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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI ANNA VÖRÖS DESIGN E MODOS DE VIDA: UMA ESCUTA PARA CONEXÕES ENTRE OBJETOS E VALORES CONTEMPORÂNEOS DISSERTAÇÃO DE MESTRADO MESTRADO EM DESIGN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO MESTRADO EM DESIGN … · Figura 5: Raymond Loewy e a locomotiva Pennsylvania Railroad's S1 steam locomotive. ..... 48 Figura 7: W.W.Stool, do designer francês

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

ANNA VÖRÖS

DESIGN E MODOS DE VIDA: UMA ESCUTA PARA CONEXÕES ENTRE

OBJETOS E VALORES CONTEMPORÂNEOS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MESTRADO EM DESIGN

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

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São Paulo, 2012

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

ANNA VÖRÖS

DESIGN E MODOS DE VIDA:

UMA ESCUTA PARA CONEXÕES ENTRE OBJETOS E VALORES

CONTEMPORÂNEOS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Design Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em Design

Orientadora: Profa Dr

a Cristiane Mesquita

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São Paulo, 2012

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do

trabalho sem autorização da Universidade, do autor e do orientador.

ANNA LUCIA DA SILVA ARAÚJO VÖRÖS

Designer formada pela Universidade Federal do Paraná,

atua como pesquisadora e como designer em projetos de organizações do 3º

setor. Contato: [email protected]

V925d Vörös, Anna Lucia da Silva Araújo

Design e modos de vida: uma escuta para conexões

entre objetos e valores contemporâneos / Anna Lucia

da Silva Araújo Vörös. 2012.

131 p.: il.; 30 cm.

Orientador: Profª Drª. Cristiane Mesquita.

Dissertação (Mestrado em Design) Universidade

Anhembi Morumbi, São Paulo, 2012.

Bibliografia: p. 126-129.

1. Design. 2. Linguagem dos objetos. 3. Modos de

escuta. 4. Walkman. 5. Ipod. I. Título.

CDD 741.6

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ANNA VÖRÖS

DESIGN E MODOS DE VIDA: UMA ESCUTA PARA CONEXÕES ENTRE

OBJETOS E VALORES CONTEMPORÂNEOS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto

Sensu em Design, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em Design

Profa Dr

a Cristiane Mesquita

Orientadora

Mestrado em Design Anhembi Morumbi

Profa Dr

a Maristela Ono (externo)

Universidade Tecnológica do Paraná - UTFPR

Profa Dr

a Luisa Paraguai (interno)

Universidade Anhembi Morumbi

Prof. Dr. Jofre Silva (coordenação)

Universidade Anhembi Morumbi

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AGRADECIMENTOS

Das utopias

Se as coisas são inatingíveis...ora!

Não é motivo para não querê-las!

Que tristes os caminhos, se não fora

A presença distante das estrelas!

Mário Quintana

Agradeço pela companhia de minhas estrelas materna e paterna,

Beth e András. Às estrelas fraternas Aline e André. Às mulheres da

família Garzuze, especialmente à estrela Anita e aos sábios

Silva Araújo e Vörös. Às estrelas companheiras de todo dia, a meu

querido Jeff, a Kati, Mari, Fran, Ju, Ali, Alê, Jé e Rô. Mando uma saudação

a minhas queridas amigas e queridos amigos, que vão comigo pelas

estradas da vida dentro do meu coração, e às outras mil estrelas na

minha constelação desde os tempos mais remotos; elas sabem quem

são.

Nessa caminhada, ganhei a companhia de estrelas a quem

agradeço com uma saudação especial; sem as quais o percurso teria sido

muito mais difícil, duro e escuro. Vindas de constelações várias, cada

qual vibrou uma energia: a querida e suave Kathia Castilho, a atenciosa e

generosa Antonia Costa, a instigante e intuitiva Márcia Merlo, a

inspiradora e atenta Luisa Paraguai, a prestativa e delicada Maristela

Ono, a múltipla e intensa Carol Garcia, a universal Jana Braga Nunes, a

curandeira Lygia M.F.Pereira, o companheiro Ademar Heeman e o

conciso Trindade. Ao Fernando Stickel, agradeço por acreditar nesta

pesquisa e contribuir para que ela fosse possível. E às estrelas do mar

Paulo G. Santana e Gabriela Mondini, agradeço pela companhia.

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Outro agradecimento especial vai para todas as pessoas que se

entusiasmaram e aceitaram contribuir com essa pesquisa participando

das entrevistas: Alessandra, Juliana, Francine, Nilton, André, Juliana

Leonel, Jéssica, Adriana, Kolotelo, Cristina, Lucas, Paulinho, Viviane e

Patrícia.

De todas as estrelas que me acompanharam e iluminaram meu

caminho gostaria de destacar mais uma, com a qual muitas vezes

estivemos em silêncio e respeito, aprendendo a abrir caminhos: Cris

Mesquita, meu coração vibra de alegria!

Anna Lucia

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RESUMO

O presente trabalho investiga o Design enquanto articulador de

linguagens, visando identificar aspectos em torno de interações que se

estabelecem entre objetos, usuários e modos de vida proeminentes no

contemporâneo. Para delinear tais correspondências, apresenta uma

breve revisão conceitual sobre a formulação da subjetividade articulada

à abordagem que o filósofo Gilles Lipovetsky manifesta para a

contemporaneidade a partir de seus apontamentos sobre o sistema

Moda, bem como das propostas que o escritor italiano Ítalo Calvino

vislumbra para a literatura do terceiro milênio. Compartilha ainda uma

revisão das teorias relativas à linguagem dos objetos de Design,

articulando autores como Bernhard E. Bürdek, Rafael Cardoso e Adrian

Forty. Em diálogo com as conceituações, a pesquisa investiga aspectos

dos modos de escuta predominantes nos dias atuais, a fim de melhor

delinear o contexto das interações entre usuários e dois objetos

selecionados o walkman e o ipod. Para tanto, foram realizadas

entrevistas cujas interpretações estabelecem eixos condutores para

melhor entendimento das correspondências entre objetos de Design e

modos de vida contemporâneos.

Palavras-chave: design, linguagem dos objetos, modos de escuta,

walkman, ipod.

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ABSTRACT

This paper investigates Design as a language articulator, and aims to

identify aspects surrounding interactions established between objects,

users and paramount contemporary lifestyles. To outline such

correspondences, it presents a brief conceptual revision about the idea of

subjectivity, as connected to the approach introduced by the philosopher

Gilles Lipovetsky for the present times, based on notes about the Fashion

System, as well as Ítalo Calvino proposals for the third millennium

literature. It also shares an analysis of the theories regarding the

language of Design objects, linking authors such as Bernhard E. Bürdek,

Rafael Cardoso and Adrian Forty. This paper also investigates the

contemporary listening modes to outline the interactions between users

and its selected objects Walkman and ipod. For that matter, a series of

interviews was made and its interpretations define conductive axes to

better understand the correspondences between design objects and

present-day lifestyles.

Keywords: design, language of objects, listening modes,

walkman, ipod.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................. 18

1. O DESIGN COMO ARTICULADOR DE LINGUAGENS ....................... 26

1.1 OBJETO, ARTEFATO, PRODUTO .......................................................... 29

1.2 TRÊS FUNÇÕES DOS OBJETOS: simbólica, de uso e técnica .............. 32

1.3 ASPECTOS DO DESIGN ENQUANTO ARTICULADOR DE LINGUAGENS 38

2. SUBJETIVIDADE E CULTURA: UM OLHAR PARA O

CONTEMPORÂNEO ......................................................................... 54

2.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE SUBJETIVIDADE E CULTURA .... 56

2.2 INDIVIDUALISMO, ESTETICISMO E EFEMERIDADE: três vetores ....... 64

2.3 QUATRO VALORES CONTEMPORÂNEOS ............................................. 71

2.3.1 Leveza .............................................................................................. 72

2.3.2 Rapidez ............................................................................................ 74

2.3.3 Visibilidade ....................................................................................... 76

2.3.4 Multiplicidade .................................................................................. 77

3. OBJETOS DE DESEJO E MODOS DE ESCUTA: INTERAÇÕES ENTRE

DESEJO, INDIVIDUALISMO E MOBILIDADE. ..................................... 79

3.1 ASPECTOS DOS MODOS DE ESCUTA NO CONTEMPORÂNEO .............. 81

3.2 INDIVIDUALIDADE E MOBILIDADE: UM ESTUDO SOBRE O WALKMAN

E O IPOD .................................................................................................... 85

3.3 ONZE ESCUTAS INDIVIDUAIS SOBRE O WALKMAN E O IPOD ............. 92

3.3.1 Interpretação sobre Escutas: Modos de uso e valores que permeiam

a subjetividade contemporânea ................................................................ 98

3.3.1.1 Visão geral .................................................................................... 99

3.3.1.2 Uso, entorno, duração, ponto de vista, discurso e experiência ... 101

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3.3.1.3 Leveza, rapidez, visibilidade e multiplicidade. ............................ 112

CONSIDERAÇÕES FINAIS: ASSOCIAÇÕES ENTRE OBJETOS E

VALORES PRESENTES NA CONTEMPORANEIDADE ........................ 121

REFERÊNCIAS .............................................................................. 127

ANEXO 1: ROTEIRO DAS ENTREVISTAS .......................................... 131

ANEXO 2: PERFIL DOS ENTREVISTADOS ........................................ 132

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Cápsulas espaciais.. ................................................................. 41

Figura 2:Relógio e embalagem antigos como objetos decorativos.. ........ 43

Figura 3: Espremedor de limão Juicy Salif, de Phillipe Starck.. .............. 44

Figura 4: William Morris retratado por George Frederic Watts, 1870, e o

................................................... 48

Figura 6: Dieter Rams e rádio T3 projetado para Braun. ......................... 49

Figura 5: Raymond Loewy e a locomotiva Pennsylvania

Railroad's S1 steam locomotive. ............................................................. 48

Figura 7: W.W.Stool, do designer francês Phillipe Starck. ...................... 52

Figura 8: Discman D-50, primeiro modelo do aparelho, de 1984.. .......... 83

Figura 9: Discman modelo D121.. ............................................................ 84

Figura 10: Primeiro modelo do walkman, de 1979. ................................. 87

Figura 11: Modelo de rádio da década de 1930 e rádio portátil. .............. 87

Figura 12: Propaganda do "Hi-fi compact 2000", aparelho de áudio

lançado no início dos anos 1970 pela empresa Telefunken.. ................... 88

Figura 13: Modelos de minidisc da marca Sony.. ..................................... 90

Figura 14: mp3 player NWZ-B172F e aparelho celular Android Walkman

Z MP3 Player ambos da marca Sony. ......... Error! Bookmark not defined.

Figura 15: O uso do walkman associado à dança e à ginástica aparece em

uma propaganda veiculada na televisão. ............................................... 111

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Dedico, com amor, à minha grande família.

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INTRODUÇÃO

A presença e a influência dos objetos no cotidiano das pessoas é

um tema que tem despertado interesse em diferentes áreas do

conhecimento, tais como a Sociologia, a Antropologia, a Economia e a

Filosofia. Do mesmo modo, pesquisadores ligados ao campo do Design1

vêm demonstrando interesse pelo tema e observando a profusão de

pesquisas que tratam do assunto por meio de diferentes enfoques ,

como nas áreas das engenharias, do consumo, da sustentabilidade.

O pesquisador Adrian Forty (2007), instigado pela proeminência do

Design nas sociedades ocidentais, realizou uma pesquisa sobre os

objetos e a sociedade industrial, abrangendo o período de 1750 até a

década de 1980, publicada em 19862

histórico no qual analisa o surgimento da profissão do designer, a

produção de objetos segundo lógicas industriais, bem como

transformações no cotidiano das pessoas e no contexto das sociedades

industrializadas.

Além de Forty (2007), Rafael Cardoso (2012) e Deyan Sudjic (2010)

também abordaram o tema da influência do Design no dia a dia de

sociedades e indivíduos. Enquanto o primeiro autor traz um contexto

socioeconômico e cultural do período estudado, Cardoso (2012) e Sudjic

(2010) abarcam aspectos sobre a relação entre usuários consumidores e

1 Nesta pesquisa, a palavra Design, escrita com letra maiúscula, refere-se ao campo do

conhecimento denominado Desenho Industrial ou Design de Produto, Gráfico, de

Moda etc., e engloba tanto suas teorias quanto as atividades projetuais. Por outro

lado, a palavra escrita com letras minúsculas foi utilizada em referência ao projeto

de algum produto.

2

2007.

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19

objetos, o que contribui para a investigação das questões de valorização

e estabelecimento de vínculos entre ambos.

O tema, também presente nesta pesquisa, é aqui abordado a partir

da perspectiva do Design, e objetiva investigar aspectos que permeiam as

relações que as pessoas estabelecem com os objetos, levando-se em

consideração modos de vida e valores que se sobressaem em

determinada época. Para tanto, a pesquisa se orienta pelo entendimento

do Design como um campo articulador de linguagens, intrinsecamente

relacionado com o contexto de interação, onde se edificam as relações

entre pessoas e objetos.

O trabalho faz um recorte espaço-temporal que compreende as

décadas de 1950 a 2000, ao qual se denominou nesta pesquisa como

período contemporâneo, ao longo do qual se consolidam diversos dos

modos de vida proeminentes nas sociedades ocidentais. Esse contexto é

entendido por Sevcenko (2001) como um período abrangendo uma série

de transformações sociais que se refletiram em mudanças nos modos de

vida, nas estruturas socioeconômicas e em tantos outros âmbitos da

sociedade. Na esfera do Design, mais especificamente, autores como

Lipovetsky (2004), Cardoso (2012) e Sudjic (2010) assinalam a aparição e

potencialização de transformações na produção de objetos, seja em

termos projetuais, técnicos, seja na crescente ênfase dada aos aspectos

intangíveis dos objetos observados, por exemplo, a maior atenção para

se construir e comunicar seus valores simbólicos.

Nesta dissertação, optou-se por criar um caminho que se guiasse

por uma revisão bibliográfica pautada em pesquisas do Design, da

subjetividade e da contemporaneidade. Além dessas revisões, buscando

convergir para o estabelecimento de conexões entre objetos e alguns dos

valores estimados no presente, foi realizado um estudo sobre modos de

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escuta na época contemporânea e sobre dois objetos usados para a

escuta de música: o walkman3 e o ipod

4.

Em razão disso, a investigação divide-se em quatro capítulos. Nos

dois primeiros, são feitas uma revisão conceitual do Design como

articulador de linguagens e outra do período contemporâneo, buscando

classificar alguns dos valores proeminentes nesse enquadramento. O

terceiro encerra uma abordagem sobre modos de escuta proeminentes

na atualidade, bem como um estudo sobre o walkman e o ipod por meio

de pesquisa documental, bem como de dados coletados em entrevistas

semiestruturadas com onze usuários (MOREIRA et al, 2008).

No capítulo 1, procurou-se identificar e conceituar aspectos dos

objetos e de seu uso, no que concerne a transmissão de valores, tais

como suas funções e o entendimento delas por seu usuário. Essa revisão

possibilitou o estabelecimento de categorias de análise que contribuíram

para o estudo do walkman e do ipod, assim como para a realização e a

interpretação de entrevistas com alguns de seus usuários.

A teoria que entende o Design como um articulador de linguagens

considera que os objetos são portadores tanto de função quanto de

informação. De acordo com essa teoria, os objetos revelam uma

variedade de dados sobre a marca à qual são vinculados para

comercialização; sobre os processos utilizados para sua produção, ou,

ainda; dados sobre o público-alvo a que se dirigem e seus aspectos

culturais, entre tantas outras informações. Para Bürdek (2006), Sudjic

(2010) e Cardoso (2012), os objetos podem ainda refletir objetivos e

3 O Walkman é um aparelho com a finalidade de transmitir música através da fita

cassete e das rádios. Foi criado pela empresa Sony, no Japão, em 1979. Devido à sua

popularização, a palavra walkman foi associada ao objeto em si, virando sinônimo de

aparelho de escuta individual, tal qual a Gilette tornou-se sinônimo de aparelho de

barbear. Fonte:<http://www.techtudo.com.br/artigos/noticia/2011/06/principais-

criacoes-da-sony-que-mudaram-historia-da-tecnologia.html>. Acesso em

20/jul/2012.

4 Aparelho de reprodução de arquivos mp3, criado pela empresa Apple.

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21

valores de uma sociedade por meio da transmissão de informações neles

materializada.

A breve revisão conceitual sobre a subjetividade contribui para a

compreensão do aparecimento, fortalecimento e desfavorecimento de

modos de vida que se sobressaem em determinados períodos históricos.

Articulada à abordagem que o filósofo francês Gilles Lipovetsky

apresenta para a contemporaneidade, a partir de seus apontamentos

sobre o sistema Moda, a revisão teve como intuito compreender alguns

dos valores proeminentes na sociedade ocidental contemporânea. Junto

dessa revisão, são apontados aspectos históricos e culturais sobre o

Design, a produção e o uso de objetos, em especial a partir das

abordagens de Adrian Forty (2007), Deyan Sudjic (2010) e Rafael Cardoso

(2012).

Nessa etapa, consta também um levantamento sobre valores que

se destacam na contemporaneidade, tendo como base um trabalho do

escritor Ítalo Calvino (1990) e algumas articulações propostas pelo

designer Gui Bonsiepe (2011), que orientaram a seleção dos objetos de

pesquisa e a elaboração de questões das entrevistas. Foram

selecionados dois objetos, o walkman e o ipod, a fim de se averiguar a

relação entre objetos e valores por eles representados e transmitidos, e

os valores identificados e conceituados no segundo capítulo. A partir da

identificação e seleção dos dois objetos, realizou-se um estudo sobre sua

concepção e projeto. Com isso, foram identificados outros subsídios para

a construção das entrevistas semiestruturadas, as quais enfocam modos

de uso e buscam averiguar suas possíveis relações com modos de vida e

valores contemporâneos.

Por fim, são expostas considerações sobre associações e

correspondências entre objetos e valores contemporâneos no sentido de

articular as investigações da pesquisa.

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22

Uma nota sobre a interdisciplinaridade

Com o intuito de melhor delinear os caminhos das investigações

traçadas nesta pesquisa, vale apresentar uma breve consideração sobre

a interdisciplinaridade. Para compor tais considerações, tomaram-se por

base leituras sobre a interdisciplinaridade no âmbito das pesquisas em

Design.

Diferentes autores concebem esse campo de conhecimento como

sendo de caráter interdisciplinar. Bonsiepe (2012), por exemplo, observa

que tal peculiaridade ocorre em virtude do seu direcionamento baseado

na perspectiva projetual, sendo que suas ações se difundem em um

espaço de ão entre indústria, mercado, tecnologia e cultura

(2012, p.234), aspecto que por si só já lhe confere uma condição favorável

à interdisciplinaridade. Além disso, o autor destaca como um dos pontos

fortes associados à atividade do Design o incentivo à criação de novas

experiências, o que lhe atribui uma tendência de buscar conhecimentos

de diferentes áreas, a fim de agregá-los em investigações que

possibilitem inovações na prática projetual e nas esferas de

conhecimento do Design.

Nesse sentido, Cardoso (ibid.) também expressa considerações a

respeito da interdisciplinaridade,

(ibid., p.234), pois figura como um campo que ora se aproxima,

ora se distancia das mais diversas áreas, criando variadas tramas de

informação, propenso a dialogar com praticamente todos os campos do

conhecimento.

Os diálogos e intersecções entre o Design e as demais áreas do

conhecimento se produziram e se produzem em diferentes níveis de

intensidade e duração, configurando distintas tessituras e provocando

inúmeros resultados. Em sua leitura sobre esse campo, Breslau (2010)

observa as diversas lógicas que perpassaram a história do Design e

aponta um desdobramento em duas linhas principais de pensamento: o

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Design clássico, que pode ser considerado como a linha mestra entre os

anos de 1850 a 1980 aproximadamente, e o Design contemporâneo.

O primeiro, denominado Design clássico, aparece ligado a um

pensamento racionalista, orientado para o modelo de produção e

consumo de massa, marcado pela proeminência das ciências exatas e

pelo enfoque nas questões da matéria. Para Breslau, esse

5,

recorrente em estudos do Design, tal como aponta também Cardoso

(2012) quando ressalta a orientação para projetar soluções adequadas a

um propósito específico de produção industrial em larga escala, fruto de

projetos de cunho mais racional do que sensível, ornamental e emocional

(CARDOSO, 2012, p.16).

O Design contemporâneo, intitulado por Breslau (2010) como

, por sua vez, aquele que se orienta para e

pelas relações e interações entre as pessoas e os objetos, assumindo

outra abordagem d

preocupa-se com a forma das coisas, um design de subjetividades se

ibid., p.48).

Consideremos, portanto, que essas duas visões de Breslau (2010)

sobre os propósitos do Design podem ser compreendidas por dois

caminhos. Um deles é o Design clássico, pautado pela resolução de

mundo externo, ou seja, orientado para a conformação da matéria como

algo estático e com menor grau de relação e interação criativa com seu

usuário. Observa-se que o autor, ao referir-se ao

procura expressar a visão que orienta o Design a projetar objetos

determinados a

5 Pronunciado pelo arquiteto estadunidense Louis Sullivan, conhecido por suas criações

ligadas ao movimento artístico e arquitetônico modernista, tais como os arranha-céus e

prédios comerciais de grandes alturas. Fonte:

<http://web.mit.edu/museum/chicago/sullivan.html> Acesso em 08/out/2012.

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24

maneira de linhas de produção, encadeados em uma lógica orientada à

matéria, pautada pela forma e função, e na linearidade cronológica de

ibid., p.48), sem levar em consideração aspectos da

interação entre as pessoas, suas realidades sensíveis e as

subjetividades.

O outro caminho apontado pelo autor, o Design contemporâneo,

pode ser entendido como uma atuação pautada pelas e para as relações e

interações entre as pessoas e os objetos. Essa visão é permeada pelo

sobretudo, estruturador de linguagens e subjetividades

p.48) e, principalmente, pela compreensão da condição sensível e

reagente dos objetos.

Nesta pesquisa, o interesse maior é deter a atenção na

conceituação do Design contemporâneo, uma vez que suas ideias

principais contribuem para a investigação dos temas aqui presentes.

Seus conceitos são enunciados por Breslau (2010) a partir das reflexões

sobre a interação entre indivíduos e grupos, e os universos perceptivos e

cognitivos ao longo de suas vidas. Seguindo essas ideias, destaca-se um

viés no qual ele

interações com um universo infinito e sensível, reagente, no qual se

percebem e se criam formatos para realidades (ibid., pp.34-37). Ao se

fazer uma leitura do Design contemporâneo a partir dessas premissas, é

possível delinear melhor nossa compreensão como um campo que

contribui e participa da criação de realidades, linguagens e modos de

vida, tal como também sugere Bürdek (2006) ao tratar do entendimento

que os usuários têm de determinado objeto. Para ele, as funções dos

objetos:

[...] nada mais são do que distinções linguísticas feitas

por um observador. As funções não estão nos produtos e

sim na linguagem. Com isto, fica confirmado o caráter da

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25

configuração é assim porque assim o faço. (apud

BÜRDEK, 2006, p.287).

Partindo dessas considerações, cabe trabalhar as questões

apontadas nesta pesquisa, levando em conta algumas contribuições de

outros campos do conhecimento para articular manifestações do Design

e transformações sociais, tecnológicas e culturais relacionadas ao

período de investigação.

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26

1. O DESIGN COMO ARTICULADOR DE LINGUAGENS

Para lavar a roupa: omo

Para viagem longa: jato

Para difíceis contas: calculadora

[...]

