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1 DIÁLOGOS TEMÁTICOS 4 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

Dissertação - Manuel de Campos Almeida

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DIÁLOGOS TEMÁTICOS 4

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

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SENSOS NUMÉRICO & GEOMÉTRICO

Manoel de Campos Almeida

PUCPR

[email protected]

Resumo: Humanos possuem uma aptidão inata para lidar com numerosidades: o senso numérico, que

compartilham com outras espécies. Possivelmente também têm outra competência inata capaz de lidar com

relações espaciais, o senso geométrico. Este trabalho resume as pesquisas sobre a neurofisiologia destes

sensos.

Palavras-chave: História da Matemática. Educação Matemática. Senso Numérico.

Abstract: Humans have a inborn ability to deal with numerosities: the number sense, that share with others

species. Possibly also have another inborn ability to deal with spatial relations, the geometric sense. This

work review the researches about the neurophysiology of the these senses.

Keywords: History of Mathematics. Mathematics Education. Number Sense.

Objetos matemáticos O homem primitivo, ao se defrontar com noções primordiais como número, grandeza e forma,

constatou que elas podiam estar relacionadas mais com contrastes do que com semelhanças: a diferença

entre uma ovelha e muitas, a desigualdade de tamanho entre um elefante e um rato e a dessemelhança

entre a forma redonda da lua e a retilínea de um bambu. Os próprios contrastes pareciam indicar

semelhanças: a diferença entre uma hiena e muitas, entre uma ovelha e um rebanho, entre um árvore e

uma floresta, sugerem que uma hiena, uma ovelha e uma árvore têm algo em comum: sua unicidade. O

reconhecimento da distinção entre um e muitos originou a diferenciação entre singular e plural nas línguas.

O passo seguinte foi a percepção de uma propriedade abstrata que certos grupos têm em comum e que nós

denominamos de número. Paulatinamente, o homem reconheceu a existência de analogias; dessa

percepção crescente de semelhanças em número e forma brotou a ciência e a matemática.

Números e formas (tais como linhas retas, curvas, superfícies, volumes, esferas, cubos, etc.) são

denominados de entes ou objetos matemáticos: o problema de sua natureza, se existem de modo

independente do cérebro do homem, que então os descobre, ou se são apenas produto de sua atividade

neuronal, que conseqüentemente os constrói, é tema central de investigação, desde a antiguidade grega,

tanto da matemática como da ciência em geral.

As teorias sobre o problema mente-corpo podem ser divididas em duas categorias: as dualistas e as

materialistas. Dualismo é uma filosofia acerca da mente que considera a mente como uma substância não

física. Divide o que há no mundo em duas categorias: a mental e a física. O principal problema com o

dualismo é que não consegue explicar a interação causal entre o mental e o físico.

Já nas materialistas o mental não é distinto do físico, ou seja, todos os estados mentais (incluindo

aqui os objetos matemáticos), são idênticos a estados físicos. Reduzem o nível mental ao físico, daí serem

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denominadas de teorias reducionistas. Entre essas destacamos as neuronalistas, impulsionadas a partir de

1980 principalmente por Jean Pierre Changeux e Stanilas Dehaene.

Changeux (1985, p.144) assim resume suas concepções:

“O objeto mental é identificado com o estado físico criado pela entrada em ação (elétrica e química),

correlacionada e transitória, de uma grande população ou “reunião” de neurônios distribuídos por diversas

áreas corticais bem definidas. Este conjunto, que matematicamente se descreve por um grafo (mapa), é

“descontínuo”, fechado e autônomo mas não homogêneo. É constituído por neurônios que apresentam

diferentes peculiaridades adquiridas durante o desenvolvimento embrionário e pós-natal. O bilhete de

identidade da representação é inicialmente determinado pelo “mosaico)” (grafo) de peculiaridades e pelo

estado de atividade (número, freqüência dos impulsos ).”

Como os objetos matemáticos corresponderiam assim a estados físicos do cérebro, seria possível

visualizá-los externamente mediante técnicas de neuroimagem, como tomografia computadorizada (CT),

ressonância magnética (MR), tomografia por emissão de pósitrons (PET) ou ressonância magnética

funcional (fMRI). Com o crescente incremento na resolução dessas técnicas, elas hodiernamente vêm se

tornando os principais instrumentos na pesquisa de como os objetos matemáticos são produzidos no

cérebro.

Senso numérico Brouwer, fundador do intuicionismo, asseverava que a matemática é uma atividade humana, que se

origina e se desenvolve na mente humana, inexistindo fora dela, sendo independente do mundo real. A

mente reconheceria certas intuições básicas, claras, distintas de intuições sensíveis ou empíricas, mas

certezas imediatas acerca de alguns conceitos de matemática. Concebia o pensamento matemático como

um processo de construção mental que edifica seu próprio universo. De certa forma, pode-se considerar o

intuicionismo como precursor de teorias materialistas como o neuronalismo, desde que associemos a

atividade mental humana com a atividade neuronal. Caberia, então, indagar sobre as características dessas

intuições matemáticas básicas: quais seriam inatas, logo transmitidas filogeneticamente, através do

processo evolucionário, quais seriam adquiridas e quais seriam desenvolvidas ou construídas pela mente.

Entre essas intuições inatas o senso numérico ou numerosidade vem presentemente recebendo

especial atenção por parte dos pesquisadores. Essa intuição, ou faculdade, permite, segundo Dantzig, ao

observador reconhecer que algo mudou em uma pequena coleção quando, sem seu conhecimento direto,

um objeto foi adicionado ou retirado à coleção. É, portanto, uma propriedade de um estímulo que é definida

pelo número de elementos discrimináveis que contém.

Faz parte do que nos permitiremos denominar de matemática animal, ou seja, de conceitos

matemáticos comuns à algumas espécies do reino animal. Entre essas, que compartilham o senso numérico

com o homem, citamos os insetos (vespas); aves (pombos, corvos, papagaios, periquitos, gralhas);

primatas, como os prossímios (lêmures) e antropóides (rhesus, chipanzé); ratos; golfinhos e mesmo

salamandras. O senso numérico é, conseqüentemente, independente da linguagem e possui uma longa

história evolucionária.

Somente nos últimos trinta anos a competência numérica dos bebês recém-nascidos humanos tem

sido examinada empiricamente. Até recentemente a visão construtivista de Piaget, elaborada há uns

sessenta anos, dominava esse campo. Ela afirmava que as habilidades matemáticas e lógicas são

progressivamente construídas nas mentes dos bebês, pela observação, internação e abstração de

regularidades do mundo exterior. Ao nascer o seu cérebro é uma página em branco, vazia de qualquer

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conhecimento conceitual. O conceito de número, para Piaget, deveria ser construído no curso de suas

interações sensoriomotoras com o ambiente. Crianças nasceriam, então, sem qualquer idéia preconcebida

sobre a aritmética.

As primeiras experiências que mostraram que bebês com seis meses de idade já mostravam

competência para empregar certos aspectos do conceito de número, muito antes de que tivessem qualquer

oportunidade de abstrai-lo do ambiente, contrariando assim Piaget, foram realizadas em 1980 na

Universidade da Pensilvânia, por Starkey e Cooper. Mostraram que bebês entre 16 e 30 semanas de vida

são capazes de discriminar numerosidades 2 e 3. Posteriormente, Antell e Keating, da Universidade de

Maryland, evidenciaram que mesmo recém-nascidos podem discriminar números 2 e 3 poucos dias após o

seu parto. Em 1992 Karen Wynn publicou na revista Nature um artigo sobre adições e subtrações simples

realizadas por bebês com quatro e cinco meses de idade. Demonstrou que bebês sabem que 1+1 perfaz

não 1 ou 3, mas exatamente 2.

Cabe ressalvar, contudo, que embora as habilidades numéricas de crianças de tenra idade sejam

reais, elas estão limitadas à aritmética mais elementar. Sua habilidade para cálculo não parece se estender

para além dos números 1,2,3 e talvez 4. Sempre que experimentos envolvem 2 ou 3 objetos, elas podem

discriminá-los, porém, somente ocasionalmente revelaram-se capazes de diferenciar 3 do 4. Nunca um

grupo de bebês com menos de um ano de idade distinguiu 4 pontos de 5 ou mesmo de 6. Sua competência,

nesse domínio, pode talvez ser inferior a do chipanzé adulto, cuja capacidade se mostrou acima do acaso

mesmo quando tem de escolher entre seis contra sete chocolates.

Chipanzés possuem igualmente senso numérico, semelhante ao do homem (cf. Dehaene, 1997).

Além disso, Woodruff e Premack, da Universidade da Pensilvânia, mostraram, em 1981, que eles conhecem

frações simples e também são capazes de efetuar operações aritméticas com elas, demonstrando assim

uma noção intuitiva de como essas frações podem se combinar. Esses animais sabem que um quarto de

uma torta está para a torta inteira assim como um quarto de litro de leite está para um litro inteiro.

Outra linha de pesquisa questiona se crianças e primatas não-humanos têm uma compreensão inata

da ordenação, ou seja, que 2>1, 3>2, 4>3 e assim por diante. É uma questão relevante, pois junto da

habilidade de representar relações operacionais entre pequenas numerosidades (1+1=2, 2-1=1, etc.),

animais deveriam ter também uma competência para compreender a “ordem” segundo a qual elas estão

organizadas.

Em etologia, teorias de otimização de forrageação ou coleta predizem que animais “procuram por

mais”, isto é, desenvolvem estratégias para forragear ou coletar que maximizem seu ganho líquido de

energia quando nessa atividade (i.e., o ganho de energia excede a sua perda nessa atividade).

Feigenson em 2002 organizou um experimento com dois grupos de crianças com 10 e 12 meses de

idade, onde eram-lhes mostrados dois recipientes que continham números diferentes de guloseimas, a

saber 1x2, 2x3, 3x4 e 3x6. Os bebês eram colocados a um metro de distância dos recipientes e então

liberados pela mãe para escolherem um recipiente. O resultado foi de que ambos os grupos de idade

escolhiam o recipiente de maior numerosidade quando 1x2 e 2x3 eram confrontados, mas não quando 3x4.

Desse modo determinaram que crianças de tenra idade já estabelecem uma relação ordinal entre duas

numerosidades, procurando pelo recipiente que continha “mais”.

Hauser em 2000 realizou o mesmo experimento com macacos rhesus. Manipulou também condições

onde dois recipientes contendo números diferentes de guloseimas eram confrontados, nos quais

1x2;2x3;3x4;3x5;4x5;4x6;4x8;3x8 unidades foram cotejadas. Os macacos escolheram o recipiente com

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maior número nos testes onde 1x2;2x3;3x4;3x5 unidades foram apresentadas, mas não nos casos

4x5;4x6;4x8;3x8. Os resultados mostraram que os macacos apresentam uma habilidade espontânea de

ordenação de pequenas numerosidades muito similar à das crianças recém-nascidas. Isso patenteia uma

limitada capacidade de ordenação, de “procurar por mais”, que poderia eventualmente ser apenas uma

característica dos primatas, talvez não compartilhada por outras espécies.

Porém, em 2003 Uller e outros mostraram que salamandras, anfíbios distantes na linha evolucionária

dos primatas, também compartilham dessa aptidão. Apresentaram a esses anfíbios dois tubos contendo

números diferentes de drosófilas, moscas de frutas, guloseimas apetitosas para essa espécie. Elas foram

capazes de escolher a maior entre duas numerosidades quando se confrontaram 1x2 e 2x3 drosófilas, mas

não nos testes onde se comparou 3x4 e 4x6. Como no caso dos macacos e dos bebês, a salamandras

também têm uma limitada capacidade de ordenação, de “procurar por mais”. Isso indica que essa

capacidade pode ser mais disseminada no reino animal do que se supunha anteriormente.

Resta, porém, buscar a explicação da natureza, do mecanismo dessas intuições ou sensos. O

primeiro a estudar o impacto da atividade aritmética sobre o cérebro humano foi William G. Lennox que, em

1931, estudou o efeito da circulação cerebral no trabalho mental. No rastro dos trabalhos de Lennox, vários

estudos mostraram que o cérebro é consumidor voraz de energia, absorvendo sozinho quase um quarto da

energia total gasta pelo corpo inteiro. Sokoloff foi o pioneiro em mostrar a relação entre a circulação

cerebral, o metabolismo local e a atividade das áreas cerebrais. Os mecanismos de regulação do fluxo

sangüíneo têm sido explorados pela ciência nos último vinte anos com o intuito de mostrar quais regiões do

cérebro estão ativas durante as várias atividades mentais.

Embora as primeiras neuroimagens do cérebro humano ativo datem de 1970, somente em 1985

Roland e Friberg publicaram as primeiras imagens da atividade cerebral durante cálculos mentais. Seus

estudos evidenciaram que sujeitos efetuando subtrações repetidas demonstraram ativações bilaterais no

córtex parietal inferior do cérebro, bem como em múltiplas regiões do córtex prefrontal. Na seqüência,

Dehaene (1997) estudou como a atividade cerebral varia durante experimentos de comparação e

multiplicação de números. Igualmente evidenciou-se que várias regiões do cérebro estavam ativas durante

a comparação e multiplicação de números. Apontou-se o córtex parietal inferior como crucial para o senso

quantitativo de número. Durante a multiplicação, a atividade cerebral era mais intensa no hemisfério

esquerdo, que governa a linguagem, mas durante a comparação, estava igualmente distribuída nos dois

hemisférios ou mesmo se verificava no direito. Isso está em concordância com a observação de que a

multiplicação, mas não a comparação, em parte depende das habilidades lingüísticas do hemisfério

esquerdo. Uma outra área subcortical, o núcleo lenticular esquerdo, também estava mais ativa durante a

multiplicação do que durante a comparação.

Estudos mais recentes, melhorando a resolução, procuram delimitar essas áreas do cérebro,

buscando identificar com mais precisão as áreas envolvidas nas capacidades numéricas. Nieder e Miller

(2004), realizaram estudos com macacos rhesus, que parecem indicar que a informação sobre

numerosidade flui do córtex posterior parietal para o córtex lateral parietal posterior. Também determinaram

que o fundo do sulco intra parietal contém expressivo número de neurônios cuja atividade está envolvida

com o processamento de numerosidade.

Essa é, hoje, a melhor indicação que a ciência possui para o locus da numerosidade. Os estudos

neurofisiológicos mais recentes confirmam, portanto, que humanos e macacos possuem mecanismos

similares no processamento de números.

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Senso geométrico O senso numérico seria a intuição básica para o conceito de número, para a aritmética, porém cabe

indagar se existiria um senso ou faculdade inato, responsável pelas intuições básicas da geometria, um

senso geométrico?

Kant distinguiu dois tipos de conhecimento humano a priori : o analítico, que sabemos ser verdadeiro

pela análise lógica, e o sintético, representado por nossas intuições de tempo e espaço. Nosso

conhecimento de tempo seria sistematizado na aritmética, que se baseia na intuição de sucessão, e o

nosso conhecimento do espaço seria sistematizado na geometria. Para Kant nossos sentidos não podem

fazer seu trabalho sem ordenar suas percepções na estrutura de espaço e tempo.

Nosso conhecimento sobre o mundo externo depende principalmente das informações obtidas pela

visão. Existem diferentes trajetórias neurais para o processamento de informações visuais sobre os objetos,

tais como: forma, movimento, cor e profundidade.

Vários autores, como Gombrich, Bednarik, Halverson, Latto e Hudson, enfatizaram que os motivos

primitivos, especialmente as formas geométricas, são esteticamente interessantes não apenas porque

refletem características do mundo, mas sim porque estimulam propriedades do sistema visual humano.

Em 1980 HUBEL e WIESEL descobriram que células do córtex visual primário são organizadas para

responder à orientações específicas de uma linha, e que a percepção de formas pode ser fabricada pela

agregação de características selecionadas. Descreveram como o córtex pode funcionar como um estágio

primário na análise da orientação de linhas, e como é um aspecto importante do processamento da

informação visual, que se efetua por meio de uma hierarquia de células simples, complexas e

hipercomplexas, através das quais a natureza da informação acerca da linha pode se tornar cada vez mais

abstrata.

BARLOW propôs a teoria da detecção de características, pela qual as células corticais, que formam o

nível inferior de uma hierarquia de células, respondem progressivamente às características geométricas

cada vez mais abstratas das formas. Dessa maneira, células dos mais baixos níveis responderiam às linhas

mais primitivas, enquanto que as dos níveis mais altos responderiam à características geométricas simples

dessas linhas, como ângulos, paralelismo e perpendicularismo e, na seqüência, pelas combinações de

atividades de células complexas e hipercomplexas particulares, surgiria a percepção de formas geométricas

mais elaboradas, como retângulos, losangos e círculos, e assim por diante, até a percepção de figuras

representacionais, que envolveriam centros de alta ordem do córtex cerebral e do cérebro.

Presentemente essa teoria está superada, pois várias pesquisas mais recentes demonstraram que o

processamento visual é muito mais complicado do que se supunha. O processo todo é ainda desconhecido,

embora se conheçam algumas pistas sobre o mesmo.

O olho humano capta a forma dos objetos e imprime na retina uma imagem bidimensional (2D) dos

mesmos, registrando basicamente seus contornos. O mecanismo neural de como o cérebro reconstrói uma

realidade tridimensional (3D) a partir dessa imagem 2D tem fascinado os cientistas. Muita pesquisa tem se

focado na estereopse, onde se procura inferir a sensação de profundidade com base em pequenas

disparidades de imagem entre os olhos direito e esquerdo.

Todavia, mesmo sem estereopse pode-se obter uma vívida sensação de profundidade, que depende

de outras pistas como sombras, perspectivas, texturas, gradiente e paralaxe de movimento.

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Kourtzi e outros (2003), empregando fMRI, mostraram que a sub-região posterior do complexo lateral

occipital (CLO), uma área envolvida na análise da forma visual, pode processar características 2D de

objetos independentemente de transformações de imagem (pequenas rotações ou curvaturas), enquanto

que a região anterior do mesmo complexo pode representar a forma 3D de objetos e sua posição em

profundidade em cenas visuais. É possível, assim, que populações de neurônios no CLO posterior mediem

a análise de formas baseadas em propriedades de imagens 2D, enquanto que populações de neurônios no

CLO anterior mediem o reconhecimento de objetos baseados em representações 3D um tanto abstratas.

Essas representações 3D algo abstratas, uma espécie de senso geométrico inato rudimentar, podem

desempenhar um papel importante quando necessitamos interpretar rapidamente cenas complexas ou

reconhecer objetos independentemente de mudanças nas suas imagens.

Porém, ressaltamos novamente, o processo inteiro ainda é desconhecido, muito do qual resta ser

determinado. É possível, todavia, dentro do atual estágio de conhecimento sobre a questão, que o homem

possua um senso geométrico rudimentar, inato, responsável pelas suas intuições geométricas elementares.

Referências Bibliográficas ALMEIDA, Manoel de Campos. Origens da Matemática. Curitiba, Champagnat, 1998.

----Origens dos Numerais. In: IV Seminário de História da Matemática. Anais. Natal: Editora da Sociedade

Brasileira de História da Matemática-SBHM, 2001.

DEHAENE, Stanislas. The Number Sense. New York, Oxford University Press, 1997.

KLINE, Morris. Mathematics – The Loss of Certainty. New York, Oxford University Press, 1980.

KOEHLER, O. The Ability of Birds to “Count”. In: NEWMAN, James R. The World of Mathematics. New York,

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KOURTZI, Zoe; ERB, Michael; GRODD, Wolfang; BULTHOFF, Heinrich H. Representation of the Perceived

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NIEDER, Andreas; MILLER, Earl K. A parieto-frontal network for visual numerical information in the monkey.

In: PNAS, May 2004, vol. 101, no.19.

PIAGET, Jean; SZEMINSKA, A. A Gênese do Número na Criança. 3a ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1981.

ULLER, Claudia; JAEGER, Robert; GUIDRY, Gena; MARTIN, Carolyn. Salamanders (Plethodon cinereus)

go for more: rudiments of number in an amphibian. In: Animal Cognition (2003) 6:105-112.

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O MANUSCRITO DE ÁLGEBRA DE ANTONIO MONIZ (BAHIA, SÉCULO XIX)

Marcelo Duarte Dantas de Ávila

. Professor Assistente do Departamento de Ciências Exatas e da Terra

Universidade do Estado da Bahia – UNEB.

[email protected]

Resumo: Nesta comunicação pretendo analisar o manuscrito sobre Álgebra, escrito entre 1867 e 1874, por

Antonio Ferrão Moniz de Aragão, intelectual baiano que viveu durante o século dezenove em Salvador,

comparando-o com o livro Elementos de Álgebra, de Cristiano Ottoni, cuja primeira edição foi de1852,

identificando, no documento de Antonio Moniz, algumas contribuições que este personagem e suas idéias

trouxeram à história da educação matemática no Brasil, em particular à Bahia. Talvez, em função de que

não fosse um documento matemático que valorizasse excessivamente o uso de técnicas, como comumente

ocorria com outras obras, o manuscrito Álgebra apresentou alguns avanços em relação à maioria dos livros

escritos no Brasil sobre o mesmo assunto naquela época. Em particular, dois aspectos foram salientados: o

primeiro, foi a abordagem da matemática segundo um ponto de vista filosófico, e o segundo foi o estudo dos

números negativos, tópico bastante controverso e ignorado pela maioria dos autores brasileiros de então.

