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UNIFAE CENTRO UNIVERSITÁRIO Mestrado em Organizações e Desenvolvimento DISSERTAÇÃO UMA PROPOSTA TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA OS ESTUDOS DAS PRÁTICAS EMPRESARIAIS A PARTIR DAS DIMENSÕES DA TEORIA DO RECONHECIMENTO DE AXEL HONNETH TAYOMARA MATEUS Curitiba 2010

DISSERTAÇÃO TAYOMARA CDÀ sincera e carinhosa preocupação do professor José Henrique de Faria para a continuidade deste trabalho. À Tânia, adorável amiga e incentivadora “número

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UNIFAE CENTRO UNIVERSITÁRIO

Mestrado em Organizações e Desenvolvimento

DISSERTAÇÃO

UMA PROPOSTA TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA OS ESTUDOS DAS

PRÁTICAS EMPRESARIAIS A PARTIR DAS DIMENSÕES DA TEORIA DO

RECONHECIMENTO DE AXEL HONNETH

TAYOMARA MATEUS

Curitiba

2010

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TAYOMARA MATEUS

UMA PROPOSTA TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA OS ESTUDOS DAS

PRÁTICAS EMPRESARIAIS A PARTIR DAS DIMENSÕES DA TEORIA DO

RECONHECIMENTO DE AXEL HONNETH

Dissertação apresentada como requisito parcial à

obtenção do grau de Mestre, do Programa de Mestrado

Acadêmico em Organizações e Desenvolvimento,

Unifae Centro Universitário.

Orientador: Prof. Dr. Osmar Ponchirolli

Co-orientadora: Profª. Drª. Lis Andréa Pereira Soboll

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À pessoa mais forte que eu já conheci – minha mãe!

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AGRADECIMENTOS

Especialmente a Deus.

Aos meus queridos pais Noel e Noemia. Penso que ter superado as

dificuldades que se opuseram a este trabalho, seja apenas um pequeno reflexo do

exemplo de força e superação que me transmitiram.

Aos meus afetuosos irmãos Linconn e Magnus por toda acolhida.

À Luíza, por todo afeto e presença nos momentos mais difíceis em que não

deixou as lágrimas cair. “Lu” obrigada por me oferecer uma amizade tão especial

tanto nos bons quanto nos maus momentos da vida, tenha certeza que seu apoio, foi

muito importante para que eu não desistisse desta jornada.

À sincera e carinhosa preocupação do professor José Henrique de Faria

para a continuidade deste trabalho.

À Tânia, adorável amiga e incentivadora “número 1” da minha trilhada pelo

caminho acadêmico.

À amiga Denise, por simplesmente ter se preocupado a ponto de buscar

uma ajuda que sem a qual este trabalho não seria possível. Nem que se eu quisesse

poderia esquecer que em um momento em que a maioria se afastava você esteve

presente. “De” muito obrigada!

Agradeço a essencial colaboração dos queridos amigos Vinícius e Sandra

para uma melhor apresentação deste trabalho.

Agradeço ao meu orientador professor Osmar Ponchirolli, por toda atenção

desprendida a este trabalho.

Agradeço também a minha co-orientadora professora Lis Andrea.

E por fim agradeço as monjas do Mosteiro Beneditino pela hospedagem

nos dias em que terminei de escrever esta dissertação. Obrigada!

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"Enquanto, por efeito de leis e costumes, houver proscrição social,

forçando a existência, em plena civilização, de verdadeiros infernos,

e desvirtuando, por humana fatalidade, um destino por natureza Divino;

enquanto os três problemas do século - a degradação do homem [...],

a prostituição da mulher pela fome, e a atrofia da criança pela ignorância –

não forem resolvidos; enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social;

em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra

houver ignorância e miséria, livros como este não serão inúteis"

(Victor Hugo)

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RESUMO

Motiva este trabalho a necessidade de propostas de estudos das práticas empresariais que visem reconsiderar os processos de interação social. Atualmente as práticas empresariais promovem o comprometimento de valores de ordem emocional convertendo estes valores a assumir uma funcionalidade estratégica para a empresa. Como resultado tem-se o risco do abalo psíquico do indivíduo. Reconsiderar os processos de interação passa antes de tudo pelo reconhecimento da subjetividade humana enquanto elemento central da identidade do indivíduo. Neste sentido, a Teoria do Reconhecimento Intersubjetivo de Axel Honneth acena com importantes contribuições. Axel Honneth, filósofo alemão pertencente à tradição da Teoria Crítica, é o principal representante da Terceira Geração da Escola de Frankfurt. Honneth recorreu ao pensamento de Hegel sobre a constituição triádica da identidade humana, que se efetuaria sob o imperativo de etapas de um reconhecimento intersubjetivo. Honneth aproxima o pensamento de Hegel à Psicologia Social para propor as seguintes dimensões: Amor, Direito e Solidariedade; sob as quais se efetua o reconhecimento intersubjetivo. O objetivo da presente pesquisa consiste em obter a partir das dimensões mencionadas, contribuições para elaborar uma proposta teórico-metodológica de análise do reconhecimento nas práticas empresariais. O método que caracteriza esta pesquisa é a revisão bibliográfica, com utilização de fontes múltiplas de evidências. Os dados foram obtidos mediante uma profunda investigação bibliográfica. A análise dos dados foi efetuada de forma descritivo-interpretativa. Utilizou-se, a análise de conteúdo e a análise documental. Dentre os principais autores que compõem o aparato teórico desta, estão Barbara Freitag, Maurício Tragtenberg, Paul-Laurent Assoun, Sérgio Paulo Rouanet e Axel Honneth. Ao final do trabalho foi possível identificar contribuições das dimensões do Reconhecimento Intersubjetivo no âmbito das práticas empresariais, tais como a necessidade do real reconhecimento de relações afetivas no que se refere à amizade, relações de respeito mútuo e condições de igualdade para a autorrealização dos indivíduos. Portanto, as contribuições das dimensões do reconhecimento assumiram a potencialidade de serem propostas como categorias de estudos das práticas empresariais.

Palavras - chave: Reconhecimento Intersubjetivo – Axel Honneth - Dimensões do Reconhecimento - práticas empresariais.

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ABSTRACT

This work motivates the need for proposals for studies in business practices that aim to reconsider the processes of social interaction. Currently business practices promote the involvement of emotional values converting these values to take a strategic feature for the company. As a result, there is the risk of concussion of the individual psyche. Reconsider the processes of interaction depends above all on the recognition of human subjectivity as a central element of the identity of the individual. In this sense, the theory of intersubjective recognition of Axel Honneth waves with important contributions. Axel Honneth, German philosopher belonging to the tradition of Critical Theory is the main representative of the Third Generation of the Frankfurt School. Honneth appealed to Hegel's thought on the triadic constitution of human identity, would be wrought under the imperative of steps of an intersubjective recognition. Honneth approaching Hegel's thought on social psychology to propose the following dimensions: Love, Solidarity and Law, under which one performs the intersubjective recognition. The objective of this research is to obtain from the dimensions mentioned, contributions to develop a theoretical and methodological analysis of recognition in business practices. The method that characterizes this research is the literature review, using multiple sources of evidence. Data were obtained through a thorough literature search. Data analysis was performed in a descriptive and interpretive. We used the content analysis and document analysis. Among the authors that make up the theoretical apparatus that are Barbara Freitag, Mauricio Tragtenberg, Paul Assoun-Laurent, Sergio Paulo Rouanet and Axel Honneth. At the end of the study was to identify possible contributions of the dimensions of intersubjective recognition within the business practices, such as the need to recognize of affective bonds with regard to friendship, relationships of mutual respect and equality for self-realization of individuals. Therefore, the contributions of the dimensions of recognition took the potentiality of being proposed as categories of studies in business practices. Keywords: Intersubjective Recognition - Axel Honneth - Dimensions of Recognition - business practices.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01 - Etapas de Reconhecimento.................................................................52

Quadro 02 - Dimensões do Reconhecimento Intersubjetivo e as Categorias de

Estudos das Práticas Empresariais........................................................................... 94

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11

2. TEORIA CRÍTICA E ESCOLA DE FRANKFURT ................................................. 15

2.1 A ORIGEM DA ESCOLA DE FRANKFURT ........................................................ 15

2.2 PRIMEIRA GERAÇÃO DA ESCOLA DE FRANKFURT: ADORNO E

HORKHEIMER .......................................................................................................... 25

2.2.1 Crítica à Cultura e ao Freudismo, e a Dialética do Esclarecimento .................. 27

2.3 SEGUNDA GERAÇÃO DA ESCOLA DE FRANKFURT: HABERMAS ................ 34

2.3.1 Habermas e a Teoria da Ação Comunicativa ................................................... 39

2.4 TERCEIRA GERAÇÃO DA ESCOLA DE FRANKFURT: AXEL HONNETH E A

TEORIA DA LUTA POR RECONHECIMENTO ......................................................... 45

2.4.1 Hegel: Ética e Intersubjetividade ...................................................................... 49

2.4.2 A Filosofia da Consciência de Hegel e o Reconhecimento .............................. 53

2.4.3 Análise de Honneth sobre a Psicologia Social de Mead .................................. 64

2.4.4 Dimensões do Reconhecimento Intersubjetivo: Amor, Direito e Solidariedade 69

2.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PENSAMENTO DE AXEL HONNETH A PARTIR

DE NANCY FRASER ................................................................................................ 80

3. PROPOSTA TEÓRICO - METODOLÓGICA PARA OS ESTUDOS DAS

PRÁTICAS EMPRESARIAIS A PARTIR DAS DIMENSÕES DA TEORIA DO

RECONHECIMENTO ................................................................................................ 85

3.1 METODOLOGIA DA PESQUISA ........................................................................ 85

3.2 AS DIMENSÕES DO RECONHECIMENTO E AS PRÁTICAS EMPRESARIAIS 87

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 96

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 99

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1. INTRODUÇÃO

Uma das preocupações marcantes da civilização ocidental atual diz respeito

à formulação de propostas que busquem diminuir o desrespeito ao ser humano no

universo empresarial. Nesta busca, a fundamentação epistêmica da Teoria Crítica1

se constitui em uma fonte fundamental. Principalmente a fundamentação teórica de

Axel Honneth, representante da Terceira Geração da Escola de Frankfurt, onde se

originou a Teoria Crítica.

A Terceira Geração da Escola de Frankfurt se inicia quando Axel Honneth

estabelece críticas ao pensamento de Jürgen Habermas, principal representante da

Segunda Geração. Para Honneth (2003), a Teoria da Ação Comunicativa de

Habermas cairia no risco de se tornar instrumental nos processos de domínio e

manipulação das consciências humanas. A partir desta crítica, Axel Honneth propõe

que a construção de uma teoria social se efetua sob o imperativo da análise do

reconhecimento recíproco, argumentando que a identidade humana pressupõe2 a

experiência de um reconhecimento intersubjetivo.

Axel Honneth efetua então a construção da Teoria do Reconhecimento e

publica em 1992, a primeira edição da obra: Luta Por Reconhecimento: A Gramática

Moral dos Conflitos Sociais. A qual foi relançada em uma nova edição em 2003. É

possível verificar nesta obra que Honneth recorreu ao pensamento de Hegel sobre a

constituição triádica3 da consciência humana, comprometendo-se dar ao

pensamento de Hegel uma inflexão da Psicologia Social de Mead. Desta forma,

Honneth, definiu as dimensões do Reconhecimento Intersubjetivo: Amor, Direito e

Solidariedade. Para Honneth (2003) é a partir do reconhecimento da particularidade

individual de outra pessoa e, por conseqüência, do autorreconhecimento de si, que

as formas de desrespeito e manipulação das consciências individuais podem ser

amenizadas.

A problemática da presente pesquisa é definida através da seguinte

questão: Quais são as contribuições a partir das dimensões da Teoria do 1 “[...] a Teoria Crítica não se limita a descrever o funcionamento da sociedade, mas pretende compreendê-la à luz de uma emancipação ao mesmo tempo possível e bloqueada pela lógica própria da organização social vigente” (HONNETH, 2003, p. 9). 2 Honneht (2003). 3 Segundo Honneth (2003), Hegel estabelece que a constituição subjetiva do ser humano se efetuava através do reconhecimento em três etapas Família, Sociedade e Estado.

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Reconhecimento de Axel Honneth que possibilitam a elaboração de uma proposta

teórico-metodológica de análise do Reconhecimento nas práticas empresariais?

Segundo Tragtenberg (1974), as organizações no âmbito empresarial

utilizam conceitos da psicologia para criar e harmonizar mecanismos de

manipulação, confinando o homem a papéis como se fora “coisa”. O uso da

psicologia neste processo permite a empresa impor sua ideologia ao empregado,

pois este passa a ter sua subjetividade suscetível aos valores da empresa. De

acordo com Enriquez (2006), o indivíduo não está sendo forçado diretamente ao

trabalho, mas induzido ao trabalho por se identificar aos valores da empresa, assim

o empregado tem a impressão de sujeito autônomo.

A realidade descrita acima tem início na fase da admissão do indivíduo à

empresa. Pois de acordo com Tragtenberg (1974, p. 198), “[...] ao nível empresarial

as entrevistas de admissão, de diagnóstico e testes de personalidade penetram no

cerne da vida do candidato atingindo sua intimidade [...]”. A empresa busca firmar o

quanto antes ligações de cunho emotivo com o candidato. Para Enriquez (2006),

com o comprometimento da subjetividade do empregado, a empresa tende a

estabelecer a si mesma uma crescente importância. O indivíduo passa a perceber a

empresa como a provedora da satisfação das suas necessidades contidas tanto no

plano objetivo4 como no plano psicológico5. Para Tragtenberg (1989), as estruturas

empresariais promovem a mobilização por sedução para excluir a neutralidade

afetiva.

É importante destacar que o indivíduo, passa a colaborar para sua própria

instrumentalização, por estar afetivamente comprometido com a empresa. As

relações entre as pessoas da empresa perpassam por esta realidade, mediadas

pelo setor “Relações Humanas” da empresa que tem por função, de acordo com

Tragtenberg (1989), acentuar o conformismo em relação à prática da empresa, e ao

mesmo tempo acentuar a competição não declarada entre os empregados. O

mecanismo de controle e alienação por trás das práticas empresariais avança então

à coletividade.

4 De acordo com Faria (2007), vínculo objetivo refere-se à obtenção de salário e elementos necessários para sobrevivência do indivíduo. 5 De acordo com Faria (2007), vínculo psicológico se caracteriza pela possibilidade de satisfação de necessidades psicológicas e obtenção de satisfação através das relações sociais que se delineiam no interior da organização.

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Enriquez (2006) alerta que o engajamento da subjetividade do indivíduo

consagrado a empresa tem-lhe custado danos de ordem psíquica. Sentimentos

como o medo do fracasso no trabalho e humilhação perante aos pares, levam o

indivíduo a doença. Esta situação é classificada por Enriquez (2006) como o auge

do desrespeito da empresa ao indivíduo, pois ela se utiliza da subjetividade do

indivíduo até seu esgotamento. Segundo Dejours (2007), as patologias ligadas à

depressão no trabalho vêm aumentando consideravelmente.

Existe a urgência de esforços que possam encontrar contribuições para

dissolver das práticas empresariais situações que comprometem a subjetividade do

ser humano e que o colocam em um quadro de desrespeito e sofrimento. Neste

sentido, a fundamentação teórica de Axel Honneth acena com a potencialidade de

se tornar uma importante contribuição. Principalmente a fundamentação teórica

referente às Dimensões do Reconhecimento.

O objetivo geral da presente pesquisa consiste em elaborar uma proposta

teórico-metodológica para os estudos das práticas empresariais a partir das

dimensões da Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth. Os objetivos específicos

do presente estudo são:

- Apresentar a origem da Teoria Crítica e da Escola de Frankfurt para identificar

as gerações da Escola.

- Descrever as gerações da Escola de Frankfurt, a fim de identificar as principais

características e pensadores de cada geração, para situar a Teoria da Luta por

Reconhecimento de Axel Honneth.

- Identificar as dimensões do Reconhecimento Intersubjetivo referentes à Teoria

da Luta pelo Reconhecimento de Axel Honneth para propor categorias de

estudos às práticas empresariais.

A pesquisa se dividiu em duas etapas. Primeiramente foi realizada uma

revisão histórica da Escola de Frankfurt para localizar a Teoria da Luta por

Reconhecimento de Axel Honneth na tradição da Teoria Crítica. Além desta

localização, a revisão histórica da Escola se justifica por proporcionar a identificação

de pontos importantes, localizados na fase inicial da Escola, como a denúncia

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efetuada por Adorno e Horkheimer do processo de instrumentalização da razão

provocado pelo positivismo e o conceito de Reificação elaborado por Georg Lukàcs.

Em um segundo momento, buscou-se identificar contribuições das

Dimensões do Reconhecimento Intersubjetivo de Axel Honneth, propondo-as como

categorias de estudos para as práticas empresariais. Foi feita uma tabulação das

categorias em um quadro esquemático. A organização neste quadro permite a

melhor visualização das contribuições da Teoria do Reconhecimento. Espera-se

com isso obter uma proposta teórico-metodológica para os estudos das práticas

empresariais. Tal proposta ambiciona ser um aparato teórico indispensável para

estudos das práticas empresariais, pois conferi um real valor às propriedades e

sentimentos do ser humano em meio aos processos de interação no âmbito

empresarial.

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2. TEORIA CRÍTICA E ESCOLA DE FRANKFURT

Neste capítulo, far-se-á uma descrição histórica da Teoria Crítica, buscando

situá-la em meio à descrição histórica do Instituto de Pesquisas Sociais, vinculado a

Universidade de Frankfurt na Alemanha. Trata-se de uma Escola de teoria social

interdisciplinar neomarxista. Esta escolha deve-se à percepção via pesquisa

bibliográfica, que a história da Teoria Crítica está vinculada a história do Instituto de

Pesquisas Sociais. Portanto considera-se no presente trabalho a impossibilidade da

desvinculação entre estas realidades.

Inicia-se o texto com uma revisão sobre a origem da Escola de Frankfurt

buscando definir seus principais pensadores e a identificação da corrente filosófica

que deu corpo a Teoria Crítica. Posteriormente, será feito um breve estudo das

gerações da Escola de Frankfurt para situar a Teoria da Luta por Reconhecimento

de Axel Honneth.

2.1 A ORIGEM DA ESCOLA DE FRANKFURT

Segundo Assoun (1991, p.7) “a escola de Frankfurt é a corrente que tomou

corpo em Frankfurt quando da criação, por decreto do Ministério da Educação com

data de 3 de fevereiro de 1923 de um Institut für Sozialforschung6”. O decreto teve

como objetivo oficializar a criação do Instituto. De acordo com Assoun (1991), foi na

“Primeira Semana de Trabalho Marxista”, durante o verão de 1922, que o instituto

passa a ser idealizado pelo doutor em Ciências Políticas Félix J. Weil juntamente

com outros marxistas. Pensadores estes, destacados em Freitag (1994), como Karl

Korsch, Georg Lukàcs, Friedrich Pollock, Karl August Wittfogel.

A idéia original do grupo reunido na “Primeira Semana de Trabalho”,

segundo Assoun (1991), era o de lançar a noção de um marxismo verdadeiro ou

puro. Sobre isto, Freitag (1994, p.10) destaca que “surgiu a idéia de institucionalizar

um grupo de trabalho para a documentação e teorização dos movimentos operários

na Europa”. Sobre este alicerce, inicia-se o Instituto de Pesquisa Social na

Universidade de Frankfurt na Alemanha. Com efeito, o Instituto preservou sua

6 Instituto de Pesquisa de Pesquisas Sociais.

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autonomia acadêmica e financeira devida ajuda financeira concedida pelo pai7 de

Felix J Weil. Entretanto, a corrente filosófica que se formara no Instituto até então,

de acordo com Assoun (1991), só iria ser chamada de “Escola de Frankfurt” em

1950.

Segundo Freitag (1994), na gestão de Carl Gruenberg, considerado o

primeiro diretor do Instituto, foi publicada revista Archiv8. Esta, segundo Freitag

(1994, p.11), era voltada para a “história do socialismo e do movimento operário e

tinha uma orientação [...] documentária, procurando descrever, dentro da tradição

marxista, as mudanças estruturais na organização do sistema capitalista”. Até o

momento a Escola mantinha uma linha de investigação sobre as alterações da

estrutura social implicadas pelas mudanças econômicas. Assoun (1991, p. 11)

destaca, que “a ambiguidade reina durante os primeiros anos em que Gruenberg

assume a direção do Instituto. Assim bem podemos dizer que estamos perante a um

projeto sociológico, mesmo econômico.”

A orientação que o Instituto assumira muda substancialmente com a

nomeação de Max Horkheimer, em 1930. De acordo com Freitag (1994), Max

Horkheimer, que havia elaborado suas teses de doutorado e de livre-docência sobre

Kant e Hegel, conseguiu aglutinar em torno do Instituto nomes como Wittfogel,

Fromm, Gumperz, Adorno, Marcuse e outros. Com sua nomeação “o Instituto

passou a assumir as feições de um verdadeiro centro de pesquisa, preocupado com

uma análise crítica dos problemas do capitalismo moderno” (FREITAG, 1994, p.11).

Destaca-se, neste momento, que a substituição na direção do Instituto

acarretou uma mudança na forma de estudo. Se antes a preocupação estava em

descrever as mudanças estruturais na organização do capitalismo, com Horkheimer,

a preocupação se volta para a análise dos problemas do capitalismo moderno. Essa

mudança também se expressa na criação de uma nova revista que substituiria a

Archiev, a Zeitschrift fuer Sozialforshung9.

Segundo Assoun (1991), Max Horkheimer dissipa a ambigüidade do projeto

da Escola até então. Ocorre a designação do projeto como Filosofia Social. Ainda

sobre a transição Gruenberg – Horkheimer, Assoun (1991, p.9) afirma:

7 Segundo Freitag (1994) o pai de Felix J. Weil era produtor de trigo emigrado para Argentina no final do século XIX, foi com suas exportações de grãos para Europa que financiava não somente os estudos do filho como ainda o próprio Instituto. Foi este financiamento que permitiu ao grupo de intelectuais sobreviver nos tempos turbulentos que se seguiram. 8 Arquivo da história do socialismo. 9 Revista de pesquisa social.

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Neste sentido, podemos avançar uma segunda definição da Escola de Frankfurt: em sentido restrito, tratar-se-ia de uma escola de “filosofia social” nascida da reorganização do Instituto de Investigação Social por Horkheimer em 1931.

A Filosofia Social, segundo Assoun (1991) é uma literatura proveniente do

Iluminismo e por tanto, uma literatura em que se misturam a sociologia, a reflexão

sobre a civilização e a história, marcada pela ética neokantina ou filosofia de valores.

Embora o termo Filosofia Social designasse na tradição precedente um campo

homogêneo certo de sua validade, o mesmo não ocorria para Horkheimer. Para ele,

o termo continha um “problema fundamental o da articulação entre a reflexividade

filosófica, que se fundamenta sobre a exigência do conceito, e a investigação

científica que se apóia sobre o dado empírico” (ASSOUN, 1991, p.10).

Sendo assim, Horkheimer propõe uma nova análise. Sobre isto, Assoun

(1991, p. 10) destaca:

Mas isto leva-nos a emitir uma terceira definição, centrada desta vez sobre uma entidade teórica (fazendo assim passar para o último plano da dimensão histórica ou “escolástica”): a substância teórica da Escola de Frankfurt caberia na “Teoria Crítica”, nome de batismo de uma tentativa teórica original, introduzida justamente por Max Horkheimer nos anos 30, para designar ou pelo menos conotar esta forma posicional e original de objeto.

Segundo Assoun (1991), o manifesto em questão seria o artigo “Teoria

Tradicional e Teoria Crítica”, publicado na Zeitschrift fuer Sozialforshung em 1937. É

este o momento que marca o nascimento da Teoria Crítica como a filosofia da

Escola de Frankfurt, pois de acordo com Assoun (1991, p.33) “É justamente no texto

intitulado Teoria tradicional e teoria crítica (1937) determinante para marcar a

filosofia da Escola de Frankfurt [...]”.

A sequência descrita até o momento teve como pano de fundo, aspectos

geográficos e políticos. Como, por exemplo, o anti-semitismo crescente na

Alemanha e o progresso implacável do movimento nazista liderado por Hitler. Fatos

que segundo Freitag (1994), levaram Horkheimer a partir de 1931 criar filiais do

Instituto em Genebra, Londres e Paris, tendo ocorrido o fechamento do Instituto em

Frankfurt em 1933 pelo governo Nazista. Em 1934, Horkheimer negocia a

transferência de uma parte do Instituto para Nova York.

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Paris foi o local onde Horkheimer, juntamente com Fromm e outros

pensadores da Escola de Frankfurt, realizou um dos mais significativos trabalhos

desse período da Escola: Studien zu Autoritaet und Familie10. O qual se trata:

[...] de um estudo empiricamente orientado que procurou obter informações sobre a estrutura de personalidade da classe operária européia. Segundo os teóricos de Frankfurt, essa classe teria perdido a consciência de sua missão histórica, submetendo-se as formas de dominação e exploração totalmente contrárias ao seu interesse emancipatório. A busca de uma integração da teoria marxista com o freudismo constitui a preocupação central desse estudo [...] (FREITAG, 1994, p. 13).

Outra preocupação da Escola neste contexto decorre da emigração para os

Estado Unidos e está imbricada no “impacto provocado sobre os intelectuais

europeus pela cultura americana, expressão máxima do capitalismo moderno e da

democracia de massa” (FREITAG, 1994, p. 17). Segundo esta autora, Horkheimer

procura salvar a reflexão dialética face uma crescente tendência positivista e

empirista nas ciências sociais. Sobre isto, Horkheimer e Adorno (1972, apud

RAMOS, 1989, p.9) ressaltam:

A redução do pensamento a um aparelho matemático esconde a sanção do mundo como seu próprio instrumento de mensuração. O que parece ser o triunfo da [...] racionalidade, a sujeição da realidade toda ao formalismo lógico, é pago pela obediente submissão da razão ao que é dado diretamente. O que é abandonado é a total reivindicação e abordagem do conhecimento: a compreensão do que é dado como tal [...]. A factibilidade ganha o dia [...].

