DISSERTAÇÃO_A producao do mobiliario urbano_Montenegro

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  • 0I

    UFRN

    Dissertao de Mestrado

    A PRODUO DO MOBILIRIO URBANO EM ESPAOS PBLICOS

    O Desenho do Mobilirio Urbano nos Projetos de Reordenamento das Orlas do Rio Grande do Norte

    ________________________

    Glielson Nepomuceno Montenegro

    PPGAU

    Natal, RN, Brasil

    2005

  • A PRODUO DO MOBILIRIO URBANO EM ESPAOS PBLICOS

    O Desenho do Mobilirio Urbano nos Projetos de Reordenamento das Orlas do Rio Grande do Norte

    ______________________ por

    Glielson Nepomuceno Montenegro

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e

    Urbanismo, rea de Concentrao em Urbanizao Projetos e Polticas Fsico-Territoriais, da Universidade

    Federal do Rio Grande do Norte (UFRN, RN), como requisito para obteno do grau de Mestre em

    Arquitetura e Urbanismo.

    PPGAU

    Natal, RN, Brasil

    2005

    2

  • Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Tecnologia

    Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo

    A Comisso Examinadora, abaixo assinada, aprova Dissertao de Mestrado

    A PRODUO DO MOBILIRIO URBANO EM ESPAOS PBLICOS

    O Desenho do Mobilirio Urbano nos Projetos de Reordenamento das Orlas do Rio Grande do Norte

    elaborada por

    Glielson Nepomuceno Montenegro

    Como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo

    COMISSO EXAMINADORA:

    Marcelo Bezerra de Melo Tinoco (Presidente/Orientador)

    Andr Menezes Marques das Neves

    Maria Dulce Pican Bentes Sobrinha

    Natal, 07 de Desembro de 2005

    3

  • 2005 Todos os direitos autorais reservados a Glielson Nepomuceno Montenegro. A reproduo de partes ou do todo deste trabalho s poder ser feita com autorizao por escrito do autor. Endereo: Rua Joo da Mata, 723, no 723, Centro, Campina gRande, PB, 58100-630 Fone (0xx) 83 33214174; End. Eletr: [email protected]

    4

  • DEDICATRIA

    Dedico este trabalho ao meu amigo de todas as horas, companheiro para somar e dividir e parceiro na alegria e na tristeza, na sade e na doena, no estresse e na paz, Heraldo do Nascimento Melo

    5

  • AGRADECIMENTOS

    Sinceros agradecimentos , Andr Neves Arruda Sales Carla Melo Carla Patrcia - Cludio Barros Dulce Bentes Franoise Valery Francisco Lemos Grace Sampaio Helena Guedes Inalza Almeida Joca Guedes Lenilda Melo Levi Galdino - Luiz Vidal Gomes Marconi Frana Marcelo Tinoco Maria Lcia Janurio Nat Morais Newton Stamford Pedro de Lima Srgio Oliveira - Snia Marques Shirley Leite Tnia Lcia Montenegro Thayza Stamford Thatiana Stamford Vilma Victor Zez Gomes Zezita Melo

    6

  • SUMRIO

    RESUMO ................................................................................................... XVI

    ABSTRACT ............................................................................................... XVII

    INTRODUO ......................................................................................... 18

    Definio do Tema Problema investigado ............................................. 18

    Objetivos ................................................................................................... 24

    Hiptese ..................................................................................................... 26

    1 CAPTULO 1 Consideraes Tericas .............................................. 29

    Desenho Industrial ..................................................................................... 29

    Mobilirio Urbano ..................................................................................... 30

    Espaos Urbanos Pblicos ........................................................................ 51

    Imagem Urbana e Percepo Ambiental ................................................... 56

    2 CAPTULO 2 Orlas Martimas no Brasil: Ocupao e

    Interveno Urbanstica .........................................................................

    72

    O Projeto Orla do Governo Federal .......................................................... 77

    O Rio Grande do Norte e os Planos Tursticos: A Ao Zona Costeira e

    Plo das Dunas ..........................................................................................

    79

    3 CAPTULO 3 Definio dos Procedimentos e Tcnicas para

    Coleta de Dados .......................................................................................

    85

    Compreenso e Identificao do Contexto Analisado ............................. 85

    Procedimentos Anlise do Ambiente Urbano e Definio da rea de

    Estudo ........................................................................................................

    85

    Abordagem dos Locais a serem Revitalizados .......................................... 86

    Anlise do Mobilirio Urbano nas Orlas Martimas ................................ 87

    Classificao do Mobilirio Urbano de acordo com sua Definio de

    Funcionalidade ..........................................................................................

    88

    Anlise do Mobilirio Urbano proposto para o Projeto de

    Reordenamento das Orlas Martimas do Rio Grande do Norte ................

    91

    Delimitao do Mobilirio Urbano para Anlise ...................................... 92

    7

  • Categorias para anlise da Paisagem Urbana das Orlas ............................ 92

    Critrios para anlise do Mobilirio Urbano ............................................. 93

    4 CAPTULO 4 Anlise das Orlas do Rio Grande do Norte e dos

    Processos de Interveno ........................................................................

    95

    Praia de Ponta Negra Aspectos Gerais ...................................................

    Praia da Redinha Aspectos Gerais .........................................................

    95

    126

    Praias de Cotovelo e Pirangi do Norte Aspectos Gerais ........................ 140

    Barra de Cunha Aspectos Gerais .......................................................... 156

    Concluso das Anlises ............................................................................. 174

    5 CONSIDERAES FINAIS ................................................................. 178

    Das Contribuies do Desenho Industrial ................................................ 183

    6 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................. 186

    8

  • LISTA DE FIGURAS FIGURA 01 - A e B - mesmo elemento o caju utilizado para identificar cidades e contextos bem distintos, o que demonstra o carter emprico deste tipo de projeto de criao ..........................................................................................047

    FIGURA 02 - homogenizao e padronizao dos costumes e das construes, independentemente das caractersticas e do contexto local como clima, entorno, hbitos, smbolos e cultura ..................................................................................058

    FIGURA 03 - cabine telefnica ...........................................................................066

    FIGURA 04 - poste com iluminao direcional .................................................066

    FIGURA 05 - nesta estao foram usados ladrilhos para o revestimento, uma vez que este o material de construo predominante naquela rea .........................070

    FIGURA 06 - lminas de basalto com incrustaes de vidro gravado com fragmentos da obra de Kurt Schwitters Z A de 1922, em homenagem a contribuio do autor a uma editora das cercanias, formam a estrutura deste abrigo....................................................................................................................070

    FIGURA 07 - o sistema de transporte pblico de Curitiba/PR e o cone da cidade: os modernos tubos transparentes e funcionais ....................................................071

    FIGURA 08 - mapa dos municpios tursticos do Eixo Costeiro do Rio Grande do Norte (s/escala), destacando-se os municpios e a localizao das orlas analisadas neste trabalho ......................................................................................................084

    FIGURA 09 - mapa de localizao do bairro de Ponta Negra em relao aos demais bairros da cidade de Natal (s/escala) .......................................................096

    FIGURA 10 - localizao da Praia de Ponta Negra (linha cheia em vermelho) (s/escala)...............................................................................................................096

    FIGURA 11 - A - desorganizao e favelizao da praia; B a falta de espao para os banhistas .................................................................................................099

    9

  • FIGURA 12 - A barreiras circulao dos banhistas; B orla de Ponta Negra aps a remoo das barracas ...............................................................................099

    FIGURA 13 - A - a cara nova de Ponta Negra aps a interveno; B - nova infra-estrutura voltada para o turismo e o lazer ..................................................100

    FIGURA 14 - proposta para a Av. Erivan Frana ...............................................106

    FIGURA 15 - solues para os postes de iluminao pblica e lixeira ..............107

    FIGURA 16 - proposta para barracas na faixa de areia ......................................107

    FIGURA 17 - mapa de Interveno da Orla de Ponta Negra ..............................109

    FIGURA 18 - A cadeiras, mesas e outros apetrechos amontoam-se pela areia e pelo calado de Ponta Negra; B apropriao das estruturas pblicas do local para comercializao de produtos diversos .........................................................110 FIGURA 19 - A quiosque do calado: falta de espao e planejamento; B degradao da infra-estrutura da orla ...............................................................................111 FIGURA 20 - mudanas estruturais e morfolgicas alteram a silhueta da orla e do bairro de Ponta Negra ..........................................................................................112 FIGURA 21 - varal improvisado para venda de biquines ...................................113

    FIGURA 22 - massagistas em ao na orla de ponta Negra contribuindo ainda mais para a desorganizao e o caos instalado na faixa de areia ........................113 FIGURA 23 - coletores de resduos slidos instalados - posicionamento e usos inadequados .........................................................................................................115

    FIGURA 24 - A - sanitrios instalados no calado da orla de Ponta Negra; B chuveiro improvisado em barraca na praia para atender os clientes ...................116 FIGURA 25 - assentos em Ponta Negra - apropriao indbita do bem pblico .............................................................................................................................117

    10

  • FIGURA 26 - A: orelho instalado no Calado: equvoco formal, conceitual e de uso; B: interferncia visual na paisagem da orla e repetitividade; C: rudos visuais e inadequao de estruturas comunicacionais na orla ............................................118

    FIGURA 27 - mapa de localizao do bairro da Redinha em relao aos demais bairros da cidade de Natal (s/escala) ...................................................................127 FIGURA 28 - A tradicional Clube da Redinha; B antiga Capelinha freqentada pelos pescadores; C Igreja Nossa Senhora dos Navegantes .........130 FIGURA 29 - orla da Redinha - novos equipamentos e novo leiaute melhoraram as condies da praia ...........................................................................................130 FIGURA 30 mapa de Interveno da Orla da Redinha ....................................132 FIGURA 31 - imagem buclica do local criando uma paisagem peculiar ..........133

    FIGURA 32 - A - vista panormica de quem chega a Redinha pela balsa; B margem esquerda da chegada pela balsa .............................................................134 FIGURA 33 - A - mapa de localizao do municpio de Parnamirim (s/escala) B

    Orla do Municpio de Parnamirim (s/escala) ......................................................143 FIGURA 34 assento improvisado em pedra beira-mar ................................ 145 FIGURA 35 - abrigo para usurios de transporte coletivo ..................................145

    FIGURA 36 - orla de Pirangi do Norte ...............................................................147

