105
Universidade de Brasília Instituto de Letras Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas Programa de PósGraduação em Linguística O DISCURSO DE PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR: ESTILOS E IDENTIDADES ALINNE SANTANA FERREIRA BRASÍLIA DF 2011

Dissertacao_Alinne Santana Ferreira

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Dissertacao_Alinne Santana Ferreira

Citation preview

  • Universidade de Braslia

    Instituto de Letras

    Departamento de Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas

    Programa de PsGraduao em Lingustica

    O DISCURSO DE PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR:

    ESTILOS E IDENTIDADES

    ALINNE SANTANA FERREIRA

    BRASLIA DF

    2011

  • UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    ALINNE SANTANA FERREIRA

    O DISCURSO DE PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR:

    ESTILOS E IDENTIDADES

    BRASLIA DF

    2011

  • Universidade de Braslia

    Instituto de Letras

    Departamento de Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas

    Programa de Ps-Graduao em Lingustica

    O DISCURSO DE PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR:

    ESTILOS E IDENTIDADES

    Alinne Santana Ferreira

    Dissertao apresentada ao Curso de Ps-

    Graduao em Lingustica da Universidade de

    Braslia, como requisito parcial para obteno do

    ttulo de Mestre em Lingustica.

    Orientadora: Profa. Dra. Cibele Brando de

    Oliveira.

    Braslia

    2011

  • Termo de aprovao

    ALINNE SANTANA FERREIRA

    O DISCURSO DE PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR: ESTILOS E

    IDENTIDADES

    Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao em

    Lingustica da Universidade de Braslia, como requisito

    parcial para obteno do ttulo de Mestre em Lingustica.

    BANCA EXAMINADORA:

    Orientadora: Profa. Dra. Cibele Brando de Oliveira (UnB)

    Membro externo: Profa. Dra. Anna Christina Bentes (UNICAMP)

    Membro interno: Profa. Dra. Maria Luiza Monteiro Sales Cora (UnB)

    Suplente: Profa. Dra. Viviane de Melo Resende (UnB)

  • A meu esposo Edwin, pelo apoio e pacincia constante.

    A meus pais, por sempre me mostrarem que, com estudo e

    perseverana, tudo conseguimos.

  • Agradecimentos

    Agradeo a Deus, por ser meu refgio e fora e por se manifestar nas alegrias e nos

    momentos de pouca inspirao.

    A Nossa Senhora, por me proteger e interceder as minhas preces ao Criador.

    A todos os meus familiares e, em especial, tia-me Gilbria e ao tio-pai Altamiro,

    pelo apoio e oraes, compreendendo, mesmo com tristeza, os momentos que me ausentei por

    conta da dissertao.

    A minha prima Luana, pelo suporte tcnico.

    A minha irm Adnia, pelo apoio durante a preparao para a seleo do mestrado e

    por me fazer acreditar que isso era possvel.

    Ao meu sobrinho Heitor, por ser luz que me ilumina e que me alegrou nos momentos

    mais difceis.

    professora Cibele Brando, por ser exemplo de professora e pesquisadora, por me

    apresentar os estudos sociointeracionais aos quais me filiei, pela intensa presena nas

    orientaes, que representaram, para mim, verdadeiras aulas nas quais constru conhecimento

    que levarei comigo por toda minha vida acadmica.

    professora Maria Luiza Cora, pelas preciosas contribuies a esta pesquisa durante

    suas aulas to enriquecedoras, e por aceitar o convite para fazer parte da banca examinadora.

    professora Anna Christina Bentes, pela gentileza em aceitar examinar este trabalho,

    deslocando-se de Campinas a Braslia.

    professora Stella Maris Bortonoi-Ricardo, por me ouvir prontamente e por perceber

    que a minha pesquisa tinha um vis sociointeracional. Essa contribuio me fez levar meu

    projeto de mestrado seleo de 2009 do Programa de Ps-Graduao em Lingustica.

    A todos os colegas da ps-graduao pelas conversas e contribuies nos intervalos de

    aulas e de congressos.

    Aos professores colaboradores desta pesquisa, por disponibilizarem suas aulas e seus

    momentos de folga de modo muito gentil para a construo desta pesquisa.

    s secretrias do Programa de Ps-graduao em Lingustica, Renata e ngela, pela

    gentileza e profissionalismo constantes.

    Ao CNPq, pela concesso de apoio financeiro a esta pesquisa.

  • O homem, ser de relaes, e no s de contatos, no apenas est no

    mundo, mas com o mundo.

    (Paulo Freire)

  • Resumo

    A presente dissertao objetiva investigar como professores constroem identidades em sala de

    aula por meio do estilo de fala adotado, bem como procura desvelar o discurso que os

    docentes possuem de si mesmos no que se refere s representaes do que ser professor do

    ensino superior. Possui pressupostos tericos da Sociolingustica Interacional, da Anlise de

    Discurso Crtica, da Psicologia Social e da Sociologia. Trata-se de pesquisa qualitativa, com

    orientaes etnogrficas, servindo-se tambm da Anlise da Conversao Etnometodolgica

    como metodologia auxiliar. Os dados foram gerados por meio da observao participante, do

    grupo focal com os professores colaboradores e das sesses individualizadas para

    visionamento dos dados com cada professor. Esses mtodos contribuem para a adoo da

    perspectiva mica neste trabalho, baseada na triangulao pesquisador, colaboradores e

    fundamentos tericos. O corpus da dissertao constitudo por oito horas, quarenta e dois

    minutos e oito segundos, correspondentes a cinco aulas filmadas, mais dezoito minutos e

    cinquenta e quatro segundos de filmagem do grupo focal. Alm disso, foi gravado udio das

    sesses de visionamento, que representa um total de vinte e cinco minutos. Como resultados

    desta pesquisa, pode-se afirmar que: (i) o estilo de fala mais ou menos formal relaciona-se

    com as aes de projeo ou negociao de identidades em sala de aula, pois professores

    revelaram identidades assumindo posturas ora formais, ora informais, conforme o contexto

    situacional; (ii) o discurso do professor, por mais que seja de democracia, hegemnico em

    sala de aula, pois ele quem possui poder institudo por seu papel social; (iii) as

    representaes sobre o que ser professor correspondem s teorias educacionais mais

    democrticas, porm, com limites para que as aulas sejam organizadas e os alunos possam

    cumprir seus deveres acadmicos; (iv) pistas lingusticas, tais como marcadores

    conversacionais e escolha lexical, bem como pistas no-lingusticas, constitudas por

    movimentos cinsicos e pela proxmica, e pistas suprasseguimentais marcaram estilo mais ou

    menos formal dos professores colaboradores; (v) as negociaes de identidade em sala de aula

    ocorreram de maneira simtrica, quando havia menos formalidade, e assimtrica, quando o

    estilo do professor era mais formal. As principais contribuies deste estudo esto

    relacionadas reflexo dos professores de ensino superior a respeito das identidades

    projetadas e negociadas por eles, que foram identificadas e reveladas neste trabalho. A ideia

    de uma identidade fixa no constitui mais uma realidade no mundo ps-moderno, sendo que

    as identidades fluidas e lquidas, definidas por Giddens (2002) e Bauman (2005), aplicam-se

    ao contexto desta pesquisa, haja vista que os professores manifestaram em suas aulas e

    revelaram no grupo focal mais de uma identidade.

    Palavras-chave: Estilos de fala; Identidades; Discurso acadmico; Ensino superior.

  • Abstract

    This dissertation aims to investigate how professors construct identities in the classroom by

    the speech style adopted, as well as it intends to unveil the discourse that they have about

    themselves as regards to representation of being a professor in higher education. It has the

    theoretical principles of Interactional Sociolinguistics, critical Discourse Analysis, Social

    Psychology, and Sociology. It is a qualitative research, with ethnographic guidelines, which

    also uses the Ethnomethodological Conversation analysis as an auxiliary methodology. The

    data were raised through the observant participation, the focal group with professors-

    collaborators, and individualized session for viewing of data with each one. These methods

    contribute to the adoption of an emic perspective in this work, based on the triangulation

    researcher, collaborator, and theoretical fundaments. The corpus of this dissertation is

    comprised of eight hours, forty-two minutes and eight seconds, which corresponds to five

    filmed classes, and more eighteen minutes, fifty-four seconds of footage of the focal group. In

    addition, it was recorded twenty-five minutes of the sessions of viewing audio. The results of

    this research are: (i) the speaking style more or less formal relates to the actions of projection

    or negotiation of identities in the classroom, because the professors revealed identities as they

    assume postures sometimes formal, sometimes informal, according to the situational context;

    (ii) the professors discourse, though it seems democratic, is hegemonic in the classroom

    because of the power established by their social role; (iii) the representations of what is to be a

    professor correspond to more democratic educational theories; however, within limits so the

    classes can be organized and so students can fulfill their academic duties; (iv) linguistic clues

    such as conversational markers and lexical choice, as-well-as non-linguistic clues which

    consist of kinesic movements and proxemics, and suprasegmental clues marked a more or less

    formal style of the professors-collaborators; (v) negotiations of identity in the classroom

    occurred in a symmetrical way, when there was less formality, and asymmetrically, when the

    professor had a more formal style. The main contributions of this study are related to the

    reflection of professors about the identities projected and negotiated by them, which were

    identified and developed in this work in association to a certain style. The idea of a fixed

    identity is no longer a reality in the postmodern world, and the liquid and fluid identity,

    defined by Giddens (2002) and Bauman (2005), apply to the context of this research, given

    that professors expressed and revealed more than one identity in both the classroom and in the

    focal group.

    Key words: Speech styles; Identities; Academic discourse; Higher education.

  • CONVENES DE TRANSCRIO

    OCORRNCIAS SINAIS EXEMPLOS*

    Incompreenso de palavras

    ou segmentos

    ( ) no a gente tem que ver que

    a repblica foi instaurada em

    1989 n, ento muito,

    pouco tempo pra uma ( ) de

    mudanas n.

    Hiptese do que se ouviu (hiptese) poderia usar o (else).

    Truncamento / ns vamos t/estar

    Sobreposio de falas [ EmliaFerreiro: . Quais so

    as caractersticas principais

    desses dois

    Aluna: [dois

    desses dois textos?

