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14 1 O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO CIDADÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 1.1 Cidadania A discussão sobre o ônus de pagar tributos no Estado Brasileiro, que se afigura na Constituição de 1988, em um Estado de Direito com características fiscal e social, na perspectiva da concretização dos direitos fundamentais, leva necessariamente à compreensão do conceito de cidadania. A cidadania é um processo em constante desenvolvimento, cuja história está intimamente ligada à história dos direitos humanos, nasce das lutas das gentes para a afirmação de valores éticos, como a liberdade, a dignidade e a igualdade de todos os homens indistintamente. Ser cidadão é ter consciência de que é sujeito de direitos. Direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade, enfim, direitos civis, políticos e sociais. No entanto, este é um dos lados da moeda. Cidadania pressupõe também deveres. O cidadão deve reconhecer suas responsabilidades enquanto parte integrante de um imenso e complexo organismo que é a coletividade, a nação, o Estado, para cujo êxito, todos devem dar sua parcela de contribuição. A abordagem do conceito de cidadania foi realizada por Thomas H. Marshall, em sua obra “Cidadania e classe social”. Inicia a construção do moderno conceito de cidadania e contribui para compreensão da dimensão histórica e para a prática da cidadania na modernidade. Define, com base na história da Inglaterra, três níveis de direitos de cidadania, seguindo uma ordem cronológica: inicia no século XVIII com a formação dos direitos civis, que conferem aos indivíduos os direitos à vida, à segurança, à integridade física, à propriedade. Esses são direitos básicos que constituem a base dos direitos políticos e sociais. No século XIX têm-se os direitos políticos, que refletem os direitos dos cidadãos de participar do poder político. Finalmente, os direitos sociais no século XX, que consistem no direito à educação, saúde, segurança, aposentadoria, moradia. O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. [...] Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. [...] O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um

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1 O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO CIDADÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

1.1 Cidadania

A discussão sobre o ônus de pagar tributos no Estado Brasileiro, que se afigura na

Constituição de 1988, em um Estado de Direito com características fiscal e social, na perspectiva da

concretização dos direitos fundamentais, leva necessariamente à compreensão do conceito de

cidadania.

A cidadania é um processo em constante desenvolvimento, cuja história está intimamente

ligada à história dos direitos humanos, nasce das lutas das gentes para a afirmação de valores éticos,

como a liberdade, a dignidade e a igualdade de todos os homens indistintamente.

Ser cidadão é ter consciência de que é sujeito de direitos. Direitos à vida, à liberdade, à

propriedade, à igualdade, enfim, direitos civis, políticos e sociais. No entanto, este é um dos lados da

moeda. Cidadania pressupõe também deveres. O cidadão deve reconhecer suas responsabilidades

enquanto parte integrante de um imenso e complexo organismo que é a coletividade, a nação, o

Estado, para cujo êxito, todos devem dar sua parcela de contribuição.

A abordagem do conceito de cidadania foi realizada por Thomas H. Marshall, em sua obra

“Cidadania e classe social”. Inicia a construção do moderno conceito de cidadania e contribui para

compreensão da dimensão histórica e para a prática da cidadania na modernidade.

Define, com base na história da Inglaterra, três níveis de direitos de cidadania, seguindo uma

ordem cronológica: inicia no século XVIII com a formação dos direitos civis, que conferem aos

indivíduos os direitos à vida, à segurança, à integridade física, à propriedade. Esses são direitos

básicos que constituem a base dos direitos políticos e sociais. No século XIX têm-se os direitos

políticos, que refletem os direitos dos cidadãos de participar do poder político. Finalmente, os direitos

sociais no século XX, que consistem no direito à educação, saúde, segurança, aposentadoria,

moradia.

O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. [...] Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. [...] O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um

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mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade (MARSHALL, 1967, p. 63-64).

Na visão de Marshall a separação dos direitos civis, políticos e sociais resultou do duplo

processo de evolução institucional, de um lado o processo de fusão de instituições no plano

geográfico (substituição de instituições de caráter local por instituições de caráter nacional); de outro

lado, um processo de separação de instituições no plano funcional (substituição de instituições

multifuncionais por instituições de caráter especializado). Compreende como instituições os

tribunais, que garantiam os direitos civis, as assembléias legislativas, locais e nacionais que tomavam

as decisões políticas e os serviços sociais dos executivos que garantiam o acesso à educação e o

mínimo de saúde.

Portanto, a conquista dos direitos depende de um processo em escala, observado ao longo

dos tempos na evolução natural da cidadania. No início a noção de cidadania se limitava às

liberdades locais para com o tempo se nacionalizar.

O objetivo primordial de Marshall consiste em dimensionar o impacto da cidadania na

desigualdade social. Examina as relações entre classe social e cidadania e a evolução dos direitos do

cidadão frente às desigualdades inerentes às sociedades de classes.

Para Marshall a cidadania é um estatuto concedido aos membros de pleno direito de

determinada comunidade. Os beneficiários desse estatuto são iguais em direitos e obrigações. Por

outro lado, a classe social é um sistema de desigualdades que, assim como a cidadania pode

fundamentar-se num corpo de ideais, crenças e valores.

A cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status. Não há nenhum princípio universal que determine o que estes direitos e obrigações serão, mas as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação à qual o sucesso pode ser medido e em relação à qual a aspiração pode ser dirigida. A classe social é um sistema de desigualdade. E esta também, como a cidadania pode estar baseada num conjunto de ideais, crenças e valores. É, portanto, compreensível que se espere que o impacto da cidadania sobre a classe social tomasse a forma de um conflito entre princípios opostos (MARSHALL, 1967, p.76).

Dessa forma, seguindo os ensinamentos de Marshall a cidadania é baseada no princípio da

igualdade, enquanto o sistema de classe capitalista é alicerçado na desigualdade. O florescimento da

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cidadania ocorre simultaneamente com o desenvolvimento do capitalismo, e no século XX a

cidadania e o sistema de classe capitalista estão em confronto.

Para Marshall, apesar do conceito de cidadania trazer implícito o princípio de igualdade,

esse confronto não ocorre no início do desenvolvimento da cidadania. Explica que nesta fase os

direitos compreendidos no conceito de cidadania se compunham dos direitos civis e, portanto, não

conflitavam com as desigualdades inerentes ao sistema capitalista, pelo contrário os direitos civis

eram indispensáveis e necessários à implantação do capitalismo. Somente o homem livre poderia

participar do mercado, tanto como comprador, tanto como vendedor da força de trabalho (1967, p.

79).

Nesta sociedade capitalista, a igualdade implícita no conceito de cidadania, compreendida

num primeiro momento pelos direitos civis e políticos, teve pouca influência sobre a desigualdade

social.

Ressalta Marshall que a pregada igualdade enfrentava obstáculos como os de ordem

subjetiva – vinculados aos preconceitos de classe – e os de ordem objetiva – representados pela

própria desigualdade material, de bens e recursos. Esses dois obstáculos constrangiam a existência de

uma plena cidadania. “A igualdade perante a lei não existia. O direito lá estava, mas o remédio

jurídico estava, muitas vezes, fora do alcance do individuo (1967, p. 80).

A teoria de Marshal defende que as desigualdades sociais não decorrem das falhas nos

direitos civis, mas da quase inexistência dos direitos sociais em meados do século XIX. Afirma que

os direitos sociais são indispensáveis para uma sociedade, que, apesar de hierárquica, necessita

amenizar as desigualdades e as tensões oriundas do sistema de classe. O crescente interesse pela

igualdade foi se desenvolvendo como um princípio de justiça social e uma consciência de que não

bastava o reconhecimento formal de uma capacidade igual quanto aos direitos.

Marshal inova ao incorporar os direitos sociais como parte constitutiva da cidadania. São os

direitos sociais que dão uma dimensão concreta e moderna à cidadania e o Estado tem especial

destaque na concretização desses direitos. A educação, a imparcialidade, os serviços médico-

hospitalares, o lazer, entre outros elementos do direito social, afirmam a cidadania. Dentre esses

elementos a educação se destaca, uma vez que proporciona a igualdade de oportunidades, eliminando

privilégios hereditários, permitindo a mobilidade social e o respeito aos justos direitos.

Se se invoca a cidadania em defesa dos direitos, as obrigações correspondentes da cidadania não podem ser ignoradas. Estas não exigem que um indivíduo sacrifique sua liberdade individual ou se submeta, sem motivo, a qualquer exigência feita pelo Governo. Mas exigem que seus atos sejam inspirados por um senso real de responsabilidade para com o bem-estar da comunidade (1967, p. 104).

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Nos estudos sobre a noção de cidadania os ensinamentos de Jean Jacques Rousseau

destacam a cidadania exercida na participação civil da população nos negócios públicos nas questões

relativas à coletividade. Para ele o objetivo da cidadania era exaltar os direitos do homem em

sociedade, decidindo sobre fatos referentes à coletividade.

Diante do problema da desigualdade humana, na teoria contratualista, que objetiva a

manutenção da justiça, Rousseau afirma que o papel do Estado e da sociedade é garantir os valores

fundamentais da igualdade e liberdade de todos, permitindo aos homens expressar a vontade comum.

Para ele não é possível liberdade sem igualdade e as leis que se originam de um contexto de

desigualdade somente servem para manter a injustiça.

O pacto social, defendido por Rousseau, é a única forma de garantir às pessoas a conquista

da liberdade, concretiza a vontade geral como a única forma legítima para a comunidade viver a

experiência da cidadania conforme os preceitos da liberdade.

Há comumente muita diferença entre a vontade de todos e a vontade geral. Esta se prende somente ao interesse comum; a outra ao interesse privado e não passa de uma soma das vontades particulares. Quando se retiram, porém, dessas mesmas vontades os a-mais e os a-menos que nela se destroem mutuamente, resta, como soma das diferenças, a vontade geral (ROUSSEAU, 1973, p. 52-53).

Dessa forma Rousseau conclui que “o pacto social estabelece entre os cidadãos uma tal

igualdade que eles se comprometem todos nas mesmas condições e de todos gozar dos mesmos

direitos” (1973, p. 56).

A Declaração francesa de 1789, representou a emancipação histórica do indivíduo mas,

segundo José Afonso da Silva ainda separou os direitos do "Homem" e do "Cidadão". ‘Direitos do

Homem’, que significava o conjunto dos direitos individuais considerados individualistas com a

finalidade social de servir aos indivíduos e ‘Direitos do Cidadão’, conjunto dos direitos políticos de

votar e ser votado, como institutos essenciais à democracia representativa. Assim descreve:

A idéia de representação, que está na base no conceito de democracia representativa, é que produz a primeira manifestação da cidadania que qualifica os participantes da vida do Estado – o cidadão, indivíduo dotado do direito de votar e ser votado –, oposta à idéia de vassalagem tanto quanto a de soberania aparece em oposição à de suserania. Mas, ainda assim, nos primeiros tempos do Estado Liberal, o discurso jurídico reduzia a cidadania ao conjunto daqueles que adquiriam os direitos políticos. Então, o cidadão era somente aquela pessoa que integrasse o corpo eleitoral. Era uma cidadania "censitária", porque era atributo apenas de quem possuísse certos bens ou rendas (SILVA, 1991, p.139).

Seguindo um conceito mais moderno sobre o fenômeno cidadania Nabais descreve:

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Ora bem, a cidadania pode ser definida como a qualidade dos indivíduos que enquanto membros activos e passivos de um estado-nação, são titulares ou destinatários de um determinado número de direitos e deveres universais e, por conseguinte, detentores de um específico nível de igualdade. Uma noção de cidadania, em que, como é fácil de ver, encontramos três elementos constitutivos, a saber : 1) a titularidade de um determinado número de direitos e deveres numa sociedade específica; 2) a pertença a uma determinada comunidade política (normalmente o estado), em geral vinculada à idéia de nacionalidade; e 3) a possibilidade de contribuir para a vida pública dessa comunidade através da sua participação (2007, p. 190).

A cidadania implica em igualdade de todos os membros de uma comunidade, concretizada

em direitos e deveres universais.

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1.2 Direito humanos e direitos fundamentais

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948, inicia um processo de

internacionalização dos direitos humanos e passa a considerar como cidadãos todos aqueles que

habitam o âmbito da soberania de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos (civis e

políticos; sociais, econômicos e culturais) e também deveres.

Após mais de meio século da proclamação da Declaração Universal de 1948 vive-se na era

internacional dos direitos. Uma crescente evolução na identidade de propósitos entre o Direito

Interno e o Direito Internacional, no que respeita à proteção dos direitos humanos que passaram,

então, a transcender os interesses exclusivos dos Estados. Os indivíduos, a partir de então, foram

instituídos de sujeitos de direito internacional, dotados de mecanismos processuais eficazes para

garantia dos seus direitos internacionalmente protegidos.

A partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) o Direito Internacional dos Direitos

Humanos, efetivamente, se consolida. Nascidos dos horrores da era Hitler, e da resposta às

atrocidades cometidas a milhões de pessoas durante o nazismo, os acordos internacionais de proteção

aos direitos da pessoa humana criam obrigações e responsabilidades para os Estados no que diz

respeito às pessoas sujeitas à sua jurisdição.

Libertando-se dos clássicos paradigmas existentes e rompendo a distinção rígida existente

entre Direito Público e Direito Privado, o Direito Internacional dos Direitos Humanos passa a

afirmar-se como um novo ramo do direito, dotado de autonomia, princípios e especificidade próprios,

cuja finalidade é a de assegurar, concomitantemente, a proteção do ser humano, nos planos nacional e

internacional.

O conceito de Direitos Humanos, como ramo independente da ciência jurídica, paradigma

ético a orientar a ordem internacional é recente, se comparado com os tradicionais ramos de Direito

Civil e Direito Penal, firmando-se com o processo de reconstrução dos direitos humanos, cujo marco

principal foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948.

Nesse sentido Piovesan:

Esta concepção é fruto do movimento de internacionalização dos direitos humanos, que constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo, a partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores contidos durante o nazismo. Apresentado o Estado como o grande violador de direitos humanos, a era Hitler foi marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana [...] O legado do nazismo foi condicionar a titularidade de direitos, ou seja, a condição de sujeito de direitos, à pertinência a determinada raça – a raça pura ariana. No dizer de

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Ignacy Sachs, o século XX foi marcado por duas guerras mundiais e pelo horror absoluto do genocídio concebido como projeto político e industrial. É neste cenário que se desenha o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea. Se a 2ª Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o Pós-Guerra deveria significar a sua reconstrução. Neste sentido, em 10 de dezembro de 1948, é aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, como marco maior do processo de reconstrução dos direitos humanos. Introduz ela a concepção contemporânea de direitos humanos, caracterizada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos (1997, [s.p]).

Foi nesse panorama que com a Declaração Universal de 1948, firmou-se, então, a concepção

contemporânea de direitos humanos, fundada no duplo pilar baseado na universalidade e

indivisibilidade desses direitos, deixando claro que não há direitos civis e políticos sem direitos

sociais, econômicos e culturais, ou seja, não há liberdade sem igualdade. Da mesma forma, não há

igualdade sem a plena e eficaz proteção da liberdade.

O processo de desenvolvimento dos direitos humanos, assim, opera-se em constante

cumulação, acontecendo no tempo vários direitos que mutuamente substituem-se consoante a

concepção contemporânea desses direitos, fundada na sua universalidade, indivisibilidade e

interdependência.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, com o objetivo de instaurar a democracia no país

e de institucionalizar os direitos humanos, faz como que uma revolução na ordem jurídica nacional,

passando a ser o marco fundamental da abertura do Estado brasileiro ao regime democrático e à

normatividade internacional de proteção dos direitos e garantias constitucionalmente protegidos.

A Constituição de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadão e cidadania aferindo

um mínimo de direitos fundamentais que devem se impor, obrigatoriamente, à ação dos poderes

públicos.

O cidadão torna-se, então, o indivíduo a quem a Constituição atribui direitos e garantias –

individuais, políticos, sociais, econômicos e culturais –, além do poder de efetivo exercício, de meios

processuais eficientes contra a violação de seu gozo ou fruição por parte do Poder Público, bem como

deveres, delineando assim o estatuto constitucional do indivíduo.

Para melhor entendimento do processo de desenvolvimento dos direitos humanos é

necessária a elaboração de conceitos e classificações, que como será observado não é uma tarefa

fácil, diante da gama de autores e da diversidade sobre o assunto, sendo indispensável, ainda,

diferenciar direitos humanos de direitos fundamentais, já que tais conceitos não podem ser

entendidos como sinônimos.

A expressão direitos humanos relaciona-se com os documentos de direito internacional, vez

que se referem às posições jurídicas que reconhecem o ser humano como tal, sem se prender à

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determinada ordem constitucional de um Estado, sendo assim, válidos universalmente e tendo caráter

supranacional. Por outro lado, os direitos fundamentais são direitos, do ser humano, reconhecidos e

positivados na ordem jurídica de um determinado Estado.

Os direitos humanos na tradicional doutrina germânica são abrigados sob a denominação

“direitos fundamentais da pessoa humana” ou simplesmente “direitos fundamentais”. Nas palavras de

Pérez Luño:

La expresión ha alcazado luego especial relieve en Alemania, donde bajo el título de los Grundrechte se ha articulado el sistema de relaciones entre el individuo y el Estado, en cuanto fundamento de todo el orden jurídico-político. Este es su sentido en la Grundgesetz de Bonn de 1949. De ahí que gran parte de la doctrina entienda que los derechos fundamentais son aquellos derechos humanos positivizados en las constituciones estatales. Es más, para algún autor los derechos fundamentales serían aquellos principios que resumen la concepción del mundo (Weltanschauung) y que informan la ideología política de cada ordenamiento jurídico (2003, p. 30-31).

Para José Joaquim Gomes Canotilho:

Os direitos fundamentais serão estudados enquanto direitos jurídicos-positivamente vigentes numa ordem constitucional. Como iremos ver o local exato desta positivação jurídica é a constituição. A positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados “naturais” e “inalienáveis” do individuo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de fundamental Rigths colocados no lugar primeiro das fontes de direito: as normas constitucionais. Sem esta positivação jurídica, os direitos do homem são esperanças, aspirações, idéias, impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica política, mas não direitos protegidos sob a forma de normas (regras e princípios) de direitos constitucional (Grundrechtsnormen) (1998, p. 347).

Sarlet ressalta que é relevante a clarificação da distinção entre as expressões “Direitos

Fundamentais” e “Direitos Humanos”, no entanto, não há dúvidas de que os direitos fundamentais, de

certa forma, são também sempre direitos humanos, no sentido de que seu titular sempre será o ser

humano, ainda que representado por entes coletivos (2007, p. 35).

Importante lembrar que a Constituição Brasileira de 1988, apesar de utilizar diversos termos

ao referir-se aos direitos fundamentais, como por exemplo, direitos humanos (art. 4º, inc.II) ou

direitos e garantias individuais (art.60, parágrafo 4º), parece dar preferência ao termo Direitos

Fundamentais para designar o rol de Direitos Humanos por ela expressamente reconhecidos, uma vez

que faz uso desse termo para nomear o Título II – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.

Para Oscar Vilhena Vieira:

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A Constituição de 1988 incorporou esta terminologia para designar sua generosa carta de direitos. Embora incorporados pelo direito positivo, os direitos fundamentais continuam a partilhar de uma série de características com o universo moral dos direitos da pessoa humana. Sua principal distinção é a positividade, ou seja, o reconhecimento por uma ordem constitucional em vigor (2006, p. 36).

Nas palavras de Raimundo Panikkar, citado por César Augusto Baldi em Arquivos de

Direitos Humanos:

Na verdade, os Direitos Humanos surgem como um elemento corretivo dos antigos direitos excludentes de brancos, fiéis, ricos, brâmanes e outros, sem querer, com isso tocar em privilégios legítimos, no sentido tradicional da palavra. A Declaração de Direitos Humanos deve ser considerada, pelo menos em suas intenções, como uma declaração de validade universal. Dizer que os Direitos Humanos não são universais equivaleria a dizer que eles não são humanos; eles deixariam de ser Direitos Humanos. A novidade da Declaração reside precisamente aqui, na afirmação de que todo ser humano, pelo simples fato de ser, tem direitos inalienáveis que todos devem respeitar. Nesse sentido, podemos ter aqui algo particularmente singular e revolucionário na Declaração dos Direitos Humanos. Nesse caso, há de fato o lado positivo do indivíduo frente à pessoa. Cada ser humano, em sua individualidade, pelo simples fato de ter nascido, tem dignidade e direitos iguais a qualquer outro. Não será o seu lugar na sociedade, o grau de civilização, ou seus dotes intelectuais, morais ou religiosos que irão comprá-los [...] Dessa perspectiva, a afirmação de sua universalidade encontrou uma base sólida (2005, p.169).

Para Norberto Bobbio “[...] os direitos humanos são coisas desejáveis, isto é, fins que

merecem ser perseguidos, e de que, apesar de sua desejabilidade, não foram ainda todos eles (por

toda a parte e em igual medida) reconhecidos [...]” (1992b, p. 16).

Antonio Enrique Perez Luño, após ressaltar a dificuldade em definir o que significa a

expressão direitos humanos quer pela significação heterogênea dessa expressão na teoria e na praxis

quer pela falta de precisão da maioria das definições sobre essa expressão, assim se expressa:

[...] los derechos humanos aparecen como un conjunto de facultades e instituciones que, en cada momento histórico, concretan las exigencias de la dignidad, la liberdad y la igualdad humanas, las cuales debe ser reconocidas positivamente por los ordenamientos jurídicos a nivel nacional e internacional (2003, p.48).

Ainda, nas palavras de Bobbio:

[...] os direitos do homem são direitos históricos, que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas produzem. [...] Sabemos hoje que também os direitos humanos são o produto não da natureza, mas da civilização humana; enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis de transformação e de ampliação (1992b, p. 32).

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Das considerações acima, verifica-se que conceituar os direitos humanos de forma sucinta

não só é problemático, como implicaria numa restrição desses direitos, haja vista que constantemente

se mostram mutáveis, conforme as exigências do contexto social num determinado momento.

Assim o termo direitos humanos pode ser compreendido como um conjunto

institucionalizado de direitos e garantias do ser humano com a finalidade primordial de respeito a sua

dignidade, protegendo contra o abuso de poder do Estado, estabelecendo condições mínimas de vida,

desenvolvimento da personalidade humana e permitindo a participação política.

Esses direitos são fundados em característica histórica (criados em um contexto histórico e,

posteriormente, quando colocados na Constituição, se tornam direitos fundamentais); imprescritível

(não se perdem com o passar do tempo); irrenunciável (não podem ser renunciados de forma

alguma), universal (dirigidos ao ser humano em geral, não podendo ficar restrito a um grupo,

categoria ou classe de pessoas); efetivo e concorrente (é possível o exercício de vários direitos

fundamentais ao mesmo tempo).

Sendo um dos principais indicadores do progresso histórico, os direitos humanos foram se

ampliando e ganhando novas formas de positivação conforme o transcorrer da história (BOBBIO,

2002, p. 2).

Considerando-se os direitos humanos como produtos da história, nascidos de lutas pela

preservação da liberdade e pela implementação da igualdade, suas possibilidades estão sempre em

aberto, bastando dizer respeito à natureza humana e sua capacidade de expansão e realização.

Ainda, de acordo com Bobbio, os direitos humanos, do ponto de vista teórico, são direitos

históricos, surgindo com a evolução da sociedade e como resposta às suas necessidades, não

aparecendo todos ao mesmo tempo, sendo, portanto, resultado de uma transformação controlada por

fatores sociais, políticos e econômicos (2002, p. 5).

1.3 Classificação dos direito humanos

Para fins didáticos e em decorrência dessa evolução histórica, os direitos humanos foram

classificados nas chamadas dimensões ou gerações de direitos humanos.

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Neste contexto, marcado por uma verdadeira mutação histórica dos direitos humanos, fala-se

atualmente na existência de três dimensões de direitos humanos, havendo autores que defendem a

existência de uma quarta e até mesmo de uma quinta e sexta dimensão.

Importante ressaltar que os direitos humanos, desde os chamados direitos de primeira

dimensão, não apenas se sucedem, mas se ampliam, se acumulam e se fortalecem, e que a visão a

respeito desses direitos não deve ser compartimentada e fragmentária, mas sim uma visão

necessariamente integral tendente à plena afirmação e realização de todos eles.