(Marisa Monte)6

Da epígrafe que introduz este primeiro capítulo, um trecho da

música Diariamente (MONTE, 1991), destacam-se duas frases. A

ibid.), inicia-se com a

indicação de uma ação realizar contas difíceis e representa uma ideia

bastante comum no que tange os objetos: para se realizar uma ação, use

dado objeto. Seja em metodologias de projeto, seja em situações de uso,

observa-se a tendência, tanto por parte de designers quanto de usuários,

de relacionar um objeto a uma ação (ou ações) factível pelo dito objeto ou

com ele

outra ideia frequentemente relacionada aos objetos: o emprego da marca

comercial do objeto para nomeá-lo: neste caso, refere o sabão em pó, ou

seja, a marca Omo. Aqui, observa-se o uso de uma metonímia, usando a

marca do sabão em pó para significar o produto sabão em pó. Analisado

pelo viés das lógicas mercadológicas, tal uso manifesta um dos

princípios - (SEMPRINI, 2006) o qual é praticado nos

discursos sociais para conduzir a produção de sentidos. Nesse caso, a

marca Omo, o sabão em pó e os significados referentes a essa marca

específica podem ser articulados com base na associação entre os

valores da marca, o objeto e o uso do nome da marca como sinônimos de

sabão em pó. Assim, aqueles que reconhecem a marca desse objeto

poderão interpretar as associações de valor planejadas e comunicadas;

6 Trecho da música

cantora Marisa Monte.

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27

no caso da frase, o uso da palavra Omo propicia diferentes associações,

previamente conhecidas por seus usuários, tais como o tipo de limpeza, o

aroma, as características da limpeza em relação às cores das roupas,

entre outras. E é com essas duas frases que se fazem notar aspectos

gerais relacionados à transmissão de informações por meio de objetos:

suas funções, os valores a eles atribuídos, bem como aspectos que

permeiam a relação entre as pessoas e os objetos.

Neste capítulo, ambos os assuntos são tratados em dois eixos

teóricos: o das metodologias projetuais e o da teoria que entende o

Design como articulador de linguagens.

Cabe observar que esta pesquisa enfoca os aspectos inerentes às

interações entre as pessoas e os objetos, e não se aprofunda em

questões envolvidas na dimensão projetual. Contudo, em razão da

perspectiva que considera os objetos como materialidades que

7, bem como das abordagens que

entendem haver relações de significação a partir dos objetos, elaborou-

se uma revisão do conceito de função dos objetos, conforme as

metodologias de Design.

Desse modo, discorre-se primeiramente sobre as funções dos

objetos via metodologias do Design, buscando destacar os três âmbitos

principais de transmissão de informação de um objeto, conforme

previsto pelas metodologias de projeto. Em seguida, apresenta-se a

perspectiva teórica que compreende o Design como um campo

articulador de linguagens.

Foram revisados conceitos sobre funções propostos por

diferentes autores: Cardoso (2012), Ono (2006), Bonsiepe, Bomfim (1984),

Baxter (2000), Denis (2000) e Löbach (2001), para integrar uma

7 Cabe mencionar que nosso entendimento da transmissão de informações por meio dos

objetos, construída a partir de Sudjic (2010), Forty (2007) e Cardoso (2012), entre

outros autores, de maneira geral, confirma essas perspectivas e abordagens.

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28

conceituação que se ajustasse a esta pesquisa. Para nomear essas

funções, utilizaram-se os termos apresentados por Ono (2006), a fim de

se destacarem as finalidades principais de um objeto: funções

simbólicas, funções de uso e funções técnicas (ibid., p.30). As funções são

tratadas em separado para facilitar a compreensão de aspectos

cognitivos, culturais, entre outros, relacionados à percepção de cada

uma delas por parte do usuário.

No segundo momento, por meio de uma revisão conceitual, expõe-

se um breve histórico da formação das teorias que compreendem o

Design como campo articulador de linguagens. Tal teoria abarca as

relações que as pessoas estabelecem com os objetos, nas quais se

configuram modos de interação, que são, por sua vez, influenciados por

diferentes variáveis, tais como aspectos do entorno onde ocorre a

interação, o modo como as pessoas entendem os objetos e suas

finalidades, a duração da interação, as variáveis socioculturais que

representam influência em diversas dimensões, entre tantas outras que

permeiam ditas relações.

É oportuno ressaltar, neste ponto, a abordagem específica que

conduziu esta pesquisa. Baseada no ponto de vista das metodologias do

Design, ela caminha para a relação dos processos de significação e valor

de objetos, segundo a experiência dos usuários.

Antes, porém, de prosseguir com essa exposição, cabe traçar

considerações sobre três termos que aparecem nas teorias do Design

objeto, artefato e produto a fim de se apresentarem as premissas

utilizadas para a seleção daquele que melhor se ajusta à presente

pesquisa.

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29

1.1 OBJETO, ARTEFATO, PRODUTO

Objeto, artefato e produto são termos empregados em teorias do

Design, ora com significados similares, ora díspares. Sendo assim,

convém esclarecê-los de modo a evitar confusões conceituais. Diferentes

autores foram tomados como base para a exposição a seguir.

É curioso entender algumas das diferenças etimológicas8 entre

essas três palavras, todas elas originárias do latim. Artefato, por

exemplo, vem do latim, arte factus, e significa fazer com arte (CUNHA,

1999, p.72). Objeto, por sua vez, corresponde a coisa, matéria, objetivo

(ibid., p.554), enquanto que produto pode ser entendido como

é produzido pela natureza, ou o

ibid, p.637). Tais diferenças introduzem nossa

investigação, pois colaboram para compreender porque essas três

palavras que parecem distintas em seus significados etimológicos são

encontradas com significados próximos, senão semelhantes, tanto em

teorias do Design quanto no entendimento do senso comum.

Ripper enten

sentido, ele aponta que a seleção para empregar cada um dos termos

objeto, artefato ou produto está diretamente relacionada a essas

variáveis, permitindo-se afirmar que a aplicação de qualquer deles

ocorre de acordo com a decisão do tema e contexto que se investiga.

Portanto, conforme esse raciocínio, é possível entender porque as três

palavras parecem distintas em seus significados etimológicos,

recebendo significados próximos, senão semelhantes, tanto em teorias

do Design quanto no senso comum.

8

etimológica da palavra Design,

conferindo-lhe, inclusive alguns sentidos poéticos e pouco convencionais.

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30

Segundo o aporte dado por Cardoso (2008) para o Design no

contexto das sociedades ocidentais contemporâneas, o termo mais

adequado para tratar de suas produções é artefato, uma vez que o

concebe como algo produzido pelo trabalho humano. Esse emprego se

deve ao fato de o autor considerar o Design um fenômeno humano

ibid., p.21), no

qual se busca a concretização de ideias abstratas e subjetivas. Através de

sua concepção, o Design atinge uma amplitude de ações e atividades,

refletindo-se no uso da palavra artefato. Assim, o termo artefato

caracteriza uma ideia abrangente que designa qualquer coisa produzida

por uma pessoa, uma vez que abarca uma ampla gama de objetos, como

quadros, máquinas, roupas, bordados, panelas de barro, pregos e

parafusos. É uma concepção que converge para o entendimento do autor

sobre o Design.

Para Ripper (2008), o termo objeto é o mais adequado para

representar a concepção dada para a palavra artefato por Cardoso

(2008). Ripper (2008) afirma que um objeto pode ser entendido como a

o objeto pode

ser, portanto, compreendido, segundo o autor, como aquilo que o homem

utiliza em seu cotidiano e que, ao mesmo tempo, constitui um símbolo.

Bomfim (1997) apresenta uma designação próxima a esse conceito, ao

eleger o termo objeto como adequado para designar aquilo que surge da

de

ibid., p.36). Segundo essas duas concepções,

portanto, é de se considerar que o termo objeto pode ser entendido como

um sinônimo de artefato, conforme descrito por Cardoso (2008).

O terceiro termo apresentado produto pode ser compreendido

pelo conceito exposto por Farbiarz (2008), que o define como o resultado

de um projeto, seja ele materializado ou digitalizado. O autor não faz

distinção entre produtos fabricados por processos industriais ou

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31

artesanais, em pequena ou larga escala. O produto se refere ao

resultado de um projeto, atrelado à possibilidade de ser consumido.

Podem-se citar diferentes exemplos de produtos: carros, canetas,

cartazes, programas de computador ou projetos de serviços, como um

sistema de coleta de lixo. Essa é uma palavra que, novamente, se refere

à criação humana; porém, diferentemente dos termos artefato e objeto

apresentados anteriormente, está diretamente conectada a um projeto e

ao consumo. O ponto de vista de Farbiarz (2008) apresenta o uso do

termo produto como o mais adequado para definir um resultado de um

projeto; seja referindo-se a objetos concretos, seja a comunicação visual,

ações mediante um design etc. Tal concepção, bastante utilizada em

metodologias do Design, abrange várias dimensões espaciais com um só

termo, sem limitá-lo à dimensão específica dos objetos tridimensionais.

Diferente de Farbiaz (2008), Denis (1998) propõe o uso das

palavras produto e artefato para criar uma distinção entre o que é

tangível e o que é intangível. Para o autor, o termo produto é usado para

denominar, por exemplo, um endereço eletrônico (digitalizado), que ele

entende como intangível, e a palavra artefato, para se referir àquilo que

é tangível (materializado), como o computador.

Nesta pesquisa, optou-se por usar o termo objeto como sinônimo

de produto para designar o que é produzido a partir de projetos de

Design. Considera-se que esse termo possibilita uma abrangência maior

do que o termo produto, associado de modo mais estereotipado ao

consumo, como observa Farbiarz (2008). Além disso, acredita-se haver

uma sugestão de abrangência do termo objeto para além da ideia de

consumo, incluindo-se outras linhas de forças que influenciam sua

interpretação e relação com as pessoas, tais como as variáveis políticas e

culturais. Isso, acredita-se, faz realçar a intenção desta pesquisa de

investigar elos entre projetos, produtos e usos, sob diferentes pontos de

vista das relações entre pessoas e objetos.

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32

1.2 TRÊS FUNÇÕES DOS OBJETOS: simbólica, de uso e técnica

Este tópico apresenta considerações sobre funções e valores

atribuídos aos objetos, na medida em que visa abordar os objetos

segundo metodologias do Design, e traçar um caminho de análise sobre

um objeto em especial. Esta análise será apresentada no capítulo 3.

De um modo sucinto, é possível entender que a função de

qualquer objeto diz respeito àquilo que ele pode realizar. De acordo com

Luiz A. de Saboya (2008), a função diz respeito ao modo como as ações

serão desempenhadas por um objeto para atingir o propósito previsto em

um projeto. Diante desse entendimento, a

ajudam a compreender os propósitos de um projeto, bem como

as funções de um objeto.

Segundo Ono (2006), um mesmo objeto pode assumir diferentes

funções e significados, de acordo com a compreensão de seus usuários.

Nesse sentido, a autora destaca que os objetos apresentam aspectos que

transmitem informações tanto objetivas quanto subjetivas, traduzidas

por meio de suas funções e elementos formais, simbólicos, emocionais,

psíquicos, econômicos etc.

Buscando classificar as funções dos objetos para facilitar-lhes a

compreensão, foram tomadas como referência as categorias

apresentadas por Ono (ibid.), uma vez que nas metodologias do Design

podem-se encontrar diferentes termos para nomear as funções de um

objeto. Como resultado de um projeto (design), a autora nomeia as

funções de um objeto como funções simbólicas, de uso e técnicas ibid.,

p.30).

A categoria simbólica ocorre quando as pessoas atribuem

significados aos objetos a partir das interações e vínculos estabelecidos.

Está, portanto, relacionada às motivações psicológicas e aos

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33

comportamentos dos indivíduos ou grupos no momento em que percebem

um objeto e interagem com ele, disparando um processo de

estabelecimento de relações com esse objeto, mediado por repertórios

socioculturais e memórias de experiências anteriores,

concomitantemente com o sistema de valores e crenças de sua cultura.

Seguindo esse entendimento, é interessante destacar que os aspectos

culturais influenciam as funções dos objetos de diferentes maneiras, seja

pela constatação de hábitos de uso que precisam ser levados em

consideração, seja pela atribuição de diferentes significados para

determinadas cores, entre outras características que influenciam na

percepção e entendimento do objeto.

Ono (2006) também ressalta que as funções simbólicas estão

estreitamente relacionadas aos aspectos estéticos de um objeto, às

sensações que eles suscitam e à percepção sensorial ligada à visão, tato,

audição, olfato e paladar, os quais dependem basicamente de dois

fatores: a) do repertório individual e cultural conhecido de formas, cores,

sabores etc. e b) do estado emocional e psíquico do usuário. Pode-se

dizer que as funções simbólicas indicam ligações potenciais que o

usuário estabelecerá entre o que ele conhece seu repertório cultural e

individual de sensações e experiências anteriores e o objeto: sua

forma, cores, texturas, material, entre outras características físicas.

Löbach (2001) contribui para esse entendimento, complementando

que as funções simbólicas incluem tanto aspectos ligados à percepção da

dimensão tangível dos objetos e de suas utilidades como aspectos

intangíveis envolvidos no consumo, como aqueles que influenciam a

escolha de um modelo, os modos de uso, entre outras características

pertinentes ao entendimento usuário-consumidor.

Um exemplo que corrobora o entendimento dessa relação entre

funções simbólicas e consumo é o uso de estratégias comerciais

diretamente sobre a qualidade das sensações, procurando criar

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34

diferenciações entre objetos de mesma função de uso (produtos

concorrentes) para atrair a atenção dos usuários-consumidores e

seduzi-los, conforme apontam autores como Bomfim (1984), Denis (2000)

e Löbach (2001). Dentro desse exemplo, podemos trazer uma observação

de Cardoso (2012) a respeito da comercialização de garrafas de água

mineral de cor vermelha, que diferem da maioria das garrafas

comercializadas, de cor transparente. A princípio, essas garrafas podem

causar certa estranheza aos olhos do consumidor, mas também

provocam um efeito de novidade em face da diferenciação das cores

costumeiras, o que contribui para estimular uma reação positiva para o

consumo, dada a valorização de seu aspecto inovador.

A segunda categoria apresentada por Ono (2006, p. 40) são as

funções de uso. Elas caracterizam os aspectos necessários para a

execução de uma ou mais ações, configuradas a partir do serviço a

prestar ao usuário. Tal serviço pode ser entendido como aquilo que se

espera de um objeto.

As funções de uso são pautadas pela estrutura do objeto,

modelando sua configuração formal-espacial seu tamanho, peso,

matérias-primas, pegas, proporções etc. projetada segundo a

conjuntura dos modos de uso necessários para a realização de uma

tarefa na interação fisiológica entre objeto e usuário9. Esses modos de

uso dizem respeito à dimensão física do corpo, os movimentos

necessários para desempenhar uma tarefa e a manipulação do objeto.

Portanto, para se projetar a configuração formal-espacial mais

adequada de um objeto, levam-se em conta dois aspectos da interação

entre objetos e usuários: os qualitativos e os quantitativos, estudados

pela Ergonomia. Os primeiros compreendem tipos de movimentos, de

9 O usuário pode ser compreendido como usuário direto (a pessoa que usa o objeto) e

usuário indireto (a pessoa que produz, distribui, recicla e/ou faz a manutenção desse

objeto). Esta pesquisa enfoca o usuário direto; portanto, adotará apenas a

denominação usuário (IIDA, 2005).

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manuseio e outras ações que o usuário realizará ao servir-se do objeto. O

segundo grupo abarca dados quantificáveis, como o tamanho do corpo e

membros envolvidos na realização da tarefa, idade, força necessária

para o uso do objeto, seu tamanho e peso, entre outros.

O projeto da função de uso prevê ainda a manutenção do objeto e a

transmissão de informações, como a colocação de um botão para ligar e

desligar uma máquina, uma lâmpada que avisa se está ligada ou

desligada, a presença de parafusos e tampas para facilitar a

manutenção. As funções de uso associam-se às funções simbólicas

quando, por exemplo, são criadas convenções que sejam interpretadas

conforme previsto no projeto por exemplo, a função de ligar e desligar

um aparelho de TV pode ser transmitida pelo uso de um botão associado

a luzes, cores e palavras: um botão de liga/desliga com luz de cor

vermelha sinalizadora.

A terceira categoria apresentada funções técnicas decorre das

outras duas funções, a simbólica e a de uso, a fim de satisfazer as

demandas dos usuários. Abrange aspectos técnicos de um objeto, que

compreendem a construção dele, ou seja, a materialização das duas

outras funções de acordo com especificações de matérias-primas,

recursos tecnológicos empregados etc. (ONO, 2006).

É possível entender que todos os objetos do campo do Design

apresentam essas três funções, mas é comum que haja uma

hierarquização. Isso se deve aos propósitos almejados na produção e

consumo dos objetos, determinados durante o projeto. Para isso, são

listados diferentes requisitos projetuais, que orientam tomadas de

decisão e escolhas. Como auxílio para a seleção e descrição dos

requisitos projetuais, recorre-se a uma abordagem metodológica que

apresenta :

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36

Esses requisitos podem ser determinados, por exemplo, pelo

contexto de fabricação, que envolve variáveis como local de produção,

custos, matéria-prima disponível, processos de fabricação, tradição

produtiva. Além disso, a definição de quem será o usuário do produto

também estabelece hierarquização das funções, como faixa etária,

ambiente de uso, classe social, ou, ainda, o repertório cultural para

compreensão das funções de um objeto.

É interessante notar que as funções podem ser entendidas,

através de Bonsiepe (apud BÜRDEK, 2006), como diferenciações

linguísticas feitas pelos usuários dos objetos. Ele afirma:

[...] as funções nada mais são do que distinções

linguísticas feitas por um observador. As funções não

estão nos produtos e sim na linguagem. Com isto, fica

confirmado o caráter da configuração é assim porque

assim o faço. (BONSIEPE apud BÜRDEK, 2006, p.287).

Neste trecho, o autor ressalta a dimensão interpretativa a que

estão atreladas as informações transmitidas por um objeto e que

ibid.). Tal

afirmação contribui para a compreensão de que as funções de um objeto

estão relacionadas à capacidade de ele transmitir informações a seus

usuários; e também de que elas podem variar e se desdobrar em

diversos sentidos, conforme a interpretação de seus significados por

parte do usuário.

Portanto, ao enfocar a dimensão de uso dos objetos, pode-se

entender que as funções estão localizadas nessa interação, servindo

como mediadoras das ações experimentadas.

Por fim, antes de entrar no próximo tópico, é conveniente fazer

uma observação quanto ao emprego das palavras função e uso: a

distinção entre elas é especialmente demarcada neste trabalho, porque

nosso enfoque teórico e nossa diretriz da pesquisa de campo residem no

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uso do objeto em questão, embora essa distinção não seja tão clara nas

relações entre pessoas e objetos:

Q

artefato, gera-se uma confusão nefasta entre o que se

pode fazer com ele ou seja, seus usos, e o que ele

pode significar. (CARDOSO, 2012, p.102).

Sendo assim, a palavra função será empregada para nomear e

descrever as categorias planejadas em âmbito projetual, de modo a

diferenciá-la da palavra uso, que será empregada para nomear as

relações entre usuários e objetos.

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38

1.3 ASPECTOS DO DESIGN ENQUANTO ARTICULADOR DE LINGUAGENS

A teoria que propõe uma linguagem a partir da significação dos

objetos começou a se desenvolver no fim da década de 1960, inicialmente

sistematizada por Theodor Ellinger (apud BÜRDEK, 2006). O

entendimento do Design como campo que delineia linguagens firmou-se

ao longo das décadas de 1970 a 1990, período em que suas principais

ideias amadureceram e se consolidaram. Seus conceitos, entretanto,

foram estabelecidos entre as décadas de 1960 e 1970.

A partir dos diferentes autores abordados nesta pesquisa, é

possível entender que a teoria que compreende o Design como campo

articulador de linguagens estabelece um entrelaçamento das diversas

variáveis componentes de um objeto, tais como aquelas envolvidas nos

aspectos de sua produção, de sua comercialização e de seu uso. Nessa

perspectiva, um objeto pode revelar diferentes informações, tais como

dados sobre a empresa que o produziu, dados decorrentes dos processos

produtivos pelos quais passou, informações a respeito da marca à qual é

associado em sua comercialização ou, ainda, revelar dados sobre a

pessoa que o usa e sobre os valores afetivos, econômicos, culturais e

simbólicos que lhe são atribuídos, entre tantas outras informações.

Dita perspectiva compreende, portanto, a relação entre diversas

variáveis ligadas a um objeto que perpassam sua existência.

Em revisão histórica sobre o tema, Bürdek (2006) retoma os

principais aspectos de criação e consolidação dessa teoria. Segundo o

autor, foi em 1966 que o engenheiro e economista Theodor Ellinger

sistematizou o conceito de "informação do produto", fundamentado pela

compreensão de que "o produto pode possuir linguagem simbólica e em

multicamadas que é mais abrangente e variada do que uma linguagem

verbal" (apud BÜRDEK, 2006, p.285), englobando vários formatos de

expressão: dimensão, forma, estrutura, textura, movimento, material,

cores, ruídos e tons, sabor, cheiro, temperatura, embalagem, entre

outras.

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39

Seguindo os apontamentos de Bürdek (ibid.), observa-se que, no

ano de 1973, o historiador do Design Gert Selle constatou a crescente

importância social dos objetos, o que o levou a afirmar que o Design tinha

-a- ibid.), em

virtude do resultado de suas pesquisas, Selle aderiu ao conceito criado

por Ellinger e declarou que os objetos são tanto portadores de função

quanto de informação, apresentando uma linguagem específica, a qual

permite ao usuário identificar uma série de informações transmitidas por

eles.

É interessante lembrar que essas conceituações foram

incorporadas ao Design durante um período em que diferentes

profissionais ligados a produção, consumo e uso dos objetos visavam à

formação de uma teoria única do Design, na qual se procurava conceituar

o que é, o que deve ser e o que deverá ser o Design.

Bürdek (2006) indica que, entre os anos 1970 e 1990, a busca por

um discurso disciplinar para o Design se baseava no conceito de

como, a semiótica10

, a psicologia e a sociologia. O autor também observa

que nos anos 1980, a partir do conceito de linguagem do produto,

consolidou-se a ideia para o Design de um campo que se encarrega das

ligações entre as pessoas e os objetos, sejam elas beneficiadas por

produtos e/ou sistemas de produtos, projetos gráficos, projetos de

interiores, entre tantas outras resultantes de um design. Nota-se,

inclusive, que a maioria das abordagens sobre o tema é similar e

apresenta muitos pontos convergentes.

No período subsequente, dos anos 1990 aos anos 2000,

destacamos dois autores, Sudjic (2010) e Cardoso (2012), cuja

continuidade do tema contribuiu para esta pesquisa. Ambos apresentam

abordagens e criam articulações entre a ideia de uma linguagem dos

10 designado na semiótica por Charles Jencks, em

1978 (BÜRDEK, 2006, p.282)

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objetos e aspectos proeminentes no contexto contemporâneo, tais como

o consumo, a individualidade e a moda.

Para Sudjic (2010), a ideia do Design como linguagem sustenta-se

em sua compreensão acerca dos aspectos dos objetos, ideia que se

fundamenta pelo pressuposto de que há algo a se entender sobre os

objetos além de seus aspectos óbvios de funcionalidade e finalidade.

ou

pós- ibid., p.49), uma vez que o campo é formado por códigos

que revelam componentes dessa sociedade, refletindo aspectos de seu

sistema econômico e cultural, de suas tecnologias de produção, dos

modos pelos quais as pessoas interagem entre si e a sociedade, entre

várias outras instâncias que fazem parte e perpassam a existência

humana.

Nesse sentido, para o autor, o Design é uma das linguagens de que

uma sociedade se utiliza para criar meios que reflitam seus objetivos e

seus valores, por meio da materialização de informações derivada da

produção de objetos. Assim, ao ressaltar a ideia de que os objetos são

portadores de informações, que, de modo sutil ou explícito sinalizam

valores compartilhados na sociedade em que se encontram, Sudjic (2010)

reforça a concepção do campo do Design como uma linguagem que

reflete diversos valores, sejam eles econômicos, afetivos ou culturais.

Entretanto, ele próprio questiona se esses significados estão

são adquiridos pela repetição constante, pela familiaridade e pela

os

conceitos transmitidos pelos objetos vão além das intenções previstas

durante seu projeto. Dito de outro modo, um design que visa, por

exemplo, transmitir mais conteúdos relacionados à sua utilidade do que

outras informações poderá também suscitar conteúdos emocionais e

simbólicos.

