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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MARCOS RENATO SCHAHIN AS RAZÕES DA INEFICÁCIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICO-POLÍTICAS BRASILEIRAS: UMA ANÁLISE HISTÓRICA A LUZ DO CULTURALISMO FILOSÓFICO MESTRADO EM DIREITO NA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO FILOSOFIA DO DIREITO São Paulo 2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

MARCOS RENATO SCHAHIN

AS RAZÕES DA INEFICÁCIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICO-POLÍTICASBRASILEIRAS: UMA ANÁLISE HISTÓRICA A LUZ DO CULTURALISMO

FILOSÓFICO

MESTRADO EM DIREITO NA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO FILOSOFIA DODIREITO

São Paulo2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

MARCOS RENATO SCHAHIN

AS RAZÕES DA INEFICÁCIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICO-POLÍTICASBRASILEIRAS: UMA ANÁLISE HISTÓRICA A LUZ DO CULTURALISMO

FILOSÓFICO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título deMESTRE em direito na área de concentração de filosofia do direito, sob a

orientação do Professor Doutor Cláudio de Cicco.

MESTRADO EM DIREITO NA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO DE FILOSOFIADO DIREITO

São Paulo2007

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MARCOS RENATO SCHAHIN

AS RAZÕES DA INEFICÁCIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICO-POLÍTICASBRASILEIRAS: UMA ANÁLISE HISTÓRICA A LUZ DO CULTURALISMO

FILOSÓFICO

Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de mestre emdireito e aprovada em sua forma final pela coordenação do curso de pós-graduação em direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na áreade filosofia do direito.

Banca examinadora:

_______________________________________________________________PRESIDENTE: PROFESSOR DOUTOR CLÁUDIO DE CICCO; PUC/SP

_______________________________________________________________MEMBRO: PROFESSOR DOUTOR

_______________________________________________________________MEMBRO: PROFESSOR DOUTOR

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AUTORIZO, EXCLUSIVAMENTE PARA FINS ACADÊMICOS E CIENTÍFICOS,A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTA DISSERTAÇÃO POR

PROCESSOS DE FOTOCOPIADORAS OU ELETRÔNICOS.

_______________________________________________________________MARCOS RENATO SCHAHIN

_______________________________________________________________LOCAL E DATA

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Dedico este trabalho ao meu pai e a sua dedicaçãoincondicional aos seus filhos.

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Agradeço ao meu orientador do mestrado,professor Cláudio de Cicco; ao meu orientador dagraduação, professor Eduardo Carlos BiancaBittar; e a minha professora de História da escola,Mônica Salomão D’avila.

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"O que mais preocupa não é o grito dos violentos,nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dossem caráter, nem dos sem ética. O que maispreocupa é o silêncio dos bons!"(Martin Luther King)

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo demonstrar os

movimentos filosóficos que nortearam a criação do ordenamento jurídico

brasileiro desde a colônia até os dias atuais através da história do direito.

A necessidade deste estudo nasceu da existência contraditória

entre as leis e a sociedade brasileira. Dessa forma, a pesquisa busca

encontrar algumas razões para a ineficácia do ordenamento jurídico

brasileiro na formação histórica e jurídica do país.

A pesquisa parte da análise da corrente filosófica do culturalismo,

a partir do pensamento de Tobias Barreto. No segundo capítulo a história do

Brasil é confrontada com a história dos ordenamentos, elucidando as

doutrinas que serviram de base para a construção das leis. No terceiro

capítulo será apresentada a repercussão da importação dos ordenamentos

jurídicos, a ineficácia da maioria das leis pátrias, o que levou a falda

impressão de um desenvolvimento jurídico no país. Por fim, o último

capítulo apresenta o projeto educacional de Paulo Freire como meio de

legitimar algumas conquistas nacionais, como a democracia, transformando

a massa brasileira em um povo capaz de tornar real a República Federativa

do Brasil.

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ABSTRACT

The present work has the objective to demonstrate the

philosophical movements that have guided the creation of a Brazilian legal

system since colonial times up until the present day through the history of

law.

This study becomes necessary due to the fact that the laws have

become outdated with regard to the demands of society. Consequently, the

research tries to find some reasons for the inefficacy of the Brazilian legal

system in the historical and legal cultural of the country

The research begins with the analysis of the current cultural

philosophy, starting with the thinking of Tobias Barreto.

In the second chapter, the history of Brazil is confronted to a code

of laws that elucidated the doctrines that have served as a basis for the

construction of these some laws.

In the third chapter it will be show that foreign influence with

regard to these codes of laws had proved to be inefficient in their execution.

Finally, the last chapter presents the educational project of Paulo

Freire as a means of legitimizing some national conquests, such as

democracy, transforming the Brazilian people into a nation capable of

making viable the Federative Republic of Brazil.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1

1 CULTURALISMO ....................................................................................... 4

2 SOBRE HISTÓRIA ..................................................................................... 9

3 HISTÓRIA DO BRASIL ............................................................................ 12

3.1 O BRASIL COLÔNIA ........................................................................ 123.1.1 OS ÍNDIOS..................................................................................... 123.1.2 O PAU BRASIL E AS CAPITANIAS.............................................. 143.1.3 GOVERNO GERAL, CANA DE AÇÚCAR E O OURO .................. 15

3.2 O BRASIL REINO.............................................................................. 233.2.1 A FAMÍLIA REAL NO BRASIL...................................................... 23

3.3 O BRASIL IMPÉRIO.......................................................................... 273.3.1 A CONSTITUIÇÃO DE 1824.......................................................... 273.3.2 ESCRAVOS ................................................................................... 39

3.4 BRASIL REPÚBLICA........................................................................ 503.4.1 GOVERNO PROVISÓRIO ............................................................. 503.4.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1891.......................................................... 533.4.3 O CÓDIGO PENAL DE 1890 ......................................................... 59

3.5 A AUSÊNCIA DE UM CÓDIGO CIVIL............................................... 623.6 A REPÚBLICA VELHA ..................................................................... 633.7 A ERA GETÚLIO VARGAS............................................................... 69

3.7.1 O GOVERNO PROVISÓRIO.......................................................... 693.7.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1934.......................................................... 713.7.3 O ESTADO NOVO ......................................................................... 803.7.4 O PLANO COHEN ......................................................................... 813.7.5 A CONSTITUIÇÃO DE 1937.......................................................... 813.7.6 A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO E O FIM DOESTADO NOVO........................................................................................ 883.7.7 A CONSTITUIÇÃO DE 1946.......................................................... 91

3.8 A DITADURA MILITAR ..................................................................... 973.8.1 3.7.1. O ATO INSTITUCIONAL...................................................... 983.8.2 3.7.2. O ATO INSTITUCIONAL Nº2............................................. 1013.8.3 3.7.3. O ATO INSTITUCIONAL Nº3............................................. 1073.8.4 3.7.4. O ATO INSTITUCIONAL Nº4 E A CONSTITUIÇÃO DE 1967

1093.8.5 3.7.5. O ATO INSTITUCIONAL Nº5............................................. 111

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3.9 A REDEMOCRATIZAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DE 1988................ 115

4 A VALIDADE DO DIREITO NACIONAL E A AUSÊNCIA DE EFICÁCIA118

5 EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO ............................................................ 121

6 BALANÇO CRÍTICO REFLEXIVO ......................................................... 127

CONCLUSÕES.............................................................................................. 130

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 133

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata de uma pesquisa sobre a filosofia do

direito com base na história do Brasil, analisando as leis brasileiras e as

circunstâncias de sua criação.

Para o desenvolvimento do tema central do trabalho foram

utilizadas experimentações metodológicas que pudessem vir a contribuir da

melhor maneira possível para o desenvolvimento das questões propostas.

Portanto, a presente pesquisa não possui fidelidade referente a um método

investigativo específico.

A pesquisa tem início com a análise do culturalismo, corrente

filosófica que surgiu na Alemanha e foi desenvolvida no Brasil por Tobias

Barreto e por Miguel Reale. O culturalismo visualiza a realidade como fruto

das transformações culturais, ou seja, promovidas pelo ser humano, desta

forma torna-se fonte primordial de todos os valores, inclusive os jurídicos.

Após essa fase, o trabalho propõe-se a construir a história jurídica

brasileira com o intuito de relativizar o pensamento jurídico atual, revelando

um falso cientificismo formal que encobre os interesses econômicos

norteadores do ordenamento pátrio.

Deste modo, a história do direito desenvolve o criticismo,

chamando o jurista a cumprir o seu papel de agente histórico, abandonado

o papel de simples operador de um sistema pronto e acabado.

O confronto entre a história do Brasil e a história do direito no

Brasil demonstra a ausência de um paralelo entre as duas fontes, enquanto

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a sociedade brasileira seguia rumos patriarcais e centralizadores, os

institutos jurídicos brasileiros copiavam idéias das sociedades liberais,

burguesas da Europa.

Assim, no capítulo seguinte, a ausência desse elo entre a cultura

brasileira e seus ordenamentos gerou uma crise de eficácia das leis e uma

falsa impressão de desenvolvimento, pois o Brasil, carente de revoluções

populares bem sucedidas, nunca foi preparado para utilizar as leis que

importou das revoluções estrangeiras.

Por fim, a presente pesquisa considera a teoria educacional de

Paulo Freire, como meio para transformar a massa brasileira em povo, um

povo capaz de participar dos rumos nacionais, capaz de tornar o sistema

democrático legitimo.

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1 CULTURALISMO

Entende-se por cultura um conjunto de padrões de

comportamento, das crenças, das instituições e dos outros valores morais e

materiais de uma sociedade. A cultura está para um povo, assim como a

memória está para um homem.

O culturalismo analisa a formação e o processo de

desenvolvimento de certo grupo, em decorrência de seus acontecimentos

históricos e sociais.

A cultura se desenvolve no espaço e no tempo, portanto, é

necessário estudar a história da sociedade brasileira para compreender

alguns aspectos da sua cultura.

A cultura pode ser classificada em duas formas, a autêntica e a

espúria. A cultura autêntica é integrada e cheia de significado para o

indivíduo, nasce e cresce de dentro da sociedade, criando assim um vínculo

entre as pessoas que nela convivem. A cultura espúria é atomizada e sem

significado para a pessoa, ela vem de fora para dentro, despersonificando

as pessoas do grupo, retirando assim o vínculo existente entre elas. 1

Um exemplo de cultura espúria encontra-se na doutrina que

concebe o indivíduo como uma engrenagem de uma grande máquina, pois

não o qualifica como ser pensante dotado de uma dignidade essencial ao

seu desenvolvimento.

1 Cf. De Cicco, Cláudio. Hollywood na cultura brasileira. 1979, p. 21.

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O direito é um fenômeno cultural, dessa forma precisa ser situado

no espaço e no tempo da sociedade onde ele atua. O direito brasileiro foi

importado, logo possui uma carga cultural diferente da nacional, o que

gerou uma série de problemas que serão analisados ao longo do trabalho.

Cabe à filosofia do direito o papel de resolver os problemas

apresentados pelo transplante de institutos jurídicos inadequados à

realidade brasileira, na busca de uma adequação dos institutos jurídicos

presentes com a realidade nacional. 2

Essa adaptação consiste também na formação das pessoas que

operam o direito. A formação do jurista deve desenvolver um espírito crítico

de formação, e não apenas de informação. Uma formação humanista aberta

aos valores da cultura e aos problemas fundamentais da sociedade

brasileira. Dessa formação nasce à diferença entre o técnico em direito e o

jurista.

O técnico do direito é a pessoa que possui todas as ferramentas

para operar o direito como uma máquina. Não tendo a noção do todo, faz do

direito um instrumento de geração de renda, vende seu trabalho para

satisfação de prazeres e necessidades, não trabalha pela justiça nem para

o todo, já que, dificilmente possui algum conceito desenvolvido nesse

sentido.

Já o jurista é o profissional do direito que se utiliza de seu

conhecimento técnico para realizar a justiça, possuindo a noção do todo,

contribuindo para a formação e desenvolvimento da pessoa e do meio em

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que ela vive, e não agindo como um parasita, que busca saciar seus

anseios sem se preocupar se suas atitudes podem destruir o todo.3

Tobias Barreto (1839-1889), precursor do culturalismo jurídico na

escola de Recife, defende o direito como produto da cultura humana, fonte

comum de todas as conquistas e progressos da humanidade, em seu

desenvolvimento histórico. Segundo ele, a principal fonte do direito é o

costume, assim quando uma atitude se repete por diversas vezes ela se

torna moral, e quando a sociedade viabiliza condições desse

desenvolvimento cultural, ela vira lei. 4

Tobias Barreto superou o jusnaturalismo e o positivismo de sua

época, desenvolvendo o culturalismo, uma teoria jurídica crítica da

compreensão puramente normativista do positivismo, que servia ao

liberalismo jurídico, e crítica ao direito natural de ordem divina pregado pela

igreja e pela monarquia.

Miguel Reale deu seqüência ao culturalismo colocando a

experiência como elo entre a natureza e a cultura, chegando posteriormente

à teoria tridimensional do direito, que se exprime pelas relações entre fato,

valor e norma.5

No contexto do liberalismo econômico e do conservadorismo

elitista, o Brasil Império desenvolveu uma ordem jurídica legalista formal que

2 Cf. Montoro, André Franco. Estudos de filosofia do direito. 1995, p.107.3 Cf. TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. Duas palavras. In O que é a filosofia do direito? São Paulo:Manole, 2004, Pp. 19,20.4 Cf. Machado Neto. A. L. História das idéias jurídicas no Brasil, 1969, p.87.5 Cf. Reale, Miguel. O Direito como experiência : introdução à epistemologia jurídica – 2ª edição – SãoPaulo: Saraiva 1992.

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fundamentou nossa cultura jurídica, uma cultura conservadora que excluía o

povo brasileiro de qualquer participação na construção da vida política e

jurídica nacional.

Nessa toada, foram criados os dois primeiros cursos jurídicos no

país, São Paulo e Olinda que depois se transferiu para Recife, para a

formação de bacharéis que desempenhariam funções burocráticas em favor

do Estado oligárquico e conservador, esse movimento pode ser

denominado por bacharelismo.

Uma outra maneira de adaptação deve ser realizada através da

superação do colonialismo cultural implantado no Brasil, através de um

sistema educacional que será devidamente analisado mais profundamente

no quinto capítulo do presente trabalho. O próximo capítulo busca montar a

história do Brasil aliada às importações jurídicas e suas causas.

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2 SOBRE HISTÓRIA

A história narrativa apenas ordena os fatos cronologicamente sem

carga valorativa, é focada no homem e não nas circunstâncias. 6 O presente

trabalho abrange esse método da história narrativa em segundo plano, pois,

tem base na interpretação econômica da história, que coloca o fator

econômico como fator fundamental do qual dependem os demais. 7 Uma

vez que, na história do Brasil, as mudanças jurídicas só ocorreram após

algum interesse econômico da classe dominante. 8

As fontes históricas até o século XX são em sua maioria

européias, 9 portanto, a subjetividade dos fatos narrados deve ser

observada para uma análise crítica dos acontecimentos 10. Aquilo que nos

parece natural é historicamente relativo. Um exemplo disso é a corrente

utilização do termo “descobrimento do Brasil”, que possui um caráter

heróico, como se todo um continente já habitado por uma civilização de

cultura riquíssima, os ameríndios, só passasse a existir e ter valor após a

chegada dos europeus no século XV.

Por isso, a necessidade dos questionamentos: Qual história é

apresentada? Contada por quem? Quais os costumes e valores da época

6 Cf. Hobsbawn, Eric. Sobre História, 1998, p. 202.7 Cf. Hobsbawn, Eric. Sobre História, 1998, p. 159.8 “Uma vez mais a tendência é tratar os movimentos econômicos como espinha dorsal de tal análise. Astensões às quais a sociedade está exposta no processo de mudança histórica e transformação permitementão que o historiador exponha, em primeiro lugar, o mecanismo geral pelo qual as estruturas dasociedade tendem simultaneamente a perder e restabelecer seus equilíbrios e, em segundo lugar, osfenômenos que tradicionalmente são o tema de historiadores sociais, como, por exemplo, consciênciacoletiva, movimentos sociais e a dimensão social da mudanças intelectuais e culturais. ” (Hobsbawn, Eric.Sobre História, 1998, p. 94).9 “A partir do século XV, a história do mundo tornou-se indiscutivelmente eurocêntrica, e assimpermaneceu até o século XX.” (Hobsbawn, Eric. Sobre História, 1998, p. 239).

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dos acontecimentos? E principalmente, quais os valores do local e da época

de quem está escrevendo a história? 11

10 “Todo historiador tem seu próprio tempo de vida, um poleiro particular a partir do qual sonda omundo” (Hobsbawn, Eric. Sobre História, 1998, p. 244),11 “O cientista, que é fruto de sua época, reflete os preconceitos ideológicos e outros de seu ambiente eexperiências e interesses históricos e sociais específicos.” (Hobsbawn, Eric. Sobre História, 1998, p.139).

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3 HISTÓRIA DO BRASIL

3.1 O BRASIL COLÔNIA

3.1.1 OS ÍNDIOS

Os índios que viviam no Brasil não conheciam a propriedade

privada, apenas utensílios pessoais, como armas e colares, pertenciam a

um indivíduo. O caráter comunitário também influenciava a economia, que

produzia somente o necessário para o consumo, o excedente era no

máximo trocado com outras tribos.

Os portugueses estranharam a ausência de um poder central nas

tribos, não existia um chefe local que ditava as leis, as decisões eram

tomadas pelo grupo de homens adultos da tribo. A divisão do trabalho era

feita através das diferenças sexuais e de idade, e a poligamia era permitida.

A formação cultural brasileira teve como base a cultura indígena

dos habitantes do continente, a cultura negra trazida pelos escravos da

África, e a cultura européia trazida pelos portugueses. Contudo, a

dominação da cultura européia sobre as outras, ocorreu devido ao maior

poderio econômico e militar dos portugueses, e o caráter civilizador

europeu, que buscava impor seus costumes e religião ao povo considerado

por eles incivilizado. 12

12 “Caso do Brasil que se originou de operações comerciais. Com efeito, a formação do Brasil não tevecomo ponto de partida a confrontação dos invasores portugueses com as populações autóctones. Estasforam massacradas para abrir espaço a atividades empresariais ligadas à expansão de atividadeseconômicas européias.” (Furtado. Economia Colonial no Brasil nos séculos XVI e XVII, 2001, p.5).

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Assim, o Brasil tornou-se um apêndice da Europa no continente

americano, as pessoas que aqui vivam consideravam-se portuguesas, o

“novo país” nasceu sem a identidade de ter seu próprio povo.

A colônia não propiciava um ambiente para o desenvolvimento

intelectual, a empresa colonial funcionava com objetivos puramente

comerciais, sem dar espaço ao desenvolvimento moral da nação. 13

No princípio o sistema jurídico brasileiro seguia as ordenações

manuelinas, ditadas por Dom Manuel, interpretadas e aplicadas pelos

jesuítas, pois eram os únicos capazes de ler tal conteúdo. Essas

ordenações substituíram a concepção de propriedade comunitária dos

índios pela noção de propriedade privada do direito romano, e o direito do

pater família foi imposto. 14

O poder econômico e a ausência de um poder centralizador

proporcionaram o autoritarismo local, que se tornou tradição no Brasil. A

dificuldade de comunicação entre as capitanias e a metrópole, e o imenso

território brasileiro, concedia ao chefe local o papel do patriarca que

governava com poderes absolutos.

Desse modo, o Estado brasileiro caminhava no sentido oposto

das nações européias, enquanto os Estados europeus, de governos fortes e

centralizadores, influenciavam todos os setores dos seus países em

benefício da Coroa e da ampliação do seu poderio, no Brasil a força

13 Cf. Machado Neto. A. L. História das idéias jurídicas no Brasil, 1969, p.15.14 Cf. De Cicco, Cláudio. Direito: Tradição e Modernidade, 1993, p. 67.

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regional patriarcal, descentralizava o poder em favor de interesses

particulares da elite.

3.1.2 O PAU BRASIL E AS CAPITANIAS

Com a invasão da América, o eixo econômico europeu deixou de

ser o Oriente e o norte da África e passou a ser a exploração do “novo

continente” do Ocidente. Esse novo foco econômico passou a ditar as

regras de direito no território brasileiro.

O pau-brasil foi a primeira riqueza explorada pelos portugueses

em terras brasileiras. A coroa portuguesa declarou monopólio sobre a

extração do pau-brasil, cobrando impostos de quem explorasse a madeira.

O medo de perder a colônia para outros povos europeus, fez Portugal iniciar

o processo de ocupação e colonização do Brasil. Cinco navios com 400

pessoas, vieram ocupar a terra para a exploração econômica. Em 22-01-

1532 foi fundada a primeira vila do Brasil, São Vicente.

A colônia servia para dar lucro à metrópole, portanto, a primeira

atividade econômica, a extração do Pau-Brasil, foi regulada por um

documento com valor jurídico vindo de Portugal que concedia o direito de

extrair a madeira por um determinado período de tempo mediante

pagamento à coroa.