    FIGURA 37 - A - o trapiche d acesso aos barcos; B esgoto a cu aberto nas areias da praia de Pirangi ....................................................................................148 FIGURA 38 - barracas instaladas na praia ..........................................................149 FIGURA 39 - tonis de leo ao longo da faixa de areia .....................................149

    11

  • FIGURA 40 mapa de Interveno da Orla de Cotovelo e Pirangi do Norte ..............................................................................................................................151 FIGURA 41 - A rea problemtica identificada no trecho: problemas de acesso praia devido aos desnveis do terreno, eroso, eixos virios em precrias condies e inexistncia de mobilirio urbano. B planta baixa B1 elevao/ilustrao; B solues propostas para o calado de Cotovelo no Trecho A (imagens s/escala) ...............................................................................152 FIGURA 42 - A situao problemtica identificada no trecho: ausncia de sinalizao para a rea, dificuldade de acesso pblico a praia, presena de obstculos locomoo (batentes, calhas de chuvas, desnveis), inexistncia de mobilirio urbano, faixa da rodovia utilizada como estacionamento, ausncia de equipamentos de apoio ao lazer e reas de sombra. B planta baixa; B1 elevao/ilustrao; B propostas para a rea pblica de Cotovelo (imagens s/ escala) ..................................................................................................................153 FIGURA 43 - A trecho problemtico em questo: inexistncia de mobilirio urbano, precariedade das reas de estacionamento, inadequao das vias para pedestre, ocupao ilegal de terras da marinha, conflitos entre barraqueiros e donos de residncias na praia. B planta baixa; B1 elevao/ilustrao; B solues propostas para o Calado de Pirangi do Norte (imagens s/ escala) ....153 FIGURA 44 - A trecho D e sua situao problemtica: ocupao irregular de terrenos da marinha por barraqueiros e proprietrios de residncias, inexistncia de mobilirio urbano B planta baixa; B1 elevao/ilustrao; B propostas de soluo para a rea pblica de Pirangi do Norte (imagens s/escala) ...................154 FIGURA 45 - mapas de localizao de Barra de Cunha no Municpio de Canguaretama (s/escala) ......................................................................................158 FIGURA 46 - paisagens de Barra de Cunha: A barcos coloridos atracados na enseada do rio e o trapiche; B pequenos catamars para a travessia de automveis e pessoas para a margem oposta do rio ............................................160 FIGURA 47 - passeio a beira do rio e enseada dos barcos; B: passeio pblico e imagem de Nossa Senhora dos Navegantes ........................................................161

    12

  • FIGURA 48 - A inadequao e falta de planejamento na especificao e implantao de coletores na orla; B coletor padronizado implantado ao longo do passeio..................................................................................................................162 FIGURA 49 - A - assento em madeira implantado ao longo do passeio pblico; B assento em alvenaria e madeira: desproporcionalidade ...................................163 FIGURA 50 - contraste entre estruturas dos quiosques dispostas na orla de Cunha: falta de unidade e coerncia formal ......................................................164 FIGURA 51 - A barracas precrias existentes na praia; B os novos quiosques construdos em uma rea da orla ........................................................................165 FIGURA 52 - sinalizao precria e ineficiente, inadequada ao contexto local .165 FIGURA 53 mapa de Interveno no Trecho A da Orla de Barra de Cunha .167 FIGURA 54 - A- via beira-rio, eroso e pedras de conteno; B proposta para o passeio pblico e ciclovia ...................................................................................170 FIGURA 55 - A via beira-rio com o monumento a Nossa Senhora dos Navegantes; B proposta para um deque de contemplao da paisagem ......... 170 FIGURA 56 - A encosta prxima ao futuro Terminal Turstico; B proposta de mirante para o local para relaxamento e contemplao da paisagem .................170

    13

  • LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS AM Amazonas Av. Avenida BNB Banco do Nordeste do Brasil CET Companhia de Engenharia de Trfego CIRM Comisso Interministerial para os Recursos do Mar DPU/RN Delegacia do Patrimnio da Unio do Rio Grande do Norte EMBRATUR Empresa Brasileira de Turismo ES Esprito Santo ESDI Escola Superior de Desenho Industrial EUA Estados Unidos da Amrica GEAU Grupo de Estudos em Arquitetura e Urbanismo GI-GERCO Grupo de Integrao do Gerenciamento Costeiro GRPU/RN Gerncia Regional do Patrimnio da Unio do Rio Grande do Norte IAB Instituto dos Arquitetos do Brasil IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis IPLANAT Instituto de planejamento Urbano de Natal KM Kilometro MMA Ministrio do Meio Ambiente MP Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto PA Par PE Pernambuco PPGAU Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo PDN Plano Nacional de Desenvolvimento

    14

  • PNGC Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro PR Paran PRODETUR/NE Programa de Desenvolvimento Turstico do Nordeste RJ Rio de Janeiro RN Rio Grande do Norte SC Santa Catarina SE Sergipe SEMSUR Secretaria Municipal de Servios Urbanos SEMURB Secretaria do Meio Ambiente e Urbanismo SEPLAN Secretaria de Planejamento do Rio Grande do Norte SETUR Secretaria de Turismo do Estado do Rio Grande do Norte SPU Secretaria do Patrimnio da Unio UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFPE Universidade Federal de Pernambuco UNESCO Organizao das Naes Unidas para Educao, Cincia e Cultura UV Ultra-Violeta

    15

  • RESUMO Dissertao de Mestrado

    Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    A PRODUO DO MOBILIRIO URBANO EM ESPAOS PBLICOS O Desenho do Mobilirio Urbano nos Projetos de Reordenamento das Orlas

    do Rio Grande do Norte Autor: Glielson Nepomuceno Montenegro

    Orientador: Marcelo Bezerra de Melo Tinoco

    Data e Local da Defesa: Natal, 07 de Dezembro de 2005

    Este trabalho analisa e avalia o Desenho de Mobilirio Urbano para os espaos

    pblicos nos Projetos de Reordenamento da Orlas do Rio Grande do Norte,

    estabelecendo relaes entre a paisagem urbana dos espaos pblicos revitalizados

    sejam eles de interesse cultural, paisagstico e/ou turstico, e o processo de

    interveno do Desenho na configurao do mobilirio urbano implantado

    naqueles espaos observando as provveis conseqncias advindas desse processo

    em um dado contexto urbano que alteram os usos, funes, as imagens culturais e

    os valores sociais atribudos a cada lugar especfico. As percepes ambientais e a

    legibilidade dos referenciais culturais dos lugares e sua representao nos

    elementos do mobilirio urbano, influenciam positiva ou negativamente os

    processos de cognio dos habitantes de um determinado espao revitalizado,

    definindo novos usos e atribuies para esses espaos. Os projetos de interveno

    urbanstica das orlas tendem padronizao excessiva dos meios tcnicos,

    materiais e configuraes, criando espaos cenarizados que segregam os usurios,

    impondo equipamentos e novos usos que, consequentemente, acabam criando os

    chamados no-lugares e um regionalismo pitoresco. O trabalho est dividido em

    6 captulos que tratam respectivamente de: conceituaes tericas (Desenho

    Industrial; Mobilirio Urbano; Espaos Urbanos Pblicos; Imagem Urbana e

    Percepo Ambiental; Ocupao e Interveno Urbanstica nas Orlas martimas);

    dos Procedimentos e Tcnicas para Coleta de Dados; das Anlise das Orlas do Rio

    Grande do Norte e dos Processos de Interveno; e das consideraes finais e das

    contribuies do Desenho Industrial.

    16

  • ABSTRACT

    Dissertao de Mestrado Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    A PRODUO DO MOBILIRIO URBANO EM ESPAOS PBLICOS O Desenho do Mobilirio Urbano nos Projetos de Reordenamento das Orlas

    do Rio Grande do Norte By Glielson Nepomuceno Montenegro

    Natal, 07 de Dezembro de 2005

    This work aims to analyze and evaluate the Urban furniture designed to public

    areas according to the Revitalization planning for Rio Grande do Norte coastland,

    defining visual relations among urban elements in the landscape of revitalized

    public urban areas with cultural, paisagistic and touristic values and the design

    process used for developing urban furniture to those areas, observing the

    incoming consequences use to that process in a specific urban context which alters

    use, functions, cultural images as well as social values attributed to each particular

    place. Environmental perceptions, legibility of local cultural references and their

    representation through the design of urban elements, act in a positive or negative

    manner over the inhabitants cognition process of some particular revitalized area,

    determining new use and attributions to those areas. Designs for coastal urban

    interventions try excessively to standardize technical media, construction

    materials and planning configurations, creating artificial sceneries that segregates

    users, imposing new structures and usage, generating, consequently, the so called

    non-places and burlesque regionalism. The research is divided into 4 chapters:

    1) Theoretical support (Industrial design; Urban furniture; Public urban spaces;

    Urban image and environmental perception; Urban occupation and interventions

    in coastland areas); 2) Methodological procedures and data collection; 3) Analysis

    of Rio Grande do Norte coastal areas and their urban interventions; 4) Final

    considerations and Industrial Design contributions to the subject.

    17

  • INTRODUO

    Definio do tema Problema investigado

    O fenmeno da globalizao com seu paradigma da

    inexistncia de barreiras tecnolgicas, materiais, financeiras e sociais e da

    internacionalizao da arquitetura o international style derivado do

    movimento modernista, deram origem a um ecletismo tal que acabou por

    inaugurar uma forma ps-moderna de pensamento, comportamento e urbanismo,

    trazendo consigo uma homogeneidade e padronizao culturais: assistimos aos

    mesmos filmes, ouvimos as mesmas msicas, almoamos sushi, jantamos no

    McDonalds, fazemos compras nos shopping centers, trabalhamos em uma torre

    envidraada e climatizada, seja em So Paulo, Nova York, Londres ou Natal.

    Ao mesmo tempo em que a padronizao massificou os costumes, surgem

    manifestaes contrrias ao processo de homogenizao como forma de resgatar

    aquela identidade cultural presente nas diferentes sociedades urbanas atravs de

    suas edifcaes, monumentos e no prprio espao pblico.

    A partir dessa idia, tiveram incio processos de revitalizao dos centros

    tradicionais em algumas capitais brasileiras entre as dcadas de 1970 e 1980,

    como o Projeto Corredor Cultural no Rio de Janeiro (1979), o Plano de

    Revitalizao do Centro em So Paulo (1976), o tombamento do Pelourinho em

    Salvador pela UNESCO (1974), o Plano de Preservao dos Stios Histricos da

    Regio Metropolitana do Recife (1976) e o Programa de Preservao e

    Revitalizao do Centro Histrico de So Lus (1979). Contudo, somente nos

    anos 80 que a grande maioria desses projetos e programas foi realmente

    efetivada, tendo sua consolidao acontecida nos anos 90.

