Dissertação Pixinguinha e Dino Sete Cordas

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS

    ESCOLA DE MSICA E ARTES CNICAS

    JOS REIS DE GEUS

    PIXINGUINHA E DINO SETE CORDAS:

    REFLEXES SOBRE A IMPROVISAO NO CHORO

    Goinia

    2009

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    PIXINGUINHA E DINO SETE CORDAS:REFLEXES SOBRE A IMPROVISAO NO CHORO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao Strictu-Sensu da Escola de Msica e Artes

    Cnicas da Universidade Federal de Gois, para a

    obteno do ttulo de Mestre em Msica.rea de Concentrao: Msica e Culturas

    Orientadora: Prof. Dra. Adriana Fernandes

    Goinia

    2009

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    Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)

    (GPT/BC/UFG)

    Geus, Jos Reis de.G395p Pixinguinha e Dino Sete Cordas [manuscrito]: reflexes sobre

    a improvisao no choro / Jos Reis de Geus. 2009.162 f.

    Orientadora: Profa. Dra. Adriana Fernandes.

    Dissertao (Mestrado)Universidade Federal de Gois,Escola

    de Msica e Artes Cnicas, 2009..

    Bibliografia: f. 156-161.

    Anexos.

    1. ChoroMsica 2. ChoroImprovisao I. Fernandes,Adriana II. Pixinguinha III. Dino Sete Cordas IV. UniversidadeFederal de Gois, Escola de Msica e Artes Cnicas V. Ttulo.

    CDU: 78 (81)

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    JOS REIS DE GEUS

    PIXINGUINHA E DINO SETE CORDAS:

    REFLEXES SOBRE A IMPROVISAO NO CHORO

    Dissertao defendida no Curso de Mestrado em Msica da Escola de Msica e

    Artes Cnicas da Universidade Federal de Gois, para a obteno do grau de Mestre, pelaBanca Examinadora constituda pelos seguintes professores:

    __________________________________________________

    Profa. Dra. Adriana Fernandes

    Presidente da Banca

    __________________________________________________

    Prof. Dr. Estrcio Marques Cunha

    __________________________________________________

    Prof. Dr. Alberto T. Ikeda

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    Dedico este trabalho toda a minha famlia, especialmente

    aos meus pais Arthur de Geus e Edna Maria Reis de Geus, que desde

    os tempos de minha infncia deram-me a fora, o incentivo e a

    orientao necessria para minha realizao pessoal e profissional na

    rea da msica.

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    AGRADECIMENTOS

    Aos professores da graduao e da ps-graduao, especialmente minha

    orientadora, prof

    a

    . Dr

    a

    . Adriana Fernandes, pelos valiosos conselhos e pelo direcionamentodesta pesquisa, levando-me ao estudo de dois novos instrumentos, cavaquinho e pandeiro.

    Profa. Dra. Maria Helena Jayme Borges e ao Prof. Dr. Estrcio Marques Cunha,

    pelas valiosas sugestes durante a qualificao.

    Ao Prof. Dr. Alberto T. Ikeda que aceitou o convite em fazer parte da banca de

    defesa desta dissertao.

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    Se voc tem quinze volumes para falar de toda a msica popular

    brasileira, fique certo de que pouco. Mas se dispe do espao de

    apenas uma palavra, nem tudo est perdido, escreva depressa:

    'Pixinguinha'.

    Ary Vasconcelos

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    RESUMO

    O choro consiste em um movimento de expresso musical da cultura popular

    carioca nascido ao final do sculo XIX, constituindo-se a partir de um processo gradativo de

    abrasileiramento de gneros europeus executados de uma forma sincopada, destinados

    prtica da dana. Consolida-se enquanto gnero musical a partir das primeiras dcadas do

    sculo XX, tendo ampla veiculao durante a chamada Era do Rdio (1930-1945) atravs de

    uma formao instrumental que ficou conhecida como conjunto regional. Dentre os principais

    conjuntos da poca destaca-se o Regional de Benedito Lacerada, atravs da atuao de dois de

    seus integrantes, Pixinguinha e Dino Sete Cordas, que constituem o foco deste trabalho.

    Atravs da transcrio e anlise das gravaes executadas pelo Regional de

    Benedito Lacerda contidas no lbum Benedicto Lacerda e Pixinguinha (lanado em 1966

    contendo gravaes realizadas no perodo de 1946-1951), busca-se contextualizar a

    improvisao de Pixinguinha enquanto saxofonista. A influncia de seu estilo interpretativo

    na performance violonstica de Dino Sete Cordas pode ser constatada atravs das gravaes

    junto ao Regional do Canhoto, contidas no lbum intitulado Choros Imortais (1964), tendocomo solista o flautista Altamiro Carrilho, acompanhado pelo Regional do Canhoto.

    Constata-se em Pixinguinha um processo de improvisao fundamentado em uma

    prtica pr-concebida, possivelmente em funo das condies dos recursos tecnolgicos dos

    estdios da poca. Devido entre outros fatores ao contato com Pixinguinha, Dino Sete Cordas

    consolidou ao longo de sua carreira um estilo interpretativo prprio, criando uma escola

    emprica baseada inicialmente na audio e imitao deste material fonogrfico, que foi

    determinante tanto para a formao de novos instrumentistas como para o processo desistematizao do estudo do violo de sete cordas.

    Palavras-chave:Choro; Improvisao; Pixinguinha; Dino Sete Cordas.

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    ABSTRACT

    Choroconsists of a musical movement expressing the popular culture of Rio de

    Janeiro city, originated around 1870, connected with a gradual process of brazilianization

    that is, an interpretation style of playing European genres with large use of syncope, played

    for dance. Choro turned into a musical genre on the first decades of the 20 th century, until the

    Radio Era (here understood as the 1930-45 period), based on an instrumental formation called

    conjunto regional. Among many groups, there was the Regional de Benedito Lacerda

    (Lacerdas Group), which had as its integrants, Pixinguinha and Dino Sete Cordas, the focus

    of this work.

    Through the transcription and analysis of the recordings played by Lacerdas

    Group in the album entitled Benedicto Lacerda e Pixinguinha (released in 1966 with

    recordings made between 1946-1951) it was possible to verify the melodic lines and

    performance style of Pixinguinhas saxophone and his influence on the seven-string-guitar

    player Dino Sete Cordas in the album entitled Choros Imortais (1964), recorded by

    Altamiro Carrilho with Regional do Canhoto (Canhotos Group). Pixinguinhas performanceon the recordings was based on pre-established improvisations possibly due to recording

    limitations. Dino Sete Cordas was very close to Pixinguinha and also had him as a model.

    Because of this contact, among other factors, Dino Sete Cordas came up with a characteristic

    interpretation style, and individual performance concept and a performance school which

    influenced countless musicians and contributed for a systematization of seven-strings-guitars

    study.

    Keywords:Choro; Improvisation; Pixinguinha; Dino Sete Cordas.

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    SUMRIO

    AGRADECIMENTOS ............................................................. ........................................................... .................. 7

    RESUMO ............................................................................................................................................................... 9

    ABSTRACT ......................................................................................................................................................... 10

    SUMRIO ............................................................ ............................................................. ................................... 11

    INTRODUO ................................................................................................................................................... 13

    CAPITULO 1 - O CHORO: SUA HISTRIA E SUAS PERSONALIDADES ............................................. 17

    1.1DOS CONJUNTOS DE PAU E CORDAAOS REGIONAIS..................................................... ........................... 171.2-AINDSTRIA FONOGRFICA E A MANUTENO DE UM GNERO................................................................ 24

    1.3OREGIONAL DE BENEDITO LACERDA,PIXINGUINHA E DINO SETE CORDAS:UM GRANDE ENCONTRO... 28

    1.3.1Benedito Lacerda .......................................................................................... ................................... 29

    1.3.2Pixinguinha ........................................................................................................... ........................... 35

    1.3.3 - Dino Sete Cordas ............................................................ ............................................................. ..... 39

    CAPTULO 2 - DA TEORIA PRTICA: IMPROVISO NO CHORO E ANLISE DE SUA PRTICA

    ............................................................ ........................................................... ........................................................ 43

    2.1IMPROVISAO:CONCEITOS E DEFINIES............................................................................................... 432.2ORALIDADE E INFORMALIDADE................................................................................................................ 45

    2.3OCONTRACANTO DE PIXINGUINHA.............................................................. ............................................. 50

    2.4CONSIDERAES PRELIMINARES SOBRE AS ANLISES.................................................... ........................... 54

    2.4.1Cdigos das tabelas e legendas ............................................................................. ........................... 56

    2.5AIMPROVISAO NA PRTICA DE PIXINGUINHA............................................................... ........................ 62

    CAPTULO 3ANLISES ............................................................................................................... ................ 66

    3.1ANLISE DOS CONTRACANTOS DE PIXINGUINHA...................................................................................... 66

    3.1.1Atraente (Chiquinha Gonzaga) ........................................................................................................ 66

    3.1.2Transcrio de Atraente (Chiquinha Gonzaga) ..................................................... ........................... 76

    3.1.3Vou Vivendo (Pixinguinha e Benedito Lacerda) ............................................................................. 79

    3.1.4Transcrio de Vou Vivendo (Pixinguinha e Benedito Lacerda) ..................................................... 89

    3.1.5Naquele Tempo (Pixinguinha e Benedito Lacerda) ......................................................................... 92

    3.1.6Transcrio de Naquele Tempo (Pixinguinha e Benedito Lacerda) ............................................... 101

    3.1.7Sofres Porque Queres (Pixinguinha e Benedito Lacerda) .............................................................. 104

    3.1.8Transcrio de Sofres Porque Queres (Pixinguinha e Benedito Lacerda) ...................................... 116

    3.2ANLISE DOS CONTRACANTOS DE DINO SETE CORDAS............................................................ .............. 1193.2.1Naquele Tempo (Pixinguinha e Benedito Lacerda) ....................................................................... 119

    3.2.2Transcrio de Naquele Tempo (Pixinguinha e Benedito Lacerda) ............................................... 127

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    3.2.3Sofres Porque Queres (Pixinguinha e Benedito Lacerda) .............................................................. 132

    3.2.4Transcrio de Sofres Porque Queres (Pixinguinha e Benedito Lacerda) ...................................... 143

    3.3PIXINGUINHA E DINO SETE CORDAS:CONHECIMENTOS EMPRESTADOS............................................... 147

    CONSIDERAES FINAIS ............................................................ ............................................................. ... 152REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................. ............................................................. ... 156

    REFERNCAS DISCOGRFICAS .......................................................... ...................................................... 159

    REFERNCIAS VIDEOGRFICAS ........................................................ ...................................................... 161

    ANEXO .............................................................................................................................................................. 162

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    INTRODUO

    Meu primeiro contato com o gnero choro ocorreu nos tempo de infncia, em

    meados da dcada de 1980, poca em que ainda residia na cidade de Ponta Grossa, interior do

    estado do Paran. Meu av materno tinha o costume regular de ouvir estilos de msica

    regional, especialmente valsas e choros, atravs de seu acervo domstico de fitas K-7 e LPs,

    alm de levar-me para assistir os ensaios da Banda Escola Lyra dos Campos, que na poca

    eram realizados no antigo coreto da Praa Baro do Rio Branco. No entanto, a oportunidadede participar da performance em rodas de choro s ocorreu dcadas mais tarde, a partir do ano

    de 2002, perodo em que j residia na cidade de Goinia e estava cursando o segundo ano de

    graduao em msica na Universidade Federal de Gois. Nessa ocasio, conheci o antigo

    Clube do Choro de Goinia, o qual tive a oportunidade de integrar na formao de alguns de

    seus grupos musicais como clarinetista e saxofonista, o que despertou-me o interesse pelo

    estudo e performance do gnero.