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Outra emanação jurídica vinda de Portugal fazia referência às

capitanias hereditárias, onde os donatários recebiam terras através das

cartas de doação da coroa portuguesa, junto com os forais, que indicavam

os direitos e deveres dos donatários.

3.1.3 GOVERNO GERAL, CANA DE AÇÚCAR E O OURO

O governo português não queria gastar dinheiro na colonização

brasileira. Portanto, dividiu o território em grandes lotes de terra, as

capitanias hereditárias, divisão esta que Portugal já tinha feito em Açores e

Madeira, e entregou-os aos nobres para explorá-las. O capitão era a

autoridade máxima dentro da capitania. Sua morte transferia o comando da

capitania a um descendente ou herdeiro, o capitão podia distribuir terras,

escravizar índios, e aplicar a pena de morte, em contrapartida era obrigado

a repassar parte de seus lucros à coroa portuguesa. O sistema das

capitanias não gerou o efeito esperado pelos portugueses, os capitães não

tinham recursos suficientes para investir, a ocupação foi apenas litorânea,

os grupos indígenas resistiam à invasão portuguesa, as viagens da

capitania até Portugal eram caras e duravam dois meses, e Portugal não

supria as necessidades em relação à defesa do território. Dessa

experiência, nasceram os primeiros núcleos de povoamento, como São

Vicente, Porto Seguro, Ilhéus, Olinda e Santos. 15

O insucesso do sistema de capitanias levou à implantação de um

governo geral português no Brasil, que teve como sede a Bahia, Salvador

15 “Não era e não podia o pequeno reino lusitano ser uma potência colonizadora à feição da antiga Grécia.O surto marítimo que enche sua história do século XV não resultara do extravasamento de nenhumexcesso de população, mas fora apenas provocado por uma burguesia comercial sedenta de lucros, e que

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que foi a primeira capital do Brasil. O governo criou três cargos: o ouvidor-

mor, encarregado dos negócios da justiça; o provedor-mor, encarregado

dos assuntos da fazenda; e o capitão mor, encarregado da defesa do litoral.

Com o fracasso das capitanias, o modelo de administração local

da metrópole foi implantado na colônia. Foi criado o Governo Geral em

1548, os governadores estavam subordinados a metrópole, e a um

regimento que buscava a defesa do território e o desenvolvimento de

engenhos de cana.

Os portugueses passaram a explorar o plantio da cana-de-açúcar

por ser rentável, por conhecerem o plantio, e o bom clima e as terras

favoráveis levaram os portugueses a ocupar o território brasileiro com

imensos engenhos. Os senhores de engenho possuíam uma autoridade que

ultrapassava o limite de suas terras, vilas e povoados vizinhos, que viviam

sob o comando do senhor de engenho16. A mão-de-obra escrava que era

indígena foi trocada pela negra, pois o tráfico negreiro era uma atividade

rentável para Portugal e para Europa, pois adquiriam os negros na África e

os vendiam nas suas colônias. Ao longo do século XVI, chegou a dar mais

lucro para os portugueses o tráfico negreiro do que a produção de cana.

Começava a produção do açúcar para a exportação. Onde o

governo português cedia terras à lucratividade do negócio. A aculturação

não encontrava no reduzido território pátrio satisfação à sua desmedida ambição. (Prado Júnior. EvoluçãoPolítica do Brasil: Colônia e Império, 2006, p. 11).16 “Protegiam-se os proprietários de engenho com uma legislação especial que impedia a sua execuçãojudicial e a perda de instrumentos de produção. Foi criada uma honraria especial, que valia por um título– o de senhor de engenho – concedida especialmente por Sua Majestade. (Furtado. Economia Colonial noBrasil nos séculos XVI e XVII, 2001, p.96).

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17

dos índios, a proteção religiosa, e a lucratividade do tráfico, fez o português

investir na mão-de-obra africana.

Os Jesuítas foram enviados ao Brasil para catequizar os índios,

isto é, convertê-los à religião católica, e fundaram o colégio de São Paulo,

onde surgiu a vila que deu origem à cidade de São Paulo. Junto com a

formação das primeiras vilas, foram surgindo as Câmaras Municipais,

controladas pela elite financeira do local, denominados “homens bons”.

Essas Câmaras eram órgãos da administração colonial, que ditavam as leis

impostas pela metrópole. 17

A igreja católica fez parte do processo de colonização do Brasil,

isso porque Portugal e a Igreja estavam ligados pelo regime do padroado,

onde o rei obrigava seus súditos serem católicos, implantava o catolicismo

em todas as terras conquistadas, construía e conservava as igrejas. Em

contrapartida, o rei nomeava bispos, e recolhia o dízimo.

O Brasil teve a sua formação prejudicada pelos portugueses, que

sempre exploraram as riquezas naturais do país em favor da metrópole.

Tudo que se produzia aqui era vendido ao exterior e os lucros ficavam com

os portugueses, e tudo que era consumido aqui era na maioria comprado

dos portugueses. 18

17 “O poder das câmaras é pois o dos proprietários. E seu raio de ação é grande, muito maior que oestabelecido nas leis... Apresenta-se assim o Estado Colonial, até meados do século XVII, comoinstrumento de classes desses proprietários. É por intermédio deles, contrariando as próprias leis dametrópole, que se suprem dos índios de que carecem para suas lavouras, intervindo nas aldeias,instituições públicas que deveriam gozar da proteção oficial, ou então fazendo declarar a torto e a direitoguerra ao gentio, para traze-lo das florestas ao tronco da escravidão. É com a organização política de quedispõem que conseguem manter na sujeição, explorando o seu trabalho, a grande massa da população,escravos e semi-escravos. (Prado Júnior. Evolução Política do Brasil: Colônia e Império, 2006, p.31).18 “Para o Brasil, esse sistema econômico será de conseqüências igualmente nefastas. O centro degravidade da economia do país estará fora dele. Os interesses da terra não contarão para nada: o bem –

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18

As atribuições da metrópole não tiveram muita eficácia, pois o

modelo importado para a colônia não foi adaptado à enorme diferença

territorial entre metrópole e colônia, o poder estava centralizado apenas nas

capitais, deixando o resto do território sem a presença do poder português.

19

O sistema das ordenações Filipinas, que não conseguia abranger

todo território, era composto da seguinte forma:

“Ouvidor - além das funções

administrativas cabia-lhe conhecer e julgar por ação

nova ou por avocação a seu juízo, os processos

cíveis e criminais em que fossem partes

interessadas juízes alcaides, procuradores,

tabeliães, fidalgos, abades, priores ou pessoas

gradas; suspeições de juízes e as causas da

competência dos juízes de fora, das cidades e vilas

situadas a duas léguas ou menos da sede da

comarca; agravos dos juízes ordinários e de fora e

as apelações dos juízes ordinários nas causas que

não excedessem sua alçada.

estar de sua população jamais será tido em conta. O país terá assim, um papel passivo no processo de suaformação. Ademais, o grosso dos benefícios do trabalho realizado na terra se desviará para o bolso dosintermediários metropolitanos.” (Furtado. Economia Colonial no Brasil nos séculos XVI e XVII, 2001,p.142).19 “Ele é por isso necessariamente disperso. Em cada região, é a câmara respectiva que exerce o poder.Formam-se assim sistemas praticamente soberanos, regidos cada qual por uma organização políticaautônoma. O Brasil colônia forma uma unidade somente no nome. Na realidade é um aglomerado deórgãos independentes, ligados entre si apenas pelo domínio comum, porém, muito mais teórico que real,da mesma metrópole. (Prado Júnior. Evolução Política do Brasil: Colônia e Império, 2006, p.32).

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19

Juiz ordinário ou da terra – eleito entre os

homens bons, tinha como função: processar e julgar

processos cíveis e criminais; onde não houvesse

juiz de órfão deveria exercer também as atribuições

deste; processar e julgar, sem recurso, juntamente

com os vereadores as injúrias verbais ou,

singularmente mas com recurso quando o caso

tratasse de fidalgo ou cavaleiro; julgar as apelações

e agravos das decisões dos almotáceis.

Juiz de Vintena – eleito anualmente pela

câmara de vereadores na base de um juiz para cada

20 habitantes, distante uma légua pelo menos da

sede, cabia-lhe julgar em processo verbal, sem

apelação nem agravo as questões de pequena

monte, excluindo-se as relativas a bens imóveis e

infrações e posturas municipais.

Almotacéis – em número de dois para

cada município competia-lhes: questões sobre

servidões urbanas e nuciações de obras novas.

Juiz de fora – era nomeado pelo poder

central e substituía o juiz ordinário nas causas cíveis

cujo o valor não ultrapassasse mil réis nos bens

móveis e na localidade de até 200 casas, bem como

tinha a competência para causas de bens móveis

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com valor de até 600 réis e bens imóveis até 400

réis.

Juiz de órfãos – eleitos ou nomeados se o

município possuísse mais de 400 vizinhos e cabia-

lhe processar e julgar inventários, partilhas, causas

decorrentes deles ou em que fosse parte deles

menores ou incapazes, assim como as causas

envolvendo a tutela e a curatela.

Para o segundo e terceiro graus de

jurisdição o órgão máximo era a casa de

Suplicação, com sede em Lisboa. Outros eram o

Desembargo do Paço, a Casa do Porto, A Mesa de

Consciência e Ordens, o Conselho Ultramarino, a

Junta do Comércio, o Conselho do Almirantado, o

Tribunal da Junta dos Três Estados, o Régio

Tribunal ou Fazenda e o Tribunal do Santo Ofício.”20

O secretário de Estado do Reino, Marques de Pombal, na tarefa

de centralizar o poder do Estado brasileiro, passou a negar qualquer

premissa do direito divino e religioso do ordenamento jurídico, utilizado

pelos chefes regionais, e adotou a base positivista e racionalista do

ordenamento jurídico, provenientes das reformas iluministas da Europa para

centralizar o poder em suas mãos. Assim, na teoria positivista, o direito só

20 Apud Castro, Flávia Lages. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, ps.310- 311.

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poderia surgir e ser aplicado pelo Estado, e não mais pelos chefes locais

baseados na divindade do jusnaturalismo.

Os processos dessa época eram julgados, pelos poderes locais,

favoráveis a não intervenção do Estado nas questões familiares, baseados

no pátrio poder e nas antigas ordenações, porém a suprema corte

reformava as decisões, tornando legítima a interferência do Estado em

qualquer questão que considerasse injusta ou ilegal. 21

Assim, foi criado o cargo dos “juízes de fora” para aplicar a lei de

acordo com os interesses do Estado, e acabar com os julgamentos feitos

pelos grandes proprietários, muitas revoltas surgiram, pois além da perda

da autonomia dos chefes locais, os impostos para sustentar uma máquina

estatal mais atuante eram mais altos. 22

Essa discrepância de interesses entre a metrópole e os pequenos

núcleos de poder regionais deu origem a movimentos de independência, a

lei imposta pela coroa não interessava mais a elite nacional, que buscava

legitimidade para impor seu próprio sistema de regras.

Foi somente no final do século XVII que os bandeirantes

encontravam o ouro de Aluvião nas margens dos rios, sendo que a notícia

da descoberta provocou uma corrida de diferentes pessoas em direção a

Minas Gerais, em poucos anos nasceram vilas e cidades em função do

ouro.

21 Cf. De Cicco, Cláudio. Direito: Tradição e Modernidade, 1993, p. 106.22 Cf. De Cicco, Cláudio. Direito: Tradição e Modernidade, 1993, p. 75.

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Todas as minas passaram a pertencer ao governo português, que

concedia lotes aos mineradores que exploravam o ouro. O trabalho era

realizado por escravos, em locais denominados lavras. O ouro em pó e em

pedra facilitava o contrabando, por isso, em 1702, Portugal criou a

intendência das minas órgão responsável pela distribuição das terras para

exploração do ouro, pela fiscalização da mineração pelo julgamento das

questões referentes à mineração pela cobrança de impostos dos

mineradores, um quinto de qualquer metal extraído. As casas de fundição

surgiram para facilitar a cobrança do quinto, o ouro só podia circular após

ser fundido e transformado em barras, medida que inibia o contrabando.

A população só tinha como renda a exploração das minas e a

pobreza se agravou com a escassez do ouro. O governo continuava

cobrando impostos, mesmo sem dar condições de produção. Logo, as elites

mineiras planejaram um movimento rebelde, chamado inconfidência mineira

pelos portugueses, e conjuração mineira para os brasileiros. Eles

pretendiam desenvolver indústrias e criar uma universidade na região, mas

não tinham como ideal acabar com a escravidão. O Coronel Joaquim

Silvério dos Reis denunciou o movimento em troca do perdão das suas

dívidas tributárias. Tropas prenderam os principais líderes do movimento,

foram condenados á pena de morte os menos abastados, incluindo

Tiradentes, os mais abastados foram exilados ou praticaram trabalhos

forçados.

A Conjuração Baiana surgiu dez anos após a conjuração mineira,

foi promovida por pobres, brancos e negros. Por ser formada principalmente

por trabalhadores também ficou conhecida por Revolta dos Alfaiates. O

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movimento queria a libertação do Brasil de Portugal, a Proclamação da

República, a abolição da Escravatura, e a abertura dos portos a todas as

nações, a Repressão deu penas mais severas aos líderes pobres.

Para regular a nova atividade econômica no Brasil a Coroa

expediu algumas normas. “Com a descoberta do ouro e o desenvolvimento

das Minas Gerais, foi criado o código mineiro de 1603 e 1618 e o regimento

de 1702. O código mineiro estabelecia que todos os súditos do rei podiam

extrair livremente o ouro, desde que reservassem para a Real Fazenda a

quinta parte do produto. Autorizava a criação de casas de fundição para

onde deveria ser levado todo material extraído para ser fundido em barras,

depois de deduzida a parte do imposto. Demarcava as terras chamadas

minerais. Criava o cargo de provedor específico para a região aurífera, ele

seria o responsável pela fiscalização das jazidas e a cobrança do quinto (o

regimento de 1618 ampliou os poderes deste provedor no tocante a

cobrança de impostos).”23 O regimento de 1702 aperfeiçoou o sistema de

cobrança de impostos.

3.2 O BRASIL REINO

3.2.1 A FAMÍLIA REAL NO BRASIL

A família real veio à colônia devido ao movimento expansionista

da França de Napoleão na Europa. Apenas a Inglaterra tinha forças para

resistir aos franceses, logo a França tentou vencê-la pela força econômica,

e decretou o bloqueio continental. Portugal tentava se manter indiferente no

conflito, pois temia a França e tinha boa relação comercial com a Inglaterra.

23 Castro, Flávia Lages. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.315.

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Assim, D. João e as tropas fugiram para o Brasil, sob proteção Inglesa. A

Inglaterra queria o fim do monopólio de Portugal sobre o Brasil, dessa forma

foi decretada a abertura dos portos, e o Brasil começava a se libertar de

Portugal.

O governo de D.João no Brasil garantiu a liberação da atividade

industrial no Brasil, e a Inglaterra passou a dominar as atividades

comerciais. O Brasil foi elevado à categoria de Reino Unido e adquiriu

autonomia administrativa.

Com a chegada da família real ao Brasil, foi feito o documento

que continha a liberação do comércio no país. O tratado de 1810, através

deste, o imposto pago pela Inglaterra seria de 16%, de Portugal 15% e dos

demais países 24%.

Em 1785, foi expedido um alvará no qual constava que o Brasil

estava proibido de produzir manufaturados, pois abriria concorrência com os

produtos vindos de Portugal, porém com a transferência da corte, novas

necessidades e uma nova mentalidade estavam presentes. D. João revogou

o alvará de 1785 através do alvará de 1808, que autorizava a produção de

produtos manufaturados.

Em 1808 foram trazidos para o Brasil todos os órgãos do Estado

Português: os ministérios do Reino, da Guerra e Estrangeiros, da Marinha e

Ultramar, o Real Erário, o Conselho de Estado, Desembargo do Paço, Mesa

da Consciência e Ordens, e o Conselho Supremo Militar. Esse aparelho

estatal estava fora da realidade social do país, e além do mais todos os

gastos com esses órgãos passaram a ser financiados pelo povo brasileiro.

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Então, com o intuito de cobrir os gastos crescentes com a emissão de

moeda, foi criado o Banco do Brasil através de alvará. Estes gastos e

preferências econômicas aos europeus geraram movimentos que

expressavam sua insatisfação.

A Revolução Pernambucana teve como motivos de insatisfação

os altos impostos gerados pela instalação da corte portuguesa no Brasil, os

preços do açúcar e do algodão estavam caindo no mercado internacional

devido à concorrência externa. Tinham o objetivo de proclamar uma

república inspirada nos ideais da revolução francesa. Os rebeldes tomaram

o poder, acabaram com alguns impostos, permitiram liberdade de imprensa

e religiosa. A libertação dos escravos não ocorreu, pois não interessava aos

senhores de engenho perder a sua mão-de-obra. Os rebeldes

permaneceram no poder por 75 dias. O governo de D.João VI condenou os

líderes do movimento à pena de morte.

As ideologias liberais começavam a entrar em conflito com o

monopolismo mercantilista, Portugal precisava manter o antigo regime

político no Brasil para manter sua dominação, porém a influência inglesa e o

despertar dos colonos para as facilidades trazidas pelas idéias liberais

colocaram frente a frente os interesses opostos.

Através do alvará de 1808 foi criado o cargo de Juiz Conservador

da Nação Britânica, sendo que esse juiz era escolhido pelos ingleses

residentes e somente ele poderia julgá-los. 24

24 Cf. Castro, Flávia Lages. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.339.

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O Brasil não mais vivia como uma simples colônia portuguesa, e

os efeitos dessas mudanças foram ratificados pela carta de lei de 16 de

dezembro de 1815 que elevou o Brasil à condição de Reino Unido, medida

esta que colaborou para a Independência do Brasil. 25

Em agosto de 1820, comerciantes da cidade portuguesa

lideravam um movimento conhecido como Revolução Liberal, os revoltosos

dominaram o poder em Portugal e limitando as ações de D.João VI que

estava no Brasil. Dom João VI voltou para Portugal, deixando D.Pedro no

poder, como príncipe regente. A corte portuguesa queria recolonizar o Brasil

e passou a exigir a volta de D.Pedro para Portugal, a elite brasileira queria

manter a liberdade de comércio e deram apoio para manter D.Pedro no

Brasil. Reuniram um documento com cerca de oito mil assinaturas pedindo

que D.Pedro ficasse. D.Pedro ficou, e disse que as ordens vindas de

Portugal só seriam cumpridas mediante sua autorização.

A corte Portuguesa continuava a mandar ordens e, dessa forma

D.Pedro resolveu romper com Portugal e proclamou a independência em 7

de setembro de 1822, que só foi reconhecida por Portugal após o

pagamento de uma alta indenização. A Independência tinha como objetivo

preservar a liberdade de comércio e autonomia administrativa. Ou seja,

manteve intactos os interesses da elite. O povo continuou na mesma

25 “Mas, também é certo que nossa condição de sede provisória da monarquia foi a causa última eimediata da Independência, substituindo, talvez sem vantagem alguma, o processo final da luta armadaque foi feito nas demais colônias americanas.” (Prado Júnior. Evolução Política do Brasil: Colônia eImpério, 2006, p.46).

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situação de miséria, e os escravos não se beneficiaram dos avanços

liberais. 26

D. Pedro fica no Brasil após a volta da família real para Portugal,

e, com o apoio da elite nacional, declara o Brasil independente de Portugal.

Instaura um governo centralizador, instituindo governos municipais com

presidentes indicados por ele, neutralizando a ação dos chefes locais. Com

a constituição de 1824 abre-se espaço para a criação do código penal em

1830, do código de processo penal em 1832, e do código comercial em

1850, para unificar o direito que seria aplicado no Brasil e para libertar-se

das antigas e ultrapassadas ordenações do reino. O código civil demorou a

sair porque importaria uma igualdade iluminista entre todos, e uma série de

conceitos liberais, de modo que as elites agrárias que se beneficiavam dos

privilégios das antigas ordenações não queriam alterar tal situação,

dificultando a aprovação de um novo código. 27

3.3 O BRASIL IMPÉRIO

3.3.1 A CONSTITUIÇÃO DE 1824

A idéia de que a independência brasileira veio através de um ato

de coragem de D. Pedro sobre o seu cavalo não passa de uma invenção

romântica. As elites brasileiras proclamaram a independência do Brasil

através de um processo político que manteve o sistema de monarquia,

26 “E na falta de movimentos populares, na falta de participação direta das massas neste processo, o poderé todo absorvido pelas classes superiores da ex-colônia, naturalmente as únicas em contato direto com oregente e sua política. Fez-se a Independência praticamente à revelia do povo; e se isto lhe poupousacrifícios, também afastou por completo sua participação na nova ordem política. A Independênciabrasileira é fruto mais de uma classe que da nação tomada em conjunto.” (Prado Júnior. Evolução Políticado Brasil: Colônia e Império, 2006, p.52).27 Cf. De Cicco,. História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito, 2006, p. 240.