    Entoao enftica maiscula puristas

    Prolongamento de vogal e

    consoante

    :: podendo aumentar para ::::

    ou mais

    eu acredito que ia dar um

    pouqui::nho de trabalho pra

    vocs.

    Silabao - professora, funcionrio

    separado? Fun-cio-n-rio,

    fun-cio-ci-o?

    Interrogao ? a cooperao que foi a palavra

    chave ali que o grupo

    colocou, ok?

    Pausa maior ... T... O eu potico, o dono da

    voz e o tu. Como que eu

    identifico, posso estar

    identificando... Bom, deixa eu

    perguntar novamente.

    Pausa menor .. mas .. cada grupo vai ter a

    responsabilidade.

    Comentrios descritivos da

    pesquisadora

    (( )) e na terceira muito difcil

    ((ri))

    Citaes literais ou leituras

    de textos, durante a

    gravao

    " " perdo senhor diretor.

    Transcrio parcial ou

    eliminao de trecho

    /.../ ento o papel da mulher./.../

    Fontes: Gumperz (1982a e 1982b) e Marcuschi (2007).

    * Exemplos retirados do corpus desta pesquisa.

  • SUMRIO

    INTRODUO................................................................................................................ 13

    1. DISCUSSES PRELIMINARES: CONCEITOS-CHAVE.................................... 16

    1.0. Para comear a conversa... ......................................................................................... 16

    1.1. Lngua ao ............................................................................................................. 16

    1.2. Identidade: discutindo conceitos ............................................................................... 17

    1.3. O self o ns.............................................................................................................. 19

    1.4. Representaes: Assim eu sou professor. Assim eu sou aluno.................................. 20

    1.5. Para fechar a conversa... ............................................................................................ 27

    2. ESTILO, DISCURSO E IDENTIDADE................................................................... 29

    2.0. Para comear a conversa... ......................................................................................... 29

    2.1. Estilo: discutindo alguns conceitos............................................................................. 29

    2.2. Estilo de fala na negociao de identidades .............................................................. 33

    2.3. O discurso de sala de aula no Ensino Superior........................................................... 35

    2.3.1. Concepo de discurso como prtica social............................................................ 37

    2.3.2. As contribuies da Anlise de Discurso Crtica para os estudos

    sociointeracionais............................................................................................................

    38

    2.4. A construo discursiva e identitria no estilo de fala do professor........................ 38

    2.5. Para fechar a conversa... ......................................................................................... 40

    3. CONTEXTO DE PESQUISA: CONEXO ENTRE SABERES TERICOS E

    METDOLGICOS...................................................................................................... 41

    3.0. Para comear a conversa... ....................................................................................... 41

    3.1. Sociolingustica Interacional..................................................................................... 42

  • 3.1.1. Anlise da conversao e Etnometodologia............................................................ 44

    3.2. Princpios Etnogrficos geradores da pesquisa........................................................... 46

    3.3. Anlise de Discurso Crtica (ADC) para uma interpretao crtica dos dados........... 48

    3.4. Contexto da pesquisa.................................................................................................. 50

    3.5. Participantes colaboradores: professores e alunos.................................................... 52

    3.6. Gerao de dados como constituio do Corpus de Pesquisa.................................. 54

    3.6.1. Observao Participante e Notas de Campo.......................................................... 54

    3.6.2. Constituio do Corpus da Pesquisa...................................................................... 55

    3.6.3. Dados Visuais na Pesquisa Qualitativa.................................................................. 55

    3.7. Em defesa de uma perspectiva mica......................................................................... 56

    3.7.1. Grupo Focal............................................................................................................. 57

    3.7.2. Interpretao dos dados pelos colaboradores na hora do visionamento.................. 58

    3.8. Para fechar a conversa... .......................................................................................... 59

    4. AS IDENTIDADES DO DOCENTE: DISCURSOS DE MUITOS EUS.......... 61

    4.0. Para comear a conversa... ....................................................................................... 61

    4.1. Discutindo estilo de fala e identidades projetadas.................................................... 62

    4.2. Entre o docente e os discentes: algumas negociaes, muitas identidades.............. 70

    4.3. O grupo focal dos professores: o discurso sobre si................................................... 74

    4.4. Investigando identidades do docente de ensino superior.......................................... 82

    4.5. Para fechar de vez a conversa... ............................................................................... 86

    CONSIDERAES FINAIS........................................................................................ 88

    REFERNCIAS.............................................................................................................. 95

    ANEXOS........................................................................................................................... 103

  • INTRODUO

    Muitas questes sobre estilo e identidade de fala vm sendo discutidas no campo da

    Sociolingustica Interacional e da Anlise de Discurso Crtica (ADC). Entende-se que o estilo

    socialmente situado, manifestando-se no processo interacional. Os objetivos relacionais e

    identitrios iro definir a variao de estilo dos interagentes (COUPLAND, 2001 e 2007). Em

    decorrncia disso, vrias identidades podem ser negociadas ou projetadas pelos interagentes.

    A investigao de sala de aula, no que tange aos discursos que tecem a relao entre

    professores e alunos, vem sendo tema de vrias pesquisas. No entanto, a pesquisa em salas de

    aula de ensino superior, no que se refere a estilos e identidades, tem sido pouco contemplada.

    No Brasil, pode-se citar nessa rea a pesquisa de Brando (2005) sobre variao estilstica em

    salas de aula do ensino superior e a obra de Freire e Shor (2008), que discute, em forma de

    dilogo, questes sobre a postura democrtica do professor, direcionando o olhar para o

    ensino superior.

    Investigar a sala de aula sempre foi um dos propsitos da autora deste trabalho, que

    ministra aulas no ensino superior e j realizou duas pesquisas-piloto durante o processo de

    elaborao do projeto deste trabalho. O contato com as teorias da Sociolingustica

    Interacional, bem como com as metodologias que cercam essa perspectiva, despertaram o

    interesse para esta pesquisa.

    A finalidade desta pesquisa relacionar estilo de fala s construes indentitrias de

    professores do ensino superior, investigando de que modo eles negociam ou projetam

    identidades para os alunos e qual a relao disso com o estilo mais ou menos formal adotado

    pelos professores nos contextos pesquisados.

    Desse modo, este estudo sociointeracional est voltado para a investigao das

    negociaes e construes identitrias por meio do estilo de fala, utilizado nas interaes

    entre professores e alunos em uma instituio de ensino superior.

    Assim, o objetivo geral desta pesquisa investigar como professores e alunos

    constroem identidades em sala de aula por meio do estilo de fala adotado. A partir desse

    objetivo central, definiram-se os objetivos especficos pesquisa:

    i. Observar como professores e alunos constroem identidades em sala de aula a

    partir do estilo de fala utilizado;

    ii. Identificar e analisar marcas de representao sobre o que ser

    professor universitrio;

  • 14

    iii. Analisar aspectos lingusticos, posturas, traos proxmicos, trocas de

    turno conversacional, manuteno do piso conversacional que funcionam como

    marcas para sinalizar as identidades negociadas em sala de aula;

    iv. Relacionar a(s) identidade(s) que o professor afirma/demonstra ter com

    a(s) identidade(s) que ele negocia em sala de aula.

    Para o alcance de tais objetivos, a pesquisadora partiu de cinco questes de pesquisa:

    i. De que maneira o estilo projeta identidades e define relaes sociais entre os

    interagentes? Como eles manifestam percepes partilhadas de tais

    identidades?

    ii. Como professores e alunos se posicionam quando no h partilha das

    identidades projetadas?

    iii. Que representaes dos professores subjazem ao discurso do que ser

    professor universitrio e do que ser um aluno do ensino superior?

    iv. Que pistas lingusticas e paralingusticas contribuem para a construo das

    identidades no contexto de sala de aula?

    v. Que traos lingusticos e no-lingusticos sinalizam a simetria ou a assimetria

    entre professor e alunos?

    O primeiro captulo desta dissertao discutir a respeito de lngua e identidade,

    partindo dos pressupostos tericos que asseguram o conceito de lngua adotado nesta

    pesquisa. Sero apresentadas vrias consideraes a respeito de identidade, sendo de grande

    importncia para esta pesquisa a relao entre identidade e ps-modernidade. Mais adiante,

    questes a respeito da alteridade e das representaes sociais estaro em pauta.

    No segundo captulo, sero tratados aspectos referentes ao estilo de fala formal e ao

    informal, relacionando-os simetria ou assimetria estabelecidas no contexto de pesquisa e

    ao processo de negociao de identidades. Alm disso, algumas teorias referentes Anlise de

    Discurso Crtica (ADC) sero discutidas, pois fundamentaro a interpretao dos dados,

    permitindo a anlise das questes identitrias que permeiam o discurso dos professores

    colaboradores.

    O percurso metodolgico ser delineado no terceiro captulo, comeando pela

    apresentao da Sociolingustica Interacional, bem como das reas que dialogam com essa

  • 15

    disciplina, tais como Anlise da Conversao, Etnometodologia e Anlise de Discurso Crtica

    como auxlio para interpretao crtica dos dados. Depois disso, ser apresentado o contexto

    da pesquisa e os seus colaboradores, bem como o processo de gerao dos dados para a

    constituio do corpus deste trabalho. Para isso, ser necessrio discutir os mtodos da

    observao participante, do grupo focal e do visionamento, relacionando-os perspectiva

    mica a que este trabalho se vincula.

    Por fim, no quarto captulo, os dados sero analisados luz das teorias discutidas. Para

    uma anlise crtica a respeito dos discursos dos professores, sero retirados trechos dos

    protocolos interacionais1 que evidenciem a negociao/projeo de identidades em sala de

    aula, relacionando-as ao estilo de fala mais ou menos formal adotado pelo professor.

    Os nomes reais dos colaboradores de pesquisa, por questes de tica, foram

    preservados, optando-se pela sua substituio por nomes de grandes pensadores da educao:

    Rubem Alves, Maria Montessori, Emlia Ferreiro e Magda Soares. Acatando sugesto da

    professora Maria Luiza Cora, no intuito de no provocar ambiguidades entre o discurso dos

    professores colaboradores e o dos educadores escolhidos como codinomes, optou-se por

    juntar os nomes dos educadores como se fossem um s. Desse modo, no decorrer de todas as

    citaes do protocolo interacional, os nomes aparecero, respectivamente, da seguinte

    maneira: Rubemalves, Mariamontessori, Emliaferreiro e Magdassoares.