Segundo Assoun (1991), a Teoria Crítica que estava se configurando

buscava romper com o destino instrumental da razão provocado pelo cenário da

Filosofia Positivista. No estudo deste processo de instrumentalização ocorrido nas

relações do trabalho esteve também presente Georg Bernhard Lukàcs, que nasceu

na Hungria em 188511 e encontrava-se imbricado ao projeto da Escola de Frankfurt.

De acordo com Lukàcs (2003), o processo de instrumentalização da razão gerou o

fenômeno da Reificação dos indivíduos. Segundo Lukàcs, trata-se do fenômeno da

transformação dos indivíduos como meros objetos.

Com a moderna análise “psicológica” do processo de trabalho [...] a mecanização racional penetra até na “alma” do trabalhador: inclusive suas

10 Estudos Sobre Autoridade e Família. 11 Lukàcs (1999).

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qualidades psicológicas são separadas do conjunto de sua personalidade e são objetivadas em relação a esta última, para poderem ser integradas em sistemas especiais e racionais e reconduzidas ao conceito calculador. (LUKÁCS, 2003, p. 202).

Verifica-se que, na percepção de Lukàcs, o trabalho fragmentado e

mecânico efetuado pelo sujeito proporcionam ao sistema de produção a dispensa da

personalidade do sujeito, colocando-a como um espectador impotente. “O homem

não aparece, nem objetivamente, nem em seu comportamento, [...] ele é

incorporado como parte mecanizada num sistema mecânico [...]” (LUKÀCS, 2003, p.

203). Importa destacar que o fenômeno da Reificação, brevemente descrito,

implicaria no comprometimento da subjetividade do indivíduo, comprometimento

este que preocupava Horkheimer.

Segundo Schimidt (1980, apud FREITAG, 1994, p.97), “Horkheimer se

propunha elaborar o esboço de uma teoria materialista, social, social-pscicológica

dos processos históricos societários”. Portanto, a formação da Teoria crítica, para

Horkheimer, deveria ser estruturada sob a análise da chamada por Shimidt, Social-

pscicologia. Seria esta Teoria Crítica a marcar a Escola de Frankfurt, sobre isto

Assoun (1991, p.19) avança com a seguinte definição:

A Escola de Frankfurt é assim a etiqueta que serve para marcar um acontecimento (a criação do Instituto), um projeto científico (intitulado “filosofia social”), uma atitude (batizada de “Teoria Crítica”), enfim uma corrente ou movimentação teórica ao mesmo tempo contínua e diversa (constituída por individualidades pensantes).

Freitag (1994, p.15) reforça esta idéia ao escrever que “o período de criação

e consolidação do Instituto de Frankfurt traz a marca inequívoca da filosofia social de

Max Horkheimer, inspirado no freudo-marxismo de Reich e Fromm”. Tal realidade

exige, no presente trabalho, a abertura de um espaço para descrição do movimento

freudo-marxismo. Contudo, faz-se o alerta ao leitor que isto será realizado de

maneira breve, objetivando muito mais a compreensão da influência da temática

freudo-marxismo na formação da filosofia social proposta por Horkheimer, do que

uma análise completa sobre tal temática.

O movimento freudo-marxista, assim denominado em Rouanet (1986), foi

contemporâneo ao início do Instituto de Pesquisa Social. De acordo com Assoun

(1991), um elemento concreto desta relação direta é a criação do Instituto

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Psicanalítico de Frankfurt, inaugurado a 16 de fevereiro de 1929 e integrado à

Universidade de Frankfurt.

Em geral, segundo Rouanet (1986), o freudo-marxismo do período de entre

guerras articulou-se em torno de uma questão revelada pelo problema apresentado

por Emil Lorenz, na conferência Zur Psychologie der Politik12. Segundo Lorenz

(1919, apud DAHMER, 1973, p. 278):

A dominação e a exploração não precisam nenhuma explicação pscicológica. Somente quando perguntamos quais os mecanismos psíquicos, [...] que levam a maioria oprimida a sujeitar-se à sua situação, a comprazer-se nela, a esquecer a origem da sua escravidão, a ignorar seu protagonismo histórico, a tornar-se patriótica – somente então precisamos da psicologia [...]. Podemos dizer assim que o conteúdo do freudo-marxismo alemão dos anos 20 e 30 foi determinado pela preocupação prática de elucidar a defasagem entre consciência política e as condições objetivas.

Observa-se que a preocupação do movimento era procurar razões, do ponto

de vista psíquico, para a aceitação da sujeição da massa oprimida. Rouanet (1986,

p.16) destaca que o “importante para os intelectuais alemães era procurar as razões

da falência do movimento revolucionário, e somente uma teoria crítica, como a

psicanálise, enxertada num marxismo [...] poderia elucidar [...]”.

Para Rouanet (1986), Wilhelm Reich foi o autor das contribuições mais

originais ao debate em torno de Marx e Freud. Assim como os demais estudiosos da

época, Reich buscou compreender a defasagem entre consciência e a existência

social, revelando, deste modo, as intersecções entre consciência e a realidade social

e econômica. De acordo com Rouanet (1986), a proposta de Reich para a

defasagem consciência – existência social – foi a Teoria da Ideologia, a qual derivou

de uma reformulação de certos aspectos fundamentais da concepção freudiana

sobre a teoria da genitalidade13, e uma teoria do caráter14. Nesta perspectiva, a

Ideologia é resultado de uma dupla determinação. Segundo Reich (1933, apud

ROUANET, 1986, p.37) a Ideologia:

Está materialmente determinada de duas formas. Mediante, através da estrutura econômica da sociedade, imediatamente, pela estrutura psíquica típica dos homens que a produzem, a qual, por sua vez é condicionada pela mesma estrutura econômica.

12

Sobre a Psicologia da Política. 13 Reich (1972). 14 Reich (1972).

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Outro autor associado à primeira fase da Escola que se interessou pela

influência da Ideologia nos processos societários foi Erich Fromm. Segundo Assoun

(1991), Erich Fromm aprofunda em suas implicações sociológicas a teoria de Reich

tendo o projeto de unir, a partir de 1931, os contributos de Freud e de Marx no

quadro de uma psicologia social. De acordo com Fromm (1969, apud ROUANET,

1994, p.51):

Os fenômenos psicológicos devem ser compreendidos como processos de adaptação ativa e passiva do aparelho pulsional à situação econômica e social. O aparelho pulsional é dado biologicamente, [...] mas é suscetível de ser modificado; as condições econômicas o modelam.

Desta forma a ideologia configura-se como uma forma privilegiada de

dominação, pois possibilita a moldura de aspectos subjetivos dos indivíduos. A

aceitação de uma ideologia é, de acordo com Fromm (1932, apud ROUANET, 1986,

p.51), “o produto de certos desejos, excitações pulsionais [...] que se desenvolvem

em parte sobre fundamentos biológicos, mas que sua intensidade e conteúdo são

determinados pela situação econômica e social do indivíduo [...]”. Importa destacar

que o movimento freudo-marxismo fora responsável por deflagrar esta realidade.

Rouanet (1986, p. 54) conclui que:

A lógica do freudo-marxismo [...] leva tanto Reich como Fromm à idéia da determinação social do caráter [...]. Ao fazer o que a sociedade exige, e ao abster-se do que a sociedade proíbe, o indivíduo deve ter a ilusão de que está agindo autonomamente.

Idéia que Fromm (1969, apud ROUANET, 1986, p. 54) retoma, em fase

conclusiva, a fim de reforçar a idéia de submissão do indivíduo a exigência social:

Os membros da sociedade e as várias classes e grupos nelas existentes têm de comportar-se da maneira que lhes permita funcionar no sentido exigido pelo sistema social. A função do caráter social consiste em modelar as energias dos membros da sociedade de forma tal que sua conduta não seja assunto de decisão consciente quanto a seguirem ou não a norma social, mas uma questão de desejarem comportar-se como têm que comportar-se, encontrando, ao mesmo tempo, prazer em proceder da forma exigida pela cultura.

A descrição feita até aqui remete a uma compreensão do freudo-marxismo

como um movimento que fizera a aproximação das idéias freudianas e dos

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processos sócio-econômicos entre os anos 20 e 30. Movimento que teve influência

direta e ocorreu, pode-se dizer concomitantemente, à formação inicial da filosofia

social proposta por Horkheimer. Portanto, a leitura feita até este momento, permite

concluir que, a influência do movimento freudo-marxismo fez com que a Teoria

Crítica incluísse em seu eixo de percepção crítica da realidade, a preocupação com

aspectos subjetivos de cunho psíquico dos agentes que envolvem e atuam nesta

realidade.

O foco do trabalho volta-se novamente para a descrição histórica da filosofia

social batizada como Teoria Crítica.

Nos anos seguintes, o que se observou foi um afastamento parcial dos

frankfurteanos15 em relação ao freudo-marxismo. Isto ocorreu acompanhado do

afastamento de Fromm da Escola de Frankfurt em 1939, e da transferência de

Horkheimer e Adorno em 1940 para Califórnia.

Theodor Wiesengrund Adorno era judeu e nasceu em Frankfurt em 1903,

encontrou Horkheimer em 1922 em um seminário. Segundo Assoun (1991), Adorno

iniciou sua tese de doutorado em 1929 sobre Kierkegaard, defendida em 1931,

tornando-se em 1938, membro do Instituto. Em 1940 Adorno retoma uma estreita

colaboração com Horkheimer e juntos escrevem a obra Dialética do Esclarecimento

(1947), a qual, segundo Freitag (1994), representa uma ruptura parcial dos dois

autores com os trabalhos anteriores.

Rouanet (1986) destaca que a linha entre os freudo-marxistas e, até certo

ponto, os frankfurteanos em sua primeira fase, estava centrada na seguinte

pergunta: Como é possível que a classe operária pense e haja contra os seus

próprios interesses? A questão passou a ser reformulada pelos frankfurteanos:

“Como é possível que a maioria da população, nos países industrializados do Leste

e do Oeste, pense e haja num sentido favorável ao sistema que os oprime?”

(ROUANET, 1986, p.70). Quanto à primeira pergunta, Horkheimer e Adorno,

segundo Freitag (1994, p.20):

[...] haviam mantido uma certa confiança na razão crítica, que se imporia no decorrer do processo histórico que gerou a modernidade. Acreditavam até então que, apesar dos percalços e retrocessos, a humanidade chegaria, em última instância a realizar a promessa humanística, contida na concepção Kantiana da razão libertadora. A razão acabaria por realizar-se

15 Rouanet (1986) refere-se aos pensadores da Escola de Frankfurt utilizando o termo frankfurteanos.

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concomitantemente com a liberdade, a autonomia e o fim do reino da necessidade.

Sendo o freudo-marxismo proveniente da razão Kantiana, Adorno e

Horkheimer se afastam dos freudo-marxistas. Vale ressaltar que tal afastamento

ocorreu em cenário do período pós-guerra em torno do ano de 1947. Um cenário no

qual segundo Hobsbawm (1995, p. 59):

[...] os impressionantes problemas sociais e econômicos do capitalismo aparentemente sumiram. A economia do mundo ocidental entrou em sua era de ouro; a democracia política ocidental, apoiada por uma melhora na vida material [...].

Diante desta realidade, a ideologia passa a ser analisada de forma

diferente, por Adorno e Horkheimer. De acordo com Rouanet (1986, p.71), a

ideologia não tem mais como função negar a realidade:

Ao contrário, a ideologia se torna afirmativa; o presente já é a utopia realizada, o que leva os frankfurteanos à tese extrema de que a ideologia se funde com o real, e como tal desaparece: é a realidade, agora que desempenha a função de mistificação antes atribuída a ideologia [...]. A tarefa de desmitificação se torna praticamente insolúvel.

Configurou-se um quadro em que, segundo Freitag (1994, p.20), a

“onipotência do sistema capitalista, ratificado no mito da modernidade, estaria [...]

deturbando as consciências individuais [...] assimilando os indivíduos ao sistema

estabelecido”. Sendo que a razão e o projeto de esclarecimento estavam a favor

deste movimento, conforme ressalta Adorno e Horkheimer (1985, p. 19):

O programa do esclarecimento era o desencantamento do mundo. Sua meta era dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber. [...] Contudo a credulidade, [...], a preguiça nas investigações pessoais, o fetichismo verbal, o deter-se em conhecimentos parciais: isto e coisas semelhantes impediram um casamento feliz do entendimento humano com a natureza das coisas e os acasalaram. [...] O casamento feliz entre o entendimento humano e a natureza das coisas [...] é patriarcal: o entendimento que vence deve imperar sobre a natureza desencatada.

Verifica-se no trecho precedente que o entendimento não opera a

dissolução dos mitos, mas sim impera sobre a natureza que supostamente estaria

desencantada pelo próprio esclarecimento. Ou seja, o esclarecimento assume um

papel contraditório. Adorno e Horkheimer (1985) reconheceram esta situação, como

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ato em que o esclarecimento eliminou sua própria autoconsciência. “O saber que é

poder não conhece nenhuma barreira, nem na escravidão da criatura, nem na

complacência em face dos senhores do mundo” (ADORNO E HORKHEIMER, 1985,

p.20). Desta forma, segundo Freitag (1994, p. 35):

[...] a razão sujeito abstrato da história individual e coletiva do homem em Kant e Hegel, converte-se na leitura de Horkheimer e Adorno, em uma razão alienada que se desviou do seu objetivo emancipátorio original, transformando-se em seu contrário: a razão instrumental, o controle totalitário da natureza e a dominação incondicional dos homens.

É possível reconhecer que a análise feita por Adorno e Horkheimer debruça-

se criticamente sobre o pensamento positivista.

A sociedade burguesa está dominada pelo equivalente. Ela torna o heterogêneo comparável, reduzindo-o a grandezas abstratas. Para o esclarecimento aquilo que não se reduz a números e, por fim ao uno, passa a ser ilusão. O positivismo moderno remete-o para a literatura. (ADORNO E HORKHEIMER, 1985, p. 23).

A razão passa a ser um instrumento para a dominação. A essência da

Dialética do Esclarecimento, segundo Freitag (1994, p. 35), “consiste em mostrar

como a razão abrangente e humanística, posta a serviço da liberdade e

emancipação [...] se atrofiou, resultando na razão instrumental”. Nesta perspectiva

pode-se dizer que houve a inversão do papel da razão, ela que saíra para combater

o mito se transformara, no decorrer do processo, ela própria o mito não promovendo

portanto a emancipação, mas sim o controle da natureza e dos indivíduos.

Realidade que, na análise de Adorno e Horkheimer, não poderia ser

solucionada apenas pelo Marxismo, pois, segundo Ramos (1989, p.9):

Apesar das proclamações “dialéticas” de Karl Marx, que pretendeu ter despojado o racionalismo do século XVIII de seus traços mecaniscistas, seu conceito de razão está profundamente enraizado na tradição do Iluminismo, na medida em que ele acreditava que o processo histórico das forças de produção é racional em si mesmo e, portanto emancipatório. Isso é uma ilusão, afirma a Escola de Frankfurt [...].

Percebe-se que, na leitura dos frankurteanos, a ideologia que se confunde

com o real via processo irreversível de mistificação operado pela razão, não

encontra solução na lógica marxista, uma vez que esta está enraizada na tradição

iluminista. Sendo assim, reconhece-se uma crítica dos frankfurteanos em relação ao

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Marxismo que se configura como ponto de divergência que leva a um afastamento

parcial dos frankfurteanos em relação às linhas de pensamento precedentes e ao

freudo-marxismo. Freitag (1994) destaca que a Dialética do Esclarecimento

tematiza, em última instância, a morte da razão Kantiana, asfixiada pelas relações

de produção capitalista.

Esta breve discussão acerca do pensamento de Adorno e Horkheimer tem

apenas como intuito situar ao leitor, a divergência entre a Teoria Crítica enquanto

filosofia do Instituto em relação ao freudo-marxismo. Uma descrição mais cautelosa

sobre a discussão e que levante a temática da cultura será feita na sessão a seguir.

Importa destacar que tal discussão marca o início de uma nova fase da Escola de

Frankfurt, chamada, por Honneth (2003), de Primeira Geração.

O trabalho discute a seguir sobre as gerações da Escola de Frankfurt,

buscando a identificação dos principais pensadores de cada geração e dos novos

desdobramentos da Teoria Crítica a cada fase.

2.2 PRIMEIRA GERAÇÃO DA ESCOLA DE FRANKFURT: ADORNO E

HORKHEIMER

Segundo Freitag (1994), em 1946, Hokheimer recebeu um convite para

retornar a Frankfurt, o que de fato só ocorreu em 1950. Ressalta-se a informação

passada no início deste trabalho, é a partir deste ano que a expressão Escola de

Frankfurt começa a ser designada ao Instituto. Verificou-se em Assoun (1991), que

Horkheimer e Adorno passam a dirigir o Instituto até 1958, ano que Adorno assume

integralmente a direção. O grupo de intelectuais, entre eles destaca-se Marcuse e

Fromm, havia se reduzido. Marcuse apesar de ter se mantido nos Estados Unidos

continuou contribuindo para a produção da Escola nesta primeira fase. Para Freitag

(1994) a Escola de Frankfurt na Alemanha, estava reduzida aos seus expoentes

mais significativos: Adorno e Horkheimer.

A divergência destes dois autores, evidenciada na Dialética do

Esclarecimento, em relação à idéia de razão presente no positivismo e nas

proclamações dialéticas de Karl Marx e do freudo-marxismo, marca o início da

produção da Escola nesta fase. Desde Kant a Hegel, a tese da identidade do sujeito

aparece como pressuposto necessário da existência da verdade. O sujeito que

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conhece a si próprio deve ser ele próprio pensado como idêntico ao absoluto, deve

ser infinito. Na concepção hegeliana, a identidade deve ser concebida como unidade

conceitual das contradições, de cuja superação essa unidade resulta.

Adorno, nega a concepção sobre a Identidade, propondo que o todo é o não

verdadeiro, o que implicaria na queda da afirmação de uma ordem verdadeira do

mundo. Sobre esta negação, Adorno iria escrever a Dialética da Negatividade que

teve como essência o esforço de “evitar as falsas sínteses, de desconfiar de toda e

qualquer proposta definitiva [...] de rejeição de toda visão sistêmica, totalizante da

sociedade” (FREITAG, 1994, p.48). Portanto, conforme destaca Rouanet (1986) a

negação ao postulado da identidade de Hegel, marcou os primeiros trabalhos da

primeira geração da Escola de Frankfurt.

Adorno (2009) parte da Não-Identidade, designando a Identidade. Segundo

Assoun (1991), trata-se de abrir a “metáfisica-caixa” que mantém o sujeito cativo da

sua própria infinidade. Verifica-se, então, a justificativa do uso da dialética por parte

de Adorno, pois “o recurso à dialética contra o seu destino identitário apresenta-se

como uma astúcia, destinada a acabar com a violência do tornar-se semelhante que

opera no [...] princípio de Identidade” (ASSOUN, 1991, p. 26). A problemática

encontrada no princípio da Identidade, neste contexto específico da Escola de

Frankfurt, remete a uma justificativa apresentada por Rouanet (1986, p.74):

O postulado da identidade, em Hegel, era falso, pois se fundava no pressuposto idealista de que o sujeito e o objeto do conhecimento se fundiam, a partir da definição do conhecimento como autoconhecimento do Espírito absoluto. Ora essa unidade não é nem possível, numa perspectiva materialista, nem válida do ponto de vista político, pois acaba conduzindo à totalidade abstrata de um sistema, que inclui cada doutrina como momento da verdade total, e nivela a verdade com o erro, num relativismo universal.

Erro que deveria ser concertado a partir da valorização do singular, idéia

proposta por Kiekegaard presente já no início da Escola antes mesmo da sua saída

da Alemanha. A valorização do singular, segundo Assoun (1991), será retomada

com força por Adorno ao propor que o pensamento deve a si próprio renunciar à

ilusão da tomada do real como totalidade. É o quadro da síntese que tem de ser

subvertido pelo recurso a uma análise de um novo tipo, pois:

A síntese unidimensional, em que a realidade se confunde com a utopia, e em que o real só pode ser visto como racional ao preço de reduzir o real ao mero existente e o racional ao razoável, repousa, assim sobre a unidade

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repressiva de uma pseudo-racionalidade e de uma pseudo-realidade (ROUANET, 1986, p. 73).

Para Adorno e Horkheimer, a crítica deveria mergulhar no objeto procurando

examinar seu conteúdo sob a luz de sua interação com o todo, o que faz com que o

método da Teoria Crítica seja particular. Sobre isto, Horkheimer (1941, apud

ROUANET, 1986, p. 104) ressalta que:

O método da teoria crítica não pode ser o método indutivo da Teoria Tradicional, que ambiciona chegar à lei através da agregação de observações particulares, mas um método indutivo sui-generes que procura o universal dentro do particular, e não acima ou além dele ... e mergulha nele cada vez mais profundamente, a fim de descobrir a lei universal que se manifesta neste particular.

Verifica-se em Rouanet (1986) que a mera hipótese de síntese já constitui,

para Adorno e Horkheimer, uma traição às intenções críticas tanto de Freud como

de Marx. Vale destacar que os frankfurteanos desta fase não são contrários a

filosofia de Marx, bem como a utilização da análise freudiana para buscar responder

a situação de sujeição e até mesmo de apoio dos indivíduos ao sistema social que

os oprime. Mas evidenciam através da Teoria da Não-Identidade a necessidade de

uma crítica ao freudismo, evitando uma redução do marxismo ao freudismo e vice-

versa.

Na sequência do trabalho será descrita a crítica ao freudismo, feita pelos

frankfurteanos, a fim de identificar os efeitos desta crítica na Teoria Crítica da 1ª

geração da Escola de Frankfurt.

2.2.1 Crítica à Cultura e ao Freudismo, e a Dialética do Esclarecimento

A crítica ao Freudismo se construiu para os frankfurteanos

concomitantemente a crítica à Cultura, pois segundo Rouanet (1986, p. 75):

Podemos dizer que o uso das categorias freudianas e marxistas é determinado pelas exigências do seu objeto, que é a crítica da cultura. Se a Escola de Frankfurt é crítica da ideologia e crítica da cultura, o é, em grande parte, através de Marx e de Freud; mas o é também contra Marx e Freud. Aplicando a Freud, esse duplo movimento significa que sem a psicanálise, os frankfurteanos não poderiam fazer sua crítica da psicanálise.

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Sendo assim, segundo Rouanet (1986), Adorno e Horkheimer se recusam

tanto à redução do freudismo ao marxismo ou do marxismo ao freudismo numa

disciplina totalizante. Entretanto, Adorno e Horkheimer mantêm até certo ponto o

interesse pelas duas linhas de pensamento, permitindo o diálogo entre elas com a

condição de não se efetuarem em uma única disciplina.

Segundo Rouanet (1986), a atitude de Adorno e Horkheimer diante da

cultura é a mesma que a da psicanálise, ou seja, a visão pessimista de que a

civilização só é possível ao preço da mutilação do homem. Entretanto, esta visão

para os frankfurteanos é oriunda de uma crítica não tradicional. Pois, se assim não o

fosse, incutiria no risco de estar sob o processo hipnotizador16 da cultura.

Na investigação crítica acerca da cultura esteve também Marcuse. Isto

contribuiu para a evolução da Teoria Crítica principalmente no que se refere à

análise da cultura.

Hebert Marcuse nasceu em Berlin e doutorou-se com uma tese sobre

Kunsttlerroman17. Segundo Freitag (1994), Marcuse ponderava sobre a separação

entre o mundo do trabalho que seguia a lógica da necessidade - onde havia o

sofrimento; e o mundo cultural que permitia postular a liberdade, a felicidade e a

realização espiritual. Porém, o acesso à cultura, segundo Hobsbawm (2007) só era

favorável para uma pequena minoria burguesa detentora dos meios de produção.

Marcuse acreditava que a obra de arte, alienada de uma realidade material de

exploração, assumia uma função alienante.

Freitag (1994) alerta que, ao mesmo tempo em que a obra de arte e a

cultura em geral se fechavam ao consumo da classe trabalhadora, representavam

em sua própria estrutura um protesto contra a injustiça. Havendo na cultura esta

perspectiva de protesto, o modelo de cultura deveria ser alterado para atender o

interesse da manutenção do sistema de reprodução material. Esta foi a lógica

deflagrada por Marcuse. Tal mudança de modelo passava, de acordo com Freitag

(1994, p. 70) pela organização da produção cultural:

A fim de tornar os trabalhadores dóceis e submissos, não bastava recorrer à dicotomia entre civilização e cultura, entre escassez material externa e riqueza espiritual interna. Tornou-se imperioso mudar os padrões de

16 Rouanet (1986). 17 Romance de Artista.

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organização da produção cultural que foi sendo gradativamente cooptada pela esfera da civilização, isto é sendo absorvida pelo sistema da produção de bens materiais que reestruturou inteiramente as formas de circulação e consumo da cultura.

Observa-se que a cultura artística, na visão de Marcuse, se transformara em

bens materiais. Os quais são convertidos, de acordo com Freitag (1994) em bens de

consumo de massa, como cinema, fotografia, imprensa, cassete, vídeo, etc. Na

leitura de Adorno e Horkheimer presente em Freitag (1994, p. 71): “A dissolução da

obra de arte não ocorreu porque o sistema de produção de mercadorias havia sido

suprimido e sim por que ela foi transformada em mercadoria”. Um processo que

Adorno e Horkheimer (1985) chamaram de Indústria Cultural. A qual é alavancada e

viabilizada pela revolução tecnológica-industrial. Para Adorno e Marcuse, ao

transfigurar a cultura esteticamente, ocorre o risco da sua perpetuação.

Segundo Rouanet (1986) para os frankfurteanos, assim como para Freud, a

cultura é a compensação do sacrifício. A indústria cultural executa um papel

fundamental neste processo, pois de acordo com Adorno e Horkheimer (1985, p.

16):

O segmento sobre a "indústria cultural" mostra a regressão do esclarecimento à ideologia, que encontra no cinema e no rádio sua expressão mais influente. O esclarecimento consiste aí, sobretudo, no cálculo da eficácia e na técnica de produção e difusão. Em conformidade com seu verdadeiro conteúdo, a ideologia se esgota na idolatria daquilo que existe e do poder pelo qual a técnica é controlada.

