consideram-se um estado Ártico e cuidam muito

mais de questões de soberania.

À pulsão à exploração intensiva os Estados Unidos, que historicamente promovem

uma ética muito pessoal em questões ecológicas, contrapõem um outro ponto de

interesse no documento, o qual declara que entre as prioridades nacionais aparece a

proteção do ambiente e a conservação dos recursos biológicos no Ártico.149 Isto

traduz-se na proposta de controlar a intensificação destas operações estrativas, mas

não evita que o fundal da zona de pertinência americana seja disfrutado para o

enriquecimento económico do governo central. Isto, pelo menos, é o que se realiza

nesta altura após não só ter posto estas condições, mas também ter aprovado algumas

linhas comportamentais avançadas pela Grã Bretanha, estado observador no Arctic

Council e entidade esterna mais próxima ao A-5 e às suas políticas ambientais.

147 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,

p.372

148 Ibidem

149 Ibidem

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Como garantia de controle face à ecologia da região, George W. Bush adiciona um

ulterior pilar atitudinal, assegurando a sustentabilidade ambiental para a gestão dos

recursos naturais e o desenvolvimento económico da região.150

Tendo já em conta que no inteiro documento não se encontram medidas para a

conjunção do apéndice ártico do Alasca ao território americano continental – como

pelo contrário resulta dos propósitos da política russa em relação ao quadrilátero

menos densamente populado que referimos no capítulo anterior - , os Estados Unidos

têm consciência da própria posição privilegiada relativamente às relações com os

outros estados do A-5, sempre em contraposição com o isolamento ideológico e

político em que se encontra a Federação Russa.

Isto resulta muito evidente na tendência – expressada explicitamente no documento –

a procurar cooperação, e não liderança, no âmbito das instituções do Ártico.151

Para perceber melhor este raciocínio é suficiente considerar como os Estados Unidos

da América já se encontrariam numa posição de liderança internacional sem vir a

precisar de reivindicações ou de provocações, quais as promovidas pelo governo

russo, e portanto podem optar por uma política de cooperação sem medo de perder

algum privilégio em relação às necessidades politico-económicas que o Estado tem.

Onde pelo contrário o governo Bush expressa a necessidade de alcançar uma posição

de liderança, e isto também revela-se no documento em consideração, é em termos

de pesquisa científica.152 Como já tratado, as explorações de caráter científico – ou

pseudo-científico vistos os interesses económicos atrás de várias iniciativas lideradas

pelo governo Americano nos anos noventa – foram comuns no século passado. A

excelência académica americana revela um cuidado enorme em relação aos possíveis

descubrimentos científicos na zona, e por isso põe a condição de liderança como uma

caraterística essencial para o desenvolvimento de uma política americana na inteira

questão Ártica.

150 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,

p.372

151 Ibidem

152 Ibidem

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50

Entre os pontos promovidos pelo Presidente surge também uma referência aos povos

do Alasca, legalmente cidadãos americanos, representados no Parlamento em

qualidade de Estado, mas muitas vezes ignorados em comparação com outras

questões desde sempre mais cruciais para a superpotência norte-americana. O

documento, de facto, declara ser uma prioridade envolver as comunidades indígenas

nas decisões que se afetam.153

Infelizmente, tem que ser considerado como até agora a influência destas povoações

permaneça relativa, em comparação com os interesses do governo central e com o

seu poder decisional. Porém, por outro lado, são mesmo os povos do Alasca os

principais protagonistas dos efeitos destas mudanças climáticas e orográficas,

acusando uma variação sensível da temperatura, com consequências radicais na

paisagem do biótopo polar e uma sucessão de migrações para as regiões do sul, com

a desmontagem de aldeias e de postações de pesca a vantagem de um mais aberto

acesso às rotas marítimas, disfrutadas pelo governo central.154

Uma medida tomada pelo governo Bush e explicitada no Presidencial Directive on

Arctic Region Policy é a organização de uma defensa antimíssil e de um sistema de

aviso prévio, com o estabelecimento de operações de segurança marítima e presença

naval, finalizada à prevenção de ataques de natureza terrorística ou simplesmente

bélica que poriam em condição de vulnerabilidade o complexo territorial

estadounidense.155

Sempre finalizada à proteção – no caso dos interesses económicos do estado

americano – é a medida incluida no PDARP pela qual, segundo a visão americana

das passagens a nordeste e a noroeste, os Estados Unidos consideram-nos como

Estreitos Internacionais onde é obrigatória a aplicação do regime de passagem em

trânsito, com a preservação dos direitos nacionais em termos de sobrevoo e

153 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,

p.372

154 Ibidem

155 Ibidem

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navegação interior, garantindo liberdade e livre utilizo dos mares de todo o

mundo.156

Existem outros três pontos no PDARP que explicam perfeitamente o orientamento

executivo dos Estados Unidos face à questão Ártica, primeiro dos quais é o que

pretende projetar o poder marítimo para toda a região, com a construção de

infrastruturas em posições estratégicas que facilitem a livre navegação e o comércio

de área.157 Aqui também ao nacionalismo russo contrapõe-se o liberalismo

americano: os Estados Unidos, relembramos, dispõem de uma porção relativamente

reduzida de calota sobre a qual pode reivindicar soberania. Consequentemente, não é

prioridade dos americanos o sistema de nacionalizações territoriais sobre as porções

de calota ártica não ocupadas por alguma entidade. É muito mais conveniente

promover uma liberalização da área, liberalizando assim também todas as operações

comerciais que podem ser disfrutadas pelas potências americanas em termos de livre

circulação dos recursos extraidos e livre comunicação entre os Estados Unidos

continentais e o apéndice ártico.158

Seguidamente, os Estados Unidos tendem a mão ao Arctic Council – incluindo a

NATO no documento – promovendo e incentivando a pacífica resolução dos

conflitos na região polar, privilegiando, de novo, a cooperação com as corporações

internacionais formadas para tratar da questão.159 Os EUA desencorajam as

iniciativas de caráter nacional em vantagem de decisões globais das comissões para o

Ártico. Aqui também não é possível esconder uma certa veleidade tendenciosa, mas

limitamonos ao âmbito das conjeturas.

Finalmente, um último ponto de interesse para a compreensão da estratégia e da

ideologia que os Estados Unidos põem face à questão Ártica é o que promove a

156 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,

p.372

157 Ibidem, p. 373

158 Ibidem, p. 372

159 Ibidem

Page 58: Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...§ão Valter... · revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações internacionais

52

investigação científica incentivando relações com entidades académicas de todo o A-

5 – e não só – e outros laboratórios de pesquisa.160

Em conclusão, a visão artico-periférica dos Estados Unidos não pretende esnobar a

dimensão polar – e a extensão polar da propria nação – em termos de exploração

económico e de aparências internacionais para manter uma dimensão sobre-nacional

na calota, porém, tem dificuldades em incluir o Alasca na identificação nacional,

deixando às necessidades dos povos indígenos o fardo de enfrentar as consequências

ambientais na área e centralizando em maneira maximal o proveito.

Entidades tão diferentes como Estados Unidos e Federação Russa, portanto,

enfrentam-se e comparam-se a partir destas considerações. Duas realidades

contrapostas encontram-se atores do cenário internacional, fortes do prestígio

geopolítico adquirido em âmbitos diferentes, e orientados – os dois – a impor a

própria visão no processo decisional que irá mudar os equilíbrios da calota ártica nas

próximas décadas.

Por um lado um estado Ártico, artico-céntrico, focado na liderança geopolítica e

militar sobre a calota polar, que considera a região setentrional como um órgão vital

necessário para sustentamento nacional e, portanto, promovendo políticas de

nacionalização maciça das áreas oceánicas disputadas, consideradas como um justo

prolongamento da região polar de influência russa.

Pelo outro lado um estado da região temperada, com um apéndice ártico entendido

como a nova Eldorado das indústrias extrativas e das rotas comerciais, que, apesar de

dever ser defendido porque exposto excessivamente à área costeira Russa, é

considerado factualmente uma colónia para o exploração intensivo dos recursos, e

que tem que ficar livre de imposições burocráticas nacionais, mantendo-se livre,

internacional e gerido pela cooperação dos estados envolvidos, sem lideranças

explícita, mas com a implícita posição privilegiada dos Estados Unidos.

160 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes,

p.372

Page 59: Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...§ão Valter... · revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações internacionais

53

2.3 O encontro entre as duas realidades

Esclarecidas as duas filosofias face à questão ártica, e a natureza das duas entidades

mais relevantes na economia da questão – e não só - , torna-se doveroso agora realizar

uma análise mais aprofundada do histórico dos pontos de contato – e de conflito – entre

as duas realidades, seja em relação à questão, seja em maneira mais geral entre as duas

maneiras de enfrentar a geopolítica mundial.

É preciso partir de uma análise geral vista a sucessão de ideologias presidenciais as

vezes reformistas uma da outra, que consequentemente mudam a maneira de enfrentar o

outro contendente, traçando um percurso de contato e choque o qual acaba por desenhar

também o histórico das relações em âmbito ártico, esplicando bem como os dois Paises

construiram uma línha de pensamento comum que se baseia nas divergências para

desinar a atitude comportamental que se irá realizar no futuro.

No começo da análise desta cronologia de fatos é importante lembrar como a sucessão

de presidentes na Rússia viu exclusivamente uma mudança radical em termos de

ideologia nos últimos anos, e é a passagem duma política de abertura ao sistema global

conduzido pelos Estados Unidos juntada a uma atidude de baixo perfil que promoveu o

primeiro Presidente da recém-nascida Federação Russa, ou seja, Борис Ельцин161 para

uma política de reivindicação de prestígio e de autonomia nas decisões, até a uma

verdadeira tomada de posição conflitual com o sistema da NATO e dos aliados em

questões geopolíticas potencialmente conflituosas – veja-se o choque na questão da

Ucrânia – que circonscreveu a Rússia a um papel de antagonista diplomático, e que se

realizou graças à sucessão entre duas figuras políticas de igual pensamento, ou seja, o

condutor das operações Владимир Владимирович Путин162e o executor político

Дмитрий Анатольевич Медведев163.

Ainda assim, também entre eles, são registáveis algumas diferenças de comportamento

face às questões diplomáticas que traçam uma mudança importante no percurso

histórico dos dois Paises.

161 Russo: “Boris El’cin”

162 Russo: “Vladimir Vladimirovič Putin”

163 Russo: “Dmitrij Anatol’evič Medvedev”

Page 60: Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...§ão Valter... · revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações internacionais

54

Pelo outro lado, os Estados Unidos acusam uma série de revoluções ideológicas que

tornam difícil uma análise unitária da nação em qualidade de entidade política, vistas as

enormes diferenças em termos de prioridades entre os Republicanos George Bush e

George W. Bush e os Democratas Bill Clinton e Barack Obama, para não mencionar a

última escolha de mudança radical que o povo americano nos ofereceu eligindo o novo

Presidente, com uma visão política fortemente pessoal, Donald Trump.

Mais do que a Rússia, então, são os Estados Unidos os verdadeiros coordenadores da

história cronológica dos pontos de contato entre estas duas realidades, vistas as atitudes

de confronto alternadas às de isolamento e suspeito que estas presidências mostraram

em ocasiões de contato internacional.

Será necessário então, para uma compreensão global da inteira problemática, enumerar

sob um ponto de vista ideológico, quais são as tapas principais que viram estas duas

superpotências obrigadas a se enfrentar, e muitas vezes, a escolher compromissos para a

sobrevivência das próprias heranças diplomáticas, chegando até a ameaças de choque e

de desestabilização da ordem mundial.

2.3.1 Encontros e conflitos entre Estados Unidos e Rússia

O PDARP pode-se considerar um documento paradigmático para esplicar os pontos

de união que os passados inimigos encontraram sob a presidência de George W.

Bush.

