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Pesquisa qualitativa
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB
MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTO E TECNOLOGIAS
APLICADAS EDUCAO - GESTEC
REA 2: PROCESSOS TECNOLGICOS E REDES SOCIAIS
TEMTICA: ENSINO DE HISTRIA E JOGOS DIGITAIS
DISSERTAO DE MESTRADO
Trsio Roberto Lopes Macedo
GAMES COM NARRATIVA HISTRICA COMO DISPOSITIVO DIGITAL
PARA MEDIAO DE EXPERINCIAS FORMATIVAS EM ENSINO DE
HISTRIA: UMA PESQUISA COM O JOGO GAME OF THRONES -
RPG
Salvador
2013
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB
MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTO E TECNOLOGIAS
APLICADAS EDUCAO - GESTEC
REA 2: PROCESSOS TECNOLGICOS E REDES SOCIAIS
TEMTICA: ENSINO DE HISTRIA E JOGOS DIGITAIS
DISSERTAO DE MESTRADO
GAMES COM NARRRATIVA HISTRICA COMO DISPOSITIVO DIGITAL
PARA MEDIAO DE EXPERINCIAS FORMATIVAS EM ENSINO DE
HISTRIA: UMA PESQUISA COM O JOGO GAME OF THRONES -
RPG
Dissertao apresentada ao Programa de
Ps-graduao GESTEC, Universidade do
Estado da Bahia (UNEB), como requisito
para a obteno do grau de Mestre em
Gesto e Tecnologias Aplicadas
Educao.
Autor: Trsio Roberto Macedo Orientadora: Profa. Dra Lynn Alves
Salvador
2013
FICHA CATALOGRFICA
Sistema de Bibliotecas da UNEB
Bibliotecria: Jacira Almeida Mendes CRB: 5/592
Macedo, Trsio Roberto
Games com narrativa histrica como dispositivo digital para medio de experincias formativas
em ensino de histria: uma pesquisa com o jogo game of thrones RPG/ Trsio Roberto Macedo . -
Salvador, 2013.
109f.
Orientadora: Lynn Alves.
Dissertao (Mestrado) Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educao. .
Campus I. 2013.
Contm referncias e apndices.
LISTA DE ABREVIATURAS
GESTEC Mestrado Profissional em Gesto e Tecnologias aplicadas a Educao
GURPS - Generic Universal RolePlaying System
GSA Gaming Security Agency
PPGEduc Programa de Ps-graduao em Educao e Contemporaneidade -
UNEB
RPG Roleplaying Game
UNEB Universidade do Estado da Bahia
UFBA Universidade Federal da Bahia
H algo no uivar de um lobo que tira um
homem do seu aqui e agora e o deposita
numa floresta escura da mente, correndo nu
frente da matilha.
George R. R. Martin
AGRADECIMENTOS
Aos meus alunos que, comigo, possibilitaram essa aventura heurstica e formativa.
professora Lynn Alves, por ter me acolhido, compreendido minhas singularidades
e pelas orientaes sbias e pertinentes.
Aos meus pais Roberto e J, meus irmos Igor e Michele e meu cunhado Uzile pelo
apoio amoroso.
s minhas professoras Tnia Hetkowski, Lcia Franca Rocha e, especialmente,
Maria Antonieta Tourinho, pessoas indispensveis para toda a minha itinerncia
formativa que me trouxe at aqui.
Ao amigo e colega Scrates Melo, por ter me acolhido na sua residncia quando
estudante de graduao e pelas ricas experincias conjuntas no entretecimento entre
o RPG e a formao em histria.
Aos professores do GESTEC pela luta para construir um programa de Mestrado
Profissional de relevncia em condies to adversas.
Aos colegas Grimaldo, Claudia e Nohara, pessoas que dividiram comigo essa
caminhada e concluem esse ciclo como pessoas inesquecveis.
Vanessa que, nesses dois anos, de amiga se tornou namorada, de namorada se
tornou noiva e companheira nesse caminho difcil e maravilhoso do formar-se a
dois.
Aos gestores do Colgio Batista Brasileiro pela possibilidade concedida de realizar
minha pesquisa nos seus mbitos e com seus alunos.
Aos pais dos meus alunos, pela confiana num professor de Histria que sonha com
um ambiente de ensino de Histria, acima de tudo criativo.
Ao grande Meistre Criador.
DEDICATRIA
Dedico essa dissertao a minha me, J Macedo, que at hoje me cuida com o
mesmo amor incondicional que me concebeu e me cuidou no seu ventre.
SUMRIO
1 CAPTULO I - ARGUMENTOS INTRODUTRIOS ........................... 11
1.1 O mtodo ...................................................................................................... 17
1.2 Organizao da dissertao .......................................................................... 18
2 CAPTULO II - FORMAO EM HISTRIA E JOGOS DIGITAIS 20
2.1 Ensino de Histria, educao histrica no contexto da pesquisa ................. 21
2.2 A articulao com o cotidiano ...................................................................... 22
2.3 A emergncia da memria ............................................................................ 22
2.4 A configurao do tempo ............................................................................. 24
2.5 Problemas para ensino do feudalismo no ensino bsico ............................... 25
2.6 Apropriao de educao histrica ............................................................... 29
2.7 Consideraes sobre formao e experincia formativa no fenmeno da
educao histrica ........................................................................................ 30
2.8 A experincia formativa ............................................................................... 32
3 CAPTULO III - O JOGO GAME OF THRONES: RPG, SUAS ESPECIFICIDADES EDUCACIONAIS E FORMATIVAS E O CONTEXTO DA PESQUISA .................................................................... 34
3.1 RPG e suas potencialidades educacionais .................................................... 37
4 CAPTULO IV - A OPO METODOLGICA E SUAS
SINGULARIDADES .................................................................................. 44
4.1 A observao participante no contexto da pesquisa ..................................... 49
4.2 A entrevista enquanto dispositivo de construo de fontes orais ................. 52
4.3 O dirio de campo ......................................................................................... 53
4.4 O grupo focal ................................................................................................ 55
4.5 O processo da pesquisa ................................................................................. 56
4.6 A anlise das informaes e compreenses .................................................. 59
5 CAPTULO V - A EXPERINCIA HERMENUTICA COM JOGOS DIGITAIS E FORMAO EM HISTRIA: UMA ABORDAGEM HEURSTICA E PROPOSITIVA ............................................................ 61
5.1 Interpretando informaes e compreenses ................................................. 62
5.2 A interpretao das compreenses histricas: jovens hermeneutas
contemporneos em narrativas histricas ..................................................... 63
5.3 Compreenso multirreferencial: a diferena no pede licena ..................... 74
5.4 Potencial imersivo da compreenso ............................................................. 76
5.5 Sntese conclusiva ......................................................................................... 79
6 CONSIDERAES CONCLUSIVAS E PROPOSITIVAS ................... 81
6.1 Trilhas propositivas ...................................................................................... 86
PROPOSIO E ESTRUTURAO DE OFICINAS.................................91
REFERNCIAS .........................................................................................101
APNDICES ..............................................................................................106
ANEXOS .....................................................................................................109
RESUMO
Games com narrativa histrica como dispositivo digital para mediao de experincias formativas em ensino de histria: uma pesquisa com o jogo Game of Thrones: RPG uma pesquisa sobre a busca de compreenso de como se configura a experincia compreensiva na formao em histria de alunos do ensino mdio, tendo como dispositivo virtual mediador de interpretao o Game of Thrones. Foram utilizados referenciais tericos implicados ao campo dos games, principalmente atravs de autores como Lynn Alves, Mateus Rocha, Espen Aarseth, Henry Jacoby. Na rea de ensino de histria Maria Antonieta Tourinho, Jaime Pinsky, Isabel Barca foram os principais autores trabalhados. No campo da etnopesquisa e da etnografia, Marli Andr e Roberto Sidnei Macedo fundamentaram a metodologia opcionada. Quanto a discusso sobre a formao como uma experincia irredutvel de sujeitos que aprendem, Marie-Christine Josso e Roberto Sidnei Macedo compuseram a centralidade do campo de estudo terico da pesquisa. A presente dissertao foi configurada por uma pesquisa qualitativa de inspirao etnogrfica, com anlise de contedos de base hermenutica. As concluses apontam para a emergncia de uma formao em histria singular, estruturada pela experincia com games, principalmente no que concerne aos modos de compreenso, ricos em imaginao e perspectivas multirreferencializadas, com densos processos de imerso e possibilidades problematizantes sobre a formao histrica na Escola Bsica. A partir das concluses da pesquisa, propomos o conceito de potencial formativo dos games em ensino de histria, a ser alcanado pela anlise do conjunto de compreenses via as experincias irredutveis de estudantes na aprendizagem de histria, mediados pelos jogos eletrnicos em contextos heterogneos.
Palavras-chave: games, ensino de histria, formao.
ABSTRACT
Games linked to historical account as a digital device for measurement of formative experiences in history teaching: a research with the Game of Thrones: RPG game is
a work on the understanding of how the comprehensive experience in high school
students history formattion works, having the Game of Thrones as a virtual device mediator of interpretation. It was used theoretical frameworks applied to the games field, such as Lynn Alves, Mateus Rocha, Espen Aarseth, and Henry Jacoby. In the
area of history teaching, the main authors worked are: Maria Antonieta Tourinho,
Jaime Pinsky, and Isabel Barca. In both ethnosearch and ethnography field, Marli Andr, and Roberto Sidnei Macedo underpin the chosen methodology. As for the
discussion on the formation as an irreducible experience of subjects who learn, Marie-
Christine Josso, and Roberto Sidnei Macedo compose the core of this researchs theoretical study field. This Master Thesis was designed with a qualitative-research-
based ethnographic comprised by a hermeneutical content analysis. The findings point
out the rise of a singular formation history structured by the gaming experience,
especially regarding to the modes of understanding, which are rich in both
multireferenced imagination and perspectives with dense immersion processes and
possibilities of problematizing the historical training in Elementary School. From the
research findings, we propose the concept of formative potential of games for history teaching to be achieved through the examination of the understandings set via students irreducible experiences in history learning mediated by electronic games in
different contexts.
Keywords: Electronic games. History learning. Educational formation.