Para a exposição dessas ideias apresentadas pelo autor, pode-se

emprestar um dos exemplos utilizados por ele: as cápsulas espaciais

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41

desenvolvidas pelos Estados Unidos e a União Soviética (SUDJIC, 2010) e

vinculadas ao período histórico da Guerra Fria.

Por meio deste exemplo, ilustrado na figura 01, o autor procura

demonstrar que dois objetos projetados para uma mesma finalidade

podem apresentar configurações formais, estéticas e simbólicas

diferentes entre si, fato que o autor atribui a duas culturas diferentes,

dois sistemas econômicos e políticos opostos traduzidos na produção de

cada um deles. Isso nos faz perceber que o Design pode ser entendido

como uma linguagem que transmite informações e pode sinalizar

valores.

A partir das conceituações e considerações traçadas acima, pode-

se deduzir que a existência de uma linguagem específica dos objetos

pressupõe uma relação entre pessoas e objetos, pela qual se

suas interpretações, num

processo de comunicação. Conforme esse entendimento, as funções de

um objeto podem variar e se desdobrar em diferentes significados,

devido à sua interpretação por parte do usuário. Assim também, elas (as

Figura 1: Cápsulas espaciais. À esquerda, desenvolvida pelos EUA; à direita, pela

URSS. Fonte: SUDJIC (2010, pp.44-45).

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42

funções) estão relacionadas à capacidade de os objetos transmitirem

informações sobre as próprias funções a seus usuários. De modo mais

amplo, todas as funções estão relacionadas ao repertório de

experiências e sensações dos usuários, em sua capacidade de

ressignificação e reconstrução das mesmas.

No âmbito da interação entre pessoas e objetos, para o qual se

está atento neste momento, nota-se, portanto, que as informações

transmitidas pelos objetos, bem como seus significados, podem variar e

ser influenciados por diferentes razões: pelo juízo de cada pessoa, seu

repertório, por aspectos do contexto de uso, culturais, emocionais e

tantos outros.

Nesses termos, para fins didáticos, Cardoso (2012) ressalta seis

fatores que influenciam a produção de significado dos objetos, norteando

sua descrição e conceituação neste trabalho. São eles: o uso, o entorno,

a duração, o ponto de vista, o discurso e a experiência11

. Todos eles

perpassam, ao mesmo tempo, a interação entre as pessoas e os objetos,

mas se apresentam aqui separados para melhor compreensão de cada

um.

O fator uso é descrito pelo autor pelo ângulo da operacionalidade,

funcionamento e aproveitamento de um objeto. Cardoso (2012) propõe o

termo uso para substituir a palavra função, pois entende que ela gera

uma abertura para a interpretação do usuário acerca de seus possíveis

usos, em vez de induzir a apenas uma finalidade.

O segundo fator, o entorno12

, nomeia o contexto de uso de um

objeto, o qual engloba o espaço geográfico, físico e cultural, ou seja, é

11 O recurso gráfico do negrito foi utilizado nesta frase e em outras partes do trabalho

para destacar os seis fatores apontados por Cardoso (2012) a fim de facilitar a leitura

e apoiar o leitor na fixação de tais conceitos.

12 Vale mencionar que a compreensão do entorno, considerado como o espaço

geográfico no qual o objeto está inserido, é uma investigação bastante complexa, não

empreendida nesta pesquisa. Uma referência enriquecedora para esse tipo de

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43

aquilo que está à volta do objeto. Um exemplo de modificação do entorno

de um objeto pode ser observado quando se desloca esse objeto de seu

contexto usual, colocando-o em um museu ou, numa situação um pouco

menos distante, quando se compra um objeto em uma feira de

antiguidades e o coloca em uma estante, como elemento decorativo.

contextualização são as teorias propostas pelo geógrafo Milton Santos, em especial

A Natureza do espaço

), os quais se

influenciam mutuamente.

Figura 2: Relógio e embalagem antigos utilizados como objetos

decorativos. Fonte:< http://migre.me/bpYu6>. Acesso em:

08/set/2012.

Page 44: DISSERTAÇÃO DE MESTRADO MESTRADO EM DESIGN … · Figura 5: Raymond Loewy e a locomotiva Pennsylvania Railroad's S1 steam locomotive. ..... 48 Figura 7: W.W.Stool, do designer francês

44

Outro exemplo ainda seria comprar o espremedor de limão Juicy

Salif 13

e usá-lo como objeto de decoração.

O terceiro fator relacionado à produção de significado dos objetos

é a duração. Ela comporta a trajetória de um objeto, quer dizer, sua

existência dentro de um ciclo de vida, os lugares e pessoas por onde

passou e acabam refletindo transformações em sua dimensão material,

ou seja, na sua aparência, forma, textura etc. Quanto mais tempo o

objeto se mantém reconhecível , observa Cardoso (2012, p.66), maior

será a probabilidade de incidirem sobre ele mudanças de uso e entorno.

13 Juicy Salif é um espremedor de limão, projetado pelo designer francês Phillipe

Starck, reconhecido por manipular aspectos da linguagem dos objetos para criar

projetos de objetos, ambientes, etc. O Juicy Salif foi um objeto amplamente associado

ao nome do designer e à sua fama, o que lhe atribuiu um valor simbólico de luxo e

inovação, entre outros. Assim, o objeto é comumente associado à representação

desses valores por parte de seus consumidores, que em sua maioria o exibe como

peça de decoração ou de arte (MORRISET, 2009). Fonte:

<http://blogdesign.blog.uol.com.br/arch2009-08-09_2009-08-15.html>. Acesso

em: 8/set/2012.

Figura 3: Espremedor de limão Juicy Salif, de Phillipe Starck.

Fonte:<http://blog.deco-interieure.com/41/philippe-starck/>.

Acesso em: 02/jun/2012.

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45

Os aspectos de juízo, inerentes à percepção das pessoas, dizem

respeito aos três últimos fatores: ponto de vista, discurso e

experiência. O ponto de vista está relacionado aos modos de ver e às

hierarquias de atenção e importância daquilo que se vê, constituídos

culturalmente e consolidados ao longo dos anos. A hierarquia dos modos

de ver pode ser entendida pela escolha do ponto de vista a respeito de

um objeto, no qual se entende o que é frente, verso, dentro ou fora,

como, por exemplo, o que pode ocorrer no uso de roupas. Sugere o

autor

2012, pp.67-68).

O discurso diz respeito ao modo como cada ponto de vista se

representa em linguagens verbais, visuais ou outras e é um fator que,

necessariamente, agrega sentidos que influenciam na compreensão do

objeto. No contexto das sociedades contemporâneas, Cardoso (2012) faz

uma ressalva a respeito desse fator, entendendo que, conforme a

intensidade de trocas de informações, as pessoas conhecem os objetos

previamente, por discursos. Para o autor, discurso circundante é

quase sempre um patamar de acesso necessário para chegar a um

objeto qualquer . (ibid., p.69).

A experiência, o último fator arrolado pelo autor, está relacionada

àquilo que é próprio do que cada um estabelece na interação com o

objeto, embora ela seja condicionada pelas experiências vividas

anteriormente e ligada a todos os outros fatores citados acima. Além

disso, Cardoso (ibid.) ressalta que hoje a maioria dos objetos está

conectada a imagens veiculadas pelos meios de comunicação e que,

portanto, deve-se levar tal condicionamento em consideração, por sua

quantos lugares,

situações, até pessoas, são conhecidos prioritariamente por meio de

ibid., p.59). Observa-se uma infinidade de seres e coisas que

podem ser conhecidos por meio de imagens, os quais, por sua vez, geram

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46

imagens mentais de natureza

provavelmente terão influência quando se der a experiência direta.

Pondera o autor:

Mesmo para quem só tem conhecimento direto de um

artefato, sem mediação (se é que isso ainda é possível), a

experiência do objeto é sempre delimitada por costumes

e convenções. (CARDOSO, 2012, pp.59-60).

Nesse sentido, ele comenta sobre uma dessas convenções, que

está diretamente ligada aos objetos e pode ser entendida em um âmbito

mais geral em relação às especificidades culturais. O autor utiliza o

convenções relacionadas à

configuração formal, padronizada de objetos. Observando diferentes

modelos de um mesmo objeto, ou seja, objetos com função similar,

podem-se encontrar exemplos dessas gramáticas formais: as cadeiras e

mesas, por exemplo, têm quatro pernas; os automóveis, quatro rodas; as

vassouras têm cabo e pelos etc. São características formais que podem

variar de material, peso, cor etc., mas que continuam contendo um

aspecto significativo, interligado às informações de uso desses objetos.

Cardoso (2012) considera que, diante desses seis fatores, há ainda

mais um o tempo que incide sobre todos os outros aspectos

envolvidos na relação entre as pessoas e os objetos: com o passar dos

anos, um uso proeminente adquire qualidade estável e se afirma como

propósito; a duração mutável de um objeto transforma-se em história, e

o entorno mutável em permanência; o ponto de vista variável torna-se a

atenção, o discurso instável em consagração; e a experiência variante em

memória. O tempo é o fator que indica a qualidade mutável de todos

esses aspectos, do mesmo modo que a sua estabilidade é o que mostra

inclusive os significados que

associamos a qualquer objeto (ibid., pp.70-71).

Os seis fatores apresentados acima uso, entorno, duração,

ponto de vista, discurso e experiência poderão se adaptar ao âmbito

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47

da criação dos objetos, ou seja, ao âmbito projetual. Nessa área, porém,

existem fatores claramente definidos que influenciam a interpretação de

um objeto. Diferentemente do ambiente de uso, no projetual as

informações de um objeto estão sendo ainda conformadas, definidas a

partir de requisitos previamente delimitados no projeto. Assim, a

interpretação das informações dos objetos ocorre em um nível

conceitual, no qual os profissionais envolvidos são também influenciados

por outros fatores, como os econômicos, tecnológicos e políticos.

Embora a esfera projetual esteja conectada em diferentes níveis de

intensidade à de interação, existe uma dinâmica própria da área

projetual, mais restrita, que tem como finalidade delimitar as

interpretações das informações dos objetos.

Sudjic (2010) entende que os designers e demais profissionais

envolvidos na criação de um objeto funcionam como criadores dessa

linguagem específica. Dependendo dos requisitos projetuais e de sua

autonomia em relação ao projeto, esses profissionais podem criar um

design próprio para a empresa onde atuam, ou criar um vocabulário

próprio para uma marca específica, ou, ainda, criar um design associado

a sua personalidade, sonhos e fantasias. Raymond Loewy14

, um dos

exemplos citados por Sudjic (ibid.), ficou conhecido por ser um dos

primeiros designers a utilizar a linguagem dos objetos para expressar

um design volt - (SUDJIC, 2010, p.XX)15

, que eram

extremamente valorizados pelas inovações estéticas e fortaleciam o

14 Raymond Loewy (1893 -1986) é um dos designers mais conhecidos do século XX.

Engenheiro francês, migrou para os EUA e trabalhou com projetos em diferentes

áreas do design. É comumente reconhecido pela sua atuação em prol do aumento do

consumo de produtos e pela sua atitude de autopromoção, incomum à época

(SUDJIC, 2010).

15 A questão do fetichismo é discutida em diversas áreas das ciências humanas, entre

elas as ciências sociais e a psicanálise. Em nosso trabalho, vale mencionar a

associação deste conceito com os objetos investigados na nossa pesquisa de campo,

em especial o ipod. Sudjic (2010) menciona diversos exemplos de produtos

fetichizados e comenta inclusive sobre seus próprios fetiches, exemplificando com a

descrição da compra de um novo modelo de computador pessoal (SUDJIC, 2010,

P.11-21).

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48

Figura 5: Raymond Loewy (à esquerda) e um de seus projetos (à direita), a locomotiva

Pennsylvania Railroad's S1 steam locomotive. Fontes:<http://migre.me/bpY4n>

<http://migre.me/bpY2n>. Acesso em: 10/out/2012.

Figura 4: À esquerda: William Morris retratado por George Frederic Watts, 1870,

National Portrait Gallery. William Morris, arts and crafts

Fontes: <http://www.spartacus.schoolnet.co.uk/Jmorris.htm>. Acesso: 26/jan/2013

<http://www.morrissociety.org>. Acesso: 14/out/2012.

consumo de objetos. Para Sudjic (2010), Loewy contribuiu para a geração

de novos padrões ligados ao styling, os quais interferiram em aspectos

do design modernista , representada por

uma visão de design europeia, ligada ao estilo internacional, às ideias

propagadas por William Morris16

, pela Bauhaus etc.

16 William Morris (1834-1896), poeta, artista, fabricante e socialista, é considerado um dos

grandes precursores do Design. Sua atuação profissional baseava-se em princípios do

movimento Arts and Crafts (Artes Decorativas). Seus escritos sobre a produção

industrial e artesanal continuam sendo importantes fontes de pesquisa no campo do

Design. Fonte:<http://www.morrissociety.org/morris/bio-mackail.html. Acesso em:

14/out/2012.

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49

Figura 6: Dieter Rams e rádio T3 projetado para Braun.

Fonte: <http://migre.me/bpYaB><http://dieterrams.tumblr.com>. Acesso em:

10/out.2012.

Em um sentido inverso ao uso da linguagem de Loewy, o autor cita

Dieter Rams17

, designer da empresa de eletrodomésticos alemã Braun18

,

reconhecido por criar objetos que procuravam eliminar o supérfluo,

desafiando a moda e a obsolescência ainda em ritmo e proporção

diferentes da contemporaneidade. Outro exemplo trazido por Sudjic

(2010) a respeito da relação entre objetos e seus criadores é o designer

Phillipe Starck19

. Conhecido por desconstruir padrões e convenções dos

objetos, o designer francês configurou uma linguagem para os objetos e

17 Dieter Rams (1932), junto com Loewy, faz parte da lista de designers mais conhecidos do

século XX. Designer alemão, atuou por trinta anos na Braun, empresa alemã de

eletrodomésticos. Fonte:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Dieter_Rams>. Acesso em

8/set/2012.

18 A Braun é uma empresa alemã famosa pela qualidade de seus produtos, bem como

por características de seu design, marcado pelos ideais funcionalistas. Fonte:

<http://www.braun.com/pt/world-of-braun.html>. Acesso em 8/set/2012.

19 Phillipe Starck (1948) é um designer reconhecido pela sua produção autoral, reflexo

de um estilo próprio, simbolicamente ousado e inovador. Sua condição pessoal é de

celebridade e seus projetos de design têm status múltiplo de obra de arte e de

design.

Fonte:<http://books.google.com.br/books?hl=en&lr=&id=hU1I0109JrcC&oi=fnd&pg=PA1

0&dq=%22%22quem+%C3%A9+phillipe+starck%22&ots=8I7gm4SVrS&sig=m0P4H7CnNQ

QH48my9ofSCb7CP9w>. Acesso em: 14/out/2012.

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50

ambientes relacionada a sua personalidade, sonhos e fantasias, tal como

cita Sudjic (ibid.). O espremedor de limão Juicy Salif, apresentado no

tópico anterior, é um exemplo de suas criações. O objeto que, para um

espremedor de limão, apresenta uma configuração formal

extremamente distinta de configurações convencionais, acabou sendo

valorizado por representar uma inovação estética. Para o autor, Starck

se assemelha a Loewy, em sua postura de autopromoção.

Por todos esses exemplos, pode-se observar uma dimensão da

linguagem dos objetos que reflete informações sobre a cultura de uma

nação, seus aspectos socioeconômicos, comportamentos, desejos,

fantasias e tantos outros aspectos envolvidos na invenção de objetos e na

interação com eles. É possível também deduzir que haja uma estratégia

por parte dos criadores dos objetos designers e demais envolvidos

que manipula, ou cria convenções e padrões, gerando mensagens dos

mais diferentes tipos e intuitos que incidem na interpretação e

valorização dos objetos, seja em suas finalidades, em modos de uso etc.

Trilhando essa ideia, Sudjic (2010) reflete sobre a influência do Design na

vida das pessoas. Para ele, os objetos

São o que usamos para nos definir, para sinalizar quem

somos e o que não somos. Ora são joias que assumem

esse papel, ora são os móveis que usamos em nossas

casas, ou objetos pessoais que carregamos conosco, ou

as roupas que usamos. (SUDJIC, 2010, p.21) 20

Seguindo esse raciocínio, é apropriado dizer que um objeto pode

possuir características que comuniquem21

aspectos sobre, por exemplo,

seu modo de uso, finalidade, onde era comprado, seu preço, quem

comprava, por que comprava, onde usava... Ou seja, uma série de dados

20 Essa relação dos objetos com identidades pessoais e coletivas, sugerida aqui por

Sudjic (2010), é intensamente estudada pelas ciências sociais, como a antropologia e

outras áreas de estudo que valorizam os objetos inseridos na cultura material de um

grupo, nação, sociedade etc.

21 No entanto, é importante demarcar que a comunicação se constitui também na

relação entre o usuário e o objeto.

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51

que revelam aspectos de determinado momento histórico-cultural. Em

um sentido próximo, Cardoso (2012) compreende que nenhum objeto é

simplesmente um objeto, mas é um objeto que transmite uma série de

informações. Para ele, uma cadeira, por exemplo,

[...] é uma cadeira específica, dentro de uma gama de

possibilidades, e carrega informações sobre estilo,

procedência, valor, uso, e assim por diante. Ou seja: todo

artefato material possui também uma dimensão

imaterial, de informação. (CARDOSO, 2012, p.111)

Aqui, o autor reforça a ideia de que existem dois aspectos

inerentes a um objeto, proposta por Selle (apud BÜRDEK, 2006): a

dimensão material, que diz respeito a sua configuração formal, texturas,

cores etc. e a dimensão informacional, ou seja, aquela que guarda

diversas informações sobre o objeto, potencialmente reveladoras de

dados sobre sua origem, finalidades, valor, marcas dos processos de

produção pelo qual passou, aspectos culturais relacionados à sua

finalidade e muitos outros.

Segundo Cardoso (2012), os objetos não possuem um significado

preciso e podem, inclusive, transmitir diferentes tipos de informação. O

autor defende que essa condição a que os objetos estão sujeitos é em

razão de que os processos de significação de um objeto são inerentes às

interações estabelecidas pelas pessoas com os objetos. Dito de outro

modo, pode-

entre aquilo que está embutido em materialidade e aquilo que pode ser

ão com os

objetos (ibid., p.36).

Para discorrer sobre essa condição, Cardoso (ibid.) retoma a

cadeira como exemplo, procurando demonstrar a variação de

significados que um objeto pode ter a partir desses processos de

significação, mediante a interação das pessoas com ele: uma cadeira

pode ser usada para sentar, mas também para pendurar roupas em seu

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52

Figura 7: W.W.Stool, objeto criado pelo designer francês Phillipe

Starck. Fonte: <http://ww.liveauctioneers.com/item/6048736>.

Acesso 13/07/2012

encosto, como uma escada para alcançar algo em um armário, para

empilhar livros etc. Enfim, é uma multiplicidade de usos de um mesmo

objeto que supostamente teria como seu principal significado de uso o

sentar ou o acesso a lugares altos, previsto em seu projeto. Outro

exemplo que segue nesse sentido, também apontado pelo autor, é o caso

do objeto criado pelo designer Phillipe Starck, comercializado pelo nome

, em tradução literal). Criado originalmente

para integrar um cenário de filme, o objeto é comercializado por uma

empresa de mobiliário, a qual informa que ele é um objeto escultural,

que pode ser usado como banqueta, escultura ou apoio do corpo

(CARDOSO, 2012, pp.121-122). Seu nome pode ser outra informação,

sugerindo seu uso como banqueta, embora sua aparência não remeta

explicitamente ao padrão formal conhecido para tais objetos, a não ser

por lembrar alguns aspectos, como o apoio em três pés. Esse objeto,

comenta o autor, revela um modo de projetar que parece ter a intenção

de subverter ideias preconcebidas em torno do design do objeto (ibid.,

p.123).

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53

Os dois exemplos citados corroboram a reflexão sobre a

linguagem dos objetos, ao provocar uma abertura ante as variantes de

significados dados a eles, quer estejam elas relacionadas ao objeto

mediante um design, quer sejam decorrentes das interações

estabelecidas pelos usuários, que permeiam o ciclo de vida de um objeto.

Cardoso (2012) pondera sobre esses aspectos, ao discorrer sobre o modo

como as pessoas interagem com os objetos.

O trato que reservamos para cada artefato encontrado

revela um acúmulo de juízos, crenças, valores, oriundos

de experiências anteriores e memórias, assim como de

informações obtidas indiretamente. Tendemos a

naturalizar tais significados ou seja, a considerar que

eles ocorrem da natureza do objeto e são os mesmos,

desde sempre , mas o fato é que todos eles foram

construídos e são reconstituídos continuamente por

meio da cultura e das trocas simbólicas. (CARDOSO,

2012, p.116).

As considerações desenvolvidas acima indicam que a atribuição

de valores resulta de interações e vínculos pessoais e sociais que as

pessoas criam com os objetos, que terão caráter econômico, emocional,

sensorial, afetivo e simbólico. Compreendendo os diferentes fatores e

condições que incidem nos processos de significação dos objetos,

procurou-se dar ênfase aos aspectos que influenciam esses processos

em termos gerais, deixando em suspenso aspectos relacionados à

peculiaridade de cada indivíduo.

À luz dessas articulações, serão tratados no segundo capítulo os

aspectos do macrocontexto da sociedade contemporânea segundo os

estudos de Lipovetsky (1989) e Sevcencko (2001), procurando destacar

modos de viver e valores proeminentes dentro de um recorte de tempo e

espaço que vai da metade do século XX até a primeira década do século

XXI.

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54

2. SUBJETIVIDADE E CULTURA: UM OLHAR PARA O

CONTEMPORÂNEO

O segundo capítulo deste trabalho apresenta um aporte teórico

sobre cultura e modos de vida contemporâneos, visando relacioná-los

aos modos de uso e aos processos de valoração e significação de objetos

nas interações entre pessoas e objetos. Procurou-se destacar o período

compreendido entre os anos de 1980 e 2010, por ser um momento

histórico em que se observa a introdução intensa de tecnologias

baseadas na informática e na robótica a automação industrial de base

microeletrônica alterando os modos de produção, as relações de

trabalho e, em um espectro mais amplo, os modos de viver. (ARAÚJO,

1999).

Para abordar teoricamente essas e outras mudanças ocorridas

nas últimas décadas do século XX, recorreu-se a autores que discutem o

conceito de subjetividade, tais como Suely Rolnik e Félix Guattari (2005) e

Leila Machado (1999). Além desse aporte, também foram consultadas as

contribuições de Maristela Ono (2006) e Maria Lucia Santaella (2003)

sobre o conceito de cultura, o que proporcionou uma articulação teórica

entre esse conceito e as ideias acerca da subjetividade.

Juntamente com uma breve revisão teórica sobre a subjetividade,

é apresentada a abordagem da contemporaneidade feita pelo

filósofo Gilles Lipovetsky (2004) a partir de seus apontamentos sobre o

sistema Moda, uma vez que suas considerações dialogam com o enfoque

dado nesta pesquisa acerca dos modos de vida contemporâneos

ocidentais.

Foram incluídos ainda quatro tópicos que indicam valores que se

sobressaem nos modos de vida contemporâneos com base nas

qualidades definidas por Ítalo Calvino em Seis propostas para o próximo

milênio (1990) como atributos para serem mantidos na literatura dos

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55

anos 2000: leveza, rapidez, visibilidade e multiplicidade. O objetivo dessa

estruturação é estabelecer parâmetros para fazer uma analogia entre a

subjetividade e as características de alguns objetos que integram o

campo do Design.

Considera-se, portanto, este capítulo como o fio condutor desta

pesquisa. A partir dessa articulação, pretende-se compreender o Design

e confrontar esse campo e os modos de vida contemporâneos com os

valores atribuídos a objetos.

