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Indústria Farmacêutica de Pesquisa: Novas terapias, novos métodos de pagamento e a convergência tecnológica Janeiro de 2019

Janeiro de 2019 Indústria Farmacêutica de Pesquisa · 7 9 5 6 4 1 3 2 0 0 500 New Jersey New York State Pennsylvania/ Delaware Valley Reino Unido China San Diego San Francisco Bay

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 1

Indústria Farmacêutica

de Pesquisa:Novas terapias, novos

métodos de pagamento e a convergência tecnológica

Janeiro de 2019

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S U P E R V I S Ã O

Elizabeth de CarvalhaesPresidente executiva

A U T O R

Marcelo Ernesto LiebhardtDiretor de Assuntos Econômicos

C O O R D E N A Ç Ã O - G E R A L

Octávio NunesDiretor de Comunicação

Marcelo Ernesto LiebhardtDiretor de Assuntos Econômicos

Erika Resende TeixeiraAnalista de Assuntos Econômicos

Selma HiraiCoordenadora de Comunicação

Giselle MarquesAnalista de Comunicação

P R O J E T O E D I T O R I A L

Nebraska Composição Gráfica

E D I Ç Ã O

Contrate 1 Ghostwriter

Tatiane R. Lima – Mtb 36439

I M P R E S S Ã O

Company Graf Produções Gráficas e Editora Ltda.

T I R A G E M

400 cópiasI

S O B R E A I N T E R F A R M A

A INTERFARMA é a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa, uma entidade setorial, sem fins lucrativos, que representa 51 associadas, empresas e pesquisadores que buscam promover e incentivar a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação voltada para a produção de insumos farmacêuticos, matérias-primas, medicamentos e produtos para a saúde humana. São condições para fazer parte da entidade, realizar pesquisa, desenvolvimento e inovação e aderir ao Código de Conduta da associação.

As opiniões contidas neste trabalho são de responsabilidade do autor.

AVISO DE CONFORMIDADE

De acordo com o Código de Conduta da INTERFARMA (Revisão 2016), esta publicação se caracteriza por:

– Ter conteúdo histórico e educacional sobre Saúde Pública;

– Estar disponível na internet sem restrição;

– Não ter valor comercial;

– Ser distribuída gratuitamente.

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 3

Prefácio

O ingresso da humanidade no terceiro milê-nio trouxe consigo, além do conteúdo sim-bólico de uma nova etapa na história da ci-vilização, uma revolução tecnológica na área de Ciências da Saúde, que alcançará sua ple-nitude neste século. Muitos avanços científi-cos convergiram para a Medicina durante o Século XX e trouxeram para o novo milênio a promessa de novas curas não apenas para tratar doenças agudas, como foi o modelo adotado em grande parte do século passado, mas também para o tratamento de doenças crônicas e raras, que poderão culminar com a erradicação gradual de muitas moléstias, dada a capacidade de interferência nos com-ponentes genômicos de mutações genéti-cas, conjugado a avanços na proteômica e em outras áreas da Biologia. Trata-se de uma verdadeira Renascença na inovação farma-cêutica e no futuro da saúde da humanidade.

Este setor industrial tem vivenciado global-mente mudanças significativas em sua es-trutura e modelo operacional nas últimas décadas. Diversos fatores, incluindo a globa-lização e as mudanças tecnológicas e regu-latórias dentro e fora da área de Saúde, têm contribuído para alterações significativas do modelo tradicional para atender os desafios da oscilação na produtividade da Pesquisa & Desenvolvimento (P&D, o esgotamento par-cial do modelo focado nos “cuidados primá-rios em saúde”, concentrado nas pequenas moléculas de síntese química, e também para enfrentar a maior influência de pagado-res públicos e privados. Este processo ainda está em transição em decorrência, principal-mente, da dinâmica imposta pelo ritmo verti-

ginoso em que os horizontes tecnológicos se ampliam, sempre em direção a um melhor conhecimento da Biologia do ser humano, com a promessa de saltos gigantescos na forma em que a medicina poderá atender à saúde humana.

Para que as tecnologias disruptivas consi-gam alcançar seu potencial terapêutico e mercadológico, será necessário um grande esforço colaborativo de todas as partes inte-ressadas (stakeholders). Cientistas, médicos, laboratórios, hospitais, planos de seguro saú-de, governos e, em geral, todos os integrantes dos sistemas de saúde deverão aprender a compartilhar os riscos necessários para sus-tentar o desenvolvimento e maturação desse processo de inovação em benefício dos pa-cientes. A chegada crescente de novos me-dicamentos biológicos – principalmente, os de base proteica, como imunobiológicos, e aqueles que ainda serão lançados, como te-rapias celulares e genéticas - torna cada vez mais árduas as relações entre stakeholders. O cerne do dissenso está evidentemente no custo elevado das novas tecnologias - muitas vezes ainda em processo de maturação. Para um diálogo mais construtivo, em benefício dos pacientes, é necessário romper paradig-mas, posturas conceituais tendenciosas e si-los de conhecimento e informação, além de abandonar os jogos de soma zero.

Marcelo Ernesto LiebhardtDiretor de Assuntos Econômicos

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O ecossistema no qual as empresas farma-cêuticas de pesquisa operam é bastante complexo e as novas tecnologias o tornam mais intrincado ainda. Os avanços científ i-cos aceleram o ciclo tecnológico e favorecem uma rápida substituição das terapias prece-dentes. Para tanto, o ecossistema vive em permanente fluxo, cujo reflexo se manifesta na intensa atividade de fusões e aquisições registrada nas últimas décadas na tentativa de obter sinergias, adequar modelos opera-cionais e desenvolver novos produtos, que permitam gerar um portfólio de terapias para sustentar a continuidade dos crescentes gastos em P&D, remunerar adequadamente a milhões de investidores anônimos indivi-duais ou fundos de investimento nos mer-cados de capitais e, principalmente, suprir as necessidades não atendidas dos pacientes. As novas tecnologias associam hoje áreas dís-pares das ciências da computação, imagem, genética e biologia molecular, além de suas combinações, gerenciamento de Big Data, virologia de intervenção genética etc. Essa complexidade supera, muitas vezes, a capa-

cidade de promovê-la em uma única institui-ção, levando a modelos de inovação aberta.

Nunca a capacidade do leigo de entender a complexidade desse processo esteve tão distante, mesmo tendo ele acesso a um volu-me cada vez maior de informação. Para cada sucesso da indústria farmacêutica, surgem novos desafios tecnológicos, para os quais os pacientes exigem melhores soluções. Con-comitantemente, o aumento da expectativa de vida, acompanhado do rápido envelhe-cimento da população, leva à manifestação mais frequente de doenças que permane-ciam latentes, como o câncer e o Alzheimer. Para atender a esses desafios, são necessários novos ciclos de inovação, capazes de desven-dar as maiores complexidades, com o subse-quente aumento de custos, que estressam os sistemas públicos e privados de saúde. Os custos crescentes não resultam apenas de uma nova tecnologia específica, mas tam-bém é o resultado de um problema sistêmico que associa graves deficiências estruturais e de gestão na saúde.

O ecossistema da indústria farmacêutica

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 5

FIGURA 1: CAPITAL DE INOVAÇÃO LEVANTADO PELOS PRINCIPAIS CLUSTERS DE BIOTECNOLOGIA, 2016

Fonte: EY, Capital IQ and VentureSource

Tamanho das bolhas mostra o número de financiamentos por região. O capital de inovação é o montante de capital acionário gerado por empresas com receita inferior a US$ 500 milhões.

Cap

ital

de

inov

ação

cap

tado

(U

S$

B)

Capital de risco captado (US$ M)

8

7

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1

3

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0

0 500

New Jersey

New YorkState

Pennsylvania/Delaware Valley

ReinoUnido

China

San Diego

San Francisco Bay Area

New England

1.000 1.500 2.000 2.500 3.000 3.500

No ecossistema da biotecnologia interagem, além das instituições de ensino e pesquisa, desde empresas globais até jovens startups, que tentam patentear descobertas de no-vas rotas, moléculas e tratamentos a serem, eventualmente, submetidos a ensaios clíni-cos, na tentativa de suprir as necessidades ainda não atendidas da saúde dos pacien-tes. Cabe destacar que este constitui apenas um elo daquele que é considerado o mais complexo sistema da economia, o do setor da Saúde, no qual interage uma miríade de agentes.

Muitas das novas descobertas nascem em conglomerados geográficos formados por instituições de pesquisa, ensino e desenvol-vimento, também conhecidos como hubs,

onde se promove o ciclo virtuoso da inova-ção, permitindo a rápida difusão do conhe-cimento.

Considerando a distribuição dos clusters ou hubs de biotecnologia nos Estados Unidos, os aportes de capital para a inovação são di-recionados preferencialmente aos centros que congregam políticas públicas locais e nacionais com instituições de P&D de alto ní-vel, como hospitais de ponta e universidades direcionadas a transformar a pesquisa em inovações úteis para a sociedade. Hoje o hub de Boston, na Nova Inglaterra, costa leste dos Estados Unidos, destaca-se como o centro mais vibrante, mas São Francisco, localizada na costa oeste, desponta como um forte con-corrente. Além dos Estados Unidos, há ou-

Financiamento e risco na inovação farmacêutica

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1. “Mente e mão”, em tradução literal.

2. De Negri, Fernanda, Novos caminhos para a inovação no Brasil, Organizadores: Wilson Center, Interfarma – Washington, DC: Wilson Center, 2018.

tros clusters notadamente no Reino Unido e, mais recentemente, na China.

O hub de Boston mantém sua liderança ao aplicar rigorosamente o lema “Mens et manu”1, do Instituto de Tecnologia de Mas-sachussets (MIT), acompanhado por ino-vações originárias de outras universidades, como Harvard e Tufts; de centros privados de inovação; de centenas de empresas de bio-tecnologia; e de hospitais de ponta, como o Massachussetts General Hospital, o Brigham and Women’s Hospital, o Beth Israel Deaco-ness Medical Center e o Tufts Medical Center, entre outros. Essa produtividade movimenta o ciclo virtuoso de P&D e atrai vultuosos re-cursos na forma de venture capital.