11
CAPTULO I - ARGUMENTOS INTRODUTRIOS
12
Vale dizer, de incio, que a confluncia de interesses entre a problemtica da
aprendizagem em Histria e o jogo RPG aparece nas minhas preocupaes, como
professor de Histria interessado nas questes da educao histrica, a partir de duas
atividades que se encontram sem qualquer previsibilidade ou sistemtica. Optei,
durante as minha experincia ldica, desde a infncia, em intensificar a prtica e o
estudo do RPG. Formei grupos, viajei para jogos coletivos, procurei as atualizaes
fora da Bahia e do Brasil e descobri, neste jogo, o gosto pela prtica interpretativa
via personagens jogantes, em realidade, a sua centralidade. Como aluno do curso de
Histria da UEFS, encontrei comunidades de RPG. Nasce da, para mim, a relao
entre o RPG e a Histria, como um campo de densidade interpretativa importante
para construo da educao histrica. Esta relao foi me implicando, cada vez
mais, nas possibilidades de construo do conhecimento a partir dessa aproximao.
A partir do processo de convergncia descrito, chego a participar, junto com meu
colega Scrates Melo, de encontros universitrios em Histria onde a relao RPG e
ensino de Histria aparecem como tema de ensaios, ainda como construes de
graduao. (MACEDO e MELO, 2009)
Neste momento, defino-me e busco o que me foi implicando de forma mais
densa: formao em histria e jogos eletrnicos, onde a interpretao no seu sentido
amplo a centralidade enquanto experincia jogante. Essa uma sntese da minha
histria formativa e de pesquisador, que desejo, alis, continuar a construir e
expandir a partir dessa dissertao.
O entretecimento formativo entre a formao em Histria e RPG alarga e se
afunila com consultas a fontes internacionais, incluindo tambm o meu interesse em
estudar a relao com os jogos digitais com elementos de RPG, a partir da minha
aproximao com a Linha de Pesquisa Educao, Tecnologias Intelectuais,
Currculo e Formao do Educador do PPGEduc - UNEB e com o Grupo de
Pesquisa Comunidades Virtuais da Professora Doutora Lynn Alves.
J tomando como centralidade a construo do objeto deste trabalho, temos a
dizer que, dentro da prtica da formao histrica, a hermenutica como arte da
interpretao, caracterstica fundamental do RPG, tem um papel de grande
importncia a desempenhar. A partir do momento em que se narra um processo ou
acontecimento histrico, este se encontra sujeito s mais diversas (consensuais e
13
conflituosas), subjetivaes por parte das pessoas que os interpretam como esforo
de compreenso implicada 1 . A subjetividade dos sujeitos interpreta a histria
narrada a partir dos seus referenciais (significantes) e assim, as narra tambm da
maneira que a compreendeu. Essa compreenso varia de acordo com as
intencionalidades, que esto sujeitas ao que mais importante em um acontecimento
histrico, quem narra. Nestes termos, alm das qualidades das fontes histricas com
as quais o ensino de Histria deve lidar, importante ressaltar a qualidade dos
processos interpretativos e reflexivos que este ato de inteno formativa constri.
da intercrtica2 do exerccio interpretativo e reflexivo que as verdades histricas
podem emergir.
Em Boaventura de Souza Santos (1989, p. 13), temos que a reflexo
hermenutica torna-se, assim, necessria para transformar a cincia, de um objeto
estranho, distante e incomensurvel com a nossa vida, num objeto familiar e
prximo, que, falando uma lngua prpria, capaz de nos comunicar as suas
valncias e os seus limites, os seus objetivos e o que realiza aqum e alm deles, um
objeto que, por falar, ser mais adequadamente concebido numa relao eu-tu (a
relao hermenutica), do que numa relao eu-coisa (a relao epistemolgica), e
que, nessa medida, se transforma num parceiro de contemplao e da transformao
do mundo.
A partir de Santos (1989), possvel compreender como uma abordagem
histrico-antropolgica da tecnologia e da prxis humana, como fundamentos
dos processos formativos e educacionais, pode contribuir, sobremaneira, para essa
discusso. Lima Jr. e Hetkowski trazem uma anlise interessante, quando diz que
tecnologia um processo, no se limita assimilao e reproduo dos modos de
fazer (saber fazer), pr-determinados, estanques e definitivos. (LIMA JR,
HETKOWSKI, 2006, p. 29). Nesse processo, o homem usa do que est disponvel
ao seu redor para que possa alcanar objetivos. Dessa forma, ele alm de transformar
a realidade da qual participa, transforma a si mesmo. (2006, p. 29-30)
1 A implicao entendida como o processo pelo qual subjetivamos nossa relao com o mundo e, assim, nos vinculamos a tudo que nos envolvemos como experincia humana. 2 Um caminho estreito mas possvel de anlise do conhecimento no qual verdades parciais e valores institudos, caminhando ao encontro uns dos outros, dialogizam-se e dialetizam-se. (MACEDO, 2006 p. 49)
14
Rafael Capurro (2010) refora as afirmaes anteriores ao analisar a
reconstruo da hermenutica, para um entendimento sobre a contemporaneidade. O
desafio dos estudos hermenuticos, de acordo com o autor, perpassam em
compreender as transformaes em que a sociedade do sculo XXI est envolvida,
com o advento da cultura digital. Esse gnero de anlise se coloca em um caminho
distinto ao ato de extrair o sentido de um texto independentemente do ato de
interpretar. Capurro (2010) se referencia nas ideias de Gadamer e Heidegger, nas
quais interpretar um ato inerente existncia do ser humano. Assim, o autor coloca
que a hermenutica digital se define no cruzamento entre o intrprete e os
programas digitais, alm da sua hibridao com os processos naturais e os produtos
artificiais de seu contexto. Desta maneira, evidenciando o ser humano e sua relao
com a mquina como uma construo do mesmo e suas interpretaes no centro da
discusso.
A partir desse pressuposto, o ensinaraprender3 Histria se depara com o
desafio de mediar compreenso para formandos inseridos em sua poca, num
contexto educacional que no os favorece. Para Tourinho, deve-se valorizar
A busca de caminhos terico-metodolgicos para a construo de um processo de ensino e aprendizagem que possibilite a cada envolvido com o ensino da histria compreender-se como ser histrico e neste mesmo movimento (ou no) compreender a histria. (2004, p. 8)
Sobre o aspecto evidenciado por Tourinho, posso considerar, a partir das
ideias de Borges (2005), que o fazer da cincia histria est em fase de franca
transformao. Hoje, nos primeiros anos do sculo XXI, cada vez mais a perspectiva
de que uma obra de Histria uma construo do prprio historiador, como
dissemos anteriormente, se impe. Ele quem escolhe o seu objeto, escolhe como
vai trabalh-lo, exp-lo, num abandono da crena positivista em uma possvel
neutralidade, pelo distanciamento entre o historiador e seu objeto de estudo. Desse
modo, a construo de um processo de pesquisa-ensino-aprendizagem que abra
possibilidades de autocompreenso dos aprendentes como seres histricos e
potencialize uma compreenso sobre uma histria, concebvel. Possvel por no se
pensar mais a histria dos homens como algo absoluto, objetivo, ou seja, uma verso
verdadeira, nica, mas por se pensar de forma objetivada como um olhar 3 Grafar palavras suprimindo o hfen tem sido uma estratgia dos autores Nilda Alves (2001) e Roberto Sidnei Macedo (2006) quando essa supresso remete ao sentido de indissociabilidade.
15
historicizado sobre o passado. Sendo assim, alm da realidade ser algo inesgotvel,
cada investigao, cada nuance de olhar para o caminhar humano no tempo renova o
passado. Nesses termos, a histria se faz com documentos e fontes e, sobretudo, com
ideias e imaginao. Como o ofcio de historiador, nos fala Ricoeur (1994) que para
reconstruir os laos indiretos da histria com narrativas (dos documentos ao
imaginrio) se faz necessrio trazer luz a intencionalidade do pensamento
histrico pela qual a histria continua a visar obliquamente ao campo da ao
humana e sua temporalidade de base.
Nos jogos eletrnicos de contedos ou caractersticas histricas nota-se uma
densidade importante de caractersticas culturais e curiosidades prprias, que podem
ser usadas como dispositivo pedaggico para uma formao em Histria, a partir de
uma perspectiva hermenutica. Contudo, para alcanar grande vendagem, as
empresas produtoras chamam mais ateno para os grandes fatos, combates e alta
dosagem de violncia, por vezes cometendo graves erros historiogrficos,
principalmente o anacronismo. O interesse desse projeto , inclusive, na sua
perspectiva tambm propositiva, apontar caminhos compreensivos e qualificados
para o uso de jogos eletrnicos que esto voltados para a compreenso histrica da
perspectiva formativa no sentido da formao em Histria, de modo que
contribuam para uma melhor formao, no seu sentido mais amplo e profundo (em
termos tcnicos, tico, poltico, esttico e cultural). Para tal, os jogos no seriam
encarados como produtores de verdades absolutas, mas pensamos nestes como
dispositivos digitais que podem possibilitar, a partir de um processo de mediao
criticizante, uma compreenso da histria atravs de um meio que est bem prximo
do seu tempo e espao, dos seus processos de imaginao, no sentido de uma
implicao existencial cultural e poltica.
Os historiadores da Escola dos Anais nos ajudam a entender como se libertar
de uma concepo de histria que v o passado como uma mera reconstituio, num
organizar cronolgico e linear, ao passo que o erudito exuma arquivos. O objeto que
aqui se constitui no dado unicamente pelas fontes, mas pela construo do
pesquisador a partir das emergncias do tempo presente. Pensar em um game de
fantasia como fonte de anlise para a educao histrica analisar sua contribuio
16
para o entendimento do cotidiano da violncia na Idade Mdia, partindo do princpio
que toda fico contm, em sua construo, algum dado de realidade. Pensamos
que, inclusive, ajuda evitar assim, via a formao em histria, os perigos da
histrica nica. (ADICHIE, 2009)
No caso especfico do RPG (Role Playing Game, ou Jogo de interpretao de
personagens), tanto o eletrnico quanto o RPG de mesa4, por ser um jogo no qual se
interpreta algum inserido em um contexto de fico ou histrico, pode possibilitar
aos jogadores uma noo mais ampla do cenrio5 com embasamento histrico.
mais um meio, alis, por onde o aluno pode se sentir inserido na histria narrada,
compreender o cotidiano dessas histrias e fazer contrastes da sua posio, em seu
contexto, com a atividade ldica da qual participa.
