Dissertacao Thaissa Tamarindo Da Rocha Weishaupt Proni

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    THASSA TAMARINDO DA ROCHA WEISHAUPT PRONI

    PROTEO CONSTITUCIONAL MATERNIDADE NO BRASIL:UM CASO DE EXPANSO DA GARANTIA LEGAL

    DISSERTAO DE MESTRADO

    ORIENTADOR: PROF. DR. ANTONIO RODRIGUES DE FREITAS JUNIOR

    FACULDADE DE DIREITO UNIVERSIDADE DE SO PAULOSo Paulo

    2012

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    Thassa Tamarindo da Rocha Weishaupt Proni

    PROTEO CONSTITUCIONAL MATERNIDADE NO BRASIL:UM CASO DE EXPANSO DA GARANTIA LEGAL

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Direito daUniversidade de So Paulo, como requisito parcialpara obteno do ttulo de Mestre em Direito doTrabalho.

    Orientao: Prof. Dr. Antonio Rodrigues deFreitas Junior

    Faculdade de Direito USP

    So Paulo2012

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    Thassa Tamarindo da Rocha Weishaupt Proni

    PROTEO CONSTITUCIONAL MATERNIDADE NO BRASIL:UM CASO DE EXPANSO DA GARANTIA LEGAL

    MEMBROS DA BANCA EXAMINADORA:

    ______________________________________________________________________

    PROF. DR. ANTONIO RODRIGUES DE FREITAS JUNIORUNIVERSIDADE DE SO PAULO

    ______________________________________________________________________

    PROF. DR.UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    ______________________________________________________________________

    PROFA. DRA.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo ao meu orientador, Antonio Rodrigues de

    Freitas Junior, por ser um Mestre no aspecto mais autntico

    do termo. Por me guiar de forma segura no desenvolvimentodeste estudo. Pela oportunidade de trabalhar junto a ele no

    Programa de Aperfeioamento e Estgio. Pela confiana, pela

    sinceridade, pelo incentivo.

    Agradeo ao meu querido marido Marcelo, pela

    companhia, incentivo e apoio durante os anos de Mestrado,

    sem o qual sei que seria muito mais penoso assumir esta

    responsabilidade.Agradeo aos meus pais, pelo apoio incondicional. Ao

    meu pai, pelas horas minha espera no Largo So Francisco,

    meu companheiro de viagem, que tantas vezes abdicou do

    prprio trabalho para me acompanhar em minhas aulas e

    atividades.

    A todos os colegas que me acompanharam neste

    perodo to importante de minha vida.A todos os professores que fazem parte deste

    programa de ps-graduao.

    A todos os funcionrios da Faculdade de Direito da

    USP, pelos servios a mim prestados com tanta dedicao

    durante este perodo.

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    RESUMO

    Esta dissertao dedicada anlise da proteo maternidade no Brasil e expanso legal desta garantia social nos ltimos anos. Em tese, este direito constitucional

    permite uma condio melhor da mulher no mercado de trabalho e uma maior proteo criana recm-nascida, alm de possibilitar a conciliao entre as responsabilidades dotrabalho e da famlia, adequando-se s exigncias da sociedade moderna. Neste sentido,

    parte-se da hiptese de que a expanso desta garantia legal propicia o aperfeioamento daeficcia da proteo social.

    O objetivo do presente estudo examinar como a garantia legal de proteo maternidade evoluiu no cenrio normativo nacional e como o avano obtido em 1988assegurou a ampliao da eficcia da proteo referida. Atravs de um balano jurdico-histrico, a dissertao comprova que, a despeito dos discursos poca da Constituinte, aampliao do instituto no resultou na queda do emprego feminino, nem mesmo em

    prejuzo para a atividade empresarial.Mais especificamente, procura-se demonstrar que a expanso da garantia legalpode

    constituir ferramentapara o aperfeioamento da eficcia da proteo (ao contrrio do queos conservadores afirmaram e ainda afirmam de modo ideolgico e contrafactual). Para

    isso, a dissertao rev a trajetria do instituto da proteo maternidade, em perspectivade balano, analisando seus avanos no tempo. O que se evita afirmar (e a se impe olimite desta argumentao) que toda expanso da garantia legal necessariamente

    promovao aperfeioamento da eficcia da proteo; tambm, por outro lado, quesomentepela expansoda garantia legal seja possvel aperfeioar a eficcia da proteo.

    Procedimentos metodolgicos: 1) reviso bibliogrfica dos textos constitucionais edas obras que comentam o assunto para a organizao do quadro terico; 2) realizao de

    pesquisa documental para examinar o debate ocorrido na poca da Constituinte e daaprovao da atual Lei 11.770/2008; 3) produo de tabelas sobre a evoluo do empregofeminino a partir de dados do MTE, assim como quadros comparativos da licena-maternidade com base em publicaes do PNUD e da OIT.

    O tema extremamente relevante e capaz de provocar uma reflexo acerca do papeldecisivo da insero da proteo social nas Constituies, o que garantiu sua eficcia aolongo do tempo. Alm disso, relevante para criticar a falta de consistncia de discursoscontrrios ampliao de direitos trabalhistas (em particular, da classe empregadora), bemcomo indicar a necessidade de aprimoramento da legislao do trabalho acerca da proteo maternidade, em especial pelos direitos de conciliao entre trabalho e famlia.

    Em suma, a dissertao prope um estudo indito sobre o tema e apresenta umenfoque alinhado com as tendncias internacionais neste campo. Alm disso, aponta, pormeio da avaliao dos processos jurdico-histricos, diferentes caminhos para aprimorar aeficcia da proteo maternidade por meio do instrumental normativo.

    Palavras-chave: proteo maternidade; Lei 11.770/2008; direito do trabalho; trabalho damulher.

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    ABSTRACT

    This dissertation is addressed to the analysis of maternity protection in Brazil andthe expansion of social insurance law in recent years. In theory, this constitutional rightallows a better condition of women in the labor market and greater protection to thenewborn child, besides facilitating the conciliation between work responsibilities andfamily, adjusting to the demands of modern society.

    In this sense, it is normally assumed that the expansion gives legal guarantee ofimproving the effectiveness of social protection.

    The aim of this study is to examine how the legal guarantee of maternity protectionin the regulatory landscape has evolved and how the national progress made in 1988ensured the increased efficacy of such protection. Through a balance of legal and historicalvision, the dissertation shows that, despite the speeches at the time of the newConstitutions Congress, not the expansion of the Institute resulted in the decline of femaleemployment, even in injury to the business activity.

    More specifically, it seeks to demonstrate that the expansion of the legal guaranteescan be a tool for enhancing the effectiveness of protection (contrary to what conservativeshave said and still say so ideological and counterfactual). For this, the paper reviews the

    history of the institute of protection of motherhood, analyzing their progress over time. Thestudy avoids stating that any expansion of the legal guarantee necessarily promotes theimprovement of the effectiveness of protection. And on the other hand, one cannot thinkthat only the expansion of the legal guarantee to be able to improve the effectiveness of

    protection.Methodological procedures: 1) literature review of constitutional texts and works

    that comment on the matter to the organization of the of the theoretical framework; 2)conducting archival research to examine the debate occurred at the time of theConstitutions Congress and the approval of the current law (Lei 11.770/2008); 3)

    production of tables on the evolution of female employment data from the Labor Ministry,as well as comparative tables of maternity leave based on publications of UNDP and ILO.

    The theme is extremely relevant and able to cause a reflection on the crucial role ofthe insertion of social protection in the Federal Constitution, which guaranteed itseffectiveness over time. Moreover, it is important to criticize the lack of consistency of thearguments against the extension of labor rights (in particular, by employers) and indicatethe need for improvement of labor legislation on the protection of motherhood, especiallyfor the rights of reconciling work and family.

    In short, the paper proposes a new study about the topic and presents an approach inline with international trends in this field. In addition, he noted, by evaluating the legal andhistorical processes, different ways to enhance the effectiveness of maternity protectionthrough legal instruments.

    Keywords: maternity protection; Brazilian legislation; labor law; womens work.

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    SUMRIO

    Introduo 01

    1. Proteo constitucional maternidade 06

    1.1. Mulher e trabalho 08

    1.2. A proteo maternidade no mundo contemporneo 12

    1.3. Trajetria da proteo constitucional maternidade no Brasil 21

    2. O debate acerca da extenso da licena-maternidade na AssembliaConstituinte (1987-1988) e seus desdobramentos 25

    2.1. Discursos sobre a ampliao da proteo maternidade 28

    2.2. Negao do mito: o crescimento do emprego formal feminino 34

    3. A posio da OIT sobre pontos relevantes da proteo maternidade 40

    3.1. As convenes internacionais sobre a proteo maternidade 41

    3.2. Posio atual da OIT sobre a proteo maternidade 44

    4. Outras garantias legais e clusulas de negociao coletiva 48

    4.1. Licena mdica, flexibilidade na jornada, estabilidade no emprego 50

    4.2. Proteo maternidade na negociao coletiva 53

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    5. Ampliando o escopo da proteo 64

    5.1. Proteo me adotante e me social 65

    5.2. Proteo maternidade, direitos de conciliao entre trabalho

    e famlia e a nova diviso sexual do trabalho 70

    6. Avanos legislativos recentes da proteo maternidade 74

    6.1. Argumentos a favor e contrrios aos projetos de lei 75

    6.2. A Lei 11.770/2008 e seus desdobramentos 79

    6.3. Repercusso geral da matria previdenciria no STF 83

    Concluso 87

    Referncias bibliogrficas 92

    Anexo I Conveno e legislao 97

    Anexo II Quadros e tabelas 104

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    INTRODUO

    Ao lado de bens e valores sociais que inegavelmente integram o

    repertrio objetivo dos direitos humanos, como por exemplo, os que se

    projetam no eixo das liberdades, na qualificao jurdica da privacidade,

    na erradicao de mecanismos sociais constitutivos de desigualdades

    adjetas de gnero, de orientao sexual, de f, etc., o trabalho permanece

    figurando entre aqueles fatores sem os quais impossvel traar contornos

    confiveis para a compreenso do ser humano contemporneo.1

    O papel da mulher nas sociedades ocidentais, de um modo geral, tem sido

    revolucionado nas ltimas dcadas, em especial medida que vai sendo reinventado seu

    modo de ser no mundo do trabalho e na esfera da famlia. No Brasil, desde que os poetas

    Mrio Lago e Ataulfo Alves compuseram Ai, que saudades da Amlia, em 1942,

    contando o esteretipo da dona de casa conformada com sua condio de esposa e me,

    muita coisa mudou e cada vez mais mulheres tm assumido vrios papis ao mesmo tempo

    e mostrado que possvel conciliar a vida familiar com a vida profissional, inclusive

    galgando postos de direo e comando em grandes empresas e atuando em cargos pblicos.