IngoWolfgang Sarlet neste sentido pronuncia:

Assim sendo, a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno “Direito Internacional dos Direitos Humanos” (2007, p. 53).

Dentre as classificações dimensionais dos direitos humanos que encontramos na literatura,

abordaremos as principais características de cada uma delas, em busca de compreender a evolução

histórica dos direitos fundamentais, bem como o conteúdo, a importância e as funções desses direitos

na atualidade.

Nesse estudo daremos preferência ao termo “Dimensões” dos direitos humanos, que de

acordo com Sarlet, é a posição da mais moderna doutrina, haja vista que a expressão “Gerações”

pode levar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra. Note-se que o termo

“Gerações” é utilizado por autores respeitados como Norberto Bobbio, Flávia Piovesan, Paulo

Bonavides, Celso Lafer, dentre outros. Já o autor José Casalta Nabais dá preferência ao termo

“Camadas” (2007, p. 52).

Os direitos humanos de primeira dimensão são direitos de liberdades (ou liberdades), frutos

do pensamento liberal-burguês do século XVIII e próprio do Estado Liberal. Encontram-se suas

origens na doutrina iluminista e jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, oriundas de grandes

filósofos como Hobbes, Locke, Rousseau e Kant, segundo a qual, a finalidade precípua do Estado

consiste na realização da liberdade do indivíduo, bem como nas revoluções políticas do final do

século XVIII, que foram decisivas para positivação das reivindicações da burguesia nas primeiras

Constituições do mundo ocidental (SARLET, 2007, p. 54).

Celso Lafer, ao analisar a afirmação política-jurídica dos direitos humanos na História, em

sua obra “A Reconstrução dos Direitos Humanos”, recorre à distinção entre a perspectiva ex parte

populi (dos submetidos ao poder) e a perspectiva ex parte principis (dos que detêm o poder), como

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uma dicotomia importante para o tema dos direitos humanos. A perspectiva ex parte populi, que tem

sua origem na lógica da modernidade, afirma a existência de direitos naturais, que antecedem a

sociedade política, voltados para a proteção da liberdade, sendo, portanto, os direitos humanos

colocados como uma “conquista política a serviço dos governados”. A perspectiva ex parte principis,

em relação aos direitos humanos, norteia-se pela governabilidade, baseada numa “ética de

responsabilidade” e na escolha de quais direitos humanos podem ser tutelados, conforme os recursos

disponíveis e a necessidade de evitar, com a discórdia excessiva, a separação da unidade do poder

(2006, p. 125).

Lafer, continuando sua análise, afirma, ainda, que essa interação entre governantes e

governados, que precede as Revoluções Americana e Francesa, traz num primeiro momento o

surgimento e a afirmação dos direitos do indivíduo frente ao Estado absolutista. Representavam, pelo

reconhecimento da liberdade religiosa e de opinião dos indivíduos, a emancipação do poder político

do poder religioso, e pelo reconhecimento da liberdade de iniciativa econômica a emancipação dos

indivíduos do jugo e do arbítrio do poder político.

Os direitos humanos da Declaração de Virgínia e da Declaração Francesa de 1789 são, neste sentido, direitos humanos de primeira geração, que se baseiam numa clara demarcação entre Estado e não-Estado, fundamentada no contratualismo de inspiração individualista. São vistos como direitos inerentes ao indivíduo e tidos como direitos naturais, uma vez que precedem o contrato social (LAFER, 2006, p.126).

Nessa fase histórica, foram formuladas diversas Declarações de Direito que contribuíram

para o surgimento e afirmação dos direitos humanos, entre as quais sobressai a Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, na França, por ter sido “[...] reputada como universalista

posto que os direitos fundamentais, por ela consagrados, não eram dotados de limitação espacial,

considerando-se válidos para toda a humanidade [...]” (MORAES, 1997, p. 50).

Nesse sentido temos a célebre afirmação de Émile Boutmy, citada por Moraes: “Foi para

ensinar o mundo que os franceses escreveram, foi para o proveito e comodidade de seus concidadãos

que os americanos redigiram suas Declarações” (1997, p. 43).

Os direitos de primeira dimensão são direitos de liberdade, direitos de resistência ou de

oposição dos indivíduos frente ao Estado, que delimitam os limites de ação do Estado Liberal. Desta

forma “entram na categoria do status negativus da classificação de Jellinek e fazem também ressaltar

na ordem dos valores políticos a nítida separação entre a Sociedade e o Estado” (BONAVIDES,

2002, p. 517).

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Estão no rol desses direitos os clássicos direitos que compõem a esfera individual, ou seja, o

direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. São, posteriormente,

complementados pelas liberdades de expressão coletivas (liberdades de expressão, imprensa,

manifestação, reunião, associação, etc), e pelos direitos de participação política, tais como o direito

de voto e a capacidade eleitoral passiva, em suma, representam os chamados direitos civis e políticos

(SARLET, 2007, p. 54).

A origem e desenvolvimento dos direitos de segunda dimensão devem ser atribuídos à

evolução lógica e natural da própria ordem social decorrente da industrialização no final do século

XIX e da crítica ao Estado liberal. Esses direitos nasceram abraçados ao princípio da igualdade, que é

a razão das suas próprias existências, e dominaram o século XX (BONAVIDES, 2002, p. 518).

Neste sentido, Sarlet:

O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça Social (2007, p. 54).

A segunda dimensão de direitos fundamentais equivale aos direitos sociais, culturais e

econômicos bem como os direitos coletivos característicos do Estado Social. Surgiram “pelas

reivindicações dos desprivilegiados a um direito de participar do ‘bem-estar social’, entendido como

os bens que os homens, através de um processo coletivo, vão acumulando no tempo” (LAFER, 2006,

p. 127).

Para Bonavides esses direitos apesar de terem sido inseridos nas constituições marxistas e da

social-democracia (de Weimar, sobretudo), passaram por um período de baixa normatividade e de

eficácia duvidosa, tendo em vista que baseados na exigência de uma contraprestação do Estado, nem

sempre foram concretizados, face à carência de meios e recursos. E acrescenta:

De juridicidade questionada nesta fase, foram eles remetidos à chamada esfera programática, em virtude de não conterem para sua concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos da liberdade. Atravessaram, a seguir, uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes Constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (2002, p. 518).

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Assim, os direitos sociais se caracterizam por conferirem aos indivíduos direitos a

prestações sociais estatais, tais como assistência social, saúde, trabalho, educação, entre outras e por

terem, da mesma forma que os direitos de primeira dimensão, como titularidade o indivíduo.

Desta forma, leciona Lafer:

O titular desse direito, no entanto, continua sendo, como nos direitos de primeira geração, o homem na sua bindividualidade. Daí a complementaridade, na perspectiva ex parte populi, entre os direitos da primeira e de segunda geração, pois estes últimos buscam assegurar as condições para o pleno exercício dos primeiros, eliminado ou atenuando os impedimentos ao pleno uso das capacidades humanas (2006, p. 127).

Os direitos humanos de terceira dimensão assentam se sobre a fraternidade ou solidariedade

como prefere o filósofo Etiene-R. Mbaya, citado por Bonavides (2002, p. 522), completando a tríade

do tema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade. Nasceram de novas

reivindicações decorrentes, dentre outros fatores, do avanço da tecnologia, do estado crônico de

beligerância, das atrocidades da 2ª Guerra Mundial que impuseram a necessidade de se estabelecer

uma nova ordem de direitos.

Em outras palavras, “Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao

desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade”

(BONAVIDES, 2002, p. 522).

Estes direitos não mais se referem aos indivíduos na sua singularidade, como os direitos de

primeira e segunda dimensão, mas sim a grupos humanos como a família, o povo, a nação,

coletividades regionais ou étnicas e a própria humanidade, caracterizando como direitos de

titularidade coletiva ou difusa (LAFER, 2006, p. 131).

Dentre os direitos fundamentais de terceira dimensão, consensualmente mais citados,

cumpre relacionar os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio

ambiente e à qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio

histórico e cultural e ao direito de comunicação (BONAVIDES, 2002, p. 523).

Os direitos da terceira dimensão são também denominados de direitos de solidariedade ou

fraternidade pela sua natureza internacional, já que a sua plena concretização não se realiza dentro do

quadro nacional, mas passa necessariamente pela cooperação da comunidade internacional ou ao

menos regional (NABAIS, 2007, p. 105).

Esses direitos, em processo de desenvolvimento no plano internacional, enunciados em

sucessivas reuniões da ONU e da UNESCO, englobam:

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- direito à paz – previsto no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, adotado pela

Assembléia Geral das Nações Unidas em 1966 e na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos

Povos, adotada pela décima-oitava Conferência dos Chefes de Estado e de Governo dos Estados

Africanos membros da Organização de Unidade Africana a 26 de Junho de 1981;

- direito à autodeterminação dos povos – apontado no art. 1º, § 2º e art. 55 da Carta das

Nações Unidas assinada na cidade de São Francisco em 26-06-1945, no Pacto Internacional dos

Direitos Civis e Políticos em seu art.1º e na Carta Africana em seu art.20;

- direito à comunicação – objeto de manifestações da UNESCO como a declaração

proclamada em 28-11-1978 na vigésima reunião da Conferência Geral da organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e à Cultura, celebrada em Paris, sobre os princípios fundamentais

relativos à contribuição dos meios de comunicação de massa para fortalecimento da paz e da

compreensão dos direitos humanos.

- direito ao meio ambiente – previsto na Declaração de Estocolmo de 1972 e na Declaração

do Rio de Janeiro de1992;

Así, tras la reseñada Conferencia Estocolmo de 1972 se decidió la creación del Programa de las Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente (PNUMA), que sucesivamente ha elaborado diversas recomendaciones, declaraciones y propuestas sobre los principales programas medioambientales; entre las iniciativas surgidas en el seno de la ONU debe también reseñarse el Informe Bruntland sobre “Nuestro futuro común”auspiciado por la Asamblea General en 1987, en el que se abogada por un desarollo sostenible, equilibrado y solidariamente comprometido con la generaciones futuras. Asimismo ha revestido especial interés la Conferencia de Río de janeiro de 1992, y la Declaración promovida en su seno (LUÑO, 2003, p. 474-475).

- direito ao patrimônio comum da humanidade em relação ao fundo do mar e seu subsolo –

discutido na III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, convocada em 1973, para

somente em 1982 em Montego Bay, na Jamaica, após anos de difíceis negociações, firmar pela

primeira vez um conjunto de princípios e normas sobre os oceanos, que trata de temas e jurisdições

variadas.

- direito ao desenvolvimento – apontado no âmbito da ONU em 1977 pela Comissão de

Direitos Humanos, inscrito na Declaração sobre a raça e os preconceitos raciais da UNESCO em

1978, na Carta Africana em vários de seus dispositivos, tendo sido consagrado posteriormente na

Declaração específica sobre direito ao desenvolvimento editada pela ONU em 1986 e na Conferência

de Viena de 1993.

O caráter de universalidade dos direitos de terceira dimensão não exclui os direitos de

liberdade, mas os fortalecem com a concretização dos direitos de fraternidade e igualdade.

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O reconhecimento da existência de uma quarta dimensão de direitos é lecionado por Paulo

Bonavides. Sustenta que a globalização dos direitos fundamentais, no sentido de uma universalização

no plano institucional, que corresponde à última fase de institucionalização do Estado Social,

introduz os diretos da quarta geração, ou seja, os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo.

“Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima

universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência”.

A democracia inserida nessa dimensão há de ser necessariamente uma democracia direta e isenta das

forças do monopólio do poder, de possível concretização, graças ao avanço da tecnologia de

comunicação e do pluralismo do sistema (2002, p. 525).

Nessa democracia o homem é o eixo do sistema e, portanto, cabe a ele, como cidadão

legitimado, a fiscalização dos direitos fundamentais enunciados nas distintas dimensões, o que

significa que “os direitos da quarta geração compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade

de todos os povos. Tão-somente com eles será legítima e possível a globalização política”

(BONAVIDES, 2002, p. 526).

Sarlet comenta que Paulo Bonavides formula uma proposta inovadora se comparada com a

doutrina que considera os chamados “biodireitos” (direitos contra a manipulação genética, mudança

de sexo, entre outros) como direitos da quarta dimensão, já que sua proposta reconhece uma nova

fase dos direitos fundamentais qualitativamente diferente das anteriores, enquanto a outra cuida

apenas de dar nova vestimenta aos clássicos direitos de liberdade (2007, p. 59).

Por outro lado, ressalta:

Contudo, também a dimensão da globalização dos direitos fundamentais, como formulada pelo Prof. Bonavides, longe está de obter o devido reconhecimento no direito positivo interno [...] e internacional, não passando, por hora, de justa e saudável esperança com relação a um futuro melhor para a humanidade, revelando, de tal sorte, sua dimensão (ainda) eminentemente profética, embora não necessariamente utópica [...] (SARLET, 2007, p. 59).

Conforme já ressaltado, tais dimensões dos direitos humanos não possuem uma separação

rígida entre si, e embora tenha sido feita a classificação em períodos diferenciados, essas dimensões

devem ser observadas simultaneamente, pois não há hierarquia nos direitos humanos.

Após essas considerações sobre conceito e classificação dos direitos humanos, e na medida

em que nosso estudo é prioritariamente centrado na concretização dos direitos do cidadão no Estado

brasileiro, torna-se imperativo compreender como o nosso pacto social, a Constituição de 1988,

reconheceu e acomodou esses direitos, no corpo do seu texto, conferindo lhes status de direitos

fundamentais. A partir desses elementos, será possível analisar o modo pelo qual a Constituição

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Federal de 1988 consagra princípios e direitos fundamentais, que se irradiam por todo texto

constitucional e desempenham relevante critério de interpretação de todas as normas do ordenamento

jurídico, principalmente no Direito Tributário, na exigência do tributo.

1.4 Os Direitos Fundamentais na Constituição Federal Brasileira de1988 e seu fundamento

A expressão direitos fundamentais aponta um conjunto de direitos fundamentalmente

importantes e idênticos para todos os seres humanos, com o objetivo de assegurar a convivência

harmônica social, baseada em ideais de liberdade, fraternidade e igualdade entre todos os cidadãos da

Terra. São direitos inerentes ao cidadão e que se erguem diante do poder estatal limitando a ação do

Estado.

Ao se pronunciar a respeito dos direitos fundamentais Canotilho descreve que:

[...] as expressões ‘direitos do homem’ e ‘direitos fundamentais’ são freqüentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direito do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta (1998, p. 359).

Os direitos fundamentais estão inseridos naquilo que o Constitucionalismo denomina de

princípios constitucionais fundamentais, pois são esses que guardam os valores fundamentais da

Ordem Jurídica, visto que onde não há Constituição não há direitos fundamentais. Dessa forma, nos

dias atuais o reconhecimento e a proteção aos direitos fundamentais encontram-se na base das

Constituições modernas democráticas.

Designa-se por constitucionalização a incorporação de direitos subjetivos do homem em normas formalmente básicas, subtraindo-se o seu reconhecimento e garantia à disponibilidade do legislador ordinário (Stourzh). A constitucionalização tem como conseqüência mais notória a proteção dos direitos fundamentais mediante o controlo jurisdicional da constitucionalidade dos actos normativos reguladores destes direitos. Por isso e para isso, os direitos fundamentais devem ser compreendidos, interpretados e aplicados como normas jurídicas vinculativas e não

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como trechos ostentatórios ao jeito das grandes “declarações de direitos” (1998, p. 348).

Desde o seu preâmbulo, a Magna Carta de 1988, que representa a síntese dos valores básicos

do ordenamento jurídico-político, uma bússola a orientar a magnitude concedida aos direitos

fundamentais pelos representantes do povo, deixa claro que a finalidade da Assembléia Nacional

Constituinte é instituir um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais

e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça

como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na

harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das

controvérsias. (grifos nossos)

Nos termos do artigo 1º da Constituição Brasileira – A República Federativa do Brasil tem

como fundamentos: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do

trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Por seu turno, o artigo 3º da mesma Constituição

determina que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma

sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A simples transcrição destes básicos preceitos da Constituição mostra logo e de maneira

evidente a posição central que nela ocupa o reconhecimento dos direitos fundamentais como um dos

seus eixos estruturais, bem como a relevância desses direitos enquanto manifestação do estatuto

jurídico-subjetivo básico e irredutível do homem, que emergem de sua peculiar natureza e dignidade.

Infere-se ainda desses dispositivos, quão intensa é a preocupação da Constituição em

garantir os valores da dignidade, igualdade e do bem-estar da pessoa humana, como imperativo de

justiça social.

Leciona Antonio Enrique Pérez Luño:

Os valores constitucionais possuem uma tripla dimensão: a) fundamentadora – núcleo básico e informador de todo o sistema jurídico-político; b) orientadora – metas ou fins pré-determinados, que fazem ilegítima qualquer disposição normativa que persiga fins distintos, ou que obstaculize a consecução daqueles fins enunciados pelo sistema axiológico constitucional; e c) crítica – para servir de critério ou parâmetro de valoração para a interpretação de atos ou condutas. [...] Os valores constitucionais compõem, portanto, o contexto axiológico fundamentador ou básico para a interpretação de todo o ordenamento jurídico; o postulado-guia para orientar a hermenêutica teleológica e evolutiva da Constituição; e o critério para medir a legitimidade das diversas manifestações do sistema de legalidade (2003, p. 288-289).

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Com efeito, é o valor da dignidade da pessoa humana o núcleo básico e informador de todo

ordenamento jurídico, critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e a compreensão,

não só do sistema constitucional, mas de todo sistema jurídico brasileiro.

Dentre as inovações trazidas pelo texto de 1988, uma das características que denuncia o

tratamento especial dispensado aos direitos fundamentais pela Constituição Brasileira é o seu

posicionamento no texto constitucional, ou seja, a precedência, na sistemática constitucional, dos

direitos fundamentais relativamente à ordem econômica, social e política, que, “além de traduzir

maior rigor lógico, na medida em que os direitos fundamentais constituem parâmetro hermenêutico e

valores superiores de toda a ordem constitucional e jurídica, também, vai ao encontro da melhor

tradição do constitucionalismo da esfera dos direitos fundamentais” (SARLET, 2007, p. 77).

Nesse sentido observa Moraes:

Quanto aos direitos fundamentais cuja existência normativa é impressa por normas formalmente constitucionais, o lugar na sistematização constitucional revela a dimensão concedida a eles e o posicionamento em face da ordem econômica, social e política demonstra a relevância dos mesmos, dando ensejo a duas classes de documentos constitucionais. A primeira categoria de instrumentos constitucionais, positiva os direitos fundamentais nos primeiros Títulos ou Capítulos, concedendo ampla dimensão a estes e predominância em face da organização econômica, social e política do Estado, consoante pode ser observado na Constituição brasileira, Constituição alemã, Constituição búlgara, [....] (1997, p.122).

Os direitos fundamentais estão presentes em vários artigos da nossa Lei Maior. O artigo 5º

da Constituição trata não só de alguns direitos fundamentais, como também de algumas garantias

fundamentais dos brasileiros.

A inovação com a utilização da expressão “direitos e garantias fundamentais”, já que nas

Constituições precedentes era comum o uso da denominação “direitos e garantias individuais”,

reflete uma posição mais atual e harmônica em relação a evolução e positivação dos direitos

humanos.

Os direitos e garantias fundamentais nada mais são que enunciados de conteúdo

assecuratório, cujo propósito consiste em fornecer mecanismos ou instrumentos para a proteção,

reparação ou reingresso em eventual direito fundamental violado. São conhecidos pelo termo

“remédios jurídicos”.

Nos próprios dispositivos da Constituição é possível separar os direitos e garantias

fundamentais para uma maior facilidade de entendimento, como no caso da ‘livre expressão’ (Art. 5º,

inciso IX) que é um direito, que, por outro lado, gera o ‘direito de resposta’ (Art. 5º, inciso V) é uma

garantia; no inciso X do mesmo artigo, a ‘intimidade e honra’ são direitos, e a ‘indenização prevista’

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é garantia; a ‘propriedade e a defesa do consumidor’ são direitos; o ‘Hábeas Corpus e Hábeas Data’

são garantias.

Ressalta-se, também, a acolhida dos direitos sociais no Capítulo II do catálogo dos direitos

fundamentais, garantindo lhes de forma incontroversa sua condição de verdadeiros direitos

fundamentais.

Segundo Flávia Piovesan:

Trata-se da primeira Constituição brasileira a integrar, na declaração de direitos, os direitos sociais, tendo em vista que nas Constituições anteriores as normas relativas a estes direitos encontravam-se dispersas no âmbito da ordem econômica e social, não constando do título dedicado aos direitos e garantias. Nesta ótica, a Carta de 1988 acolhe o princípio da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, pelo qual o valor da liberdade se conjuga ao valor da igualdade, não havendo como divorciar os direitos de liberdade dos direitos de igualdade (1997, p. 61 e 62).

A relevância dos direitos fundamentais na ordem jurídica brasileira se verifica por meio do

extenso catálogo de direitos. Somente no art. 5º temos 77 incisos dispondo basicamente sobre direitos

civis, ou seja, direitos relativos às liberdades, à não-discriminação e ao devido processo legal

(garantias do Estado de Direito).

Alguns dos direitos relativos às liberdades são retomados a partir do art. 170, que

regulamenta nossa ordem econômica. Do art. 6º ao art. 11, por sua vez, temos direitos sociais, que

serão estendidos entre os art. 193 e 217. Neste campo, nossa Constituição reconhece como direitos

fundamentais os direitos à educação, à saúde, ao trabalho, à previdência e à assistência social, entre

outros. O art. 12 articula as condições de nacionalidade, e do art. 14 ao art. 17 temos as bases para o

exercício dos direitos de cidadania política ou direitos políticos. Por fim, há, ainda, direitos ligados a

comunidades e grupos vulneráveis, como a proteção especial à criança, ao idoso, ao índio (arts. 227,

230 e 23l) ou, ainda, a proteção ao meio ambiente (art.225 da CF).

Com efeito, esse extenso catálogo faz com que a nossa Constituição de 1988 esteja em

consonância com a Declaração Universal de 1948, positivando direitos de diversas dimensões (civis,

políticos, econômicos e sociais, culturais e de grupos vulneráveis), assumindo assim, nas palavras de

Oscar Vilhena Vieira, compromisso maximizador (2006, p. 40).

Salienta-se que esse procedimento analítico do constituinte “revela certa desconfiança em

relação ao legislador infraconstitucional, além de demonstrar a intenção de salvaguardar uma série de

reivindicações e conquistas contra uma eventual erosão ou supressão pelos Poderes constituídos”

(SARLET, 2007, p. 75).

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De outra parte, é preciso ter em mente que apesar do extenso rol dos direitos fundamentais

constantes na Constituição de 1988, ele não é taxativo. O art. 5º, parágrafo 2º do texto constitucional

determina que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes

do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República

Federativa do Brasil seja parte”. Consagra a noção de fundamentalidade material, o que permite a

abertura da Constituição a outros direitos fundamentais não expressamente constantes de seu texto

bem como a direitos situados fora do catálogo.

Assim ensina Sarlet:

[...] à luz do direito constitucional pátrio, verifica-se, de plano, ser inviável a sustentação, também entre nós, da concepção segundo a qual os direitos fundamentais formam um sistema em separado e fechado no contexto da Constituição. [...] cumpre referir que o conceito materialmente aberto de direitos fundamentais consagrados pelo art. 5º, parágrafo 2º, da CF aponta para a existência de direitos fundamentais positivados em outras partes do texto constitucional e até mesmo em tratados internacionais, bem assim para a previsão expressa da possibilidade de se reconhecer direitos não-escritos, implícitos nas normas do catálogo dos direitos fundamentais, bem como decorrentes do regime e dos princípios da Constituição (2007, p. 82).

Outro aspecto de fundamental importância, no que concerne aos direitos fundamentais em

nossa Carta Magna, e que na opinião de Salert seja talvez a inovação mais significativa, diz respeito

ao princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais,

nos termos do art. 5º, parágrafo 1º. Este princípio consagra, nas palavras do citado autor, “o status

diferenciado e reforçado dos direitos fundamentais na Constituição vigente”, conferindo força

normativa e regime específico a esses direitos. Sendo assim, cabe aos Poderes Legislativos,

Executivo e Judiciário outorgar a máxima e imediata eficácia a todo e qualquer preceito definidor de

direito e garantia fundamental (2007, p. 77).