    No decorrer da graduao e da ps-graduao, busquei formao complementar

    atravs do estudo individual e da participao em cursos promovidos pelos festivais e oficinas

    de msica, ministrados por professores como Luiz Otvio Braga, Jayme Vignoli, Oscar

    Bolo, Joel Nascimento, Maurcio Carrilho, Nailor Proveta, Luciana Rabello, Bia Paes Leme,

    dentre outros. Por indicao de minha orientadora, iniciei o estudo de dois instrumentos

    complementares - cavaquinho e pandeiro - com o intuito de promover uma melhora do meu

    raciocnio harmnico-meldico, alm de proporcionar uma viso mais ampla de interpretao

    do gnero atravs de uma compreenso da relao entre o instrumento solista, base-harmnica

    e percusso.

    Durante dois anosatuei como professor substituto da Escola de Msica e Artes

    Cnicas da Universidade Federal, onde tive a oportunidade de coordenar uma das turmas da

    disciplina Prtica de MPB, focando na prtica de conjuntos de choro, contribuindo assim para

    a aplicao de uma metodologia de ensino com experincia nos cursos mencionados

    anteriormente.

    Desde o incio do curso de graduao em msica, adotei o choro como objeto

    particular de pesquisa, o que despertou-me a necessidade de uma aquisio gradativa de

    acervo bibliogrfico, fonogrfico e videogrfico atravs da busca em sebos, lojas

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    especializadas e downloadsna internet, o que possibilitou a aquisio de preciosidades que

    j se encontravam fora de catlogo. Dessa maneira, convm salientar que, alm das peas sob

    considerao e anlise utilizadas neste trabalho em especfico, houve a necessidade de um

    levantamento, anlise auditiva e at mesmo prtica de material fonogrfico onde se ressalta os

    lbuns de 78 rpm gravados pelo regional de Benedito Lacerda (referente ao perodo de 1946

    1950), as gravaes do Regional do Canhoto contidas nos lbuns Choros Imortais vol. 1 e 2,

    as gravaes do Conjunto poca de Ouro, os discos intitulados Cartola, dentre outros. Alm

    dos lbuns mencionados, buscaram-se outros ttulos lanados por gravadoras como a Acari,

    Biscoito Fino, alm de outras j extintas a exemplo da Casa Edison, Marcus Pereira, CID,

    Kuarup, dentre outras, que divulgam a obra composicional ou ainda contam com a

    participao direta dos artistas envolvidos nesta pesquisa: Benedito Lacerda, Pixinguinha, eDino Sete Cordas.

    Paralelo a minha formao acadmica, busquei vivenciar o choro no mbito

    prtico, participando ativamente como instrumentista da vida chorona de Goinia e regio.

    Como o passar do tempo, a convivncia com as rodas de choro induziu-me a reflexes que

    levaram ao estabelecimento de prticas ligadas otimizao do processo de refinamento da

    tcnica de execuo instrumental, memorizao, percepo auditiva, o que levou-me a prtica

    interpretativa de solar e acompanhar um repertrio atravs da percepo auditiva, ou seja, deouvido, fator decisivo que me ajudou a compreender o novo panorama musical no qual

    estava inserido, baseado na informalidade e no autodidatismo.

    Foram estas atividades que me levaram a desenvolver este trabalho no mbito da

    ps-graduao, abordando como foco de pesquisa a prtica da improvisao contrapontstica,

    estando estruturado da seguinte forma:

    O primeiro captulo faz uma breve abordagem histrica referente ao nascimento

    do choro enquanto movimento de expresso da cultura popular carioca tendo a prtica dadana como elemento social de integrao coletiva. Com o passar das dcadas, j no incio do

    sculo XX, inserido nas agremiaes musicais, de modo que a atuao de seus

    instrumentistas e compositores junto s bandas musicais contribuiu de maneira decisiva para a

    difuso e popularizao do seu repertrio. Alm disso, tambm ficaram registradas as

    caractersticas sonoras e interpretativas de uma poca, podendo ser observadas atravs das

    gravaes mecnicas do incio do sculo XX contidas no Memorial da Casa Edison

    (FRANCESCHI, 2002).

    No entanto, somente a partir da Era do Rdio (aqui entendida como o perodo

    compreendido entre 1930-1945) que houve a ascenso e popularizao dos chamados

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    conjuntos regionais, uma formao instrumental relativamente barata se comparada s

    orquestras de rdio, destinada a dar suporte de acompanhamento tanto para os programas de

    calouros como para os cantores convidados. Dentre os grupos de renome existentes na poca

    destaca-se o Regional de Benedito Lacerda considerando-se no s a qualidade musical do

    seu trabalho como tambm as consequncias provenientes do encontro entre dois de seus

    integrantes, Pixinguinha e Dino Sete Cordas.

    O segundo captulo discute questes referentes prtica da improvisao

    contrapontstica e sua contextualizao no mbito do choro, ressaltando suas caractersticas

    estilsticas referentes informalidade e oralidade, presentes desde as primeiras dcadas da

    formao do gnero. Dessa maneira, discutem-se as limitaes provenientes na msica

    escrita, ressaltando-se a importncia dos arquivos de udio e vdeo no processo de registro daperformance, sendo fundamentado atravs do conceito de mtrica derramada de Martha

    Ulha (1999).

    O terceiro captulo faz a anlise de seis gravaes, sendo quatro delas contidas no

    lbum intitulado Benedicto Lacerda e Pixinguinha (lanado em 1966 contendo gravaes

    realizadas entre 1946-1951), onde os procedimentos de Pixinguinha so analisados nas peas:

    Atraente (Chiquinha Gonzaga), Vou Vivendo (Pixinguinha e Benedito Lacerda),

    Naquele Tempo (Pixinguinha e Benedito Lacerda) e Sofres Porque Queres (Pixinguinha eBenedito Lacerda). As outras duas gravaes esto contidas no lbum Choros Imortais, do

    flautista Altamiro Carrilho acompanhado pelo Regional do Canhoto (1964), sendo analisadas

    a fim de observar os procedimentos de Dino Sete Cordas durante a interpretao das duas

    ltimas peas mencionadas. A repetio das pecas Naquele Tempo e Sofres porque

    Queres foi proposital para propiciar a comparao necessria a fim de atingir um dos

    objetivos do trabalho que a influncia de Pixinguinha sobre Dino Sete Cordas. Neste

    captulo ressaltam-se as caractersticas marcantes da improvisao de Pixinguinha, bem comoas influncias assimiladas por Dino Sete Cordas, de importncia decisiva para a busca e

    consolidao de um estilo prprio de interpretao violonstica.

    Na ltima parte do trabalho, fao as consideraes finais sobre as anlises

    sumarizando os procedimentos dos dois msicos e a sua relao com os conceitos de

    improvisao, arranjo, oralidade, informalidade e mtrica derramada vistos durante o segundo

    captulo.

    Encontra-se em anexo ao final desta dissertao um CD contendo os encartes dos

    lbuns Benedicto Lacerda e Pixinguinha e Choros Imortais e os arquivos de udio

    analisados no decorrer deste trabalho.

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    Espera-se com o trabalho contribuir para os estudos da msica popular brasileira,

    especificamente do gnero choro atrelado tradio oral, partindo do ponto de vista de um

    insider, msico que, inserido na sua performance, dispe-se a refletir e sistematizar a

    prtica do contracanto dentro dos moldes acadmicos, instigando questionamentos que

    venham a sugerir o desenvolvimento de temticas e pesquisas futuras sobre o assunto.

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    CAPITULO 1 - O CHORO: SUA HISTRIA E SUAS PERSONALIDADES

    1.1Dos conjuntos de pau e corda aos regionais

    O nascimento do choro como movimento de expresso da cultura popular carioca

    ocorreu a partir do final do sculo XIX, simultaneamente formao e ascenso de uma

    classe mdia constituda em sua maioria por funcionrios pblicos, moradores dos Bairros da

    Cidade Nova. Napolitano (2005) afirma que o nascimento da msica popular est diretamente

    ligado ao processo de urbanizao e consolidao de uma nova estrutura econmica, produtodo capitalismo monopolista, havendo a necessidade da disseminao de gneros musicais que

    viessem a satisfazer tanto o interesse cultural como principalmente o lazer urbano, tendo a

    prtica da dana como importante elemento social de integrao coletiva (p. 13).

    Dentro desse contexto, a reforma sanitria executada no Rio de Janeiro contribuiu

    para a diviso da cidade em trs grandes reas: Centro, Bairros da Sade e Cidade Nova,

    havendo nesse processo uma separao hierrquica entre seus habitantes, tendo como

    consequncia o surgimento de uma classe mdia representada pelos moradores da CidadeNova. Tinhoro (1986) descreve um panorama desta regio afirmando:

    O Bairro da Cidade Nova, situado na Parquia de Santana, era, pelo recenseamentode 1872, o mais populoso da cidade, com seus vinte e seis mil quinhentos e noventae dois habitantes, e revelava uma particularidade: vinte e dois mil novecentos e trintae um desses habitantes, a quase totalidade, se declarava fluminense, o que explicavamuita coisa. Com a decadncia do caf no Vale do Paraba, isso queria dizer que oexcedente de mo-de-obra era atrado pelo centro urbano mais importante, que era o

    da corte, e sua cidade correspondia o perodo de formao de uma cidade nova,pobre e fedorenta, nascida dos mangais. E tanto isso era verdade que, nessapopulao, nada menos de trs mil oitocentos e trinta e seis pessoas eram de corpreta, sendo mil quatrocentos e quarenta africanos livres e mil novecentos e trinta eseis ainda escravos, empregados por seus senhores em serrarias, em construes ouem fundio de metais.A mestiagem logo se estabeleceu nesse ncleo de populao urbana pobre.Tambm pudera ser claramente explicada pelos dados colhidos nesse primeiro sensonacional de 1872: na rea da Cidade Nova havia oito mil e dez portugueses o queindicava a presena de imigrantes recentes, levados logicamente a morar ao lado dosnegros pela comodidade dos aluguis. A promiscuidade que da resultaria ia explicarem pouco mais de vinte anos o aparecimento de uma rea no Rio de Janeiro

    perfeitamente diferenciada e portadora de caractersticas de comportamento social e

    de cultura prprias, entre as quais se inclua um gnero de msica de dana em tudoe por todo original. (TINHORO, 1986, p. 62)