Paradoxalmente, o Estado de São Paulo que, apesar de contar com sinergias substantivas para constituir um cluster de sucesso, dada a concentração de hospitais de ponta e pes-quisadores altamente capacitados, defronta--se com a falta de políticas públicas eficientes de incentivo à P&D em biotecnologia, tanto de nível nacional, quanto estadual. Os orça-mentos das universidades estatais são con-sumidos pela folha de pagamentos e por es-truturas administrativas rígidas, além da fre-quente endogamia na estrutura docente e de pesquisa.2 Cabe ressaltar, ainda, que buro-cracias regulatórias de todo tipo emperram a importação de insumos e equipamentos e a realização de testes clínicos. Duas instituições brasileiras fora da área da Saúde, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embra-pa) e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), conseguiram se descolar dessa media-nia do sistema brasileiro de C&T e serve como exemplo que valida o lema “mens et manu”,

do MIT, pela bem-sucedida aplicação da ino-vação em suas respectivas áreas de atuação. Nas palavras do escritor alemão Johann Wolf-gang von Goethe, “Não basta saber, devemos aplicar. Não basta querer, devemos fazer.”

Com frequência cada vez maior, spin-offs de biotecnologia são criadas nas universida-des dos principais hubs para desenvolver a pesquisa translacional na tentativa de levar a pesquisa cientifica básica a estágios mais avançados de desenvolvimento, em direção a produtos aptos para o mercado. Podem surgir também como startups, sem vínculo a instituições de ensino.

Ainda que o uso dos termos spin-off e star-tup seja muitas vezes empregado indistin-tamente, a motivação de ambos é a mesma. Nos estágios iniciais, tanto spin-offs, quanto startups recebem aporte de capital de indi-víduos, grupos de indivíduos ou de venture capital, em uma ou mais rodadas de investi-mento, em troca de participação na empresa.

Diversas empresas farmacêuticas nasceram como spin-offs acadêmicas, isto é, forma-das por um grupo de cientistas oriundo de universidades ou centros de pesquisa com o objetivo de explorar uma nova tecnologia promissora. Algumas delas alcançaram pos-teriormente o status de grandes farmacêuti-cas. É o caso de Biogen, Genzyme, Genente-ch, entre outras.

Com a descoberta de novas e promissoras tecnologias, os recursos destinados por in-vestidores públicos e privados a startups de biotecnologia nos Estados Unidos têm cres-cido significativamente não apenas em ter-mos de volume, mas igualmente em número de transações, especialmente a partir de 2013.

O capital de risco ou venture capital preen-che a lacuna existente entre as fontes iniciais de recursos para a inovação (principalmente amigos e familiares do empreendedor, além

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 7

Fonte: M. Herper, In two months biotech startups raised more money than in all of 2013, Revista FORBES, 05/03/2018.

FIGURA 2: CAPITAL INVESTIDO EM BIOTECH STARTUPS NOS ESTADOS UNIDOS

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7

10

9

5

6

4

1

3

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400

350

450

250

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200

50

150

100

0

2008

1,4

159

2009

Capital investido US$ B

1,9

177

2010

2,1

211

2011

2,0

222

2012

2,0

252

2013

2,4

287

2014

3,5

329

2015

5,7

351

2016

5,6

346

2017

9,0

402

2018*

60

Acordos fechados

de órgãos governamentais de fomento à pesquisa em alguns casos) e as tradicionais fontes de capital disponíveis para empresas estabelecidas. Nos Estados Unidos, as leis es-taduais contra a usura limitam o crédito a ta-xas compatíveis com o elevado risco das pes-quisas. Preencher essa lacuna com sucesso requer que o setor de capital de risco forneça

retorno suficiente para atrair fundos de pri-vate equity, além de alavancar um potencial de ganho suficiente para captar ideias ino-vadoras de alta qualidade que gerem retor-nos elevados. Simplificando: o desafio é obter um retorno consistentemente superior aos investimentos em outros empreendimentos de risco.

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3. Golec, & Vernon, J; Financial Risk in the Biotechnology Industry; NBER-, National Bureau of Economic Research,2007

4. O β igual a 1 representa um risco sistemático igual ao do mercado; o β maior do que 1 significa que o investimento possui um risco sistemático maior do que o mercado; analogamente, menor do que 1 indica um risco sistemático menor do que o do mercado.

5. Disponível em: (http://www.stern.nyu.edu/~adamodar/New_Home_Page/data.html) Jan 2018.

Quando se debate (seja para justificar ou para contestar) os custos de P&D, os lucros auferi-dos pela indústria ou os preços dos medica-mentos, torna-se necessário analisar a ques-tão do risco associado ao processo de P&D farmacêutico. Ele está, na maioria das vezes, relacionado à probabilidade de um medica-mento superar com sucesso todas as etapas desde a pesquisa básica, a descoberta da molécula, os ensaios pré-clínicos, a pesquisa clínica (Fases I, II e III) para, eventualmente, obter a aprovação regulatória necessária à comercialização. Segundo estimativas, ape-nas uma entre 5 mil e 10 mil novas drogas de investigação (INDs - novas moléculas nos estágios iniciais de pesquisa) chega ao mer-cado. Esta sequencia descreve o risco técnico decorrente do processo de pesquisa e desen-volvimento de novos medicamentos.

Já para investidores em mercados de risco interessa o risco financeiro de mercado ou sistemático, que não é diversif icável e de-sempenha um papel muito significativo nos investimentos em P&D, pois é ele, e não o ris-co técnico, que determina o custo de finan-ciamento para a empresa. Uma vez que as decisões de investir e financiar são realizadas à luz do trade-off entre risco e retorno, quan-to maior o custo do financiamento de um projeto de P&D, mais promissor deve ser o retorno esperado.

A indústria farmacêutica de pesquisa tradi-cional e a de biotecnologia são semelhan-tes em muitos aspectos e, a cada dia, suas fronteiras ficam mais difusas. No entanto, a biotecnologia costuma congregar empresas

menores e mais intensivas em P&D, o que as torna mais vulneráveis ao risco financeiro, bem como a um custo maior de capital a ser angariado no mercado. As grandes farma-cêuticas, por sua vez, podem recorrer à liqui-dez gerada pelo seu próprio fluxo de caixa.3

Normalmente, se estamos interessados em saber quanto de risco sistemático carrega uma determinada ação, analisamos seu co-eficiente β, que mede a volatilidade de um investimento quando comparado com o mercado total.4 A indústria de medicamen-tos de base biotecnológica possui um β=1,44, o 2° maior de todas as indústrias dos Estados Unidos, o que indica a presença de um risco sistemático bastante elevado.5

Ao se engajarem em P&D de risco elevado, as empresas de base biotecnológica são de difí-cil avaliação pelos especialistas, o que contri-bui para o aumento da volatilidade. São tam-bém bastante influenciadas por decisões das agências reguladoras em relação às aprova-ções ou indeferimentos e aos resultados de ensaios clínicos.

Com o propósito de aumentar a liquidez e acelerar o crescimento da empresa, reduzin-do o custo do capital, as startups que vislum-bram um futuro promissor optam, em algum

Precificação do risco nas pesquisas

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 9

Fonte: Catalyst Biomedtracker Q2 2018 Outlook Report. AKAO: Achaogen Ind

FIGURA 3: DESEMPENHO DAS AÇÕES DA AKAO EM 5 DIAS DE NEGÓCIOS NA NASDAQ

momento, pela abertura do capital na for-ma de IPO (Initial Public Offering ou Oferta Pública Inicial de Ações), na qual a empresa vende ações ao público pela primeira vez e passa a ser cotada em Bolsa. Por outro lado, uma vez feita a abertura de capital as ações de empresas de biotecnologia que apre-sentem risco elevado ou recebam avaliação negativa de uma agência reguladora para algum produto de pesquisa podem ter osci-lações bastante significativas. Nestes casos, os acionistas podem ficar vulneráveis porque as ordens stop-loss no mercado podem não protegê-los das abruptas quedas nos preços decorrentes dos chamados market gaps, que ocorrem entre o fechamento do mercado e seu reinício na sessão seguinte.

A Figura 3 mostra, a título de exemplo, o de-clínio registrado pela ação de uma empresa farmacêutica na NASDAQ, decorrente de co-municação do Food and Drug Administra-tion (FDA), agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, que reduziu em 28% as chances de aprovação de uma droga anti-infecciosa para uso na corrente sanguínea.

Como as pesquisas no setor farmacêutico apresentam resultados binários (zero ou um), um produto que atinge o estágio de comer-cialização poderá gerar centenas ou até bi-lhões em faturamento e/ou lucros. Em con-trapartida, o valor de uma droga que fracassa (a grande maioria) é essencialmente zero, e assim seus custos não serão mais recupera-dos.

O mercado financeiro remunera os investi-dores de acordo com a precificação do risco envolvido. Quanto maior o risco, maior deve ser o retorno médio esperado para garantir que futuros investimentos nesses ativos de risco sejam possíveis. Logo, riscos extraordi-nários passam a exigir também retornos ex-traordinários.

Esta consideração deve ser entendida não como uma justificativa de tal ou qual preço específico praticado, mas como uma ponde-ração de que o preço de um medicamento é o resultado da combinação de uma série complexa de fatores e não pode ser analisado na ótica simplista de analogia de custos com produtos oriundos de mercados e indústrias dispares.

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13

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9

8

US

Dól

ar

22Junho

25Junho

26Junho

27Junho

28Junho

$ 12,42

$ 12,02

$ 9,59

$ 8,92 $ 8,91

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O risco na pesquisa farmacêutica e as patentes

Em função do risco e a incerteza que pre-valece na P&D farmacêutica, como destaca-do acima, a proteção das patentes constitui um ativo imprescindível para as empresas de pesquisa. Sua ausência implicaria no des-locamento do capital de risco privado pela impossibilidade de precificar o retorno do in-vestimento.

Ainda assim, a patente não protege do po-tencial fracasso nos ensaios clínicos, geran-do consequências frequentemente devasta-doras para empresas iniciantes, que podem desperdiçar milhões ou bilhões em P&D em um único ensaio clínico. Na lista dos princi-pais fracassos de 2016, constam seis molé-culas promissoras, cujo insucesso teve como consequência uma queda de mais de 60% no valor das empresas envolvidas; outras seis moléculas resultaram na dispensa de 60% dos funcionários. Às vezes, as organizações simplesmente quebram diante dos resulta-dos negativos de suas linhas de pesquisa ou testes clínicos.

É importante diferenciar, do ponto de vista do risco empresarial, o impacto que a poste-rior perda da exclusividade da patente pode ocasionar sobre empresas iniciantes, com al-guns poucos ou um único produto comercia-lizado, e empresas globais, com um portfólio extenso e diferenciado de produtos. No pri-meiro caso, como dito, resultados negativos de ensaios clínicos podem levar à falência da empresa e dos investimentos realizados, seja por proprietários e acionistas, seja por aque-les que aportaram o capital de risco inicial.