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56

2.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE SUBJETIVIDADE E CULTURA

Segundo Guattari e Rolnik (2005), a noção de subjetividade se

relaciona aos modos de vida e de expressão humanos, tais como os

modos de trabalhar, ensinar, falar, sentir, emocionar-se fazem parte da

existência. Machado (1999) observa que o conceito de subjetividade, que

ela compartilha com Guattari e Rolnik (2005), vem questionar uma ideia

ibid., p.211), colocada como concepção

dualista que pressupõe separações e hierarquizações entre dois polos,

como em sujeito e objeto, consciência e mundo, corpo e alma etc.

Acompanhando a reflexão desses autores, é possível afirmar que a

subjetividade é um conceito que aborda as múltiplas instâncias que

permeiam e transpassam a existência, as quais não se fixam em

polarizações, num indivíduo ou num grupo.

Dito de outro modo, o sentido que se procura dar a esse conceito é

o de processualidade, que é sugerida pelo caráter dinâmico de constante

transformação da subjetividade (GUATTARI e ROLNIK, 2005). A sugestão

dessa característica pode ser percebida, por exemplo, na conexão entre

de

ibid., p.35).

As forças e instâncias que conformam a subjetividade podem ser

notadas, por exemplo, por meio da observação do modo como as pessoas

interagem com o espaço onde vivem ou pela maneira como as sociedades

inventam, produzem e transformam os espaços que habitam. Isso

engloba a configuração das cidades, da urbanização, da divisão de terras,

os modos de circulação das pessoas e transportes, os tipos de

edificações, entre tantos outros aspectos.

Para Machado (1999), as configurações que emergem nas

sociedades estão diretamente relacionadas aos modos de viver, sentir,

trabalhar etc. Segundo a compreensão da

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57

a sociedade, a natureza, a tecnologia ou os valores assumem contornos

ibid., p.214), que variam de acordo com a subjetividade22

de

cada época. Vendo por esse ângulo, pode-se entender, em termos gerais,

que a subjetividade abrange modos de viver predominantes em

determinada época e/ou cultura.

A respeito da relação entre subjetividade e cultura, é interessante

apontar uma consideração feita por Rolnik (1995), na qual a autora

entende que essa relação é indissociável. Para ela, há uma ligação entre

subjetividade e cultura que pode ser percebida pelo fato de que, quando

um perfil de subjetividade é delineado, cria-se também um perfil cultural

a ela correspondente. Ou seja, as dinâmicas de criação e transformação

da subjetividade e da cultura estão intrinsecamente relacionadas,

conforme é visto pela autora:

[...] quando uma dobra23

se faz e, junto com ela, a criação

de um determinado mundo, não é apenas um perfil

subjetivo que se delineia, mas também e

indissociavelmente, um perfil cultural. Não há

subjetividade sem uma cartografia24

cultural que lhe

sirva de guia; e, reciprocamente, não há cultura sem um

certo modo de subjetivação que funcione segundo seu

perfil. A rigor, é impossível dissociar estas paisagens.

(ibid., p. 308).

Neste momento, cabe uma pausa para que se delineie o conceito

de cultura no qual esta investigação se baseia. Entre as possibilidades

acerca de uma conceituação para a cultura, partiu-se de uma

22 Machado (1999) utiliza a palavra rede tanto em substituição aos aspectos específicos

da subjetividade de uma época quanto à dinâmica constante de criação e

desconstrução de cruzamentos e tramas, os quais representam seus aspectos em

diferentes instâncias da vida humana.

23

os movimentos de criação da subjetividade (MACHADO, 1999).

24 Cartografia é um conceito emprestado da Geografia para designar um método de

pesquisa relacionado à subjetivi Para os geógrafos, a cartografia

diferentemente do mapa, representação de um todo estático é um desenho que

acompanha e se faz ao mesmo tempo em que os movimentos de transformação da

ROLNIK, 1989, p.15-16).

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58

convergência das ponderações sobre subjetividade e cultura abordadas

por Rolnik (1995) com as proposições de Santaella25

(2003) para a

cultura, na qual a autora visa contemplar o contexto das sociedades

contemporâneas, foco do presente trabalho.

Santaella (2003), em sua exposição sobre o conceito de cultura,

parte do

(1998), Khun (1974) e Canclini (1997). Desse último, a autora destaca o

conceito das 26

, o qual procura caracterizar

ica cultural contemporânea que não se

solidifica em estruturas hierárquicas e estáveis, mas, ao

contrário, flui e se desloca ao longo de rotas impossíveis

de se prever de antemão. (SANTAELLA, 2003, p.3).

Ao trazer essa conceituação, Santaella (2003) visa articular sua

investigação baseada no conceito que considera a cultura como aquilo

que está em constante ação ordenadora e reordenadora, em uma

dinâmica desordenada. Tal conjectura indica uma conceituação que a

distingue pela presença de movimentos constantes, ou, em suas

palavras,

A cultura passa a ser vista como um conjunto de linhas

insubordinada e rebelde, ordenadora, porém, ela mesma

não ordenada, desconsiderando profanamente a

sacrossanta distinção entre o substantivo e o marginal, o

. (ibid., p.2).

25 promovido pela

Associação Cultural Video Brasil em 30/set/2003. Disponível em:

<http://www.videobrasil.org.br/14/news/port-opiniao/4Cultura.pdf> Acesso

12/jul/2012.

26 diz respeito a um conceito elaborado por Canclini (1997)

expressando a diversidade de movimentos e entrelaçamentos multiculturais que

permeiam as sociedades contemporâneas ocidentais. Para melhor entendimento,

vale consultar: CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas. Estratégias para entrar

e sair da modernidade. São Paulo: Unesp, 1997.

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59

A autora considera, pois, que o movimento das formações

de modo que uma nova formação cultural vai se integrando na anterior,

provocando nela reajustame ibid., p.5). E é

aqui que emergem com clareza elementos que apontam uma

convergência entre suas considerações sobre cultura e o exposto por

Rolnik (1995).

Cabe ainda apresentar outros aspectos das proposições de

Santaella (2003) acerca das formações culturais, os quais também

indicam possibilidades de convergência entre os processos da

subjetividade e o delineamento de perfis culturais abordados por Rolnik

(1995). Para Santaella (ibid., p.5)

jogo complexo de sobreposições e complem a cultura

continuum, ela é cumulativa, não no sentido linear,

mas no sentido de interação incessante de tradição e mudança,

pers .

Partindo desse ponto, retoma-se a propriedade de interligação

entre subjetividade e cultura compreendida por Rolnik (1995), tal como

exposto anteriormente, a qual remete ao conceito de que, à medida que

um perfil subjetivo se cria, delineia-se também um perfil cultural.

Afora os aportes de Santaella, outra contribuição que ajuda na

elaboração de um conceito de cultura mais próximo das variáveis que se

apresentam na contemporaneidade é trazida por Ono (2006), a partir de

seu enfoque da cultura e da diversidade cultural. Segundo seu raciocínio,

a cultura pode ser entendida como tudo aquilo que expressa os

processos de formação das sociedades e, ao mesmo tempo, faz parte

deles, em uma relação de correspondência intrínseca. Segundo a autora,

A cultura encontra-se essencialmente vinculada ao

processo de formação das sociedades humanas, numa

relação de simbiose, interdependente e dinâmica que

acompanha o desenvolvimento dos indivíduos e grupos

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sociais, expressando sua linguagem, seus valores,

gestos e comportamentos, enfim, sua identidade. (ONO,

2006, p.3).

Diante desse entendimento, ela observa a força de influência do

contexto social, econômico e cultural na vida das pessoas, em seus

pensamentos, ações e valores. E ainda, de modo especial, enfoca a

influência desses aspectos nos hábitos e modos de consumo dos objetos.

Entendendo-os como parte integrante da cultura material27

de uma

-se e influenciam-

se em uma relação dinâmica, no processo de construção material e

ibid., p.2).

Partindo desse ponto de vista, os objetos podem ser considerados

como parte integrante dos processos sociais de formação e

transformação das sociedades, pois se entende que, por meio da criação

construção de símbolos, a linguagem, a comunicação, as relações e

ibid., p.3).

Para que se percebessem as relações das transformações sociais

nos modos de vida com o Design e o uso de objetos, e visando estreitar a

leitura nos termos da relação que as pessoas estabelecem com os

objetos, foram também investigados estudos que privilegiam aspectos

históricos e culturais do Design. Assim, são apresentados a seguir

alguns exemplos para melhor conduzir a compreensão acerca das

relações entre subjetividade, cultura e Design.

Estudos realizados pelo historiador Adrian Forty (2007) acerca do

Design e dos objetos contribuem para a compreensão das relações entre

objetos e modos de viver, em foco nesta pesquisa. O autor traçou uma

27 O

utilizados pelas culturas humanas ao longo do tempo, sendo que, para cada

sociedade, os objetos assumem significados particulares, refletindo seus valores e

pesquisa.

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61

revisão hi

buscando relacionar a história

do Design com a história das sociedades (ibid.

explicação da mudança deve apoiar-se em uma compreensão de como o

(ibid., p.14).

A ideia de lar e de espaço de trabalho é um exemplo interessante.

O lar, tal qual é concebido contemporaneamente, mantém relação direta

com as diversas transformações ocorridas a partir da Revolução

Industrial. No período, ocorreram várias mudanças na maneira como as

pessoas ocupavam e organizavam os espaços de convivência nas cidades,

que passaram a ser organizados em espaços domésticos e espaços

produtivos.

Anteriormente, o lar era o local onde os artesãos, comerciantes e

demais profissionais exerciam seus ofícios juntamente com outras

atividades, como comer, descansar, dormir, morar. Com o advento das

fábricas e escritórios, ao longo do século XIX, houve a separação entre as

atividades produtivas formais e as domésticas, e o lar passou a ser, para

os trabalhadores, um local exclusivo para atividades da família, como

comer, criar os filhos, descansar. O escritório e a fábrica tornaram-se os

locais destinados à produção, onde havia controle do tempo e das

atividades exercidas pelo trabalhador, e regras específicas, denotando

um ambiente opressor e hostil, em contraste com o período em que

trabalhavam em casa e tinham a liberdade de decidir seu modo de

trabalho.

Esse e outros fatores influenciaram inclusive os padrões de

edificação, de urbanização, o modo de as pessoas se locomoverem, a

percepção da passagem do tempo, a percepção das distâncias, entre

tantos outros elementos que coexistem e permeiam o relacionamento

entre pessoas e espaços.

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Forty (2007) aponta que, em virtude das mudanças em relação às

atividades do trabalho e às atividades domésticas, além da separação

física entre os ambientes, originou-se uma variedade de sentimentos.

Grande parte das pessoas passou a atribuir diferentes significados ao

espaço doméstico e ao espaço de trabalho, o que provocou uma espécie

-

se, por exemplo, pelo desejo dos trabalhadores em tornar o lar um

espaço oposto ao seu ambiente de trabalho, conferindo-lhe virtudes para

transformá-lo em um local de abrigo, onde poderiam ter a sensação de

amor-próprio diferentemente do espaço de trabalho, onde prevaleciam

características opressoras.

Foram criadas inúmeras maneiras para exprimir a diferenciação

entre lar e trabalho, tais como a invenção de códigos de comportamento

específicos, o uso de um tipo de roupa para o trabalho e outro para a casa

e muitas outras, das quais aquela que mais se destacou foi a criação de

e manuais de decoração (FORTY, 2007, p.141). A produção de artefatos,

em especial a de móveis, visava a comercialização de produtos que

refletissem tais diferenciações através de suas formas, materiais, cores,

estilo etc., definidas conforme seu local de uso.

Um exemplo que pode ilustrar valores e modos de vida

proeminentes no começo do século XX são os eletrodomésticos.

Aspiradores de pó, batedeiras, fogões e geladeiras etc., amplamente

comercializados a partir da década de 1930, foram associados à ideia de

economia de trabalho no lar, visando principalmente às mulheres de

classe média do século XIX, mais do que as esposas da classe

ibid., p.280). Para essas mulheres, de modo geral, o

trabalho doméstico era associado a uma natureza humilhante e deveria

ser realizado por criadas, além de não ser reconhecido como tal por não

ser remunerado. Ao mesmo tempo, porém, difundia-se o mito de que

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uma mulher teria reconhecimento social e realização pessoal se fosse

uma boa dona de casa, tendo a satisfação sentimental como sua

recompensa. Tais ideias colaboraram para a difusão dos aparelhos

eletrodomésticos como substitutos das criadas e facilitadores do

trabalho doméstico. Embora grande parte do trabalho de casa tivesse

que ser feita manualmente, os eletrodomésticos representaram uma

alternativa para alimentar a ilusão de um status na sociedade

ibid.,

2007, p.289).

Nota-se que os exemplos acima mencionados dizem respeito a

uma observação de Guattari e Rolnik (2005) sobre as dinâmicas de

criação e modificação da subjetividade. Segundo os autores, tais

dinâmicas ocorrem nos âmbitos coletivos e individuais, da mesma forma

que a produção da sensibilidade, a produção do desejo, das

necessidades, dos modelos de comportamento etc. e é resultante de

produções sociais e individuais. Dada leitura colabora para compreender

aspectos da relação entre os objetos e as sociedades, como uma maneira

de sinalizar e identificar aspectos da subjetividade de uma época.

Outra observação que se pode fazer sobre a relação entre os

objetos e os modos de vida de uma época nos remete ao que Machado

(1999) indica: a subjetividade se caracteriza por não apresentar

contornos fixos , ou seja, está em constante transformação ela

mantém uma relação de processualidade com a história, de modo que as

modificações de suas forças componentes, tanto em intensidade quanto

em sentido, podem ser observadas na manifestação de novos modelos de

comportamento ou padrões de relação pessoal.

Com essas considerações, volta-se ao enfoque do período

compreendido pelas décadas de 1950 até 2010, apresentando-se, com

isso, no próximo tópico, considerações sobre modos de vida

contemporâneos pela identificação de alguns dos elementos e valores

que a permeiam.

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2.2 INDIVIDUALISMO, ESTETICISMO E EFEMERIDADE: TRÊS VETORES

Nas últimas décadas do século XX, ocorreram transformações que

refletiram tanto nas estruturas socioeconômicas quanto nos modos de

vida cotidianos. Sevcenko (2001) colabora em nossos estudos, elencando

exemplos dessas mudanças, tais como a proeminência da produção

industrial, a intensificação de transformações tecnológicas e o fluxo

acelerado de informações.

Concomitantemente, observa-se a emergência de alguns atributos

que atravessam a subjetividade desde a Modernidade e se acentuam nos

dias atuais. Entre eles, estão o individualismo28

, o consumismo, a

efemeridade e o esteticismo. Em diálogo com Lipovetsky (2004), esses

atributos foram brevemente abordados como forças que permeiam a

subjetividade contemporânea. Segundo suas considerações, as

transformações ocorridas ao longo do século XX tiveram como vetores de

organização algumas lógicas, tais como a obsolescência, a sedução e a

diversificação, que corroboram o aparecimento e/ou fortalecimento de

variáveis, a exemplo do estímulo ao consumo de massa e ao prazer das

novidades.

Em sua pesquisa acerca das sociedades contemporâneas,

Lipovetsky (2004) propõe uma leitura na qual apresenta suas formações

interligadas ao estabelecimento do sistema Moda29

, uma vez que os

28 É importante ressaltar que, nesta pesquisa, o termo individualismo é diverso do

senso comum, que o compreende como um valor positivo, constituinte das noções de

individualidade, privacidade, ou identidade. Nesta pesquisa, empresta-se o termo tal

como empregado e realçado nas abordagens de Lipovetsky (2004), dizendo respeito à

cultura que se formou ao longo da Modernidade e que aponta para os modos de

subjetivação que privilegiam os valores individuais em detrimento do coletivo. Nesse

sentido, cabe observar que o autor procura abordar o conceito de individualismo no

âmbito histórico, social e cultural como um dos valores que permeiam a sociedade

ocidental contemporânea.

29 e princípios ordenadores da moda.

Nesta pesquisa, a palavra Moda iniciada em maiúscula representa o sistema Moda,

enquanto que moda, em letras minúsculas, refere-se aos fenômenos dos modismos,

como nas expressões

(MESQUITA, 1999).

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princípios desse sistema se afirmaram como valores e forças que

reorientaram as sociedades durante o século XX e passaram a reger os

modos de vida contemporâneos. Para o autor, foram as forças da

expressão individual, do esteticismo e da efemeridade que possibilitaram

a configuração e instauração da Moda, e repercutiram como forças

orientadoras de uma cultura específica das sociedades globalizadas.

Tais forças vinham sendo gestadas há mais de três séculos, a partir

do antropocentrismo, da expansão do comércio e dos progressos

científico-tecnológicos, fortalecendo-se na Modernidade e acentuando-

se na pós-modernidade. Suas primeiras manifestações remetem-nos ao

período de transição das sociedades aristocráticas para as sociedades

democráticas, bem como à consolidação de seus novos processos de

funcionamento e dinâmicas socioeconômicas e culturais.

Segundo Lipovetsky (2004), a emergência da expressão individual,

por exemplo, pode ser localizada com certa clareza em diferentes

manifestações no final da Idade Média e ao longo dos primeiros séculos

da Modernidade, tais como o aparecimento da autobiografia na literatura

e do retrato e autorretrato nas artes, entendidas como expressões que

revelaram uma nova relação do indivíduo com o coletivo. Embora os

primeiros quadros ainda seguissem códigos e símbolos, e tais

manifestações, a princípio, estivessem restritas às elites, elas revelavam

um desejo de expressão e uma exaltação da individualidade, que

principiava a ser reconhecida socialmente. Conforme o autor, tais

aspectos contribuíram para um movimento de valorização social do que é

singular, corroborando o rompimento das normas tradicionais, as quais

valorizavam o coletivo.

Acompanhando o raciocínio do autor, a

seja, o gosto pelo novo e pelas mudanças foi impulsionado por essa nova

concepção de unidade social singular, a qual estimulou o direito de

diferenciação dos indivíduos em relação à coletividade. A legitimação do

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novo, acalentada pela valorização da mudança e pela nova orientação

temporal da vida direcionada pelo presente, bem como a lógica

individualista junto ao desejo de diferenciação pela aparência formaram

as novas estruturas da vida social nos séculos subsequentes.

Essas novas estruturas sociais que vinham se consolidando entre

os séculos XV e XIX ganharam força no começo do século XX, período

permeado por intensas crises e redirecionamentos socioeconômicos e

políticos. Nesse momento, nota-se um aumento de potência das forças

do individualismo, do esteticismo e da efemeridade. A lógica econômica

que se estabeleceu após a Segunda Grande Guerra, por exemplo,

começou a se pautar pela regra do efêmero, orientando a produção e o

consumo de objetos conforme os princípios de renovação e

obsolescência programada (LIPOVETSKY, 2004).

A emergência de valores e acepções culturais modernas que

dignificavam, em especial, a novidade e a expressão da individualidade

corroborou o esboço do estabelecimento, fortalecimento e abrangência

das lógicas da Moda, as quais atingiram seu ápice na pós-modernidade,

expressas em sua disseminação como vetores reorganizadores do

sistema econômico capitalista. Para Lipovetsky (2004, p.11)

lógica da inconstância, as grandes mutações organizacionais e estéticas

avanço e consolidação de tais

forças. Esse movimento é visível a partir da década de 1980, quando

houve um intenso processo de expansão das lógicas do sistema Moda

para diversos âmbitos da sociedade ocidental.

Tal cenário pode ser entendido em Lipovetsky (ibid., pp.180-181),

como o s

, nas quais não há mais regras impostas e

(ibid.), manifestadas na expansão da comunicação publicitária, na

sedução do consumo e do psicologismo, ou, ainda, na sedução do sentido,

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contrária às convicções ideológicas e aos movimentos revolucionários.

Encara-se um panorama em que a mudança, o prazer e as novidades

estruturam apoios para o funcionamento dessas sociedades.

Segundo as análises de Lipovetsky, essas qualidades

proeminentes na pós-modernidade eclodiram durante as três últimas

,

instabilidade das normas de socialização, superindividualização dos

. Foi o momento em que a Moda representou um

importante papel impulsionador de novas forças e atributos à pós-

modernidade.

Tamanha reconfiguração, baseada nos princípios ordenadores da

Moda o efêmero, o individualismo e o esteticismo influenciou uma

reorientação da cultura de massa pautada pelo hedonismo e ideais

individualistas, impulsionando o fortalecimento de valores como o desejo

pelas novidades, o desuso sistemático e acelerado e a sedução celebrada

pela aparência.

São valores que atravessaram diversos esferas da sociedade,

como o design de produtos, o design de interiores, a arquitetura, a

cultura midiática, a publicidade e as ideologias, entre tantos outros.

Nesse contexto, é possível perceber que os signos efêmeros e estéticos

da Moda tornaram-se uma exigência social. Um exemplo significativo

pode ser percebido nas estratégias de gestão e produção alicerçadas no

princípio da obsolescência programada, cujas bases emergiram nos anos

1920 e consistem, essencialmente, em criar produtos que durem menos

para vender mais, ratificados pela valorização da novidade e dos

aspectos ligados à aparência (LIPOVETSKY, 2004; MALBAREZ et al.,

2011, p.133). O ideal de culto ao novo difundiu-se em várias esferas da

sociedade, provocando descrédito em relação à tradição e ao passado.

Conforme aponta Lipovetsky (2004), nessas condições, o Design

incorporou sistematicamente a dimensão estética e a lógica da

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diferenciação na elaboração dos produtos industriais, as quais

representam o novo lugar atribuído à sedução e ao desejo de novidade. A

diferenciação, funcionando como lógica orientadora das atividades

produtivas, contribuiu para impulsionar o consumo e acabou por

estabelecer uma espécie de regra a ser seguida pelas empresas, uma

vez que, para competir, os concorrentes deveriam inovar e lançar novos

produtos, às vezes de concepção inédita, e, na maioria dos casos,

exibindo pequenos aperfeiçoamentos de detalhe dos produtos,

provocando no consumidor uma sensação de novidade.

Ao abarcar o Design segundo as lógicas da Moda, Lipovetsky (ibid.)

indica que esse campo também passou a se sustentar pelas lógicas da

Moda, demonstrando igual direcionamento para valores e forças como o

individualismo, o consumo exacerbado, a efemeridade e o esteticismo.

Tal fator pode ser compreendido pela conexão entre cultura e

subjetividade, conforme apontado anteriormente, as quais apresentam

relação direta com a produção de objetos e seu consumo.

Essa percepção é também apontada por Bonsiepe (2012), o qual

entende que o Design

[...] se distanciou cada vez mais da ideia de ”solução

inteligente de problemas e se aproximou do efêmero,

da moda, do obsoletismo rápido a essência da moda é

rápida -, do jogo estético-formal, da glamourização do

mundo dos objetos. (ibid., p.18).

Em suas observações, o autor aponta para a frequente relação,

por parte da sociedade, entre o campo do Design e as lógicas

orientadoras da Moda. É comum, segundo ele, supor que os objetos de

design são caros, inúteis ou pouco práticos, engraçados, divertidos e

coloridos.

Podem-se também notar na literatura sobre Design aspectos da

sustentação das lógicas do individualismo, expressão individual da

efemeridade e do esteticismo no campo do Design quando se expressa,

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por exemplo, a importância de englobar aspectos de autorreferência no

projeto de objetos. Baxter (2011) indica esse aspecto como uma

autoimagem

simbólico que contribui para despertar a confiança dele sobre

determinado produto. Cardoso (2012), por sua vez, comenta sobre a

importância de se transmitir aspectos da individualidade por meio de

objetos e sobre o desejo de seus usuários em se ver ali refletidos.

Quanto a esses aspectos, Lipovetsky (2004) observa uma

tendência dos consumidores em não mais se ater apenas à

funcionalidade dos objetos e serviços, mas em solicitar a experiência de

sensações, a diferenciação estética e a expressão de valores pessoais

por meio do seu uso, em uma relação com dimensões psicológicas. De

modo sintético, podem-se utilizar as palavras do autor para retratar os

modos de consumo que se desenvolveram e se aprimoraram a partir da

expansão da Moda:

Consumimos através dos objetos e das marcas,

dinamismo, elegância, poder, renovação de hábitos,

virilidade, feminilidade, idade, refinamento, segurança,

naturalidade, umas tantas imagens que influem em

nossas escolhas e que seria simplista reduzir só aos

fenômenos de vinculação social quando precisamente os

gostos não cessam de individualizar-se [...] é a era das

motivações íntimas e existenciais, da gratificação

psicológica, do prazer para si mesmo, da qualidade e da

utilidade das coisas que assume o posto (ibid,, p.174).