    No obstante toda a carga cultural que pesa sobre os ombros das mulheres de serem

    as exclusivas cuidadoras das crianas, idosos e de pessoas portadoras de necessidades

    especiais, inclusive a de serem mes e amamentadoras, as novas geraes de mulheres tm

    procurado demonstrar a sua expertise em equilibrar as vrias funes e ocupar espaos que

    foram conquistados por meio de lutas histricas, motivadas pelo desejo e aspirao de

    liberdade e igualdade dentro de sociedades predominantemente patriarcais.

    1FREITAS JR., Antonio Rodrigues de (org.). Direito do trabalho e direitos humanos, So Paulo:BH Editora, 2006, Apresentao, p. 6.

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    Exemplos so abundantes. Uma das maiores empresas de bens de consumo, a

    multinacional Procter & Gamble atualmente tem uma mulher brasileira na direo de

    negcios na Amrica do Norte. Esta administradora ocupa hoje a lista das mulheres mais

    poderosas em duas das revistas de negcios mais famosas do mundo (Fortunee Forbes).

    Segundo declaraes dela, costuma trabalhar at 12 horas por dia na empresa e consegue

    arrumar tempo para preparar o almoo da filha, fazer exerccios e sair com os amigos2.

    Outro de muitos exemplos o da equipe de engenheiras da Dupont, multinacional

    da rea qumica e de agrotecnologia. Ocupando uma rea que h alguns anos era composta

    essencialmente pela fora de trabalho masculina, este grupo de mulheres compe uma

    gerao qual a diviso de papis masculinos e femininos j no faz nenhum sentido.

    Agrnomas, engenheiras de alimentos, geneticistas, engenheiras qumicas e outrasprofissionais da Dupont, lideram pesquisas e equipes, alm de cuidarem de suas famlias,

    como uma segunda jornada. Segundo informaes da prpria empresa, hoje a Dupont

    emprega 656 mulheres na filial no Brasil, representando 36% do quadro geral de

    funcionrios, sendo que mais da metade est em cargos de liderana.

    No obstante estes avanos revolucionrios, as conquistas no campo do trabalho

    implicaram e implicam no acmulo de jornadas: fora e dentro do lar (conforme acima).

    Afora o acmulo de jornadas, h ainda outro desafio para as mulherestrabalhadoras. que no mercado de trabalho, por vezes, a mulher ainda sofre algumas

    resistncias por ser a reprodutora, aquela que se afastar das atividades para gozar a

    licena-maternidade. Embora a famlia seja protegida pela Constituio Federal e por

    muitas vozes da sociedade nacional e internacional, parece que sua perpetuao no

    prioritria, quando isso reflete em remanejamento de prioridades capitalistas.

    A reproduo humana interessa sociedade como um todo, pois educar e cuidar das

    crianas um investimento nas geraes futuras, significa a evoluo do homem. Apesardisso, o fato da responsabilidade de bem criar as crianas recair quase que totalmente sobre

    as mulheres tem feito com que elas sejam qualificadas (ou desqualificadas) como uma

    fora inferior de trabalho, pelas limitaes que isso lhes impe.

    Todavia, como cumpridora de uma funo social primordial, a reproduo deveria

    estar totalmente integrada vida pblica e laboral e no ser vista como uma parte

    particular do mundo feminino e das aspiraes ligadas luta de gnero.

    2SALOMONE, Roberto. Perfil: Melanie Healey, Voc S/A, ed. 13, Especial Mulheres 2, junho de2011.

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    A proteo constitucional maternidade foi elevada ao patamar dos direitos

    sociais3pelas Constituies e Tratados Internacionais na onda construtiva do Estado Social

    e do constitucionalismo moderno, cujos precursores foram a Repblica de Weimar e o

    Mxico (1919 e 1917), permitindo, tais movimentos, o estabelecimento da igualdade real

    entre os indivduos por meio da positivao de direitos sociais mnimos, a garantia

    denominada mnimo existencial4, conceito cuja abrangncia foi-se alargando com o

    tempo5.

    No Brasil, tal movimento histrico acabou por influenciar a elaborao da

    Constituio de 1934, e posteriormente nortear os primeiros momentos da construo do

    Estado de bem-estar nacional, quando ento os direitos sociais foram positivados e

    elevados ao patamar constitucional, movimento este que culminou na Constituio Cidadde 1988, que revelou o carter evolutivo da questo no ordenamento ptrio.

    Este estudo pretende, ento, realizar uma discusso a respeito da eficcia da

    proteo constitucional maternidade no Brasil e ampliao de suas garantias e, tambm,

    investigar, ainda que de forma sumria, as limitaes de outras normas correlatas quanto

    ao vislumbre dos direitos de conciliao entre trabalho e famlia, frente nova diviso

    sexual do trabalho.

    3Para o mestre alemo Robert Alexy, os direitos sociais so considerados fundamentais, podendoser tambm denominados direitos a prestao em sentido estrito. Para o ilustre jurista, direitos a prestao emsentido estrito so direitos do indivduo em face do Estado, a algo que este indivduo, se dispusesse demeios financeiros suficientes e se houvesse uma oferta suficiente no mercado, poderia tambm obter departiculares. Quando se fala em direitos fundamentais sociais, como por exemplo, direitos assistncia sade, ao trabalho, moradia e educao, quer-se primariamente fazer meno a direitos a prestao emsentido estrito. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, 2. ed. So Paulo: Malheiros Editores,2011 [1986], cap. 9, p. 499.

    4 Conceito de mnimo existencial em Alexy: um direito s condies mnimas de existncia

    humana digna que no pode ser objeto de interveno do Estado e que ainda exige prestaes estataispositivas, como, por exemplo, o direito da me proteo e assistncia na Constituio alem, artigo 6, 4. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, 2011, cap. 7.

    5Qual a extenso do mnimo social? Segundo John Rawls: O bom senso pode contentar-se emdizer que o nvel correto depende da riqueza mdia do pas e que, outros fatores permanecendo constantes, omnimo deve ser mais alto que essa mdia aumenta. Ou tambm poderia se dizer que o nvel adequado determinado por expectativas costumeiras. Mas essas proposies so insatisfatrias. A primeira delas no suficientemente precisa, j que no explica como o mnimo depende da riqueza mdia e ignora outrosaspectos relevantes tais como a distribuio; ao passo que a segunda no oferece critrio algum para que sediga quando as prprias expectativas costumeiras so razoveis. Depois de aceito o princpio de diferena,contudo, deve-se estabelecer o mnimo no ponto em que, levando-se em conta os salrios, maximize asexpectativas do grupo menos favorecido. Ajustando-se o montante de transferncias (por exemplo, o

    montante dos benefcios monetrios suplementares), possvel aumentar ou diminuir as perspectivas dosmais desafortunados, o seu ndice de bens primrios (medido pelos salrios mais transferncias), de modo achegar ao resultado desejado. RAWLS, John. Uma teoria da justia. So Paulo: Martins Fontes, 2008[1971], cap. 5, p. 355.

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    Com este escopo definido, convm esclarecer que o estudo est dividido em seis

    captulos, alm da introduo e da concluso. Primeiramente, feita uma breve referncia

    maneira como a proteo maternidade tratada nas Constituies, indicando a

    diversidade de situaes nacionais encontradas atualmente, e se realiza uma anlise da

    trajetria da proteo maternidade no Brasil.

    O segundo captulo apresenta uma anlise dos discursos em torno da elaborao da

    atual Constituio Federal no que se refere necessidade e viabilidade econmica da

    ampliao dos direitos sociais, com foco no tema da proteo maternidade. Em

    acrscimo, examina a evoluo do emprego feminino no perodo posterior aprovao da

    Constituio de 1988.

    No terceiro captulo, apontada a evoluo do debate no TST e a argumentao daOIT sobre pontos relevantes da proteo maternidade. A posio dos Tribunais

    Superiores, por meio da edio de smulas, tendeu a esclarecer pontos da legislao,

    reafirmando a proteo maternidade e ao trabalho da mulher, colocando em evidncia

    alguns aspectos tratados em normas coletivas do trabalho. Por sua vez, as convenes da

    OIT e os estudos publicados pela instituio permitem entender o esforo de estabelecer

    um patamar mnimo de proteo maternidade, ainda que as diferenas nacionais sejam

    muito claras, em especial no que se refere durao e financiamento da licena-maternidade.

    O captulo quarto coloca em considerao outras garantias legais, tais como a

    licena mdica, flexibilidade na jornada, estabilidade no emprego e proteo no ps-parto.

    Tambm procura discutir o papel desempenhado pela negociao coletiva neste campo.

    No quinto captulo, a prioridade indicar outros aspectos relacionados com o tema

    em questo, com nfase em duas frentes de ampliao dos direitos: a proteo legal me

    adotante e me social; e a limitao legal aos direitos de conciliao entre trabalho efamlia, num contexto de mudanas na diviso sexual do trabalho.

    O sexto captulo se destina anlise dos avanos legislativos infraconstitucionais

    recentes. Comea apresentando os argumentos a favor e contrrios ampliao da licena-

    maternidade. Em seguida, enfatiza os avanos propiciados pela Lei 11.770/2008. Alm

    disso, comenta a repercusso geral da matria previdenciria no STF. Espera-se, assim,

    contribuir para o debate jurdico, realizando uma anlise crtica da eficcia da proteo

    constitucional maternidade, em sintonia com as ondas protetivas na evoluo histrica

    nacional.

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    Ao que tudo indica, neste caso especfico de proteo, a ampliao da proteo

    maternidade pode constituir ferramenta para o aperfeioamento da eficcia da proteo, ao

    contrrio do que os atores conservadores afirmaram e ainda afirmam de modo ideolgico e

    contrafactual. No entanto, no se pode afirmar aqui, que toda expanso da garantia legal

    necessariamente promova o aperfeioamento da eficcia da proteo, nem, por outro lado,

    que somente pela expanso da garantia legal seja possvel aperfeioar a eficcia da

    proteo. Exatamente a se estabelecem os limites deste trabalho.

    Dessa forma, pretende-se contribuir para os debates recentes a respeito da

    ampliao do destes direitos sociais, bem como contribuir com parmetros jurdicos que

    possam propiciar iniciativas para a criao de uma legislao ptria que considere a

    proteo maternidade luz da conciliao entre trabalho e famlia, no apenas por setratar de uma necessidade das mulheres, mas da sociedade em geral.

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    CAPTULO 1

    PROTEO CONSTITUCIONAL MATERNIDADE

    pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distncia que a separava do homem;

    somente o trabalho poder garantir-lhe uma independncia concreta.