Os RPGs histricos podem, assim como os games, ser considerados
potencializadores de alguma aprendizagem significativa, ou seja, que produza
significantes social e educacionalmente relevantes. Chama ateno por serem, como
diz Gee, videogames6 voltados para uma boa aprendizagem. De acordo com ele,
estes, entre outros videogames, incorporam bons princpios de aprendizagem,
apoiados pelas pesquisas atuais em Cincia Cognitiva, ou seja, possibilita aos
alunos uma formao cognitiva relevante se analiso suas potencialidades. Neste
veio, a experincia dos games entram no campo do que posso considerar uma
aprendizagem enquanto formao, j que, segundo Macedo (2010), a formao
uma experincia e deve emergir sempre interpretada, valorada, do contrrio no
formao.
Diante deste cenrio formativo de incertezas, ambivalncias, inovaes,
rupturas e esperanas, constru as questes fundantes da minha problemtica, nos
mbitos do campo da formao histrica e sua relao com os games com aspectos
histricos:
Como se configura o processo de compreenso, como uma experincia
de formao em histria, e suas ressonncias propositivas para esse tipo de
4 O formato do Role Playing Game mais antigo, onde os jogadores interpretam personagens de forma semelhante ao cenrio de um teatro. 5 Contexto no qual os personagens/jogadores se encontram. Este pode variar de acordo com a narrao do mestre/narrador, variando tambm de cenrios, com base em lendas e filmes, at cenrios com grande fidelidade ao contexto contemporneo. 6 Denominao de Gee, entre outros autores, para jogos virtuais.
17
formao, quando se utiliza o jogo Game of Thrones: RPG, enquanto um
dispositivo virtual mediador de interpretaes?
Meu objeto de pesquisa, portanto, a experincia compreensiva na
formao histrica, tendo como dispositivo virtual mediador os elementos dos
games com aspectos histricos, configurado no jogo Game of Thrones: RPG.
Desta forma, tenho como objetivo geral da pesquisa, compreender como se
configura a experincia compreensiva na formao em histria de alunos do
ensino mdio, tendo como dispositivo virtual mediador de interpretao o
Games com aspectos histricos, tomando o dispositivo digital Game of
Thrones.
Os objetivos especficos foram assim configurados:
- destacar de forma fundamentada nas respostas s questes da pesquisa,
aspectos contributivos para formao em histria, levando em conta a
utilizao do game em pauta, como dispositivo virtual mediador de
interpretao.
- explicitar como se constri no campo interpretativo dos aprendentes, a
articulao com os saberes da sala de aula, num contraste com as
mediaes (in)formativas do jogo Game of Thrones: RPG.
1.1 O mtodo
No que concerne ao mtodo opcionado, utilizei um procedimento do tipo
etnogrfica (ANDR, 2002; GEERTZ, 1989), onde a descrio do fenmeno
estudado passa a ser um imperativo (MACEDO, 2000). Instaurei como dispositivo
de coleta de dados fruns de debates como experincia interativa e descritiva sobre a
experincia formativa vivida. Utilizei tambm observao participante, entrevista
semi-estruturada, grupo focal e o dirio de pesquisa 7 , como dispositivos de
descrio da realidade pesquisada. Esses so dispositivos que me possibilitaram
entrar na especificidade do meu objeto de pesquisa, que tem na compreenso
propositiva a centralidade do interesse da pesquisa. Quanto ao ato de compreender e
7 Concordando com Barbosa (2010), preferimos a adoo da expresso dirio por se apresentar prxima ao nosso imaginrio da escrita de nossos assuntos/temas pessoais, vivncias ou acontecimentos (p. 19) onde, tambm, queremos ir alm de uma escrita que se esgota nos limites de um dirio ntimo e pessoal (idem).
18
interpretar, argumentam e objetivam sugestes e possibilidades sempre coladas
contribuio heurstica da pesquisa.
Busquei um campo de pesquisa onde pude estudar uma experincia em
andamento de utilizao do RPG como dispositivo digital na formao histrica, ou
mesmo, posso organizar uma experincia com a presena deste dispositivo, com o
intuito de descrever/compreender/propor de acordo com os objetivos desta pesquisa,
que foi implementada com um grupo de oito8 estudantes de uma escola pblica do
ensino mdio, do segundo e terceiro anos. O ensino mdio foi por ns escolhido por
se tratar do locus onde desenvolvo nossa prtica pedaggica como professor de
Histria. Nestes termos, efetuo uma descrio densa (GEERTZ, 1989, p. 7) das
experincias em pauta. Ou seja, um procedimento descritivo minucioso de como se
apresentam as experincias aprendentes formativas dos estudantes envolvidos na
experincia pesquisada, como resultante do dispositivo organizado para mediar esse
processo.
Em termos de anlise, utilizei a anlise de contedo de base hermenutica
(MACEDO, 2000; BARBIER, 2004), buscando a coerncia epistemolgica da
proposta de pesquisa, com o recurso da construo de categorias para trabalhar com
a interpretao e a organizao do corpus emprico.
Apesar do jogo trabalhado no ser caracterizado por elementos formais da
escola, sua dinmica e seus enredos podem ser vistos pela educao com
possibilidades (in)formativas, como um dispositivo contemporneo de compreenso
que potencializa interpretaes instituintes para formao em histria. Essa uma
experincia que imagino trazer contribuies multirreferenciais, perspectivas
conjugveis nos seus complementarismos, mesmo que, em alguns mbitos,
contraditrias, para a compreenso contempornea da Histria via a formao nesse
campo do saber.
1.2 A Organizao da dissertao
No captulo I, denominado Argumentos introdutrios, procurei situar a
problemtica da dissertao a construo do objeto de pesquisa, bem como uma
sntese da sua abordagem metodolgica. 8 O nmero de estudantes da pesquisa se reduziu no caminhar do trabalho. Portanto, temos assim oito
alunos no incio da pesquisa
19
No captulo II, Formao em Histria e Jogos digitais, procurei
desenvolver uma discusso sobre formao histrica no contexto dos jogos digitais.
Nesse ponto do trabalho, comeo a construir uma ideia de potencial formativo dos
games a partir das teorias dos autores pertinentes.
No terceiro captulo, O jogo Game of Thrones: RPG e suas
especificidades educacionais e formativas e o contexto da pesquisa, ressalto
alguns pontos importantes que nos levaram a escolher o jogo e sua relevncia para o
caminhar da pesquisa.
No quarto captulo desenvolvo a Opo metodolgica da pesquisa, onde
trabalho a opo metodolgica pertinente ao trabalho.
No quinto captulo, A experincia hermenutica com jogos digitais e
formao em histria: uma abordagem heurstica e propositiva, apresento as
compreenses produzidas pela anlise das informaes veiculados pelos atores
sociais que colaboraram com a pesquisa, bem como as contribuies propositivas
construdas a partir dessas compreenses.
Nas consideraes conclusivas, apresento o pattern 9 compreensivo e a
propositiva que emergem da pesquisa, numa espcie de sntese globalizante do que
resultou todo o esforo de pesquisa como forma de respostas questo formulada.
9 Pattern, expresso usada pela etnometodologia, significando uma sntese compreensiva e globalizante a partir de um conjunto de informaes.
20
CAPTULO II - FORMAO EM HISTRIA E JOGOS DIGITAIS
21
2.1 Ensino de histria, educao histrica no contexto da pesquisa
Os argumentos inicias conciliam-se com as ideias de Tourinho (2004) que,
em sua tese de doutorado, dialoga com trs aspectos importantes para o estudo de
um ensino de histria onde os fenmenos, os inventos e contratempos de professores
e alunos nos espaos de formao so componentes centrais para o processo que
aqui estudamos.
Acredito com a autora, que a procura para se passar uma imagem de um
ensino de Histria no qual as pessoas lancem mo de seus conhecimentos prvios
potencializa o aprendizado e, nas palavras de Tourinho, evidencia que os estudantes
j conhecem diversos aspectos da Histria por associao com outros fenmenos do
cotidiano, alm de ter uma memria sobre as narrativas e fenmenos experienciados
que os ajuda a compreender os processos histricos, bem como o fato que liga os
dois ltimos, que o jogar com as idas e vindas no tempo.
Nesses termos, concordo com Tourinho ao perceber que muito das histrias
que queremos contar j estiveram, de alguma forma, presentes na vida desses
estudantes, eles apenas passaram pelo que importante, sem perceber o que
perceberam.
Cenrio medieval no jogo. Disponvel em: http://migre.me/eK6I4 . Acesso em: 25 de mai de 2013.
22
2.2 A articulao com o cotidiano
A partir do entendimento de cotidiano, penso que o empenho dos professores
deve estar em, constantemente, articular os processos histricos ao dia a dia dos seus
alunos. Assim, acredito ser uma postura de transformao da realidade do ensino de
Histria ainda impactado pelo tecnicismo e pelo positivismo, empenhar-me em
apresentar aos alunos maneiras de aprender, relacionada ao cotidiano em que
vivem.
Das experincias na disciplina Historiografia contempornea e experincias
no ensino de Histria, que cursei como aluno especial no programa de ps-
graduao da Universidade Federal da Bahia, com a professora Maria Antonieta
Tourinho, entendo que explicitar as aproximaes entre os contedos histricos e o
cotidiano dos participantes do processo de ensinaraprender tem sido um meio de
aproximao importante para as relaes entre passado e presente. O aprendente
tambm se sente mais prximo desse contexto quando fatos e processos discutidos
em histria tm um significado relevante para sua vida.
Dessas experincias, decidi, com a ajuda das sugestes da minha orientadora,
fazer um Grupo Focal com os alunos escolhidos para a pesquisa a partir das
entrevistas individuais que se seguiram experincia com os jogos. Observaes
relevantes, que veremos com mais profundidade no captulo de anlise das fontes,
revelam que o cotidiano na narrativa do jogo Game of Thrones: RPG ressaltado
como um dos grandes fatores para a potencializao do ensino de histria por parte
dos gamers. Aspectos como arquitetura e vestimenta detalhados no jogo, bem como
em outras narrativas que se relacionam, chamaram bastante a ateno dos atores
entrevistados. Mas, tambm existiram outros fatores relevantes no que concerne ao
aspecto multirreferencial das interpretaes, a memria situada e relacional surge
fortemente no imaginrio dos estudantes ao compreenderem aspectos histricos do
jogo.