Na ocasião do encontro de Pratica di Mare na Itália em 28 de Maio de 2002, os dois

colossos geopolíticos poram um selo na re-encontrada inter-compreensão e

proximidade política com a assinatura do presidente Путин164de um documento

histórico, que punha a Federação Russa na novíssima condição de ser alinhada com a

NATO, depois que a NATO mesma tinha sido construida para bloquear a ameaça do

antigo estado Soviético.165

Neste clima de completa proximidade e de esperanças concretas de cooperação

futura acontece a passagem de poder entre o Republicano George W. Bush, co-

164 Russo: “Putin”

165 La Repubblica, Firmata l’intesa NATO-Russia. “Uniti contro il Terrorismo”, 28-05-02.

Page 61: Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...§ão Valter... · revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações internacionais

55

assinatário do documento, e o Democrata Barack Hussein Obama, o qual fundou a

própria linha eleitoral mesmo no conceito da mudança.

A opinião do novo presidente norte-americano, porém, não interpretava nas

tentativas de cooperação entre os dois Paises uma verdadeira pulsão à união

ideológica, quanto interpretava a série de intervenções para reunificar o mundo sob a

égide dos dois colossos como uma sucessão de operações de façada, contatos

fictícios que faltavam de comunião intencional em assuntos políticos mais profundos,

e portanto, baseada na aparência mas de modo algum considerável como fatual.

Portanto, em ocasião do seu insediamento ao poder em 2009, o presidente Obama

decidiu anunciar um completo reset da diplomacia entre o seu país e a Federação

Russa, para deviar a tendência duma direção definida perigosa sob a administração

do Presidente Bush, com a promessa de aprofundir os pontos de contato com a

contrapartida e convencer os russos a realizar iniciativas pragmáticas de mútuo

interesse, assim como estabelecer uma segurança mais forte e conectar as trocas

comerciais de maneira mais segura e certificada, com o fim de reduzir as tensões que

tinham começado a surgir após a iniciativa bélica dos russos contra o estado da

Geórgia.166

A Rússia mostrou uma atitude colaborativa face ao novo curso ideológico tomado

pelos parceiros americanos. A que o Presidente Obama considerou uma própria

verdadeira vitória foi a garantia que a Rússia lhe resolveu dar em termos de

segurança relativamente à possibilidade dada ao exército norte-americano de avançar

as próprias tropas na zona central do Afeganistão, sendo as rotas do Paquistão mais

perigosas e menos controladas na altura.167

É então possível definir as relações entre o primeiro período político de Obama e a

primeira das duas fases presidenciais de Путин168como uma continuação das

tentativas de aproximação já realizadas sob o governo Bush, com ulteriores pontos de

166 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American

Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3

167 Ibidem

168 Russo: “Putin”

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56

contato, seja em âmbito ártico – com pouquíssimos contatos entre as duas entidades

– seja nos outros pontos considerados mais quentes.

Como previsível, a sucessão entre Путин169e Медведев170 não podia constituir uma

mudança relevante no histórico das relações entre os americanos e os russos. Como

ulterior selo à renovada proximidade de intenções, os dois Presidentes assinaram um

tratado, o New Strategic Arms Reduction Treaty, conhecido como START, onde

vinham a ser reduzidos os limites ao chefes dos dois exércitos em termos de emprego

de recursos humanos de um terço.171

O Presidente Путин172 participou também no primeiro summit sobre a energia

nuclear que o Presidente Obama organizou em 2010173, prometendo na ocasião de

trabalhar juntamente aos Estados Unidos na operação de reorganização de 17000

armas nucleares e de revisão do quantitativo de plutónio das mesmas segundo quanto

estabelecido por regras internacionais de segurança.174

Em termos de cooperação internacional, o presidente Obama acabou por declarar

que, no respeito da cooperação militar, os dois Países iriam empenhar-se para

desenvolver

“...a new strategic relationship based on mutual trust, openness,

predictability, and cooperation”175

renovando os acordos entre os dois exércitos e estabelecendo uma novo Grupo de

Trabalho para a Commissão de Cooperação da Defensa Russo-Americana.

169 Russo: “Putin”

170 Russo: “Medvedev”

171 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American

Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3

172 Russo: “Putin”

173 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American

Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3

174 Ibidem

175 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American

Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3

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57

Para coroar esta fase idílica entre as duas entidades, é necessário mencionar a

cooperação que a Federação Russa ofereceu na imposição de sanções internacionais

contra o Irão devido ao seu programa nuclear, promovendo a execução do que foi

tratado no U.N. Security Council Resolution de 1929.176

Porém, enquanto todos os analistas da geopolítica international podiam prever uma

natural continuação desta relação de proximidade entre os Estados Unidos e a

Federação Russa com a volta ao poder do Presidente – e ainda ideologista de partido

- Путин177, esta acabou por ser a tapa crucial que revolucionou o espetro

diplomático entre os dois Países, e os dois pontos temporais de afastamento mais

importantes nesta análise são individuáveis em 2012 e, sucessivamente e com maior

clamor, em 2015.

A primeira queixa que o presidente Путин178 lançou contra o governo americano foi

– ironia da sorte – direcionada ao então Secretário de Estado Hillary Clinton, devido

a protestos em grande escala que surgiram nas praças da cidade de Moscovo contra

um eventual condicionamento das eleições Russas de 2011 por parte do governo

americano, seguidos por declarações do Secretário de Estado em que se queixava

uma intervenção ilegal do governo russo no processo eleitoral em questão.179

Antes do afastamento mais crucial, uma outra tapa em direção desta nova situação de

contraposição deu-se quando em dezembro de 2012 o Presidente Obama assinou o

ato que tomava o nome de Magnitsky Act, que impôs restrições financeiras e

turísticas aos cidadãos da Federação Russa, sendo o governo de Moscovo suspeite de

violação dos direitos humanos dentro das próprias fronteiras.180

Apesar disto, embora este fato represente o primeiro ponto importante de divergência

entre a visão diplomática das duas entidades envolvidas, o choque definitivo que

176 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American

Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3

177 Russo: “Putin”

178 Russo: “Putin”

179 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American

Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3

180 Ibidem

Page 64: Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...§ão Valter... · revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações internacionais

58

acabou por separar as duas linhas de conduta até à mútua ameaça foi a invasão russa

da Ucrânia em 2015 e a sucessiva anexão da Crimeia, vista pelos Estados Unidos

como uma ilegítima apropriação de terras de diferente soberania e portanto não

reconhecendo o resultado do referendum emitido na região peninsular para que o

povo decidisse o próprio orientamento na questão.181

Este choque fez surgir uma série de preocupações, umas das quais concernem o

equilíbrio da difícil situação no Ártico – e por isso irão ser tratadas no parágrafo

relativo – e muitas outras foram projetadas mais geralmente à questão da mantenção

do equilíbrio global entre estes dois colossos, com o risco de um isolamento da

entidade russa, que, inevitavelmente, acabou por acontecer.

Foi uma verdadeira queda de eventos. Após a anexão da Criméia por parte da Rússia,

as Nações Unidas condenaram oficialmente a operação política com a emissão da

UN Security Council Resolution, a qual foi rejeitada pelo governo Russo.182

A partir deste ponto, os Estados Unidos e os aliados européus – lembramos, algum

dos quais membros do Arctic Council e até do A-5 – resolveram isolar a Federação

Russa com a expulsão oficial do G8 e a imposição de uma série de sanções

económicas, até ao reforço das guarnições militares em vista de um possível evento

bélico.183

De facto, para contrastar a crescente posição agressiva da política do Presidente

Путин184, a NATO renegou em maneira irrevogável a assinatura obtida em Pratica

di Mare pedindo aos membros de voltar à primeira missão pela qual a organização

tinha nascido, e por isso, preparar uma defensa coletiva contra a nova ameaça russa

181 Tingstad, Abbie; Pezard, Stephanie; Stephenson Scott, Will the Breakdown in U.S.-Russia Cooperation

Reach the Arctic?, Inside Sources, Out 12, 2016, p.1

182 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American

Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.4

183 Ibidem

184 Russo: “Putin”

Page 65: Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...§ão Valter... · revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações internacionais

59

revigorando as esquadras navais e investindo no renovamento dos recursos

bélicos.185

Uma ulterior preocupação surgiu com o avançamento cibernético que esta década

testemunhou, vistos alguns acontecimentos relativos a cyber-ataques e apropriação

ilegal de dados informáticos operadas por hackers que foram interpretados como

formas de agressão de difícil denúncia, mas que orientaram a opinião internacional

contra informáticos ao serviço do governo Russo com a finalidade de enfraquecer a

estabilidade política do bloco americano.186

Isto até ao ponto em que em outubro 2016 a intelligence norte-americana expressou

confiança no achar que o governo federal Russo fosse o responsável desta série de

ataques cibernéticos contra o Democratic National Committee, adicionando a

acusação que isto teria sido uma influência relevante em vista das eleições

presidenciais de dezembro do mesmo ano, coisa que, como vimos, continuou a ser

discutida até agora.187

A razão de existência desta longa digressão é que deste modo foi traçado o que pode

ser visto como o ponto de revolução das tendências diplomáticas entre estas duas

entidades. Cada região de conflito, embora o Ártico seja ainda uma zona de

confronto embrional e que portanto testemunha um menor número de casos

relevantes para a nossa análise, acusou uma série de consequências em relação a este

afastamento conflitual. A história das relações internacionais entre os Estados Unidos

e a Federação Russa em relação ao degelo da calota ártica e à exploração dos

recursos descubertos na zona não prescinde desta tapa crucial.

Porém, sendo o Ártico uma zona de caraterísticas particulares e de interesses

profundos entre as duas entidades, são múltiplos os fatores em questão, e o histórico

dos contatos entre estas duas superpotências prevê o intervento de outras entidades,

185 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American

Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.4

186 Idem

187 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American

Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3

Page 66: Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...§ão Valter... · revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações internacionais

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para que a leitura duma linha atitudinal na análise cronológica dos contatos revela-se

muito mais complicada.

2.3.2 Os Estados Unidos e a Federação Russa no Ártico

O Ártico é uma região do planeta Terra cujas condições climáticas e orográficas

extremas impedem aos estrategistas uma fácil realização de um plano de ação, pelo

menos segundo as diretivas comportamentais aplicáveis em outras regiões.

Os fatores que têm de ser tomados em consideração são diversos, e condicionam em

maneira importante qualquer veleidade bélica – ou em qualquer maneira operativa –

queira-se realizar na região. Rússia e Estados Unidos têm consciência disto, e não

pretendem transformar o Ártico numa região de relevante risco bélico, por uma série

de razões que irão ser analizadas.

Relativamente às relações internacionais que a Federação Russa e os Estados Unidos

tiveram em relação à questão Ártica, uma teoria importante que analiza o histórico

dos encontros assim como as razões do temperamento passivo-agressivo usado pelas

duas potências em várias ocasiões de divergência é a que vê os dois Estados

envolvidos como não interessados a uma realização bélica da questão, por razões

acessórias de natureza económica e logistica.

Embora o evento de 2015 seja sempre um ponto crucial na análise do relacionamento

entre as duas nações, no que concerne o Ártico as duas partes mantêm uma atitude de

frieza e de séria diplomacia, apesar de provocações esporádicas e declarações

limitadas a coordenadas espácio-temporais não aplicáveis a uma linha de condução

unitária.