Antonio Moniz, ao versar sobre tema tão complexo naquele momento, ou defender que se olhasse para a

matemática segundo um ponto de vista filosófico, demonstrando mais preocupação na construção do

raciocínio matemático do que no mero uso de técnicas, no mínimo estava contribuindo para ampliar e

aprofundar a discussão sobre a matemática no Brasil na segunda metade do século dezenove.

1. Introdução Antonio Ferrão Moniz de Aragão1 (1813 – 1887) foi um legítimo representante de uma elite

intelectual que surgiu no Brasil ao longo do século XIX. Filho de uma das mais aristocráticas famílias

baianas, após um período de estudos na Europa, onde cursou Filosofia Natural na Universidade de

Londres, retornou a Salvador e produziu, ao longo de aproximadamente quarenta anos, várias dezenas de

textos em diversas áreas do saber.

Tinha especial predileção pela Matemática, tendo publicado, em 1858, a obra Elementos de

Matemáticas, considerado “o primeiro livro-texto de Matemática [publicado no Brasil] em que a Filosofia

Positiva de Comte é extensivamente comentada”2. Além deste livro, Antonio Moniz escreveu os seguintes

manuscritos matemáticos, ainda inéditos: Geometria e Mecânica Racional, Cerderística ou Aritmética

Aplicada, Metrologia Geral ou Geometria e Mecânica Concreta, Álgebra e Cálculo Diferencial e Integral, que

se encontram arquivados no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.

Nesta comunicação, pretendo analisar o manuscrito de Álgebra, inclusive comparando-o com a

terceira edição do livro Elementos de Álgebra de Cristiano Ottoni, publicado no Rio de Janeiro em 1872 e

depositado no setor de obras raras da Biblioteca Pública do Estado da Bahia, identificando, no documento

de Antonio Moniz, algumas contribuições que este personagem e as suas idéias trouxeram à história da

educação matemática no Brasil, em particular à Bahia.

1 Para maiores informações sobre Antonio Ferrão Moniz de Aragão, ver: ÁVILA, Marcelo Duarte D. de. Antonio Ferrão Moniz de

Aragão: Manuscritos Matemáticos e Filosóficos na cidade de Salvador – 1855 a 1886. Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBa, 2005 e SILVA, Circe Mary Silva da. A Matemática Positivista e sua Difusão no Brasil.Vitória: EDUFES, 1999, p 218 até 239.

2 SILVA, Circe Mary Silva da. A Matemática Positivista e sua Difusão no Brasil.Vitória: EDUFES, 1999, p 218.

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2. O Manuscrito O manuscrito de Álgebra é um documento de cento e oitenta e sete páginas, versando basicamente

sobre a formação dos números, suas propriedades e combinações, segundo uma visão axiomática da

álgebra, escrito entre 1867 e 1874, em Salvador, e contendo os seguintes assuntos: Formação dos

números – o autor utilizou de construções elementares com diversos tipos de funções para obter os mais

variados números, sistema de numeração posicional, tópicos de análise combinatória e polinômios.

Antonio Moniz iniciou o seu manuscrito com uma longa introdução de vinte e três páginas, onde

abordou basicamente duas idéias principais: o primeiro ponto objeto de reflexão foi a diferença entre

Aritmética e Álgebra. Na concepção de Antonio Moniz, a Álgebra era uma generalização dos resultados

particulares obtidos através da Aritmética, isto é, enquanto a Aritmética tinha “por objeto a formação e

comparação de números determinados”, a Álgebra tinha “por objeto as leis gerais da formação e

comparação dos números”. O segundo ponto abordado na introdução foi a noção de quantidade, quando o

autor dissecou detidamente cada aspecto deste conceito. Na concepção de Antonio Moniz, um corpo era

dotado de propriedades universais, tais como, a extensão (espaço) e a duração (tempo). “Além destas duas

propriedades universais existe ainda uma outra mais universal e abstrata do que elas que é a quantidade.

Esta propriedade pode ser considerada independentemente de todas as mais, e, entretanto nenhuma outra

pode ser considerada sem a intervenção desta”. E continuou, por várias páginas, destacando o caráter

universal das quantidades e sua independência em relação às demais propriedades.

Após a introdução, vem o capítulo um, denominado de Princípios Fundamentais, formado por três

parágrafos: Noções Gerais, Nomenclatura Algébrica e Axiomas.

No primeiro parágrafo, Antonio Moniz apresentou as noções gerais, necessárias para a

compreensão da Álgebra, onde destacou a importância da generalização, do estabelecimento de leis ou

propriedades gerais, ou ainda do cálculo geral dos valores, como ele mesmo denominou, como

característica básica da Álgebra.

No segundo parágrafo, o autor justificou o uso de uma linguagem algébrica como elemento

essencial afim de que possamos compreender as generalizações propostas através das leis ou

propriedades.

No terceiro parágrafo, o autor, adotando uma postura pouco usual para época, apresentou o seu

manuscrito segundo um ponto de vista rigoroso, fazendo uso dos seguintes axiomas na Álgebra:

1º Axioma: Duas quantidades iguais a uma terceira são iguais entre si, isto

é, se A = B e B = C então A = C.

2º Axioma: Quando duas quantidades são iguais todas as operações feitas

sobre uma delas, e também sobre a outra, devem dar resultados iguais. Por

exemplo, se A = B, então A + C = B + C, A – C = B – C, A × C = B × C, A ÷

C = B ÷ C, A C = B C , CC BA = .

No tópico denominado de “Formação dos Números”, o autor abordou as leis de formação ou

construção dos números, mostrando uma forte identidade com a teoria matemática defendida por Auguste

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Comte3, e que admitia a existência de dez formações elementares de números. Essas dez formações eram

agrupadas em cinco pares, sendo que cada par era formado por uma função e sua inversa, a saber:

Primeiro par: ⎩⎨⎧

−=+=

diferença função xaysoma função xay

Segundo par: ⎪⎩

⎪⎨⎧

=

=

quociente função axy

produto função axy

Terceiro par: ⎪⎩

⎪⎨⎧

=

=

raiz função xy

potência função xya

a

Quarto par: ⎪⎩

⎪⎨⎧

=

=

logaritmo função axly

expoente função ay x

4

Quinto par: ⎩⎨⎧

==

indiretacircular função )x(senarcydiretacircular função xseny

Antônio Moniz reconheceu na sua obra, que este número de funções não era definitivo, podendo

ser ampliado com o passar do tempo: “Estas são todas as funções simples conhecidas hoje dos

matemáticos. Não há razão, porém, nenhuma a priori para limitarmos este número. Novos elementos

analíticos podem ser descobertos. Temos hoje mais do que tinha Descartes, até mais do que Newton e

Leibniz, e nossos sucessores poderão ter ainda mais”. O que não deixa de ser uma visão interessante a

medida que o nosso personagem reconhecia implicitamente que a matemática não era um conhecimento

pronto e acabado.

Os três primeiros pares eram chamados de algébricos (e os dois últimos, denominados de

derivados) e foi com esses pares que Antônio Moniz trabalhou detidamente, ao longo de aproximadamente

cinqüenta páginas, as construções elementares dos números utilizando as funções algébricas. O que ele

chamou de construção é, utilizando uma linguagem bastante atual, o estudo do valor numérico de uma

função. Senão vejamos, o procedimento adotado pelo autor é o seguinte: dados os diversos tipos de

funções, verificou-se em detalhes o que acontecia com a função a medida que o x, a variável independente,

assumia todos os valores possíveis (números negativos, positivos, zero, frações, etc). Apesar de ainda não

existir na forma sistematizada como hoje conhecemos, conceitos como os de domínio e imagem ou

conjuntos numéricos permeavam insistentemente estas idéias desenvolvidas por Antônio Moniz.

Nesta parte de seu manuscrito, Antonio Moniz apresentou uma abordagem avançada para a época

ao discorrer sobre os números negativos, admitindo clara e explicitamente a existência desses números:

Assim pois este primeiro par ⎥⎦

⎤⎢⎣

⎩⎨⎧

−=+=

xayxay

de funções dá origem a

consideração de quantidades negativas, que desde logo tornam-se tão

3 Mesmo sendo um adepto da filosofia positivista preconizada por Comte, Antonio Moniz discordava dele em vários momentos. Por

exemplo, para Antonio Moniz a Álgebra tinha por objeto as leis gerais de formação e comparação dos números, enquanto que para Comte o objeto de estudo da Álgebra era o cálculo com funções.

4 A função logarítmica está grafada como o autor grafou no texto.

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necessárias para o cálculo das relações quanto as positivas. Para melhor

inteligência desta nova espécie de quantidades consideremos a formação y

= a – x em toda a sua generalidade como devendo dar sempre a formação

de um número qualquer y, sejam quais forem os valores de a e x. Ora, y tem

sempre um valor determinado enquanto x é menor que a, mas quando é

maior não temos senão um valor negativo, por exemplo, suponhamos que x

excede a da quantidade d, isto é, que x = a + d, portanto y = a –a – d, pois

para tirar de a a quantidade x, é preciso tirar todas as partes de que se

compõem x. Na igualdade, y = a – a – d, temos a – a = 0, logo y = – d.. [...]

Os números negativos devem ser considerados abstratamente e

concretamente.

1 o Abstratamente considerados, os números negativos são resultados

necessários da fórmula y = a – x, em certos casos quando é considerado

em toda a sua generalidade independentemente dos valores particulares de

a e x.

Fazendo abstração de todo valor numérico e examinando somente o efeito

produzido pelo número x nas duas fórmulas y = a + x, y = a – x,

reconhecemos nos números independentemente de seus valores uma

quantidade aumentativa ou diminutiva que se referem exclusivamente aos

efeitos diversos que devem produzir os diferentes valores da quantidade x.

Assim, a idéia que devemos fazer da quantidade isolada – d na formula y =

a – a – d é a de uma quantidade que tem um efeito diminutivo. Neste

sentido abstrato nada há de mais fácil de que a idéia de quantidades

negativas, que nada mais são do que resultados necessários da

generalização da formação y = a – x, a todos os valores possíveis da

variável independente x do que se segue que y toma o caráter de

diminuição logo que x > a porque então tomando em x uma parte = a, o que

é sempre possível na hipótese presente, teremos a – a = 0 e ficará sempre

para subtrair o excedente de x sobre a e assim y vem a representar uma

subtração a fazer-se. [...]

2 o Concretamente consideradas, as quantidades negativas tem

apresentado algumas dificuldades por muito tempo foram consideradas

como não sendo susceptíveis de interpretação e por conseqüência eram

desprezados como não respondendo as questões que a elas conduzia.

Mas, como diz Cirodde concebemos, com um pouco de reflexão, que temos

constantemente a considerar nas quantidades da mesma espécie não

somente os seus valores absolutos, mas também o seu modo de existência.

Por exemplo, se um relógio adianta cada dia de 12 segundos e um outro

atrasa de 12’’, se um acontecimento teve lugar 200 AC e outro 200 anos

depois de Cristo. Concebe-se muito bem que 12’’, 200 anos, são tomados

em sentidos diretamente contrários. A ciência das quantidades não

Page 13: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

13

preencheriam pois senão uma parte do seu fim, se se limitasse a as

considerar somente quanto a seus valores absolutos.

[...]

De fato não é possível que uma quantidade seja senão, real ou imaginária e

no caso de ser real, racional ou irracional, isto é, susceptível de ser

comparado exatamente com a unidade ou não; depois sendo racional

deverá ser inteiro ou fracionário, isto é, comparando com a unidade contida

uma ou mais vezes, ou pelo contrário, ser nela contida umas poucas de

vezes. Enfim, todos estes devem ser considerados como positivos e

negativos.

Antônio Moniz iniciou o segundo capitulo abordando um tópico denominado “Da Numeração e

das Combinações”, dividido em dois parágrafos. No primeiro parágrafo, o autor tratou da ‘numeração’,

isto é, apresentou de modo bem circunstanciado, os diversos sistemas de numeração, afirmando que “o

fim da numeração é dar a formação completa de um número, não empregando para a sua construção

senão uma quantidade limitada de outros números” e, partindo desta idéia, desenvolveu todo um estudo

do sistema de numeração posicional, independente da base adotada.

No segundo parágrafo do segundo capítulo, Antônio Moniz, abordou os problemas de contagem

e desenvolveu o estudo do que hoje denominamos de Análise Combinatória. Iniciou esta passagem do

seu manuscrito com a definição do conceito de permutação: “Chamam-se permutações os diferentes

resultados que se obtém dispondo uns depois de outros e em todas as ordens possíveis um número

determinado de objetos (de letras, por exemplo) de modo que todos entrem em cada resultado, e que

cada um não entre senão uma vez.”. O conceito seguinte apresentado por Antônio Moniz foi o de

arranjo: “chamam-se arranjos, os resultados que se obtém dispondo uma depois das outras e em todas

as ordens possíveis 2 a 2, 3 a 3, 4 a 4 e n a n um número m de letras sendo m > n, isto é, o número de

letras que entram em cada resultado sendo menor que o número total de letras”. Finalizando o capítulo,

o autor abordou a idéia de Combinação, dando a sua definição: “Chamamos Combinações todos os

grupos que se obtém dispondo uns após os outros e em todas as ordens possíveis 2 a 2, 3 a 3, 4 a 4,...

um número dado de objetos, de modo que o mesmo objeto entre só uma vez em cada grupo e que dois

quaisquer desses grupos diferem pelo menos por um dos objetos que neles entram”.

No terceiro capítulo, o autor mostrou “como se executam as operações aritméticas com

quantidades algébricas”. Para ele, as quantidades podiam ser dividas em dois tipos: as numéricas e as

algébricas. As primeiras eram representadas por algarismos e tinham um valor “determinado e particular”

e as segundas eram representadas por letras ou letras e números e indicavam um valor desconhecido.

Segundo Antônio Moniz, as quantidades algébricas “são representadas por expressões ou fórmulas, que

consistem num complexo de letras ou algarismos reunidos entre si por meio das operações elementares

da aritmética e são simples ou derivadas”. Considerava expressões simples as representadas por uma

letra, pelo produto ou quociente de duas letras e pelas potências ou raízes de uma letra e expressões

derivadas ou compostas as formadas pela combinação de expressões simples. Definiu os monômios

como sendo “quantidades apresentadas por uma ou mais letras com seus coeficientes e expoentes” e os

Page 14: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

14

polinômios como a reunião de dois ou mais monômios não semelhantes5. Após estas definições,

trabalhou as operações entre monômios e entre polinômios, encerrando o seu manuscrito.

Escolhi, para efeito de comparação, o compêndio Elementos de Álgebra de Cristiano Ottoni6,

cuja primeira edição foi publicada no Rio de Janeiro em 1852 e utilizado, como livro-texto, durante vários

anos na Academia de Marinha e no Colégio D. Pedro II. Os conteúdos do livro de Ottoni são: monômios

e polinômios, equações e problemas do primeiro grau, equações e problemas do segundo grau,

potências e raízes de todos os graus, binômio de Newton, progressões e logaritmos.

Para Ottoni a “Álgebra é a parte das matemáticas em que se empregam sinais próprios para

abreviar e generalizar os raciocínios que exige a solução das questões relativas aos números”. Para ele,

existiam duas espécies de questões numéricas bem distintas: o teorema, “que tem [tinha] por objeto

demonstrar certas propriedades de que gozam os números” e o problema, “cujo fim é [era] determinar o

valor de certos números, por meio de outros conhecidos, com os quais conservam aquelas relações

definidas pelo enunciado da questão”. Assim como Antonio Moniz, Ottoni também via a Álgebra como

uma generalização dos resultados particulares obtidos através da Aritmética porém, além desta vertente,

Ottoni via na Álgebra um excelente instrumento para resolver “problemas” diversos com o uso de

tiversos tipos de equações.

As obras de Moniz e Ottoni apresentam mais diferenças do que semelhanças em relação aos

conteúdos. Enquanto que Ottoni dedicou metade de sua obra ao estudo das equações e problemas do

primeiro e segundo graus, Antonio Moniz não dedicou uma linha sequer a este tema na sua obra. Por

outro lado, Moniz dedicou metade de sua obra a estudar a formação dos números, segundo o ponto de

vista adotado por Comte.

Entretanto, merece destaque a visão de Ottoni relativa aos números negativos, completamente

oposta à de Antonio Moniz. Vejamos:

Em um problema do primeiro grau todo o valor negativo da incógnita indica

um vicio na expressão das condições, ou na equação que as representa.

[...]

Toda a solução negativa resulta sempre de que o problema e sua equação

nos conduzirão a subtrair um número maior de outro menor, operação

inexeqüível. A questão pois que dela depende, tal qual foi proposta, não tem solução possível7. [grifo nosso]

Em relação à abordagem, Moniz e Ottoni divergiram. Moniz optou por uma abordagem mais

filosófica na sua obra, fazendo uso de axiomas e teoremas, enquanto que Ottoni adotou uma abordagem

essencialmente técnica, sem nenhuma ênfase em temas filosóficos.

3. Conclusão

5 Para Antônio Moniz monômios semelhantes são aqueles que tem as mesmas letras, afetados dos mesmos expoentes e que só

diferem uns dos outros pelos coeficientes e pelo sinal. 6 Cristiano Benedito Ottoni (1811-1896) é mineiro de Serro. Foi professor de matemática na Academia de Marinha e considerado por

Vagner Valente, a página 131 da obra citada na nota n. 7, “um personagem fundamental para a organização e estruturação da matemática escolar no Brasil, durante quase meio século”.

7 OTTONI, Cristiano. Elementos de Álgebra. 3ª ed. Rio de Janeiro: Typographia PERSEVERANÇA. 1872, p. 70-71.

Page 15: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

15

Talvez, em função de que não fosse um documento matemático que valorizasse excessivamente o

uso de técnicas, como comumente ocorria com outras obras, o manuscrito Álgebra apresentou alguns

avanços em relação à maioria dos livros escritos no Brasil sobre o mesmo assunto naquela época. Este

manuscrito apareceu num momento em que “as matemáticas vão deixando de representar um saber

técnico, específico das Academias Militares e vão passar a fazer parte da cultura escolar geral de formação

do candidato ao ensino superior” 8 e o livro de Antonio Moniz retratou bem essa situação, reforçando esta

mudança de atitude. O seu interesse era no conhecimento matemático como elemento necessário ao bem

pensar, ao raciocínio preciso e claro. Ver a matemática segundo um ponto de vista filosófico, inclusive

fazendo uso da axiomatização representou um passo à frente naquele momento. No mesmo período na

Europa, as discussões a cerca da utilização da axiomática na matemática estavam ganhando corpo, mas

nada de definitivo tinha ainda sido estabelecido a respeito deste ponto de vista.

Outro fator de destaque do manuscrito sobre Álgebra, foi o estudo dos números negativos, tópico

ignorado pela maioria dos autores brasileiros daquela época, possivelmente em função da complexidade e

das dúvidas existentes a respeito de tal conceito. Utilizando uma abordagem parecida com a de Euler,

Antonio Moniz expôs o tema considerando as quantidades negativas como uma generalização da idéia de

subtração9. Porém, independente de qual seja a sua visão a respeito dos números relativos, as hesitações

presentes no seu livro nada mais são do que o retrato de um momento, afinal só no fim do século XIX é que

são superadas as controvérsias em torno da existência e sobre as propriedades destes números. Ao

abordar um tema controverso em sua obra, Antonio Moniz estava, no mínimo, contribuindo para ampliar a

discussão a respeito deste conceito em Salvador. No manuscrito Álgebra, o estudo desenvolvido

envolvendo números negativos, frações, números irracionais e números complexos foi muito atual para a

época e denotava uma atitude do autor francamente favorável a uma visão mais moderna e filosófica da

matemática.

4. Referências Bibliográficas 1. ARAGÃO, Antonio F. M. de. Álgebra. Manuscrito. Salvador, 1857 - 74.

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cidade de Salvador – 1855 a 1886. Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBa, 2005

4. COMTE, A. Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1978.

5. DIAS, André Luís Mattedi. Engenheiros, Mulheres, Matemáticos: Interesses e disputas na

profissionalização da matemática na Bahia (1896 – 1968). Tese de doutoramento, USP, 2002.

6. LIMA Jr. Francisco P. Ferrão Moniz, “um amigo da sabedoria”. Salvador: A Tarde, p.1, caderno 2, 30 de

junho de 1987.

7. OTTONI, Cristiano. Elementos de Álgebra. 3ª ed. Rio de Janeiro: Typographia PERSEVERANÇA. 1872.

8. SILVA, Circe Mary Silva da. A Matemática positivista e sua difusão no Brasil. Vitória: EDUFES, 1999.

9. VALENTE, Vagner Rodrigues. Uma história da Matemática escolar no Brasil, 1730 –1930 .2ª ed. São

Paulo: Annablume, 1999.

8 VALENTE, Vagner Rodrigues. Uma História da Matemática Escolar no Brasil (1730-1930). 2ª ed. São Paulo: Annablume; FAPESP,

2002, p. 119. 9 SILVA, Circe Mary Silva da. A Matemática Positivista e sua difusão no Brasil. EDUFES, Vitória, 1999, p.227.