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    Nota-se que o processo gradativo de ocupao dessa regio foi consolidado

    atravs do intercmbio cultural entre seus moradores de etnia negra, branca e tambm mestia

    (pois j tnhamos alguns sculos de colonizao), possibilitando a partir da segunda metade

    do sculo XIX a difuso de gneros musicais tais como a polca, o schottisch, a mazurca e a

    habanera. Esses gneros, inicialmente veiculados no mbito cultural da classe dominante,

    passaram a ser difundidos entre os bailes das camadas populares, vindo a proporcionar a

    formao do choro e posteriormente do maxixe, de forma que:

    A crioulizao ou mestiamento dos costumes tornou menos ostensivos os batuques,obrigando os negros a novas tticas de preservao e continuidade de suasmanifestaes culturais. Os batuques modificavam-se, ora para se incorporar sfestas populares de origem branca, ora para se adaptarem a vida urbana. As msicase danas africanas transformavam-se, perdendo alguns elementos e adquirindooutros, em funo do ambiente social. Deste modo, desde a segunda metade dosculo XIX, comearam a aparecer no Rio de Janeiro, sede da Corte Imperial, ostraos de uma msica urbana brasileira a modinha, o maxixe, o lundu, o samba.Apesar de suas caractersticas mestias (misto de influncias africanas e europias),essa msica fermentava-se fundamentalmente do seio da populao negra,especialmente depois da abolio, quando os negros passaram a buscar novos modosde comunicao adaptveis a um quadro urbano hostil. (SODR, 1998, p. 13)

    Inicialmente considerado como uma prtica interpretativa, o choro tem sua origem

    fundamentada na apropriao de instrumentos musicais provenientes da colonizao

    portuguesa a exemplo do violo, do cavaquinho e do bandolim onde, a partir do

    compartilhamento dessas prticas, passam a ser usados na execuo de acompanhamento

    instrumental voltado para a dana, gerando um intercmbio onde:

    O ritmo da dana acrescenta o espao ao tempo, buscando em consequnciasimetrias s quais no se sente obrigada a forma musical no Ocidente. A culturanegra, entretanto, a interdependncia da msica com a dana afeta as estruturasformais de uma e de outra, de tal maneira que a forma musical pode ser elaboradaem funo de determinados movimentos de dana, assim como a dana pode ser

    concebida como uma dimenso visual da forma musical. (Ibidem, p. 22)

    Esse intercmbio cultural proporcionou o surgimento de uma nova expresso

    musical tipicamente urbana, atravs da sntese de um repertrio definido no apenas pelo

    termo choro, mas sim pela expresso msicas de choro, abrangendo uma gama de

    gneros europeus a exemplo da polca, schottisch, mazurca, habanera, valsa, dentre outros,

    que, recebendo influncia direta do lundu e do batuque, passaram a ser interpretados atravs

    de uma forma caracterstica, mais flexvel. Sua disseminao foi garantida atravs da atuao

    dos grupos instrumentais inicialmente chamados de conjuntos de pau e corda, recebendo

    esse nome em funo da juno da flauta de bano com instrumentos de cordas pinadas, a

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    exemplo do cavaquinho e do violo, tendo como precursor o flautista Joaquim Antnio

    Callado (1848-1880) e seu grupo chamado Choro Carioca. Deste dilogo entre dana,

    lundu, flauta de bano e cordas pinadas surge o maxixe, sendo definido por Tinhoro (1986)

    como resultado do esforo dos msicos de choro em adaptar o ritmo das msicas tendncia

    aos volteios e requebrados de corpo em que os mestios, negros, brancos do povo teimavam

    em complicar os passos da dana de salo (p. 58):

    Quando esses conjuntos de choro eram chamados a tocar em casas de famliarespeitveis (embora modestas), as polcas, valsas e mazurcas, ainda soavam comuma certa conteno, muito prxima da execuo que tinham vista das partituras,nos sales onde se imperavam os pianos. Se, porm, o mesmo grupo tocava em

    bailes de algum clube popular ou em casas de porta e janela de gente mais

    heterognea da Cidade Nova (o bairro carioca surgido aps o aterramento dosantigos alagadios, vizinhos do Canal do Mangue, por volta de 1860), a ainterpretao tinha que ser diferente. (TINHORO, 1986, p. 61)

    Atravs da definio de uma formao instrumental caracterstica e da

    disseminao de um repertrio abrangendo diferentes gneros de msica afro-brasileira e

    europia citados anteriormente, proporcionou-se um intercmbio cultural de carter hbrido,

    dando margem a vrias hipteses que tentam explicar a origem da palavra choro como

    expresso utilizada para designar um gnero musical, sendo algumas delas apresentadas por

    Ari Vasconcellos (1984):

    A origem da palavra choro, nesta acepo musical, controvertida. Lus da CmaraCascudo divulga a verso de Jacques Raimundo, exposta em O Negro Brasileiroesegundo a qual os nossos negros faziam em certos dias como So Joo, ou porocasio das fazendas, os seus bailes, que chamavam de xolo, expresso que, por

    confuso com a parnima portuguesa, passou a ser xoro e, chegando a cidade, foi

    grafada com ch. Jos Ramos Tinhoro em Pequena Histria da Msica PopularBrasileira da Modinha a Cano de Protesto defende outra verso, a de LcioRangel. Escreve Tinhoro: de compreender-se que, com o correr do tempo, arepetio dessas passagens acabasse fixando determinados esquemas modulatrios,

    por se verificarem sempre nos tons mais graves do violo, acabariam se estruturandosobre o nome genrico de baixaria. Pois seriam esses esquemas modulatrios,

    partindo do bordo para decarem quase sempre rolando pelos sons graves, em tomplangente, os responsveis pela impresso de melancolia que acabaria conferindo onome de choro a tal maneira de tocar, e a designao de chores aos msicos de taisconjuntos, por extenso. Essa filiao de choro (estilo, gnero musical) a de choro(melancolia) sedutora, mas no me soa correta. Quer me parecer, antes, que adesignao deriva de choromeleiros, corporao de msicos importante do perodocolonial brasileiro. Os choromeleiros no executavam apenas a charamela, masoutros importantes instrumentos de sopro. Para o povo, naturalmente qualquerconjunto instrumental deveria ser sempre apontado como choromeleiros, expressoque, por simplificao, acabou sendo encurtada para os choros. (VASCONCELOS,1984, p. 8)

    Barbosa e Oliveira Filho (2000) mencionam ainda outra hiptese onde:

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    O maestro Baptista Siqueira admite ainda a existncia de uma coliso cultural entrechoro, de chorar, e chorus, igual a coro em latim. A convergncia cultural ocorrera

    por um equvoco prosdico gerando a galhofa. Com efeito, no catlogo da antigaCasa Edison, no ano de 1920, distribudo como resumo das atividades de mais deuma dcada, vem com a palavra choro relativa aos chores e chorus a pequenos

    conjuntos que ali gravavam no incio do sculo. Est a a comprovao documentalda coliso cultural (BARBOSA; OLIVEIRA FILHO, 2000, p. 8)

    Diante desse contexto, conclui-se que o significado do termo choro encontra-se

    em um primeiro momento vinculado aos conjuntos instrumentais de pau e corda,

    caractersticos deste perodo da msica popular, passando a designar o repertrio abrangendo

    os gneros executados por esses grupos ou ainda, referindo-se aos bailes e festas populares.

    Somente durante as primeiras dcadas do sculo XX que essa expresso passa a designar

    um gnero musical, principalmente atravs da atuao de Pixinguinha. Suas atividadesenquanto msico, compositor, arranjador e orquestrador, contriburam para a ascenso do

    gnero no mbito da indstria fonogrfica, cujas gravaes vieram reafirmar as caractersticas

    estilsticas referentes padronizao de procedimentos composicionais, estruturao de

    forma, construo de esquemas harmnicos, instrumentao e diretrizes para prtica da

    improvisao em contracanto.

    Assim como o termo choro, a origem da palavra maxixe tambm se encontra

    atrelada s suas origens negras e mestias da Cidade Nova, possuindo vrias hipteses quetentam justificar sua origem e utilizao para designar um gnero musical praticado pelos

    conjuntos de pau e corda. Ary Vasconcelos (1984) apresenta uma hiptese afirmando que:

    Uma dessas suposies, valendo pelo simbolismo que lhe serve de base, a deque o fruto do maxixeiro (planta) sendo formado por muitas centenas, talvezmilhares de sementes agrupadas, ou, dizendo melhor, apinhadas em seu mago,assemelha-se aos bailes, realizados em pequenas salas, com muitos parescomprimindo-se em dana estabanada, rebolante, despreocupados da etiqueta enum agarramento anti-familiar, sugeriram a alcunha, a designao.

    (VASCONCELOS, 1984, p. 34-35)

    Tinhoro menciona o fato de que o nome maxixe, em funo de ser considerado

    como um termo pejorativo ligado imoralidade e a promiscuidade, no aparece na edio das

    partituras escritas para piano, sendo estas destinadas a um pblico mais restrito e seleto,

    oriundo das classes sociais mais favorecidas:

    Para comear, o prprio nome maxixe, devido sua origem popular de ltima

    categoria, estava, como se viu, de tal maneira ligado noo de coisa reles e imoral,que a sua indicao ostensiva implicava necessariamente no desagrado e no veto doscompradores de partituras para piano, que eram gente de classe mdia para cima.(TINHORO, 1986, p. 70)

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    Apesar da grande popularizao do piano entre as classes mais favorecidas e do

    consequente impulso no mercado de edio e comrcio de partituras, onde se destacam

    compositores como Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e Ernesto Nazareth (1863-1934), nota-se

    ainda uma grande aceitao dos pau e corda pois, se comparados ao piano, eram

    instrumentos que apresentavam custo bem mais acessvel, tendo ainda a grande vantagem de

    serem facilmente transportados entre uma festa e outra. De festa em festa, esses grupos

    desempenharam importante papel como disseminadores da polca no mbito das classes

    populares com o intuito de promover a animao dos encontros nas casas de famlia

    conhecidos como saraus, arranca-rabos ou forrobods (denominaes estas dependentes da

    classe social e do local de realizao das mesmas).