    Outras capitais do nordeste brasileiro como Joo Pessoa, Natal e Fortaleza,

    seguiram o exemplo passando tambm por um processo de revitalizao de suas

    reas histricas centrais.

    Todavia, o boom da revitalizao nas cidades brasileiras no restringiu-se

    apenas aos seus centros histricos, estendendo-se tambm a outros espaos

    18

  • urbanos como por exemplo a rea Porturia do Rio de Janeiro, a orla e

    adjacncias de Ipanema e Leblon; Praia de Boa Viagem no Recife, Praia de

    Iracema em Fortaleza; Cabedelo e Cabo Branco em Joo Pessoa; Ponta Negra,

    Areia Preta, Praia dos Artistas, Praia do Meio e do Forte em Natal. As mudanas

    ocorridas nesses espaos tiveram um carter eminentemente turstico na melhoria

    das condies de infra-estrutura, segurana, servios e valorizao ambiental

    daquelas reas.

    O objetivo principal dessas aes o de atrair maiores investimentos por

    parte do setor privado, sejam eles nacionais ou estrangeiros, atravs de

    empreendimentos que venham gerar emprego, capital, desenvolvimento social e

    turstico em algumas reas e, principalmente, lucro.

    Nesse aspecto, o Rio Grande do Norte tem atrado ateno de investidores

    que j se instalaram na regio, explorando a atividade hoteleira, a carcinocultura, a

    fruticultura e a produo de sal. A cidade de Natal desponta no cenrio nacional

    como uma das capitais do nordeste com grande potencial turstico devido aos seus

    atributos paisagsticos em termos de praias, dunas e rios, alm do aspecto

    urbanstico que lhe peculiar com largas avenidas que facilitam os acessos,

    variados centros de compras, desenvolvimento do setor da construo civil e um

    bom nvel de qualidade de vida.

    No final de 1996, comeou-se a discutir as ocupaes irregulares das terras

    pblicas da unio em algumas reas que evidenciavam problemas de degradao

    ambiental, a exemplo de processos erosivos. Originou-se assim, o grupo Ao

    Zona Costeira contando com a participao de rgos federais, municipais e

    estaduais tendo como finalidade uma ao conjunta na Zona Costeira. 1

    Tiveram incio aes preventivas e corretivas na zona costeira, sendo a

    urbanizao de Ponta Negra o primeiro projeto implantando naqueles moldes.

    Posteriormente, o Banco do Nordeste articulou reunindo prefeituras,

    universidades, Secretaria de Turismo, a criao do plo de discusso do turismo

    denominado Plo de Turismo Costa das Dunas, selecionando o litoral oriental do

    Rio Grande do Norte para atuao, onde foram desenvolvidos alguns projetos de

    urbanizao. 1 Dados obtidos na palestra do Secretario do Patrimnio Regional da Unio Sr. Carlos Jos, no dia 05/06/2003 na sala de aula do PPGAU/UFRN

    19

  • O Plo de Turismo criou Grupos de trabalho: o Grupo de trabalho

    Reordenamento da Orla Martima coordenado pelo GRPU, encaminhou projetos

    de reordenamento da orla visando a regularizao das terras pblicas. Articulou

    prefeituras, Banco do Nordeste, universidade e rgo Estadual do Meio

    Ambiente. Em 1998 foi criado o Plano de Ao Federal da Zona Costeira

    Brasileira incorporando-se a ele o Projeto Orla. Tiba do Sul foi um dos quatro

    municpios brasileiros escolhidos como piloto para teste da metodologia do

    Projeto Orla em 2001.

    No mbito das aes do Plo, foram desenvolvidos os Projetos dos

    municpios de Parnamirim, Canguaretama, Extremoz, Barra de Maxaranguape, a

    partir de 2002. A UFRN, atravs do Departamento de Arquitetura

    (GEAU/DARQ), participou desse trabalho desenvolvendo os projetos para as

    orlas martimas daqueles municpios.

    A revitalizao de espaos urbanos pblicos pode ser feita de vrias

    maneiras considerando-se os setores envolvidos e tambm suas variveis; dentre

    elas podemos citar o tratamento esttico e funcional das fachadas das edificaes,

    o mobilirio urbano e tambm os elementos paisagsticos e publicitrios.

    Entretanto, o que observamos muitas vezes, a falta de inter-relao entre o

    mobilirio, o entorno, a identidade cultural e suas referncias urbanas.

    O mobilirio urbano, sendo um conjunto de mveis e utenslios que

    compem a paisagem urbana interferindo, participando, facilitando ou

    dificultando o acesso e o trnsito das pessoas sendo parte das suas vidas, pode, de

    um certo modo, caracterizar ou representar o esprito e/ou o estilo de vida das

    cidades atravs de seus smbolos, como tambm pela explorao dos elementos

    configuracionais.

    Os elementos configuracionais tais como a cor, a textura, a forma e os

    materiais, permitem intervenes que aproximem mais o objeto ao usurio,

    definindo assim traos da identidade nacional, caractersticas referentes ao clima

    local, aos comportamentos, paisagem urbana, enfim ao esprito da localidade,

    sem, contudo, haver um comprometimento do planejamento arquitetnico como

    acontece atualmente. Integrar o mobilirio urbano ao entorno, uma condio

    para que o cidado se sinta valorizado.

    20

  • O Desenho Urbano considera a interao destes fatores no seu processo de

    elaborao como um conceito para criar e obter como resultado uma

    requalificao do espao pblico oferecendo possibilidades para recriar o coletivo

    atravs da incorporao de novos atratores ou ativadores programticos e

    espaciais, destinados ao lazer, educao, equipamentos sociais e comrcio,

    articulados com o mobilirio urbano e a vegetao paisagsticamente concebidos.

    (JUREGUI, 2001, p. 02).

    Os projetos de interveno urbanstica priorizam a organizao dos espaos,

    seu uso racional, a uniformizao de estruturas, a valorizao da paisagem e o

    apelo esttico de algumas reas ou edificaes. Alm disso, preciso analisar as

    interaes entre os habitantes e seu ambiente, estabelecendo requisitos e

    parmetros que estejam relacionados, direta ou indiretamente, com todo o

    processo de revitalizao e desenvolvimento do mobilirio urbano para um

    contexto especfico.

    Os elementos do mobilirio urbano devem guardar na sua configurao certa

    correspondncia, fazendo com que cada um deles seja entendido no apenas como

    um objeto especfico, mas como pertencente a uma mesma famlia que contribui

    para a sociabilizao do espao pblico e adequa-se as funes e ao contexto

    local.

    Apesar das intervenes urbansticas determinarem em seus projetos a

    incorporao de um tipo especfico de mobilirio urbano, o critrio de seleo

    utilizado prioriza muito mais o aspecto esttico do objeto do que qualquer outro.

    Paradoxalmente, o Desenhador de mobilirio urbano no dispe de parmetros

    metodolgicos claros que possam auxiliar no desenvolvimento desse mobilirio,

    recorrendo muitas vezes a adaptaes de metodologias existentes com outra

    finalidade distinta.

    Este trabalho se prope a contribuir com estudo da configurao adequada

    do mobilirio urbano a projetos de interveno urbanstica em espaos urbanos

    pblicos dentro de um contexto local especfico, procurando estabelecer diretrizes

    que facilitem o desenvolvimento de projetos de mobilirio urbano.

    21

  • Definio do objeto de estudo

    As orlas de Ponta Negra e Redinha foram submetidas a

    processos de reordenamento e urbanizao de suas orlas, com projetos

    especficos, mas que, paradoxalmente, apresentam uma configurao de

    elementos urbanos e estruturas padronizadas para contextos diferentes que acabam

    criando uma homogenidade visual e funcional, em detrimento das peculiaridades

    do entorno e da paisagem.

    Para Pirangi do Norte, Cotovelo e Barra de Cunha foram desenvolvidos

    projetos que ainda no foram implantados. Os projetos foram desenvolvidos pelo

    Grupo de Estudos em Arquitetura e Urbanismo/GEAU do Departamento de

    Arquitetura da UFRN, o qual tambm definiu tambm o mobilirio urbano que

    dever vir a ser instalado em cada uma das reas revitalizadas, constando de

    assentos, coletores para lixo, quiosques, estruturas de iluminao pblica, suporte

    para sinalizao vertical, superfcies horizontais para atividades diversas.

    Dentre esses mobilirios selecionados, alguns deles foram concebidos por

    profissionais, enquanto conceito e estrutura fsica, sendo outros tecnicamente

    especificados atravs de catlogos de empresas fabricantes especializadas.

    Desse modo, o Desenho do mobilirio urbano especificado nos projetos de

    interveno urbanstica das orlas e sua adequao s condies fsico-geogrficas

    e polisensoriais dos ambientes tratados, bem como sua validade enquanto objeto

    de Desenho Industrial o foco central da anlise desenvolvida nesta pesquisa.

    A abordagem deste trabalho ser direcionada a uma anlise das reas de

    valor paisagstico e scio-econmico dos espaos pblicos revitalizados no Plano

    de Interveno Urbanstica para Reordenamento das Orlas de Pirangi, Cotovelo,

    Ponta Negra, Redinha e Barra de Cunha.

    Justificativas - Interesse pelo Tema Verificamos a necessidade de uma anlise e avaliao

    na concepo de elementos urbanos adequados s suas funes e especificidades

    em projetos de interveno urbanstica, como um aspecto-chave na identificao

    22

  • cultural em um determinado contexto social e paisagstico, para o qual o projetista

    estabelecer relaes conceituais.

    Verificamos que nos ltimos anos h um crescente processo de intervenes

    urbansticas em reas centrais e histricas de algumas cidades brasileiras, como

    tambm em suas orlas, de modo a funcionarem como novos atratores de recursos

    financeiros para as cidades atravs de empreendimentos de grande porte. Alm

    disso, esses processos procuram valorizar as caractersticas da paisagem e da

    cultura local como forma de resgatar aquela identidade cultural presente nos

    edifcios, monumentos e no prprio espao urbano pblico.