Page 16: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

16

A ESTRUTURA DE GRUPO E O ENSINO DA ÁLGEBRA: INFLUÊNCIAS NO ENSINO DA MATEMÁTICA NO BRASIL NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

João Cláudio Brandemberg

Depto. de Matemática/ UFPA

[email protected]

Iran Abreu Mendes

PPGEd; PPGECIM/ UFRN

[email protected]

Resumo: Neste trabalho apresentamos uma proposta de pesquisa acerca do uso conjunto da história da

matemática com a resolução de problemas numa perspectiva de superação das dificuldades encontradas

por professores e estudantes de graduação em matemática (licenciatura e bacharelado) no ensino-

aprendizagem da Teoria dos Grupos. Acreditamos que um maior conhecimento acerca da origem e

desenvolvimento conceitual das estruturas algébricas, como a de Grupo, que hoje é sem dúvida, um dos

conceitos fundamentais em matemática, devido sua ligação com a Teoria dos números e com a Geometria

(Wussing, 2000), certamente contribuirá para o ensino-aprendizagem da álgebra abordada nesses cursos

de graduação. Nosso estudo tem como objetivo buscar alternativas didáticas centradas no uso pedagógico

de situações-problema extraídas da história da matemática. Esta abordagem metodológica tem como

finalidade principal indicar ao graduando em matemática uma possível contextualização significativa da

estrutura de Grupo, além de servir como elemento motivador, diminuindo o impacto do primeiro contato dos

estudantes com estas estruturas abstratas.

Apresentação Hoje, mais do que nunca, vivemos em uma época em que comunicar-se é condição de

sobrevivência. Dominar linguagens e conhecer diferentes formas de troca de informações são grandes

desafios para a sociedade e, em especial, para a educação. De acordo com as experiências vivenciadas

por nós enquanto professores de matemática, observamos que, em geral, a comunicação de conteúdos a

serem aprendidos é feita somente pela leitura, escrita e algumas representações específicas (como tabelas

e gráficos). Pretendemos discutir este desafio em uma perspectiva construtivista, tendo a história da

matemática e a resolução de problemas (problema como ponto de partida) como alternativas para melhorar

esta comunicação. Para isso precisamos conhecer a linguagem.

Acreditamos que um maior conhecimento acerca da origem e desenvolvimento conceitual das

estruturas algébricas, como a de Grupo, que hoje é sem dúvida, um dos conceitos fundamentais em

matemática, devido sua ligação com a Teoria dos números e com a Geometria (Wussing, 2000), certamente

facilitará, de forma abrangente e significativa, o processo de ensino-aprendizagem da álgebra abordada nos

cursos de licenciatura e bacharelado em matemática. O objetivo desse estudo é buscar alternativas didáticas que possam minimizar a as dificuldades

encontradas no ensino-aprendizagem desse tópico da matemática em turmas de graduação, com o

desenvolvimento do conceito da estrutura de Grupo, a partir do uso pedagógico de situações-problema

extraídas da história da matemática. Esta abordagem metodológica tem como finalidade principal indicar ao

graduando em matemática uma possível contextualização significativa da estrutura de Grupo, além de servir

Page 17: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

17

como elemento motivador, diminuindo o impacto do primeiro contato dos estudantes com estas estruturas

abstratas.

Sobre o estudo e ensino do conceito de estrutura de grupo A investigação de estruturas não está restrita a matemática. Ela tem conduzido os trabalhos de

inúmeros pesquisadores das ciências físicas, naturais e humanas. Na Álgebra, “Estrutura” tem sido um

termo familiar. A Estrutura algébrica é definida como um conjunto com uma ou mais operações. Nesta linha

temos definições técnicas como a de Tarski (apud SANTANNA, 2004), didáticas como em Van der Waerden

(1956) e Herstein (1986) e as de caráter geral como em Piaget (2003).

Definition. A nonempty set G is Said to be a group if in G there is defined an

operation * such that:

(a) a,b e G implies that a * b e G. (We describle this by saying that G is closed

under * )

(b) Given a, b, c e G, then a * ( b * c ) = ( a * b ) * c. ( This is described by saying

that the associative law holds in G.)

(c) There exists a special element e e G such that a * e = e * a = a for all a e G. ( e

is called identity or unit element of G).

(d) For every a e G there exists an element b e G such that a * b = b * a = e. ( We

write this element b as a-1 and call it the inverse of a in G.) (HERSTEIN, 1986,

p.46).

Em todos os textos modernos, a estrutura de Grupo é utilizada para esclarecer e exemplificar a idéia

de uma estrutura algébrica; apesar do apelo aos números inteiros ter influenciado alguns autores a trabalhar

inicialmente com a estrutura de Anel. Esta nova concepção, estabelecida no século XX, associada a nomes

como E. Noether, E. Artin, H. Hasse e Van der Waerden entre outros, foi baseada na identificação de

estruturas fundamentais (Wussing, 2000). É a chamada “Álgebra Moderna”, uma nova corrente de estudo e

desenvolvimento da Álgebra. De acordo como em Fuchs (1970), foi em seus “Elementos”, na parte

referente a Geometria que Euclides começou seu sistema pela formulação de proposições simples dotadas

de conteúdo concreto – os axiomas, enquanto Bourbaki em seu elementos de Álgebra, ao contrário, usou

as “estruturas básicas”, com características e formulações muito mais abstratas, porém muito mais exatas.

O conceito de Grupo, uma abstração dos chamados “Grupos de permutação” que derivou do

desenvolvimento das teorias de E. Galois e da teoria das equações algébricas, principalmente com N. H.

Abel, A. Vandermonde e J. L. Lagrange é trabalhado por Van der Waerden e Hasse como um processo

metodológico para o estudo e ensino da Álgebra.

Estudado no final do século XVIII e início do século XIX, com base em casos particulares, somente

no final do século XIX é que a noção de Grupo Abstrato foi introduzida e, a partir da primeira metade do

século XX, chegou aos livros textos de forma estruturada visando atingir um maior número de iniciantes.

Nos clássicos como Herstein (1970) e Van der Waerden (1956) a definição Grupo é apresentada

através do conjunto de todas as aplicações sobre um conjunto não-vazio S, o que por si só, é bastante

complicado, independentemente de ser uma das primeiras formas de caracterização do chamado grupo de

permutações (simetrias) e determinar com a lei de composição interna a propriedade universal de uma

Page 18: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

18

estrutura algébrica, no caso Grupo, via isomorfismos de Grupos, diferenciando-se apenas pela forma de

representação dos objetos (Sintaxe).

Segundo Herstein (1970), nem a beleza e nem o significado do exemplo escolhido para esta

discussão (introdução) de grupos são disputados entre os matemáticos, pois se trata, apenas, de um

atributo pedagógico. Um outro recurso é a abordagem finitista dos conceitos envolvidos.

Uma edificação inteiramente ‘ finitista ’ da Álgebra, evitando todas as

demonstrações de existência não construtivas é impossível sem grande sacrifício.

Dever-se-ia amputar partes essenciais da Álgebra ou então formular os teoremas

com tantas limitações que a exposição se tornaria intragável e certamente

inutilizável por principiantes. (VAN DER WAERDEN, 1956, p. vii).

Com relação a este aspecto, o tratamento dado à teoria dos grupos não é finitista, mas, talvez

devido ao caráter geral de teoremas fundamentais como o de Lagrange (1736-1813) e os de Sylow (1832-

1918) ou pela “simplicidade“ da estrutura. No entanto, são trabalhados inúmeros exemplos com conjuntos

finitos, para evitar a princípio a teoria dos cardinais. Deste modo, a abordagem introdutória da teoria de

conjuntos restringe-se às operações elementares.

Para Lins (2001), um tratamento altamente simbólico é dado ao estudo das estruturas algébricas

inicialmente com Evariste Galois (1811-1832) e Niels Abel (1802-1829), de forma “implícita”, até Bourbaki

(a partir de 1940), quando entramos no domínio do chamado “Cálculo Literal”, mas num sentido bem mais

sofisticado, o da sintaxe: um cálculo com regras próprias e ignorantes de qualquer sistema particular que

funcione com elas (números, por exemplo). Um mundo, enfim, completamente “abstrato” é estabelecido.

Cria-se um mito de uma matemática no qual o significado é irrelevante e a mesma passa a ser concebida

como objeto de estudo, e não mais como ferramenta, perdendo o vínculo com as aplicações e tornando-se

pouco compreensível aos alunos. É esta matemática que é introduzida, sobre forte influência da escola

francesa, na segunda metade do século XX, nas universidades e em seguida nas escolas brasileiras.

Constitui-se, assim, o modismo da Álgebra.

Para Pais (2001), esta é uma questão de transposição didática no ensino de matemática que não

atingiu as metas desejadas, e ampliou alguns problemas do processo ensino-aprendizagem, em particular

no caso brasileiro, pois

o movimento da Matemática moderna é um exemplo de transposição didática lato

sensu. O contexto inicial desse movimento era muito diferente do que prevaleceu

na proposta curricular. O resultado da reforma foi muito diferente da proposta do

plano intencional. Acreditava-se que era possível uma abordagem estruturalista

para o ensino da Matemática, sendo esta tentativa incrementada com o uso de

novas técnicas de ensino, esperando que fosse possível obter uma aprendizagem

mais fácil do que a tradicional. Diversas criações didáticas surgiram para tentar

viabilizar essa proposta. Este é o caso, dos diagramas de Venn, que de recurso

para representação gráfica, passaram a ser ensinados como conteúdo em si

mesmo. Nesse caso, as diversas reformulações ocorridas resultaram em

Page 19: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

19

inversões tão fortes que contribuíram para o fracasso do movimento, conforme

análise descrita por Kline (1976).(PAIS, 2001, p 20-21).

A busca por novas alternativas de transposição didática para o ensino da álgebra moderna sugere

que tomemos a história da matemática como uma aliada. A aliança didática pode apoiar-se aos problemas

contextuais nos quais ocorreu o desenvolvimento histórico da álgebra com vistas a localizar possibilidades

pedagógicas que superem as dificuldades encontradas por professores e estudantes de graduação em

matemática.

Uma breve história da álgebra Para seguimos uma linha de desenvolvimento histórico da Álgebra voltada para as mudanças nas

“notações algébricas”, recorremos à Boyer (1993), Eves (2002) e Lins (2001) entre outros. Começando com

os babilônios (c. 1700 a. C.), que desenvolveram regras eficientes para a resolução de problemas, embora

não tendo desenvolvido notação alguma. Estas notações algébricas aparecem em Diofanto (c. de 250 d.

C.), com a introdução de uma notação para a incógnita e um sinal especial para a igualdade, é a primeira

escrita geral de uma equação (notação Sincopada). A sistematização do uso de letras para representar os

dados (valores conhecidos) começa com o francês François Viète (1540-1603) com seu trabalho intitulado

In artem analyticam isagoge (em1591), em um cálculo em que as letras representam quantidades ou

grandezas geométricas que possuem regras próprias, compatíveis com as noções usuais de Aritmética e

Geometria. Tendo, supostamente, como último estágio a gênese da noção de Estrutura Algébrica, criada

por Evariste Galois (1811-1832) e Niels Abel (1802-1829) e divulgada pelo grupo Bourbaki (a partir de

1940) (Cálculo Literal).

Em seu artigo Ghosts of Diofhantus, de 1987, Eon Harper (apud LINS, 2001) toma a idéia,

apresentada por Nesselman em 1842, segundo a qual poderíamos classificar a Álgebra nos seus vários

momentos históricos, em Retórica (apenas palavras), Sincopada (alguma notação especial, abreviações) e

Simbólica (manipulação de símbolos). Enquanto para Nesselman essa era simplesmente uma postura

descritiva, Harper argumenta que de retórico a sincopado e a simbólico haveria um correspondente

desenvolvimento intelectual.

O movimento da Matemática Moderna e o ensino da Álgebra no Brasil Para Miorin (1998), O movimento da Matemática moderna, apresentou uma proposta com base

exclusivamente na moderna Matemática em sua forma axiomática desenvolvida pelo grupo Bourbaki, na

qual os elementos essenciais eram os conjuntos, as relações e as estruturas. O qual se espalhou, com

exceção da Itália e União Soviética, por todo o mundo.

Durante a década de 50, no Brasil as questões relativas ao ensino da Matemática, foram discutidas

de forma mais intensa. Em um congresso realizado em 1955, em Salvador-BA, com a participação de

instituições de ensino de vários estados brasileiros, ainda estavam presentes algumas das idéias propostas

pelo movimento de modernização do início do século. A busca da articulação entre as várias áreas da

Matemática entre a Matemática e as outras ciências e a importância de se considerarem elementos da

história da Matemática em seu ensino foram algumas delas. Além disso, nomes como Félix Klein (1849-

1925) e outros representantes do movimento foram amplamente citados. Com relação ao conteúdo

programático, foi aprovada uma proposta de articulação de várias áreas e eliminação de temas

considerados irrelevantes. Um desafio era aprovar um programa “novo”, moldado nas novas tendências,

Page 20: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

20

mas próximo ao programa em vigor evitando as graves dificuldades, para o processo ensino-

aprendizagem, que surgem de mudanças radicais. Foi dessa forma que chegaram inúmeros conceitos

matemáticos reformulados as universidades e escolas brasileiras, via sudeste, na segunda metade da

década de 70.

Considerações finais

A utilização de textos como Bourbaki (década de 60), Van der Waerden (década de 70) e Herstein

(década de 80) garantem e mantém este caráter abstrato da álgebra influenciando os autores nacionais

das décadas seguintes, como L. H. Jacy Monteiro, H. Domingues, A . Jones e E. de Alencar Filho entre

outros. O excesso de simbolismo e a ausência de significado (aplicações) apresentados nos livros textos

(clássicos ou elementares) e, conseqüentemente, nas aulas têm nos levado a respostas incompletas (ou

nenhuma), constituindo um dos principais problemas no ensino de graduação em Matemática que é o alto

índice de evasão em cursos iniciais de Álgebra. Não devemos esquecer que a Álgebra Simbólica dos

textos tem menos de 400 anos.

Bibliografia

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y significado. Vol. 3. Espanha: Alianza editorial, 1994.

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Page 21: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

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VAN DER WAERDEN, B. L. Álgebra moderna .Tradução: Hugo Baptista Ribeiro. Lisboa: 1956.

Page 22: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

22

QUEM FOI LEWIS CARROL?

*Enio Freire de Paula

*[email protected]

**Profª Dra. Rita Filomena Januário Bettini

**[email protected]

Faculdade de Ciências e Tecnologia

Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, SP

Resumo: Poucos conhecem a vida e a obra do matemático inglês Charles Lutwidge (1832-1898), que

através dos tempos imortalizou-se por seu pseudônimo: Lewis Carroll. Isso mesmo, Lewis Carroll, o autor

de um dos livros infantis mais lidos do mundo, “Alice no país das maravilhas” (1865), sucesso na literatura e

no cinema, era matemático. Criou vários jogos (com destaque para a Lógica), além de ser escritor, como

ficou mundialmente conhecido. De cunho histórico, este trabalho tem por objetivo apresentar e discutir

temas referentes a Carroll. Apresentará-se a criatividade e as contribuições de Lewis Carroll para o mundo

dos Enigmas Lógicos. Pode-se considerá-lo como um dos precursores dos jogos envolvendo palavras,

conhecidos hoje como palavras cruzadas. Enfatiza-se, porém neste texto uma das criações de Carroll: os

“doublets”. Este ano (2005), marca o centésimo septuagésimo terceiro aniversário de nascimento de Lewis

Carroll, e ainda hoje são raras as pessoas que conhecem, sua importância no campo da Lógica aplicada à

Educação. Os jogos desenvolvidos por Carroll há mais de um século, exploram o desenvolvimento do

raciocínio lógico utilizando-se apenas a linguagem literal. Paradoxos e problemas de lógica matemática

(utiliza-se essa linguagem para a referência aos problemas aritméticos), podem ser oferecidos aos alunos

em todos os níveis de escolaridade, com seu grau de dificuldade adequado à seriação em questão. Assim

os objetivos deste trabalho resumem-se à apresentação e apreciação da vida de Charles Lutwidge

Dogdson, nome verdadeiro de Carroll, bem como à discussão de suas obras e por fim oferecendo

sugestões para a utilização de seus enigmas lógicos no processo de ensino-aprendizagem da Matemática.

O Legado Carroliano Durante séculos os educadores ensinaram seus alunos através de estórias e desafios, isto é um

fato. Uma prova simples é o Papiro Rhind, datado cerca de 2800 a.C., com mais de 5 metros de

comprimento expõe dezenas de problemas matemáticos. Em diversos momentos da história da

humanidade a matemática foi abordada através de problemas e desafios, estes eram apresentados de

maneira graciosa: o matemático transformava-se em poeta e seus enigmas aritméticos tornavam-se

enunciados românticos.

Com o passar dos séculos esta tradição foi esquecida, e os desafios completamente enterrados. O

ensino de matemática privou-se das artimanhas dos enigmas lógicos, e os mistérios desconcertantes são

pouco discutidos entre alunos e professores. Entretanto, é de extrema importância estimular o cultivo da

arte de resolver problemas e despertar o interesse pela Matemática.

Embora apresente um passado um quanto perturbador, Carroll foi um exímio matemático,

principalmente no ramo da lógica. Seus trabalhos, talhados à uma linguagem cativante para o público jovem

e refinados com doses de humor, renderam-lhe os sucessos de seus livros de enigmas e as diversas

colaborações em revistas especializadas, das quais era colunista. Apresentara-se ao, no delinear desta

Page 23: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

23

obra, os enigmas, tão queridos por Carroll, bem a seu modo: linguagem simples, cativante e objetiva, com

sutis toques de humor.

Um dos objetivos deste projeto é proporcionar ao público a oportunidade de inteirar-se de estórias

que podem não lhes ter sido contadas, suscitando-lhes, vez ou outra, a pergunta: Por que coisas assim tão

belas não me foram contadas antes? Apresenta-se ao leitor alguns dos mais belos (e eternizados) enigmas

aritméticos e lógicos, tendo como ferramenta principal de análise o raciocínio lógico. Os problemas a serem

abordados aqui, rumam do nível iniciante, passam pelo intermediário até alcançarem um nível de

dificuldade maior.

Dará-se início com os jogos de autoria de Lewis Carroll: o doublets, e os criptaritmos. Entre esses jogos

apresentar-se-á alguns enigmas lógicos desenvolvidos pelo lógico e matemático contemporâneo

Smullyan, conhecido como o “novo Carroll”, envolvendo as estórias de Alice. Espera-se que através

desta leitura, dificilmente alguém permaneça indiferente à matemática e seus problemas. Ao invés da

aversão inicial, desperte um profundo prazer, dedicando-se ao deleite da satisfação intelectual.

Os Doublets No início do séc. XVII, os passatempos eram considerados “coisas de mulher”. No século seguinte

eram aclamados como “coisas de crianças e adolescentes”. A partir do final do séc. XIX, os adultos

passaram a constituir o novo público para os passatempos de lógica, o qual viria a se consolidar no século

XX. Parte desta crendice sustentou-se devido às colunas de passatempos publicadas na revista Womans

Home Companion (O Companheiro da Mulher do Lar) de autoria do também lógico Loyd.

Carroll desde a infância foi um aficionado pela lógica. Charles Dodgson foi um dos mais distintos

professores de Lógica da Universidade de Oxford. Escreveu diversos livros, panfletos e pequenos textos

para estudantes sobre Matemática e Lógica dos quais se destacam:

A Syllabus of Plane Algebraic Geometry (1860) ,

The Fifth Book of Euclid Treated Algebraically (1865/1868)

Euclid and His Modern Rivals, (1879)

The Game of Logic (1887)

Curiosa Mathematica, (1888)

Como autor de passatempos, seu maior sucesso foi o Doublets. Ainda hoje encontrado em revistas

de passatempos, na Internet e em livros de matemática, este jogo foi publicado em 29 de março de 1879,

nas páginas da revista Vanity Fair. A brincadeira consiste em a partir de uma palavra dada – PONTE, por

exemplo – e chegar até uma outra palavra dada como objetivo do jogo – CERCO por exemplo. A regra

permite a alteração de apenas uma letra de cada vez na palavra disponível, de modo que esta nova palavra

tenha sentido literal

Page 24: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

24

PONTE

PONTO

PORTO

PERTO

CERTO

CERTA

CERCA

A idéia é simples e preserva traços da lógica formal. Inicialmente tem-se o axioma, o ponto de

partida que neste caso é a palavra PONTE. Logo após tem-se as regras que permitem trabalhar o axioma

para produzir um resultado lógico, neste caso a mudança de uma letra. Além disso, a noção de prova ou

derivação: uma proposição é provada em um sistema axiomático se ela puder ser derivada a partir dos

axiomas usando-se as regras da lógica, ou seja, uma fórmula é derivada se esta pode ser obtida por

sucessivas aplicações das regras.

Nota-se que neste jogo o significado das palavras é irrelevante. O que importa é o processo de

construção para atingir a palavra – objetivo.

Por exemplo, seja o axioma SOL/LUA, qual o melhor caminho?

SOL SOL

SAL SUL

SUL SUA

SUA LUA

LUA

É evidente que o caminho melhor, ou seja, a solução mais elegante é à da direita.

Sobre o Ensino de Aritmética

O ensino da aritmética, bem como o ensino da álgebra nas escolas, ocorre através da resolução de

várias equações, privadas na maioria das vezes de “um bom enunciado”, ou melhor, de um enunciado

“carroliano”. Carroll propunha o ensino valendo-se de argumentos lógicos e enunciados que cativassem o

questionado. São os famosos desafios, muitas vezes acompanhados de uma estória mirabolante, cujo

objetivo é entreter enquanto se ensina.