Identifica-se no trecho precedente que a cultura fornecida pela indústria

cultural não permite que se assuma uma posição crítica em face da realidade, já que

nela há a regressão do esclarecimento à ideologia. Ou seja, a cultura passa a ser

instrumentalizada para perpetuação de uma condição de alienação e inércia dos

desejos próprios dos indivíduos, em detrimento dos interesses da ideologia incutida

na cultura.

Portanto, a cultura, na leitura de Adorno e Horkheimer, proporciona a

cristalização da renúncia pulsional, além de realizar a transfiguração da opressão

econômica. Segundo Adorno e Horkheimer (1973, apud ROUANET, 1986, p. 118):

A tentação se neutraliza em mero objeto de contemplação, em arte. O encadeado assiste a um concerto imóvel como os ouvintes do futuro, e seu grito apaixonado, seu brado de libertação, morre num aplauso. Assim o gozo artístico e o trabalho manual se separam desde a pré história. [...]. O

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patrimônio cultural está em relação exata com o trabalho comandado, e um e outro têm seu fundamento nas exigências inelutáveis do caminho social sobre a natureza.

A fim de romper com processo de alienação das consciências individuais

realizada pela indústria cultural, Adorno e Horkheimer utilizam categorias

psicanalíticas. Para eles, isto garantiria a valorização do Espírito Subjetivo18. Pois,

para a Teoria Crítica, de acordo com Rouanet (1986) o Espírito Objetivo19 não é um

estágio mais elevado, pelo contrário, é só através do particular que a verdade do

todo pode ser conhecida. O que leva Rouanet (1986, p.120) concluir que:

[...] a teoria crítica pode [...] sem psicologismo, descrever a cultura segundo conceitos psicanáliticos, assim como pode, sem sociologismo, utilizar categorias marxistas em sua teoria da formação da personalidade. A formação do indivíduo através da cultura e a reprodução da cultura através do indivíduo fazem parte do mesmo movimento.

É importante perceber que a Teoria Crítica chegava a um momento da

definitiva valorização do subjetivo, da exaltação do particular. Tanto que Assoun,

(1991) afirma que a Teoria Crítica havia evoluído em direção a uma filosofia da

subjetividade.

Marcuse investigou a cultura numa perspectiva também freudiana

pensando num conteúdo utópico da cultura, o que segundo Rouanet (1986) Adorno

e Horkheimer devido aos postulados da razão negativa20 não puderam pensar. Para

Adorno e Horkheimer, de acordo com Rouanet (1986), não é possível pensar no

reino da liberdade a partir do reino da necessidade, e para se preservar da verdade

subversiva da utopia, optam pela sua exclusão.

É na recepção de Freud que a corrente marcuseana e adorneana21 atrás

das semelhanças divergem sutilmente. Segundo Rouanet (1986), como instrumento

crítico, o freudismo permite a Marcuse fundar a possibilidade de uma ordem não-

repressiva. Entretanto, não se trata de ver uma divergência que separa Marcuse da

influência de Adorno e Horkheimer. Marcuse continua defendendo até o fim de sua

vida a preservação da obra de arte sem sua massificação como única forma de

18 De acordo com Honneth (2003), Espírito Subjetivo diz respeito às particularidades do ser humano na esfera da sua consciência. 19 De acordo com Honneth (2003), Espírito Efetivo diz respeito às relações sociais do indivíduo, caracterizadas pelas consciências individuais, na esfera da sociedade civil. 20 Adorno (2009). 21 Rouanet refere-se ao pensamento de Marcuse e Adorno utilizando as expressões marcuseana e adorneana.

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impedir sua unidimensionalização22, mas encontra novas possibilidades de

interromper este processo nas categorias freudianas.

A dúvida que se apresentava aos frankfurteanos, segundo Rouanet (1986,

p. 197) era se “o pessimismo dessa teoria23 é uma decorrência inevitável do seu

substrato freudiano, ou se é possível, a partir de uma perspectiva igualmente

freudiana pensar o conteúdo utópico da cultura”. Ante a este dilema, Marcuse

vislumbrou a possibilidade da reflexão sobre a dialética cultura-freudismo,

justificando que a psicanálise é aliada da razão negativa, mas também perspectiva

de síntese.

Outro pensador que trabalha na mesma linha de idéias de Marcuse, embora

apresente uma divergência maior em relação aos seus antecessores24 anteriores, é

Walter Benjamim. Segundo Assoun (1991), Benjamim nasceu em Berlim em 1892 e

esteve implicado no projeto da Escola, ilustrando-a sem a ela aderir, estudou

Filosofia em Berlin e consagrou sua tese sobre “O conceito de crítica da arte no

romantismo alemão” em 1930.

Benjamim percebe o elemento cultural com uma “aura” oriunda do processo

de apreciação, que envolve a obra de arte. Esta “aura” que, segundo Freitag (1994),

não havia se diluído da passagem do período feudal para o burguês, se diluiu

quando da passagem do período burguês para a sociedade de massa. É perceptível

por toda leitura já realizada, que isto ocorreu devido à reprodutibilidade técnica das

obras de arte e que, por consequência, levou a massificação do consumo de bens

artísticos, principalmente no período de euforia nos Estados Unidos do pós guerra.

Benjamim não vê consequências tão negativas em relação à reprodução

técnica da cultura quanto seus antecessores. Em sua visão, tem-se uma nova

qualidade que é acessibilidade da obra a todos.

Ao contrário do que afirmava Adorno, a reprodução de um quadro da Mona Lisa como cartaz, [...] ou de uma sinfonia de Beethoven em disco não desvirtua a obra de arte. Apenas ela abandona os gabinetes e salões para ser divulgada e apreciada por todos. A reprodutibilidade técnica não somente assegura o consumo generalizado como transforma o caráter, a natureza intrísica da obra de arte, modificando ainda a própria percepção do consumidor (FREITAG, 1994, p.76).

22 Segundo Rouanet (1986, p. 201) “A dimensão do virtual é absorvida pela dimensão do atual, o que leva à unidimensionalização da realidade, em todos os seus níveis”. 23 Dialética Negativa. 24 Notoriamente Adorno, Horkheimer e Marcuse.

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Salvo todas estas boas intenções identificadas por Benjamim, o próprio

reconhece o risco que remete a idéia de instrumentalização da cultura sugerida por

Adorno, Horkheimer e Marcuse. Benjamim observa e identifica a função que a arte

assume.

Em vez de repousar sobre o ritual, daqui em diante ela se fundamenta sobre uma outra forma de “práxis”: a política. A obra de arte reprodutível perde seu valor como objeto cultural em proveito de seu valor como realidade a expor. [...]. À medida que diminui a significação social de uma arte, assiste-se no público a um divórcio crescente entre o espírito crítico e a conduta do prazer [...]. Esta socialização do prazer estético tem é verdade por reverso um aprofundar da apercepção. (ASSOUN, 1991, p. 93).

Desta forma pode-se reconhecer que a postura de Benjamim é em parte de

comum acordo com a de Adorno, Horkheimer e Marcuse. Todos atribuem à cultura

como uma de suas funções a de representar e promover a consolidação da ordem

existente. Entretanto, Benjamim diverge dos outros pensadores da Escola em avaliar

que o processo de reprodução técnica era responsável por fazer com que a cultura

assumir um caráter funcionalista para as formas de dominação. Ou seja, a cultura

assumia um papel funcionalista para a manutenção das condições de vida.

Segundo Freitag (1994), a função de promover e consolidar a ordem

existente deveria ser atribuído ao fenômeno de estetização da vida política. De

acordo com Benjamim (1966, apud FREITAG, 1994, p. 78):

Na época de Homero, a humanidade oferecia-se em espetáculo aos deuses olímpicos; agora, ela se transforma em espetáculo para si mesma. Sua auto-alienação atingiu o ponto que lhe permite viver sua própria destruição como um prazer estético de primeira ordem. Eis a estetização da política, como a pratica do fascismo. O comunismo responde com a politização da arte.

Assoun (1991) destaca o que para Benjamim a arte se politiza e perde a sua

função de alternativa crítica exemplificando que o processo de estetização da vida

política fora utilizado pelo fascismo como ente justificador e afirmador de suas

ações. O que resultou na absorção da ideologia fascista por alguns indivíduos,

devido à possibilidade de coesão ofertada pela cultura. Segundo Benjamim (1977,

apud ROUANET, 1986, p. 204):

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Se as comunicações de massa mesclam harmoniosamente, e com freqüência de modo imperceptível, a arte, a política, a religião e a filosofia com a publicidade comercial, reduzem essas esferas da cultura a seu denominador comum.

A Teoria Crítica da Escola, até então, estava reformulada em parte pelas

influências da crítica ao freudismo e à sua acepção negativa da cultura. Avançava a

uma filosofia da subjetividade, tomando a Não-Identidade como prova cabal desta

necessidade. Entretanto, as idéias de Benjamim e Marcuse acerca do tema cultura-

freudismo conotaram novos parâmetros e perspectivas de discussão.

Ao estabelecer que o processo de massificação da obra de arte para sua

democratização implicava obrigatoriamente na dissolução da obra de arte, e com ela

a perda da dimensão crítica, Adorno e Horkheimer enxergaram, segundo Freitag

(1994), o fim da Dialética e o congelamento do processo histórico:

A imaginação dialética reveste, pois, um caráter estrutural que embora encaixe mal na exigência de negatividade da Teoria Crítica, permite mostrar, como num reflexo, os efeitos determinados de negatividade aos quais a arte está associada. A história toma então um valor emblemático, pois o passado de uma época determinada é sempre. Não é pois, por acaso que, pela arte, se fecha o círculo da Teoria Crítica: a arte dá uma panorama alegórico sobre a Kultur e sobre a política [...](ASSOUN, 1991, p. 95).

Assim, para Adorno e Horkheimer, encerrava-se a dialética da própria

Teoria Crítica. Benjamim, que assumira a possibilidade da politização das massas

através da obra de arte desauratizada, manteve certo ceticismo sobre este fim.

Segundo Freitag (1994), esta inquietação de Benjamim levou à reflexão outros

pensadores como Habermas.

Assoun (1991) destaca que Adorno tentou ainda fazer evoluir a Teoria

Crítica para uma Teoria Estética (1979), a qual consiste, em especial na música, a

obtenção da possibilidade de uma teorização crítica da realidade. Ou seja, propor a

arte sem se tornar um instrumento de dominação. Entretanto, segundo Freitag

(1994), Habermas acreditava que, com as propostas desenvolvidas a partir da

Dialética do Esclarecimento até a Teoria Estética, Adorno levou à exaustão a

filosofia da consciência subjetiva chegando a um ponto final de sua trajetória.

Habermas está mais próximo de Benjamim do que os demais pensadores e

estabelece críticas a Marcuse, Adorno e Horkheimer. Para Habermas, estes

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estavam limitados por uma visão burguesa de arte, pois haviam adotado, conforme

menciona Freitag (1994, p. 78),

“[...] uma posição [...] limitada [...] em relação a obra de arte e à cultura: [...] porque continuavam vendo na obra de arte somente uma promessa de felicidade; limitada, por se basearem num conceito burguês de arte, [...] não admitirem a alteração interna da estrutura e função da arte [...].

Para Rouanet (1986), embora Habermas estabeleça esta crítica, assegurou

a continuidade do pensamento crítico da Escola, pois está evidenciada em sua obra,

uma crítica à cultura, à idéia da razão emancipatória e à denúncia do positivismo.

Abre uma investigação na categoria de utopia sob a forma do modelo comunicativo

puro e da situação linguística ideal. Habermas não rompe com a tradição da Escola,

mas a leva, juntamente com a Teoria Crítica, a novos desdobramentos. Portanto,

esta atitude iria marcar o início de uma nova fase, a Segunda Geração da Escola de

Frankfurt, analisada na próxima sessão.

2.3 SEGUNDA GERAÇÃO DA ESCOLA DE FRANKFURT: HABERMAS

Jürgen Habermas nasceu em Dusseldorf na Alemanha em 1929, foi

assistente de Adorno e professor em Frankfurt de 1964 a 1971. No início de seus

trabalhos, Habermas expõe mostras claras do seu interesse sobre os efeitos do

tecnicismo e do positivismo. Ele escreveu em 1965, “Conhecimento e Interesse” e

em 1968 “A Técnica e a Ciência”. A partir de 1971 dirigiu o Instituto Max Planck onde

ficou 11 anos, e retornou para Frankfurt em 198325.

Ao analisar a instrumentalização do conhecimento discutida por seus

antecessores, Habermas irá trilhar uma linha de discussão aberta por Marcuse.

Segundo Freitag (1994), Marcuse apresentou em uma conferência o texto

“Industrialização e Capitalismo na Obra de Webber”, no qual faz uma análise entre a

relação da razão instrumental e a dominação capitalista. Ao analisar esta obra,

Marcuse, destaca que teria sido Weber o pioneiro em aplicar o conceito de

racionalidade instrumental.

25 As informações biográficas de Habermas contidas neste parágrafo foram pesquisadas em Assoun (1991) e Freitag (1994).

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Para Weber (1994), a racionalidade instrumental encontrava-se

institucionalizada na vida cotidiana, traduzindo-se, no plano econômico. O que

provoca a transformação da razão em instrumento de dominação. Pois segundo

Marcuse (1964, apud Freitag, 1994, p. 91) “A razão abstrata [...] transforma-se assim

concretamente em dominação calculada e calculável – dominação exercida sobre os

homens e sobre a natureza”.

Para Marcuse, Weber absolutizou o conceito de razão instrumental,

identificando-a com a racionalidade capitalista. De acordo com Freitag (1994),

Marcuse defende que a moderna ciência e a técnica funcionam como ideologia para

legitimar o sistema. Classificando desta forma que a ciência e a técnica se tornavam

agentes do processo de unidimensionalização, tanto no plano objetivo como no

plano subjetivo. Rouanet (1986, p. 215) afirma que o conhecimento científico e

técnica “[...] objetivamente contribuíram para tornar relativamente redundante a

classe operária [...] funcionando assim como agentes reais de unidimensionalização.

Subjetivamente funcionam como instrumento de coesão ideológica”. Sobre isto

Marcuse (1968, apud Rouanet, 1986, p. 215) ressalta:

A eficácia e a produtividade do aparelho... velam os interesses particulares que organizam o aparelho. Em outras palavras, a tecnologia se torna o grande veículo de reificação... [...] O mundo tende a tornar-se o estofo da administração total que absorve mesmo os administradores. O tecido da dominação converteu-se no tecido da própria razão... e os modos transcedentes de pensamento parecem transcender a mesma razão.

Por isso para Marcuse, ciência e técnica na tradição weberiana, embora

tivessem pretensão de serem neutras, convertem-se elas próprias em dominação

econômica e política. Assim, Marcuse conclui que o próprio conceito de ciência e

tecnologia “talvez”26 seja ideologia.

Segundo Freitag (1994) Habermas corta o “talvez” afirmando que ciência e

técnica definitivamente se transformaram em ideologia. Na concepção de Rouanet

(1986), Habermas recorre a correntes filosóficas anglo-saxônicas contemporâneas

que são vistas com antipatia pelos demais integrantes da Escola de Frankfurt.

Assim, Habermas acredita que as formulações originais de Marx, segundo Honneth

(2003), devem ser revistas não porque Habermas pretendesse abrir mão da crítica,

mas porque, para ele, os conceitos originais da Teoria Crítica não são mais

26 Marcuse apenas abre a discussão sobre a fusão de ciência e tecnologia, por isso Freitag (1994) destaca a palavra talvez.

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suficientemente críticos frente à realidade atual, eles ignoram aspectos decisivos

das relações sociais.

Verifica-se que Habermas não propõe a saída de cena da Teoria Crítica

com parte de sua preocupação aos processos societários. Trata-se, de acordo com

Assoun (1991), de formular, um programa epistemológico que prolongava a ambição

fundadora da Teoria Crítica. Sobre a crítica à ideologia, Habermas (1986, p. 258) se

posiciona:

Ao nível teórico, ela é a crítica do saber, e se destina a desmascarar a auto-ilusão objetivista da ciência; e ao nível da práxis, ela é crítica da cultura, e se destina a desmascarar as legitimações ideológicas que inibem a percepção das estruturas da comunicação sistematicamente deturpada.

É perceptível no trecho acima que Habermas vislumbra a possibilidade de

dissolver as legitimações ideológicas em dois níveis: no teórico, retirando a ilusão

objetivista da ciência; e no prático, valorizando as estruturas da comunicação

deturpadas pela própria funcionalidade da ideologia. Verificou-se em Rouanet (1986)

que o freudismo é constitutivo em cada um desses momentos.

É necessário no presente momento, a abertura de um espaço para

descrição do pensamento harbersiano27 acerca do saber e da cultura, e a articulação

deste pensamento ao nível da teoria da comunicação.

De acordo com Freitag (1994), Habermas entende que os impasses

filosóficos da Escola, não podiam ser superados na salvação da razão crítica via

Dialética da Negatividade ou pela Teoria Estética, e sim por uma mudança de

paradigma. Segundo Honneth (2003), Habermas propõe um novo conceito de

racionalidade apoiando-se em Hegel a fim de encontrar conceitos críticos diante da

realidade. Tem-se então que Habermas recorre às categorias do pensamento de

Hegel que conjuntamente determinam a evolução da espécie humana como o

estudo da interação e os processos comunicativos presentes na interação social.

Sobre isto, Rouanet (1986, p.260) destaca:

Através da interação, os homens se relacionam entre si por meio de normas e instituições, mediatizadas simbolicamente por intermédio da linguagem. Através do trabalho, a espécie se relaciona com a natureza, a fim de submetê-la a seu controle, por meio de instrumentos. A primeira corresponde à esfera da ação comunicativa, e a segunda à esfera da ação instrumental.

27 Rouanet (1986) refere-se ao pensamento de Habermas utilizando o termo habersiano.

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Verifica-se que Habermas estabelece desta maneira uma diferenciação

entre duas categorias, a da interação e a do trabalho. De acordo com Honneth

(2003) Habermas pretende mostrar que a evolução histórico-social das formas de

racionalidade leva uma progressiva diferenciação da razão humana em dois tipos de

racionalidade, a instrumental e a comunicativa ou, respectivamente, sistema e

mundo da vida.

A ação instrumental, segundo Rouanet (1986) é regida por regras técnicas

que objetivam assegurar o controle sobre a natureza. Ou seja, a ação instrumental é

aquela orientada para o êxito frente à organização da natureza, em que o agente

calcula os melhores meios para atingir os fins determinados previamente. Honneth

(2003) exemplifica tal processo com o trabalho, uma vez que é dirigido à

organização da sociedade, visando à produção das condições materiais de vida e

que permite a coordenação das atitudes.

Esta diferenciação de racionalidade entre a instrumental e comunicativa veio

responder à exigência de um conceito de racionalidade, em que a racionalidade

instrumental passa a ser limitada, de modo a não sufocar e obscurecer as estruturas

comunicativas presentes nas relações sociais.

A análise de Habermas em relação à ação comunicativa tradicional expõe

esta como sendo “estruturada segundo normas válidas e obrigatórias, que definem

expectativas recíprocas de comportamento, formuladas numa linguagem

compreendida pelos autores, [...] num contexto [...] mediatizado [...]” (ROUANET,

1986, p.260). Reconhece-se, aqui, que as expectativas são originárias das normas

validadas pelas regras técnicas. Devido a esta sistemática as normas são

internalizadas produzindo estruturas de personalidade. A não verificação das

normas leva a classificação de um comportamento, classificado em Rouanet (1986),

como desviante.

Verifica-se que ocorre uma fusão, a ação comunicativa tradicional, ocorre

regrada a normas da ciência e da técnica que por sua vez são elas próprias

ideologias. Portanto, o que é internalizado nos indivíduos são regras da ideologia, a

personalidade do indivíduo é uma personalidade fabricada pela ideologia. Uma vez

que o indivíduo não introjeta estas regras, ele é uma peça defeituosa, uma

personalidade desviada, estando assim fora da linha de produção.

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Segundo Freitag (1994), a ciência e a tecnologia promotoras do progresso e

do bem-estar de todos passam a ser base de legitimação. Percepção que Habermas

chamou de interesses cognitivos da ciência, literalmente interesses orientadores do

conhecimento para preservação e ampliação da intersubjetividade comunicativa. De

acordo com Habermas (1973, apud ROUANET, 1986, p. 261) os interesses

cognitivos da ciência “são as orientações básicas enraizadas nas condições

fundamentais específicas da reprodução e autoconstituição possível da espécie

humana, ou seja, trabalho e interação”.

Habermas defende que os interesses cognitivos, não podem ser

interpretados apenas do ponto de vista biológico, pois surgem, no momento em que

a dimensão biológica é transcedida pela cultura. Habermas (1963, apud ROUANET,

1986, p. 262) afirma que:

Esses interesses cognitivos [...] não podem ser atribuídos ao patrimônio biológico de um potencial motivacional concreto [...]. Resultam antes, dos imperativos de uma forma sociocultural de vida que depende do trabalho e da linguagem. Por isso, os interesses técnico e prático não são princípios reguladores que precisem ser eliminados [...]; ao contrário, são eles que determinam o aspecto sob o qual a realidade é objetivada, tornando-se acessível à experiência. São as condições para que os sujeitos capazes de linguagem e ação possam ter experiências susceptíveis de objetividade.

Observa-se no pensamento de Habermas que a técnica não deve ser

condenada. A racionalidade criticada na Dialética do Esclarecimento, para

Habermas, não deve ser totalmente descartada. Habermas defende uma nova ação

comunicativa, a qual deveria ser orientada, de acordo com Honneth (2003), para o

entendimento e não para a manipulação de objetos e pessoas.

Segundo Honneth (2003), Habermas entendia que, a forma social própria da

modernidade é aquela em que a orientação da ação para o entendimento encontra-

se presente no processo de reprodução cultural que permite a continuidade de

interpretações do mundo, nas próprias instituições de socialização. Ou seja, nos

processos de aprendizado e constituição da personalidade. Portanto, a

racionalidade comunicativa, para Habermas, encontra-se inscrita na realidade das

relações sociais. Em suma, a crítica habersiana em relação à ciência consiste em

esta não considerar estes processos de socialização e comunicação. De acordo com

Rouanet (1986, p. 263):

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Se é verdade que todo saber está mediata ou imediatamente encrustado na praxis comunicativa ou técnica, uma ciência que ignore esse condicionamento e julgue ter acesso direto aos fatos, permanece prisioneira de uma falsa consciência objetivista.

Visualiza-se até aqui, o quadro evidenciado por Habermas em que o

conhecimento se construira concomitantemente à construção da ideologia. Assim o

conhecimento tem sua objetividade constituída a partir de uma estrutura de

interesses, os quais são permeados pela ação instrumental e por uma ação

comunicativa perpassada também pela mediação de interesses. Cabe então a

questão que, de acordo com Geuss (1988), seria a preocupação central de

Habermas: Qual estudo teórico poderia revelar e desfazer esta conexão sem cair ela

própria na influência de uma gama de interesses permeados pela ação

instrumental?

Segundo Geuss (1988), Habermas propõe uma Teoria Crítica que deveria

provocar a auto-reflexão e, deste modo, produzir esclarecimento e emancipação. Tal

estado de esclarecimento seria o objetivo natural da consciência humana. Sobre

isto, Rouanet (1986, p. 264) destaca que a autorrealização do indivíduo: “tende por

um telos inerente à lógica de sua autoformação, para a emancipação [...]: liberdade

e autonomia crescente sobre a base de um controle progressivo da natureza, mas

também de formas de interação social livre de dominação”. A Teoria Crítica

vislumbrada por Habermas estava pautada em sua crítica à ciência e aos

frankfurteanos, como expõe a sessão seguinte.

2.3.1 Habermas e a Teoria da Ação Comunicativa

Segundo Freitag (1994), a crítica de Habermas à Adorno e Horkheimer

consiste em estes não terem substituído a razão histórico-filosófica a qual levaram

ambos pela Dialética do Esclarecimento ao esgotamento da discussão da própria

Teoria Crítica. A partir desta crítica, Habermas produz alguns de seus ensaios mais

importantes que originaram, de acordo com Freitag (1994), a obra Teoria da Ação

Comunicativa em 1981. A preocupação de Habermas em propor uma análise que

não fosse um instrumento coercitivo em si, o faz pensar criticamente sobre a própria

Teoria Crítica. Assim, Habermas, chega à conclusão que ela fora pensada sem levar

em consideração os processos lingüísticos ideais.

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Habermas não vê que o marxismo possa assumir sozinho, potencial para

compor uma análise capaz de formular uma teoria que escape do risco da fusão

conhecimento – ideologia. Para Habermas, Marx errou em acreditar que poderia

encontrar na categoria do trabalho o substrato material e universal da constituição

da razão. Para Freitag (1994) isto evidencia uma contradição, já que o próprio Marx

em “O Capital” revelara o caráter alienador do trabalho.

Entretanto é importante destacar que a proposta de Habermas, segundo

Assoun (1991), se mantém fiel as intenções de emancipação da Teoria Crítica, mas

o julgamento sobre a racionalidade marxista tradicional é repensado. Segundo

Honneth (2003), Habermas coloca que o Marxismo deve demonstrar de novo a sua

força pela análise concreta, o que requer uma reconstrução do materialismo

histórico. Trata-se, segundo Assoun (1991, p.71), de:

[...] reanimar assim o desafio de uma razão encurralada pela racionalidade técnica. O regresso aos interesses em ação na prática social vai a par despertar da capacidade de auto-reflexão das ciências. Isso revela-se pela oposição essencial do trabalho e da interação, ligados respectivamente às relações do homem com a natureza e dos homens entre eles. É reativando esta segunda dimensão, recalcada pelo destino histórico do marxismo e coisificada pelo capitalismo administrado, que se opera a abertura. A idéia de um espaço comunicacional permite dialetizar estas duas dimensões.