    Entretanto, observa-se que o sistema de mobilirio urbano destinado e

    implantado apresentam-se como soluo pontual que nem sempre atendem s

    necessidades dos usurios daqueles locais, apesar de ser um fator importante para

    dinamizao dessas reas urbanizadas, j que funcionam como elementos de

    sensibilizao e usos dos espaos urbanos.

    Na maioria das vezes isto acontece devido a falta de informaes,

    conhecimentos no apenas de base tcnica mas tambm scio-cultural, histrico,

    urbano e cognitivo e suas inter-relaes com o ambiente e a paisagem, por queles

    que projetam esses sistemas de mobilirio urbano devido escassez de material

    sobre o tema.

    Academicamente, observa-se que os futuros Desenhadores se interessam por

    esta rea do conhecimento profissional em vista dos processos de interveno

    urbansticas que acontecem atualmente, desenvolvendo projetos de concluso de

    curso que versam sobre o assunto e que necessitam de orientao especfica que

    lhes fornea a base de conhecimento necessrio para atuarem com profissionais

    neste campo.

    A padronizao de sistemas de objetos e ambientes urbanos visam

    organizao e esttica, trazendo consigo o perigo da homogeneidade cultural, ou

    seja, alguns elementos do mobilirio urbano instalados em Ponta Negra, Redinha

    e Praia dos Artistas, passam a ser os mesmos tendo uma linguagem nica e

    universal que no caracteriza cultura alguma em local algum.

    Planejar e desenvolver o Desenho do mobilirio urbano mais adequado a um

    determinado contexto enfatizando suas caractersticas nicas, justifica-se como

    23

  • uma maneira para se criar uma identificao do usurio com o objeto, e

    conseqentemente uma valorizao cultural mais forte e nica.

    Portanto, a coerncia, contemporaneidade e abordagem desse trabalho

    relacionado ao estudo e anlise das interaes entre o Desenho do mobilirio

    urbano, os usurios e o entorno, poder contribuir academicamente para a

    compreenso e desenvolvimento de projetos de mobilirio urbano mais adequados

    aos usos e funes em orlas reurbanizadas.

    .

    Contribuio da pesquisa O pouco material bibliogrfico disponvel sobre

    diretrizes metodolgicas e de planejamento especficos para o desenvolvimento de

    mobilirio urbano torna ainda mais difcil os projetos desses produtos, conduzindo

    a resultados equivocados comprometidos apenas com o aspecto esttico-

    decorativo do resultado final.

    A definio de diretrizes bsicas que possam auxiliar no desenvolvimento de

    projetos mais adequados s necessidades de um dado contexto social e

    paisagstico, demonstra a importncia desse estudo na definio de conceitos que

    possibilitem a tomada de decises na criao, desenvolvimento e implantao do

    mobilirio urbano segundo projetos de interveno especficos.

    Objetivos

    Objetivo Geral Com este trabalho objetivamos analisar os aspectos

    configuracionais do Desenho do mobilirio urbano especificado para as reas

    revitalizadas do plano de reordenamento da orla do Rio Grande do Norte e sua

    adequao aos locais onde sero instalados, as relaes scios-culturais existentes,

    usos e funes, paisagem, percepo ambiental e imagens urbanas associadas ao

    contexto e seus habitantes.

    Facilitar o desenvolvimento e a compreenso dos assuntos aqui tratados

    relacionados aos processos de interveno urbanstica contemporneos, espaos

    urbanos pblicos, Desenho de mobilirio urbano e referncias culturais,

    procurando-se estabelecer as complexas relaes existentes entre estas

    24

  • conceituaes e os fatores de ordem scio-econmicos, culturais, histricos,

    arquitetnicos, paisagsticos e humanos, envolvidos em tais processos.

    Assim so discutidas as temticas que tratam das conceituaes tericas

    concernentes a mobilirio urbano, aspectos culturais e simblicos no uso e nos

    comportamentos sociais relativos aos processos de reordenamento e urbanizao

    de orlas, bem como sua relao com os espaos urbanos e seus usurios.

    Objetivos Secundrios

    Analisar as propostas de reordenamento desenvolvidas para o Projeto Orla Cotovelo, Pirangi, Ponta Negra, Redinha e Barra de Cunha no que se

    refere ao Desenho do mobilirio urbano proposto para essas reas;

    Analisar os aspectos envolvidos ao planejamento e determinao de caractersticas urbanas relacionadas ao desenvolvimento de mobilirio

    urbano em consonncia ao projeto arquitetnico de revitalizao de

    espaos pblicos que derivam das contribuies do Desenho Industrial;

    Levantar conceitos atravs de informaes visuais leitura urbana que possam conduzir a uma caracterizao simblica dos elementos urbanos

    que fazem parte do contexto da cultura local das reas revitalizadas,

    relacionando aqueles conceitos aos princpios do Desenho Industrial;

    Estabelecer relaes metodolgicas entre o processo do Desenho de produtos e o processo de desenvolvimento de projetos de revitalizao de

    espaos urbanos pblicos, procurando determinar pontos convergentes que

    conduzam ao estabelecimento de parmetros projetuais;

    Aprofundar os conhecimentos relativos ao planejamento e desenvolvimento de mobilirio urbano mais adequado aos usos, funes e

    necessidades em projetos de revitalizao de espaos urbanos pblicos;

    Estabelecer uma interface de interao entre os processos projetuais aplicados ao Desenho e as intervenes urbansticas, contribuindo para a

    realizao de estudos mais aprofundados neste campo de atuao de

    Desenhadores e arquitetos-urbanistas.

    25

  • Hiptese Partindo-se da hiptese principal de que o Desenho de

    mobilirio urbano padronizado e implantado em reas de orlas que possuem

    caractersticas ambientais, paisagsticas, scio-culturais e econmicas

    diferentes, acaba gerando uma descaracterizao e mau uso dos espaos

    revitalizados, j que no conseguem estabelecer uma interface entre o

    produto, as necessidades dos usurios e as caractersticas do local, em vista

    da configurao inadequada do elemento urbano no contexto onde est

    inserido.

    Questiona-se, portanto, como fatores de ordem scio-cultural, paisagstica e

    histrico-arquitetnica influenciam nos processos de revitalizao de

    determinados espaos urbanos - sejam eles stios histricos ou no -, que so tidos

    como reas de interesse pblico que promovem o desenvolvimento econmico-

    financeiro e urbano em um dado local, e qual o papel do Desenho Industrial em

    meio a essas relaes?

    Deste modo, faz-se necessria a definio de trs conceitos fundamentais

    para o entendimento e desenvolvimento deste estudo, levantando questionamentos

    a respeito dos processos de revitalizao de espaos livres pblicos, desenho de

    mobilirio urbano e percepo ambiental. Entende-se, contudo, que os inter-

    relacionamentos entre estes conceitos e suas ramificaes apresentam-se como um

    processo complexo, que impe ateno e aprofundamento.

    Neste trabalho so abordadas as conceituaes tericas referentes aos

    processos de interveno urbanstica em espaos urbanos pblicos, o Desenho de

    mobilirio urbano, mais especificamente relacionados aos projetos de

    reordenamento e urbanizao das orlas do Rio Grande do Norte, como tambm as

    percepes ambientais e imagens urbanas, baseados nos escritos de estudiosos e

    pesquisadores das reas de urbanismo, sociologia, teoria do Desenho Industrial,

    histria do urbanismo e da arquitetura, teoria da arquitetura, que englobam os

    campos de estudo relativos anlise ambiental, legibilidade, imagens culturais,

    desenho urbano e configurao de produtos industriais.

    A primeira parte da pesquisa estabelece as teorias de referncia sobre as

    quais o trabalho se apia, enunciando os atributos essenciais que sero utilizados

    26

  • sob a luz de estudiosos e pesquisadores dos temas abordados, que tratam das

    teorias da conceituao do Desenho Industrial, do Mobilirio Urbano, dos

    Espaos Urbanos Pblicos, os processos de ocupao e desenvolvimento das

    Orlas no Brasil e os conseqentes processos de interveno ocorridos nas orlas,

    dentro de uma perspectiva econmica-social voltada para o turismo e o lazer.

    O Captulo 1 trata das Consideraes Tericas sobre a definio dos termos

    abordados na pesquisa, relativos ao Desenho Industrial, a origem do termo,

    implicaes scio-culturais e tecnolgicas na utilizao de diferentes

    terminologias e estrangeirismos voltados atuao profissional; ao Mobilirio

    Urbano, suas terminologias, caractersticas funcionais e culturais dentro da

    sociedade urbana, sua relao com os espaos da cidade, os usurios e o Desenho

    Industrial; aos espaos urbanos pblicos, conceituao, caractersticas funcionais

    e culturais, aspectos sociais dos espaos urbanos e seu desenvolvimento.

    As teorias referentes a Percepo Ambiental, Imagens Urbanas e

    Referenciais Culturais Urbanos so ainda tratados neste captulo, analisando-se os

    trabalhos desenvolvidos por Ferrara (1999/2000), Lynch (1997), Pallamin (2000),

    Cullen (1983) e Lerner (2003), como tambm a teoria do Regionalismo Crtico de

    Frampton (1997) e suas inter-relaes com o Desenho de mobilirio urbano e os

    processos de interveno urbanstica.

    Na segunda parte do trabalho realizou-se um levantamento das orlas

    reordenadas e reurbanizadas das praias de Ponta Negra, Redinha, Pirangi do

    Norte, Cotovelo e Barra de Cunha e dos projetos do mobilirio urbano definidos

    e implantados naqueles locais especficos.

    Os processos de ocupao e interveno urbanstica das orlas no Brasil,

    especificamente no Rio Grande do Norte, so tratados no Captulo 2, buscando-se

    informaes que conduzam a compreenso do desenvolvimento das orlas e suas

    conseqncias nos dias atuais em relao aos usos e funes destinadas quelas

    reas de interesse turstico.

    Os procedimentos metodolgicos e as tcnicas utilizadas para o

    desenvolvimento da pesquisa de campo, para a anlise das orlas estudadas, dos

    projetos de reordenamento e desenvolvimento das propostas de mobilirio urbano,

    baseados nos trabalhos de Ferrara (1999), Mourth (1998), Serra (2000), Lynch

    27

  • (1997), Tinco (2003), no Manual para implantao de mobilirio urbano na

    cidade do Rio de Janeiro (1996) e no Roteiro metodolgico para classificao da

    orla do MMA (2001), encontram-se definidos no Captulo 3.