No caso das empresas globais, a repercus-são é um pouco diferente, ainda que mui-tas vezes o impacto seja também bastante expressivo. Por possuírem um portfólio mais extenso e diversificado, não há normalmente a dependência excessiva de um único pro-duto. Ainda assim, é extremamente dif ícil manter um portfólio de produtos que garan-ta uma trajetória sempre equilibrada e pre-ferentemente ascendente do faturamento. Dependendo do desempenho do pipeline, nem sempre será possível evitar o chamado patent cliff, isto é, o impacto provocado pela queda no faturamento decorrente da expira-ção sucessiva em curto espaço de tempo de patentes de produtos líderes, especialmente dos denominados blockbusters, termo utili-zado para designar medicamentos com fatu-ramento superior a 1 bilhão de dólares anuais. É importante ressaltar que a eventual con-centração da perda de patentes desses me-dicamentos em um determinado ano ou em anos subsequentes pode ter consequências dramáticas mesmo para empresas globais, uma vez que estas devem mostrar resultados consistentes ao longo do tempo e gerar valor aos acionistas. Em um mundo de grandes investidores institucionais, as empresas glo-bais, majoritariamente de capital aberto, têm seu portfólio de produtos, vigência das pa-tentes e futuros candidatos a substituir me-dicamentos cujas patentes estão por vencer permanentemente avaliados.

Cabe também ponderar que a proteção da patente representa, por um lado, o confor-to relativo de um monopólio temporário; por outro, um declínio inevitável no futuro flu-

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 11

xo de caixa da empresa. Na Figura 5, estão representadas para o período 2010-2024 as vendas mundiais de medicamentos sob risco de expiração das respectivas patentes.

Uma empresa que se aproxima de um pa-tent cliff, pela perda iminente da patente de um ou mais medicamentos campeões de vendas em seu portfólio, sofre geralmen-te uma estagnação ou queda no preço das ações com 3 a 5 anos de antecedência. Isso ocorre pela formação de um patamar natural no valor presente líquido (VPL) dos produ-tos que mais contribuem para o negócio da empresa e pela mudança da expectativa dos investidores quanto ao potencial de cresci-mento futuro. Isso deverá levar as empresas afetadas a investir ativamente em aquisições, licenciamento e P&D na tentativa de substi-tuir o faturamento que será perdido.

Segundo a IMS Health, os preços dos medi-camentos genéricos orais caem 66% e 74% em relação aos originais, após 1 e 2 anos, res-

pectivamente, da entrada no mercado. Essa diferença se amplia para 80% após cinco anos. A redução ocorre mais rapidamente do que nos injetáveis, que atraem muitas vezes menos concorrentes genéricos. No entanto, após seis anos, a queda de preços dos medi-camentos injetáveis é quase igual à observa-da nos orais.

Se o pipeline de pesquisa de uma empresa com foco em P&D secar, suas ações cotadas em Bolsa tornam-se vulneráveis. Os preços, afinal, são baseados nas expectativas de lu-cros futuros e podem cair antes do lucro lí-quido ser afetado. A contínua consolidação da indústria, através de múltiplas ondas de fusões e aquisições, é um sintoma de garga-los no fluxo da inovação.

A falta de sucesso das pesquisas internas também leva à maior dependência de pe-quenas empresas de biotecnologia como fornecedoras de moléculas inovadoras para grandes empresas que possuem as compe-

Fonte: Evaluate, Maio 2018, World Preview 2018, Outlook to 2024

FIGURA 5: VENDAS MUNDIAIS DE MEDICAMENTOS SOB RISCO DE EXPIRAÇÃO DE PATENTE (2010-2024)

80

70

50

60

40

10

30

20

0

Vend

as m

undi

ais

(US

$ B

)

+8%

+7%

+5%

+6%

+4%

+1%

+3%

+2%

0%

% e

m r

isco

2010

29 13

2011

34 20

2012

52 37

2013

31 24

2014

31 20

2015

51 16

2016

39 16

2017

32 29

2018

39 26

2019

43 23

2020

17 19

2021

17 15

2022

41 15

2023

67 22

2024

27 19

Perdas esperadas nas vendas

Total vendas em risco

% Mercado em risco

+4%

+5%

+5%

+4%+4% +4%

+2% +2%

+2%

+4%

+5%

+5%

+7%

+7%+6%

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12

Fonte: Understanding the pharmaceutical value chain. Report by the IMS Institute for Healthcare Informatics.2014

FIGURA 6: FORMAÇÃO DE PREÇOS EM CINCO CLASSES TERAPÊUTICAS, 2013, MÉDIA PONDERADA

tências e recursos necessários para desen-volvê-las, registrá-las e comercializá-las. Esta alternativa pode reduzir os custos fixos para os conglomerados e mas poderá também li-mitar a rentabilidade das novas drogas quan-do as aquisições não forem precificadas cor-retamente.

A alegação de que as grandes farmacêuticas gastam mais dinheiro com marketing e pro-paganda do que com P&D também merece ser analisada dentro do escopo do ciclo do produto, determinado em certa medida pelo alcance da propriedade intelectual. As paten-tes outorgam, de modo geral, um período de proteção de 20 anos, que resulta, em média, em 13 anos de exclusividade após a autoriza-ção de comercialização.

A janela de tempo limitada disponível para recuperar as despesas de P&D com uma

nova droga e obter algum lucro com o pro-duto faz com que as farmacêuticas invistam fortemente em marketing e promoção. O es-forço normalmente começa com programas de educação médica, que criam consciência sobre a doença que o novo medicamento trata e apresentam a nova opção de trata-mento. Essa sistemática deve ser aplicada especificamente para cada mercado geográ-fico, de acordo com caraterísticas próprias, tanto em relação à carga da doença, quanto aos aspectos socioculturais e ao sistema de saúde. Enquanto o relógio da patente con-tinua sua marcha inexorável, esse processo onera significativamente o medicamento. Os genéricos não precisam enfrentar esses cus-tos adicionais, pelo fato de a molécula já ser conhecida; necessitam apenas demonstrar bioequivalência e biodisponibilidade. Quan-do a patente expira, os pagadores exercerão pressão adicional e a competição se volta para o preço.

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 13

Fonte: PharmaExec; 2004 (Disponível em: http://www.pharmexec.com/your-patent-about-expire-what-now)

FIGURA 7: EFEITO DA ENTRADA DE MEDICAMENTO GENÉRICO NAS NOVAS PRESCRIÇÕES DO PROZAC

Um fator que, muitas vezes, distorce as aná-lises é o foco centrado apenas no preço final do medicamento, deixando de lado a carga tributária e as margens de comercialização, que oneram a venda do produto ao longo da cadeia de distribuição. Esse impacto pode variar consideravelmente de país a país e, no caso do Brasil, é muito significativo, confor-me exposto na Figura 6.

Entre 1995 e 2015, houve um intenso processo de fusões e aquisições na indústria, a partir do momento que se tornou mais intenso o efeito da lei americana Hatch-Waxman Act, de 1984, que facilitou a entrada dos medica-mentos genéricos no mercado.

Antes de sua adoção, inexistia um processo simplificado de aprovação de medicamentos genéricos pelo FDA. Em vez disso, as empresas de medicamentos genéricos deviam realizar os mesmos ensaios clínicos caros e demorados que as empresas farmacêuticas de pesquisa conduziam para novos medicamentos de marca. Além disso, a investigação e o teste não-licenciados de um medicamento patenteado pela empresa de medicamentos genéricos para obter a aprovação da FDA para uma versão genérica podiam sujeitá-la à responsabilização por violação de patente. O HatchWaxman Act mudou isso e, ao fazê-lo, é frequentemente reconhecido como responsável pela criação da moderna indústria de medicamentos genéricos.

A título de exemplo, o volume vendido do antidepressivo Prozac caiu vertiginosamente em 2001, perdendo 73% da participação nas novas prescrições em apenas duas semanas quando as versões genéricas foram introdu-zidas (Figura 7).

Entre 1984 e 2002, a participação de mercado dos medicamentos genéricos subiu de 19% para 47%, nos Estados Unidos, e deslanchou uma corrida em investimentos em P&D, bem como a busca de sinergias e complementa-

ção de portfólios das empresas de pesquisa por meio de fusões e aquisições para ameni-zar o impacto dos genéricos.

É bastante comum a percepção pelo público leigo de que o período de proteção patentá-ria de 20 anos inicia-se a partir da comercia-lização do produto, desconsiderando o tem-po gasto com P&D. Na realidade, mais de 6,5 anos são gastos com ensaios clínicos, após o patenteamento da molécula. Outros fato-res concorrem naturalmente para diminuir o prazo de proteção efetiva das patentes: por um lado, há o aumento da duração e com-plexidade dos ensaios clínicos; por outro lado, o desenvolvimento cada vez mais rápido dos medicamentos concorrentes conhecidos como me too.8 Na década de 1970, a entrada

8. São definidos como medicamentos me too aqueles de estrutura química ou mecanismo de ação semelhante ao primeiro da classe.

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de um novo medicamento no mercado le-vava, em média, nove anos, mas esse tempo tem caído para uma média de 1,7 ano.

Numa avaliação superficial, seria admissível inferir que os medicamentos me too são re-sultado de um desenvolvimento posterior e decorrente do comprovado sucesso comer-cial do primeiro entrante. Contudo, conside-rando entre 10 e 15 anos o tempo necessário para a pesquisa e posterior desenvolvimen-to, grande parte desse período deve ocorrer com bastante antecedência à aprovação do inovador. Frequentemente, várias empresas iniciam linhas de pesquisa semelhantes, mas os resultados podem aparecer com cronolo-gias diferentes. É possível também que uma delas, não confiante o suficiente nos resulta-dos clínicos da Fase II, desista de enfrentar os custos maiores da Fase III; e, assim, quando ocorre o lançamento do primeiro da classe,

decide acelerar os ensaios faltantes e lançar seu produto como “me too”.

A convergência de ensaios clínicos mais de-morados e caros, a entrada potencialmente rápida de concorrentes na classe, o horizonte tecnológico em mudança acelerada e a cres-cente pressão dos pagadores podem compe-lir as empresas farmacêuticas a precificar de acordo com essa incerteza. Diferentemente de outros produtos, os consumidores de me-dicamentos (pacientes) não estão dispostos a esperar pela queda natural dos preços, eis o conflito imediato de interesses entre forne-cedores e pagadores – sejam eles, privados ou públicos.