Contudo, no entanto é necessário frisar: o ensino de Matemática não deve restringir-se a jogos.

Estes são apenas mais um dos artifícios para o ensino desta ciência. Seguem alguns enigmas para

exemplificar seu uso na Matemática.

Problema 1: O Caso do Joalheiro “Certo dia, um homem trouxe cinqüenta e nove pedras preciosas para vender ao joalheiro. Algumas

delas eram esmeraldas (verdes) e as outras eram rubis (vermelhas). As pedras vinham guardadas em

Page 25: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

25

sacos separados, nove esmeraldas em cada saco de esmeraldas e quatro rubis em cada saco de rubis.

Quantas das pedras eram rubis?”.

Este é um modelo típico de enigma carroliano. Ao defrontar-se com um problema desse tipo, “a

vítima”, cega pela ausência de incógnitas (x ou y, por exemplo), não consegue interpretar o problema e

solucioná-lo. Caminha num vale de possibilidades, o que ocasiona em diversas soluções para a mesma

questão levantada.

A matemática, como uma ciência exata, necessita de critérios para caminhar da escuridão do

conhecimento para o vale da verdade, nas palavras de Descartes. Após a leitura atenciosa e detalhada do

problema sugerido, deve-se seguir alguns passos dentre eles: anotar todas as informações numéricas e

suas possíveis relações, e principalmente não forjar uma resposta.

A ordem dos passos varia de problema à problema, ou seja, cada caso é um caso. Porém esta

metodologia é válida e necessária para guiar o processo crítico no que diz respeito aos problemas de

insight. Segue agora a resolução deste problema.

O enunciado do enigma traz uma informação, a quantidade de pedras (59). Além disso, informa a

como as mesmas vêm distribuídas: esmeralda 9 pedras no saco e 4 rubis em cada saco de rubis. Seja E,

esmeralda e R, rubi, tem-se em linguagem matemática a seguinte expressão:

(I) E + R = 59

O segundo passo, consiste em anotar as relações entre os números, neste caso a quantidade de

pedras contidas em cada saco:

Para se descobrir o total de rubis e assim solucionar este enigma é necessário saber à priori,

quantos sacos de cada pedra existem. E esta informação não é apresentada no enunciado do problema, ou

seja, existe um “outro enigma disfarçado?”. A resposta para essa questão é SIM. Porém a resposta para a

quantidade de cada sacos foi apresentada no enunciado implicitamente.

Observe este trecho do enunciado:

“[...] as pedras vinham guardadas em sacos separados: nove esmeraldas em cada saco de esmeraldas e

quatro rubis em cada saco de rubis”.

Os números citados são inteiros: 4 e 9. Isso implica que não existem ⅝ rubi ou ⅔ de esmeraldas: as

jóias estavam guardadas em unidades. Assim para descobrir quantos sacos de cada tipo de pedra existem

é necessário dividir o total de jóias (59 pedras) pela quantidade de pedras presentes em cada saco. Assim

tem-se o total máximo de sacos de cada uma das pedras:

9 4

Esmeraldas Rubis

Page 26: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

26

59 ∟4 Total de rubis contidos em cada saco de rubis

13 14 Total máximo de sacos de Rubis

59 ∟9 Total de esmeraldas contidos em cada saco de esmeraldas

5 6 Total máximo de sacos de Esmeraldas

Esses são as possibilidades então: sendo 59 o total de pedras preciosas, é possível a existência de

no máximo 14 sacos de Rubis ou 6 sacos de esmeraldas. A partir deste pensamento, reduziu-se o intervalo

de possibilidade, antes desconhecido e vasto, para o seguinte:

O número de sacos que contêm rubis é menor que 14

O número de sacos que contêm esmeraldas é menor que 6

Em linguagem matemática voltemos a (I)

E + R = 59 , E≤6 e R≤14

Ao substituir um dos valores na equação e analisar a divisibilidade do outro, chega-se à quantidade

de sacos das referidas pedras e encontra-se por fim, o total de rubis como pede o problema. Substituindo

em E (esmeralda) tem-se:

E + R = 59

6 + R = 59 ↔ R = 53, não é divisível por quatro

5 + R = 59 ↔ R = 54, não é divisível por quatro

4 + R = 59 ↔ R = 55, não é divisível por quatro

3 + R = 59 ↔ R = 56, é divisível por quatro

2 + R = 59 ↔ R = 57, não é divisível por quatro

1 + R = 59 ↔ R = 58, não é divisível por quatro

Comentário: um número é divisível pó outro quando o resto da divisão é zero. Por exemplo, 53 não

é divisível por 4, pois o resto é 1. Portanto, o conclui-se que existem 3 sacos de esmeraldas. Agora é só

substituir o total de esmeraldas (3 x 9 = 27) em (I):

27 + R = 59 ↔ R = 32,

e portanto o total de rubis é 32. Dividindo este total pela quantidade de pedras contidas em cada

saco (4) tem-se um total de 8 sacos de rubis. Conclui-se então que a resposta para esse problema é:

3 sacos de esmeraldas, totalizando 27 pedras e 8 sacos de rubis totalizando 32 pedras.

Este foi o primeiro dos enigmas aritméticos e por este motivo caracterizou-se pelo grande detalhamento.

__________________________________

Problema 2: O Porteiro do Céu e o Porteiro do Inferno

Após morrer, Artaxerxes chegou no além e viu-se diante de duas portas exatamente iguais. Em

frente a cada porta existia também um porteiro. Ambos idênticos. A única diferença estava no caráter. O

porteiro do céu só fala a verdade em contrapartida, o porteiro do inferno sempre mente. Artaxerxes tem

direito a fazer apenas uma pergunta para tentar descobrir qual é a porta do céu.

Page 27: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

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Observação: Perguntas idiotas não são permitidas. Por exemplo, não é válido dirigir-se a um dos

porteiros e perguntar-lhe: “Porteiro, eu tenho cinco dedos nas mãos?”, pois se a pergunta fosse dirigida

ao porteiro do céu, este diria SIM, e se fosse para o porteiro do inferno este diria NÃO, pois ele sempre

mente.

Assim, descartando as perguntar estúpidas, qual seria uma pergunta válida?

Observe que este enigma não exigiu contas, ou seja, não é um problema de aritmética, e sim de lógica.

Como agir nesta situação? O método a ser utilizado é conhecido como método da exaustão, ou seja,

devem-se testar todas as possibilidades. De início, o enunciado do enigma já adverte a respeito de

“perguntas estúpidas”. Note que o exemplo de pergunta citado no enunciado trata de algo exterior aos

porteiros, e deste modo nunca se saberá quem é o porteiro de onde. A única solução é questionar a um

porteiro sobre o outro. Sabe-se que o porteiro do céu só diz a verdade (o enunciado nos garante), então

Artaxerxes questiona um dos porteiros:

O porteiro do céu sempre mente?

Se o porteiro questionado é o responsável pela entrada do céu, este responderá: NÃO, pois o porteiro do

céu sempre diz a verdade, e a frase utilizada é falsa. Se o porteiro questionado é o responsável pela

entrada do inferno, este responderá SIM, pois a frase é falsa e o porteiro do inferno sempre mente. Do

mesmo modo pode-se perguntar:

O porteiro do inferno sempre mente?

O raciocínio é análogo. Se o questionado for o porteiro do céu, sua resposta será SIM, pois a frase é

verdadeira. Contudo se o questionado for o porteiro do inferno sua resposta será NÃO, ou seja, sua

resposta será: “O porteiro do inferno sempre diz a verdade”, o que é um absurdo.

Assim, com uma das perguntas pode-se descobrir quem são os porteiros.

____________________________

Através desta analise de enigmas constata-se as grandes especificidades no apresentar de cada

problema: eles são únicos. É impossível traçar um caminho para resolver exercícios de matemática. Na

realidade o sucesso na resolução de um problema desse tipo é fruto da prática e do raciocínio lógico

empregados conjuntamente.

Desafios no País das Maravilhas Smullyan, renomado matemático e lógico, é professor emérito de filosofia da Universidade de

Indiana e da City University of New York. Suas diversas obras incluem volumes de lógica de entretenimento

e problemas matemáticos, estudos de lógica dedutiva em xadrez e coletâneas de ensaios filosóficos e

aforismos. Os desafios que apresentar-se-ão são adaptações de enigmas retirados de um de seus livros, a

respeito de Carroll e Alice. Num primeiro momento apresentar-se-á os enigmas, e logo após suas

respectivas soluções.

Problema 3: O Enigma da Rainha Vermelha (Capítulo 6, pág. 75)

- Você sabe dividir Alice? – perguntou a Rainha Vermelha

Page 28: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

28

- Sei é claro! – respondeu Alice.

- Pois bem, suponhamos que você divida onze milhares, onze centenas e onze por

três. Que resto você obtêm? Pode usar estes papéis.

Alice pôs-se a trabalhar e fez a conta.

- Obtenho resto 2. – respondeu Alice.

- Errado!!! – exclamou a Rainha Vermelha triunfante. Está vendo ela não sabe

dividir!!.

- Nadinha de nada..... – concordou a Rainha Branca.

Alice estava certa?

Resoluções

Problema 3: Alice cometeu o erro de escrever onze milhares, onze centenas e onze como 11.111, o

que está errado. Este número (11.111) é onze milhares uma centena e onze. O correto seria:

Onze milhares 11.000

Onze Centenas + 1.100

Onze 11

12.111

O resultado (12.111) é divisível por 3 e portanto o resto é zero. Conclui-se que Alice está errada.

Expectativas

O ideal matemático do professor Charles (Lewis Carroll) é fascinante. Por meio dele é possível

ensinar, sem traumas para ambos os lados, qualquer conhecimento simples de matemática; trauma este

que pressiona o professor, por achar-se impotente perante as dificuldades de seus alunos, e pressiona

também o aluno por achar-se sem condições de aprender determinado assunto. Através da análise

investigativa e do estímulo, fruto da ação docente é possível a realização de uma verdadeira transformação

no ensino desta ciência.

Contudo não se devem abolir as teorias, definições e postulados durante o processo de ensino-

aprendizagem, mas sim apresentá-los de modo mais atraente.

O uso de jogos e problemas, como os discutidos neste trabalho, é um caminho, mas não o único.

Atividades multidisciplinares são de mesmo modo, importantes para a formação de ambos, professor e

aluno. Todavia restringir a Matemática a estes problemas, ou seja, apresentar somente a Matemática

Prática, não enriquece o desenvolvimento da mesma, pois ela não se resume ao troco da padaria.

É função da Matemática fomentar a abstração criativa e o raciocínio lógico que todos, sem distinção de

idade ou sexo, são capazes de desenvolver. Os subsídios para aprender matemática são interesse e

estímulo.

Carroll contribuiu a seu modo. Cabe agora aos professores difundi-lo ou exercitarem a própria

criatividade para garantir o progresso da Matemática. Estou convicto, de que a Matemática, fonte de imenso

prazer intelectual, pode e deve ser ensinada de forma leve e espontânea, para que se obtenha como

resultado, a conquista de inúmeros novos adeptos.

Page 29: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

29

Bibliografia NINA, Cláudia. Alice: Edição comentada para adultos rediscuti pedofilia. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,

23 nov., 2001. Cadernos. Disponível em :

http://www.jbonline.terra.com.br/papel/cadernos/idéias/2001/11/23/joride20011123001a.html. Acesso em:

08 fev. 2004.

SMULLYAN,Raymund M. , Alice no país dos enigmas: incríveis problemas lógicos no país das maravilhas.

Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed., 2000, 191 p.

MORTARI, Cezar A., Introdução à Lógica. São Paulo: Editora UNESP: Imprensa Oficial do Estado, 2001,

393 p.

PERKINS, David, A Banheira de Arquimedes: como os grandes cientistas usaram a criatividade e como

você pode desenvolver a sua. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002,337 paginas

Page 30: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

30

MÁXIMOS E MÍNIMOS E TANGENTES A UMA CURVA: A PROPÓSITO DA OBRA DE FERMAT

Juan Carlo da Cruz Silva – UFRN

[email protected]

Iran Abreu Mendes – UFRN

[email protected]

Resumo: Pierre de Fermat (1601-1665) foi um dos mais brilhantes matemáticos franceses do século XVII.

Dentre suas inúmeras contribuições para a matemática, ele foi considerado o iniciador da geometria

analítica (ao lado de René Descartes) e detentor de inúmeros méritos na Teoria dos Números. Sua obra,

nesta área, consiste de alguns teoremas importantes para posterior desenvolvimento matemático como em

seu “Último teorema”, quando propôs que “para qualquer valor n > 2 não existe valores x,y,z, tais que xn + y n = zn” e cuja demonstração só foi concretizada com sucesso, recentemente. Neste trabalho abordaremos

um exemplo particular da vasta produção matemática de Fermat em relação aos seus contemporâneos.

Trata-se de dois importantes métodos desenvolvidos por este matemático, por volta de 1629: 1) para

determinar máximos e mínimos e 2) para determinar a tangente de uma curva, pois Fermat desenvolveu-os

antes mesmo de Isaac Newton apresentar, em 1669, o seu cálculo em De analysi per aequationes numero

terminorum infinitas. Por fim, apontaremos algumas conseqüências dos mesmos para o desenvolvimento do

cálculo diferencial na época e teceremos algumas considerações acerca da relação entre os métodos de

Fermat e o modo como atualmente se desenvolve e se ensina o cálculo diferencial.

Considerações Iniciais Segundo Meneghetti (2001), “os números infinitesimais surgiram primeiro por meio de alguns

problemas nos quais Fermat se envolvera, levando-o a formular seu método para a determinação de

máximos e mínimos. Ele proporcionou a introdução dos infinitesimais na análise” (MENEGHETTI, 2001,

p.348). A afirmação da autora relata a importância da obra de Pierre de Fermat dentro do estudo da

matemática. Sua contribuição é relevante para a matemática do século XVII e posteriores.

Especificamente para o cálculo, Fermat que já possui méritos por criação da geometria analítica

enriqueceu ainda mais os estudos nesta área levantando, junto com os matemáticos do século XVII o

problema das tangentes a uma curva. Mesmo anteriormente a publicação em que Newton apresenta o

cálculo ao mundo matemático, Fermat consolida e publica métodos de determinação da reta tangente.

Trata-se de um problema motivador do cálculo diferencial, baseado no método de achar máximos e

mínimos de curvas e seus métodos são tão concisos que podemos relacioná-los ao que nos dias de hoje

nós vemos e é ensinado nos curso de cálculo.

Considerando que o estudo de tais métodos é de grande relevância para o atual estágio da nossa

pesquisa, deixamos para posteriores estudos a influência que estes tiveram sobre os matemáticos que

depois da consolidação da teoria dos limites desenvolveram o que é atualmente visto como métodos sólidos

para achar tangentes e extremos de curvas.

Nossa finalidade compreende o estudo dos procedimentos matemáticos desenvolvidos por Fermat

buscando relacioná-los com os procedimentos atuais praticados no cálculo diferencial. Para tanto faremos

um breve resumo da obra de Pierre de Fermat de modo a identificarmos e analisarmos seus métodos

visando estabelecer as relações matemáticas previstas. Acreditamos que a partir dessas relações poderá

Page 31: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

31

ser possível apontar possibilidades de uso das informações históricas no ensino desse tópico em sala de

aula.

A Obra de Pierre de Fermat Nascido em 1601, Pierre de Fermat teve uma educação sólida em sua família. Filho de um

comerciante de couros, foi enviado para estudar Direito em Toulouse, onde passou sua vida exercendo o

Direito. Foi conselheiro do Parlamento e morreu em 1665. Ele estudava matemática como “hobbie”, sua

principal ocupação era o direito. Contudo, pode ser considerado o maior matemático francês do século XVII,

visto suas inúmeras publicações.

Fermat começou a se interessar pela matemática durante o envolvimento com a restauração dos

livros de Alexandria, trabalho este que iniciou em 1621 quando, a partir da coleção de Pappus ele começou

a reconstruir os livros de Apolônio. É interessante notar que todo o trabalho de Fermat teve influência dos

gregos antigos devido a ter tido esse trabalho de restauração como ponto de partida. Fermat foi

demasiadamente questionado por seus contemporâneos por usar conceitos e raízes filosóficas dos gregos

antigos, mesmo em vista das descobertas de seu tempo. Apesar disso, ele sempre foi honrado e

considerado um grande matemático, de fato, Laplace, ao conhecer sua obra o chamou de “inventor do

cálculo diferencial” e Pascal confessou que Fermat era “aquele a quem tenho por o maior geômetra de toda

Europa” (COLLETTE, 1993, p. 22).

Fermat tem grandes obras nos campos do cálculo integral e diferencial, teoria dos números, teoria

das probabilidades, geometria analítica, entre outros. Porém, por ser a matemática para Fermat motivo de

entretenimento pessoal pouco publicava sobre seu trabalho. As fontes históricas de seu trabalho consistem

em correspondências que mantinha com os matemáticos de sua época, especialmente com seu amigo

Mersenne, além daquilo que seu filho publicou após sua morte, publicação intitulada Varia opera

mathematica, datada em 1679, e daquilo que foi encontrado em pequenos rascunhos dos textos antigos

que lia. Um fato interessante é que seu chamado “Último teorema” dentro da teoria dos números foi

encontrado em uma margem de um texto de Apolônio e por ser esta margem pequena ficara sem

demonstração durante séculos, pois somente recentemente, no século XX os matemáticos obtiveram sua

prova, se Fermat realmente conseguira ou não uma demonstração correta nunca se saberá. De fato, uma

grande parte de seus trabalhos se perdeu no decorrer do tempo e em meio aos seus rascunhos.

Voltando ao seu trabalho de restauração da obra de Apolônio, Fermat se encontra com o problema

da circunferência tangente a outras três, isso o encaminhou a pensar sobre as tangentes a curvas, um

problema clássico que questionava os matemáticos da época. Os gregos antigos haviam resolvido tais

problemas de maneira insatisfatória para os matemáticos do século XVII que conheciam outros princípios

geométricos e alem disto viam nascer a geometria analítica que associava à geometria métodos algébricos

em vista da resolução de problemas.

Quanto a criação da geometria analítica Fermat, ao lado de Descartes, carrega a sua

responsabilidade, pois paralelamente aos trabalhos de Descartes, ele também criava seus métodos e sua

geometria analítica baseado na análise e na notação de Vieta e nos problemas geométricos dos gregos

antigos. Assim, por perceber que muitos problemas geométricos que os antigos consideravam difíceis o

eram devido a grande dificuldade de expressão destes, Fermat se propõe a alterar a forma de expressão

dos problemas, nasce assim a sua geometria analítica.

Page 32: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

32

Outros trabalhos de destaque Fermat realizou, dentre eles, alguns teoremas importantes, entre

1938 e 1644, na teoria dos números, como os seguintes:

• Nenhum número da forma 8k – 1 é quadrado ou soma de rês quadrados;

• Todo número é soma de três números triangulares e mais, de quatro números quadrados, de cinco

números pentagonais, etc;

• 22n + 1 (os números de Fermat) não são primos se 5 < n ≤ 16;

• Se a e p são primos entre si e p é primo então ap-1 ≡ 1 (mod p);

Esta última preposição é chamada de “o pequeno teorema de Fermat” e é estudada em qualquer

curso de graduação de matemática que estude teoria dos números.

Na teoria das probabilidades podemos colocar, segundo Collette (1993), o fato de que Fermat,

antes de 1636, descobre a fórmula da combinação de n elementos p a p, isto é,

!)1)...(1(

ppnnnC n

p+−−

= (COLLETTE, 1993, p. 36).

Vejamos agora os métodos desenvolvidos por Fermat, no período de 1628 até 1629, que lançam os

princípios do cálculo diferencial e são os antecedentes desta área da matemática.

O Método para Achar Mínimos e Máximos Em 1637, Pierre de Fermat escreveu Methodus ad disquirendem máximam et minimam, um tratado

em que apresentava seu método para determinar os máximos e mínimos de curvas. Em notação atual esse

método consistia em encontrar os pontos onde a função derivada de primeira ordem se anula, assim Fermat

já havia entendido a condição necessária para o ponto de uma curva ser extremo. Contudo não existia a

teoria dos limites na época em que Fermat descobrira tal método, mesmo a geometria analítica criada por

ele mesmo e seu contemporâneo e rival intelectual René Descartes estava consolidando seu método na

matemática da época, segundo Wussing (WUSSING, 1998, p. 151) Fermat desenvolveu esse procedimento

em cerca de 1629.

Fermat apresenta o método que consistia em acrescentar um valor E > 0 ao ponto de tangencia e

da curva. Se tomarmos E pequeno este novo ponto, digamos A + E (onde A é o ponto de tangencia e

pertence a curva), será próximo ao ponto de tangencia, assim Fermat nos conduz a igualarmos os pontos e

a dividirmos ambos os termos por E, após isto tomamos E = 0, o resultado nos mostra as abscissas dos

pontos extremos da curva. A linguagem de Fermat em seu tratado é a seguinte:

SOBRE UM MÉTODO PARA DETERMINAÇÃO DE MÁXIMO E MÍNIMO.

Dividir o segmento AC em E, de tal modo que o retângulo AE.EC possa ser

máximo.

Seja a reta AC dividida em E, de tal modo que o retângulo AE.EC possa ser

máximo.