    No entanto, verifica-se nas composies de Chiquinha Gonzaga que o termomaxixe, para designar o gnero e/ou estilo da composio, aparece grafado. J no caso de

    Ernesto Nazareth, embora a composio tambm se assemelhe aos maxixes de Gonzaga, o

    termo que aparece grafado designando o gnero/estilo tango brasileiro. Mas o que

    importante para este trabalho nesta trajetria que os conjuntos de pau e corda flauta,

    cavaquinho e violo so os agentes que na performance, na prtica musical, vo fazer a

    passagem da polca para o maxixe e em seguida para o choro, passando a consolidar-se

    enquanto gnero musical a partir desta prtica.Um importante meio de profissionalizao dos msicos de choro foram as

    agremiaes musicais, destacando entre elas a Banda do Corpo de Bombeiros, importante no

    processo de divulgao de obras escritas por compositores da poca a exemplo de Anacleto de

    Medeiros (1866-1907), Albertino Pimentel (1874-1929), Irineu de Almeida (1890-1916),

    dentre outros. A Banda do Corpo de Bombeiros, sob a regncia do maestro Anacleto de

    Medeiros, foi a responsvel pela realizao das primeiras gravaes mecnicas junto a Casa

    Edison, primeira empresa fonogrfica brasileira. Cazes (1999) afirma que:

    A ponte que Anacleto realizou entre a cultura das bandas e a das rodas de choroenriqueceu enormemente ambas as manifestaes. Por um lado, a Banda do Corpode Bombeiros conseguiu um resultado nico em termos de coeso e musicalidade,

    por outro lado, a linguagem chorstica se propagou como em nenhum nicomomento.O significado da obra de Anacleto como compositor ficou muitas vezes ofuscado

    pela sua importncia como organizador de bandas e, apesar de admirao explcitade gente como Villa-Lobos e Carlos Gomes, muita coisa permanece indita emgravao.A fuso da linguagem das bandas com a msica dos chores sobreviveu nas obras de

    autores como Irineu de Almeida, Carramona e Lus de Souza. (CAZES, 1998, p. 32)

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    O livro Reminiscncias dos Chores Antigos escrito pelo carteiro Alexandre

    Gonalves Pinto, conhecido pelo apelido de Animal, apesar de conter informaes

    superficiais e seguir outras regras ortogrficas, consiste de um dos poucos registros sobre o

    panorama musical carioca do final do sculo XIX. Lendo as biografias sucintas dos msicos

    da poca, tem-se uma viso ntida dessa integrao entre as bandas musicais e o movimento

    do choro:

    Barata:Quem dos velhos chores, no conheceu este astro de especial grandeza.Tocava este genio, ophicleide posso quasi garantir que naquelle tempo ninguem oigualava. Era musico de primeira agua, tocava com grande facilidade qualquer parteque lhe dsse. Foi professor de grande valor. Ensinou musica a muitos, no s aquinesta Capital, como tambm nos Estados.

    Foi chamado para reger uma banda de musicos do estado do Rio, e para l indopouco durou, pois a morte o surprehendeu quando ao apogeu da gloria. Barata nos conhecia com profissiencia a msica, como tambem acompanhava o chro deouvido, da fazer extase, tala sua maestria no seu ophicleide. (PINTO, AlexandreGonalves, 1936, p. 134)

    Neves (1977) afirma que essa estreita relao foi determinante para gerar

    transformaes na performance e prtica do gnero choro, decorrentes da busca de novas

    possibilidades de instrumentao, antes restrita apenas formao de flauta, cavaquinho e

    violo.

    Muitos estudiosos localizam o apogeu do choro no fim do segundo imprio, citandocomo responsveis pela sua decadncia o aparecimento do gramofone e do rdio.Outros situam o incio do seu declnio uma dcada mais tarde, com a introduo deinstrumentos de sopro nos conjuntos de choro. Na verdade, a ampliao do conjunto

    pela assimilao de outros instrumentos parece ter sido antes positiva, ocasionandomaior riqueza de timbres e maiores possibilidades harmnicas. (NEVES, 1977, p.20)

    Nota-se que essa ampliao das possibilidades de instrumentao vai se

    consolidar de fato, a partir da Era do Rdio (1930-1945), ao mesmo tempo em que o perfil do

    msico de choro, inicialmente marcado pelo amadorismo e aliado ao exerccio da boemia

    musical itinerante, fosse gradativamente aperfeioado em consequncia da busca de uma

    profissionalizao. Houve tambm uma necessidade funcional, ligada execuo e veiculao

    de estilos variados de msica regional destacando dentre eles o maxixe, samba, baio, cco,

    embolada, dentre outros. Napolitano (2005) destaca que essas transformaes ocorreram

    devido a uma interao inter-classista, inter-racial e inter-regional proveniente do intenso

    processo de migrao interna de nordestinos ocorrido nas dcadas de 1930 e 1940, compostoem sua maioria por camponeses e retirantes em busca de melhores condies de vida (p. 40).

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    Alm disso, havia ainda a preocupao em buscar uma formao instrumental que no tivesse

    um custo oneroso s empresas de radiodifuso, uma vez que a elaborao de arranjos,

    remunerao de ensaios e a contratao de msicos despendia grande quantidade de recursos.

    Por isso, chegou-se a um grupo de base do conjunto formado por violes de seis e sete cordas,

    cavaquinho e pandeiro, acrescido de instrumentos de sopro do naipe das madeiras e metais,

    alm de instrumentos de teclado (piano ou acordeom) e de percusso (agog, tringulo, ganz,

    afox, etc). Desse modo, visava-se principalmente a satisfao de questes de ordem

    monetria, uma vez que a economia de recursos restringia a utilizao de instrumentos de

    formao orquestral para ocasies especiais ou eventos solenes.

    Compreendendo melhor esse panorama, haviam tambm as orquestras de rdio

    que eram destinadas a um determinado tipo de pblico, parte de uma programao onerosa, aopasso que os conjuntos regionais eram frequentemente usados para tapar furos de

    programao ou acompanhar convidados e calouros, no dispondo das mesmas condies de

    ensaio e produo artstica, contando-se apenas com a sorte da atuao de msicos

    experientes que fossem acima de tudo bons ouvintes:

    Cada rdio tinha vrios conjuntos musicais para a execuo de diferentes tipos demsica: quarteto de cordas para msica de cmera, sinfnicas para as peas eruditas,

    orquestras chamadas portenhas para cantores de tango argentino muito em voga eassim por diante. No tocante a msica popular brasileira, que no ambiente musicalvariado das emissoras intitulava-se msica regional, para se distinguir da lusitana, da

    portenha, da msica ligeira e de outros tipos, havia uma necessidade de encontraruma denominao para o conjunto organolgico destinado a ela. Est claro que o talconjunto no poderia deixar de ser o velho choro, centrado na flauta, cavaquinho eviolo. (TABORDA, 1995, p. 37)

    Taborda afirma que s a partir de 1932 comea a se empregar o termo conjunto

    regional, ou somente regional, como forma de designar a chamada orquestra tpica

    brasileira formada por flauta, cavaquinho, violo e percusso, at ento chamada de choro,grupo, etc. Afirma ainda que:

    Os regionais acompanharam modinhas que ganharam o nome de seresta eacabaram por incluir os sambas-cano lentoslundus, maxixes, marchas, sambas equando foi preciso, boleros, foxes, tangos argentinos, rumbas e at rias de opera.Os msicos de ouvido em menos de cinco minutos faziam a minuta um arranjo

    para qualquer tipo de msica, sem partitura e quase sem ensaio. Ningum eraresponsvel pelo arranjo, ningum fazia o arranjo. Era alinhavado por todos, cadaqual dando um palpite, que nem sempre era explicitado em palavras; o msicoapenas tocava o trecho de um jeito e o grupo gostava, aceitava, seguia e estava feito

    o acompanhamento, pronto para ser executado ao microfone. Era essa dinmica quepossibilitava o funcionamento das emissoras de rdio, onde chegavam e saiamcantores diferentes com frequncia, havia programas de calouros que apresentavam

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    todo o tipo de msica e no havia possibilidade econmica de fazer pagar ensaios epartituras, e nem tempo para tal. (Ibidem, p. 41)

    Os grandes regionais permanentes, entretanto, no foram muito numerosos.

    Ficaram famosos os regionais de Rogrio Guimares, do Canhoto, de Claudinor Cruz, Dante

    Santoro, dentre outros. No entanto, os mais famosos e duradouros foram os de Benedito

    Lacerda e o de Claudinor Cruz, localizados no Rio de Janeiro, onde o ambiente de trabalho

    era mais propcio em funo de sediar as grandes gravadoras, as principais emissoras de rdio,

    grandes companhias teatrais e os grandes estdios de cinema, divulgadores da msica popular

    urbana.

    Dentro deste contexto, destacam-se msicos como Pixinguinha (1897-1973),

    Jacob do Bandolim (1918-1969), Dino Sete Cordas (Horondino Jos da Silva 1928-2996),

    Meira (Jaime Toms Florence 1919-1982), Canhoto (Valdiro Frederico Tramontano 1889-

    1928), Luiz Americano (1900-1960), Copinha (Nicolino Cpia 1910-1984), Abel Ferreira

    (1915-1980), Jorginho do Pandeiro (1931), Radams Gnatalli (1906-1988), Waldir Azevedo

    (1923-1980), dentre outros, que tiveram no rdio sua grande escola de formao.

    1.2 - A indstria fonogrfica e a manuteno de um gnero

    Em fins do sculo XIX, especificamente durante a dcada de 1890, Fred Finger j

    gravava modinhas, lundus e discursos em cilindros, exibindo-os em audies pblicas

    mediante cobrana de entrada. Empresrio de viso empreendedora, passou da simples

    comercializao de cilindros gravados para a criao de uma empresa fonogrfica, a Casa

    Edison, fundada no Brasil em agosto de 1902. Durante as primeiras dcadas do sculo XX,

    sua atuao priorizava as gravaes de msica instrumental dando nfase para gneros como

    tangos, valsas, maxixes, polcas, lundus, xotes, marchas e quadrilhas. Supe-se que esta

    preferncia ocorria devido s limitaes existentes no processo de registro mecnico,

    realizado a partir de um cone de metal que tinha em uma de suas extremidades um diafragma,

    o qual comandava uma agulha que cavava os sulcos na cera. Dessa maneira, era necessria

    uma formao instrumental de grande potncia sonora para garantir registros de boa

    qualidade, optando-se pela banda musical base de instrumentos de sopro das madeiras e

    metais. Para os cantores, a tarefa era extremamente rdua, pois alm de necessitar de grande

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    projeo vocal, eram obrigados a executar a obra de uma s vez, uma vez que a gravao era

    realizada em apenas um canal.

    A primeira gravao de uma composio de Joaquim Callado, A Flor Amorosa,foi realizada em 1902 pelos irmos Eymar, na Casa Edison. Entre 1907 e 1915 AFlor Amorosa foi gravada pelo virtuoso flautista e compositor Agenor Bens,acompanhado pelo pianista Artur Camilo. Em 1914, o cantor Aristarco DiasBrando registra pela primeira vez A Flor Amorosa cantada. Entretanto, agravao mais importante pela Odeon, novo nome da Casa Edison, das composiesde Callado foi a de Ernesto Nazareth, ao piano, com Pedro de Alcntara na flauta.De um lado do disco foi registrada a polca Linguagem do Corao, de JoaquimCallado e do outro o tango Favorito, do prprio Nazar. (DINIZ, 2002, p. 66 e 67)

    Cazes (2005) relata que entre os anos de 1902 e 1920, a proporo de registros

    musicais era de 61,5% de msica instrumental para 38,5% de msica vocal. No entanto apartir do ano de 1940, essa proporo se invertera para 13,8% de msica instrumental e 86,2%

    de msica vocal (p. 44), graas ao advento dos procedimentos de registro atravs de

    gravaes eltricas, ocorrido a partir do ano de 1927. Dentro desse panorama, nota-se o

    crescimento da msica vocal em detrimento da msica instrumental, destacando no mbito do

    mercado fonogrfico a atuao dos cantores de gneros musicais a exemplo do maxixe e

    posteriormente do samba.