Por outro lado, o efeito da concorrência e das pressões dos pagadores não pode ser desprezado e tais exemplos se multiplicam. Um caso recente emblemático foi a entrada no mercado de um medicamento oral para

Fonte: Quintiles IMS Institute; Quintiles IMS ARK Patent Intelligence, Sept 2016

* NASs (novas substâncias ativas)

FIGURA 8: TEMPO DO LANÇAMENTO ATÉ A EXPIRAÇÃO DA PATENTE PARA NASs* 1996-2015

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Tempo do lançamento até a expiração da patente (anos)

QuartilInferior:

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 15

tratamento (e, em grande medida, cura) da Hepatite C, que gerou amplo debate na mí-dia por conta do preço considerado exces-sivamente elevado pelos pagadores, sem que houvesse uma análise comparativa dos custos que deixariam de ser incorridos pelo sistema com a cura. A aprovação do produ-to pelo FDA ocorreu em dezembro de 2013. Com a entrada de concorrentes, a empresa passou a oferecer, um ano depois, descon-tos significativos para manter o produto nos formulários dos pagadores, além de praticar preços diferenciais (differential pricing) para países em desenvolvimento com grande car-ga da doença como o Egito. Diferentemente de medicamentos de uso crônico, para as te-rapias curativas, cada cura significa um futu-ro paciente a menos no fluxo futuro de caixa da empresa. Não é de se estranhar que as ações das companhias nestas condições cos-tumem apresentar fortes oscilações, confor-me surgem as notícias de êxitos ou fracassos nos ensaios clínicos dos produtos candidatos a substituírem os que já estão em comercia-lização.

No Egito, o país com a maior taxa de preva-lência do mundo e onde a infeção viral de Hepatite C se tornou endêmica, o motivo da propagação foi um erro grosseiro do sistema de saúde pública local que, seguindo as reco-mendações da Organização Mundial da Saú-de (OMS), realizou, entre a década de 1950 e o início dos anos 1980, um tratamento em massa da população com injeções de tártaro emético para combater a esquistossomose.

As três causas principais para a transmissão do virus da Hepatite C foram a aplicação de múltiplas injeções pela via parenteral, o compartilhamento ou reúso de seringas em transfusões e a falta (ou inadequada) esteri-lização dos materiais. No resto do mundo, o uso de drogas injetáveis ilícitas continua sen-do o fator de risco mais importante para a infecção pelo vírus da Hepatite C, bem como do HIV.9 Na Inglaterra, foi esse o motivo citado em aproximadamente 90% de todos os re-latórios laboratoriais divulgados10. O comba-te às drogas ilícitas no Brasil continua sendo um tema incômodo ou ignorado no discurso político de candidatos e em plataformas par-tidárias.

Um fator que coloca pressão adicional no portfólio de produtos das empresas é a re-cente aceleração da inovação tecnológica, que supera muitas vezes o ciclo de proteção da propriedade intelectual, tornando, às ve-zes, certas tecnologias obsoletas antes mes-mo do vencimento das respectivas patentes.

9. A.Elgharably, A.Gomaa, M. Crossey, P.Norsworthy, I.Waked, S.Taylor-Robinson. Hepatitis C in Egypt – past, present, and future. International Journal of General Medicine 2017:10 1–6

10. Hepatitis C in England: 2017 Report,. Public Health England Wellington House 133-155 Waterloo Road London SE1 8UG, , Pag. 7

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As descobertas e o “hype”

A chegada de tecnologias disruptivas cos-tuma percorrer um processo denominado “Ciclo Hype”, que descreve graficamente o ciclo de vida de uma tecnologia desde sua gênese até a maturidade e completa disse-minação. Ela apresenta um ápice de expec-tativas (hype) a partir da divulgação na mídia de notícias - às vezes, excessivamente otimis-tas - em torno de uma tecnologia ainda em desenvolvimento. Um caso atual em curso é o das tecnologias CAR-T, que prometem revolucionar o tratamento, e eventualmen-te, a cura de enfermidades pela correção de mutações genéticas presentes em pacientes portadores de diversas doenças.

Os primeiros produtos a chegar ao mercado parecem ser capazes de mudar o futuro dos tratamentos, mas ainda podem exibir efei-tos colaterais importantes, que poderão ser controlados com a maturação da tecnologia. Dentre esses efeitos, cerca de metade dos pacientes desenvolve a denominada “tem-pestade de citocina”, em que o sistema imu-ne reage de forma exagerada, provocando quedas repentinas de pressão, febres eleva-das e outras complicações que precisam ser acompanhadas em Unidades de Terapia In-tensiva (UTI). Este problema provavelmente será superado em breve, ao combinar o CAR--T com a tecnologia CRISPR, permitindo uma inserção não randômica do gene CARS no genoma das células receptoras ou através de outras alternativas que estão sendo desen-volvidas. Muitas interrogações ainda subsis-tem e serão desvendadas apenas com mais pesquisas e investimentos. Dada a complexi-dade da nova fronteira de terapias genéticas,

à medida que se avança, novos desafios apa-recem, como as envolturas de nucleosomas em torno dos cromossomas.

Nas fases iniciais, as tecnologias costumam apresentar preços elevados por conta do pio-neirismo e dos ajustes ainda necessários para transformá-las em corrente. A medida que a difusão da tecnologia ocorre, mais concor-rentes ingressam no mercado e os preços começam a cair. Por essa razão, as análises de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) para auferir custo-efetividade deveriam ser realizadas ao longo do ciclo do produto e não, como ocorre hoje, apenas próximo ao lança-mento.

A indústria farmacêutica passa por uma mu-dança significativa em direção às especiali-dades médicas e está menos concentrada na atenção primária para grandes popula-ções com condições menos severas, cujas demandas foram em maior ou menor me-dida atendidas. Isso decorre não apenas das possibilidades proporcionadas pelos grandes avanços tecnológicos, mas também pela difi-culdade em demonstrar diferenças significa-tivas para os pacientes da atenção primária em relação ao padrão de cuidados hoje exis-tentes. Quanto mais marginal o incremento na melhoria da saúde do paciente, maior a dif iculdade de demonstrar valor adicional, ainda mais se o custo da nova tecnologia for maior.

Estima-se que, pelo menos, de 40 a 45 me-dicamentos (novas entidades terapêuticas – NTEs) serão aprovados por ano até 2021. Mui-

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 17

Fonte: J.Fenn, M. Raskino, Mastering the Hype Cycle: How to Choose the Right Innovation at the Right Time (Gartner) Hardcover,October 13, 2008

FIGURA 4: O CICLO “HYPE”.

tos deles estarão direcionados para atender doenças raras ou terão novos mecanismos de ação. Seus preços devem refletir essas ca-raterísticas e benefícios. A pressão dos pa-gadores obrigará os laboratórios a inovar em matéria de precificação e na demonstração de resultados clínicos compatíveis com o pre-ço solicitado.6

A mudança de foco na direção das especia-lidades médicas também cria desafios pró-prios de âmbito regulatório - por exemplo, em ensaios clínicos. À medida que o medi-camento em estudo estiver direcionado a populações mais específicas, maior será a di-ficuldade e o custo na realização dos ensaios clínicos. Há, inclusive, alguns casos, como em certas doenças monogênicas, em que a população de pacientes com a doença é tão pequena que os ensaios clínicos randômicos (ECRs) podem se tornar simplesmente im-possíveis de se realizar.6. PWC Launching into value: Pharma’s quest to align drug prices with

outcomes, Setembro 2017.

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Atividades além dos“Early Adopters”

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Início da imprensacrítica

Consolidação deFornecedores e Falhas

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Vale dedesilusão

Declive dailuminação

Planalto deprodutividade

Ascensão Pico Deslizando na vala Escalando o declive Entrando no planalto

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Produtos deterceira geração,

criativos, produtos de marca

Desenvolvimentode metodologias emelhores práticas

Início da fasede adoção de alto

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De forma concomitante, uma série de fatores contribui para aumentar os preços dos novos medicamentos – principalmente, a tendên-cia decrescente da eficiência na pesquisa, que resulta em um menor número de medi-camentos descobertos por unidade monetá-ria de investimento em P&D (Figura 9).

Não se trata apenas de maiores custos decor-rentes do uso de tecnologias mais avançadas no processo de P&D, mas também da alta taxa de atrito (moléculas descartadas) experi-mentada ao avançar pelas diversas fases dos ensaios clínicos. Uma taxa de atrito de mais de 90% tem sido relatada recentemente pela Organização de Inovação Biotecnológica (BIO). Para novos medicamentos que visam condições complexas e mal compreendidas,

essa taxa é ainda maior. Para a doença de Alzheimer, por exemplo, o índice para no-vos medicamentos foi, entre 2002 e 2012, de 99,6%. Apesar do potencial de produtos bioló-gicos modernos para tratamento da demên-cia relacionada a esta enfermidade, a grande descoberta ainda não se materializou.

Ao chegar à Fase III dos ensaios clínicos, pode-ria se esperar que as taxas de atrito fossem re-lativamente baixas por conta da grande quan-tidade de dados recolhidos nas etapas ante-riores, que deveriam suportar as chances do produto atingir a eficácia esperada. Contudo, um estudo da consultoria Parexel11 estimou que 50% dos estudos de Fase III fracassam quando já grande parte dos custos incorridos (sunk costs) não pode mais ser recuperada.

Eficiência da pesquisa, ensaios clínicos randomizados e o “vale da morte”

Fonte: Hesam N. Motlagh, Ph.D., A Paradoxical Trend in Drug Development, A Medium Corporation, 23/01/2018

FIGURA 9: TENDÊNCIA GERAL DA EFICIÊNCIA DA P&D (AJUSTADA PELA INFLAÇÃO)

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 19

Ao analisar os gastos em P&D, não podem ser desconsiderados, principalmente nos Es-tados Unidos e na Europa, os investimentos públicos em pesquisa básica (no Brasil, esses números são pífios). Nos Estados Unidos, por exemplo, os National Institutes of Health e o Ministério da Defesa são os principais finan-ciadores públicos – principalmente, na forma de subsídios, na manutencão de centros de pesquisa e em contratos de pesquisa. Ape-sar disso, no início desta década, estes apor-tes eram consideravelmente menores que o aplicado pelo setor privado. (Figura 10)

O “Vale da Morte” da P&D é descrito como “o momento crítico entre o desenvolvimento precoce e tardio de novas terapias, diagnós-

ticos ou dispositivos. É durante esse período que a empresa requer maior aporte de capi-tal, as fontes de financiamento podem secar, e tecnologias ou intervenções com grande potencial podem acabar como vítimas de um ambiente de negócios incerto e, muitas vezes, implacável. No “Vale da Morte”, o finan-ciamento adicional é geralmente limitado, deixando a empresa vulnerável às exigências de fluxo de caixa. Para atravessá-lo, requer-se uma mistura inteligente de investimentos públicos e privados.”12

Fonte: https://partnersinbpc.com/14_june_nl.php#r7

Notas: RAID: Acesso Rápido ao Desenvolvimento Intervencionista; SBIR: Pesquisa Inovadora de Pequenos Negócios; RAPID: Acesso Rápido ao Desenvolvimento de Intervenções Preventivas; STTR: Transferência de Tecnologia para Pequenas Empresas.