Page 33: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

33

Seja AC igual a B e um dos segmentos igual a A: o outro será B-A, e o retângulo,

cujo máximo procuramos, será BA – Aq. Agora seja A+E a primeira parte de B, o

resto será B-A-E e o retângulo formado pelos segmentos será BA – Aq + BE - 2AE

– Eq, que consideraremos ser aproximadamente igual a BA – Aq. Removendo

termos comuns:

BE ~ 2AE + Eq

E dividindo por E, B ~ 2A + E.

Desprezando E, B é igual a 2ª. Para resolver o problema devemos dividir a reta ao

meio: é impossível existir um método mais geral.

(MERSENNE, 1932-62 apud BARON, 1985, p.36)

Fermat possuía em seu tratado uma linguagem de certo ponto confusa em relação aos dias atuais,

pois considerava letras maiúsculas tanto como segmentos de retas como constantes e variáveis, alem

disso, não possuia a notação de “ao quadrado”, por isso descrevia a segunda potência de A como Aq.

Outra consideração importante na obra de Fermat é que ele não mostra como determinar se o ponto

encontrado é de máximo ou mínimo, pois como não possuía a teoria dos limites e não conhecia derivação,

jamais notara que seu método é apenas uma condição necessária e não suficiente para obtermos o máximo

ou mínimo. Contudo, acreditava que seu método era o mais fácil e prático método para determinar os

extremos das curvas. De certo modo tinha razão, pois seu método é utilizado até hoje, sobre a forma

equivalente e sobre a teoria dos limites, assim o método de Fermat equivale a:

E

(x) f - E)(x flim 0+

→E = 0

O método de Fermat tem como universo as funções polinomiais, sendo de difícil aplicação para

outros tipos de curvas. Vejamos, em notação atual, um outro exemplo do método de Fermat para encontrar

os extremos de uma curva, com a curva polinomial y=nx3:

F(A) = nA3 ⇒ F (A+E) = n(A+E)3 = nA3 + 3nA2E + 3nAE2 + nE3

Aproximando ambos os termos tornando-os iguais, temos:

nA3 = nA3 + 3nA2E + 3nAE2 + nE3

Simplificando e dividindo por E, segue que:

3nA2 + 3nAE + nE2 = 0

Igualando E a zero temos a equação cujas raízes são as abscissas dos pontos de máximo e

mínimo: 3nA2 = 0. Porém, neste caso além de não podermos determinar o máximo e o mínimo, pois estes

não existem a não ser dentro de um domínio que seja subconjunto próprio dos reais, também não temos,

pelo método de Fermat compreender o ponto de inflexão da curva, daí percebemos as limitações do método

de Pierre de Fermat.

Page 34: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

34

O Método para Achar a Tangente a uma Curva Continuando dentro de seu universo de curvas polinomiais Fermat desenvolveu, baseado no seu

método de achar os extremos das curvas, um segundo método para achar a tangente de uma curva em um

ponto dado a partir de suas subtangentes, isto é, segmentos de retas cujos extremos são a projeção do

ponto de tangencia sobre o eixo e o ponto de concorrência entre a tangente e o mesmo eixo.

Fermat apresenta seu método da seguinte maneira:

SOBRE AS TANGENTES A CURVAS

Usamos o método acima para determinar a tangente a uma curva em um ponto.

Tomemos, por exemplo, a parábola BDN com vértice em D. Consideremos que a

tangente à parábola passa por B e encontra o diâmetro em E. Então, tome

qualquer ponto O sobre a reta BE e trace a ordenada OI; também trace a

ordenada BC no ponto B; temos então que CD/DI será maior que qBC/qOI, pois o

ponto O está fora da parábola; mas, usando triângulos semelhantes, qBC/qOI =

qCE/qIE; segue-se daí que CD/DI é maior do que qCE/qIE. O ponto B é dado, logo

conhecemos BC, o ponto C e CD; seja CD igual a D; seja CE igual a A e CI igual a

E; temos que ED

D−

é maior do que AEEqAq

Aq2−+

, e multiplicando os meios

pelos extremos, DAq + DEq -2DAE é maior do que DAq – EAq.

Sejam então os termos aproximadamente iguais, de acordo com o que estabelece

o método; removendo termos comuns, temos,

DEq – 2DAE ~ - AqE , ou, o que dá no mesmo, DEq + AqE ~ 2AED.

Dividindo por E, DE + Aq ~ 2DA.

Desprezando DE vem Aq igual a 2D.

Assim, provamos que CE é igual ao dobro de CD, que é o resultado.

O método nunca falha: ele pode ser estendido a vários problemas; temos usado

também para determinar centros de gravidade de figuras limitadas por retas e

curvas assim como sólidos. Ele une vários outros resultados que podemos

descrever adiante se o tempo permitir.

(MERSENNE, 1932-62 apud BARON, 1985, p.37)

Notamos novamente a dificuldade de expressão de Fermat que torna meio confusa sua explanação,

contudo o seu método é expresso, na atualidade, como:

E (x) f - E)(x flim 0

+→E

Porém, Fermat fora em seu período questionado publicamente por Descartes sobre a validade de

seu método para outras curvas. O próprio René Descartes também encontrara um método para achar a

tangente a curvas e na busca de validar o seu frente ao de Fermat propôs a este uma curva conhecida

como folium de Descartes (folha de Descartes). A história relata que, sem muitas dificuldades, ele aplicou

seu método corretamente nesta curva encontrou sua tangente.

Por fim, as críticas de Descartes se limitaram às bases conceituais do procedimento de Fermat,

visto que esse ainda aplicava a tangente como definiam os gregos antigos, a reta que se encontra com a

Page 35: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

35

curva em um único ponto e todos os seus outros pontos não pertence à curva, de modo distinto de que se

via na época como o limite de cordas, ou seja, os pontos de encontro entre a curva e as cordas se

aproximam indefinidamente até que se encontram transformando a corda na tangente a curva, visão esta

que impregnava os matemáticos da época devido ao princípio descoberto por Cavalieri.

Tanto Fermat como Descartes tentaram estender seus métodos a outros tipos de curvas, alem das

polinomiais, cada um com sua visão sobre tangente e com curvas distintas.

Considerações Finais A partir das colocações anteriores, podemos verificar que os métodos de Pierre de Fermat,

desenvolvidos no período de pré-descoberta do cálculo, estavam apoiados nos problemas dos gregos

antigos e a medida em que foram aprimorados a luz de uma grande e nova invenção do século XVII, a

geometria analítica fizeram surgir as bases do cálculo diferencial.

Assim, fica evidente que, a associação da álgebra aos problemas geométricos abordados por

Fermat foi lançada a semente do cálculo diferencial que teve em Newton e Leibniz seus grandes agentes de

desenvolvimento.

Acreditamos, portanto, que os estudos elaborados posteriormente, acerca da reta tangente e dos

extremos de uma curva, têm de, certo modo, a influência do pré-cálculo de Fermat e das refutações

emitidas por Descartes sobre este.

Contudo, sabemos que as idéias matemáticas desenvolvidas no cálculo apontam, atualmente, para

além dos estudos sobre as tangentes e os extremos, realizados por Fermat. Desse modo é possível

reconhecermos a importância de dois fatos para tal expansão: a teoria dos limites e o refinamento da

notação (em grande parte devido aos estudos de Leibniz que geraram o cálculo).

Notamos as falhas dos métodos de Fermat embasadas principalmente na notação, e na falta de

explanação dos porquês de tais métodos, mas Fermat tinha como objetivo explanar sobre os métodos e não

lançar fundamentações teóricas sobre estes como se já estivessem sido consolidados. Além disso, no caso

dos extremos a sua falta de exatidão quanto a determinação de máximo e mínimo, bem como a de

percepção da existência de pontos de inflexão.

Cabe-nos, também, perceber que mesmo com tais problemas a obra de Fermat é bastante

importante pelo seu avanço no contexto matemático em que se desenvolvia bem como pela sua validade,

que se permeia até hoje dentro de outros contextos teóricos.

Bibliografia BARON, Margareth E. Curso de História da Matemática. Origens e Desenvolvimento do Cálculo. Unidade 2:

indivisíveis e infinitésimos. Trad.: José Raimundo Braga Coelho.Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1985.

BOYER, Carl B. Historia da Matemática. Trad.: Elza Gomide. 2ª edição. New York: Editora Edgar Blücher

Ltda, 1974.

COLLETE, Jean-Paul. História de lãs matemáticas II. Madrid: Siglo Veinteuno de Espana Editores, SA,

1993.

EVES, Howard. Introdução à Historia da Matemática. Trad.: Hygino H. Domingues. Campinas: Editora da

Unicamp, 1995.

MENEGHETTI, Renata C. G. O Desenvolvimento do Cálculo: alguns aspectos. In: Fossa, John A. (editor)

Anais do IV Seminário Nacional de História da Matemática. Rio Claro: Editora da SBHMat, 2001.

Page 36: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

36

VILLARREAL. Mônica E. O problema das retas tangentes: a sua resolução na história da matemática de

Euclides a Barrow. In: Nobre, Sergio (editor) Anais do 2o encontro luso-brasileiro de história da matemática

e II seminário nacional de história da matemática. São Paulo: Águas de São Pedro, 1997.

WUSSING, Hans. Lecciones de História de las Matemáticas. Madrid: Siglo Veintiuno de Espana Editores,

SA.,1998.

Page 37: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

37

ANÁLISE HISTÓRICO-EPISTEMOLÓGICA DAS IDÉIAS DE LEIBNIZ SOBRE O MÉTODO DA TRANSMUTAÇÃO

Julio Faria Correa – UEL

[email protected]

João Ricardo Viola dos Santos – UEL

[email protected]

Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino – UEL

[email protected]

Resumo: Um dos objetivos da História da Matemática é o de descrever, analisar e explicar o processo de

desenvolvimento do conhecimento matemático tendo em vista os diferentes modos de sua geração,

organização e difusão. A análise crítica destes modos pode (re)significar a compreensão dos conceitos bem

como ampliar nosso entendimento sobre sua constituição revelando os acertos, erros, avanços e

retrocessos. Acreditamos que a História da Matemática pode auxiliar na formação inicial de professores de

matemática, tomada como um campo de investigação, formando profissionais críticos e reflexivos, que por

sua vez, podem auxiliar na formação de cidadãos responsáveis atuantes na sociedade. O objetivo deste

artigo é realizar uma análise histórico-epistemológica do método da transmutação de Leibniz, suas

contribuições para o desenvolvimento do cálculo diferencial integral, tendo vistas a algumas relações com

as técnicas e notações atuais do cálculo.

Palavras-chaves: História na Educação matemática, transmutação, formação de professores.

1 Introdução Reaver os caminhos trilhados pela humanidade na constituição dos objetos matemáticos,

analisando criticamente as trajetórias percorridas, as dificuldades encontradas, as alternativas tomadas em

vista destas, os erros e acertos, ou seja, as formas com as quais o homem ao longo de sua história

construiu e se apropriou de artefatos e mentefatos, conhecimentos e construtos, podem, não somente,

ampliar o campo de visão a cerca de sua realidade, como também (re)significar o modo como o homem à

concebe (SANTOS & CYRINO, 2005).

Um dos campos de investigação da História da Matemática na Educação Matemática tem sido o de

estudar as implicações da história nas práticas pedagógicas, sob diferentes perspectivas teóricas. As

investigações das relações – por meio de análises histórico-epistemológicas – entre os “caminhos trilhados”

e os que estão sendo construídos, realçam interfaces entre estes dois contextos e podem modificar

qualitativamente a educação matemática. As potencialidades pedagógicas da História da Matemática, para

promoção de significados nos conteúdos matemáticos, são estratégias para melhoria do ensino e da

aprendizagem e fazem parte de um campo de investigação, o da História na Educação Matemática.

Nos últimos anos vários autores vêm se dedicando a construção de propostas didáticas fazendo uso

da história da matemática. No campo de investigação História na Educação Matemática vemos algumas

perspectivas teóricas constituídas ou em construção. Entretanto Miguel & Miorim (2004) revelam uma

limitação no que diz respeito a estas perspectivas. Muitas vezes elas não vão além do terreno restrito da

História da Matemática propriamente dita. Assim, estudos que busquem na História da Matemática a

Page 38: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

38

realização de projetos em educação matemática, formação de professores ou na educação matemática

escolar são de extrema importância para uma melhoria no quadro educacional brasileiro.

Um dos objetivos da História da Matemática é o de descrever, analisar e explicar o processo de

desenvolvimento do conhecimento – em particular o matemático – tendo em vista os diferentes modos de

se organizá-lo (D’AMBRÓSIO, 1999). Devemos atentar, não somente, para o desenvolvimento do conceito

matemático, mas também para o contexto – social, político, cultural – tendo assim uma visão holística do

conhecimento na relação dialética do homem com sua realidade.

Na formação inicial do professor de matemática poucas vezes, a não ser na disciplina de História da

Matemática, os professores fazem uso da história nas aulas (Cálculo, Análise Real ou Álgebra Linear). Na

grande maioria das Licenciaturas em Matemática, permeia uma concepção de Matemática na qual o

importante são os resultados, as relações entre os objetos matemáticos e suas propriedades, não sendo

importante suas origens, seu desenvolvimento e as várias maneiras de significa-los ao longo da história.

Nesse momento em que os cursos de licenciatura em Matemática estão em processo de

reestruturação, consideramos que é indispensável, nas discussões sobre currículo, buscarmos momentos

nos quais os futuros professores possam conhecer, entender e refletir sobre o modo pelo qual a matemática

foi produzida e constituída ao longo da história da humanidade, nas diferentes culturas.

[...] Não se trata simplesmente de uma reestruturação da grade curricular, tão pouco de

alterar a metodologia utilizada pelos professores que trabalham na formação. Trata-se

de rever a concepção de formação de professores e, conseqüentemente, a sua prática

pedagógica (CYRINO, 2005, p.53).

Desse modo, seria interessante buscar uma formação na qual os futuros professores pudessem

vivenciar, refletir e se conscientizar de que a produção/difusão de conhecimentos é um processo que

envolve transformação, criatividade, criticidade, liberdade solidária e participação ativa na constituição dos

saberes.

Assim o objetivo deste trabalho é realizar uma análise histórico-epistemológica da regra da

transmutação de Leibniz, suas contribuições para o desenvolvimento do cálculo diferencial integral, tendo

vistas a algumas relações com as técnicas e notações atuais10.

2. O Uso da História da Matemática na Formação de Professores Temos a História da Matemática como uma grande colaboradora na organização do currículo, no

desenvolvimento de uma abordagem multicultural e no resgate da identidade cultural de uma determinada

sociedade. A fim de desenvolver ‘novas’ maneiras de abordar certos problemas, acreditamos que a

investigação das dificuldades enfrentadas pelos povos e suas ações para supera-las, pode ser uma rica

fonte para entendermos nosso presente na busca de transcender nossa realidade.

Baroni, Teixeira e Nobre (2004, apud Fauvel & Mannem, 2001) destacam as funções básicas do uso

da História da Matemática na formação inicial de professores:

- elevar os futuros professores a conhecer a matemática do passado (função direta da História da

Matemática); 10 Este artigo se insere em um projeto maior desenvolvido no departamento de Matemática da UEL sob orientação da professora Dra

Márcia C. C. T. Cyrino, que tem como objetivo a constituição e aplicação de uma proposta didática sobre o calculo diferencial integral, utilizando a História da Matemática na Educação Matemática de futuros professores.

Page 39: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

39

- melhorar a compreensão da Matemática que eles irão ensinar (funções metodológica e

epistemológica);

- fornecer métodos e técnicas para incorporar materiais históricos em sua prática (o uso da

História em sala de aula);

- ampliar o entendimento do desenvolvimento do currículo e de sua profissão (a História do

Ensino de Matemática); (BARONI, TEIXEIRA E NOBRE, p. 170, 2004).

O conhecimento da história da matemática, bem como o da história da humanidade, fornece a

visão de que a matemática não é um corpo de conhecimento pronto/ acabado, irrefutável e infalível. Vemos

que a matemática foi constituída por muitas tentativas, erros e acertos, de solucionar problemas internos e

externos a ela, e se apresenta como uma forma de conhecimento, uma atividade, que o homem se

apropriou ao longo da sua evolução na busca de sua sobrevivência e transcendência.

Apropriar-se de diferentes formas de representação de um conceito matemático pode melhorar

seu entendimento e conseqüentemente sua compreensão. Temos na história várias tentativas de

constituição de métodos, por meio de linguagens, para a solução de problemas que os indivíduos tinham

em determinadas épocas. No século XVII Newton – na Inglaterra – e Leibniz – na França – constituíram os

conceito de integração e diferenciação por caminhos distintos tendo objetivos diferentes11. Estudando essas

várias representações, suas relações e comparando-as podemos melhorar o processo de ensino e de

aprendizagem de um conhecimento matemático. Muitas vezes os professores, em geral, desconhecem as articulações dos conteúdos matemáticos,

isto é, não relacionam idéias que são veiculas por conceitos diferentes, e trabalham com os alunos como se

esses conceitos fossem totalmente estanques. Por meio da História da Matemática podemos identificar

estas relações, dando uma maior visão sobre o currículo e de como trabalhar conceitos diferentes com

idéias semelhantes, ou seja, articulando os conteúdos matemáticos.

Não somente relacionar os conteúdos, como também buscar as origens destes – sendo que muitas

vezes podem ser distintas – o contexto e as necessidades de determinada época. Não há outra

possibilidade de entender o desenvolvimento destes fatos sem recorrer a história da matemática e da

humanidade.

O uso e a visão da História da Matemática deve permear esses olhares na formação inicial do

professor de matemática, bem como sua formação crítica como um educador, interessado sim, em um vasto

conhecimento de matemática, mas também no modo como esta atividade influenciou e influencia o

desenvolvimento da humanidade, os grandes avanços proporcionados para a melhoria de nossa

sobrevivência – como energia elétrica, saneamento básico, produção de alimentos – e os grandes

retrocessos, como a criação de bombas nucleares, poluentes do nosso ambiente, sistemas econômicos

excludentes e toda forma de desigualdade entre os seres humanos. Compreender o desenvolvimento

histórico e em particular o desenvolvimento da História da Matemática, pode nos ajudar na busca de uma

sociedade igualitária, com uma melhor qualidade de vida para todos.

D’ Ambrósio (1999) afirma:

“ao historiador das ciências e tecnologias cabe não apenas o relato dos grandiosos

antecedentes e conseqüências das grandes descobertas científicas e tecnológicas, mas

sobretudo a análise crítica que revelará acertos e distorções nas fases que preparam os

11 Neste artigo iremos mostrar algumas das idéias de Leibniz.

Page 40: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

40

elementos essenciais para estas descobertas e para sua expropriação e utilização pelo

poder estabelecido (D’AMBRÓSIO, p. 104, 1999).” 3. Método da Transmutação de Leibinz

Em Paris Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) estudou Matemática e Física sob a tutela de

Christiaan Huygens, começando em 1672. Seguindo seus conselhos, Leibniz leu o trabalho de Saint-

Vincent sobre séries e fez algumas descobertas nesta área. Durante o períodoque permaneceu em

Paris(1672-1676), Leibniz desenvolveu as noções básicas de sua versão do Cálculo. Em 1673 ele ainda

estava batalhando para desenvolver uma boa notação para seu Cálculo e suas contas eram confusas Leibniz, em seus estudos na busca de encontrar métodos gerais para determinação de áreas e

tangentes, desenvolveu o método da transmutação. Este método constitui-se na determinação de áreas sob

curvas, ou seja, a quadratura de curvas12. Apresentamos a seguir o método de Leibniz sob uma curva dada.

Figura 1

Seja A a área delimitada pela curva OcCB, na Figura 1. Essa área pode ser obtida por: A = (Σ

triângulos Occ’) + ∆ OCB.

Para encontrarmos a área do triângulo Occ’, considere a tangente cg que intercepta o eixo vertical

em s, e seja Op perpendicular a tangente (figura 2).

Figura 2

Temos que

12 Na matemática grega antiga, os problemas de encontrar áreas sob curvas eram formulados em termos da obtenção de um quadrado

com área igual. O Problema geral de obtenção de áreas ficou conhecido como quadratura. Para maiores detalhes ver Baron, unidade 1, 1985.

Page 41: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

41

'' Occ áreaOpc áreaOpc área ∆=∆∆ -

'' Occ áreapcOppcOp ∆=⋅−⋅21

21

'' Occ área)pcpc(Op ∆=−21

Notamos que ao aproximarmos o ponto c’ ao ponto c, estamos formando o ∆Opc’ com c’ tão

próximo quanto se queira da tangente cg. Logo '' ccpcpc =− . Portanto,

área ∆ OpccOcc '' ×=21

.

Figura 3

O triângulo característico13 cdc’ (figura 3) é semelhante a ∆ Ops, portanto,

Os:Op'cc:cd =

logo

OscdOp'cc ×=× (i)

Ao traçar sq paralelo ao eixo horizontal interceptando as ordenadas bc e b’c’ em q e q’

respectivamente, teremos (figura 4):

13 Leibniz generalizou o triângulo proposto por Pascal, que usava somente para círculos. Para maiores detalhes ver Baron, unidade 3,

p. 47, 1985.