Essas articulações não esgotam a investigação sobre modos de

vida das sociedades contemporâneas. No entanto, buscam introduzir

aspectos que nortearam a investigação de valores que perpassam a

subjetividade contemporânea, em comparação com os valores

propagados pelo Design por meio da linguagem dos objetos.

A partir deste ponto, com o intuito de ampliar o entendimento dos

valores que servirão como princípios para análise das entrevistas, serão

elencados valores que se destacam como forças presentes nos modos de

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vida contemporâneos. Para tanto, dialoga-se com Ítalo Calvino (1990) a

partir de quatro dos seis valores enumerados pelo autor como

qualidades para a literatura e que deseja ver preservadas com a

aproximação do 3º milênio: leveza, rapidez, visibilidade e multiplicidade.

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2.3 QUATRO VALORES CONTEMPORÂNEOS

Ítalo Calvino expõe uma rica reflexão sobre seis valores literários

que estimava e sugeria que fossem continuados ao longo do 3º milênio:

leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência. Os

seis valores formavam o tema de conferências30

preparadas por ele para

um período letivo na Universidade de Harvard (1985-1986). O autor

faleceu antes de fazer todas as suas exposições, entretanto elas foram

publicadas na íntegra em livro póstumo, sob o título de Seis propostas

para o próximo milênio: lições americanas (1990). A obra concentra a

apresentação dos textos datilografados por Calvino, nos quais expõe

aquelas seis qualidades literárias com o propósito de situá-las na

perspectiva do milênio que se iniciava.

É interessante observar que o período em que Calvino escreveu

suas propostas coincide com um momento histórico de diversos sinais de

transformação da subjetividade contemporânea, os quais se insinuaram

na primeira metade do século XX e se consolidaram como modos de vida

predominantes.

Outro ponto que se releva é que as conferências escritas por

Calvino conservam uma inter-relação e se constituem como uma

tessitura. Nesta pesquisa, elas serão apresentadas e conectadas ao

campo do Design. A relevância de salientar esse estudo se deve ao fato

de entender que Bonsiepe (2011) aproxima os conceitos de Calvino (1990)

com o campo de conhecimento desta pesquisa.

Bonsiepe (2011) notou, no campo do Design, ressonâncias das

propostas elaboradas por Calvino (1990), e adotou as ideias dele para

adotar como guia na identificação e conceituação de qualidades a serem

30

Publicado após sua morte, ocorrida em 1985, o livro apresenta a reprodução na

íntegra de textos datilografados por Calvino. As conferências fariam parte das

Charles Eliot Norton Poetry Lectures: tradicional ciclo de conferências realizadas

desde 1926, para o qual escritores como T.S. Eliot, Jorge Luis Borges e Octavio Paz,

ou artistas como Igor Stravinsky foram convidados.

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72

preservadas pelo Design. O pesquisador ressalta que sua intenção foi

traçar uma aproximação com as qualidades apresentadas por Calvino

para, baseado nelas, delinear suas propostas, sem a pretensão de fazer

de seus escritos uma interpretação das ideias expostas pelo escritor

italiano.

Mais um item realçado por Bonsiepe (2011) diz respeito à

existência recente do campo do Design, se comparado ao da literatura e

à valorização cultural de ambas as áreas: o Design apresenta certa

desvalorização cultural em relação à tradição arraigada da literatura.

Além disso, o autor associa as virtudes enumeradas por Calvino à prática

projetual, dado que, em seu exercício, compreende que se deve atender a

interesses e necessidades, e a escolha para resolver essas necessidades

independentemente do fato de o desig ibid.,

p.35).

Nos subitens que se seguem, portanto, serão pontuadas quatro

das seis propostas de Calvino (1990), com articulações entre elas e as

propostas de Bonsiepe (2011), a fim de se apontarem forças e valores da

subjetividade contemporânea, os quais, mais adiante, serão retomados

em relação a alguns objetos oriundos do campo do Design.

2.3.1 Leveza

A primeira proposta é a leveza. Em seu texto, Calvino (1990) utiliza

mitos, fábulas e poesias para falar sobre o primeiro valor, pois considera

esses gêneros literários como linguagens capazes de conferir leveza,

mesmo às coisas mais pesadas.

O autor entende que a leveza de um texto pode resultar da

combinação exata de palavras que conseguem exprimir a vida sem

petrificá-la. Dito em outros termos, o autor entende que uma dose de

leveza resulta em um texto que exprime vida, ao mesmo tempo em que a

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suspende pela escrita. Essa ideia é expressa em sua seguinte

, para mim, está associada à precisão e à

determi

com uma citação de

ibid., p.28).

O escritor italiano persiste na proposta de encontrar a leveza por

meio do equilíbrio entre qualidades intelectuais e poéticas, buscando

conferir-

-lo, ele cita

o exemplo de Lucrécio e Ovídio, que, conscientes do processo de

mudança inerente a todas as formas, do imprevisível e da diversidade,

conferiram leveza a seus escritos (ibid., pp.21-22).

Calvino (ibid.) vê também nos avanços da ciência e da informática

perspectivas para a leveza, as quais são uma de suas fontes para

inspiração. Ele identifica nas imagens do DNA31

, nos impulsos

neurônicos, nos quarks32

, a qualidade da leveza:

Cada ramo da ciência, em nossa época, parece querer

nos demonstrar que o mundo repousa sobre entidades

sutilíssimas tais as mensagens de A.D.N., os impulsos

neurônicos, os quarks [...] Em seguida, vem a

informática [...] [a qual] é o software que comanda, que

age sobre o mundo exterior e sobre as máquinas, as

quais existem apenas em função do software (ibid., p.20).

Assim, Calvino (1990) observou a leveza como um dos elementos

que se sobressaíram nas mudanças provocadas pela segunda Revolução

31 ADN (ou DNA em inglês) é o acrônimo de ácido O ácido

desoxirribonucleico é o material genético de todos os organismos celulares e de

grande parte dos vírus, o qual transporta a informação necessária para dirigir a

síntese de proteínas e sua replicação. A síntese de proteínas nada mais é do que a

produção das proteínas que as células e os vírus precisam para o metabolismo e

http://www.todabiologia.com/dicionario/dna.htm>

Acesso em 21/mar/2012.

32 Os quarks são subpartículas que formam os elétrons e prótons. Fonte:

<http://www.algosobre.com.br/fisica/quarks.html> Acesso em 21/mar/2012.

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74

Industrial quando se desenvolveram tecnologias de informação,

robotização e miniaturização. Para o autor, essa qualidade pode ser vista

, que

comandam as máquinas (ibid., p.20).

A partir da abordagem de Calvino (ibid.), Bonsiepe (2011) associa a

leveza aos projetos de design e sua influência sobre o meio ambiente. O

autor faz referência, por exemplo, a projetos pautados em fundamentos

de sustentabilidade ambiental, que se aproximam de um mínimo de

impacto ambiental:

Leveza no design é um termo que deveria ocorrer,

sobretudo, quando se leva em consideração os fluxos de

materiais e de energia e de suas influências sobre o

ambiente, ou quando se registra a sobrecarga da rede

virtual com lixo digital. (ibid., p.33).

Além das características físicas, Bonsiepe (ibid.) considera outro

aspecto dessa virtude no Design

certos objetos podem transmitir (ibid., p.34).

2.3.2 Rapidez

O segundo tema abordado nas conferências de Calvino (1990) é a

rapidez. Para o autor, essa qualidade está relacionada à percepção do

tempo enquanto se lê um texto, sendo que os vetores que formam a

velocidade da leitura, como a concisão e a economia de argumento, são

configurados com base na escolha do ritmo, na métrica, na concatenação

dos fatos e na quantidade de elementos que formam um texto. Calvino

(ibid.) aponta que a sensação de rapidez será, pois, a mais adequada,

conforme for a articulação de tais elementos.

Nessa perspectiva, ele expressa sua preferência pelo conto, em

especial os populares que abordam mitos e fábulas, pois, segundo ele, o

conto popular tem como característica principal a economia de

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75

tem

o que é nomeado tem uma função ne ibid., pp.49-50).

Observe-se que o destaque atribuído à economia de expressão

sugere seu apreço pela escrita concisa. Tal característica é por ele

pontuada como uma força com potencial de traçar conexões diversas a

partir dos elementos fundamentais do texto. Para o autor, tal potencial

estimula a imaginação daquele que escreve e daquele que lê o texto,

provocando um movimento ininterrupto de conexões, imaginado por

Calvino (ibid., p.48) c

Ao ilustrar esse movimento, Calvino cita um trecho de Carlo Levi,

no qual apresenta uma descrição sobre as sensações provocadas pela

rapidez:

A rapidez e a concisão do estilo agradam porque

apresentam à alma uma turba de ideias simultâneas, ou

cuja sucessão é tão rápida que parecem simultâneas, e

fazem a alma ondular numa tal abundância de

pensamento, imagens ou sensações espirituais, que ela

ou não consegue abraçá-las todas de uma vez

inteiramente a cada uma, ou não tem tempo de

permanecer ociosa e desprovida de sensações. (LEVI

apud CALVINO, 1990, p.55).

Aparentemente distante de Calvino, Bonsiepe (2011, p.36) examina

a segunda virtude do Design do século XXI como a necessidade de uma

revisão crítica de seus princípios conceituais, ou seja, a exigência de um

exame acer

revisão se faz necessária para que prossigam as ações de design que

efetivamente introduzem mudanças viáveis e refletem uma postura

crítica frente à realidade e ao status quo (ibid., pp. 36-37). De certo modo,

essa postura crítica sugere uma aproximação com a leitura de Calvino

(1990) sobre a rapidez, uma vez que ambos tratam de conexões que se

estabelecem entre elementos e propostas projetuais.

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2.3.3 Visibilidade

Na proposta sobre a visibilidade, Calvino (1990) aborda a

imaginação e a capacidade imaginativa, antes de entrar propriamente

nas questões dos processos imaginativos.

Primeiramente, comenta sobre a fantasia e o imaginário evocados

por um autor diante de uma folha branca. Para ele, a imaginação pode

sequência, reflete sobre o imaginário indireto, ou seja, sobre aquela

instância imaginativa povoada de imagens fornecidas pela cultura. Nesse

reservado à imaginação individual nessa que se convencionou chamar de

? ibid., p.107) A partir daí, ele traça

considerações sobre os processos imaginativos no mundo

crescente inflação de imagens pré- ibid., p.111).

Diante dessa conjuntura, Calvino (ibid.) lembra que antes de tal

imaginação limitavam-se à combinatória das experiências diretas com o

reduzido repertório de imagens refletidas pela cultura (ibid., p.107).

Todavia, no período em que escrevia suas conferências, Calvino

apontava para uma dinâmica de disseminação de um repertório

-

crescentes, quer pela cultura de massa, quer por outros meios de

comunicação. Para ele, tamanho e difuso repertório passou a povoar de

modo tão intenso o imaginário pessoal que as experiências diretas

começaram a se misturar com as experiências vistas, estimuladas pela

cultura. Tais imagens são carregadas de significados sobre, por exemplo,

estilos de vida, conceitos e estados de espírito, prontas a serem

absorvidas, consumidas e ressignificadas.

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77

bomba provocou

mudanças na percepção e interpretação individual, as quais preocupam

Calvino (ibid., p. 107): de que modo tamanho repertório de imagens

poderá influenciar na imaginação individual? Ele adverte sobre o perigo

ibid., pp.107-108).

Bonsiepe (2010) aborda o termo visualidade procurando enfatizar

a importância da imagem como um meio de comunicação e a tendência

de revalorização da dimensão visual que vem se consolidando a partir

das evoluções científico-tecnológicas. Ele evidencia ainda as

transformações ligadas ao domínio da percepção, estimuladas pela

multiplicação do uso da linguagem visual, e o próprio potencial da

visualidade, ou seja, da capacidade de visualização.

2.3.4 Multiplicidade

Para discorrer sobre a multiplicidade, Calvino (1990) expõe

considerações sobre o romance contemporâneo. Tal forma literária,

explica ele, é como se fosse uma enciclopédia aberta, uma rede de

conexões entre as pessoas, os fatos e o mundo.

A multiplicidade pode estar presente na descrição dos mínimos

detalhes de um objeto, por exemplo, na descrição das dobras e sombras

de um lençol ao vento ou das cores que se formam ao pôr do sol. Nas

palavras do autor, é como se a escrita conduzisse a infinitos universos,

o de uma rede de

ibid., p.122). A multiplicidade pode também se manifestar pela

pluralidade de sujeitos, vozes e olhares que constroem um texto.

O autor entende que a multiplicidade é o grande desafio da

onjunto os diversos saberes e

(ibid., p.127).

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Bonsiepe (2010) discorre sobre o atributo da alteridade a partir do

conceito de Calvino de multiplicidade. Para ele, a alteridade se refere ao

respeito às diversas culturas projetuais existentes. É a busca da

resistência a uma visão de mundo etnocentrista e a prática de um design

que se concentra em apenas 25% da população mundial. Desse modo, o

autor sublinha o entendimento do mundo que respeita diversidades

culturais, diferenças econômicas, sociais e políticas; para ele, o respeito

à alteridade é uma atitude em prol de uma cultura de paz.

No capítulo seguinte, é sugerido um estudo sobre alguns objetos,

seus modos de uso e as relações de significado e valor estabelecidas por

seus usuários, procurando-se entendê-los como meios de expressão de

modos de vida e manifestação de aspectos da subjetividade. Para realizá-

lo, partiu-se da ideia de abordar um verbo específico relacionado à

subjetividade contemporânea, como escutar, dormir, trabalhar, passear,

relaxar etc. Selecionou-se, então, o verbo escutar, com um enfoque nos

modos de escuta de músicas, notadamente através de aparelhos de

escuta individual por essa ser uma característica marcante do período de

investigação. Faremos também uma breve análise de dois objetos o

walkman e o ipod levando em consideração seus modos de uso e de

consumo, por entender que ambos podem expressar aspectos da

subjetividade abordados nesta pesquisa.

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3. OBJETOS DE DESEJO E MODOS DE ESCUTA: INTERAÇÕES ENTRE

DESEJO, INDIVIDUALISMO E MOBILIDADE.

Neste capítulo, é apresentada uma leitura acerca de modos de

escuta na contemporaneidade, a partir de Obici (2008), buscando-se

centralizá-la na investigação dos modos de escuta relacionados a objetos

de transmissão de som, tais como o walkman e o mp333

player34

. Serão

abordados alguns dos aspectos da interação entre pessoas e sons, tendo

em vista a escuta mediada por dispositivos de escuta individual,

propiciada pelo uso de fones de ouvido.

Primeiramente, é exposto um breve histórico acerca das

transformações ocorridas no final do século XIX e princípio do XX, a fim

de sinalizar aspectos sobre modos de escuta que se sobressaem na

época contemporânea. Em seguida, são feitas considerações sobre

modos de escuta proeminentes no período enfocado pela pesquisa da

década de 1980 até os anos 2000 , procurando destacar fatores que

levaram à seleção de dois objetos para estudo junto a seus usuários o

walkman e o ipod.

Em seguida a essa abordagem acerca de modos de escuta

contemporâneos, serão levantados dados acerca do walkman, ipod e

outros aparelhos reprodutores de mp3, coletados em referências

advindas da indústria e de pessoas ligadas à sua produção, tais como

designers e o ex-diretor da empresa Sony.

33 Mp3 (mpeg player 3) é um formato de arquivo de áudio bastante difundido, que utiliza

algoritmos para comprimir dados de base digital. Foi um dos primeiros tipos de

arquivo a comprimir arquivos de áudio com eficiência e qualidade significativa.

(OBICI, 2006).

34 O mp3 player é um aparelho que reproduz arquivos de mp3 usados principalmente

para armazenar músicas. Alguns modelos combinam essa finalidade com o

transporte de outros arquivos, como vídeos e imagens, podendo ser utilizado para

visualizá-los. Ipod é o nome do mp3player da marca Apple. Fonte:<

http://teiacast.com.br/2011/07/o-que-e-o-ipod-2/>. Acesso em 10/ago/2012.

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Adiante, apresenta-se a metodologia utilizada na pesquisa com

usuários desses dois objetos, realizada por meio de entrevistas

semiestruturadas; o roteiro das entrevistas e as interpretações sobre as

informações fornecidas pelos entrevistados, visando averiguar

correspondências entre a revisão bibliográfica e os dados coletados

sobre seus modos de uso e valores atribuídos a eles.

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3.1 ASPECTOS DOS MODOS DE ESCUTA NO CONTEMPORÂNEO

A observação de modos de escuta no tempo atual, apresentada

neste trabalho, baseia-se na pesquisa de Giuliano Obici (2006), onde o

territórios sonoros delineados pelos dispositivos de registro, difusão,

codificação e compartil ibid., p.17), tais como

o microfone, o alto-falante, o rádio, a televisão, o celular e o aparelhos

reprodutor de mp3. Nessa pesquisa, são enfocadas as relações de escuta

indireta, mediada por aparelhos de difusão do som apresentadas pelo

autor.

Obici (ibid.) aponta uma série de transformações no ambiente

acústico musical, as quais se intensificaram no final do século XIX

impulsionadas por diversos fatores, como a concentração de pessoas nas

cidades e a proximidade delas com as máquinas e com as inovações

tecnológicas. São mudanças que foram agenciadas pela industrialização,

urbanização, entre outros fatores, e se seguiram ao longo do século XX.

Um dos aspectos expostos por Obici (ibid.) é a separação entre

escuta e visão, que pode ser notada com certa saliência na

contemporaneidade. A invenção de diversos dispositivos de registro,

difusão, codificação e compartilhamento de dados sonoros, como o

telégrafo, o telefone e o rádio, mudou a forma de geração, difusão e

recepção do som, bem como provocou alterações nos vínculos que as

pessoas mantêm com o som. Tais inventos possibilitaram uma escuta

dissociada da fonte transmissora de som, como, por exemplo, a audição

de música sem estar presente no local de sua produção, quer vinda de

um instrumento, cantor, ou outra fonte de som. Cabe comentar que essa

desvinculação entre visão e audição provoca diferentes maneiras de

escutar, as quais podem ser compreendidas, em termos gerais, como a

escuta direta e a escuta indireta. A primeira está relacionada ao contexto

da visão, e a segunda, a uma escuta mediada (ibid.).

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O telefone, por exemplo, criado em 1876, é apontado pelo autor

como um equipamento sonoro que causou alteração significativa, tendo

estabelecido

ibid., p.22). Isso quer dizer que a pessoa que

fala não está presente fisicamente no mesmo ambiente da pessoa que

(ibid.), esse nov

e o surgimento de outros dispositivos, como as mídias portáteis

(walkman ibid, p.22). Outro exemplo de objeto

mediador da escuta, citado por Obici (ibid.), são os aparelhos de

gravação, que possibilitaram o armazenamento, a repetição e o exame de

sons, sem a presença da fonte que os produziu. Essas e outras inovações

com o som, seja no plano da música, da comunicação ou dos sons

ibid., pp.22-23), gerando uma condição de escuta onde se

dissociam visão e ouvido, mediada por um objeto que transmite os sons.

Dos anos 1950 em diante, fatores como a ampliação e o

barateamento da tecnologia promoveram maior consumo de aparelhos

de escuta, contribuindo para a geração de outras realidades de convívio

com os sons (ibid.). É importante lembrar que esse período histórico

corresponde à Guerra Fria, às disputas econômicas baseadas na

concorrência tecnológica, ao grande crescimento econômico das

economias industriais, à chegada do homem à lua, entre tantos outros

acontecimentos e fatores que contribuíram para a ocorrência de

profundas transformações sociais nos períodos posteriores (SEVCENKO,

2001).

Santaella (2012, p.4) discorre sobre essas mudanças ao longo da

segunda metade do século XX, e destaca que os anos 1990 constituíram-

se como um período em que se concentraram transformações intensas

quanto à difusão de informações e comunicação. Essas modificações

colaboraram para uma revolução nos meios de transmissão de

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informação dos mais diferentes tipos, sejam elas sonoras, escritas,

visuais etc. As mídias digitais são um exemplo da emergência dos novos

meios de difusão de informação, as quais foram impulsionadas por uma

série de aspectos, como a propagação dos computadores pessoais, o

desenvolvimento da informática e das tecnologias digitais. Essas e outras

questões, tais como as transformações nas relações políticas e

geográficas, refletidas na intensificação da globalização, e a junção da

informática com as telecomunicações contribuíram para a configuração

de redes de transmissão de informação que conectam as pessoas em

uma amplitude global.

Seguindo esse raciocínio, observam-se sinais do aparecimento de

novos modos de difusão de informação e convívio com os sons, na

disseminação das vitrolas portáteis e dos rádios de pilha. O walkman, o

discman35

e os aparelhos reprodutores de mp3 invenções posteriores

podem ser entendidos como uma ampliação dos modos de escuta, uma

vez que ampliaram as condições para se escutar música, como a

possibilidade de estar em diversos ambientes e não necessitar de uma

fonte de energia elétrica para funcionar. Com esses objetos, pode-se

ainda observar a ampliação do acesso à música, que inclui tanto a

transmissão via rádio quanto via gravações em mídias físicas (disco de

vinil, fita cassete e CDs) e digitais (mp3) e através de transmissão pela

internet.

35

O discman é um aparelho reprodutor de CDs, também de escuta individual. Foi criado

pela empresa Sony, no Japão, em 1989.

Fonte:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Discman>. Acesso em 25/ago/2012.

Figura 8: Discman D-50, primeiro modelo do

aparelho, de 1984. Fonte: <http://migre.me/bzHdg>.

Acesso em 04/nov/2012.

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84

Obici (ibid.) observa que no mundo contemporâneo há uma espécie

de instituição da circulação intensa das pessoas, das coisas, das

uma

movimentação constante. É um paradigma que pode ser concebido, via

Obici (ibid.), com auxílio das mídias sonoras e aparelhos de som, os

quais, segundo o autor,

[...] nos acompanham em muitos aspectos da vida, como

meios de criar uma zona temporária de segurança em

momentos de solidão, ansiedade, medo ou pavor,

espera, monotonia. O celular, o mp3 player e o laptop

cumprem a função de acompanhar-nos até onde não se

imaginava ser possível: a intimidade, o espaço privado.

Isso já acontecia com as outras mídias como o livro, o

rádio, o telefone e o televisor, mas hoje a portabilidade,

os recursos, a integração das mídias e o volume de

dados são bem maiores, assim como a acessibilidade

que possibilitam (ibid., pp.87-88).

Nesse sentido, Obici (ibid.) entende que a comercialização de

aparelhos para escutar música está muito mais focada nos tipos e

maneiras de acessar a músicam, contanto que possibilitem conforto,

proteção e flexibilidade para que seus usuários possam transitar em

diferentes ambientes das grandes cidades, sentidos como caóticos.

Segundo seu raciocínio, os aparelhos para escuta individual se tornaram

ferramentas que operam velocidade, portabilidade e uma capacidade de

Figura 9: Discman modelo D121.

Fonte:<http://migre.me/bzIjm>.

Acesso em 04/Nov/2012.

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85

3.2 INDIVIDUALIDADE E MOBILIDADE: UM ESTUDO SOBRE O

WALKMAN E O IPOD

Inúmeros objetos produzidos ao longo do século XX poderiam ser

citados para ilustrar modos de viver e padrões de comportamento, bem

como transformações nas suas estruturas e dinâmicas de

funcionamento.