Para Canotilho, o sentido fundamental desta aplicabilidade direta consiste:

Os direitos, liberdades e garantias são regras e princípios jurídicos, imediatamente eficazes e actuais, por via directa da Constituição e não através da auctoritas interpositio do legislador. Não são simples norma normarum mas norma normata, isto é, não são meras normas para a produção de outras normas, mas sim normas directamente reguladoras de relações jurídico-materiais (1998, p. 400).

Ao lado do princípio da aplicabilidade direta, que já revela a vontade constitucional de

priorizar e reforçar a imperatividade das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais

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agrega o texto de 1988 a inclusão desses direitos no rol das “Cláusulas pétreas”, do art.60, parágrafo

4º, dispositivo que impede a revisão e a supressão desses direitos pelo legislador infraconstitucional.

Sarlet aduz:

Esta especial proteção dos direitos fundamentais é, sem dúvida, qualidade que os distingue das demais normas constitucionais. A condição de “cláusula pétrea”, aliada ao postulado da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art.5º, parágrafo 1º, da CF), constitui justamente elemento caracterizador essencial de sua força jurídica reforçada na ordem constitucional (2007, p. 424).

E por último, mas não menos importante, os direitos fundamentais devem ser analisados à

luz do princípio da Unidade da Constituição.

Segundo Canotilho:

[...] o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar. [...] Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios (1998, p. 1097).

Desta forma, apesar da posição privilegiada ocupada pelos direitos fundamentais na

Constituição de 1988, os conflitos inevitáveis advindos da aplicação desses direitos, já que não há

hierarquia de normas constitucionais, deverão ser resolvidos por meio de mecanismo de ponderação e

harmonização desses direitos com as demais normas e princípios constitucionais.

Diante dessas considerações, pode-se afirmar que a Constituição de 1988 está em sintonia

com a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e foi elaborada centrada na idéia de

prevalência, inalienabilidade e fundamentalidade dos direitos da pessoa humana. Os direitos

fundamentais no constitucionalismo pátrio vivem seu melhor momento na história, ao menos no que

diz respeito ao seu reconhecimento pela ordem interna positiva e aos mecanismos disponíveis com

vistas a garantir a efetividade desses direitos.

Não há como olvidar, ainda, que a Constituição ao consagrar de forma analítica os direitos

sociais, econômicos e culturais quis afirmar e garantir não apenas a liberdade em abstrato, mas

também assegurar a toda comunidade os meios que lhe permitam afirmá-la e exprimi-la em concreto,

bem como responsabilizou o Estado e a sociedade pela consecução desses meios.

Neste contexto, e diante das graves violações aos direitos humanos que se perpetuam em

nossa sociedade na atualidade, há que se ressaltar que a positivação e o reconhecimento dos direitos

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humanos na ordem interna é relevante, mas não suficiente para a construção da sociedade igualitária

e justa almejada pelo constituinte.

Assim, a seguir, analisa-se se no plano filosófico, o problema do fundamento absoluto do

direito do homem é possível explicar, como afirma Bobbio “a contradição entre a literatura que faz

apologia da era dos direitos e aquela que denuncia a massa dos sem-direitos” e se tal fundamento é

relevante para a concretização dos direitos fundamentais (1992b, p. 10).

A fundamentação dos direitos inerentes ao homem é objeto de várias concepções filosófico-

juridicas, que buscam por meio de diferentes teorias determinar o sentido, o significado e o alcance

dos direitos fundamentais, bem como a finalidade da pessoa humana e do Estado.

Norberto Bobbio aborda em sua obra “A era dos Direitos”, a questão do fundamento dos

direitos do homem frente ao problema do reconhecimento e da realização desses direitos. Entende

que o fundamento último seria aquele que conteria a razão e o argumento irresistível, ao qual não

seria possível a ninguém recusar a sua adesão. Os jusnaturalistas, durante séculos, acreditaram que o

fundamento absoluto dos direitos irresistíveis era a natureza humana. Esse fundamento não passou de

ilusão, e toda a busca do fundamento absoluto é, por sua vez, infundada.

Primeiramente, porque não é possível encontrar o fundamento para tais direitos, haja vista a

imprecisão da expressão “direitos do homem”. Em segundo lugar, esses direitos são variáveis,

nascem e se modificam com a mudança das condições históricas. Assim, o que é fundamental num

momento histórico e numa determinada civilização não o é em outros momentos e entre outros

povos, o que prova a inexistência de direitos fundamentais por natureza.

Continuando o autor afirma: “Além, de mal definível e variável, a classe dos direitos do

homem é também heterogênea”. São heterogêneos no sentido de garantirem pretensões diversas entre

si, e até mesmo, incompatíveis, como, por exemplo, a liberdade de expressão do artista e o direito do

público de não ser escandalizado. Desta forma, não poderia se falar de fundamento, mas de

fundamentos diversos, de acordo com o direito que se pretenda defender (1992b, p.19).

E por último, ressalta que “todas as declarações recentes dos direitos do homem

compreendem, além dos direitos individuais tradicionais, que consistem em liberdades, também os

chamados direitos sociais, que consistem em poderes”, que são direitos antinômicos, no sentido de

que a realização integral de alguns desses direitos impedem a realização de outros, ou seja, quanto

mais poderes menos liberdades. Assim, dois direitos fundamentais, mas opostos, não podem ter, um e

outro, um mesmo fundamento que seja irresistível e inquestionável (1992b, p. 21).

Em seguida faz sua crítica ao dogma do racionalismo ético, conforme o autor segunda ilusão

do jusnaturalismo, que sustenta que a racionalidade demonstrada de um valor é condição não só

necessária, mas também suficiente, de sua realização.

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Alega que esse dogma é facilmente desmentido. Primeiramente, porque em épocas passadas,

quando se acreditava que os direitos fundamentais derivaram da essência do homem, fundamento

absoluto para defendê-los, nem por isso foram mais respeitados e efetivados.

E ainda, porque, apesar da crise dos fundamentos dos direitos do homem, assistimos à

proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem pela maior parte dos governos

existentes. Isso significa que a falta do fundamento absoluto, não impediu que eles encontrassem

razões para firmar compromisso com a realização dos direitos nela consagrados.

No entanto, afirma o autor “uma coisa é proclamar esse direito, outra é desfrutá-lo

efetivamente”, não basta estar convencido de que a realização dos direitos do homem é uma meta

desejável, é necessário criar condições para que esses direitos se tornem realidade (BOBBIO, 1992b,

p.10).

E conclui: “O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o

de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”.

1.5 Os custos dos direitos fundamentais

O desrespeito aos princípios constitucionais que expressam os valores, direitos e deveres

fundamentais a fim de permitir existência digna do cidadão na sociedade está sujeito ao

questionamento e demanda do Estado-coletividade, em nome de toda a coletividade, e ao respeito dos

direitos fundamentais.

Nesse sentido Nabais descreve:

Pelo que cada contribuinte tem simultaneamente um dever, o dever de contribuir para a comunidade que integra, e um direito, o direito de exigir que todos os outros membros da comunidade também contribuam para a mesma comunidade (2007, p. 192).

Seguindo essa idéia no âmbito fiscal o dever de pagar tributos não é simplesmente uma

obrigação legal de cada cidadão, mas, sim, um dever fundamental indispensável para que o Estado

possa cumprir suas tarefas mínimas perante a coletividade, respeitando assim os direitos

fundamentais de todos.

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O Estado moderno, modo mais atual e satisfatório de organização de uma sociedade,

apresenta custos que suportam a existência e o funcionamento dessa sociedade. Nesse Estado a

relação entre o cidadão e o Estado se caracteriza pelo compromisso constitucional da realização do

interesse individual e não uma relação de subordinação. Ao Estado cabe a obrigação de proporcionar

condições para o desenvolvimento do cidadão, limitando as estruturas econômicas e sociais que

venham a impedir esse desenvolvimento.

De acordo com Nabais um Estado de Direito Democrático possui basicamente três tipos de

custos lato sensu que o suportam. São os custos ligados à própria existência e sobrevivência do

estado (dever de defesa da pátria), os ligados ao funcionamento democrático do Estado (dever de

voto), e finalmente os custos financeiros públicos (dever de pagar imposto) (2007, p.175).

Explica o autor que os custos financeiros públicos são os custos dos direitos, já que todos os

direitos “porque não são dádiva divina e nem frutos da natureza” não são auto-realizáveis, nem

podem ser protegidos verdadeiramente num Estado falido. Como descrito no início desse capítulo,

todos os direitos, sejam eles de primeira, segunda, terceira ou quarta dimensão gravitam em torno do

Estado, e todos eles geram custos à sociedade.

Desta forma, a face oculta da liberdade e dos direitos fundamentais, representada pelos

custos, exige, para a efetivação desses direitos, a participação da sociedade e a responsabilidade de

cada um individualmente. Por isso, de acordo com Nabais, “a melhor abordagem para os direitos seja

vê-los como liberdades privadas com custos públicos” (2007, p. 176).

A lição de Cass Sunstein e Stephen Holmes, contida na obra The Cost of Rights, lembrada

por Vieira, deixa claro que todos os direitos têm custos comunitários:

[...] o argumento de que os direitos civis devem ter precedência, pois não impõem custos públicos como os direitos de natureza social, é fundado em uma falácia. Talvez não haja direito tão caro para ser assegurado como os direitos à propriedade, que pressupõe a existência de polícia, justiça, além de mecanismos para sua preservação em caso de acidentes, como um corpo de bombeiros. Ou a própria democracia, quanto custa? Assim, é equivocado falar que apenas os direitos sociais têm custo, e os direitos civis e políticos não (2006, p. 40).

Assim, têm custos públicos não apenas os modernos direitos sociais, considerados como

direito de segunda dimensão ou direitos positivos – decorrentes do reconhecimento pelo Estado de

responsabilidade em relação ao bem-estar das pessoas – mas, também, os clássicos direitos de

liberdade, considerados como direito de primeira dimensão ou de cunho negativo.

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Não tem, portanto, a menor sustentação, o pensamento de que a realização e a proteção dos

direitos gerais de liberdade, caracterizados, relativamente ao Estado e a particulares, por um dever de

abstenção, teriam apenas custos privados, não impondo à sociedade nenhum ônus.

Segundo Nabais, “[...] não tem a menor base real a separação tradicional entre, de um lado,

os direitos negativos, que seriam alheios a custos comunitários e, de outro lado, os direitos positivos,

que desencadeiam sobretudo custos comunitários” (2007, p. 177).

Para o autor a resposta a essa “tão duradoura ficção” se dá em razão dos custos dos direitos

sociais serem facilmente perceptíveis, são custos financeiros públicos diretos, enquanto os clássicos

direitos e liberdades apresentam custos financeiros públicos indiretos.

Os custos sociais são facilmente individualizados, já que há uma correspondência entre as

despesas públicas que concretizam esses direitos e a satisfação das necessidades individuais do

cidadão. É essa individualização que faz com que tais custos sejam facilmente visíveis tanto para a

sociedade, que os suporta, como para o titular do direito social que deles se beneficia.

Por outro lado, e conforme afirma Nabais:

[...] os custos dos clássicos direitos e liberdade se materializam em despesas do estado com a sua realização e protecção, ou seja, em despesas com os serviços públicos adstritos basicamente à produção de bens públicos em sentido estrito. Despesas essas que, não obstante aproveitarem aos cidadãos na razão direta das possibilidades de exercício desses direitos e liberdades, porque não se concretizam em custos individualizáveis junto de cada titular, mas em custos gerais ligados à sua realização e proteção, têm ficado na penumbra ou mesmo no esquecimento (2007, p.177-178).

Corrobora, ainda, para o esquecimento dos custos dos direitos de liberdade o fato de que os

custos diretos, visíveis são suportados pelos titulares desses direitos e liberdades, como ocorre no

direito de propriedade, não se dando conta que na retaguarda da garantia desses direitos está toda a

estrutura do Estado.

Com efeito, há de se concluir que todos os direitos têm custos financeiros públicos, sejam

eles direitos da primeira, segunda, terceira ou quarta dimensões ou de outras que venham a surgir, e

que tais custos serão necessariamente suportados pelo Estado e este, por sua vez, deverá apresentar-

se da melhor forma para responder às necessidades da sociedade. Tem-se aqui então uma troca de

direitos e deveres entre sociedade e Estado e vice-versa.

Embora não devidamente revelado, os deveres fundamentais são tão antigos quanto os

direitos fundamentais. Primeiramente falava-se em deveres morais e sociais.

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Para Jean-Jacques Rousseau “Toda justiça vem de Deus, única origem dela, e se nós a

soubéssemos receber de tão alto, não precisaríamos de leis nem de governo” e conclui “são

necessárias as convenções e leis, para unir os direitos e levar a justiça ao seu objeto” (1973, p. 59).

Com o passar do tempo e com a necessidade de regulamentação desses deveres surgiram as

leis, latu senso, que servem para estabelecer a Justiça e o governo dos homens decorrentes do

Contrato Social celebrado entre os homens livres e o Estado. As leis concedem conteúdo jurídico aos

direitos e deveres, que deixam de ser simplesmente subjetivos ou controladores de condutas em

determinado grupo social, para estabelecer o ordenamento jurídico de um Estado.

Há, sem dúvida, uma justiça universal emanada somente da razão; tal justiça, porém, deve ser recíproca para ser admitida entre nós. Considerando-se humanamente as coisas as leis da justiça, dada a falta de sanção natural, torna-se vãs para os homens; só fazem o bem do mau e o mal do justo, pois este as observa com todos, sem que ninguém as observe com ele. São, pois, necessárias convenções e leis para unir os direitos aos deveres e conduzir a justiça ao seu objetivo. No estado de natureza, no qual tudo é comum nada devo àqueles a quem nada prometi; só reconheço como de outrem aquilo que me é inútil. Isso não acontece no estado civil, no qual todos os direitos são fixados pela Lei (ROUSSEAU, 1973, p. 59-60).

A Constituição Brasileira de 1988 dedica extenso tratamento aos direitos e garantias

fundamentais, em sintonia com os demais textos constitucionais da atualidade. No entanto, o

tratamento, de modo expresso e direto, aos deveres fundamentais, é ínfimo. A expressão “deveres”

aparece uma única vez no texto constitucional, na epígrafe do Capítulo I: “dos direitos e deveres

individuais e coletivos”. Leitura superficial do texto pode levar a uma compreensão equivocada, de

que a Magna Carta não consagra deveres fundamentais.

Dos deveres fundamentais do gênero humano e da sua convivência dentro de um Estado,

pouco se fala. Os deveres fundamentais, porém, ocupam o mesmo patamar constitucional dos direitos

fundamentais. Todo cidadão identifica facilmente seus direitos perante o Estado, como direito à vida,

à liberdade, à educação. Percebe, também, alguns deveres como, por exemplo, dever de votar e pagar

tributos, porém ignora que esses deveres também são fundamentais.

Nesse sentido já na Declaração Americana dos Direitos e Deveres Humanos em seu

preâmbulo dispunha “O cumprimento do dever de cada um é exigência do direito de todos. Direitos e

deveres integram-se correlativamente em toda a atividade social e política do homem. Se os direitos

exaltam a liberdade individual, os deveres exprimem a dignidade dessa liberdade” e no seu artigo 29,

n.º 1, dispõe: “Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, pois só nela pode desenvolver livre

e plenamente a sua personalidade”, evidencia, desde logo, a co-relação imprescindível e essencial

entre os direitos e deveres fundamentais.

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Ressalta José Casalta Nabais “o tema dos deveres fundamentais é reconhecidamente

considerado dos mais esquecidos da doutrina constitucional contemporânea” (2007, p. 197).

Para o autor duas circunstâncias históricas contribuíram para que os deveres fundamentais

fossem relegados a um segundo plano em relação dos direitos fundamentais:

- há escasso desenvolvimento teórico e dogmático das chamadas “situações jurídicas

passivas” no direito público atual, que tem como explicação a própria idéia de Estado de Direito. Na

concepção de Estado de Direito e frente a constante tensão entre o poder (dominação) e o direito

(limitação do poder) deu-se predominância à luta pelo direito. Essa primazia, quase absoluta, dos

direitos subjetivos públicos é vista como uma reação às idéias de Gerver e de Laband, segundo as

quais os direitos ou liberdades não passavam de meros reflexos do direito objetivo. Por outro lado,

tem-se que os deveres decorrem diretamente do reconhecimento dos próprios poderes públicos e,

como tal, não necessitam de afirmação específica, e seu conceito resolveria no âmbito residual do

conceito de soberania do ente político. Nota-se que no confronto entre a liberdade (individual) e a

responsabilidade (comunitária), deu-se prioridade a primeira;

- a grande maioria das atuais Constituições nasceu logo após a queda dos regimes totalitários

ou autoritários. Exemplificativamente, a Constituição Italiana de 1947, a Lei Fundamental da

Alemanha, de 1949, a Constituição Portuguesa de 1976, a Constituição Espanhola de 1978 e a

Constituição Brasileira de 1988.

Com efeito, essas Constituições, refletindo o sentimento do segundo Pós-Guerra,

dispensaram um tratamento especial aos direitos fundamentais ou aos limites constitucionais ao

poder estatal que esses representam, “deixando, por conseguinte, ao menos aparentemente, na sombra

os deveres fundamentais, esquecendo assim a responsabilidade comunitária que faz dos indivíduos

seres simultaneamente livres e responsáveis, ou seja, pessoas” (2007, p. 200).

É fundamental ressaltar que apesar de pouco conhecido e comentado os deveres

fundamentais são indispensáveis para uma convivência social, uma vez que o status de cidadania não

trouxe apenas direitos para o indivíduo e deveres para o Estado. Pelo contrário, trouxe uma recíproca

existência de direitos e deveres fundamentais, tanto para o Estado, como para o cidadão.

Não há deveres sem direitos e também não há direitos sem deveres. A efetividade e a

garantia dos direitos fundamentais reclamam o cumprimento dos deveres fundamentais. Esse

cumprimento é indispensável, seja como condição para o funcionamento do Estado, seja para prever

o exercício dos direitos, já que o exercício desses direitos requer o correspondente respeito a eles, que

se manifesta como dever.

A relação existente entre os direitos e deveres fundamentais pode ser compreendida da

seguinte forma: o homem existe como fim em si mesmo, e pelo simples fato de existir, é titular de

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direitos fundamentais inalienáveis e irrenunciáveis, que devem ser por todos respeitados,

principalmente pelo Estado. O Homem só pode exercer a titularidade desses direitos, de modo

efetivo, dentro da comunidade estatal em que convive. Assim, cabe ao Estado proporcionar

condições para o exercício desses direitos, já que o Estado existe para servir o indivíduo, e a esse

indivíduo, como membro e beneficiário dessa comunidade, cabe colaborar para a sua manutenção.

Os deveres do indivíduo, cujos cumprimentos visam à existência e à manutenção do Estado,

são nomeados deveres fundamentais e o conteúdo desses deveres será determinado pelas formas

como o indivíduo dará a sua parcela de colaboração para a manutenção da sociedade.

Na lição de Mendonça:

Assim, os deveres fundamentais podem ser conceituados, primeiramente, como situações jurídicas de imposição de comportamento aos indivíduos considerados como membros da comunidade política, cujos adimplementos têm como objetivo a existência e a manutenção da mesma comunidade; não constituem deveres do homem enquanto homem, mas do homem perante o Estado e derivam do seu estatuto básico, a Constituição (2006, p. 364).

No Brasil há uma corrente no sentido que os deveres decorrem dos direitos. Compartilha

desse pensamento José Afonso da Silva. Ao comentar a epígrafe “deveres individuais e coletivos”,

afirma:

Os conservadores da Constituinte clamaram mais pelos deveres que pelos direitos. Sempre reclamaram que a Constituição só estava outorgando direitos e perguntavam onde estariam os deveres. Postulavam, até que se introduzissem aí deveres individuais e coletivos. Não era isso que queriam, mas uma declaração constitucional de deveres, que se impusessem ao povo. Ora, uma Constituição não tem que fazer declaração de deveres paralela à declaração de direitos. Os deveres decorrem destes na medida em que cada titular de direitos individuais tem o dever de reconhecer e respeitar igual direito do outro, bem como o dever de comportar-se, nas relações inter-humanas, com postura democrática, compreendendo que a dignidade da pessoa humana do próximo deve ser exaltada como a sua própria (2007, p. 63).

Nas palavras de Canotilho:

A idéia de deveres fundamentais é susceptível de ser entendida como o “outro lado” dos direitos fundamentais. Como ao titular de um direito fundamental corresponde um dever por parte de um outro titular, poder-se-ia dizer que o particular está vinculado aos direitos fundamentais como destinatário de um dever fundamental. Neste sentido, um direito fundamental, enquanto protegido, pressuporia um dever correspondente (1998, p. 479).

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De acordo com José Casalta Nabais os deveres fundamentais, para serem compreendidos

adequadamente, devem ser considerados como uma categoria jurídica autônoma, uma vez que, são

deveres jurídicos e não o somatório de pressupostos éticos decorrentes da própria constituição ou de

simples deveres morais. E, ainda, esses deveres não constituem simplesmente um mero aspecto dos

limites dos direitos fundamentais, nem um mero aspecto de reflexos individuais de poderes estatais,

constitui, na verdade, uma categoria autônoma ao lado da dos direitos fundamentais (2007, p. 220).

Ressalte-se que essa autonomia não implica que os deveres se encontram numa situação de

eqüidistância entre os direitos fundamentais, de um lado, e os Poderes Públicos, de outro. Há de se

reconhecer que num Estado de Direito, no qual se prioriza a pessoa humana face à comunidade, a

liberdade face à autoridade, os deveres fundamentais necessariamente gravitam em torno dos direitos

fundamentais, representando assim um dos elementos que compõem o estatuto constitucional do

indivíduo, que é o estatuto que determina a posição da pessoa humana no seio do Estado.

Sintetizando a relação entre os direitos fundamentais e os deveres fundamentais:

Deste modo, os deveres fundamentais constituem uma categoria constitucional própria, expressão imediata ou directa de valores e interesses comunitários diferentes e contrapostos aos valores e interesses individuais, consubstanciados na figura dos direitos fundamentais. O que não impede, e embora isto pareça paradoxal, que os deveres fundamentais ainda integrem a matéria dos direitos fundamentais, pois que, constituindo eles a activação e mobilização constitucional das liberdades e patrimônio dos titulares dos direitos fundamentais para a realização do bem comum ou do interesse público (primário), se apresenta, em certa medida, como um conceito correlativo, contraste, delimitador do conceito de direitos fundamentais. Conceito esse que, não obstante não se configurar como o contrapolo ou os antípodas dos direitos fundamentais, também está orientado para a definição do estatuto constitucional do indivíduo e, conseqüentemente, da posição proeminente que nele ocupam os seus direitos ou status activi. Neste sentido vai, de resto, o facto de o reconhecimento e consagração constitucional dos deveres ter por função, não apenas estabelecer o seu fundamento jurídico, mas também limitar as intervenções dos poderes públicos (ou outros) na esfera jurídica dos indivíduos, assim se valorizando os aspectos garantidores da constituição; é que, um tal reconhecimento e consagração específicos acabam por evitar que funcione uma cláusula geral de deverosidade social que, de outro modo, poderia muito bem ser chamada a actuar. (...) por detrás dos valores comunitários, que são função directa dos deveres fundamentais, se encontram as pessoas humanas e a sua eminente dignidade (NABAIS, 2007, p. 222-223).