Page 42: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

42

Figura 4

'b'bqqáreaOscdOp'cc'Occ área)i(

21

21

21

=×=×=∆

Para encontrarmos o somatório das áreas dos ∆Occ’, e com isso, encontrar a quadratura da curava

OcC, marcamos para cada ponto c nesta curva o ponto correspondente q, gerando a nova curva OqQ. Pela

fórmula anterior temos que a área do triangulo Occ’ é a metade da área do retângulo bqq’b’. Logo,

A = (Σ ∆ Occ’) + ∆ OCB

= 21

(Σ bqq’b’) + ∆ OCB

= 21

área OqQB + ∆ OCB.

Esta é a regra da transmutação. Ela reduz a quadratura de uma curva OcC, que não conhecemos, a

quadratura de um outra curva OqQ, que pode ser construída a partir da curva dada, mediante suas

tangentes. Portanto a regra é úttil quando a quadratura da nova curva é por acaso mais simples que a da

curva dada (BARON, 1985).

Mostraremos abaixo um exemplo reescrevendo a regra da transmutação utilizando a linguagem

moderna.

A curva OqQ pode ser dada analiticamente por:

dxdyxcq =

tal que

dxdyxyzbq −==

onde dxdy

é a derivada da função y, que representa a curva dada, em relação a x, isto é, o cateto oposto

(cq) sobre o cateto adjacente x.

Page 43: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

43

Figura 5

Como vimos à regra da transmutação é dada por:

A = 21

área OqQB + ∆ OCB.

Portanto,

0000

00

21

21 yxzdxydx

xx

∫∫ +=

0000

00

21

21 yxdx

dxdyyydx

xx

∫∫ +⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ −=

000 00

0 00

21

21

21 yxxdyydxydx

x yx

∫ ∫∫ +−=

Outra maneira de se escrever esta fórmula é a seguinte:

∫∫∫∫ −=⇔+=0000

000

000

00 21

21

21 yxyx

xdyyxydxyxxdyydx

Que é a regra da cadeia do cálculo moderno.

4. Considerações Finais Este pequeno trabalho é o início de um estudo maior que visa a elaboração de uma proposta

didática para alguns assuntos tratados em um curso de cálculo fazendo uso da História da Matemática.

Recorrendo à História da Matemática vimos um pouco da maneira como se constituiu o cálculo no

século XVII, especificamente o método da transmutação de Leibniz. Com isso, pudemos ter uma outra

compreensão das idéias de derivadas e integrais, que estavam relacionadas com a obtenção de tangentes

e áreas sob curvas, respectivamente. Este tipo de conhecimento na formação inicial do professor é de

extrema importância na (re)significação desses conceitos, pois o que geralmente é tratado nos cursos de

cálculo são técnicas e métodos de resolução de integrais e derivadas.

Page 44: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

44

Leibniz estava preocupado com o desenvolvimento de métodos mais gerais o possível. O método

da transmutação é um sistema coerente que soluciona problemas sobre curvas quaisquer (tangentes e

áreas). Outros estudiosos como Fermat, Torriccellli, Gregory e Barrow, contemporâneos a Leibniz,

desenvolveram métodos para curvas particulares, não conseguindo métodos mais gerais.

Reaver os caminhos trilhados pela humanidade na constituição dos objetos matemáticos é uma

maneira que possibilita uma maior compreensão destes, uma visão do desenvolvimento da matemática

tendo-a como uma forma de conhecimento repleta de erros e acertos e uma ‘nova’ maneira de conceber e

atuar na realidade de uma forma crítica e reflexiva.

Este tipo de trabalho possibilita uma análise crítica do desenvolvimento da matemática,

oportunizando os professores, em sua formação inicial, reflexões perante esse conhecimento, levando-os a

uma diferente relação com o mesmo, podendo desenvolver prática pedagógica comprometida com a

formação de cidadãos conscientes de na constituição de uma sociedade igualitária.

5. Referências Bibliográficas BARON, M. E. Curso de História da Matemática: origem e desenvolvimento do Cálculo. Brasília, UnB, v.

1/2/3/4/, 1985.

BARONI, R. L. S.; TEIXEIRA, M. V.; NOBRE, S. A investigação científica em história da matemática e suas

relações com o programa de pós-graduação em educação matemática. In: Educação Matemática: pesquisa em movimento. BICUDO, M.A..V e BORBA, M.C. (eds). São Paulo: Cortez, 2004. CYRINO, M.C.C.T. A matemática, a Arte e a Religião na Formação do Professor de Matemática. BOLEMA, Ano18, n.23, p.41-56, 2005.

D’AMBRÓSIO, U. A História da Matemática: questões historiográficas e políticas e reflexos na Educação

Matemática. In: Pesquisa em Educação Matemática: Concepções & Perspectivas. BICUDO, M.A.V. (ed).

São Paulo: EDUNESP, 1999. MIGUEL, A.; MIORIM, M.A. História na Educação Matemática: propostas e desafios. Belo Horizonte:

Autêntica, 2004.

SANTOS, J.R.V.; CYRINO, M.C.C.T. Reflexões sobre História da Matemática na Educação Matemática de

futuros Professores de Matemática. Resumos... do VI Seminário de História da Matemática. Brasília:

SBHMat, p. 76-77, 2005.

Page 45: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

45

MÉTODOS DAS FLUXÕES, DERIVADAS E INTEGRAIS:

A CONSTITUIÇÃO E DIFUSÃO DE UM CONHECIMENTO MATEMÁTICO NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR

João Ricardo Viola dos Santos – UEL

[email protected] Julio Faria Correa – UEL

[email protected]

Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino – UEL

[email protected]

Resumo: As “pseudo-licenciaturas-em-matemática” pouco estão ajudando na formação inicial dos futuros

professores de matemática. A forma como o conhecimento matemático é tratado hoje nas universidades

pouco ajuda na constituição de um cidadão crítico e reflexivo frente aos problemas locais e globais da sua

existência. Analisar as formas com as quais o homem ao longo de sua história construiu e se apropriou de

artefatos e mentefatos, pode ampliar o campo de visão a cerca de sua realidade, como também

(re)significar o modo como ele à concebe. Este artigo tem por objetivo realizar uma análise histórico-

epistemológica frente às origens e desenvolvimentos do cálculo tendo um olhar especifico para o Método

das Fluxões de Newton, mostrando a importância deste tipo de estudo na formação inicial dos professores

de matemática.

Palavras chaves: História na Educação Matemática, Método das Fluxões, Formação de Professores.

Primeiras palavras O que é integral? O que é derivada? De onde vieram estes termos? Por quê e para quê eles foram

criados? Qual ou quais contextos sócio-históricos que vigoravam em tal ou tais épocas nas quais foram

constituídos estes conceitos? Quando discutiremos o processo de constituição de um conhecimento

matemático, um pouco dos caminhos trilhados, dos erros cometidos, das “idas e vindas” até chegar no

produto final, uma demonstração pronta acabada?

Estas são algumas perguntas que sempre acompanharam e acompanham a vida dos licenciandos

em matemática. Não respondê-las e ignorá-las revela uma concepção de matemática na qual muitos

professores refugiam-se em um jargão extremamente usado pelos mesmos: “a matemática não é para

qualquer pessoa, é muito abstrata, difícil e complicada”. Frente a esse quadro temos uma alta taxa de

evasão no curso de matemática, uma não significação dos conceitos e apenas – sendo que às vezes isso

não é alcançado – o aprendizado da linguagem matemática, fórmulas e demonstrações decoradas, técnicas

e algoritmos mecanizados.

Saímos das nossas graduações em frustrados sobre o desenvolvimento desta atividade14 e

alienados sobre a constituição do conhecimento matemático.

14 Estamos entendendo matemática, da raiz grega mathema + tica, (arte, técnica de aprender, conhecer), como uma atividade do

homem frente a sua relação com o meio em que ele vive. Uma forma de conhecimento para sobreviver e transcender na sua existência.

Page 46: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

46

A metáfora abaixo retrata a sina de muitos licenciandos desta “pseudo-licenciatura”. As perguntas do

primeiro parágrafo se inserem neste quadro:

“Estamos em uma “nave intergaláctica”, da qual sabemos que devemos apertar alguns

“botões”, em certas horas pré-determinadas, que não temos a menor idéia de onde vieram, por que

vieram e para que servem, e como foram construídos – ressalto: “eles” sempre dizem que serve

para muitas coisas, mas nunca listam quais são elas - ; estamos em uma nave em que não nos

contam nenhuma relação entre as “cabines” e as possíveis conexões a fazer entre elas; em uma

nave, cujo o “destino de chegada” nunca nos disseram, pois este se confunde com as visões

multifacetadas, crenças e concepções do que seja esta “ nave”, para uma “pseudo-licenciatura” em

matemática”.

Nunca nos dizem “os porquês”, nos mostrando o contexto social-histórico-epistemológico de algum

conteúdo matemático, algumas formas diferentes de pensar o mesmo conteúdo, bem como seu processo

de constituição.

Este retrato, de uma “pseudo-licenciatura-em-matemática”, revela que muitas vezes no curso não

há uma preocupação com o significado dos conceitos veiculados, sendo que podemos notar que nelas

permeiam uma concepção de matemática internalista, na qual seus objetos tem uma natureza simbólica

(LINS, 2004).

“Eureka”, Lins respondeu em parte uma de nossas perguntas: O matemático não diz o que são os

“botões”, apenas diz o que de um “botão azul” é importante para um outro “botão vermelho”.

Em Lins (2004), vemos claramente este fato:

“A natureza simbólica da matemática se opõe à natureza ontológica – quer dizer que os

objetos são conhecidos não no que eles são, mas apenas em suas propriedades, no que

deles se pode dizer (LINS, 2004 p.96)”.

Vários de nossos professores vêem a matemática com uma concepção formalista na qual o

interessante é estabelecer relações entre os entes, não importando quais são estes entes.

Muito da matemática Egípcia era tratada de forma empírica, sendo que a mesma servia para

resolver os problemas que os indivíduos necessitavam. Mesmo após várias sistematizações ocorridas

durante o desenrolar da história, dando um caráter mais de linguagem para a matemática, temos Newton,

século XVII, constituindo conceitos frente a relações físicas que era de seu interesse. Notamos que apenas

na primeira metade do século XIX, e se consolidando na segunda metade deste século e na primeira

metade do século XX, aconteceu um processo de profissionalização do matemático (LINS, 2004).

Pensamos que este processo, assim como o desenvolvimento histórico-epistemológico como um todo, teve

e tem grandes influências no ensino e aprendizado da matemática, permeando nas legitimidades dos

significados produzidos na sala de aula.

A forma como o conhecimento matemático é tratado hoje nas escolas e universidades pouco ajuda

na constituição de um cidadão crítico e reflexivo frente aos problemas locais e globais da sua existência. Os

alunos saem com perguntas sobre a natureza da matemática e sua aplicabilidade, quando deveriam sair

com algumas respostas e outras perguntas que transcenderiam aquelas do primeiro parágrafo. Estamos

Page 47: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

47

aqui a tomar a idéia de Santos (2000, apud Cyrino, 2003) sobre conhecimento-emancipação na qual

caracteriza-se por elevar o outro de objeto a sujeito, saindo do ponto de ignorância – que denomina por

colonialismo – chegando a ponto de saber – que se denomina por solidariedade.

Nossos esforços devem permear esta visão sobre a humanidade, conhecimento e as relações

dialéticas instaladas nesta interação. As possíveis relações entre as formas de conhecimentos15 e o como

educar por meio delas nossos alunos, devem estar sempre em pauta dos cursos de formação inicial de

professores de matemática.

Entretanto para termos condições de trabalhar um conhecimento matemático tendo vistas o

conhecimento-emancipação devemos e precisamos recorrer a história. Frente aos paradigmas que se

instalaram no desenvolvimento da humanidade, em particular no desenvolvimento da matemática, ocorreu

um processo de expropriação dos significados pelos sujeitos, uma lacuna entre a geração, constituição e

difusão do conhecimento. Este produzido pelo homem é negado a ele por este processo – necessário para

o desenvolvimento dos artefatos e mentefatos, mas contraditório na dinâmica de sua negação do

conhecimento ao homem – de expropriação. Como bem nos coloca D’Ambrósio (2001):

“Todo conhecimento é resultado de um longo processo cumulativo, onde se identificam

estágios naturalmente não dicotômicos entre si, quando se dá a geração, a organização

intelectual, a organização social e a difusão do conhecimento. Esses estágios são

normalmente objeto de estudo de teoria da cognição, de epistemologia, de história e

sociologia, e de educação e política” (D’ABRÓSIO, 2001, p. 19).

Assim, não estamos a desenvolver uma abordagem recapitulacionista (MIGUEL, 2003). A história

da matemática não é concebida aqui unicamente como um conjunto cumulativo de fatos, resultados ou

idéias.

Concebemos-a como um campo de possibilidades de constituição de situações, contextos e

circunstâncias culturais, propicias para apropriação do conhecimento matemático, bem como das

significações intra e interculturais produzidas e negociadas.

Nosso objetivo neste trabalho é realizar uma análise histórico-epistemológica frente às origens e

desenvolvimentos do cálculo tendo um olhar especifico para o Método das Fluxões de Newton. Confrontar o

modo de pensar o conceito de derivada e integral por Newton e o que temos hoje mostrando a importância

deste tipo de estudo na formação inicial dos professores de matemática.

Panorama Geral das Idéias sobre as Origens e Desenvolvimento do Cálculo

Durante o desenvolvimento da história da matemática as idéias de quadrar curvas e determinar

tangentes desencadearam o desenvolvimento do cálculo e culminaram na relação de integração e

diferenciação, passando pelos números irracionais, os indivisíveis e os infinitésimos.

Iniciaremos este panorama16 voltando aos paradoxos de Zenão (flecha, tartaruga e Aquiles), sendo

que ele acabou com o sonho de Pitágoras frente os números governarem o mundo, mostrando que existem

comprimentos de retas que não podem ser medidos. Com isso permitiu transcendermos a visão do

15 Outras formas de conhecimentos, não sendo o matemático, são a arte e a religião. Para maiores detalhes sobre como elas se

interagem ver Cyrino 2003, As várias formas de conhecimento e o perfil do professor de matemática na ótica do futuro professor. 16 Não queremos aqui determinar como a história se fez. Apenas daremos a nossa visão, a nossa história frente o desenvolvimento do

conceito.

Page 48: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

48

mensurável e podermos chegar o conceito de limite e incomensurável. Arquimedes foi também um grande

estudioso que deu sua contribuição para o desenvolvimento do cálculo pelo seu método de equilíbrio, mais

conhecido como método da exaustão. Segue-se a proposição deste método: “se de uma grandeza qualquer

se subtrair uma parte não menor que sua metade, do restante subtrai-se também uma parte não menor que

sua metade e assim por diante infinitamente”.

Segundo Eves (2004, p. 424) o método de exaustão confundi-se em essência com a moderna idéia

de integração.

Tanto Cavalieri quanto Fermat estavam desenvolvendo métodos de quadrar curvas. Até então eles

conheciam alguns destes para algumas curvas e não tinham uma generalização para todas as curvas.

Cavalieri, em seu método dos indivisíveis, definiu indivisível de uma porção plana dada é uma corda

dessa porção e indivisível de um sólido dado é uma secção desse sólido. Imaginemos cinco livros um em

cima do outro. Cada livro seria um indivisível. Agora imaginemos que cada livro tenha 200 páginas. Cada

página seria um indivisível de cada livro sendo que, cada livro é um indivisível dos cinco livros. Esta era a

idéia de Cavalieri.

Analogamente as idéias de Arquimedes, os princípios de Cavalieri podem se tornar ferramentas

rigorosas com o cálculo moderno (EVES, 2004). Vemos que muitas idéias intuitivas se originaram nesta

época, ou seja, o conceito eles tinham. Necessitavam apenas de uma linguagem própria para sua

fundamentação lógica sendo que esta apareceu primeiramente em forma não tão fundamentada com

Newton e Leibniz e depois no século XVIII, XIX e XX com a expansão da análise.

Wallis (1606-1703) e Barrow (1630-1677) fizeram grandes contribuições para o desenvolvimento do

cálculo sendo que o primeiro fez grandes avanços na teoria da integração (quadratura de figuras) criando o

símbolo atual de infinito e o segundo na teoria de diferenciação (tangentes de curvas). No momento

histórico ao qual eles viviam as idéias de integração, diferenciação, a relação inversa entre as duas e o

conceito de limite já estavam constituídos. Estes matemáticos tentavam a sistematização destas idéias por

meio da geometria Euclidiana o que não foi muito vantajoso frente às ferramentas que a mesma oferece.

Para eles, faltava uma linguagem sistemática de regras analíticas formais do pensamento dos conceitos. O

“pulo-do-gato” se deu com Newton e Leibniz que não recorreram a geometria euclidiana, mas sim a uma

linguagem que os mesmos criaram. Esta linguagem pode sistematizar e generalizar todos os conceitos que

seus predecessores haviam elaborado.

Método das Fluxões O Método das Fluxões criado por Isaac Newton (1642 – 1727), um conhecedor de conhecimentos,

que viveu na Inglaterra e desenvolveu suas pesquisas em Cambrigde, foi uma das sistematizações das

idéias correntes na época, sobre a constituição do cálculo diferencial integral, como conhecemos hoje.

Em seus estudos estendeu e unificou vários processos de cálculo e com isso conseguiu uma

grande façanha frente aos seus colegas que vinham durante muito tempo criando algumas formas de

pensar e olhar para o cálculo. Entretanto, como ele próprio dizia: “se consegui chegar tão longe, foi porque

estava em ombros de gigantes”, temos uma visão de que todos os estudiosos daquela época tiveram seu

merecimento na constituição do cálculo e que Newton foi um desses.

Page 49: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

49

Newton elaborou o Método das séries infinitas17 que o ajudou muito a desenvolver o Método das

Fluxões, que iremos descrever abaixo de maneira sucinta.

Ele relacionou o cálculo com as noções de movimento na constituição do Método das Fluxões.

Tinha os seguintes problemas nos quais desenvolveu sua teoria. Iremos exemplificar estes problemas com

a linguagem que temos hoje.

1) Se s = f (t) é uma função, na qual t é o tempo e s é a distancia, qual é a velocidade?

Podemos notar neste problema que ele tinha a função e queria saber a velocidade, ou seja, a derivada.

2) Se vdtds)t(g == é uma função, na qual t é o tempo, s é a distância e v é a velocidade, qual é o

valor de s?

Podemos notar que aqui ele tinha a variação do espaço em função do tempo, e queria achar o espaço, ou

seja, a integral.

Para Newton resolver estes problemas criou uma linguagem a qual definiu fluentes e fluxões.

- x, y são fluentes: variáveis que aumentam ou diminuem em função do tempo;

- ..y,x são fluxões: velocidades destas quantidades;

Usando as definições de Newton temos o seguinte problema:

Qual a relação entre as fluxões (velocidades/derivadas) das quantidades, quando temos uma

relação entre seus fluentes (variáveis que aumentam ou diminuem em função do tempo) conhecida?

Dada uma função iremos demonstrar esta relação, chegando ao conceito conhecido hoje como

derivada. O método das fluxões foi elaborado em 1671 em uma época que a Universidade estava fechada

pelo medo da infecção da peste bubônica que atingia a Inglaterra.

Definindo algumas variáveis:

o = momento, infinitamente pequeno;

x, y = fluentes; ..y,x = fluxões;

1) x é expresso pelo produto de sua velocidade (.x ) por uma quantidade o infinitamente pequena (o):

17 Para maiores detalhes consultar Baron, 1985.

Page 50: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

50

oxx.

=

2) A relação abaixo, entre x e y, é válida em todos os instantes, logo temos que:

0=)y,x(f

)oyy,oxx(f)y,x(f..

++=

pois, o é infinitamente pequeno.

Iremos substituir os momentos das quantidades dos fluentes na equação abaixo:

0323 =−+− yyxaxax

0323 =−−++++−+ )oyy()oyy()oxx(a)oxx(a)oxx(.....

022

222

322223

2

22322223

=+++++−

−++++

+++−+++++

))oy()oy(yoyy)oy(yoyyy(

)oyxayoxaoyxayxa(

))ox(aoxxaxa())ox()ox(xoxx)ox(xoxxx(

.....

....

.......

eliminando os termos que são iguais a zero, temos:

022

222

322222

232222

=−−−−−+++

++−++++

)oy()oy(yoyy)oy(yoyyoyxayoxaoyxa

)ox(aoxxa)ox()ox(xoxx)ox(xoxx.........

.......

Dividindo todos os termos por o, temos:

033

233

2322

22322

=−−−+++

+−−++

o)y(yo)y(yyoyxaxyayxa

o)x(axxao)x(xo)x(xx.......

.....

Supondo que “o” (momento) é infinitamente pequeno, a fim de expressar os momentos das quantidades, os

termos que contém “o” como fator podem ser desprezados. Logo temos:

Page 51: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

51

xayyaxax

x

y

)xay(y)yaxax(x

)yxa(y)yaxax(x

)yxa(y)yaxax(x

yyxyayxaxxaxx

.

.

..

..

..

.....

+−=

−=+−

−−=+−

=−++−

=−++−

2

2

22

22

22

22

323

323

323

0323

0323

Numa linguagem atual o yaxaxy.

+−= 23 2 é a derivada da função em relação a y e

xayx.

−= 23 é a derivada da função em relação a x.

Com isso Newton chegou a uma relação entre os fluentes e as fluxões, ou seja, a diferenciação.

Percebemos que Newton estudou sua função no espaço de terceira dimensão, ou seja, com duas

variáveis. Hoje estudamos na reta primeiramente (cálculo I) ou seja, uma variável e depois no espaço

(cálculo II) com duas variáveis, o contrário de como ocorreu na história.