Abbie Tingstad, Stephanie Pezard e Scott Stevenson, no analizar as possibilidades

concretas que esta condição de tenda se transforme num choque de natureza bélica,

parecem excluir esta eventualidade, afirmando como uma organização de operações

militares num território aspérrimo como o da região polar não seria conveniente sob

um ponto de vista económico e de recursos humanos a nenhuma das duas fações.188

188 Tingstad, Abbie; Pezard, Stephanie; Stephenson Scott, Will the Breakdown in U.S.-Russia Cooperation

Reach the Arctic?, Inside Sources, Out 12, 2016, p.1

Page 67: Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...§ão Valter... · revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações internacionais

61

O risco – dizem – aparece limitado. A condição de gelo das bacias aquáticas torna o

ingresso de alguns meios destinados à ação militar assim como a estrutura de meios

de comunicação quase impossível na maioria do ano, sem contar a ação de defensa e

de controle do território que trabalha para evitar a realização de um choque, com a

consequência de vários frentes de combate que iriam multi-polarizar a eventual

guerra com novos gastos de recursos e de disponibilidades financeiras.189

O que os três teoréticos teorizam como mais provável em termos de realização é a

que eles chamam uma resources war.190 Neste sentido, o choque consistiria na

corrida aos recursos em menor tempo e em maior quantidade possível, com a

finalidade de por a bandeira sobre a maior parte das zonas extrativas e,

consequentemente, afetar a economia da nação rival que se veria privada de uma

parte de potencial disponibilidade económica.191

Porém, isto aplicaria-se muito mais a uma nação, como a Federação Russa, que

sempre pôs entre as suas prioridades a nacionalização de vastas partes da calota

ártica. A guerra dos recursos, de momento, para os Estados Unidos encontra-se numa

fase germinal, visto o periodo exíguo em que o estado federal tem enfrentado a

questão Ártica e as veleidades exprimidas de cooperação e de igualdade – pelo

menos de iure – entre todos os parceiros envolvidos na situação.

É muito mais plausível que a série de provocações lançadas pelas duas partes tenha

uma origem ideológica mais do que estratégica. Os dois Estados não podem aceitar,

por coerência com as próprias linhas de conduta em âmbitos internacionais, que uma

das duas partes obtenha uma supremacia absoluta, e por isso, acontece que um dos

dois lados pretenda reivindicar o controle sobre a zona para, de qualquer forma,

relembrar ao outro que tem de ser presente e operativo.192

189 Tingstad, Abbie; Pezard, Stephanie; Stephenson Scott, Will the Breakdown in U.S.-Russia Cooperation

Reach the Arctic?, Inside Sources, Out 12, 2016, p.1

190 Ibidem

191 Ibidem

192 Ibidem

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62

Para enumerar as mais importantes destas provocações, deixando a viagem do

submarino Арктика193 de lado, tendo já em conta a relevância absoluta deste gesto

efetuado pelos Russos em termos de reivindicação territorial e de supremacia, o ano

de maior tensão antes do episódio da anexão da Crimeia foi 2012.

Neste ano enfrentavam-se dois Estados em fase de divergência embrional. A

Federação Russa acabava de celebrar a renovação do apoio popolar graças aos

resultados eleitorales favoráveis à fação gerida por Путин194, e acabava de colidir

com os Estados Unidos por causa das queixas de condicionamento eleitoral surgidas

na América, chegando rapidamente à sua expulsão do G8. Neste cenário, o Ártico foi

sede de um evento de retaliação que afastou sensivelmente as duas partes nas

tratativas diplomáticas de área.

Como resposta à iniciativa dos Russos, que evadiram o controle norte-americano

perante uma patrulha no Gulfo do México através do ingresso não autorizado do

submarinho Акула195, o Commando da Defesa Aerospacial Norte-Americana

reportou a intercepção de dois unidades aéreas Tu-95 Bears pertencentes ao exército

russo, entradas no espaço sob o controle norte-americano ao largo da costa do

Alasca.196

Daqui seguiram-se uma série de reivindicações e de provocações que deixaram

apodrecer todo o aparelho diplomático que se criara ao longo dos primeiros anos da

nossa década.

Inicialmente, a Rússia quis uma revisão do acordo sobre a limitação no uso de

plutónio nas armas e nos meios militares que fora assinado e ratificado no ano 2000.

197 O Presidente Путин198 após ter inferido que este tipo de percurso diplomático

193 Russo: “Arktika”

194 Russo: “Putin”

195 Russo: “Akula”

196 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American

Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3

197 Ibidem, p.11

198 Russo: “Putin”

Page 69: Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...§ão Valter... · revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações internacionais

63

tinha-se tornado obsoleto, dada a mudança de tendência que a relação com o Estados

Unidos tinha mostrado, declarou que o 2000 Plutonium Management and Disposition

Agreement teria sido contra-revisionado e re-tomado em consideração apenas no

caso em que os Estados Unidos tivessem atenuado as sanções impostas e, ainda mais

clamoroso, tivessem pago um reembolso económico à Rússia pelas perdas generadas

pelas sanções199

Sucessivamente, a nova linha política de Путин200 afastou ulteriormente a Federação

Russa de uma ideia de cooperação na questão Ártica quando o Presidente pediu em

2016 – e já nos encontramos na fase em que o rasgo entre as duas superpotências

chegou à sua realização mais evidente – que às representâncias de Suécia e Finlândia

fosse impedida uma aproximação à NATO tal que poderia ter terminado com o

ingresso dos dois Estados na organização.201

Os dois Estados – declarava o Presidente – em qualidade de estados neutrais podiam

mudar os equilíbrios já instáveis da corporação internacional ao ponto de chegar a

consequências catastróficas.202 Isto, de qualquer forma, não impediu que houvessem

consequências no âmbito do Arctic Council, contribuindo ao isolamento em que a

Rússia se colocara, e afastando uma vez mais a federação eurasiática do bloco

ocidental de referência norte-americana.

Apesar disto, Tingstad, Pezard e Stephenson concluem que a falta de um suficiente

número de postos de controle, assim como a dificuldade de movimento dos meios

numa calota cujo degelo ainda não se pode considerar significativo para a realização

de verdadeiras operações bélicas, de qualquer forma evitam que qualquer provocação

– as quais chegam quase sempre de um lado para o outro – se transforme numa

verdadeira guerra.203

199 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American

Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.11

200 Russo: “Putin”

201 Tingstad, Abbie; Pezard, Stephanie; Stephenson Scott, Will the Breakdown in U.S.-Russia Cooperation

Reach the Arctic?, Inside Sources, Out 12, 2016, p.3

202 Ibidem

203 Ibidem, p.4

Page 70: Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...§ão Valter... · revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações internacionais

64

De ideia antitética é a análise que, partindo não da natureza desconfortável da área,

mas da velocidade nos processos de instalação de estruturas militares no Ártico, nos

ofereceu Andrei Akulov.

Ele considera como pelo contrário, o Ártico possa ser considerado uma zona quente

pela relação proporcional que existe entre o número de meios finalizados à operação

militar e a exposição que um frente tem face ao outro. O investigador sublinha o fato

do Alasca ser usado como ponto de lanço balístico para missões da Aeronáutica

Militar norte-americana para missões que abrangem o inteiro hemisfério setentrional,

e como a partir daquele ponto Europa e Ásia possam ser alcançadas sem

abastecimento.204

Para além disso, inclusive, já foi decidido que para o ano 2020 será usada a base

aérea de Eielson para o estacionamento de duas esquadras aéreas de F-35 Lightning

II Fighters, com a expetativa de conferir aos Estados Unidos a supremacia nas vias

aéreas entre todos os exércitos do hemisfério setentrional, inclusive o da Federação

Russa cuja veleidade à liderança – como visto – é parte dos preceitos fundamentais

de existência.205

Uma outra observação que Akulov faz com a finalidade de desmentir os

substenidores de uma difícil realização bélica no Ártico é relativa ao maciço utilizo

de submarinos com mísseis balísticos de longo raio, os Tomahawks, que em missão

no Mar de Barents seriam capazes de alcançar as maiores cidades da Federação

Russa, inclusive Moscovo, num prazo de 15-16 minutos.206

E em adição a isto, ele observa como o Ártico seja a única estação de habilitação

para estes submarinos com dotação Tomahawk de interceptar as bases de lanço dos

mísseis balísticos intercontinentais russos, os ICBM, localizadas nas regiões de

204 Akulov, Andrei, Arctic: Incredibly Important Issues on Russia-U.S. Agenda, Strategic Culture

Foundation Journal, Moscovo, 14-11-16, p.1

205 Ibidem

206 Akulov, Andrei, Arctic: Incredibly Important Issues on Russia-U.S. Agenda, Strategic Culture

Foundation Journal, Moscovo, 14-11-16, p.1

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65

Оренбург207e Красноярск208, cujo potencial de destruição é relevante ao ponto de

poder ser considerado uma verdadeira ameaça à estabilidade mundial.209

Dá-nos um elemento de contradição com quanto analizado por Akulov uma

declaração de importância crucial da Guarda Costeira norte-americana, que

consultada sobre as possíveis transformações que as relações entre Estados Unidos e

Federação Russa podiam acusar, respondeu que

“The US must work to better understand Russian capabilities in the Arctic to

avoid miscalculations that can lead to escalation. US-Russian Arctic operations are

a source of optimism between the two nations, and this must be continued.”210

Em qualquer caso, assim como é possível traçar algumas coordenadas da situação

entre Estados Unidos e Federação Russa em termos de estratégia militar e de

potencial de risco – com visões em oxímoro segundo quais fontes termos em

consideração – é devido considerar como os exércitos não sejam os únicos atores que

definem o andamento das relações entre estas duas superpotência, visto o

importantíssimo contributo que os interesses económicos na zona dão à manutenção

da estabilidade mesmo em situações de deslize diplomático.

Em termos de economia já são tratadas as vontades dos dois Estados concernentes a

extração dos recursos e o controle sobre as áreas marítimas contendidas. O que não

foi mencionado é que na área já trabalham duas companhias entre as mais produtivas

do mundo especializadas na extração e no processamento de recursos subterrâneos,

as quais contribuem respetivamente à saude económica dos Estados Unidos e da

Federação Russa: a Exxon por um lado, e a Рoснефт211pelo outro.

Estas duas companhias entraram numa joint-venture no ano 2012, contrariamente à

tendência de afastamento entre Estados Unidos e Federação Russa que iniciou a

207 Russo: “Orenburg”

208 Russo: “Krasnojarsk”

209 Akulov, Andrei, Arctic: Incredibly Important Issues on Russia-U.S. Agenda, Strategic Culture

Foundation Journal, Moscovo, 14-11-16, p.1

210 Ibidem, p.3

211 Russo: “Rosneft”

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66

aparecer naquele ano. 212 Isto foi realizado para desenvolver novas reservas off-shore

no Mar de Kara – assim como no Mar Negro – e postos de processamento on-shore

na Sibéria.213

O ano seguinte, as duas companhias reforçaram os laços desenvolvendo esta política

de realização de apostamentos de operatividade mútua com ulteriores contruções de

sete blocos na Чукотка214, no Лаптев215e no mar de Kara. 216

O ativo dos dois colossos económicos graças à união no território Ártico mostra

números exorbitantes. A Exxon dispõe de 63,6 milhões de aras exploráveis no

território sob a soberania Russa, e o 33% da produtividade no Mar de Kara, mais um

30% de ativos no Mar de Сахалин217e no Mar Negro, que embora não se encontrem

no Ártico, dão uma ideia da disponibilidade da sociedade em território russo.218

Do outro lado, a Роснефт 219estima ter uma disponibilidade de 87 bilhões de barris

de petróleo que se encontram em três blocos do Mar de Kara e que pertencem à joint-

venture estabelecida com a Exxon Mobil.220

Mas a relevância desse assunto ganha um valor ulterior quando no ano 2013 o

Presidente Obama impõe sanções ao governo federal da Rússia, com consequências

importantes no proveito da joint-venture em questão.