2.3 A emergncia da memria
23
A memria se constri como segundo elemento central para a construo de
um discurso sobre as experincias interpretativas em ensino de histria com os jogos
eletrnicos. Essa memria, inclusive, tem um ponto importante a ser tratado pelo
fato dos games abordarem caractersticas acerca da mitologia, ressaltando as
diferenas entre fico e histria e na multirreferencialidade dessas memrias ao
tratar do jogo, mas sem afastar a importncia de outras narrativas para compor uma
compreenso histrica, inclusive a narrativa veiculada pela disciplina escolar.
Reconstruindo os modos de pensar dos povos da Antiguidade do Oriente
Prximo e Greco-romanos, entendo que todas as explicaes realizadas por esses
povos, ao que consideramos como o desconhecido, advinham do sobrenatural, do
discurso mitolgico, que no era, necessariamente, atrelado a uma lgica
considerada cientfica, de acordo com a maneira positivista de pensar.
No campo da Histria, os primeiros a disseminar informaes sobre povos do
passado na sociedade ocidental eram os que se apresentavam nas praas. Conhecidos
com aedos e rapsodos (ARANHA, 2006, p. 60) difundiam, atravs da oralidade,
histrias sobre os povos da regio da hlade nas praas pblicas das cidades-estados
gregas. Nessas histrias, homens, deuses e criaturas mitolgicas se relacionavam
para compor os cenrios. Mas, a partir do desenvolvimento dos saberes,
principalmente na matemtica e na filosofia, o mito comeou a perder lugar para o
logos, convivendo junto durante muito tempo, at que a lgica racionalista se
tornasse hegemnica.
Mas a Idade Mdia, que por conta do pensamento do movimento Humanista
e do Iluminismo francs se tornou uma poca onde imperou o caos e o
obscurantismo durante aproximadamente dez sculos, tambm mostra seus atrativos
em termos de histria e mitos associados. Os castelos, reis, rainhas e suas guerras
contra os brbaros infiis e outras criaturas sobrenaturais como drages e bruxas,
tambm so evocadas at os dias de hoje em forma de lendas traduzidas para as
diversas mdias, principalmente os games.
Grande razo para as lendas e contos medievais a restrio do
conhecimento promovida pela Igreja Catlica na poca, que vetava o direito de
aprender a leitura e a escrita a quase toda a populao, inclusive aos nobres. A
populao mais pobre, que somente podia ouvir as ameaas constantes dos
24
eclesisticos cristos de serem enviados ao inferno em caso de qualquer desvio s
leis de Deus, imaginava diversas possibilidades sobre o que habitava para alm do
mundo conhecido, que, em suma, para muitos dos servos, durante toda a sua vida,
no ia muito alm do territrio que compreendia o feudo em que vivia. A partir do
cenrio exposto, diversas ideias sobre o que existia para alm da floresta, at o que
existia quando o oceano acabava (visto que at a validao das teorias de Coprnico
acreditava-se que a Terra era plana) povoavam as mentes de boa parte da populao.
Hoje, essas mitologias (Greco-romana, nrdica, egpcia, europeia da Idade
Mdia, indiana, chinesa, japonesa, etc.) ainda povoam as mentes das pessoas com os
seus mistrios. Narrativas em todas as mdias, inclusive nos jogos eletrnicos, so
lanadas, a todo o momento, evocando caractersticas dessas pocas cercadas de
fascnio e lendas surpreendentes. Esses elementos so apropriados pelos jogos para
alcanar o imaginrio dos jogadores a procurar onde essas lendas nasceram de
verdade.
As mdias e o volume de informaes que os estudantes acessam diariamente,
por vezes para entender o porqu de algumas das suas narrativas favoritas se
constiturem como so, compem suas memrias, que considero interessante para a
discusso dos jogos eletrnicos (centrado na narrativa de Game of Thrones: RPG)
como elementos potencializadores de uma compreenso/formao histrica.
2.4 A configurao do tempo
Como terceiro aspecto importante e, na minha concepo, fator que d liga
rede de processos e relaes em que se fundamentam a histria, o tempo aparece
como aspecto principal para o nosso estudo. Tourinho (2004) ressalta que durante
suas experincias de ensino, ela percebeu que o cotidiano e a memria, trabalhados
dentro da dinmica do ir e vir do tempo, podem proporcionar, principalmente no
mbito da Educao Bsica, um abrir de possibilidades sobre a importncia da
compreenso do estudo da histria, na constituio de uma sintonia entre passado e
presente, que faa sentido na vida atual dos aprendentes. Concordo com o
argumento da pesquisadora, visto que acredito, a partir da nossa vivncia docente,
que o trabalho com esse ir e vir possibilita subsdios mais concretos para a
compreenso dos jovens em formao dos processos histricos.
25
A nossa grande preocupao, no que se refere ao caminhar do processo de
formao histrica, encontra-se com alguns questionamentos que norteiam o
argumento de Tourinho. Ao questionar como "possibilitar que um aluno de escola
pblica "viaje" da Salvador do sculo XXI para a Lisboa do sculo XVI e isso tenha
sentido na sua vida atual" (2004, p 21) e "como possibilitar que ele chegue prximo
de acontecimentos como a Revoluo dos Alfaiates, a Sabinada, a Revolta dos
Mals que, apesar de estarem to perto espacialmente, parecem to distantes dele"
(idem), nos identificamos com um problema que consideramos mais complexo, que
o trabalho com a Idade Mdia (e a prpria autora considera um tema mais difcil
de trabalhar em argumentos posteriores).
Mas, para trilhar esses caminhos, aceitamos o desfio proposto por Ricoeur,
que consiste em um processo de entretecimento do que o autor denomina de
explicao histrica e narrativa compreensiva. Cada uma discursa de um
determinado lugar, respectivamente: do discurso que se prope cientfico e da fala
advinda do fenmeno hermenutico. Para se reconfigurar o tempo, aceitando sua
relao com a narrativa, precisamos entender que se trata de uma obra conjunta das
duas categorias em que, entendendo os discursos dessa perspectiva, podemos chegar
percepo de que todo discurso sobre o tempo uma narrativa.
2.5 Problemas para ensino do feudalismo no ensino bsico
Se o trabalho com qualquer perodo da histria desafiador, trabalhar com o
Feudalismo ainda mais, pois, alm de ser um sistema complexo e diversificado no
tempo e no espao, no temos, em Salvador, referenciais significativos com os quais
os alunos tenham um mnimo de intimidade.
Entende-se, a partir da obras de Jos Rivair Macedo (2012) e Aranha (2009)
que a Idade Mdia foi vista pelos pensadores humanistas e, sobretudo pelos
iluministas, que esse tempo foi marcado por uma perspectiva cronolgica em
diversos campos do saber, sendo tambm conhecida como Idade das Trevas e A
noite dos mil anos. Uma era marcada pela opresso da Igreja Catlica sobre todos
aqueles que no seguiam seus preceitos e tentavam ir alm destes. Todavia, essa
perspectiva se originou em uma poca na qual o discurso racionalista, liberal e
26
anticlerical era essencial para questionar os pressupostos teocntricos elaborados
pelos representantes da Igreja, em prol da defesa do avano das luzes, da razo e
do progresso.
Acontece que, nos dias atuais, diversas pesquisas, a exemplo de Aranha
(2009) e Le Goff (2007) e Macedo (2012) demonstram que o medievo tinha diversos
traos originais em termos culturais, e essas pesquisas contriburam para que esse
ponto de vista fosse reavaliado. Contudo, ainda existe muito desse esteretipo
atualmente.
O trabalho no ensino de Histria na Educao Bsica com o perodo
medieval mais complexo tambm por ser uma poca que no distante em termos
temporais, mas que tambm longnqua em termos geogrficos. Se pensarmos em
termos de ligao cultural, o medievo muito distante da vida dos nossos alunos
pelo fato desse contexto no ter existido em nossa terra (dentro da concepo
histrica eurocntrica). Portanto, se no atentarmos para caractersticas histricas
que relacionem o perodo medieval com a nossa atualidade, recairemos num ensino
meramente decorativo.
De acordo com Macedo (2012, p. 110), o interessante perceber que, com
todas essas caractersticas que afastam os alunos dos estudos sobre a Idade Mdia,
esse mesmo obscurantismo medieval e suas lendas que atrai as massas. dessas
narrativas que saem criaturas da fantasia medieval, como magos e fadas, duendes e
elfos, drages, cavaleiros errantes e aventuras fabulosas. Isso explica, de acordo com
Jos Rivair Macedo:
O sucesso de jogos de videogame e de computador relativos s conquistas de territrios por prncipes guerreiros, com a ao de foras sobrenaturais de carter mgico. Em todos esses casos, a Idade Mdia constitui apenas um pretexto para a criao ficcional, a imaginao e o divertimento. (2012, p. 110)
Dessa forma, o autor diz que uma certa viso sobre o tempo histrico
retratado existe em nosso imaginrio por esse vis e questiona qual o papel da
escola, mediante a todo esse movimento e a pertinncia desse ensino no Brasil, que
no participou diretamente de uma experincia histrica propriamente medieval.
No que se refere aos livros didticos, em alguns deles ainda temos o tempo
medieval analisado de maneira simplria, atravs dos documentos oficiais, nesses
termos, revelando somente os marcos temporais da histria poltica dos grandes
27
nomes e datas, deixando a margem todas as outras pessoas que, em seu cotidiano,
fizeram parte da caminhada humana no tempo. Mesmo que os historiadores da Idade
Mdia entendam que categorias como feudalismo, sociedade feudal ou sistema
feudal sejam apenas conceitos para operacionalizar o estudo, nos livros didticos
aparece como se esse modus operandi fosse o nico praticado em toda a Europa,
sem variaes ou regionalismos, sugerindo que o advento da modernidade foi
consequncia direta da superao do obscurantismo feudal.
No campo das relaes, os livros escolares em geral trazem-nas engessadas
nas relaes entre o rei e os senhores feudais, e entre este com os servos. O rei
sempre como uma figura enfraquecida politicamente diante dos senhores feudais,
que detinham todo o poder na poca a todo momento oprimiam os servos, que nada
podiam fazer.