    O Captulo 4 trata das Anlises Gerais sobre as orlas estudadas, suas

    caractersticas, aspectos paisagsticos, usos, mobilirio urbano, conflitos sociais e

    ambientais, desenvolvimento turstico e os projetos de reordenamento executados

    e propostos para queles espaos urbanos, bem como os elementos de mobilirio

    urbano definido para cada rea urbanizada e suas implicaes projetuais,

    paisagsticas, scio-culturais e funcionais sob a luz do Desenho Industrial.

    O ltimo Captulo trata das Consideraes Finais e das contribuies do

    Desenho Industrial no apenas aos processos de interveno urbana, mas para a

    sociedade como um todo.

    28

  • CAPTULO 1

    Consideraes Tericas

    Desenho Industrial Para o desenvolvimento deste estudo adotaremos o

    conceito de Desenho Industrial/Desenho, para a ao de projetar, desenhando

    produtos industriais, e Desenhista para o ator, o sujeito das aes intelecto-

    criativas expressionais/projetuais, no apenas operacionais, apesar de estas serem

    de fundamental importncia para a realizao, produo e fabricao da obra do

    desenhador.

    A adoo desse tipo de conceituao procura seguir a idia elaborada por

    Gomes (1996), uma vez que acreditamos ser a terminologia adequada para definir

    a atividade profissional responsvel pela concepo, desenvolvimento,

    detalhamento e otimizao de produtos industriais para a cultura material da

    sociedade ps-industrial.

    O termo Desenho pode ser inserido em diversas reas da atuao

    profissional, vindo a expresso geralmente acompanhada de outro termo para

    designar mais especificamente a qual rea do conhecimento estamos nos

    referenciando. Portanto, podemos ter o Desenho de vesturio, Desenho de

    calados, Desenho de jias, Desenho de eletro-eletrnicos, Desenho grfico,

    Desenho de embalagens, entre tantos outros.

    Utilizaremos o termo Desenho de Mobilirio Urbano, sempre que

    necessrio, para nos referir quela rea de estudo responsvel pela concepo e

    desenvolvimento de artefatos direcionados a oferecer comodidade e conforto aos

    cidados da urbe, prioritariamente os pedestres, e que compem o ambiente

    construdo onde se acham inseridos, sendo parte do desenho urbano das cidades,

    interagindo com seus usurios e com o contexto scio-cultural e ambiental.

    Apesar das vrias conotaes atribudas ao Desenho nos ltimos anos tais

    como linguagem, inovao, qualidade, configurao, e at atitude,

    compreendemos que ele pode englobar tais classificaes dependendo das

    29

  • diversas situaes onde utilizado, contudo sua denotao permanece a mesma ao

    longo do tempo, adequando-se quela ou esta contextura.

    Mobilirio Urbano Mobilirio urbano ou Elementos urbanos? No

    Dicionrio de Urbanismo, Ferrari (2004: 240), levanta os seguintes aspectos:

    Mobilirio urbano (urban furniture, mobilier urbain, mobilaje urbana). Conjunto de elemento materiais localizados em logradouros pblicos ou em locais visveis desses logradouros e que complementam as funes urbanas de habitar, trabalhar, recrear e circular: cabinas telefnicas, anncios, idealizaes horizontal, vertical e area; postes, torres, hidrantes, abrigos e pontos de parada de nibus, bebedouros, sanitrios pblicos, monumentos, chafarizes, fontes luminosas etc

    A definio nos leva a um nvel mais compreensvel daquilo que seria o

    mobilirio urbano, apesar de no deixar claro o que viria a ser idealizaes

    horizontais, verticais e areas assim com tambm torres.

    Segundo o Manual para Implantao de Mobilirio Urbano na cidade do

    Rio de Janeiro (1996: 11), mobilirio urbano a coleo de artefatos

    implantados no espao pblico da cidade, de natureza utilitria ou de interesse

    urbanstico, paisagstico, simblico ou cultural.

    Entretanto, essa conceituao ainda no define exatamente o termo

    mobilirio, considerando mais o valor utilitrio dos objetos do que propriamente

    suas funes intrnsecas de uso, esttica e simblica, dando margens a

    interpretaes superficiais sobre o papel desempenhado por estes objetos e sua

    importncia para a urbe.

    De acordo com o Manual de Procedimentos para Interveno em Praas

    (2002: 55), da Prefeitura Municipal do Recife,

    A expresso mobilirio designa, de modo anlogo ao conjunto de mveis utilizados no interior de um edifcio, os objetos que, no espao pblico, se destinam a oferecer comodidade e conforto aos

    30

  • habitantes, notadamente o pedestre, complementando desse modo, o ambiente construdo no qual esto inseridos.

    Esta definio apresenta alguns conceitos que parecem agravar ainda mais a

    compreenso das funes e atribuies daqueles objetos urbanos, associando-os

    ao mobilirio domstico como sofs, mesas e cadeiras, que oferecem conforto e

    comodidade queles que os utilizam.

    Diferentemente do mobilirio domstico, o mobilirio urbano no

    adquirido pelo cidado, ele apenas faz uso deste, sendo necessrio que se

    estabelea uma compreenso do que seja o objeto urbano em questo, j que esse

    entendimento ajudar o cidado a utiliza-lo de modo mais adequado, tirando

    proveito das suas funes.

    Todavia, o prprio manual lista uma srie de objetos que prioritariamente

    no so utilizados em espaos interiores, como por exemplos postes, telefones

    pblicos, brinquedos para parques e praas, e vasos de grandes dimenses.

    Outro aspecto do mobilirio urbano diz respeito comodidade e ao conforto

    dos usurios. Porm nem sempre tais objetos so utilizavis pelos habitantes das

    cidades como o caso das esculturas, postes, placas de sinalizao de

    logradouros, guarda-corpo e floreiras, j que estes objetos urbanos possuem

    funes especficas intangveis que vo da esttica simblica satisfazendo os

    desejos e aspiraes dos cidados relacionados contemplao do belo, como as

    esculturas e as floreiras; e necessidades funcionais de localizao e segurana

    como as placas de sinalizao e guarda-corpo.

    O fato de considerar esses produtos como um complemento do ambiente

    construdo, contraria sua origem, uma vez que foram concebidos a partir das

    necessidades decorrentes dos processos de urbanizao que requeriam, por sua

    vez, a implantao de novos servios pblicos que atendessem as demandas dos

    habitantes das crescentes cidades nos finais do sculo XIX e incio do XX, como

    iluminao pblica, servio de limpeza urbana, transporte pblico coletivo etc.

    O desenvolvimento desses objetos urbanos adquire um grau de importncia

    dentro dos projetos de interveno urbanstica dos espaos urbanos pblicos na

    31

  • medida em que representam um fator de valorizao no uso do espao pblico,

    atravs da prestao de servios, atendimento de necessidades e desempenho de

    funes especficas.

    Creus em Serra (2000: 06) argumenta que,

    (...)Aunque el trmino mobilirio urbano es el ms extendido y usado, nunca me ha parecido muy correcto. Se h traducido de uma forma demasiado literal del francs Mobilier urbain o del ingls urban furniture, aunque no se ha cado em la tentacin de traducir del italiano arredo urbano (arredare=decorar). Es precisamente la idea de amueblar o decorar la ciudad la que considero errnea y que creo lleva a confusin. Son ideas de antao cuando el amueblamiento urbano de um urbanismo clasista y, por lo tnato, la ornamentacin de la ciudad estaba muy ligada a la urbanizacin siendo los muebles la respuesta a unas necessidades urbanas muy elementales. Hoy em dia las ciudades son otras, el urbanismo es uma ciencia pluridisciplinar y el hecho urbano es de uma mayor complejidad. No parece lgico pensar que cada vez que colocamos un banco o una farola, estamos decorando la ciudad. Si en cambio es lgico y adecuado adornar la ciudad para festejar um acontecimiento cvico o social o para celebrar unas fiestas, pero son ocasiones especiales, temporales, extraordinarias.

    Me gustara poder contribuir a arraigar de forma ms universal y comprensible el trmino Elementos urbanos. Son objetos que se utilizan y se integran en el paisaje urbano, y deben ser comprensibles para el ciudadano. Uso, integracin y comprensin son pues conceptos bsicos para la valoracin de todo el conjunto de objetos que encontramos em los espacios pblicos de la ciudad.

    A definio de Elementos urbanos oferecida por Creus (2000) engloba

    uma conceituao mais ampla, fazendo referncia ao uso e a integrao daqueles

    objetos com a paisagem urbana. Levanta tambm a questo do ponto de vista do

    cidado sobre compreenso desses artefatos, j que a partir da descoberta das

    funes desempenhadas pelos elementos2 urbanos nos espaos pblicos, que

    ocorre uma valorizao no uso do conjunto desses objetos em um dado contexto

    urbano.

    2 O termo elemento refere-se, neste trabalho, a uma pea especfica que faz parte do conjunto de mobilirio urbano como, por exemplo, o elemento assento que poder ser um banco ou uma cadeira. N.A.

    32

  • Por conseguinte, o elemento urbano seria parte integrante de algo maior

    chamado cidade, j que h muito faz parte da sua estrutura e vem acompanhando

    sua evoluo no desenvolvimento urbano, seja atravs da adequao de seus usos,

    seja na insero de novas funes, seja na alterao da sua configurao, estrutura

    ou no emprego de materiais e tecnologias inovadoras na sua fabricao.

    O autor explica ainda que a idia de mobiliar a urbe no aplicvel per si

    s, pois a complexidade urbana das cidades com suas variadas nuances de

    habitantes e demandas por servios, lazer, trabalho entre outras atividades,

    adquiriu uma perspectiva muito diferente daquela das cidades de fins do sculo

    XIX e incio dos XX.

    Tinco (2003: 43-46), explica que mesmo em documentos oficiais, como as

    vrias legislaes vigentes no Municpio de So Paulo3, as definies e

    classificaes transformam, Equipamentos Urbanos em Mobilirio Urbano,

    fazendo uso indiscriminado dos termos. Tambm possvel encontrar bibliografia

    especializada livros, catlogos, peridicos -, que comumente utilizam os termos

    citados, independentemente de sua funo, configurao ou contexto onde se

    encontra inserido.