    Simone de Beauvoir

    A evoluo do direito positivo em matria constitucional foi fundamental para que

    a mulher conquistasse um espao digno no mundo do trabalho. A proteo conferida por

    estes comandos legais permitiu, em ltima anlise, uma maior participao da mulher nomercado de trabalho e a elevao contnua destes ndices na atualidade, em regra (e

    formalmente), com os mesmos direitos dos homens.

    H, sim, incongruncias e alguma utopia neste tipo de afirmao (quando

    categrica), porque os percalos foram e so diversos; foi com a luta de gnero e com

    embate argumentativo dos atores sociais que a histria pde registrar avanos no tema

    trabalho da mulher. E o dilogo dos atores continua ocorrendo, a cada cogitao de nova

    configurao legislativa sobre a matria.Por isso mesmo, cumpre perguntar, ento: nesta poca, homens e mulheres

    realmente so iguais em direito e obrigaes? Em adio: o alargamento da proteo

    maternidade restringe ou apia esta igualdade? E isto pode afetar a participao da mulher

    no mercado de trabalho, em quantidade e qualidade, comparando-se com a massa de

    trabalho masculina?

    Pode-se entender que seria impossvel a promoo da dignidade e igualdade da

    mulher no trabalho sem a proteo maternidade e criana, pois como bem indicou o

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    jurista Homero Batista Mateus da Silva, proteo maternidade e ao recm-nascido so

    formas diretas de proteo ao trabalho da mulher (grifo meu)6.

    Parece razovel concluir que a condio primordial para que a mulher pudesse se

    inserir no mundo do trabalho que houvesse tambm legislao especial para seu

    tratamento. No a premissa da justia, que para concretiz-la, necessrio tratar os

    desiguais de forma desigual7? Se assim no fosse, no se justificaria a legislao que

    distingue a carga mxima de carregamento de peso para homens e mulheres, segundo

    artigo 198 (homens) e artigo 390 (mulheres) da CLT. No verdade que a massa muscular

    e ssea feminina, em regra e considerando-se o perfil fsico da mulher mdia, mais

    frgil?

    E no verdade que somente a mulher, at hoje, biologicamente capaz de geraruma criana? Segundo a jurista Alice Monteiro de Barros, a gestao inclui muito mais que

    carregar a criana no ventre. Para ela, trata-se de um processo psicolgico complexo, de

    intensa atividade emocional, que testa tanto as reservas fsicas e psquicas quanto a sua

    aptido para criar uma nova vida8.

    Igualmente, no sobre a me adotiva que recai a maior parte da responsabilidade

    de cuidar do filho, quando este chega ao lar adotivo, sendo ele beb ou criana maior? A

    amamentao, mesmo que pela mamadeira, no fica, na maior parte do tempo, a encargoda me? A me adotiva, igualmente, passa por processo psicolgico complexo durante o

    processo de adoo. Certamente, suas reservas fsicas e psquicas so postas prova.

    Nesta toada, no da fragilidade feminina, mas da prpria diferena entre os sexos

    imposta pela biologia e pela cultura (papel social de mulher), a necessidade de uma

    legislao especial se impe. Em particular, no caso da maternidade.

    Veremos, neste captulo, a evoluo desta legislao especfica e as diferenas de

    concesso da licena-maternidade no direito estrangeiro.

    6 SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado. Rio de Janeiro:Elsevier, 2009, vol. 3, p. 153.

    7Desde o pensamento de Plato e Aristteles, o conceito de justia caminha de braos dados com oconceito de igualdade. til relembrar que, tanto pela filosofia do direito (REALE, Miguel. Filosofia dodireito, 1999[1953]) quanto pela poltica (BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade, 1997), em se tratandode igualdade, h dois comandos que precisam ser respeitados: a) a lei no pode fazer distino entre aspessoas que ela considera iguais; b) a lei deve fazer distines a fim de igualar a desigualdade existente no

    meio social, ou, a lei deve fazer distino entre as pessoas que considera desiguais. Exemplos: proteo aosidosos, estatuto da criana e do adolescente e as leis especiais ao consumidor.

    8BARROS, Alice Monteiro de.A mulher e o direito do trabalho. So Paulo: LTr, 1995, p. 39.

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    1.1. Mulher e trabalho

    As conquistas das mulheres no campo do trabalho foram obtidas sempre graas

    sua capacidade de luta, de mobilizao, de presso. Olhar um pouco esta histria e reter

    alguns momentos marcantes de afirmao do poder feminino pode ajudar a entender o

    contexto mais abrangente no qual ocorrem as disputas por direitos constitucionais. De

    acordo com Paula Cantelli, durante a transio da fase de excluso para a de proteo,

    embora submissas no trabalho e no lar, havia uma parcela de mulheres que j se envolviam

    nos movimentos populares. Embora submetidas s mais variadas discriminaes, no

    foram poucas as mulheres que lutaram em movimentos sociais inspirados, por exemplo,

    pela Revoluo Francesa de 1789 (momento marcante em que desempenharam papel

    decisivo, lutando em favor da liberdade contra a opresso, ajudando a derrubar a

    monarquia em defesa de melhores condies de vida)9.

    Ao longo do sculo XIX, algumas mulheres exerceram papel de extrema relevncia

    no surgimento das leis relativas ao trabalho. Foi diante das denncias de explorao

    feminina (e infantil) que o Estado sensibilizou-se e interveio, ainda que de forma

    incipiente, nas condies de trabalho que afetavam os empregados. Tanto que as primeirasleis trabalhistas referem-se ao trabalho da mulher e do menor, conforme se sabe.

    Na Inglaterra, centro industrial e maior potncia mundial, foi publicado em 1842 o

    Coal Mining Act, lei que proibia o trabalho da mulher em subterrneos; em 1844, o

    Factory Act, que reduzia a jornada de trabalho para doze horas e vedava s mulheres o

    trabalho noturno; em 1878, o Factory and Workshop Act, que fixava a carga semanal

    feminina em 55 horas e meia na indstria txtil e em 60 horas nas outras fbricas,

    excluindo o domingo10

    .Estas legislaes provocaram efeitos ambguos: por um lado, disciplinaram e

    restringiram a super-explorao do trabalho feminino; por outro, provocaram atitudes

    discriminatrias contra as trabalhadoras nos ramos industriais. Muitos dos direitos

    conquistados em face da diferena de sexo, embora necessrios, acabaram gerando, ainda

    9(...) uma enorme multido enfurecida de mulheres esfomeadas avanou sobre Versalhes no atoque ps fim monarquia (...). E foram as mulheres que tomaram a iniciativa dos atos mais violentos emdefesa do po para os seus filhos (MURARO, Rose M.,A mulher no terceiro milnio. Rio de Janeiro: Rosa

    dos Tempos, 2000, apud CANTELLI, Paula Oliveira. O trabalho feminino no div: dominao ediscriminao. So Paulo: LTr, 2007, p. 77.

    10BARROS, Alice Monteiro de.A mulher e o direito do trabalho. So Paulo: LTr, 1995, p. 30.

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    9

    que indiretamente, maior discriminao contra o trabalho da mulher. No ltimo quarto do

    sculo XIX, medida que aumentavam as restries em relao ao trabalho da mulher, a

    procura por mo-de-obra feminina diminua consideravelmente, verificando-se, assim,

    certo movimento de retrao da mulher para o lar.

    Essa tendncia manteve-se por muito tempo. No incio do sculo XX, com o

    avano da industrializao e o crescimento dos servios urbanos, houve uma nova onda de

    insero das mulheres no mercado de trabalho. Contudo, elas continuavam sendo vistas

    como mo-de-obra barata, dcil, que podia ser sobre-explorada facilmente. Em 1910,

    quando ocorreu o primeiro congresso internacional de mulheres, em Copenhagen, entre as

    principais reivindicaes estavam o direito de voto e melhores condies de trabalho.

    Neste congresso foi proposta a criao do dia das mulheres11.A reverso daquelas atitudes contrrias contratao de mulheres foi possvel, em

    especial, por causa das necessidades trazidas pela Primeira Guerra Mundial, que exigiu o

    trabalho feminino nas fbricas e em vrios outros setores de atividade. Gradualmente, foi

    sendo retirado o carter de tutela que era imposto sobre o trabalho da mulher.

    Posteriormente, com a Segunda Guerra Mundial, houve um grande avano em termos do

    papel que as mulheres passaram a desempenhar no mercado de trabalho dos pases

    industrializados.De qualquer forma, a desigualdade entre homens e mulheres no trabalho no foi

    eliminada. A organizao do trabalho caracterstica dofordismo com trabalho repetitivo

    e padronizado, com ambientes de trabalho mais limpos e seguros possibilitou s

    mulheres voltarem s fbricas, porm no certo que no mesmo patamar dos homens: elas

    agora tinham empregos menos vulnerveis, porm, ainda ocupando as funes pior

    remuneradas. E mesmo com a introduo do toyotismo com fbricas enxutas e linhas de

    produo mais eficientes a situao no se alterou muito. Segundo Las Abramo eMarianela Armijo, os processos de modernizao tecnolgica e organizacional no

    proporcionaram s mulheres, de um modo geral, acesso a novas profisses ou a postos de

    trabalho melhor remunerados ou com maior responsabilidade, muito pelo contrrio. Na

    11Cf. UNITED NATIONS.International Womens Day, 1997. O Dia Internacional da Mulher, 8 demaro, s foi definido pela ONU em 1975. Uma explicao sobre a origem do movimento sugere que nocongresso internacional de 1910 foi marcada a primeira comemorao do dia da mulher para 19 de maro de1911. Poucos dias depois, houve um trgico incndio, ocorrido em 25 de maro de 2011 numa fbrica txtil

    em New York, no qual morreram 146 trabalhadores, a grande maioria mulheres, vtimas de ms condies detrabalho e descaso dos patres. Esse episdio ficou marcado no imaginrio coletivo. Posteriormente, houveuma greve de operrias russas contra a fome e a guerra, em 8 de maro de 1917, que serviu como estopimpara a revoluo contra o czar.

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    Amrica Latina, a partir do momento em que a qualificao passou a ser imprescindvel

    para a manuteno do emprego, as mulheres foram, novamente, colocadas em posio

    secundria no mercado de trabalho12.

    Sob a viso do socilogo italiano, Antonio Negri, estes movimentos de atrao e

    repulsa de trabalhadoras mulheres no mercado de trabalho qualificado e produtivo

    refletem, ao fim das contas, uma insero definitiva da mulher no mundo do trabalho.