Para Habermas, o processo de interação em um espaço comunicacional

tem um papel fundamental na proposta de emancipação. De acordo com Rouanet

(1986), assim como para Marx, a ideologia para Habermas tem por função camuflar

as relações de violência e coerção. Porém, para Habermas, isto ocorre devido à

deformação do processo comunicativo. Sendo assim, Habermas propõe que o

processo de emancipação exije uma nova mediação, que estaria centrada, para ele,

na categoria da intersubjetividade. Esta é base para a Ação Comunicativa, como

destaca Rouanet (1986, p. 286):

[...] a característica da linguagem consiste precisamente nessa capacidade de permitir, ao mesmo tempo, uma comunicação entre dois ou mais atores sobre coisas pessoas, coisas e processos, como estabelecer o tipo de intersubjetividade em cujo contexto se desdobra o enunciado ou conjunto de enunciados sobre essas pessoas, coisas ou processos.

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A comunicação da subjetividade entre os indivíduos é característica28

definidora da intersubjetividade. Portanto, a intersubjetividade passa por uma

situação de comunicação mútua, classificada por Habermas como uma situação

ideal de fala. Esta, por sua vez, consiste em “uma situação de discussão

absolutamente isenta de coerção e sem limites, realizada entre agentes humanos

completamente livres” (HABERMAS 1971, apud GEUSS, 1988, p.108). Assim, o

pensamento de Habermas revela uma condição para caracterizar agentes livres,

pois de acordo com Geuss (1988), os agentes são livres se sua situação real

satisfaz as condições de situação ideal de fala, caracterizada realmente como tal, se

os agentes inseridos nela são livres. Tem-se um ciclo no espaço de comunicação

ideal.

O critério para a validade das proposições oriundas do discurso entre os

agentes passaria também pela própria situação ideal de fala ou a situação lingüística

ideal:

Pois graças à dupla estrutura29 da comunicação linguística, o acordo entre dois ou mais locutores sobre um determinado conteúdo proposicional, vinculado a objetos da experiência, só é possível graças uma simultânea metacomunicação, que cria uma intersubjetividade específica, graças à qual o acordo se torna viável (ROUANET, 1986, p. 300).

É importante destacar, conforme traz Geuss (1988), que esta situação ideal

de fala deve ser atingida sem os agentes saberem que estão nesta situação, para

eliminar qualquer efeito coercitivo desta intenção da situação ser a ideal. Pois, de

acordo com Habermas (1973, apud ROUANET, 1986, p. 289), “recomendações (ou

advertências) implicam expectativas de validade que se tornam hipotéticas da

mesma forma que as afirmações, quando se exteriorizam no discurso”. Por isso, a

necessidade das afirmações serem feitas sem a consciência por parte dos agentes

de estarem no contexto de situação ideal, conforme destaca Habermas (1973, apud

ROUANET, 1986, p. 289) na continuidade: “À expectativa de validade das

afirmações, reconhecida ingenuamente em contextos de ação, corresponde a

validade factual das normas, nos mesmos contextos”.

Configura-se uma situação em que os agentes devem agir como se sua

situação de discussão fosse a ideal, embora eles jamais soubessem que ela é de

28 Rouanet (1986) 29 “O sentido categorial (objetividade da experiência) está contido no conteúdo posicional do ato lingüístico, e a expectativa de validade em sua parte performativa” (ROUANET, 1986, p. 300).

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fato a ideal. Reconhece-se que com tal pensamento Habermas estaria tentando

eliminar o risco da fusão entre o produto do discurso entre os agentes com as

intenções manipuladoras incutidas nas ações coercitivas do contexto de fala.

Entretanto, Geuss (1988) alerta que, embora os agentes não devam saber quando

estão numa situação ideal de fala, eles devem saber o que é tal situação para ter a

capacidade de construí-la.

Os agentes não poderiam, obviamente, empregar a aceitabilidade na situação ideal de fala como um critério de verdade se eles não soubessem o que é uma situação ideal de fala [...]. Portanto todo agente humano deve ter uma capacidade inata para construir a situação ideal de fala, isto é, dadas as condições adequadas, e talvez orientação e incentivo apropriados, qualquer agente deveria ser capaz de reconhecer que características deveria ter uma situação ideal de fala (GEUSS, 1988, p. 109).

A ausência de coerções e violências no processo de comunicação, de

acordo com o posicionamento de Habermas, pode ser caracterizada formalmente

através da estrutura pragmática da comunicação. Esta estrutura, de acordo com o

Habermas (1996), atinge o objetivo da exclusão da coação quando todos os agentes

têm chances iguais de utilizar atos lingüísticos existindo uma efetiva igualdade numa

situação dialógica.

Não cabe, no presente trabalho, realizar uma análise profunda da estrutura

pragmática da comunicação. Uma vez definida a concepção da Ação Comunicativa

e sua pretensão de situação lingüística ideal, o trabalho passa agora o olhar à Teoria

Crítica incutida pela Teoria da Ação Comunicativa de Habermas.

Para Geuss (1988), a Teoria da Ação Comunicativa trouxe à Teoria Crítica

uma perspectiva sobre a condição para o desenvolvimento e exercício da

racionalidade humana. Fato que Geuss (1988) evidencia como sendo impossível

para os agentes humanos racionais estabelecer livre e intencionalmente na

sociedade em que estão inseridos, na qual as estruturas comunicativas são

persuadidas e possibilitam, desta maneira, a instrumentalização racional de valores

subjetivos.

Segundo Assoun (1991), para Habermas a Teoria Crítica, em parâmetros do

estudo dos processos de comunicação, cumpriria a intenção de ser uma ciência

crítica da sociedade. Sendo esta intenção concretizada, a Teoria Crítica seria capaz

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de provocar autorreflexão e, consequentemente, produzir esclarecimento e

emancipação.

Para Geuss (1988) a autorreflexão, produto dos processos comunicativos,

seria capaz de provocar a dissolução da pseudo-objetividade e da ilusão objetiva,

tornando o sujeito ciente de sua própria origem, além de advertir sobre os

determinantes inconscientes da consciência e do comportamento. É perceptível,

portanto que a autorreflexão, perpassada pela ação comunicativa ligada aos

objetivos individuais, possibilitaria a justiça nos processos sociais.

A possibilidade de justiça se tornaria real na medida em que a Teoria

Crítica, ao induzir a autorreflexão, fizesse com que os agentes percebessem que a

coerção sob a qual padecem é autoimposta. Este fato dissolveria o poder da

coerção e traria um estado de maior liberdade e conhecimento de seus verdadeiros

interesses. Assim, a Teoria Crítica, de acordo com Geuss (1988, p. 115):

[...] adverte os agentes sobre determinantes inconscientes de sua consciência e comportamento, pois ela lhes revela que suas próprias instituições sociais coercitivas os estão determinando (ao distorcer a estrutura de comunicação da sociedade) a se agarrarem à sua figuração de mundo ideológica. No estado inicial, os agentes pensam falsamente que estão agindo de maneira livre ao aceitar a figuração de mundo e agir de acordo com ela; a teoria crítica lhes mostra que não se trata disso, salientando os determinantes sociais de sua consciência e ação, dos quais eles não estavam cientes.

A leitura feita até o momento permite ressaltar alguns pontos importantes

para continuidade do trabalho. O pensamento habersiano manteve o interesse em

relação aos aspectos da subjetividade outrora investigados pela Teoria Crítica e

estabelecido pelo estudo de seus antecessores. Por outro lado, amplia o enfoque

para a subjetividade presente nas relações de interação entre dois ou mais

indivíduos, ou seja, passa a conferir maior importância à intersubjetividade. Mantém-

se, assim, a idéia central da busca pela emancipação, reconhecendo o estado de

engessamento das consciências dos agentes humanos efetuado pela ideologia.

Apesar da evidência que isto ocorre pela deturpação das estruturas de comunicação

através do agir estratégico.

Assim, Habermas recusa o impasse do estado de desilusão de Adorno e

Horkheimer, remetendo como saída a este impasse uma Teoria Crítica incutida na

sua Teoria da Ação Comunicativa. Tal saída se daria pela quebra do gesso que se

encontravam as consciências via agir comunicativo, garantindo, desta forma, o

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objetivo da Teoria Crítica de promover uma verdadeira emancipação, na medida em

que provocaria a percepção da coerção e a destruição do poder da mesma.

Nesta perspectiva, a idéia proposta de emancipação deve ser real. Para

isso, os agentes oprimidos não devem se restringir apenas em cessar

voluntariamente com sua própria frustração, mas “deve haver uma mudança nas

instituições sociais básicas que suprima o sofrimento vivido e a restrição das

possibilidades humanas que motivaram os agentes a adotar a teoria crítica”

(GEUSS, 1988, p. 141).

Entretanto, uma questão ainda permanece sobre a emancipação destinada

aos oprimidos: se esta caracterizaria uma Teoria Crítica unilateral destinada apenas

a uma parte da sociedade, não contemplando desta forma a parte dominante. Geuss

(1988) expõe que Habermas considerou que aqueles pertencentes às classes

dominantes também estão sofrendo de uma forma restrita de consciência, a

diferença que esta restrição atua em seu benefício econômico. Mas a Teoria Crítica

também agiria, de acordo com Habermas, no mesmo sentido, o de provocar a

autorreflexão na classe dominante, evidenciando a ela própria, sua forma restrita de

consciência.

Sendo assim, a intenção da Teoria Crítica é destinada à autorreflexão e à

emancipação de toda a sociedade, pois de acordo com Geuss (1988, p. 142):

A clara intenção da teoria crítica é que se os agentes numa sociedade específica foram emancipados da ilusão ideológica e da coerção, eles devem todos, inclusive a classe dominante de antes, concordar que preferem seu presente estado emancipado ao estado inicial precedente, e que eles passaram a ter uma visão correta sobre onde estão seus verdadeiros interesses.

Entretanto, Honneth (2003) e outros pensadores da Escola de Frankfurt,

não se convenceram com tal proposta e mantiveram certa desconfiança em relação

à veracidade da situação ideal de fala do pensamento habersiano. Sobretudo Axel

Honneth que denunciou a existência de um déficit no pensamento habersiano, o

qual reside principalmente na ausência da questão do conflito no estabelecimento do

critério de confirmação da interação entre os agentes. A confirmação final sempre

dependerá de um consenso no referencial de uma situação linguística ideal para

cada local de dominação.

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Segundo Honneth (2003) a ausência da análise acerca do conflito para a

idéia da situação ideal de fala, incute no risco de a Teoria da Ação Comunicativa

poder ser instrumentalizada para a manutenção da dominação e manipulação.

Rouanet (1986) reforça que é neste ponto que fica patente as diferenças entre a

epistemologia harbesiana e a dos demais frankfurteanos.

De acordo com Rouanet (1986), o fato do consenso no espaço de

comunicação se relativizar a cada situação incute no risco da Teoria Crítica ter sido

levada ao Relativismo. Assim, a discordância do pensamento habersiano e do

pensamento de Adorno e Horkheimer revela um impasse entre diferentes

concepções de razão. “Para Adorno, Horkheimer e Marcuse, a razão é uma

faculdade que dá acesso à verdade; para Habermas, é uma forma de organizar a

comunicação humana, com vistas a [...] uma verdade intersubjetivamente aceita”

(ROUANET, 1986, p. 313). Para Habermas, de acordo com Geuss (1988), tanto

razão como verdade são pretensões intersubjetivamente aceitas.

Segundo Ponchirolli (2010) a distinção entre sistema e mundo da vida é

ambígua. Habermas faz esta distinção para fundamentar um conceito de

racionalidade complexo, em que a razão instrumental passa a ser limitada para não

desmerecer as estruturas intersubjetivas às teorias dos sistemas impossibilitando

pensar os próprios sistemas e usa lógica instrumental como resultado de conflitos

sociais permanentes. O pensamento habersiano acaba numa descrição abstrata,

mecânica e funcional. Não hão envolvimento dos sujeitos envolvidos

Este espaço de desencontro entre a Teoria Crítica de Adorno e Horkheimer

e a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, bem como a crítica estabelecida por

Honneth (2003), revelaria o início de um novo momento para a Escola de Frankfurt,

chamada de Terceira Geração.

2.4 TERCEIRA GERAÇÃO DA ESCOLA DE FRANKFURT: AXEL HONNETH E A TEORIA DA LUTA POR RECONHECIMENTO

Axel Honneth30, filósofo alemão nascido em 1949 na cidade de Essen,

apresentou sua tese de doutorado à Universidade Livre de Berlim em 1983 sob o

30 Dados biográficos de Axel Honneth foram extraídos de Honneth (2003).

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título de Kritik der Macht31. Posteriormente, tornou-se assistente de Habermas entre

1984 e 1990, vindo a sucedê-lo em 1996 e, em maio de 2001, assumiu a direção do

Instituto de Pesquisa Social.

Habermas, na visão de Honneth (2003), trouxe uma perspectiva ao impasse

encontrado por Adorno e Horkheimer devido a sua formulação do conceito de

mundo de vida (racionalidade comunicativa), expondo este como colonizado pelo

sistema (racionalidade estratégica). Contudo isto, não preencheu a mesma lacuna

deixada pela abordagem da Dialética do Esclarecimento. Segundo Honneth (2003),

tal lacuna se traduzia no ato de ignorar a ação social a qual se encontrava entre os

pólos: estrutura econômica e socialização do indivíduo.

Em Habermas existe uma deficiência em relação a uma concepção de

sociedade que mantém duas formas de racionalidade. Este posicionamento,

segundo Ponchirolli (2010), reforça a racionalidade instrumental como um elemento

necessário para a coordenação social e a reprodução material das sociedades

complexas, onde os mecanismos da economia de mercado e os mecanismos do

poder no Estado burocrático administrativo não sufoquem os processos

comunicativos de reprodução por meio de normas e valores. Habermas acaba

cedendo ao cognitivo-instrumental e a racionalidade comunicativa. Não há uma

adequada mediação entre elas.

Na sua tese de doutorado Critique of the Power32 (1991), Honneth

apresenta as limitações da Teoria Crítica sob o enfoque habersiano. Segundo

Ponchirolli (2010), tal teoria se desenvolve à sombra da crítica ao esclarecimento,

elaborada por Adorno e Horkheimer na Dialética do Esclarecimento. Honneth

acredita que os diferentes modelos da Teoria Crítica em comunicativa e instrumental

não teriam levado em consideração a dinâmica dos conflitos sociais. Para Ponchirolli

(2010) a construção de Habermas fracassou devido à ausência de um conceito

apropriado para a análise dos processos societários. Os objetivos filosoficamente

elaborados no sentido de apontar, de forma imanente, as possibilidades da

emancipação e as patologias que impedem sua realização, não foram alcançados

sociologicamente.

Ponchirolli (2010) reforça que a Teoria Crítica elaborada durante as duas

gerações anteriores, subestima o sentido próprio do mundo da vida social. Não

31 Crítica do Poder. 32 Crítica do Poder.

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atribuem aos padrões morais, aos estilos de vida e às operações interpretativas dos

sujeitos um papel essencial na reprodução da sociedade. Não levam em conta a

lógica independente da auto compreensão normativa , ético-cultural e política dos

sujeitos na investigação dos paradoxos da sociedade capitalista envolvidos.

Para Honneth (2003), o fato da ação social contemplar o conflito social é um

aspecto decisivo para a moldura do sistema. Portanto Honneth concorda com

Habermas sobre a necessidade de construir a Teoria Crítica em bases

intersubjetivas, mas discorda que a interação subjetiva ocorra sem conflito. Desta

forma, propõe em 1992 a obra: “Luta por Reconhecimento: a gramática moral dos

conflitos sociais”, relançada em uma nova edição em 2003.

Assim como Habermas recorreu ao jovem Hegel no período de Jena para

resgatar o valor dos processos comunicativos, Honneth (2003) também o faz para

resgatar não só o valor dos processos comunicativos, mas também a análise acerca

do conflito por reconhecimento, ignorado por Habermas. Segundo Mattos (2006), a

intuição original acerca do papel central do reconhecimento social para a

sociabilidade humana deve-se a Hegel.

Desta forma, Honneth (2003) encontra os elementos da luta por

reconhecimento no jovem Hegel, argumentando que sua tentativa consiste em

desenvolver os fundamentos de uma teoria social de teor normativo.

Hegel, no período que fora professor de Filosofia em Jena, verificou a

existência de:

[...] uma luta dos sujeitos pelo reconhecimento recíproco de sua identidade uma pressão intra-social para o estabelecimento prático e político de instituições garantidoras da liberdade; trata-se da pretensão dos indivíduos ao reconhecimento intersubjetivo de sua identidade, inerente à vida social desde o começo na qualidade de uma tensão moral que volta a impelir para além da respectiva medida institucionalizada de progresso social [...]. (HONNETH, 2003, p. 29)

É possível reconhecer aqui traços que caracterizam a razão idealista como

a exclusão do dado empírico para a verificação da existência da necessidade do

reconhecimento. Esta defasagem, fora o que outrora os antecessores de Honneth,

os quais se destacam Horkheimer e Adorno, já haviam percebido e condenado.

Honneth também visualiza a situação de uma possível defasagem e então se

compromete, dar à idéia hegeliana da Luta por Reconhecimento, uma inflexão

materialista da Psicologia Social de George Hebert Mead, a qual será melhor

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discutida em um momento posterior. É a aproximação com a psicologia e

investigação do subjetivo que aproxima Honneth aos antecessores da Escola, o que

permite classificá-lo como pertencente à tradição da Teoria Crítica e integrante da

Escola de Frankfurt.

A Luta por Reconhecimento veio a se contrapor a outro tipo de luta em

pleno curso na história: a Luta por autoconservação33, reforçada pela sociedade

moderna que se formara originalmente no pós-guerra. Não se pode tirar de mente

que este período fora de entusiasmo no qual a Filosofia Moderna teve ajuda

preponderante do programa de esclarecimento.

A perspectiva social do pós-guerra que se formava, trazia consigo a

intenção de autoconservação dos seus propósitos de vida. Uma vez que a vida

social é definida em seu conceito fundamental como uma relação de luta por

autoconservação de interesses; “os escritos políticos de Maquiavel preparam a

concepção segundo a qual os sujeitos individuais se contrapõem numa concorrência

permanente de interesses [...]” (HONNETH, 2003, p.31). Portanto, pôde-se destacar

que o campo de ação social tornara-se um local de uma luta permanente entre os

sujeitos pela autoconservação.

Honneth busca fundamentos sobre a situação de conflito de interesses em

Thomas Hobbes o qual posiciona o conflito como situação inerente a natureza

particular do homem:

[...] a essência humana, que ele [homem] pensa à maneira mecanicista como uma espécie de autômato movendo-se por si próprio, destaca-se [...] pela capacidade [...] de empenhar-se com providência para seu bem futuro. Este comportamento se exacerba [...] no momento que o ser humano depara com o próximo, tornando-se uma forma de intensificação preventiva do poder que nasce da suspeita [...] cada um é forçado a ampliar [...] seu potencial de poder, a fim de evitar também no futuro o ataque possível do outro (HONNETH, 2003, p. 35).

Verifica-se, no pensamento de Hobbes que a possibilidade do conflito é

inerente a situação de interação. Tal possibilidade também se encontra no

pensamento de Maquiavel, porém posicionado em sentido a manutenção de

estruturas de posição e poder. Nesta perspectiva acerca da inegável existência do

conflito no processo de interação entre os agentes humanos, Honneth recorre a

33 Honneth (2003).

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Hegel. Segundo Honneth (2003) Hegel se aproximara a uma corrente da filosofia a

qual confere à intersubjetividade da vida pública uma importância maior.

[...] o que importa a Hegel em sua filosofia política é a possibilidade de desenvolver na teoria um semelhante estado de totalidade ética; em seu pensamento, a idéia segundo a qual uma sociedade reconciliada só pode ser entendida de forma adequada como uma comunidade eticamente integrada de cidadãos livres [...] (HONNETH, 2003, p. 40).

Embora Hegel, de acordo com Honneth (2003) tenha tido como base

filosófica inicial, a Ética Aristotélica, irá posteriormente estabelecer novos

prognósticos acerca da temática. Abre-se um espaço na continuidade do trabalho,

afim de que o mesmo detenha sua atenção na relação entre Ética e

Intersubjetividade, base para a Luta por Reconhecimento, sem a preocupação de

acionar os vários limiares da Ética estabelecidos por outros autores da Filosofia

desde Platão e Aristóteles até a contemporaneidade.

2.4.1 Hegel: Ética e Intersubjetividade

De acordo com Honneth (2003) o interesse de Hegel consistia na formação

de uma organização social a qual encontrasse sua própria coesão ética no

reconhecimento da liberdade. Para tanto, elaborou uma teoria chamada de Sistema

da Eticidade34.

Honneth (2003) destaca que Hegel propõe primeiramente que toda teoria

filosófica da sociedade tem de partir de vínculos éticos entre sujeitos que se movem

juntos desde o princípio, ao invés de partir de atos de sujeitos isolados, pois

segundo Hegel (1970, apud HONNETH, 2003, p. 43) “[...] o povo [...] por natureza [é]

anterior ao indivíduo; pois se o indivíduo não é nada de autônomo isoladamente,

então ele tem de estar, qual todas as partes, em uma unidade com o todo”. Ou seja,

se desde o início da vida humana, esta está em processos contínuos de interação,

Hegel estabelece que a base natural da socialização humana é um estado que se

caracteriza pela existência de formas elementares de convívio intersubjetivo.

O segundo passo, Hegel dá no momento em que chega à percepção que o

processo a ser explicado está, de acordo com Honneth (2003), na transformação e

34 HEGEl, G.W.F. System der Sittlichkeit, Nachdruch der Lasson-Ausgabe. Hamburgo: 1967.

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na ampliação de formas primitivas de comunidade social em relações mais

abrangentes de interação social.

Nestes dois passos, a construção da Eticidade ocorre concomitantemente

ao Reconhecimento Intersubjetivo oriundo da interação social que se dá ao longo da

história, resultando na coesão vislumbrada por Hegel.

[...] pois só quando o curso histórico-universal do “vir-a-ser” da eticidade é concebido como um entrelaçamento de socialização e individuação pode-se aceitar que seu resultado seria também uma forma de sociedade que encontraria sua coesão [...] no reconhecimento intersubjetivo da particularidade de todos os indivíduos (HONNETH, 2003, p. 45).

Até então, Hegel havia trilhado o caminho da Ética no processo de

interação, entretanto faltava ainda a tarefa de dar ao reconhecimento intersubjetivo,

um caminho normativo. Sendo assim, Hegel recorre de acordo com Honneth (2003)

à doutrina do reconhecimento proposta por Fichte35, e então projeta o processo

intersubjetivo de um reconhecimento mútuo para dentro das formas comunicativas

de vida. Tal reconhecimento resultaria em dois pontos que seriam a imposição do

particular individual ao outro e do conhecimento pelo próprio indivíduo de suas

capacidades. Pois de acordo com Honneth (2003), na medida em que se percebe

reconhecido por um sujeito, o indivíduo conhecerá ao mesmo tempo as partes de

sua identidade única e estará contraposto ao outro como um particular. O que revela

ser um processo conflituoso, pelo pressuposto de Hobbes.

Nesta perspectiva, o movimento de reconhecimento e a formação da

identidade consistem num processo de etapas de reconciliação e conflito ao mesmo

tempo, em uma relação ética. Com esta dinâmica, Hegel vislumbra uma primeira

determinação do potencial interno da Eticidade humana conforme descreve Honneth

(2003, p. 48):

[...] se os sujeitos precisam abandonar e superar as relações éticas nas quais eles se encontram originariamente, visto que não vêem plenamente reconhecida sua identidade particular, então a luta que procede daí não pode ser um confronto pela pura autoconservação de seu ser físico; antes o conflito prático para que se acende entre os sujeitos é por origem um acontecimento ético, na medida em que objetiva o reconhecimento intersubjetivo das dimensões da individualidade humana.

35 Fichte (1971) concebe o reconhecimento como uma ação recíproca entre indivíduos, subjacente à relação jurídica.

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É possível verificar, que é na superação conflituosa das antigas relações

éticas e na inserção nas novas relações que os indivíduos se deparam em cada

etapa, com a necessidade de reconhecimento. Desta forma, Hegel introduz uma

“versão do conceito de luta social realmente inovadora, em cuja consequência o

conflito prático entre os sujeitos pode ser entendido como um momento do

movimento ético no contexto social da vida” (HONNETH, 2003, p. 48). Assim, Hegel

(1991) chega à conclusão de que só se pode falar de estruturas éticas onde exista

um padrão de práticas intersubjetivas em que os sujeitos se realizem na medida em

que se relacionam.

Segundo Honneth (2003), para Hegel, o processo do estabelecimento das

primeiras relações sociais é um processo de afastamento dos sujeitos das

determinações iniciais, o qual se efetua inicialmente através da relação de pais e

filhos, uma relação de ação recíproca de formação contínua e ao mesmo tempo

conflituosa, em que “os sujeitos se reconhecem reciprocamente como seres

amantes, emocionalmente carentes; o elemento da personalidade individual que

encontra reconhecimento por parte do outro é o sentimento prático [...]” (HONNETH,

2003, p. 49).

Após esta relação superada de reconhecimento, surgem as relações de

troca entre proprietários regulada por contrato, descrito em Honneth (2003), como

um processo de universalização jurídica. Deste ponto em diante, os sujeitos se

reconhecem reciprocamente como portadores de pretensões legítimas à posse, e

desse modo se relacionam entre si como pessoas às quais, cabe ao direito formal.

Embora o direito formal rompa os limites particulares traçados pelos vínculos

emocionais, ainda assim é dependente da confirmação intersubjetiva no sujeito

singular imbricada, nas liberdades negativas36.

Vale destacar que Hegel (1991) não vislumbra a possibilidade de empregar

um modelo de luta com a finalidade de explicar a superação de cada etapa da

Eticidade pelo indivíduo, mas em evidenciar que as etapas no movimento de

reconhecimento passam por um conjunto de lutas diversas, cujo efeito comum

consiste em interromper de maneira conflituosa o processo já constituído de

reconhecimento anterior. Segundo Honneth (2003), Hegel estava convencido de que

em uma cultura da liberdade comunicativa, deveria haver o espaço para esferas de

36 Segundo Honneth (2003), liberdade negativa refere-se à possibilidade de negar ofertas sociais.

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ação nas quais os sujeitos, sob condições do mercado capitalista, pudessem

perseguir seus próprios interesses.