    Para atender ao carter mico adotado nesta pesquisa, ser feita uma triangulao dos

    dados, articulando as teorias estudadas s interpretaes da pesquisadora a respeito das aes

    sociais filmadas e o ponto de vista dos professores colaboradores no grupo focal e nas sesses

    de visionamento.

    1 A partir da analogia com os protocolos de leitura, a expresso protocolos interacionais, cunhada pela Profa.

    Dra. Stella Maris Bortoni-Ricardo, entendida, neste trabalho, como registro escrito de todas as aes

    desempenhadas pelos participantes durante o procedimento da gerao de dados.

  • CAPTULO 1

    DISCUSSES PRELIMINARES: CONCEITOS-CHAVE

    Quando me refiro a uma lingustica crtica, quero, antes de mais nada, me referir a uma

    lingustica voltada para questes prticas. No a simples aplicao da teoria para fins

    prticos, mas pensar a prpria teoria de forma diferente, nunca perdendo de vista o fato de

    que o nosso trabalho tem que ter alguma relevncia. Relevncia para as nossas vidas, para a

    sociedade de um modo geral.

    RAJAGOPALAN (2003, p. 12)2

    1.0. Para comear a conversa

    Neste captulo, sero discutidos os principais conceitos de lngua na perspectiva adotada

    nesta pesquisa. Alm disso, os conceitos de identidade e representaes sociais sero

    apresentados e inseridos no contexto da sala de aula do ensino superior, local onde os dados

    da pesquisa foram gerados.

    1.1. Lngua ao

    necessrio apresentar, antes de tudo, a noo de lngua adotada neste trabalho. A

    concepo de lngua em pauta a tem como uma atividade social. Nas palavras de Marchuschi

    (2008, p. 60), a lngua um fenmeno incorporado, e no abstrato e autnomo.

    Halliday (1997) afirma que o estudo da sociedade pressupe o estudo da lngua e do

    homem social e que os interesses da lingustica se estendem para a linguagem como um

    comportamento social. Assim, pode-se perceber que a lngua faz parte do homem do mesmo

    modo que o homem faz parte da sociedade. Portanto, h uma relao intrnseca entre lngua e

    sociedade, que exclui do objeto de estudo deste trabalho a compreenso de lngua por si

    mesma e independente de fatores externos.

    preciso salientar que o modo de estudo da lngua aqui proposto a concebe como uma

    forma de interao humana. No possvel conceber lngua sem relacion-la

    2 RAJAGOPALAN, Kanavillil. Por uma lingustica Crtica. So Paulo, Parbola, 2003.

  • 17

    pessoa que a utiliza, bem como s questes sociais e culturais que marcam as relaes sociais

    que o ser humano estabelece.

    Os estudos interacionais se voltam para a natureza social da lngua e afirmam que ela

    precisa ser estudada dentro das prticas sociais numa determinada cultura. o que Goffman

    ([1964] 2002)3 chama de situaes sociais, ou seja, o contexto onde ocorrem as trocas

    verbais.

    Por isso, o trabalho na perspectiva da Sociolingustica Interacional objetiva revelar

    como os interagentes negociam e partilham significados sociais durante as trocas verbais. Isso

    requer uma prtica de pesquisa voltada para a interpretao dos significados sociais, e no

    mais para a categorizao dos nveis de linguagem de grupos sociais.

    Fica claro, ento, que se prope aqui trabalhar com uma concepo de

    lngua/linguagem que perpassa a estrutura e a forma. Toda a abordagem terica e

    metodolgica deste trabalho abarca o que Rajagopalan (2003) chama de lingustica crtica. E,

    por essa concepo, torna-se necessrio e coerente perceber a lngua como forma de ao,

    sendo ela ideolgica e social. Alm disso, a pesquisa compromete-se a estudar como as

    pessoas, por meio da linguagem, estabelecem relaes e nelas constroem representaes

    sociais.

    1.2. Identidade: discutindo conceitos

    De Fina (2007, p.59) afirma que a identidade se manifesta no discurso e na

    participao nas prticas sociais tanto individualmente como coletivamente. Os interagentes

    constroem identidades que os projetam como um tipo especfico de pessoa ou projetam

    identidades coletivas quando falam ou agem como parte de um grupo ou uma instituio a

    qual pertencem. Coupland (2007, p.108-111) tambm afirma a existncia de uma projeo

    que torna determinado interagente parte de determinado grupo social. Para esse autor, a

    identidade uma meta da ao social.

    Algumas identidades se relacionam com os campos sociais (BOURDIEU, 1983): as

    famlias, os grupos de colegas, as instituies educacionais, os grupos de trabalho, os partidos

    polticos. So esses os contextos nos quais as pessoas vivem algumas de suas identidades.

    3 GOFFMAN, E. A Situao Negligenciada. Trad. Pedro M. Garcez. In: RIBEIRO, B & GARCEZ, P (orgs.).

    Sociolingustica Interacional. So Paulo: Loyola, 2002.

  • 18

    Convm aqui observar a diferena entre papel social e identidade estabelecida por

    Castells (1999, p.23-24). Para ele, ser me, fumante e membro de alguma igreja, ao mesmo

    tempo, diz respeito aos papis que so definidos por normas estruturadas pelas instituies e

    organizaes da sociedade. A importncia desses papis para influenciar as aes de pessoas

    depende de negociaes entre os sujeitos e as instituies de que fazem parte. As identidades,

    portanto, s sero geradas por meio do processo de individualizao ou de negociao com o

    meio social no qual os indivduos interagem.

    Deter o papel social de professores universitrios no constitui fator suficiente para

    que os colaboradores de pesquisa projetem imagem de si como profissionais exigentes ou

    competentes a todo momento. Assim tambm ocorre com os alunos, pois nem sempre o papel

    social de aluno far com que eles ajam sempre do mesmo jeito.

    Para compreender a afirmao anterior, convm refletir sobre o sujeito ps-moderno.

    As identidades na era da disseminao de uma cultura globalizada devem ser pensadas luz

    do que Hall (2006, p.12) chama de era da ps-modernidade. Para ele, essa a era das

    identidades fragmentadas e submetidas a crises constantes, pelo fato de as mudanas

    estruturais e institucionais terem levado as identidades fixas a um colapso, mostrando como

    so provisrias, variveis e problemticas. Trata-se, ento, de uma era da pluralizao das

    identidades.

    Hall (2006, p. 10-12) apresenta trs concepes de identidade: (a) do sujeito do

    iluminismo; (b) do sujeito sociolgico; (c) do sujeito ps-moderno.

    a) Identidade e iluminismo: baseado no conceito de pessoa humana altamente

    centrada, unificada e dotada de razo. O centro o ncleo interior.

    b) Identidade e modernidade: a concepo de sujeito sociolgico j refletia a

    crescente complexidade do homem moderno e a conscincia que ele passa a ter do mundo

    social e cultural (ncleo interior mais ncleo exterior). Criou-se, ento, uma concepo

    interativa da identidade e do eu.

    c) Identidade e ps-modernidade: o sujeito que tinha conscincia de uma

    identidade unificada e estvel passa a conceb-la fragmentada. O sujeito no se limita a uma

    s identidade, mas passa a integrar vrias, algumas vezes contraditrias e no resolvidas.

    Bauman (2005, p.17) chama de era lquido-moderna o perodo atual no qual as

    identidades so fluidas e negociveis.

  • 19

    Tornamo-nos conscientes de que o pertencimento e a identidade

    no tm a solidez de uma rocha, no so garantidos para toda a vida,

    so bastante negociveis e revogveis, e de que as decises que o

    prprio indivduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como

    age e a determinao de se manter firme a tudo isso so fatores

    cruciais tanto para o pertencimento quanto para a identidade.

    Na vida ps-moderna, as pessoas assumem papis sociais muito mais diversos do que

    nos tempos passados. Assumir esses papis quesito necessrio vida de uma pessoa que tem

    relaes profissionais, familiares, religiosas, entre outras, e que precisa assumir identidades

    em cada um desses momentos. No entanto, um papel social s se torna uma identidade se os

    atores sociais a internalizam, construindo o significado com base nessa internalizao.

    (CASTELLS, 1999, p.23)

    Com a rapidez das informaes e a mudana de paradigma a respeito dos meios de

    interao social, tambm possvel assumir diversas identidades ao mesmo tempo durante a

    interao virtual em programas de conversao, como o MSN (Microsoft Service Network) ou

    o Google Talk.

    Como j foi afirmado, as identidades assumidas na era ps-moderna so altamente

    efmeras e flexveis. Por essa razo, os professores do ensino superior podem se identificar de

    mltiplas formas, pois no h mais espao para uma representao fixa que revele somente

    uma identidade para cada professor.

    1.3. O self o ns

    A construo do self realizada nas interaes sociais. Por isso, quando um

    interagente projeta ou negocia determinada identidade, ele se vale de estratgias pessoais

    conscientes ou inconscientes que tornam possveis suas intenes.

    Goffman (2009, p.15) afirma que, quando um interagente est com os outros, as suas

    aes sero calculadas de acordo com as respostas que ele espera dos outros. Para o autor, o

    contexto situacional no qual o sujeito est inserido ir requerer esse ou aquele tipo de

    expresso. Ou seja, a motivao situada em tempo e espao e condicionada pelo grupo ou

    pela posio social em que a pessoa se encontra.

    Pensar sobre identidade no contexto escolar pensar numa complexidade de selfs que

    acompanham o professor e o aluno. Consoante Castells (1999, p.23), toda identidade

    constituda pela soma do eu e dos outros:

  • 20

    Identidades, por sua vez, constituem fontes de significados para os

    prprios atores, pois so construdas por eles em um processo de

    individualizao (...). Embora (...) as identidades tambm possam ser

    formadas a partir de instituies dominantes, somente assumem tal

    condio quando e se os atores sociais as internalizam, construindo

    seu significado com base nessa internalizao.

    Woodward (2000, p.55) afirma que a subjetividade envolve a compreenso que se tem

    do eu (self), envolvendo as emoes conscientes e inconscientes do que se . Abarca tambm

    os pensamentos e sentimentos mais pessoais do sujeito e as posies que ele assume e

    externa, por se considerar identificado com elas e que constituiro as suas identidades.