    Assim, atualmente estaramos vivendo a era da feminilizao do trabalho. Aponta:

    E do ponto de vista das mulheres? Parece-me que neste ponto se assiste a uma paradoxal

    heteronomia das finalidades. Explico-me. O feminismo havia exaltado a mulher como um

    gnero separado ou, de outro modo, como capaz de se equiparar aos homens; em tornodestas finalidades havia desdobrado a sua revoluo. Agora, diferena das previses, a

    feminilidade est se tornando o elemento decisivo naquele campo que era reservado ao

    homem: o trabalho produtivo. Longe de se separarem, as qualidades femininas do trabalho

    atingem todo o territrio produtivo; longe de alcanarem uma equiparao, as mulheres se

    tornam hegemnicas na biopoltica ps-moderna. E logo tomaro conscincia disso.13

    Esta a trajetria do trabalho da mulher, relatada em breves palavras e sob o olhar

    que interessa a esta investigao. Porm, no se pode ignorar que falar em proteo

    maternidade tambm abordar, numa perspectiva maior, a condio do trabalho feminino.

    Por isso, preciso ir um pouco alm. preciso considerar outro approach, pertinente e

    interessante, que merece ser aprofundado: o trabalho sob a condio feminina. Condio

    assim empregada no mediante a acepo que lhe empresta a teoria geral dos atos

    jurdicos, mas enquanto posio social e institucional contingente aos que se encontram

    sob o impacto da discriminao mulher.

    De acordo com Antonio Rodrigues Freitas Junior14, para abordar o problema dadiscriminao da mulher, deve-se considerar que, com a evoluo das legislaes relativas

    igualdade de gnero e participao da mulher no mercado de trabalho, a questo da

    isonomia neste tema revela duas nuances: a igualdade formal e a substantiva, no sentido

    12ABRAMO, Las; ARMIJO, Marianela. Cambio tecnolgico y el trabajo de las mujeres. RevistaEstudos Feministas, vol. 5, n. 1, 1997.

    13NEGRI, Antonio. A feminizao do trabalho,Folha de So Paulo, So Paulo, 14.jun.1998, Seo

    Autores, p. 1.3.14 Cf. FREITAS JR, Antonio Rodrigues de. O trabalho feminino no Brasil. Revista Jurdica do

    trabalho, ano 1, n. 3, out./dez. 1988.

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    de, respectivamente, se referir materialidade conceitual do direito e depois dimenso

    criadora, substantiva deste mesmo direito.

    Como corolrio, entendemos que a regulamentao, por si, no constitui passaporte

    de entrada da mulher ao mercado de trabalho, sob as mesmas condies dos homens

    trabalhadores. As condies permanecem assimtricas e a equalizao destas

    caractersticas um trabalho constante e, inclusive, atual.

    No se pode entender, todavia, que, em todos os casos, a regulamentao propicia

    ou propiciou o nico e melhor caminho para encaminhar o problema. Inclusive, neste

    trabalho, a investigao se aprofunda em relao ao bem jurdicoproteo maternidadee

    evoluo da regulamentao deste mesmo bem. Ao final, o que se pretende demonstrar

    que a seqncia de fatos sociais e transformaes legislativas, a contento, propiciaram umainegvel contribuio questo do trabalho sob a condio feminina.

    importante argumentar, ainda, nesta toada, que o trabalho sob a condio

    feminina sofreu (na onda das mesmas discusses pr e ps-constitucionais de 1988), uma

    crtica que procurou justificar a assimetria citada acima, fundada na alegao da menor

    qualificao da mulher em relao aos homens, o que atualmente se encontra quase que

    totalmente superado.

    No menos importante notar que toda a evoluo social relativa ao tema contrariouuma viso da prpria comunidade jurdica (magistrados, procuradores, operadores do

    direito e legisladores), de que o problema do trabalho da mulher era um problema de

    minoria (algum tratamento semelhante s minorias tnicas), e que seria tratvel, por

    vezes, pela prpria mulher, por meio de suas novas atitudes, resultantes do perfil da

    mulher moderna (diga-se, preparada e treinada).

    Ainda segundo Freitas15, comumente, figuraram explicaes que tendiam a

    devolver mulher as causas da desigualdade. Assim, vm os argumentos no sentido de que no mercado, mediante procedimentos de capacitao e habilitao adequados, que a

    mulher (re)aprenderia seu papel de cidad e de trabalhadora competitiva. Desde que

    assegurados os contornos da isonomia e restabelecida a equivalncia de direito entre os

    sexos, suprimindo em vez de ampliando o estatuto protetor especial mulher, num

    mecanismo de plena competio com a mo-de-obra masculina.

    15FREITAS JR, Antonio Rodrigues de. O trabalho feminino no Brasil.Revista Jurdica do trabalho,ano 1, n. 3, out./dez. 1988.

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    Os fatos econmicos e sociais comprovaram, finalmente, que tais afirmaes so

    frgeis e simplistas. A insero das mulheres em cargos altamente qualificados, no ramo

    privado e pblico, por si, desbanca boa parte desta argumentao.

    Mas, ao final, o que se deseja no a desconstruo de teorias, mas a efetividade de

    direitos que so as aspiraes de um povo, elevadas ao patamar constitucional de um

    estado democrtico festejado e bem-vindo. Continuar construindo solues que envolvam

    o Estado, a iniciativa privada e o movimento sindical (por meio da negociao coletiva)

    parece ser o caminho mais adequado para a realizao da dignidade e igualdade de gnero

    no trabalho. Continuar propiciando segurana s mulheres que conciliam a vida familiar

    com a profissional nada menos que promover esta igualdade de direitos e de

    oportunidades16.

    1.2. A proteo maternidade no mundo contemporneo

    A insero dos direitos sociais nos textos constitucionais inaugura uma nova fase

    no constitucionalismo moderno, o das constituies escritas, com o marco histrico dasConstituies do Mxico, de 1917 e de Weimar, de 1919. Este constitucionalismo social

    influenciou diretamente a Constituio brasileira de 1934 (Estado Social de Direito).

    O constitucionalismo contemporneo, mais recente, caracterizado pelos textos

    sedimentados em contedo social, estabelecendo normas programticas, cujo exemplo

    primoroso a Constituio Federal de 1988.

    No Direito estrangeiro, parte dos ordenamentos relativos proteo maternidade

    encontra-se em leis especficas e no em textos constitucionais, como o caso dos pasesnrdicos, como Noruega, Dinamarca e Sucia17. A licena-maternidade remunerada tem

    durao de 36 semanas na Noruega, 18 semanas na Dinamarca e 14 na Sucia. No caso da

    Dinamarca, a licena disciplinada pela Lei n. 234 de 4 de junho de 1980, complementada

    pela Lei n. 101, de 6 de maro de 1987.

    16Cf. ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Trabalho e famlia: rumo a novasformas de conciliao com co-responsabilidade social. Braslia: OIT, 2009.

    17Cf. BARROS, Alice Monteiro de.A mulher e o direito do trabalho. So Paulo: LTr, 1995.

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    J na Frana, diferentemente dos exemplos citados, a proteo maternidade

    tratada no Cdigo de Trabalho, especificamente na Seo V, II do Ttulo II do Livro 1.

    No caso da Itlia, por sua vez, a Constituio trata do princpio da no

    discriminao projetando especial proteo ao trabalho da mulher e maternidade,

    promovendo a proteo da me, da criana e da relao de ambos no estgio de licena

    definido por lei infraconstitucional. Vejamos:

    Art. 37 - La donna lavoratrice h gli stessi diritti e, a parit di lavoro, le stesse retribuzioni

    che spettano al lavoratore. Le condizioni di lavoro devono consentire l'adempimento della

    sua essenziale funzione familiare e assicurare all madre e al bambino uma speciale

    adeguata protezione. La legge stabilisce il limite minimo di et per il lavoro salariato. La

    Repubblica tutela il lavoro dei minori com speciali norme e garantisce ad essi, a parit di

    lavoro, il diritto alla parit di retribuzione18.

    Afirmando o imperativo constitucional, vale ressaltar que uma ao legislativa

    adequada foi realizada na Itlia com objetivo de permitir mulher, segundo o definido na

    Constituio, a realizao de sua funo essencial familiar, assegurando me e criana

    uma especial e adequada proteo (art. 37, 1). No que se refere jurisprudncia

    constitucional, importante dizer que a Sentena 270 de 1999 declarou ainconstitucionalidade na Lei 1.204/1971, intitulada Tutela das Mes que Trabalham, na

    parte em que no prev para a hiptese de parto prematuro, prazos adequados que possam

    propiciar me e criana uma tutela adequada (art.4, 1 da referida Lei).

    Assim, nota-se a fora e a respeitabilidade da Constituio italiana em promover a

    proteo da me e da criana, alm de reforar o instituto prprio que define a licena-

    maternidade, que neste caso de 150 dias. Caso a Corte italiana entenda que qualquer

    legislao infraconstitucional no esteja em harmonia com o comando constitucional, quevisa possibilidade de a mulher cumprir sua funo familiar, esta lei ser objeto de

    controle de constitucionalidade jurisprudencial, conforme exemplo.

    18 Constituio Italiana, art. 37. Verso em espanhol: La mujer trabajadora tendr los mismosderechos y, a igualdad de trabajo, la misma retribucin que el trabajador. Las condiciones de trabajo debern

    permitir a la mujer el cumplimiento de su misin familiar esencial y asegurar a la madre y al nio unaproteccin especial adecuada. La ley establecer el limite mximo de edad para el trabajo asalariado. LaRepblica proteger el trabajo de los menores com normas especiales y ls garantizar, para trabajos iguales,el derecho a la igualdad de retribucin.

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    verdade que o Direito estrangeiro tem influenciado as legislaes nacionais na

    maior parte dos pases da Amrica Latina, quando o assunto relacionado ao trabalho.

    Contudo, h uma diversidade de instrumentos legais e de sistemas de proteo

    maternidade no que diz respeito ao perodo do afastamento e aos benefcios garantidos por

    lei nos pases da Amrica Latina e Caribe19.

    Outro aspecto importante no Direito estrangeiro que a questo do trabalho

    feminino no abordada somente em relao extenso ou durao da licena-

    maternidade. Se na Amrica Latina e Europa constata-se uma tendncia geral de aceitao

    da importncia do afastamento pelo tempo adequado no ps-parto, alguns pases,

    concomitantemente, pensam em polticas pblicas para preservar o vnculo de emprego da

    mo-de-obra feminina, para que estas mulheres possam gozar deste benefcio e aindapossam continuar conciliando a atividade familiar e profissional.

    Na Alemanha, a exemplo do que nos relata o jurista alemo Wolfgang Dubler20, o

    direito trabalhista reage sob trs aspectos quanto a isso. Em primeiro lugar, h um

    consenso j sedimentado de que qualquer discriminao em relao ao sexo proibida e se

    manifesta na fixao das faixas salariais e na concesso de adicionais, j que l as polticas

    salariais dos sindicatos e das empresas esto sujeitas a prtica de correo pelo Estado

    (ainda que de maneira limitada).A Suprema Corte Europia tem tomado decises contra a discriminao indireta, o

    que se refletiu na proteo ao trabalho da mulher, j que esta mesma Corte proibiu que

    empregados com jornada reduzida sejam excludos de benefcios, como o fundo de penso

    da empresa e da penso por doena (l, cerca de 90% de trabalhadores com jornada

    reduzida so mulheres.