    No entanto, esse quadro comea a se reverter a partir da dcada de 1970, pocaem que o choro recebeu grande impulso enquanto gnero de destaque na msica popular

    brasileira, ganhando espao na mdia, jornais, revistas, rdios e TVs. Tempos tambm de

    ditadura militar opressiva no Brasil, com um sistema de censura muito fechado, o que

    provavelmente deu maior espao para a msica instrumental. Diniz (2004) faz um panorama

    da importncia da dcada de 1970 para o processo de ascenso e apogeu do gnero choro no

    mbito da msica brasileira:

    Os primeiros anos da dcada de 1970 podem ser considerados um trampolim para afomentao do choro. O sucesso do show Sarau, de Paulinho da Viola com oConjunto poca de Ouro, o lanamento do LP do pianista Arthur Moreira Limatocando Ernesto Nazareth, a semana Jacob do Bandolim, organizada no MIS/RJ porAry Vasconcelos, e a fundao do Clube do Choro/RJ aglutinaram os cultores dognero, promovendo a apresentao de velhos e novos chores. Mas foi no Sovacode Cobra, tradicional botequim carioca (ltimo reduto de sociabilidade do mundo,nas palavras de Aldir Blanc), que o choro teve seu templo erguido. O bar, nosubrbio da Penha, era o espao de encontro dos grandes chores, sendo athomenageado por um deles, o clarinetista Abel Ferreira, em seu Chorinho doSovaco de Cobra.Como uma bola de neve, os festivais de choro espalharam-se pelo pas. no

    segundo Concurso do Choro, realizado no Rio de Janeiro, que Joaquim Calladoaparece em cena nos festivais. Com a composio Dialogando, o bandolinista

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    Ricardo Calafate, integrante do Grupo Rio Antigo, ganhou o trofu Joaquim Calladode melhor choro; o grupo ficou com o trofu Pixinguinha de melhor grupo.Porm veio de So Paulo a principal colaborao na divulgao do choro: A TVBandeirantes organizou dois festivais nacionais O Brasileirinho e o Carinhoso.Com um jri formado por nomes do porte de Lcio Rangel, Trik de Souza, Marcus

    Pereira, Mozart de Arajo, Jos Ramos Tinhoro e Guerra Peixe, os festivaisabriram novos horizontes para o gnero, incentivando o surgimento deinstrumentistas e compositores, ao mesmo tempo que consolidava-o a nvelnacional. Os dois festivais obtiveram milhares de inscritos. O bandolinista RossiniFerreira venceu o Brasileirinho com a composio Ansiedade. No segundofestival o prmio foi para K-Ximbinho, com seu choro Manda Brasa. O selo Band,da TV Bandeirantes, lanou dois LPs com os melhores choros desses festivais.(Ibidem, p. 72-73)

    Tambm merece destaque o material fonogrfico lanado pela gravadora

    Eldorado, dentre eles o lbum intitulado Saudades de um clarinete, do clarinetista e

    saxofonista Sebastio de Barros (1917-1980), conhecido como K-Ximbinho, lanado em

    LP no ano de 1981. Nesse lbum, chamam a ateno as suas composies executadas em

    parceria com o saxofonista Z Bodega, onde nota-se a busca de inovaes performticas

    atravs da hibridizao do choro com o jazz.

    Livingston (1999) ressalta que dentre as gravaes compreendidas entre o perodo

    de 1970 a 1983, aproximadamente 30% eram realizadas por companhias nacionais, 21% por

    companhias internacionais, uma quantia expressiva de 16% realizada pela Companhia Marcus

    Pereira e somente 5% realizada por organizaes estatais, deduzindo-se atravs desses

    nmeros certa tendncia de valorizao do choro durante este perodo (p. 249). Dentre os

    principais disseminadores do choro durante a dcada de 1970, merece destaque a gravadora

    Marcus Pereira, cuja produo fonogrfica estendeu-se entre o perodo de 1967 a 1982,

    totalizando 144 discos. Segundo Neves (2002):

    A gravadora foi a primeira do pas a adotar uma poltica de produo alternativa,fora da indstria cultural, de grandes grupos fonogrficos e do mecenato estatal. a

    inspiradora da saudvel proliferao de pequenas gravadoras voltadas para aqualidade e diversidade da msica brasileira. Se hoje temos Kuarup, Rob Digital,

    Ncleo Contemporneo, Acari, Biscoito Fino e CPC-Umes, a ela devemos.Quando a gravadora acabou, seu precioso acervo foi parar com a gravadoraCopacabana, que tambm encerrou suas atividades, terminando tudo em posse da

    pequena gravadora ABW, que chegou a lanar muita coisa da Marcus Pereira emCD. H alguns anos a EMI comprou todo o acervo nas mos da ABW. Eles estavaminteressados no vasto catlogo de jovem guarda da Copacabana, pois boa parte dosdirigentes das grandes gravadoras so oriundos deste pobre movimento musical.Enquanto os fonogramas de i-i-i comearam a ser relanados pela multinacional,o acervo da Marcus Pereira foi imediatamente esquecido. Se quando estava nasmos da ABW era possvel encontrar um CD entre dezenas de seus discos, hoje osdiscos em catlogo no completam os dedos de uma mo e os demais apodrecem

    nos pores da EMI. Um verdadeiro atentado a memria nacional. (NEVES, 2002, p.1)

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    Dentre sua produo fonogrfica, destacam-se as sries de LPs intituladas

    Msica Popular do Nordeste (1973), Msica Popular do Centro-Oeste/Sudeste (1974),

    Msica popular do Sul (1974), Histria das Escolas de Samba (1974), Msica Popular do

    Norte (1976), dentre muitos outros ttulos.

    No mbito do choro, em especfico, destaca-se uma srie constituda por sete LPs

    enumerados a seguir: Os dois primeiros foram lanados no ano de 1973, intitulados Brasil,

    flauta, cavaquinho e violo e Brasil, flauta, bandolim e violo, sendo o ltimo gravado por

    Evandro do Bandolim (1932-1994) e seu regional. No ano seguinte, 1974, foram lanados

    dois LPs intitulados Brasil, Trombone, solado pelo trombonista Raul de Barros (1915-

    2009) e Brasil Seresta, solado pelo flautista Carlos Poyares (1928-2004). Dois anos depois,

    1976 portanto, so lanados mais dois LPs intitulados Brasil, Sax e Clarineta, doclarinetista Abel Ferreira, e Brasil Violo, solado pelo violonista Celso Machado. No ano

    seguinte, a srie encerrada com o LP Todo o Choro (1977).

    Neves (2002) conta as dificuldades que levaram a gravadora falncia:

    Alegando que seu trabalho estava voltado para a pesquisa, Marcus conseguiu umfinanciamento da FINEP que bancou boa parte dos seus discos, como o resto dacoleo que mapeou a msica do Brasil e os de Cartola e Donga. Chegou a hora de

    pagar os juros. A dificuldade de distribuio o sujeitou a um contrato leonino com a

    gravadora Copacabana. Marcus conseguiu tirar leite de pedra para manter seu sonho.Em fevereiro de 1982, aps a grave recesso de 79, a gravadora enfrentava sriasdificuldades financeiras. Suas dvidas acumularam. A gravadora que levava seunome estava indo falncia. Neste momento difcil que passava o trabalho e o sonhode uma vida, problemas pessoais agravaram a situao. Marcus Pereira ento sesuicidou. (NEVES, 2002, p. 2)

    Diante desse breve histrico, nota-se que as questes burocrticas relacionadas

    deteno dos direitos autorais fazem com que um acervo importante da histria da indstria

    fonogrfica brasileira fique preso em poder de uma nica gravadora, que no oferece sequer

    uma previso de relanamento. No prefcio do livro Choro: do Quintal ao Municipal,

    Hermano Vianna encerra manifestando a sua indignao sobre essa questo:

    PS: Ao terminar a leitura deste livro, tudo o que eu mais queria era escutar algunsdiscos aqui comentados, como o primeiro do Trio Surdina (violo, violino eacordeo!) ou qualquer um com o Garoto tocando guitarra havaiana. Nem precisodizer que quase todos esto fora de catlogo. Resta esperar que alguma almacaridosa com poder de deciso dentro das gravadoras leia o livro e lance todos osdiscos. querer demais? (CAZES, 2005, p. 9)

    Atualmente, nota-se a existncia de poucas gravadoras brasileiras que preocupam-

    se em difundir e preservar estilos de msica regional, destacando entre elas a Rob Digital,

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    Acari, Biscoito Fino e CPC-Umes, que apresentam pblico-alvo bastante seleto e uma tiragem

    de exemplares restrita, o que em alguns casos eleva o preo final de comercializao do

    produto. Dessa maneira, geram-se dificuldades para a realizao de relanamentos desses

    lbuns, obrigando a busca de novas possibilidades de comercializao e propagao dos

    registros fonogrficos a exemplo da adotada pela Biscoito Fino que, ao invs de relanar

    ttulos antigos, disponibiliza a venda dos mesmos atravs da internet, sob a forma de

    download em formato .mp3. No entanto, essa forma de comercializao apresenta a grande

    desvantagem de no oferecer os discos enquanto material palpvel, deixando para segundo

    plano informaes importantes contidas na ficha tcnica dos lbuns. Por outro lado, a busca

    dessa nova forma de distribuio parte de uma tentativa de minimizao dos custos

    operacionais de prensagem, buscando de certa maneira uma nova diretriz para a sobrevivnciae manuteno da indstria fonogrfica brasileira.

    1.3O Regional de Benedito Lacerda, Pixinguinha e Dino Sete Cordas: Um Grande

    Encontro

    O regional de Benedito Lacerda foi um dos maiores conjunto de sua poca, sendo

    valorizado em funo de sua qualidade musical de seu trabalho e principalmente pelo

    encontro entre dois de seus integrantes: Pixinguinha e Horondino Jos da Silva,

    posteriormente conhecido como Dino Sete Cordas. A partir desse intercmbio, geram-se

    consequncias que puderam ser notadas anos mais tarde, atravs da sada de Pixinguinha e

    Lacerda, onde a coordenao do grupo passou para o cavaquinhista Canhoto. A partir dessas

    mudanas, Lacerda substitudo pelo flautista Altamiro Carrilho (1924) e Horondino

    abandona o violo de seis cordas, passando definitivamente para o violo de sete cordas, uma

    vez que a falta do contracanto executado por Pixinguinha ao saxofone tenor obrigou-lhe a

    buscar uma nova forma de execuo do instrumento.

    Dessa maneira, este captulo baseia-se em uma abordagem sucinta sobre a

    formao do Regional de Benedito Lacerda, destacando dentre outras fontes de pesquisa,

    quatro biografias de Pixinguinha escritas por: Edigar de Alencar, Srgio Cabral e Marlia T.

    Barboza e Oliveira Filho, alm das dissertaes de Mrcia Taborda, Alexandre Caldi

    Magalhes, e Remo Pellegrini.