212 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC,

13-12-16, p.1

213 Ibidem

214 Russo: “Čukotka”

215 Russo: “Laptev”

216 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC,

13-12-16, p.1

217 Russo: “Sakhalin”

218 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC,

13-12-16, p.1

219 Russo: “Rosneft”

220 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC,

13-12-16, p.1

Page 73: Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...§ão Valter... · revelando bacias de recursos naturais de dimensões importantes. O estudo das relações internacionais

67

De facto, como consequência direta do evento, a Exxon Mobil declarou-se obrigada a

desistir da cooperação em todas as operações no Mar de Kara.221

Max Tillerson – agora chefe executivo da Exxon Mobil nomeado pelo novo

Presidente Donald Trump -, criticou severamente a iniciativa do Presidente Obama, e

foi-lhe conferido o título pela Ordem da Amizade pelo Presidente Путин222em

pessoa, em oposição explícita à decisão política tomada por Obama e ao complexo

político representado pelo Presidente norte-americano na sua totalidade.223

Entrelaçamentos entre política, estratégia e economia então tornam as relações entre

Estados Unidos e Federação Russa no Ártico de difícil leitura. Não é de compreensão

imediata a série de afastamentos e aproximações que seguiram o andamento

diplomático das duas Nações. Por um lado, a tendência geral de proximidade seguida

por dois choques decisivos é aplicável, pelo menos sob um ponto de vista

macroscópico. Mas pelo outro, muitos outros fatores influenciam a rede de

comunicações-provocações complexa que compõe a história contemporária do

Ártico. Duas entidades tão envolvidas na reivindicação de prestígio chegam a

entrelaçar-se com interesses económicos de corporações cujos proveitos são

enormemente significativos, e tudo isso através de uma intensão mútua de manter um

equilíbrio que não decline numa guerra que não seria conveniente sob nenhum ponto

de vista.

Federação Russa e Estados Unidos sabem que a questão ártica é mais semelhante a

um jogo de xadrez, em que cada movimento pode mudar a tendência geral, e por

isso, sabem dosear agressividade e diplomacia, ação direta e pedidos de cooperação,

para que esta tenda dure o tempo necessário suficiente para uma exploração e uma

extração relevante dos recursos, na espera dos novos pedidos de reivindicação

territorial, que, sob um ponto de vista geopolítico, representam a questão mais

importante a ser considerada.

221 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC,

13-12-16, p.2

222 Russo: “Putin”

223 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC,

13-12-16, p.1

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68

3

Donald Trump e os horizontes da questão ártica

3.1 As consequências da eleição de Trump no Ártico

No dia 9 de Novembro de 2017, após uma campanha eleitoral bem além das regras não

escritas do politically correct, descrevendo um auténtico cisma na mentalidade pública

dos cidadãos norte-americanos, o candidato Republicano Donald J.Trump, embora não

tivesse a maioria numérica absoluta dos votos, conseguiu vencer a contraposta ex-

secretária de Estado Hillary Rodham cônjuge Clinton, candidata pelo partido

Democrata, nas eleições presidenciais mais controversas da história moderna dos

Estados Unidos da América.

Como já antecipado, a vitória do empresário de Nova Iorque não foi esmagadora. Os

dados eleitorais afirmam que o Partido Republicano ganhou através do voto dos

Grandes Eleitores – segundo o sistema eleitoral americano – que superou o mesmo

relativo a Hillary Clinton com o resultado de 306 a 232.

Esta decisão tomada pelo povo norte-americano traça um ponto de viragem absoluto, e

de qualquer forma revolucionário. A linha política do Presidente em saída Barack

Obama tinha dado origem a algumas tendências nas relações internacionais que

acostavam o governo norte-americano ao bloco da União Europeia, e sobretudo após o

ano 2015 afastava o diálogo com o governo da Federação Russa, culpável de ter

ocupado ilegalmente o território ucraniano da Criméia contra as disposições

internacionais.

Esta mudança tão radical pode potencialmente inverter a filosofia política dos Estados

Unidos, com efeitos em cascata que irão afetar qualquer âmbito da política internacional

de interesse estadounidense, e, portanto, também o ainda pouco explorado âmbito

ártico.

Donald Trump pôs alguns pilares ideológico na sua campanha eleitoral. Apesar de

nunca ter nomeado a questão ártica em maneira direta, deu-nos uma ideia muito clara de

quais seriam as suas prioridades em termos de energia, poluição, reivindicação do

prestígio americano no complexo internacional – paradigmático, neste sentido, o seu

slogan Make America Great Again – e economia, com um mal escondido euro-

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ceticismo em relação à disposição vertical das hierarquias no sistema da União Europeia

e uma afinidade perante as decisões políticas do Presidente russo Владимир Путин224

que irão ser relevantes também na análise da relação entre as duas superpotências no

âmbito da organização político-económica da calota ártica.

Pareceria então que a Rússia tenha sido a entidade política a qual o éxito das eleições

norte-americanas foi mais conveniente, podendo potencialmente ter perdido um opositor

explícito e evitando a sucessão de um político ainda mais contraposto às ideias em

campo internacional do governo russo, e ganhando desta forma um potencial parceiro,

cuja visão centralizada no desenvolvimento económico e na proteção do povo nacional

contra o ingresso maciço de recursos humanos estrangeiros é parecida à ideia de

isolamento e protecionismo promovida pela segunda fase do governo Путин225.

Porém, os fatores em consideração são múltiplos e nem todos assim diretamente

polarizados para uma reunião de intenções entre os dois Estados. Existem pontos de

divergência que para além disso poderiam afastar as diretivas das duas entidades

contrapostas, especialmente numa zona franca como o Ártico, em que se entrelaçam

interesses económicos, interesses geopolíticos, questões ecológicas, problemáticas

etnológicas e uma história diplomática absolutamente não linear.

Os novos protagonistas da cena ártica deverão conhecer quais seriam os riscos de mudar

radicalmente os equilíbrios diplomáticos, e só nos próximos anos será possível

quantificar e avaliar as ações perpetradas por essas entidades. De momento, o que é

possível, é propor uma análise técnica dos pontos mais cruciais em que as intenções

políticas de Estados Unidos e Rússia são explícitas, e daqui traçar um mapa ideal dos

horizontes futuros da questão ártica após esta reviravolta ideológica tão significativa

para os equilíbrios mundiais.

3.1.1 As divergências ecológicas

A abordagem de Donald Trump à fase executiva após o seu insediamento na Casa

Branca foi caraterizada por rapidez decisional e grande imprevisibilidade. Isso por

um lado complica uma análise de tipo analítico baseada nas promessas e nas

224 Russo: “Putin”

225 Idem

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70

intenções explicitadas em campanha eleitoral, mas pelo outro ilustra quais os âmbitos

mais urgentes em que o Presidente tem intenção de operar.226

Contudo, verificando os sinais lançados pelo Presidente que explicitam uma

cronologia de intervenções na primeira fase executiva, o Ártico continua a ser um

assunto considerado de segunda ordem, ignorado na maioria das vezes em

comparação com a direta abordagem que Trump pretende mostrar face às outras

questões de importância internacional.

A política ártica, em continuação com o que sempre resultou do histórico decisional

dos presidentes norte-americanos, representa uma excepção à regra, quase um

pormenor omitido e fora do clamor internacional, se bem não tenha sido

completamente livre dos efeitos da inversão de tendência após o ano 2015.227

Porém, em comparação com as consequências sofridas por países mais centrais na

cena internacional, especialmente na Europa, os efeitos desta mudança ideológica

radical no Ártico permaneceram visíveis em poucas iniciativas ao longo dos anos,

quase se quisesse evitar que estes movimentos tão relevantes em termos de potencial

ofensivo afetassem uma zona em que a distância entre as partes em questão é pouca e

a exposição ao potencial inimigo é máxima.228

Em todo caso, não é apenas por razões de risco elevado que a questão ártica está a

ser deixada de lado pelo novo Presidente norte-americano, apesar de se ter

demonstrado uma questão crucial para a futura substenção económica do País. Neste

âmbito de facto é considerável como a falta de certidão relativamente ao Ártico seja

verificável nas declarações de Donald Trump em fase eleitoral, que sempre se

limitou a mencionar o problema de maneira fragmentária e não linear, sem oferecer

uma ideia explícita de quais são as suas intenções em relação a isto.229

O professor Valery Konyšev, professor de Relações Internacionais na Universidade

Estatal de São Petersburgo, relativamente à questão nos confirma como

226 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.1

227 Ibidem

228 Ibidem

229 Ibidem

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“...the statements […] regarding the Arctic are private and fragmentary, not

reflecting any strategic direction”230

e portanto deixa a questão analítica do futuro do Ártico para épocas em que as ideias

presidenciais se tornem mais explícitas e de mais fácil leitura.231

A origem do problema é que Donald Trump parece não ter considerado de maneira

suficiente a questão ártica na escolha dos seus assistentes – com a excepção de

Tillerson, cuja utilidade na resolução dos problemas diplomáticos com a Rússia se

está a revelar decisiva – visto que não aparecem pessoas com experiência particular

neste âmbito entre os seus homens de confiança mais próximos.232

Enquanto, de facto, na Federação Russa o Ártico permanece uma questão central na

política nacional e internacional, e já tratamos as razões históricas e ideológicas que

levam a esta alta consideração da problemática, nos Estados Unidos, salvo algumas

iniciativas pouco acompanhadas por visibilidade mediática e opinionística, o assunto

permanece um side issue de relevância elitária, tradicionalmente negligenciado seja

pelos planos políticos verdadeiros, seja pelos debates concernentes a opinião

pública.233

Ron Huebert, professor associado na Universidade de Calgary, relativamente a esta

falta de experiência em âmbito de política ártica, declara polemicamente: I am not

sure Trump even knows what Arctic is.234 Pois a força desta declaração é devida à

intensão polémica de sublinhar a falta de preparação para enfrentar uma questão de

potencial de risco tão elevado, mas é explicada por um conjunto de declarações

acessórias do professor, o qual define a consideração da questão Ártica pelo

230 Konyšev, Valery, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct,

Analysis, 13-01-17, p.2

231 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.2

232 Ibidem

233 Ibidem

234 Huebert, Rob, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,

13-01-17, p.2

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Presidente Trump e os seus homens como um afterthought, ou seja, uma questão

secundária de procrastinação fácil e de prioridade relativamente baixa.235

É portanto impossível definir os horizontes da questão ártica apenas baseando-nos

sobre fragmentárias e pouco eloquentes declarações no meio de uma campanha

eleitoral focada decisamente para outras questões consideradas mais relevantes?

Se bem quanto afirmado agora seja verdade, temos uns elementos centrais de

investigação que poderiam traçar um caminho avaliativo de quais serão os próximos

movimentos neste âmbito. E, paradoxalmente, o ponto de maior explicitação do qual

é possível começar esta análise é um âmbito em que Estados Unidos e Federação

Russa se irão encontrar em oposição, e irão divergir por falta de afinidade ideológica

na raíz da questão: a problemática da ecologia.

Perante a sua campanha eleitoral, Donald Trump chegou ao ponto de afirmar como o

aquecimento global fosse apenas uma brincadeira dos chineses,236promitindo

explicitamente puxar os Estados Unidos para fora do Paris Climate Change

Agreement, resultado de orgulho da política centralizada na ecologia e em medidas

para a prevenção de catástrofes naturais por causa da intervenção do homem

promovida pelo ex-presidente Barack Obama.237

A declaração do futuro Presidente norte-americano deu lugar a uma série de

declarações de alarme e dissidência por diversos cientistas em serviço na calota

polar, os quais de dia em dia têm testemunho direto e podem documentar em

primeira pessoa os efeitos extremamente sensíveis do aquecimento global no

ecossistema do oceano Ártico e as consequências – por vezes positivas mas

desastrosas para o biótopo polar e para as povoações obrigadas a uma migração não

esperada – que esta mudança provoca na área.238

Após a eleição, porém, vista a nova intenção de reunificar ideologicamente o inteiro

espetro dos cidadãos norte-americanos sob a única figura do novo Presidente, e

235 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.2

236 Ibidem

237 Ibidem

238 Ibidem

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passada de validade a necessidade propagandística de quebrar o status quo com

declarações de forte impacto e de proverbial agressividade, o Presidente Trump

resolveu revisionar as próprias palavras, com novas declarações mais diplomáticas e

istitucionais.