    A respeito do Direito Comunitrio, cumpre observar que o tratamento dispensado

    ao combate discriminao de gnero admirvel. H uma vasta ateno dada ao tema,principalmente buscando promoo da igualdade de renda e oportunidades. No entanto,

    alguns doutrinadores advertem que a ateno dada questo de gnero como forma de

    promoo da igualdade deve sempre ser acompanhada do empoderamento da Suprema

    Corte Europia em decidir, com base no Tratado de Amsterd, questes conflituosas de

    raa, religio, opo sexual etc., na busca da promoo da integral igualdade (de modo que

    19Cf. ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Trabalho e famlia: rumo a novasformas de conciliao com co-responsabilidade social. Braslia: OIT, 2009, cap. 3.

    20DUBLER, Wolfgang.Direito do trabalho e sociedade na Alemanha.So Paulo: LTr, 1997.

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    essa busca no se restrinja questo de gnero). A doutrinadora italiana Luisa Galatino,

    refletindo sobre esta questo, adverte:

    Se il principio della parit di trattamento tra uomini e donne ormai da tempo

    consolidato in consistente corpus di norme comunitarie, va posto in evidenz che il Trattato

    di Amsterdam espressamente conferisce al Consiglio il potere di prendere i provvedimenti

    opportuni per combattere le discriminazioni fondate non solo sul sesso, ma anche sulla

    razza, sullorigine etnica, sulla religione, sulle convinzioni personali, sugli handicap,

    sullet o sulle tendenze sessuali21.

    Note-se que a Alemanha vem discutindo como criar real igualdade de

    oportunidades, j que a proibio de discriminao no resolve, por si, o problema. Houve

    algumas discusses a respeito de cotas para mulheres, mas nada de concreto se determinou

    sobre isso. De qualquer maneira, todas estas medidas, somadas com a licena-maternidade,

    que hoje de at 2 anos (um perodo remunerado, outro no), vem colocando o Direito e o

    Estado alemes entre os pases mais avanados no que diz respeito proteo

    maternidade.

    Por outro lado, importante apontar que a cobertura e o contedo da proteo

    maternidade variam muito de pas para pas. Ou seja, ainda hoje, h muitas mulheres que

    no tm garantido sequer o direito licena-maternidade, dependendo do tipo de insero

    no mercado de trabalho e do modelo de proteo social vigente. No caso dos pases em

    desenvolvimento, certamente, esse problema bem mais grave. De acordo com relatrio

    publicado em conjunto pela OIT e pelo PNUD:

    Um problema ainda mais premente a ausncia de cobertura universal. Ao contrrio,

    tendo em vista mltiplas excluses, se produz uma brecha de execuo, ou seja, uma

    proporo importante de trabalhadoras e trabalhadores fica fora do alcance da lei, sem

    possibilidade de usufruir destes direitos. A primeira excluso decorre da limitao da

    cobertura da legislao a assalariados formais: os trabalhadores informais, por definio, se

    inserem entre os excludos. A informalidade no trabalho uma modalidade endmica de

    21GALANTINO, Luisa. Diritto comunitario del lavoro. Torino: G. Giappichelli Editore, 2001, p.191. Traduo livre: Se o princpio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres tem sido

    estabelecido no vasto corpo da legislao comunitria, devem ser colocados na mostra que o Tratado deAmsterd d explicitamente ao Conselho o poder de tomar medidas adequadas para combater adiscriminao no s de sexo, mas tambm de raa, origem tnica, religio, crena, deficincia, idade ouorientao sexual.

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    excluso em muitos pases da regio, o que, por sua vez, acarreta baixa cobertura da

    previdncia social. Este tema preocupante, sobretudo para as mulheres, pois, mais de

    50% das trabalhadoras esto no setor informal na Amrica Latina e Caribe. Como

    resultado, estas mulheres no contam com o direito proteo maternidade, carecem dereconhecimento de sua condio, licena-maternidade e tempo remunerado para

    amamentao.22

    Estudo recente publicado pela OIT referente s disposies legislativas nacionais

    que regem a proteo maternidade em 167 pases permite observar a diversidade de

    situaes encontradas nos diferentes continentes23. possvel constatar que, em geral, nos

    pases economicamente mais atrasados so maiores as propores de mulheres que no

    podem desfrutar de um perodo de licena do trabalho, nem dispem de condies

    necessrias para conciliar trabalho e famlia. Mas, de acordo com o relatrio, tem havido

    uma ampliao perceptvel da proteo legal bsica. As principais tendncias verificadas

    entre 1994 e 2009 so as seguintes: aumento gradual do perodo de licena-maternidade,

    melhoria do valor pago (taxa de reposio) e paulatina retrao do modelo de

    financiamento que responsabiliza o empregador pelo pagamento da prestao.

    Na maioria dos pases investigados a durao da licena se manteve constante ou

    aumentou neste perodo (ver Tabela A-1 no Anexo II). A proporo de pases que

    propiciam menos de 12 semanas de licena diminuiu (de 19% para 14% entre 1994 e

    2009), enquanto cresceu o nmero dos que oferecem licenas mais prolongadas (a

    proporo de pases que asseguram de 14 a 17 semanas passou de 29% para 35%, e a

    porcentagem dos que asseguram 18 semanas ou mais passou de 9% para 13%). Por sua

    vez, a taxa de reposio aumentou em 17 pases.

    A porcentagem de pases que utilizam sistemas de responsabilidade do empregador

    tem diminudo com o tempo (de 31% para 26%), enquanto tem aumentado a proporo de

    sistemas mistos em que os empregadores e a previdncia social dividem a responsabilidade

    das prestaes (de 14% para 20%). A porcentagem de pases que utilizam somente

    sistemas de previdncia social para financiar a proteo maternidade que o melhor

    22 ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Trabalho e famlia: rumo a novas

    formas de conciliao com co-responsabilidade social. Braslia: OIT, 2009, p. 88.23ORGANIZACIN INTERNACIONAL DEL TRABAJO. La maternidad en el trabajo: examen

    de la legislacin nacional. 2. ed. Ginebra: OIT, 2010.

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    modelo quando se pretende combater a discriminao por gnero se manteve num nvel

    constante de 50% entre 1994 e 2009 (ver Tabela A-2 no Anexo II).

    Em sntese, a efetivao do direito constitucional de proteo maternidade e a

    ampliao de seu escopo, em especial por meio de mudanas na legislao

    infraconstitucional, tm sido importantes para melhorar a condio das mulheres em pases

    com distintos padres de desenvolvimento. oportuno transcrever um trecho da concluso

    do estudo da OIT:

    En general, las normas sobre proteccin de la maternidad han ido mejorando con el

    tiempo. En la actualidad, los pases que prevn una remuneracin durante la licencia dematernidad son ms que en 1994 y ha disminuido el nmero de pases que atribuyen

    exclusivamente a los empleadores el pago de las prestaciones pecuniarias de maternidad.

    No obstante, deberan ser ms los pases que, a fin de proteger la maternidad de manera

    ptima, intentaran incorporar a su legislacin todos los aspectos del Convenio nm. 183.

    En algunos mbitos se puede reforzar la proteccin de la maternidad. Por ejemplo,

    algunas trabajadoras no la tienen porque muchos pases excluyen de sus disposiciones

    sobre proteccin de la maternidad a ciertas categoras de trabajadoras, como las del

    servicio domstico y la agricultura. Para los Estados Miembros de la OIT debera

    constituir una prioridad que todas las trabajadoras sin discriminacin alguna, incluso las

    que ejercen formas atpicas de trabajo, tuvieran acceso a la proteccin.

    Ampliar a ambos padres los tipos disponibles de licencia es otro mbito necesitado de

    mayor atencin. Algunos pases ya prevn licencia de paternidad y licencia parental,

    habitualmente durante los primeros aos de la vida del hijo. Estos tipos de licencia pueden

    ayudar a los trabajadores que acceden a ellos a conciliar el trabajo y la vida familiar y, si

    dicho acceso est al alcance tanto de los padres como de las madres, pueden ser

    instrumentos eficaces para el fomento de la igualdad de gnero.24

    Convm explicitar que no h uma correspondncia obrigatria entre o grau de

    desenvolvimento econmico e social, de um lado, e o patamar da proteo maternidade,

    de outro. H diferenas significativas em termos de durao da licena-maternidade e da

    taxa de reposio entre pases com nvel de renda per capita semelhante. De qualquer

    modo, no h dvida de que pases com alto ndice de desenvolvimento humano, grosso

    24ORGANIZACIN INTERNACIONAL DEL TRABAJO. La maternidad en el trabajo: examende la legislacin nacional, 2010, p. 99.

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    modo, tendem a apresentar um sistema mais avanado de proteo maternidade, como

    pode ser constatado nos quadros a seguir.

    Quadro 1Durao da licena-maternidade paga e obrigatria (em dias)para pases com ndice de Desenvolvimento Humano muito elevado

    Pas IDH - 2010 Licena-maternidadeNoruega 0,938 126Austrlia 0,937 0

    Nova Zelndia 0,907 98Estados Unidos 0,902 0

    Irlanda 0,895 182Holanda 0,890 112Canad 0,888 119Sucia 0,885 98Alemanha 0,885 98Japo 0,884 98Coreia do Sul 0,877 60Sua 0,874 112Frana 0,872 112Israel 0,872 84Finlndia 0,871 263Islndia 0,869 180Blgica 0,867 105Dinamarca 0,866 126Espanha 0,863 112Hong Kong 0,862 70Grcia 0,855 119Itlia 0,854 150ustria 0,851 112

    Reino Unido 0,849 365Fonte: PNUD.Relatrio de desenvolvimento humano, 2010. Elaborao prpria.

    No Quadro 1, chama ateno a ausncia de uma legislao federal nos Estados

    Unidos e na Austrlia, pases que esto entre os que apresentam maiores ndices de

    desenvolvimento humano, estabelecendo um sistema obrigatrio e pago de licena-

    maternidade. Por sua vez, no Reino Unido o perodo de licena concedido pode chegar a 1

    ano. Sucia, Alemanha, Japo e Nova Zelndia contam com legislao que garante o

    perodo mnimo estabelecido por conveno internacional da OIT (14 semanas).