    O mobilirio urbano instalado nos espaos pblicos com o propsito de

    oferecer servios especficos, possuindo usos e funes diferenciados que vo

    surgindo paralelamente, de acordo com as novas necessidades de seus cidados

    tais como o descanso, a comunicao, a limpeza, a limitao e ordenao dos

    espaos para pedestres, entre outros.

    Da mesma forma que outros produtos, o mobilirio urbano possui uma vida

    til e precisa de manuteno. A verificao das condies de resistncia,

    acabamento e qualidade dos elementos urbanos pelos usurios, podem determinar

    o nvel de prestao de servios oferecidos pelo poder pblico bem como o tipo de

    gesto pblica praticada para as cidades.

    3 Leis n 9.413/12-1981 que dispe sobre o parcelamento do solo do Municpio; 9.803/12-1984 dispe sobre a obrigatoriedade do rebaixamento de guias, caladas e canteiros centrais; 10.305/04-1987 autoriza a Companhia de Engenharia de Trfego CET a promover a instalao de equipamentos urbanos; 10.135/04-1987 dispe sobre a limpeza pblica do Municpio; 12.849/05-1999 dispe sobre a instalao de mobilirio urbano no Municpio de So Paulo (TINOCO, 2003)

    33

  • Portanto, levar em conta tais fatores na hora do Desenho desses produtos,

    significa oferecer tambm uma boa prestao de servios, j que, prioritariamente,

    so destinados aos cidados, que os utiliza para realizar algum tipo de atividade.

    Os elementos urbanos apareceram nas ruas das nossas cidades por razes

    que, de certo modo, encontravam-se atreladas aos fatores econmicos, sociais e

    tambm estticos de um determinado conceito histrico-filosfico da sociedade. A

    medida que as cidades mudavam, o mobilirio acompanhava tais mudanas tanto

    em termos configuracionais, tecnolgicos, funcionais, qualitativos e quantitativos,

    tornando-se parte indissolvel da urbe, influenciando, por sua vez, as atitudes dos

    seus usurios.

    A ecloso da Revoluo Industrial na Inglaterra no incio do sculo XVIII e

    as inovaes tecnolgicas que atingiram sua indstria metalrgica, facilitaram a

    produo de artefatos em ferro fundido como chapas, escadas e fachadas de lojas

    e residncias, e tambm de elementos urbanos tais como coretos, estaturia, fontes

    e postes de iluminao. Alguns desses elementos passaram a ser importados para

    mobiliar algumas cidades no Brasil, em seus processos de urbanizao,

    importando-se, posteriormente, as tcnicas e as tecnologias para a produo local

    de ferro fundido, em meados do sculo XIX.

    A partir das mudanas sociais, dos costumes e dos processos de modernizao das cidades, outras peas do mobilirio urbano passaram a ser introduzidas devido as emergentes necessidades sociais urbanas e tcnicas,

    destacando-se a criao das praas pblicas que vieram representar um papel de

    destaque para socializao urbana.

    O desenvolvimento do mobilirio urbano encontra-se atrelado ao

    desenvolvimento das cidades, incorporando alm da sua funo prtica

    primordial, o carter esttico, atravs dos planos urbanos de embelezamento de

    cidades como Paris, Londres, Buenos Aires e Rio de Janeiro.

    Os fabricantes de artefatos em ferro fundido para o embelezamento das

    cidades, como a Macfarlane & Cos uma das grandes fundies escocesas no

    sculo XIX estabelecida em Glasgow, produziam postes, mictrios, fachadas para

    escolas e orfanatos, coretos, entre tantos outros produtos, dos quais alguns

    34

  • exemplares podem ainda ser encontrados em algumas cidades brasileiras como

    Belm/PA, Manaus/AM e Olinda/PE, sendo instalados nas vias das cidades que

    se modernizavam.

    O mobilirio urbano passa a ser implantado em praas pblicas, principalmente naquelas onde havia uma grande concentrao de edificaes

    pblicas monumentais, como o Teatro Santa Isabel em Recife, o Largo do Teatro

    em Salvador, e a Avenida Central no Rio de Janeiro que recebiam iluminao

    gs, coreto, fontes e estaturia, funcionando como atrativos para o passeio pblico

    e sua contemplao.

    Em um primeiro momento, as praas passam a ser sinnimo de lazer e

    descanso onde possvel encontrar chafarizes, esttuas e marcos que caracterizam

    alguns locais e tambm a cidade, sendo posteriormente instalados outros

    elementos como bancos, iluminao e coretos. O mobilirio do sculo XIX

    concebido em uma poca em que o tempo de observao e contemplao dos

    monumentos pela populao ressaltava sua importncia como elementos de animao do espao pblico. (PREFEITURA MUNICIPAL DO RIO DE

    JANEIRO, 1996: 68).

    Com a chegada da Famlia Real em 1808, foram feitos investimentos

    pblicos e o Rio passa por uma total transformao, ganhando melhoramentos

    como calamento de ruas, pontes e chafarizes e desenvolvimento da iluminao

    pblica feita com azeite de peixe.

    Uma nova orientao na forma de concepo da arquitetura e do espao

    urbano com relao ao saneamento das habitaes e das cidades, assim como os

    princpios de isolao e aerao de seus cmodos, foi dada com a vinda da Misso

    Artstica Francesa ao Brasil em 1816, composta por tcnicos e artistas que viriam

    implantar a arte neoclssica oficial, dotando a cidade de ruas largas, praas e

    edifcios monumentais.

    A intensificao da urbanizao e a importao direta de costumes da Europa desenvolvida, contriburam substancialmente para alterar a vida brasileira, recm-egressa de uma realidade colonial, onde o

    35

  • convvio social ocorria, somente, por ocasio de eventos de carter religioso. (SILVA, 1987: 103)

    A partir de 1891 a rede de energia eltrica foi implantada nas principais ruas,

    juntamente com a ferrovia e o bonde, contribuindo para a expanso da cidade

    alm dos seus limites coloniais. As cidades iluminam-se noite, sendo

    incorporados novos comportamentos.

    O desenvolvimento tecnolgico do sistema de fornecimento de energia e os

    melhoramentos das lmpadas, facilitaram e baratearam os custos de implantao

    da iluminao pblica, e os postes passam a fazer parte da paisagem das grandes

    cidades, sendo inclusive a primeira iniciativa de ordenar os elementos urbanos.

    Diante de tantas modificaes scio-culturais, econmicas, tecnolgicas e

    urbanas, e das crescentes necessidades da populao urbana, surgiram e se

    multiplicaram os servios, aparecendo ento os passeios pblicos e as novas

    praas que, alm de embelezar as cidades, eram a demonstrao das mudanas

    essenciais que ocorriam na vida e costumes brasileiros.

    Entretanto, o aumento da prestao dos servios pblicos que foram

    instalados para atender s demandas sociais, exigiam equipamentos no

    disponveis em quantidade suficiente no pas para suprir os anseios de

    modernizao da sociedade de ento, pois a produo industrial quela poca

    praticamente inexistia e toda a cultura local se fundamentava no trabalho manual.

    Portanto, os produtos e componentes de ferro industrializados importados vieram

    suprir essa deficincia, sendo utilizado na implantao do mobilirio urbano no

    pas.

    Dentro dessa nova estrutura urbana, alguns elementos tais como: coretos,

    bancos de praa, postes de iluminao gs, portes, bebedouros, banheiros

    pblicos, torres para relgios, gradis, passaram a ser instalados e a fazer parte do

    cotidiano dos cidados da nova sociedade brasileira de costumes e hbitos europeus, incorporados s praas do sculo XIX, que serviam de elemento agregador de atividades diversas como o lazer, a contemplao, a conversa ou o

    descanso.

    36

  • O desenho de alguns equipamentos urbanos permaneceu quase que

    inalterado durante as primeiras dcadas do sculo XX, tanto em termos materiais

    quanto formais. Certamente a formao cultural dos paisagistas europeus que

    vieram ao Brasil como planejadores e projetistas responsveis pelo

    embelezamento de praas, ruas, avenidas e jardins, influenciou diretamente nas

    formas e no uso do material tecnologicamente vivel e acessvel quele contexto

    histrico para o mobilirio urbano: o ferro fundido.

    Some-se a isso, o padro esttico-cultural vigente quela poca quando

    imperava o estilo ecltico e o gosto ingls e francs. Alm disso, quase a

    totalidade do mobilirio urbano que era implantado nas cidades brasileiras era

    fabricado na Europa principalmente na Inglaterra e Frana sendo importado

    por rgos pblicos do pas.

    Como afirma Robba e Macdo (2003:55),

    A dominao cultural e econmica da Frana e da Inglaterra nesse perodo notvel, e o desejo da nao brasileira de transformar-se em um pas imagem e semelhana de seus parceiros comerciais europeus faz com que a vinda desses paisagistas para executar jardins urbanos fosse urgente e bem aceita. A maioria das principais cidades brasileiras recebeu, na virada do sculo, projetos de praas ajardinadas, parques e jardins eclticos, concebidos por paisagistas europeus ou maneira dos jardins franceses e ingleses.

    O mobilirio at ento produzido, possua um carter decorativo, detentor de

    um apelo esttico elevado, j que se tratava de um objeto que deveria simbolizar a

    modernidade daquele perodo decorando a cidade, embelezando-a e servindo aos

    propsitos elitistas da classe dominante de ento.

    Mas as cidades cresceram bastante devido as atividades fabris mecanizadas,

    atraindo para si toda sorte de trabalhadores que viam nelas uma forma de melhorar

    de vida. Enquanto as cidades cresciam, tambm cresciam os cortios e com eles, a

    deteriorao da qualidade de vida nesses locais, tornando-se uma situao

    insustentvel, que provocou reaes contra os horrores da cidade encortiada.

    37

  • Assim, a suburbanizao passou a ser vista como uma soluo vivel ao problema do cortio. Novas casas, novas fbricas, foram construdas em sua periferia. Novas tecnologias do transporte o bonde eltrico, o trem eltrico de interligao com o centro, o metr, o nibus permitiram que esse processo de suburbanizao se concretizasse. (HALL, 1988: 57)

    A popularizao dos automveis e o aparecimento dos subrbios, trouxe

    consigo a implantao de malhas virias e rede de infra-estrutura para transporte

    coletivo. O urbanismo e a arquitetura propuseram ento um novo modelo de

    cidade privilegiando o transporte virio em detrimento dos pedestres, com seus

    edifcios de linhas despojadas e arrojadas construdos com a tecnologia mais

    avanada para a poca, dando incio, a era do modernismo.