    Por mais que questes a respeito da subjetividade subjazam discusso relativa

    construo do self, assim como defende Woodward (2000, p.55), preciso considerar que as

    representaes do self dos interagentes so resultados de um filtro no somente subjetivo e

    internalizado. As relaes sociais estabelecidas como resultado de determinadas identidades

    assumidas determinam a construo e a desconstruo de selfs por meio da negociao que

    ocorre durante a interao face a face.

    Simbologias so criadas nas relaes sociais por meio de negociaes constantes entre

    os interagentes. Os significados, assim, sero negociados, revistos e, em algumas situaes,

    reinventados de acordo com os interesses dos interagentes. por este motivo que Berguer e

    Luckmann (2008, p.230) recomendam no falar em identidade coletiva, pois afirmaes a

    respeito de identidades fixas podero ser confirmadas ou refutadas e, em se tratando do sujeito

    ps-moderno, como j foi explicitado, as identidades assumidas por ele se tornam efmeras.

    1.4. Representaes: Assim eu sou professor. Assim eu sou aluno

    Moscovici (2007) afirma que as pessoas no possuem conscincia de algumas coisas

    bvias, que esto diante dos olhos delas. Ainda mais quando os seres humanos aceitam

    algumas imposies sociais sem discusso e seus comportamentos so respostas a estmulos

    comuns a todos os membros de uma comunidade a qual pertenam. Assim, esse autor comea

    a delinear o que significam as representaes sociais e como elas esto interligadas ao sistema

    cognitivo dos interagentes.

    Moscovici (2007, p. 37) discute tambm que as representaes sociais vo muito alm

    do sistema cognitivo, pois constituem fenmeno muito mais social do que psquico:

  • 21

    Todos os sistemas de classificao, todas as imagens e todas as descries que

    circulam dentro de uma sociedade, mesmo as descries cientficas, implicam um

    elo de prvios sistemas e imagens, uma estratificao na memria coletiva e uma

    reproduo da linguagem que, invariavelmente, reflete um conhecimento anterior e

    que quebra as amarras da informao presente.

    Esse autor afirma que influncias passadas interferem nas representaes do presente,

    pois as representaes so entidades sociais que dizem respeito vida humana e que vo

    mudando em respeito ao seu curso natural.

    Representaes, obviamente, no so criadas por um indivduo isoladamente. Uma

    vez criadas, contudo, elas adquirem uma vida prpria, circulam, se encontram, se

    atraem e se repelem e do oportunidade ao nascimento de novas representaes,

    enquanto velhas representaes morrem. (MOSCOVICI, 2007, p.41)

    Para uma anlise madura das representaes sociais, preciso perceber que toda

    representao atual nasce de uma mais antiga. Moscovici (2007, p. 38) alerta para a

    importncia da anlise de representaes anteriores, que deram origem s mais atuais, pois

    so elas que possuem o que h de mais forte e duradouro numa sociedade.

    Sobre esse aspecto, Goffman (2009, p.25) afirma que, quando os interagentes

    representam papis, objetivam que a plateia, ou seja, os outros interagentes levem a srio a

    impresso sustentada perante eles.

    Consoante essa afirmao, professores e alunos representam o self a partir das

    motivaes sociais que permeiam as suas relaes. Se interessante e lucrativo assumir o

    papel de professor exigente, os gestos corporais, o tom de voz e o vocabulrio selecionado

    sero tomados como ferramentas para essa representao. O mesmo ocorre para as

    representaes do professor menos exigente e do aluno dedicado ou, at mesmo, daquele que

    desdenha a fala do professor com conversas durante a aula. Goffman (2009, p.39) assim

    afirma:

    (...) mas na esfera social que abrange o exerccio de sua competncia

    profissional preocupar-se- muito com dar uma demonstrao de

    eficincia. Ao mobilizar seu comportamento para fazer uma

    demonstrao, estar interessado no tanto no curso completo das

    diferentes prticas que executa, mas somente naquela da qual deriva

    sua reputao profissional.

    Portanto, preciso estar ciente de que existem interesses externos os quais subjazem a

    interao professor-alunos. Isso envolve prestgio profissional e busca por reconhecimento de

    competncia tanto da parte do professor quanto do aluno. Todos esses aspectos influenciaro

    as prticas discursivas adotadas no momento da aula.

  • 22

    importante notar que, quando um indivduo faz uma representao, esconde

    tipicamente mais que prazeres e poupanas imprprias (GOFFMAN, 2009, p.41). Essa

    afirmao do autor mostra que os interagentes precisam ocultar alguns traos que os impeam

    de dar total veracidade identidade que ele precisa assumir em determinado momento. Alm

    disso, Goffman (2009, idem.) ressalta que o local de trabalho e a atividade oficial tornam-se

    uma espcie de concha (grifo meu) que esconde a vida animada do ator.

    Em geral, h necessidade humana de parecer sempre melhor do que se . Ento, numa

    interao, o desempenho dos interagentes tender a incorporar valores reconhecidos

    socialmente como positivos (GOFFMAN, 2009). E, o ato de fala, por mais que seja realizado

    de forma to natural que no parea que foi planejado pelo interagente, movido por

    intencionalidade naquilo que se fala. Alm disso, os sinais no-verbais precisam ser levados

    em conta tambm, pois revelam muito no que tange projeo de identidades.

    Excerto 01 aula 04: 3 semestre de Computao4

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    7

    8

    9

    10

    11

    12

    13

    14

    249. Rubemalves5: /.../ Deu uma clareada a nas ideias? Ento tudo o que voc fizer em

    programao que voc pedir pro sistema gerenciador de banco de dados ele vai te retornar um

    vetor, ele fala, h, o que voc pediu t aqui, toma o vetor e controla o vetor, a voc tem que t

    dominando muito bem essas estruturas aqui , pra conseguir programar legal.

    250. Aluno: a funo dessa mensagem s pra ficar mais fcil de entender?

    251. Rubemalves: pra ficar assim, pro usurio ter a mensagem completa, n, ainda d pra

    colocar aqui vrgula, comentrio, aqui tem que fazer simples porque, a vocs podem

    complementar a. Pessoal, alguma dvida?

    252. Aluno: a minha estrutura de repetio no deu certo no.

    253. Rubemalves: qual o erro que t dando no final?

    254. Aluno: t dando erro sinttico.

    255. Rubemalves: Erro sinttico erro de escrita, qual linha? V se voc no colocou nada

    trocado (). ((voltando-se ao aluno))

    256. Aluno: achei.

    4 Os cursos que fizeram parte desta pesquisa foram: Pedagogia, Letras e Computao. Mais detalhes sero

    apresentados no captulo 03 deste trabalho.

    5 Optou-se por utilizar pseudnimos para se referir aos professores colaboradores desta pesquisa. Eles constituem

    nomes de grandes educadores brasileiros. Para que o discurso dos professores colaboradores no fosse

    confundido com o dos educadores escolhidos, acatou-se a sugesto da professora Maria Luiza Cora de juntar

    primeiro nome com o sobrenome.

  • 23

    15

    16

    17

    18

    257. Rubemalves: achou? Alguma dvida? Tudo tranquilo? E a pessoal, alguma dvida?

    258. Aluno: intervalo

    259. Rubemalves: Intervalo n, na volta exerccios, t bom. Ento, quem quiser sair pro

    intervalo... esteja vontade.

    Ainda que o professor Rubemalves esteja explicando os contedos, ele sempre se volta

    aos alunos e pergunta se eles tm alguma dvida. Durante toda a aula, o professor repete essa

    ao. Assim sendo, mesmo o professor Rubemalves assumindo uma certa simetria quando

    olhava para os alunos e tirava as dvidas deles, no abandonava seu lugar de professor, perto

    do quadro branco, pois a assimetria marca o papel social que o professor exerce no contexto

    acadmico, sendo uma atitude muito importante para esse profissional.

    A hegemonia do discurso do professor em sala de aula ocorre em funo do papel

    social que ele ocupa e das representaes sociais que ele e o aluno possuem. So essas

    concepes at ento internalizadas que vo faz-los assumir o papel social de professor e de

    aluno e se entenderem como tais. o que Goffman (2009, p.52) nomeia de segregao de

    auditrio: uma forma de o interagente garantir que aqueles que esto com ele no percebam

    ou participem de um papel que no faz parte daquela prtica social. Ou seja, o professor

    desempenha o seu papel social e segrega os alunos de poderem conviver com outras

    identidades dele e de projetarem tambm outras possveis identidades. Porm, as identidades

    partilhadas na aula em curso podem no condizer com o papel social que cumpre cada um.

    (cf. linhas 04, 08, 12, 13, 15, 17 e 18)

    So vrios os significados sociais compartilhados em sala de aula. A diferena entre

    papel social e as identidades negociadas em sala de aula deve se considerada para se comear

    a entender como o professor visto pelos alunos e como os alunos veem o professor e a ele se

    mostram. (CASTELLS, 1999, p. 23)

  • 24

    Excerto 02 aula 01: 3 semestre de Pedagogia

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    7

    8

    9

    10

    11

    12

    13

    14

    15

    16

    17

    18

    19

    20

    21

    22

    23

    24

    25

    1. Mariamontessori: /.../ns estamos num curso superior, num curso acadmico e

    necessrio que a gente deixe alguns vcios que ns temos, que vocs tm l no

    ensino mdio, na organizao mesmo das coisas, por exemplo, algumas das atividades

    so manuscritas, alguns trabalhos eu tive muita dificuldade de ler porque eu no

    consigo entender a grafia, muito complicada, ento eu ficava l tentando descobrir

    algumas palavras pra entender o contexto, tanto que quando vocs receberem as

    atividades, vocs vo observar que est tudo riscado, circulado, ponto de

    interrogao, eu questiono algumas coisas, porque ns estamos num processo, eu

    quero ajudar vocs e vocs me ajudam tambm pra que eu melhore, eu no sou

    perfeita n, ento eu fiz algumas observaes, eu no somei mdia ainda de ningum,

    t?