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mantendo toda estrutura necessária para um país latifundiário, monocultor,

exportador, e escravocrata. 28

Em junho de 1822, foi convocada a assembléia para elaborar a

primeira Constituição brasileira, os membros da assembléia constituinte

eram os grandes proprietários. O projeto de Constituição previa a proibição

de estrangeiros para ocupar cargos públicos de representação nacional,

limitava os poderes do imperador e ampliava os poderes do legislativo,

restringia o poder político aos grandes proprietários rurais. D.Pedro І

recusou tal projeto em 1823 e dissolveu a assembléia. Após conflitos entre

o Partido Português e o Partido Brasileiro, D.Pedro nomeou uma nova

comissão. Assim, surgiu a Constituição de 1824, outorgada, que dividia o

poder em quatro: Judiciário, Legislativo, Executivo e Moderador.

Ao dar-se início aos trabalhos da constituinte, ocorreu o

extermínio de possibilidades da oposição, restringindo o direito de voto a um

pequeno grupo, pessoas de ideais democratas foram degredadas do país,

e, por decreto, foi instituída a censura à imprensa no Brasil.

O anteprojeto de 1823 foi formado para obedecer aos interesses

do Partido Brasileiro, fiel ao sistema monárquico. Foram designados seis

deputados para elaboração do anteprojeto, muitos artigos foram inspirados

nos ideais iluministas no tocante ao liberalismo econômico, mas não quanto

à democracia e as liberdades. O projeto de Constituição tinha uma

tendência classista, afastava a maioria da população, as eleições seriam

feitas em dois turnos condicionando a capacidade eleitoral à quantidade de

28 Cf. Castro. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.346.

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farinha de mandioca. “Os eleitores de primeiro grau deveriam ter renda

mínima equivalente a cento e cinqüenta alqueires de farinha de mandioca,

eles elegeriam os eleitores de segundo grau que para sê-lo deveriam ter

uma renda mínima de duzentos e cinqüenta alqueires de farinha de

mandioca. Estes últimos elegeriam deputados e senadores que, para

candidatarem-se a tais cargos deveriam ter renda correspondente a

quinhentos mil alqueires.” 29.

Porém, o anteprojeto estabeleceu a indissolubilidade da Câmara,

o veto do imperador aos projetos de lei seria apenas de caráter suspensivo,

e as forças armadas sujeitar-se-iam ao parlamento e não ao imperador.

Assim, a assembléia foi fechada e D. Pedro convoca uma nova comissão

para dar continuidade nos trabalhos.

Assim, a Constituição de 1824 foi outorgada, ou seja, imposta por

D. Pedro, que desejava centralizar o poder em suas mãos, porém não era

mais sustentável ao monarca alegar a representação divina para ser o dono

do Estado, por isso D. Pedro elaborou uma Constituição que transvertia

seus interesses na forma da lei30. A análise de alguns de seus artigos

mostra a centralização do poder contida em seu bojo.

A separação de poderes foi elaborada nos moldes iluministas,

porém só nos moldes, pois na prática, a Constituição de 1824 além dos

poderes executivo, legislativo e judiciário, também continha o poder

29 Castro. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.352.30 “Uma constituição é sempre a tradução do equilíbrio político de uma sociedade em normas jurídicasfundamentais. Ela reflete as condições políticas reinantes, isto é, os interesses da classe que domina e aforma pela qual exerce o seu domínio” (Prado Júnior. Evolução Política do Brasil: Colônia e Império,2006, p.53).

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moderador que capacitava D. Pedro a interferir nesses poderes. Como se

pode ler no artigo 98:

“Art. 98. O Poder Moderador é a chave de

toda a organização política e é delegada

privativamente ao Imperador, como chefe supremo

da Nação e seu primeiro representante, para que

incessantemente vele sobre a manutenção da

independência, equilíbrio e harmonia dos mais

poderes políticos.”

A monarquia parlamentarista também não era viável, pois os

ministros de Estado eram nomeados pelo Imperador, logo assinariam todos

os atos do Imperador sem questionamento.

“Art. 101. O Imperador exerce o Poder

moderador (...)

6º) Nomeando e demitindo livremente os

ministros de Estado.

Art. 132. Os ministros de Estado

referendarão ou assinarão, todos os atos do Poder

executivo, sem o que não poderão ter execução.”

O poder legislativo também dependia da sanção do Imperador

para aprovação das leis.

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“Art. 13. O Poder Legislativo é delegado à

Assembléia Geral, com a sanção do Imperador.”

Um terço da composição do senado era indicada pelo Imperador,

e para ocupar o cargo de senador ou deputado era necessário ter muito

dinheiro. Porém, os príncipes não precisavam preencher requisito algum.

“Art. 46. Os príncipes da Casa Imperial

são senadores por direito e terão assento no

Senado, logo que chegarem à idade de vinte e cinco

anos.”

O sistema de eleição dos deputados dava o direito de voto

apenas para quem tivesse atingido certa renda líquida anual.

“Art. 92. São excluídos de votar nas

assembléias paroquiais:

1º) Os menores de vinte e cinco anos, nos

quais não se compreendem os casados e oficiais

militares, que forem maiores de vinte e um anos, os

bacharéis formados e clérigos de ordens sacras.

2º) Os filhos-família que estiverem na

companhia de seus pais, salvo se servirem ofícios

públicos.

3º)Os criados de servir, em cuja classe

não entram os guarda-livros e primeiros caixeiros

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das casas de comércio, os criados da Casa Imperial

que não forem de galão branco e os

administradores das fazendas rurais e fábricas.

4º) Os religiosos e quaisquer que vivam

em comunidade clausural.

5º) Os que não tiverem de renda líquida

anual cem mil réis por bens de raiz, indústria,

comércio ou empregos”.

O Imperador ainda podia fechar a câmara dos deputados para

convocar novas eleições para salvar o Estado

“Art. 101. O Imperador exerce o Poder

moderador (...)

5º) Prorrogando ou adiando a Assembléia

Geral e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos

casos em que o exigir a salvação do Estado,

convocando imediatamente outra, que a substitua.”

Ele também exercia o poder legislativo através da expedição de

decretos, instruções e regulamentos. Mesmo assim, qualquer lei vinda das

casas do legislativo só teria validade após a sanção do Imperador.

Art. 102. O Imperador é o chefe do poder

Executivo e o exercita pelos seus ministros de

Estado. São suas principais atribuições: (...)

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12º) Expedir os decretos, instruções e

regulamentos adequados à boa execução das leis.”

O poder judiciário também sofria interferência do Imperador, pois

os magistrados eram nomeados, e podiam ser suspensos por ele.

“Art. 102. O Imperador é o chefe do poder

Executivo e o exercita pelos seus ministros de

Estado. São suas principais atribuições: (...)

3º) Nomear Magistrados.

Art. 154. O Imperador poderá suspendê-

los por queixas contra eles feitas....”

Os funcionários públicos seriam responsabilizados por crimes

cometidos no tocante as suas funções, porém a figura do Imperador

possuía imunidade total.

“Art. 156. Todos os juízes de direito e os

oficiais de justiça são responsáveis pelos abusos de

poder e prevaricações que cometerem no exercício

de seus empregos; esta responsabilidade se fará

efetiva por lei regulamentar.

Art. 99. A pessoa do Imperador é

inviolável e sagrada; ele não está sujeito à

responsabilidade alguma.”

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34

Outras partes da Constituição apenas copiavam idéias da

revolução francesa sem a mínima preocupação de eficácia dessas leis, o

sistema econômico brasileiro baseado na mão de obra escrava

impossibilitava a aplicação dos direitos humanos, que figuravam na

Constituição com papel meramente ilustrativo.

Atitudes autoritárias de D.Pedro provocaram revoltas entre os

partidos liberais. A reação explodiu no Nordeste, liderada por Pernambuco,

onde ocorreu a Confederação do Equador. A queda do açúcar deixou o

nordeste na miséria, os grupos queriam a descentralização do poder, com

autonomia para as províncias. Frei Caneca, um dos líderes do movimento,

defendia a constituição de uma Federação brasileira, era contra o poder

moderador, e contra a outorga da Constituição. Eles queriam formar a

confederação do Equador, e eram contra a escravidão, por isso perderam o

apoio dos proprietários de terra, e foram derrotados pelas tropas de

D.Pedro.

A queda da popularidade do Imperador se deu pelo fechamento

da assembléia constituinte, a imposição da Constituição de 1824, a

violência contra rebeldes, a falência do Banco do Brasil, o pagamento pela

independência, e o fato de D.Pedro poder voltar ao trono português,

culminado com o assassinato de um líder de imprensa, Libero Badaró, que

criticava o governo.

Os mineiros protestaram contra estas atitudes, porém o Partido

Português organizou uma festa para recepcionar D.Pedro após os fatos.

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Militantes do Partido Liberal entraram em conflito com o Partido Português.

Esse episódio ficou conhecido como a noite das garrafadas.

Dom Pedro tentou agradar o povo organizando um ministério só

de brasileiros. Porém, como o ministério não obedecia às suas ordens, ele

trocou pelo ministério dos marqueses, formado por portugueses. A

nomeação do novo ministério fez estourar uma grande revolta. D.Pedro

abdicou o trono em favor de seu filho de cinco anos, e partiu para Portugal

para tentar reconquistar o trono português.

Até D.Pedro ІІ completar 18 anos, dizia a Constituição do império

que o Brasil seria governado por um conselho de três regentes. Três grupos

principais disputavam o poder: restauradores, liberais exaltados e liberais

moderados. Os restauradores queriam a volta de D.Pedro І, o regime

absolutista e centralizador, era formado por comerciantes portugueses,

militares de alta patente e altos funcionários públicos. Os liberais exaltados

queriam a descentralização do poder, o federalismo, o fim da monarquia e

início da República, era formado por profissionais liberais, pequenos

comerciantes, funcionários públicos modestos e militares de baixa patente.

Os liberais moderados queriam a monarquia não absolutista, a ampliação

do poder dos governantes das províncias, e a manutenção da escravidão,

era formado por donos de terra e grandes comerciantes.

Em 1.834, D.Pedro І morreu em Portugal aos 36 anos, diluindo os

restauradores. Desse modo, os liberais exaltados perderam sua influência

política, e os liberais moderados dividiram-se em progressistas e

regressistas.

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A Regência Trina Provisória de 1831 readmitiu o Ministério dos

Brasileiros, deu anistia aos presos políticos, decretou a suspensão parcial

do poder moderador, criou a Guarda Nacional, que concedia aos

fazendeiros o título de coronel da guarda nacional, fez o ato adicional à

Constituição que transformou a Regência Trina em Una, e criou

assembléias legislativas nas províncias.

A Regência Una de Feijó enfrentou rebeliões como a Cabanagem

e a Farroupilha, os grandes fazendeiros estavam preocupados com as

constantes revoltas e pressionaram Feijó a renunciar, elegendo Pedro

Araújo Lima, um regressista. Na Regência de Araújo Lima formou-se o

Ministério de políticos conservadores, e fez-se a lei interpretativa do ato

adicional, que reduzia o poder das províncias.

No Pará, ocorria a cabanagem em 1.835, que foi uma revolta

popular de negros, índios e mestiços, que trabalhavam na extração de

produtos na floresta e moravam em casas semelhantes a cabanas. A

revolta se deu contra a situação de miséria, e foram apoiados por

fazendeiros que queriam autonomia para exportar sem as barreiras do

governo, porém os fazendeiros se afastaram do movimento devido ás idéias

abolicionistas e da divisão de terras. Em janeiro de 1.835 os cabanos

conquistaram Belém e mataram o presidente da província, o Rio de Janeiro

enviou tropas, matando 30 mil cabanos, acabando com o movimento.

No Rio Grande do Sul, se dava a Farroupilha, que foi a mais longa

revolta, de 1.835 a 1.845. Deu-se devido aos problemas econômicos dos

produtores rurais, pois os produtos do gado concorriam no mercado interno

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com a Argentina e o Uruguai. As baixas tarifas dos produtos importados e a

falta de autonomia da província geravam insatisfação. Bento Gonçalves

comandou as tropas farroupilhas que dominaram Porto Alegre, o movimento

expandiu-se e, em 1836 os rebeldes fundaram a república Rio Grandense.

Em 1839 o movimento expandiu-se com a conquista de Santa Catarina,

onde foi fundada a república Juliana. A revolta foi combatida pelas tropas

imperiais sem sucesso, dessa forma o movimento só foi abafado quando o

império negociou com os fazendeiros melhores condições financeiras, assim

eles venderam a revolta. Esse movimento não sustentou seu cunho popular

ou abolicionista, pois quando os interesses dos ricos foram atendidos, o

movimento acabou.

Em Salvador, por sua vez, se dava a revolta dos malês, em 1835.

Foi um movimento dos escravos, uma denúncia antecipou o início do

movimento, eles não se entregaram, muitos morreram e outros foram

presos.

A Sabinada em 1837 também ocorreu na Bahia, foi liderada pelo

médico Francisco Sabino. Queriam instituir uma república na província,

tomaram o poder em Salvador, porém, os fazendeiros com medo da

abolição mudaram de lado e ajudaram a acabar com o movimento em 1838.

No Maranhão ocorreu a Balaiada de1835 a 1841, devido à crise

agrária, vaqueiros, sertanejos e escravos uniram-se para lutar contra a

miséria, a fome, a escravidão e os maus tratos. Conquistaram a cidade de

Caxias, porém conflitos internos ajudaram as tropas do governo que

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acabaram com o movimento matando 12 mil pessoas entre sertanejos e

escravos.

Em todas as revoltas brasileiras, o povo serviu apenas de massa

de manobra, assim que os interesses da classe revoltosa foram atendidos,

os rebeldes passavam a opressores, pois temiam uma verdadeira tomada

de poder pelo povo. 31

O segundo reinado foi de 1840 a 1889, iniciado com a

emancipação de Dom Pedro ІІ para tornar-se imperador após um jogo

político. Dois partidos dominaram o cenário político do segundo reinado: o

conservador, formado por grandes proprietários, burocratas do serviço

público e os grandes comerciantes, queriam um governo imperial forte e

centralizado; o liberal, formado por profissionais liberais urbanos,

proprietários rurais voltados ao abastecimento interno, que queriam um

governo descentralizado. A disputa pelo poder não mudava muito a forma

de governo, os políticos que assumiam o poder trabalhavam apenas para

obter vantagens próprias.

Com a produção do café, o centro econômico brasileiro passou do

Nordeste para o Sudeste. Os imigrantes começaram a substituir o trabalho

escravo pelo assalariado e a renda do café impulsionou a industrialização,

os cafeicultores tornaram-se o grupo mais influente do Brasil. Em 1850, foi

31 “Toda essa agitação, todos estes movimentos, embora desconexos, que ora aqui, ora acolá abalam opaís, têm contudo entre si um traço comum de evolução. A pressão revolucionária começa nas camadaslogo abaixo da classe dominante. Daí se generaliza por toda massa, descendo sucessivamente de uma paraoutra camada inferior. Isto provoca uma contramarcha das próprias classes iniciadoras do movimento, eque de revolucionárias, sob a pressão que as arrasta para onde não querem ir, passam a reacionárias, oupelo menos abandonam o movimento. Deixam assim à sorte os últimos a entrarem na luta, que por estaforma enfraquecidos, são esmagados pela reação do poder central.” (Prado Júnior. Evolução Política doBrasil: Colônia e Império, 2006, p.66).

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extinto o comércio internacional de escravos para o Brasil, pela lei Eusébio

de Queiroz. O dinheiro gasto na compra e manutenção dos escravos foi

aplicado em outros setores da economia. O método de adquirir

propriedades passou da posse para a compra.

Após a independência do Paraguai em 1811, o país voltou sua

economia para o povo, distribuiu terras aos camponeses, combateu donos

de terras improdutivas, construiu muitas escolas, desenvolveu o artesanato

absorvendo a mão de obra indígena, desenvolveu a indústria de pólvora, o

país era auto sustentável. O desenvolvimento paraguaio não interessava

aos objetivos industriais ingleses. Assim, a Inglaterra financiou o Brasil, a

Argentina e o Uruguai para lutar contra o Paraguai. A guerra do Paraguai

teve início em 1865 e durou até 1870, morreram 100.000 brasileiros e

200.000 paraguaios, após a guerra à economia sul americana estava

abalada, o que aumentou a dívida externa com os ingleses.

3.3.2 ESCRAVOS

A questão dos escravos era de difícil encaixe nas leis brasileiras,

pois eram inspiradas na sociedade européia pós-revolução industrial, onde

a mão-de-obra era assalariada. O Brasil ainda tinha como base econômica

a agricultura latifundiária voltada à exportação com mão-de-obra escrava,

de modo que os estudiosos brasileiros formados nas universidades

européias tinham dificuldade em adaptar as leis de sociedades que viviam

momentos econômicos distintos.

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As inspirações humanistas do iluminismo encontravam

incongruências nos ordenamentos brasileiros. As ordenações Filipinas não

puniam o estupro cometido contra escravas.

“Todo homem, de qualquer stado e

condição que seja, que forçosamente dormir com

qualquer mulher (...), morra por ello. Porém, quando

for com mulher que ganhe dinheiro per seu corpo,

ou com scrava, não se fará execução, até nol-o

fazerem saber e per nosso mandado”32

Os filhos dos senhores com as escravas geravam anomalias

jurídicas, pois um acórdão proibia a venda dessas crianças como escravas,

e, quando essas chegavam a assumir a herança do pai tinham como

escrava a própria mãe. Algumas tendências jurisprudenciais da época ainda

proibiam a libertação da mãe escrava pelo filho herdeiro.

“O jornal A Província de São Paulo, de 16

de janeiro de 1875, transcreve um parecer do

procurador geral da coroa sobre a apelação cível

nº67, de Amparo, que indagava se deveria ser

considerada liberta a escrava, mãe daquele que o

respectivo senhor em seu testamento reconheceu

por seu filho e institui herdeiro. A escrava Luísa,

considerada escrava do menor Martinho, requereu

nomeação de curador, que em juízo promovesse

32 Castro. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.391.

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sua liberdade alegando que sendo mãe do réu,

herdeiro dos bens do senhor não podia ser escrava

do mesmo. Juntou documentos, certidões de

nascimento etc. O Juiz de direito julgou

improcedente a ação por considerar que o

ajuntamento ilícito do senhor com a escrava não era

razão suficiente para impetrar a liberdade desta, e

para fundamentar seu parecer apoio-se na

jurisprudência.”33

A lei definia o escravo como propriedade, porém na lei penal, ele

assumia papel de pessoa como agente de algum crime e de coisa na

condição de vítima, assim o escravo seria punido se cometesse algum

delito, porém se fosse vítima de algum, quem receberia o ressarcimento

seria o seu senhor.

O modelo econômico adotado após o iluminismo não era

compatível com a escravidão, primeiro porque para as indústrias era mais

caro manter um escravo do que pagar um salário, depois porque o sistema

de mão-de-obra escrava emperraria o desenvolvimento econômico, pois a

criação de uma nova classe de operários assalariados estaria apta a

consumir os produtos industrializados, coisa que os escravos não tinham

condições de fazer, por último, questões filosóficas e humanitárias que

33 Castro, Flávia Lages. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.392.

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sozinhas não teriam força suficiente para ecoar em uma sociedade vazia de

valores que caminhava em direção ao brilho do dinheiro. 34

Assim, a Inglaterra, país de interesses capitalistas que acumulou

capital necessário para seu desenvolvimento através da mão de obra

escrava, agora começava a pressionar a elite agrária do Brasil a acabar

com a escravidão para dar seqüência ao desenvolvimento do seu sistema

econômico.

O tratado de 1810, firmado entre D. João e a Inglaterra, obrigava

o príncipe regente a proibir o tráfico negreiro, sendo que em 1815 foi

assinado um novo tratado onde a Inglaterra conseguiu que D. João

proibisse o comércio de escravos ao norte do Equador, a convenção de

1817 permitia a inspeção em navios mercantes suspeitos de traficar

escravos.

Para reconhecer a autonomia do Brasil como país independente,

a Inglaterra passou a influenciar as leis brasileiras para acabar com a

escravidão. Então, em 1827, foi assinado com o Brasil um tratado que

extinguiria o tráfico de escravos ao país no período de três anos.

O código penal de 1830 penalizava os traficantes da seguinte

forma:

34 “Se intentamos captar a essência do processo histórico que engendrou a civilização moderna, vemosque o importante não foram as ideologias e nem mesmo as tecnologias. Esses foram ingredientesutilizados por forças sociais em confrontação, pelas lutas de classes, se ficamos com a linguagem dosheréticos do século passado. Os grupos sociais que comandaram o fantástico processo de acumulação deriqueza conformam o modelo de organização societária, mas dentro de limites ditados pelas classesassalariadas. Estas adquiriram importância crescente como mercados absorvedores do fluxo da produção.(Furtado. O capitalismo global, 1998, p. 21).

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“Art. 179. Reduzir à escravidão a pessoa

livre, que se achar em posse de sua liberdade. Pena

de prisão por três a nove annos, e de multa

correspondente à terça parte do tempo, nunca

porém o tempo de prisão será menor, do que o do

captiveiro injusto, e mais uma terça parte.”