Nesse tópico, é apresentado um estudo sobre o walkman e um

modelo específico de aparelho reprodutor de mp3, o ipod, por serem

considerados exemplos de objetos que expressam modos de escuta

proeminentes na contemporaneidade. Além dessa condição, os dois se

destacam por possivelmente expressarem uma das forças mais

marcantes da subjetividade contemporânea: o individualismo. Até sua

invenção, os artefatos utilizados para se ouvir música, como os rádios ou

aparelhos de som, tinham projeto baseado na transmissão da música por

alto-falantes. Portanto a escuta era comumente coletiva, uma vez que os

alto-falantes transmitem o som para o ambiente. Naqueles objetos, a

escuta tornou-se individual, por se utilizar de um fone de ouvido para a

audição das músicas, sejam elas transmitidas por gravações ou

transmissões de rádio. É exatamente esse o ponto que os diferencia dos

demais objetos de escuta: o uso de um fone para ter uma escuta

individual, não compartilhada.

Na investigação deste trabalho sobre o walkman e o ipod, foram

ainda traçadas conexões com as considerações de Obici (2006), conforme

apresentado no item 2.3. Tais entrelaçamentos visam relacionar, na

etapa das entrevistas e interpretação dos dados obtidos, modos de uso

de aparatos para escuta de música aos modos de escuta que se

expressaram ao longo das décadas de 1990 e 2000. Essas relações

buscam compreender os objetos como manifestação de valores e modos

de vida proeminentes no período analisado pela pesquisa.

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A partir do estudo desses dois objetos, o walkman e o ipod, foram

realizadas aproximações entre o sujeito produtor/criador, o sujeito

consumidor e a sociedade (BOMFIM, 1984).

Enjoying the music for yourself36

(Sony Walkman Design

Classics, 1990). A declaração de Akio Morita, presidente da Sony em

1990, registrada no documentário produzido pela BBC de Londres sobre

o walkman 37

, ajuda a sintetizar as ideias que impulsionaram a sua

criação, em 1979. O aparelho de reprodução de música, que é

considerado como um design clássico pelo Design Museum de Londres

(THORNHILL, 2011), realizou a façanha de possibilitar, pela primeira vez,

que as pessoas ouvissem música segundo sua escolha, fosse pelo rádio

ou pela fita cassete, em movimento.

A ideia chave do objeto, pontuada por Akio Morita (Sony Walkman

Design Classics, 1990) surgiu a partir de observações do comportamento

musical dos jovens na década de 1970. Morita (ibid.) observa que, na

época, os jovens gostavam de ouvir música dirigindo, em casa, na rua e

que, naquele momento, os aparelhos de som eram pesados. Diante de tal

contexto, o walkman representou uma inovação que possibilitava a

qualquer um ouvir música em qualquer lugar, transportando com mais

facilidade seu próprio aparelho e, o mais importante, através de um fone

de ouvido individual sem incomodar quem estivesse ao seu redor.

Como dito anteriormente, a grande inovação desencadeada pela

invenção do walkman foi a mudança do projeto de aparelhos de áudio

para um projeto no qual o som era transmitido por fones de ouvido, ou

seja, era direcionado para dentro do ouvido do usuário.

36 (Sony Walkman Design Classics, 1990, tradução

nossa).

37 Walkman foi a palavra criada para dar nome ao aparelho e à marca de objetos

incluído no Dicionário de Inglês

Oxford, como descrição de qualquer tocador de fitas cassetes.

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Comparando-se os projetos dos rádios, aparelhos de áudio e do

walkman, pode-se observar que esse último reforçou o valor do

individualismo, permitindo que o usuário selecionasse as músicas de seu

gosto para ouvir e gravar, sem a necessidade de negociar ou

compartilhar escolhas.

Figura 10: Primeiro modelo do walkman, de 1979.

Fonte:<http://polones.art.br/blog/2011/07/06/the-walkman-day-isso-e-do-meu-tempo/

<http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Walkman.jpg>.Acesso em 19/Nov/2011.

Figura 11: À esquerda, modelo de rádio da década de 1930 aprox. À direita, rádio

portátil, sem data. Fontes: <http://migre.me/bpYKK> <http://migre.me/bpYMv>.

Acesso em 19/Nov/2011.

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Figura 12: Propaganda do "Hi-fi compact 2000", aparelho de áudio lançado no início

dos anos 1970 pela empresa Telefunken. Fonte: <http://migre.me/bpYNF>. Acesso

em 31/mar/2012.

Para o designer Kenji Ekuan38

, os ritmos e os modos de vida nas

cidades levaram as pessoas a criar seus próprios espaços pessoais, o

que ele aponta como um desejo humano fundamental39

. Seguindo esse

raciocínio, o designer entende que o walkman foi um objeto que propiciou

criar um mundo individual e privado independentemente das

circunstâncias do entorno. Tanadori Nagasawa40

(ibid.), designer

japonês, observa que a maioria das pessoas usava o walkman em metrôs

lotados, onde seus espaços privados e a sensação psicológica de

privacidade é praticamente ausente, devido à aproximação e contato

físico entre as pessoas. Neste contexto, ele entende que usar o walkman

seria como preencher o espaço pessoal com música, criando uma

espécie de concha e evitando o contato com outras pessoas. Embora seja

uma ilusão, observa Nagasawa (ibid.), a escuta através de um fone

promove uma sensação psicológica de se estar criando uma barreira

38 Presidente da GK Design Association na época da realização do documentário

produzido pela empresa de comunicação BBC, em 1990.

39 Sony Walkman Design Classics,1990,

40 Presidente da empresa Design Analysis International (DAI) em Tóquio, na época de

realização do documentário produzido pela BBC, em 1990.

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entre aquele que ouve (o indivíduo) e as pessoas ao seu redor, tendo a

sensação de preservação de seu espaço íntimo.

Em relação a essa sugestão de Nagasawa (ibid.), cabe citar um

estudo do campo da ergonomia, apresentado na publicação Humanscale

(DIFFRIENT et al, 1981), o qual expõe considerações sobre o contato

entre as pessoas e as sensações experimentadas por elas.

Diffrient et al (ibid.) apresentam mensurações sobre áreas de

contato entre pessoas, relacionando-as a sensações psíquicas. Um

outra. Para os autores, a distância íntima pode ser experimentada em

situações como fazer amor, em metrôs e ônibus, elevadores cheios etc.

entendida por Diffrient et al (ibid.) como aquela em que as pessoas estão

separadas pelo alcance dos braços e há possibilidade de contato entre os

corpos. A validade dessas medidas e categorizações é passível de

discussão, e os próprios autores observam que sua consolidação

depende de uma gama de fatores, como os culturais, o contexto do

espaço de contato, a existência de ruídos altos e pouca luz, os quais

podem dar a sensação de aproximação (ibid.). Embora a presente

pesquisa não aprofunde teorias da ergonomia, esse estudo corrobora a

afirmação citada anteriormente.

Obici (2008) dialoga com esse conceito quando apresenta seus

estudos sobre territórios sonoros, procurando abordar modos de escuta

nas sociedades contemporâneas. O autor considera que os sons, sejam

eles musicais, ruídos etc. podem criar territórios, como também

acontece com os livros, o rádio e a televisão.

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design do walkman influenciou o projeto de uma série de objetos criados

belamente detalhado, pequeno e bem feito como esse produto [o

walkman Sony Walkman Design Classics, 1990).

É interessante pontuar que, passados 30 anos de sua invenção, o

walkman representa um objeto de tecnologia ultrapassada. Porém, seu

design significou uma mudança no modo como as pessoas percebiam as

mídias eletrônicas, tal como o propõe a designer e escritora Liz Bailey

(ibid.). Para a autora, foi essa mudança que propiciou o surgimento das

mídias posteriores, a exemplo do minidisc, do mp3 e de objetos como as

câmeras digitais, os celulares, as agendas eletrônicas, o ipod, entre

tantos outros.

Ao longo das três últimas décadas do século XX, diferentes

inovações tecnológicas possibilitaram a criação de novos aparelhos de

escuta individual, como o discman e os aparelhos reprodutores de mp3,

embasados na tecnologia dos arquivos de mp3. Seguindo o raciocínio de

Bailey (ibid.), pode-se afirmar que o design desses aparelhos

acompanhou a lógica da escuta individual inventada no design do

walkman. Assim, alterações projetuais incorporaram novas tecnologias

Figura 13: Modelos de minidisc da marca Sony. Fonte: <http://migre.me/bzLb7>.

Acesso em:04/nov/2012.

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91

de reprodução de música. É o caso dos CDs, minidiscs e arquivos mp3,

bem como dos novos componentes de funcionamento que influenciaram

a aparência, tamanho, portabilidade, leveza e interface dos aparelhos.

Com essas inovações, a capacidade de armazenamento de músicas, a

facilidade de execução e a durabilidade da bateria são alguns exemplos

que, além de possibilitar a criação e escolha de repertórios musicais

cada vez mais individualizados, passaram a ser valorizados por seus

usuários.

Além desse aspecto, Bailey também destaca outro ponto

importante relacionado à concepção do walkman: ele mudou a cultura da

música, pois possibilitou que as pessoas criassem uma trilha sonora

para suas vidas e as ouvissem em diferentes momentos de seu cotidiano.

O ipod, aparelho reprodutor de arquivos mp3, criado pela empresa

Apple, pode ser apontado como o segundo objeto de maior importância

em relação aos tocadores de música com escuta individual. Esta hipótese

baseia-se na constatação de que o design desse objeto ampliou a

conexão com softwares e plataformas da internet, além de conter maior

capacidade de armazenamento de músicas e uma interface digital de

melhor compreensão e uso (FARIA e JUNG, 2011). Outro ponto que

reforça nossa consideração do ipod como objeto de estudo para esta

pesquisa, em detrimento de outros tipos de aparelhos reprodutores de

mp3, se dá pelo valor simbólico que este aparelho pode representar,

sendo produzido pela Apple. Tal associação vincula-se à constatação de a

empresa e seus produtos serem comumente associados a valores como

status, inovação e excelência de uso, tal como nos apontam Faria e Jung

(ibid.) e Sudjic (2011), entre outros autores.

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3.3 ONZE ESCUTAS INDIVIDUAIS SOBRE O WALKMAN E O IPOD

A trajetória desta pesquisa teve em vista abordar os contextos de

uso dos objetos e a observação de modos de vida na sociedade

contemporânea em um sentido amplo, horizontal. A amplitude e

proporções em macroescala levaram a identificar estereótipos, que

apareceram refletidos nas entrevistas aqui realizadas e nas pesquisas

sobre relações entre Design e atributos relevantes na

contemporaneidade.

A presente etapa enfoca a investigação dos objetos selecionados

nesta pesquisa, o walkman e o ipod, a partir de entrevistas com seus

usuários, buscando aprofundar a observação e coleta de dados sobre os

objetos em questão.

O método qualitativo de coleta de dados, aplicado nas entrevistas,

orientou-se pela necessidade de abordar diferentes pontos da relação que

as pessoas estabelecem e/ou estabeleciam com seus aparelhos de escuta

individual, tais como modos de uso, contextos de uso, relações entre

aspectos do uso e modos de vida etc. Assim, supondo haver grande

variação nas respostas, optou-se pela pesquisa qualitativa em entrevistas

semiestruturadas.

O caminho metodológico seguido na realização das entrevistas se

baseou em três referências do campo da metodologia científica: Bauer e

Gaskell (2002), Mazzotti e Gewandsznajder (2002), Moreira e Caleffe

(2008). Suas abordagens orientaram a seleção do tipo de entrevista,

nesse caso, a semiestruturada, bem como sua realização e

interpretação.

A entrevista semiestruturada consiste em um método de pesquisa

qualitativa, no qual se espera que o entrevistador tenha desenvolvido

previamente um referencial teórico ou conceitual em que irá se basear

para escolher o tema da entrevista. O mesmo vale para a escolha das

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questões centrais, os chamados tópicos-guia, e das pessoas a serem

entrevistadas (BAUER et al, 2002, pp.64-67).

Desse modo, antes de concretizar as entrevistas, o pesquisador

cria um roteiro de perguntas que guiarão o entrevistador ao longo da

entrevista propriamente dita. Cabe observar que o pesquisador pode

simultaneamente desempenhar o papel de entrevistador ou designar

outra pessoa para realizar a tarefa. Neste trabalho, a pesquisadora fez o

papel de entrevistadora.

O roteiro de perguntas é alicerçado pelas questões centrais da

pesquisa e ajuda a criar estímulos para alimentar a conversa entre

entrevistador e entrevistado. Ele também contribui para que o

entrevistador permaneça concentrado no tema a ser investigado. Na

presente pesquisa, o roteiro construído para as entrevistas pautou-se

pelo referencial teórico apresentado nos capítulos 1 e 2. Assim,

formularam-se perguntas sobre os objetos, seus modos de uso e sobre a

percepção de valores a partir dos quatro valores pré-definidos com base

nas propostas de Ítalo Calvino (1989), apresentadas no item 2.3. Junto a

esse referencial, criaram-se outras questões decorrentes da pesquisa de

Obici (2006), visando abordar aspectos do uso dos objetos de escuta

individual, e sua relação com modos contemporâneos de escuta e de

vida.

Para elaborar esse roteiro, os assuntos foram divididos em três

categorias de análise: a) aspectos que influenciam os processos de

atribuição de significado aos objetos, seguindo os apontamentos de

Cardoso (2012), que os indica: uso, entorno, duração, ponto de vista,

discurso e experiência mencionados no capítulo 1; b) funções dos

objetos segundo as categorias apontadas no item 1.2: função simbólica,

de uso e técnica (ONO, 2006) e c) valores que se sobressaem na

contemporaneidade e permeiam os modos de vida atuais, baseados nas

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propostas de Calvino (1989): leveza, rapidez, visibilidade e

multiplicidade.

A realização das entrevistas se deu em diferentes locais, sem que

houvesse uma pré-seleção de ambientes ou fosse estabelecido um

critério para tal; contudo, cada abordagem foi feita individualmente.

A seleção dos entrevistados baseou-se em quatro critérios: ter

idade entre 25 e 50 anos, conhecer o walkman, ter usado um walkman,

conhecer o ipod e/ou aparelhos reprodutores de mp3 e, se possível,

possuir um objeto desse tipo ou usar algum tipo de objeto que

proporcione a escuta individual, como os celulares, que podem ser

usados com fone de ouvido, têm capacidade de armazenamento de

arquivos mp3 e podem também propiciar a escuta de rádio.

Cabe observar que se ampliou a gama de objetos estudados para

outros modelos e marcas de aparelhos reprodutores de mp3, pois

observou-se que os entrevistados pouco ou nada comentaram sobre

diferenças de uso entre ipods e aparelhos de mp3. Além disso, alguns

entrevistados não possuíam ipod, mas utilizavam aparelhos

reprodutores de mp3. Desse modo, a hipótese sustentada sobre a

importância de se tratar o ipod como um objeto de estudo diferenciado

nas especificidades desta pesquisa deixou de proceder após a realização

das entrevistas.

Assim sendo, é importante referir que foram incluídas as

respostas dos entrevistados que mencionaram objetos semelhantes ao

walkman e ipod, tais como celulares e aparelhos reprodutores de mp3 de

outras marcas. Isso se justifica pelo fato de essa pesquisa enfocar os

modos de escuta individual com fone de ouvido, a criação de repertórios

musicais individuais e a possibilidade de ouvir música em diferentes

lugares e situações. Portanto, objetos com projetos semelhantes, ou

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seja, com design que contemple os requisitos fazem parte do escopo da

pesquisa.

Para definir a quantidade de entrevistas a serem realizadas,

foram seguidos os critérios apontados por Bauer e Gaskell (2002).

Segundo os autores, se há pontos iguais recorrentes nas entrevistas,

denotando repetição de respostas sobre os conteúdos, é hora de concluí-

las. Para eles, esse fenômeno é uma manifestação da construção

coletiva de experiências acerca de um tema de interesse comum,

resultante de processos sociais. Por isso, no presente caso, das

entrevistadas foram escolhidas 11 pessoas, uma vez que as respostas

começaram a coincidir.

Entende-se que o tema abordado pelas entrevistas é de interesse

comum, já que walkman, ipod e aparelhos reprodutores de mp3 são

objetos conhecidos por grande parte das pessoas que vivem em cidades.

Além desse aspecto, outra razão que limitou o número de abordagens foi

o limite de tempo para realizá-las, tendo em vista a expectativa de obter

melhor aproveitamento na fase de interpretação dos dados produzidos

pelos depoimentos.

Para fazer a interpretação das entrevistas, primeiramente

transcreveram-se as 11 inquirições a partir de suas gravações. Ressalte-

se que essa etapa demanda boa parte do tempo da investigação; porém,

trata-se de um importante estágio, pois, concomitantes às transcrições,

surgem espontaneamente os primeiros apontamentos da interpretação

dos dados. O processo da transcrição envolve atenção e uma escuta

repetida das entrevistas, de modo a anotar as falas com a máxima

precisão possível. E é nesse processo da escuta repetida que o

pesquisador refaz o percurso das abordagens, captando nuances e dados

presentes nas declarações, ampliando sua leitura e traçando conexões

entre os dados obtidos nas entrevistas e seu referencial teórico (Bauer;

Gaskell, 2002).

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Após a transcrição, das respostas de cada entrevistado foram

destacadas frases e palavras relevantes para a pesquisa e elementos

relacionados às categorias de análise. Nesse processo, pôde-se verificar

se estavam sendo abrangidos as categorias de análise e os assuntos de

interesse enfocados na pesquisa. Em seguida, foram destacados os

trechos mais significativos de cada entrevistado, a fim de transpô-los

para o texto da dissertação, procurando relacioná-los a cada categoria de

análise. Na seleção e transposição daqueles trechos para o corpo da

dissertação, buscou-se contemplar o conteúdo apresentado nas 11

entrevistas. Em toda essa fase, foram feitas três leituras completas de

cada entrevista e uma por uma repassada três vezes adicionais, com

olhos postos em cada categoria.

Na etapa de interpretação dos dados, foi importante recordar a

dinâmica das entrevistas. Por exemplo, ao conversar com os

entrevistados, foi necessário gerar estímulos para abordar o assunto,

evitando que a entrevista se assemelhasse a um questionário. Assim, o

entrevistador precisava ser criativo e sensível para usar o roteiro de

perguntas e, ao mesmo tempo, aproximar-se do universo de cada

entrevistado para envolvê-lo no assunto em questão. Ao ouvir novamente

as entrevistas, coube ao entrevistador rememorar aspectos da conversa

com cada pessoa, tais como os emocionais e psicológicos, bem como

elementos do ambiente onde se encontravam. Conforme apontam Bauer

e Gaskell (2002), tais aspectos podem provocar diferentes estímulos,

influenciando a interpretação das perguntas e a emissão de respostas.

Segundo seu entendimento, fica ressaltada a importância da observação

desses fatores, que complementam a leitura e interpretação dos dados.

Cabe observar que, neste trabalho em especial, notadamente na

etapa de seleção dos dados e de sua interpretação, foi necessário

considerar o fator da passagem do tempo afora as categorias de análise

apontadas anteriormente. A dimensão histórica, além de influenciar os

processos de atribuição de valores aos objetos, apareceu em diferentes

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respostas, da qual se destaca um aspecto: a memória que cada

entrevistado produziu sobre os objetos em questão, principalmente

sobre o walkman41

42

. Constatou-se que os 11 entrevistados não utilizam

o walkman e que se passaram em média 10 anos desde a época em que o

haviam usado. Portanto, observa-se que o ponto de vista dos

entrevistados é constituído por elementos de seu repertório acerca do

walkman, ipod e aparelhos reprodutores de mp3 e por elementos

advindos da memória produzida sobre eles, acessados durante a

entrevista. Nota-se que o ponto de vista do entrevistador também se

pauta pelos mesmos elementos e que ambos os olhares, do

entrevistador e do entrevistado, estão permeados por referências e

experiências geradas ao longo de suas vidas. Desse modo, as

interpretações dos dados obtidos nas entrevistas levam em consideração

importa é lembrar que tudo é passível de mudança no tempo inclusive

41 O walkman teve sua maior comercialização nas décadas de 1980 e 1990, notando-se

uma diminuição crescente nas vendas após a invenção de novas tecnologias, como o

CD, o minidisc, entre outros. Fontes:<http://migre.me/bpYQF>

<http://migre.me/bpYSo>. Acesso em: 15/junho/2012.

42 A Sony continuou produzindo aparelhos de escuta individual com o nome walkman,

uma vez que ele consolidou a marca desse tipo de objeto comercializado pela

empresa. Porém tais objetos são fruto de projetos baseados em tecnologias de

reprodução de música diferentes dos aparelhos anteriores, os quais eram baseados

nas fitas cassetes e rádio e que são o foco dessa pesquisa. Fonte:<

http://www.sony.com.br/default.html> Acesso em: 30/set/2012.

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3.3.1 Interpretação sobre Escutas: Modos de uso e valores que

permeiam a subjetividade contemporânea

A partir deste ponto, apresenta-se a interpretação dos dados

obtidos nas entrevistas sobre a relação entre os objetos e os modos de

vida proeminentes na época atual, bem como aspectos que influenciam

os processos de atribuição de significados e valores aos objetos. Este

tópico é permeado por trechos das falas dos entrevistados, articulados

ao conteúdo da pesquisa. Na transcrição das entrevistas, são respeitadas

as falas, que são apresentadas tal como foram ditas, o que equivale a

dizer que erros de português, gírias etc. não foram corrigidos.

A primeira parte do texto mostra brevemente uma visão geral

sobre as onze falas. A segunda foi organizada a partir das categorias de

análise nominadas no primeiro capítulo uso, entorno, duração, ponto

de vista, discurso e experiência , as quais se baseiam nos

apontamentos de Cardoso (2012) acerca dos fatores que influenciam a

produção de significado dos objetos. E a terceira parte, com maior

enfoque na relação entre modos de vida e design, foi estruturada para

apresentar as interpretações dos entrevistados sobre leveza, rapidez,

multiplicidade e visibilidade articulada aos conceitos apresentados no

capítulo 2.

A comunicação dos significados e valores atribuídos pelos

entrevistados a seus objetos perpassa as entrevistas do começo ao fim,

sendo possível detectar associações de ideia com mais de um significado

para os dois objetos, o walkman e o ipod. Notou-se também que a idade e

a profissão dos entrevistados foram direta ou indiretamente associadas

aos significados narrados, porém o tipo de atividade desempenhada,

como por exemplo, escrever, exercitar-se etc., e os aspectos envolvidos

em sua realização tiveram maior grau de relação com os significados e

eu uso para

descansar eu uso para me concentrar verbos de ação.

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3.3.1.1 Visão geral

De modo geral, sobressaíram-se nas onze entrevistas dados que

revelam aspectos do repertório de cada entrevistado, resultantes, em

sua maioria, da memória de suas experiências com os objetos em

questão. Isso se deve ao fato de que os temas abordados nas entrevistas

enfocam as interações e vínculos estabelecidos entre as pessoas e esses

objetos, pois que os significados e valores a eles atribuídos são fruto do

usar, usufruir e admirá-los.

Notou-se que o walkman, de modo especial, mantém uma relação

com o passado, inclusive por ter sido, dos três objetos pesquisados, o

primeiro a ser criado e por sua produção e comercialização terem sido

finalizadas em 201043

. As duas frases abaixo representam essa

referência ao passado. Nelas pode-se perceber que os entrevistados

fazem comparações entre o tempo em que o walkman era

comercializado e os objetos e tecnologias que surgiram depois:

[...] É porque realmente, você trouxe um aparelho do

passado (André).

[...] hoje ele [walkman] é aquele sistema de som portátil

pra fita cassete, que é uma coisa que caiu em desuso

rápido por conta do mp3 (Nilton).

43 Aparelhos celulares e reprodutores de mp3 podem ainda ser encontrados com a

marca walkman, pois a empresa Sony usou o nome do antigo aparelho de fita cassete

para designar sua marca de aparelhos de escuta individual.

Figura 14: À direita, mp3 player NWZ-B172F, à

esquerda, aparelho celular Android Walkman

Z MP3 Player ambos da marca Sony.

Fonte: <http://migre.me/bzLrS>/

<http://migre.me/bzLDU>.