    /.../

    3. Mariamontessori: quando a gente faz um trabalho de pesquisa que extraclasse,

    n, um trabalho de nvel acadmico, necessrio a organizao, gente, ter um

    modelo dentro das normas, capa direitinho, tudo organizado, vocs fizeram fora, n,

    uma pesquisa extraclasse, eu considerei todo o contedo que foi desenvolvido, at

    mesmo pela dificuldade que a turma teve em alguns momentos de conseguir esse

    contedo, eu dei um tempo bastante, depois da minha ausncia ainda fiquei esperando

    bastante, gente, olha, no deixa de me entregar as atividades, eu t aqui, vou receber,

    isso a a gente negociou, ento eu fui bem clara e dei oportunidade, ento ns

    precisamos se organizar n, a grafia gente, vocs esto num nvel superior, ento

    assim, algumas palavras do cotidiano escritas erradas, palavras que a gente usa

    diariamente, erros de portugus muito graves, porque so coisas do cotidiano, que

    a gente precisa escrever bem, as interpretaes de alguns, eu perguntava sobre A

    respondia sobre C, ento a gente tem que saber direcionar /.../

    Nesse excerto, possvel observar que a professora Mariamontessori projeta uma

    identidade em consonncia com seu papel social: para ser uma professora competente,

    preciso exigir dos alunos que tenham postura acadmica, que escrevam como alunos do

    ensino superior. Por isso, ela ressalta a sua indignao com os trabalhos recebidos dos alunos

    do curso de pedagogia, evidenciando que eles precisavam deixar de escrever como no ensino

    mdio, pois estavam fazendo um curso de graduao.

    No mesmo turno conversacional 01, linha 9-10, a professora j modaliza o seu

    discurso afirmando no ser perfeita, mas que quer ajudar os alunos e ser ajudada por eles. A

  • 25

    simetria j fica bem evidente nessa fala da professora. No turno conversacional nmero 03, a

    partir da linha 13, a professora cobra uma grafia correta dos trabalhos, projetando identidade

    de exigente, e, ao mesmo tempo, negocia a data para receber os trabalhos.

    Percebe-se, claramente, que, assim como assegura Bauman (2005), estamos na era

    lquido-moderna, na qual as identidades so to fluidas que difcil estabelecer rtulos nicos

    que confiram ao professor uma nica identidade. Ao contrrio disso, os professores transitam

    em contnuos dinmicos, nos quais no h extremos. Os alunos, por sua vez, compreendem as

    exigncias dos professores no sentido de serem mais acadmicos, mas quando o professor no

    assume o turno de fala, em momentos em que a aula expositiva no est acontecendo, os

    alunos projetam identidades que nem sempre condizem com o que os professores esperam.

    Estamos na era das identidades fragmentadas (HALL, 2006). E isso se reflete

    diretamente na sala de aula. O ser professor, em alguns momentos, negociado com o ser

    aluno, como pode ser observado no excerto 03:

    Excerto 03 aula 01: 3 semestre de Pedagogia

    1 3. ALUNA: depois de uma dessa. Ser que foi eu que coloquei a gria?

    Logo aps a fala da professora, uma aluna faz o comentrio exposto no excerto 03,

    revelando sintonia com o discurso da professora Mariamontessori.

    importante ressaltar que a crise de identidades j discutida aqui tambm vivida

    pelos alunos. Eles so, em sua maioria, provenientes de famlias de pouco letramento escolar.

    Ficaram muito tempo sem estudar, e ter a postura acadmica pedida pelos professores, para

    eles, torna-se desafio extremo. Eles renem diversas identidades relacionadas a vrios papis

    sociais como o de me, o de pai, o de profissional, o de chefe de famlia, o de filho, entre

    outros. Todos esses papis sociais os fazem projetar identidades diversas em sala de aula.

    Entretanto, o discurso do professor um discurso de poder. Reivindicar dos alunos

    uma identidade acadmica ao constante nas aulas observadas, principalmente as aulas 01,

    02 (curso de pedagogia professora Mariamontessori) e 03 (curso de Computao

    professora Magdassoares).

  • 26

    Excerto 04 aula 03: 3 semestre de Computao

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    7

    8

    9

    10

    11

    12

    13

    14

    149. Magdassoares: no questionrio, que foi o ltimo que eu dei valendo um ponto,

    eu dei de consulta, dei o material pra vocs trazerem o material, dei de consulta, ento eu

    fiz corrigir realmente as questes, ver se elas estavam corretas, vocs tiveram todo o

    material de pesquisa pra realizar isso, com relao linha do tempo, o que que acontece

    muitas vezes gente, a gente precisa avanar nisso, vocs j esto no terceiro semestre,

    no se faz pesquisa mais, como voc fazia l no ensino mdio n, faz uma pesquisa voc

    no faz simplesmente control C, control V, na pesquisa que voc encontrou no site e

    entregar isso como se fosse um trabalho seu, o que eu encontrei em muitos trabalhos

    foi essa cpia tirada, lgico voc realizou uma pesquisa pra isso, foi l na internet, no t

    dizendo o seu, porque eu no me lembro assim, especificamente do seu trabalho, mas eu

    t dizendo em linhas gerais o que que aconteceu dentro dos trabalhos, se eu fosse

    considerar no p da letra mesmo, no teria considerado nem o que eu considerei,

    porque muitos trabalhos, inclusive, estavam iguais, praticamente iguais, eu percebi

    que tiraram do mesmo site da internet.

    A professora Magdassoares tambm reivindica identidade acadmica ao mostrar

    turma que no estava satisfeita com os resultados dos trabalhos, assumindo, nesse caso,

    postura de avaliadora das produes feitas pelos alunos prtica inerente ao exerccio do

    magistrio.

    Um ponto interessante, a ser observado, como as duas professoras colaboradoras

    citadas se direcionam aos alunos. A professora Mariamontessori, quando deseja assumir uma

    condio de maior simetria com os alunos, inclui-se no discurso, usando construes

    lingusticas na primeira pessoa do plural (a gente negociou; ns estamos num curso superior). J a

    professora Magdassoares, por ser muito mais formal, no se inclui no discurso com os outros

    alunos, utilizando construes com a primeira pessoa do singular (eu t dizendo; se eu fosse

    considerar...), assumindo uma relao assimtrica com seus alunos nesse excerto 04 (linhas

    10 a 12).

    Mariamontessori, nas linhas 4 e 5 do excerto 02, tambm utiliza a primeira pessoa do

    singular nos momentos em que quer assumir uma postura mais simtrica (eu tive muita

    dificuldade de ler; eu no consigo entender a grafia). A assimetria aparece tambm, para as

    duas professoras, quando ambas se diferenciam dos alunos e deles se distanciam por meio do

    uso da terceira pessoa (voc fazia l no ensino mdio Magdassoares; vocs esto num nvel

    superior Mariamontessori). Com essa ao, os papis sociais ficam bem delimitados.

  • 27

    Essas marcaes de pessoa so reveladoras para o estudo da negociao das

    identidades, pois so os professores os responsveis pela conduo, ou no, de negociao de

    identidades.

    Excerto 05 aula 03: 3 semestre de Computao

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    7

    1. Magdassoares: pra trazer impresso hoje.

    2. Aluna: professora ( ) imprimir ou manuscrito?

    3. Aluno: Deixa imprimir professora. que voc no falou se era manuscrito ou

    digitado.

    4. Magdassoares: [n::o impresso ((professora abaixa a cabea e cruza os braos com

    um ar de que no vai negociar com os alunos)) vocs j to no terceiro semestre, n,

    tem que caminhar, n, com as normas da ABNT, a fazer o trabalho mais /.../

    Esse excerto demonstra que a professora Magdassoares no estava disposta a negociar

    com os alunos uma nova data para entrega do trabalho, que deveria ser digitado. Ela reitera a

    exigncia de postura acadmica ao afirmar que os alunos estavam no terceiro semestre do

    curso e j tinham que seguir as normas da ABNT.

    As pistas cinsicas da professora sinalizam que ela no queria negociar com os alunos.

    Essa recusa marcada pelo abaixamento da cabea e cruzamento dos braos pistas da

    assimetria estabelecida, nesse contexto, pela professora com os alunos.

    1.5. Para fechar a conversa...

    possvel afirmar, finalmente, que as relaes estabelecidas por meio de negociaes

    entre professores e alunos so resultado da construo de vrios selfs por meio de vrias

    representaes. As notas de campo indicaram a presena de duas representaes

    materializadas, duradouras e permanentes na relao entre os colaboradores: a do professor

    exigente e a do professor flexvel. Essas duas representaes sero o alicerce para a

    identificao de algumas identidades ora projetadas, ora negociadas pelos professores

    colaboradores.

    Por isso, faz-se necessrio retomar a distino feita pgina 19 entre identidade e

    papel social, e acrescentar representaes sociais. Esses trs conceitos so fundamentais na

    constituio do referencial terico deste trabalho.

  • 28

    As representaes sociais envolvem um processo de individualizao de ideias e

    concepes a respeito de como se projetar socialmente. Porm, preciso observar, como

    ensina Moscovici (2007), que a representao precisa ser vista como um fenmeno visvel, e

    no mais como um conceito, exatamente por sua face social, representada pela linguagem, a

    qual , para esse autor, carregada de representaes. Portanto, o discurso do professor a

    respeito de si e de seus alunos fundado nas representaes construdas socialmente ao longo

    de sua formao acadmica e de sua experincia profissional.

    Os papis sociais referem-se s normas estabelecidas pelas instituies sociais. Ser

    professor, aluno ou diretor constituem papis estabelecidos, por exemplo, por uma instituio

    de ensino. Assim como ser presidente, vice-presidente e conselheiro podem ser papis sociais

    institudos por um partido poltico. Participar de um partido poltico ou dar aula numa

    instituio de ensino no ir fazer com que a pessoa seja sempre militante de partido e

    professor em todas as situaes sociais. preciso que esses papis sociais sejam

    individualizados e negociados pelos interagentes em um determinado contexto para saber se

    eles sero projetados como identidade.

    Desse modo, identidade constitui o processo de individualizao e de negociao que

    os interagentes estabelecem entre si. Pode ser projetada, caso o interagente no esteja aberto a

    negociaes, mas tambm pode ser negociada com os interagentes. O contexto situacional

    um fator muito importante para projeo ou negociao de identidades.