Porém, como na maioria das vezes, essa lei não teve a mínima

eficácia, pois 85% dos escravos que vieram ao Brasil, chegaram após a

promulgação dessa lei. Chegou-se ao ponto de pedir a revogação da lei

pelo constante desrespeito da mesma.

“Interpretando o pensamento dos

interesses agrários e do tráfico, Bernardo Pereira de

Vasconcelos proporá em 24 de junho de 1835 uma

emenda revogando a lei de 7 de novembro de 1831.

Não faltaram representações de câmaras municipais

dirigidas ao parlamento no mesmo sentido. A

Câmara de Barbacena representava em 26 de junho

de 1835, a de Barra Mansa e de Paraíba do Sul

redigiam, em agosto, ofícios do mesmo teor. A

Assembléia provincial de Minas Gerais solicitou a

revogação como media higienizadora, uma vez que

o dispositivo legal era reiteradamente violado, sob

as vistas das autoridades.”35

35 Castro. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, p.397.

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No Brasil, muitos estudiosos que vinham da Europa começaram a

defender a causa abolicionista, assim começaram a surgir às leis

abolicionistas no país.

Mediante diversas pressões, os fazendeiros começaram a ceder,

contudo achavam que estavam bem abastecidos de escravos, assim a Lei

Eusébio de Queiroz reprimia o tráfico negreiro.

“Art.1º. As embarcações brasileiras

encontradas em qualquer parte, as estrangeiras

encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros,

ou mares territoriais do Brasil tendo a bordo

escravos, cuja importação eh prohibida por lei de 7

de novembro de 1831, ou havendo-os

desembarcando, serão aprehendidas pellas

autoridades, ou pellos navios de guerra brasileiros,

e consideradas importadoras de escravos.

Aquellas que não tiverem escravos a

bordo nem os houverem nas proximidades

desembarcado, porém que se encontram com sinais

de se empregarem no tráfico de escravos, serão

igualmente aprehendidas, e consideradas em

tentativa de importação de escravos.”

Contudo, o artigo 6º dessa lei desviava seu caráter humanitário,

pois dizia que os escravos apreendidos seriam enviados de volta à África

com o custeio do Estado, e, quando isso não fosse possível, seriam

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empregados sob a tutela do Estado. Esses escravos acabavam sendo

entregues aos fazendeiros que os libertavam após quatorze anos de

trabalho, essa lei teve eficácia parcial, pois acabou atendendo aos

interesses da elite nacional. 36

Com o fim do tráfico negreiro, o Brasil passaria por mudanças

econômicas e sociais, pois com o declínio dos fazendeiros do nordeste e o

início da industrialização no sudeste, ia se formando uma nova elite.

A pressão abolicionista continuava e no período do segundo

reinado, o Brasil era o único país independente a manter a escravidão, os

fazendeiros alegavam que a abolição dos escravos arruinaria a economia

nacional e geraria conflitos sociais terríveis, além de dizer que a abolição

dos escravos feriria o princípio constitucional de propriedade. Por outro lado

a corrente abolicionista afirmava que a propriedade de escravos era uma

violação ao direito natural.

Mediante a pressão, o parlamento aprovou a lei do ventre livre

onde os filhos da mulher escrava nasceriam livres, porém essa lei teve a

intenção apenas de acalmar os movimentos abolicionistas, porque na

prática não representava nenhum avanço em direção a abolição, já que não

apresentava condições de vida livre para a criança.

“Art. 1º. Os filhos da mulher escrava que

nascerem no Império desde a data dessa lei, serão

considerados de condição livre.

36 Cf. Castro. História do Direito Geral e do Brasil, 2006, P.p. 397, 398.

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§ 1º Os ditos filhos menores ficarão em

poder e sob a autoridade dos senhores de suas

mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-

los até a idade de oito anos completos. Chegando o

filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá

a opção, ou receber do Estado a indenização de

600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor

até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso

o governo receberá o menor, e lhe dará destino, em

conformidade com a presente lei. A indenização

pecuniária acima fixada será paga em títulos de

renda com o juro anual de 6%, os quais se

considerarão extintos no fim de trinta anos. A

declaração do senhor deverá ser feita dentro de

trinta dias, a contar daquele em que o menor chegar

à idade de oito anos e, se a não fizer então, ficará

entendido que opta pelo arbítrio de utilizar-se dos

serviços do mesmo menor.

Art. 2º. O governo poderá entregar a

associações por ele autorizadas os filhos das

escravas, nascidos desde a data dessa lei, que

sejam cedidos ou abandonados pelos senhores

delas, ou tirados do poder destes em virtude do Art.

1º, § 6º.

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§ 1º As ditas associações terão direito aos

serviços gratuitos dos menores até a idade de 21

anos completos e poderão alugar esses serviços...”

Essa lei acabou não trazendo benefícios aos filhos de escravos,

tendo em vista que ou continuavam a trabalhar para o senhor, ou seriam

forçados a trabalhar para o Estado. Mais uma vez os interesses econômicos

acabavam sobrepondo-se aos ideais humanitários na lei.

A lei dos sexagenários seguia a mesma trilha da lei do ventre

livre, feita para diminuir a pressão dos abolicionistas, porém sem grandes

vantagens para o negro, que quase nunca chegava aos sessenta anos de

idade, e quando o fazia era mais um custo que um benefício para o senhor,

pois já não tinha força suficiente para o trabalho.

“Art.3º. § 10º São libertos os escravos de

60 anos de idade, completos antes e depois da data

em que entrar em execução essa lei, ficando,

porém, obrigados a título de indenização pela sua

alforria, a prestar serviços a seus ex-senhores pelo

espaço de três anos.”

Além de abusar e escravizar uma pessoa por um longo tempo, o

escravo ainda tinha de pagar uma indenização ao senhor, em dinheiro ou

com trabalho.

“§ 12º É permitida a remissão dos

mesmos serviços, mediante o valor não excedente à

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metade do valor arbitrado para os escravos de

classe de 55 a 60 anos de idade.”

Mesmo assim, os que conseguissem sua liberdade, não poderiam

mover-se livremente.

“§14º É domicílio obrigado por tempo de

cinco anos, contados da data da libertação do liberto

pelo fundo de emancipação, o município onde tiver

sido alforriado, exceto o das capitais.

§15º O que se ausentar de seu domicílio

será considerado vagabundo e apreendido pela

polícia para ser empregado em trabalhos públicos

ou colônias agrícolas.”

Contudo, essas leis paliativas acabaram por fim aproximando a

opinião pública da abolição dos escravos, assim a elite começou a perder o

controle da situação e foi promulgada a lei Áurea.

A Princesa Imperial Regente em nome de sua Majestade o

Imperador o Senhor D. Pedro II faz saber a todos os seus súditos do

Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a Lei seguinte:

“Art.1º É declarada extinta desde a data

desta Lei a escravidão no Brasil.

Art.2º Revogam-se as disposições em

contrário. Manda, portanto a todas as autoridades

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que o conhecimento e execução da referida Lei

pertencer que a cumpram e façam cumprir e

guardar tão inteiramente como nela se contém.”

A libertação dos escravos continuou a não melhorar muito a

situação dos negros no Brasil, pois os libertos não tinham espaço na

sociedade, muitos continuavam a trabalhar para o senhor, já que não

tinham pra onde ir.

A Inglaterra também apoiava a abolição da escravidão, pois

necessitava abrir seu leque de consumidores para trabalhadores imigrantes

assalariados, pois escravo não recebia salário, logo não eram consumidores

em potencial. Em 1871 a Lei do Ventre Livre garantiu que os filhos dos

escravos nascessem livres. Em 1885 a Lei dos Sexagenários garantiu a

liberdade aos escravos com mais de 65 anos. Em1888 a Lei Áurea

extinguiu a escravidão no Brasil. Mesmo após a libertação, os negros

continuaram sendo marginalizados pela sociedade, pois as leis

abolicionistas não se preocuparam com a integração dos negros no país,

pois essas leis nasceram com natureza econômica e não social. As leis

abolicionistas fizeram com que a monarquia perdesse o apoio dos grandes

proprietários rurais, que passaram a apoiar a causa republicana.

Fazendeiros do café de São Paulo fundaram o partido republicano

paulista. Vale lembrar que, enquanto os movimentos republicanos foram

feitos pelo povo, eles não tiveram sucesso. D.Pedro ІІ começou a apoiar a

maçonaria, contrariando a igreja católica. Após a guerra do Paraguai, os

militares passaram a ser mais influentes no governo. A oposição de tantos

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setores facilitou o golpe político que instalou a república no Brasil, e em 15

de novembro de 1889 Marechal Deodoro da Fonseca constitui o governo

provisório da República dos Estados Unidos do Brasil.

3.4 BRASIL REPÚBLICA

3.4.1 GOVERNO PROVISÓRIO

A etimologia da palavra República remete a coisa pública. Porém,

a República do Brasil não foi proclamada pelo povo, mas sim por um

movimento oligárquico. O governo republicano foi organizado pelos

militares, cafeicultores e profissionais liberais, ou seja, foi nula a

participação popular na instituição da república. O governo provisório

defendeu a ordem pública já existente, a segurança e o direito dos

proprietários brasileiros e estrangeiros. Foi instituído o federalismo pelo qual

as províncias foram transformadas em estados membros, surgiu o estado

laico, a certidão de nascimento e o casamento civil.

Os processos de industrialização e de abolição da escravatura

tiveram influência inglesa, fazendo D. Pedro II perder o apoio dos

fazendeiros. Assim, foi declarada a república em 1889 e o poder foi dividido

entre os militares, os grandes proprietários rurais, e os industriais liberais

ingleses. Os militares defendiam o positivismo jurídico para legitimar seu

poder, os grandes proprietários defendiam a interferência do Estado nas

realizações econômicas do país para usar a máquina estatal para conseguir

melhores condições de atuação no mercado externo, e os industriais liberais

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ingleses que não queriam interferência estatal para instalar seus negócios

no Brasil. 37

Com a predominância dos interesses da Inglaterra no país, o

Brasil adotou o modelo capitalista liberal, contrário ao conservadorismo e

protecionismo dos grandes proprietários, que perderam suas fortunas e os

lugares privilegiados na sociedade, assim fazendo uso de sua influência

para tomar conta do funcionalismo público. 38

Após a proclamação da República, o Brasil vivia com o

positivismo militar que era necessário ao liberalismo inglês,39 pois a

crescente classe operária precisava ser dominada pela burguesia através

da força militar do Estado. Nesse contexto, Clóvis Bevilaqua elabora um

código civil liberal e individualista, que não ia de encontro com a realidade

das pessoas que moravam no país, acostumadas com as tradicionais

famílias patriarcais de formação católicas do país.

O Estado intensificou a burocracia e passou a impor seus

métodos de dominação através do legalismo jurídico, essa racionalização

do direito era indispensável à dominação burocrática. A sociedade brasileira

não tinha no direito um instrumento que busca a justiça como fim, mas sim

um sistema que buscava valer-se da legitimidade estatal para colocar a lei

como sinônimo de direito e de justiça. 40

37 Cf. De Cicco, Cláudio. História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito, 2006, p. 241.38 Cf. De Cicco, Cláudio. História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito, 2006, p. 242.39 Cf. De Cicco, Cláudio. História do Pensamento Jurídico e da Filosofia do Direito, 2006, p. 245.40 Cf. De Cicco, Cláudio. Direito: Tradição e Modernidade, 1993, p. 120, 122.

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52

O governo lançou o Encilhamento, o plano econômico que

permitia aos bancos emitir moedas para implantar indústrias e pagar

operários. Mas, a grande quantidade de moeda que passou a circular não

correspondia à produção real da economia. O resultado foi uma grande

inflação. Várias empresas “fantasmas” surgiram para obter o crédito junto

aos bancos, a bolsa de valores produzia lucro sem produzir um real valor e

isso desarrumou a economia nacional.

A idéia de uma República brasileira não nasceu do povo, e, após

a abolição, as elites latifundiárias sentiram-se traídas pelo governo

monárquico e deram início aos movimentos políticos rumo à República.

Assim, sem a manifestação popular, a República nasceu de um

golpe militar que instituiu um governo provisório, que tinha como maior

preocupação a não criação de brechas no poder para evitar que grupos

populares iniciassem uma revolução de fato.

O Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brazil

decreta:

“Art. 1º - Fica proclamada provisoriamente

e decretada como a forma de governo da nação

brazileira a República Federativa.”

Esse decreto instaurava uma ditadura militar, tendo em vista o

fechamento de todos os órgãos do legislativo e a revogação da Constituição

de 1824. O Governo Provisório apoiado pelos militares impôs a censura, o

banimento da família Real, e diversas prisões cautelares.

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Foi criada a Comissão Militar de Sindicâncias e julgamentos, um

tribunal de exceção que podia decretar a pena de morte. O artigo primeiro

da comissão dizia o seguinte:

“Os indivíduos que conspirarem contra a

República e o seu governo; que aconselharem ou

promoverem por palavras escritas ou atos, a revolta

civil e a indisciplina militar; que tentarem o suborno

ou a aliciação de qualquer gênero sobre soldados e

oficiais, contra seus deveres para com os superiores

e a forma republicana; que divulgarem nas fileiras

do exército e da armada noções falsas e

subversivas, tendentes a indispô-los com a

República; que usarem de embriaguez para

insubordinar os ânimos dos soldados; serão

julgados militarmente por uma comissão militar

nomeada pelo ministro da guerra e punidos com as

penas de sedição.”

Essa redação calou a imprensa e qualquer outro setor da

sociedade, mesmo assim muitas pessoas foram condenadas à pena de

morte.

3.4.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1891

Em 1890, Deodoro da Fonseca convocou eleições para a

assembléia constituinte, porém não tinham direito a voto, as mulheres, os

analfabetos, os mendigos, militares de baixa patente, e os religiosos. Assim,

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como a maioria do povo era analfabeta, as eleições tomaram o rumo dos

grandes latifundiários, o que contrariava os interesses militares de Deodoro.

Enquanto a Constituição de 1824 seguia os moldes franceses, a

Constituição republicana de 1891 seguia os moldes dos Estados Unidos da

América.

“Art. 1º A Nação brasileira adota como

forma de governo, sob o regime representativo, a

República Federativa proclamada a 15 de novembro

de 1889, e constitui-se, por união perpétua e

indissolúvel das suas antigas províncias, em

Estados Unidos do Brasil.”

República significa coisa pública, porém a República brasileira

não teve a participação popular.

A tripartição dos poderes foi feita com a exclusão do poder

moderador.

“Art. 15. São órgãos da soberania

nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o

Judiciário, harmônicos e independentes entre si.”

O sistema judiciário adotou a forma dualista, ou seja, houve a

separação entre Justiça Federal e Justiça Estadual, a Constituição indicava

os casos de interferência entre elas.

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55

A Justiça Federal tem como órgão superior o Supremo Tribunal

Federal, com a quantidade de Tribunas Federais espelhados pelo território

de acordo com o que o congresso achar necessário.

“Art. 55. O Poder Judiciário da União terá

por órgão um Supremo Tribunal Federal, com sede

na Capital da República, e tantos juízes e tribunais

federais, distribuídos pelo país, quantos o

Congresso criar.”

A jurisdição do Supremo Tribunal Federal era ordinária, de

recurso e de revisão. Ordinária, pois seria o único órgão a julgar um

processo, de recurso, pois seria o órgão competente para julgar e reformar

decisões de outros tribunais, e de revisão, pois poderia rever sentenças de

ultima instância.

A jurisprudência também foi incluída no texto da Constituição de

1891.

“Art. 59...

§ 2º Nos casos em que houver de aplicar

leis dos Estados, a justiça federal consultará a

jurisprudência dos tribunais locais e, vice-versa, as

justiças dos Estados consultarão a jurisprudência

dos tribunais federais, quando houverem de

interpretar leis da União.”

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O poder Legislativo era composto pela Câmara dos Deputados e

pelo Senado Federal, com a sanção do Presidente.

“Art. 16. O Poder Legislativo é exercido

pelo Congresso Nacional, com a sanção do

Presidente da República.

§ 1º O Congresso Nacional compõe-se de

dois ramos: a Câmara dos Deputados e o Senado.”

Os membros do poder legislativo gozavam de imunidade

parlamentar ampla, ou seja, além dos limites das suas atribuições como

parlamentares, o processo para condenar um parlamentar precisaria passar

pela aprovação da casa onde ele trabalhasse.

“Art. 20. Os Deputados e Senadores,

desde que tiverem recebido diploma até a nova

eleição, não poderão ser presos nem processados

criminalmente, sem prévia licença de sua Câmara,

salvo caso de flagrância em crime inafiançável.

Neste caso, levando o processo até pronuncia

exclusive, a autoridade processante remeterá os

autos à Câmara respectiva, para resolver sobre a

procedência da acusação, se o acusado não optar

pelo julgamento imediato.”

O processo das eleições não continha mais requisitos financeiros.

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“Art. 26. São condições de elegibilidade

para o Congresso Nacional:

1) estar na posse dos direitos de cidadão

brasileiro e ser alistável como eleitor;

2) para a Câmara, ter mais de quatro anos

de cidadão brasileiro, e para o senado mais de seis.

(...)

Art. 30. O Senado compõe-se de cidadãos

elegíveis nos termos do art. 26 e maiores de 35

anos, em número de três Senadores por Estado e

três pelo Distrito Federal, eleito pelo mesmo modo

por que forem os Deputados...”

O voto não era obrigatório, não era necessária renda mínima para

votar e os analfabetos estavam excluídos das votações, porém bastava

saber rabiscar o nome para não ser considerado analfabeto. Mendigos,

religiosos, menores de vinte e um anos, e militares de baixo escalão eram

proibidos de votar.

“Art. 70. São eleitores os cidadãos

maiores de 21 anos, que se alistarem na forma da

lei.

§ 1º Não podem alistar-se eleitores para

as eleições federais, ou para as dos Estados:

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1) os mendigos;

2) os analfabetos;

3) as praças de pré, excetuados os alunos

das escolas militares de ensino superior;

4) os religiosos de ordens monásticas,

companhias, congregações, ou comunidades de

qualquer denominação, sujeitas a voto de

obediência, regra, ou estatuto, que importe a

renúncia da liberdade individual.

§ 2º São inelegíveis cidadãos não

alistáveis.”

A Constituição permitia que os Estados organizassem as eleições

municipais de forma livre.

“Art. 68. Os Estados organizar-se-ão de

forma que fique assegurada a autonomia dos

municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar

interesse.”

Assim, as elites locais ainda conseguiam guiar as eleições

municipais para atender seus interesses.

Essa Constituição previa a transferência da Capital do Brasil do

Rio de Janeiro para o Distrito Federal, para afastar a administração pública

dos movimentos populares.

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“Art. 3º Fica pertencendo à União, no

planalto central da República, uma zona de 14.400

quilômetros quadrados, que será oportunamente

demarcada, para nela estabelecer-se a futura

Capital Federal.”

O controle da vida civil que antes pertencia a igreja católica, agora

com a Constituição de 1891 passou para o Estado, casamentos, certidões

de nascimento, não estavam mais sob o controle da igreja, e sim sob a

tutela do Estado.

“Art. 72, § 4º A República só reconhece o

casamento civil, cuja celebração será gratuita.”

O princípio da ampla defesa e o Hábeas Corpus também foram

consagrados nessa Constituição, e as penas de banimento, galés, e de

morte também foram abolidas.

3.4.3 O CÓDIGO PENAL DE 1890

Com a proclamação da República e o processo de abolição da

escravatura, o código criminal de 1830 estava desatualizado, portanto em

1890 foi implantado um novo código penal.

Esse código trouxe consigo o Princípio da Legalidade e o

Princípio da Territorialidade, eliminando interpretações extensivas.

Ficou proibido o uso de penas infamantes e a prisão perpétua.

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“Art. 44. Não há penas infamantes. As

penas restritivas da liberdade individual são

temporárias e não excederão de 30 annos.”

O código penal de 1890 também punia quem impedisse o livre

culto de qualquer religião.

“Art. 185. Ultrajar qualquer confissão

religiosa, vilipendiando acto ou objecto de seu culto,

desacatando ou profanando seus symbolos

publicamente.

Pena: de prisão cellular por um a seis

mezes.

Art. 186. Impedir, por qualquer modo, a

celebração de cerimônias religiosas, solemnidades

e ritos de qualquer confissão religiosa, ou perturbal-

a no exercício de seu culto.

Pena: prisão cellular por dous mezes a

um anno.”

Contudo, o espiritismo não era considerada religião, e a sua

prática era considerada crime.

“Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e

seus sortilégios, usar talismans e cartomancias,

para despertar sentimentos de ódio ou amor,

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inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis,

emfim, para fascinar e subjulgar a credibilidade

pública.

Pena: de prisão celular por um a seis

meses, e multa de 100$000 a 500$000.”

Um artigo que não teve a mínima eficácia foi o que tratava como

crime o voto de cabresto, pois essa prática do coronelismo era considerada

como forma de fazer política na velha República.

“Art. 166. Solicitar, usando promessas ou

ameaças, votos para certa e determinada pessoa,

ou para esse fim comprar votos, qualquer que seja a

eleição a que se proceda. Penas: de prisão cellular

por três mezes a um anno, e de privação dos

direitos políticos por dois annos.”