Sendo assim, Hegel estabelece que a cada nova etapa de reconhecimento,

a identidade do indivíduo vai tomando corpo, chegando num estado final de

formação de sua identidade. A proposta de Hegel referente às etapas do

Reconhecimento Intersubjetivo pode ser melhor pode ser visualizada no quadro a

seguir:

Objeto de reconhecimento\Modo de

reconhecimento

Indivíduo (carências concretas)

Pessoa (autonomia formal)

Sujeito (particularidade individual)

Intuição (afetivo)

Família (amor)

Conceito (cognitivo)

Sociedade civil (direito)

Intuição intelectual (afeto que se tornou racional)

Estado (solidariedade)

QUADRO 01 – Etapas de Reconhecimento Fonte: Honneth (2003, p.60).

De acordo com Honneth (2003), toda esta discussão elaborada por Hegel

fora para aplicação da sua disciplina destinada à Moral e ao Direito em Jena, mas

acabou por implicar à parte de sua filosofia que deveria servir, à apresentação do

Espírito Objetivo. Um empreendimento filosófico que tivera por tarefa reconstruir o

processo de “auto-reflexão da razão durante a etapa na qual esta, na forma do

espírito humano, se realiza nas manifestações exteriores das [...] práticas sociais”

(HONNETH, 2007a, p. 55).

Vale destacar este momento como o do afastamento de Hegel em relação à

filosofia aristotélica. Segundo Mattos (2006), o objetivo de Hegel era de substituir as

categorias atomísticas aristotélicas por categorias baseadas em um vínculo social.

De tal forma que “[...] o conceito de natureza já perde seu significado ontológico

abrangente; agora Hegel já não designa mais [...] a constituição da realidade em seu

todo, mas apenas aquele domínio que é oposto ao espírito” (HONNETH, 2003, p.

62).

É possível perceber que, na medida em que o conceito de natureza se limita

para Hegel, aumenta para ele a abrangência do ideário de espírito. “No lugar da

teleologia aristotélica da natureza, da qual estava ainda atravessado o Sistema da

Eticidade, vai entrando aos poucos uma teoria filosófica da consciência”

(HONNETH, 2003, p. 62). A necessidade desta Filosofia da Consciência se

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construía na medida em que aumentava a necessidade de um estudo capaz de

sustentar e justificar as Etapas de Reconhecimento Intersubjetivo.

Não é possível, por questões espaciais e temporais, realizar uma leitura e

análise do tema “espírito” presente na construção do conhecimento humano. Tratar-

se-á da temática na próxima sessão como um emprego relacionado à temática

consciência e por isso também chamada, em Honneth (2003), de Filosofia da

Consciência, a qual servira de importante apoio para Axel Honneth construir sua

teoria da Luta por Reconhecimento.

2.4.2 A Filosofia da Consciência de Hegel e o Reconhecimento

Verificou-se em Honneth (2003) que Hegel construiu sua Filosofia do

Espírito de tal maneira que incutisse um processo de realização do próprio espírito,

que se reflete em atingir autoconhecimento do seu interior. A Filosofia da

Consciência tomaria como dever reproduzir o processo inteiro de formação que o

espírito efetua após própria reflexão e retornando a si mesmo da exteriorização da

natureza. Sobre isto, Mattos (2006) ressalta que o que importa a Hegel é a

percepção da existência de passos importantes até que o Espírito tenha visão

própria de sua constituição.

Portanto Hegel tinha por intenção reconstruir a formação do espírito em seu

próprio interior “[...] até chegar ao ponto onde começam a se delinear, na relação

ética do Estado, as estruturas institucionais de uma forma bem sucedida de

socialização” (HONNETH, 2003, p. 71). Assim, Honneth (2003) pôde configurar a

associação entre as etapas do Reconhecimento, mostradas no quadro 01, com as

esferas do espírito. Estabelecendo que a etapa referente à família37 está imbricada

na esfera do espírito subjetivo. A segunda etapa referente à sociedade civil38 está

imbricada na esfera do espírito efetivo. E por fim a etapa referente ao estado39 está

imbricada na esfera do espírito absoluto.

O trabalho detém-se agora ao esclarecimento da associação das esferas do

espírito em relação às etapas de reconhecimento presentes no quadro 01, deixando

37 Segundo Honneth (2003) esta etapa contempla a relação do indivíduo consigo próprio e com os próximos afetivamente ligados. 38 Segundo Honneth (2003) esta etapa contempla a relação dos sujeitos entre si. 39 Segundo Honneth (2003) esta etapa contempla as relações reflexivas dos sujeitos socializados.

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para um momento posterior a explicação das dimensões propostas por Honneth,

que estas esferas atuam – a saber tais dimensões são: amor, solidariedade e direito.

Esta atitude é tomada, por um melhor enquadramento didático, que comunga ao

interesse do presente trabalho, em se manter consonante à construção do

pensamento de Axel Honneth.

Segundo Honneth (2003), Hegel inclui primeiramente na Filosofia do

Espírito um modelo estrutural social de Luta por Reconhecimento na etapa do

espírito subjetivo. Reconhece-se com isso, que a intenção de Hegel é proporcionar

com sua filosofia a auto-experiência da consciência individual. Pois, conforme

descreve Honneth (2003, p. 73):

[...] o procedimento metodológico de Hegel consiste em reconstruir o processo de formação do espírito subjetivo, ampliando-o passo a passo de modo que abarque as condições necessárias da auto-experiência da consciência individual [...]

Uma vez abarcada as condições necessárias da auto-experiência, o

indivíduo passaria a uma nova etapa. Sobre isto Honneth (2003, p. 73) avança:

[...] o resultado desse procedimento reconstrutivo deve esclarecer quais experiências, repletas de exigências, um sujeito precisa ter feito ao todo antes de estar em condições de conceber-se a si mesmo como uma pessoa dotada de direitos, e nessa medida, poder participar então na vida institucionalizada regulada de uma sociedade, isto é, no espírito efetivo.

Um fator importante no trecho transcrito de Honneth está na percepção do

próprio sujeito como uma pessoa dotada de direito e assim possuir a prerrogativa de

atuar na sociedade. Quanto ao aspecto cognitivo desse processo, Honneth (2003)

observa que Hegel recorre a uma etapa que vai da intuição à capacidade de

representação linguística das coisas.

Entretanto, Honneth (2003) observa que Hegel mantém certa desconfiança

no processo de reconstrução da formação do espírito subjetivo, afirmando que ele

em si é incompleto na medida em que pode instruir o sujeito a respeito de sua

possibilidade de produzir categoricamente o mundo, mas não acerca da

possibilidade de produzi-lo praticamente em seu conteúdo.

Ou seja, o processo de formação carece não apenas do potencial do sujeito

na construção do mundo, mas principalmente da consciência de sua atuação nesta

construção. Sendo assim, “[...] o processo de formação carece de uma ampliação

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[...] através da qual a inteligência adquira a consciência de seu agir, isto é, de si

mesma como pôr do conteúdo ou do fazer-se conteúdo” (HONNETH, 2003, p. 73).

Portanto uma auto-experiência integral do sujeito só é possível para Hegel,

de acordo com Honneth (2003), sob a condição de que o indivíduo aprenda a

conceber-se também como um sujeito das produções práticas. Portanto verifica-se

que auto-objetivação se torna ponto importante do processo de formação do espírito

subjetivo. De acordo com Honneth (2003), até então o espírito subjetivo, por ser

considerado em sua relação cognitiva com a realidade, era dado apenas como

inteligência. É possível concluir que, para Hegel, ocorre a transformação deste

espírito subjetivo em vontade no momento em que ele abandona o horizonte das

experiências teóricas e obtém um acesso prático no mundo.

Hegel faz com que o aspecto prático do processo da consciência individual

comece com a auto-experiência instrumental do sujeito, o que estaria implicado para

Hegel, entre ação de trabalho, instrumento e produto. Assim o produto da ação

instrumental, a inteligência chega à consciência de seu agir, pois:

Nessa medida, no produto da ação instrumental, a inteligência chega justamente à consciência de seu agir, que permanecera interdita a ela enquanto se referira ao mundo só cognitivamente; ela vem a saber de sua capacidade para a produção prática de objetos no momento em que perante os olhos, na obra, um resultado de sua própria atividade (HONNETH, 2003, p. 75).

Identifica-se que Honneth alerta que o tipo de agir prático que lhe reflete o

produto do trabalho enquanto uma realização autônoma é de caráter apenas

limitado, já que só é feito sob condições de coação e disciplina e até mesmo de

autodisciplina. O que permite verificar que o espírito subjetivo tem por experiência,

um ser capaz de atividade por autocoerção. De acordo com Honneth (2003), este

fato levou Hegel a concluir, que a primeira partição da auto-experiência referente à

idéia de vontade fosse incompleta.

Assim, Hegel expande seu conceito para o de vontade livre. Um estado,

segundo Honneth (2007a) atingido pelo espírito, na medida em que ele realiza a

razão no mundo objetivo das instituições sociais. Sobre isto Honneth (2007a, p. 60)

afirma:

[...] a vontade livre tem de querer a si mesma “como livre”, ou seja, tem de poder fazer do material que consiste em seus impulsos de ação e em suas

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inclinações a matéria da liberdade, pois em vista desta determinação a questão óbvia consistiria então em como devem representar os impulsos da ação para que possam ser pensados como livre [...].

Verifica-se que a vontade livre para ser uma entidade liberta deve partir do

conhecimento do seu próprio material interno, pois “[...] a vontade deve se limitar

àquelas suas carências, desejos e impulsos [...] cuja realização pode ser

experienciada como expressão, como confirmação da própria liberdade [...]”

(HONNETH, 2007a, p. 62).

Importa destacar que a contemplação integral da esfera do Espírito

Subjetivo se faz pela contemplação da partição referente à vontade livre incutida na

a auto-experiência individual. É só pela contemplação desta esfera que o Espírito

Subjetivo atinge aí o reconhecimento de si e é capaz de reconhecer o próximo,

estando apto a avançar a uma nova etapa em que ele – espírito irá se tomar

conhecimento de si na relação de pessoa de direito. Para Hegel, isto só é possível

na esfera do Espírito Efetivo.

Na situação de pessoa de direito, os sujeitos novamente irão se deparar

com o conflito vista situação ameaçadora de concorrência recíproca, sobre isto

Honneth (2003, p. 84) escreve:

Hegel gostaria então de mostrar que a realização do contrato social e, por conseguinte, o surgimento de relações jurídicas é um processo prático que procede com necessidade da própria situação social iniciativa; em certa medida, já não se trata mais de uma necessidade teórica, mas empírica, com a qual se chega ao fechamento do contrato no interior da estrutura daquela situação de concorrência recíproca.

Tal percepção permite a Honneth (2003) traçar uma linha lógica para as

intenções de Hegel, a qual tem início pela observação do fato de que se em

contraposição à tradição predominante, deve ser mostrado que os sujeitos, mesmo

sob as condições sociais da concorrência hostil, alcançam uma solução jurídica do

conflito como a formulada na idéia de contrato social.

Pois apenas nas relações pré-contratuais de reconhecimento recíproco,

ainda subjacente às relações de concorrência social, pode estar ancorado o

potencial moral, que depois se efetiva de forma positiva na disposição individual de

limitar reciprocamente a própria esfera de liberdade. Para Mattos (2006, p. 23), isto

se explica pelo fato de o “[...] estabelecimento de relações jurídicas não encerrar um

processo de conflito, mas, ao contrário, fomenta o conflito possibilitando o

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desenvolvimento da eticidade da sociedade”. Hegel (1969, apud HONNETH, 2003,

p. 85) destaca:

No reconhecer o si cessa de ser esse singular, ele está juridicamente no reconhecer, isto é, não está mais em seu ser-aí imediato. O reconhecido é reconhecido como válido imediatamente, por seu ser, mas precisamente esse ser é gerado a partir do conceito; é ser reconhecido. O homem é necessariamente reconhecente. Essa necessidade é a sua própria, não o nosso pensamento em oposição ao conteúdo. Como reconhecer, ele próprio é o movimento e esse movimento supera justamente seu estado de natureza: ele é reconhecer.

Percebe-se no pensamento de Hegel que o reconhecimento recíproco

extrapola as fronteiras do estado de natureza e avança para um fato social, o que

vem a reforçar ainda mais o seu afastamento das proposições Aristotélicas. É na

realidade de reconhecimento recíproco que se efetua certa medida de autolimitação

individual. Para Mattos (2006) o ponto central é de que só é possível a autonomia

individual pelo reconhecimento mútuo, intersubjetivo.

Hegel começa a constituir a pessoa de direito a partir da esfera do Espírito

Efetivo. Pois conforme ilustra Honneth (2003, p. 86):

[...] uma descrição correta, acertada, daqueles processos de ação que se realizam sob condições sociais da concorrência hostil teria justamente de expor o processo de formação no qual os indivíduos aprendem a se perceberem como seres dotados de direitos intersubjetivamente válidos.

Sendo assim, Honneth (2003) destaca que Hegel é obrigado então a fazer essa

descrição alternativa do estado de natureza, adotando em seu texto uma forma de

exposição na qual o conflito em torno da tomada de posse unilateral é interpretado

como uma luta por reconhecimento, e não como uma luta por autoafirmação.

Honneth (2003) exemplifica este processo através da situação de posse. A

tomada de posse exclusiva por um indivíduo se apresenta na descrição de Hegel,

como uma sensível perturbação no convívio social, uma vez que o incidente que

desencadeia o conflito é apreendido de início apenas unilateralmente, o indivíduo

que assiste a tomada de posse se depara com o sentimento de exclusão no

processo de interação. De tal modo que o receio pela ameaça futura é na verdade

percepção de ser ignorado por outro indivíduo social:

É particularmente decisivo nessa imagem inicial o fato de Hegel derivar a formação reativa dos sujeitos excluídos de uma constelação de motivos

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cujo núcleo é constituído pela desilusão das expectativas positivas em relação ao parceiro de interação: diferentemente da descrição de Hobbes, o indivíduo reage aqui à tomada de posse não com o sentimento de medo de ser ameaçado futuramente em sua autoconservação, mas com a percepção de ser ignorado por seu defronte social (HONNETH, 2003, p. 87).

Ao seguir esta construção, Honneth (2003) começa a acenar que a questão

da redistribuição de renda é parte integrante de uma etapa de reconhecimento na

esfera do direito. Além disso, é importante visualizar neste momento, o movimento

de afastamento de Hegel em relação a algumas considerações de Maquiavel e

Hobbes, ratificando que a Luta por Reconhecimento veio a superar as limitações

epistemológicas e práticas da Luta por Autoconservação.

Portanto, o indivíduo ignorado não tenta lesar a propriedade alheia porque

ele quer satisfazer suas necessidades sensíveis, mas sim para dar-se conhecer

novamente ao outro. Então, de acordo com Hegel (1969, apud HONNETH. 2003, p.

88): “O excluído lesa a posse do outro; ele coloca seu ser-para-si excluído. Ele

destrói algo nisso, aniquilar como o desejo, para dar-se seu sentimento de si, mas

não seu sentimento de vazio [...]”.

Após analisar a posição do indivíduo que se sente excluído sem a posse,

Hegel investiga a posição do indivíduo que passa a ter a posse e que passou por

isso, a ser atacado. No indivíduo atacado a experiência de destruição de sua posse

desencadeia igualmente uma espécie de transtorno, pois de acordo com Honneth

(2003, p.88) “[...] na reação de seu defronte, ele40 toma consciência

retrospectivamente de que deve caber à própria atitude, isto é, à tomada de posse

inicial, um conteúdo [...] diferente do que ele mesmo lhe conferira originalmente”.

Ou seja, o sujeito que faz a tomada de posse se referira em sua ação

unicamente a si mesmo com a consciência, classificada em Honneth (2003), como

egocêntrica de multiplicação de bens econômicos. É na reação contrária do seu

defronte social e parceiro de interação, que o sujeito de posse tem ante aos seus

olhos, que sua ação de posse afetou o outro, mas não interpreta que esta situação

se traduz no sentido de exclusão do seu objeto de posse em relação ao parceiro de

interação.

O sujeito de posse atacado toma consciência interpretativa, de que o ataque

do parceiro de interação, de acordo com Honneth (2003), a ele mesmo como

40 Sujeito que faz a posse.

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pessoa. Observa-se, portanto que o ato inicial de tomada é o ponto inicial de uma

situação de conflito, já que o sujeito atacado passa a se defender devido à

interpretação errônea de que o ataque se deve ao âmbito pessoal.

Ambos interpretam erroneamente a intenção do seu parceiro, no processo

inicial de tomada de posse. O sujeito de posse adquiriu o objeto a fim de satisfazer

um ideário próprio e não para ignorar seu defronte social. O sujeito sem a posse não

reconhece a vontade do possuidor pelo simples prazer de posse, mas vê nisso uma

situação de que fora ignorado propositalmente. De acordo com Hegel (1969, apud

HONNETH 2003, p. 89):

Assim incitados, ambos se defrotam, isto é, o segundo [sujeito excluído] como ofensor, o primeiro [sujeito de posse] como ofendido, pois este não visava àquele em sua tomada de posse; mas este ofendeu, pois visava a ele: o que ele aniquilou não foi a própria forma da coisa, mas a forma do trabalho ou do agir do outro.

De acordo com Honneth (2003), toda esta leitura infligia em Hegel ainda

uma questão ignorada por Hobbes, residente na interação iminente ao estado de

relação e dependência das duas partes, sujeito de posse – parceiro de interação.

Hegel visualizava que ambas as partes do conflito sabem da dependência social

pela própria situação de interação, de tal maneira que os sujeitos de posse não

deveriam ser tomados como agentes isolados movidos apenas pelo egocentrismo,

pois ambos os sujeitos já haviam aceitado o outro como um parceiro de interação,

se tornando, em seu próprio agir, dependente do outro.

Contudo, percebe-se que Honneth (2003) tem como convicção a reação do

sujeito sem posse em aceitar previamente é suscetível a desilusão, o que torna a

ação do sujeito de posse, mesmo tendo sido aceita, como inescrupulosa. No caso

do sujeito de posse a mesma aceitação prévia se mostra na disposição em que ele

tem em assumir a situação de seu defronte social. Ou seja, ambos os partidos se

reconheceram, com a ressalva que esta aceitação não é completa no âmbito

subjetivo.

Esta ressalva mantém latente que as partes envolvidas encontram-se na

essência de sua interação numa situação de oposição direta. Hegel define esta

situação, de acordo com Honneth (2003), como uma relação de desigualdade. Pois,

enquanto o sujeito excluído faz o defronte tomar consciência dele com ato de

destruição do objeto alheio o que simultaneamente permite ao excluído um saber

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intersubjetivamente de si, o mesmo não é possível ao sujeito de posse. Falta ao

sujeito de posse a possibilidade do reconhecimento de sua vontade livre por um

defronte.

De acordo com Honneth (2003), o reconhecimento ao sujeito de posse se

dá a ele via o processo agressivo, somente desta forma seria possível ao sujeito de

posse a possibilidade da auto-compreensão intersubjetiva de sua vontade.

É importante destacar que o agente motivador nas duas partes, para o

ataque e o reconhecimento, difere essencialmente. A ação de ferir a posse por parte

do excluído refere-se ao desejo de que o sujeito de posse lembre-se dele. Enquanto

a do sujeito de posse refere-se à necessidade de que ele tem de colocar à prova

que a destruição da posse não o ofendeu simplesmente por causa da posse, e sim

de uma interpretação equivocada de suas intenções. O que culminaria na

prerrogativa de que o reconhecimento por parte do defronte ao sujeito de posse só

seria possível quando o mesmo demonstrasse “[...] pela disposição de uma luta de

vida ou morte, que a legitimidade de suas pretensões vale mais para ele do que a

existência física” (HONNETH, 2003, p. 91).

É por isso que neste estado conflituoso do estado de natureza, Hegel vê

como continuidade da etapa efetiva “[...] uma luta a que o sujeito atacado força seu

parceiro de interação para provar-lhe a incondicionalidade moral de sua vontade e,

ao mesmo tempo que sua pessoa é digna de reconhecimento” (HONNETH, 2003, p.

91). Embora Hegel, durante certo tempo tivesse partido da fundamentação da morte

ou a alheia leve ao reconhecimento dos indivíduos mutuamente, não se preocupou

em discutir os motivos de tal fundamento com maior profundidade. Assim Honneth

(2003, p. 94) avança:

Somente o fato de que o outro defenda seus direitos individuais, mas não o modo de fazê-lo, faz com que os dois sujeitos reconheçam em seu defronte a pessoa moralmente vulnerável, chegando assim à aceitação recíproca de suas pretensões fundamentais de integridade [...]

Percebe-se que Honneth destaca que o processo de reconhecimento é

anterior, pois ocorre no momento em que os indivíduos visualizam a defesa dos

direitos individuais de seu defronte. Sobre isto Honneth (2003, p.94) afirma:

[...] nesse sentido, é a experiência social da vulnerabilidade moral do parceiro de interação e não aquela existencial da mortalidade do outro, o que pode conscientizar os indivíduos daquela camada de relações de

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reconhecimento prévias cujo núcleo normativo assume na relação jurídica uma forma intersubjetivamente vinculante.

De acordo com Honneth (2003), com tal desdobramento Hegel vislumbra

que sua tarefa de construção do processo de formação do espírito subjetivo e efetivo

fora concluída, uma vez que a vontade livre ou vontade individual pode se conceber

agora com base nas reações de cada outro indivíduo, como uma pessoa dotada de

direito, sendo capaz, assim, de atuar na esfera do espírito absoluto que corresponde

à etapa das reflexões dos sujeitos socializados. Além disto, segundo Honneth

(2003), Hegel pôde dar um passo decisivo, que fora a exposição de que os próprios

esforços dos sujeitos por reconhecimento, como uma força produtiva e

transformadora, pois:

[...] a luta por reconhecimento não somente contribui como elemento constitutivo de todo processo de formação para a reprodução do elemento espiritual da sociedade civil como influi também de forma inovadora sobre a configuração interna dela, no sentido normativo para o desenvolvimento do direito (HONNETH, 2003, p. 95).

Neste processo de desenvolvimento do direito, tem-se, então, que para os

bens produzidos possam em geral encontrar acesso à satisfação das necessidades

dos indivíduos na sociedade, é necessário que o sujeito tenha reconhecido a

legitimidade de sua posse gerada pelo trabalho e, assim, ter se transformado em

proprietários uns para os outros, o que levaria a possibilidade de trocar uma parte de

sua riqueza legitimada por um produto de sua escolha.

É na troca que reside para Hegel, de acordo com Honneth (2003), a ação

recíproca entre pessoa de direito, é a tomada de corpo da concordância entre os

sujeitos de posse e que outrora tomava a posição de excluído. Sobre isto Hegel

(1969, apud HONNETH, 2003, p. 97) destaca: “O universal é o valor, o movimento

enquanto sensível é a troca. A mesma universalidade é [...] o ter imediato, que é

mediatizado pelo ser reconhecido [...].”

Com isto, ocorre o aparecimento do contrato o que amplia a forma

institucionalizada de reconhecimento. De acordo com Honneth (2003), o não

comprimento do contrato implica a suposição de uma luta por reconhecimento

também para etapa jurídica àquela referente as relações institucionalizadas dos

sujeitos entre si. É no emprego da coerção jurídica que desencadeia no sujeito

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atingido um sentimento de desrespeito. Segundo Honneth (2003), tem-se um

problema que Hegel investiga por dois caminhos.

Por um lado o desrespeito que o sujeito que quebrou a palavra deve

experienciar com o constrangimento jurídico pode ser entendido no sentido de uma

abstração das condições concretas de seu caso particular de tal maneira, de acordo

com que a vontade singular ficaria então sem reconhecimento social. Portanto no

quadro deste primeiro caminho, a qualidade lesiva da coerção jurídica se mede pela

aplicação de normas as quais acreditam ser capazes de abstrair todas as intenções

particulares de uma situação concreta.

Por outro lado, o desrespeito particular que deve estar vinculado à prática

da coerção jurídica pode ser entendido também no sentido de uma abstração das

condições materiais de realização individual, ou seja, a vontade singular ficaria sem

reconhecimento social neste caso, pois conforme ilustra Honneth (2003, p. 103):

“[...] as normas jurídicas [...] com a relação contratual são apreendidas no plano do

conteúdo, de forma [...] que as diferenças nas chances individuais de realizar as

liberdades juridicamente garantidas não são levadas em conta”. Ressalta-se que

neste segundo caminho interpretativo de Hegel, a medição da coerção jurídica se

faz pelo falso formalismo do conteúdo das normas jurídicas,

Verifica-se em Honneth (2003) que, no prosseguir destes dois caminhos,

Hegel conclui que a única novidade que a provocação moral do crime pode implicar

é a reestruturação institucional do direito, indo da relação informal à relação

organizada pelo Estado, ou seja, a passagem do direito natural para o positivo41. O

qual teria como papel fundamental, de acordo com Honneth (2007a), garantir

condições para que cada indivíduo chegue à auto-realização isenta de coerção, e

possibilite a realização da liberdade individual42.

Hegel que já tivera esboçado uma concepção do reconhecimento, com seu

pensamento acerca dos efeitos da coerção na esfera jurídica, avança ainda mais na

intenção de dar ao reconhecimento inclinações da sua Teoria da Eticidade. Sendo

assim, de acordo com Honneth (2007a, p. 108):

Tal como antes o reconhecimento que significa primeiramente afirmação recíproca isenta de coerção de determinados aspectos da personalidade que se relacionam com cada um dos modos de interação social. A partir

41 Direito de escolher em “aceitar”, Honneth (2007a, p. 83). 42 Honneth (2007a, p. 53).

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dessa forma geral de reconhecimento Hegel dirá mais tarde [...] que o indivíduo faz-se digno deste reconhecimento quando comporta-se para com os outros de uma maneira universalmente válida, reconhecendo-os como ele mesmo quer valer.