Nabais aduz os deveres fundamentais como:

[...] os deveres fundamentais constituem uma categoria constitucional própria colocada ao lado e correlativa dos direitos fundamentais, uma categoria que, como corretivo da liberdade, traduz a mobilização do homem e do cidadão, para a realização dos objetivos do bem comum. Ora, tendo isso presente, é possível falar de um conceito de deveres fundamentais, e de um conceito material, algo paralelo ao

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dos direitos fundamentais. Não, por certo, de um conceito com caráter absoluto ou definitório, apoiado numa lógica forte ou bivalente, mas antes de um conceito algo relativo ou tipológico, que se baste em dar resposta à larga maioria das situações, aos casos regras ou casos normais. Nesses termos, podemos definir os deveres fundamentais como deveres jurídicos do homem e do cidadão, que por determinarem a posição fundamental do indivíduo, têm especial significado para a comunidade e podem ser exigidos. Uma noção que, decomposta com base num certo paralelismo com o conceito de direitos fundamentais, nos apresenta os deveres fundamentais como posições jurídicas passivas, autônomas, subjetivas, individuais, universais e permanentes e essenciais (1998, p. 64).

Os deveres fundamentais podem ser considerados como a face oculta dos direitos

fundamentais, uma vez que estes são limitadores e corretivos daqueles. O fundamento desses deveres

está na Constituição, e, portanto, a base de cada dever fundamental deve estar na própria

Constituição, quer expressa quer implicitamente. Desta forma, devem ser reconhecidos, assim como

os direitos fundamentais como categorias constitucionais próprias e considerados vetores essenciais

do estatuto constitucional do indivíduo, que por sua vez é o estatuto que disciplina a posição

fundamental da pessoa humana no seio do Estado.

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2 O TRIBUTO NO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

2.1 O caráter fiscal e social do Estado Democrático de Direito Brasileiro na Constituição Federal de

1988

A fiscalidade do Estado brasileiro consoante a Constituição Federal de 1988 se revela desde

o art. 1º, inciso IV, ao abrigar o trabalho e a livre iniciativa como princípios fundantes, e, ainda, ao

consagrar, no caput do art. 5º, o direito à igualdade, à liberdade, à segurança e à propriedade a todos

indistintamente.

Outras características, que evidenciam a fiscalidade do Estado, são encontradas na liberdade

do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII); na liberdade de associação

profissional ou sindical (art. 8º); nos direitos assegurados aos trabalhadores (art. 7º). Essas

características confirmam que o Estado brasileiro não é um Estado paternalista, mas um Estado que

estimula a satisfação das necessidades individuais pelos próprios particulares.

Continuando a leitura da Constituição encontra-se: no Título VI da Tributação e do

Orçamento as competências e limitações do poder de tributar; no Título VII da Ordem Econômica e

Financeira, a livre iniciativa e a valorização do trabalho (caput do art. 170) e a proibição imposta ao

Estado de explorar a atividade econômica, salvo para a garantia da segurança nacional ou de

relevante interesse coletivo (art. 173). Toda essa estrutura constitucional manifesta com intensidade o

caráter fiscal do Estado brasileiro.

Por outro lado, é importante ressaltar que a Constituição tem como princípio fundante a

dignidade da pessoa humana (art.1º, III) e como objetivos fundamentais a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e

da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos

(art. 3º e incisos). Nessa abordagem, fica claro também o caráter social do Estado brasileiro.

Por tudo, a Constituição Federal do Brasil, de 05 de outubro de 1988, revela ser o Brasil um

Estado Democrático de Direito com características Fiscal e Social.

Desta forma o Estado brasileiro assume tarefas de Estado Fiscal e Social. Para financiar as

atividades inerentes ao cumprimento de suas tarefas, necessita de dinheiro. O Estado, diferentemente

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dos particulares, não pode obter recursos mediante uma atividade econômica, já que o Estado

brasileiro assume o caráter de Estado Fiscal.

Segundo Nabais:

[...] um estado, para cumprir as suas tarefas, tem de socorrer-se de recursos ou meios a exigir dos seus cidadãos [...]. Por isso, a tributação não constitui, em si mesma, um objetivo (isto é, um objetivo originário ou primário) do Estado, mas sim o meio que possibilita a esse cumprir os seus objetivos (originários ou primários), actualmente consubstanciados em tarefas de estado de direito e tarefas de estado social, ou seja, em tarefas do estado de direito social (1988, p. 185).

Para entender o atual Estado brasileiro, disciplinado sob a égide da Constituição de 1988,

será analisado o tema da interação entre tributos e liberdade a partir do advento do liberalismo,

quando o tributo assumiu mais especificamente as feições atuais, ou seja, o tributo se transforma na

categoria básica da receita do Estado. Para tanto, é fundamental analisar a evolução do conceito de

liberdade do Estado Fiscal Liberal ao Estado Democrático de Direito em busca de compreender o

papel do tributo na sociedade atual.

Para Ricardo Lobo Torres “as relações entre liberdade e tributo no Estado de Direito são de

absoluta essencialidade. Não existe tributo sem liberdade, e a liberdade desaparece quando não a

garante o tributo” (1991, p. 109).

Na Antigüidade havia uma sujeição entre a liberdade e a tributação. O tributo como preço da

liberdade, da cidadania. O cidadão que cumpria com seus deveres públicos não estava sujeito à

tributação. Por outro lado, exigia-se o tributo daquele cidadão que tivesse sua liberdade privada.

Na Grécia, os tributos diretos apenas eram cobrados dos que não eram livres e dos estrangeiros, na forma de um imposto de capitação (tributo de proteção), mas jamais dos cidadãos livres. Atenas exibiu de suas confederadas prestações naturais, tais como o preparo em de embarcações de guerra tripuladas, que depois foram convertidas em prestações pecuniárias, como expressão da submissão política. Também a Roma republicana baseava sua força financeira nas prestações dos povos vencidos, baseando-se no direito de pilhagem e na tomada de terra. Quando, em casos de necessidade, Roma cobrava de seus cidadãos impostos diretos (os chamados ‘tributum’), eles eram considerados meros empréstimos de guerra, que seriam refinanciados posteriormente por meio das pilhagens de guerra. Em síntese: tributo como preço da falta de liberdade (SCHOUERI, p. 438).

O Estado Moderno se apresenta como Estado Financeiro, uma vez que cabem a ele as

atividades relacionadas com as finanças públicas.

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O Estado assume esta dimensão financeira desde a extinção do feudalismo até os dias de

hoje, no qual se destacam alguns tipos: o Estado Patrimonial, o Estado de Polícia, o Estado Fiscal e o

Estado Socialista.

O Estado Patrimonial, que se desenvolveu do final do século XVII até o inicio do século

XVIII, cujas rendas eram basicamente provenientes do patrimônio do príncipe. Na base social,

persistia a relação de vassalagem, determinada pela miséria. Os camponeses permaneciam presos aos

trabalhos na gleba em troca da mínima subsistência pessoal e familiar. Não podiam liberta-se de sua

condição civil, dada a sua miséria. Mesmo assim não eram confundidos com os escravos da

Antigüidade, já que se concediam direitos combinados com deveres. Nesse período a fiscalidade é

divida entre o rei, a Igreja e o senhorio; o Estado de Polícia, que corresponde à fase do absolutismo

esclarecido (século XVIII) promove um incremento das receitas tributárias e a fiscalidade se

concentra na pessoa do soberano; o Estado Fiscal que se sustenta com a receita proveniente do

patrimônio do cidadão (tributo), e coincide com o capitalismo e o liberalismo; o Estado Socialista,

que, detentor do patrimônio público, sustenta-se com as rendas industriais, no qual o tributo possui

papel secundário pela quase inexistência da propriedade privada (TORRES, 1991, p. 1).

Na atualidade, a grande maioria dos países se constitui em Estado Fiscal. A principal

característica desse tipo de Estado é a de que suas necessidades financeiras são essencialmente

realizadas pelo tributo.

Para Torres, o Estado Fiscal se apresenta num primeiro momento como um Estado Liberal

Individualista ou Estado Guarda-Noturno ou Estado do Capitalismo Selvagem (XVIII e XIX); num

segundo momento como um Estado de Bem-Estar ou Estado Social de Direito ou Estado da

Sociedade Industrial (XX – 1919 a 1989, aproximadamente) e num terceiro momento como um

Estado Democrático de Direito ou Estado Pós-Positivista ou Estado da Sociedade de Risco (após a

queda do Muro de Berlim).

Por outro lado, Nabais aponta a existência de duas modalidades de Estado Fiscal, quais

sejam, Estado Fiscal Liberal e Estado Fiscal Social.

O Estado Fiscal Liberal, fruto do pensamento liberal, se sustentava com uma limitada

tributação, destinada apenas a garantir o funcionamento da máquina administrativa, que devia ser a

menor possível, chamado por isso de Estado mínimo. Caracterizava-se, também, por uma nítida

separação entre o Estado e a sociedade. O Estado devia ocupar-se precipuamente com a política e a

sociedade com a economia (NABAIS, 2007, p. 184).

Diversas são as opiniões sobre a origem do Estado Fiscal brasileiro. Para Torres, o Estado

Fiscal brasileiro nasce com a Constituição do Império de 1824, baseia-se no relacionamento entre

liberdade e tributo, no sentido de que o tributo é o preço da autolimitação da liberdade (1991, p. 151).

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Por outro lado, Bonavides entende que a Constituição de 24 de fevereiro de 1891 coroou a

concepção política e doutrinária de um Estado Liberal e representou a ruptura com o modelo

autocrático do absolutismo monárquico, baseado em valores de estabilidade jurídica, vinculados ao

conceito individualista de liberdade, trazida dos Estados Unidos para o Brasil pela influência de Rui

Barbosa (2002, p. 330-331).

Esse conceito individualista de liberdade se observa no liberalismo pela garantia da

liberdade de iniciativa econômica. Nesse contexto, é evidente a relação entre propriedade e liberdade.

A organização do Estado tem por finalidade a conservação da propriedade, e se esta é do povo, o

Estado não pode cometer nenhum ato que viole essa propriedade, assim todos os tributos passam a

ser necessariamente aprovados pelo parlamento.

A relação do tributo com a liberdade aumenta, ainda mais, no liberalismo. No mercantilismo

já se notava o Estado como garantidor da liberdade e da propriedade e com o liberalismo o tributo

passa a expressar a liberdade.

De acordo com Ricardo Lobo Torres, com o advento do liberalismo ocorre a centralização

do poder fiscal no Estado, a publicização do tributo, que passa a ter como fundamento o contrato

social. Por este, os cidadãos dão ao Estado uma parcela mínima de sua liberdade em troca da garantia

e da segurança aos seus direitos e o imposto adquire a dimensão de “preço mínimo da liberdade ou

de prêmio de seguro” (1991, p. 118).

A publicização da fiscalidade, que resolve a crise financeira do antigo regime, se inicia na Inglaterra e transmigra a pouco e pouco para os outros países, apresentando esquematicamente o seguinte contorno: preponderância dos impostos entre as fontes da receita pública, relegada a papel subalterno a entrada proveniente da exploração do patrimônio do Estado; utilização regular dos empréstimos para a complementação da receita, garantidos pela cobrança dos impostos [...]; racionalização do sistema tributário, com o incremento dos impostos diretos, [...], apoiados no princípio eminentemente público da capacidade contributiva, [...], separação entre a fazenda do rei e a fazenda pública; transferência do poder tributário do rei para o Legislativo; aperfeiçoamento das técnicas contábeis [...], racionalização da administração fiscal, [...]; separação entre política e economia, vivendo o Estado dos ingressos derivados da economia particular e permitindo que os agentes econômicos ampliem a riqueza suscetível de tributação (TORRES, 1991, p. 121-122).

No Estado Liberal Fiscal prevalece a idéia de liberdade individual, ou seja, a idéia de

“liberdade de” (liberdade da intervenção do Estado; liberdade das peias do Estado).

Nesse Estado Fiscal, à época do liberalismo, o tributo é a expressão da liberdade, essa

dimensão libertadora se evidencia quando o liberalismo elogia a riqueza e o trabalho e aceita o lucro,

os juros e o consumo do luxo. Pagar tributos é participar da riqueza da nação. Só quem tem liberdade

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paga tributos. O homem se afasta do Estado, tem oportunidade de se desenvolver no espaço público,

sem que tenha que prestar qualquer serviço permanente ao Estado. O tributo assume nessa feição o

preço da liberdade de iniciativa. Valoriza-se a riqueza da nação, condena-se a pobreza e se privilegia

a propriedade mobiliária.

A ética dá-se pelo trabalho, condena-se o ócio, permite-se a cobrança de juros e defende-se o

luxo. Desta forma, o tributo é conseqüência do exercício da liberdade frente ao Estado.

O Estado Fiscal Social do século XX, por sua vez, traz consigo uma nova idéia de liberdade,

já que neste os direitos humanos são colocados como princípios fundamentais e objetivos do Estado.

Para Nabais o Estado Fiscal Social preocupa-se com o funcionamento global da sociedade e

da economia, tem por isso uma tributação alargada exigida pela estrutura estatal correspondente

(2007, p. 183).

Ricardo Lobo Torres entende que no Estado de Bem-Estar Social (Estado Social, Estado

Providência, ou Estado da Sociedade Industrial), compreendido entre 1919 a 1989 ocorre “uma

inflexão no discurso da liberdade, que vai perdendo substância para se confundir com a justiça

material, da mesma forma que os direitos da liberdade deixam de se distinguir dos direitos sociais”

(2005, p. 79).

Desta forma nesse Estado Fiscal Social surge a idéia de “liberdade para”, que compreende

uma liberdade positiva, a garantir direitos para todos, inclusive os direitos sociais.

Nabais ressalta que o conceito de Estado Fiscal tanto na sua fase liberal quanto na sua fase

social traz consigo a pretensão de limitar a atuação e a correspondente dimensão do Estado (2007, p.

183-184).

Seguindo a evolução do Estado Fiscal proposta por Torres, o atual Estado corresponde ao

Estado da passagem do século XX para o XXI denominado de Estado Democrático de Direito ou

Estado Pós-Positivista ou Estado da Sociedade de Risco1 ou, ainda, Estado Democrático Fiscal.

Se no Estado Fiscal Liberal pode-se falar mais propriamente em liberdade individual, ou

seja, há uma visão contratualista da liberdade, onde o indivíduo garante a ausência da constrição

Estatal, resguardando para si algumas liberdades, a liberdade era pressuposta, antecedia ao Direito,

no Estado Social Fiscal a liberdade se qualifica, a liberdade é para todos, mas dentro de justos

1 O conceito de sociedade de risco vem sendo utilizado para designar as novas formas de sociedade resultantes do enfraquecimento de formas de regulação tradicionais e da incapacidade do Estado em garantir a efetividade das leis. Neste contexto, a possibilidade de escolha das condutas individuais se expande, adquirindo contornos inéditos mesmo na sociedade ocidental. A expressão "risco" está associada à forma pela qual cada indivíduo encontra-se quase que exclusivamente à mercê de si mesmo para orientar sua vida, não contando para isso com presença das formas normativas anteriores, derivadas das tradições e do controle regulador do Estado (BECK, 1995, p.11-71).

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princípios que levam a uma igual liberdade, “a liberdade adquire a feição de igual liberdade e se

caracteriza como a liberdade que se aproxima da justiça na mesma equação valorativa” (2005, p. 83).

Por sua vez, no Estado Democrático Fiscal o sentido de liberdade se amplia, a liberdade é

conferida para uma finalidade. É uma liberdade coletiva, uma liberdade que requer uma atuação

positiva do Estado, garantindo as condições para o exercício da liberdade, ou seja, a liberdade é

reconhecida pelo Estado visando sua própria finalidade, a construção de uma sociedade justa e

igualitária.

Observa-se, ainda, que as quatro dimensões dos direitos fundamentais gravitam em torno do

Estado, ora de um Estado Liberal como a primeira dimensão, representada pelos direitos de

liberdade, ora de um Estado Social como as demais dimensões, representadas pelos direitos de

igualdade e fraternidade.

Constata-se que a Constituição de 1988, ao traçar as bases do sistema econômico, confirma

a atuação positiva do Estado, visando à ampliação do gozo da liberdade no Estado Social

Democrático de Direito. Abriga princípios liberais, democráticos e sociais. Nesse sentido deve se

observar que o surgimento do Estado do Século XXI não implica o desaparecimento do Estado

Social, e nem que este tenha afastado os conceitos preponderantes do Estado Liberal. Pode se afirmar

que, excluindo-se os casos de ruptura, que ocorrem por meio de revolução, a evolução de um modelo

para o outro ocorre gradualmente, as características dos modelos anteriores não são afastadas, apenas

que as novas sobressaem a ponto de se poder defender a presença de novo modelo.

De acordo com José Afonso da Silva a Constituição Mexicana de 1917, seguida pela

Constituição de Weimar, 1919 foram as primeiras a sistematizar a ordem econômica em seus textos.

A partir de então, as Constituições contemporâneas abrigam princípios de direitos econômicos e

sociais, buscando atribuir fins ao Estado, isto é, por meio de programas de intervenção na ordem

econômica, o Estado deve realizar os valores prestigiados constitucionalmente, tais como: bem-estar,

o desenvolvimento, a justiça social, entre outros (2007, p. 706).

Ainda na lição do mesmo autor, há de se observar que o conceito de Constituição

Econômica não é um conceito pacífico na doutrina:

[...] consiste não em um conceito autônomo de Constituição ao lado da Constituição política, mas, sim, no conjunto de normas desta que, ‘garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico’ estabelece princípios fundamentais de ‘determinada forma de organização e funcionamento da economia’ e constitui, ‘por isso mesmo, uma determinada ordem econômica’ (SILVA, 2007, p. 706).

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As normas, que regulam a economia brasileira, estão dispersas na Constituição Federal, por

isso a Ordem Econômica não se restringe aos preceitos contidos no Título VII, denominado Da

Ordem Econômica e Financeira, dos arts. 170 a 192, mas está disciplinada, também, nos artigos 1º,

3º, do 7º ao 11, 201, 202, 218 e 219, bem como 5º inciso LXXI, 24, I, 37, XIX e XX, 103, parágrafo

2º, 149 e 225.

Esse conjunto de disposições constitucionais, que compõem a Constituição Econômica em

sentido restrito, é que dá conformação a ordem fundamental da economia (CANOTILHO, 1998, p.

327).

Pode-se compreender, com maior clareza, que a Constituição Econômica está afinada com

todo o texto constitucional social, no sentido de conferir uma liberdade para uma finalidade, quando

se verifica, a partir dos seus preceitos, os princípios que norteiam a Ordem Econômica a ser

realizada.

No caput do artigo 170, declara o constituinte ser fim da Ordem Econômica “assegurar à

todos existência digna, conforme os ditames da Justiça social”. A mesma finalidade da justiça social

encontramos também no artigo 193, que trata sobre a “ordem social”, ambos em consonância com os

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, constantes do artigo 3º, incisos I e III,

quais sejam: construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização e

reduzir as desigualdades sociais e regionais, e com o princípio da dignidade da pessoa humana,

princípio fundamental da República consagrado no inciso III do artigo 1º do texto constitucional.

A existência digna, conforme os ditames da justiça social, deve ser alcançada nos termos do

texto constitucional, artigo 170, caput, a partir da conjugação de dois elementos: valorização do

trabalho humano e livre iniciativa, elementos fundadores da ordem social e, ao mesmo tempo,

inseridos no artigo lº da Constituição como princípios fundantes da República.

A Constituição apesar de prestigiar a atividade individual (livre iniciativa e trabalho

humano), impôs um fim para a ordem econômica, a atuação positiva do Estado deve induzir à

construção de uma sociedade, na qual seja valorizada a pessoa humana, com existência digna, num

ambiente de justiça.

A inserção desses valores em conjunto, por duas vezes na Constituição demonstra que

ambos devem, de forma harmônica, coexistirem.

Nesse sentido José Afonso da Silva:

[...] embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado [...] essa prioridade tem o sentido de orientar a intervenção do Estado na economia, a fim de fazer valer os valores sociais do trabalho, que, ao lado da livre iniciativa, constitui um dos

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fundamentos não só da ordem econômica, mas da própria República Federativa do Brasil (art.1º, IV) (2007, p. 709).

Portanto, compete à Ordem Econômica encontrar uma solução para que a livre iniciativa

valorize o trabalho humano, como também, uma proposta para que o trabalho humano, não só não

seja um obstáculo, como sirva de estímulo a livre iniciativa.

Ensina Canotilho, que se a consagração da Constituição Econômica ocorre no seio da

Constituição Federal, e esta está estreitamente vinculada ao princípio democrático (nas suas

dimensões políticas e econômicas), aquela só pode resultar em uma Constituição Econômica cuja

“política econômica e social a concretizar pelo legislador é uma política de concretização dos

princípios constitucionais e não uma política totalmente livre [...]” (1998, p. 327).

Nesse sentido, a atuação do Estado Social Democrático de Direito, frente aos mandamentos

da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, deve nortear-se pela justiça social, em busca

da concretização da dignidade da pessoa humana.

Nas palavras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

O princípio da liberdade de iniciativa tempera-se pelo da iniciativa suplementar do Estado; o princípio da liberdade de empresa corrige-se com o da definição da função social da empresa; o principio da liberdade de lucro, bem como o da liberdade de competição, moderam-se com o da repressão do abuso de poder econômico; o princípio da liberdade de contratação limita-se pela aplicação dos princípios de valorização do trabalho e da harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção; e, finalmente, o princípio da propriedade privada restringe-se com o princípio da função social da propriedade (1989, p. 28).

Nota-se que a Constituição Econômica brasileira reflete a posição do Estado e da Sociedade

em relação à atividade econômica no Estado Social Democrático de Direito, abandonando a

neutralidade característica do Estado Liberal, para incorporar a versão ativa do Estado

intervencionista, agente regulador da economia.

No Estado Democrático de Direito não se pode compreender a liberdade de iniciativa se não

estiverem presentes também os objetivos do Estado social, ou seja, assegura-se a liberdade dos

agentes econômicos, no sentido negativo da liberdade, “liberdade de”, desde que essa promova

também a liberdade das camadas sociais mais desfavorecidas, ou reduza as desigualdades (status

positivus da liberdade). A Constituição elege um Estado que quer e busca a liberdade e igualdade de

todos.

O tributo, neste contexto, não é um fim em si mesmo. É meio de que se vale o Estado para

realizar seus objetivos, em especial os direitos fundamentais.

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O tributo, enquanto preço da liberdade, deixa de ser o ônus, que no Estado Liberal, era

suportado pelo indivíduo em troca de sua liberdade, para ser no Estado Democrático de Direito Fiscal

Social, o instrumento para a concretização da liberdade e igualdade de todos.

Assim, à medida que, não mais se legitima o gozo da liberdade sem uma finalidade, e se é

esta que qualifica e legitima a própria liberdade, então toda atuação do Estado, seja na área

econômica, educacional, social, tributária, entre outras, deve estar vinculada àquela finalidade.

O tributo na ordem jurídica brasileira, frente ao Estado Democrático de Direito de caráter

Fiscal e Social, deve ser considerado, portanto, como meio de arrecadação tributária que se legitima

enquanto instrumento para o Estado atingir sua finalidade, que pode ser visualizada em momentos

distintos da tributação.

A expressão “preço da liberdade” surge num primeiro momento, como o preço, representado

pelas receitas oriundas dos tradicionais impostos, que toda a sociedade paga para que o Estado reduza

as desigualdades e promova a liberdade das camadas mais desfavorecidas, conforme fundamentos e

objetivos constitucionais, consagrando a vida digna para todos.

Num segundo momento temos as contribuições sociais de intervenção no domínio

econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, de competência exclusiva da

União, que, conforme artigo 149 da Constituição Federal de 1988 serve de instrumento de sua

atuação nas áreas de interesse constitucional. São normas tributárias, que embora formalmente

integrem o Direito Fiscal, são normas de função indutoras, que assumem relevante papel no Estado

Democrático de Direito Fiscal Social.

Vale aqui reproduzir a lição de Nabais:

Trata-se assim de normas (fiscais) que, ao preverem uma tributação, isto é, uma ablação ou amputação pecuniária (impostos), ou uma não tributação, ou uma tributação menor à requerida pelo critério da capacidade contributiva, isto é, uma renúncia total ou parcial a essa ablação ou amputação (benefícios fiscais), estão dominadas pelo intuito de actuar directamente sobre os comportamentos econômicos e sociais dos seus destinatários, desincentivando-os, neutralizando-os nos seus efeitos econômicos e sociais ou fomentando-os, ou seja, de normas que contém medidas de política econômica e social. (grifo nosso) (1998, p. 629).