O estupro ainda era diferenciado entre mulheres honestas e

prostitutas.

“Art. 268. Estuprar mulher virgem ou não,

mas honesta:

Pena – de prisão cellular por um a seis

annos.

§ 1º Si a estuprada for mulher pública ou

prostituta:

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Pena – de prisão cellular por seis mezes a

dous anos.

Art. 269. Chama-se estupro o acto pelo

qual o homem abusa, com violência, de uma

mulher, seja virgem ou não.

Por violência entende-se não só o

emprego de força physica, como o de meios que

privarem a mulher de suas faculdades psychicas, e

assim da possibilidade de resistir e defender-se

como sejam o hypnotismo, o chloroformio, o ether,

e, em geral, os anesthésicos e narcóticos.”

3.5 A AUSÊNCIA DE UM CÓDIGO CIVIL

Desde a Constituição de 1824, previa-se a criação de um Código

Civil para o Brasil, porém um Código Civil que falasse sobre direitos dos

cidadãos, igualando todas as pessoas, não seria bem aceito em uma

sociedade onde a maioria da população era formada por escravos

controlados pela elite.

Um Código Civil excludente demais não seria aceito pelos juristas

nacionais, e um Código Civil abrangente não seria aceito pelos políticos

influenciados pela elite econômica, por isso o primeiro código civil brasileiro

só foi promulgado em 1916 após muitas controvérsias.

José de Alencar criticava a imposição dos costumes ingleses

sobre a cultura brasileira, e com base na escola histórica de Savigny

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condenava a imposição de um único código civil para um país de enorme

diversidade cultural como o Brasil, pois este não teria base nos usos e

costumes das diferentes culturas que residiam no país, ele também era

contra a abolição dos escravos, pois eram à base da economia agrária do

país. Ele defendia que um código civil deveria ser baseado nos usos e

costumes do povo brasileiro, e não poderia importar o conceito de

propriedade trazido pela revolução industrial. 41

O jurista Pereira Barreto dizia que as constituições políticas não

se impõem, as leis não se impõem, os costumes não se impõem a um povo

que para eles não esteja preparado, visão que os legisladores da época não

observaram, ele também fazia crítica a igualdade meramente formal do

liberalismo, que não se aplicaria em um país com a cultura que tinha o

Brasil da época. 42

3.6 A REPÚBLICA VELHA

A República Velha foi um instrumento de controle da elite do café

com leite, que revezava presidentes para organizar a economia do país a

seu favor. Após a primeira Guerra Mundial o mercado brasileiro sofreu um

grande abalo, pois era dependente da exportação do café, assim a elite

cafeeira utilizou-se do governo para escoar sua produção, fazendo com que

o Brasil comprasse e estocasse as sacas de café mesmo sem ter mercado

para o produto.

O processo de industrialização nacional criou duas novas classes

sociais opostas, a dos operários e dos burgueses. Esses trabalhadores

41 Cf. De Cicco, Cláudio. Direito: Tradição e Modernidade, 1993, p. 95.

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urbanos começaram a desenvolver ideais socialistas, comunistas e

anarquistas, eles começaram a organizar-se em torno de sindicatos, assim

uma articulação popular começava a se formar.

Foi o futebol, o samba e o carnaval que deram ao Rio de Janeiro,

a sensação de existência de uma comunidade, por cima e além das

grandes diferenças sociais que sobreviveram e ainda sobrevivem. Negros

livres, imigrantes, proletários e classe média encontraram aos poucos um

terreno comum de auto-reconhecimento que não lhes era propiciado pela

política.

Deodoro da Fonseca, já não tinha mais suporte dos cafeicultores

após o insucesso do Encilhamento. Por isso, fechou o Congresso Nacional

e prendeu seus principais líderes.

A oposição fez a greve dos trabalhadores da estrada de ferro

central, enquanto isso, membros da marinha ameaçavam bombardear o Rio

de Janeiro. Deodoro renunciou e o vice Floriano Peixoto assumiu, reabrindo

o Congresso Nacional. Na revolução federalista participaram o partido

republicano gaúcho presidencialista e o partido federalista parlamentarista.

A Republica Velha compreende o período do domínio da

oligarquia dos políticos paulistas (café) e mineiros (leite). Na republica do

“café com leite” o número de eleitores passou de 1% para 10%. Contudo, os

coronéis continuavam direcionando o rumo das eleições, pois a economia

no Brasil era essencialmente agrícola e os coronéis tinham em suas

fazendas grande número de trabalhadores, que dependiam do coronel para

42 Cf. Machado Neto. A. L. História das idéias jurídicas no Brasil, 1969, p.50.

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sobrevivência essa grande influência exercida pelos coronéis sobre a

sociedade marcou o período do coronelismo.

Os coronéis obrigavam as pessoas que trabalhavam para ele a

votarem nos candidatos por ele indicados. Esse candidato quando eleito

direcionava sua política em favor do coronel. Esse voto aberto e pré-

determinado ficou conhecido como “voto de cabresto”, uma vez que o

cavalo é obrigado a seguir para onde o condutor deseja.

A política dos governadores desempenhava o mesmo papel de

corrupção dos coronéis, pois os governadores ajudavam a eleger deputados

e senadores favoráveis ao presidente em troca da verba federal.

O café representava mais de 50% das exportações nacionais, e o

enorme poder dos cafeicultores no Brasil fez com que sua produção

superasse qualquer barreira interna e crescesse além da necessidade do

mercado externo, assim causando a baixa do valor do produto. Para

resolver esse problema foi realizado o Convênio de Taubaté, onde os

fazendeiros fizeram com que o governo comprasse o excedente da

produção, com dinheiro emprestado de outros países, para a venda do

produto quando o valor normalizasse. Porém, os cafeicultores continuavam

a crescer não permitindo que o estoque do governo fosse vendido, e assim

impossibilitando o pagamento da dívida.

Muitos imigrantes vieram ao Brasil nessa época para trabalhar

nas lavouras de café, 33% de italianos, 29% portugueses, 12% espanhóis e

outros países em menor número. O estado que recebeu a maioria dos

imigrantes foi São Paulo. O excesso de mão-de-obra, o lucro dos

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cafeicultores e a 1ª guerra mundial ajudaram na formação das indústrias

nacionais de calçados, roupas e materiais de construção.

Os operários eram esmagados pela grande carga de trabalho, e

pelas péssimas condições que os industriais ofereciam. Essa opressão deu

origem ao movimento operário, com influências socialistas e anarquistas.

Em 1917 foi realizada a primeira greve da classe operária, os conflitos e a

paralisação obrigaram a elite a negociar com os trabalhadores. Porém, após

a volta ao trabalho as negociações não foram cumpridas e os movimentos

comunistas foram reprimidos com violência.

A palavra messianismo deriva de messias, o salvador enviado por

Deus, na história do Brasil o termo messianismo é usado para denominar os

movimentos sociais sertanejos comandados por um líder religioso.

Antônio Conselheiro liderou o povoado de Canudos por volta de

1893, no sertão baiano, mudaram para lá pessoas que não possuíam terras,

vaqueiros, ex-escravos, perseguidos, e pobres em geral. Eles viviam sob o

lema “a terra não tem dono, a terra é de todos”. O povoado de Canudos

crescia com uma economia de subsistência, sem a cobrança de impostos e

quase sem a propriedade privada. Sua população alcançou 30 mil

habitantes, e começou a preocupar o governo que não recolhia imposto

sobre o povoado. O governo federal enviou mais de sete mil homens para

destruir o povoado, as pessoas foram mortas defendendo suas casas em

1897.

Outro movimento messiânico ocorreu na fronteira entre o Paraná

e Santa Catarina, numa região contestada pelos dois estados. Nessa área

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moravam sertanejos, sem-terras, e trabalhadores que recebiam péssimos

salários para trabalhar em duas empresas norte-americanas. As empresas

trouxeram mais de oito mil trabalhadores de outros estados para a

construção de uma linha de trem. Após o término do serviço, foram todos

dispensados, sem dinheiro e sem emprego, organizaram uma nova

sociedade. Os sertanejos do contestado organizaram-se sob a liderança do

monge João Maria e José Maria. Assim como o povoado de canudos, eles

viviam com economia de subsistência, independentes do estado e não

pagavam impostos. Em 1916, o governo junto com as empresas norte-

americanas atacou o povoado até com aviões de bombardeio, destruindo a

civilização.

No nordeste, grupos atacavam fazendas baseados na

desigualdade social, eram os cangaceiros comandados por lampião. Em

1938 a polícia massacrou o movimento.

O Rio de Janeiro, capital da república, enfrentava graves

problemas: pobreza, mosquitos transmissores de doenças, desemprego,

lixo amontoado nas ruas e ratos. O governo queria fazer do Rio de janeiro à

cidade do progresso. Destruíram os casebres, ampliaram a rede de esgotos

e fizeram o programa para controlar epidemias. O presidente decretou a lei

da vacinação obrigatória, várias pessoas não entendiam que as injeções

que continham o vírus seriam saudáveis, assim, não aceitavam a

obrigatoriedade da vacinação, dando início a revolta das vacinas,

patrocinada pelos opositores do governo. A revolta foi reprimida contando

30 mortos e 100 feridos.

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Os marujos em 1910 se rebelaram contra as fortes punições do

código de disciplina da marinha. Punições como a chibata, os baixos soldos

e a má condição da marinha levaram João cândido, apoiado por 2000

marujos a apontar os canhões dos barcos da marinha contra a cidade do

Rio de Janeiro, e disseram que se em 12 horas medidas não fossem

tomadas os canhões seriam disparados. Assim, o governo prometeu acatar

os pedidos dos marujos. Porém, quando os marujos baixaram as armas,

foram presos e expulsos da marinha.

O tenentismo foi um movimento político militar, que pretendia

fazer reformas na República Velha. Queriam a moralização, o fim da

corrupção eleitoral, o voto secreto, era contrário à exploração feita por

empresas estrangeiras, queriam o ensino gratuito e obrigatório. Em 1922,

trezentos homens reuniram-se no forte de Copacabana para impedir a

posse do presidente Artur Bernardes, o forte foi cercado por tropas do

governo, os rebeldes se entregaram menos 18 homens, que partiram para

uma luta suicida.

Paulistas e sulistas formaram a coluna Prestes, percorrendo o

país divulgando idéias comunistas. Eram contrários aos impostos

exorbitantes, a incompetência administrativa, a falta de justiça, a mentira do

voto, o amordaçamento da imprensa, a falta de autonomia dos estados, a

falta de legislação social, e o permanente estado de sítio.

O ano de 1929 foi difícil para os cafeicultores, a quebra da bolsa

nos Estados Unidos teve impacto em toda economia mundial, as

exportações e o preço do café diminuíram drasticamente, levando muitos

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cafeicultores a falência. O enfraquecimento econômico dos cafeicultores

contribui para desmontar as bases políticas que sustentavam a República

Velha, os paulistas romperam com o acordo da política do café-com-leite,

assim os mineiros passaram a apoiar a candidatura de um sulista, Getúlio

Vargas.

3.7 A ERA GETÚLIO VARGAS

3.7.1 O GOVERNO PROVISÓRIO

Washington Luis foi deposto e Getúlio Vargas assumiu o cargo de

chefe do governo provisório.

A aliança liberal de Vargas defendia o voto secreto, as leis

trabalhistas e o incentivo a produção industrial. Os operários lançaram a

candidatura do operário marmorista Minervino de Oliveira, seu partido

defendia o combate á plutocracia, impostos somente para os ricos,

habitação operária, extensão e obrigatoriedade do ensino primário, voto

secreto e obrigatório inclusive para mulheres, restabelecimento das

relações com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Júlio prestes saiu vitorioso nas eleições, os líderes da aliança

liberal afirmavam fraude nas eleições e aproveitaram a insatisfação popular

para fazer uma revolução que derrubou Washington Luís e entregou o

poder a Getúlio Vargas, que ficou no poder de 1930 até 1945, a Era Vargas

que foi dividida em três períodos. O governo provisório de 1930 a 1934, o

governo constitucional de 1934 a 1937 e o governo ditatorial 1937 a 1945.

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No governo provisório, Getúlio suspendeu a Constituição de 1891,

fechou o legislativo e indicou interventores militares para chefiar os

governos estaduais, os cafeicultores de São Paulo estavam insatisfeitos

com o governo de Getúlio, pois perderam seus privilégios. Eles organizaram

a Revolução Constitucionalista de 1932, que queria a convocação da

assembléia constituinte para colocar entre os legisladores “gente sua”. Após

três meses de luta, os soldados paulistas foram derrotados, porém o

objetivo político foi alcançado, foram convocadas eleições para a

assembléia nacional constituinte. A Constituição foi promulgada em 1934 e

trouxe consigo o voto secreto, direitos trabalhistas, e o nacionalismo

econômico.

Daí, nasceram dois grupos políticos: os integralistas que

defendiam o combate ao comunismo, pregavam o nacionalismo extremado,

a existência de um estado poderoso, disciplina e hierarquia dentro da

sociedade, entrega do poder a um único chefe integralista, eram baseados

no nazismo e no fascismo; e os aliancistas de Luis Carlos prestes que

pregavam nacionalização das empresas estrangeiras, o não pagamento da

dívida externa a realização da reforma agrária e a garantia das liberdades

individuais.

“Decreto 19.398. O Governo Provisório

exercerá discricionariamente, em toda sua

plenitude, as funções e atribuições não só do Poder

Executivo, como também do Poder Legislativo até

que eleita a Assembléia Constituinte estabeleça

esta reorganização constitucional do país.”

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No Governo Provisório foi criada a corte de apelações do Distrito

Federal, e seis câmaras compostas por vinte e dois desembargadores.

Neste mesmo decreto foi criada a Ordem dos Advogados do

Brasil.

“Art. 17. Fica criada a Ordem dos

Advogados dos Brasileiros, órgão de disciplina e

seleção da classe dos advogados, que se regerá

pelos estatutos que forem votados pelo instituto da

Ordem dos Advogados Brasileiros, com a

colaboração dos Institutos dos Estados, e

aprovados pelo Governo.”

O código eleitoral de 1932 institui o voto secreto e possibilitou o

voto feminino. Possibilitou também o voto a partir dos dezoito anos e a

representação classista nos órgãos legislativos.

3.7.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1934

A Constituição foi publicada em 16 de julho de 1934 e preservava

o federalismo, o presidencialismo, e o regime representativo.

“Art. 1º A Nação brasileira, constituída

pela união perpétua e indissolúvel dos Estados, do

Distrito Federal e dos Territórios em Estados Unidos

do Brasil, mantém como forma de governo, sob o

regime representativo, a República Federativa

proclamada em 15 de novembro de 1889.

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72

Porém a autonomia estadual não foi respeitada nessa

Constituição.

“Art. 176. O mandato dos atuais

governadores dos Estados, uma vez confirmado

pelo presidente da República dentro de trinta dias

da data desta Constituição, se entende prorrogado

para o primeiro período de governo a ser fixado nas

Constituições estaduais. Esse período se contará da

data desta Constituição, não podendo em caso

algum exceder o aqui fixado ao Presidente da

República.

Parágrafo único. O Presidente da

República decretará a intervenção nos Estados

cujos governadores não tiveram o seu mandato

confirmado. A intervenção durará até a posse dos

governadores eleitos, que terminarão o primeiro

período de governo fixado nas Constituições

estaduais.”

Na Constituição de 1891 os Estados poderiam ter seus próprios

códigos de processo, já a Constituição de 1934 não permitia tal situação.

A autonomia dos municípios também sofre com a Constituição de

1934 quando ela autoriza a intervenção estatal no caso de não pagamento

das dívidas para com o Estado. Além da nomeação de prefeitos em alguns

municípios.

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“Art. 13. Os municípios serão organizados

de forma que lhes fique assegurada a autonomia em

tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, e

especialmente:

I – a eletividade do prefeito e dos

vereadores da Câmara Municipal, podendo aquele

ser eleito por esta;

II – a decretação dos seus impostos e

taxas, e a arrecadação e aplicação das suas rendas;

III – a organização dos serviços de sua

competência.

§1º O prefeito poderá ser de nomeação do

governo do Estado no município da Capital e nas

estâncias hidrominerais.

§3º É facultado ao Estado a criação de um

órgão de assistência técnica à administração

municipal e fiscalização de suas finanças.

§4º Também lhe é permitido intervir nos

municípios, a fim de lhes regularizar as finanças,

quando se verificar impontualidade nos serviços de

empréstimos garantidos pelo Estado, ou falta de

pagamento da sua dívida fundada por dois anos

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consecutivos, observadas, naquilo em que forem

aplicáveis, as normas do art. 12.”

Uma das diferenças dessa Constituição referente ao poder

executivo é a ausência do vice-presidente.

“Art. 51. O poder executivo é exercido

pelo Presidente da República.”

Após a promulgação da Constituição de 1934, coube a

Assembléia Nacional Constituinte eleger o Presidente da República.

Getúlio Vargas assumiu a Presidência da República sob a

seguinte manifestação da Assembléia.

“A Assembléia Nacional Constituinte,

sufragando o nome do Sr. Getúlio Vargas, para o

exercício da suprema magistratura da República, no

primeiro período presidencial (...), não fez mais do

que obedecer à lógica (...). A prática de quaisquer

instituições políticas, mesmo quando elaboradas

com a preocupação de tornar seu funcionamento o

mais independente possível do fator pessoal,

representado pela mentalidade e pelo caráter dos

estadistas colocados nos postos de suprema

direção, fica sempre adstrita a esses elementos

imponderáveis que decorrem da personalidade dos

homens de governo...”

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75

A escolha do próximo presidente seria feita de acordo com o

artigo 51, §1º.

“§1º A eleição presidencial far-se-á em

todo o território da República, por sufrágio universal,

direto, secreto e maioria de votos, cento e vinte dias

antes do término do quadriênio, ou sessenta dias

depois de aberta a vaga, se esta ocorrer dentro dos

dois primeiros anos.”

O legislativo continuava a cargo da Câmara dos Deputados e do

Senado, porém a Constituição agora garantia a representação classista na

Câmara.

A imunidade parlamentar estendeu-se até ao flagrante,

dependendo da autorização da sua casa para a formação da culpa.

“Art. 31. Os Deputados são invioláveis por

suas opiniões, palavras e votos no exercício das

funções do mandato.

Art. 32. Os Deputados, desde que tiverem

recebido diploma até a expedição dos diplomas para

a legislatura subseqüente, não poderão ser

processados criminalmente, nem presos, sem

licença da Câmara, salvo caso de flagrância em

crime inafiançável. Esta imunidade é extensiva ao

suplente imediato do Deputado em exercício.

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§1º A prisão em flagrante de crime

inafiançável será logo comunicada ao Presidente da

Câmara dos Deputados, com a remessa do auto e

dos depoimentos tomados, para que ela resolva

sobre a sua legitimidade de conveniência, e

autorize, ou não, a formação de culpa.”

Ao Senado cabia zelar pela Constituição e coordenar os três

poderes.

A ação direta de inconstitucionalidade foi uma inovação da

Constituição de 1934.

“Art. 79. É criado um tribunal, cuja

denominação e organização a lei estabelecerá,

composto de juízes, nomeados pelo Presidente da

República na forma e com os requisitos

determinados no artigo 74.

Parágrafo único. Competirá a esse

tribunal, nos termos que a lei estabelecer, julgar

privativa e definitivamente, salvo recurso voluntário

para a Corte Suprema nas espécies que envolverem

matéria constitucional.

Art. 96. Quando a Corte Suprema declarar

inconstitucional qualquer dispositivo de lei ou ato

governamental o Procurador-Geral da República

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comunicará a decisão ao Senado Federal, para os

fins do art. 91, nº IV, e bem assim à autoridade

legislativa ou executiva, de que tenha emanado a lei

ou o ato.”

O controle de constitucionalidade também poderia ser exercido

pelo Presidente da República.

“Art. 45. Quando o Presidente da

República julgar um projeto de lei, no todo ou em

parte, inconstitucional ou contrário aos interesses

nacionais, o vetará, total ou parcialmente, dentro de

dez dias úteis, a contar daquele em que o receber,

devolvendo nesse prazo, e com os motivos do veto,

o projeto, ou a parte vetada, à Câmara dos

Deputados.”

A Constituição de 1934 criou conselhos técnicos para ajudar os

políticos em problemas mais específicos, tornando as decisões menos

políticas.

“Art. 103. Cada ministério será assistido

por um ou mais conselhos técnicos, coordenados,

segundo a natureza dos seus trabalhos, em

conselhos gerais, como órgãos consultivos da

Câmara dos Deputados e do Senado Federal.”

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O rol dos direitos e garantias individuais continuavam a crescer,

porém sem eficácia, pois com as diferenças financeiras e com o domínio da

máquina estatal para atender os interesses da elite, essas garantias não

saíam do papel.

“Art.113. A Constituição assegura a

brasileiros e a estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade dos direitos concernentes à

liberdade, à subsistência, à segurança individual e à

propriedade, nos seguintes termos:

(...)”