Verifica-se por tanto que é com este embasamento acerca do

reconhecimento que Hegel elabora a esfera jurídica do próprio reconhecimento. E ao

mesmo tempo elabora a Filosofia do Direito43. É importante destacar que a

discussão da formação do espírito subjetivo e do espírito efetivo de Hegel foi

pensada como etapas nas quais um novo potencial de relação de reconhecimento

se desdobra, o que permite concluir que as etapas de ambos os processos de

formação, só podia ser interpretada, de acordo com Honneth (2003) como uma

relação conflituosa da relação jurídica.

Tem-se então que as inclinações do Sistema de Eticidade passam a ser,

para Hegel, fundamentais para realização do reconhecimento recíproco, chegando a

ser até mesmo um ente de confirmação sobre a viabilidade do reconhecimento. Por

tanto é o Sistema da Eticidade que desdobra o tipo de reconhecimento recíproco

pelo qual a vontade singular recebe confirmação social.

Contudo, conforme ressalta Honneth (2003), o êxito do conceito de

Eticidade parte da premissa de que a integração social de uma coletividade política

ocorre na medida em que lhe correspondem os membros da sociedade hábitos

culturais que têm a ver com a forma de seu relacionamento recíproco, de tal forma

que os:

Conceitos fundamentais com que são circunscritas as pressuposições de existência de uma tal formação da comunidade terem de ser talhados para as propriedades normativas das relações comunicativas; o conceito de reconhecimento representa para isso um meio especialmente apropriado porque torna distinguíveis de modo sistemático as formas de interação social, com vista ao modelo de respeito para com a outra pessoa nele contido (HONNETH, 2003, p. 108).

No trecho transcrito é possível reconhecer que toda argumentação

hegeliana passa necessariamente pelas relações comunicativas.

Quanto à esfera do espírito absoluto, aquela ligada a terceira etapa do

reconhecimento referente ao Estado, permanecera para Hegel um campo

praticamente fora do alcance da Luta por Reconhecimento. Atitude esta que

43 Honneth (2007a, p. 45)

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Honneth (2003) destacou como a falta de percepção de Hegel em visualizar o

espaço de ação do Estado como lugar de uma realização das relações de

reconhecimento.

Desta maneira, Hegel entendeu que a constituição da pessoa de direito e

também da realidade social como as etapas suficientes para a formação que o

espírito objetivo efetua. Sob este pano de fundo a construção do mundo social para

Hegel, “[...] é um processo de aprendizagem ético que conduz, passando por

diversas etapas de uma luta, a relações cada vez mais exigentes de reconhecimento

recíproco” (HONNETH 2003, p. 113).

Após estas percepções, Hegel não mais seguiu com o programa de Jena,

deixando o modelo da Luta por Reconhecimento inacabado. Tal fato, de acordo com

Honneth (2003) se deve a Hegel ter conectado pontos da sua futura criação, a

Fenomenologia do Espírito, os quais fugiam da linha de investigação da Luta por

Reconhecimento.

Com esta leitura acerca dos temas; ética, filosofia do espírito e o

reconhecimento, Honneth alicerça em parte a ação de resgatar o valor da vontade

singular e da identidade do sujeito, resultado da interação das três esferas da

consciência nas etapas de reconhecimento. O movimento de Honneth a partir de

então é dar conforme antecipado neste capítulo, às idéias hegelianas uma inflexão

da Psicologia Social de George Hebert Mead. Assim, é conveniente fazer uma breve

análise de Honneth sobre o pensamento de Mead.

2.4.3 Análise de Honneth sobre a Psicologia Social de Mead

Segundo Honneth (2003), o interesse de Mead esteve principalmente no

estudo científico da origem e da lógica do processo de desenvolvimento da

consciência e da identidade humana. Assim foi possível Mead verificar que o

indivíduo deve sua identidade à experiência de um reconhecimento intersubjetivo.

Mead concede a sua Teoria da Intersubjetividade um domínio da Psicologia,

objetivando obter através da pesquisa psicológica um acesso ao psíquico. Segundo

Honneth (2003, p. 126) Mead verificou que o “[...] o psíquico é de certo modo a

experiência que um sujeito faz consigo próprio quando um problema que se

apresenta [...] o impede de um cumprimento habitual de sua atividade”. Assim, de

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acordo com Mead (1980, apud HONNETH, 2003, p. 127) o psíquico da psicologia

funcionalista:

[...] é aquele estágio da experiência no interior do qual nós temos uma consciência imediata dos impulsos conflitantes da ação, os quais tiram do objeto seu caráter de objeto e, nessa medida, nos deixa numa atitude de subjetividade, durante a qual, porém surge um novo objeto-estímulo em razão de nossa atividade reconstrutiva, que pertence ao conceito do sujeito Eu.

Ou seja, é pela consciência dos impulsos conflitantes ante a uma situação

problema que se dá a noção do psíquico pelo próprio indivíduo, sendo por isso

acessível à psicologia. Sobre isto Honneth (2003) reforça que sob a pressão de um

problema prático a ser solucionado, o sujeito é forçado reelaborar suas

interpretações da situação. A reescrita acima também permite visualizar que é via

construção das soluções da situação problema que se efetua a experiência da

subjetividade, sendo ao longo desta experiência que reside o conceito do “eu”.

De acordo com Honneth (2003), Mead além de definir o psíquico, sente a

necessidade de complementar a demonstração da acessibilidade ao mundo

subjetivo. Assim, esta acessibilidade se faz também via “[...] orientação por um tipo

de ação na qual é funcional para os agentes, no momento do distúrbio, refletir sobre

a própria atitude subjetiva” (HONNETH, 2003, p. 127). Não basta apenas construir

hipóteses para a solução, mas somado isto refletir sobre a ação, para que o sujeito

chegue ante a sua subjetividade e assim que a psicologia chegue ante a

subjetividade do indivíduo.

Portanto tem-se que a psicologia assume o papel do sujeito. Honneth (2003)

afirma que a Psicologia é um ator no processo de realidade. Tal fato Mead classifica

como um importante princípio funcionalista:

[...] se a psicologia se coloca na perspectiva que um ator adota no relacionamento sempre ameaçado com seu parceiro de interação, então ela pode obter uma visão interna dos mecanismos através dos quais surge uma consciência da própria subjetividade. (HONNETH, 2003, p. 128)

Mead vê que neste processo de interação existe a situação da comunicação

vocal, e por isso surgimento de uma nova forma de comportamento. Pois segundo

Mead (1980, apud HONNETH, 2003, p. 129):

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Enquanto se sente apenas imperfeitamente o valor da própria expressão facial ou da própria postura corporal para com os outros, escuta-se com os próprios ouvidos o gesto vocal, na mesma forma que ele possui para um próximo.

A comunicação executa um efeito não apenas no parceiro de interação, mas

também no indivíduo que iniciou o processo de fala na medida em que sua própria

expressão é perceptível a ele como um estímulo vindo de fora. Verificou-se em

Honneth (2003) que é sobre este mecanismo próprio da comunicação que, Mead

verifica interferências acerca da questão sobre as condições de surgimento da

autoconsciência humana. Para exemplificar tal situação Honneth (2003, p. 130)

assume a fala em primeira pessoa:

Reagindo a mim mesmo, na percepção de meu próprio gesto vocal, da mesma maneira como meu defronte o faz, eu me coloco numa perspectiva excêntrica, a partir da qual posso obter uma imagem de mim mesmo e desse modo, chegar a uma consciência de minha identidade.

É importante destacar que o processo de comunicação via gesto vocal,

possibilita a chegada do autoconhecimento do indivíduo, na medida em que o “eu”

se torna um expectador do próprio, como que em um movimento duplo. Assim

Mead chegara a uma concepção intersubjetivista da autoconsciência humana, na

qual “[...] um sujeito só pode adquirir uma consciência de si mesmo na medida em

que ele aprende a perceber sua própria ação [...] simbolicamente representada de

uma segunda pessoa [...]” (HONNETH, 2003, p. 131).

Destaca-se neste momento que na leitura de Honneth acerca do

pensamento de Mead, a condição para a tomada de consciência ocorre a custo da

necessidade da presença da segunda pessoa. Honneth (2003) ressalta que tal

condição implica, na Teoria do Reconhecimento proposta por Hegel, uma vez que o

mecanismo psíquico torna o desenvolvimento da autoconsciência dependente da

existência de um segundo sujeito.

A partir desta constatação, Mead extrai um mecanismo de desenvolvimento

que deve estar na base do processo de socialização do ser humano como um todo

desde a infância. Pois “[...] o processo de socialização [...] se efetua na forma de

uma interiorização de normas de ação, provenientes da generalização das

expectativas de comportamento de todos os membros da sociedade” (HONNETH,

2003, p. 135). Se o indivíduo interiorizar o maior número de normas provenientes de

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um número também maior de parceiros de interação, o indivíduo adquire a

capacidade de poder participar das interações, ou seja, ele estará socializado.

Diante desta constatação, pode-se concluir que o processo de socialização passa

necessariamente pela condição de interiorização de normas.

Honneth (2003) avança então para o conceito de reconhecimento como

uma relação intersubjetiva. Pois na medida em que a criança em desenvolvimento

reconhece seus parceiros de interação pela interiorização de suas atitudes, ela

própria pode ser reconhecida como um membro do ambiente social em que ela vive.

Sobre isto, Mead (1973, apud HONNETH, 2003, p. 137) justifica: “É esta

identidade que se pode manter na comunidade na medida em que ela reconhece as

outras”. Embora Hegel tenha explicado que o individuo ao ser reconhecido é ao

mesmo tempo reconhecente de si próprio e do seu parceiro de interação, o que

colabora para a afirmação da identidade do indivíduo, Mead faz este caminho por

uma via argumentativa da Psicologia Social. Além disto, conforme descrito no

presente trabalho, Hegel efetuou em seu modelo a análise referente ao conceito de

direito. Por isso, importa mencionar, que no processo de interação:

[...] reconhecer-se reciprocamente como pessoa de direito significa que ambos os sujeitos incluem em sua própria ação, com efeito de controle, a vontade comunitária incorporada nas normas intersubjetivamente reconhecidas pela sociedade (HONNETH, 2003, p. 138).

Desta forma Mead observou a formação de sociedades mais

individualizadas, o que deflagraria a necessidade de impor limites normativos a seus

valores a suas finalidades éticas.

[...] a concepção de vida boa, intersubjetivamente vinculante, que de certa maneira se tornou eticamente habitual, deve ser formulada de tal modo no plano do conteúdo que ela deixa ao próprio membro da coletividade a possibilidade de determinar seu modo de vida no quadro dos direitos que lhe cabem (HONNETH, 2003, p. 152).

Mead inicia como proposta de imposição de limites conforme traz Honneth

(2003) um modelo de divisão funcional do trabalho. Segundo Silva (2009) para

Mead, sem uma igualdade concreta das condições materiais de vida e de trabalho

a teoria liberal clássica não passava de uma abstração. Entretanto, a proposta de

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Mead era limitada44, pois, os processos de reevindicações dos trabalhadores

particularizavam os interesses da parte prejudicada, enquanto o próprio Mead

detinha seu interesse, no bem comum da coletividade. Sendo assim, de acordo com

Honneth (2003), a proposta de imposição de limites e formulação de uma coesão

ética via trabalho fracassara.

Honneth (2003) destaca que embora a concepção de Mead seja redutora, o

que não permitiu Mead avançar na perspectiva da relação de uma sociedade mais

coesa economicamente e politicamente, trouxe a ele novas perspectivas que o

ajudaram a configurar as primeiras noções de relações solidárias que estariam

imbricadas na terceira etapa do Reconhecimento. Vale ressaltar que esta etapa

refere-se ao estado e não foi preenchida por Hegel.

De acordo com Honneth, tanto para Hegel quanto para Mead a Luta por

Reconhecimento efetiva, passa pela condição de que os sujeitos devem receber

confirmação intersubjetiva como pessoas biograficamente individuadas enquanto

sujeitos atuantes no estado.

Para Honneth (2003, p. 153) a solidariedade se apresenta:

“[...] como uma síntese dos dois modos precedentes de reconhecimento, por que ela partilha com o direito o ponto de vista cognitivo do tratamento igual universal, mas com o amor, o aspecto do vínculo emotivo da assistência”.

Assim Honneth (2003) concluiu que a solidariedade é a forma mais exigente

do reconhecimento, porque posiciona que o respeito de um indivíduo em relação ao

próximo, no gênero da relação social surge, quando o amor sob a pressão cognitiva

do direito, se purifica, constituindo-se em uma solidariedade universal entre os

membros de uma coletividade. O que sugere que o respeito recíproco aumente a

autonomia subjetiva do indivíduo.

Ao realizar a leitura analítica das etapas de Reconhecimento de Hegel e da

Psicologia Social de Mead, Honneth cumpre com sua intenção de dar uma inflexão

materialista à filosofia de Hegel acerca do Reconhecimento e pôde então propor as

Dimensões do Reconhecimento Intersubjetivo, as quais ele definiu45 como amor,

direito e solidariedade. Por tanto o trabalho abre espaço agora para a proposta de

Honneth.

44 Silva (2009). 45 Quadro 01.

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2.4.4 Dimensões do Reconhecimento Intersubjetivo: Amor, Direito e Solidariedade

Assim como para Hegel e Mead, Honneth tem como o ponto de partida para

o desenvolvimento de uma teoria da sociedade de teor normativo, a percepção de

que a reprodução da vida social se efetua sob o imperativo de um reconhecimento

recíproco. Hegel teve tal percepção em base filosófica idealista enquanto Mead

construiu em uma base filosófica materialista. Importa destacar, conforme posiciona

Mattos (2006), que a ação tendenciosa de Honneth em aproximar o pensamento dos

dois autores revela o afastamento parcial de Honneth em relação às concepções

Marxistas. Segundo Mattos (2006), com esta atitude, Honneth assume que a luta de

classes na sociedade contemporânea deve ser entendida como uma Luta por

Reconhecimento. De tal forma que na concepção de Honneth (2003, p. 156):

[...] são as lutas moralmente motivadas de grupos sociais, sua tentativa coletiva de estabelecer institucional e culturalmente formas ampliadas de reconhecimento recíproco, aquilo por meio do qual vem a se realizar a transformação normativamente gerida das sociedades.

Este substrato extraído por Honneth, da aproximação do pensamento de

Hegel e Mead fornece à luta social, a interpretação de que ela pôde se tornar uma

força estruturante na evolução moral46 da sociedade. Para tanto, o reconhecimento

recíproco, tem em cada uma das etapas uma dimensão correspondente que a

caracteriza, conforme antecipado no quadro 01. E a qual permite visualizar que a

etapa referente à família (espírito subjetivo) está integrada à dimensão “amor”, a

etapa referente à sociedade civil (espírito efetivo) e justiça integrada à dimensão

“direito” e por fim a etapa referente ao Estado (espírito absoluto) integrada à

dimensão “solidariedade”.

Segundo Honneth (2003) esta tripartição das dimensões ocorre, a fim de

explicar o potencial, de desenvolvimento moral e formas distintas de auto-relação47

individual, proporcionado pelo processo de Reconhecimento. Cabe então ao

presente trabalho, remontar explicativamente a construção de cada etapa em sua

dimensão correspondente, que será feito nas próximas sessões.

46 Aqui, evolução moral refere-se à evolução para a formação de uma sociedade coesa eticamente. 47 Segundo Honneth (2003) refere-se à autonomia individual.

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2.4.4.1 “Amor” Como Dimensão de Reconhecimento Intersubjetivo

Importa destacar que o conceito de “amor” que designa o padrão associado

à primeira etapa de reconhecimento, segundo Honneth (2003) é aquele no âmbito

das relações de poucas pessoas, como a relação entre pais e filhos e a relação de

amizade entre indivíduos quaisquer na relação social. De acordo com Honneth

(2003), embora Hegel ainda que com menor atenção, tenha se dedicado ao amor

presente no relacionamento sexual, tal perspectiva não será analisada neste

trabalho.

Segundo Honneth (2003), para Hegel o amor representa a primeira etapa

de reconhecimento, por que nela os sujeitos se confirmam mutuamente na natureza

concreta de suas carências. Trata-se de os indivíduos se reconhecerem e ao mesmo

tempo reconhecerem os parceiros, como sujeitos carentes. Assim tomam ciência do

estado natural de dependência emotiva em que se encontram.

É nesta relação de reconhecimento mútuo, que o próprio reconhecimento,

assume um caráter de assentimento e encorajamento afetivo. Honneth (2003)

explica o assentimento, por que na medida em que o indivíduo se reconhece como

dependente ele subjaz sua condição de um ente presente em uma relação

simbiótica. E o encorajamento na medida em que o indivíduo é reconhecido nesta

relação, ele subjaz sua auto-afirmação. Refere-se esta primeira relação de

reconhecimento, a relação afetiva entre mãe e filho na primeira infância, a qual será

fundamental para o processo de reconhecimento recíproco entre os demais sujeitos.

Honneth (2003) destaca que para Hegel e Mead a relação com a mãe nos primeiros

meses de vida, é para o começo de toda a vida humana, uma fase intersubjetividade

indiferenciada e de simbiose.

O equilíbrio entre simbiose e auto-afirmação foi investigado por Hegel, via

estudo à pesquisa, segundo Honneth (2003), do psicanalista Donald Woods

Winnicott, principalmente a parte de sua pesquisa referente à relação interativa da

criança nos primeiros meses de vida com a mãe. É nesta relação, que a priori consta

o equilíbrio, do qual depende a possibilidade do amor assumir uma forma de

reconhecimento. Sobre isto Honneth (2003, p. 136) ressalta que o amor só assume

forma determinada de reconhecimento recíproco em “virtude do modo específico

pelo qual o sucesso das ligações afetivas se torna dependente da capacidade,

adquirida na primeira infância, para o equilíbrio entre simbiose e a auto-afirmação”.

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Segundo Honneth (2003), o primeiro passo para este equilíbrio é a

percepção e delimitação recíproca, da dependência de mãe e filho, ambos devem

saber-se dependentes do amor do respectivo outro, sem terem de fundir-se

simbioticamente um ao outro. Este passo se efetua devido aos primeiros atos de

desligamento parcial da criança em relação à mãe, pois segundo Honneth (2003, p.

168):

Para a criança, resulta do processo de desilusão, iniciado quando a mãe já não pode estar à sua disposição em virtude do novo aumento de sua autonomia de ação, um grande desafio, difícil de ser vencido: se a pessoa fantasiada até então como parte de seu mundo subjetivo escapa gradativamente de seu controle onipotente, ela precisa começar chegar a um reconhecimento do objeto como um ser com direitos próprios.

Importa destacar, que se a criança não consegue realizar este desligamento

parcial de seu subjetivo à mãe, o qual passa pelo reconhecimento desta como um

ser independente de si, ela se mantém una subjetivamente com a mãe. Honneth

(2003, p. 168) observa que a criança é “capaz de resolver esta tarefa na medida em

que seu ambiente social lhe permita aplicação de mecanismos psíquicos que

servem em comum à elaboração afetiva da nova experiência”.

De acordo com Honneth (2003), este primeiro ato de desligamento ocorre

atrelado à uma reação agressiva fisicamente da criança em relação à mãe. Ou seja,

a criança só pode chegar a um reconhecimento da mãe, via processo conflituoso.

Esta percepção levou Hegel, a considerar que “só na forma de uma luta, a criança

vivencia o fato de que ela depende da atenção amorosa de uma pessoa existindo

independentemente dela, como um ser com relações próprias” (HONNETH, 2003, p.

170).

Segundo Winnicott (1988), no que se refere à mãe, ela também passa por

um processo conflituoso para chegar ao reconhecimento da independência parcial

atingida pelo filho, que consiste em compreender a carga agressiva que ele executa

para chegar até aí. Sobre isto, Honneth (2003, p. 170) observa que

[...] a carga agressiva da situação requer dela [mãe] que compreenda as fantasias e desejos destrutivos de seu filho como algo que vai contra os seus próprios interesses e que, por isso, só compete a ele, como uma pessoa já autonomizada.

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Uma vez que este passo assim traçado seja dado, tem-se a delimitação

simbiose – autonomia recíproca, bem sucedida. Reforça-se que este movimento

permite a tomada do amor como uma dimensão de reconhecimento intersubjetivo,

por que passa a desenvolver na criança a capacidade de confiança, pois de acordo

com Honneth (2003, p. 173):

Se a mãe souber passar pelo teste de seu filho, tolerando os ataques agressivos sem a vingança de privá-lo do amor, então, da perspectiva dele, ela pertence de agora em diante a um mundo exterior aceito com dor [...]. Se o amor da mãe é duradouro e confiável, a criança é capaz de desenvolver ao mesmo tempo, à sombra de sua confiabilidade intersubjetiva, uma confiança na satisfação social de suas próprias demandas ditadas pela carência; pelas vias psíquicas abertas dessa forma, vai se desdobrando nela, de maneira gradual, uma capacidade [...] de estar só.

Esta capacidade de autoconfiança em estar só, comunicativamente

protegido, é para Winnicott, segundo Honneth (2003), a matéria de que é feita a

amizade. Toda ligação emotiva forte entre seres humanos abre a possibilidade

mutuamente, de acordo com Honneth (2003), de relacionar consigo próprio de

maneira descontraída e esquecendo-se disso, assim como fez o bebê que contava

com a dedicação emotiva da mãe. Ou seja, o indivíduo se percebe dependente da

relação afetiva com outra pessoa, mas uma vez estipulado o equilíbrio entre ligação

afetiva com esta pessoa e autonomia em relação a ela, tem-se mais uma vez a

autoconfiança, que já fora também experimentada na fase infantil, experimentada

na amizade. Tem-se então, na amizade o equilíbrio entre simbiose e autonomia

atingido. E que por consequência, o reconhecimento recíproco em tal

relacionamento efetuado.

Dentro da perspectiva discutida até aqui, é possível concluir que é na

relação bem sucedida entre mãe e filho que permeará o êxito do filho em suas

ligações afetivas com outros seres humanos na vida adulta. Pois o indivíduo só

chegará à noção de autoconfiança se já houvera vivenciado na fase de dependência

total a mãe. Sobre isto Honneth (2003) reforça que é no processo de

amadurecimento na primeira infância ilações a respeito da estrutura comunicativa

que faz do amor uma relação particular de reconhecimento recíproco.

Importa ressaltar que Honneth, não ignora outras variáveis que permeiam a

relação amorosa e que por tanto atuam na balança do reconhecimento, seja esta

relação amorosa entre pais e filhos, amigos e parceiros sexuais, tanto que em sua

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obra ele menciona a pesquisa feita por outros pesquisadores48 que levantam outras

variáveis. Entretanto, mesmo trilhando por um caminho assistido por estas variáveis,

Honneth (2003) chega às mesmas percepções que anteriormente.

Sendo assim, Honneth (2003, p. 178) movimenta-se em sentido à Hegel,

para finalizar assim como este, na conclusão de que no amor encontra-se:

[...] o cerne estrutural de toda eticidade: só aquela ligação simbioticamente alimentada, que surge da delimitação reciprocamente querida, cria a medida de autoconfiança individual, que é a base indispensável para a participação autônoma na vida pública.

Destaca-se neste trecho que para a participação na vida pública o indivíduo

deve estar com a etapa de reconhecimento referente ao amor contemplada. Tal

constatação permite ao trabalho lançar atenção à etapa de reconhecimento

referente à sociedade civil incutida na dimensão direito.

2.4.4.2 “Direito” Como Dimensão de Reconhecimento Intersubjetivo

A partir da leitura de Hegel e Mead, Honneth (2003) configura que o ser

humano só pode chegar à conclusão de si como portador de direito, quando possuir

um saber sobre quais obrigações tem que observar em face de outro indivíduo. É via

reconhecimento do próximo como portador de direito que o indivíduo passa a ser

ele, uma pessoa de direito. Sendo assim, o fato de reconhecer e ser reconhecido no

âmbito do direito pressupõe também uma etapa de reconhecimento recíproco,

conforme é possível conferir no pensamento de Hegel (1970, apud HONNETH,

2003, p. 179):

No estado, [...] o homem é reconhecido e tratado como ser racional, como livre, como pessoa; e o singular, por sua parte, se torna digno desse reconhecimento porque ele, com a superação da naturalidade de sua autoconsciência, a obedece a um universal, à vontade sendo em si e para si, à lei, ou seja, se porta em relação aos outros de uma maneira universalmente válida, reconhece-os como o que ele próprio quer valer – como livre, como pessoa.

Além da reciprocidade no reconhecimento como pessoas de direito, o trecho

transcrito acima, permite visualizar o interesse de Hegel nas relações jurídicas 48 Notoriamente Jessica Benjamim.

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modernas via constituição da formulação “livre”. Segundo Honneth (2003), é só

nesta prerrogativa da liberdade, que Hegel concebia a todos os homens como

iguais. Neste sentido Honneth (2003, p. 180) chega a afirmar “[...] que a autonomia

individual do singular se deve a um modo particular de reconhecimento recíproco,

incorporado no direito positivo [...]”.

Por sua vez, Mead estava interessado na lógica do reconhecimento jurídico

como tal. Segundo Silva (2009), a psicologia social de Mead previa que o conceito

de reconhecimento jurídico designa apenas uma relação na qual os indivíduos se

respeitam mutuamente como sujeitos de direito. Este conceito, na visão de Honneth

(2003), possui um potencial adequado para caracterizar as propriedades gerais que

competem ao reconhecimento jurídico. Mas, em contrapartida, ignoram aspectos de

conteúdo individual, pois “[...] o que no sujeito individual alcança aqui

reconhecimento de maneira intersubjetiva não é mais que sua qualidade legítima de

membro de uma organização social definida pela divisão do trabalho” (HONNETH,

2003, p. 181).

Ou seja, a relação jurídica, nesta perspectiva, aponta ao sujeito a sua

capacidade de aceitar uma relação social imposta, o que de certa forma o

proporciona uma proteção de sobrevivência. Segundo Honneth (2003), a condição

de relação social imposta deixa o indivíduo suscetível a um quadro de distribuição

desigual de direitos e encargos.

Segundo Honneth (2003), para Hegel as determinações da pessoa de

direito, só assume forma de reconhecimento do direito quando ela se torna

dependente das premissas dos princípios universalistas. Sendo assim, destaca-se

que “[...] o sistema jurídico precisa ser entendido de agora em diante como

expressão dos interesses universalizáveis de todos os membros da sociedade, de

sorte que ele não admita mais, segundo sua pretensão, exceções e privilégios”

(HONNETH, 2003, p. 181).