    O transporte coletivo passou a ter um papel fundamental nesse processo

    sendo ento elaborados planos de expanso de linhas de bondes e ferrovias

    subterrneas e elevadas.

    A eletrificao dos bondes viabilizou a urbanizao de reas das cidades at

    ento distantes, fazendo com que fossem construdas novas cidades-satlites ao

    redor dessas linhas. O transporte pblico urbano em So Paulo na dcada de 1950

    j era o meio mais utilizado pelos trabalhadores para seu deslocamento, e os

    abrigos para os usurios protegerem-se do sol ou da chuva eram raros.

    Grandes mudanas ocorreram na vida urbana com a consolidao do modo

    de produo industrial no incio do sculo XX. A populao urbana aumentava

    devido migrao do campo para as cidades e o desenvolvimento dos avanos

    tecnolgicos afetaram as relaes sociais e econmicas. As cidades comeavam a

    alterar sua estrutura e morfologia promovendo intervenes urbansticas que se

    adaptassem as novas demandas que o crescimento urbano e os novos modelos de

    produo industrial exigiam.

    As teorias modernas de urbanismo tiveram como cerne a setorizao da cidade, isto , a cidade moderna deveria ser organizada em setores com usos especficos, que atendessem s suas necessidades funcionais. Segundo a Carta de Atenas (1933) um clssico manifesto urbanstico modernista -, a cidade ideal deveria atender a quatro funes bsicas e distintas: habitao, trabalho, circulao e lazer. (ROBBA e MACEDO, 2003: 95)

    38

  • Esta nova postura urbanstica influenciou as idias de espaos urbanos

    pblicos, alterando seu conceito de utilizao. Se nos sculos XVIII e XIX os

    parques, praas e passeios representavam o local para a contemplao, o flerte, as

    discusses polticas e as aparies sociais, nas dcadas iniciais do sculo XX eles

    passam a ser a opo de lazer para a maioria dos habitantes urbanos, j que agora

    se tornava mais difcil e longnquo o convvio com a natureza nos arrabaldes e nos

    campos.

    Na dcada de 1930 nas grandes cidades brasileiras, expressiva parcela dos

    trabalhadores urbanos e suas famlias no tinham condies financeiras para

    deixar a cidade em direo aos balnerios e associaes privadas, passando a

    utilizar-se dos espaos livres pblicos para seu lazer em finais de semana. Desta

    maneira, a prtica de esportes, principalmente os coletivos, e a recreao infantil,

    vieram desempenhar um papel importante na convivncia social urbana, sendo os

    espaos urbanos pblicos os locais ideais para a realizao de passeios e

    piqueniques em praas, praias e parques.

    Diante dessa nova percepo urbana de lazer e convivncia social, o

    mobilirio urbano adquiriu outras caractersticas, incorporando novas funes e

    tipologias, surgindo tambm outros equipamentos que at ento no existiam

    por no haver uma demanda social e da prestao de servio urbano -, que

    passaram a fazer parte do cotidiano dos habitantes da cidade, como as estaes

    para transporte coletivo urbano, as cabines telefnicas individuais, os brinquedos

    para recreao infantil e esportiva, os coletores de lixo, entre outros.

    Diferentemente do ecletismo que promovia na praa o hbito de se flanar4,

    as praas modernas tm como proposta fundamental o lazer ativo que objetivava a

    permanncia dos freqentadores nos espaos que so criados para serem usados.

    O mobilirio urbano assume outra caracterstica formal, buscando explorar as

    linhas simplificadas e a pureza das formas geomtricas fazendo uso de outros

    materiais que no apenas o ferro fundido na sua fabricao.

    Somente a partir dos anos 30 com mudanas significativas na arquitetura o

    modernismo e a simplificao formal das construes, os elementos urbanos

    4 Flanar: (fr flaner) vint Passear ociosamente; vadiar (MICHAELIS, 1998: 966)

    39

  • sofrem outras influncias e passam a adaptar-se ao novo estilo das edificaes,

    incorporando tambm outro material na sua configurao: o concreto armado. Na

    praa modernista, o mobilirio limitado a bancos de concreto, algumas vezes

    moldados na prpria obra; ou de madeira, a partir de um projeto especfico; e aos

    postes de iluminao.

    Adquirindo um carter mais funcionalista do que propriamente esttico ou

    decorativo, o mobilirio procura, desse modo, incorporar-se paisagem e

    contexto modernos, como se fosse parte dele. Assim, o mobilirio urbano

    implantado reduz-se a estruturas geomtricas sem adornos que acompanham o

    traado da praa. O surgimento do consumismo, o desenvolvimento da

    publicidade e do marketing levam esses equipamentos a assumirem uma nova

    funo urbana, sendo vistos e utilizados como suportes para comunicao das

    massas. As praas modernistas no pas adquiriram um carter tipicamente

    brasileiro, especialmente devido obra do paisagista Burle Marx na utilizao de

    espcies vegetais nacionais.

    Aps a 2a. Guerra Mundial, com o aparecimento de novas tecnologias de

    fabricao e novos materiais nos anos 50, o mobilirio urbano assumiu novas

    configuraes, novos materiais e novas funes, que permitiram a fabricao e a

    rpida difuso de produtos para o uso cotidiano.

    A pesquisa tecnolgica e a utilizao dos metais leves, como as ligas de alumnio e magnsio, e dos polmeros saram da esfera blica e se integraram ao cotidiano, pois passaram a ser empregados nos produtos industriais. A matria plstica, devido sua capacidade de modelagem e facilidade de produo, tornou-se um dos mais importantes elementos na confeco de produtos de uso dirio, permitindo infinitas possibilidades de variao formal, de acabamento e de cor. (MORAES, 1997: 43)

    Materiais como o alumnio, o ao e o plstico passam a ser usados na

    produo do mobilirio urbano, adaptando-se tambm s formas retilneas das

    novas edificaes e sua arquitetura modernista sem adornos.

    O grande fluxo de automveis e a reduo das reas verdes para recreao,

    como tambm a preocupao em manter as crianas fora dos perigos das ruas,

    40

  • foram o principal motivo na criao de parques que pudessem proporcionar lazer,

    diverso para elas e segurana para os pais. Os playgrounds5 surgiram no Brasil

    nos anos de 1940 sendo encontrados em clubes, escolas e grmios, passando a ser

    largamente implantados em espaos livres pblicos a partir da segunda metade do

    sculo.

    Com a metropolizao das cidades a partir dos anos 1960, as reas centrais

    tornaram-se o ponto de circulao de pedestres e automveis, j que muitas

    pessoas moravam e trabalhavam no centro, ou prximo a ele, e aqueles que

    moravam em bairros afastados tinham que cruza-lo de um modo ou de outro; seja

    para apanhar um transporte coletivo que os levasse a diferentes destinos, seja para

    realizar alguma atividade.

    O congestionamento das reas centrais e o alto fluxo de pedestres, levaram o

    poder pblico a pensar em solues que pudessem preservar a integridade fsica

    de seus habitantes, culminando no final dos anos de 1970 com a criao dos

    famosos calades.

    Os calades foram idealizados como um espao para a circulao e o lazer

    dos pedestres, configurado pelas edificaes do entorno fazendo com que

    houvesse uma revitalizao de algumas vias centrais, a valorizao do patrimnio

    arquitetnico e da paisagem, como tambm o restabelecimento e crescimento

    comercial em alguns setores.

    Em um primeiro momento, o mobilirio urbano implantado naqueles locais

    tais como bancos, jardineiras, telefones pblicos, floreiras, quiosques diversos e

    luminrias, se tornaram um empecilho para o fluxo de pedestres, atrapalhando sua

    circulao e deslocamento devido ao nmero excessivo de elementos nas vias.

    A observao das atividades e dos usos dados a determinados calades,

    assim como as crticas feitas aos projetos, levaram os projetistas a evitar a

    implantao desses elementos em grande nmero, desobstruindo o trfego de

    pedestres facilitando sua circulao, considerando de modo mais racional os

    5 Playground estrangeirismo, palavra de origem inglesa que define um local ou rea especfica destinada a recreao infantil com aparelhos para brincadeiras, jogos e ginstica. N.A.

    41

  • aspectos funcionais e estruturais do elemento proposto para o local, do que apenas

    sua funo esttico-decorativo.

    As ruas de pedestres foram um marco nas cidades brasileiras nos anos de 1970 e 1980, tornando-se um smbolo de progresso e modernidade. Tanto que vrias cidades de mdio e pequeno porte em todo o pas adotaram a idia, em alguns casos sem a real necessidade de um equipamento urbano desse gnero. (ROBBA e MACEDO, 2003: 136)

    Se no incio e meados do sculo XX o espao livre pblico determinava a

    atividade e o uso especfico do local e a partir da a implantao do seu

    mobilirio, desempenhando o papel de suporte complementar para a

    contemplao, o lazer, ou a atividade fsica e recreao; no espao urbano pblico

    contemporneo encontramos, alm das funes listadas anteriormente, a atividade

    comercial e da prestao de servios com o intuito de atrair o pblico para uma

    determinada rea.

    Os calades foram implantados em vrias reas centrais de cidades

    brasileiras, estendendo-se a idia para outros locais como as orlas martimas, de

    lagos e rios, ampliando-se deste modo, os usos e as funes daqueles espaos

    pblicos, instalando-se o mobilirio especfico para cada stio de acordo com as

    atividades ali realizadas. O mobilirio urbano volta-se ento ao servio da

    populao no seu cotidiano, compondo os espaos urbanos nas cidades brasileiras.

    Com o crescente desemprego nas grandes cidades, atividades informais

    tornaram-se comuns levando a implantao de quiosques para a comercializao e

    para a execuo de pequenos servios, voltando a ser uma proposta aceita em

    muitos dos programas de planejamento urbano e revitalizao de determinadas

    reas das cidades. Uma idia semelhante quela que acontece nos centros de

    compras com suas praas de alimentao e servios.

    Os programas de atividades dos espaos urbanos pblicos atuais variam de

    acordo com cada cidade, cada rea especfica e com as demandas sociais da

    populao. Deste modo, pode-se ento definir o tipo de mobilirio urbano a ser

    projetado e implantado naqueles locais, levando em considerao aspectos

    42

  • referentes ao entorno, ao tipo de atividade programada, ao clima, ao simbolismo

    do local, enfim, aos parmetros scio-culturais e econmicos que envolvem tais

    propostas.