Acesso:04/nov/2012.

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Alguns entrevistados comentaram sobre a memória que têm dos

objetos e o que eles representaram em sua vida, ou seja, revelaram a

lembrança da época e do uso daqueles objetos:

O walkman acho que é isso, ele significou pra mim, é, em

dois momentos diferentes, mas ambos da memória,

porque ficou a memória da expedição, daquela coisa da

descoberta. E o momento também de, de gravação de

memória, de ter, de ter isso, registro [...] Era ter aquilo,

e aquilo é... Poder andar, poder ouvir o que

eventualmente eu quisesse ouvir, mas... Se eu tivesse

que lembrar de alguma música ou alguma memória

musical eu diria que foi o som da minha casa. O walkman

me trouxe o momento, e não o walkman em si, a música

que eu ouvia nele. É diferente (Juliana).

Eu posso lembrar de mim, que quando eu vi achei,

assim, o máximo. Eu só pensava em mim, andando na

rua, eu consegui só... Eu não sosseguei enquanto

comprei... Passava nas Casas Bahia ou sei lá, na me

lembro direito, naquela época, e via aquele aparelho na

vitrine...Era juntar dinheiro pra comprar um aparelho

daquele, porque aquilo, era o aparelho que eu precisava

(André).

É legal... o walkman. Ele fez assim é... Foi uma das

coisas, que trouxe assim... Uma alegria, uma felicidade.

Né?! Uma motivação. Era gostoso você ter um aparelho.

Porque, é assim, o aparelho, pra você ter uma ideia, o

walkman, como ele era, era um aparelho novo, né?!

Vamos pensar... (entrevistadora:Você lembra, não tinha

nenhuma outra coisa parecida na época?) É, não, não

tinha mesmo. Era um aparelho novo. Inventaram. Não

era um... Reinventaram o rádio e o toca fitas, vamos falar

desse jeito (André).

Afora os aspectos sobre a passagem do tempo, ao responder as

perguntas sobre o walkman e o ipod, os entrevistados revelaram modos

e situações de uso, elementos de suas rotinas e, ainda, indicaram

preferências musicais e comentaram sobre as sensações propiciadas ao

se ouvir música.

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3.3.1.2 Uso, entorno, duração, ponto de vista, discurso e experiência

Nas perguntas direcionadas para o contexto de uso dos objetos,

os entrevistados narraram situações em que usavam (ou usam) os

objetos, relacionadas às ações que desempenhavam (ou desempenham).

Parte das respostas apresentou-se associada a situações de

deslocamento e aos meios usados para tal, como carro, ônibus, metrô,

trem ou a pé. Além do meio de transporte, outras informações podem ser

retiradas das falas que expressam ideias sobre situações de

deslocamento. No trecho abaixo, o entrevistado relaciona o uso do

walkman companhia

cumprir suas tarefas de office-boy, tais como ir ao banco, ao correio,

entre outros trabalhos administrativos, numa época em que esses

serviços eram feitos presencialmente:

A ideia era ter esse som andando junto comigo. Porque

até então o som, a música que eu escutava e que acho

que todo mundo escutava era nos lugares. Ou em casa,

ou no carro, porque os aparelhos que tocavam estavam

fixos nos lugares. E o walkman foi que levou esse, a

música pra junto com você, pra onde você fosse. [...] Ou

eu tava num ônibus, ou eu tava andando na rua e, cara, é

muito solitário você andar na rua como office-boy,

sabia?! [...] E o walkman era a minha companhia na

época (André).

De modo semelhante ao de André, Juliana relata o uso que

descobriu para seu aparelho reprodutor de mp3 quando morava em uma

cidade e tinha que viajar até outra para trabalhar:

[...] ele foi meu c

faço nada nessa viagem, quando eu vou e volto, às vezes

eu tenho que providenciar um livro e tal, e às vezes ouvir

música faz bem, não quero ler às vezes, eu quero ouvir

música (Juliana).

Nas duas falas, observa-se a recorrência da palavra companheiro,

o que pode nos fazer compreender que, ao escutar música, o usuário

sentia-se menos só. Próximo ao sentido do uso do aparelho dado por

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Juliana e André está a fala de Nilton, com a menção ao uso da música

para se distrair em determinadas situações:

[...] Ah, isso dá pra lembrar. Lembro que eu usava em

viagens, é... Principalmente viagens Santos São Paulo,

viagens rodoviárias que eu fazia com uma certa

frequência pra visitar primos etc. Basicamente, o

walkman, em viagens. (Nilton).

No trecho destacado a seguir, Nilton amplia essa noção do uso dos

aparelhos de escuta individual em suas atividades cotidianas:

Eu acho que é uma coisa extremamente prática, uma das

coisas boas que a tecnologia nos trouxe, que é a

possibilidade de ouvir música, que é uma coisa que

existe desde a pré-história, em qualquer lugar, em

qualquer situação e acaba trazendo entretenimento pra

um mundo tão estressante como o que a gente vive

(Nilton).

Podem ser encontradas também nos depoimentos passagens que

dão conta da finalidade e da atividade relacionada ao uso dos referidos

objetos, tais como descansar, brincar e de práticas em que há alguma

necessidade de distração, como se vê nos seguintes trechos:

[...] no início era [...] pra minha distração, pro meu

relaxamento, então colocava as fitas em, em viagens...

Então ia escutando, ia de ônibus e escutando o, as

músicas que eu selecionava (Paulo).

[...] Ele só tinha finalidade de ouvir música se eu tava na

rua, junto com os meus amigos, mas no momento dessa

de expedição. Mas mesmo porque o walkman, o que eu

me lembro naquele momento, eu não consegui tirar o

fone e todo mundo ouvir (Juliana).

Eu gostava de escutar andando de bicicleta [sozinha], às

vezes no quarto, sozinha (Patrícia).

[Associa a música] a atividades que eu preciso

transcender aquela atividade, por exemplo, correr

(Nilton).

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No escritório eu fico bastante tempo com o, com o fone

assim, que há muito tempo eu trabalho escutando

música (Adriana).

É... Quando eu punha o fone eu ficava mais concentrada.

Engraçado que hoje em dia no trabalho, sempre trabalho

com música, escutando no computador. E eu...tipo, às

vezes eu nem percebo a música que tá tocando, sabe?!

Eu penso no trabalho. Por causa do fone (Jéssica).

Eu usava muito dentro de casa, eu lembro. Não saía

tanto com ele na rua, mesmo porque você sempre fica

Era mais pra não incomodar meus pais, pra ouvir

música, coisa desse tipo (Cristina).

[...] Então o walkman era essa coisa da portabilidade, de,

de levar, de poder escutar uma música que não seja sua

casa e tal [...] era poder escutar as minhas músicas em

qualquer lugar, na hora que eu quisesse. É... Sem ter

encheção de saco (Lucas).

Eu gravava as coisas que eu queria falar. Eu comecei

meio que fazendo um diário com, com esse walkman.

Nesse momento ele virou muito mais gravador do que,

do que o walkman mesmo de, de ouvir (Juliana) 44.

As respostas sobre o contexto de uso podem ser sintetizadas

pelos verbos: deslocar-se, movimentar-se, trabalhar, exercitar-se,

entreter-se, relaxar, concentrar-se, conviver, ter privacidade,

registrar sons. Nos três últimos trechos, porém, emergiram dois

elementos diferentes: o ouvir música sem incomodar os outros, na fala

da Cristina, ou sem ser incomodado, na fala do Lucas, e o uso do

walkman como gravador para ter registros pessoais. Os elementos que

Cristina e Lucas apontam referem-se diretamente à escuta individual

que, de maneira implícita, está nos demais depoimentos. Essa questão

da individualidade será novamente abordada mais adiante.

44 Nesse trecho da entrevista, Juliana descreve o uso que fazia do segundo aparelho

walkman que teve, aos 14 anos de idade. O primeiro que teve foi aos 9 anos.

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Segundo as falas sobre contextos de uso, à medida que os

entrevistados apresentavam suas informações, outros dados

complementavam seus depoimentos. Esses dados indicam

características sobre a configuração formal dos objetos, seu tamanho e

seu peso, por exemplo, e estão diretamente associados às situações em

que usavam ou usam os objetos. Junto a eles também foram elencadas

particularidades sobre modos de funcionamento, tais como sua operação

a pilha, os tipos de mídia usados para escutar e gravar música, o modo

de gravação e o modo de interface entre aparelhos de reprodução e de

armazenamento de música (toca-discos, computadores e rádios), a

escuta por meio de fone de ouvido etc.

Para ilustração, na fala de Luciano, apresentada a seguir, os fones

de ouvido ganharam ênfase em relação aos outros aspectos. Tal ênfase

é atribuída aos fatores novidade e liberdade propiciadas pela escuta

individual, embora essa última esteja associada a aspectos que ensejam

a portabilidade do aparelho. Outros atributos foram elencados pelos

entrevistados, como praticidade, leveza e pequeno tamanho, descritos

como requisitos do objeto, que dão facilidade e colaboram para sua

utilização nas situações de uso descritas acima e estão, portanto, inter-

relacionados. Três passagens selecionadas e transcritas abaixo

demonstram as relações entre configuração formal, modos de

funcionamento e situações de uso:

[...] saíram os tocadores de cassete, mas eles não eram

estéreo e não tinham esse conceito de fone de ouvido. O

conceito de fone de ouvido também foi um conceito,

assim, muito ímpar, muito único. Porque ele te dava, ao

mesmo tempo, uma certa liberdade, que você poderia...,

liberdade até de você ouvir sua própria música e não

precisava ligar o som alto e dava também, o fato do

walkman ser pequeno, te dava a liberdade de, de levar

onde você queria. Só pra você ter uma ideia. Naquela

época a gente saía de moto, e moto naquela época era

um conceito meio rebelde... Moto naquela época... A

gente saía de moto e usava o walkman junto com a moto.

Então a gente ficava ouvindo o walkman, pô... Uma

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sensação de liberdade total, imagina! Não precisa

carregar carro nas costas e não precisa carregar

aparelho de som nas costas era um conceito muito... Foi

muito revolucionário (Luciano).

Olha, tem muitas coisas diferentes de ouvir num

walkman. Principalmente é você ter a sensação de, da

liberdade mesmo, vamos supor, você tá na rua, tá

chovendo, tá frio ou calor, tá sentindo o vento no rosto, e

você continua escutando som. Entende? Não é aquela

coisa que, por exemplo, você tá no aconchego da sua

casa, no quentinho e desliga tudo e cai no frio, ou cai

num outro, temperaturas, sem a trilha sonora indo com

você. Então, acho que os principais motivos são esses,

né?! Você mudar de ambiente e temperaturas e até

mesmo conversar com várias pessoas ouvindo música,

que era o que eu fazia. Entrava no banco e saía e aí

tava...Vários ambientes sem falar do fator é...do...de

manter você sempre num alto astral (André).

[...] foi uma coisa que foi importante, e o, a maneira que

ele era, o tamanho, uma coisa muito fácil de transportar,

né?! Levava pra tudo quanto é canto. Era... prático. Pra

época, né?! (Paulo).

A sensação de liberdade citada nas falas de Luciano e André

pode ser considerada a revelação de aspectos da individualidade dos

entrevistados. O modo individual de escuta e a possibilidade de ouvir

música em situações de deslocamento, ou ainda a escolha de um

repertório musical individual, apontam para exercícios de autonomia de

escolha. A questão da liberdade emergiu, de modo indireto, em todos os

depoimentos. A fala de Nilton, destacada a seguir, revela claramente

esse aspecto, pois ele declara utilizar o fone de ouvido em casa por

conviver com uma pessoa que não tem os mesmos gostos musicais que

os seus:

[...] eu peguei tanto o hábito de usar o fone, que eu, por

exemplo, não tenho estéreo em casa, a gente não tem

em casa nenhum sistema de som... Até porque eu

convivo com uma pessoa que tem gostos musicais

diametralmente opostos aos meus... (e a entrevistadora

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pergunta: É?! Ah, entendi... Aí fica cada um no seu

quadrado?) Com certeza (Nilton).

A valorização da individualidade pode também ser percebida nas

entrevistas, em aspectos que revelam a necessidade de criar um espaço

individual, como foi notado em outro exemplo, pelo exercício da

autonomia para ir e vir. O gosto musical e a seleção de um repertório

também são elementos que indicam a demarcação da individualidade.

Nota-

, sem precisar esperar pela aceitação de outros ouvintes ou ter a

preocupação de incomodar alguém, pela característica da escuta

individual por meio do fone, tal como se comentou anteriormente. Na

época em que o walkman foi criado, havia outros aparelhos que

gravavam música e possibilitavam a criação de repertórios musicais

individuais, porém a escuta particular através do fone de ouvido

individual potencializou a sensação de liberdade e escolha.

A possibilidade de se criar um repertório pessoal de músicas,

quer na fita cassete, no caso do walkman, quer com as listas de

reprodução, no mp3/ipod, apareceu associada à ideia de invenção de uma

trilha sonora particular, que pudesse ser ouvida em momentos

específicos, que suscitasse emoções, ou ainda como trilha musical de

situações corriqueiras. A possível interpretação para tais associações

mostra um vínculo entre a escuta de uma música determinada e seu

potencial para estimular outras sensações na pessoa que a ouve, visto

que todos os entrevistados narraram efeitos da música. Notou-se que, ao

falar desses efeitos, eles complementaram com a descrição das

situações e atividades que se relacionavam ao efeito esperado da música,

tais como situações de monotonia, repetição, estresse e concentração

mental.

Para se organizarem os depoimentos relativos aos efeitos

apresentados, pode-se criar uma compilação relativa a três sensações:

prazer, relaxamento e concentração. Cabe observar que essas

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sensações foram fortemente associadas a situações em que o

entrevistado estava desempenhando uma atividade individual em um

ambiente coletivo, onde a escuta individual propiciava algum tipo de

benefício pessoal, tais como o descrito abaixo:

[Associa música] a atividades que eu preciso

transcender aquela atividade, por exemplo, correr. Eu

acho que fica muito monótono. Eu gosto de correr, mas

fica monótono sem a música. A música, ela te estimula.

(Uso) pra passar o tempo né? Sentir que o tempo passa

mais rápido, sentir que aquela atividade que, pura e

simples, ela é tediosa, ela passa a ser mais agradável,

ela passa a ser, ela corre com mais tranquilidade

(Nilton).

[...] Nossa, porque eu preciso muito da música. A música

funciona muito como estímulo pra mim. Então eu tenho

até a minha programação de músicas, que eu uso pra

correr... Lá pelo minuto tanto que eu sei que eu vou tá

cansada, tem tal música que eu fico mais animada...

Então ela serve de estímulo (Adriana).

[...] Ah, é... Música é estado de espírito, né?! Tem dia, de

manhãzinha, tem dia a vontade já vem escutando Iron

Maiden, sabe?! (Paulo).

[...] Eu associo a situações que eu queria ficar mais

sozinha. Tipo, não situações, não épocas, mas

momentos. [...] Ah, eu sentia mais assim, eu pensava

mais nas coisas quando eu tava com o fone. Mais nas

coisas do que na música, sabe?! (Jéssica).

A música cria um ambiente [...] é a música faz parte de

mim. Faz parte. Então eu levanto de manhã escutando

música. Claro, o meu gênero de música hoje, né?! Não

essa invasão de gente que passa com o carro, com o som

no último volume, invadindo... (André)

Hoje mais do que nunca. Não dá mais. Eu não consigo, a

minha vida ficaria sem graça sem música [...] Que, com a

música eu não to comigo mesmo, eu to com o meu

sentimento, to lidando com eles, assim, tentando, não

deixar afetar (André).

[...] Eu sou, fui muito, fui um cara muito musi..., sempre

fui muito musical desde criança [...] Então no início era

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mais pro meu, pra minha distração, pro meu

relaxamento, então colocava as fitas em, em viagens...

Então ia escutando, ia de ônibus e escutando o, as

músicas que eu selecionava, né?! (Paulo)

Eu adorava pedalar ouvindo música [...] Ah, ficava assim,

tudo à volta ficava em segundo plano, né?! Você ficava

muito conectado à música. Era legal isso, essa sensação.

Essa sensação que me fazia gostar assim de ouvir, de

ficar me isolando, com os meus pensamentos, ouvindo

as musicas que eu gostava... (Patrícia).

[...] Às vezes eu levava quando, quando ia pra aula de

inglês que aí minha mãe demorava um pouco pra buscar

(Cristina).

Uma boa parte dos entrevistados citou a sensação de prazer em

criar suas próprias listas de músicas, a partir de combinações de

ordem de reprodução, classificação de gênero musical etc. Paulo e

Luciano também falaram sobre os processos na criação e realização das

listas musicais, destacando o caráter manual, ou melhor, menos

automático, quando se tratava da gravação em fitas cassetes e sua

reprodução em um walkman. Os trechos destacados abaixo nos

comunicam e representam essas questões:

Eu tenho músicas que eu gosto, tenho seleções, eu

organizo nos programinhas de, de, de edição de som, de

bibliotecas de música, né?! Mas, o negócio vai

automatizando tanto, você vai... É como o Flüsser fala,

dos funcionários, né?! O cara só tá apertando o botão, a

máquina tá decidindo o que fazer, como que vai ser a

disposição. Escutar música hoje em dia é muito isso,

você só bota o negócio e deixa acontecer o que tá

acontecendo lá, você nem tá se preocupando no que você

tá escolhendo, no que você não tá. É, acho que é isso.

Sabe?! Entendeu?! (Lucas).

Assim, você tem que, eu tinha que gravar num certo

volume, né?! Então tinha que aumentar o volume por

causa disso. Pra compensar o... Realmente eu nunca

gravava num volume muito alto, porque o aparelho ele já

conseguia ... esse aí, toda vez que eu ia gravar, pra

colocar a fita no walkman, se gravava sempre um pouco

mai, mais, maior, mais alto pra poder compensar isso

(Paulo).

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Eu não comprava fita. Eu gravava do LP as minhas

próprias fitas. [...] Então a gente comprava a fita, virgem,

-

disco pra rodar e fazia uma ligação direta entre o

receptor do toca-disco, né, e o toca-fita, e às vezes a

gente tinha a possibilidade de ter isso embutido, e aí o

toca-disco gravava direto no toca-fita (Luciano).

[...] era todo manual, nós tínhamos que fazer o fade-in

manual [...], significa baixando o som, tinha que fazer,

não era automático, tinha que fazer baixar o som na

mão. Então o toca-disco ia terminando a música, a gente

tinha que sacar até que número a fita dava, por exemplo,

você voltava a fita inteira pra descobrir que ela ia até o

531. Então quando começava a chegar no 525 a gente ia

baixando o som pra cortar e dar aquela atenuação do

som, né?! Era tudo manual, tinha toda uma lógica. Era

muito legal! (Luciano).

Outro dado interessante de se observar aparece na fala de Lucas,

destacada a seguir. Trata-se da diferença entre a produção de seleções

musicais em fitas cassetes para ouvir no walkman e a criação de listas de

músicas, as chamadas playlists, para se ouvir com aparelhos

reprodutores de mp3. Lucas comenta o trabalho que envolvia a criação

de seleções para as fitas cassetes, que demandava mais criatividade e

coordenação entre os tempos de cada faixa musical e o espaço disponível

na mídia, ou seja, a fita cassete.

Porque hoje, como eu me relaciono com esses mp3

players e walkmans da vida é muito diferente de como

eu me relacionava quando tinha o cassete. Porque era

uma coisa muito... Porque é uma construção minha,

assim... Então por mais que fosse, hoje eu to na internet

e eu escolho o que eu quero, antes não, eu tinha um

trabalho de colocar um CD ali e gravar no CD. Ou um

amigo me emprestou um CD que eu não tenho e eu pus

lá e gravei no cassete. Ali tinha uma construção, de uma

edição, que hoje em dia é muito automático, as pessoas

nem percebem que, que você faz isso, sabe?! Era um

tesão você colocar lá a fitinha no negócio e apertar o play

rec juntos e você gravar uma fita cassete pra depois

botar no seu walkman [...] Gravava tudo. Pegava, lá em

casa tinha o aparelho, aí eu dava o play lá nos CDs das

bandas que eu gostava e gravava no cassete, fazia as

minhas edições e, e escutava o que eu gostava.(Lucas).

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A individualidade pode ser percebida de modo um pouco mais

excêntrico nas falas de Paulo e Juliana, transcritas abaixo. Nelas, é

perceptível um tipo de ligação entre a pessoa e o objeto: é como se a

identidade:

[...] Nossa! Quase todo momento. Quando esquecia

parecia que não tinha uma parte. (Paulo)

Hoje o iphone é a vida dele. / Aham... / Entrevistada: Aí,

é a vida de alguém, tá vendo?! É a vida dele... (Juliana)

De todas as falas sobre o uso dos aparelhos de escuta individual,

auferiu-se outro ponto relevante para interpretação nesta pesquisa: a

relação do walkman e dos aparelhos reprodutores de mp3 com as

atividades esportivas. Essa associação encontra apoio nos discursos em

torno do walkman quando de seu lançamento, em 1979, através dos

meios de comunicação45

. Nas propagandas em revistas, televisão etc.,

apareciam imagens de uso do walkman associado à ginástica, dança e

outros exercícios físicos. É oportuno lembrar que, ao longo da década de

1980, houve um fortalecimento dos aspectos relacionados aos cuidados

com a aparência do corpo, bem como à criação e valorização de

estratégias e técnicas que promovessem, por iniciativa dos próprios

sujeitos, a boa aparência e seu bem-estar. E com isso, a consequente

multiplicação de academias de ginástica, a diversidade de inovações

cosméticas e cirúrgicas etc. (MESQUITA, 2004).

45 Para conhecer algumas imagens, sugere-se consultar o videodocumentário

produzido em 1990 pela BBC (Sony Walkman Design Classics, 1990) e Du Gay et al

(2000).

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Do exposto acima, podem-se inferir dados sobre as relações

produzidas pelos entrevistados entre suas experiências e as

representações socioculturais dos objetos, que remetem à análise das

funções simbólicas atribuídas aos aparelhos de escuta individual. É bom

lembrar que os significados e valores atribuídos aos objetos estão

vinculados a processos que envolvem tanto aspectos subjetivos quanto

sociais. Entende-se que os dados mencionados podem ter influenciado

tanto os modos de interagir dos sujeitos com seus objetos como as

informações registradas na memória de cada entrevistado. Contudo,

esses processos de produção de sentido e valor são mutuamente

influenciados e mediados tanto por elementos que advêm de repertórios

socioculturais quanto por aspectos pessoais peculiares, tais como as

informações em suas memórias, percepções e experiências vivenciadas.

No tópico a seguir serão apresentadas as relações que os

entrevistados estabeleceram entre os objetos e os quatro valores:

leveza, rapidez, visibilidade e multiplicidade (conceituados no capítulo 2),

bem como os significados que aparecessem em cada relato.

Figura 15: O uso do walkman associado à dança e à ginástica aparece em uma

propaganda veiculada na televisão. Fonte: Vi Sony Walkman Design

1990.

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3.3.1.3 Leveza, rapidez, visibilidade e multiplicidade.

Para articular os valores atribuídos aos objetos, o pressuposto

desta pesquisa foi questionar a existência ou não de associações entre

leveza, rapidez, multiplicidade e visibilidade, entendidos como valores

relevantes na subjetividade contemporânea, e os aparelhos de escuta

individual escolhidos para este trabalho. Procurou-se dar espaço para

que o entrevistado interpretasse o significado das quatro palavras, sem

induzi-lo a um conceito específico.

Para a leveza, o significado atribuído pelos entrevistados foram os

quesitos peso e tamanho dos objetos, aspectos que foram associados à

facilidade de transporte e à simples compreensão de suas funções e da

operação para se ouvir música. Nesse sentido, o entendimento de leveza

dado pelos entrevistados aproxima-se do conceito de Calvino (1990), pois

a facilidade de transporte e de compreensão do modo de funcionamento

lembra elementos que o autor cita para caracterizar a leveza, como a

precisão e a concisão.