FIGURA 10: O VALE DA MORTE NO FINANCIAMENTO FARMACÊUTICO

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Concessões NIH,fundação, programas

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Descoberta Desenvolvimento pré-clínicoe ensaios clínicos iniciais

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NIH RAID, RAID, SBIR,STTR, programas U01

Investidores Anjo,Empresas Startup

Fundações,Capital de risco

em estágio inicial

Grande Pharma,Parcerias público-privada,

Parcerias de desenvolvimento produtivo,

Capital de risco

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Malsucedido

Fluxo de Caixa“Vale da Morte”

11. Parexel Independent Analysis of Phase III trial failures 2012-2015 cited in Applied Clinical Trials August-September 2016.

12. Partners in BioPharma Consulting. Disponível em: https://partnersinbpc.com/14_june_nl.php#r7

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Como todo curso de contabilidade preconi-za, dado o longo período transcorrido entre a submissão da patente e a aprovação ou não do medicamento pelo órgão regulador, o custo de oportunidade dos gastos incorridos ao longo do processo (sunk costs), incluindo os que fracassaram, devem ser computados e acrescidos aos custos de P&D da empresa, que são, por sua vez, amortizados parcial ou totalmente por aqueles produtos que final-mente conseguem ser aprovados e comer-cializados.

Uma parte substancial dos custos maiores na fase dos estudos pré-clínicos e clínicos deve ser creditada ao impacto decorrente do de-safortunado episódio ocorrido com a droga talidomida13, na década de 1960, na Europa, que provocou graves deformações em re-cém-nascidos, efeito que não fora detecta-do no padrão de ensaios clínicos existentes à época. Com base nesse e em outros aconte-cimentos, foi aprovado, nos Estados Unidos, o Kefauver-Harris Drug Amendments Act, em 1962. De acordo com essa lei, os novos me-dicamentos devem estar apoiados nos mais completos e melhores dados de eficácia e segurança, bem como em boas práticas de fabricação (GMPs) e na autorização prévia de

comercialização pelo FDA (Food and Drug Administration), dentre outras alterações.

À medida que as moléculas avançam pelas diferentes fases dos ensaios clínicos, os custos de pesquisa aumentam significativamente. Dessa forma, os valores da Fase III são, em média, 50% maiores aos da Fase I e mais de 20% superiores aos da Fase II. O total das três etapas atingia em 2016 cerca de 1,6 bilhão de dólares. Esses custos podem ser significati-vamente maiores no caso de doenças raras, uma vez que a realização de ensaios clínicos pode ser consideravelmente dificultada pelo menor número de pessoas afetadas, pela dis-persão geográfica dos pacientes ou, ainda, pela maior ou menor disposição dos doentes na participação nos mesmos. Vale ressaltar que o reduzido número de pacientes afetará também o custo da tecnologia para comer-cialização, já que, não apenas o investimen-to em P&D deverá ser amortizado entre um menor número de pacientes, mas também todos os gastos envolvendo comercialização, treinamento, difusão e outras despesas.

Os Ensaios Clínicos Randomizados (ECRs) são, e provavelmente continuarão sendo, o padrão ouro na identificação da segurança

Fatores Pré-pesquisa clínica

Pesquisa clínicaRevisão FDA Monitoração

pós-vendaFase 1 Fase 2 Fase 3

Tempo 1 ano

1,65 anos 2,53 anos 2,56 anos

1,33 anos IndefinidoTempo médio total da Pesquisa Clínica 6,74 anos

Custo US$ 182 M

US$ 375 M US$ 542 M US$ 689 M

US$ 129 M US$ 312 MCusto médio total da Pesquisa Clínica US$ 1,6 B

FIGURA 11: TEMPO E CUSTO MÉDIO COM O PROCESSO DE APROVAÇÃO DO MEDICAMENTO EM 2015

Fonte: Using Real-World Evidence to Accelerate Safe and Effective Cures, Advancing Medical Innovation for a Healthier America, June 2016 pag.11, Bipartisan Policy Center

13. A talidomida continua sendo comercializada hoje, com as ressalvas necessárias, por conta de sua efetividade no tratamento de algumas doenças, como a hanseníase

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 21

e eficácia dos medicamentos. No entanto, também será necessário demonstrar cada vez mais efetividade ao longo de todo o ciclo de vida do produto.

Os ECRs são a melhor forma de identificar se um determinado medicamento realmente funciona, mas não é possível distinguir quem será beneficiado ou terá reações adversas, dada a grande variabilidade genética pre-sente na população. Pode parecer óbvio que os efeitos de um tratamento não serão os mesmos para todos os pacientes. O proble-ma clínico de indicar uma determinada tera-pia está relacionado ao desafio estatístico da heterogeneidade dos efeitos do tratamento, uma vez que resultados podem ser diferen-tes em pacientes distintos. Nessas circuns-tâncias, um benefício considerado mediano pode resultar da combinação de melhorias substanciais observadas em alguns, poucos benefícios registrados em muitos e danos em poucos.

Ainda que o tratamento seja aplicado de ma-neira uniforme, os resultados podem igual-mente variar, já que os pacientes diferem de acordo com o risco preexistente na ausência de tratamento, com a resposta à terapia, com a susceptibilidade a efeitos adversos e com as preferências individuais.14

A heterogeneidade no tratamento entre in-divíduos implica que os médicos não podem simplesmente aplicar indiscriminadamen-te os resultados médios dos ensaios clínicos randomizados para todos os seus pacientes. A Medicina Baseada em Evidências (EBM) defende incluir os valores e o risco basal (prognóstico/susceptibilidade), além das pre-ferências dos pacientes, como forma de iden-

tificar o melhor tratamento. Essas inclusões tornam-se possíveis à medida que os avanços na genômica e proteômica permitem uma análise mais detalhada dos mecanismos mo-leculares subjacentes.

Os Institutos Nacionais de Saúde dos Esta-dos Unidos (U.S. National Institutes of Heal-th – NIH) exigem que os pesquisadores que realizam estudos financiados pela organiza-ção incluam mulheres, minorias e crianças - exceto em recomendação específica para evitar agravos potenciais a mulheres e pa-cientes pediátricos, por exemplo. Prejuízos também podem acontecer quando minorias não estão representadas nos ECRs.15

Estatisticamente, enquanto uma amostra pode ser demograficamente representativa, sem viés de escolha, a dispersão de efeitos nos subgrupos ainda pode ser significativa. Por outro lado, uma amostra restrita demo-graficamente pode apresentar estimativas válidas para o grupo específico em estudo.

A Figura 12 representa a distribuição dos tra-tamentos individuais na população (curva maior não sombreada) e em três amostras hipotéticas (curvas sombreadas). A primeira

14. RICHARD L. KRAVITZ et al. Evidence-Based Medicine, Heterogeneity of Treatment Effects, and the Trouble with Averages, The Milbank Quarterly, Vol. 82, No. 4, 2004 (pp. 661–687).

15. NIH Guidelines on the Inclusion of Women and Minorities as Subjects in Clinical Research - Amended, Outubro 2001. Disponível em: https://grants.nih.gov/grants/funding/women_min/women_min.htm

FIGURA 12: ECRS E SUAS LIMITAÇÕES: AMOSTRA DO ENSAIO PODE NÃO SER REPRESENTATIVA

Fonte: Evidence-Based Medicine, Heterogeneity of Treatment Effects, and the Trouble with Averages from Kravitz et al. Milbank Quaterly. 2004; 82:661-687

-1,0 -0,5 0 +0,5 +1,0 +1,5 +2,0

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Amostra 2

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delas é centrada, mas não reflete a diversi-dade da população em termos de benefí-cio líquido de tratamento. Já a Amostra 2 é composta por indivíduos com muito mais benefícios líquidos do que a média da po-pulação. Verifica-se, finalmente, que apenas a Amostra 3 é amplamente representativa em termos de risco, capacidade de resposta e vulnerabilidade.

Os avanços registrados nestas duas últimas décadas na genômica, tecnologia de ima-gem e análise de Big Data, possibilitada pela tecnologia de informação, tornam viável cal-cular o risco e a vulnerabilidade, a resistência e a resposta a um determinado medicamen-to com base na análise do genótipo, muta-ções presentes e biomarcadores.

Um efeito colateral desses avanços tecnoló-gicos é que, se, por um lado, há uma gigan-tesca janela de oportunidades para o trata-mento e cura de doenças, algo inimaginável poucas décadas atrás, criam-se, por outro lado, novos desafios para os sistemas de saú-de não apenas em decorrência do custo (pelo menos, inicial) dessas tecnologias, mas tam-bém porque a geração e o uso de dados do mundo real podem revelar ineficiências em outros setores do sistema. Ao levar em con-sideração a variabilidade genética individual, aumentaremos de maneira drástica o índice de resposta aos medicamentos, transferindo o ônus da prova quanto à eficiência aos ou-tros componentes dos serviços de saúde.

O futuro dos sistemas de saúde é incerto. O aumento da participação dos gastos (inves-timento) em saúde nos orçamentos públi-cos requer ajustes urgentes que permitam uma melhora significativa na eficiência de uma gestão hoje caótica, excessivamente segmentada e não raramente sujeita à in-terferência política. Melhor gestão e integra-ção também são necessárias nos sistemas privados. Com a pressão imposta por uma sociedade cada vez mais participativa, vocal

e interessada em receber melhor atenção de saúde, essa demanda passa ao topo da agen-da política. No entanto, com uma economia errática e de baixa competitividade, o conflito distributivo pelo orçamento público entre as necessidades urgentes de saúde, seguran-ça, educação, investimento em infraestrutu-ra e outras tantas demandas se aprofunda perante o esgotamento da possibilidade de aumentar uma carga tributária já no limite.

O preceito constitucional da universalização da saúde passa a ser questionado com o ar-gumento de que não é possível dar “tudo para todos”. Essa af irmação pode até ser eventualmente correta, mas será injusta se não se esgotar primeiramente a possibilida-de de melhorias na gestão, que atualmente gera desperdícios desmedidos no sistema.