Segundo Baron (1974) as grandes contribuições de Newton para a constituição do cálculo foram:

1) o estabelecimento de uma estrutura unificada e um quadro dentro do qual todos os problemas

podiam ser resolvidos;

2) o estabelecimento de que a integração e a diferenciação eram operações inversas

considerando a ordenada móvel proporcional ao momento de fluxão de uma área;

3) o uso de uma linguagem algébrica e de técnicas analíticas frente a geometria;

Newton, juntamente com Leibniz, é considerado o “inventor18” do cálculo, pois com estas três

grandes contribuições acima se diferenciaram dos estudos dos outros estudiosos como Cavalieri, Wallis,

Barrow, Fermat, Pascal entre outros (Baron, 1985).

As idéias de Newton foram desenvolvidas no século XVII, sendo que temos vários outros grandes

matemáticos no século XVIII e XIX trouxeram outras sistematizações para o conceito de integração e

diferenciação19. Assim podemos listar algumas diferenças entre o cálculo de Newton e o cálculo moderno.

Segundo Baron (1985) estas diferenças são que:

1) Newton utilizava variáveis, as quais as quantidades variáveis eram ligadas as curva. O

cálculo moderno utiliza funções, aplicações de um conjunto (de números reais) em outro;

2) Ele associava diferenciação a associação de uma variável finita a uma variável. No

cálculo moderno a operação de diferenciação associa a função a sua derivada;

18 Pensamos que não é bem assim. Newton teve sua grande contribuição, que mudou o rumo da história e possibilitou um enorme

avanço tecnológico. Mas é uma contribuição. 19 Para maiores detalhes consultar Baron (1985) unidade 4 e 5.

Page 52: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

52

3) Existiam problemas de lógicas no cálculo de Newton sobre seus conceitos

fundamentais, fluxão (definida por razões últimas) e diferencial (como diferença

infinitamente pequena). No cálculo moderno essas dificuldades lógicas são superadas

pelo uso do conceito bem definido de limite.

Ultimas (primeiras) palavras20

Este pequeno estudo é de grande importância na formação inicial do professor de matemática, visto

que grande parte dos estudantes saem da graduação achando que derivada é somente um limite de uma

função quando um ponto x se aproxima de um ponto p quando x tende a p.

Vimos que Newton nem tinha ainda a definição sistematizada de limite e suas idéias eram

elaboradas frente a variações entre variáveis. Seus problemas eram relativos a relações de movimentos. Ou

seja, a matemática é vista por ele como uma forma de conhecimento que o próprio se apropria para resolver

suas inquietações.

Necessitamos desmistificar a imagem da matemática como uma ciência, infalível, exata e inatingível

que muitas pessoas tem e construir uma “nova21”, na qual ela seja vista como uma das formas de

conhecimento que a homem constituiu.

Tendo um olhar histórico para o conhecimento matemático podemos tê-lo nos apropriando dos seus

significados para usá-lo de forma critica e reflexiva na nossa vida. Pouco importa sabermos integral tripla se

mal entendemos seu conceito e no que e como utilizá-lo para resolver problemas e criar novas relações.

Pouco importa sabermos demonstrar o teorema fundamental do cálculo, se nossas crianças ainda passam

fome e vários dos nossos atos estão acabando com nosso meu ambiente. Temos que buscar a

compreensão entender do hiato entre a constituição e difusão dos conhecimentos, assim como propósito

geral à busca da paz.

Devemos estudar as diferentes formas de significações e constituições de conhecimentos ao longo

da história da humanidade, sempre tendo vistas para o conhecimento-emancipação (SANTOS 2000, apud

CYRINO, 2003), possibilitando a busca de toda humanidade viver em um mundo mais justo e solidário.

Como afirma Cyrino (2003), devemos assumir a solidariedade como forma de conhecimento e

reconhecer o outro como produtor de conhecimento: como igual (sempre que a diferença lhe acarrete

inferioridade) e como diferente (sempre que a igualdade lhe ponha em risco a identidade).

Essa é a eterna busca de um Educador Matemático.

Referências Bibliográficas BARON, M. E. Curso de História da matemática: origens e desenvolvimento do cálculo. Trad. José

Raimundo Braga Coelho. Brasília, Editora UNB, 1985, c1974.

CYRINO, M.C.C.T. As várias formas de conhecimento e o perfil do professor de matemática na ótica do futuro professor. São Paulo, Feusp, 2003. (Tese de Doutorado).

D´AMBROSIO, U. Paz, Educação Matemática e Etnomatemática. Teoria e Prática da Educação, Maringá,

v. 4, n. 8, p, 15-33, 2001b.

20 Últimas (primeiras) palavras, pois este é o começo de um estudo que visa a construção de uma proposta didática por meio da

história da matemática. O objetivo maior é como os alunos podem significar hoje os conceitos de integração e diferenciação, tendo as idéias de Newton e outros estudiosos do passado.

21 Não nova, pois vemos pela história que os estudiosos tinham a matemática como forma de conhecimento. Um exemplo disto é o de Newton.

Page 53: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

53

EVES, Howard, Introdução à História da Matemática, Unicamp, Campinas, 2004.

LINS, R. C. Matemática, Monstros, Significados e Educação Matemática. In: Educação Matemática: pesquisa em movimento. BICUDO, M.A..V e BORBA, M.C. (eds). São Paulo: Cortez, 2004.

MIGUEL, A. Perspectivas teóricas no interior do campo de investigação “HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO

MATEMÁTICA”. Anais do V Seminário de História da Matemática. Rio Claro: SBHMat, p. 19-48, 2003.

Page 54: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

54

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E INVESTIGAÇÃO EM SALA DE AULA: UMA ABORDAGEM SIGNIFICATIVA PARA AS SECÇÕES CÔNICAS

Marta Maria Mauricio Macena

PPGECNM/UFRN

[email protected]

[email protected]

Iran Abreu Mendes

PPGECIM; PPGEd/ UFRN

[email protected]

Resumo: Este trabalho aborda os resultados parciais de um estudo centrado no uso da história no ensino

da matemática numa perspectiva investigatória. Para tanto nos apoiamos em pressupostos teóricos que

defendem a potencialidade pedagógica da investigação em sala de aula como uma metodologia para o

ensino. Tomamos como tópico matemático especifico as secções cônicas e partirmos do desenvolvimento

histórico das secções cônicas caracterizando os aspectos investigatórios da construção dessas idéias

matemática como foco principal das atividades de sala de aula. Os resultados parciais nos mostraram a

importância do rigor no planejamento e na criatividade do professor na superação de problemas surgidos na

prática docente. Além disso, ficou evidente a contribuição das atividades investigatórias envolvendo a

história da matemática em sala de aula como um agente decisivo na aprendizagem da matemática.

Fundamentação teórica A partir de uma análise do que estabelece os PCNEM22 para o ensino de matemática é impossível

não destacarmos a resistência à mudança por parte de instituições de ensino, de professores e de alunos,

condicionados à reprodução e à passividade (BERTONI, 1993). Há um temor em mudar o curso usual do

ensino que tem pretensões de manipular e direcionar a aprendizagem. Metodologias alternativas para o

ensino e a aprendizagem da matemática são rejeitadas a favor do quadro, giz, livro-texto e a exposição oral

do professor. Um conhecimento árido, descontextualizado, desconexo e fora das articulações cognitivas

cotidianas do estudante é transmitido e logo, esse estudante é avaliado através de uma aprendizagem

forçada, sem significado algum para o crescimento intelectual, afetivo e cidadão deste estudante. Nesse

sentido, Novak (1981) afirma que,

para Ausubel, aprendizagem significativa é um processo no qual uma nova

informação é relacionada a um aspecto relevante, já existente, da estrutura de

conhecimento de um indivíduo. [...] Alguns estudos indicam que a maioria das

informações aprendida mecanicamente nas escolas é perdida dentro de seis a oito

semanas (NOVAK, 1981, p. 56 e 66).

De forma imprópria, alguns ainda tentam inovar em sala de aula fazendo uso de algumas atividades

e, mesmo não sendo,

22 Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio

Page 55: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

55

[...] uma ousadia descomunal afirmar que a grande maioria da comunidade da

educação matemática tem chegado a consenso de que o ensino baseado em

atividades estruturadas [bem estruturadas] é uma das maneiras mais eficazes de

ensinar matemática [...], o professor geralmente [quando o faz] lança mão das

escassas atividades que tem achado em uma revista ou em um congresso, e

acaba utilizando-as mais como um mecanismo de motivação do que como um

instrumento compreensivo de instrução. [...] Poucos têm o tempo, ou mesmo a

índole, de mergulhar nas profundas águas geladas do passado a fim de trazer à

tona um pedacinho do tesouro ali submerso (FOSSA, 2001, p. 59, grifo nosso).

Baldino (1993) se refere a essa resistência como sendo uma inércia própria de quem prefere

permanecer no sistema de ensino tradicional vigente no qual um professor, totalmente sábio, deposita o

conhecimento matemático em alunos dentre os quais somente alguns terão o privilégio de aprender

(CARVALHO, 1993).

Como a “história é repleta de conexões matemáticas – conexões entre tópicos de matemática,

conexões entre matemática e aplicações, conexões entre matemática e outras disciplinas” (WILSON e

CHAUVOT, 2000 apud BROLEZZI, 2003 p. 16), há uma concordância de idéias entre vários autores de que

o “uso da História da Matemática” é um importante instrumento investigativo para o ensino e a

aprendizagem da Matemática com significado. (BROLEZZI, 2003; FOSSA, 2001; GONÇALVES, 2005;

MENDES, 2001a, 2001b, 2002; MIGUEL e MIORIM, 2004; SEBASTIANI, 1994, 2001).

[Formulando] questões que nos interessam, para as quais não temos resposta

pronta, e [procurando] essa resposta de modo tanto quanto possível

fundamentado e rigoroso, [investigar, que] constitui uma poderosa forma de

construir conhecimento, [...] é procurar conhecer o que não se sabe (PONTE

2003, p. 9, 10 e 13, grifo nosso).

Investigar significa [...] desenvolver e usar um conjunto de processos

característicos da actividade matemática, como testar e provar conjecturas,

argumentar, usar procedimentos de natureza metacognitiva (ABRANTES, 1996, p.

1-2).

Para que o professor use a história da matemática nessa perspectiva investigatória, ele necessita

de recursos previamente e arduamente armazenados, o que exige de si tempo e estudo. Assim, há

professores que, preferindo continuar dependente do livro didático, impõem aos estudantes técnicas

obscuras em suas origens e finalidades (BERTONI, 1993) e não cedem ao encanto da trabalhosa e

satisfatória busca de metodologias alternativas para o ensino e a aprendizagem significativa da Matemática.

Essa Matemática que provoca a cognição criativa das pessoas, rica em conteúdo, extensa, mutável,

útil e bonita e que foi objeto de paixão de muitos cientistas (BROLEZZI, 2003), deve ter o professor como

seu mediador para que o aluno possa investigá-la na “[...] sua dimensão dinâmica de ciência que cresce por

um processo de críticas sucessivas, de referimentos de teorias e do confronto de teorias conflitantes”

(CARVALHO, 1993).

Page 56: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

56

Quando o professor adota uma postura investigativa em sala de aula, com atividades bem

estruturadas (resolução de problemas, atividades manipulativas, uso de laboratório23, especulações

históricas), além da grata satisfação de presenciar a construção do conhecimento pelo aluno, “o trabalho [do

professor] pode se tornar mais dinâmico e compensador do ponto de vista de realização pessoal”

(BROLEZZI, 2003 p. 30). Terá conduzido o aluno na construção de um conhecimento matemático com

significado para o cotidiano, para o agora, e não só para um desconhecido e incerto futuro.

Na busca de metodologias alternativas para o ensino-aprendizagem da matemática, deve-se levar

em conta o currículo oficial e os programas de Matemática para os diversos anos de escolaridade

(ABRANTES, 1999). No CEFET-PB24, a geometria analítica é vista no 4º bimestre do 3º ano do ensino

médio. Sendo a geometria um campo privilegiado de matematização da realidade e de realização de

descobertas, propícia às atividades de natureza exploratória e investigativa, torna-se possível conceber

tarefas adequadas a diferentes níveis de desenvolvimento da geometria (ABRANTES, 1999; PONTE, 2003).

Para Freudenthal (1973 cf. ABRANTES, 1999) as descobertas geométricas, sendo feitas também

com os próprios olhos e mãos, são mais convincentes e surpreendentes, o que significa possibilitar a

ampliação do campo investigatório a ser desenvolvido na sala de aula. Particularmente, a Geometria

Analítica pode apropriar-se da afirmação de Abrantes (1999) quando este afirma que a relação entre

situações da realidade concreta e situações matemáticas encontra na geometria inúmeros exemplos e

concretizações.

Para conectar os recursos de ensino e aprendizagem a certas situações da vida e proporcionar a

transferência e a mobilização das capacidades e dos conhecimentos é preciso tempo, etapas didáticas e

situações apropriadas. Todavia, os “alunos acumulam saberes, passam nos exames, mas não conseguem

mobilizar o que aprenderam em situações reais” (PERRENOUD, 2000, s. p.).

Numa preocupação com uma aprendizagem com significado para o aprendiz, o presente trabalho

tem como objetivo verificar, no ensino médio, com o conteúdo das secções cônicas, a possibilidade de uso

da investigação em sala de aula como uma metodologia de ensino e aprendizagem e, na ocasião, trabalhar

exemplos sugestivos da história e da evolução das secções cônicas.

A experiência com o ensino das cônicas No CEFET-PB, ano letivo de 2004, aliado às conseqüências de várias greves de anos anteriores,

num calendário especial, o tópico de Geometria Analítica foi abordado, em três turmas de 3º anos do ensino

médio, no quarto bimestre escolar. Como o referido período letivo coincidiu com as festividades de final de

ano e inicio das férias escolares e do planejamento para o novo ano escolar nessa instituição, tivemos uma

série de dificuldades em implementar uma proposta de ensino envolvendo a investigação em sala de aula

aliada ao uso da história da matemática. Mesmo assim conseguimos alcançar parte dos objetivos previstos

em nosso planejamento.

A professora da turma abordou ponto, reta e circunferência, culminando com uma revisão e uma

avaliação da aprendizagem. Ao retornar das festas de fim de ano iniciamos o estudo das secções cônicas.

Isso ocorreu após o resultado do vestibular da UFPB25, cujo calendário para o ano de 2005, levou o CEFET-

PB a antecipar a conclusão de suas atividades nessas turmas até a primeira quinzena de março de 2005.

23 Laboratório aqui pode ter como guia as idéias de Thom usada por Sebastiani (2001, p. 16-17) 24 Centro Federal de Educação Tecnológica da Paraíba 25 Universidade Federal da Paraíba

Page 57: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

57

O primeiro encontro realizado para abordar as cônicas ocorreu em pleno verão. Os estudantes

estavam eufóricos, inquietos e com uma vontade enorme de iniciar um ano letivo. No Laboratório de

Matemática se misturavam meninas com um curativo colorido numa das sobrancelhas e meninos carecas, o

que identificava os aprovados no concurso de vestibular. Neste encontro, explicamos o motivo da nossa

presença naquelas turmas, em virtude da realização do nosso estudo de mestrado. Nesse momento

entregamos a cada um deles um pequeno texto intitulado Notas históricas sobre as Secções Cônicas

(MACENA, 2005).

Imediatamente ouvimos os primeiros murmúrios:

O que é isto professora? Um texto? A aula não é de matemática? Isso vai ajudar

em alguma coisa? Quando é que começa a aula de matemática? Agora pronto! É

aula de história! Eu gosto é de números, de cálculo! (comentários dos alunos,

conforme gravação realizada durante a aula).

Após os comentários preocupados dos alunos ao receberem o texto histórico para ser lido e

comentado, fizemos um comentário sutil: Vocês têm razão, é aula de história; história das secções cônicas.

Alguns alunos escolhidos fortuitamente fizeram a leitura. Outros teciam seus comentários e nós

acrescentávamos algumas observações sobre a matemática babilônica e egípcia; nomes, lugares, uso da

régua e compasso; entraves nas idas e vindas durante o processo de construção da Geometria Analítica;

perdas de documentos; desprezo dos gregos pelo trabalho manufaturado; júbilo e orgulho de Apolônio pela

descoberta dos dois ramos da hipérbole; maiores detalhes sobre o martírio de Hipatia; descobertas dos

séculos XVI e XVII; ensinamentos de Copérnico e teorias planetárias de Ptolomeu; condenação da mãe de

Kepler; pessoas de menor importância atuando por trás dos cientistas em destaque; vida e morte de

Descartes entre outras. Essas observações variaram de acordo com o estilo de cada turma, quando

consideramos o interesse e curiosidade de cada grupo de alunos.

Durante a leitura do texto, no entanto, surgiram expressões de estranhamento, tais como:

Quantos nomes estranhos! [...] Vou colocar um destes nomes em meu filho. [...] A

senhora fez uma volta muito grande para chegar nas secções cônicas. É mesmo

necessário tudo isso? [...] Eu não gosto disso. Eu quero é cálculo. [...] Pra que

isso? Já estamos aprovados no vestibular e já temos uma nota para este bimestre.

Eu quero é ficar em casa. (comentários extraídos da gravação das aulas).

O esforço requerido para atrair a atenção dos alunos para o texto foi considerável, porém essa

atenção foi mais significativa ao tratar-se de relatos sobre a vida das personagens. Eles analisaram, sem

registro, a definição de cônicas de Apolônio em Boyer (1994, p. 107), os modelos de cones seccionados de

Menaecmus26 e os desenhos expostos no final do texto.

Na aula seguinte responderiam, em duplas, um questionário referente ao texto e deveriam trazer

objetos, figuras ou home pages onde se encontrasse algo que lembrasse as cônicas.

26 Modelo de uma família de curvas obtidas de uma mesma fonte, cortando o cone circular reto por um plano perpendicular a um

elemento do cone (BOYER, 1994, p. 69).

Page 58: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

58

O segundo encontro ocorreu uma semana depois e poucos atenderam a solicitação, considerada

sem importância, de trazer algo que lembrasse as cônicas. Em duplas e consultando o texto, responderam,

com dificuldade, ao questionário. Ao final, orientamos que na aula seguinte, deveriam trazer régua e

compasso.

No terceiro encontro, apresentamos um guia das atividades investigatórias onde constavam os

elementos de uma investigação e seus objetivos bem como a idéia central de Descartes e Fermat acerca da

Geometria Analítica, além de exemplos de aplicações das cônicas e a investigação propriamente dita,

baseada nas atividades de BRITO, (2003).

Atentos às explicações acrescidas, todos iniciaram as atividades em equipes, gerando assim uma

confusão construtiva em sala de aula. A esse respeito Fossa (2001) descreve que em uma sala de aula

intuicionista,

[...] vemos que o aluno é quem é a estrela. Trabalhando em pequenos grupos com

colegas, o aluno está ativamente engajado no desenvolvimento de alguma tarefa.

Com tantos alunos conversando e com muito mais movimento na sala de aula [...],

parece que a aula virou bagunça! Mas, é só na aparência. (FOSSA, 2001, p. 13).

Após a orientação dos trabalhos, foram feitas algumas perguntas com uma certa freqüência, em

claro e bom som:

O que é que vamos fazer? Como vamos fazer isto? Como é que começa? Tem

que passar pelos vértices dos quadradinhos? Como marcar a mesma distância?

Está parecendo uma circunferência. (comentários extraídos da gravação das

aulas).

Em poucos instantes todos calaram e ficaram absortos em suas atividades. Após algum tempo

ouvimos as primeiras falas. Em uma equipe comentavam:

– Se a gente tivesse um cordão e dois pregos seria mais fácil de realizar esta atividade.

Imediatamente procuramos solucionar o problema, pois já imaginávamos essa situação. Nesse

momento então dissemos:

– Aqui está o que vocês pedem e mais ainda, uma tábua perfurada.

Logo, eles realizaram todo o restante da atividade na tábua perfurada. Um dos alunos lembrou-se

do que vira em um livro quando estudava para o vestibular.

Traçada a elipse no papel quadriculado, um aluno foi convidado para, usando um pedaço de cordão

preso a dois pregos, traçá-la no quadro perfurado maior. Cada equipe deveria construir uma definição para

elipse. Essa definição precisou ser melhorada entre as equipes. De posse da definição e do traçado no

quadro, foram destacados os elementos da elipse.

Outro aluno foi convidado a traçar várias elipses com o mesmo instrumento variando apenas a

distância entre os focos. Distinguiu-se o significado da excentricidade.

Page 59: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

59

Nesse momento lançamos para a turma um exercício para ser resolvido:

Surgiram algumas dificuldades ao resolver a equação irracional. A realização do segundo item,

entretanto, foi mais simples e os alunos até se anteciparam.

Quando as parábolas já estavam traçadas no papel quadriculado, traçamos outra no quadro

perfurado, usando um pedaço de cordão com uma extremidade presa a um prego localizado no foco e a

outra extremidade presa a um esquadro que deslizava sobre uma régua (método utilizado por Kepler27).

Cada equipe construiu uma definição para parábola. Tal definição foi melhorada entre as equipes. De posse

da definição e do traçado no quadro, cada elemento da parábola foi destacado.

Um aluno foi convidado a traçar uma parábola com o mesmo instrumento variando apenas o

parâmetro. Pode-se assim observar a maior ou menor abertura da parábola.