Jos Rivair Macedo (2012) pontua que no a inteno de sua pesquisa
necessariamente uma renovao conceitual e temtica a respeito do que se entende
sobre Idade Mdia no processo do ensinaraprender escolar. Ele compreende que
muito j se pesquisou, se discutiu e reavaliou em relao aos estudos medievais,
tanto no campo das macrorrelaes nacionais, quanto nas pequenas histrias
regionais. Mas tambm evidente que a histria da academia no precisa ser
necessariamente a mesma histria que se v nas salas de aula do ensino mdio.
Nesses termos, a partir de Macedo, entendo que a funo social da Histria em sala
de aula tem estatuto diferente do conhecimento erudito e acadmico, continuando a
estar ligado constituio da memria da nao, do Estado moderno e da
supremacia ocidental no mundo (2012, p. 112)
Em um argumento posterior no seu trabalho, concordo com Macedo ao falar
sobre a atualidade do legado cultural da Idade Mdia para os nossos jovens. De
acordo com esse pesquisador, a comunicao eletrnica e a informtica tm sido as
responsveis por to importante divulgao da Idade Mdia e dos estudos
medievais (2012, p. 118).
Para o ambiente especfico da sala de aula, lidando com os jovens do ensino
fundamental e mdio, penso que devemos adotar uma estratgia diferenciada em
relao s pesquisas e fontes primrias vistas na internet. No pensamento de Aranha
(2006), com o volume de informaes veiculada pelos meios de comunicao em
28
massa, amplia-se a perspectiva em termos de variedade de informaes,
potencializando a superao de alguns esteretipos.
Voltando ao pensamento de Tourinho (2004), considero que repensar a
linguagem tratada o essencial para entendermos os aspectos histricos da Idade
Mdia. Valer-se exclusivamente da linguagem escrita para entender a poca um
tanto estranho quando estamos falando de um tempo no qual nem mesmo nobres e
senhores feudais possuam a habilidade da escrita. Um caminho apontado por
Macedo (2012) explorar outras maneiras de comunicao que so mais apropriadas
para a poca, como as imagens e a oralidade. Acredito que nem sempre a
comparao atravs de semelhanas entre tempos histricos a melhor maneira de
se entender um processo ocorrido em uma poca anterior. Penso, assim como o
autor no seu trabalho, que uma anlise sob o vis do contraste ajuda muito na
compreenso das
[...] diferenas e a diversidade dos modos de vida dos seres humanos ao longo de outros perodos da Histria, em outras civilizaes ou regies culturais, pode nos revelar nossa prpria originalidade, e nos capacitar melhor a ver o lugar que ocupamos na histria da humanidade. Confrontamos com as diferenas e com diversidade dos modos de vida das pessoas de outros tempos e lugares, teramos como discernir melhor nossa prpria originalidade, e perceber melhor nossa prpria posio no processo histrico universal. (2012, p. 117)
na relao que os jovens tm com as diversas mdias que hoje constroem as
narrativas sobre, principalmente, a Idade Mdia na contemporaneidade. Mesmo
aquelas advindas de histrias fantsticas e mitolgicas, como as contadas nos games
podem contribuir com um processo de formao histrica valorado. O olhar dos
jovens para esses processos e caractersticas histricas so datados e, de certa
maneira, coerentes com as perguntas que sua cultura tem a fazer sobre o passado.
Ns, educadores, precisamos considerar que a ideia de histria baseia-se numa
clebre frase de Benedetto Croce [...] que considera que toda histria histria
contempornea (LE GOFF, 1996, p. 24). Desta forma, entendemos que, por mais
distantes que paream estar os processos histricos estudados do nosso contexto, a
histria liga-se s necessidades e s situaes presentes nas quais esses
acontecimentos tm ressonncia (idem).
Os jogos eletrnicos, atualmente, se mostram como uma das narrativas que
trazem para esses jovens algumas das caractersticas desses tempos. Convergimos,
29
cada vez mais, na multiplicidade de fontes aceitas pelos pesquisadores em ensino de
histria que a diversidade dos testemunhos histricos quase infinita. Toda a ao
realizada pelo homem deixa marcas e marcas so testemunhos de seu caminhar pelo
mundo. As narrativas dos jogos podem e devem ser trazidas para as salas de aula
com intuito de contribuir para um processo de formao, no qual os estudantes
sejam participantes ativos da construo do conhecimento histrico.
2.6 Apropriao de educao histrica
Cabe aqui realizarmos uma referncia a um campo especfico do ensino de
histria pelo qual fui influenciado para adentrar nessa pesquisa. A educao
histrica, apesar de trabalhar mais com o campo cognitivo, nos revelou os esforos
de professores-pesquisadores que, desde a dcada de 20 do sculo passado, tinham o
intuito de apresentar propostas preocupadas no como ensinar, chamando a ateno
para a necessidade de atender s caractersticas das crianas e dos jovens
(BARCA, 2011, p. 22). As primeiras pesquisas foram todas elas caracterizadas por
termos prescritos resultantes de observaes mais ou menos impressionistas
(2011, idem) e tambm muito esparsas.
A partir da dcada de 60 e 70, temos um impulso nas iniciativas que
procuravam trazer ao aluno uma motivao maior para o aprender histria. Mediante
a explorao de fontes e de atividades que envolvessem mais o ldico, dentro ou
fora da sala de aula, essas propostas, mesmo assim, continuavam a se assentar
sobretudo na especulao filosfica, utpica e/ou na observao do tipo
impressionista (2011, idem).
Nesse nterim, no ensino de Histria, vemos a importncia que foi atribuda
faixa etria em detrimento a outras caractersticas importantes como a interao
social, algo que se revelou extremamente nocivo ao plano das concepes de
professores em relao ao seu poder de interveno no processo de ensinaraprender
dos estudantes. Reforou-se, assim, remontando o modus parisiensis dos jesutas,
uma concepo esteriotipada do pensamento que seguia uniformidade atravs das
faixas etrias, assim atribuindo aos mais jovens (crianas) o nvel de operaes
concretas e aos alunos adolescentes o nvel das operaes formais, abstratas ou
30
lgico-dedutivas (uma ideia ainda hoje visvel em discursos de professores).
(BARCA, 2011, p. 23)
Contrariando o pensamento sobre padres gerais de pensamento por idades,
Barca cita alguns proeminentes pesquisadores ingleses como Peter Lee, que
promoveram investigaes fecundas relacionadas cognio histrica que
revolucionaram a concepo de educao histrica nas dcadas de 70 a 90, abrindo
possibilidades para um ensino de histria considerado, pela autora, mais poderoso, a
partir do momento em que se refuta, empiricamente, a concepo de estgios de
desenvolvimento estanques aplicados aprendizagem histrica.
Atualmente, ainda citando as ideias de Barca, nos interessam bastante os
estudos que acontecem em diversos pases, atravs de pesquisadores como
Cercadillo, Russen, dentre outros, que do nfase natureza situada no processo de
ensinaraprender. No faz sentido a transposio simplista no ensinar Histria para
uma dada realidade de princpios cognitivos inferidos em outros contextos. Por isso,
tericos portugueses e brasileiros comearam a investigar sobre as concepes de
alunos e professores acerca da Histria, levando em considerao as experincias de
vida e de ensinoaprendizagem concretas. Este um campo que muito me interessa,
pois, apesar desse trabalho no focar o campo cognitivo, um aspecto importante
para entender as experincias dos nossos estudantes, mesmo trabalhando no campo
hermenutico da compreenso aprendente.
Barca (2011) nos traz alguns conceitos que nos so caros na presente
pesquisa e pertinentes no que se refere compreenso dos discursos dos atores
sociais participantes. Em termos de explicao e narrativa, percebemos a
importncia de trabalhos que nos permitem entender como os jovens se relacionam
com o que chamamos de narrativa histrica, um conceito correlato explicao
histrica (2011, p. 28) trazido pela pesquisadora, onde encontramos uma categoria
que se alimenta de discusses filosficas, levando em conta o seu elemento
particular de explicao intencional, apresentadas por tericos que nos propiciam
aprofundar a compreenso de caractersticas especficas do saber histrico. Apesar
dos trabalhos serem conduzidos por uma lgica de perceber padres explicativos
desses jovens num maior ou menos grau de elaborao histrica, consideramos
importante o fato de que os estudantes do ensino bsico e de ensino mdio que
31
participaram das suas pesquisas o de valorizao aberta de uma explicao
multifatorial, ou, em nossos termos, multirreferencial, mas que nem sempre est
relacionada a uma narrativa linear, dentro dos moldes positivistas de pesquisa.
2.7 Consideraes sobre formao e experincia formativa no fenmeno da educao histrica
Para iniciar esta argumentao, trazemos o conceito de Macedo (2010), ao
perceber formao como
[...] o que acontece a partir do mundo/conscincia do Ser ao aprender formativamente, isto , transformando em experincia significativa (intencionada, com explicitada construo de sentidos e significados) acontecimentos, informaes e conhecimentos que o envolvem. (MACEDO, 2010, p. 30)
necessrio afirmar que, mesmo que o autor esteja desenvolvendo seus
argumentos a partir do ponto de vista da formao em nveis bsicos, profissional,
universitrio, dentre outros, quem se apresenta em formao o Ser na sua
emergncia que, para alm do mbito individual, se apresenta no mbito
sociocultural e de maneira historicizada. Nesses termos, temos um Ser se formando
num esforo de compreender o contexto onde vive, a vida e seu ato de formar-se
permanentemente, levando em considerao os caminhos e descaminhos (e porque
no, inspirado em Tourinho (2004), inventos e contratempos?) com as quais forma-
se, vive e projeta o futuro, sintetizadas na sua etnoformatividade, com a qual, alis,
temos que trabalhar. (MACEDO, idem, idem)
Entendo que pertinente afirmar, nesse trabalho, que no compreendo
formao com o pensamento da produo em srie, advinda do modelo
neoprodutivista das bases econmico-pedaggicas hegemnicas em nosso pas.
preciso observar com ateno os frutos do processo de massificao educacional que
o Brasil vive na atualidade. De acordo com Saviani (2010), essa perspectiva se
baseia no pensamento toyotista de conceber o processo de trabalho, no qual se faz
necessrio
[...] trabalhadores polivalentes visando a produo de objetos diversificados, em pequena escala, para atender a demanda de nichos especficos do mercado, [...] requer trabalhadores que, em lugar da estabilidade no emprego, disputem diariamente cada posio conquistada, vestindo a camisa
32
da empresa e elevando constantemente sua produtividade (SAVIANI, 2010, p. 429)
Desta maneira, temos a perspectiva de transformar os aprendentes em pessoas
que deveriam ter um preparo polivalente apoiado no domnio de conceitos gerais,
abstratos, de modo especial aqueles de ordem matemtica. Manteve-se, pois, a
crena na contribuio da educao para o processo econmico-produtivo...