Com o paradigma tecnológico existente na primeira metade do século XX era frequente a afirmação de que as pessoas com doenças graves “morriam jovens e geravam poucos gastos para o sistema de saúde” em decor-rência de uma série de agravos que come-çavam no parto. Entre 1940 e 2016, a expec-tativa de vida do brasileiro aumentou para 75,8 anos. Partindo de 45,5 anos em 1940, o aumento foi de 30,3 anos e uma parte signifi-cativa deve ser atribuída à disponibilidade de novos medicamentos.

A crescente demanda por acesso rápido a tratamentos, especialmente aqueles desti-nados a atender às necessidades prementes de pacientes com perspectiva de desfechos que colocam em risco a vida, vai de encontro à situação presente da maioria dos orçamen-tos públicos e privados.

A chegada da epidemia de HIV na década de 80 deu nova dinâmica e intensidade à ação dos grupos de pacientes na demanda por acesso rápido às novas terapias. Gradu-almente essa ação foi se alastrando a outras enfermidades - especialmente doenças ra-

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 23

ras, doenças inflamatórias crônicas, câncer, certos distúrbios neurológicos e outras do-enças crônicas. Esses grupos organizados de pacientes passaram a ter uma força a ser re-conhecida pelas autoridades, mesmo consi-derando as restrições orçamentárias existen-tes. A urgência do acesso ao tratamento nes-sas doenças ampliou o escopo da expressão “necessidades clínicas não-satisfeitas” para incluir, além de futuros pacientes, os atuais e a respectiva “janela de oportunidade”, na qual ainda respondem ao tratamento.

Essa pressão social teve como resultado a construção de novos paradigmas regulató-rios, destinados a acelerar o desenvolvimento de medicamentos com potencial de tratar esses agravos. O FDA criou quatro processos para acelerar a aprovação: via rápida, apro-vação acelerada, revisão prioritária e terapia inovadora. Já a agência europeia European Medicines Agency (EMA) instituiu a avaliação acelerada e os caminhos adaptativos.

Na contramão, à medida que os cuidados com saúde convergem para uma visão mais centrada no paciente e o gradiente tecnoló-gico aponta na direção da medicina persona-lizada com o uso de biomarcadores, diagnós-ticos associados e outros, ocorre um aumen-to simultâneo da complexidade, do custo e do tempo dos ensaios clínicos. De acordo com dados coletados pela consultoria KMR Group16, a duração dos ensaios de Fase II e III aumentou significativamente nos últimos 10 anos - e continua se estendendo. Os ensaios de Fase III levavam, em média, 35,7 meses em 2005-07 e 42,9 meses em 2012-14. A títu-lo de exemplo, as terapias celulares exigem laboratórios altamente especializados, onde as células serão manipuladas para fabricar

o produto sob investigação. Para tanto os processos utilizados são integrados centrali-zadamente e estritas considerações logísti-cas devem ser implementadas se o estudo for multicêntrico. Essa logística pode incluir embalagens especiais, armazenamento de temperatura controlada, remessas com ja-nelas de tempo rígidas etc., que devem ser contempladas ao transportar o produto.

À medida que reguladores e pagadores exi-gem mais dados para demonstrar eficácia, segurança e custo-efetividade, há a necessi-dade de aumentar a amostra de pacientes, o tempo do tratamento e a análise de efeitos adversos. Com a difusão da biotecnologia, tem se observado ainda um tempo maior de recrutamento para ensaios clínicos de gran-des moléculas quando comparado com as pequenas. Estas selecionam, em média, 17,5 indivíduos por mês na Fase III para Onco-logia, enquanto estudos para moléculas de biotecnologia recrutam apenas 13,2 indivídu-os no mesmo período.

Face à acelerada mudança tecnológica e ao aumento constante dos custos, a nova di-nâmica dos cuidados de saúde exige mais do que nunca uma abordagem colaborativa entre produtores de novas tecnologias, pa-gadores, provedores e consumidores. Essa mudança evolui hoje lentamente e com im-portantes atritos, dada a necessidade de en-frentar alterações disruptivas nos complexos sistemas e modelos de atendimento e pa-gamento, enraizados em sistemas de saúde com diversos níveis de fragmentação e estru-turas pouco eficientes - ora superdimensio-nadas; ora subdimensionadas.

Nas palavras do Professor Guido Rasi, Dire-tor Executivo da EMA, “uma reflexão a nível internacional é necessária para priorizar e re-comendar a cooperação em áreas inovado-ras. Novos paradigmas de desenvolvimento estão progredindo com velocidade sem pre-cedente e trazendo produtos complexos e 16. KMR Group’s Annual Cycle Time Trends Analysis, 2015

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desafiadores para desenvolver, fabricar, ava-liar e disponibilizar aos pacientes. Precisamos de uma nova abordagem para a inovação, com novas competências para os sistemas de regulação e de saúde pública, tanto para a avaliação como para o “drug delivery.” A mu-dança do tratamento para medicamentos potencialmente curativos exige novas abor-dagens para avaliação de valor, pagamento e financiamento.”17

De modo geral, o valor agregado pelos medi-camentos ao sistema de saúde e seu impac-to social como um todo tem sido ignorado e circunscrito apenas à influência direta na saúde do paciente. Pouco tem sido analisado em termos de redução do número de hos-pitalizações, retornos aos médicos, uso do pronto-socorros, procedimentos e cirurgias evitados. Efeitos sobre a economia como um todo, como redução da incapacidade física para o trabalho, aumento da produtividade, saúde física e mental, são, na maioria das ve-zes, desconsiderados.

17. G. Rasi, EU’s Innovative Medical Technology and EMA’s Measures, Summit Symposium 25-27 October 2017, Kyoto, Japan

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 25

18. Ferrario, Alessandra and Kanavos, Panos (2013) Managed entry agreements for pharmaceuticals: the European experience. EMiNet, Brussels, Belgium.

Com o surgimento de novas terapias de maior complexidade, algumas limitações dos ensaios clínicos randomizados começa-ram a ficar mais evidentes. Como apontado anteriormente, os ECRs tornam-se cada vez mais intensivos no uso de tempo e de recur-sos para sua realização, sofrem com mais fre-quência problemas de desenho e infraestru-tura e podem ser pouco representativos dos pacientes em tratamento na vida real, espe-cialmente em doenças raras, em que o tama-nho da população afetada pode dificultar a realização dos ensaios clínicos e tornar mais difícil atingir os desfechos desejados durante a realização dos mesmos.

Nesse cenário, torna-se necessário o uso de dados ou Evidências do Mundo Real também conhecidos por Real World Data (RWD) ou Real World Evidence (RWE), que permitirão (espera-se) completar as métricas faltantes nos ensaios clínicos randomizados. Devemos distinguir, no entanto, a utilização adequada dos termos RWD, que são dados relaciona-dos ao estado de saúde do paciente e/ou de cuidados médicos rotineiramente coletados de uma variedade de fontes durante o tra-tamento, e a RWE, que são as evidências re-sultantes da aplicação de métodos analíticos sobre as bases de RWD coletadas.

Com a pressão resultante dos custos e preços maiores das novas tecnologias, aumentou a necessidade dos laboratórios demonstrarem o valor agregado a pagadores, tanto públicos, quanto privados. Com ações tímidas no início da década passada, foram construídos diver-sos esquemas contratuais, conhecidos como

Evidências do mundo real e novos metodos de pagamento

Acordos de Entrada Gerenciada (Managed Entry Agreements” ou MEAs), que reúnem diversos tipos de arranjos, de acordo com sua complexidade. Abrangem, assim, programas de gerenciamento de doenças, acordos de preço-volume e garantia de cobertura com desenvolvimento de evidências. Eles cos-tumam receber nomes diversos, tais como Acordos Baseados no Desempenho (Perfor-mance Based Agreements - PBAs), Acordos de Compartilhamento de Risco (Risk Sharing Agreements - RSAs) ou Esquemas de Aces-so de Pacientes (Patient Access Schemes - PAS).18

Esses acordos podem ser segmentados, para maior clareza, em dois grupos principais (Fi-gura 13): de base financeira (Financial-Based) ou baseados em resultados em saúde (Ou-tcomes-Based). Os primeiros, relacionados a pacientes individuais ou à população, foram desenhados com o intuito de limitar o impac-to orçamentário para o pagador. Consideram preço vs. volume, tais como tetos financeiros, descontos ou, eventualmente, provimento gratuito por período determinado (Patient Access Schemes) para promover a utilização e possibilidade de reembolso. Já os baseados em resultados (Outcomes Based) estão asso-ciados a desfechos clínicos predeterminados ou a uma cobertura condicional enquanto

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Fonte: Ferrario and Kanavos (2013).

FIGURA 13: ESTRUTURA PARA CLASSIFICAR E ANALISAR O IMPACTO DE ENTRADA GERENCIADO

Acordos de entrada gerenciada

Acordos financeiros Acordos baseados em desempenho

Utilização na vida real

Evidência em relação à incerteza

de decisão

Cobertura com desenvolvimento

de evidências

Garantia de resultados

Utilização/limite de preço

Preço/volumeElegibilidade do paciente + registro do

paciente

Paciente/desconto

dependente da dose

Descontos

Obj

etiv

oM

onit

oram

ento

Inst

rum

ento

sIm

pact

o

Instrumentos específicos

do país

Custo total para todos pacientes

Desconto inicial em todas as doses ou doses iniciais

gratuitas

Desconto, reembolso ou doses gratuitas

após o limite de gasto/volume acordado

Limite no número de doses/custo total reembolsado

por paciente após o qual o fabricante assume o custo

Custo total por paciente

Combinação de elementos financeiros e baseados em desempenho

novos resultados são coletados em um de-terminado ambiente de pesquisa ou dados do mundo real (RWD). Um bom exemplo é a maior eficácia ou efetividade quando com-parada ao padrão clínico existente ou a popu-lações mais abrangentes ou, ainda, a grupos

de pacientes diferentes dos pesquisados nos ensaios clínicos.

De modo geral, os acordos pretendem tornar mais equilibrado o perfil de risco entre labo-ratórios e pagadores, permitindo acesso mais rápido às novas tecnologias pelos pacientes.