Lançamos novo exercício para ser resolvido:

Alguns demoraram perceber o ponto Q(x, -d) que se desloca ao longo da diretriz (y = -d) enquanto o

ponto P(x, y) traça a parábola. Tirando esse entrave, tudo ficou mais fácil. Ao final, foi entregue aos alunos

uma apostila com todo assunto. Essa apostila foi elaborada por três professoras28 da instituição.

Ficou acordado, também, que no encontro seguinte seria estudada a hipérbole, a resolução de mais

alguns exercícios e uma avaliação da aprendizagem em duplas. Opuseram-se a isso, mas foram

convidados a arriscar e ver o aconteceria.

No quarto encontro, devido à escassez de tempo, a hipérbole foi vista de forma tradicional, apenas

fizemos o traçado no quadro perfurado e destacamos cada um dos elementos que a compõe juntamente

com a sua equação.

Um aluno foi ao quadro e também traçou uma hipérbole usando uma régua fixa a um dos focos e

tendo um cordão preso a uma extremidade da régua e a um prego fixo no outro foco.

Conduzidos aos tabuleiros de bilhar cônicos, foi dito aos alunos como jogar de forma correta

(obedecendo às definições de cada cônica estudada). A escassez de tempo não permitiu esperar pelas

suas deduções.

Curiosos, jogaram para comprovar o que havia sido dito por nós. Houve algumas falhas devido à

construção do material didático. Em seguida foram resolvidos dois exercícios de cada cônica. A principal

pergunta nesse momento foi:

– Como não confundir uma parábola com um ramo de hipérbole? 27 Kepler desenhava parábolas usando uma mesa, um pedaço de cordel, e uma espécie de esquadro em T (Colégio de Gaia: Grupo de

Matemática). 28 Kalina Lígia C. Farias, Marta M. Maurício Macena e Rejane de Fátima O. Brito

Usando a definição construída de elipse ( )aPFPF 221 =+ , determine a

equação da elipse cujos dados são: F1(-1,0); F2(1, 0); eixo maior = 4

Usando a definição construída para parábola ( )PdFP = , determine a

equação geral de uma parábola com vértice na origem dos eixos ortogonais e

concavidade voltada para cima.

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60

Nesse momento falamos da existência de outras curvas que não são secções cônicas, mas que se

assemelham a elas como: catenárias; senóides e cossenóides (dentro de num certo intervalo).

A avaliação da aprendizagem dos alunos, entretanto, distanciou-se da metodologia da aula,

considerando que,

[...] a prova é um instrumento de pouca precisão que não reflete adequadamente o

pensamento do aluno. [...] o professor tem que tentar descobrir o pensamento do

aluno através de um processo complexo de hipóteses e teses; isto é, o professor

tem de manter um diálogo intensivo com o aluno sobre a matéria em questão e

estar sempre atento às várias divergências que possam aparecer. [...] deve ser um

pesquisador [...] dentro da sala de aula. É, de fato, necessário montar um projeto

de pesquisa para cada aluno na aula para tentar determinar seu pensamento. [...]

a avaliação não é algo que acontece depois do ato de conhecer, mas é parte

integral do processo de conhecer. [...] a avaliação é contínua e diária (FOSSA,

2001, pp. 16 e 17, grifo nosso).

Antes da avaliação entregamos um resumo do assunto estudado. A avaliação foi aplicada em

duplas.

O quinto encontro não transcorreu como havíamos planejado, pois não foi possível abrir um CD com

as imagens da aula, registrados no PowerPoint. Não foi possível vermos a expressão de cada aluno ao se

ver em atividade na tela. Restou a aplicação do questionário avaliativo das atividades realizadas durante o

período.

Considerações finais A realização dessa experiência apontou alguns pontos favoráveis e desfavoráveis acerca do uso de

atividades investigatórias com apoio das informações históricas em sala de aula. Dentre os obstáculos

podemos citar:

• Escassez de tempo.

• A maioria já aprovada no vestibular.

• A falta de controle sobre as atividades por parte da pesquisadora.

• Perda de importantes registros de ocorrências durante as gravações e fotografias.

Embora tenham ocorrido alguns imprevistos, é possível concluirmos, mesmo parcialmente, que a

experiência serviu de norteador importantíssimo para percebermos a necessidade de um planejamento

mais rigoroso, de um domínio sobre cada ocorrência, de uma previsão dos imprevistos.

Outrossim, ficou plenamente evidente que as atividades investigatórias envolvendo aspectos

problematizadores extraídos da história da matemática são fatores decisivos na formulação e concretização

de uma ação docente significativa no ensino de matemática.

Bibliografia ABRANTES, P., Ferreira, C., & Oliveira, H. (1996). Matemática para todos: Investigações na sala de aula. In

P. Abrantes, L. C. Leal, & J. P. Ponte (Eds.), Investigar para aprender matemática (pp. 165-172). Lisboa:

Projecto MPT e APM. Disponível em: <http://ia.fc.ul.pt/textos/11Livro-Paulo.PDF>. Acesso em: 31 jul. 2005.

Page 61: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

61

ABRANTES, P. (1999). Investigações em geometria na sala de aula. In P. Abrantes, J. P. Ponte, H.

Fonseca, & L. Brunheira (Eds), Investigações matemáticas na aula e no currículo (pp. 153-167). Lisboa:

Projecto MPT e APM. Disponível em: <http://ia.fc.ul.pt/textos/p_153-167.PDF>. Acesso em: 31 jul. 2005.

BALDINO, Roberito Ribeiro. Balanço da Assimilação Solidária no 3º Grau. In Anais do II Encontro Nacional

de Educação Matemática. Natal: Editora Universitária da UFRN, 1993

BERTONI, Nilza Eigenheer. Reflexões Sobre Algumas Linhas Básicas Para Licenciatura em Matemática. In

Anais do II Encontro Nacional de Educação Matemática. Natal: Editora Universitária da UFRN, 1993.

BOYER, Carl Benjamin. História da matemática. Tradução: Elza F. Gomide. São Paulo: Editora Edgard

Blücher Ltda., 1994.

BRITO, Arlete de Jesus. Atividades para o ensino de cônicas a partir da história da matemática. Natal:

UFRN, 2003. Impresso.

BROLEZZI, Antônio Carlos. Conexões: História da Matemática através de Projetos de Pesquisa. SBHMat,

2003.

CARVALHO, Dione Lucchesi. Magistério de Segundo Grau. In Anais do II Encontro Nacional de Educação

Matemática. Natal: Editora Universitária da UFRN, 1993, p. 121 - 123.

Colégio de Gaia: Grupo de Matemática. The Geometer's Sketchpad. Disponível em: <http://www.cl-

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Construindo competências. Entrevista com Philippe Perrenoud, Paola Gentile et Roberta Bencini. Nova

Escola, Setembro de 2000, pp.19-31 . Disponível em:

<http://www.unige.ch/fapse/SSE/teachers/perrenoud/php_main/php_2000/2000_31.html>. Acesso em: 1º

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FOSSA, John A. Ensaios sobre a educação matemática. Belém: EDUEPA, 2001.

GONÇALVES, Carlos Henrique Barbosa. Usos da História da Matemática no Ensino Fundamental de 5a a

8a Séries. Brasília: SBHMat, 2005.

MACENA, Marta Ma Maurício e MENDES, Iran Abreu. Notas históricas sobre as Secções Cônicas na

investigação de sala de aula. In VI Seminário Nacional de História da Matemática. Brasília: SBHMat, 2005.

MENDES, Iran Abreu. Ensino da Matemática por atividades: uma aliança entre o construtivismo e a história

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2001.

MENDES, Iran Abreu. O uso da história no ensino da matemática – reflexões teóricas e experiências.

Belém: EDUEPA, 2001. (Série Educação n. 1).

MENDES, Iran Abreu. História no Ensino da Matemática: um enfoque transdisciplinar. In Ensino e Formação

Docente: propostas reflexões e práticas. CUNHA, Emmanuel Ribeiro e SÁ, Pedro Franco de (Orgs.). Belém:

[s.n.], 2002.

NOVAK, Joseph Donald. Uma teoria de Educação. Tradução: Marco Antônio Moreira. São Paulo: Pioneira,

1981.

Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio: bases legais / Ministério da Educação. – Brasília:

Ministério da Educação / Secretaria da Educação Média e Tecnológica, 1999.

PONTE, João Pedro da, BROCARDO, Joana & OLIVEIRA, Hélia. Investigações matemáticas na sala de

aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

Page 62: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

62

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NOGUEIRA, Adriano (Org.). Petrópolis: Vozes, 1994.

SEBASTIANI, Eduardo Ferreira. Laboratório de História da Matemática. Natal: SBHMat, 2001.

Page 63: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

63

INTRODUÇÃO DE DISCIPLINAS NAS GRADES CURRICULARES DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO – O CASO DA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA29

Dulcyene Maria Ribeiro

UNIOESTE – Cascavel

[email protected]

Resumo: Este trabalho tem como fonte principal resultados preliminares do projeto de pesquisa intitulado

“Um estudo sobre a disciplina História da Matemática - suas abordagens e enfoques” que visa um

levantamento dos principais enfoques que têm sido propostos para a disciplina História da Matemática nos

cursos de graduação em Matemática do país. O objetivo central do projeto de pesquisa está na forma como

a disciplina tem sido ministrada, mesmo assim, foi necessário estabelecer algumas questões que ao serem

respondidas pelos entrevistados indicassem como e quando os cursos de graduação introduziram a

disciplina nas suas grades. A necessidade da leitura de obras que tratam da história de currículos e história

de disciplinas surgiu como forma de encontrar elementos e subsídios que explicassem como as disciplinas

são introduzidas e permanecem nas grades curriculares dos cursos de graduação. É sobre este aspecto

que este artigo será desenvolvido, estabelecendo um paralelo entre as leituras e as respostas emitidas

pelos professores pesquisados.

Introdução Este trabalho é parte dos resultados do projeto de pesquisa intitulado “Um estudo sobre a disciplina

História da Matemática – suas abordagens e enfoques” que visa um levantamento das principais propostas

existentes para a disciplina História da Matemática nos cursos de graduação em Matemática do país, tanto

de licenciatura como de bacharelado, que a consideram em suas grades curriculares e estabelecer algumas

categorias que expressem como a disciplina tem sido ministrada.

A maneira como a disciplina tem sido conduzida pelos professores nas diversas instituições é ponto

de interesse e discussões nos encontros que tratam da Educação Matemática e especialmente, nos

específicos sobre História da Matemática. Optamos por uma pesquisa de abordagem qualitativa e pela

realização de entrevistas com professores de instituições que têm a História da Matemática como uma

disciplina obrigatória para os cursos de graduação em Matemática

Dar subsídios para que professores e futuros professores, além de pesquisadores da área de

Educação Matemática, especialmente os da História da Matemática, conheçam como a disciplina vem

sendo ministrada, permitindo-lhes direcionar suas atividades junto à História da Matemática como disciplina

nos cursos de graduação é a contribuição primordial esperada por essa pesquisa.

O enfoque do projeto de pesquisa é a forma como a disciplina tem sido ministrada, mesmo assim,

foi necessário estabelecer algumas questões que ao serem respondidas pelos entrevistados indicassem

como e quando os cursos de graduação que representam introduziram a disciplina nas suas grades.

A necessidade da leitura de obras que tratam da história de currículos e história de disciplinas

apareceu como forma de encontrar elementos e subsídios que explicassem como as disciplinas são

introduzidas e permanecem nas grades curriculares dos cursos, no caso, nos cursos de graduação. É sobre

29 Trabalho vinculado à linha de Pesquisa “Currículo e Conhecimento” desenvolvida pelo Grupo ‘Formação de Professores de Ciências

e Matemática’, cadastrado no CNPq e na UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel.

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este aspecto que este artigo será desenvolvido, estabelecendo um paralelo entre as leituras e as respostas

emitidas pelos professores pesquisados. No decorrer do texto estão descritas algumas respostas dadas

pelos entrevistados como forma de ilustrar aspectos considerados importantes.

Uma análise Os fatores que levam uma disciplina a figurar na grade curricular de um curso são diversos, mas

passam sempre por aspectos das políticas educacionais e por dinâmicas da própria instituição escolar.

É verdadeiro que a História da Matemática tem assumido grande importância nos últimos tempos,

seja enquanto fonte de pesquisas científicas, seja como método de abordagem ou auxílio aos trabalhos com

os conteúdos matemáticos em sala de aula, sendo merecedora de muitas discussões e até de eventos

científicos.

Parece consensual a necessidade de que os professores conheçam a história das disciplinas que

ministram, e isso é reforçado para a Matemática, em especial. D’Ambrosio fornece uma contribuição quando

ressalta:

Uma percepção da história da matemática é essencial em qualquer

discussão sobre a matemática e o seu ensino. Ter uma idéia, embora imprecisa e

incompleta, sobre por que e quando se resolveu levar o ensino da matemática à

importância que tem hoje são elementos fundamentais para se fazer qualquer

proposta de inovação em educação matemática e educação em geral

(D’AMBROSIO, 2002, p.29).

Outro aspecto que parece consenso é que nem todo professor em sua formação acadêmica, teve a

oportunidade de cursar a disciplina História da Matemática e que muitos não possuem acesso ao material

produzido nesta área do conhecimento. Contudo, faz-se necessário que o professor tenha uma boa

preparação para fazer uma abordagem histórico-crítica e reflexiva sobre os conteúdos e temas que trata

nas suas aulas.

A História da Matemática é uma disciplina que recentemente tem figurado no rol das disciplinas de

muitos cursos de graduação em Matemática. Tudo indica que isso se deu especialmente por força da

organização política educacional, conforme ilustram os documentos oficiais, como os Parâmetros

Curriculares Nacionais e as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Matemática

e os processos de avaliação, como o Provão.

Uma das possibilidades que explica o porquê de muitos cursos de graduação ter adotado a

disciplina História da Matemática está pautada no amplo sistema de avaliação dos cursos de graduação do

Brasil nos últimos anos, o Provão. Este considerava importante o conhecimento histórico que o aluno

apresentava sobre os conteúdos. A partir do primeiro exame realizado em 1998 as instituições de ensino

superior, preocupadas em obter bons resultados neste processo, introduzem em seus currículos disciplinas

que dêem conta dos aspectos históricos.

Stamatto (2003, p.15-16) também fez esta afirmação. Na oportunidade discutiu sobre a “lógica do

exame”, na perspectiva de Goodson. Ele menciona que certa uniformidade no currículo das escolas é

resultante também da necessidade de ensinar as disciplinas de tal modo que fique assegurado o êxito no

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exame final. “Assim, chegamos à conclusão que a ‘lógica do exame’ acabou por ter uma grande influência

no currículo” (GOODSON, 1997, p. 86).

Além disso, os documentos governamentais que versam sobre as políticas educacionais também

destacam a contribuição da História da Matemática para o aprendizado e o ensino da Matemática.

Para os PCNs (1998, p.42), no Ensino Médio os alunos devem estender e aprofundar seus

conhecimentos sobre números e álgebra, mas isso não deve dar-se isolado de outros conceitos, e nem de

problemas e da perspectiva sócio-histórica, que está na organização destes conhecimentos.

Não é somente neste texto que a perspectiva sócio-histórica é destacada. No texto dos PCNs do

Ensino Fundamental (1997, p.45), o destaque à contribuição da História da Matemática para o ensino e

aprendizado da Matemática é mais profundo. O professor ao mostrar a Matemática como uma criação

humana e as necessidades e preocupações de diferentes culturas e ao estabelecer comparações entre os

conceitos e os processos matemáticos do passado e do presente, tem a possibilidade de desenvolver

atitudes e valores mais favoráveis sobre o conhecimento matemático. E, além disso, os conceitos

abordados através da sua história, constituem fontes de informação cultural, sociológica e antropológica,

servindo de instrumento de resgate da própria identidade cultural dos grupos. Ainda para o texto,

Em muitas situações, o recurso à História da Matemática pode esclarecer

idéias matemáticas que estão sendo construídas pelos alunos, especialmente

para dar respostas a alguns “porquês” e, desse modo, contribuir para a

constituição de um olhar mais crítico sobre os objetos de conhecimento

(PARAMETROS CURRICULARES NACIONAIS: MATEMÁTICA, 1997, p.46)

Isso fornece indicativos de como as políticas educacionais estão embasadas especialmente nas

reformas curriculares. Ao enfatizar a necessidade de maior problematização na relação entre integração

curricular e currículo disciplinar, as organizadoras do livro Disciplinas e integração curricular: história e

políticas destacam que as reformas curriculares vêm assumindo papel central nas políticas educacionais,

tanto o Brasil, como no exterior. Para elas:

Nessas reformas, em diferentes níveis de ensino, as mudanças na

organização curricular têm sido um dos eixos principais. Assim, são propostas

áreas interdisciplinares, temas transversais, áreas de projeto, currículos por

competências (LOPES e MACEDO, 2002, p.7).

Desta forma, as instituições que assumiram a disciplina História da Matemática mais recentemente

o fizeram mais para se adequar às reformas curriculares geradas pelas políticas educacionais.

Outro fator importante na instituição de disciplinas, ligada à dinâmica própria da instituição escolar,

é a influência de grupos ou mesmo de pessoas. Com a disciplina História da Matemática isto fica explícito

nas fala de alguns dos entrevistados.

Quando perguntada sobre os motivos que levaram a instituição que trabalha a implantar a disciplina

História da Matemática, uma das entrevistadas argumentou não sabê-los exatamente, mas que até os sete

anos anteriores era uma disciplina optativa e somente com a chegada de um determinado professor,

Page 66: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

66

certamente alguém que apresentava interesse pela História da Matemática, passa a ser uma disciplina

obrigatória.

Outra entrevistada respondeu que o grupo de professores que escreveu o projeto para a

reimplantação do curso de Matemática da instituição reconhecia a importância da História da Matemática na

formação dos professores e por isso ela integra a grade curricular.

Stamatto destacou a ocorrência dessa influência ao relatar que o coordenador do Curso de

Matemática de uma instituição particular que integrava sua pesquisa tinha sido também o responsável pela

introdução da disciplina História da Matemática em uma Universidade pública, ambas na mesma cidade e

que entre suas publicações, havia traduções de livros de História da Matemática, que eram muito

freqüentes nas bibliografias apresentadas pelas instituições que faziam parte da sua pesquisa. Para ela:

“Confirmou-se, assim, que as mudanças no conteúdo curricular ocorrem, entre outros fatores, por influência

de indivíduos de liderança intelectual na área (...)” (STAMATTO, 2003, p.16).

Os conhecimentos anteriores à nossa pesquisa e o retorno obtido ao envio das mensagens

eletrônicas indicam que atividades com a disciplina História da Matemática se concentram nas regiões

sudeste e sul do país e também no Rio Grande do Norte. Esse fato deve-se à concentração em algumas

regiões ou até mesmo em cidades de grupos fortemente constituídos que discutem e trabalham a História

da Matemática, especialmente como metodologia de pesquisa cientifica. Além dos grupos, são as iniciativas

isoladas de pessoas, amantes da causa ou ex-participantes desses grupos que ajudam a difundir a História

da Matemática pelo país.

Isso fica claro na resposta de uma das entrevistadas na nossa pesquisa. Quando perguntada se

havia rodízio entre os professores para lecionar a disciplina respondeu que praticamente não. “Quando se

montou a grade esperava-se ter algum professor que fosse especialista em História da Matemática até o

ano que a disciplina seria ofertada. Isso não aconteceu. Como eu era autodidata em História da

Matemática, acabei ministrando a disciplina”.

Esta fala também nos indica que ainda são poucos os especialistas em História da Matemática.

Mesmo que vários integrantes dos grupos constituídos estejam se espalhando pelo país, o trabalho com a

disciplina é feito geralmente por professores que se dedicam a ela apenas por seu interesse próprio,

considerando-se autodidatas no assunto.

Ainda é necessária uma análise mais detalhada a respeito das entrevistas a fim de encontrar

respostas à principal meta deste projeto de pesquisa: investigar os enfoques que têm sido dado à disciplina

nos cursos em que ela já é ministrada. Mas o que foi destacado até o presente momento de análise é

mesmo o autodidatismo, a influência de pessoas ou grupos que já discutem seus interesses em relação à

História da Matemática e a instituição da disciplina nas grades curriculares através das reformas curriculares

geradas pelas políticas educacionais.

Referências BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio, Parte III. Secretaria do Ensino Médio.

MEC/SEM, 1998.

BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais – Matemática. Secretaria da Educação Fundamental. Brasília:

MEC/SEF, 1997.

D’AMBROSIO, U. Educação Matemática: da teoria à prática. 9 ed. Campinas: Papirus, 1996.

Page 67: Dissertação - Manuel de Campos Almeida

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GOODSON, Ivor F. A Construção Social do Currículo. Lisboa: EDUCA, 1997, p. 86.

_____. Currículo: teoria e história. Trad. Atílio Brunetta. Petrópolis: Vozes, 1995.

LOPES, A. C.; MACEDO, E. (Org.) Disciplinas e integração curricular: história e políticas. Rio de Janeiro:

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STAMATO, J. M. de A. A Disciplina História da Matemática e a Formação do Professor de Matemática:

dados e circunstâncias de sua implantação na Universidade Estadual Paulista, campi de Rio Claro, São

José do Rio Preto e Presidente Prudente. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) –

Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2003.