(SAVIANI, idem, idem).
Nesse contexto, Macedo (2006) pensa que h, evidentemente, nesse processo
uma prtica de de-formao. Ele compreende como impensvel que apenas por
indicadores, pesquisas quantitativas, possamos demonstrar, de maneira satisfatria, a
realidade vivida por nossa educao. Essas pesquisas apontam somente uma viso
simplificadora da realidade educacional de nosso pas que, na minha compreenso,
unicamente para ingls ver, como bem diria o jargo nascido na poca em que o
imprio brasileiro estabelecia regras acerca da abolio gradual da escravido, que
no resolviam o problema, mas refreavam os anseios ingleses de ver os afro-
descendentes livres para se tornarem mo-de-obra e mercado consumidor da
metrpole industrial da poca. Dados estatsticos e grficos, no raro, mostram, de
maneira superficial, a situao que, em no seu contexto cotidiano, se evidencia
muito mais grave e sria do que as estatsticas apresentam. Nesse momento, a
articulao com explicitaes qualitativas fundamental.
2.8 A experincia formativa
As experincias de vida esto cada vez mais em evidncia nas produes e
eventos realizados na rea das humanidades. Na Educao, para alm das pesquisas,
assistimos ao desenvolvimento de propostas no campo do currculo-formao,
propondo uma sensibilidade histria dos aprendentes e da sua relao com o
saber.. (JOSSO, 2002, p. 13)
Conforme mencionado acima, corroboramos com a perspectiva de Macedo
(2010) quando pontua a ideia da formao sendo construda como o conjunto de
condies e processos de mediao propcios para que certas aprendizagens
socialmente legitimadas, se realizem, conceituando a formao como modo de ser
que se configura numa experincia profunda e ampliada do Ser humano, que
33
aprende interativamente, numa incessante atribuio de sentidos, sempre valorados
(MACEDO, 2010, p. 21), imerso em um determinado contexto e nas suas relaes e
mediaes.
O conceito construdo por Josso (2002) sobre experincia formadora
pertinente diante do que estamos investigando. Acreditamos que nos jogos
eletrnicos essa experincia acontea devido ao processo interativo de imerso dos
jogadores com a mdia evidenciada. Alves (2005) enfatiza essa interatividade
levando em considerao a imerso, navegao, explorao e conversao presentes
nos suportes de comunicao em rede. De acordo com a autora, nesses termos,
existe uma possibilidade maior de chegarmos ao que Lvy conceitua como terceiro
nvel de interatividade, saindo da comunicao um-todos e um-um para uma
interao na qual todos se comunicam com todos, possibilitando trocas e o
intercmbio de diferentes saberes ao mesmo tempo. (LVY, 1999, p. 50).
Os jogos eletrnicos so aqui compreendidos como dispositivos que
potencializam a construo de diferentes aprendizagens, que, imersos na lgica de
interatividade discutida por Lvy, apresentam aos jogadores novas possibilidades de
ter acesso s tecnologias digitais, de interagir, pensar, construir conhecimentos, alm
de oferecer uma maneira diferenciada de imerso em contextos histricos, polticos,
econmicos e sociais prximos e/ou distantes do seu cotidiano, provendo maneiras
de vivenciar e experimentar diferentes realidades nessa cultura da simulao.
Dessa maneira, acredito que os games favorecem uma experincia formativa
ampliada, contribuindo de maneira significativa para a aprendizagem de modo
contextualizado com os interesses dos que aprendem.
34
CAPTULO III - O JOGO GAME OF THRONES: RPG, SUAS
ESPECIFICIDADES EDUCACIONAIS E FORMATIVAS E O CONTEXTO
DA PESQUISA
35
Desde a minha insero na cultura contempornea, anteriormente conhecida
como nerd, atualmente denominada pop, soube atravs de podcasts (programas de
udio gravados periodicamente, em uma estrutura de programa de rdio) e conversas
com amigos da qualidade da narrativa literria de Martin (2010), principalmente
quando foi lanada a srie de televiso. Tornei-me um espectador assduo da srie,
que ficou mais interessante enquanto narrativa quando entrei em contato com o jogo
Game of Thrones: RPG. A partir da narrativa do cenrio onde os acontecimentos se
desencadeiam, minha experincia com o jogo ser tambm ressaltada.
Cabe ressaltar que, antes de comearmos a falar sobre o jogo, precisamos
realizar o conceito de RPG e sua potencialidade interpretativa no ensino de histria.
RPG uma sigla para as palavras em ingls Role Playing Game, (Jogo de
interpretao de personagens) e um tipo de jogo em que os jogadores assumem os
papis de personagens e assim criam uma histria que se desenvolve de maneira
cooperativa, num misto de teatro com jogo de estratgia.
Cassaro (2007), autor de vrios livros do gnero, descreve no incio de uma
de suas obras, o funcionamento do jogo:
[...] como um teatro de improviso, como uma brincadeira de policial e bandido, mas,com regras. Os jogadores dizem o que desejam fazer, e ento rolam dados para descobrir se conseguiram. As decises dos jogadores controlam as aes dos personagens e mudam a histria, cujo final pode ser bom ou ruim. (CASSARO, 2007, p. 8)
Alm disso, por ser um jogo que incentiva as prticas da leitura, cooperao,
interatividade, socializao e abstrao, RPG ainda possui um importante funo
como ferramenta pedaggica nas mos dos professores e assim vem sendo no Brasil
desde de 1990, j tendo sido realizado no pas quatro simpsios sobre RPG10 e
Educao, alm de diversos trabalhos e eventos em nvel acadmico.
Retomando os argumentos realizados anteriormente, o RPG a partir da
interpretao de papis, foi criado de um jogo de estratgia lanado em 1971 por um
criador de jogos chamado Gary Gygax, o Chainmail.
Em 1974, contudo, um outro criador de jogos, Dave Anderson, props a
Gygax que, ao invs de focar o jogo unicamente nas representaes de batalhas
campais, eles dessem ateno especial ao uso das unidades individuais em outros
10
36
cenrios que no a batalha campal, Gygax aprovou. Ento, em 1974, Gary Gygax e
Dave Anderson criaram um suplemento para o Chainmail de nome Dungeons and
Dragons, que seria o primeiro jogo de interpretao de personagens do mundo.
O jogo foi um sucesso e logo conquistou vrios adeptos por todo o mundo,
dando origem para produes em diversas outras mdias, como por exemplo, a
animao criada em 1983 chamada Dungeons and Dragons conhecida no Brasil
como Caverna do Drago, e tambm um filme estrelado pelo ator norte-americano
Tom Hanks, chamado Mazes and Monsters.
Posteriormente, vrios outros autores comearam a criar jogos baseados no
conceito de interpretao de papis elaborado por Anderson e Gygax, contudo
abordando outras temticas que no a fantasia medieval. O prprio Gygax, em
conjunto com Brian Blume, criou, em 1975, o jogo Boot Hill, ambientado no
perodo histrico dos EUA que ia desde o incio de sua colonizao at o fim do
sculo 19, passando pela corrida do ouro e guerra da secesso.
Em 1986 o autor norte americano Steve Jackson (1991) criava o G.U.R.P.S,
Generic Universal Role Playing Sistem ou Sistema Genrico de Interpretao de
Papis. Esse jogo trazia um conceito inovador do uso de um nico sistema de
regras genricas para diversas abordagens temticas.
Sobre o G.U.R.P.S., Mateus Souza Rocha cita:
De fato um sistema genrico, que possibilitava criar aventuras em quaisquer cenrios ou pocas que a imaginao permitisse. A tendncia do mercado era cada vez mais criar jogos com conjuntos de regras especficos e bem delimitados para cada cenrio, mas o GURPS seguiu um caminho totalmente oposto, criando um sistema sem um cenrio, deixando essa tarefa a cargo dos jogadores, que passaram a ter total liberdade de criao, uma atitude arriscada, porm muito bem sucedida, como a popularidade do GURPS atualmente pode comprovar. O GURPS ainda um dos sistemas mais jogados no mundo. Tornou-se to popular, que foi o primeiro grande sistema de RPG escolhido para ser traduzido para o portugus pela editora Devir. O GURPS elevou o RPG a um novo patamar, permitindo que os jogadores no mais ficassem limitados s possibilidades que os cenrios ofereciam. A partir do GURPS, com sua idia de sistema universal, o limite passou realmente a ser a imaginao dos jogadores.. (ROCHA, 2006, p. 53)
No fim da dcada de 70 e incio dos anos 80, o RPG chegava ao Brasil pelas
mos de alunos intercambistas que regressavam dos EUA. Eram livros ainda em
ingls, que permitiam a prtica do jogo. Era comum tambm que grupos de
universitrios, que tiveram um primeiro contato com o jogo, comprassem livros no
37
exterior, que posteriormente eram fotocopiados para os outros membros do grupo de
jogo. Por essa prtica, essa gerao de jogadores passou a ser conhecida como
Gerao Xerox.
Aproveitando-se desse nicho comercial que comeava a surgir no Brasil, a
editora GSA publicou, em 1991, o primeiro jogo de RPG nacional chamado Tagmar.
Esse jogo tambm era baseado na literatura tolkiana e seguia o gnero de fantasia
medieval clssico. No mesmo ano, a editora Devir tambm lanaria uma verso
nacional do G.U.R.P.S.
Na dcada de 2000, os jogos de RPG de mesa explodiram em popularidade
no Brasil, principalmente os gneros de fantasia medieval e os jogos inspirados nas
revistas em quadrinhos (mang) e os desenhos animados (anime) de origem ou
influncia japonesa.