O Estado Democrático de Direito Fiscal Social na entrada do século XXI, ainda que sob a

égide da mesma ordem constitucional que lhe deu vida, atravessa uma profunda crise que

compromete a efetividade dos direitos fundamentais sociais, notadamente aqueles que exigem

prestações do Estado.

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Tal crise decorre de alguns fenômenos no contexto socioeconômico mundial que produziram

reflexos no país. O Estado Social contaminado por eles, desvirtua seu papel constitucional, e afasta-

se de seus princípios e objetivos fundamentais.

A queda do regime comunista, o fortalecimento do capitalismo e a globalização econômica

introduzida pelo neoliberalismo contribuíram decisivamente para a crise do Estado do Bem-Estar

Social.

Uma crise que é simultaneamente financeira expressa no crescente aumento da diferença entre o ritmo de crescimento econômico e o ritmo de crescimento das despesas sociais, de legitimidade, seja porque já não assegura a sua função de proteção dos mais desfavorecidos (antes reforça os privilégios dos mais informados e melhor instalados na sociedade), seja porque levou longe demais a política de redistribuição anulando significativamente as diferenças necessárias ao funcionamento adequado do mercado e de eficácia de funcionamento, traduzida no rendimento decrescente das despesas sociais decorrente, sobretudo, da crescente burocratização da sua gestão (NABAIS, 2007, p. 100).

O Estado Social se coloca frente a um dilema, para a sua concretização necessitaria de

recursos financeiros crescentes, jamais se satisfazendo, a ponto de inviabilizar a própria atividade

privada que o sustenta.

Com a falência do Estado Social, a liberdade irá adquirir uma nova característica e um novo

preço. A liberdade no Estado do Século XXI, já não possui as características individualistas, próprias

do Século XIX, nem a liberdade prometida pelo Estado do Século XX.

A sociedade civil vivenciando à impotência do Estado Social reivindica para si a posição até

então ocupada pelo Estado e a liberdade assume uma nova feição: uma simbiose entre o exacerbado

individualismo, próprio do liberalismo, e a ubiqüidade do Estado, característica do Estado Social.

Com efeito, percebe-se o afastamento do Estado e a afirmação da sociedade em atividades

que eram específicas do Estado, como por exemplo: seguridade social e assistência social. Ocorre

também a criação das agências reguladoras como, por exemplo, a Agência Nacional de Energia

Elétrica – ANEEL, Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, Agência Nacional de

Vigilância Sanitária – ANVISA, Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, Agência Nacional

de Águas – ANA que ampliam, ainda mais, a atuação da iniciativa privada e restringe a do Estado,

reservando a este apenas o papel de agente normativo e regulador da atividade econômica.

Assevera Luís Eduardo Schoueri:

No Estado do século XXI, a liberdade revela-se, pois, coletiva, já que a sociedade exige sua liberdade como instrumento para a inclusão social. Desaparece a crença de que o Estado seja o veículo para o resgate das camadas sociais desfavorecidas, mas

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permanece o desejo social, prestigiado pelo Direito, de que a desigualdade seja reduzida. O instrumento, entretanto, para o exercício da liberdade coletiva já não mais será o Estado, mas a própria sociedade (2006, p. 464).

Não se trata de um retorno ao liberalismo, ao individualismo, já que a construção de uma

sociedade comprometida com a garantia dos direitos sociais e individuais, e de valores tais como a

igualdade, a liberdade, segurança, bem-estar, entre outros, foi condição sine qua non para o

nascimento do nosso pacto social, conforme se depreende do preâmbulo do texto constitucional.

Desta feita, a sociedade solicita seu espaço de liberdade para a realização dos objetivos

constitucionais, que se confundem com os próprios objetivos da coletividade.

Enfim, no Estado do Século XXI a liberdade apresenta novos contornos, já que não é uma

liberdade para fins pessoais, é uma liberdade da sociedade civil para a realização de interesses

coletivos, já que a coletividade representa os interesses da nação.

O retorno da liberdade à sociedade civil, negando a presença única do Estado, devolve a

possibilidade de questionar os limites para a tributação.

Para Shoueri:

Se no Estado Social, a sociedade pagava um preço para o Estado atingir o desiderato coletivo, no Estado do século XXI, a sociedade passa a compreender que o preço tornou-se muito alto e o resultado, pífio. A tributação excessiva torna-se inconciliável com o modelo do Estado do século XXI, já que implica retirar recursos de que a própria sociedade necessita para seus fins. A transferência excessiva de recursos ao Estado pela sociedade tolhe a iniciativa econômica desta, reduzindo ou impossibilitando o desenvolvimento econômico (2006, p. 465).

Por outro lado, conforme pondera Nabais também não se pretende o desmantelamento do

Estado Social, ressuscitando o velho Estado Liberal, conforme proposta sustentada pelos neoliberais.

Reconhece-se que o Estado Social não vem desempenhando a contento suas funções constitucionais,

sendo “insustentável manter a sua atual configuração”, no entanto, não se trata simplesmente de

afastá-lo, até porque graves convulsões sociais ocorreriam.

Essa situação é uma realidade no Estado brasileiro, que pode ser vista nos meios de

comunicação que, diuturnamente, relatam que as condições sociais oferecidas pelo Estado estão

aquém do esperado. Na educação, escolas em péssimas condições, resultando na evasão escolar e

conseqüente analfabetismo. Na saúde, hospitais sucateados, pacientes que aguardam filas imensas,

quer para um transplante, quer para um simples exame. Na segurança, a criminalidade bate a porta do

cidadão diariamente. O desemprego é uma ameaça constante ao brasileiro.

Dados divulgados pelo Ministério da Saúde confirmam essa triste realidade, nota-se que o

Estado brasileiro não consegue amenizar os elevados índices de analfabetismo e desemprego

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(ANEXO I E II). Em relação à saúde, há dois indicadores importantes na descrição e avaliação das

condições de saúde da população: a taxa de mortalidade infantil e a taxa de morte materna em

decorrência de complicações de parto e puerpério. Observa-se que as taxas de mortalidade infantil

(ANEXO III) vêm melhorando muito lentamente e que o número de óbitos maternos é ainda uma

realidade no Brasil (ANEXO IV), apesar de nos dias atuais, com o desenvolvimento da medicina, não

ser admissível que mulheres morram por complicação de parto e puerpério.

Outro quadro que demonstra a precariedade do Estado social brasileiro é apresentado pelo

Ministério da Saúde, quanto ao número de óbito de adolescente por violência que cresceu

vertiginosamente nos últimos anos (ANEXO V).

Diante dessa situação inquietante, em que o Estado brasileiro não tem conseguido atender as

necessidades do individuo, pode-se afirmar que o Estado Social carece de inadiável reforma no

ambiente educacional, da saúde, da previdência social, segurança, entre outros, reconduzindo-o ao

seu sentido e função constitucionais.

Para salvar o Estado Social Nabais propõe:

[...] duas idéias hão-de estar sempre presentes. De um lado e ao contrário do que se tornou uma afirmação corrente, não se pode esquecer que a estadualidade social e a estadualidade de direito conflituam em larga medida, sendo, pois necessário um adequado equilíbrio, entre a igualdade social e a liberdade de modo a que estes dois valores, que mutuamente se condicionam e em parte se excluem, a todos assegurem um mínimo de liberdade real ou, o que é o mesmo, um mínimo de igualdade de condições à partida. O que postula que o Estado produza continuamente (condições reais de) liberdade para os que a não têm, relativizando assim a desigualdade social que o próprio exercício da liberdade necessariamente (re) produz (2007, p. 102).

Há de se concluir pela necessidade da existência de um Estado Social, nos limites de um

Estado Democrático de Direito, no qual obrigatoriamente a ‘liberdade para’ será compartilhada entre

a sociedade e o Estado, já que este se mostrou incapaz em promovê-la. Deverá haver um novo

equilíbrio entre Estado e Sociedade.

No Estado do século XXI, a sociedade exige que o preço da liberdade seja dimensionado, já

que a sociedade não pode pagar um preço elevado por uma liberdade que o Estado não mais se

mostra apto a realizar.

O tributo, como preço da liberdade, é justo quando proporcional à atuação do Estado na

construção da liberdade coletiva promovendo a inclusão social. Se o Estado não dá conta de suprir

certas necessidades sociais, e para tanto eleva o tributo, isso se torna um círculo vicioso, mais

tributos, novas demandas, novos aumentos, o tributo já não se justifica, pois passa a ser exigido,

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como outrora já foi tão somente com base na necessidade do Estado e o objetivo do tributo se perde,

a sociedade deixa de pagar o tributo e o Estado deixa de atender às necessidades sociais.

Dante Alighieri em sua obra ‘Da Monarquia’ afirma: “O direito é uma proporção real e

pessoal de homem a homem; desde que essa medida e essa proporção sejam respeitadas, a sociedade

está sã e salva, se são violadas, a sociedade se decompõe” (1957, p. 36).

Nesse sentido se manifesta Shoueri:

O reconhecimento da justificação do tributo enquanto meio para se alcançar a liberdade coletiva implica a imposição de limites à atuação do Estado, seja no montante da cobrança, seja na forma como se faz. Afinal, se o papel do Estado se vê limitado pela atuação da sociedade civil, que reivindica para si papel ativo na construção da liberdade dada a incapacidade ou inabilidade estatais, também o papel do tributo se vê igualmente restringido (2006, p. 465).

As limitações ao poder de tributar antigas na história da tributação, sempre foram especiais

manifestações dos direitos e garantias do cidadão, visando o controle da atuação do Estado. Assim é

o principio da legalidade, que “desde suas origens se manifesta como autoconsentimento, ou como

defesa da economia privada à ação do poder público” (BALEEIRO, 1997, p. 49).

No entanto, essas limitações, frente à perspectiva dada pela idéia de preço, acumulam novo

significado em seu conceito. Representam além de uma proteção do indivíduo frente ao poder, como

já se denotava no Estado Fiscal Liberal, uma proteção à sociedade civil para que esta possa exercer

na sociedade o seu papel.

Se o Estado não pode por si atingir o seu fim, que nada mais é do que a realização do

indivíduo, deve proporcionar condições para que a própria sociedade o faça.

A liberdade, pois, já não é ‘para’ o individuo ou ‘para’ o Estado [...] A tributação é, novamente, um instrumento para que se atinjam os fins do Estado. Mas esses não são diversos daqueles buscado pela sociedade civil; quando esta assume dimensão pública, encontra-se limitação na tributação (SHOUERI, 2006, p. 466).

Nota-se que Constituição de 1988 já prestigiou a sociedade civil, quando concedeu

imunidade às entidades de educação e de assistência social. Imunidade concedida justamente pelo

fato dessas instituições beneficiadas terem como fins atribuições, interesses e deveres do Estado. A

sociedade civil se mobiliza e a imunidade é um precedente para nova atuação da sociedade. Isso tudo

confirma mais uma vez que o preço da liberdade precisa ser dimensionado.

O início do Século XXI, não traz apenas o Estado do século XXI traz consigo a pós-

modernidade, uma época de incertezas e de grandes novidades, o fim de uma época e o descortinar de

um novo tempo. Assistimos à impotência do Estado, a descrença que as luzes da razão poderiam

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formular normas éticas, a mudança constante dos valores da sociedade diante da velocidade cada vez

mais crescente das informações. “Uma época aparentemente pós-tudo: pós-marxista, pós-kelseniana,

pós-freudiana” (BARROSO, 2003, p. 2).

O quadro assim se resume: de um lado, as aspirações da Constituição de 1988, a

concretização dos direitos fundamentais; o alto custo da carga tributária; as formalidades excessivas

exigidas pela administração para o cumprimento da obrigação tributária; a correta reivindicação pela

sociedade civil de maior espaço para o exercício coletivo da liberdade e, de outro, o tributo – que só

se justifica como instrumento para expansão da liberdade, jamais como restrição, pois colocaria em

risco a própria fonte de recursos.

Afinal, a par de notórias violações ao texto constitucional, vê-se o contribuinte sujeito, ainda, a uma carga tributária exacerbada, sem que à sociedade fique evidente que a maior tributação será instrumento adequado para atingir os objetivos comuns. Ao contrário, a tributação excessiva acaba por tolher a própria iniciativa dos contribuintes, pondo em risco a própria fonte de recursos (SHOUERI, 2006, p. 470).

Nesse sentido é justo e necessário refletir sobre o adequado preço da liberdade, sobre as

limitações constitucionais ao poder de tributar, para que o tributo possa ser instrumento para a

concretização dos fins do Estado e não meio de limitação à liberdade individual.

No entanto, esse tributo deve ser justo, em busca de proporcionar uma existência digna do

cidadão conforme os ditames da justiça social. Entende-se por tributo justo todo aquele tributo que no

momento da sua elaboração observam-se os princípios e valores abrigados no texto constitucional.

2.2 O tributo no Estado Brasileiro

Não há como reprovar que para sustentar os direitos fundamentais em uma sociedade em

constante mudança, fazendo valer o direito à dignidade e liberdade da pessoa humana sem que exista

um ônus, ou seja, um preço. Esse ônus, por sua vez, deve ser baseado em fundamentos jurídicos,

surgindo assim um dever jurídico fundamental de pagar tributos, que se caracteriza numa relação de

débito e crédito.

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Os deveres fundamentais, que constituem uma categoria jurídica constitucional própria ao

lado dos direitos fundamentais, neste contexto, podem ser classificados em função do seu conteúdo e

em função da sua relação com os direitos fundamentais (NABAIS, 1998, p. 111-115).

Quanto à função do seu conteúdo os deveres podem ser divididos em deveres positivos –

prestações de fazer, que é imposto uma prestação de fato (dever de voto e dever de serviço militar) e

prestação de dar, o dever de pagar tributo – e deveres negativos – prestação de não fazer, que

prescreve a isenção político-patidária do militar e do juiz.

Quanto à função em relação com os direitos fundamentais os deveres podem ser associados

– coincide o conteúdo do dever com parte do conteúdo do direito, como, por exemplo, o dever

fundamental de votar exclui o direito ao não exercício do direito de voto –, coligados – que limitam o

conteúdo de certos direitos apesar de não haver identidade de conteúdo do dever fundamental com o

direito fundamental, como, por exemplo, o dever de pagar tributo em relação ao direito fundamental

de propriedade e às liberdades econômicas – e autônomos – se apresentam apenas como limites

gerais dos direitos fundamentais, como, por exemplo, o dever de defesa da pátria em sentido estrito.

Os deveres fundamentais apesar de possuírem regime constitucional próprio, as normas

constitucionais a ele relativas não são aplicáveis diretamente como as normas de direito, liberdade e

garantias. O seu conteúdo ou não está concretizado totalmente na Constituição ou se concretizado

não é diretamente aplicável. Cabe ao legislador dar-lhe conteúdo, concretizando-os de acordo com as

orientações políticas ou regulamentando-os conforme os preceitos já concretizados na Constituição.

A razão da inaplicabilidade imediata dos deveres fundamentais, mesmo em relação àqueles

que são pressupostos da existência e funcionamento do Estado como, por exemplo, o dever

fundamental de pagar tributo, é a possibilidade de o legislador infraconstitucional concretizar a

tributação de forma menos gravosa.

Uma fenomenologia que, por via de regra, se não verifica em sede de concretização dos deveres fundamentais, cuja indeterminação constitucional assenta noutras razões ou noutros factores. Em nossa opinião, essa indeterminação prende-se com o tantas vezes invocado princípio da liberdade por que se guiou o nosso legislador constituinte: é que, materializando-se os deveres em limitações da esfera de liberdade dos indivíduos e suas organizações e devendo tais limitações, segundo esse princípio, ser as menos e menores possíveis, a sua completa e única concretização constitucional sempre podia traduzir-se numa concretização mais gravosa para a liberdade do que a necessária em cada momento. Daí que se deixe ao legislador essa concretização, a qual assim será mais compatível com a liberdade dos indivíduos. Trata-se, pois, de deixar mais liberdade ao legislador para ele a usar no sentido da maior liberdade possível ao cidadão (NABAIS, 1998, p. 152).

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A concretização do tributo será realizada pela legislação do Direito Tributário, ciência que

estuda os princípios e normas que disciplinam a ação estatal de instituir tributos e regulamenta as

relações jurídicas que se estabelecem entre o fisco e os contribuintes por força da Constituição.

A competência tributária é estabelecida e distribuída pela Constituição Federal aos entes

políticos que possuem capacidade legislativa, seu pressuposto. Dessa forma, a Constituição Federal

de 1988, em seus artigos 153 a 156, atribui a competência tributária a União, Estados-membros,

Municípios e Distrito Federal. Anteriormente, o Distrito Federal era considerado autarquia

administrativa da União e foi erigido à categoria de pessoa política a partir da Constituição de 1988.

Determina o artigo 145 da Constituição Federal que a União, os Estados, o Distrito Federal e

os Municípios poderão instituir impostos, taxas e contribuições de melhoria, no entanto, também os

limita para que não haja um abuso de direito. Compete ainda, de acordo com a citada Constituição, à

União instituir empréstimos compulsórios (artigo 148) e contribuições sociais, de intervenção no

domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e econômicas (artigo 149, caput).

Na lição de Mendonça “Está delineado aí, em seus contornos básicos, mediante a atribuição

de competências tributárias às pessoas políticas constitucionais, o dever fundamental de pagar

tributos previsto na Constituição brasileira” (2006, p. 415).

Na manifestação do poder de tributar, ao reclamar dos indivíduos o pagamento de tributos, o

Estado declara sua soberania. Porém, apesar disso, a relação que se gera entre Estado e contribuinte

não é relação de poder, e sim relação jurídica, devendo ser vista como a contribuição do indivíduo em

favor dos demais, buscando o desenvolvimento estatal. A própria Constituição, não fala em Poder

Tributário, mas sim em competência para tributar.

A competência para tributar é abstrata, permanente, imprescritível, indelegável,

irrenunciável e incaducável.

Paulo de Barros Carvalho em seu ensinamento ajuda a entender bem a competência

tributária, partindo de um conceito de competência legislativa (capacidade tributária), para então

chegar à competência tributária:

Competência legislativa é a aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir regras jurídicas, inovando o ordenamento positivo. Opera-se pela observância de uma série de atos, cujo conjunto caracteriza o procedimento legislativo. Por força do princípio da legalidade (CF, art. 5º, II), a ponência de normas jurídicas inaugurais no sistema há de ser feita, exclusivamente, por intermédio de lei, compreendido este vocábulo no seu sentido lato. Em qualquer segmento da conduta social, regulada pelo direito, é a lei o instrumento introdutor dos preceitos jurídicos que criam direito e deveres correlatos. No complexo das faculdades legislativas que o constituinte estabeleceu, figura a de editar normas que disciplinem a matéria tributária, desde a que contemple o próprio

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fenômeno da incidência até aquelas que dispõem a propósito de uma imensa gama de providências, circulando o núcleo da regra-matriz e que tornam possível a realização concreta dos direitos subjetivos de que é titular o sujeito passivo. A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos (1999, p. 210-211).

Assim, o dever fundamental de pagar tributos concretizar-se-á, primeiramente, com o

exercício da capacidade tributária pelo legislador, editando norma tributária impositiva. Em segundo,

concretizar-se-á quando ocorrer no mundo jurídico, o fato descrito naquela norma, isto é, o fato

previsto em lei como necessário e suficiente para dar nascimento à obrigação tributária, que

corresponde à entrega de dinheiro pelo contribuinte aos cofres públicos, satisfazendo a pretensão

tributária do sujeito ativo da obrigação (Estado).

O princípio do dever fundamental de pagar o justo tributo decorre desta forma, dos artigos

constitucionais que distribuem a competência tributária aos entes da Federação, ou seja, na medida

em que a União tem competência tributária para instituir impostos sobre a importação de produtos

estrangeiros (art. 153, I), o contribuinte tem o dever fundamental de pagar o justo imposto sobre a

importação, e assim se dá com os demais tributos do Sistema Tributário Nacional: a cada

competência tributária corresponde um dever fundamental do cidadão-contribuinte.

Nesse sentido Heleno Tôrres:

Como é sabido, no Brasil, o dever de pagar tributos deriva da repartição constitucional de competência tributária, porquanto cabe o dever legislativo de cobrá-los, com o objetivo de cumprir suas funções constitucionais, ao cidadão vige o dever de contribuir ao sustento de tais gastos, em favor da coletividade (2003, p. 174).

O conceito de tributo, inobstante não ser fixado pela Constituição, pode ser dela extraído os

termos da regulamentação dada ao instituto, ao repartir as competências tributárias e ao estabelecer

os tributos que podem ser instituídos.

Para Mendonça “O tributo, perante o Direito Constitucional positivo em vigor pode ser

conceituado, então, como o dever fundamental em virtude do qual os particulares ficam obrigados a

concorrer financeiramente para o custeio das atividades incumbidas ao Estado” (2006, p. 416).

A Constituição Federal no artigo 146, inciso III, alínea a, incumbi a definição de tributo à lei

complementar. Assim, é o Código Tributário Nacional, em seu artigo 3º que conceitua tributo, nos

seguintes termos: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se

possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade

administrativa plenamente vinculada”.

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Torres destaca o tributo como dever fundamental, limitado pelos direitos fundamentais, pela

imunidade, pelas proibições de privilégios e confisco, ressalta a subordinação deste ao princípio da

capacidade contributiva, e assim o conceitua:

Tributo é o dever fundamental consistente em prestação pecuniária, que, limitado pelas liberdades fundamentais, sob a direção dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, do custo-benefício ou da solidariedade do grupo e com a finalidade principal ou acessória de obtenção de receita para as necessidades públicas ou para atividades protegidas pelo Estado, é exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência específica outorgada pela Constituição (2000, p. 320-321).

Outros autores procuram conceituar o tributo sendo que cada um aborda sob um ponto de

vista. Assim, destacam-se alguns desses conceitos com a finalidade de auxiliar os estudos, por se

tratar de um assunto bastante importante no cotidiano da vida da sociedade.

Para Ives Gandra da Silva Martins “O tributo é, por excelência, veiculado por normas de

rejeição social. Dada a complexidade inerente ao crescimento da vida em sociedade, dificilmente a

obrigação de recolher o tributo seria cumprida sem sanção” (1998, p. 192).

Paulo de Barros Carvalho ressalta seis significados diversos para conceituar tributo, tanto na

doutrina quanto na jurisprudência: tributo como quantia em dinheiro; tributo como prestação

correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo; tributo como direito subjetivo de que é titular o

sujeito ativo; tributo como norma, fato e relação jurídica; tributo como sinônimo da relação jurídica

tributária; tributo como norma, fato e relação jurídica (1999a, p. 19-27).

Sacha Calmon Navarro Coelho se baseia no conceito apresentado pelo artigo 3º do Código

Tributário Nacional e assim descreve:

Juridicamente se define tributo como obrigação jurídica pecuniária ex lege, que se não constitui em sanção de ato ilícito, cujo sujeito ativo é, em princípio, uma pessoa pública, e cujo sujeito passivo é alguém nessa situação posto pela vontade da lei. Acolhemos o conceito formulado da disposição do art. 3º do CTN, que tem o notável mérito de, pela cláusula excludentes das obrigações que configurem sanção de ato ilícito, evitar a abrangência também das multas, as quais, doutra forma, ver-se-iam, nele compreendidas (COELHO, 2000, p. 240).

Com essa análise afirma-se que o tributo é um dever fundamental, do qual depende o Estado

para cumprir seus objetivos constitucionais, proporcionando o bem estar social e a harmonização

entre as classes sociais.

É certo que para sustentar o pacto social e os direitos fundamentais à liberdade, à igualdade

e à dignidade da pessoa humana há a necessidade da instituição do tributo, que é o ônus que toda a

sociedade assume. O tributo é uma contraprestação, já que não se pode mais pensar em direitos

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fundamentais do cidadão dissociados dos deveres fundamentais. É uma relação de superação do

individual para o coletivo. É o dever de contribuir com os gastos públicos em favor da coletividade

para concretização dos direitos fundamentais.

O pagamento dos tributos por parte do cidadão é indispensável para promover a existência,

continuidade e efetividade do Estado, no entanto, é necessário que o tributo atenda aos princípios

constitucionais para, então, ser justo, objetivando a justiça social. Justiça social que rejeita, de um

lado, o liberalismo que somente reconhece direitos e olvida a responsabilidade comunitária dos

cidadãos e, de outro, um comunitarismo que dissolve a liberdade do cidadão num conjunto de

deveres tributários. Direitos e deveres fundamentais sejam sopesados em nome de uma verdadeira

cidadania.