    Por conseguinte, os dados desta pesquisa evidenciam que as identidades negociadas

    em sala de aula so fluidas e se misturam no curso da interao. Portanto, no possvel

    delimitar num continuum os momentos ou aulas em que o professor sempre formal ou

    sempre informal, projetando ou negociando identidades que condigam com essas posturas.

  • 29

    CAPTULO 2

    ESTILO, DISCURSO E IDENTIDADE

    O Estilo de fala [] ocasionado por, determinado por e motivado pelo contexto

    social.

    (COUPLAND, 2007, p.59)6

    2.0. Para comear a conversa

    Nesta seo, ser apresentado o conceito de estilo na perspectiva da sociolingustica

    interacional, alm de se discutir a relao entre estilo de fala e construes identitrias. Para

    isso, ser tambm necessria a incurso na anlise do discurso, que representa, neste trabalho,

    disciplina de fundamental importncia para compreender como o discurso dos professores

    colaboradores influencia na percepo de suas representaes sociais e na anlise das

    identidades projetadas e negociadas em contextos acadmicos.

    2.1. Estilo: discutindo alguns conceitos

    A noo de estilo vem sendo comumente usada por gramticas e manuais de redao

    como uma estrutura abstrata, que se refere to somente a uma forma de escrever que marca

    determinada poca ou uma pessoa em particular.

    O objetivo deste trabalho no abordar estilo nessa perspectiva. O estilo deve ser

    analisado em situaes reais de interao entre pessoas, envolvendo a anlise das

    representaes sociais, em sintonia com a(s) identidade(s) negociada(s) ou projetada(s) no

    contexto pelos atores sociais.

    Coupland (2007, p.25) afirma que o estilo dotado de significados sociais, e por meio

    dele os falantes criam uma imagem de si. Isso leva reflexo de que no existe um nico

    estilo, mas estilos que so negociados ou invocados pelos interagentes a partir de significados

    sociais no contexto de sala de aula. Um professor, ao iniciar uma aula, j possui ideia, mesmo

    6 Traduo da autora. In: COUPLAND, Nicolas. Style: Language variation and Identity. New York: Cambridge

    University Press, 2007.

  • 30

    que ela no seja externada por ele, do que seja ser professor. Essas representaes sobre o que

    ser um docente iro determinar algumas posturas que se concretizam na escolha de estilos

    mais ou menos formais para cada contexto construdo na sala de aula.

    Observa-se, por meio das posies de Irvine (2001, p.24), que o estilo de fala envolve

    os falantes como agentes no espao social e sociolingustico, ao negociar as suas posies e

    objetivos dentro de um sistema de distines e possibilidades, sendo os atos de fala

    construdos ideologicamente. Lefebvre (2001, p.206) defende que o estilo escolhido pelos

    falantes de uma comunidade lingustica para que eles se apropriem de uma determinada

    situao. O autor acrescenta que a escolha de um estilo em vez de outro revela que o falante j

    possui grande quantidade de informao sobre si mesmo, sobre a situao em que se encontra

    e sobre o efeito que quer produzir em seus interagentes, bem como sobre a relao que quer

    manter com eles. (LEFEBVRE, 2001, p. 234)

    Brando (2005, p.14) afirma que a mudana de cdigo ou estilo deve ser considerada

    como estratgia que transmite objetivos comunicacionais e interacionais. Para a autora, a

    variao estilstica pode servir como pista de contextualizao para auxiliar na interpretao

    da mensagem. Nesse enfoque, pode-se observar que, durante uma aula de aproximadamente

    trs horas, professores e alunos passam por vrios momentos de interao, sendo assim,

    existem diversas intencionalidades entre os interagentes, fazendo-os optar por estilo de fala

    mais ou menos formal de acordo com os contextos que vo surgindo no curso da interao.

    Hymes (1984, 44-45) afirma que nenhum ser humano fala do mesmo jeito o tempo

    todo. Assim, o autor considera o estilo como escolha, dotada de significao social, feita pelas

    pessoas. A sala de aula, por ser ambiente institucional, leva muitas pessoas a crerem que

    grande parte das interaes ocorridas nesse espao permeada de formalidades, reveladas, em

    parte, pela escolha de um estilo de fala mais monitorado. Porm, partindo-se do pressuposto

    de que os significados so construdos e partilhados por aqueles que esto inseridos no

    contexto, afirmaes do senso comum podero ser refutadas pelos dados gerados nesta

    pesquisa.

    O estilo formal ser identificado por meio de pistas lingusticas, suprassegmentais e

    paralingusticas (cinsica e proxmica) com as quais o professor projeta ou negocia

    identidades que marcam assimetria em relao aos alunos, tais como discurso voltado para o

    que os alunos devem fazer e como devem agir, exposio de contedos e fechamento de

    discusses coletivas e recusa negociao com os alunos a respeito de notas e de entrega das

    atividades.

  • 31

    O estilo informal ser caracterizado tambm por meio de pistas lingusticas e

    paralingusticas que revelem mais simetria entre professor e alunos. Pistas como marcadores

    conversacionais que sugerem a tentativa de o professor resgatar a ateno dos alunos, alm de

    fazer narraes de exemplos reais de vida para tornarem os conceitos mais claros. Quando os

    professores se aproximam dos alunos (proxmica) ou direcionam-se a eles (cinsica), a

    marcao de estilo mais informal se evidencia. Conforme Brando (2005, p.117), a mudana

    de proximidade pode indicar a necessidade de o agente ficar mais prximo de seus

    interlocutores, para estabelecer com eles relao de mais intimidade.

    Excerto 06 Aula 01: 3semestre de Pedagogia

    1

    2

    3

    4

    97. Mariamontessori: Ok, ento, s pra a gente fechar, eu acho que, a partir daqui a gente

    comea a entrar dentro da histria da educao brasileira, e a gente comea a perceber a

    importncia de tudo o que a gente discutiu ali no primeiro semestre. Ok, ento, pra vocs, um

    bom feriado, descansem/.../.

    Fica claro, nesse excerto, que a professora Mariamontessori, em meio explicao do

    assunto e, quando percebe que a aula estava acabando e os alunos comearam a se retirar,

    alterna o estilo mais formal que pautava a discusso em voga, voltando-se os alunos de modo

    mais informal, desejando a eles um bom feriado.

    vlido considerar, quanto a esse ponto, a noo de code switching que Brando

    (2005, p.19-20) traduz como alternncia de cdigo, com base nos estudos que Gumperz

    desenvolveu, na dcada de sessenta, sobre a dialetologia social da ndia, e relacionar esse

    conceito com a variao de estilo nas interaes em meios acadmicos. Gumperz (1982a) j

    considerava a alternncia de estilo como uma forma de mudana de cdigo. Cada um

    monitora o estilo de fala de acordo com os interagentes, j que no existe um estilo nico de

    fala, mas estilos que vo se moldando de acordo com o grau de formalidade ou informalidade

    que ocorre no curso da interao.

    Pagotto (2004, p. 79-80) acrescenta que as pesquisas de Labov objetivavam apenas

    colher dados lingusticos do idioleto de cada pessoa, no intuito de compreender a fala da

    comunidade. Portanto, tal anlise no contemplaria os objetivos deste trabalho, haja vista que

    toda manifestao de variao do estilo de fala fundamental para compreender como as

    identidades so projetadas, negociadas e redefinidas nas interaes em sala de aula.

  • 32

    Sobre isso, Bortoni-Ricardo (2005) acrescenta que, alm da escolha do estilo de fala

    depender dos interagentes presentes, depende tambm do grau de conhecimento do

    interagente a respeito de determinado assunto e de como ele quer que os outros o vejam. Por

    essa razo, um interagente que quer causar boa impresso nos outros, quando se encontra

    numa instituio que exija formalidade, ir adotar um estilo de fala mais formal. Essa uma

    maneira de o professor afirmar a hierarquia existente entre ele e os alunos em momentos em

    que ele se sente ameaado com conversas e questionamentos constantes que iro atrapalhar a

    ordem da aula.

    Bortoni-Ricardo (2005, p.41) classifica essa ao em um dos contnuos propostos por

    ela para a caracterizao do portugus brasileiro: o de monitorao estilstica. Para essa

    sociolinguista, os interagentes organizam as suas falas observando esses contnuos. Em

    momentos informais, quando o contexto no exige estilo de fala formal, no havendo a tanta

    preocupao com a norma culta da lngua, optam por estilo de fala informal, e sem

    preocupaes a respeito daquilo que considerado pela sociedade como bem falar. Mas, em

    situaes formais, inclusive nas relaes vivenciadas em instituies sociais, como numa

    faculdade, principalmente nas interaes ocorridas em sala de aula, os sujeitos tendem a

    monitorar mais a fala.

    Excerto 07 Aula 04: 3semestre de Computao

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    7

    8

    9

    10

    11

    12

    13

    14

    37. Rubemalves: Ento, voc vai pegar programas a que tem cinquenta linhas e o outro tem

    vinte e cinco, mas por qu? Porque o programador colocou um monte de comando na mesma

    linha, pra ns, ser humano, programador, uma linha, pra mquina duas ou trs, t bom, o

    que indica a quantidade de linhas, de instrues o ponto e vrgula, mas em geral ( ). Beleza?

    Entenderam? Vamos l. Conseguem visualizar ali? Conseguiram fazer? Ento beleza, o

    objetivo ( ) colocar a quantidade de eleitores ( ), contabilizar cada um. Vamos ( ) pela quantidade

    de eleitores n, no isso.

    38. Aluno: professor, no caso a do inferir, ele t se referindo ao contador, n?

    39. Rubemalves: aqui que voc fala?

    40. Aluno: isso.

    41. Rubemalves: aqui ele vai servir para contabilizar apenas para CJ e aqui apenas para CL,

    o que o nosso amigo tava falando a era o seguinte: se somar esse cara mais esse aqui no

    daria todos os votos? Daria se todos escolhessem onze ou treze. E, se no escolher nenhum

    desses dois, a no vai somar, por isso foi colocado isso aqui , independente disso ou disso, vai

  • 33

    15 contabilizar todo mundo, ento no precisa fazer esse servio.