Os jogos eletrnicos, por outro lado, se configuram, como diz Arruda (2009),
em artefatos culturais contemporneos, baseados em nanotecnologia. Considero
jogos eletrnicos, games e jogos digitais como sinnimos, dentro da concepo de
jogos digitais de Arruda, de todos aqueles que podem ser jogados por intermdio de
estruturas programadas baseadas em cdigos binrios em suporte computacional
(2009, p. 70) Os jogos em si no se caracterizam como uma novidade, o autor
considera o ato de jogar como uma caracterstica ontolgica na nossa histria.
Porm, os jogos eletrnicos ainda so considerados um elemento que pertence
somente um entretenimento ocioso, sem produtividade evidente.
Mas esses mesmos jogos digitais se revelaram, na pesquisa, como um
dispositivo que vai alm do aspecto binrio da programao da mquina,
influenciando aspectos sociais e culturais na sociedade contempornea. Dessa
maneira, a imerso do jogador em ambientes diferentes da sua realidade possibilita
processos de interao e compreenso da prpria realidade num espao de
simulao.
Apesar de Arruda considerar que as pesquisas a respeito da imerso do
jogador e suas relaes fora do jogo [no meu caso, interessando os processos
formativos], so ainda incipientes e merecedoras de uma ampla investigao (2009,
p. 60), entendo que no meu caminhar de pesquisador e as experincias outras como
38
jogador me revelaram as potencialidades formativas desses jogos que extrapolam a
programao, ditando atitudes e relaes sociais.
3.1 RPG e suas potencialidades educacionais
No mesmo ano do lanamento do Tagmar, seria lanado no Brasil o primeiro
jogo de RPG com carter educativo, o Desafio dos Bandeirantes escrito pelos
autores Carlos Klimick e Luiz Eduardo Ricon (1991), tambm publicado pela GSA.
Esse jogo mostrava uma verso mtica do Brasil colonial e explorava os mitos
indgenas e africanos. Desafio dos Bandeirantes trouxe um conceito novo para o
jogo. Agora, os autores e professores percebiam que poderiam us-lo como
ferramenta didtica tanto dentro do espao escolar quanto fora. Nessa mesma poca,
o RPG tambm passaria a ser adotado para fins teraputicos por psiclogos e
psiquiatras.
O conceito de RPG didtico comeou a ser difundido dentro de algumas
universidades e grupos de estudo e em 1992 foi realizado o primeiro Simpsio de
RPG e Educao, promovido pela ONG Ludus Culturalis e reunindo trabalhos
acadmicos na rea de educao advindos de vrias universidades, que foram
reunidos nos Anais do I Simpsio de RPG & Educao, de autoria de Maria do
Carmo Zanini (1992) e publicado pela Devir livraria.
Esse simpsio foi o primeiro passo para um trabalho pioneiro em se falando
de RPG e educao no mundo. Os educadores brasileiros eram os primeiros a pensar
no jogo como uma nova ferramenta pedaggica e perfeitamente utilizvel em sala de
aula. Nesse simpsio, o RPG e suas possibilidades didticas foram apresentadas para
a comunidade acadmica e as metodologias e mecnicas tanto em nvel de regras
quanto de ambientao, foram levadas a debate. Aconteceram ainda outros eventos
acadmicos de abrangncia nacional, cada um discutindo um tema relevante para a
discusso sobre educao e RPG. O mais recente foi o IV Simpsio de RPG &
Educao RPG: educao, entretenimento ou violncia?, realizado em So Paulo,
no campus da Uninove, nos dias 21, 22 e 23 de setembro de 2006.
Desde o primeiro Simpsio de Educao e RPG, diversos outros trabalhos
acadmicos e jogos educativos foram desenvolvidos. Dentre eles, vale a pena citar o
suplemento de jogo G.U.R.P.S. Entradas e Bandeiras, G.U.R.P.S. Descobrimento do
39
Brasil e G.U.R.P.S. Quilombo dos Palmares, de Luiz Eduardo Ricon, que trazia uma
perspectiva histrica para o jogo. Ainda temos o Simples Manual para o Uso do
"RPG" na Educao, por Marcos Tanaka Riyis (2004), sendo esse ltimo um
sistema de regras de jogo voltado unicamente para sala de aula.
Sobre o Simples citado que:
O objetivo do uso do RPG na sala de aula o de proporcionar aos alunos uma atividade ldica que crie um ambiente diferenciado e mais prazeroso para aprendizagem, facilitando, desta forma, o envolvimento do aluno com a temtica a ser trabalhada, criando situaes que se assemelhem realidade. Na viso de Marcos Tanaka Riyis em seu livro "Simples - Manual para o uso do 'RPG' na educao", atravs de uma partida de RPG, a exposio dos alunos a determinadas situaes faz com que esses tenham que exercitar os contedos aprendidos, mesmo que seja atravs de uma aplicao imaginria. A assimilao de contedo maior quando conseguimos pr em prtica aquilo que aprendemos. (site RPGEduc, http://www.rpgeduc.com/index.htm, acesso em: 13 de agosto de 2009)
O RPG um dispositivo pedaggico que j mostrou sua pontencialidade
formativa por diversas vezes, posta a prova no apenas dentro das escolas, mas
tambm nas universidades. uma atividade que, nas palavras de Rocha:
[...] construdas nos primeiros contatos com os jogadores, foram: leitura, escrita, criao (criatividade), imaginao, raciocnio lgico e hipottico, expresso oral, corporal e experimentao do real atravs do imaginrio. De incio, estas guiavam as entrevistas, porm, conforme avanadas as mesmas, novas categorias foram surgindo e outras foram sendo descartadas ou substitudas por aquelas que se mostravam mais representativas, as quais apareciam com mais freqncia na fala dos entrevistados, resultando nas seguintes: ateno, auto-confiana, auto-controle, auto-conhecimento, criatividade, construo de conhecimentos, experimentao do real pela fantasia, expresso, imaginao, leitura e escrita, pacincia, pesquisa, raciocnio, responsabilidade, sociabilidade e trabalho em equipe. Todas estas categorias foram encontradas nas falas dos entrevistados e muitas outras apareceram sendo incorporadas pelas j citadas, como o caso da motivao, cultura, vocabulrio, valores morais, troca de experincias, amadurecimento, respeito, senso crtico. (ROCHA, 2006, p. 78)
Para o professor de Histria, o RPG pode ser interpretado como uma maneira
de fazer o aluno experimentar a realidade histrica que ele deseja apresentar no
momento da aula, tirando-o da posio de expectador e colocando-o como um
participante ativo no espao de ensino-aprendizagem, oferecendo-lhe assim uma
experincia nica, onde poder experimentar a partir de vivncias anteriores e de
modo ldico, o cotidiano histrico que ele deseja retratar. Considero o RPG de mesa
uma boa maneira de oferecer uma experincia de imerso social, interagindo com
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outras pessoas atravs das mais variadas formas de leitura. um dispositivo que
pode ser aproveitado por professores no somente da rea de Histria, mas tambm
pelo educador que se disponha a observar e agir na educao com um olhar
diferenciado. Trata-se de uma tcnica de linguagem inovadora e instigante nas mos
dos professores que tm disposio para us-la, mas que ainda carece de pesquisas
para utilizarmos de maneira significativa no ambiente de ensinoaprendizagem.
Acerca do RPG eletrnico, temos a dizer que foi uma maneira de chamar a
ateno dos jogadores do RPG de mesa nos anos noventa do sculo passado para um
gnero de game que valorizava a profundidade dos dilogos, da construo dos
personagens por meio de um sistema mais complexo e personalizado de
caractersticas e finais que poderiam variar de acordo com as suas escolhas. Mesmo
cientes de que a variedade de alternativas e caminhos a se percorrer seriam limitadas
programao e inteligncia artificial da tecnologia, o gnero atraiu diversos
adeptos e muitos ttulos so lembrados at os dias de hoje por sua histria cativante
e inovaes prprias dos RPGs eletrnicos.
Como todo jogador do RPG de mesa, essas caractersticas me atraram para
experienciar o jogo eletrnico. E, assim como muitos, me tornei adepto a esse
gnero de jogo que hoje empresta muitas de suas caractersticas para jogos de tiro,
aventura, dentre outros.
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Game of thrones: o RPG de mesa e o jogo (RPG) eletrnico. Disponvel em http://migre.me/eK3Eu Acesso em
25 de mai de 2013.
Ao experienciar o jogo, estava diante de uma mdia que tinha dois potenciais
que me implicaram. Primeiro, pelo fato de se tratar da narrativa de Game of
Thrones, uma srie de televiso que me agradava muito na poca. Segundo, pelo
fato de se tratar de um RPG, gnero de game que sempre me interessou na
adolescncia e me instigou a retomar o hbito de jogar. Cabe aqui descrever,
brevemente, acerca da narrativa para que possamos compreender melhor o mundo
onde estamos entrando. Acerca da produo da srie...
Game of Thrones uma srie de televiso americana criada por David Benioff e D. B. Weiss para a HBO. A srie baseada na srie de livros As Crnicas de Gelo e Fogo, escritos por George R. R. Martin, com seu ttulo sendo derivado do primeiro livro. Game of Thrones est sendo filmada principalmente no Paint Hall Studios, em Belfast, e em outras localizaes na Irlanda do Norte, Malta, Crocia e Islndia. (Wikipedia, GAME OF THRONES. Disponvel em 2012)
Sobre a narrativa, de maneira resumida, podemos apresent-la como uma
[...] srie de televiso [que] segue as mltiplas histrias dos livros de A Song of Ice and Fire. Se passando nos Sete Reinos de Westeros, onde "veres
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duram dcadas e os invernos uma vida inteira", Game of Thrones mostra as violentas lutas dinsticas entre as famlias nobres para ter o controle do Trono de Ferro de Westeros. Enquanto isso, nas regies desconhecidas ao norte da Muralha e nos continentes ao leste, ameaas adicionais comeam a surgir. (2012)
O game, baseado nos acontecimentos no continente de Westeros na primeira
temporada da srie, nos coloca diante dos problemas de Mors, um irmo da patrulha
da noite e Alaster, um Sacerdote vermelho que retorna sua terra natal aps um
longo tempo exilado, em obrigaes religiosas.