2.3 O justo tributo

As leis e instituições devem priorizar a justiça para dirimir os conflitos de interesses

inerentes à sociedade objetivando o desenvolvimento e a ordem social.

Importante para elaboração do modelo de justiça é a obra do filósofo John Rawls que

revolucionou a idéia de justiça, relegada a segundo plano pelo positivismo dos séculos XIX e XX.

Defende Rawls, com base no contrato social, que a justiça como eqüidade transmite a idéia

de que o acordo sobre os princípios da justiça é alcançado numa situação inicial que é eqüitativa. Os

contratantes, pessoas racionais e morais, livres e iguais, nesta posição originária, cobertos pelo véu de

ignorância, escolhem os princípios de justiça que devem orientar os direitos e deveres dos cidadãos

na estrutura básica da sociedade futura.

A formulação da idéia de uma sociedade bem ordenada, regulada por uma política de justiça

prevê que todos os indivíduos aceitem os mesmos princípios de justiça. Para Rawls o objetivo de

fundar uma sociedade de cooperação mutua, ou seja, uma sociedade bem ordenada, é permitir que

cada indivíduo possua condições de alcançar seus objetivos livremente escolhidos.

Para formular o conceito da justiça como eqüidade, na teoria de Rawls é imprescindível a

racionalidade das partes que pressupõe que os contratantes têm uma noção de justiça, isto é, visam à

liberdade e a igualdade; possuem projetos de interesses próprios; e têm auto-estima, não invejam

umas das outras. A racionalidade, a falta de conhecimento prévio sobre a posição social e de seus

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atributos pessoais, o objetivo em estabelecer uma cooperação mútua devem estar de acordo com o

conteúdo dos princípios contratuais que serão base da sociedade.

O pressuposto da racionalidade mutuamente desinteressada, então chega ao seguinte; as pessoas na posição original tentam reconhecer princípios que promovam seu sistema de fins o máximo possível. Fazem-no tentado ganhar para si o mais alto índice de bens sociais primários, desde que isso lhes permita promover sua concepção de bem da maneira mais efetiva, qualquer que seja. As partes não buscam conferir benefícios ou impor prejuízos entre si; não se movem por afeição ou rancor, nem tentam ganhar relativamente entre si; não são invejosas ou vaidosas. Em termos de jogo, podemos dizer: buscam o nível mais alto possível. Não desejam um nível maior ou menor para os seus opositores, nem buscam maximizar ou minimizar a diferença entre seus êxitos ou os alheios. A idéia de um jogo não se aplica realmente, desde que as partes não se preocupam em ganhar e sim em alcançar o máximo possível de pontos julgados pelo seu próprio sistema de fins. [...] São racionais no sentido de que não entrarão em acordos que saibam não poder cumprir, ou só o possam com grande dificuldade (RAWLS, 1981, p. 125).

Os princípios de justiça, na concepção do autor, têm a função de conjugar a liberdade e a

igualdade de forma coerente e eficaz.

No primeiro princípio todos têm direitos a uma liberdade ampla e a um projeto inteiramente

satisfatório de direitos. No segundo princípio trata das desigualdades econômicas e sociais

destacando dois requisitos: a) devem estar vinculados a posições e cargos abertos a todos, em

condições de igualdade eqüitativa de oportunidades; b) devem representar o maior benefício possível

aos menos favorecidos da sociedade.

Desta forma os dois princípios, escolhidos na posição original devem concretizar a

distribuição eqüitativa dos bens primários, que se resumem em bens básicos para todas os indivíduos,

independentemente de seus projetos pessoais e de suas concepções de bens, e, ainda, comportam o

auto-respeito e a auto-estima, seguidos das liberdades básicas, quais sejam, expressão e religião,

rendas e direitos a recursos sociais, ou seja, educação, saúde, moradia, lazer, etc. O princípio da

diferença prevê que os que estão em posição melhor somente podem aumentar seus ganhos se isso

implicar em vantagem para os menos desfavorecidos (justiça distributiva).

O primeiro dos dois princípios poderia se formulado como segue: primeiro – cada pessoa deve ter a mais ampla liberdade, sendo que esta última deve ser igual à dos outros e a mais extensa possível na medida em que seja compatível com uma liberdade similar de outros indivíduos. Segundo – as desigualdades econômicas e sociais devem ser combinadas a que ambas a) correspondam à expectativa de que trarão vantagens para todos, e b) que sejam ligadas a posições e a órgãos abertos a todos (RAWLS, 1981, p. 67-68).

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Numa sociedade de Estado Democrático de Direito Fiscal Social que pressupõe a existência

de limites à tributação o tributo não é um fim em si mesmo, é fruto da responsabilidade social do

cidadão.

A justiça tributária nessa sociedade exige a presença de no mínimo duas características

básicas, ou seja, uma intensa regulação na distribuição de bens na estrutura básica da sociedade e

cidadãos-contribuintes que pagam tributos para manter um fundo comum destinado a garantir a oferta

de bens e de serviços impossíveis de serem assegurados com igualdade a todos cidadãos se deixados

livremente a mercê do mercado.

Nesse sentido é que a teoria de Rawls, que propugna pela liberdade do indivíduo e pela

igualdade, deve ser aplicada no sentido de que os bens primários, necessários para a sobrevivência

digna de todos os indivíduos não sejam tributados, e, por outro lado, que o montante da riqueza que

cada cidadão contribuinte produzir com sua participação econômica, política e social, seja tributado

para reverter ao cidadão economicamente mais frágil na forma de oferta de bens primários, já que no

Estado democrático o cidadão não trabalha para o engrandecimento da pátria, para merecer a

salvação eterna, para enriquecer o empregador, mas sim trabalha para conquistar melhores cargos e

salários, e se torna cidadão contribuinte para garantir melhores condições de vida para todos.

Nesse sentido, a Constituição traz em seu bojo princípios que uma vez observados na

instituição do tributo garante um padrão de dignidade humana de seus cidadãos. Somente assim ter-

se-á o justo tributo.

A limitação à tributação é delineada pelos princípios do Estado Democrático de Direito

Fiscal Social. Nesse contexto os princípios da dignidade da pessoa humana, da cidadania, do

trabalho, da livre iniciativa, contidos no artigo 1º da Constituição, e os direitos fundamentais exigem

do Estado que a atividade de imposição tributária permita que o contribuinte seja um cidadão livre e

responsável.

A característica da fiscalidade do Estado, ainda, exige que o tributo não atinja intensidade

que inviabilize as atividades particulares ou venha a se configurar como via de estatização da

propriedade, pois deixaria de ser um Estado Fiscal para ser outro tipo de Estado.

O Sistema Tributário Nacional, contido no Título VI da Constituição Federal do Brasil, de

1988, traz consigo, ainda, princípios próprios limitadores da tributação, que devem ser ponderados

juntamente com os demais princípios do ordenamento constitucional para a imposição do justo

tributo.

Além dos princípios decorrentes do Estado Democrático de Direito Fiscal Social, acima

descritos, os princípios da legalidade do tributo, da igualdade, da segurança jurídica, da proibição de

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utilizar tributo com efeito de confisco, da capacidade contributiva, das imunidades tributárias, são

essenciais para a instituição do justo tributo:

- princípio da legalidade do tributo: está intimamente ligado ao Estado de Direito, no qual

vigora o primado da lei.

Conforme ensina Paulo Nader:

A Lei é uma forma moderna de produção do Direito Positivo. É ato do Poder Legislativo, que estabelece normas de acordo com os interesses sociais. Não constitui, como outrora, a expressão de uma vontade individual (L’État c’est moi), pois traduz as aspirações coletivas. Apesar de uma elaboração intelectual que exige técnica específica, não tem por base os artifícios da razão, pois se estrutura na realidade social. A sua fonte material é representada pelos próprios fatos valores que a sociedade oferece (1995, p. 168).

Em nosso ordenamento jurídico o conceito acima é importante em razão de vigorar o

Princípio da Legalidade – explicitamente assegurado no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal –

que estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude

de lei”.

O Princípio da Legalidade tem a função de garantir ao particular a prerrogativa de rechaçar

injunções impostas por outra via que não a da lei e a finalidade de combater o poder arbitrário do

Estado, eis que com o primado da lei, limita-se a vontade do detentor do poder em benefício da lei.

Vincula-se também à liberdade, à dignidade da pessoa humana e à segurança jurídica.

Sobre o assunto, José Afonso da Silva assevera que:

O princípio da legalidade é nota essencial do Estado Democrático de Direito. É, também, por conseguinte, um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca de igualização das condições dos socialmente desiguais. Toda sua atividade fica sujeita “à lei”, entendida como expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição. É nesse sentido que se deve entender a assertiva de que o Estado, ou o Poder Público, ou os administradores não podem exigir qualquer ação, nem impor qualquer abstenção, nem tampouco mandar proibir coisa alguma aos administrados, senão em virtude de lei (2007, p. 82).

O legislador após ter disciplinado o processo legislativo nos artigos 59 a 69, da Constituição,

ao estabelecer as limitações ao poder de tributar, reforça no artigo 150, inciso I, que é vedado aos

entes federativos exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça e sem prejuízos de outras

garantias asseguradas ao contribuinte. A Constituição, portanto, não se reporta a outras espécies

legislativas, como medidas provisórias ou decretos legislativos.

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Nesse mesmo sentido o artigo 62, § 2º, da Constituição Federal assegura:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 2º Medida provisória que implique em instituição e majoração de impostos, excetos previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.

Nota-se que o Presidente da República poderá adotar medida provisória com força de Lei,

para a instituição ou majoração de imposto, no entanto, esta servirá apenas como iniciativa de lei, já

que a própria Constituição ao condicionar a eficácia da medida a sua conversão em lei, reforça o

princípio da legalidade. A eficácia da medida somente ocorrerá com a sua conversão em lei, e,

portanto, é esta que instituirá ou aumentará o imposto e não a medida provisória.

- princípio da igualdade: explicito no artigo 150, inciso II da Constituição. A necessidade de

igualdade, em matéria tributária, proíbe distinções arbitrárias entre contribuintes que se encontrem

em situações semelhantes. É um dos princípios estruturantes do Sistema Tributário e tem como

parâmetro a capacidade contributiva.

Art. 150- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I- [...]; II- Instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou da função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

Na interpretação de José Afonso da Silva:

Aqui se cuida da igualdade “em sentido jurídico como paridade de posição, com exclusão de qualquer privilégio de classe, religião e raça, de modo que os contribuintes, que se encontrem em idêntica situação, sejam submetidos a idêntico regime fiscal”- que coincide com a generalidade, da imposição e que, para realizar a justiça fiscal, depende ser completamentada com a igualdade em sentido econômico, fundada no princípio da capacidade contributiva [...] (2007, p. 654).

O princípio da igualdade é a projeção, na área tributária, do princípio geral da isonomia

jurídica ou princípio de que todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput, CF). Impõe ao legislador

“discriminar adequadamente os igualmente desiguais na medida das suas desigualdades” e “não

discriminar entre os iguais, que devem ser tratados igualmente”. Apresenta-se aqui como garantia de

tratamento uniforme.

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Na distribuição da carga tributária, o princípio da igualdade impõe a repartição do ônus

igualmente a todos os cidadãos. Como essa igualdade não é aritmética faz-se necessário encontrar

critérios para distribuir de forma justa esse ônus, respeitando as diferentes situações em que os

indivíduos se encontram. Assim, para a verdadeira igualdade há necessidade de tratamento desigual

para situações desiguais.

- segurança jurídica: esteio do Estado Democrático de Direito, considerada como um de

seus princípios basilares. A segurança jurídica possui relação direta com os direitos fundamentais e

conexão com os princípios da legalidade, tipicidade, irretroatividade, anualidade e anterioridade,

proibição de analogia, proteção da confiança do contribuinte, entre outros, que lhe dão efetividade.

Para Ricardo Lobo Torres:

Segurança jurídica é certeza, e garantia dos direitos é paz. Como todos os valores jurídicos, é aberta, variável, bipolar e indefinível. A segurança jurídica significa sobretudo segurança dos direitos fundamentais. A segurança jurídica torna-se valor fundamental do Estado de Direito, pois o capitalismo e o liberalismo necessitam de certeza calculabilidade, legalidade e objetividade nas relações jurídicas e previsibilidade na ação do Estado tudo que faltava ao patrimonialismo (2005, p. 168).

Sob o conceito de segurança jurídica está a elaboração, a aplicação, a interpretação e

inclusive a positivação da ordem jurídica. A segurança jurídica está garantida na declaração dos

direitos fundamentais constantes do artigo 5º da Constituição Federal.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

O princípio da segurança jurídica, no âmbito tributário, estabelece normas referentes aos

poderes do Estado, dispondo a respeito das garantias do contribuinte perante o Fisco. Formam um

subsistema constitucional tributário com o objetivo de atingir o valor absoluto da certeza pela

segurança das relações jurídicas estabelecidas entre o Estado e o contribuinte.

O princípio visa proteger o contribuinte frente às contínuas modificações na legislação

tributária, por meio de atos produzidos às pressas, a fim de atender, muitas vezes, apenas as

necessidades casuísticas da administração.

Ressalta-se que em virtude da dinamicidade do Direito na busca de acompanhar as

constantes mudanças sociais, a segurança jurídica é um princípio importantíssimo no meio jurídico,

pois fornece respaldo legal às inovações trazidas ao ordenamento jurídico.

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- proibição de utilizar tributo com efeito de confisco: está estritamente relacionado com a

natureza do Estado Fiscal e com o direito de propriedade.

O ato do Poder Público de privar o contribuinte de seus bens, sem lhe conceder a devida

compensação significa confisco. Uma vez aplicado o dever de pagar tributo, a proibição do confisco

indica que a obrigação decorrente do dever pode ter valor apenas parcial, impedindo a absorção

extrema das riquezas submetidas à tributação.

[...] para haver imposto num Estado Fiscal, não se pode esgotar, através da imposição tributária, a riqueza do contribuinte; [...] O ponto de partida do qual o imposto se torna confiscatório é fornecido pelo direito de propriedade e pelas chamadas liberdades econômicas. O princípio que veda a confiscatoriedade dos impostos decorre da necessidade de se efetuar a ponderação entre os interesses privados e as necessidades coletivas a serem cobertas pelos impostos, ou, em outras palavras, uma ponderação entre o direito de propriedade e as liberdades econômicas, de um lado, e o dever fundamental de pagar impostos, de outro lado (MENDONÇA, 2006, p. 424).

No Estado Fiscal o tributo não é um fim em si mesmo. Neste tipo de Estado suas

necessidades financeiras são cobertas pela contribuição de seus cidadãos, na medida de sua

capacidade contributiva. Uma vez atingido o nível de tributação intensa que dificulte ou inviabilize a

continuidade das atividades econômicas do contribuinte fere-se o direito fundamental de propriedade

e descaracteriza-se o Estado fiscal, que por via indireta da tributação com efeito confiscatório seria

transformado em Estado proprietário.

Para Nabais:

[...] os impostos podem apresentar-se como incompatíveis com o direito de propriedade, quando constituam um encargo excessivo para o contribuinte, prejudicando de forma essência as suas relações patrimoniais privadas e configurando-se assim como impostos sufocantes ou impostos com efeitos confiscatórios (1998, p. 565-566).

Estabelecido no artigo 150, inciso IV da Constituição Federal, o princípio do não-confisco

tributário, está assim redigido:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...]; IV – Utilizar tributo com efeito de confisco.

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Esta vedação constitucional que proíbe a tributação com efeito de confisco representa a

coibição de qualquer aspiração estatal capaz de levar, no campo da fiscalidade, a injusta apropriação

pelo Estado, no todo ou em parte, do patrimônio ou das rendas dos contribuintes, de forma a

comprometer-lhes, em decorrência da insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a

uma existência digna ou, também, a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular

satisfação de suas necessidades vitais básicas.

- capacidade contributiva – estabelecida no art. 145, § 1º da Constituição:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios poderão instituir os seguintes tributos: § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Examina a capacidade econômica do contribuinte de financiar a existência e o

funcionamento do Estado, estabelecida em base razoável e proporcional, como, por exemplo, todos

devem pagar impostos segundo o montante da renda disponível. Quanto maior a renda disponível,

maior deve ser o imposto.

A capacidade contributiva é o critério que melhor responde à justiça da tributação, pois ela faz com que se repartam os encargos tributários entre os indivíduos de acordo com as respectivas capacidades de suportarem a tributação ou de contribuírem para o custeio das atividades e prestações estatais (MENDONÇA, 2006, p. 427).

O Princípio da Capacidade Contributiva é o princípio jurídico que orienta a instituição de

tributos observando a capacidade do contribuinte de recolher aos cofres públicos.

Trata-se de um desdobramento do Princípio da Igualdade, aplicado no âmbito da ordem

jurídica tributária, na busca de uma sociedade mais igualitária, menos injusta, impondo uma

tributação mais pesada sobre aqueles que têm mais riqueza.

Para Ricardo Lobo Torres:

É extremamente árdua a construção do conceito da capacidade contributiva, até porque a idéia de justiça, a que se vincula, também oferece grande resistência para a sua clara compreensão [...] O conceito de capacidade contributiva, a nosso ver, só pode obtido com a intermediação dos princípios legitimadores da igualdade, ponderação e razoabilidade, com a reflexão sobre o seu fundamento ético e jurídico e com a consideração das limitações constitucionais ao poder de tributar e das possibilidades fáticas da mensuração da riqueza de cada qual, tudo o que leva à procura de uma saída procedimentalista e discursiva (2005, p. 292).

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Dada a significação do princípio da capacidade contributiva para a dignidade da pessoa

humana, a cidadania e para o Estado de Direito, Nabais reconhece o primado da capacidade

contributiva sobre a razão fiscal e descreve:

Com efeito, a defesa do eminente interesse constitucional que é o chamado interesse fiscal – um interesse vital para a existência e a manutenção da coletividade, já que da sua satisfação depende o funcionamento dos serviços públicos –, não pode resvalar para o tradicional e bem conhecido “fiscalismo” em que a “razão fiscal” (uma razão específica manifestação da “razão de estado”) reduza a relação de imposto a uma mera relação de poder, que faça tábua rasa da sua natureza de dever fundamental e do carácter axiológico (e não meramente técnico) que o direito fiscal deve assumir. [...] há de ser prosseguido com a ressalva de não violar o princípio da capacidade contributiva, que constitui o limite material matriz ou aglutinador de todos os outros, ou seja, com base no adequado equilíbrio ou ponderação entre o interesse fiscal e o interesse do contribuinte em não ser tributado senão de acordo com uma capacidade contributiva própria, específica e efectiva. (1998, p. 497).

O princípio da capacidade contributiva exerce a função de critério ou de instrumento à

concretização dos direitos fundamentais individuais, quais sejam, a igualdade e o direito de

propriedade ou vedação do confisco. A capacidade contributiva é, de fato, a espinha dorsal da justiça

tributária. É um instrumento de comparação que inspira o princípio constitucional da igualdade.

- imunidades tributárias: prevista no art. 150, alíneas a, b, c, d do inciso VI da Constituição

Federal de 1998.

Art. 150- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...]; VI - Instituir impostos sobre; a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

Consiste na classe finita e imediatamente determinável, de normas jurídicas de natureza

constitucional, que estabeleçam, de modo expresso, proibição às pessoas políticas de direito

constitucional interno para expedir regras de tributação que alcancem situações específicas e

suficientemente caracterizadas.

Para Mizabel Abreu Machado Derzi:

As imunidades, como normas sempre parcialmente denegatórias do poder, relativas a certos fatos específicos e determinados, mutilam o âmbito de validade da norma

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atributiva de poder, delimitando a compet6encia da pessoa estatal. Emanam de relevantes princípios constitucionais, que lhes dão sentido harmônico e coerente. Mas têm, tradicionalmente, sua especialidade definida em que pressupõem a inexistência de competência em relação àqueles específicos fatos imunes (1997, p. 234).

O princípio da imunidade tributária tem como destinatário o legislador e como função

garantir o alto prestígio de que devem gozar a Federação, a organização da sociedade civil, as

associações de trabalhadores, a solidariedade social, a liberdade de culto, a liberdade de expressão e o

acesso à cultura e informação, no âmbito do Estado Democrático de direito brasileiro.

A imunidade não tem caráter de privilégio, mas sim proteção aos valores fundamentais

abrigados na Constituição que dão suporte as mencionadas instituições.

Para Torres:

As imunidades são vedações ao exercício do poder tributário, que tendo fundamento nos direitos de liberdade, não podem ser revogadas nem modificadas. A imunidade é intributabilidade, impossibilidade de o Estado criar tributos, sobre o exercício dos direitos da liberdade, incompetência absoluta para decretar impostos sobre bens ou coisas indispensáveis à manifestação da liberdade, não-incidência ditada pelos direitos humanos e absolutos anteriores ao pacto constitucional (2005, p. 308).

A imunidade tributária além de ser instrumento de limitação da competência tributária dos

Entes Políticos objetiva, também, proteger e concretizar os direitos humanos garantidos

constitucionalmente.

Isto posto, o dever fundamental de pagar tributo, no Estado Democrático de Direito Fiscal

Social, deve estar alicerçado na ponderação desses princípios e direitos fundamentais abrigados na

Constituição para imposição de justa tributação.

Na falta desta ponderação e havendo o desequilíbrio da justa medida, ferem-se os direitos

fundamentais e o Estado abre-se para a sonegação, exclusão social, elisão fiscal, corrupção,

ocasionado o empobrecimento do Estado.

O excesso da tributação direciona o contribuinte para a sonegação, a elisão fiscal e

corrupção. Essa afirmativa é comprovada pela Lei de Lafer ao demonstrar que o aumento sucessivo

de tributos provoca um aumento cada vez menor na arrecadação.

No atual contexto sócio-econômico brasileiro a receita do Estado, advinda da tributação, tem

aumentado ao longo dos anos impondo ao Brasil uma carga de tributos que, se não é a maior, situa-se

entre as maiores do mundo. Essa afirmativa é evidenciada de acordo com as estatísticas da Secretaria

da Receita Federal do Brasil (ANEXO VI).

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Por outro lado, são visíveis as diferenças sociais e o alarmante número de excluídos – parte

da população privada dos seus direitos básicos garantidos pela Constituição, como a saúde, educação,

lazer, assistência social – comprovada pelo IDH - Índice de Desenvolvimento Humano 2007/2008,

parte integrante do Relatório de Desenvolvimento Humano produzido pelo Pndu - Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano, abrange 177 países. Esse índice tem a finalidade

de ser um indicador de qualidade de vida das populações. O IDH é um índice que varia de zero (0)

até um (1). Países com IDH superior a 0,800 têm desenvolvimento humano considerado alto, porém

o Brasil, a partir do relatório de 2007/2008, obteve um IDH igual a 0,800, ou seja, é o último da

escala na faixa de países de alto desenvolvimento humano.

Nota-se diante desta realidade que, apesar do aumento da riqueza estatal, não ocorre a

contrapartida da melhoria dos serviços prestados pelo Estado na mesma proporção. A população

brasileira tem levantado o entendimento de que no Brasil a tributação alcança limites que não pode

ser mais elevados, observa-se que a carga tributária em 2007 atingiu o equivalente a 34,79 % do PIB.

Para que o tributo seja instrumento de justiça social, diminuindo as desigualdades,

promovendo a liberdade e a igualdade, com a concretização dos direitos fundamentais é necessário

que a instituição e a exigência do tributo sejam fundamentadas na Constituição Federal, com a

aplicação dos princípios constitucionais acima descritos.

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3 INTERPRETAÇÃO CONTEMPORÂNEA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

3.1 A juridicidade dos princípios: do jusnaturalismo ao pós-positivismo

A atividade do Estado e a aplicação do Direito em cada nação estão subordinadas ao modelo

constitucional adotado e ao ambiente jusfilosófico, os quais dão os contornos para a hermenêutica

jurídica. Para discutirmos o dever de pagar tributo é necessária uma análise dos princípios

constitucionais que informam esse dever. E é através da interpretação das normas constitucionais que

podemos determinar os limites da tributação.