Ele afirma então como é admissível que a tese do aquecimento global de natureza

antropogénica possa verdadeiramente não ser apenas uma brincadeira promovida

pelo governo chinês, e portanto, teria considerado os pontos do Paris Climate

Change Agreement com mentalidade aberta e analítica.239

Em todo caso, na opinião de Rafe Pomerance, presidente de Arctic 21, ou seja, uma

rede de organizações científicas que trabalham para a resolução da questão ecológica

em relação à mudança climática em Capitol Hill, os sinais mandados pelo recém-

eligido Presidente Donald Trump são bastante deprimentes. Ele declara que:

“so far the various appointments to critical jobs indicate that [Trump] will

completely turn around the course set by Obama”240

pondo o foco sobre uma problemática que não se pode considerar secundária, ou

seja, a veleidade do novo Presidente de se impor na economia da política nacional

não como um reformador mas como um restaurador da tradição política em direta

contraposição com todas as mudanças realizadas pelo passado Presidente Obama, o

qual se arrisca agora a ser vítima de uma verdadeira Damnatio Memoriae e de ver

todo o seu operado radicalmente anulado e restabelecido como era na época de

George W. Bush por parte do novo Presidente, além de uma verdadeira avaliação das

operações realizadas por ele.241

Pomerance adiciona à questão um segundo problema, que confere ainda mais clareza

a qual seria a polaridade das diretivas do novo Presidente em relação à questão ártica

sob um ponto de vista ecológico. De facto, Donald Trump decidiu colocar Scott

239 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.2

240 Pomerance, Rafe, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct,

Analysis, 13-01-17, p.2

241 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3

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Pruitt, um convencido negador do aquecimento global, no comando da

Environmental Protection Agency, ou EPA.242

Como direta consequência desta decisão, a equipa gestional de transição sob o

comando de Pruitt começou uma série de investigações sobre o pessoal operativo na

área que, na definição de Pomerance, parece mais uma verdadeira caça às bruxas

finalizada à eliminação dos recursos humanos ideologicamente não alinhados com a

nova filosofia em questão de ecologia e conservação do ecossistema.243

Finalmente, Pomerance oferece-nos uma ulterior observação de qual seria a intenção

de Donald Trump e do seu partido face à problemática ecológica na calota polar. Em

adição a quanto já afirmado, ele declara que:

“both Houses of Congress are now controlled by the Republican Party, which

has been – not totally but heavily – governed by a denialist wing. This is a

completely new and worrying situation.”244.

Um ponto de mediação face à problemática ambiental provém do homem de

confiança do Presidente Donald Trump mais próximo ao governo da Federação

Russa, ou seja, Max Tillerson. Ele – relembramos - chefe executivo da Exxon Mobil

massivamente operativa na extração intensiva no Ártico, foi nomeado pelo novo

Presidente norte-americano novo Secretário de Estado.245

Em completa oposição às que parecem ser as diretivas unipolares do Presidente face

à ecologia do bioma ártico, ele acabou por reconhecer publicamente a existência de

uma problemática concreta relativa à mudança climática, e por admitir o papel

relevantíssimo da exploração e a extração de combustíveis fósseis no Ártico na

aceleração temporal que esta mudança acusou.246

242 Pomerance, Rafe, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct,

Analysis, 13-01-17, p.3

243 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.2

244 Pomerance, Rafe, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct,

Analysis, 13-01-17, p.3

245 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC,

13-12-16, p.1

246 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3

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Em todo caso, a opinião pública não deve pensar que o tycoon, extraordinariamente

enriquecido mesmo pela exploração de um biótopo antecedentemente intacto e

exente da intervenção antrópica, seja um convencido substenidor da causa ambiental,

e, como irá ser tratado mais além, que isto evite uma nova intervenção em termos

económicos da Exxon para garantir uma nova ingentíssima renda ao governo norte-

americanos através da operação extrativa de área.247

O que a Federação Russa tem a ver com esta nova política ambiental do Presidente

Trump concerne o fato que a iper-produtividade da porção ártica de soberania

estadounidense pode potencialmente levar a consequências catastróficas também na

porção – maior e de maior identificação nacional – de território ártico reivindicada

pelo estado eurasiático.

De facto, uma excessiva nonchalance na sucessão de decisões e diretivas em relação

à questão ecológica no Ártico levaria muito provavelmente a uma tomada de posição

do Presidente Путин248em explícita oposição às intenções do correspondente

Presidente dos Estados Unidos. E mais, uma consequência direta desta política

poderia afastar outros potenciais negociadores russos, desencorajados pela linha

governativa do Presidente, com efeitos imediatos na economia da região e dos

Estados envolvidos.249

A decisão – sucessivamente submetida a revisão – do Presidente Donald Trump de

considerar a possibilidade de sair dos acordos de Paris e de re-colocar os Estados

Unidos em posições menos operativas em diversos programas ambientais de

cooperação internacional no Ártico acabou por causar um sentido de

descontentamento difundido na Federação Russa e no inteiro A-5, como confirma o

professor Aleksandr’ Sergunin, titular da cadeira de Relações Internacionais na

Universidade Estatal de São Petersburgo.250

247 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3

248 Russo: “Putin”

249 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3

250 Sergunin, Aleksandr’, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct,

Analysis, 13-01-17, p.3

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Isso porque a Federação Russa é o País que, por tamanho e identidade nacional,

resulta ser o mais afetado pela degradação ambiental na calota polar.

Porém, se por um lado esta divergência poderia mostrar um potencial cenário de

ulterior afastamento no histórico das relações internacionais entre Estados Unidos e

Federação Russa, existe um segundo ponto, desta vez um ponto de incontro, cuja

força e cujas consequências acabam por anular os efeitos desta tendência ao

afastamento, e que provavelmente projetarão os dois Estados para uma junção de

intenções verdadeira e significativa: o plano económico.

3.1.2 A convergência económica

Continuando a traçar um mapa ideal de quais seriam os horizontes da questão ártica

após o ingresso de Donald Trump como novo fator desta complexa equação, na

análise de todas as declarações eleitorais e pós-eleitorais do Presidente em termos de

desmontagem da política económica levada à realização pelo seu antecessor Obama

e de focalização dos objetivos orientada para uma nova auto-suficiência económica

de tipo intensivo e privo de preconceitos acessórios – entre os quais tem que se ter

em consideração a problemática ecológica precedentemente tratada – é devido pensar

que na zona Ártica a restauração das condições favoráveis à joint-venture entre a

Exxon Mobil e a russa Роснефт251 tenha que se revelar uma etapa fundamental para

o conseguimento deste propósito.252

Alcançar esta condição de junção económica irá-se mostrar como um dos objetivos

mais explícitos na política ártica de Donald Trump, mesmo que não vá prescindir

duma nova convergência intencional com o governo russo após tantos anos de

distância sob o ponto de vista político, e por isso reveler-se-á fácil perceber quais

serão as ações dos dois governos para restaurar condições ideais que levarão a uma

nova condição de saúde económica, apesar das consequências ecológicas menores,

mas com um devido cuidado sobre as consequências mais evidentes, no respeito da

ideología artico-céntrica da Federação Russa.253

251 Russo: “Rosneft”

252 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3

253 Akulov, Andrei, Arctic: Incredibly Important Issues on Russia-U.S. Agenda, Strategic Culture

Foundation Journal, Moscovo, 14-11-16, p.3

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O diálogo será necessário. E, vista a natureza do interesse que leva Donald Trump a

procurar um contato e uma cooperação com Путин254, vistas as preferências

expressadas por Путин255 nos atos diplomáticos dos últimos anos e visto o objetivo

ambicioso que os dois governos intendem alcançar, é já possível indicar que uma

figura central no conseguimento desta operação será o chefe executivo da Exxon

Mobil, próximo a Путин256 na visão política e homem de confiança de Donald

Trump, o Secretário de Estado dos Estados Unidos Max Tillerson.257

Como já visto, o fenómeno que causou um declínio da colaboração entre a Exxon

Mobil e a Роснефт258 no meio da crise diplomática de 2015 que rasgou a rede de

colaborações entre Estados Unidos e Federação Russa foi a imposição de sanções

económicas operada por Obama cujos efeitos afastaram a Роснефт259 do projeto de

trabalho cooperativo, isolando as duas companhias na procura de proveitos através

da exploração dos recursos descobertos na calota.

Sergunin, na sua análise das relações entre os russos e os norte-americanos,

contrapõe o risco de alienação de futuros negociadores russos já mencionado – em

caso de ameaça concreta e identificável à liberdade operativa dos russos na própria

zona de reivindicação territorial – à esperança, expressada pelo governo de Moscovo

e parcialmente confirmada pela eleição de Tillerson para a carga de Secretário de

Estado, que Donald Trump resolva revisionar – ou mesmo eliminar radicalmente –

estas sanções declaradas obsoletas pelas partes em causa, inclusive a proibição dos

projeitos sobre a extração off-shore de hidrocarbonetos fósseis em forma de gás e de

petróleo.260

254 Russo: “Putin”

255 Idem

256 Idem

257 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC,

13-12-16, p.1

258 Russo: “Rosneft”

259 Idem

260 Sergunin, Aleksandr’, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct,

Analysis, 13-01-17, p.3

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Um potencial problema para a realização desta veleidade está no fato que

diferentemente das figuras prominentes destas instituções operativas na indústria

extrativa, as quais já declaram a vontade de tornar-se entidades centrais na economia

do governo estadounidense, o lado executivo do governo Trump, inclusive a figura

presidencial, nunca evidenciaram o Ártico como singula entidade em consideração,

nem como sujeito específico para deliniar uma linha de conduta clara e analisável

pelas outras partes em questão.261

A questão ártica, de momento, está confinada no papel de side issue no programa

político sobre a gestão e a racionalização de todos os recursos de gás e petróleo a

disposição dos norte-americanos, os quais – prometem – serão geridos de maneira

marcadamente pragmática e de forte conotação liberal, e portanto os recursos da zona

polar são apenas reduzidos a adendos de uma sumatória muito mais complexas e de

urgência considerada mais significativa.262

Neste caso, como substém Rob Huebert, a questão ecológica e os horizontes

económicos estão entrelaçados numa relação de proporcionalidade inversa. Ao

cuidar de um aspeto, corre-se o risco de perder posições no outro, sem se atingir um

equilíbrio substentável.

Emblemáticas são as suas declarações, que irão ser analisadas nesta investigação

como pilares para uma compreensão aprofundada das possibilidades realizativas da

política dos dois Países no Ártico, em que o professor prediz como o novo governo

de Donald Trump irá realizar:

“... a complete reversal of U.S. policy, in particular regarding the development

of fossil fuels.”263

A polarização de Trump em direção da exploração intensiva do quantitativo de

recursos subterrâneos deixa pensar que esta relação entre a ecologia e a economia,

enquanto sob o precedente governo de Barack Obama parecia pender para a primeira

261 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3

262 Ibidem

263 Huebert, Rob, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,

13-01-17, p.3

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79

questão, ou seja, para o respeito do ambiente e o controle sobre operações em joint-

venture de segura vantagem económicas, agora irá mudar de tendência, deixando as

preocupações dos pesquisadores operativos na zona por lado e dando uma esperada

luz verde às companhias extrativas e aos interesses económicos.264

Continua assim Huebert:

“...U.S. outgoing President Barack Obama was slowly moving towards a ban of

any type of new development in the Arctic region.

Trump made abundantly clear that his major focus will not be about respecting the

Paris accord but rather insuring that the U.S. has energy self-efficiency. Part of that

efficiency will be based on opening up resources in the Arctic”265

Explicitando então que existe um regime hierárquico entre a divergência ecológica e

a convergência económica com a visão política da controparte russa, que enquanto

via uma preferência – visível pela atitude para a distância mostrada pelo ex-

Presidente Barack Obama – para o fator ecológico, agora vê promovido o fator

económico, de importância central para a restauração de uma supremacia definida

perdida, e de uma liderança económica que não abrange apenas o âmbito ártico mas

que irá re-propor os Estados Unidos como colosso económico mundial

absolutamente indisputado.266

Como solução, então, ao deslize e ao suspeito que ainda se furece no Ártico entre os

norte-americanos e Путин267, Huebert conclui a sua exposição tendo como

prospeção para o futuro um possível:

“much more welcoming regime for companies to return the Arctic once the oil

prices rebound, as they inevitably will”268

264 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3

265 Huebert, Rob, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,

13-01-17, p.3

266 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3

267 Russo: “Putin”

268 Huebert, Rob, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,

13-01-17, p.3

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80

voltando assim à projeção aqui exposta e confirmada por Sergunin que considera a

revisão radical das sanções impostas por Obama anos atrás como uma condição

necessária para uma restauração do motor económico no âmbito ártico.