Na maioria dos relatos, a medida do peso e do tamanho do

walkman foi dada pela comparação entre esse objeto e os subsequentes,

como o mp3player e o ipod. Alguns entrevistados disseram que os três

objetos eram leves; outros, que o walkman não o era e que os dois outros

aparelhos, sim.

É, você vê que... Aí entra uma época. Se você me

perguntasse numa época seria algumas questões. Hoje,

é outra, né?! Com certeza leveza hoje é impossível

associar ao walkman, porque naquela época ele era

pesado. Pesar da gente não sentir o peso dele porque a

gente não tinha uma referência maior ou menor peso de

um aparelho igual. Ele era o único. Então o peso que ele

fosse ia ser...É que nem o celular. Eu me lembro do meu

primeiro celular, ele era um tijolão, pesadaço, não tinha

uma outra referência, então ele seria aquele aparelho

pesado, não era pra discutir o peso nem o tamanho

(André).

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Nossa, leveza, rapidez, visibilidade e multiplicidade... É

engraçado, porque hoje fazer essa associação com o

walkman, ela... Na época fazia sentido, hoje parece que

não faz tanto sentido porque... Os walkmans, por

menores que, né, por mais que eles eram pequenos

assim, eles eram grandes, né?! Então, não sei... Era mais

leve do que um rádio. Portátil. Né?! (Adriana).

De modos diferentes, Lucas e Paulo deram outras conotações de

leveza para o walkman. O primeiro entendeu a leveza em relação ao peso

e ao tamanho do objeto, pensando também na possibilidade de ouvir

música por meios diferentes, através do rádio ou da fita cassete, por

exemplo, e, assim, associou o walkman à leveza. O segundo depoimento

revela que a leveza diz respeito à praticidade do transporte:

Na verdade ele era meio trambolhudo, porque, pô, você

tinha a caixinha, mais o cassete, mais as pilhas, e você

sempre levava pilha extra, porque o negócio acabava

rápido. Nunca foi leve, não. Na época que eu escutava

[...] Essa coisa de pilha. Era muito, não tinha pilha

recarregável. Era um saco ter que ficar carregando

pilha, sabe?! E eles não eram a bateria. Então você

sempre tinha que ter. Mas era legal que, ao mesmo

tempo que ele tinha o cassete, ele tinha rádio também.

Então às vezes você enchia o saco das suas fitas,

colocava lá o rádio. Ah, acho que é isso, do leveza

(Lucas).

O walkman, pelo fato do tamanho da fita, de caber dentro

de um bolso, né, de uma jaqueta, cabe tranquilamente, é

fácil de transportar. Mais em função disso (Paulo).

Questionados sobre a possibilidade de associação entre leveza e

os aparelhos reprodutores de mp3 e o ipod, os onze entrevistados

encontraram facilidade em responder. Além das características de peso

e tamanho, também associaram a leveza à capacidade de

armazenamento de músicas propiciada por esses aparelhos. Nesse caso,

há outro elemento que se sobressai e que remete a um pormenor

pode ser percebida, por exemplo, na proeminência dos softwares

comandando máquinas e sistemas, facilitando a comunicação entre as

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pessoas e influenciando o design dos aparelhos, que apresentam

tamanho e peso cada vez menores.

O mp3 essa coisa da leveza é mais portátil, é mais

simples, que hoje em dia é um trequinho de nada, você

leva gigas e gigas de música, e... E tá lá, né, você tem um

monte de músicas, é rápido, você escuta, se você tem

acesso à internet você pesquisa, procura, faz não sei o

que. É... e o outro é agilidade? (Lucas)

Bom, aí eu acho que a leveza tem muito a ver, porque

hoje o... Tem o ipod que é um clips que você prega na

roupa. Então assim, pra fazer exercício ele é bem mais

leve, é bem mais prático. E aí nesse caso acho que entra

também a, aí multiplicidade dele porque enfim, você tem

ele de vários tamanhos. Pode usar ele pra armazenar

música, vídeo, é... Arquivos, até ele vai, eu acho

(Adriana).

Leveza também, super leve, menor ainda, ó o tamanho

disso. Inclusive existe hoje, pessoas correm muito com

os mp3. Correm muito, né, escutando música, né. Então

ele cabe. Já existe até agasalhos que têm um bolso do

mesmo tamanho assim, ele cabe ali diretinho, você

coloca dentro daquele bolso ali, aquilo ali, e tem alguns

suportes também, né (Paulo).

Leveza, sim. Porque é uma coisa portátil, tanto o

discman quanto o iphone, dadas proporções, né?!

(Jéssica).

A rapidez foi associada à agilidade e à facilidade/dificuldade

operacional, tanto para se escutar música quanto para se criar ou

adquirir mídias de áudio (fitas cassete, CDs e arquivos digitais) e

armazená-las nos aparelhos, como é o caso dos aparelhos de

reprodução de mp3 e ipods.

Essa interpretação coletiva tende ao senso comum, tal qual em

relação à leveza, mas também remete a aspectos apontados por Calvino

sobre a rapidez (1990). O autor salienta a importância da concatenação

das partes que formam um texto, como o ritmo e a métrica, para

produzir a sensação de rapidez ou de lentidão. Para ele, a concisão

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contribui para a produção de conexões entre as partes e o todo de um

texto, estimulando-a, o que, no caso em análise, pode ser lido pela

conexão entre as funções práticas dos objetos e as formas de uso

(escolher músicas, produzir listas, reproduzir aleatoriamente ou em

sequência definida etc.).

(Sobre o ipod) A rapidez sem dúvida, porque você tem

milhões de músicas, você gira ali rapidinho, escolhe o

artista, muda o artista, muda da música pro vídeo, volta

do vídeo pra música. Alguns têm as rádios também, mas

aí é mais podcast assim, que baixa, né?! (Adriana).

(Sobre o walkman) Acho que a rapidez seria mais no

sentido, e aí também talvez entraria a multiplicidade

dele, você poder levar pra qualquer lugar, aonde

quisesse escutar uma música ali, ele tava junto

(Adriana).

A visibilidade foi amplamente associada ao valor simbólico de

status. Csiksentmihaly e Rochberg, citados por Coelho (2006),

compreendem que o valor de status é atribuído a um objeto segundo os

seguintes aspectos: raridade, idade, preço e associação do objeto com

uma pessoa proeminente, ou seja, se um indivíduo de certo prestígio

utiliza um objeto, determinado valor pode ser-lhe atribuído. Campanhas

publicitárias que convidam atores de televisão, comumente celebridades,

para aparecer usando o objeto em uma propaganda são exemplo disso.

Outro exemplo é revelado no trecho abaixo da fala de Adriana sobre o

walkman

mais pelo item ali, de ter o walkman, as pessoas

tinham... E às vezes, às vezes em viagem, escutava ali,

era mais isso assim... (Adriana).

Em outras falas, a atribuição desse status aparece por meio de

outras palavras:

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Nossa, eu ver aquele aparelho na loja, ou alguém com

aquele aparelho, eu queria ter aquele aparelho... era um

aparelhinho legal, tinha uma qualidade de música boa,

sem falar que ele não era só rádio, era toca-fita (André).

Era o sonho de consumo da minha vida, era aquela coisa

mais mágica de ver na televisão... Hahahaha (Juliana).

Visibilidade?! É, ele chama a atenção (o walkman).

Quando você tava escutando as pessoas acho que

olhavam pra você, só porque você tava com aquele fone

de ouvido, não sei o quê. Era um negócio que... É, eu

acho que assim, chama a atenção. Chama. Até hoje

chama a atenção. Até hoje em dia você vê as pessoas no

metrô com aquele quadradinho no pescoço e o negócio...

(Lucas).

Ah, porque hoje ter um iphone é super legal... É super

legal ter um iphone. Na época, eu num lembro, mas na

época devia ser super legal ter um discman também

(Jéssica).

É?! Hoje em dia, essa coisa do mp3 todo mundo quer ter,

né?! Todo mundo quer mostrar que tem um fonezinho

branco, que é o negócio da Apple, que se for, é branco,

ah, é o da, é aquele que é legal. É... Hoje em dia, tá

voltando essa moda de fone, de headphone grande, né?!

Que tampa a orelha inteira. Isso eu acho legal, né,

porque a qualidade do som é muito superior e tal

(Lucas).

Outra interpretação para a visibilidade foi relacionada aos

aspectos aparentes dos objetos, tais como as características estético-

formais expressas na fala de Paulo:

Visibilidade eu penso num... Na beleza dele, né. Assim,

em como a pessoa vê assim, que às vezes você até vai

comprar e você vê, é bonito, o meu era super bonito, o

vidro, do walkman era todo fumezinho, verde sabe?!

Então, fumê o vidro, verde, então ele era muito bonito né.

Esses aqui são mais assim, em termos de parte bonita

não têm nada, né (Paulo)

Aliás, mais as pessoas, chama, as pessoas quando, vão

mais por visibilidade do que pelo aquilo que ele pode

tocar né, pode reproduzir. Eu já penso aquilo, né, a coisa,

ele é bonito só que às vezes a... a... O nível de ruído que

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ele vai trazer pra mim, de qualidade, não é suficiente

(Paulo).

Em duas entrevistas, a visibilidade não foi associada ao ipod, pois

a interpretação dada a esse conceito remetia ao valor de status, devido

às possíveis dificuldades de se possuir um aparelho como esse:

Visibilidade?! Puxa, visibilidade eu não sei... Eu não sei

se ele hoje, eu acho que talvez ele é muito mais comum

do que talvez o walkman era pra época. Então eu acho

que hoje você ter o ipod não tem tanta visibilidade

quando tinha ter um walkman assim. Eu acho... Não sei,

que hoje tem tantos, tem o ipod, tem o mp3, enfim, todo

dia sai um diferente, eu acho que essa questão,

associada à moda como era, enfim, comprando os dois,

não sei se é bem isso assim (Adriana).

Visibilidade eu acho que hoje em dia já é uma coisa tão

comum, que não traz tanta visibilidade (Cristina).

Adriana e Cristina, por entenderem que a visibilidade se refere à

posse e raridade de um objeto, julgam que o ipod não se associa a esse

valor, uma vez que há maior oferta de tipos de aparelhos reprodutores

de mp3 e de preços em comparação com a época em que tinham o

walkman. Nilton comenta, em outro momento da entrevista, sobre essa

facilidade de possuir um aparelho reprodutor de mp3:

[...] porque o mp3 ficou muito barato, porque se você for

olhar, até vendia o walkman no camelô, mas o mp3 é

muito mais barato e você tem muito mais acesso hoje

(Nilton).

As interpretações dos entrevistados para a visibilidade mantêm

uma relação com imagens, quer sejam projetadas e produzidas para

gerar um repertório acerca dos dois objetos, quer sejam imagens

internalizadas pelos próprios usuários. Isso remete a um dos aspectos

destacados por Calvino (1990) ao tratar da visibilidade como relativa aos

processos imaginativos no mundo contemporâneo e ao questionar se o

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-

A interpretação das entrevistas também leva a Lipovetsky (2004),

quando comenta a exacerbação do valor da imagem, seja por meio do

discurso das aparências pessoais, seja articulada pela publicidade ou

pela cultura de mídia, conectada à originalidade e à novidade em

diversos sentidos que podem ser observados de modo contundente,

especialmente a partir de um enfoque dos meios de comunicação. Nesse

contexto, a visibilidade também pode ser notada como um vetor

fortalecido da subjetividade contemporânea e entendida como um dos

fatores que estimulam o individualismo, entre outras forças que

permeiam a contemporaneidade.

Valer-se de diferentes modos de reproduzir música pelo rádio,

pela fita cassete ou por arquivos de áudio digitais oi a associação

estabelecida pelos entrevistados para a multiplicidade. Além da

diversidade de modos de reprodução, armazenar e reproduzir outros

tipos de arquivo, como imagens e vídeos, foi citado como uma função

adicional dos aparelhos, remetendo à ideia de multiplicidade de usos e

funções.

Na verdade, o negócio [mp3 player] virou um curinga,

né?! Essas coisas digitais, você escuta música,

transporta arquivos da faculdade. É... Passa vídeos e

coisas pra outros amigos, então o negócio vira

multitarefa (Lucas).

Talvez a multiplicidade talvez tenha mais relação pra

mim porque [...] Eu tive dois momentos com o walkman,

ele foi meu gravador e meu, meu aparelho pra ouvir

música [...] (Juliana).

Porque dava pra ouvir música, gravar e ouvir rádio, né?!

(Nilton).

[...] multiplicidade, porque acho que na época tinha a

possibilidade de você ouvir a fita e o rádio (Cristina).

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Multiplicidade eu acho que pro iphone. Ele é usos

múltiplos, além da música (Jéssica).

[...] você poder levar pra qualquer lugar, aonde quisesse

escutar uma música ali, ele tava junto (Adriana).

Ah, isso aí, isso é legal, multiplicidade. Essa coisa né,

você bota lá o que você quiser, você faz a tua edição de

fita do jeito que você quer, você bota música clássica,

um jazz, você coloca um samba, coloca o que for. Isso

que é muito legal. E quando tudo se cansa, você escuta

uma rádio, que tem lá milhões de rádios AM e FM,

estação 1, 3, 2, sei lá, o que for, e... É legal. E hoje em

dia, com mp3 é mais ainda, né?! Porque ele, além de tá

tocando todas essas músicas você tá levando arquivo,

você tá fazendo, levando foto, você tá imprimindo não sei

o que, tem até impressora que você espeta o negócio, já

imprimi, não precisa de ter interface com o computador.

É, multiplicidade é uma palavra bem forte pra tudo, o

que virou o walkman e o que é um walkman hoje, né?!

Que vai, não existe hoje um instrumento eletrônico que

só toque música, existe?! Ele sempre tem que ter uma

funçãozinha a mais que senão não vende. É... é... Acho

que é isso, multiplicidade. O que mais que é

multiplicidade?! Multiplicidade pela Itunes Store

também, né?! Você tem tudo ali. E na Itunes você só não

compra, você compra livros, você compra não sei o que

mais, é... É bem múltiplo isso (Lucas).

Nesta fala de Lucas, podem-se destacar elementos que

demonstram os inúmeros modos de uso de um objeto, a variedade de

funções e a interface com outros objetos, como apontado por outros

entrevistados. Esses elementos são convergentes com a conceituação

traçada por Calvino a respeito da multiplicidade, na qual ele entende que

cada palavra, elemento do texto ou objeto tem potencial de gerar e

Em outro trecho da fala de Lucas acerca da multiplicidade,

observa-se a continuidade dessa ideia, na qual também se podem

verificar diferenças no tipo de relações que as pessoas criam com os

objetos:

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[...] ao mesmo tempo surge esses cara funkeiro indo no

busão e no metrô que querem escutar a música sem

fone de ouvido. De uma forma bem excêntrica, é uma

multiplicidade bacana, né?! Porque, enquanto o cara tá

lá no (som), naquele puta som pesado, o outro tá lá

acesso a isso, é fácil, é barato, não é mais caro (Lucas).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS: ASSOCIAÇÕES ENTRE OBJETOS E

VALORES PRESENTES NA CONTEMPORANEIDADE

O design é um campo de possibilidades imensas no

mundo complexo em que vivemos [...]

(Rafael Cardoso) 46

As décadas compreendidas entre os anos 1950 e 2000

representam um período de emergência de mudanças no campo do

Design, percebidas na manifestação de diferentes enfoques e tópicos que

o permeiam, tais como questões metodológicas e projetuais, técnicas e

tecnológicas, além de aspectos relacionados à comercialização, à

circulação e ao consumo dos objetos.

Inúmeras variáveis contribuíram para essas mudanças, entre elas

a flexibilização da produção industrial, a intensificação de

transformações tecnológicas, o fluxo acelerado de informações e as

mudanças no sistema econômico no ocidente, delineadas por aspectos do

fenômeno que se costuma denominar de globalização. Referência?

Junto às transformações socioeconômicas, percebem-se

variações nas forças que atravessam a subjetividade, as quais foram

apontadas por Lipovetsky (2004) como individualismo, consumo,

efemeridade e esteticismo, as quais vinham, desde a Modernidade,

estabelecendo suas potências, acentuadas na contemporaneidade.

Em diálogo com o autor, nesta pesquisa tais atributos foram

enfocados para que se compreendessem e delineassem algumas das

transformações ocorridas ao longo do século XX. Pautou-se pelo estudo

do autor para se elencarem especialmente algumas lógicas que

percolam os modos de vida contemporâneos, a exemplo da

46 (CARDOSO, 2012, p.134).

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obsolescência e da expressão individual. Assim se procede, a fim de que

essas lógicas possam ser relacionadas com o campo do Design, uma vez

que elas permeiam suas práticas e estão possivelmente ligadas ao

aparecimento e fortalecimento do estímulo ao consumo, ao prazer das

novidades, entre outras variáveis que delineiam a subjetividade nos dias

atuais.

Com tal intenção, coube a esta pesquisa melhor compreender as

inter-relações entre o Design e os modos de vida contemporâneos, no

intuito de convergir para a investigação de conexões entre objetos e

valores pertinentes a esse contexto. Para tanto, destacou-se um dos

tantos verbos que configuram os modos de vida ouvir música foi o

enfoque da pesquisa, neste estudo sobre modos de escuta, bem como

sobre os dois objetos: o walkman e o ipod.

Aqui foram constatados, por meio do depoimento de onze pessoas,

significados e valores atribuídos aos dois objetos, que mantêm conexão

com as forças e lógicas enfocadas neste trabalho, especialmente a

individualidade, a efemeridade e a mobilidade. Assim, é oportuno

lembrar Guattari e Rolnik (2005), que comentam o fato de a criação do

walkman

pessoas e a música, tendo ela passado a migrar de um aparelho

fontes externas.

Para os autores, a invenção do walkman foi também a invenção de um

universo musical, pautado pela escuta individual, seja pela escolha do

repertório, seja pela escuta em si, feita de forma personalista, através de

um fone de ouvido.

Pela perspectiva dos estudos culturais, Du Gay et al. (2000), por

sua vez, entendem que o walkman faz parte da cultura contemporânea,

pois sua criação influenciou diversas práticas sociais, como a sensação

de estar em dois lugares ao mesmo tempo e/ou fazendo coisas

diferentes e simultâneas. Isso é exemplificado em ações tais como andar

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de metrô ou ônibus e ouvir música, ou trabalhar e ouvir música

simultaneidades capazes de ativar um espaço imaginário e uma

de um princípio que permeia o significado de portar um walkman desde

sua criação, e que passou a ser compartilhado por um número cada vez

maior de pessoas com acesso ao produto. Nas palavras dos autores, o

walkman

Nossas cabeças estão cheias de conhecimentos, ideias e

imagens sobre a sociedade, como ela funciona e o que

significa. Pertencer a uma cultura fornece-nos acesso a

tais estruturas compartilhadas ou "mapas" de

significado que usamos para fazer e entender as coisas,

de "fazer sentido" do mundo, formular ideias e de se

comunicar ou trocar ideias e significados sobre o

assunto. O Walkman está agora firmemente situado

sobre os "mapas de significado" que compõem o nosso

'know-how' cultural. (DU GAY et al., 2000, pp.8-10,

tradução nossa).

O entendimento de Du Gay et al. (2000) corrobora os estudos

apresentados por Sudjic (2010), para quem o Design nas sociedades

contemporâneas ocidentais se apresenta como uma linguagem não

verbal, transmissora de [...]

com que se molda [...] objetos e confecciona mensagens que eles

ibid., p.21). Nesse sentido, o autor comenta que:

O papel dos designers mais sofisticados, hoje, tanto é ser

contadores de histórias, fazer um design que fale de

uma forma que transmita essas mensagens, quanto

resolver problemas formais e funcionais. Os designers

manipulam essa linguagem com mais ou menos

habilidade ou encanto, para transmitir [...] história.

(SUDJIC, 2010, p.21).

refere demonstram como os objetos se vinculam aos modos de viver e de

conviver, sonhar, consumir etc.. E como os designers podem se apropriar

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das relações entre objetos e subjetividade para atribuir ou reforçar

significados e valores.

Essa relação foi discutida por Breslau (2010) a partir da premissa

de que o ato de projetar pode influenciar e configurar realidades. Para

ele, tal argumento parte do princípio de que os objetos são sensíveis,

interagem com seus usuários, reagindo às ações envolvidas nas relações

de uso e usufruto. Em suas próprias palavras,

[Os objetos] se relacionam mais como fruição do que

como uso propriamente dito. O utente, por outro lado,

deixa de ser passivo, não interativo, estático, para atuar

como criador-interagente. (BRESLAU, 2010, p.26).

Seu entendimento está intimamente relacionado aos processos de

significação comentados por Cardoso (2012), que se conectam às

experiências individuais e coletivas, ao entorno e ao contexto onde se dão

as interações de uso. Está relacionado também ao ponto de vista da

pessoa que interage com o objeto, aos discursos que proliferaram e se

criaram em torno desse objeto etc.

Breslau (2010) compreende que as variações de significado e valor

dadas a um objeto referem-se a todos esses aspectos e estão

intimamente ligadas à individualidade de cada usuário. O autor contribui

para o entendimento e ampliação dos processos de significação e

atribuição de valor expostos por outros autores, como Sudjic (2010) e

Cardoso (2012). Para ele, cabe ao Design

lógica clássica dos sentidos, para ganhar toda uma nova sensibilidade

, assim,

que tenham em potência a fruição poética própria do brincar como modo

Em um momento histórico em que o individualismo, o esteticismo

e a efemeridade se revelam como forças proeminentes nos modo de

vida, a capacidade de criar e atribuir significados e valores aos objetos

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absorve um caráter múltiplo. É uma qualidade que lembra o movimento

ininterrupto dos ziguezagues imaginado por Calvino (1990, p.48) para

representar dinâmi

acontecimentos, puntiformes, suscitam uma abundância de

pensamentos, sensações e imagens.

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ANEXO 1: ROTEIRO DAS ENTREVISTAS

Nome / Idade / Profissão

Perguntas:

­ Você conhece o Walkman? Teve um?

­ O que é um Walkman para você?

­ E o que faz você querer um walkman?

­ Como você usa? E em quais situações? (Você costuma andar a pé? E

de transporte coletivo?)

­ Você sente diferença em ouvir música pelo walkman? Por quê?

­ Você tem um aparelho de tocar mp3?

­ Poderia me dizer quais as suas funções? E qual é a mais importante

pra você?

­ Você vê diferença entre um walkman e outros aparelhos

reprodutores de música, de uso individual? Quais?

­ Você conhece o ipod? Tem um?

­ Você vê diferença entre um ipod e os outros reprodutores de mp3?

Quais diferenças?

­ Vou te falar 4 palavras e gostaria que você me dissesse quais delas

podem ser associadas ao walkman: leveza, rapidez, visibilidade,

multiplicidade. Você pode me dizer por que cada uma delas se associa

ao walkman?

­ Vou te falar 4 palavras e gostaria que você me dissesse quais delas

podem ser associadas ao walkman: leveza, rapidez, visibilidade,

multiplicidade. Você pode me dizer por que cada uma delas se associa

ao ipod?

­ Gostaria de falar algo mais sobre seu aparelho reprodutor de

música?

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ANEXO 2: PERFIL DOS ENTREVISTADOS

Data da

entrevista

Idade Profissão Local da

realização da

entrevista

Duração

da

entrevista

Nilton 12/07/2012 35 Jornalista Restaurante

André 14/07/2012 45 Livreiro Na livraria dele

(após o horário de

trabalho)

Paulo 16/07/2012 51 Prof. Educação

Física

Na academia onde

trabalha, durante

seu intervalo

Jéssica 16/07/2012 24 Engenheira Restaurante

Juliana 16/07/2012 29 Administradora Casa da

entrevistadora

Lucas 16/07/2012 29 Publicitário e

assistente

fotográfico

Restaurante

cafeteria

Adriana 18/07/2012 29 Arquiteta Restaurante

Luciano 18/07/2012 50 Engenheiro Via skype

Cristina 20/07/2012 30 Arquiteta Casa da

entrevistadora

Patrícia 23/07/2012 37 Advogada Escritório dela

Viviane 23/07/2012 37 Advogada Escritório dela