A mudança social que o processo de industrialização trouxe,

criando uma massa de operários, fez com que o direito do trabalho

constasse na Constituição de 1934.

Um aspecto interessante dessa Constituição era o

enquadramento da justiça do trabalho fora do capítulo que tratava do

judiciário, a maneira de resolver os conflitos entre empregados e

empregadores até então era feita por comissões mistas de conciliação e

juntas de conciliação e julgamento, que tinham por finalidade evitar conflitos

que fossem perigosos para a política. Assim, a justiça do trabalho foi

consagrada na Constituição de 1934 da seguinte forma:

“Art.122. Para dirimir questões entre

empregadores e empregados, regidas pela

legislação social, fica instituída a Justiça do

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Trabalho, à qual não se aplica o disposto no

Capítulo IV do Título I.

Parágrafo único. A constituição dos

Tribunais do Trabalho e das Comissões de

Conciliação obedecerá sempre ao princípio da

eleição de seus membros, metade pelas

associações representativas dos empregados, e

metade pelas associações representações dos

empregadores, sendo o presidente de livre

nomeação do Governo, escolhido dentre pessoas

de experiência e notória capacidade moral e

intelectual.”

O período entre as duas grandes guerras foi marcado pelo

nacionalismo praticamente em todos os países, assim a Constituição de

1934 restringiu a política de imigrações, preconizou a estatização de

empresas estrangeiras e nacionais, e fez algumas restrições aos

estrangeiros no país.

A educação passou a ganhar espaço na Constituição de 1934,

pois a mão-de-obra operária necessitava de mais conhecimentos técnicos

do que a mão-de-obra rural, e responsabilidade pela educação foi

transferida à família e aos poderes públicos.

Essa responsabilidade de diminuir o analfabetismo foi dividida

com as empresas.

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“Art 139 - Toda empresa industrial ou

agrícola, fora dos centros escolares, e onde

trabalharem mais de cinqüenta pessoas, perfazendo

estas e os seus filhos, pelo menos, dez analfabetos,

será obrigada a lhes proporcionar ensino primário

gratuito.”

O assistencialismo foi contemplado nessa Constituição, o Estado

agora tinha a obrigação de cuidar dos seus cidadãos, reflexo da nascente

cultura européia de um Estado de Bem Estar Social.

3.7.3 O ESTADO NOVO

O governo Vargas começou a se preocupar com os ideais

comunistas dos aliancistas e ordenou a prisão de seus líderes. Diante da

repressão nasceu a intentona comunista, que foi rapidamente dominada

pelas tropas do governo. O presidente fechou o congresso em 1937, e criou

o Estado Novo, onde foi utilizado o estado de emergência, que permitia a

ação do executivo sem a apreciação do judiciário. Os estados brasileiros

perderam sua autonomia, o sistema federativo foi suprimido, partidos

políticos foram extintos e as eleições democráticas suspensas, greves e

manifestações foram proibidas, foi criado o poder parlamentar e o controle

de imprensa e opinião popular, a educação recebia a ideologia governista.

O governo Vargas procurou agir em defesa da cafeicultura, proibindo o

plantio de novas mudas e queimando milhões de sacas estocadas do

governo. O objetivo era evitar a superprodução e recuperar o preço do

produto, além de incentivar a produção de algodão, cana-de-açúcar, óleos

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vegetais e frutas tropicais, o governo preocupou-se em estimular o

desenvolvimento industrial, aumentando os impostos de importação e

diminuindo os custos da produção nacional.

Com o crescimento industrial do sudeste, muitos desempregados

do nordeste vieram em busca de emprego. A grande classe operária que se

formava poderia apresentar problemas ao governo, assim Getúlio

aproximou-se dos sindicatos, atendendo alguns pedidos, para evitar

revoluções, em 1943 às leis trabalhistas foram reunidas na consolidação

das leis do trabalho. Vargas, temendo revoltas dos grupos liberais, liderou a

abertura democrática, concedeu anistia aos presos políticos e aos exilados,

e com medo de um novo golpe, forças do exército obrigaram Vargas a

renunciar.

3.7.4 O PLANO COHEN

Na Europa pós-guerra, o fascismo e o comunismo ganhavam

força após o conflito capitalista, assim, no Brasil, esses movimentos

começavam a se organizar, porém sem força suficiente para tomar o poder.

Getúlio Vargas percebendo que seu mandato estava chegando ao

fim, aproveitou-se desses movimentos comunistas para permanecer no

poder. Assim, forjou um documento chamado plano Cohen, de ação

agressiva dos comunistas.

3.7.5 A CONSTITUIÇÃO DE 1937

Com o pretexto de salvar o Brasil dessa falsa ameaça, Getúlio

decretou o fechamento do congresso e anunciou uma nova Constituição.

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Apesar da Constituição de 1937 oferecer meios suficientes para o

governo ditatorial de Getúlio Vargas, ela não fora respeitada, e a lei

continuava com papel meramente ilustrativo nas mãos dos governantes.

Essa Constituição nunca deixou de ser provisória, pois o plebiscito

necessário a sua aprovação jamais ocorreu.

“Art 187 - Esta Constituição entrará em

vigor na sua data e será submetida ao plebiscito

nacional na forma regulada em decreto do

Presidente da República.”

Nessa Constituição não existe a tripartição dos poderes, o

presidente da República era autoridade suprema da nação, o que gerou o

retrocesso da lei brasileira a época do Império, porém sem a hipocrisia do

poder moderador de D.Pedro.

“Art 73 - o Presidente da República,

autoridade suprema do Estado, coordena a

atividade dos órgãos representativos, de grau

superior, dirige a política interna e externa, promove

ou orienta a política legislativa de interesse nacional,

e superintende a administração do País.”

Getúlio Vargas ficaria no poder apenas até o plebiscito

supracitado, que nunca ocorreu.

“Art 175 - O primeiro período presidencial

começará na data desta Constituição. O atual

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Presidente da República tem renovado o seu

mandato até a realização do plebiscito a que se

refere o art. 187, terminando o período presidencial

fixado no art. 80, se o resultado do plebiscito for

favorável à Constituição.”

A independência dos Estados perante o governo federal não

existia.

Caso existisse um poder legislativo ele seria submetido aos

interesses do Presidente.

Contudo, o Poder Legislativo não chegou a existir na ditadura

Vargas, pois o plebiscito encarregado de organizar tal Poder, não

aconteceu.

“Art 178 - São dissolvidos nesta data a

Câmara dos Deputados, o Senado Federal, as

Assembléias Legislativas dos Estados e as

Câmaras Municipais. As eleições ao Parlamento

nacional serão marcadas pelo Presidente da

República, depois de realizado o plebiscito a que se

refere o art. 187.”

Mesmo se chegasse a existir, o Poder Legislativo seria composto

pela Câmara dos Deputados e um Conselho Federal, ou seja, não existiria

um Senado, e este Conselho Federal estaria diretamente ligado ao

Presidente.

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O Poder Legislativo não teria independência, tendo em vista que

seria também exercido pelo Chefe do Executivo.

Os municípios também estavam subordinados ao Presidente,

tendo em vista que os prefeitos seriam nomeados pelos governadores, e

estes últimos nomeados pelo Presidente.

“Art 27 - O Prefeito será de livre

nomeação do Governador do Estado.”

Sob a influência do fascismo italiano, a Constituição de 1937 criou

o Conselho de Economia Nacional. Tendo como base o corporativismo, o

Conselho era composto por representantes indicados por associações

profissionais e sindicatos. A função do Conselho era a de oferecer acessória

técnica e aproximar as classes produtoras junto ao Governo.

O órgão máximo do Poder Judiciário voltou a ser chamado de

Supremo Tribunal Federal, seus integrantes seriam escolhidos pelo

presidente, e teriam muita dificuldade em declarar uma lei vinda deste

inconstitucional.

A parte da Constituição dirigida aos direitos e garantias individuais

novamente teve caráter meramente ilustrativo, pois em uma ditadura o

Estado de Direito fica subordinado a vontade do Presidente. A pena de

morte estava prevista neste capítulo, e o rol de situações que ela poderia

ser aplicada foi aumentado. No mesmo artigo foi criado o Departamento de

Imprensa e Propaganda, com o intuito de controlar a imprensa e direcionar

jornais e rádios a enaltecer o governo.

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Mesmo com todos os direitos e garantias, o uso dos mesmos

tinha como limite o bem público, as necessidades de defesa do bem estar,

da paz e ordem coletiva, bem como as exigências da segurança da Nação.

“Art 123 - A especificação das garantias e

direitos acima enumerados não exclui outras

garantias e direitos, resultantes da forma de governo

e dos princípios consignados na Constituição. O uso

desses direitos e garantias terá por limite o bem

público, as necessidades da defesa, do bem-estar,

da paz e da ordem coletiva, bem como as

exigências da segurança da Nação e do Estado em

nome dela constituído e organizado nesta

Constituição.”

A educação era de obrigação direta da família com assistência do

Estado, o modelo populista de governo manteve o assistencialismo.

“Art 125 - A educação integral da prole é o

primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado

não será estranho a esse dever, colaborando, de

maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua

execução ou suprir as deficiências e lacunas da

educação particular.

Art 127 - A infância e a juventude devem

ser objeto de cuidados e garantias especiais por

parte do Estado, que tomará todas as medidas

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destinadas a assegurar-lhes condições físicas e

morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento

das suas faculdades.”

A novidade ficou por conta da igualdade entre os filhos legítimos e

naturais, pois o código civil de 1916 os tratava de forma diferenciada.

“Art 126 - Aos filhos naturais, facilitando-

lhes o reconhecimento, a lei assegurará igualdade

com os legítimos, extensivos àqueles os direitos e

deveres que em relação a estes incumbem aos

pais.”

Foi incluída no currículo escolar a obrigatoriedade da educação

física, educação moral e cívica e do trabalho, características estas

provenientes do fascismo.

“Art 131 - A educação física, o ensino

cívico e o de trabalhos manuais serão obrigatórios

em todas as escolas primárias, normais e

secundárias, não podendo nenhuma escola de

qualquer desses graus ser autorizada ou

reconhecida sem que satisfaça aquela exigência.”

Todas as leis relativas ao direito do trabalho foram mantidas, pois

Getúlio sustentava seu populismo com o apoio à classe operária através

dos sindicatos. O imposto sindical era cobrado por cada trabalhador filiado

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ao sindicato, portanto quanto maior o sindicato maior a renda que ele

fornecia ao governo, e mais influente o sindicato se tornava.

“Art 138 - A associação profissional ou

sindical é livre. Somente, porém, o sindicato

regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito

de representação legal dos que participarem da

categoria de produção para que foi constituído, e de

defender-lhes os direitos perante o Estado e as

outras associações profissionais, estipular contratos

coletivos de trabalho obrigatórios para todos os seus

associados, impor-lhes contribuições e exercer em

relação a eles funções delegadas de Poder Público.”

A Justiça do Trabalho continuava a ser mais um órgão de

conciliação, pois não estava contida no capítulo que tratava do Poder

Judiciário.

“Art 139 - Para dirimir os conflitos

oriundos das relações entre empregadores e

empregados, reguladas na legislação social, é

instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada

em lei e à qual não se aplicam as disposições desta

Constituição relativas à competência, ao

recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum.”

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3.7.6 A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO E O FIMDO ESTADO NOVO

A consolidação das leis do trabalho de 1943 foi resultado da luta

operária que começou em meados de 1920 e ganhou força no governo

Vargas, pois a inviabilidade do liberalismo clássico, onde o Estado jamais

deveria intervir em questões privadas, era evidente. Com o aumento da

massa operária passou a ser interessante para o governo e para os

empresários negociar com um sindicato para evitar greves e revoltas que

colocassem em perigo a organização econômica do país. Assim, Getúlio

Vargas fez dos sindicatos as extensões do seu governo, e o corporativismo

era o instrumento que dava a sensação de nacionalidade a massa operária.

O código penal de 1940 teve como base o projeto elaborado por

Alcântara Machado, que foi modificado por uma comissão para ser

transformado em lei. Esse código apresentou-se com o pensamento

neoclássico e o positivismo. O código de processo penal foi elaborado em

1941, também no período ditatorial de Vargas.

Durante o período ditatorial, o direito era impraticável, num Estado

onde a centralização de poder nas mãos do Poder Executivo, que utilizava o

poder de polícia para atingir seus fins, através da tortura, censura

extradição e mortes sem julgamentos. Esse retrocesso jurídico demonstra

que o ser humano não evoluiu de fato com os ordenamentos jurídicos, estes

últimos desenvolveram-se após constantes tragédias no curso da história,

porém o ser humano não acompanhou esse desenvolvimento, e ainda

dirigido pela lei do mais forte, arrumava uma maneira de sobrepor-se à lei

para atingir seus objetivos.

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Em 1942, o Brasil passou a apoiar as potências liberais na II

Guerra Mundial, o que era uma contradição com o modelo político utilizado

por Getúlio. As tropas que voltaram da guerra fizeram aumentar a

movimentação rumo à redemocratização.

Cedendo as pressões Getúlio permitiu a abertura de partidos

políticos, e concedeu anistia política. A aceitação popular ainda era grande,

e foi necessário um golpe dos opositores para tirar Getúlio Vargas do poder,

portanto em 29 de outubro de 1945 ele foi obrigado a abandonar o poder,

deste modo dando fim ao Estado Novo.

Com o fim do Estado Novo, o general Dutra foi eleito para

presidente, foi também eleita uma assembléia constituinte. A constituição de

1946 era liberal, atendia os interesses dos grandes empresários e não do

povo, nela ficou estabelecida à República Federativa presidencialista, o voto

secreto e universal (menos para analfabetos e militares de baixo escalão).

O governo Dutra uniu-se ao bloco capitalista liderados pelos Estados

unidos, rompendo relações com a União Soviética e acabando com o PC

Do B, caçando seus parlamentares. Fez a estrada Rio São Paulo (Dutra)

direcionou a economia do país aos interesses das empresas estrangeiras, o

que destruiu a economia nacional.

Nas eleições de 1950, Getúlio Vargas foi eleito, e retomou a

economia nacionalista, criou a Petrobrás, e aumentou o salário mínimo em

100%. Os patrões, e o grupo internacionalista, começaram a fazer forte

oposição ao governo popular de Getúlio, e os militares exigiam sua

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renúncia. Getúlio recusou-se a deixar o cargo, escreveu uma carta-

testamento ao povo brasileiro e cometeu suicídio.

Juscelino Kubitscheck foi eleito na eleição posterior, era do

partido de Getúlio, o que gerou a revolta dos opositores udenistas. Entre as

metas do seu governo estavam a construção de usinas hidrelétricas, a

implantação da indústria automobilística, a ampliação da produção de

petróleo, a construção de estradas e a construção de Brasília. Suas obras

foram feitas com empréstimos estrangeiros, multinacionais vieram ao Brasil

controlando diversos setores, a economia internacionalizou, e a inflação

aumentou. Ao final de seu mandato foi eleito Jânio Quadros candidato da

oposição.

Jânio era contrário ao comunismo, queria manter o país aberto ao

capital estrangeiro, abriu relações com os países socialistas. Assim, sofreu

ataque dos udenistas, acusado de abrir as portas do Brasil ao comunismo,

renunciou em 1961.

O vice João Goulart era do partido de Getúlio, reforçou a linha de

governo nacionalista, anunciou a reforma agrária, educacional, eleitoral e

tributária. Fez a lei de remessa de lucros, que limitava o envio de dólares

das multinacionais ao exterior. Porém, em 31/3/1964 explodiu a rebelião das

forças armadas contra o governo João Goulart, o presidente deixou Brasília

rumo ao exílio político no Uruguai, era o início do Regime Militar.

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3.7.7 A CONSTITUIÇÃO DE 1946

Em dezembro de 1945 foram convocadas eleições para

Assembléia Constituinte, assim em setembro de 1946 foi aprovada a

Constituição de 1946, que tinha como base a Constituição de 1934 e um

alinhamento fortíssimo com os interesses dos Estados Unidos, líder do

bloco capitalista pós-guerra.

O Poder Executivo seria exercido pelo Presidente que teria um

Vice como substituto, as eleições para os dois cargos era feita de maneira

independente, pois o Vice Presidente seria eleito pelos próprios

constituintes no primeiro mandato.

O Vice Presidente seria também o Presidente do Senado, porém

dessa vez essa mistura entre Legislativo e Executivo favorecia o Legislativo,

pois o modelo econômico neoliberal temia um novo Executivo cheio de

poderes. Dessa forma, os ministros por mais que fossem nomeados pelo

Presidente da República, tinham o compromisso de prestar esclarecimento

no Congresso.

A força do legislativo era evidente, pois agora cabia aos

Senadores aprovar membros indicados ao judiciário, suspender decretos, e

instaurar comissões parlamentares de inquérito.

“Art 63 - Também compete privativamente

ao Senado Federal:

I - aprovar, mediante voto secreto, a

escolha de magistrados, nos casos estabelecidos

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por esta Constituição, do Procurador-Geral da

República, dos Ministros do Tribunal de Contas, do

Prefeito do Distrito Federal, dos membros do

Conselho Nacional de Economia e dos chefes de

missão diplomática de caráter permanente;

II - autorizar os empréstimos externos dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Art 64 - incumbe ao Senado Federal

suspender a execução, no todo ou em parte, de lei

ou decreto declarados inconstitucionais por decisão

definitiva do Supremo Tribunal Federal.

Art 53 - A Câmara dos Deputados e o

Senado Federal criarão Comissões de inquérito

sobre fato determinado, sempre que o requerer um

terço dos seus membros.”

Como sempre, o novo poder dominante além de reprimir as

injustiças do antigo modelo, passa a cometer novos abusos.

“Art 47 - Os Deputados e Senadores

vencerão anualmente subsídio igual e terão igual

ajuda de custo.

§ 1º - O subsídio será dividido em duas

partes: uma fixa, que se pagará no decurso do ano,

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e outra variável, correspondente ao

comparecimento.

§ 2º - A ajuda de custo e o subsídio serão

fixados no fim de cada Legislatura.

Art 51 - O Deputado ou Senador investido

na função de Ministro de Estado, interventor federal

ou Secretário de Estado não perde o mandato.”

A autonomia do Poder Judiciário foi restaurada, e as garantias

clássicas dos magistrados também.

A eleição dos seus membros de direção não seriam mais

ocupadas por pessoas indicadas pelo chefe do Executivo.

A estrutura do Poder Judiciário era a seguinte, agora com a

inclusão da Justiça do Trabalho no Poder Judiciário.

“Art 94 - O Poder Judiciário é exercido

pelos seguintes órgãos:

I - Supremo Tribunal Federal;

II - Tribunal Federal de Recursos;

III - Juízes e Tribunais militares;

IV - Juízes e Tribunais eleitorais;

V - Juízes e Tribunais do trabalho.”

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94

O Supremo Tribunal Federal seria composto por onze ministros

indicados pelo Presidente e referendados pelo Senado.

Foi criado o Tribunal Federal de Recursos, pois o Supremo

Tribunal Federal estava sobrecarregado.

“Art 103 - O Tribunal Federal de

Recursos, com sede na Capital federal compor-se-á

de nove Juízes, nomeados pelo Presidente da

República, depois de aprovada a escolha pelo

Senado Federal, sendo dois terços entre

magistrados e um terço entre advogados e

membros do Ministério Público, com os requisitos do

art. 99.”

O controle de constitucionalidade era feito pelo Poder Judiciário, e

cabia ao Senado apenas executar a decisão dos Tribunais.

A Justiça do Trabalho deixou de ser um órgão de conciliação e

passou a integrar o Poder Judiciário.

“Art 123 - Compete à Justiça do Trabalho

conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos

entre empregados e empregadores, e, as demais

controvérsias oriundas de relações, do trabalho

regidas por legislação especial.”

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95

A autonomia dos Estados voltou nesta Constituição, porém, os

municípios não atingiram tal situação, tendo em vista a nomeação de

prefeitos em algumas cidades.

“Art 28 - A autonomia dos Municípios será

assegurada:

I - pela eleição do Prefeito e dos

Vereadores;

II - pela administração própria, no que

concerne ao seu peculiar interesse e,

especialmente,

a) à decretação e arrecadação dos

tributos de sua competência e à aplicação das suas

rendas;

b) à organização dos serviços públicos

locais.

§ 1º - Poderão ser nomeados pelos

Governadores dos Estados ou dos Territórios os

Prefeitos das Capitais, bem como os dos Municípios

onde houver estâncias hidrominerais naturais,

quando beneficiadas pelo Estado ou pela União.

§ 2º - Serão nomeados pelos

Governadores dos Estados ou dos Territórios os

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96

Prefeitos dos Municípios que a lei federal, mediante

parecer do Conselho de Segurança Nacional,

declarar bases ou portos militares de excepcional

importância para a defesa externa do País.”

O direito de voto era garantido aos alfabetizados maiores de

dezoito anos, homens e mulheres, que tinham a obrigação de alistamento e

de voto.

A aliança do Brasil ao bloco capitalista na guerra fria, gerou uma

grande discordância na Constituição de 1946, que pregava a liberdade e a

democracia, porém proibia a abertura de certos partidos políticos de

ideologia comunista. Ou seja, essa liberdade pregada pelos liberais possuía

suas restrições quando seu interesse entrava em jogo.