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    Quadro 2Durao da licena-maternidade paga e obrigatria (em dias)

    para pases com ndice de Desenvolvimento Humano elevado

    Pas IDH - 2010 Licena-maternidadeLitunia 0,783 126Chile 0,783 126Argentina 0,775 90Crocia 0,767 365Uruguai 0,765 84Panam 0,755 98Arbia Saudita 0,752 70

    Mxico 0,750 84Malsia 0,744 60Bulgria 0,743 135Srvia 0,735 365Costa Rica 0,725 120Peru 0,723 90Rssia 0,719 140Ucrnia 0,710 126Brasil 0,699 120

    Venezuela 0,696 126Equador 0,695 84Colmbia 0,689 84Turquia 0,679 112Fonte: PNUD.Relatrio de desenvolvimento humano, 2010. Elaborao prpria.

    No Quadro 2, a heterogeneidade se repete. Entre os pases selecionados do segundo

    escalo em termos de desenvolvimento humano, tambm h casos em que o perodo de

    licena-maternidade obrigatria e remunerada menor do que o sugerido pela OIT, assim

    como h casos em que o perodo de 1 ano. Pode-se notar que a licena-maternidade no

    Brasil tem durao bem maior do que em muitos pases do primeiro e do segundo grupos,

    mesmo sem considerar a expanso facultativa para seis meses (180 dias).

    No Quadro 3, com alguns pases que apresentam um ndice de desenvolvimento

    humano mdio, percebe-se que a durao da licena-maternidade tende a ser inferior ao

    estabelecido pela OIT, com poucas excees. A situao ainda mais grave entre pases

    com baixos nveis de IDH, para os quais no foi elaborado um quadro especfico.

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    Quadro 3Durao da licena-maternidade paga e obrigatria (em dias)para pases com ndice de Desenvolvimento Humano mdio

    Pas IDH - 2010 Licena-maternidadeRepblica Dominicana 0,663 84China 0,663 90Bolvia 0,643 60Paraguai 0,640 84Filipinas 0,638 60Egito 0,620 90Honduras 0,604 70Indonsia 0,600 90frica do Sul 0,597 112Vietn 0,572 120Marrocos 0,567 98

    Nicargua 0,565 84ndia 0,519 84Fonte: PNUD.Relatrio de desenvolvimento humano, 2010. Elaborao prpria.

    Por fim, algumas palavras do relatrio do PNUD para reflexo:

    A histria encorajadora, mas pede cautela. encorajadora porque o progresso possvel

    mesmo sem grande volume de recursos: a maioria dos pases tem os meios para melhorar

    as vidas das pessoas. E pede cautela porque o sucesso no garantido e porque os

    percursos para o sucesso variam e so especficos das condies institucionais, polticas e

    histricas de um pas. Em vez de pensarmos em receitas polticas universais, podemos

    aplicar princpios fundamentais para informar o pensamento acerca das estratgias e

    polticas de desenvolvimento. [...]

    Uma abordagem s polticas centrada em princpios bsicos e no em recomendaesuniversais assemelha-se abordagem do pensamento sobre a justia apresentado

    anteriormente, mostrando que possvel identificar possibilidades para o progresso no

    melhoramento das vidas das pessoas sem que haja um pleno acordo quanto definio

    exacta do que seria uma sociedade ideal.25

    25 PROGRAMA DAS NAES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Relatrio deDesenvolvimento Humano 2010. New York: PNUD, 2010, cap. 3, p. 68.

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    1.3. Trajetria da proteo maternidade no Brasil

    A ampliao e a valorizao do trabalho da mulher no Brasil (e num nmero

    crescente de pases) representam uma quebra de paradigma com o modelo mulher-trabalho

    domstico, homem-sustento da famlia, que durante sculos predominou em sociedades

    forjadas pelo patriarcado rural. Mesmo medida que avanava a urbanizao, os homens

    continuaram tendo o monoplio da ao social produtiva, sendo valorizado apenas o

    trabalho fora de casa e ficando sobrepujada a importncia da atuao da mulher, que se

    destinava quase exclusivamente ao trabalho domstico, ao cuidado do lar e dos filhos, s

    vezes produo para o consumo prprio.

    Uma retrospectiva das lutas para valorizar e proteger o trabalho da mulher no Brasil

    talvez no difira de forma substantiva de outras experincias internacionais, mas

    certamente marcada por recortes especficos, condizentes com a histria do Pas. A

    legislao pertinente ao trabalho da mulher se harmonizou, em partes, com as

    transformaes que o tema sofreu ao longo das dcadas. Sob o campo do Direito ou da

    Sociologia, o que se constatam so as mudanas de paradigma do prprio sistema

    industrial, antes sedimentado na mo-de-obra essencialmente masculina. Mas, certamente,o campo da Poltica tambm jogou um peso relevante nessa trajetria.

    Digamos que a histria do trabalho da mulher no Brasil pode ser dividida em eras

    ou pocas definidas por marcos jurdicos26. Numa primeira fase, a mulher era excluda do

    mundo do trabalho e confinada no lar sob dominao masculina, ou tinha uma participao

    econmica tutelada este perodo vai desde o ordenamento da Repblica Velha (1891) at

    a Revoluo de 1930. Na segunda fase, pode-se falar que comea a emancipao legal e a

    proteo do trabalho da mulher este perodo se inaugura com a Constituio de 1934 e,em particular, a promulgao da CLT (1943), indo at o momento de transio aberto pela

    Nova Repblica (1985). A terceira onda, sob esta tica, corresponde consolidao dos

    direitos sociais, nfase na igualdade no trabalho e maior efetividade da atuao das

    mulheres como atores sociais este perodo parte da promulgao da Constituio Cidad

    de 1988 e segue at os dias de hoje.

    26Esta ideia de eras ou ondas foi apresentada pela Professora La Calil. Cf. CALIL, La ElisaSilingowschi. Histria do direito do trabalho da mulher: aspectos histrico-sociolgicos do incio daRepblica ao final deste sculo.So Paulo: LTr, 2000.

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    No Brasil, conforme apontam Ellen Hardy e Maria Jos Osis27, muito embora as

    mulheres representassem um enorme contingente de mo-de-obra empregada na indstria

    brasileira no final do sculo XIX e incio do sculo XX, leis que protegessem o seu

    trabalho foram efetivadas somente muito mais tarde.

    Em 1923, surge um decreto regulamentando o trabalho feminino (em especial em

    relao a sua condio de me) em todo o pas. um verdadeiro marco legislativo de nossa

    histria, conforme informam Hardy e Osis:

    O Decreto n. 16.300, de dezembro de 1923, determinava, nos artigos 348 e 350, que os

    estabelecimentos industriais e comerciais em que houvesse trabalhadoras que estivessem

    amamentando seus filhos deveriam proporcionar-lhes a possibilidade de faz-lo.Estipulava, tambm, que deveria haver creches ou salas de amamentao localizadas

    prximo a esses estabelecimentos, onde as mes poderiam amamentar duas ou trs vezes

    por dia em intervalos regulares28.

    Mas apenas na Constituio de 1934 que se fala em proteo maternidade e

    tambm infncia. Em seu artigo 138, nos incisos c e f, essa Constituio dizia que

    incumbia Unio, aos Estados e Municpios, nos termos das leis respectivas: c) amparar a

    maternidade e a infncia; e f) adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a

    restringir a morbidade e a mortalidade infantis. As Constituies que se seguiram

    mantiveram basicamente o mesmo esprito a respeito da proteo maternidade e

    infncia.

    A proteo mulher, me, amamentante e infncia passou, assim, a fazer parte

    de nossas leis mximas, como parte integrante do que se convencionou, em nossa

    sociedade, chamar de pacote social nas Constituies. Este movimento ocorreu a

    despeito da resistncia dos empregadores, que vieram a se sentir ameaados pela

    abrangncia exagerada de tais clusulas em textos constitucionais.

    Porm, tal elevao constitucional permitiu que tais direitos fossem, de fato,

    efetivados e respeitados, consolidando o novo formato do Estado Democrtico de Direito

    que se solidificou com a Carta Magna de 1988.

    27 HARDY, Ellen E.; OSIS, Maria Jos. Mulher, trabalho e amamentao: legislao e prtica.Campinas: Editora da Unicamp, 1991.

    28HARDY, Ellen E.; OSIS, Maria Jos.Mulher, trabalho e amamentao, 1991, p. 51.

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    O reconhecimento da proteo maternidade nas constituies brasileiras como um

    direito social tambm simbolizou a grande influncia destes movimentos internacionais no

    ordenamento nacional, assim como a incluso de outros direitos chamados, mais tarde,

    direitos de segunda gerao (ou segunda dimenso)29.

    Assim, de modo geral e observando os ordenamentos diversos, pode-se afirmar que,

    no sculo XX, os textos Constitucionais foram trazendo ao seu bojo uma srie de

    comandos relativos primeiramente igualdade entre os sexos e, em seguida, proteo ao

    trabalho da mulher. Tais comandos foram se ampliando para a proteo s gestantes e

    lactantes, visando sade da trabalhadora e do recm-nascido.

    Parece oportuno recuar no tempo para mencionar, brevemente, aspectos que ajudam

    a visualizar momentos de inflexo. Inicialmente, preciso lembrar que o textoconstitucional de 1824 no se refere especificamente ao trabalho da mulher, mas menciona

    que a lei seria igual para todos (art. 178, XII). Note-se, apenas uma parcela restrita da

    populao tinha acesso aos direitos civis e polticos.

    J o texto de 1891, ao assegurar o princpio da igualdade e abolir as regalias de

    nobreza, trouxe avanos no que se refere incluso de parcela maior da populao na

    ordem legal, porm, omitiu-se em relao ao trabalho da mulher.

    A Constituio de 1934 significou um verdadeiro avano neste aspecto, ao disporsobre igualdade de salrios entre homens e mulheres, proibio de trabalho em condies

    insalubres, assistncia mdica e sanitria gestante, descanso antes e depois do parto, sem

    prejuzo do salrio e do emprego.

    Este diploma foi um marco, porque destacou os at ento no mencionados direitos

    de maternidade. Alm da garantia do descanso remunerado, outros foram os direitos

    vislumbrados, como previdncia em favor da maternidade e infncia, impondo

    contribuies especficas da Unio, estados e municpios para tanto (1% da arrecadaotributria).

    J a CF de 1937 (que deu sustentao ao Estado Novo) retrocedeu na concesso de

    igualdade de salrios entre homens e mulheres, autorizando um desfavor de 10% para

    estas, mantendo os demais dispositivos protetivos.

    29

    Na perspectiva de Norberto Bobbio, direitos de primeira gerao incluem: liberdades individuais,pblicas e direitos polticos; direitos de segunda gerao: direitos sociais, culturais e econmicos; direitos deterceira gerao: preservao ambiental e direito dos consumidores; direitos de quarta gerao: ligados aopatrimnio gentico humano. BOBBIO, Norberto.A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

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    Assim como a Carta de 1934, as de 1946 e 1967, inclusive a emenda de 1969, em

    seus artigos 158, III e 165, III, proibiam salrios diferentes entre homens e mulheres, alm

    de assegurarem todos os outros direitos concedidos anteriormente. Mas o grande destaque

    da Constituio de 1967 que esta inovou medida que proibiu a diferena de critrios de

    admisso por motivo de sexo, cor e estado civil e assegurou a aposentadoria mulher aps

    trinta anos de contribuio.