    Por mais que o estilo formal predominasse na fala do professor, ele usa estratgias de

    envolvimento conversacional7, tais como: beleza; Entenderam?; Vamos l (linhas 04 e 05), no

    intuito de se aproximar dos alunos para verificar se eles realmente estavam compreendendo o

    contedo. Alm disso, Rubemalves utiliza termos como: para ns, ser humano, programador

    (linha 03); se somar esse cara; o nosso amigo (linha 12), dando a sua explicao um ar de

    camaradagem, o que funciona como estratgia para se situar no discurso de maneira simtrica,

    alternando o cdigo, ou seja, o estilo do formal para o informal.

    Os estudos de Gumperz (2003) mostram que a alternncia de cdigo pode ser

    considerada como alternncia de estilo. Para ele, existem pistas de contextualizao que

    subjazem ao cdigo estilstico, fazendo com que os interagentes possam interpretar

    significados por meio de inferncias e pressuposies. (BRANDO, 2005, p. 19)

    Convm ressaltar que esses sinais de informalidade foram percebidos somente na fala

    do professor. Ele no d pistas cinsicas de aproximao com os alunos. Em todo momento

    expositivo e de explicao de contedos que compe grande parte da aula, o professor se

    movimenta apenas prximo ao quadro branco e s se aproxima dos alunos no auxlio

    resoluo dos exerccios.

    2.2. Estilo de fala na negociao de identidades

    Conforme Irvine (2001, p.21-43), o estilo negociado pelos participantes, e a escolha

    de determinado estilo envolve enquadres e presses ideolgicas. Por esse motivo, a escolha

    ou descarte de determinado estilo de fala tem relao direta com a projeo de identidades do

    interagente.

    A variao do estilo de fala , neste estudo, fator crucial para a definio das

    identidades negociadas em sala de aula entre professores e alunos. Coupland (2007) afirma

    que a identidade processo discursivo ativo. No possvel estudar identidade sem pressupor

    uma pluralidade de prticas sociais e culturais que iro influenciar as projees e negociaes.

    7 Entende-se por estratgias de envolvimento conversacional o uso de expresses que assegurem a colaborao e

    a solidariedade entre os interagentes. Essas expresses, segundo Gumperz (1982, p. 01), requerem habilidades e

    conhecimentos que vo muito alm da competncia gramatical, pois esto dentro de uma esfera situacional.

  • 34

    Ao entender que as identidades tornam-se cada vez mais hbridas, notrio perceber

    que elas sero bastante pluralizadas e, em sala de aula, as manifestaes de estilos formais ou

    informais ocorrero em espaos de tempo muito pequenos, marcando uma pluralidade de

    representaes a respeito do que ser professor e do que ser aluno. As novas concepes de

    educao levam a uma ideologia muito mais democrtica do que em tempos passados. Porm,

    o professor sente a necessidade de cobrar mais dos alunos com receio de que o ambiente de

    sala de aula se torne um caos a ponto de desqualific-lo profissionalmente.

    Coupland (2007, p. 108) afirma que os atos de identidade, expresso formulada por Le

    Page e Tabouret-Keller, dizem respeito ao carter social da construo da identidade. Sendo

    assim, os atos de identidade so atos sociais, construdos mediante a escolha em um

    continuum de estilo de fala mais ou menos monitorado e mais prximo norma culta ou dela

    mais distante. (BORTONI-RICARDO, 2005)

    Ainda apresentando os estudos de Le Page e Tabouret-Keller no Caribe e sobre a

    migrao dos ndios do Oeste na Gr-Bretanha, Coupland (2007, p.111) comenta sobre os

    atos de projeo, os quais refletem o universo da pessoa, tornando-se um convite para

    compartilhar com os outros as prprias crenas. Esse conceito diz respeito ao contato de

    lnguas e no abrange os objetivos desta pesquisa. Porm, essa afirmao muito vlida para

    esclarecer como os interagentes, por meio do estilo de fala adotado por cada um, projetam as

    suas subjetividades para que os outros possam perceber e se enquadrar nessa identidade de

    forma amistosa ou lutando pela hegemonia de outra identidade.

    Ainda Coupland (2007, p.112-115), para contextualizar o estudo da identidade,

    apresenta cinco processos8 que envolvem as aes humanas em contextos sociais. So estas:

    alvo, enquadre, expresso, chave e carregamento.

    Alvo: refere-se projeo ou ao alvo a que se destinam os atos de identidade

    (um falante e um ouvinte);

    Enquadre: o valor da identificao e impacto dos objetivos lingusticos

    dependendo do enquadre discursivo que est em jogo;

    Expresso: diz respeito a como um falante se representa e quais vozes podem

    ser assumidas em seu discurso;

    Chave: um termo emprestado de Dell Hymes que corresponde s pistas que

    os interagentes do para que os outros possam inferir sua(s) identidade(s);

    8 Traduo da autora para os seguintes termos: targeting, framing, voicing, keying e loading, dentro da

    significao de cada um neste contexto.

  • 35

    Carregamento: o momento em que os interagentes negociam suas

    identidades.

    Todos esses processos ocorrem no momento da interao e precisam ser levados em

    considerao pelo pesquisador na investigao sobre como as identidades so construdas

    coletivamente.

    2.3. O discurso de sala de aula no Ensino Superior

    No intuito de compreender como o discurso institucional (em geral,

    predominantemente, marcado pelo estilo formal) e o discurso no-institucional (em geral,

    predominantemente, marcado pelo estilo informal) se relacionam com a escolha do estilo de

    fala pelos professores e alunos, convm apresentar conceitos de discurso relacionando-os

    teoria dos atos de fala.

    O mundo interior e a reflexo de cada indivduo tem um AUDITRIO SOCIAL prprio

    bem estabelecido, em cuja atmosfera se constroem suas dedues interiores, suas

    motivaes, apreciaes etc. Quanto mais aculturado for o indivduo, mais o

    auditrio em questo se aproximar do auditrio mdio da criao ideolgica, mas

    em todo caso, o interlocutor ideal no pode ultrapassar as fronteiras de uma poca

    bem definidas. (BAKHTIN [VOLOCHINOV], 2009, p.117)

    Bakhtin (2009) mostra que o discurso tambm delineado por uma poca e pelas

    ideologias nela propagadas. Sendo assim, o estilo de fala selecionado para ser utilizado em

    determinado auditrio social caracteriza o auditrio mdio, onde residem as crenas, ou seja,

    as representaes sociais. Por constituir contexto institucional, associam-se os ritos que

    ocorrem em sala de aula com a formalidade, convivendo com as ideologias libertadoras de

    educao advindas das teorias freireanas9. Essas teorias, por mais que integrem as

    representaes do professor, so somadas s experincias escolares mais tradicionalistas.

    Segundo Bakhtin (2009), todas as manifestaes lingusticas so dialgicas. Isso quer

    dizer que por trs de todas as interaes h uma polifonia de vozes, isto , discursos que so

    construdos ideologicamente pelas crenas de cada interagente, constituindo concepo

    materialista da linguagem, ao invs de uma concepo idealista, que v a lngua como um

    sistema abstrato e desvinculado de questes sociais e culturais.

    9 Referente Paulo Freire. In: Pedagogia da esperana. So Paulo: Editora Paz e Terra, 1992.

  • 36

    Os dados desta pesquisa no permitem afirmar-se que o discurso institucional utilizado

    nas salas de aula de ensino superior, mais formal, marcado por relaes mais assimtricas,

    pois, mesmo que os papis sociais assumidos por professores e alunos possam pressupor essa

    assimetria, as crenas sobre o que ser professor e as teorias mais tradicionais misturadas

    com as mais libertadoras esto presentes no discurso materializado pelo professor.

    Em certos momentos, quando interessante para o professor ou para o aluno marcar

    uma identidade mais informal, h alternncia no discurso, o que resulta em relao mais

    simtrica, sem a hegemonia do discurso do professor.

    Excerto 08 Aula 02: 3semestre de Pedagogia

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    7

    19. Mariamontessori: eu j vou falar como que vai ser as nossas avaliaes agora do

    segundo bimestre, ns vamos trabalhar a parte agora do segundo bimestre com os

    seminrios, como eu havia falado com vocs, no primeiro momento, conhecer a turma, a

    gente fez algumas atividades de debate, algumas atividades de apresentao, mas sem o

    foco, porque eu queria ver o desenvolvimento da turma e conhecer n, ento a partir da

    aula de hoje eu j vou direcionar como eu vou querer as atividades, que que um

    seminrio, pra que que serve, como ele deve ser preparado, que postura vocs devem ter

    Nesse excerto, a professora usou discurso assimtrico revelador do papel social que

    ela ocupa. No houve previamente discusso com os alunos se eles iam ou no iam apresentar

    seminrios no segundo bimestre: isso partiu de um planejamento prvio da professora.

    Conforme van Dijk (2010b, p. 41) elucida:

    Em um nvel elementar, mas fundamental da anlise, as relaes de poder social

    manifestam-se, tipicamente, na interao. Desse modo, afirmamos que o grupo A

    (ou seus membros) possui poder sobre o grupo B (ou seus membros) quando as

    aes reais ou potenciais de A exercem um controle social sobre B. (...) Em outras

    palavras, o exerccio de poder de A resulta em uma limitao da liberdade social de

    ao de B.

    Sendo assim, por mais que Mariamontessori negocie bastante com os alunos entregas

    de atividades, contedos que so discutidos coletivamente por meio de mesas-redondas

    mediadas pela professora, ela quem d a palavra final, optando por autorizar ou no o

  • 37

    discurso do aluno, por aceitar ou no uma interveno do aluno, por evidenciar a fala do aluno

    ou discordar do que ele diz.

    2.3.1 Concepo de discurso como prtica social

    A Anlise de Discurso Crtica, doravante ADC, , consoante Fairclough

    (1992), uma orientao para os estudos lingusticos que contemplam a anlise textual e a

    teoria social do funcionamento da lngua em processos ideolgicos e polticos. Esse autor

    critica os estudos tradicionais da lngua por no interpretarem a face discursiva, social e

    ideolgica nela presentes.

    Magalhes (1996, p.20) afirma que h uma relao dialtica entre as estruturas sociais

    e os atos de fala.

    A noo de discurso como prtica social se caracteriza pela relao

    estabelecida entre as estruturas sociais (papis, classes, redes,

    situaes, instituies), os valores e crenas, os propsitos, de um

    lado, e os atos de fala de outro. Tal relao concebida como

    dialtica, no sentido de que as estruturas sociais determinam os atos

    lingusticos, mas tambm podem ser determinados por eles.