“Art 141 - A Constituição assegura aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à

liberdade, a segurança individual e à propriedade,

nos termos seguintes:

(...)

§ 13 - É vedada a organização, o registro

ou o funcionamento de qualquer Partido Político ou

associação, cujo programa ou ação contrarie o

regime democrático, baseado na pluralidade dos

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Partidos e na garantia dos direitos fundamentais do

homem.”

3.8 A DITADURA MILITAR

Nos primeiros anos após a queda da ditadura de Vargas,

ocorreram muitas greves, e o Presidente Dutra respondia de forma violenta,

e colocou 143 sob intervenção. Um decreto passou a restringir o direito de

greve garantido na Constituição, uma anomalia jurídica, pois nunca um

decreto pode sobrepor-se a Carta Magna.

Os liberais que criticavam fortemente à repressão do governo

anterior, passaram a fazer uso dos mesmos meios violentos para manter a

política econômica de acordo com os interesses do bloco capitalista, em

detrimento dos interesses populares.

Os Estados Unidos financiavam a economia brasileira para passar

a impressão que todos os países que apoiavam seu bloco estavam

prosperando, porém essa falsa prosperidade que o país atravessava e o

constante aumento da massa operária urbana e seu descontentamento

dirigia o Brasil para mais um período ditatorial.

Esse falso período democrático estava insustentável, pois as

grandes cidades acumulavam recursos de empresas estrangeiras, logo

muitas pessoas vieram da área rural em decadência procurar seu sustento

nas grandes cidades, assim teve início a formação das favelas.

A economia do país estava longe de ser focada aos interesses do

povo, a falsa República atendia apenas aos interesses da elite e do

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mercado externo. Numa situação extrema, cabia apenas aos investidores

estrangeiros financiar o exército para comandar o Brasil a força, tendo em

vista a tamanha insatisfação popular gerada por esse modelo econômico

capitalista.

Mediante esse cenário, em 1964, as forças armadas articularam

um golpe para tomar o poder de João Goulart, e instaurar novamente a

ditadura no Brasil.

João Goulart foi deposto por uma revolta militar, e a Constituição

determinava que uma nova eleição fosse convocada em trinta dias.

Enquanto isso, os militares ‘limpavam’ o legislativo para torná-lo um órgão

que trabalhasse a seu favor.

3.8.1 3.7.1. O ATO INSTITUCIONAL

Deste modo, após o golpe, os ministros militares publicaram um

Ato Institucional para instalar uma nova ordem no país. O Ato Institucional

estava acima do Poder Legislador e da Constituição, o culpado pela sua

existência era o movimento comunista bolchevique.

O Ato Institucional manteve a legislação vigente, porém manteve

para si a capacidade de alterar qualquer dispositivo que achasse

necessário.

“Art 1º - São mantidas a Constituição de

1946 e as Constituições estaduais e respectivas

Emendas, com as modificações constantes deste

Ato.”

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A eleição do Presidente e do Vice ficaria a cargo do Congresso, já

‘limpo’ pelos militares.

“Art 2º - A eleição do Presidente e do

Vice-Presidente da República, cujos mandatos

terminarão em 31 (trinta e um) de janeiro de 1966,

será realizada pela maioria absoluta dos membros

do Congresso Nacional, dentro de 2 (dois) dias, a

contar deste Ato, em sessão pública e votação

nominal.”

A capacidade de legislar do Presidente era quase plena,

necessitava apenas da aprovação de um órgão submetido ao golpe.

“Art 4º - O Presidente da República

poderá enviar ao Congresso Nacional projetos de lei

sobre qualquer matéria, os quais deverão ser

apreciados dentro de 30 (trinta) dias, a contar do

seu recebimento na Câmara dos Deputados, e de

igual prazo no Senado Federal; caso contrário,

serão tidos como aprovados.

Parágrafo único - O Presidente da

República, se julgar urgente a medida, poderá

solicitar que a apreciação do projeto se faça, em 30

(trinta) dias, em sessão conjunta do Congresso

Nacional, na forma prevista neste artigo.”

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Algumas garantias Constitucionais referentes ao Poder Judiciário

foram suspensas, e o Poder Executivo agora poderia abrir inquéritos contra

opositores e cassar mandatos.

“Art 8º - Os inquéritos e processos

visando à apuração da responsabilidade pela prática

de crime contra o Estado ou seu patrimônio e a

ordem política e social ou de atos de guerra

revolucionária poderão ser instaurados individual ou

coletivamente.

Art 10 - No interesse da paz e da honra

nacional, e sem as limitações previstas na

Constituição, os Comandantes-em-Chefe, que

editam o presente Ato, poderão suspender os

direitos políticos pelo prazo de 10 (dez) anos e

cassar mandatos legislativos federais, estaduais e

municipais, excluída a apreciação judicial desses

atos.”

Com o Ato Institucional em vigor cinco mil pessoas foram presas,

dois mil funcionários público demitidos e trezentas e oitenta e seis pessoas

tiveram seus mandatos cassados e seus direitos políticos cassados.

Quatrocentos e vinte um oficiais foram punidos com a “morte

civil”, a maioria das diretorias dos sindicatos dos trabalhadores foram

depostas e mais de duzentas pessoas morreram no golpe de 1964.

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101

A ditadura continuava a aumentar a repressão contra as pessoas

consideradas ‘inimigas’ do Estado, e por incrível que pareça ainda

pregavam a democracia para ir contra os comunistas.

Duas medidas foram aprovadas, a Lei de Inelegibilidade, que

barrava a candidatura de quaisquer ex ministro de João Goulart; e o

Estatuto dos Partidos Políticos, para organizar a atividade política no Brasil.

No fundo essas foram medidas de repressão destinadas a guiar os

resultados das eleições para governador em 1965.

Contudo, a oposição obteve vitória na maioria dos Estados, e

pressões começaram a surgir para anular as eleições, e que os vencedores

fossem investigados pelo Tribunal Militar.

3.8.2 3.7.2. O ATO INSTITUCIONAL Nº2

Essas pressões resultaram no Ato Institucional nº2, que sob o

pretexto de dar continuidade à revolução, continuava a sobrepor-se ao

sistema jurídico, fazendo o que bem entendesse com País, ele passou a ser

um documento que valia mais que a Constituição, essa foi uma inovação

nem um pouco jurídica dos militares brasileiros a serviço do bloco

capitalista. Segue seu preâmbulo:

A primeira modificação do Ato Institucional nº2, visava tomar o

controle do Supremo Tribunal Federal, aumentando o número de Ministros

de 11 para 16, esses 5 novos Ministros foram escolhidos de acordo com os

interesses do Regime ditatorial.

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102

"Art. 98 - O Supremo Tribunal Federal,

com sede na Capital da República e jurisdição em

todo o território nacional, compor-se-á de dezesseis

Ministros.

Parágrafo único - O Tribunal funcionará

em Plenário e dividido em três Turmas de cinco

Ministros cada uma."

O mesmo ocorreu com o Tribunal Federal de Recursos.

"Art. 103 - O Tribunal Federal de

Recursos, com sede na Capital Federal, compor-se-

á de treze Juízes nomeados pelo Presidente da

República, depois de aprovada a escolha pelo

Senado Federal, oito entre magistrados e cinco

entre advogados e membros do Ministério Público,

todos com os requisitos do art. 99.

Parágrafo único - O Tribunal poderá

dividir-se em Câmaras ou Turmas."

Os crimes contra a segurança nacional passaram a ser julgados

pelo Superior Tribunal Militar, ou seja, qualquer civil que atentasse contra a

ditadura poderia ser julgado por tal órgão.

“Art 8º - O § 1º do art. 108 da Constituição

passa a vigorar com a seguinte redação:

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103

"§ 1º - Esse foro especial poderá

estender-se aos civis, nos casos expressos em lei

para repressão de crimes contra a segurança

nacional ou as instituições militares.

§ 1º - Competem à Justiça Militar, na

forma da legislação processual, o processo e

julgamento dos crimes previstos na Lei nº 1.802, de

5 de janeiro de 1963.

§ 2º - A competência da Justiça Militar nos

crimes referidos no parágrafo anterior com as penas

aos mesmos atribuídas, prevalecerá sobre qualquer

outra estabelecida em leis ordinárias, ainda que tais

crimes tenham igual definição nestas leis.

§ 3º - Compete originariamente ao

Superior Tribunal Militar processar e julgar os

Governadores de Estado e seus Secretários, nos

crimes referido no § 1º, e aos Conselhos de Justiça

nos demais casos.”

O Poder Judiciário já não tinha mais poderes para julgar os atos

praticados em nome da revolução.

“Art 19 - Ficam excluídos da apreciação

judicial:

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104

I - os atos praticados pelo Comando

Supremo da Revolução e pelo Governo federal, com

fundamento no Ato Institucional de 9 de abril de

1964, rio presente Ato Institucional e nos atos

complementares deste;

II - as resoluções das Assembléias

Legislativas e Câmara de Vereadores que hajam

cassado mandatos eletivos ou declarado o

impedimento de Governadores, Deputados,

Prefeitos ou Vereadores, a partir de 31 de março de

1964, até a promulgação deste Ato.”

As eleições para Presidente e Vice Presidente, seriam feitas de

forma indireta, pelo Congresso que já não possuía opositores ao regime

ditatorial.

Dessa forma, nasceram os dois únicos partidos da ditadura, o da

oposição, o MBD, Movimento Democrático Brasileiro, que era controlado

pela situação, e o Partido da situação, ARENA, Aliança Renovadora

Nacional.

“Art 18 - Ficam extintos os atuais Partidos

Políticos e cancelados os respectivos registros.

Parágrafo único - Para a organização dos

novos Partidos são mantidas as exigências da Lei nº

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105

4.740, de 15 de julho de 1965, e suas

modificações.”

Algumas das garantias constitucionais continuavam suspensas, e

o poder do Presidente para suspender direitos políticos e cassar mandatos

passou a ser ilimitado. E para os suplentes não gerarem confusão, eles

também não assumiriam o cargo do político cassado.

A cassação além do afastamento gerava outras conseqüências a

pessoa punida.

“Art 16 - A suspensão de direitos políticos,

com base neste Ato e no, art. 10 e seu parágrafo

único do Ato institucional, de 9 de abril de 1964,

além do disposto no art. 337 do Código Eleitoral e

no art. 6º da Lei Orgânica dos Partidos Políticos,

acarreta simultaneamente:

I - a cessação de privilégio de foro por

prerrogativa de função;

II - a suspensão do direito de votar e de

ser votado nas eleições sindicais;

III - a proibição de atividade ou

manifestação sobre assunto de natureza política;

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106

IV - a aplicação, quando necessária à

preservação da ordem política e social, das

seguintes medidas de segurança:

a) liberdade vigiada;

b) proibição de freqüentar determinados

lugares;

c) domicílio determinado.”

A aprovação do Congresso já não poderia mais gerar prejuízo a

intervenção federal nos Estados.

“Art 17 - Além dos casos previstos na

Constituição federal, o Presidente da República

poderá decretar e fazer cumprir a intervenção

federal nos Estados, por prazo determinado:

I - para assegurar a execução da lei

federal;

II - para prevenir ou reprimir a subversão

da ordem.

Parágrafo único - A intervenção decretada

nos termos deste artigo será, sem prejuízo da sua

execução, submetida à aprovação do Congresso

Nacional,”

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Os Poderes Judiciário e Legislativo estavam novamente

subordinados ao chefe da Nação.

“Art 30 - O Presidente da República

poderá baixar atos complementares do presente,

bem como decretos-leis sobre matéria de segurança

nacional.

Art 31 - A decretação do recesso do

Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas

e das Câmaras de Vereadores pode ser objeto de

ato complementar do Presidente da República, em

estado de sítio ou fora dele.

Parágrafo único - Decretado o recesso

parlamentar, o Poder Executivo correspondente, fica

autorizado a legislar mediante decretos-leis em

todas as matérias previstas na Constituição e na Lei

Orgânica.”

3.8.3 3.7.3. O ATO INSTITUCIONAL Nº3

Com a aproximação das eleições de 1966, os opositores

ganhavam cada vez mais simpatizantes, e por mais que as eleições não

passassem de uma farsa, não seria interessante para os militares verem

sua não aceitação, assim foi decretado o Ato Institucional nº3 com o intuito

de dirigir as eleições.

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“Art 1º - A eleição de Governador e Vice-

Governador dos Estados far-se-á pela maioria

absoluta dos membros da Assembléia Legislativa,

em sessão pública e votação nominal.”

A eleição do Vice Presidente e do Vice Governador estaria

vinculada à eleição do Presidente e do Governador respectivamente.

“Art 2º - O Vice-Presidente da República e

o Vice-Governador de Estado considerar-se-ão

eleitos em virtude da eleição do Presidente e do

Governador com os quais forem inscritos como

candidatos.”

Os prefeitos das capitais seriam indicados pelos governadores.

“Art 4º - Respeitados os mandatos em

vigor, serão nomeados pelos Governadores de

Estado, os Prefeitos dos Municípios das Capitais

mediante prévio assentimento da Assembléia

Legislativa ao nome proposto.”

E mais uma vez o Ato Institucional estava acima da apreciação do

Judiciário.

“Art 6º - Ficam excluídos de apreciação

judicial os atos praticados com fundamento no

presente Ato institucional e nos atos

complementares dele.”

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3.8.4 3.7.4. O ATO INSTITUCIONAL Nº4 E A CONSTITUIÇÃODE 1967

O Ato Institucional nº4, serviu para convocar uma o Congresso

Nacional, que estava fechado, para votar a Constituição de 1967. A equipe

de convocada pelo Presidente preparou um projeto de Constituição que foi

aprovado sem qualquer alteração pelo Congresso. Não que o projeto não

precisasse de mudanças, é que o Congresso fazia papel meramente

ilustrativo neste momento brasileiro.

A Constituição de 1967 era o conjunto da Constituição de 1964

subtraídos os pontos democráticos e somados os Atos Institucionais. O

Poder Executivo sobrepunha-se aos demais, inclusive para apurar crimes

contra a ordem nacional, e a ordem política.

“Art 8º - Compete à União:

(...)

c) a apuração de infrações penais contra

a segurança nacional, a ordem política e social, ou

em detrimento de bens, serviços e interesses da

União, assim como de outras infrações cuja prática

tenha repercussão interestadual e exija repressão

uniforme, segundo se dispuser em lei;

d) a censura de diversões públicas.”

A questão legislativa também era competência do Presidente.

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“Art 58 - O Presidente da República, em

casos de urgência ou de interesse público relevante,

e desde que não resulte aumento de despesa,

poderá expedir decretos com força de lei sobre as

seguintes matérias:

I - segurança nacional;

II - finanças públicas.

Parágrafo único - Publicado, o texto, que

terá vigência imediata, o Congresso Nacional o

aprovará ou rejeitará, dentro de sessenta dias, não

podendo emendá-lo; se, nesse prazo, não houver

deliberação o texto será tido como aprovado.”

Alguns artigos desta Constituição demonstravam o pouco

prestígio que a Lei possuía, pois era no mínimo desrespeitoso escrever

esses artigos na atual situação.

“Art 84 - São crimes de responsabilidade

os atos do Presidente que atentarem contra a

Constituição federal e, especialmente:

(...)

II - o livre exercício do Poder Legislativo,

do Poder Judiciário e dos Poderes constitucionais

dos Estados;

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111

III - o exercício dos direitos políticos,

individuais e sociais;”

Isso fica mais evidente na parte que versa sobre direitos e

garantias individuais, que eram praticamente inexistentes de fato.

A oposição crescia cada vez mais, a insatisfação com o Governo

era enorme, e a forte repressão passou a unir quem antes era inimigo, para

lutar contra a ditadura. A resposta aos rebeldes veio com a criação de

movimentos como o CCC, Comando de Caça aos Comunistas, e o

Movimento Anticomunista.

3.8.5 3.7.5. O ATO INSTITUCIONAL Nº5

Assim sendo, diante a crescente oposição, os militares

decretaram o Ato Institucional nº5, alegando que a lei vigente não era

suficiente para manter a ordem no País, como se os militares utilizassem as

mesmas para governar.

Agora a figura do Presidente tinha mais poderes que o Imperador,

a dominação do Brasil sob os movimentos do bloco capitalistas prendiam a

política nacional de maneira parecida à época da colonização.

“Art 2º - O Presidente da República

poderá decretar o recesso do Congresso Nacional,

das Assembléias Legislativas e das Câmaras de

Vereadores, por Ato Complementar, em estado de

sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a

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112

funcionar quando convocados pelo Presidente da

República.

§ 1º - Decretado o recesso parlamentar, o

Poder Executivo correspondente fica autorizado a

legislar em todas as matérias e exercer as

atribuições previstas nas Constituições ou na Lei

Orgânica dos Municípios.”

O pacto federativo já não tinha mais valor, pois a intervenção

presidencial era total.

“Art 3º - O Presidente da República, no

interesse nacional, poderá decretar a intervenção

nos Estados e Municípios, sem as limitações

previstas na Constituição.

Parágrafo único - Os interventores nos

Estados e Municípios serão nomeados pelo

Presidente da República e exercerão todas as

funções e atribuições que caibam, respectivamente,

aos Governadores ou Prefeitos, e gozarão das

prerrogativas, vencimentos e vantagens fixados em

lei.”

A cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos

geravam conseqüências cada vez mais fortes.

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O Estado de Sítio que suspendia todas as garantias

constitucionais também ficava a cargo do Presidente.

O Habeas Coprpus foi suspenso para os crimes políticos.

“Art 10 - Fica suspensa a garantia de

habeas corpus , nos casos de crimes políticos,

contra a segurança nacional, a ordem econômica e

social e a economia popular.”

O regime militar foi ditatorial, os membros do governo não se

mostravam dispostos a dialogar com os diversos setores da sociedade, as

decisões eram tomadas de cima pra baixo por meio de decretos (atos

institucionais), assim o regime militar foi restringido as instituições

democráticas. A ditadura reduziu o número de partidos políticos á dois,

controlando ainda o partido de oposição, cassou o direito de voto para o

executivo, impôs censura aos meios de comunicação, perseguiu, exilou e

matou opositores.

O novo modelo econômico concentrava a renda nas classes altas

e médias, e marginalizava a classe baixa.

Castelo branco assumiu o poder em 1964, apoiado pelos Estados

Unidos, por multinacionais e por grandes empresários, acabou com a lei de

remessa dos lucros, acabou com os direitos trabalhistas, combateu o

socialismo e criou a lei de segurança nacional, que perseguia opositores.

Costa e Silva assumiu o poder sobre fortes manifestações

populares, os parlamentares responsabilizavam o regime militar pela

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114

violência. Diante essa situação o governo decretou o AI5, fechando o

congresso, dando amplos poderes ao presidente, seus atos não seriam

mais submetidos ao judiciário.

O general Médici assumiu o poder em 1969, aumentou a

repressão e suspendeu os direitos fundamentais do cidadão. O governo

passou a investir na propaganda para dominar o povo, financiou a Rede

Globo para difundir os ideais da ditadura. O governo Médici teve o período

curto do “milagre brasileiro”, o desenvolvimento econômico baseado em um

empréstimo do exterior, gerou a longo prazo o aumento da dívida externa e

o início de uma longa crise econômica.

Com o fracasso econômico, o general Ernesto Geisel dizia-se

disposto a devolução gradual do poder aos civis, foram abertas as eleições

livres para o legislativo em 1974, e o partido da oposição teve vitória

esmagadora. Com medo de perder o poder o governo decretou que um

terço dos senadores seriam escolhidos pelo presidente (senadores

biônicos), e a economia internacional já não estava mais disposta a

emprestar dinheiro ao Brasil.

Mediante muitas críticas, João Batista Figueiredo assumiu o poder

com compromisso de realizar a abertura política e reinstalar a democracia

no Brasil. Os movimentos sindicalistas cresceram, muitas greves foram

organizadas, Luís Inácio Lula da Silva, presidente do sindicato dos

metalúrgicos do ABC ganhava destaque. A redemocratização começou a

aparecer, foi dada anistia a perseguidos políticos, o fim do bipartidarismo,

novos partidos surgiam para disputar as eleições diretas para governador,

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115

contudo, á dívida externa já prendia a economia nacional aos interesses do

FMI (fundo monetário internacional), a inflação chegava a 100% ao ano, e a

falta de investimentos gerou alto índice de desemprego. A má distribuição

de renda continuava com a política do economista. Delfim Neto: “é preciso

fazer o bolo crescer para depois reparti-lo”.

3.9 A REDEMOCRATIZAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DE 1988

O governo militar colaborou com a defasagem da economia do

Brasil, diversos setores da sociedade queriam o fim da ditadura militar e a

democratização do país. Foi proposta uma emenda constitucional que

instituía as eleições diretas, porém a maioria dos parlamentares estava

ligada ao governo militar e a emenda não foi aprovada. Ocorreram as

eleições diretas, Tancredo Neves foi eleito, mas faleceu antes de assumir o

cargo e o vice José Sarney assumiu.