    A Constituio Cidad de 1988 assegurou, em seu artigo 5, I, a igualdade de

    direitos e obrigaes entre homens e mulheres, proibindo diferena de salrios, de

    exerccio de funes e de critrios de admisso por motivos de sexo, estado civil, idade e

    cor. Alongou a licena-maternidade de 90 para 120 dias, sem prejuzo do emprego e do

    salrio, inclusive para as domsticas, avulsas e rurais.Outro avano importante, conquista no campo dos direitos sociais, foi a garantia do

    emprego da gestante desde a confirmao da gravidez at cinco meses aps o parto,

    vedando a sua dispensa neste perodo.

    Alm disso, na CF/88 o salrio-maternidade foi estendido empregada domstica e

    avulsa, por fora do artigo 7, pargrafo nico, tendo como fonte de custeio a Previdncia

    Social. Em 1994, a segurada especial passou a ter direito ao salrio-maternidade (um

    salrio mnimo), desde que comprove a atividade rural, ainda que de forma descontnua,nos doze meses anteriores ao incio do benefcio, conforme artigo 39 da Lei n. 8.213, com

    redao atual da Lei 8.861 de 1994. Encontram-se excludas as estagirias e autnomas,

    embora sejam seguradas obrigatrias da Previdncia Social.

    Sobre a matria previdenciria relativa proteo maternidade, teceremos alguns

    comentrios no ltimo captulo deste trabalho.

    Por fim, importante enfatizar que o Brasil, assim como vrios outros pases,

    sofreu grande influncia de organismos internacionais para que criasse umaregulamentao protetiva mulher. Mas, tal influncia no explica o salto na proteo

    constitucional oferecida especificamente no caso da licena-maternidade. De fato, como

    foi indicado na seo anterior, o desenvolvimento econmico e a consolidao da

    democracia podem ajudar a viabilizar avanos significativos nesta rea protetiva, mas

    igualmente no explicam o estgio alcanado. Foi necessria a presena de foras polticas

    favorveis para que a resistncia fosse vencida e houvesse um avano significativo nesta

    direo.

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    CAPTULO 2

    O DEBATE ACERCA DA EXTENSO DA LICENA-MATERNIDADE NA ASSEMBLIA CONSTITUINTE (1987-1988) ESEUS DESDOBRAMENTOS

    A Constituio Cidad de 1988 assegurou, conforme argumentado antes, a

    igualdade de direitos e obrigaes entre homens e mulheres, proibindo diferena de

    salrios, de exerccio de funes e de critrios de admisso por motivos de sexo, estado

    civil, idade e cor. Tambm prolongou a licena-maternidade de 90 para 120 dias, semprejuzo do emprego e do salrio, inclusive para as domsticas, avulsas e rurais.

    Notadamente, resultou numa conquista de importantes direitos sociais relativos

    maternidade e outros tantos, revelando seu aspecto social e voltado para a igualdade social,

    movimento que no se deu sem oposies e debates.

    Importante, inicialmente, revisitar o cenrio poltico-econmico da Constituinte e a

    importncia dada aos direitos trabalhistas. A inteno aqui situar a mudana

    constitucional no apenas no tempo cronolgico, mas no contexto social em que se deram

    os debates acerca da Constituinte. E poder, ao final da seo, enfatizar que houve muitas

    resistncias ampliao dos direitos sociais e aprovao da Constituio.

    De fato, a mdia nacional colocou o assunto em evidncia, veiculando notcias

    diariamente sobre o andamento dos trabalhos dos constituintes, entre meados de 1987 e

    outubro de 1988.

    Neste perodo, a situao poltica brasileira era bastante conturbada, j que

    vivamos em tempos de transio para um regime democrtico. A Nova Repblica tinha

    prometido enterrar o entulho autoritrio e resgatar a dvida social do Pas, mas os setores

    conservadores tinham outras prerrogativas.

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    A situao econmica do perodo era difcil: aps a euforia do Plano Cruzado em

    1986, o Pas foi obrigado a pedir moratria da sua dvida externa, enquanto a inflao

    voltou a aumentar de forma descontrolada. E preciso ter em vista que, entre o final de

    1987 e o incio de 1988, a economia brasileira sofreu uma desacelerao impactante,

    relacionada com a queda da Bolsa de Nova York (em 19 de outubro de 1987, oDow Jones

    sofreu a maior queda em tempos de paz: com uma queda de 22%, o crash se alastrou s

    bolsas da Europa e do Japo). Neste contexto hostil, as tentativas de estabilizar a economia

    nacional com planos econmicos vinham fracassando30.

    No obstante o quadro econmico instvel e a situao poltica conturbada, o Brasil

    promulgou uma nova Constituio Federal a partir de 1988 com importantes inovaes

    institucionais. Pela primeira vez, por exemplo, a Constituio estabelecida em ambiente deconsolidao democrtica se props a valorizar o trabalho humano, com inegvel

    compromisso de internalizar bases legais de proteo social e trabalhista comparveis s de

    pases do centro do capitalismo mundial. A desembargadora aposentada e pesquisadora

    Magda Barros Biavaschi estabelece uma comparao com a Constituio de Weimar nos

    seguintes termos:

    Comparando-se as duas Constituies constatam-se grandes similitudes. Ambas atribuemvalor social ao trabalho e propriedade, limitando esta sua funo social. Ambas

    condicionam a livre iniciativa ao valor social do trabalho [...]. Tanto os constituintes

    alemes, em 1919, como os brasileiros, em 1988, apostaram num pacto legtimo e justo,

    dirigindo o princpio da igualdade ao Executivo, Judicirio e Legislativo. Para

    cumprimento da isonomia [CF, art. 5], amalgamada nos princpios da dignidade humana e

    do valor social do trabalho [CF, art. 1], partindo da compreenso das brutais desigualdades

    constituintes da sociedade brasileira, a Lei Maior inscreveu instrumentos que possibilitam

    que os desiguais sejam tratados desigualmente para que maiores patamares de igualaosejam atingidos. Adotando a compreenso da liberdade positiva e buscando assegurar a

    todos a igualdade, os Constituintes de 1988, como os de Weimar, em 1919, elegeram como

    valor fundamental a garantia da igualdade substantiva, numa via em que direitos sociais

    fundamentais impem democracia limites especficos. Assim, foi abandonada a ideia

    meramente negativa da igualdade, optando-se pela igualdade positiva expressa na

    exigncia do art. 1 III e IV e do art. 5 que assegura o direito igualdade. E no art. 170, ao

    definir os fundamentos da Ordem Econmica, condicionou-a existncia digna de todos os

    30Cf. CARNEIRO, Ricardo. Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no ltimo quarto dosculo XX. So Paulo: Ed. Unesp; Unicamp.IE, 2002.

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    cidados e aos princpios da Justia Social, lanando as bases para o Estado Social de

    Direito.31

    Em termos de igualdade de gnero no mundo do trabalho, a Constituio tambmrepresentou um considervel avano. O movimento feminista e das mulheres havia sido

    muito ativo desde os anos 1970, no apenas na luta pela melhoria das condies de vida,

    como tambm no questionamento ao regime autoritrio. Portanto, essa trajetria e esse

    acmulo de experincias, no momento de instalao do Congresso Constituinte o

    movimento est pronto para apresentar uma extensa pauta de ampliao de direitos, assim

    como manter uma intensa mobilizao durante todo o processo na tentativa de conquistar

    um espao maior em vrias reas32

    .No cabe aqui analisar o teor da nova Constituio que guiaria o pas em tempos

    inovadores de Estado Democrtico de Direito combinado com uma ampliao substantiva

    da cidadania. Mas, sem dvida, importante conhecer os discursos que originaram os

    debates acerca do tema em questo. Este um passo necessrio para uma investigao

    embasada a respeito da hiptese que norteia este estudo, a saber: a ampliao da proteo

    social, principalmente maternidade, pode constituir ferramenta para o aperfeioamento da

    eficcia da proteo.E mais, procura-se aqui provar que os argumentos proclamados (naquela poca e

    ainda hoje) pelos atores conservadores, de modo ideolgico e contrafactual, a respeito da

    possvel queda da participao feminina no mercado de trabalho e do peso excessivo dos

    encargos (que arrasaria grande parte das empresas), no se sustentam. Usando o jargo

    jurdico: contra fatos no h argumentos.

    31 BIAVASCHI, Magda B. Relaes e condies de trabalho no Brasil contemporneo: garantirdireitos e promover a igualdade, in: KREIN, Jos Dari; SANTANA, Marco Aurlio; BIAVASCHI, Magda(Orgs.). Vinte anos da Constituio cidad no Brasil. So Paulo: LTr, 2010, p. 157.

    32As deputadas constituintes se organizaram em uma fora-tarefa que reunia mulheres dos maisvariados partidos e movimentos sociais e que passou a ser conhecido como o lobby do batom[...]. Sob o lemaConstituinte pra valer tem que ter palavra de mulher!, o grupo elaborou emendas populares e recolheu

    milhares de assinaturas por todo o Pas [...]. Como resultado desse processo uma srie de avanos seplasmaram na Constituio de 1988. ABRAMO, Las. A Constituio de 1988 e o mundo do trabalho noBrasil, in: KREIN, Jos Dari; SANTANA, Marco Aurlio; BIAVASCHI, Magda (Orgs.). Vinte anos daConstituio cidad no Brasil, 2010, pp. 25-26.

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    2.1. Discursos sobre a ampliao da proteo maternidade

    Buscando os fatos histricos, esta seo procura apresentar os discursos acerca da

    extenso da licena-maternidade poca dos trabalhos da Constituinte. Para isso, foi

    realizada uma pesquisa nos registros histricos, ou seja, jornais, revistas e veculos

    populares que acompanharam o processo democrtico em comento.

    Os veculos de comunicao pesquisados foram a Revista Veja e os jornais Folha

    de So Paulo e o Estado de So Paulo, alm de jornais de sindicatos e associaes de

    trabalhadores.

    Os acervos pesquisados foram oArquivo Pblico do Estado de So Pauloe o AEL

    Arquivo Edgard Leuenroth da Universidade Estadual de Campinas Unicamp. A

    compilao das falas dos atores polticos e de comentrios de analistas priorizou os

    argumentos que informam o debate acerca da extenso no s da licena-maternidade, mas

    do alargamento constitucional em relao aos direitos sociais, sob a viso dos

    trabalhadores e sob a viso dos empregadores.