Sempre Huebert, porém, ipotiza que uma outra condição necessária à sobrevivência

saudável de um estado de saúde económica na questão Ártica e nas suas operações

seja uma clarificação das posições dos dois Presidentes, Trump por um lado que

ainda não tem explicitado quais serão as diretivas de política externa face a esta

questão, e Путин269 pelo outro que ainda se encontra na fase de avaliação dos danos

provocados pela oposição de Obama e a sua imposição de sanções, e que além de

uma atitude acolhedora nas declarações oficiais ainda não mostrou uma verdadeira

resolução nos contatos com a controparte relativamente a esta questão.270

De momento, declara, a relação recém-nascida entre o presidente dos Estados Unidos

e o da Federação Russa, pode-se definir:

“[a] bizarre relationship Trump is developing with the Russian President Putin”

271

e, consequentemente, ainda não previsível nem avaliável, por causa da extrema

contemporaridade da questão.

Porém, enquanto Huebert limita-se a definir os relacionamentos entre as duas

superpotências apenas hipotetizando um sucessivo desenvolvimento da situação

económica, o professor James Kraska, figura do US Naval War College propõe como

perspectiva futura uma ação mais mediada por parte dos Estados Unidos, não

considerando como provável uma pulsão extrema à esploração intensiva em

condições de total liberdade operacional.272

269 Russo: “Putin”

270 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4

271 Huebert, Ron, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,

13-01-17, p.4

272 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4

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81

A sua análise considera os Estados Unidos como uma figura em fase de abertura de

mentalidade e de maior atenção à quantificação dos proveitos, contra a proibição e a

teimosa negação de que deu mostra a política de Obama.

Em relação a isto, o professor afirma que:

“I think we can see the U.S. adopt a more balanced approach to offshore oil and

gas development, much like Norway has”.273

Para além disso, apesar de ser o futuro o único revelador de quais serão as ações dos

dois Presidentes em relação a esta situação, e qual será a polaridade de Donald

Trump na escolha dicotómica entre a preservação da natureza e das condições

ecológica do bioma ártico e a liberalização da exploração de recursos em

favorecimento do lado económico e da operatividade das companhias extrativas –

lembramos a centralidade da posição política de Max Tillerson como fator

emblemático para tomarmos em consideração – é já possível avaliar quais serão as

ações de provável realização em campo economico pelo Presidente recém-eleito.

A maioria dos investigadores concordam em considerar como Trump queira sair das

condições proibitivas do acordo de Paris, e que tenha uma tendência a favorecer o

proveito em relação a causas ambientais e fatores contrários ao enriquecimento do

seu País. Não é difícil pensar que a única maneira para que ele realize este projeto

seja restaurar o diálogo com a presença economicamente mais relevante na calota

ártica, revendo radicalmente as sanções e deixando aos russos – ao governo de

Путин274 por um lado e à companhia extrativa Роснефт275 pelo outro uma maior

liberdade de ação.

Porém, enquanto o espetro do sistema ecológico-económico pareça mais claro e a

tendência futura apareça bastante previsível, o que complica a formação deste mapa

ideal das relações entre Estados Unidos e Federação Russa futuras é a consideração

273 Kraska, James, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,

13-01-17, p.4

274 Russo: “Putin”

275 Russo: “Rosneft”

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de uma nova política militar em forte contraposição com as veleidades orientadas à

cooperação desde sempre promovidas pelo estado norte-americano.

O futuro da UNCLOS, então considerado em via de ratificação por todas as

entidades tomadas em consideração, aparece-nos muito mais incerto agora, e as

consequências desta nova polaridade irão mudar o papel dos Estados Unidos na

inteira questão ártica, com fatores acessórios de crucial importância que terão de ser

considerados para a realização desta análise.

3.2 A visão geopolítica de Trump face ao A-5

A ideia de ártico como território de fronteira, como já ampliamente tratado, é uma

concepção obsoleta. Os Países convergentes no oceano Ártico aprenderam, após uma

série de fatos relevantes que já foram mencionados precedentemente, a cooperar e a

construir um equilíbrio bastante estável, reconhecendo na figura da Federação Russa

um potencial fator de risco – portanto sujeito a maior controle e visto com uma certa

atenção pelas outras entidades do A-5 – e conferindo à new entry, ou seja, os Estados

Unidos, um papel de importância igual à das outras nações, vistos também todos os

propósitos de colaboração e de desenvolvimento político e económico da área.

A eleição de Donald Trump, além de representar uma mudança no fator económico e

ecológico, cuja proporcionalidade inversa resulta ser uma projeção verdadeira em

aplicação à questão ártica, agora é potencialmente uma ameaça para este equilíbrio,

sendo agora a política dos Estados Unidos mais próxima à da Rússia – projetada para

a liderança e a supremacia territorial – respeito às políticas mais diplomáticas e

cooperativas das entidades europeias.

É então necessário, para a plenitude desta previsão analítica, não se limitar a

considerar a proximidade de Estados Unidos e Federação Russa em termos de

colaboração dos governos e similaridade de intenções. As duas nações são peças de

um mosáico muito mais complexo, que abrange uma série de problemáticas

geopolíticas e militares as quais não podem ser ignoradas, e que dependem

enormemente da rede de equilíbrios criada no A-5 e, em sentido mais extendido, no

inteiro Arctic Council.

O fato já tratado que nos mostra uma política de Donald Trump em relação à questão

ártica apenas numa fase de considerações gerais e que faz resultar evidente como as

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83

prioridades em política internacional do Presidente sejam outras, não tem que deixar

os pesquisadores convencidos que isso se traduza numa certa frouxidão dos norte-

americanos face à questão. Os Estados Unidos, na sombra, estão a promover

intervenções de importância significativa na organização do exército no que continua

a ser um frente de máxima exposição para a contropartida eurasiática.

E embora agora não pareça que a Federação Russa simbolize a ameaça que parecia

ser sob a administração de Barack Obama, e então não sendo mais o Ártico um

confim de mentalidades opostas e sujeitas ao risco concreto de choque, o Ártico

continua a ser um ponto vital do território americano, para não dizer que ainda

representa a sua parte mais exposta, e portanto mais vulnerável.

Os Estados Unidos de Trump professam grandeza, nos slogan e nas ações já

mostradas pelos primeiros cem dias de presidência. Isso irá abranger com certeza

também a questão ártica, transformando os que então se apresentavam como

convencidos paladinos da cooperação em novas variáveis não controláveis do

sistema complexo da questão ártica, à procura da grandeza em qualquer âmbito –

inclusive este – e do controle militar da zona.

O A-5 ainda não expressou a própria opinião acerca da questão. Estão todos à espera

dos primeiros movimentos do Presidente norte-americano para avaliar qual o novo

papel do governo de Washington em relação à questão.

3.2.1 Supremacia e isolamento

O espelho das intenções relativamente à geopolítica ártica que o Presidente Donald

Trump vai realizar em breve será a avaliação do seu comportamento em relação à

ratificação – ou à falta de ratificação, em continuação com quanto já realizado nos

planos políticos dos Presidentes precedentes – do tratado da UNCLOS, que vê ainda

os Estados Unidos como uma entidade separada em relação às outras, não sendo

aceites todas as condições enumeradas no texto do acordo.

A opinião do professor James Kraska relativamente a esta questão aparece bem clara.

Ele considera que irá ser muito difícil que o Presidente, vista a sua veleidade à

supremacia em outros âmbitos geopolíticos mais conhecidos, se esforçe para a

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84

obtenção desta ratificação.276 Isto significa que é altamente provável que o Presidente

norte-americano mostre uma certa continuidade – pelo menos em termos de

esnobismo face aos preceitos da UNCLOS – com as outras realizações executivas

dos Presidentes do passado. E com isso, revelar-se-á muito provavelmente a intensão

do Presidente Trump de continuar a considerar este tratado como um reflexo de um

certo clientelismo de área, vista a fraqueza do texto que facilmente pode ser usada

pelas companhias mundiais – também de outras nações, até diretas rivais – para

reivindicações de liberdade de trânsito em áreas de forte interesse estratégico.277

Mas o sentido mais importante desta decisão muito previsível irá afetar a história

geopolítica do Ártico. De facto, voltando às considerações efetuadas na primeira

parte desta investigação sobre a construção ideal de um mapa das reivindicações

territoriais e das ações promovidas pelos vários governos finalizadas à obtenção da

soberania sobre a maioria dos territórios indicados, uma continuidade em considerar

o da UNCLOS um tratado que não tem que ser ratificado irá-se traduzir no

cancelamento de todos os pedidos de reivindicação realizados pelos Estados Unidos,

os quais não podem ser registrados e sujeitos à procedura de avaliação.278

Isto expõe sensivelmente os Estados Unidos a uma nova condição de fraqueza em

termos de controle sobre o território – além da porção de calota já reivindicada e

obtida pelo governo norte-americano segundo as disposições da UNCLOS. A falta de

possibilidade em relação a uma potencial ampliação da área de influência e soberania

limita o poder de ação dos Estados Unidos no âmbito dos equilíbrios internacionais

criados na zona polar, cujas consequências, de forma indireta, irão ser verificáveis

numa re-militarização da área, finalizada à defensa dos interesses norte-americanos

na calota e na limitação das potenciais tentativas de ampliação das áreas de

influência das outras entidades nacionais envolvidas na questão.279

276 Kraska, James, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,

13-01-17, p.4

277 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4

278 Ibidem

279 Ibidem

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85

E de facto existe já uma – ainda germinal – indicação que dá clareza a este discurso,

vistas as iniciais iniciativas de reorganização do exército promovidas pelo governo

central de Washington. Os analistas do poder bélico dos Estados Unidos concordam

em afirmar que a ideia de Trump em relação à disposição do próprio exercito no

território mundial seja a de criar uma nova filosofia nos generais que se aproxime

mais a um pragmatismo inteligente e à obtenção de resultados concretos com a

otimização dos esforços, deixando por lado todos os idealismos e o retrato

estereotípico de interventismo absoluto e sem juíço que os Estados Unidos têm

ganho ao longo dos anos.280

São muitos os pesquisadores que dão por certa uma viragem para uma política de

espera e avaliação, e um abandono do interventismo, baseando-se não ainda na

disposição do exército no Ártico, que, como iremos tratar, irá ser ampliado

significativamente, mas na atitude mostrada na reorganização dos exércitos em zonas

de operatividade considerada mais urgente, como por exemplo o Médio Oriente e a

Ásia central.281

Naquelas zonas, após a intervenção inicial oficialmente finalizada à deconstrução de

regimes ditatoriais e à proteção contra eventuais armas de destruição maciça, os

Estados Unidos estão a operar ações movidas por um sentido de supremacia

idealística, juxtaposta aos interesses económicos sempre presentes nas ações de

política militar norte-americana dos últimos anos.

De qualquer forma, não seja entendido que esta nova projeção ao pragmatismo

signifique com certeza uma atitude assertiva. Pragmatismo é traduzível com espera e

avaliação, e não com passividade e fraqueza de intenções. Os Estados Unidos

mantêm-se intensos substenidores da própria grandeza, especialmente agora que esta

pulsão foi explicitada pela política do recém-eleito Presidente.

A análise operada pelos expertos da questão baseia-se na – inicial e ainda não

particularmente significativa – intervenção do governo face ao número de unidades

operativas no Ártico da marinha militar, em fase de crescimento e de reorganização

logística. É sempre James Kraska que ilustra a situação considerando como a

280 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4

281 Ibidem

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estratégia norte-americana em relação à questão ártica estaria-se a revelar projetada

para um potenciamento dos recursos humanos e militares na área. 282

Ele explica como:

“...the U.S. Navy is likely to grow, so there may be a greater subsurface

(Submarine) presence in the region, but not markedly”283

e portanto a proteção do Ártico em termos de presença de militares na zona é uma

possível realização das intenções do novo Presidente, ajudando os pesquisadores na

leitura dos futuros horizontes no equilíbrio entre as entidades envolvidas na questão.