Sarney ficou no poder de 1985 a 1990, tinha ligações com o

partido que apreciava a ditadura militar, o PDS, que colocou Paulo Maluf

para concorrer com Tancredo, o mesmo partido que votou contra a emenda

das eleições diretas. José Sarney precisava melhorar sua imagem, lançou o

plano cruzado para conter a inflação, trocando a moeda cruzeiro pelo

cruzado, fez o congelamento dos preços das mercadorias, e o reajuste

automático dos salários sempre que a inflação atingisse 10%. Produtores e

comerciantes retiravam os produtos de circulação aguardando o remarque

do preço, impossibilitando o sucesso do plano cruzado.

O congresso reuniu-se em 1987 para formar a assembléia

constituinte que promulgou a constituição federal de 1988, vigente até hoje.

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A constituição trouxe a liberdade de expressão, de locomoção, o voto nas

eleições públicas, a liberdade dos partidos políticos, a educação, a

previdência social, o lazer, a segurança pública, a igualdade de todos

perante a lei, dessa forma a nova constituição veio com a intenção de

garantir a todos a cidadania.

Após três anos sem eleições diretas para presidente, os

brasileiros foram às urnas em 1989, elegendo Fernando Collor de Mello

para o cargo. Collor lançou um plano econômico que confiscou 80% do

dinheiro que circulava no país, acabou com o cruzado e restabeleceu o

antigo cruzeiro, sem conseguir conter a inflação, e com o surgimento de

várias denúncias de corrupção, foi aberta uma CPI para investigar seu

governo. Estudantes saíram ás ruas de cara pintada, aclamando o

impeachment de Collor, e pedindo ética e dignidade na política. O

impeachment foi aprovado pela câmara federal em 1992, e Collor foi

afastado.

O sucesso do plano real ajudou eleger Fernando Henrique

Cardoso em 1994, seu governo privatizou muitas empresas públicas, criou a

reeleição, assim sendo reeleito em 1998.

O Brasil é um dos campeões mundiais da Desigualdade Social, a

democracia é aparente, ineficaz, só existe no corpo da lei. O desafio do

momento é a redistribuição de renda e a democratização do poder.

Esse breve relato da História do Brasil demonstra que desde o

início, o Direito possui papel secundário no país, criado e direcionado pelas

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elites econômicas que se utilizam do poder público como instrumento para

atingir fins particulares.

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4 A VALIDADE DO DIREITO NACIONAL E A AUSÊNCIADE EFICÁCIA

A idéia de ordem e justiça foi traduzida no Brasil, dos séculos XIX

e XX, através do positivismo de Hans Kelsen e sua Teoria Pura do Direito.

Nesse sistema, o quesito da validade é de extrema importância,

pois a norma emanada pela autoridade competente, dentro da hierarquia do

sistema vigente, cumpre os requisitos para estar vigente.

Assim, muitos problemas brasileiros foram resolvidos apenas na

letra fria da lei, uma vez que a criação dessas leis não modificou a

realidade43, tendo em vista a inexistência de preparação do Estado e da

sociedade para recepcionar a nova norma, gerando uma falsa impressão de

desenvolvimento.

Exemplos claros desta situação podem ser apontados na

Constituição Federal de 1988.

Pobreza, marginalização, e desigualdades não foram erradicadas.

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais

da República Federativa do Brasil:

III - erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

regionais;”

43 “O núcleo da Constituição (direitos fundamentais, democracia, etc) é atingido. Os órgãos estatais não acumprem, pelo contrário, a ignoram e a violam incessantemente. Os seus dispositivos são utilizadosapenas de maneira retórica, visando manter a legitimação política dos governantes”(Bercovici.Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 312)

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As cadeias desvirtuam mais ainda os presos, não existe a

garantia de integridade moral e física constante na lei.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei,

sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

XLIX - é assegurado aos presos o

respeito à integridade física e moral;”

Os direitos a educação, lazer, moradia, saúde entre outros que

tornam esta a Constituição cidadã, não existem para a maioria da

população.

“Art. 6o São direitos sociais a educação, a

saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,

a previdência social, a proteção à maternidade e à

infância, a assistência aos desamparados, na forma

desta Constituição.”

Outros exemplos já foram citados ao longo do trabalho em outros

períodos históricos, como a inexistência de liberdade para os escravos

mesmo após as leis abolicionistas, a questão dos direitos e garantias

fundamentais na época do Regime Militar, entre outros.

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Esse distanciamento entre a lei e a realidade ocorreu devido à

inexistência de eficácia as normas jurídicas, eficácia que não faz parte dos

requisitos da análise positivista do direito.

Esse positivismo atendeu a necessidade de justificação dos atos

da elite burguesa, que não podia controlar o Estado como os monarcas

faziam, e precisavam de respaldo jurídico para validar sua opressão. 44 Em

outros períodos o povo e os burgueses enfrentavam o absolutismo dos

Reis, hoje os burgueses passaram a opressores e deram ao povo leis bem

elaboradas como pretexto de igualdade, como se elas fossem as armas

suficientes para sobreviver em meio à política capitalista do mercado, porém

leis sem eficácia, são como armas sem munição. Dessa forma, o

absolutismo monárquico e a falsa democracia de mercado não se

diferenciam em nada. 45

A crise da eficácia não pode ser superada no interior do

positivismo jurídico, que isola o direito de outras questões. Desta forma, a

ligação entre o direito e outras áreas de atuação social se faz necessária

para dotar a lei de eficácia para o perfazimento da justiça. 46

44 “Não podemos escapar à evidência de que a civilização iniciada pela Revolução Industrial aponta deforma inexorável para grandes calamidades. Ela concentra riqueza em benefício de uma minoria cujoestilo de vida requer um dispêndio crescente de recursos não renováveis e que somente se mantém porquea grande maioria da humanidade se submete a diversas formas de penúria, inclusive a fome. Uma minoriadispõe dos recursos não renováveis do planeta sem preocupar-se com as conseqüências para as geraçõesfuturas do desperdício que hoje ela realiza.”(Furtado. O Capitalismo Global. 1998, p.65).45 “a sua efetividade contraria setores política e economicamente poderosos. A Constituição só éconcretizada no que interessa a estes grupos privilegiados.”(Bercovici. Desigualdades Regionais, Estadoe Constituição. 2003, p. 312)

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5 EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO

O planejamento educacional de qualquer sociedade deve

responder às marcas e valores dessa sociedade, desenvolvendo a

consciência crítica do homem no contexto que ele possa intervir. Assim, a

democracia brasileira só será efetiva após um processo educacional que

prepare o povo para mudar a cultura paternalista e assistencialista,

suprimindo a inexperiência democrática do país.

A antidemocracia representada pela irresponsabilidade do

brasileiro, sem voz e sem ação.

As pessoas residentes no Brasil não chegam a constituir um povo,

mas sim uma grande massa. Entende-se por povo um conjunto de pessoas

ligadas por laços culturais e territoriais, que questionam e participam

conscientemente das escolhas e dos caminhos seguidos pela sua

comunidade. Entende-se por massa um agrupamento de pessoas carente

de vínculos ideológicos, um grupo sem identidade própria, que se move por

inércia reflexa das atividades de um agente exterior a sua vontade.

O Brasil ficará sempre à mercê de grupos controladores enquanto

a massa não adquirir consciência coletiva para tornar-se um povo. Fica

difícil falar de política, ética e moral em um país criado e manipulado para

servir interesses externos. Essa mudança messiânica, de fora pra dentro

nunca vai ocorrer. É necessário que a população brasileira se emancipe

46 Cf. Bittar. O Direto na Pós- Modernidade, 2005, p. 181.

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através de um sistema educacional como o desenvolvido por Paulo Freire

para que o país comece a ter uma identidade própria. 47

A história do Brasil demonstra a urgência dessa conscientização

das massas, pois somente um povo educado e preparado para ser livre

pode alcançar efetivamente as conquistas apresentadas pela democracia.

A educação como prática de liberdade prega uma educação para

a decisão, para a responsabilidade social e política. Diferente dos moldes

educacionais atuais que buscam apenas a qualificação da mão de obra

através de conteúdos puramente técnicos. 48 Dessa forma, a educação deve

implicar num trabalho com o povo e nunca sobre o povo.

As elites acostumadas aos privilégios nunca se interessaram na

educação como alavanca para o progresso. A questão se apresenta da

seguinte forma, as classes populares sempre foram domesticadas ao gosto

das classes dominantes, como não é mais possível contar com a

dominação física, torna-se indispensável manipulá-las de modo que não

extrapolem certos limites e continuem a atender aos interesses da classe

dominante.

Uma demonstração clara da opressão fantasiada de democracia

está na questão do voto. Anteriormente somente para os alfabetizados,

como a maioria da população brasileira era analfabeta o poder estava

concentrado nas mãos de poucos. Após a lei estender o voto a toda

população, a manipulação das massas através do marketing, jingles, e

47 “O que se precisa afirmar e até reforçar, porém, é que o povo não passa de um estágio para o outro, semcompromissos ou disposições mentais.” (Freire. Educação e Atualidade Brasileira. 3ª Edição, p.71).

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outros artifícios, permitiu a classe dominante continuar isolada no comando

dos rumos do país, pois a falta de educação para a liberdade impede o voto

consciente. 49

O homem de hoje deixou de ser sujeito para ser objeto, dominado

pela força dos mitos e da publicidade, renuncia a sua capacidade de decidir.

E quando julga e questiona, cai no anonimato nivelador da massificação.

Dessa forma, o homem questionador, que no passado sofria coação estatal,

hoje é diluído junto à massa, impossibilitado da convivência autêntica, perde

sua fé e desiste de sua luta. 50

Quando uma classe popular vislumbra o jogo político das elites e

tende a agir, é suprimida e domesticada por meio de uma solução

paternalista, que atende a interesses momentâneos sem excluir a relação

de dependência entre eles.

As preocupações da massa não ultrapassam as questões

biológicas, o homem não consegue estabelecer um vínculo com sua

existência, tem um plano de vida quase vegetativo, já que sua consciência é

regulada pelos meios de manipulação da massa. 51

Não há de se falar de ética quando não existe opção, o

comportamento ético tem como condição a escolha entre dois caminhos, a

48 Cf. Freire, Paulo. Educação e Atualidade Brasileira. 3ª Edição, p.20.49 “E ai está todo o problema pois do ponto de vista desta pedagogia da liberdade, preparar a democracianão pode significar apenas preparar para a conversão do analfabeto em eleitor, isto é, para uma opçãolimitada pelas alternativas estabelecidas por um esquema preexistente. Se esta educação só é possívelenquanto compromete o educando como homem concreto, ao mesmo tempo o prepara para a crítica dasalternativas apresentadas pelas elites e da-lhe a possibilidade de escolher seu próprio caminho” (Freie.Educação como prática da liberdade.29º ed. p.30).50 “Daí a crítica permanentemente presente em mim à malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologiafatalista e sua recusa inflexível ao sonho de utopia.” (Freire. Pedagogia da autonomia. 34º ed, p.14).

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partir do momento que a capacidade de discernimento foi retirada do

homem, a ética também esvaece. 52 O homem segue uma direção como se

esta fosse opção sua, porém sem perceber é conduzido, e ajuda a construir

os alicerces da sua própria dominação, quem antes era um espectador sem

compromisso passou a ser um participe ingênuo.

O movimento histórico brasileiro demonstra a falta de

experiências democráticas em seu curso. O paternalismo gerado pela

exploração econômica da colônia impossibilitava o diálogo entre a massa

produtora e os comandantes, tudo vinha de cima para baixo, através de

uma hierarquia que produzia na sua parte inferior uma classe de mudos.

Mesmo quando boas atitudes eram tomadas, elas vinham como

uma graça cedida pelo Senhor, e nunca como um direito, ou uma conquista

popular, o Brasil oscilou entre o poder dos Senhores e do Governo Geral.

Esses benefícios cedidos à massa brasileira, constituem a base

do assistencialismo, que deforma e domestica o homem, que se torna cada

vez mais inapto a resolver seus próprios problemas, e acaba se sujeitando a

realidade para usufruir de tais benefícios. 53

Qualquer ação que pretenda conservar o brasileiro de braços

cruzados, como um espectador do processo histórico nacional, compromete

o desenvolvimento democrático do país.

51 Cf. Freire. Paulo. Educação como prática da liberdade. Paz e Terra. Ed.29. P.67.52 “Se sou puro produto da determinação genética ou cultural ou de classe, sou irresponsável pelo quefaço no mover-me no mundo e se careço de responsabilidade não posso falar em ética.” (Freire.Pedagogia da autonomia. 34ºed.P.19)53 “O assistencialismo, ao contrário, é uma forma de ação que rouba ao homem condições à consecuçãode uma das necessidades fundamentais da alma humana – a responsabilidade.” (Freire. Educação eAtualidade Brasileira. 3ºed. P.16)

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Essa ausência de relação política entre as diferentes classes,

favoreceu a preponderância de interesses particulares sobre o público.

Tudo girava em volta do poder exacerbado, assim pessoas almejam

aproximar-se dos poderosos ao invés de buscar direitos. Essa aproximação

é motivada pela máxima “aos amigos tudo – aos inimigos a lei.”

Assim, a sociedade brasileira não caminhou rumo à democracia, o

sistema democrático foi implantado de fora para dentro, o que impossibilitou

a eficácia desse sistema. Dessa forma, o Brasil é uma sociedade

formalmente democrática, que ainda vive a mercê de interesses externos

das elites sábias sobre a massa ignorante.

A sociedade não estava e ainda não está preparada para viver

nos moldes democráticos. Pois um regime democrático só pode ser

construído pelo povo, é impossível fazer a democracia sem o povo, o que

aconteceu no Brasil, foi que o povo assistiu à Proclamação da República

Democrática. 54

Não estava preparada, pois não existe uma consciência popular

democrática, e sim uma massa acostumada ao messianismo, que ao invés

de traçar os próprios caminhos por meio de uma consciência coletiva,

caminha cada vez mais rumo ao individualismo, como se não fizesse parte

de um todo, as pessoas esperam que as melhorias públicas sejam dadas

por um messias.

54 Cf. Freire. Paulo. Educação como prática da liberdade. Paz e Terra. Ed.29. P.87.

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Portanto, deve-se equiparar a população brasileira as conquistas

jurídicas formalmente consagradas na lei, através da emancipação pela

educação.

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6 BALANÇO CRÍTICO REFLEXIVO

O surgimento do Brasil para o cenário mundial foi vinculado as

necessidades européias de expansão econômica do século XV. Os

portugueses restringiram a colonização brasileira a uma mera exploração

econômica, não se importando com os reflexos sociais, que estavam

totalmente subordinados a acontecimentos financeiros.

Esses reflexos, carentes de base humanista, deram origem a

grande parte da cultura nacional. 55

O processo de ocupação territorial das capitanias hereditárias

revestiu os capitães com o papel de reis, absolutos em seus territórios, suas

vontades eram sinônimos do direito, característica centralizadora e

verticalizadora, presente até os dias atuais.

A comunicação entre comandantes e comandados inexistia, a

suposição européia de superioridade cultural, misturada com a necessidade

de mão de obra gratuita, deram origem a escravidão e ao paternalismo.

A hierarquia e a desconsideração da massa trabalhadora como

grupo de pessoas capazes de direitos56, iam se solidificando através das

mudanças econômicas que o mercado externo impunha ao Brasil.

55 “estrutura hierárquica do espaço social que determina a forma de uma sociedade fortementeverticalizada em todos os seus aspectos: nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadascomo relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece.” (Chauí. Brasil, mito fundador esociedade autoritária, p. 89).56 “O outro jamais é reconhecido como sujeito nem como sujeito de direitos, jamais é reconhecido comosubjetividade nem como alteridade.” (Chauí. Brasil, mito fundador e sociedade autoritária, p. 89).

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Dessa forma, o Pau Brasil, o açúcar, o ouro, a borracha, e o café

entre outros, sempre foram explorados por meio de um modelo

centralizador, voltado aos interesses de mercado, em detrimento da massa

trabalhadora.

Nesses moldes a maioria da população brasileira viveu sem

pátria, distante e com receio das organizações estatais, sem o

reconhecimento da sua cultura. Do outro lado, o país formou-se sem povo,

já que país sempre esteve nas mãos das oligarquias e seus interesses

econômicos, gerando uma indiferença entre o público e o privado.

Assim cresceu o Brasil, das relações de subordinação entre os

portugueses e os índios, dos senhores de engenho e os escravos, dos

coronéis e seus comandados, dos industriais e os operários. Nota-se que

trocam os atores, porém sem mudar o enredo.

O enredo nunca mudou, pois o Brasil nunca passou por uma

revolução popular, os movimentos populares nacionais foram sempre

reprimidos, com violência para a massa e com a compra dos líderes, a

massa nacional nunca formou um corpo com solidez suficiente para romper

com essa cultura de parasitas e hospedeiros.

A cultura implantada impossibilita essa mudança, pois a maioria

das pessoas busca chegar ao poder para usufruir dos benefícios que ele

oferece, e não para lutar por direitos ou mudanças, logo são facilmente

compráveis, portanto para que o poder possa vir de baixo para cima, o

modelo preexistente não pode ser copiado por quem toma o poder.

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A relação paternalista e assistencialista são partes de um modelo

de dominação, onde os dominados não fazem por merecer conquistas,

vivem na inércia, sendo manipulados, e recebendo “favores” da classe

dominante, que por sua vez, se mantém no poder domesticando a massa

de acordo com seus interesses.

Assim, a massa brasileira, inerte, desconexa, e sem identidade,

espera, em vão, a vinda de um Messias, enraizado na cultura senhoril de

hierarquia, para resolver todos os problemas da nação de cima para baixo.

57

Outra conseqüência reflexa da formação de um país voltado a

atender interesses econômicos externos é a falta de soberania. O Brasil já

foi comandado por interesses portugueses no período da colônia, a

“independência” foi conseqüência de uma série de acontecimentos

europeus ligados a revolução industrial inglesa e a França de Napoleão.

Desse modo a proclamação da república foi conseqüência das pressões

inglesas que determinaram o fim da escravidão no país. No período pós-

guerra marcado pela guerra fria, a ditadura brasileira foi financiada pelos

Estados Unidos para que o país atendesse aos interesses políticos do bloco

capitalista. Assim, com a globalização, e a superação das multinacionais

que se tornaram empresas meta estatais, o Brasil vive a mercê do jogo

econômico de investidores que romperam as barreiras nacionais.

57 “pois sempre me impressionou a conjunção de um povo tão achatado junto a um sistema de relaçõespessoais tão preocupado com personalidades e sentimentos; uma multidão tão sem rosto e sem voz, juntoa uma elite tão rouca de gritar por suas prerrogativas e direitos; uma intelectualidade tão preocupada como coração do Brasil e, no entanto, tão voltada para o último livro francês; uma criadagem que passa tãodespercebida e patrões tão egocêntricos; uma sociedade, enfim, tão rica em leis e decretos racionais, masque espera pelo seu D. Sebastião, o velho e ibérico pai de todos os renunciadores e messias.” (Matta.Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro, p. 17).

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CONCLUSÕES

O caminho da evolução histórica do direito no Brasil pode ser

dividido em duas faces. A primeira demonstra que as leis evoluíram em

favor da justiça, assim como a extinção da escravidão, a separação dos

poderes do Estado, a igualdade entre os sexos, religião, raça, liberdade de

imprensa, de ir e vir, voto universal, entre outros.

A segunda demonstra que todos esses avanços não ocorreram

pelo desenvolvimento moral do ser humano, e sim pela necessidade

econômica das classes dominantes em demonstrar defeitos numa

ordenação vigente para derrubar o sistema, assim, uma nova ordem seria

instaurada no Brasil, e passaria a oprimir tanto quanto a anterior,

distanciando-se da sua carga moral.

Dessa forma a evolução é apenas aparente, já que a lei não

possui eficácia, e a massa brasileira não consegue fazer uso dos benefícios

legais, permanecendo no satatus quo. Dessa forma, resta um espaço a ser

preenchido entre a lei e o povo.

O trabalho procurou elucidar o processo de elaboração das leis, o

universo paralelo inacessível a maioria da população. Deixando claro que o

universo cultural brasileiro deve ser estudado, pois é nesse espaço que se

consolidam os costumes, e o direito como fenômeno cultural deve nutrir-se

dos anseios sociais.

A aproximação entre a massa e a lei deve ser feita em dois

passos. Primeiro como já foi dito, desenvolvendo o ordenamento jurídico de

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acordo com a cultura nacional. Segundo, transformando a massa brasileira

em um povo, capaz de legitimar o sistema democrático.

O presente estudo buscou trazer uma contribuição para a história

da cultura jurídica brasileira, tornando relativos alguns pontos absolutos da

história jurídica nacional, questionando a importação de ordenamentos

provenientes de revoluções estranhas ao cotidiano brasileiro.

Por fim, demonstra-se que essa importação jurídica serviu aos

interesses das elites econômicas, que sempre fizeram uso dessas

ordenações alienígenas com o intuito patrimonial, relegando aos brasileiros

um papel secundário na história nacional.

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