    Caldas-Courthard (2007, p.31) afirma que utilizar a lngua implica escolher o que se

    vai falar e o que no se vai falar. Sendo assim, nenhum discurso vazio, imparcial e no

    pensado, uma vez que sempre h intencionalidade nas trocas verbais. Nesse sentido, o termo

    no pensei para falar uma inverdade, porque o discurso a exteriorizao de vises de

    mundo quanto ao gnero, raa, classe social que as pessoas possuem e externam por meio

    de atos de fala.

    Consoante essa autora, h tridimensionalidade no discurso: o texto (oral ou escrito), a

    interao entre as pessoas que produzem o texto e a ao social. Por isso, os significados dos

    textos produzidos durante a interao constituem tambm significados sociais.

    preciso destacar a grande contribuio da ADC para a pesquisa sociolingustica. E

    por meio das concepes trazidas por essa disciplina que o discurso de sala de aula ser

    analisado neste trabalho como maneira de desvendar as identidades manifestadas por

    professores e alunos.

  • 38

    2.3.2. As contribuies da Anlise de Discurso Crtica para os estudos

    sociointeracionais

    Fairclough (2001) ensina que a anlise da conversao coexiste com a anlise do

    discurso, pois esta d apoio quela no que tange s ideologias partilhadas e transformadas no

    curso da interao. Como a proposta da ADC a interveno social, apenas olhar para o

    discurso e interpret-lo ainda pouco. pois preciso contribuir efetivamente para mudanas

    sociais. Essa concepo vai ao encontro dos objetivos desta pesquisa: ultrapassar a anlise

    sociolingustica, comprometendo-se com uma abordagem mica de pesquisa ao ocupar-se em

    propor reflexes acerca dos paradigmas a respeito da identidade do professor, fazendo com

    que os colaboradores de pesquisa reflitam sobre suas aes e se tornem conscientes dos

    efeitos de seus discursos.

    O discurso pode ser constitudo de proposies implcitas que so subentendidas pelos

    participantes (numa conversao) e que sustentam a sua coerncia. A Sociolingustica

    Interacional no contempla as implicaes ideolgicas, mas a ADC, sim. (FAIRCLOUGH,

    2001) Assim sendo, ambos os campos de estudo precisam atuar juntos para a interpretao

    dos significados sociais tecidos na interao.

    Por isso, preciso perceber que os discursos ocorrem em um contexto interacional e,

    por essa razo, so localizados em contextos sociais. Os participantes da interao, quando se

    encontram e onde quer que estejam, exercem papis sociais determinados pelas instituies de

    que fazem parte. Todavia, o que far com que as suas identidades estejam em sintonia com o

    papel social que exercem ser o discurso hegemnico construdo no contexto da interao.

    Se o professor possui esse discurso hegemnico, as identidades sero projetadas em

    vez de negociadas. Mas, se o professor usa um discurso que demonstra mais simetria e menos

    poder, provvel que as identidades possam ser negociadas de acordo com o momento da

    aula e com as intenes dos envolvidos.

    2.4. A construo discursiva e identitria no estilo de fala do professor

    O estilo mais ou menos formal assumido pelo professor no curso da interao em sala

    de aula faz com que ele projete ou negocie identidades muito mais diversificadas. Essa

    escolha respaldada em estratgias discursivas que envolvem questes de ideologia e poder.

    Rech (1996, p.311-312) atesta que

  • 39

    Ao assumir um estilo discursivo, o professor estar sinalizando qual o

    seu papel social e qual o seu alinhamento de maior ou menor

    assimetria, com os alunos. Dessa forma, atravs do seu estilo, ele

    indica para os alunos qual o quadro que ele quer que predomine nas

    aulas.

    Tradicionalmente, as relaes interpessoais em sala de aula so concebidas dentro do

    quadro de formalidade, que demonstra alinhamento de assimetria do professor com os alunos.

    Oliveira (2006, p.29) afirma que as identidades pedaggicas esto orientadas para os

    valores existentes no passado, por meio de prticas discursivas hierarquizadas com limites e

    fronteiras bem marcados. Essas objetivam a preservao e a manuteno das tradies.

    Ainda que as novas concepes pedaggicas afirmem o contrrio, os professores

    passam por uma crise quando defendem ideologicamente a simetria nas relaes e por

    sofrerem com receio de perder prestgio caso no demonstrem autoridade mediante o estilo de

    fala marcado pelo discurso de poder. o que se pode observar no depoimento do professor

    Rubemalves durante a sesso de visionamento. Ele afirma que o professor perde o controle da

    aula, uma vez que os alunos comeam a confundir a proximidade dele com excesso de

    liberdade.

    Para Cunha (1996), o discurso do professor tende a demonstrar poder, por causa da

    posio social que ele ocupa em seu espao de trabalho, utilizando atos de fala

    essencialmente ameaadores identidade do aluno (p.231). Mas esse discurso hegemnico

    pode ser transformado em solidariedade, quando o professor se prope a dialogar com os

    alunos:

    Por outro lado, igualmente caracterstica dos sujeitos serem agentes

    sociais, isto , criativos, pois a realidade onde atuam no uniforme,

    ao contrrio, diversificada e problemtica, exigindo que os sujeitos,

    em seus respectivos papis, posicionem-se frente s muitas

    contradies do real. (CUNHA, 1996, p.232)

    Alm disso, importante observar as consideraes de van Dijk (2010b) a respeito de

    discurso e poder. O autor mostra que o modo de produo e articulao controlado por elites

    simblicas compostas por grupos que exercem poder com base no capital simblico.

    (BOURDIEU, 1989). Esses grupos, para van Dijk (2010b), possuem relativa liberdade, e, por

    conseguinte, relativo poder para tomar decises e postular discursos hegemnicos.

    Bourdieu (1989, p. 07-08) afirma que o poder simblico constitui instrumento de

    dominao poltica e religiosa nas sociedades. Quem tem capital simblico faz parte desse

    grupo dominante. Sendo assim, correto afirmar que o professor de ensino detm o capital

    simblico do poder. Esse fato ir influenciar na interao face a face com os alunos, pois ir

  • 40

    fazer com que o professor tenha o poder da escolha de uma relao de mais ou menos simetria

    nas aulas que ele ministra.

    Os professores colaboradores desta pesquisa, por mais que evidenciassem, em alguns

    momentos, simetria e abertura para a negociao de prazos, construo coletiva de conceitos

    com os alunos, abertura para tirar as dvidas que iam surgindo no decorrer da aula, sempre

    detinham o poder da palavra final. Esse um trao marcante de poder nas identidades

    projetadas pelo professor. Esse poder ir influenciar na negociao ou na projeo das

    identidades com os alunos, como ser visto no captulo 04 deste trabalho.

    2.5. Para fechar a conversa...

    De acordo com os excertos apresentados, no se pode crer que sempre o discurso do

    professor ser o de sujeito e o do aluno ser o de assujeitado (excertos 02 e 05). O discurso

    ser pautado de acordo com as ideologias partilhadas, levando-se em conta a capacidade que

    os seres humanos tm de perceber outras possibilidades de interao que sejam mais

    produtivas e que permitam o alinhamento com postura mais simtrica de interao.

    Em contrapartida, o discurso do professor dotado de poder e isso far com que ele

    determine como sero as identidades em suas aulas: se negociadas ou projetadas. Ainda que

    os alunos ocupem papel muito importante no processo de negociao, o professor detm o

    poder para delimitar at quando ser mais flexvel e quando no estar aberto a negociaes.

  • 41

    CAPTULO 3

    CONTEXTO DE PESQUISA: CONEXO ENTRE SABERES TERICOS

    E METDOLGICOS

    Sempre que em lingustica negligenciamos ou simplesmente deixamos de considerar que

    existe lngua porque existem falantes e que os falantes existem em funo de ao que os

    instam de vrias maneiras e em diferentes nveis de exigncia a permanecer em relao a

    alguma coisa e na relao com alguma coisa, a anlise sobre linguagem falha de alguma

    forma, isto , se torna necessariamente parcial ou incompleta.

    Edwirges Morato (2009, p. 312-313)10

    3.0. Para comear a conversa...

    Neste captulo, sero discutidos os pressupostos tericos desta pesquisa, alm de situar a

    abordagem que determina a escolha dos mtodos utilizados na gerao de dados para o

    estudo.

    O paradigma metodolgico adotado segue orientaes da etnografia, por abranger

    aspectos de anlise da prtica de fala em contextos sociais situados e por levar o pesquisador a

    considerar tambm o ponto de vista dos colaboradores de pesquisa, configurando-se esse

    estudo, numa perspectiva mica.

    Por se tratar de pesquisa qualitativa, focalizaram-se os significados das aes sociais em

    contextos reais. Isso significa que esta pesquisa compromete-se com o estudo da lngua em

    uso.

    Assim, h aqui abordagem multidisciplinar, pois os dados foram interpretados a partir

    de diferentes pontos de vista, trazendo para este estudo uma viso holstica, que se valeu de

    vrias contribuies tericas para responder s perguntas de pesquisa.

    Adota-se, ento, a utilizao do termo gerao de dados, em vez de coleta de dados,

    pois esses no estavam prontos no local da pesquisa, mas foram construdos no curso das

    interaes gravadas. O termo colaborador de pesquisa relaciona-se com a metodologia

    qualitativa adotada, estabelecendo uma relao mais prxima com o pesquisador e rejeitando

    10

    Cf. MORATO, E. M. O interacionismo no campo lingustico. In: MUSSALIM, F e BENTES, A.C. Introduo

    lingustica: fundamentos epistemolgicos. So Paulo Cortez, 2009.

  • 42

    o estigma de um observador que em nada interfere na vida dos colaboradores. Ao contrrio

    disso, o pesquisador passa a ter compromisso poltico e social com a pesquisa e com todos os

    sujeitos nela envolvidos.

    Para a interpretao dos dados, o principal quadro terico utilizado foi o da

    Sociolingustica Interacional, servindo-se tambm da Anlise de Discurso Crtica, da

    Pragmtica, da Psicologia Social e da Anlise da Conversao como tcnica para transcrio

    de dados. Essa mult