Nas últimas décadas a interpretação do direito passou por intensas transformações, os

princípios abrigados na Constituição brasileira de 1988 ganham nova conformação.

No lugar do formalismo jurídico, surge o pluralismo metodológico que possibilita ao Estado

exercer sua função de forma mais equilibrada, ponderando os conflitantes valores sociais e liberais

abrigados no texto constitucional por meio dos princípios, tais como os de justiça, os de legitimidade.

O aperfeiçoamento dos ideais do jusnaturalismo e do positivismo pelo pós-positivismo

restitui à ordem jurídica os valores, a ética e os direitos fundamentais previstos constitucionalmente,

provocando a rediscussão dos valores inerentes ao homem.

O jusnaturalismo, doutrina filosófico-juridica, formada a partir do século XVI, embora

nascida das idéias de Platão de uma justiça inata e universal, surge para superar a idéia teológica do

dogmatismo medieval. É tido como uma das principais correntes filosóficas que acompanha o Direito

durante séculos.

Fundado na idéia da existência de um direito natural, reconhece, na sociedade, um conjunto

de valores e de pretensões humanas independentes de uma norma jurídica procedente do Estado, ou

seja, não estão subordinados ao direito positivo. O direito natural vale por si só, autêntico por uma

ética superior que estabelece limites à norma estatal.

A teoria de que o homem possuiria uma série de direitos naturais tem aplicação em diversas

fases históricas, da Antiguidade Clássica, passando ao longo da Idade Média, até os dias de hoje. Sua

origem está associada à cultura grega, nas idéias de Platão de uma justiça inata e universal. O

jusnaturalismo tem fundamentalmente duas versões: a) a de uma lei estabelecida pela vontade de

Deus; e b) de uma lei ditada pela Razão.

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Nessa fase jusnaturalista, os princípios gerais de direito são máximas estabelecidas pela

razão, pela lei natural, que devem nortear o agir humano. Segundo Bonavides, apesar de ser a fase

mais antiga e tradicional, que dominou a dogmática dos princípios por um longo período, os

princípios se apresentavam numa esfera abstrata e de baixa normatividade (2002, p. 233).

Para Flórez-Valdés:

[...] a corrente jusnaturalista concebe os princípios gerais de Direito, em forma de “axioma jurídicos” ou norma estabelecidas pela reta razão. São, assim, normas universais de bem obrar. São os princípios de justiça, constitutivos de um Direito ideal. São, em definitivo, “um conjunto de verdades objetivas derivadas da lei divina e humana” (apud BONAVIDES, 2002, p.234).

Na compreensão dos jusnaturalistas, os princípios gerais de direito eram concebidos a partir

do ideal de justiça. No entanto, foi a “formulação axiomática” desses princípios que “os arrastou ao

descrédito” (GARCIA DE ENTERRIA, apud BONAVIDES, 2002, p.234).

Os direitos naturais do jusnaturalismo, mesmo consolidados e incorporados

generalizadamente aos ordenamentos jurídicos, foram superados pelos ideais da era do positivismo do

século XIX.

O positivismo filosófico foi importado para a o mundo do Direito com a finalidade de criar

uma ciência jurídica sustentada em juízos de fato e não de valor.

O modelo positivista teve uma contribuição de destaque para o Direito, dando-lhe

sistematicidade, apresentando segurança para as relações que se desenvolviam sob sua proteção.

Norberto Bobbio apresenta algumas diferenças relevantes entre o direito natural e o positivo,

como, por exemplo, o direito natural é válido em todos os lugares, enquanto que o positivo somente

em alguns; o direito natural é imutável, enquanto que o positivo muda; o direito natural nos chega

diretamente da nossa razão, enquanto que o positivo é sabido por meio de promulgação, vontade

alheia; o direito natural estabelece aquilo que é bom, enquanto que o positivo estabelece o que é útil

(1999, p. 22).

O positivismo jurídico atingiu seu ápice na obra Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen

(1999). Segundo esse autor, considerado o maior jurista do século XX, a ciência jurídica deveria ser

objetiva e clara, ciência de normas, do dever-ser, que se abstivesse de julgar segundo quaisquer

critérios de justiça as normas que buscava descrever e explicar. Assim, qualquer consideração

axiológica deveria ser remetida a outros ramos uma vez que a ciência do direito seria uma ciência

autônoma e independente da sociologia do direito e da história do direito.

Contudo, diante da complexidade da realidade social e do dogma da completude do

ordenamento jurídico, o aplicador da lei, sob pena de inadmitida denegação de justiça, nos casos

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inevitáveis de lacunas normativas deverá necessariamente recorrer à analogia, aos costumes, aos

princípios gerais de direito e à equidade, como previsto no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código

Civil brasileiro e no artigo 108 do Código Tributário Nacional e seus parágrafos, abrindo, nesta fase,

espaço para o entendimento dos princípios gerais de direito.

Na Escola Positivista os princípios são entendidos como fonte normativa subsidiária, de

forma que o aplicador deverá sempre limitar-se ao direito positivado (BONAVIDES, 2002, p. 235).

Para Paulo Nader os princípios gerais de direito expressam elementos contidos no

ordenamento jurídico. A vinculação de tais princípios ao direito positivo favorece a coerência lógica

do sistema, pois, caso os princípios gerais de direito se identificassem com os princípios de direito

natural abrir-se-ia um campo ilimitado ao arbítrio judicial. E, ainda, os princípios gerais de direito

concedem ao ordenamento jurídico poder de expansão, que lhe permite a solução de todas questões

sociais (1999, p. 236).

Com o passar dos tempos o ideal positivista de objetividade e neutralidade se torna

irrealizável. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, o pensamento de um ordenamento jurídico apático

a valores éticos, no qual o aplicador da lei deveria se conter nos limites do direito positivo vigente,

uma vez que os princípios gerais de direito seriam somente aqueles consagrados expressamente no

ordenamento jurídico, mostrou-se insuficiente para atender a finalidade do direito como ciência

social.

Apesar do enorme prestígio do positivismo, coube às novas gerações buscarem soluções

para os temas atuais com a finalidade de efetivar os direitos fundamentais e construir um sistema

jurídico mais flexível que permitisse uma aplicação mais adequada do direito.

Com o aparecimento de novas correntes do pensamento jurídico e com o recuo do

positivismo inicia-se a terceira fase que é a do pós-positivismo.

Nesta fase as idéias de justiça e legitimidade são introduzidas novamente no ordenamento

jurídico positivo pelo constitucionalismo moderno, com a volta dos valores e a reaproximação entre a

moral, a ética e o direito concretizados em princípios jurídicos constitucionais, implicitamente ou

explicitamente abrigados na constituição.

Nas palavras de Paulo Bonavides a fase do pós-positivismo:

[...] corresponde aos momentos constituintes das últimas décadas deste século. As novas constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais (2002, p. 236).

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Apesar dos princípios permearem o direito desde os primórdios como, por exemplo, o

‘respeito ao próximo’, na tradição judaica; o princípio da não-contradição, da filosofia grega,

formulada por Aristóteles, ‘não pode ser e não ser simultaneamente’ que reflete a idéia de que o

direito não tolera antinomias. É no pós-positivismo que os princípios passam a ser visto como Direito

e adquirem o atributo de normatividade. Essa é a novidade do pós-positivismo.

Nesse sentido Luís Roberto Barroso:

[...] Os princípios como se percebe vem de longe e desempenham papéis variados. O que há de singular na dogmática da quadra histórica atual é o reconhecimento da sua normatividade. Os princípios constitucionais, portanto, explícitos ou não, passam a ser a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a ideologia da sociedade, seus postulados básicos, seus fins. Os princípios dão unidade e harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas (2003, p. 29).

O pós-positivismo dá ênfase aos direitos fundamentais representados por princípios que

demonstram o pensamento, a vontade e os fins da sociedade. Com efeito, o pós-positivismo se

contrapõe à teoria jusnaturalista e à juspositivista, considerando os princípios como verdadeiras

normas jurídicas aptas a produzirem efeitos na realidade fática e na jurisprudência.

Paulo Bonavides descreve:

É na idade do pós-positivismo que tanto a doutrina do direito natural como a do velho positivismo ortodoxo vem abaixo, sofrendo golpes profundos e crítica lacerante, proveniente de uma reação intelectual implacável, capitaneada sobretudo por Dworkin, jurista de Harvard. Sua obra tem valiosamente contribuído para traçar e caracterizar o ângulo novo de normatividade definitiva reconhecida aos princípios (2002, p. 237).

Para o autor a normatividade dos princípios ingressou na ordem jurídica, com maior

destaque, após os estudos de Boulanger, que pioneiramente, embora titubiante, fez a distinção entre

princípio e regra, afirmou a relevância dos princípios e reconheceu que os princípios existem, mesmo

quando não expressos em textos legais, já que é manifestação do espírito de uma legislação

(BONAVIDES, 2002, p. 239-240).

Para Vezio Crisafulli princípio:

- é toda norma jurídica considerada como determinante de outra ou outras que lhes são subordinadas, que a pressupõe, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares; - tem dupla eficácia: eficácia mediata e a eficácia imediata (programática);

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- expresso numa formulação legislativa ou, ao contrário, implícito ou latente num ordenamento, constitui norma, aplicável como regra de determinados comportamentos públicos ou privados; - são normas escritas e não escritas, das quais logicamente derivam as normas particulares (também estas escritas e não escritas) e as quais inversamente se chega partindo destas últimas (apud BONAVIDES, 2002, p. 244-245).

Os mestres do Direito Público contemporâneo procuram demonstrar a eficácia dos

princípios e destacam que a característica de generalidade destes não lhes retira o título de

normatividade que lhes foi atribuído pela doutrina.

São características dos princípios a generalidade e a fecundidade. Para Domenico Farias é

do atributo da fecundidade que se deduz as funções de interpretação e integração. A partir dessas

funções os princípios adquirem paulatinamente normatividade e assim conquista o grau

constitucional, grau mais alto do Direito Positivo (apud BONAVIDES, 2002, p. 246).

No entanto, a constitucionalização dos princípios apresenta fases distintas de normatividade.

A primeira, fase programática, a normatividade constitucional dos princípios é mínima e sua

aplicação é diferida. A segunda, fase não programática, a normatividade é máxima, com aplicação

direta e imediata dos princípios, apresentando-se no mesmo plano os princípios gerais,

constitucionais e as disposições de princípios (BONAVIDES, 2002, p. 246).

A doutrina a respeito da normatividade dos princípios advém basicamente dos estudos da

Filosofia e da Teoria Geral do Direito em busca de solucionar o conflito entre jusnaturalismo e

positivismo. Essa nova fase da doutrina, pós-positivismo, é representada por Müller que com o

normativismo de sua teoria estruturante do direito rompe o normativismo de Kelsen e por Dworkin

que reintroduz a moral no direito e questiona o positivismo de Hart.

Nesse sentido Bonavides destaca:

São momentos culminantes de uma reviravolta na região da doutrina, de que resultam para a compreensão dos princípios jurídicos importantes mudanças e variações acerca do entendimento de sua natureza: admitidos definitivamente por normas, são normas-valores com positividade maior nas Constituições do que nos Códigos; e por isso mesmo providos, nos sistemas jurídicos, no mais alto peso por constituírem a norma de eficácia suprema. Essa norma não pode deixar de ser o princípio (2002, p. 248).

O pós-positivismo estabelece, portanto, um conjunto de idéias disseminadas que ultrapassam

o legalismo estrito do positivismo normativista, sem recorrer a categorias da razão subjetiva do

jusnaturalismo. Destaca-se pela ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade dos

princípios e a essencialidade dos direitos fundamentais. Volta-se, com ele, a discussão ética do

Direito.

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Resumidamente, pode se afirmar que a teoria dos princípios chega à fase do pós-

positivismo, com os seguintes resultados: os princípios saem do campo metafísico e abstrato e

adentram o campo concreto e positivo do Direito, ainda, com baixa normatividade; do âmbito

jusprivativista (Códigos) vão para o âmbito juspublicista (Constituições); ocorre a suspensão da

clássica distinção entre normas e princípios; é proclamada a sua normatividade, perdendo seu caráter

programático; a confirmação de que as regras e os princípios são espécies do gênero norma, e as suas

distinções (BONAVIDES, p. 265)

Após essa reviravolta da doutrina fica superado o conflito entre princípio e norma, já que

para a metodologia da doutrina pós-positivista a norma é elevada à categoria de gênero do qual são

espécies: princípios e regras.

3.2 Teoria dos princípios no Direito brasileiro

Para chegar à normatividade dos princípios passou-se pela fase do jusnaturalismo, onde os

princípios eram vistos apenas como sugestões de moral e ética, de origem universal. Em seguida na

fase do positivismo jurídico, o princípio é reconhecido como fonte secundária, com característica

interpretativa, integrativa. E, então, no pós-positivismo adquirem característica de norma, ganhando a

sua própria teoria, ou seja, a teoria dos princípios.

Para compreensão desta teoria, que coloca os princípios como espécies do gênero norma, ao

lado das regras, é necessária uma análise das diferenças entre princípios e regras.

Nesta fase conforme descreve Bonavides:

De antiga fonte subsidiária de terceiro grau nos Códigos, os princípios gerais desde as derradeiras Constituições da segunda metade deste século, se tornaram fonte primária de normatividade, corporificando do mesmo passo na ordem jurídica os valores supremos ao redor dos quais gravitam os direitos, as garantias e as competências de uma sociedade constitucional (2003, p. 254).

Seguindo esse mesmo sentido, Norberto Bobbio:

Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvidas: os princípios gerais são normas como todas

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as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas? (2006, p.158-159).

Ronald Dworkin ao diferenciar princípios e regras considera dois critérios: o do tudo ou

nada e do peso ou importância.

Para o primeiro critério, as regras obedecem à lógica do tudo ou nada, quer dizer, ou são

integralmente aplicáveis ao caso concreto ou não. “Dados os fatos que uma estipula, então ou a regra

é valida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada

contribui para a decisão” (DWORKIN, 2002, p. 39).

Por outro lado, o mesmo não acontece com os princípios, que “mesmo aqueles que mais se

assemelham a regras, não apresentam conseqüências jurídicas que se seguem automaticamente

quando as condições são dadas” (DWORKIN, 2002, p. 40).

Quanto ao segundo critério determinado por Dworkin os princípios possuem a dimensão de

peso ou importância diferentemente do que ocorre com as regras. Assim, quando dois princípios

entram em conflito, o aplicador do Direito deverá ponderar, considerando os princípios em conflito,

ou seja, “leva em conta a força normativa de cada um” (2002, p. 42).

Portanto, de acordo com a teoria de Dworkin, os princípios suscitam questões de peso e as

regras de validade. Os princípios são ponderados e harmonizados a um determinado caso, são normas

passíveis de convivência sem conflito que o excluam do ordenamento jurídico. Enquanto as regras ou

valem ou não, ou seja, se duas regras são conflitantes, uma delas está sujeita à exclusão.

Para Dworkin somente as regras ditam resultados, são aplicadas ao modo tudo ou nada,

diante de um resultado contrário é abandonada ou alterada. Enquanto que os princípios, quando não

se inclinam de maneira conclusiva para uma decisão, são abandonados por ocasião da apreciação de

um caso concreto, não são excluídos da ordem jurídica e sobrevivem intactos.

Descreve o autor “se duas regras entrarem em conflito, uma delas não pode ser regra válida.

A decisão acerca de qual será válida e qual deverá ser abandonada ou reformada fica sujeita a

considerações exteriores às próprias regras” (DWORKIN, 2002, p. 42).

Alexy, representante de destaque da doutrina pós-positivista, seguindo as idéias de Dworkin

aperfeiçoou ainda mais o conceito de princípios. Estuda a distinção entre regras e princípios e

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também abriga essas modalidades sob o conceito de norma. Para ele tanto as regras quanto os

princípios são normas porque ambos dizem o que deve ser e podem ser formulados com auxílio das

expressões deônticas tais como o mandamento, a permissão e a proibição (apud BONAVIDES, 2002,

p. 248-249).

Princípios e regras, portanto, são juízos concretos do dever ser e não do ser, o que não gera

dúvidas, embora sejam espécies muito diferentes.

Robert Alexy define um critério para diferenciar regras e princípios baseado no aspecto

lógico ou qualitativo. Os princípios são espécies de normas jurídicas que se caracterizam por serem

mandados de otimização, com o objetivo de concretizar algo dentro da melhor e maior medida

possível, isto é, de acordo com as condições circunstanciais, podem ser realizados em diferentes

graus ou medidas sem comprometer a validade dos princípios em jogo. Por outro lado, as regras são

concebidas como mandado de definição com natureza biunívoca, que podem ou não ser cumpridas,

não permitindo a mesma flexibilidade e gradação que caracterizam os princípios. Essas regras, diante

do caso concreto, são aplicáveis ou não, ou seja, se a regra é válida, então há de se fazer o que ela

determina.

Na lição do autor:

Toda norma es o bien uma regla o un principio. Los principios son “Mandatos de optimizacion”que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades reales sin también de las jurídicas. En cambio, las reglas son normas que sólo pueden ser cumplidas o no. Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones en el ámbito de lo fáctica y jurídicamente posible. Esto significa que la diferencia entre reglas e principios cualitativa y no de grado (ALEXY, 2002, p. 86-87).

Humberto Ávila com o objetivo de aperfeiçoar os critérios de distinção entre princípio e

regra elabora sua crítica partindo dos critérios cárater hipotético-condicional, modo final de

aplicação, relacionamento normativo e fundamento axiológico.

O critério cárater hipotético-condicional – que determina que as regras possuem uma

hipótese e uma conseqüência que preestabelecem a decisão correta, aplicadas ao modo se, então, e os

princípios somente estabelecem os fundamentos que o aplicador utilizará para então descobrir a regra

integralmente aplicável para o caso concreto – seria impreciso, uma vez que, o conteúdo de qualquer

norma depende das possibilidades normativas e fáticas do caso concreto; pode ser reformulado de

modo a possuir uma hipótese de incidência seguida de uma conseqüência, e também qualquer norma

que possui uma hipótese seguida de uma conseqüência terá sempre um fim. Nesse sentido, o

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qualitativo de regra e de princípio decorre do uso argumentativo da norma e não da estrutura

hipotética.

O dispositivo constitucional que estabelece por exemplo, se houver instituição ou aumento

de tributo, então a instituição ou aumento deve se veiculado por lei, pode ser entendido como regra,

se o aplicador considerar o aspecto imediatamente comportamental – a edição de lei em sentido

formal para a validade da criação ou aumento de tributos – e pode ser entendido como princípio, se o

aplicador privilegiar o aspecto teleológico e o dispositivo for aplicado como instrumento de

realização do valor liberdade e do valor segurança (Ávila, 2006, p. 42).

Para o autor não é verdadeira a afirmação de que os princípios não contêm conseqüências

normativas e hipótese de incidência como as regras. Ressalta que os princípios também desfrutam de

conseqüências normativas, já que o objetivo estipulado por eles deve ser considerado na análise do

caso concreto e o comportamento necessário para se atingir e preservar o estado ideal de coisas deve

ser adotado. Assim, apesar dos princípios não determinarem frontalmente os comportamentos a

serem adotados, a sua interpretação pode indicar, inclusive abstratamente, quais as espécies de

comportamento devem ser adotados para a realização do fim.

Desta forma, o autor conclui na sua análise crítica do critério cárater hipotético-condicional,

que “o ponto decisivo não é, pois, a ausência da prescrição de comportamento e de conseqüências no

caso dos princípios, mas o tipo da prescrição de comportamentos e de conseqüências, o que é algo

diverso” (ÁVILA, 2006, p. 43).

O critério modo final de aplicação – que compreende que as regras são aplicadas de modo

absoluto tudo ou nada e os princípios de modo gradual mais ou menos – não é verdadeiro, primeiro

porque o modo de aplicação das regras não está definido no texto objeto da interpretação e a

conseqüência primária prevista na norma pode ser superada frente ao caso concreto, uma vez que, no

momento da elaboração das regras não é possível ao legislador imaginar todas as situações que

possam ocorrer – a característica específica das regras surge somente após sua interpretação. “A

consideração de circunstâncias concretas e individuais não diz respeito à estrutura das normas, mas à

sua aplicação; tanto os princípios como as regras podem envolver a consideração a aspectos

específicos, abstratamente desconsiderados” (ÁVILA, 2006, p. 47).

Ávila cita como exemplo a legislação tributária federal que proibi a importação para as

empresas participantes do programa de pagamento simplificado de tributos. A regra determina se

fosse feita a importação, então a empresa seria excluída do referido programa. Uma pequena fábrica

de sofá, optante pelo regime especial, foi excluída por ter infringido a condição legal de não efetuar a

importação de produtos estrangeiros. Como a empresa havia efetuado a importação de apenas quatro

pés de sofás, para um único sofá, recorreu da decisão. A exclusão foi anulada, porque uma

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interpretação dentro do razoável indicava que apesar da hipótese prevista em lei ter ocorrido

(importação de bens estrangeiros), o comportamento da empresa não comprometia a promoção do

fim que justificava a regra (estímulo da produção nacional) (2006, p. 46).

Verifica-se que não é adequado a afirmação que as regras são aplicadas na forma “tudo ou

nada”, em muitos casos, a conseqüência determinada pela norma pode não ser aplicada frente a

razões substanciais observadas pelo aplicador, desde que a fundamentação indique razões superiores

àquelas que justificam a própria regra.

Já registrava Aristóteles, no Livro V da Ética a Nicômano, que o caso concreto pode

apresentar particularidades não previstas de forma geral pelo legislador, cabendo ao aplicador ajustar

a norma e suas conseqüências de acordo com as características próprias do caso.

A razão é que toda lei é de ordem geral, mas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta em relação a certos casos particulares. Nestes casos, então, em que é necessário estabelecer regras gerais, mas não é possível faze-lo completamente, a lei leva em consideração a maioria dos casos, circunstâncias e nem por isso a lei é menos correta, pos a falha não é da lei nem do legislador, e sim da natureza do caso particular, pois a natureza da conduta é essencialmente irregular. Quando a lei estabelece uma regra geral, e aparece em sua aplicação um caso não previsto por esta regra, então é correto, onde o legislador é omisso e falhou por excesso de simplificação, suprir a omissão, dizendo o que o próprio legislador diria se estivesse presente, e o que teria incluído em sua lei se houvesse previsto o caso em questão (1999, p. 109).

Segundo porque não são os princípios que são aplicados de modo gradual mais ou menos,

mas sim o estado de coisas – situação qualificada por determinadas qualidades que se transforme em

fim quando alguém objetiva conseguir, gozar ou possuir as qualidades existentes naquela situação –

que pode ser mais ou menos atingido de acordo com a conduta utilizada como meio. Desta forma, o

princípio será ou não aplicado, ou seja, a conduta, o comportamento necessário para atingir ou

preservar este estado de coisas é que será adotado ou não.

O importante é que tanto os princípios quanto as regras permitem a consideração de aspectos concretos e individuais. No caso dos princípios essa consideração de aspectos concretos e individuais é feita sem obstáculos institucionais, na medida em que os princípios estabelecem um estado de coisas que deve ser promovido sem descrever, diretamente, qual o comportamento devido (ÁVILA, 2006, p. 48).

Os princípios são normas que geram à argumentação razões substanciais ou razões

finalísticas. As regras geram para a argumentação razões de correção ou razões autoritativas. Assim,

a ponderação é condição sine qua non na atividade do intérprete, o que importa dizer que o ponto

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distintivo não está na estrutura condicional da norma. É a forma como o intérprete justifica a

aplicação do conteúdo preliminar da norma, se frontalmente finalístico ou comportamental, que

determina o enquadramento nas espécies normativas, regra ou princípio.

O critério relacionamento normativo – que estabelece que a colisão entre regras é um

verdadeiro conflito que somente pode ser resolvido por uma cláusula de exceção ou pela nulidade de

uma das regras, enquanto o mesmo não ocorre entre os princípios, pois a colisão entre estes é

solucionada mediante ponderação e harmonização no caso concreto e existindo incompatibilidades

entre eles, serão afastados do caso concreto, porém não excluídos da ordem jurídica – segundo Ávila

deve ser aperfeiçoado, pois entende que a ponderação não é “método privativo de aplicação” dos

princípios, já que a ponderação, entendida como balanceamento de razões e contra-razões que indica

a decisão correta para o caso concreto, também é aplicada para as regras, a diferença é o tipo de

ponderação.