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    1.3.1Benedito Lacerda

    Figura 01Benedito Lacerda (14/03/1903-16/02/1958)Fonte: Encarte do CD Benedicto Lacerda e Pixinguinha

    Benedito Lacerda nasceu na cidade de Maca, Rio de Janeiro, iniciou seus estudos

    de flauta transversal como integrante da Banda Nova Aurora, localizada em sua cidade natal.

    Em 1920, contando dezessete anos, transferiu-se para a cidade do Rio de Janeiro indo residir

    no Estcio, passando a tomar lies com Belarmino de Sousa, pai do compositor Ciro de

    Sousa. Posteriormente, estudou no Instituto Nacional de Msica graduando-se em flautatransversal e composio. A partir do ano de 1922, ingressou na carreira militar

    permanecendo at 1927, quando deu baixa e passou a trabalhar em orquestras de cinema e

    teatros integrando grupos de choro tocando flauta, e orquestras de jazz tocando saxofone. Ao

    longo de sua carreira, atuou em quase todas as emissoras cariocas, entre elas as rdios

    Guanabara, Eldorado e Tupi, alm de compor vrias obras destacando gneros como samba,

    valsa, marcha e choro, elaboradas individualmente ou em parceria com outros compositores, a

    exemplo de Jorge Faraj (1901-1963), Lus Vassalo, Osvaldo Santiago (1902-1976), HaroldoLobo e Ary Barroso (1903-1964), ganhando prmios em diversos concursos.

    A insatisfao com a maneira com que as orquestras de jazz executavam a msica

    brasileira o incentivou a organizar um grupo que veio a se chamar inicialmente de Gente do

    Morro, chegando a gravar um disco no ano de 1930. A partir de 1934, passa a ser chamado

    de Regional de Benedito Lacerda, sendo inicialmente formado pelo prprio (flauta

    transversal), Macrino e Coringa (violes), Canhoto (cavaquinho) e Russo (pandeiro). No ano

    seguinte, os violonistas Macrino e Coringa so substitudos por Carlos Lentine e Ney Orestes,

    e o pandeirista Russo por Popeye.

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    Figura 02Regional de Benedito Lacerda (1935):Benedito Lacerda (flauta transversal), Canhoto (cavaquinho), Ney Orestes

    Carlos Lentine (violes) e Russo (pandeiro).

    Acervo: Srgio Prata

    Dois anos depois, em 1937 portanto, ocorrem novas modificaes onde Carlos

    Lentine e Ney Orestes so substitudos por Horondino Jos da Silva e Meira.

    Figura 03Regional de Benedito Lacerda (1937):Popeye (pandeiro), Horondino Jos da Silva e Meira (violes),

    Benedito Lacerda (flauta transversal) e Canhoto (Cavaquinho).

    Acervo: Srgio Prata

    Em 1946, o pandeirista Gilson de Freitas entra no lugar de Popeye e Pixinguinha

    passa a integrar o regional, quando ento o duo Pixinguinha Lacerda passa a gravar e tocar

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    juntos. Essa formao permanece at 1950, ano em que Lacerda desliga-se do grupo passando

    a coordenao para Canhoto1.

    Durante o incio da dcada de 1940, Pixinguinha estava enfrentando um perodo

    de dificuldades financeiras devido ao fim de seu emprego na rdio Mayrinck Veiga e a

    escassez de trabalhos com orquestraes. Prestes a perder a casa que estava comprando

    devido ao atraso do pagamento das prestaes, Pixinguinha aceitou uma proposta de trabalho

    feita por Benedito Lacerda, formando a partir de 1946 a dupla Benedito Lacerda e

    Pixinguinha. Lacerda props um acordo prometendo arranjar gravaes e edies para as

    msicas de Pixinguinha, pedindo em troca uma parceria em suas composies. Tambm fazia

    parte desse acordo a condio de que Pixinguinha no tocasse mais flauta, passando

    definitivamente para o saxofone tenor. Barboza e Oliveira Filho (2000) apresentam umahiptese que demonstra a verdadeira inteno de Benedito Lacerda, afirmando que durante os

    trinta e seis anos em que atuou, Pixinguinha foi o maior flautista de sua poca. A partir da sua

    passagem para o saxofone, esse lugar seria ocupado por Lacerda, que tambm era um grande

    instrumentista.

    Srgio Cabral (1998) apresenta a formao da dupla Benedito Lacerda e

    Pixinguinha segundo o ponto de vista do cavaquinhista Canhoto:

    Num depoimento ao jornalista e musiclogo Zuza Homem de Melo, o tocador decavaquinho Canhoto (Valdiro Frederico Tramontano) defendeu Benedito Lacerdadas acusaes que circulavam nos meios musicais. Integrante durante muitos anosdo conjunto de Benedito e seu substituto, Canhoto no viu nada demais na atitude doamigo: Pixinguinha j estava esquecido, ningum mais falava dele. Beneditocombinou: faziam os discos, mas entrava na parceria. Muitas pessoas meteram o pauno Benedito, mas no tinham razo. Ele foi franco. Iam tomar a casa do Pixinguinha.A o Benedito foi ao Vitale e arranjou o dinheiro para Pixinguinha ficar em dia,argumentou Canhoto. De fato, as prestaes foram pagas pontualmente at o dia 11de agosto de 1948, quando a dvida foi liquidada. verdade que, para obter maisdinheiro, Pixinguinha andou atuando em reas ainda no exploradas, como, por

    exemplo, fazer msica para a campanha de Ademar de Barros ao governo de SoPaulo. Falando ao jornal Diretrizes, em julho de 1946, o msico deu a sua versopara a formao da dupla com Benedito Lacerda: Benedito me procurou paragravarmos algumas msicas minhas. S choros. Negcio mais ou menos grande. So25 discos de uma s tacada e as condies so boas. Alm disso as edies dasmsicas. Ora, eu toco clarinete e saxofone. Ento combinamos que o flautista seria oBenedito Lacerda. (CABRAL, 1998, p. 161)

    Durante os quatro anos de durao, entre os anos de 1946 a 1950, o duo Benedito

    Lacerda e Pixinguinha gravou um total de 17 lbuns 78 rpm totalizando 34 gravaes.

    1Com exceo de Dino Sete Cordas, Meira e Canhoto o nome completo dos demais integrantes do Regional deBenedito Lacerda: Macrino, Coringa, Russo e Popeye no foram encontrados, havendo somente a referncia deseus apelidos.

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    Barboza e Oliveira Filho (2000) sintetizam as gravaes realizadas durante esses quatro anos

    de parceria atravs de uma tabela, totalizando trinta e um choros, uma valsa (Saudades do

    Mato, gravada em 19/12/1946), uma polca (O gato e o Canrio, gravada em 04/04/1949),

    e um lundu (Ya, gravado em 07/07/1950). O tempo de durao da dupla estendeu -se at

    1948, ano em que Pixinguinha teve seu primeiro problema cardaco sem maiores

    consequncias, causando uma interrupo temporria nas gravaes junto Victor (p. 149).

    Sobre os aspectos da atuao do duo, Cazes (2005) afirma que:

    Dos 25 discos previstos inicialmente no contrato acabaram sendo 17. O primeirodeles foi gravado em abril de 1945; o segundo, o melhor de todos, em maio do anoseguinte, com a memorvel verso de Um a zero. Nota-se que aos poucos o duovai perdendo o entusiasmo e, nas gravaes a partir do ano de 1948, comeasimplesmente a cumprir contrato. bom ressaltar que todas as msicas dePixinguinha gravadas passaram a ter co-autoria de Benedito e, portanto, eralucrativo para ele gravar o maior nmero possvel. (CAZES, 2005, p. 73)

    A partir do ano de 1950, com a sada de Pixinguinha, Benedito Lacerda passa a

    coordenao do conjunto para o cavaquinhista Canhoto, que muda o nome do grupo para

    Regional do Canhoto, estreando em maro de 1951 na Rdio Mayrinck Veiga, permanecendo

    na ativa at o incio da dcada de 1960. Em sua primeira formao, era integrado pelo prprio

    Canhoto (cavaquinho), Altamiro Carrilho (flauta transversal) e Orlando Silveira (1922-1993)(acordeom), Dino Sete Cordas (violo de sete cordas), Meira (violo de seis cordas) e Gilson

    de Freitas (pandeiro).

    Figura 04Regional do Canhoto em 1952.

    Da esquerda para a direita: Gilson de Freitas (pandeiro), Meira (violo)Canhoto (cavaquinho), Orlando Silveira (acordeom), Altamiro Carrilho (flauta

    transversal) e Horondino Silva (violo de sete cordas)

    Acervo: Srgio Prata

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    Altamiro Carrilho permaneceu no grupo at o ano de 1957, quando sai para

    formar a sua banda, sendo substitudo pelo flautista Carlos Poyares2.

    Figura 05Regional do Canhoto em 1960.Da esquerda para a direita: Orlando Silveira, Meira, Canhoto,

    Dino, Gilson de Freitas e Carlos Poyares

    Acervo: Srgio Prata

    a partir dessa poca que as influncias provenientes da atuao de Pixinguinha

    enquanto saxofonista comeam a ser vistas, principalmente no que se refere a atuao de

    Horondino Silva. Barboza e Oliveira Filho (2000) afirmam que:

    Quando Canhoto, tendo desfeito o regional de Benedito Lacerda em 1950, organizouseu prprio regional, Dino (Horondino Jos da Silva), violonista do grupo, sentiuque se abria um vazio na regio grave, com a falta do saxofone de Pixinguinha.Havia bossas, malcias, contracantos a que Pixinguinha habituara os executantes e osouvintes, de realizao impossvel nos violes de seis cordas, embora os violonistasfossem gnios como Dino e Meira. Foi a que Dino comeou a tocar sete cordas. Efoi a, s a, que realmente o sete cordas desenvolveu todas as potencialidadescontrapontsticas, com base no exemplo de Pixinguinha e na criatividade de Dino.Estava completado o ciclo de integrao desse tipo de instrumento na MPB, como

    tanto queria e para tanto concorreu o trabalho de Arthur do Nascimento, o Tute.(BARBOZA; OLIVEIRA FILHO, 2000, p. 249)

    Em se tratando da instrumentao, percebe-se que a insero do violo de sete

    cordas na formao do Regional do Canhoto proporcionou que Horondino buscasse uma nova

    concepo de execuo violonstica ampliando as possibilidades de construo meldica no

    instrumento. Como consequncia natural desse processo, houve uma redefinio do papel dos

    violes dentro da formao instrumental do conjunto, onde o violo de seis cordas seria

    2A gravadora EMI lanou a srie 2 em 1, contendo os lbuns intitulados Choros Imortais e Rio Antigo,gravados pelo Regional do Canhoto e pela Bandinha de Altamiro Carrilho, respectivamente.