Reembolso se o medicamento não for eficaz

Desconto se o medicamento não for

eficaz ou menos eficaz do que o esperado

Reavaliação que pode conduzir a alterações de preços, à conclusão de

novos acordos ou a nova decisão de reembolso

Interrupção do tratamento se o medicamento não for eficaz de acordo com alvos

pré-estabelecidos

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 27

Cabe destacar que esses acordos ou contra-tos não são indicados para todo e qualquer medicamento, especialmente considerando que, em certos casos, o custo de fornecer evi-dência adicional pode ser significativo. São, por isso, mais adequados quando:

1) Os fabricantes devem justificar o valor se os dados de uso no mundo real ainda requerem uma maior comprovação ou os benefícios es-perados ocorrem somente a médio ou longo prazo (ex. redução no número de reinterna-ções).

2) O produto é prioritário para os pagadores, mas os preços são elevados.

3) Os fabricantes precisam mostrar os bene-fícios do seu produto comparativamente aos diversos competidores em sua classe tera-pêutica.

Pela simplicidade, os esquemas de tipo fi-nanceiro têm sido historicamente os mais utilizados por requererem o levantamento de um menor número de dados para satisfa-zer as obrigações do acordo. Já os baseados em resultados (“outcomes-based” ou “perfor-mance-based”) demandam coleta mais de-talhada de dados de pesquisa ou de utiliza-ção no mundo real.

Os acordos de preços baseados em resulta-dos (OBAs) podem ser estruturados de vá-rias maneiras. Os dados clínicos podem, por exemplo, ser coletados prospectivamente para avaliar os resultados que acionam paga-mentos baseados em desempenho. Podem ser de um paciente individual ou de uma cer-ta proporção de pacientes que usam o me-dicamento. Assim, os acordos podem facili-tar o acesso a tratamentos potencialmente salvadores para os doentes capazes de obter os maiores benefícios, além de favorecer o desinvestimento em terapias que se revelam menos eficazes.

Esses OBAs não são uma ideia nova, mas sua aceitação tem sido vagarosa por uma série de limitações tecnológicas iniciais de TI, de padronização metodológica e de custos en-volvidos. Como destacamos anteriormente, nem todos os medicamentos são bons candi-datos para este tipo de acordo. Laboratórios e pagadores devem avaliar criteriosamente as evidências existentes e esperadas de deman-da potencial pelo produto, além de eficácia e efetividade, antes de ingressar neste tipo de acordo. No entanto, com os avanços recen-tes no uso de Big Data e a padronização nos registros eletrônicos, os custos poderão de-crescer significativamente em benefício de pacientes, laboratórios, pagadores e presta-dores. Cabe destacar que a jornada em dire-ção à demonstração de valor e consequente melhora na performance dos cuidados com saúde não envolve apenas os medicamentos, mas se estende ao continuum do sistema de saúde.

Fonte: 1. Carlson JJ, et al. Health Policy. 2010; 96(3): 179-190.; 2. Carlson JJ, et al. JMCP. 2009; 15(8): 683-687.; 3. Neumann PJ, et al. Health Affairs. 2011; 30(12):2329-2337.

FIGURA 14: FATORES-CHAVE PARA UMA IMPLEMENTAÇÃO BEM-SUCEDIDA

Seleção do produto apropriado/área terapêutica• A maioria dos contratos é para

terapias em estados de doença de alto gasto e impacto

• Benefícios potenciais > Custos de implementação e transação

Colaboração entre o fabricante e o pagador sobre os resultados medidos• Objetivo, claramente definido,

reproduzível e difícil de manipular• Período de medição apropriado (1-2

anos)

Acesso a dados e pessoal adequados• Complexidade dos resultados dita as

necessidades e nível de TI• Mecanismos de pagamento e

reembolso estão claramente estabelecidos

O engajamento dos recursos do pagador e do fabricante é fundamental para apoiar as táticas que levam aos resultados desejados para o paciente

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Levantamento da Change Healthcare em 2017 revelou que, nos Estados Unidos, a ex-pectativa dos pagadores é a de que o reem-bolso baseado no valor (VBR) cresça de, apro-ximadamente, um terço dos negócios para a maioria deles, nos próximos cinco anos. Tam-bém esperam que 60% dos provedores de serviços de saúde irão aderir, 54% dos reem-bolsos serão pagos através desses modelos e 55% dos membros estarão vinculados a acor-dos de VBR. Os novos modelos de reembolso deverão eclipsar o sistema de pagamentos fee-for-service até 2020. Por se tratar de um paradigma em franca evolução, os desafios que aparecem de forma recorrente incluem dificuldades com métricas, análises e dados, bem como fatores pessoais, organizacionais e financeiros.19

No que concerne especificamente medica-mentos, as informações obtidas de fontes públicas sobre os OBAs subestimam o nível de atividade existente, uma vez que muitos deles ocorrem confidencialmente. Se man-tida a estimativa de que 40 a 45 medica-mentos serão lançados a cada ano até 2021, muitos desses acordos apresentarão novos mecanismos de ação ou serão direcionados ao tratamento de doenças raras. Seus preços refletirão a inovação tecnológica embarcada e o valor esperado para o paciente. Nesse ce-nário, o número de acordos poderá aumen-tar significativamente.

Em geral, espera-se que duas a três vezes mais OBAs sejam implementados nos Esta-dos Unidos e na União Europeia nos próxi-mos cinco anos em relação ao ocorrido nos últimos cinco anos. Os principais impulsio-nadores incluirão a introdução de uma es-trutura OBA nacional na Espanha, de outra potencialmente semelhante no Reino Unido, a atividade crescente dos fundos de doen-

19. Change Healthcare, Journey To Value: The State of Value-Based Reimbursement, 2017 Change Healthcare Operations, LLC.

ça na Alemanha e o movimento dos Estados Unidos em direção a cuidados responsáveis com saúde.20

Entre 2015 e 2017, uma parte significativa das principais empresas farmacêuticas entraram em OBAs, nos Estados Unidos, junto com pa-gadores privados do porte da Harvard Pilgrim, Aetna, Cigna, Express Scripts, CVS Health e Prime Therapeutics.21 Outras empresas tam-bém estão engajadas em diversos formatos de acordos - tais como “Multiple-Indication Pricing” e “Combination Pricing”.

A aplicação dos MEAs difere entre países e em diferentes indicações para o mesmo me-dicamento. Os acordos com base financeira prevalecem, como foi dito, devido à sua sim-plicidade em comparação com contratos ba-seados em desempenho. Na Europa, a Itália tem permanecido na vanguarda da atividade de OBAs em nível nacional, seguida da Espa-nha e da Alemanha. Na Itália, a maioria dos MEAs possui um componente de desempe-nho para decidir o reembolso do fabrican-te por cada paciente não-respondente, mas também há combinações baseadas tanto em desempenho quanto em aspectos finan-ceiros. Registros de monitoramento padrão são aplicados independentemente do tipo de MEA e podem ser empregados para medir a resposta do paciente no contexto do acor-do. Esses registros são ferramentas baseadas em web-services, organizados pela Agência Italiana de Medicamentos (AIFA), com o ob-jetivo de compartilhar informações clínicas e dados de segurança entre reguladores, mé-dicos e farmacêuticos. A manutenção dos dados conta com o suporte f inanceiro das

20. Nazareth, Tara et al. Outcomes-Based Contracting Experience: Research Findings from U.S. and European Stakeholders, J. Manag. Care Spec. Pharm., 2017 Oct;23(10):1018-1026.

21. Phrma Members Survey, Barriers to Value-Based Contracts for Medicines, Março2017.

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 29

empresas farmacêuticas. A decisão sobre a fixação de preços e o reembolso na Itália é geralmente reavaliada após 24 meses, mas a duração do MEA pode ser ajustada conforme o caso22.

Na França, por exemplo, optou-se, também pela simplicidade, por acordos de tipo finan-ceiro sobre os OBAs. Por outro lado, os acor-dos de partilha de riscos baseados em resul-tados podem ser aplicados a medicamentos que recebem a classificação V (não melho-ria), para os quais o fabricante reivindica uma clara vantagem sobre as terapias estabeleci-das, o que somente pode ser comprovado no mundo real. Esses acordos partem do prin-cípio de que o fabricante arcará com o risco financeiro total se os estudos pós-comerciali-zação não comprovarem a superioridade ale-gada da droga.

Visto que atualmente não existe nenhum regulamento que unifique a aplicação dos MEAs na Comunidade Europeia, apenas po-dem ser relatadas experiências singulares para os países que adotaram acordos deste tipo. Em 2012, a Comissão Europeia propôs uma nova diretiva relativa à transparência para substituir a anterior (Council Directive 89/105/EEC), cujo objetivo era simplificar e re-duzir o espaço de tempo gasto nas decisões nacionais sobre preços e reembolso de me-dicamentos. A nova proposta excluiu expres-samente os MEAs de seu escopo, refletindo a necessidade de uma estrutura legal flexível e adaptável às características e especificidades de cada sistema nacional. Não houve men-ção ao preço entre as informações a serem tornadas públicas. Esta questão continua su-jeita a regulamentações nacionais sobre con-fidencialidade.

Os tomadores de decisão na área da saúde enfrentam de maneira cada vez mais intensa o dilema das pressões orçamentárias, a ava-lanche de novas tecnologias (muitas vezes disruptivas), a incerteza quanto aos resulta-dos das novas intervenções e o aumento dos custos. Precisam, portanto, de soluções ino-vadoras urgentes para enfrentar esses desa-fios. Os OBAs podem representar uma ferra-menta importante na tomada de decisões. O panorama atual mostra uma predominância dos acordos de base financeira (FBSs) sobre os OBAs, principalmente por sua maior faci-lidade de implementação, mas essa tendên-cia poderá e deverá ser revertida a partir do momento em que a convergência tecnoló-gica entrar em fase de custos marginais de-crescentes.

Como salientado anteriormente, os ensaios clínicos randomizados (ECRs) foram até hoje o padrão ouro na pesquisa clínica, mas al-guns fatores tornarão mais aparentes algu-mas deficiências, principalmente para tera-pias mais complexas e que exijam um acesso acelerado dos pacientes em função do risco à vida. Enquanto esforços estão sendo realiza-dos pelos reguladores (principalmente, FDA e EMA) para sanar certas ineficiências dos ECRs, o melhor uso de dados do mundo real (RWD) certamente ajudará a preencher as evidências faltantes. Nesse sentido, os recur-sos de “Big Data Analytics”, que utiliza méto-dos avançados para extrair valor de grandes volumes de dados, o uso de wearables ou tecnologias “vestíveis” e sensores capazes de monitorar os pacientes em tempo real, assim como outras tecnologias emergentes, deve-rão se tornar o “novo normal”, contribuindo para uma tomada de decisão mais eficiente nos sistemas de saúde.