    O mobilirio urbano vem adquirindo ao longo dos anos uma maior

    importncia, pelo papel que desempenham no contexto das cidades modernas

    tornando-se parte integrante da vida social cotidiana urbana, fazendo uso de

    materiais e tecnologias diversas que influenciam no seu uso.

    Como aglutinador de atividades sociais, os elementos urbanos facilitam a

    convivncia social e o intercmbio de experincias individuais e coletivas atravs

    de suas funes bsicas uso, esttica e simblica -, porm no o fator

    determinante no uso de um espao pblico: as condies de manuteno do

    mobilirio, a segurana do local, os usos definidos no programa de atividades para

    uma determinada rea so tambm alguns fatores que, em conjunto ao mobilirio

    urbano, podem revitalizar ou no um espao urbano pblico.

    Como afirma Lerner (2003: 47), um terminal de transporte, por exemplo,

    no precisa se assemelhar a uma estao rodoviria. Ele tambm pode ser um bom

    ponto de encontro.

    Observa-se que as mudanas ocorridas no perfil de consumo da populao e

    os avanos tecnolgicos acontecidos desde o sculo XIX at os nossos dias,

    refletem-se no uso e no desenho do mobilirio urbano atual. Como ele est

    inserido em uma determinada contextura scio-cultural-espacial, encontra-se

    tambm sujeito s alteraes ou mudanas que ocorram naquele contexto

    especfico.

    Assim sendo, se a rea onde estiver implantado o mobilirio sofrer

    depredaes, abandono ou segregao, ele sofrer mais imediatamente suas

    conseqncias devido a sua escala reduzida em relao aos edifcios e

    monumentos, degradando-se mais rapidamente; ou seja, ele um dos indicadores

    dos processos de gesto e apropriao dos espaos pelos usurios.

    Ao longo dos anos, alguns elementos do mobilirio urbano passaram a ser

    associados a uma cultura ou localidade especfica, identificando caractersticas

    referenciais de um dado contexto dentro da sociedade culturalmente globalizada e

    43

  • massificada, como as cabines telefnicas de Londres, os quiosques de

    Montevdeo, as mquinas de venda de jornais de Nova Yorque ou os orelhes no

    Brasil.

    De acordo com Lima (2001: 01)

    O mobilirio urbano seria o conjunto de todos os mveis e utenslios que compem, em conjunto, a paisagem urbana (mesmo que nem sempre to teis e nem sempre to em conjunto assim): latas de lixo, bancos de praa, pontos de nibus, placas de ruas, postes de luz. Coisas de presena mais sutil e mais intensa do que se pensa, porque, como as rvores, esto sempre ao redor, e estamos sempre procura delas. Muito do esprito de uma cidade pode ser entendido a partir de seu mobilirio urbano. Os bancos em pontos de nibus de Los Angeles tm formato meia-cana, para impedir os mendigos dormirem neles. Em San Francisco (sic) os assentos giram em torno de um pino quando no tem ningum sentado. Londres sempre foi lembrada pelas hermticas cabines de telefone vermelhas. Os orelhes do Rio, em Recife tm formato de coco ou berimbau.

    Os telefones pblicos no Brasil s tiveram uma soluo efetiva em 1972

    quando tcnicos da Companhia Telefnica Brasileira desenvolveram os chamados

    orelhes sendo os primeiros instalados na cidade do Rio de Janeiro, tendo uma

    boa aceitao por parte do pblico e com a configurao que permanece at os

    dias de hoje.

    Estes elementos passaram a fazer parte do cotidiano dos brasileiros,

    possuindo uma caracterstica peculiar que equivaleria s cabines telefnicas

    vermelhas da Inglaterra, assumindo o papel de referncia urbana nas cidades

    brasileiras. Verifica-se que em alguns locais os orelhes adquiriram formatos

    diferenciados variando de acordo com a representao simblica do lugar, como

    por exemplo, forma de coco verde em Recife; caju em Natal; chapu de couro em

    Fortaleza; balo de So Joo em Campina Grande; berimbau em Salvador.

    Cada idia que se tem a respeito do esprito de uma cidade procura ser

    representada nesses elementos evocando atrativos tursticos, festejos locais,

    musicalidade ou regionalismo, estabelecendo-se uma associao direta entre

    aqueles fatores e as formas relacionadas a eles, que poderiam simbolizar a cultura

    local. Portanto, segundo Juregui (2001), essa busca para captar o esprito de cada

    44

  • local atravs da configurao do seu mobilirio urbano, a procura pelo

    zeitgeist6.

    Segundo Brzek e Massimi (2002: 106),

    Wolfgang Goethe poeta e pensador alemo definia Zeitgeist como um conjunto de opinies que dominam um momento especfico da histria e que, sem que ns nos apercebamos de modo inconsciente, determinam o pensamento de todos os que vivem num determinado contexto.

    Menos poeticamente, utilizando-nos de uma terminologia prpria da antropologia, podemos falar em cultura contempornea ou cultura do nosso tempo. Tratam-se de conhecimentos, crenas, atitudes, de pessoas que vivem num tempo e num lugar especficos. (2002: 106)

    Essa procura pelo zeitgeist urbano, pode ser observada no mobilirio criado

    para o Projeto Rio Cidade, onde cada equipe de profissionais recebeu uma

    determinada rea para interveno, desenvolvendo um repertrio formal,

    definindo novos referenciais urbanos que promovessem uma identidade

    paisagstica prpria ao local, buscando estar em sintonia com o bairro da sua

    implantao.

    A preocupao das equipes era no tentar reproduzir os velhos cones

    convencionais e as influncias variavam desde obras modernistas at cones

    barcelonenses. O mobilirio implantado em vrios bairros da cidade possui

    caractersticas peculiares, apresentando configurao, estrutura, usos, funes e

    tratamentos diferenciados para cada caso particular. Portanto, os equipamentos

    neste caso especfico - assumem tambm o papel de referenciais urbanos ligados

    diretamente paisagem e seu contexto local, sendo parte integrante dela.

    Esse tipo de abordagem, relaciona-se quilo que Kenneth Frampton (1997)

    denominou de Regionalismo Crtico, ou seja,

    6 O Longman Dictionary of Contemporary English assim define o termo: the general spirit of a period in history, as shown in peoples ideas and beliefs (o esprito geral de um perodo na histria, como demonstrado nas idias e crenas das pessoas) Traduo nossa. (1986: 1279)

    45

  • distancia-se da modernizao como um fim em si mesmo, sem deixar de valorizar aspectos progressistas do movimento moderno; coloca maior nfase no stio do que na obra arquitetnica como um fato isolado; valoriza fatores de condicionamento impostos pelo lugar, no como limites de finalizao, mas como de inicio de um espao a ser criado, delimitados por estes (luz topografia materiais clima); toma elementos vernculos e os interpreta como elementos separados dentro da totalidade; a criao de uma cultura universal baseada no regional. (ARTUSA, 1997: 04)

    As referncias urbanas esto presentes no cotidiano das cidades, seja na

    memria de seus habitantes, seja numa estrutura qualquer, seja nos costumes e

    hbitos locais, mesmo quando ocorrem transformaes na paisagem, na

    reorganizao dos vrios setores de atividade que compem a cidade como um

    organismo vivo. Procurar fazer uma associao ou analogia direta entre

    determinados elementos e o mobilirio urbano, criando um novo cone na cidade

    seria uma tentativa positiva na busca pela captao de seu genius loci7.

    Como afirma Lerner (2003: 83-84),

    identidade, auto-estima, sentimento de pertencer, tudo tem a ver com os pontos de referncia que uma pessoa possui em relao sua cidade. (...) Tudo isso pode parecer nostlgico, mas no se apaga. E quando no existe? Fabrica-se? No, vai-se buscar. Alguma coisa que vai resgatar um momento e alavancar outros.

    Outro aspecto que deve ser levado em considerao est associado a

    superficialidade projetual com a qual tratado o Desenho de mobilirio urbano.

    Essa superficialidade pode criar distores no entendimento do conceito de genius

    loci, j que esse tipo de equipamento poderia ser instalado em qualquer cidade ou

    paisagem, fazendo com que as referncias urbanas de um determinado contexto

    sejam confundidas com as de outro.

    Limita-se o desenvolvimento ou especificao do mobilirio urbano

    associaes diretas com referncias artificiais criadas a partir de interesses

    7 Genius loci esprito do lugar. Esta expresso est relacionada a Teoria do Regionalismo Crtico que baseia-se na busca de uma arquitetura ecologicamente e esteticamente bem projetadas, no aspecto crtico no uso dos materiais locais para a construo, na busca da identidade ou esprito do lugar, na crtica produo massificada e homogeneizao do capitalismo globalizante.

    46

  • publicitrios ou de marketing cenarizao de lugares -, que no representam a

    imagem scio-cultural e as vivncias de seus cidados em relao quele contexto

    e local especfico.

    A multiplicidade formal de uma mesma estrutura de mobilirio urbano

    destinada a uma funo especfica, mais uma associao formal e decorativa do

    que propriamente simblica. Alm disso, a funo esttica de alguns desses

    produtos sobrepe-se aos aspectos funcionais e de uso comprometendo seu

    desempenho, negligenciando-se parmetros relacionados ao clima, material,

    manuteno, acstica, contexto paisagstico e cultural, entre outros.

    Como exemplo ilustrativo deste tipo de abordagem, destacamos os orelhes

    em formato de caju (fig. 01) que coincidentemente so encontrados tanto na

    cidade de Natal quanto de Aracaju; ou os contentores plsticos para lixo que

    podem ser encontrados em vrias cidades brasileiras, alterando-se apenas a

    colorao deles de acordo com a cidade onde se encontram: azuis em Recife,

    vermelhos em Salvador, verdes em Campina Grande, laranja em Natal.

    A alterao da configurao de um orelho atribuindo-lhe o formato de um

    caju pode no ser a proposta mais adequada para simbolizar o esprito de um dado

    local, at porque os telefones pblicos podem ser instalados em stios onde no

    exista relao direta ou indireta com o fruto.

    A Caju/Barra de Cunha/RN B Caju/Aracuaj/SE

    Fig. 01: A e B - mesmo elemento o caju utilizado para identificar cidades e contextos bem distintos, o que demonstra o carter emprico deste tipo de projeto de criao. Fonte: http://www.geocities.com/thetropics/cabana/2831/cur01.htm Fotos: Mitsuoki Suwabe

    47