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    predominantemente utilizado para promover o suporte harmnico juntamente com o

    cavaquinho de centro, proporcionando assim uma maior liberdade para o violo de sete cordas

    na execuo das baixarias. Sobre esse aspecto, Maurcio Carrilho ressalta em entrevista a

    Nana Vaz de Castro:

    Dino deu a maior contribuio no violo de sete cordas. Ele estabeleceudefinitivamente o papel dos violes na formao do regional. Dino comeou a tocarsete cordas na dcada de 50, e acho que ele foi desenvolvendo essa linguagem, e nosanos 60 estava no auge. Tem uma gravao que eu particularmente considero umdivisor de guas. um disco de 1964, do Altamiro Carrilho, chamado ChorosImortais. No repertrio tem muitas msicas do Pixinguinha, sem o Pixinguinhatocando, e o Dino faz o contraponto, de uma maneira que eu considero um marco.

    Nessa poca ele j usava a stima corda de uma maneira mais doce, mais macia,menos metlica. (CASTRO, Nana Vaz de, 2001, p. 1

    Essas transformaes so vistas no decorrer deste trabalho atravs da anlise e

    comparao de seis gravaes, sendo quatro delas realizadas pelo Regional de Benedito

    Lacerda: Atraente (Chiquinha Gonzaga), Vou Vivendo (Pixinguinha e Benedito Lacerda),

    Naquele Tempo (Pixinguinha e Benedito Lacerda), Sofres Porque Queres (Pixinguinha e

    Benedito Lacerda) e duas pelo Regional do Canhoto: Naquele Tempo (Pixinguinha e

    Benedito Lacerda) e Sofres Porque Queres (Pixinguinha e Benedito Lacerda), contidas no

    LP Benedicto Lacerda e Pixinguinha, e o lbum Choros Imortais, respectivamente. Oprimeiro lbum foi lanado no ano de 1966 pela RCA Victor, remasterizado e re-lanado em

    CD no ano de 2004 pela gravadora BMG, apresentando um total de 12 faixas gravadas

    durante o perodo de 1937-1950 onde apenas trs msicas no so da autoria de Pixinguinha,

    a saber: Atraente(Chiquinha Gonzaga), Andr de Sapato Novo(Andr Victor Correia) e

    Lngua de Preto (Honrio Lopes). O segundo lbum, lanado no ano de 1964, apresenta

    composies de Pixinguinha, interpretadas pelo flautista Altamiro Carrilho acompanhado pelo

    Regional do Canhoto, sendo lanado em CD atravs da gravadora EMI, em 2003.

    Figura 06lbuns Benedicto Lacerda e Pixinguinhae Choros Imortais, respectivamente.

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    1.3.2Pixinguinha

    Figura 07- Alfredo da Rocha Viana Filho

    (23/04/189717/02/1973)Fonte: Encarte do CD Som Pixinguinha

    Pixinguinha nasceu no subrbio da Piedade na Rua Gomes Serpa, passando a

    infncia no bairro do Catumbi, no Rio de Janeiro. Quando pequeno, era chamado pela av de

    Pizindim, supostamente uma palavra de um dialeto africano que significa menino bom.

    Ainda criana, contraiu varola, recebendo o apelido de Bexiguinha. Da mistura dos dois

    apelidos nasceu o nome Pixinguinha, nome que o acompanhou por toda a vida.

    Iniciou no cavaquinho atravs de seu irmo Henrique e, aos nove ou dez anos de

    idade, j acompanhava o pai (Alfredo da Rocha Viana) nas festas em que este ia tocar. Por

    volta de 1910, juntamente com seus irmos Lo e Henrique, aprendeu rudimentos de msica

    com Csar Borges Leito e iniciou seus estudos musicais na flauta transversal atravs de seu

    pai que, devido a sua grande desenvoltura nos estudos, comprou-lhe uma flauta importada da

    Europa.

    Por volta de 1911, sua famlia mudou-se para um casaro localizado na Rua Vista

    Alegre, que ficou logo conhecido pelo nome de Penso Viana devido hospitalidade com

    que abrigava muitos dos amigos. Entre eles o oficleidista Irineu de Almeida (1890-1916) ou

    Irineu Batina, como era chamado, hospedou-se no casaro e se tornou seu mestre. Segundo a

    Enciclopdia da Msica Brasileira:

    (Irineu de Almeida) alm de compositor, tocava oficleide, bombardino e trombone,integrando a banda do Corpo de Bombeiros. Companheiro dos grandes chores dapoca, como Lus de Sousa, Carramona, Licas, Catulo da Paixo Cearense, Anacletode Medeiros, Juca Kalut e Quincas Laranjeira, foi tambm amigo e hspede do pai

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    de Pixinguinha, Alfredo da Rocha Vianna. Foi diretor de harmonia do Rancho Filhasdas Jardineiras da Cidade Nova e professor de msica de Pixinguinha, cujo talento

    profetizou. Autor de vrias composies de sucesso, muitas das quais receberamversos de Catulo da Paixo Cearense, morreu no bairro do Catumbi, na cidade doRio de Janeiro. (MELLO, Zuza Homem de. 2000, p. 24)

    A partir do ano de 1915, ingressa como msico na orquestra da sala de projees

    do Cinema Palais, poca em que tambm comeou a fazer as primeiras instrumentaes para

    o cinema mudo e circos. No ano de 1918, Isaac Frankel, ento gerente do Cinema Palais,

    convidou-o a organizar um conjunto musical como maneira de conquistar pblico, que

    baixara consideravelmente em funo da epidemia de gripe espanhola. Selecionado a partir

    dos elementos do Grupo de Caxang, organizou-se o conjunto chamado Oito Batutas,

    estreando em abril de 1919, sendo anunciado como orquestra tpica. Contava em suaformao alm do prprio Pixinguinha (flauta), Donga (1889-1974) (violo), China (Otvio

    Liplecpon da Rocha Viana)3 (vocal, violo e piano), Nelson Alves (cavaquinho), Lus de

    Oliveira (bandola e reco-reco), Raul Palmieri (violo), Jac Palmieri (pandeiro) e Jos Alves

    (bandolim e ganz).

    Entre 1919 e 1920, Pixinguinha realiza uma srie de gravaes de composies de

    sua autoria, sendo executadas inicialmente na flauta transversal, estando entre elas os choros

    intitulados Sofres Porque Queres, Lamentos e Os Oito Batutas, que foram regravadosao final da dcada de 1940 durante sua parceria com o flautista de Benedito Lacerda. Srgio

    Cabral (1997) faz uma considerao importante sobre os choros ressaltando o fato de que:

    Ao mesmo tempo, eles exigem dos intrpretes absoluto domnio dos instrumentosque executam. Choros como Um a Zero, Gargalhada e vrios outros feitos paraflauta, que faziam parte dos recitais de Pixinguinha levaram anos para ser gravados

    porque nenhum outro flautista se arriscava de lev-los para o disco, tantasdificuldades encontraram. Ao perceber esses problemas, o velho Pixinga,ironicamente, deu a um dos seus choros o ttulo de Pago, numa aluso falta de

    padrinho, ou seja, de intrprete. A maioria desses choros foi feita durante ajuventude do autor. medida que o tempo passava, ficava mais simples. At hoje,muita gente se surpreende quando sabe que um clssico como Sofres porquequeres foi composto quando Pixinguinha no tinha sequer vinte anos. que, tendoiniciado a sua carreira de msico profissional aos catorze anos de idade, foi, desdecedo, um militante ativo da msica instrumental no Rio de Janeiro. Por isso, soubereunir em sua obra de compositor uma srie de elementos dispersos nas primeirasdcadas de formao do choro e, ao mesmo tempo, ser original. Como escreveu omusiclogo Mozart de Arajo, so bem visveis na obra de Pixinguinha certosmeneios meldicos e inflexes caractersticas. (CABRAL, 1997, p. 28)

    3 Srgio Cabral ressalta que a data de nascimento de China (Otvio Liplecpon da Rocha Viana) no pode ser apurada,constando na principal fonte de consulta da histria da msica popular brasileira os famosos arquivos de Almirante,atualmente incorporados no Museu da Imagem e do Somsomente referncia do ms e ano em que nasceu: outubro de 1889.

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    No ano de 1922, patrocinado pelo milionrio Arnaldo Guinle, Pixinguinha viaja

    com os Oito Batutas para a Europa fazendo uma turn de seis meses em Paris, tocando no

    Dancing Sheherazade. De volta ao Brasil, o grupo viaja para a Argentina realizando

    apresentaes em Buenos Aires, alm de gravaes junto Victor Argentina. Dentro desse

    contexto, nota-se que as consequncias da viagem Paris provocou modificaes na formao

    instrumental do grupo, que incorporou novos instrumentos de sopro (saxofone, clarineta e

    piston), alm do piano, banjo, bateria e contrabaixo, passando a incluir no repertriofox-trots

    e outros ritmos estrangeiros da moda, executado nos estilos dasjazz-bands.

    Durante a viagem dos Oito Batutas Paris, Pixinguinha ganha um saxofone de

    Arnaldo Guinle com o qual, aps seu retorno ao Brasil, passou a atuar em diversas orquestras,

    como lder, instrumentista e arranjador. Dessa maneira:

    O excelente flautista, sem deixar o instrumento, comeava a se destacar comoorquestrador. Nesse tempo no se faziam arranjos no Brasil, esclarece o maestro ecompositor Radams Gnatalli. As partituras vinham da Europa ou Estados Unidosdireto para a estante dos msicos. Pixinguinha foi um dos pioneiros em fazerarranjos para msicas brasileiras, especialmente de Carnaval, primeiro para a RdioTransmissora, depois para a recm-criada (novembro de 1929) Victor TalkingMachine Co. of Brazil. (MEDGLIA, Jlio, 1976, p. 8)

    Alencar (1979) ressalta o fato de que Pixinguinha formava conjuntosespecialmente para gravaes (p.41) atuando como arranjador, regente e msico, alm de ser

    o responsvel pela formao de inmeros grupos destinados tanto prtica da performance

    musical ao vivo, acompanhando importantes nomes da msica brasileira.

    Em 1940, foi apresentado por Villa-Lobos ao maestro Leopold Stokowski (1882-

    1977), que visitava o Brasil, sendo encarregado de selecionar um grupo de artistas populares,

    entre os quais Donga, Cartola (1908-1980), Z da Zilda, Lus Americano, Joo da Baiana

    (1887-1974) e Jararaca (1896-1977), destinado a fazer gravaes a bordo do navio Uruguai.

    Atuou em diversas dessas gravaes, como regente, solista e at cantor, interpretando em

    dueto com Jararaca (da dupla Jararaca e Ratinho) na cano intitulada Z Barbino(autoria de

    ambos), includa num dos dois lbuns da Columbia intitulados Native Brazilian Music,

    lanado nos E.U.A. As gravaes foram realizadas no dia 7 de agosto com a aparelhagem da

    Colmbia Norte-americana.