Identifica-se com esta posição, que o acatamento das normas jurídicas por

parte dos parceiros de interação ocorre quando eles puderem se sentir seres livres

em relação a elas. Aparece desta forma, segundo Mattos (2006, p. 91):

[...] uma cadeia de ideais normativos que aponta para o crescimento da autonomia pessoal, na medida em que os sujeitos só podem defender seus interesses antecipando uma coletividade que concebe maior espaço para o espaço das liberdades individuais [...]. Só posso ter certeza de que minhas pretensões de garantias de liberdades individuais serão realizadas, se

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reconheço que elas só serão possíveis porque são reconhecidas por meus outros parceiros de interação.

Portanto, configura-se uma forma de reciprocidade exigente, pois os sujeitos

de direito se reconhecem reciprocamente como pessoas capazes de decidir com

autonomia individual sobre normas morais. O processo de construção da

universalização dos direitos passa pela análise do respeito mútuo, o qual é uma

variável fundamental para o reconhecimento do sujeito como pessoa de direito.

Para Honneth (2003), o conceito de respeito nasce da consideração em

relação a todo ser humano de que ele é um fim em si. Mattos (2006) ressalta que a

noção de respeito não está ligada ao status social, mas, independentemente disso,

ligada à priori de que todo ser humano é digno de respeito. Nesta perspectiva não

haveria admissibilidade a exceções e privilégios, pois “O fato de nós podermos

reconhecer um ser humano como pessoa, sem ter de estimá-lo por suas realizações

ou por seu caráter, constitui o argumento teórico [...] da discussão atual49”

(HONNETH, 2003, p. 185). Tal fato constitui-se na idéia de direitos universais e,

assim, configura-se a estrutura do reconhecimento jurídico:

[...] confluem nela, por assim dizer, duas operações da consciência, uma vez que, por um lado, ela pressupõe um saber moral sobre as obrigações jurídicas que temos de observar perante pessoas autônomas, ao passo que por outro, só uma interpretação empírica da situação nos informa sobre o que se trata, quanto a um defrontante concreto, de ser com a propriedade que faz aplicar aquelas obrigações (HONNETH, 2003, p. 186).

O não respeito de um sujeito pelo outro implica na possibilidade do conflito,

para o sentido em que leve este outro reconhecer os direitos do primeiro. A extensão

desta situação a uma coletividade leva então a universalização destes direitos.

Mattos (2006) destaca ainda, que este processo de universalização dos direitos

constitui-se numa intensa luta por reconhecimento do princípio da igualdade para

todos os membros de uma comunidade.

Honneth (2003) investiga este princípio de igualdade recorrendo a Thomas

Humphrey Marshall, mais precisamente à tentativa de Marshall (1979), em

reconstruir o nivelamento histórico das diferenças sociais de classe como um

processo gerido de ampliação de direitos individuais fundamentais. De acordo com

Mattos (2006), trata-se para Marshall, de desacoplar as pretensões jurídicas

49 Direitos universais.

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individuais das atribuições ligadas ao status. É a partir daí, de acordo com Honneth

(2003), é que se origina o principio de igualdade universal.

Segundo Honneth (2003), ante ao princípio de igualdade universal o

indivíduo pode assumir o significado de ser membro com igual valor de uma

coletividade política. Sobre isto Mattos (2006, p. 92) comenta:

Os direitos políticos e sociais surgem como uma manifestação da luta de baixo para cima por reconhecimento de novas classes sociais. O ponto central dessa luta foi a exigências de que todos os cidadãos sejam reconhecidos como iguais nos exercícios de participação política independente das diferenças econômicas.

Marshall mostrou como o direito ganhou em conteúdo material, ao

incorporar as novas demandas por reconhecimento das diferenças de chances

individuais na realização de liberdades. Segundo Mattos (2006), Marshall analisou

empiricamente o processo descrito por Hegel de que só foi possível o

desenvolvimento dos direitos positivos quando se realizou o reconhecimento

intersubjetivo da autonomia de todos os sujeitos da comunidade, ou seja, a

realização do auto-respeito. Tal conceito foi definido por Honneth (2003, p. 197)

como:

[...] a conclusão de que um sujeito é capaz de se considerar, na experiência do reconhecimento jurídico, como uma pessoa que partilha com todos os outros membros de sua coletividade as propriedades que capacitam para a participação numa formação discursiva da vontade; e a possibilidade de se referir positivamente a si mesmo.

De acordo com Honneth (2003), as contribuições de Marshall provocaram

uma etapa da Luta por Reconhecimento no interior da esfera jurídica. Portanto, é na

violação do respeito e da negação do reconhecimento que são originados os

conflitos sociais na esfera jurídica.

É possível vislumbrar até aqui que o autorrespeito é idéia central para o

direito enquanto dimensão do reconhecimento, assim como a idéia de autoconfiança

fora para a dimensão do amor. Segundo Honneth (2003, p 194):

[...] assim como, no caso do amor, a criança adquire a confiança para manifestar espontaneamente suas carências mediante a experiência contínua da dedicação materna, o sujeito adulto obtém a possibilidade de conceber sua ação como uma manifestação da própria autonomia, respeitada por todos os outros, mediante a experiência do reconhecimento

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jurídico. Que o auto-respeito é para a relação jurídica o que a autoconfiança era para a relação amorosa [...].

Sendo assim, se o autorrespeito é violado, a etapa de reconhecimento

imbricada no direito não é contemplada.

Com a definição da centralidade do autorrespeito, a configuração de

Honneth para a dimensão do direito fica completa. O alerta que ele mesmo efetua

nesta dimensão dará origem à terceira dimensão do reconhecimento – a saber, a

solidariedade. Tal alerta se constitui de que a idéia de auto-respeito ocorreu pela

representação e protestação de experiências de desrespeito de grupos50, o que

provocara de acordo com Mattos (2006), a atribuição a um grupo inteiro, por parte

do indivíduo, o respeito que deveria ter independentemente de pertencer ao grupo.

Para Habermas (1984), qualquer pessoa que detenha o conhecimento

pode participar da esfera pública e ter reconhecimento social, independentemente

da necessidade de um grupo que o represente. Segundo Mattos (2006), para

Honneth a mudança dos padrões de respeito social são modificados, o conceito de

honra é substituído pelo conceito de prestígio social o qual pode ser obtido via

conhecimento. Honneth (2003) coloca que o processo de individuação não está mais

ligado a um padrão restrito de respeito social, mas ligado também a Solidariedade.

2.4.4.3 “Solidariedade” Como Dimensão de Reconhecimento Intersubjetivo

Para Honneth (2003), o reconhecimento recíproco entre os sujeitos se

efetua também em uma experiência dimensionada na solidariedade, ante a

existência de um conjunto de valores intersubjetivamente partilhado, que fora

efetuado na etapa do direito. Assim, conclui-se que a construção da solidariedade

como dimensão do reconhecimento, inicia-se no final da etapa dimensionada no

direito, mais precisamente no momento em que importam as propriedades

particulares que caracterizam os seres humanos em suas diferenças pessoais.

Deve ficar claro ao leitor que, enquanto o direito se configura em uma

dimensão de reconhecimento que expressa propriedades universais dos sujeitos,

dimensão da solidariedade configura-se como uma etapa que expressa as

diferenças de propriedades entre estes sujeitos. 50 Honneth (2003).

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Tem-se, então, um fio muito tênue entre as duas dimensões. O qual

Honneth (2003) destaca como um quadro que deve ser poroso a valores e objetivos

éticos oriundos da análise das duas dimensões. Por isso, assim como a construção

da dimensão das relações jurídicas modernas se fez via construção histórica, o

mesmo ocorre para a estima social. Segundo Honneth (2003), a estima social é algo

que deve ser olhado diante da mudança de conceitos de honra por reputação ou

prestígio social.

De acordo com Honneth (2003), a honra que era obtida pela observância de

formas e valores específicos de conduta de vida estipulados por um grupo da

sociedade, passa a ser desmotivada de forma conflituosa pela burguesia na medida

em que esta desmistificava, via aquisição do conhecimento, os valores metafísicos e

religiosos que estruturavam a honra. Este movimento de luta da burguesia contra as

coerções comportamentais resulta em um processo de individualização na

representação de quem contribui para a realização das finalidades éticas, pois de

acordo com Honneth (2003, p. 205), “[...] já não são mais as propriedades coletivas,

mas sim as capacidades biograficamente desenvolvidas do indivíduo aquilo por que

começa a se orientar a estima social”.

Desta forma, o lugar que o conceito de honra havia ocupado antes no

espaço público da sociedade passa, então, a ser preenchido pelas categorias de

reputação ou prestígio social, “[...] com as quais se deve apreender a medida de

estima que o indivíduo goza socialmente quanto a suas realizações e suas

capacidades individuais” (HONNETH, 2003, p. 206).

Entretanto, vale destacar que estes conceitos referem-se para Honneth

(2003), somente ao grau de reconhecimento social que o indivíduo merece para sua

forma de autorrealização, porque contribui com ela na implementação prática dos

objetivos da sociedade. Sobre isto, Mattos (2006) ressalta que os pilares do conceito

de solidariedade desenvolvido por Honneth são as relações simétricas existentes

entre os membros da sociedade. Estas relações simétricas consistem “[...] na

possibilidade de qualquer sujeito ter chances de ter suas qualidades e especifidades

reconhecidas como necessárias e valiosas para a reprodução da sociedade”

(MATTOS, 2006, p. 93).

Verifica-se que o conceito de autorrealização é o eixo central da estima

social enquanto etapa a ser comprida do reconhecimento recíproco. Pode-se

visualizar, que assim como autoconfiança e autorrespeito estão respectivamente

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para as dimensões do reconhecimento amor e direito, a autorrealização está para a

solidariedade ou estima mútua. De acordo com Honneth (2003), o valor conferido as

diversas formas de autorrealização se mede fundamentalmente pelas interpretações

que predominam historicamente acerca das finalidades sociais. Honneth (2003, p.

207) acrescenta ainda que “[...] o conteúdo de semelhantes interpretações depende

por sua vez de qual grupo social consegue interpretar de maneira pública as

próprias realizações e formas de vida como particularmente valiosas”.

Com esta proposição de simetria entre grupos, de acordo com Mattos

(2006), Honneth coloca um peso maior na luta por reconhecimento em relação à luta

de classes, por pressupor que a luta por reconhecimento já contemple a luta de

classes no âmbito econômico. Ou seja, “[...] as relações de estima social estão

acopladas de forma indireta com os padrões de distribuição de renda, os confrontos

econômicos pertencem constitutivamente a essa forma de luta por reconhecimento”

(HONNETH, 2003, p. 208).

Honneth (2003) reforça sua justificativa recorrendo a Edward Palmer

Thompson e seus estudos sobre a luta de classes baixas ingleses51 à resistência

contra os começos da industrialização. Para Thompson, segundo Mattos (2006, p.

94):

[...] mais do que uma luta por melhores condições de vida, os trabalhadores no século XIX lutavam porque, antes de tudo, a modificação na situação econômica representava uma violação normativa de um consenso tacitamente efetivo. Na verdade eles não se consideram reconhecidos.

Além do mecanismo de estima simétrica permitir a Honneth (2003)

classificar a luta de classes como parte constitutiva da Luta por Reconhecimento,

percebe-se que, para o autor, tal mecanismo ambiciona ser um modelo que

potencialize uma ordem social de valores na qual todo indivíduo recebe a chance de

obter reconhecimento social. De acordo com Honneth (2003), esta ambição é

materializada na medida em que, nas relações internas de grupos, as formas de

interação assumem o caráter de relações solidárias, pois todo membro se sabe

estimado por todos os outros. Isto porque se entende por solidariedade: “[...] uma

espécie de relação interativa em que os sujeitos tomam interesse reciprocamente

51 Thompson (1997).

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por seus modos distintos de vida, já que eles estimam entre si de maneira simétrica”

(HONNETH, 2003, p. 209).

Ao ocorrer esta interação internamente com o grupo, ocorre também uma

relação prática do indivíduo para consigo próprio; assim, o indivíduo não precisa

mais atribuir ao grupo o respeito que goza por suas realizações, mas a si mesmo. O

indivíduo reconhece seus parceiros de interação do grupo e estes, por estimá-lo,

reconhecem sua autorrealização. Honneth (2003) configura que sob as condições

das sociedades modernas, a dimensão da solidariedade cumpre seu papel em

dimensionar em si o reconhecimento recíproco.

Importa destacar, ante a realização do breve estudo sobre as dimensões do

reconhecimento, que o grau de autorrealização depende do autorrespeito e da

autoconfiança. Para Mattos (2006), a auto-realização cresce a cada nova etapa do

reconhecimento. Não se pode vislumbrar o reconhecimento recíproco em sua

totalidade, idealizado por Honneth, se uma das etapas anteriores não for satisfeita

em sua dimensão. Tal prerrogativa permite ainda verificar que a autorrealização

depende de pressupostos que não estão à disposição do sujeito individualmente

visto que ele só pode adquiri-la com outros sujeitos de interação.

Mattos (2006) reforça que Honneth propõe que as dimensões de

reconhecimento, baseadas em Hegel, são universais e representam por isso as

condições intersubjetivas que tem de se pensar quando se fala em estruturas

universais de boa vida52.

2.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PENSAMENTO DE AXEL HONNETH A PARTIR

DE NANCY FRASER

Importa ao presente trabalho apresentar algumas considerações relevantes

feitas pela intelectual americana Nancy Fraser sobre o pensamento de Honneth. De

acordo com Mattos (2006), Fraser concorda com Honneth sobre a necessidade da

análise sobre o Reconhecimento na reconstrução de um pensamento crítico, mas

contrapõe a posição de que a dimensão econômica, principalmente no que se refere

52 “Apesar dos padrões [dimensões] de reconhecimento intersubjetivo baseados no amor, no direito e na solidariedade serem formais o suficiente para não carregar nenhuma concepção de boa vida, ao assegurarem as condições de liberdade interna e externa, para que os indivíduos realizem suas metas individuais, a exposição do conteúdo que envolve essas etapas está vinculada a padrões de vida boa” (MATTOS, 2006, p. 98).

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à redistribuição de renda e à luta de classes, seja reduzida a uma mera etapa do

conflito por Reconhecimento.

Fraser debate sua posição com Honneth, o que resulta em 2003 na

publicação do livro Redistribution or Recognition?53. Nele, Fraser eleva a categoria

da distribuição numa perspectiva de igual importância à categoria do

Reconhecimento. Propõe a existência de uma relação dual entre as demandas por

redistribuição e por reconhecimento, como dimensões da justiça “[...] my general

thesis that justice today requires both redistribution and recognition. Neither alone is

sufficient”54 (FRASER E HONNETH, 2003, p. 9).

Mattos (2006) destaca que a preocupação de Fraser, consiste na

desconexão presente no pensamento de Honneth entre as duas dimensões dos

conflitos sociais, a dimensão econômica e a cultural – o que diminuiria ou até

mesmo eliminaria a redistribuição de renda. Para Fraser as lutas por redistribuição

são gradativamente substituídas por reconhecimento, os conflitos de classe são

tendenciosamente suplantados, segundo Fraser e Honneth (2003, p. 8):

The discourse of social justice, once centered on distribuition is now increasingly divided between claims for redistribution on the one hand, and claims for recognition, on the other. Increasingly, too, recognition claims tend to predominate. The demise of communism, the surge of free market ideology, the rise of identity politics in both its fundamentalist and progressive formas – all these developments have conspired to decenter, if not to extinguish, claims for egalitarian redistribution55.

A importância desta constatação de Fraser sugere o risco que o

Reconhecimento permite em se tornar ente justificador para afirmação de

identidades políticas que sejam excludentes tanto no plano social como no plano

econômico.

Fraser justifica seu pensamento recorrendo a questões de gênero,

exemplificando a defasagem econômica dos grupos negros norte-americanos e a

falta de prestígio social que permeiam suas vivências. Fraser não vê apenas na

redistribuição de renda a solução para tal problemática, mas afirma que a soma da

53 Redistribuição ou Reconhecimento? 54 “[...] minha tese geral é de que hoje a justiça requer tanto a redistribuição e reconhecimento. Nenhuma destas temáticas em separado é suficiente”. 55 “O discurso da justiça social, uma vez centrado na distribuição está cada vez mais dividido entre os conflitos por redistribuição, por um lado, e os conflitos por reconhecimento, por outro. Cada vez mais, também, conflitos por reconhecimento tendem a predominar. A queda do comunismo, o aumento da idelologia do mercado ivre, o aumento das políticas de identidades – todos estes desenvolvimentos têm conspirado para descentralizar, se não extinguir, os conflitos por redistribuição igualitária”.

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não redistribuição e o não reconhecimento destes grupos agrava as injustiças

sociais.

Para Fraser, o que está ocorrendo é a separação equivocada da

redistribuição do reconhecimento, tanto no plano prático como no intelectual. “This

situation exemplifies a broader phenomenon: the widespread decoupling of cultural

politics from social politics, of the politics of difference from the politics of equality”56

(FRASER E HONNETH, 2003, p. 8).

Desta forma, Fraser passa a configurar a combinação redistribuição e

reconhecimento no plano teórico e intelectual. No plano teórico a tarefa consiste em

construir uma concepção bidimensional de justiça que pode acomodar alegação

defensável para a igualdade social e reivindicações defensáveis para o

reconhecimento da diferença. No plano prático, a tarefa é elaborar uma orientação

programática de políticas que podem integrar o melhor das políticas de

redistribuição, com o melhor das políticas de reconhecimento.

De acordo com Mattos (2006), Fraser coloca no centro normativo desta

combinação a paridade de participação, por não conceber em perfeito acordo o

modelo de identidade hegeliano - o qual é para Honneth estrutural na construção do

Reconhecimento ligado à autorrealização. Fraser então passa a conceber o modelo

de reconhecimento de status:

Diferentemente do modelo da Identidade, ele [modelo de reconhecimento de status] entende o reconhecimento de forma em que esse não é colocado no campo da ética. Concebendo o reconhecimento como uma condição de igualdade de status, definido como [...] paridade participativa (FRASER, 2007, p. 109).

Portanto, para Fraser, é possível fundar um padrão de justiça com base na

idéia de participação paritária, “[...] that is, to desintitutionalize patterns of cultural

value that impede parity of participation and to replace them with patterns that foster

it”57 (FRASER E HONNETH, 2003, p. 30).

Observa-se que na concepção de Fraser a participação paritária garantiria,

pela concepção de justiça igual para todos, direitos iguais a ter estima social como

56 “Essa situação exemplifica um fenômeno mais amplo: a dissociação generalizada da política cultural da política social, [e da dissociação] da política da diferença da política da igualdade”. 57 “[...] ou seja, desinstitucionalizar padrões de valor cultural que impedem a paridade de participação e substituí-los por padrões que a fomentam”.

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uma condição de oportunidades iguais. Fraser não acredita que este caminho possa

ser feito a partir da etapa de autorrealização:

Whem claims for recognition are premised on a phychological theory of the intersubective conditions for undistorted identity formation, as Honneth’s model, they are made vulnerable to the vicissitudes of that theory; their moral bindingness evaporates in case the theory turns out to be false. By treating recognition as a matter of status, in contrast, the model I am proposing avoids mortgaging normative claims to matters of psychological fact. One can show that a society whose institutionalized norms impede parity of participation is morally indefensible […]58 (FRASER E HONNETH, 2003, p. 32).

É possível entender, neste momento, que, por um lado, Honneth construiu a

Solidariedade enquanto dimensão do Reconhecimento, tratando-o como uma

questão ética; e Fraser o fez tratando-o como uma questão de justiça na perspectiva

de uma moralidade59, que garantisse não só o reconhecimento, mas a participação

igualitária a todos. Mattos (2006) ressalta que para Fraser o não reconhecimento

como violação da justiça facilitaria a integração de lutas por reconhecimento também

como lutas por redistribuição de recursos e riquezas, já que não trataria as

demandas por reconhecimento apenas como questões éticas.

On the self-realization view, in contrast, the prospects for their conceptual integration are dim. That approach, as we saw, treats recognition as an ethical question, which makes it incommensurable with distributive justice. As a result, whoever wishes to endorse both redistribution and recognition seems to risk philosophical schizophrenia60 (FRASER E HONNETH, 2003, p. 33).

Por outro lado, Honneth não concebe que o Reconhecimento possa ser

analisado sem bases Éticas. Pois ele acredita que “[...] para afirmarmos que os

conflitos contemporâneos são lutas por reconhecimento cultural é necessário, antes

de tudo, averiguar quais são as formas morais de [...] privação e sofrimento”

58 Quando os conflitos por reconhecimento têm como premissa uma teoria psicológica de condições intersubjetivas, para a formação da identidade sem distorções, como o modelo de Honneth, eles se tornam vulneráveis às vicissitudes daquela teoria; sua impositividade moral evapora no caso de a teoria torna-se falsa. Ao tratar o reconhecimento como uma questão de status, em contraste, o modelo que eu estou propondo evita reivindicações normativas a questões de fato psicológico. Pode-se mostrar que uma sociedade cujas normas institucionalizadas impedem a paridade de participação é moralmente indenfensável [...]. 59 “O que torna o não reconhecimento moralmente inaceitável, nessa perspectiva, é que isso nega a alguns indivíduos e grupos a possibilidade de participar, como iguais, com os demais, na interação social” (FRASER, 2007, p. 113). 60 “Na visão de auto-realização, em contrapartida, as perspectivas para a sua integração conceitual são fracas. Essa abordagem, como vimos, trata o reconhecimento como uma questão ética, o que torna incomensurável com justiça distributiva. Como resultado, quem quiser ambos a redistribuição e o reconhecimento, parece colocar em risco a esquizofrenia filosófica.”

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(MATTOS, 2006, p. 154). Tal averiguação, de acordo com a visão de Honneth,

Fraser não61 foi capaz de estabelecer.

Embora o presente trabalho comungue com a construção de Axel Honneth

acerca do Reconhecimento baseado na filosofia hegeliana, tomando-a como base

epistemológica para a proposta da pesquisa, adota como inegável a contribuição de

Nancy Fraser para futuras análises empíricas do Reconhecimento nas práticas

empresariais. Pois cada vez mais, tais práticas são caracterizadas, de acordo com

Tragtenberg (1989), por políticas excludentes que ignoram a participação dos lucros

aos funcionários e promovem cortes de renda.

61 Honneth argumenta tal fato em Fraser e Honneth (2003).

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3. PROPOSTA TEÓRICO - METODOLÓGICA PARA OS ESTUDOS DAS

PRÁTICAS EMPRESARIAIS A PARTIR DAS DIMENSÕES DA TEORIA DO

RECONHECIMENTO

Neste capítulo, buscar-se-á identificar as principais características das

Dimensões da Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth para obtenção de uma

proposta de estudo das práticas empresariais. A importância de tal proposta se

justifica pelo quadro de desrespeito ao indivíduo efetuado pelas práticas

empresariais atuais que comprometem62 a subjetividade do ser humano. Vale

mencionar que o conceito utilizado para desrespeito, nesta dissertação, é definido

por Honneth (2003) como uma lesão capaz de “desmoronar” a identidade da pessoa

e que pode assumir graus diversos na potencialidade que permite lesões psíquicas.

3.1 METODOLOGIA DA PESQUISA

A presente pesquisa não realizou um estudo de caso, é classificada como

teórica. O método que caracteriza esta pesquisa é a revisão bibliográfica, com

utilização de fontes múltiplas de evidências. Os dados foram obtidos mediante uma

profunda investigação bibliográfica. A análise dos dados foi efetuada de forma

descritivo-interpretativa. Utilizou-se, a análise de conteúdo e a análise documental.

De acordo com Vieira (2005) a construção de uma linha de investigação

acadêmica supõe, necessariamente63, a definição de uma metodologia adequada à

natureza do objetivo pesquisado. A fundamentação epistêmica desta pesquisa é a

Teoria Crítica, principalmente a fundamentação teórica presente na Terceira

Geração da Escola de Frankfurt.

Segundo Cervo e Bervian (1983) a pesquisa bibliográfica busca conhecer e

analisar as contribuições culturais ou científicas do passado ou presente sobre

determinado assunto, tema ou problema. De acordo com Gil (2002) as contribuições

culturais são provenientes de um material já elaborado constituído principalmente de

livros e artigos. Embora o mesmo autor alerte que a maioria dos estudos 62 De acordo com Enriquez (2006), o comprometimento da subjetividade do indivíduo, o deixa suscetível a doenças de ordem psíquica. 63 Vieira (2004) ressalta a necessidade da adequação entre metodologia e objetivo de pesquisa, argumentando que a metodologia permite a avaliação dos tópicos gerais de cientificidade como validade e confiabilidade da pesquisa.

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pressuponha uma pesquisa bibliográfica, ele destaca que a pesquisa que utiliza

exclusivamente fontes teóricas é classificada como bibliográfica.

O referencial teórico escolhido para a busca do objetivo da pesquisa teve

um amplo caminho - a saber - história da Escola de Frankfurt, história da Teoria

Crítica, Filosofia da Consciência, Teoria da Luta por Reconhecimento e práticas

empresariais. A revisão histórica efetuada no capítulo 2 exigiu uma minuciosa

pesquisa bibliográfica que buscou garantir ao máximo, informações que se referem

às características das gerações da Escola de Frankfurt. “A pesquisa bibliográfica

[...] é indispensável nos estudos históricos. Em muitas situações, não há outra

maneira de conhecer os fatos passados se não com bases em dados bibliográficos”

(GIL, 2002, p. 45). Além de contemplar a revisão histórica, a pesquisa bibliográfica

possibilitou a análise de uma temática extensa como a Filosofia da Consciência

desenvolvida por Hegel e importante aparato para o desenvolvimento da Teoria do

Reconhecimento Intersubjetivo. Segundo Gil (2002, p. 45):

A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente. Essa vantagem torna-se particularmente importante quando o problema de pesquisa requer dados muito dispersos pelo espaço.