As Figuras 15A e 15B mostram a diversidade de fontes de dados existentes com potencial de utilização na tomada de decisões, inclusi-ve para utilização nos OBAs. No entanto, um grande esforço de padronização e seleção

22. Kim Pauwels et al. Managed Entry Agreements for Oncology Drugs: Lessons from the European Experience to Inform theFuture, Frontiers in Pharmacology, 1 April 2017 | Volume 8 | Article 171

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Fonte: : European Medicines Agency, Update on Real World Evidence Data Collection, https://ec.europa.eu/health/sites/health/files/files/committee/stamp/2016-03_stamp4/4_real_world_evidence_ema_presentation.pdf

FIGURA 15A: RWE AO LONGO DO CICLO DE VIDA

dos dados realmente relevantes se faz neces-sário. Os registros eletrônicos (Electronic Me-dical Records - EMRs) de pacientes recolhem uma enorme quantidade de dados mas, de acordo com levantamentos realizados, ape-nas uma fração das tabelas em um banco de dados de prontuários eletrônicos (talvez de 400 a 600 tabelas entre 1000) é relevante à prática atual da medicina e seus correspon-dentes casos de uso analítico23.

O sucesso, principalmente dos OBAs, depen-de fundamentalmente de relações colabora-tivas entre todos os “stakeholders” do sistema de saúde - especialmente reguladores, pa-gadores e prestadores de serviços de saúde

públicos e privados, além dos desenvolvedo-res de novas tecnologias. Firmar acordos com regras bem estabelecidas e claras é também um importante pré-requisito.

O esforço colaborativo deve abranger a inte-roperabilidade, que é a capacidade de agre-gar e compartilhar informações clínicas de diferentes redes de prestadores de serviços como ferramenta fundamental na transição para os cuidados em saúde baseados em va-lor, pois os dados coletados tornam-se cen-trais para acompanhar o sucesso nos mode-los de pagamento.

Pesquisa recente da Healthcare Financial Management Association (HMFA), dos Esta-dos Unidos, junto a líderes do segmento hos-pitalar, detectou que as capacidades atuais relacionadas com a interoperabilidade inter-na e principalmente externa é a área mais crí-

23. Brent C. James, Moving from ‘My Experience’ to ‘My Measured Experience’, Intermountain Healthcare Continuing Medical Education, Fev. 2014

Núm

ero

de p

acie

ntes

tra

tado

s

Linha inicial

Histórico Natural de Doença,População de Pacientes,Utilização de Recursos,Segurança e E�cácia

Segurança,E�cácia,

Estudos ClínicoAberto

Segurança, E�cácia, Uso de Medicamentos, Resultados a Longo Prazo

Linha completa

Tempo (anos)

Ensaios de Fase IV

Dados hospitalares

Registros

Pacientes em ECRs(ou outros estudos de intervenção)

Pacientes em estudosobservacionais, registros, etc

Pacientes tratados,sem vigilância ativa

Registros

Dados dePlano de Saúde

Pesquisas

Bancos biológicos

Prontuário Eletrônicodo Paciente

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 31

tica na adoção dos modelos OBAs.24 Apenas 33% dos líderes do segmento disseram ter uma estrutura altamente preparada, apesar de 98% afirmarem que este é um ativo “alta-mente” ou “extremamente” importante para o aumento esperado dos OBAs para os próxi-mos três anos.

Adicionalmente, tanto os pagadores quanto provedores estão razoavelmente alinhados

24. HFMA’s Executive Survey: Value-Based Payment Readiness, Setembro 2017.

25. McKesson Health Solutions, Journey to Value: The Sate of Value-Based Reimbursement in 2016, McKesson Corporation, 2016.

na necessidade de coordenação dos cuida-dos em saúde, padronização das medidas clínicas, integração dos fluxos de trabalho e o envolvimento dos pacientes com as medidas ou processos mais importantes (Figura 17).25

Fonte: BIG DATA IN HEALTHCARE MADE SIMPLE: Where It Stands Today and Where It’s Going, Health Catalyst, 2017.

*PCT – (Ensaio Clínico Pragmático)

FIGURA 15B: ONDE ESTÃO OS DADOS QUE PRECISAMOS?

Dados clínicos & resultados

Dados ainda não foram coletados

Uso dos recursos de

saúde

Registrado em notas

de cuidados primários

Registrado em anotações hospitalares

Sistema de prontuário

eletrônico de saúde

Prontuário eletrônico parte do banco de dados de pesquisa

Dados incluídos no

prontuário em andamento:

por clínico ou paciente

Acesso aos dados do

prontuário?

Investigador registrou dados em

estudo clínico

Dados publicados na literatura

científica

Papel ou eletrônico

mas individual

Acesso ao prontuário do

paciente?

Dados-chave não vinculados

Todos os dados

vinculados

Estudo prontuário

Estudo banco de

dados

Data mining

Revisão da literatura

Meta análise

Notas de auditoria

Estudo observacional não intervencionista

Novo registro

Pesquisa

Prospectiva PCT* ou estudo híbrido

Resultado relatado pelo

paciente

Opinião do médico

Experiência do cuidador

NãoNão NãoSimSim Sim

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Fonte: McKesson Health Solutions; VBR - Value-Based Reimbursement

(% Extremamente/muito importante)

FIGURA 16: PROCESSOS DE REEMBOLSO BASEADO NO VALOR (VBR) MAIS FREQÜENTES ENTRE PAGADORES E PROVEDORES

Coordenação de cuidados

TOTAL PAGADORES TOTAL PROVEDORES

Padronização de medidas clínicas

Fluxos de trabalho integrado

Envolvimento do paciente

Troca de dados em tempo real

Metodologia de pagamento padronizado

Predictive Analytics

Melhor inteligência de negócios

Equipes de transformação clínica

Incentivos para pacientes/membros

82%

81%

74%

74%

73%

69%

66%

64%

58%

57%

77%

75%

70%

69%

64%

62%

58%

63%

58%

56%

25. McKesson Health Solutions, Journey to Value: The Sate of Value-Based Reimbursement in 2016, McKesson Corporation, 2016.

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 33

Os desafios da convergência tecnológica

O avanço vertiginoso da inovação tecnoló-gica na saúde decorre da convergência de avanços obtidos em diversas áreas do conhe-cimento. Eles permitem hoje integrar ele-mentos anteriormente dispersos em silos de difícil ou nenhuma comunicação.

De modo geral, os serviços proporcionados por fabricantes de medicamentos, de equi-pamentos médicos, provedores, planos de seguros de saúde e os profissionais da me-dicina têm funcionado como ilhas separadas de inovação, pouco integradas com a experi-ência do paciente.

Essa situação está prestes a mudar de forma rápida e significativa. A riqueza de dados re-sidentes em bancos de Registros Eletrônicos de Pacientes (EHR), dados de sinistralidade dos pagadores e de aplicativos e serviços geradores de Big Data, como as tecnologias “vestíveis” em diversos formatos, cresce de forma geométrica.

Reunir, armazenar, analisar e principalmen-te compartilhar os dados gerados constitui um desafio gigante, mas o caminho é sem retorno se formos utilizar a tecnologia para dar mais transparência aos sistemas de saú-de e fundamentalmente melhorar o serviço ao paciente.

A falta de interoperabilidade dos sistemas, que trata da capacidade de agregar e com-partilhar dados tanto internamente quanto entre diferentes atores no sistema, é um dos principais entraves nesse processo de conver-gência tecnológica e na adoção dos modelos

de pagamentos baseados na performance ou no valor de modo geral.

Os stakeholders da área de saúde precisam, com urgência, de soluções inovadoras para atender os desafios da incerteza frente a custos e pressões orçamentárias crescentes. Para determinados produtos e casos espe-cíficos, os OBAs constituem uma alternativa aos modelos tradicionais de preço e reem-bolso. Superar os obstáculos discutidos com as tecnologias já disponíveis exige o esforço colaborativo dos atores envolvidos na cadeia da saúde. Para tanto, é fundamental estabe-lecer um sistema de governança dinâmico para o estabelecimento de padrões comuns para o levantamento e análise de dados de alta qualidade em sistemas de TI, abando-nando inclusive, sistemas legados obsoletos.

Os pagamentos baseados na demonstração de valor ou de resultados requerem um sig-nificativo esforço de padronização na utiliza-ção dos dados existentes ou para novos usos de dados, em casos em que o nível de estan-dardização é ainda inadequado. Assim, os sis-temas de prontuário eletrônico de pacientes não foram construídos para integrar dados financeiros e clínicos ou para sua utilização como ferramenta analítica. Diferentes meto-dologias de análise são utilizadas por prove-dores no mesmo nível da cadeia da saúde, sendo que a variabilidade e a qualidade dos dados coletados comprometem a confiança dos participantes nas relações contratuais.

Fora do Brasil, esses esforços já vêm sendo realizados por atores públicos e privados. Nos

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Estados Unidos, por exemplo, Merck e Op-tum, uma divisão do grupo United Health-care anunciaram, em 2017, a criação de um “laboratório de aprendizado” para analisar o potencial de EMAs entre seguradoras, PBMs e empresas farmacêuticas. O objetivo anun-ciado é o uso de RWD para desenvolvimento conjunto de modelos avançados de previsão e o desenho de acordos de compartilhamen-to de riscos baseados em resultados destina-dos a reduzir a incerteza clínica e financeira no pagamento dos novos medicamentos.26 Outra iniciativa, a CAQH CORE, reúne mais de 130 planos de saúde públicos e privados, além de hospitais e outros participantes da cadeia, com a finalidade de uniformizar as

26. Optum and Merck Collaborate to Advance Value-Based Contracting of Pharmaceuticals, 25 de Maio de 2017, Disponível em: https://www.optum.com/about/news/optum-merck-collaborate-advance-value-based-contracting-pharmaceuticals.html

27. Value-based healthcare: A global assessment, The Economist Intelligence Unit Limited 2016.

mensagens eletrônicas e promover o inter-câmbio eficiente de dados, tendo como alvo não apenas os medicamentos, mas parte da jornada mais ampla dos pagamentos, base-ados no valor em todo o sistema de saúde. Iniciativas semelhantes, combinando parce-rias tanto públicas quanto privadas, foram estabelecidas em diversos países da União Europeia. No Brasil27, essa jornada ainda pre-cisa ser construída. Para tanto, é urgente in-centivar e formalizar o diálogo colaborativo entre os parceiros da cadeia da saúde como forma de progredir também na desafiado-ra tarefa de melhorar a performance de um sistema complexo, fragmentado e, em geral, bastante ineficiente.

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INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA: NOVAS TERAPIAS, NOVOS MÉTODOS DE PAGAMENTO E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA 35

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