    Em 1946, Pixinguinha deixou definitivamente a flauta, trocando-a pelo sax tenor,

    que j tocava esporadicamente. So dessa poca algumas gravaes famosas realizadas em

    dueto com o flautista Benedito Lacerda, algumas inditas, outras regravaes. Um a Zero

    (com Benedito Lacerda), choro composto em homenagem ao jogador Arthur Fredenreich

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    (integrante da seleo brasileira e autor, em 1919, do famoso gol que derrotara o Uruguai),

    Sofres Porque Queres, Ainda me Recordo, Sedutor, O Gato e o Canrio, Descendo a

    Serra, Os Oito Batutas, Urubat, Ingnuo, Proezas de Slon, Devagar e Sempre e

    muitos outros. Em todas essas msicas, deu parceria a Benedito Lacerda, pela divulgao que

    este fazia das gravaes.

    No incio da dcada de 1950, graas a popularizao do bolero e do samba-

    cano, afastou-se do pblico, retornando triunfalmente em 1954 quando Almirante (1908-

    1980) organizou em So Paulo o I Festival da Velha Guarda, que reuniu vrios integrantes

    dos antigos grupos.

    Gravou uma srie de LPs com vrias formaes instrumentais, intitulados

    Carnaval de Nssara, Assim que e Cinco Companheiros, Pixinguinha e sua Bandae Carnaval dos Bons Tempos (sendo todos no ano de 1957).

    No ano de 1966, presta um depoimento ao Museu da Imagem e do Som do Rio de

    Janeiro, tendo como entrevistadores Jacob do Bandolim e Hermnio Bello de Carvalho

    (1935).

    Lana ainda outros lbuns, destacando dentre eles Pixinguinha e Clementina de

    Jesus (contendo uma seleo de gravaes feitas por Hermnio Bello de Carvalho, sendo

    lanado em 1968), Pixinguinha 70 eSom Pixinguinha (ambos lanados em 1971).Em 1972 falece sua esposa Albertina da Rocha, de quem no tivera filhos, tendo o

    casal adotado um menino, Alfredo. Seu falecimento ocorre no ano seguinte, em 17 de

    fevereiro de 1973, sendo vtima de um enfarte ocorrido na Igreja Nossa Senhora da Paz, em

    Ipanema, na ocasio em que ia batizar o filho de um dos seus amigos.

    A partir de sua morte, foram lanadas vrias biografias, tendo como autores

    Sebastio Braga, Edigar de Alencar, Marlia Barbosa e Oliveira Filho e Srgio Cabral, alm

    de um documentrio intitulado Saravah, gravado em fevereiro de 1969 pelo diretor decinema francs Pierre Barouh, que mostra o encontro entre duas geraes: de um lado

    Pixinguinha e Joo da Baiana, j octogenrios, tocando e cantando com Maria Bethnia

    (1946) (aos 21 anos), Paulinho da Viola (1942) e Baden Powell (1937-2000).

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    1.3.3 - Dino Sete Cordas

    Figura 08Horondino Jos da Silva (19282006)

    Nascido no Bairro do Santo Cristo na cidade do Rio de Janeiro, Dino Sete Cordas

    iniciou na msica brincando com o violo de seu pai, que exercia a funo de operrio

    fundidor e tocava o instrumento em suas horas vagas. Com o passar do tempo, j aos catorze

    anos, participava de serestas com os bomios do bairro onde residia. Iniciou sua carreira

    profissional a partir de 1935, acompanhando o cantor Augusto Calheiros (1891-1956) nos

    circos da cidade de Niteri, onde tocava de ouvido, fazendo bordo nas variaes que

    aprendia com o pai e os irmos que tambm eram msicos: Lino, que tocava cavaquinho no

    Regional de Dante Santoro, e Jorginho4, mais tarde o pandeirista do Conjunto poca de Ouro.

    Seu processo de formao musical, ao que se sabe, foi extremamente informal,

    pois, alm da influncia recebida por seus familiares, tinha um costume de acompanhar

    regularmente as melodias veiculadas atravs do rdio, tendo como modelo os violonistas Ney

    Orestes e Carlos Lentine, integrantes do Regional de Benedito Lacerda.

    Em uma determinada reunio familiar, conheceu Jacob Palmieri, pandeirista e ex-integrante dos Oito Batutas, sendo convidado para assistir uma apresentao do Regional de

    Benedito Lacerda, ocasio em que foi apresentado ao flautista. Em meio a uma conversa

    informal, Lacerda entrega-lhe o violo pertencente a um dos integrantes do seu regional,

    pedindo para acompanh-lo. Ele assim o fez sem sobressaltos, pois j possua esta prtica.

    Pouco tempo depois, em funo do agravamento do estado de sade de Ney

    Orestes, seu nome lembrado por Canhoto como uma alternativa de substituio temporria.

    4Pandeirista que atuou junto com Jacob do Bandolim, Pixinguinha e Altamiro Carrilho, sendo conhecido pelonome artstico de Jorginho do Pandeiro (1931).

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    Com apenas dezoito anos passa a integrar definitivamente um dos regionais mais importantes

    da poca, em virtude do falecimento de Ney Orestes.

    Posteriormente, o violonista Carlos Lentine se desentende com Benedito Lacerda

    passando a atuar junto ao Regional de Dante Santoro, fazendo com que Horondino Silva,

    mesmo por um curto perodo de tempo, ficasse como nico violonista at que Meira se

    juntasse ao grupo. A partir desse momento, consolidava-se o trio Horondino Silva, Meirae

    Canhoto, que desempenharia importante papel na histria da msica brasileira atravs da

    realizao de inmeras gravaes acompanhando renomados cantores e instrumentistas da

    poca.

    Somente no ano de 1942, j tocando profissionalmente h sete anos, resolveu

    estudar teoria musical tendo como professor um pianista de navios do lide conhecido apenaspor Verssimo. Taborda (1995) ressalta o seu bom rendimento enquanto aluno, afirmando que

    aprendeu a ler e escrever msica em menos de um ms, sendo suas aulas interrompidas em

    funo da morte repentina de seu professor, em decorrncia do naufrgio do navio onde

    trabalhava. (TABORDA, 1995, p. 52)

    importante ressaltar que sua atuao no Regional de Benedito Lacerda

    restringiu-se inicialmente execuo do violo de seis cordas, passando a tocar violo de sete

    cordas somente aps a morte do violonista Tute (Arthur de Sousa Nascimento 1886-1948)5

    eem funo da sada de Pixinguinha e de Benedito Lacerda do grupo, ou seja, aps 1950,

    quando o regional passou a ser coordenado pelo cavaquinhista Canhoto. A partir dessa data,

    passou definitivamente a tocar violo de sete cordas, iniciando uma nova fase em sua carreira,

    contribuindo assim para o processo de disseminao e popularizao do instrumento atravs

    de sua atuao junto ao acompanhamento de cantores e solistas em gravaes, shows e

    programas de rdio.

    No final da dcada de 1950, com o surgimento da bossa nova e posteriormente doi-i-i, o estilo interpretativo dos violonistas de sete cordas passou a ser considerado como

    algo fora de moda. Diante disso, a necessidade de adequao de Horondino Silva as novas

    tendncias do mercado de trabalho fez com que fosse obrigado a trocar o violo pela guitarra

    eltrica, vindo a integrar um conjunto de dana liderado por Paulo Barcelos.

    Na segunda metade da dcada de 1960, graas as gravaes de discos das escolas

    de samba carioca, o violo de sete cordas volta a ser requisitado. Com isso, participou nos

    anos de 1965 e 1967 da gravao de dois LPs do show Rosa de Ouro, do compositor

    5A referncia da data de nascimento e morte de Tute foi retirada da dissertao de Mrcia Taborda (1995).

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    Hermnio Bello de Carvalho, acompanhando as cantoras Clementina de Jesus e Araci Cortes

    (1904-1985), e o conjunto Rosa de Ouro. Nessa fase tambm deu aulas de violo e atuou

    junto ao Conjunto poca de Ouro, sob a coordenao de Jacob do Bandolim, de quem

    recebeu oapelido de Dino Sete Cordas, que adotou no decorrer de toda a sua carreira.

    A partir de 1970, com o ressurgimento das gravaes dos gneros samba e choro,

    passou a tocar com um grande nmero de cantores, como Beth Carvalho (1946), Raul Seixas

    (1945-1989), Gilberto Gil (1942), Carlinhos Vergueiro, Macal, Vincius de Moraes (1913-

    1980), Toquinho (1946), dentre outros. Em 1974, foi o responsvel pelos arranjos e pela

    regncia de dois discos importantes, lanados pela etiqueta Marcus Pereira: A msica de

    Donga, com Elizeth Cardoso (1920-1990), Paulo Tapajs (1913-1990) e outros e o primeiro

    LP de Cartola. Dois anos depois atuou novamente com Cartola, orquestrando o seu segundoLP, que lanou com o sucesso intitulado As Rosas no Falam.

    Foi um artista requisitado ao longo de sua carreira, trabalhando com compositores

    e intrpretes de diferentes geraes, como afirma o violonista Paulo Sete Cordas em

    entrevista a Nana Vaz de Castro:

    O Dino tem que ser referncia porque ele tocou desde com Francisco Alves at ZecaPagodinho. Ele moldou o estilo de tocar o instrumento. Como o sete cordas no tem

    muito mtodo, todo mundo tem que ouvir as gravaes dele. Dino tem umaimportncia fundamental para todos os violonistas. As variaes rtmicas que ele fazna baixaria so incrveis, ele nunca faz da mesma forma. Algumas gravaes memarcam, como a de Dama do Cabar, do Orlando Silva, ou Receita de Samba, dodisco Vibraes (poca de Ouro e Jacob do Bandolim). Quando as pessoas

    perguntam para mim como se deve estudar violo de sete cordas, eu respondo quedevem ouvir Vibraes, Choros Imortais I e II (Altamiro Carrilho) e os discos doCartola da Marcus Pereira. Est tudo ali. (CASTRO, Nana Vaz de, p. 1, 2001)

    No ano de 1991 foi lanado pela gravadora Caju Music o disco intitulado

    Raphael Rabello e Dino Sete Cordas. Nesse lbum em especfico, Dino Sete Cordas

    acompanha Raphael Rabello (1962-1995), um dos seus antigos discpulos e outro grande

    virtuose do instrumento6.

    Ao final de sua vida, diminuiu o ritmo de trabalho concentrando-se

    predominantemente na atividade pedaggica, ministrando aulas de seu instrumento.

    No dia 05 de Maio de 2006, foi internado no Hospital do Andara, do Rio de

    Janeiro, em funo de problemas de sade que culminaram em uma pneumonia, vindo a

    falecer no dia 27 de maio do mesmo ano.

    6 Vale ressaltar o fato de que neste lbum, em especfico, Raphael Rabello toca violo de seis cordasdesempenhando o papel de solista.

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    O documentrio intitulado Ao Jacob, seus bandolins, lanado em 2008 pela

    Gravadora Biscoito Fino em parceria entre a Escola Porttil de Msica e o Instituto Jacob do

    Bandolim, apresenta o que acredita-se ser a ltima apario pblica de Dino Sete Cordas

    registrada em vdeo, tocando junto ao conjunto poca de Ouro acompanhando vrios solistas,

    entre eles, Ronaldo do Bandolim (1950), Do Rian (1944) e Joel Nascimento (1937).

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    CAPTULO 2 - DA TEO