A limitação da metodologia escolhida refere-se à repetição de possíveis

erros bibliográficos. Pois de acordo com Gil (2002), toda pesquisa teórica,

predominantemente bibliográfica incute no risco de repetir possíveis erros analíticos

contidos nas fontes. Para reduzir essa possibilidade:

[...] convém aos pesquisadores assegurarem-se das condições em que os dados foram obtidos, analisar em profundidade cada informação para descobrir possíveis incoerências ou contradições e utilizar fontes diversas, cotejando-as cuidadosamente (GIL, 2002, p. 45).

Por isso foi adotada uma cuidadosa seleção do material de pesquisa,

observando as indicações dos orientadores da mesma, a fim de diminuir a margem

de possíveis erros de dados.

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3.2 AS DIMENSÕES DO RECONHECIMENTO E AS PRÁTICAS EMPRESARIAIS

As práticas empresariais utilizam-se de propriedades psicológicas a fim de

melhor enquadrar um sistema de dominação. Segundo Tragtenberg (1989), trata-se

da mobilização dos valores da subjetividade do indivíduo à empresa. O que denota

uma mudança no comportamento do universo empresarial em relação aos

processos de instrumentalização do indivíduo. Pois, segundo Enriquez (2006), se

em um período do capitalismo, valores ligados a afetividade do indivíduo, deveriam

ser sufocados, atualmente eles são induzidos a se confundirem aos valores da

empresa. Adorno e Horkheimer haviam denunciado o processo de

instrumentalização do indivíduo em um contexto de organização empresarial que

seguia a visão linear decorrente da base epistêmica cartesiana, atualmente, o

processo de instrumentalização ocorre para atender à retórica64 do discurso

administrativo de organização sistêmica.

A instrumentalização do indivíduo acontece através da eliminação da

neutralidade afetiva, o indivíduo é dirigido a formar vínculos emocionais com a

empresa. Tem-se um processo em que ocorre a instrumentalização do indivíduo

com o seu próprio consentimento. Segundo Tragtenberg (1989), o indivíduo é

transformado em coisa, via comprometimento de valores subjetivos.

O processo de coisificação previsto e estudado como Reificação por Lukàcs

é, para Honneth (2003), expressão do não reconhecimento da intersubjetividade

humana, pois permite a configuração de formas de desrespeito que afetam a

integridade física e social da pessoa e a sua dignidade. Vale lembrar que o não

reconhecimento de um indivíduo a identidade do parceiro de interação social faz

com que o indivíduo não reconheça a si mesmo. De acordo com Honneth (2007b, p.

15):

En el area de la sociologia cultural o de la psicologia social, hay en la actualidad innumerables estudios que detectam en los sujeitos una tendencia creciente a simular deseos o sentimentos, por oportunismo, hasta que los experimentam como componentes de la propria personalidad: una forma de la automanipulación emocional, que Lukàcs tenía em mente cuando se refería al periodismo como una prostitución de vivencia y convicciones y veía en él un ultimo grado de reificación social.65

64 Tragtenberg (1989). 65 “Na área da sociologia e da psicologia social, já existem inúmeros estudos que apontam nos indivíduos uma tendência crescente para simular desejos ou sentimentos por oportunismo, para que se experimentem como

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Embora a Sociologia e a Psicologia apresentem o diagnóstico da

manipulação de desejos e sentimentos, o conceito de Reificação parece ficar

excluso das mencionadas áreas de estudo. Sobre isto Honneth (2007b, p. 16)

ressalta:

Por cierto, en tales diagnosticos acerca de una tendencia a gerenciar los sentimentos el concepto de reificación aparece tan poco explicitado como en la mayoría de los testimonios literarios que propagan una atmósfera de fría objetividade y manipulación.66

Para Honneth, o conceito de Reificação é fundamental para a tomada de

análise dos processos de interação, porque se assim não o fosse, incutiria no risco

de cair em numa análise instrumentalizadora. Para justificar tal posição, Honneth

(2007b) utiliza o exemplo das Ciências Neurais. No campo das discussões sobre os

resultados e repercussões sociais das investigações do cérebro ocorrem frequentes

abordagens estritamente científicas, evidenciando uma atitude reificante.

[...] el propósito de explicar el sentir y el actuar humanos mediante el mero análisis de las conexiones neuronales en el cerebro es abstraído de todo saber [...] de la vida y con ello se está tratanto al ser humano como a un autómata [...], en último término, como una cosa.67 (HONNETH, 2007b, p. 18)

As Ciências Neurais efetuam leituras que não consideram valores éticos dos

sujeitos. Sobre isso, Honneth (2007b, p. 18) ressalta que “[...] el hecho de que em la

observación neurofisiológica del ser humano aparantemente no se tomam en cuenta

sus cualidades personales es considerado como um caso de reificación”68.

Diante do alerta que Honneth faz sobre a ausência do conceito de

Reificação nos estudos dos processos de interação social, a presente dissertação,

ressalta a identificação da instrumentalização do sujeito e, principalmente, das

Dimensões do Reconhecimento do indivíduo como um processo de Reificação. Pois

componentes da própria personalidade: uma forma da automanipulação emocional, que Lukàcs tinha em mente quando se referia ao jornalismo como uma prostiuição de crenças e em ultimo grau, de reificação social”. 66 “Com efeito, em tais diagnósticos sobre a tendência de gerenciar os sentimentos do conceito de reificação aparece pouco explicitado, assim como na maioria das evidências literárias que espalham uma atmosfera de objetividade e manipulação”. 67 “o propósito de explicar os sentimentos humanos e ações pela simples análise das conexões neurais no cérebro, é abstraído de todo conhecimento da vida e [...] e com isso, trata os seres humanos como um ente mecânico, [...] finalmente como uma coisa”. 68 “[...] o fato de que a observação neurofisiológica do ser humano, não tomar conta de suas qualidades pessoais, é um caso de reificação”.

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não se pode perder de vista que, para Lukàcs, o processo de Reificação do

indivíduo não ocorre apenas no plano de suas potencialidades de efetuar trabalho

mecânico, mas também com os potenciais da personalidade do indivíduo. Para

“Lukàcs [...] los potenciales proprios de la personalidad son concebidos de manera

indolente y desapasionada como algo que tiene calidade de cosa”69 (HONNETH,

2007b, p. 30).

Uma vez que as Dimensões do Reconhecimento Intersubjetivo são

comprometidas, o Reconhecimento do sujeito corre o risco de estar comprometido

no âmbito empresarial. Segundo Tragtenberg (1989), as relações intersubjetivas no

universo empresarial dependem da posição de cada um. Cabe, neste momento, a

tarefa de caracterizar cada uma das dimensões da Teoria do Reconhecimento

Intersubjetivo no contexto das práticas empresariais para propor categorias destas

dimensões tornando-as possíveis de serem estudadas. A efetuação desta tarefa,

conta com o auxílio de Faria (2007) e resulta em uma proposta teórico-metodológica

para os estudos das práticas empresariais a partir das dimensões da Teoria do

Reconhecimento de Axel Honneth.

O amor assume como sentimento três70 possíveis perspectivas de relação -

família, amizade e interação sexual. Neste trabalho, a forma de amor que será

analisada no contexto empresarial será a de amizade. A existência das relações de

amizade no meio empresarial é evidente. Pois, de acordo com Tragtenberg (1989),

os indivíduos no universo empresarial podem demonstrar entre si sentimentos de

estima especial.

Através da leitura realizada em Honneth (2003) pode-se verificar que

amizade como forma de amor pressupõe uma relação de equilíbrio entre a

dependência afetiva e a auto-afirmação entre duas pessoas. A matéria de que é feita

amizade é a capacidade de se reconhecer dependente afetivamente de outra

pessoa e, ao mesmo tempo, manter-se autônomo afetivamente em relação a ela,

porque reconheceu o outro de tal forma. Neste processo de reconhecimento mútuo

tem-se uma estrutura de dois pólos: ligação afetiva – autonomia afetiva. O equilíbrio

entre eles produz a autoconfiança do indivíduo.

69 [...] os potenciais próprios da personalidade são concebidos de maneira indolente e desapaixonada, como algo que é qualificado como coisa”. 70 Honneth (2003)

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Portanto, é necessário que as práticas empresariais reconheçam a

existência da possibilidade de ligações emotivas entre os indivíduos no processo de

interação em qualquer esfera71 da empresa. É deste processo de interação que a

dimensão da amizade possibilita produzir a autoconfiança do indivíduo em relação

aos pares de interação da empresa. É possível identificar em Honneth (2003) que

maus tratos e humilhações72 sinalizam a privação do reconhecimento na dimensão

do amor. No caso desta dissertação, humilhações e maus tratos sinalizam privação

do reconhecimento da amizade.

As práticas empresariais são dirigidas a aplicar táticas que promovem medo

ante a alusão pública do insucesso de uma pessoa, deixando latente a possibilidade

de não estar respeitando a autonomia do indivíduo na escolha de seus parceiros

afetivos. Ou seja, tem-se o risco de amizade se tornar um elo contrário as vontades

de afinidades individuais, as pessoas teriam que estabelecer vínculos emocionais

devido à posição de cada um na empresa. Neste sentido, a dimensão amizade seria

instrumentalizada para manipulação destes indivíduos a efetuarem movimentos

desejados. Até mesmo promoveria a automanipulação de valores emotivos por uma

pessoa, pois ela passaria suprimir sua afetividade a fim de se inserir no círculo de

amizade conveniente a ela profissionalmente ou como prova de estar

comprometido73 com a empresa. Segundo Faria (2007) uma das bases do

comprometimento é a das relações de afeto. De acordo Faria (2007, p.111) o

comprometimento baseado nas relações afetivas será:

resultado da lealdade emocional e do sentimento de apreço. Os valores que estão em jogo nesta situação dizem respeito não apenas aos relacionamentos determinados por laços de afeto entre indivíduos, como àqueles que decorrem da alteridade, da experiência afetiva da descoberta do outro como tal e da constituição do outro na relação que se processa coletivamente.

71 Tragtenberg (1989, p. 16) alerta que a empresa reconhece apenas os laços de afetividade delimitados na esfera do poder e dos subordinados ligados afetivamente aos superiores de tal esfera. “Mesmo em estruturas empresariais despidas de formalismo rígido, o subordinado mantém antes seus superiores um temor reverencial ambivalente, o medo funda-se [...] na sedução [...]”. 72 Honneth (2003) exemplifica este comportamento com ofensas de ordem emocional, quanto a capacidade da pessoa. É possível reconhecer em Tragtenberg (1989) que tais ofensas como a colocação ao indivíduo de forma ríspida a sua “falta de comprometimento” e “estima com a empresa”. 73 Segundo Faria (2007, p. 110) do ponto de vista das relações organizacionais, estar comprometido significa que o sujeito (individual e coletivo) desta ação deve partilhar dos valores objeto da mesma, estar motivado a participar da definição e da realização dos objetivos e das estratégias de sua consecução e sentir-se responsável pelo sucesso das ações que permeiam o alcance dos objetivos, engajando-se, criando e inovando para a conclusão das ações conforme os padrões esperados ou além deles.

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Ou seja, o empregado inserido em relações que visem garantir o

comprometimento à empresa, não vê mais no simples afeto natural entre pessoas

uma relação de amizade, mas percebe a potencialidade de garantir nesta relação a

contemplação da práxis do comprometimento afetiva com a empresa. O indivíduo

consegue assim atingir outros valores que não estão incutidos à relações afetivas,

mas à ideologia da empresa. A autonomia afetiva do indivíduo é abalada. Configura-

se a situação que o sujeito não reconhece seu parceiro de interação e nem

reconheci a si na dimensão da amizade. Desta forma, sua identidade está suscetível

ao abalo psíquico.

Caso a pessoa não se insira no círculo de amizades da empresa, ela

estaria também sobre o risco de uma marginalização74, sem o acesso a ocupar

cargos de nível superior. Tragtenberg (1989) identifica que o castigo, ante a um

comportamento afetivo não desejado, implica na retirada do amor dos superiores e

da empresa ao indivíduo. De tal forma que o comprometimento em bases afetivas

não é atingido satisfatoriamente pelo indivíduo. Não é possível conceber que a

amizade sendo instrumentalizada forneça possibilidades para permitir ao indivíduo

que atinja autoconfiança, a qual se constitui como indicativo central do

Reconhecimento Intersubjetivo na Dimensão do Amor.

É necessário que o reconhecimento das relações afetivas aconteça em

todos os níveis da empresa, para que a autonomia afetiva do indivíduo ocorra sem

restrições a posições ocupadas. Assim, as relações afetivas, no que diz respeito à

amizade, é uma categoria essencial de estudo das práticas empresariais nos

processos de interação subjetiva. A ausência desta categoria nas práticas

empresariais indica que o Reconhecimento Intersubjetivo do ser humano não é

contemplado em sua primeira etapa, o que subjaz o comprometimento das etapas

seguintes. Importa mencionar que ligações afetivas e autonomia afetiva devem

ocorrer em uma mesma proporção, para que a aproximação de uma situação ideal

de equilíbrio gere a autoconfiança.

A partir da afirmação da autonomia, o indivíduo está pronto para reconhecer

que seu parceiro de interação possui direitos na empresa. Neste momento, as

relações intersubjetivas avançam da dimensão da amizade para a dimensão do

direito. Conforme foi possível identificar em Honneth (2003), é por meio do

74 Tragtenberg (1989) identifica que o castigo ante a um comportamento afetivo não desejado, implica na retirada do amor dos superiores e da empresa ao indivíduo.

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reconhecimento do próximo como portador de direito que o indivíduo passa a se

reconhecer como uma pessoa portadora de direito. Trata-se de um saber sobre

quais direitos tem de se observar em face do outro, assim ocorre a formação do

respeito mútuo e do auto-respeito.

Tanto o respeito mútuo como o autorrespeito partem de relações limitadas

sob normas universalmente aceitas. Segundo Honneth (2003), na etapa do

Reconhecimento dimensionada no direito, pressupõe-se que as normas

universalmente aceitas venham de um desacoplamento entre pretensões jurídicas

individuais das pretensões ligadas ao status. Pois só desta maneira a idéia de

respeito mútuo e autorrespeito pode ser contemplada.

Ao retomar a idéia de Tragtenberg (1989), a qual consiste de que no âmbito

das empresas as relações intersubjetivas dependem da posição que cada indivíduo

ocupa, o direito como dimensão do reconhecimento é a que apresenta mais nítidos

riscos de ser violada. Se houver concessões de direitos de vários níveis que estejam

ligados a posição que cada um ocupa na empresa, as relações de respeito mútuo

que produzem o autorrespeito são suprimidas. A liberdade da pessoa em exprimir

seus direitos é comprometida, ela se vê ferida na possibilidade do direito positivo, e

o reconhecimento do indivíduo enquanto pessoa de direito corre o risco de não ser

contemplado. Vale lembrar que direito positivo, segundo Honneth (2007a), diz

respeito ao direito que o indivíduo possui a realizar escolhas limitadas por um

quadro de normas aceitas mutuamente.

Um indicativo de não estar ocorrendo o Reconhecimento do indivíduo na

dimensão do direito são, segundo Honneth (2003), a privação de direitos e exclusão.

No caso das práticas empresariais, isto incutiria no risco da demissão do funcionário

se este reivindicar75 seus direitos. Se as práticas empresariais forem voltadas a

suprimir o direito de escolha a determinados grupos, a empresa formata padrões de

concessão de direitos. A relação jurídica no processo de interação subjetiva se torna

desigual sob a ameaça constante da exclusão, ferindo o respeito mútuo. Pois, para

se defender, um indivíduo fica sob a necessidade de burlar o direito de seu parceiro

de interação e suprimir seus direitos ante ao receio da exclusão.

Portanto, a concessão de direitos e o respeito mútuo são categorias que

devem ser estudadas no universo das práticas empresariais. Elas são capazes de

75 Tragtenberg (1989) exemplifica a situação de que alguns trabalhadores se sentem ameaçados em expressar seus direitos.

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deflagrar a existência ou não do auto-respeito, que por sua vez revelaria se indivíduo

é reconhecido na etapa jurídica.

Se a etapa jurídica de reconhecimento pressupõe um conjunto de

obrigações e propriedades universalmente aceitas por pessoas autônomas, a

próxima etapa, a da Estima Social, diz respeito ao conjunto de propriedades

particulares da pessoa autônoma que devem ser respeitadas. Neste sentido, a

terceira dimensão do reconhecimento intersubjetivo, que fora designada como

solidariedade, assume a potencialidade da compreensão mútua de que qualquer

sujeito ter suas qualidades e especificidades reconhecidas como necessárias e

valiosas para a reprodução da sociedade. Ou seja, a solidariedade com a percepção

de tratar iguais como iguais e diferentes como diferentes.

Desta forma, haveria o espaço para reconhecer aquele que possui uma

característica própria a exercer determinadas funções da empresa, pois as relações

simétricas já teriam garantido o respeito mútuo dos indivíduos ante a uma norma

universalmente aceita76. O indivíduo sabe que o parceiro de interação está sob as

mesmas normas, mas que, assim como ele tem qualidades e vontades próprias.

Trata-se de um indivíduo reconhecer a forma de realização que o parceiro

estabelece para si mesmo. Na medida em que o primeiro ao reconhecer a realização

do parceiro, também reconhece as suas potencialidades de se realizar executando

determinadas funções, configura-se a autorrealização. Ponto central da

Solidariedade enquanto elemento de percepção dos iguais como iguais e os

diferentes como diferentes, seja uma dimensão do Reconhecimento Intersubjetivo

em meio as práticas empresariais.

Entretanto, a existência de relações simétricas entre os indivíduos é uma

condição necessária para que haja o reconhecimento na etapa da estima social no

universo empresarial. Nas práticas empresariais, a perspectiva da Solidariedade

pode ser ferida no momento em que não são estabelecidas relações simétricas.

[...] estimar-se simetricamente nesse sentido significa considerar-se reciprocamente à luz de valores que fazem as capacidades e propriedades do respectivo outro aparecer como significativos para a práxis comum. (HONNETH, 2003, p. 210)

76 Aqui vale lembrar a descrição feita por Honneth (2003) entre a relação do sujeito de posse do indivíduo que assiste a aquisição da posse pelo primeiro. Esta descrição evidencia a necessidade do Reconhecimento da forma de realização própria do parceiro de interação.

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Ressalta-se aqui que as relações simétricas consistem nas possibilidades

de qualquer sujeito ter suas qualidades e especificidades reconhecidas como

importantes, obtendo assim oportunidades iguais. Portanto, as práticas empresariais

devem ser voltadas para reconhecer as formas de realização dos indivíduos,

oferecendo oportunidades a todos. Isto permite afirmar que as relações simétricas e

a autorrealização são categorias fundamentais a serem estudadas no universo

empresarial.

De acordo com Honneth (2003), o não reconhecimento do indivíduo

enquanto sujeito possuidor de características e desejos próprios de realização

provoca formas de desrespeito como a degradação pessoal e a ofensa. Se um

indivíduo não é capaz de reconhecer a forma de realização pessoal do parceiro

como valiosa para a práxis comum, ele passa a rebaixar a existência e importância

de seu parceiro de interação. O não reconhecimento permite ainda configurar formas

de autodegradação, pois se um indivíduo não reconheceu a realização de seu

parceiro, está suscetível a não reconhecer como valiosa sua própria realização.

Como foi possível observar na presente secção, as três dimensões do

Reconhecimento Intersubjetivo permitiram identificar categorias para estudos das

práticas empresariais. Tomando as categorias em conjunto em suas respectivas

funções é possível organizar o quadro a seguir:

PROPOSTA TEÓRICO – METODOLÓGICA PARA OS ESTUDOS DAS PRÁTICAS EMPRESARIAIS A PARTIR DAS DIMENSÕES DA TEORIA DO RECONHECIMENTO DE AXEL HONNETH

DIMENSÕES DO RECONHECIMENTO INTERSUBJETIVO

CATEGORIAS DE ESTUDOS

Amizade - Relações Afetivas - Autonomia Afetiva

Direito - Concessão de Direito - Respeito Mútuo

Forma de tratamento: Iguais como iguais e diferentes como diferentes.

- Relações Simétricas - Autorrealização

Quadro 02: Dimensões do Reconhecimento Intersubjetivo e as Categorias de Estudos das Práticas Empresariais. Fonte: A autora.

Com o exposto, tem-se o objetivo da presente pesquisa atingido. Vale

ressaltar que esta proposta não será aplicada empiricamente nesta pesquisa, ela

assume tal potencialidade para pesquisas futuras na medida em que confere uma

inegável importância aos processos de interação existentes no universo empresarial

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e, principalmente, a importância do reconhecimento do ser humano em meio às

práticas empresariais, portador de sentimentos na esfera subjetiva que não podem

ser percebidos como objetos suscetíveis a manipulação.

Embora as formas de desrespeito imbricadas às dimensões do

Reconhecimento tenham sido mencionadas, foge do escopo de objetivos desta

pesquisa explorar com maior profundidade tais formas de desrespeito. Elas foram

mencionadas para ressaltar a compreensão da importância que o Reconhecimento

Intersubjetivo assume enquanto elemento central da constituição da subjetividade

humana.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do histórico da Escola Frankfurt, foi possível encontrar elementos

da Teoria Crítica que auxiliaram a busca do objetivo geral da presente pesquisa.

Neste sentido, confere-se à Primeira Geração da Escola de Frankfurt uma valiosa

contribuição, principalmente no que diz respeito ao processo de instrumentalização

do ser humano denunciado por Adorno e Horkheimer. Tal processo, detalhado e

analisado com autoridade no conceito de Reificação de Lukàcs, aponta para o

comprometimento das consciências individuais efetuado por processos ideológicos

das práticas empresariais atualmente.

O comprometimento das consciências individuais que ocorre ao longo dos

processos de interação humana foi denúncia comum das três gerações da Escola de

Frankfurt. Cada uma buscou propor a emancipação das consciências, formatando

novos desdobramentos à Teoria Crítica. A Segunda Geração da Escola configurou-

se em um importante elemento motivador para a formulação da Teoria da Luta por

Reconhecimento de Axel Honneth, representante da Terceira Geração da Escola de

Frankfurt. Além disto, a descrição da Segunda Geração da Escola, no presente

estudo, se justifica por apontar, a necessidade da valorização dos processos

comunicativos livres de coação nos processos de interação no contexto das práticas

empresariais.

A Terceira Geração da Escola, representada por Axel Honneth e sua Teoria

da Luta por Reconhecimento, ofereceu os elementos teóricos para a configuração

de uma proposta de estudos para as práticas empresariais caracterizadas

principalmente pela leitura de Maurício Tragtenberg. Esta caracterização permitiu a

visualização da instrumentalização de propriedades psicológicas dos indivíduos, ou

seja, o processo de Reificação dos elementos constitutivos da subjetividade

humana. Honneth, ao fazer a releitura da constituição triádica do ser humano,

efetuada por Hegel, sob a luz da Psicologia Social de Mead, propõe que os conflitos

por reconhecimento são inerentes aos processos de interação humana. Tal

pensamento conota que o Reconhecimento Intersubjetivo não pode ser ignorado no

universo empresarial.

Com a inflexão da Psicologia de Mead, Honneth (2003) promoveu três

dimensões nas três etapas do Reconhecimento propostas inicialmente por Hegel.

Tais dimensões são: amor, direito e solidariedade. A compreensão de que a

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identidade humana é formada por estas três dimensões permitiu elaborar uma

proposta teórico-metodológica das práticas empresariais aos moldes expostos por

este trabalho no quadro 02.

Importa realizar algumas considerações sobre esta proposta em relação às

categorias de estudos. As categoriais de estudos referentes à dimensão do amor,

ressaltam a importância do reconhecimento da existência de ligações emotivas entre

os indivíduos da empresa. Limitou-se descrever aqui as ligações existentes na

amizade. As formas possíveis de manifestações de amizade cabíveis no universo

empresarial dependeriam sobretudo do espaço que as práticas empresariais

abririam a partir do reconhecimento que elas existem irrestritamente as esferas do

poder.

A concessão de direitos enquanto categoria de estudo da dimensão do

direito, permite apontar formas de concessões de direito como77 nepotismo, cargas

horárias, distribuição desigual de tarefas para uma mesma função, entre outros.

Estas formas de concessão, por sua vez, no âmbito empresarial implicariam

diretamente a afetar a categoria do respeito mútuo, pois promoveria a concorrência

entre os sujeitos. Enriquez (2006) alerta que isto provoca um enfraquecimento da

coletividade enquanto ente defensor do sujeito. A concessão de direitos também

estaria ligada aos interesses das esferas do poder da empresa.

Sobre a categoria da autorrealização, embora Honneth (2003) não tenha

estabelecido um espaço maior para a redistribuição de renda no estudo das relações

de estima mútua, a presente pesquisa aponta a importância que tal assunto deva ter

ao longo de futuros estudos empírico das práticas empresariais acerca do

Reconhecimento do indivíduo. Levanta a hipótese de que a redistribuição desigual

de lucros e os cortes de rendimentos78 nas empresas possa afetar

consideravelmente a autorrealização do indivíduo. Portanto sugere-se que um futuro

trabalho investigue a questão da redistribuição de renda como fator que implica na

autorrealização do indivíduo.

A limitação da pesquisa se constitui em não realizar a leitura da influência

que o poder tem no processo de Reconhecimento Intersubjetivo. Pois, pode-se notar

claramente que, as Relações Afetivas, a Concessão de Direitos e as Relações

Simétricas possuem alguma ligação com a temática do poder, como foi ressaltado

77 Exemplos extraídos de Tragtenberg (1989). 78 Tragtenberg (1989).

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na afirmação sobre como as relações intersubjetivas dependem da posição de cada

um. Neste sentido, a obra de Honneth, Critique of the Power (1991) sinaliza com

importantes contribuições que podem auxiliar nos estudos das práticas empresariais

a partir das dimensões do Reconhecimento, mas que na presente pesquisa, não

caberia, pois o tema poder demanda maior discussão.

Salvo as restrições mencionadas referentes à redistribuição de renda e a

questão do poder, a pesquisa atingiu satisfatoriamente seu objetivo, que teve por

motivação fundamental ser um esforço para a elevação do indivíduo no universo

empresarial como aquilo que ele realmente é um ser humano e para aquilo que ele

realmente fora feito: a contemplação de uma boa vida que subjaz a existência do

amor, do direito e da solidariedade.

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