Aqui intervém também Ron Huebert, que tenta ampliar a problemática aos outros

acordos militares que, como visto, estão em processo no Ártico. Uma política de re-

enforço bélico pode potencialmente levar a uma nova condição de isolamento,

exatamente como aconteceu pelos Russos por causa da mesma intensão de fortificar

a presença do exército na zona, com consequências significativas para a manutenção

de acordos precedentes com as outras entidades nacionais envolvidas.284

Lembramos como os Estados Unidos tenham criado um frente único de proteção de

área com a colaboração do governo do Canadá, igualmente exposto ao risco de

ataques e de incursões por parte da contropartida eurasiática, levado à sua realização

graças à ação do NORAD. O sistema em consideração aqui é de natureza binária, e

portanto um desequilíbrio levado por novas políticas bélicas de uma das duas

entidades irá com certeza afetar também a atitude do outro estado parceiro, o qual já

está a dar mostra de um certo cuidado e de uma atenta avaliação em relação às

disposições que irão partir por Trump e pelos generais do exército estadounidense.

Relativamente a isto, Huebert afirma que:

282 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4

283 Kraska, James, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,

13-01-17, pp. 4-5

284 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.5

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“More U.S. isolationism in this context might mean building up the borders in

the region. It is something Canada is watching closely and it will have direct

repercussions for the U.S.-Canadian relationship in NORAD.”285

introduzindo também a problemática da criação de novas fronteiras no Ártico, com

maior dificuldade de comunicação entre os dois pólos operativos do exército

conjunto que pode com muita probabilidade levar os Estados Unidos a permanecer

isolados pelo estado parceiro – e, consequentemente, pelos outros estados do A-5 –

com uma possível, se bem ainda não provável, disjunção do NORAD e

reorganização do inteiro frente norte-americano.

Analisando a presença do exército norte-americano, de facto, o Alasca tomado

separadamente já mostra uma certa auto-suficiência em termos de potencial

defensivo e de perlustração de área. Quanto aos submarinos, os Estados Unidos

mostram com orgulho a maior flota do mundo quanto a unidades e potência bélica.286

Portanto, como conclui a sua análise o professor Huebert:

“Depending on how you measure it, the U.S. already has a hefty military

presence in the Arctic. […] The Americans maintain a very substantial air base in

Southern Alaska – mostly oriented towards Asian issues, but it is still an Arctic

base.”287

e, sobre a natureza destes recursos militares:

“They also have their key anti-ballistic missile intercepts sites in Alaska, at Fort

Greely. Finally, they have the world’s largest submarine attack fleet – something

that is very difficult to get a hand because it is so secret”.288

285 Huebert, Ron, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,

13-01-17, p.5

286 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.5

287 Huebert, Ron, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,

13-01-17, p.5

288 Idem, ibidem

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por esta razão então os Estados Unidos não têm motivos para temer esta condição de

isolamento sob um ponto de vista bélico, deixando de lado as consequências

potencialmente mais incidentes sob um ponto de vista diplomático.

A situação fica na mão do Congresso. Esta istituição, de momento, encontra-se na

condição ideal de ser constituida por uma maioria Republicana, permitindo assim

uma maior rapidez em termos de tempos de resolução e ação. É estimado porém que

Congresso não tenha a intenção de revisionar e alterar o budget destinado ao exército

em missão na calota ártica, pelo menos de momento, apesar de ter este poder. Trump

considera a sua flota já bastante poderosa e auto-suficiente sem intervenções

imediatas, e pretende virar a sua atenção para potenciar seções do seu exército em

zonas em que se encontra em condição de maior operatividade, na espera de uma

resolução da situação de tensão de novíssima fatura com o governo da Coréia do

Norte, a qual poderia revolucionar as disposições governativas em termos de

reorganização do exército e aumento dos recursos financeiros destinado a uma ou a

outra secção.289

O que, em todo caso, iremos considerar sobre a posição de Trump na complexa

interface de reivindicações e tomadas de posição que é o Arctic Council, é que o

Presidente norte-americano seja maiormente orientado para uma política introvertida,

professando uma atitude pragmática e atenta face às questões de divergência e às de

colaboração, promovendo uma revisão básica da organização do exército forte de

uma flota autosuficiente e do suficiente poder político.

O Canadá, com cuidado para a sobrevivência do NORAD, está em fase de

observação. A fechadura das linhas de comunicação coloca-lo-á, paradoxalmente,

numa posição mais próxima às dos outros estados do A-5, com a excepção da

Federação Russa, a qual no outro lado promove um outro tipo de isolamento, com

raizes históricas e ideologias diferentes.

O que resta verificar, para concluir a análise do futuro imediáto da questão ártica,

portanto, é como o A-5 e o Arctic Council se proporão relativamente às intervenções

de Donald Trump no âmbito da militarização, sem esquecer as variações de

289 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4

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polaridade levadas pela questão ecológica e pelos interesses económicos, em que a

Federação Russa permanece ator principal.

Será o sistema binário russo-americano, com o desenvolvimento da propria nova

política de contato, a alterar os equilibrios do A-5, ou pelo contrário revelar-se-á um

evento de polaridade oposta, em que os estados do A-5 tomarão um partido ou o

outro, desenhando assim a nova tendência diplomática da questão ártica?

3.2.2 Os horizontes possíveis

O que o Presidente Donald Trump irá provavelmente lançar às entidades

governativas que formam o inteiro Arctic Council é um desafio. Ele nunca excluiu a

possibilidade de uma colaboração produtiva com os parceiros desta associação, mas

com caraterísticas pessoais que ele tenterá impor aos outros Presidentes, à espera das

respostas e na avaliação das consequências.

Tendo em consideração como o Presidente norte-americano tem desenhado desde

sempre a sua linha política, ou seja, uma série de escolhas e de decisões finalizadas à

inversão de tendência relativamente a quanto Obama tinha construido, não é difícil

pensar que este tipo de atitude se verificará também no âmbito Ártico, cuja situação,

como visto, tem caraterísticas peculiares que se irão refletir na história do futuro

próximo da região e das suas instituções.

Enquanto, de fato, Barack Obama e, antes dele, já George W. Bush tinham definido

uma imagem dos Estados Unidos no Ártico que os ilustrava como líderes do grupo

sem reivindicação de liderança, e como pioneiros de atividades cooperativas acerca

das problemáticas ecológicas – o problema do aquecimento climático junto ao do

degelo da calota em termos de perda de território para as povoações indígenas - , o

novo Presidente irá garantir uma sistemática discussão no interno do Arctic Council

apenas através da sua própria ideia de multilateralismo, que se traduz num

multilateralismo hierárquico, que prevê uma certa autonomia decisional por parte de

todas as entidades, inclusive os Estados Unidos, os quais tenterão cuidar dos próprios

interesses sem procura de aprovação coletiva, pena um afastamento gradual do

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sistema de colaborações e o isolamento, perspetiva já considerada seja por Trump e o

seu governo, seja pelos outros membros parceiros.290

Ele aceitará a opinião e as considerações dos outros Estados só se compreenderem

uma atenção cuidadosa aos interesse do Alasca e uma política de protecionismo para

a extração dos recursos, coisa que, como sabemos, não reflete totalmente a opinião

das outras partes em questão, especialmente da Rússia, vista a sua pulsão à liderança

e os seus movimentos de militarização maciça ainda agora operativos no Ártico.291

Ron Hurbert nos explica que:

“Trump has made no secret of the fact that he wants to reverse as much as

possible of what Obama has achieved, and it’s quite clear that he does not support

the idea of multilateralism for multilateralism alone.”292

E, em função disto, conclui declarando que o Arctic Council aceitará uma

continuação ativa do trabalho começado com Obama apenas no caso em que:

“...it is not going to have that American support and input that really had come

to energize the organization under Obama.”293

pedindo então uma filosofia de continuação em vez das perspetivas revolucionárias

ameaçadas por Trump.

Aparece bastante claro como haja uma divergência opinacional muito grande. O

multilateralismo que Trump propõe tem semelhança mais com uma forma de

federalismo Ártico internacional e multipolar, com autonomias definidas e lideranças

alcançadas pelos resultados económicos, mais do que pela autoridade obtida no

campo da investigação e dos estudos ecológicos, deixando também por trás o

prestígio nacional de raizes históricas, que os Estados Unidos já têm.

290 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.5

291 Ibidem

292 Huebert, Ron, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis,

13-01-17, p.5

293 Ibidem

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No caso em que, portanto, o Arctic Council resolver não aceitar esta nova visão

imposta por Donald Trump, o fato irá desencadear uma reação em cadeia que tem

risco de levar o equilíbrio fraco da calota ártica para duas possíveis realizações, que

se revelarão as duas mais prováveis conclusões desta última fase diplomática.294

A primeira resolução da problemática seria a mais vantajosa para os Estados Unidos.

Os Estados árticos podem aceitar esta nova filosofia multilateral, com o apoio de

uma Federação Russa já orientada para uma autonomia operacional e os outros

Estados obrigados a aceitar uma nova fase de fraqueza no campo da cooperação,

virando a própria atenção para os interesses pessoais e reforçando a defensa da

própria porção territorial e das operações extrativas em processo naquelas áreas.295

Este cenário ilustraria uma extremização do conceito do multilateralismo, em que

cada Estado recusa contatos com os outros – com a excepção de colaborações de

caráter puramente económico, sem procurar acordos políticos e mediações – e as

disposições de extra-territorialidade das áreas estratégicas nas novas rotas formadas

no oceano Ártico são mantidas tais, sempre à espera dos novos pedidos de

reivindicação territorial a que, lembramos, não podem participar mesmo os Estados

Unidos.

Mas a hipótese mais provável é a que prevê uma virada por trás dos outros Estados

do A-5, afastando os próprios interesses voltados para a cooperação dos Estados

Unidos e das suas veleidades de autonomia, mas mantendo uma união, e também,

reforçando a própria vontade de trabalharem juntos, apesar da presença dos Estados

Unidos – sempre bastante marginais na questão Ártica, e tolerando a atitude ambígua

dos Russos, que também são orientados para uma política mais autónoma mas que,

como já tratado, de vez em quando mostram uma certa aproximação, especialmente

em termos de diplomacia, para evitar choques absolutamente não convenientes

naquela zona, de caraterísticas territoriais difíceis para uma ação bélica e de

exposição ao inimigo demasiado extendida e vulnerável.296

294 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4

295 Ibidem

296 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4

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Os Estados Unidos devem ter previsto este cenário, tanto que de momento ainda

mantêm uma atitude de baixo perfil quanto a enfrentar questões sobre o Ártico, e este

não é um caso.297 A opinião pública estadounidense – mas também mundial – tem o

seu papel nesta manobra: os protestos para a proteção do ambiente, vista a vontade

de Donald Trump de voltar à produção de energia através da combustão do carvão298,

já tiveram a certa ressonância até aos planos altos da Casa Branca.

Ele, de momento, tem de assegurar que a sua imagem política mantenha o respeito

suficiente para justificar ações bélicas não condivisíveis por todos, veja-se a série de

ameaças ao governo da Coreia do Norte, assim como os problemas de política

interna, último dos quais a demissão do chefe do FBI James Comey devido ao seu

envolvimento no escândalo Russiagate.299

Considerado isto, não pode insistir de maneira exagerada na questão ambiental, e

embora seja previsível qual será a sua posição sobre os pedidos de salvaguarda do

ambiente ártico contra a exploração excessiva dos seus recursos, de momento

mantém-se na sombra, impondo a própria visão política mas ainda não promovendo

publicamente nenhuma decisão relativamente a isto.300

Analisados agora os dois possíveis resultados desta atitude inicial do novo curso

político dos Estados Unidos, é preciso focar a atenção em qual será a resposta da

Federação Russa, vista não apenas a atitude que tem sempre mostrado em relação ao

Ártico, mas também a posição ideológica mais favorável ao lado político de Trump

respeito à acérrima adversária política que riscava de ser eligida em seu lugar, ou

seja, Hillary Clinton.