    Extremamente interessante voltar no tempo e revisitar falas de todos os meios

    miditicos e tcnicos a respeito do assunto, que podem nos revelar temores e anseios deuma poca que se convencionou chamar de poca de transio democrtica.

    Os exemplares de revistas pesquisados no acervo pblico da Veja foram os

    publicados nos anos de 1987 e 1988, sendo selecionados seis exemplares cujas

    informaes interessavam investigao deste estudo33.

    Em 1987, os grupos femininos passaram a acompanhar e comemorar o destaque

    que os direitos da mulher conquistaram no anteprojeto da Constituio, visivelmenteultrapassada sob vrios aspectos da realidade social daquele momento.

    Pelo anteprojeto, a mulher passaria a ter os mesmos direitos do homem na famlia,

    o casamento deixaria de ser a nica forma de constituio de famlia, acabariam as figuras

    jurdicas de me solteira e tambm do filho ilegtimo (muito comumente chamado de

    bastardo).

    33 Revista Veja, edies de: 03/06/1987, 02/03/1988, 30/03/1988, 27/04/1988, 07/09/1988 e19/10/1988.

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    As mulheres tambm poderiam, como de fato ocorreu, conseguir o divrcio aps

    dois anos de separao. Todos estes componentes do anteprojeto indicaram que a

    Constituio de 1988 criaria um mundo melhor para as mulheres brasileiras.

    Na ocasio, a atriz Regina Duarte, que ativamente acompanhou os trabalhos da

    Constituinte e era protagonista do popular programa feminino da TV Globo Malu

    Mulher, declarou: bom que isto conste em Lei, ainda que se trate de uma reivindicao

    bem antiga34.

    Segundo a ento deputada Eunice Michiles, do PFL, estas eram as maiores vitrias

    femininas de todos os tempos35.

    Assim, a expectativa em torno da promulgao de uma Carta nova, democrtica e

    justa, compunha o pensamento de uma parcela significativa de mulheres, desde as maiscultas e politizadas, at as mais simples e menos letradas.

    Em maro de 1988, uma manchete da mesma revista intitulada Do Pacto Social ao

    Impasse parece comear a dar o tom do discurso que aqui convencionamos chamar de

    conservador.

    A matria foi robusta. Publicada em oito pginas, mesclavam-se fotos de operrios

    e de polticos influentes como Ulysses Guimares com caixas de texto destacando os

    novos direitos sociais. Segundo esta matria, uma possvel disputa poltica entre ospartidos de direita e esquerda e a ameaa do fim do mandato do ento Presidente Jos

    Sarney estariam ofuscando os juzos dos constituintes e provocando um ganho ao

    trabalhador, por meio da aprovao de um pacote social irresponsvel.

    A notcia traz o anncio de que a licena-maternidade passaria a ser de 120 dias e

    que o pai passaria a ter uma licena de 8 dias aps o parto de seu filho. Alm disso, todos

    os outros direitos foram elencados e depois comentados, como a jornada de 44 horas

    semanas, a multa de 40% sobre o FGTS em caso de dispensa sem justa causa, o acrscimode 1/3 nas frias, o aumento do adicional de horas extras e a concesso de 13 aos

    aposentados.

    Para esta corrente pensante, o documento era de propores histricase o que os

    parlamentares estavam fazendo era engordar a cesta de recompensas aos assalariados36.

    Observa-se um tom debochado nas expresses engordar a cesta e recompensas.

    34

    Edio daRevista Vejade 03 de junho de 1987, p. 32.35A deputada Eunice Michiles se tornou, em 1979, a primeira mulher a sentar-se no Senado Federal.36Edio daRevista Vejade 02 de maro de 1988, p. 20.

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    Ainda neste artigo de crticas, o mais alarmante a conduo do texto para o tema

    licena-paternidade. O trecho relevante o seguinte:

    A novidade mais recente, a, a licena-paternidade de oito dias, desconhecida na maior

    parte dos pases, desenvolvidos ou no, e aprovada numa atmosfera de assemblia

    estudantil, que teve incio com gargalhadas em plenrio e encerrou-se com lgrimas

    escorrendo pelo rosto de ser defensor, o deputado Alceni Guerra. Sou pediatra e

    reconheo o drama de muitos pais que querem acompanhar suas mulheres depois do

    nascimento de seus filhos e no podem faz-lo, afirma Alceni. O espanto, fora do

    Congresso, foi imediato. O dispositivo a favor dos pais, de fato, cmico, afirmou o

    ministro Antonio Carlos Magalhes, das Comunicaes.37

    O descrito dispensa comentrios. Importante perceber a impreciso da informao

    de que a licena-paternidade era desconhecida de muitos pases.

    Segundo se sabe, nos pases nrdicos, uma Lei de 1987 j estendia licena de 24

    semanas ao pai, aps o parto da companheira. Antes disso, a Sucia, em 1976 j havia

    concedido a licena chamada parental, extensiva ao pai ou me. A Itlia, em 1977 e a

    Frana em 1984 tambm asseguraram a licena parental, influenciados pela nova poltica

    de ao internacional que marcou o perodo de transio entre o ptrio poder e poder

    parental, que objetivou tornar o pai cada vez mais participante das responsabilidades

    familiares e, em consequncia, impedir que recassem exclusivamente sobre as mes os

    cuidados e a educao dos filhos38.

    Mas o ponto alto da crtica dirigido ao problema chamado elevao de custos s

    empresas. A afirmao foi que os benefcios sociais, principalmente licena-maternidade e

    multa na dispensa, ento mais pesados, produziriam mais desemprego, conforme afirmou o

    deputado Delfim Neto. Para o empresrio gacho Jorge Gerdau, ento presidente do GrupoGerdau, a concesso destes direitos seria uma interveno profundamente burra as relaes

    de trabalho39.

    O artigo em comento repercutiu na opinio pblica. A exemplo disso, uma leitora

    de Braslia/DF, escreveu para a Veja, que publicou seu comentrio na sesso Cartas.

    Segundo esta leitora, a mesma se declarava apreensiva com a concesso de licena-

    37

    Edio daRevista Vejade 02 de maro de 1988, p. 22.38Cf. BARROS, Alice Monteiro de.A mulher e o direito do trabalho. So Paulo: LTr, 1995.39Edio daRevista Vejade 02 de maro de 1988, p. 24.

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    maternidade de 120 dias: (...) meu medo que com essa medida a mulher fique mais

    discriminada no ambiente de trabalho; se j era difcil a contratao de uma mulher

    antes, agora ento ser pior40.

    Nesta toada, edies seguintes, outro artigo publicado, desta vez por uma mulher,

    na sessoPonto de Vistada mesma revista e intitulado Uma Falsa Conquista.

    Em suma, o artigo afirma categoricamente que os 120 dias de licena-maternidade

    aumentariam o desemprego da mo-de-obra feminina. A autora afirma que a mulher,

    principalmente mais jovem seria preterida no emprego, se o empregador seguisse o

    raciocnio simplista de que ela poderia engravidar por at trs anos seguidos, gozando

    todas as licenas requeridas e ainda iria fazer jus s trs frias do perodo.

    A autora, indo alm, monta um raciocnio s avessas quanto proteo maternidade e distorce o perfil da mulher de classe mdia. Ela declarou:

    A licena ampliada, com certeza, privilegiar, sobretudo, as mulheres das classes mais

    abastadas, que seguramente no passaro 120 dias s cuidando do recm-nascido porque

    tm dinheiro para pagar creche, babs, cozinheira. Ficaro, na verdade, com maior tempo

    para se dedicar ginstica esttica, por exemplo. Mas tambm no conseguiro preencher

    toda a licena custa de exerccios. Afinal, para a mulher que ocupa cargo executivo

    mais interessante voltar ao trabalho num prazo menor, principalmente aquelas que

    possuem benefcios como comisses e dirias. Em contrapartida, a mulher operria, de

    periferia, sem instruo, acabar sendo duramente atingida pelo desemprego41.

    Estranha colocao!

    Encerrando a pesquisa nesta revista especfica, interessante examinar notcia

    publicada aps a promulgao da Constituio, intitulada Em Nome da Lei as empresas

    fazem adaptaes e seguem risca os direitos trabalhistas assegurados pelaConstituio. Em resumo, a publicao, que traz na pgina principal a foto de um casal de

    trabalhadores que acabara de ter gmeos, comenta dificuldades para algumas e nem tanto

    para outras empresas em assegurar os novos direitos.

    Enquanto o empresrio Andr Beer, ento presidente da Associao Nacional dos

    Fabricantes de Veculos Automotores reclamou em pblico da onerosidade da nova Carta,

    40Edio daRevistaVejade 30 de maro de 1988, p. 15.41A autora deste artigo Maria Rosineide Bentes, poca, advogada e presidente da Associao da

    Mulher Paraense.

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    ao mesmo tempo planejou discurso crtico para a inaugurao do Salo do Automvel de

    So Paulo de 1988. O presidente Jos Sarney, que havia confirmado sua presena,

    cancelou o compromisso s pressas. Mesmo assim, entre outras declaraes, o mesmo

    empresrio reafirmou que os benefcios trabalhistas implicariam aumento substancial nas

    folhas de pagamento.

    A contrrio sensu, a direo da empresa multinacional Volvodeclarou, no mesmo

    artigo, que o impacto sobre sua folha de pagamento na fbrica do Paran seria elevada em

    apenas 5%42.

    Na mesma poca, no dia 05 de outubro de 1988, o jornal Folha de S. Paulo

    publicou matria de capa noticiando a promulgao da Constituio Cidad. Entre nuances

    variadas, trouxe artigo mais crtico, intitulado Constituio, Empresrios e Trabalhadores,assinado por um de seus colunistas, Rodolpho Bertolla. O contedo critica severamente a

    Carta quanto ao nmero de artigos e quanto aos direitos sociais, incluindo licena-

    maternidade, que, segundo o autor, deveria estar ao encargo exclusivo da negociao

    coletiva.

    Na mesma data, o jornal O Estado de So Paulo publica diversas notcias sobre a

    nova ordem democrtica e num tom mais neutro, estampa em primeira pgina: Comea a

    Nova Ordem Constitucional.No mesmo jornal, em artigo da edio de 8 de outubro, o ento ministro do TST,

    Marcelo Pimentel, tece comentrios a respeito da auto-aplicabilidade da licena-

    maternidade. Para ele, alguma demora em elaborao de legislao previdenciria

    complementar poderia retardar a aplicao do direito.

    Os jornais da CUT (Central nica dos Trabalhadores) analisados no mesmo

    perodo revelam o apoio da entidade sindical aos direitos relativos mulher, em especial

    proteo maternidade. A publicao Cadernos da CUT de setembro de 1988 traz a fotoemblemtica, reproduzida