De acordo com o texto introdutrio do game, na fala do seu narrador, o ano
de 298 no continente de Westeros, Reino dos Sete Reinos e tambm regio onde
acontecem as principais cenas do jogo. A antiga linhagem de reis da famlia
Targaryen foi interrompida depois de reinar na regio durante muitos sculos. A
Rebelio da famlia Baratheon, liderada pelo guerreiro e atual rei Robert, uniu a
maior parte das grande Casas dos Sete Reinos sob o seu estandarte, causando a
queda da dinastia Targaryen. Assim, se passaram quinze anos depois que Robert
Baratheon assumiu o comando dos Sete Reinos, subindo ao Trono de Ferro.
Personagem Mors Westford. Disponvel em: http://evrach.perso.sfr.fr/RPG/capture12.jpg Acesso em 25 de mai
de 2013.
A narrativa se inicia muito longe do jogo dos tronos e das suas intrigas
polticas. Ao norte de Westeros, em uma terra de inverno permanente, uma barreira
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foi construda para manter toda a ameaa que viesse do norte desconhecido para
colocar em perigo todos os outros reinos, conhecida simplesmente como A Muralha.
A Patrulha da Noite (em ingls, Nightwatch) tem feito a guarda dessa muralha por
milhares de anos, protegendo o reino de todas as ameaas selvagens e outras alm da
compreenso, vindas do outro lado. Nessa regio, o perigo constante, o frio
implacvel e, para aqueles que fracassam, a morte o que espera.
A primeira cena do jogo sobre homens que fizeram os votos da Patrulha da
Noite e tentam quebrar esse voto, fugindo do local. Um dos mais valorosos
guerreiros da Patrulha tenta fugir e capturado pelo personagem jogador. A nica
sentena possvel para a desero: a morte. Logo aps punir o seu ex-companheiro
de grupo, Mors Westford, o nosso primeiro personagem jogvel, recebe a misso de
caar mais um traidor que, alm de espancar um dos membros da organizao, tem
acordos com os selvagens e est tentando abrir uma passagem por um dos portes do
muro para a entrada dos invasores. Mors entra numa caada implacvel onde, alm
de ter de treinar um grupo de novatos, precisar estar atento sua caa, um traidor
que quase to habilidoso em combate quanto ele.
Na segunda cena, fui apresentado ao segundo personagem com o qual joguei:
Alester Sarwyck. Sacerdote vermelho de Rhllor, deus do fogo e da luz, abandonou
seu reino quinze anos antes dos acontecimentos do jogo para se tornar um sacerdote.
Nesse tempo, o seu reino natal entrou em sria crise poltico financeira, de modo que
seu pai no conseguiu administrar o reino depois de sua partida, deixando toda
responsabilidade para sua filha. No tempo do jogo, o rei do local acabara de falecer e
Alester retorna para sua terra com o objetivo de se despedir do seu pai e retomar o
que acredita ser seu de direito: o posto de rei de Riverspring. Porm, existem
diversas outras intrigas polticas que colocam nosso personagem numa situao
complicada: primeiro, o fato de sua irm no mais confiar no irmo que abandonou
o reino por quinze anos, alm do fato da famlia Lannister ter feito um acordo para
que um homem de sua preferncia desposasse sua irm e que assumisse o posto de
rei de Riverspring. Atravs do dilogo e por outras vezes da espada, Alester ter de
resolver todas essas questes, caso queira assumir a coroa que outrora foi do seu pai.
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Personagem Alester Sarwyck. Disponvel em: http://migre.me/eK5Ye . Acesso em 25 de mai 2013.
Ao seguir os passos e os destinos dos dois personagens da narrativa, o
jogador tem acesso a alguns acontecimentos que so importantes para a narrativa de
base (o seriado de TV) e pode conhecer um pouco mais acerca da srie em termos de
histrias de Westeros e desse mundo medieval sombrio e violento que George R. R.
Martin nos traz em Game of Thrones.
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CAPTULO IV - A OPO METODOLGICA E SUAS SINGULARIDADES
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O presente captulo tem como objetivo explicitar nossas opes
metodolgicas, assim como, ao exercitar suas principais caractersticas e
proposies epistemolgicas e de mtodo, narrar formando-nos neste mesmo
processo. Portanto, a narrativa metodolgica aqui construda no se configura
apenas numa resposta a um padro de preenchimento de exigncia acadmica, mas a
produo de uma narrativa que tem a inteno de revelar uma experincia terico-
metodolgica, avaliada como importante para nossa itinerncia de professor-
pesquisador em formao ao fundamentar uma pesquisa.
No que concerne ao mtodo opcionado, utilizaremos uma pesquisa de
inspirao etnogrfica, com base nas ideias de Andr (2002), onde a descrio do
fenmeno estudado passa a ser um imperativo (MACEDO, 2006), na medida que
compreender as compreenses dos aprendentes no contexto da interao com os
jogos eletrnicos se configura como um estudo relevante sobre o cotidiano desses
jovens, onde emergem potencialidades fecundas em termos de formao histrica.
Analisar a prtica cotidiana da interao dos atores com os jogos eletrnicos tem
importncia fundamental para se compreender algumas caractersticas singulares da
construo interpretativa acerca de dispositivos e processos histrico-culturais na
contemporaneidade.
O mtodo etnogrfico que escolhemos como inspirao de pesquisa
configura-se principalmente a partir dos estudos de Arruda (2009), nos quais o autor
fez opo pela etnografia no decorrer de toda uma fecunda trajetria, tornando-se a
base de sua pesquisa. A tese de Arruda acerca do desenvolvimento de ideias e
raciocnios histricos produzidos por jovens jogadores contribuiu, sobremaneira,
para o caminhar metodolgico da nossa pesquisa.
De acordo com esse pesquisador, por conta da falta de uma metodologia que
acolhesse a complexidade do objeto da sua pesquisa, necessitou de um percurso de
experimentaes, sondando possibilidades e, atravs de tentativas e erros, conseguiu
desenvolver e delinear estratgias de campo, visando compreenso do fenmeno
que se props estudar. Essa escolha se construiu a partir de uma insero densa,
intensa e de longa durao, com o objetivo de investigar as aprendizagens,
raciocnios e ideias histricas construdas por sujeitos/jogadores de um jogo
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digital com temtica histrica, no caso, o Age of Empires III11. Aliado perspectiva
etnogrfica, o autor utilizou o mtodo do paradigma indicirio. Bastante difundida
entre crticos de arte e nas ltimas dcadas entre historiadores, essa metodologia
desenvolvida por Ginzburg (1990), procura nos menores detalhes, nos pormenores
mais negligenciveis de um fenmeno, indcios que contribuam para a singularidade
de sua compreenso.
Nesses termos, pensei em analisar etnograficamente como esses estudantes
interpretam as experincias histrico-culturais presentes nos dispositivos tais como
os jogos eletrnicos, mais especificamente, os RPGs digitais com caractersticas que
remetem a elementos culturais de tempos outros. Buscamos primeiramente, em
Andr (1995), elaboraes acerca dos mtodos para a utilizao da etnografia nos
espaos escolares.
Essa autora, ao abrir o debate sobre a etnografia da prtica escolar, nos diz
que a principal caracterstica da sua pesquisa est no interesse sobre as questes
relacionadas prtica escolar cotidiana, em vista de encontrar alternativas para o
redimensionamento do saber e do fazer docentes. Para embasar o seu argumento,
Andr busca, na histria da etnografia, evidenciar que Dilthey foi um dos primeiros
a buscar uma metodologia diferenciada para os estudos nas cincias humanas,
trazendo o argumento de que os fenmenos humanos so dotados de uma
complexidade distinta em comparao aos estudos das cincias duras. Vale
ressaltar tambm, que o contexto particular em que os processos se desenvolvem
um elemento essencial para a sua compreenso.
No veio dessas reflexes, Andr se baseia nos argumentos de Dilthey para
sugerir que analisemos as cincias sociais atravs do prisma hermenutico, que se
preocupa com a compreenso dos significados contidos num texto (entendido hoje
como muito alm dos documentos escritos), levando em conta a interpretao dos
sentidos e significados inclusos nesses textos e as inter-relaes que tanto homem
quanto texto realizam no ambiente em que existem. Alm do campo da histria
(Dilthey era historiador), Andr destaca que Weber tambm trouxe contribuies
11 Age of Empires III um jogo para computadores (PC) criado pela Ensemble Studios e lanado em 2005 pela Microsoft Game Studio. um game que utiliza de acontecimentos histricos para desenvolver um jogo de estratgias de guerra em tempo real onde naes se enfrentam por conquista de territrios ou acontecimentos histricos especficos desde a Era dos Descobrimentos at a Era dos Imprios, entre os sculos XVI e XIX.
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importantes vindas da tradio da sociologia alem. Nesses termos, o socilogo
fundamenta suas bases numa cincia de carter compreensivo que diferenciaria a
cincia social da cincia fsica. Assim, o foco de sua investigao situa-se na
compreenso da ao social dos indivduos e os significados atribudos pelos
sujeitos a essas aes. Andr conclui que, como Dilthey, Weber argumenta que
para compreender esses significados necessrio coloc-los dentro de um
contexto. (1995, p. 17)
Foi com base nessas perspectivas que comearam a se configurar as novas
abordagens de pesquisas qualitativas. Chamadas assim por se oporem ao esquema
quantitativista de pesquisa, que divide a realidade em unidades individualizadas,
fragmentadas e que, em teoria, no se relacionam e podem ser exatamente
mensuradas. Estas defendem uma viso relacional dos processos humanos, na qual,
diversos fatores interagem e influenciam nos fenmenos sociais reciprocamente.
Desenvolvida na antropologia, a etnografia pensada por Andr como uma
corrente que se preocupa essencialmente com o significado que tm as aes e os
eventos para as pessoas ou grupos estudados. Alguns desses significados so
diretamente expressos pela linguagem, outros so transmitidos indiretamente por
meio das aes. (1995, p. 19). A partir desse conceito, o esforo deste trabalho foi
realizar o que Geertz (1989), denomina de descrio densa, ou seja, compreender a
cultura emergente entre os jovens gamers. Um procedimento descritivo minucioso
de como se apresentam as experincias aprendentes formativas dos estudantes
envolvidos na experincia pesquisada, como resultante do dispositivo organizado
para mediar esse processo. Para Geertz, o pesquisador que adota como prtica a
etnografia enfrenta na sua rotina de coletar compreenses durante a sua pesquisa de
campo,
[...] uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas s outras, que so simultaneamente estranhas, irreg