Путин301 recebeu declarações de simpatia e apoio político pelo recém-eligido

Presidente Trump em diversas ocasiões, dando clareza sobre o fato que considera o

297 Ibidem, p.6

298 F.Q., Trump riporta gli Stati Uniti al carbone. Firma decreto anti-politiche ambientali e annuncia:

“Minatori di nuovo al lavoro”, il Fatto Quotidiano, mondo, 28-03-17, p.1

299 Collinson, Stephen; Zeleny, Jeff; Diamond, Jeremy, Trump fires FBI director James Comey, CNN

Politics, 10-05-2017, pp. 1-3

300 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.6

301 Russo: “Putin”

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novo chefe de Estado dos Estados Unidos um interlocudor muito mais favorável do

que foi Obama e, principalmente, do que podia ter sido Hillary Clinton.302

Como já visto, os dois Estados não apresentam uma união de intenções exatamente

contígua. Permanece o problema ecológico – para manter a atenção apenas no âmbito

ártico, sem mencionar os diversos pontos de divergência na política externa que estão

sujeitos ao clamor público – e irão-se enfrentar outras questões de direito

internacional, vista a expansão tão rápida da joint-venture entre a Exxon Mobil e a

Роснефт303 e a posição agora extremamente favorável de Tillerson na rede política

das duas superpotências.304

Porém, Moscovo dá ideia de ser optimista face à iminente realização política da

administração de Trump. Por um lado, a figura de Max Tillerson como figura-chave

para a aproximação das duas partes parece confiável para ambos os governos, e por

ele passarão todas as disposições relativamente aos contatos diplomáticos que se

verificarão no próximo futuro entre as duas potências mundiais305 - veja-se

relativamente a isto a descrição oferecida por Valery Konišev desta figura de

importância crucial para as relações entre Estados Unidos e Federação Russa:

“He has experience in cooperation, no Russophobia, no ideological blinkers

when making decisions”306.

Pelo outro, a elite política da Federação Russa tem expetativa de um comportamento

construtivo por parte dos Estados Unidos no âmbito das relações com a contropartida

eurasiática. E isto traduz-se com uma diminuição sensível da Russofobia entre os

cidadãos norte-americanos, criada – substêm – pela máquina mediática na mão dos

302 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.6

303 Russo: “Rosneft”

304 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.6

305 Ibidem

306 Konyšev, Valery, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct,

Analysis, 13-01-17, p.6

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Democratas na última fase do governo de Barack Obama, e com uma nova relação

constuida sobre bases mais pragmáticas e orientadas para o proveito comum.307

A primeira demonstração da veracidade destas observações poderia potencialmente

ser esta tão esperada revisão das sanções impostas por Obama ao governo russo.

Todos, no Kremlin, estão à espera de uma intervenção definitiva do Presidente norte-

americano para cancelar esta dívida e reforçar a economia Russa em função de

futuras colaborações em zonas de interesse financeiro, primeira entre todas

permanece a calota ártica.

Trump e Путин308 comportam-se e vêem-se um ao outro como dois businessmen de

grande racionalidade e de visão pragmática e longimirante.309 Isto deixa pensar que,

contrariamente a quanto as outras entidades do A-5 ameaçam fazer, ou seja, criar um

subgrupo em cooperação contra a maior autonomia alcançada pelos Estados Unidos,

Путин310poderia aproveitar desta nova figura de não discutível potência e da sua

confiança em termos políticos, criando uma nova estrutura binária que seja

consistente e estável, e de qualquer forma, se contraponha ao outro pólo do A-5, até à

realização de um verdadeiro cisma.

Apesar de todas estas considerações, em todo caso, o futuro continua incerto. À

questão ecológica juxtapõe-se a questão militar, que tem que ser enfrentada e

resolvida entre as duas entidades envolvidas com um diálogo que seja aberto e

razoável.311

Os expertos russos permanecem prudentes sobre esta questão. O quantitativo

excessivo de recursos bélicos por um lado e pelo outro preocupam as corporações

militares das duas superpotências, com atenção particular para as declarações de

Donald Trump sobre a defesa global para os mísseis, inclusive nas bases do

307 Idem, ibidem

308 Russo: “Putin”

309 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.7

310 Russo: “Putin”

311 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.7

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Ártico.312 Do outro lado, os Estados Unidos têm mostrado desde sempre uma certa

intolerância face ao excessivo contingente militar finalizado à defesa do Ártico russo,

vista a falta de choques bélicos e a série de provocações recebidas pelos generais da

Federação Russa.313

Em todo caso, não parece existir uma preocupação tal que pode evitar o contato entre

estas duas entidades, cujos interesses comuns no Ártico são muitos e cujas ideologias

políticas são suficientemente contíguas.

Konyšev declara através do jornal Russia Direct que:

“Moscow had concerns about some of Trump’s campaign advisors’ declaration

on global ballistic missile defense, including its Arctic component. […] Moscow is

not expecting military escalation with the U.S. in the Arctic”314

pondo particular énfase no fato que uma eventual intervenção relativa a um

crescimento significativo das unidades bélicas norte-americanas no Ártico não seria

interpretada pelos expertos russos como uma ameaça de agressão militar, mas mais

facilmente como uma direta consequência dos benefícios da nova política económica

de Donald Trump, na porção continental do País e também na apéndice ártica.315

Finalmente, esta nova situação económica esperada pelos expertos russos poderia

levar a consequências favoráveis também sob o ponto de vista da divergência de

visão relativamente à situação ambiental da calota. Embora a administração de

Donald Trump se tenha mostrado relutante para concretizar um plano de proteção

ecológica na sua porção de Ártico, como o risco de criar novas tensões no já

comprometido equilíbrio da questão ártica, a convergência dos interesses políticos e

económicos acabará provavelmente por restaurar um certo diálogo também sobre as

divergências, com a criação de uma nova estrutura de trabalho comum que permita

312 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.7

313 Ibidem

314 Konyšev, Valery, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct,

Analysis, 13-01-17, p.7

315 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.7

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ao governo Russo garantir algumas condições ecológicas sem que estas afetem os

interesses económicos dos estadounidenses.316

A Federação Russa e os Estados Unidos, portanto, têm a ocasião de re-juntar as

forças contra uma oposição comum dos outros membros do Arctic Council,

especialmente os observadores da União Europeia, e convergendo na figura de Max

Tillerson poderão construir um novo equilíbrio bipolar que acabará por alterar

definitivamente a hierarquia do Ártico, com consequências na ecologia, na economia,

na política e na etnografia regional.

316 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4

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Conclusão

Como podemos ver , o futuro da região ártica é imprevisivel. Ainda não são claras as

vontades do Presidente norte-americano em relação à gestão da questão ártica, como

se fosse uma problemática de interesse menor – coisa que, como visto e ampliamente

analisado, não é.

Enquanto o presidente Путин317apresenta-se como o representante das vontades de

um povo inteiro e completamente identificável com o ártico, e portanto cuida dos

interesses do seu povo em maneira pouco constante mas fortemente polarizada à

conservação das próprias áreas de extração e a assegurar ao seu País uma maior

porção esplorável de Ártico possível, o outro presidente, Donald Trump, constrói

umas primeiras re-definições dos antigos acordos graças a figuras de caratura política

importantes, dando impressão de preferir os aspeitos comerciais às questões

ecológicas, muitas vezes em contraposição direta.

O que é previsível é que, vista a tendência de ambos os Presidentes ao

enrequicemento económico e à supremacia territorial, as duas figuras terão interesse

em manter um relacionamento sereno e produtivo, que os levará com quase total

certeza à liderança diarquica na zona ártica.

Pelo outro lado, as entidades do A-5 não envolvidas neste processo terão que

trabalhar para manter um equilíbrio geopolítico aceitável, vista a presença marcante

destes dois colossos.

Com certeza, o cenário ártico representará a nova fronteira dos equilíbrios

geopolíticos mundiais, e a importância das decisões tomadas pelas figuras

decisionais é crucial. Somente o tempo nos oferecerá ulteriores informações para este

puzzle geopolítico, e revelará se estas previsões, embora já tenham bases analíticas

consistentes, se realizarão ou desenharão uma história política diferente e imprevista.

317 Russo: “Putin”

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ANEXO

Declaração de Ilulissat

THE ILULISSAT DECLARATION ARCTIC OCEAN CONFERENCE ILULISSAT, GREENLAND, 27 – 29

MAY 2008 At the invitation of the Danish Minister for Foreign Affairs and the Premier of

Greenland, representatives of the five coastal States bordering on the Arctic Ocean – Canada,

Denmark, Norway, the Russian Federation and the United States of America – met at the

political level on 28 May 2008 in Ilulissat, Greenland, to hold discussions. They adopted the

following declaration: The Arctic Ocean stands at the threshold of significant changes. Climate

change and the melting of ice have a potential impact on vulnerable ecosystems, the

livelihoods of local inhabitants and indigenous communities, and the potential exploitation of

natural resources. By virtue of their sovereignty, sovereign rights and jurisdiction in large areas

of the Arctic Ocean the five coastal states are in a unique position to address these possibilities

and challenges. In this regard, we recall that an extensive international legal framework applies

to the Arctic Ocean as discussed between our representatives at the meeting in Oslo on 15 and

16 October 2007 at the level of senior officials. Notably, the law of the sea provides for

important rights and obligations concerning the delineation of the outer limits of the

continental shelf, the protection of the marine environment, including ice-covered areas,

freedom of navigation, marine scientific research, and other uses of the sea. We remain

committed to this legal framework and to the orderly settlement of any possible overlapping

claims. This framework provides a solid foundation for responsible management by the five 2

coastal States and other users of this Ocean through national implementation and application

of relevant provisions. We therefore see no need to develop a new comprehensive

international legal regime to govern the Arctic Ocean. We will keep abreast of the

developments in the Arctic Ocean and continue to implement appropriate measures. The

Arctic Ocean is a unique ecosystem, which the five coastal states have a stewardship role in

protecting. Experience has shown how shipping disasters and subsequent pollution of the

marine environment may cause irreversible disturbance of the ecological balance and major

harm to the livelihoods of local inhabitants and indigenous communities. We will take steps in

accordance with international law both nationally and in cooperation among the five states

and other interested parties to ensure the protection and preservation of the fragile marine

environment of the Arctic Ocean. In this regard we intend to work together including through

the International Maritime Organization to strengthen existing measures and develop new

measures to improve the safety of maritime navigation and prevent or reduce the risk of ship-

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based pollution in the Arctic Ocean. The increased use of Arctic waters for tourism, shipping,

research and resource development also increases the risk of accidents and therefore the need

to further strengthen search and rescue capabilities and capacity around the Arctic Ocean to

ensure an appropriate response from states to any accident. Cooperation, including on the

sharing of information, is a prerequisite for addressing these challenges. We will work to

promote safety of life at sea in the Arctic Ocean, including through bilateral and multilateral

arrangements between or among relevant states. The five coastal states currently cooperate

closely in the Arctic Ocean with each other and with other interested parties. This cooperation

includes the collection of scientific data concerning the continental shelf, the protection of the

marine environment and other scientific research. We will work to strengthen this

cooperation, which is based on mutual trust and transparency, inter alia, through timely

exchange of data and analyses. The Arctic Council and other international fora, including the

Barents Euro-Arctic Council, have already taken important steps on specific issues, for example

with regard to safety of navigation, search and rescue, environmental monitoring and disaster

response and scientific cooperation, which are relevant also to the Arctic Ocean. The five

coastal states of the Arctic Ocean will continue to contribute actively to the work of the Arctic

Council and other relevant international fora.

Ilulissat, 28 May 2008