A uma, porque o conflito de regras não é necessariamente em nível abstrato. Duas regras

podem ser válidas e coexistir formalmente no ordenamento jurídico, porém essas mesmas regras

podem ser conflitantes diante do caso concreto. Assim esse conflito concreto será solucionado

através da ponderação atribuindo um peso maior a uma delas, dada a sua finalidade, sem que a outra

perca sua validade.

Para elucidar o Código de Ética Médica estabelece que o médico deva dizer toda a verdade

sobre a doença ao seu paciente e em outra regra que deva utilizar todos os meios disponíveis para

curá-lo. Porém, como decidir no caso concreto em dizer a verdade ao paciente sobre sua doença que

poderá levá-lo a um desequilíbrio emocional que traga graves conseqüências a sua vida ou omitir a

verdade para preservar o estado de saúde do paciente? Verifica-se nesse caso que o conflito de regras

não ocorre no plano abstrato, mas somente no caso concreto, como normalmente se verifica no

conflito de princípios (Ávila, 2006, p. 53).

É preciso, pois, aperfeiçoar o entendimento de que o conflito entre regras é um conflito necessariamente abstrato, e que quando duas regras entram em conflito deve-se declarar a invalidade de uma delas ou abrir uma exceção. Trata-se de qualidade contingente, não necessária (ÁVILA, 2006, p. 54).

A duas, porque é possível a superação da hipótese normativa das regras por razões maiores a

contida na própria regra, o que ocorre nos casos de relação entre a regra e suas exceções, ou seja,

embora tenha ocorrido a hipótese normativa, o aplicador da lei busca em outras normas do

ordenamento razões que justificam o não cumprimento daquela hipótese normativa, o que evidencia

que o modo de aplicação da regra não está vinculado estritamente a subsunção da hipótese ao fato

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concreto, mas depende da valoração das circunstâncias que o envolvem. A justificativa, a razão do

não cumprimento da hipótese normativa – exceção à regra – pode ser encontrada em outra norma do

ordenamento ou, ainda, não estar prevista no ordenamento e ser criada frente ao caso concreto.

A relação entre regras gerais, excepcionais e entre princípios conflitantes é diferente apenas

quanto a intensidade da atividade elaborativa do aplicador da norma ao caso concreto e quanto ao

modo de ponderação. Como nas regras e exceções a hipótese normativa já está descrita, o aplicador

terá diferente e menor âmbito de apreciação das razões que justificam a norma. Já na relação entre

princípios, como não há descrição do comportamento e sim do estado de coisa a ser alcançado, o

aplicador possui maior liberdade de apreciação.

Observa o autor, que dois princípios podem estabelecer fins idênticos, porém com

comportamentos divergentes. Nesse caso a solução aplicada será a mesma dada ao conflito entre

regras com determinação de uma exceção, assim deixa-se de aplicar um em detrimento do outro.

Nesse sentido descreve Ávila:

O relacionamento entre regras gerais e excepcionais e entre princípios que se imbricam não difere quanto a existência de ponderação de razões, mas – isto, sim – quanto a intensidade da contribuição institucional do aplicador na determinação concreta dessa relação e quanto ao modo de ponderação: no caso da relação entre regras gerais e excepcionais o aplicador – porque as hipóteses normativas estão entremostradas pelo significado preliminar do dispositivo, em razão do elemento descritivo das regras – possui menor e diferente âmbito de apreciação, já que deve delimitar o conteúdo normativo da hipótese se e enquanto esse for compatível com a finalidade que a sustenta; no caso do imbricamento entre princípios o aplicador – porque, em vez de descrição, há o estabelecimento de uma estado de coisas a ser buscado – possui maior espaço de apreciação, na medida em que deve delimitar o comportamento necessário à realização ou preservação do estado de coisas (2006, p. 56).

A três, quando o aplicador se depara com normas de conceitos semânticos abertos ou de

conceitos jurídicos-políticos, tais como Estado de direito, certeza do direito, democracia, requer

mais que uma mera atividade de subsunção do fato à norma. Como as normas, prevêem situações

hipotéticas, acabam resultando em formulações generalizadas e imprecisas. Por essa razão cabe ao

aplicador analisar os elementos descritos na norma e a razão que justifica ou não a obediência à

hipótese normativa, que demanda um processo de ponderação de razões que fundamenta a renúncia

desses elementos e a aplicação da razão justificativa nos casos de discordância entre eles.

Ora, essa decisão depende da ponderação entre as razões que justificam a obediência incondicional à regra, como razões ligadas à segurança jurídica e à previsibilidade do Direito e as razões que justificam seu abandono em favor da

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investigação dos fundamentos mais ou menos distantes da própria regra. Essa decisão – eis a questão – depende de uma ponderação. Somente mediante a ponderação de razões pode-se decidir se o aplicador deve abandonar os elementos da hipótese de incidência da regra em busca do seu fundamento, nos casos em que existe uma discrepância entre eles (ÁVILA, 2006, p. 58).

Humberto Ávila, após essas considerações, afirma que a ponderação aplica-se também as

regras, não é uma atividade exclusiva na aplicação dos princípios. “A ponderação diz respeito tanto

aos princípios quanto às regras, na medida em que qualquer norma possui um caráter provisório que

poderá ser ultrapassado por razões havidas como mais relevantes pelo aplicador diante do caso

concreto. O tipo de ponderação é que diverso” (2006, p. 58-59).

Destaca também que a dimensão de peso não é privativa somente dos princípios, mas está

presente em qualquer norma jurídica. Não está descrita na estrutura da norma hipotética e sim é

relativa a sua aplicação ao caso concreto. É propriedade das razões e dos fins aos quais os princípios

fazem referência e não atributo abstrato destes. A decisão tomada pelo aplicador é que atribuirá a

dimensão de peso. “A consideração ou não de circunstâncias específicas não está predeterminada

pela estrutura da norma, mas depende do uso que dela se faz” (AVILA, 2006, p. 61).

Da característica da dimensão de peso decorre que os princípios são “deveres de

otimização”, assim entendidos porque o seu conteúdo deve ser aplicado na máxima medida. Ávila faz

sua crítica a essa definição ao analisar as várias espécies de colisão existentes entre os princípios

interdependentes, princípios que apontam para finalidades excludentes, princípios parcialmente

imbricados e princípios que determinam a promoção de fins indiferentes entre si. Com essa análise

visa demonstrar que a diferença entre princípios e regras não significa que as regras devam ser

aplicadas no todo enquanto os princípios somente na medida máxima, mas sim, que tanto as regras

como os princípios possuem o mesmo conteúdo de dever-ser e no momento da aplicação esse

conteúdo deve ser realizado integralmente. A diferença é quanto a prescrição de conduta: os

princípios estabelecem os fins e não determinam a conduta a ser seguida; as regras determinam o

comportamento prima-facie.

Ávila encerra sua crítica aos conceitos dominantes de princípios afirmando que o mandado

de otimização não é inerente ao princípio, mas é a aplicação do princípio que estabelece um processo

de otimização do seu conteúdo. Conclui que o procedimento de ponderação aplica-se tanto para as

regras como para os princípios, a diferença está no tipo de ponderação.

A proposta de conceituação de princípios e regras de Ávila se fundamenta na dissociação

justificante que considera a investigação dos valores protegidos pelos princípios, privilegiando o

procedimento racional de fundamentação que legitima as condutas necessárias à consecução daqueles

valores; na dissociação abstrata busca uma distinção que possa antecipar as características das

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espécies normativas, facilitando o processo de interpretação e aplicação do direito, e,

conseqüentemente, minorar o ônus de fundamentação do aplicador do Direito; na dissociação

heurística em que a qualificação da norma, que depende de valores não incorporados a ela, é

construída pelo intérprete, de forma que a distinção funcionará como modelo provisório para, então,

reconstruir o conteúdo da norma; e na dissociação em alternativas inclusivas que reconhece a

existência simultânea de regras e princípios em razão de uma mesma norma, ou seja, um ou mais

dispositivos podem apresentar-se como regras, princípios e postulados.

Para o autor regras e princípios são:

Regras são normas imediatamente prescritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovida e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua proteção (ÁVILA, 2006, p. 78-79).

Após esta análise das discussões sobre as definições de princípios e regras como espécies do

gênero norma, resta estabelecer o modo e a forma de aplicação dessas normas. Frente às colisões

existentes entre as normas surge a necessidade da aplicação da exigência da razoabilidade,

proporcionalidade e da proibição de excesso, que segundo Ávila são postulados normativos

aplicativos, localizam-se no âmbito das metanormas, portanto, são normas de segundo grau que

estruturam a aplicação de outras normas, enquanto para doutrina dominante trata-se de princípios.

Ávila entende que definir postulados como princípios é um equívoco, uma vez que os

postulados têm um funcionamento diferente, estão num plano distinto do das normas objeto de

aplicação e, ainda, “não impõe a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do

dever de promover um fim; de outro não prescreve indiretamente comportamentos, mas modos de

raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem

comportamentos” (2006, p. 123).

A colisão de normas tem despertado entre os estudiosos o interesse pela aplicação da

ponderação como técnica de harmonização destas. O assunto, apesar de pouco debatido no Brasil, já

conquista espaço na doutrina estrangeira passando de mera forma de superação de conflito entre

princípios para se constituir em “[...] fundamento do próprio Estado de Direito, que se transforma em

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um Estado de Ponderação (Abwägungsmodell), que se legitima pela proporcionalidade e justiça”

(apud TORRES, 2004, [s.p.]).

Para Humberto Ávila o conflito entre normas é solucionado por meio da ponderação, que

consiste no balanceamento de valores ou interesses diante do caso concreto. Desta forma busca-se

encontrar o peso de cada uma das normas em choque, identificando dentre elas a mais adequada e

eficaz para aquela situação, já que não há elementos formais de conteúdo que previamente impõem

uma hierarquia entre elas.

A idéia de ponderação de interesses na aplicação do direito, substituindo o modelo de

subsunção, surge com os defensores da jurisprudência dos interesses, atacada pelos adeptos da

jurisprudência dos conceitos e retomada com intensidade pela jurisprudência dos valores (TORRES,

2005, p.223-225).

A jurisprudência dos interesses “passa por diversas vicissitudes no século XX, até culminar

na concepção de um princípio da ponderação, que imanta todos os outros princípios jurídicos. (...) O

tema começa a ganhar espaço na literatura jurídica brasileira e apresenta a potencialidade para

enriquecer o direito constitucional tributário (grifo nosso) (TORRES, 2005, p. 223).

Para aprofundar a abordagem do modelo de ponderação foram importantes as diferenças

estabelecidas entre princípios e regras nos estudos de Dworkin, que posteriormente foi aperfeiçoada

por Alexy quando reconheceu a natureza de mandados de otimização dos princípios, preparando-os

para o processo de ponderação.

Na lição de Daniel Sarmento a resolução de conflitos entre princípios constitucionais exige o

estudo do caso concreto em que originou o conflito. O intérprete dependerá das variáveis fáticas do

caso para atribuir o peso específico dos princípios constitucionais em conflito. Para tanto, “a técnica

de decisão que, sem perder de vista os aspectos normativos do problema, atribui especial relevância

às suas dimensões fáticas, é o método de ponderação de bens” (2004, p. 55).

Para Thomas Würtemberge, “O Estado moderno é um Estado de ponderação, seu direito

constitucional é impregnado pela ponderação, sob a idéia diretiva de uma distribuição otimizadora de

liberdade, de funções estatais ou de alocação de recursos” (apud TORRES, 2006, p. 228).

Para Silvia Faber Torres:

[...] a ponderação ganha um novo status no Estado Democrático de Direito, no qual, de uma técnica de aplicação da norma principiológica, erige-se em verdadeiro princípio de legitimação de todos os outros princípios constitucionais, transformando-se em um conceito que informaria a essência de um novo Estado, qual seja, o Estado de Ponderação (2006, p. 585).

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O método da ponderação de bens se vincula ao princípio de hermenêutica constitucional da

concordância prática ou princípio da harmonização que para Canotilho:

[...] impõe a coordenação e combinação de bens jurídicos conflito ou em concorrência de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros. O campo de eleição do princípio da concordância prática tem sido até agora o dos direitos fundamentais (colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos). Subjacente a este princípio está a idéia do igual valor dos bens constitucionais (e não uma diferença de hierarquia) que impede, como solução o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre esses bens (1998, p. 1098).

Ricardo Lobo Torres entende que a ponderação é um princípio formal de legitimação, assim

como a razoabilidade, a igualdade, a transparência e a clareza. Tanto a razoabilidade quanto a

ponderação são princípios vazios e exercem a função legitimadora do Estado de Direito, por

intermediarem a aplicação dos princípios fundamentais do artigo 1º da CF e dos princípios

vinculados à liberdade, à justiça e à segurança (arts. 5º, 6º, 7º, 150, 170, 195, 196, 208) (2005, p.

222).

Para o autor a razoabilidade surge no direito americano, como balanceamento de interesses

decorrente das cláusulas da XIV Emenda: due processo f law e equal protetion. Ganha status de

princípio jurídico de legitimação do próprio Estado e se encontra também em Itália, Alemanha e

Brasil, com implicação relevante para o campo do direito constitucional financeiro e tributário. “O

teste da razoabilidade procura a adequação entre os meios e fins, sopesando as situações particulares

diante de princípios constitucionais” (2005, p 228 e 229).

Recasens Siches, buscou a lógica do razoável para compreensão dos valores jurídicos que a

lógica matemática dedutiva não explicava. A lógica do razoável permite o surgimento de um direito

baseado na prudência, congruência histórica, viabilidade ou praticabilidade, ponderação dos

resultados e legitimidade dos meios. O razoável seria:

[...] está limitado e condicionado pela realidade concreto do mundo; está impregnado de valorações e de critérios estimativos e axiológicos, o que o distingue do logos do racional; está condicionado pelas possibilidades da realidade humana social concreta; está regido por razões de congruência ou adequação entre a realidade social e os valores, os valores e os fins, os fins e a realidade social concreta e os fins e os meios (apud, TORRES, 2005, p. 230).

Mas foi John Rawls, apud Torres, que contribuiu definitivamente para a transformação do

princípio da razoabilidade em princípio da legitimação do próprio Direito Constitucional. O razoável

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é alcançado pelo balanceamento (the burdens of judgmente). Rawls evita conceituar a razoabilidade

por entender ser o razoável indefinível, no entanto, tenta identificar as pessoas, instituições e

doutrinas que se afiguram como razoáveis:

a) o overlapping consensus sobreposto é razoável porque as pessoas defendem doutrinas compreensíveis e razoáveis, embora passa haver desacordo razoável; b) a justiça como imparcialidade (justice as fairness) é razoável; c) a sociedade bem ordenada (well-ordered society), que não é uma sociedade de santos, é razoável; d) a razoabilidade impregna também as idéias de reciprocidade, publicidade, tolerância, razão pública, pluralismo, cidadania (TORRES, 2005, p. 232).

Para Ricardo Aziz Cretton os princípios da proporcionalidade e razoabilidade se aproximam

porque contêm muito mais pontos em comum do que pontos contrários. Desta forma descreve:

Considerando suas origens e evolução, a idéia de razoabilidade, que predomina na concepção estadunidense, parece conduzir-nos mais fácil e diretamente as considerações metodológicas, atinentes à lógica e à interpretação jurídicas, enquanto a noção de proporcionalidade nos remete a questões axiológicas, de valores e sua ponderação. Nessa linha, poderíamos ver historicamente na razoabilidade, um princípio de características hermenêutica, convergindo ultimamente para a ponderação de outros princípios. E, na proporcionalidade, um princípio de vocação objetiva, material, substancial, precipuamente destinado, ab ovo, ao balanceamento de valores (e de outros princípios decorrentes), como os de justiça, segurança, igualdade, liberdade, propriedade e outros. Confluem ambos, pois, rumo ao (super) princípio da ponderação de valores e bens jurídicos, fundamente do próprio Estado de Direito Democrático contemporâneo (pluralista, cooperativo, publicamente razoável e tendente ao justo) (2001, p. 75).

Canotilho entende que o princípio da proporcionalidade é um princípio concretizador do

princípio do Estado de Direito. Nos séculos XVIII e XIX o princípio está presente na idéia da

razoabilidade. No século XVIII servia de medida de limitação do poder executivo, contra as

restrições das liberdades, introduzido, no século XIX, ao direito administrativo como princípio geral

ao direito de polícia, para posteriormente, no pós-guerra, frente à necessidade da materialidade de um

direito mais justo, ser elevado à categoria de princípio constitucional, controlando os atos dos

poderes públicos pelo princípio da proporcionalidade (1998, p. 261).

A discussão sobre o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, também conhecido

como princípio da proibição de excesso, está no seu fundamento, que para alguns autores deriva de

princípio do estado de direito, enquanto para outros deriva de direitos fundamentais.

Através de standards jurisprudenciais como o da proporcionalidade, razoabilidade, proibição de excesso, é possível hoje recolocar a administração (e, de um modo

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geral, os poderes públicos) num plano menos sobranceiro e incontestado relativamente ao cidadão. [...] razoabilidade-coerência, razoabilidade-adequação, proporcionalidade-necessidade – é hoje objecto de difusão em toda a Europa através do Tribunal de Justiça das Comunidades (cfr. Tratado da União Européia, art.3º B III). Trata-se, afinal, de um controlo de natureza eqüitativa que, não pondo em causa os poderes constitucionalmente competentes para a prática de actos autoritativos e a certeza do direito, contribui para a integração do “momento de justiça” no palco da conflitualidade social (1998, p. 262).

Seguindo uma leitura da obra de Bonavides o princípio da proporcionalidade divide-se em

três subprincípios ou elementos: a) da adequação, da conformidade ou da validade do fim, que exige

que as medidas adotadas tenham aptidão para conduzir os resultados almejados pelo legislador; b) da

necessidade em que a medida adotada não pode ultrapassar os limites indispensáveis para alcançar o

fim legítimo a ser alcançado; c) proporcionalidade em sctrito sensu que preconiza a ponderação entre

os efeitos positivos da medida e ônus que ela acarreta aos seus destinatários.

Observa o autor que o princípio da proporcionalidade, no seu elemento de adequação, se

confunde com o da vedação de arbítrio e que para alguns utilizam com o mesmo significado de

princípio geral da proporcionalidade, e no seu elemento da necessidade identifica-se com a

proporcionalidade propriamente dita (BONAVIDES, 2002, p. 360).

Pierre Muller descreve:

É em função do duplo caráter de obrigação e interdição que o princípio da proporcionalidade tem o seu lugar no Direito, regendo todas as esferas jurídicas e compelindo os órgãos do Estado a adaptar em todas as suas atividades os meios de que dispõem aos fins que buscam e aos efeitos de seus atos. A proporção adequada se torna assim condição da legalidade (BONAVIDES, 2002, p. 361).

Para o presente estudo adota-se a teoria de Humberto Ávila que destaca que a ponderação, a

concordância prática e a proibição de excesso são postulados inespecíficos ou incondicionais, pois

exigem a relação entre elementos, sem estabelecerem critérios materiais ou formais orientadores da

aplicação da norma. A igualdade, a razoabilidade e a proporcionalidade, por sua vez, são postulados

específicos ou condicionais, pois também exigem a relação entre elementos específicos, porém

estabelecem critérios orientadores da aplicação da norma (2006, p. 130).

São postulados inespecíficos ou incondicionais:

- a ponderação porque determina o balanceamento de elementos como bens jurídicos, de

valores, de princípios, de fins e de interesses, sem referências a critérios materiais que o oriente. Por

isso, a ponderação para ser útil à aplicação do direito precisa ser estruturada pelos postulados

específicos de razoabilidade e de proporcionalidade e direcionada mediante a utilização dos

princípios constitucionais fundamentais. “Nesse aspecto, a ponderação, como mero método ou idéia

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geral despida de critérios formais ou materiais, é muito mais ampla que os postulados da

proporcionalidade e da razoabilidade” (2006, p. 131).

Os elementos, objetos de ponderação, apesar de relacionados entre si, podem e devem ser

dissociados: Bens jurídicos são situações, estados ou propriedades essenciais à promoção dos

princípios jurídicos. Por exemplo, o princípio da livre iniciativa pressupõe liberdade de escolha e

autonomia. Liberdade e autonomia são bens jurídicos protegidos pelo princípio da livre iniciativa.

Interesses são os próprios bens jurídicos na sua vinculação com algum sujeito que os pretende obter,

assim liberdade e autonomia sendo bens jurídicos protegidos pelo principio da livre iniciativa,

podem, em razão de determinadas condições, passar a compor a esfera de interesses de determinado

sujeito. Valores representam o aspecto axiológico das normas, na medida em que indicam que algo é

bom e, por isso, merece ser buscado e preservado. A liberdade, no exemplo, é um valor e por isso

deve ser buscada e preservada. Princípios consistem no aspecto deontológico dos valores, e além de

indicarem que algo vale a pena ser buscado, determina que esse estado de coisas deve ser promovido.

- a concordância prática é um postulado que surge em razão da coexistência de normas que

abrigam valores divergentes e entende-se como o dever de realizar ao máximo esses valores que se

imbricam. Diante da tensão entre as normas constitucionais, principalmente, entre as que abrigam os

direitos fundamentais e as que atribuem poderes ao Estado, deve-se buscar o equilíbrio entre elas,

otimizando os valores em conflito.

Importante ressaltar, que nem a ponderação nem a concordância prática estabelecem

critérios formais ou materiais para a promoção das finalidades entrelaçadas nas normas

constitucionais, são “estruturas exclusivamente formais e despidas de critérios” (2006, p. 133).

- a proibição de excesso determina que a realização das finalidades constitucionais deva

respeitar um limite, ou seja, o postulado proíbe a restrição excessiva de qualquer direito fundamental.

O poder de tributar não pode impor o aniquilamento da iniciativa privada. Nesse caso a aplicação da

regra que institui competência aos entes estatais para tributar não pode provocar a impossibilidade de

aplicação de outra norma, princípio ou regra que protege o direito fundamental de propriedade, por

exemplo (2006, p. 133).

O exame da proibição de excesso não se confunde com o postulado da proporcionalidade,

razão pela qual deve ser investigado separadamente.

O exame da proporcionalidade se dá no âmbito a partir do qual o núcleo essencial do

princípio fundamental restringido está preservado. Para melhor compreensão da distinção entre o

postulado de proporcionalidade e o postulado da proibição de excesso podemos representar os vários

graus de intensidade da restrição de um direito fundamental por círculos concêntricos, onde o menor

representa o núcleo que deve ser necessariamente preservado. O postulado da proporcionalidade em

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sentido estrito importa na verificação do grau de restrição do direito fundamental. Essa verificação se

dá a partir do núcleo do direito fundamental até o círculo externo, para depois comparar esse grau de

restrição do direito fundamental com o grau de promoção da finalidade pública. Para, então, concluir

pela invalidade da medida quando a promoção da finalidade não justificar a excessiva restrição do

direito. A proporcionalidade exige uma relação de causalidade entre um meio e um fim, enquanto a

proibição de excesso depende somente da restrição excessiva de um direito fundamental que

comprometa o mínimo de sua eficácia.

São postulados específicos ou condicionais:

- a igualdade pode se apresentar como regra, quando impõe a proibição de um tratamento

discriminatório; como princípio quando exige o estado da igualdade como fim; e como postulado

atua como as demais metanormas, estruturando a aplicação das normas do ordenamento jurídico em

função de elementos que estabelecem critérios de diferenciação e finalidade da distinção e da relação

entre o critério e o fim. O fim objeto do critério de diferenciação é que estabelecerá se as pessoas são

iguais ou não.

A aplicação do postulado da igualdade exige um critério diferenciador e um fim a ser

atingido. Violar o postulado da igualdade significa violar um princípio fundamental.

Na lição de Ávila: “[...] O postulado da igualdade estrutura a aplicação do Direito quando há

relação entre dois sujeitos em função de elementos (critério de diferenciação e finalidade da

distinção) e da relação entre eles (congruência do critério em razão do fim)” (2006. p. 168).

- a razoabilidade atua como as demais metanormas, estruturando a aplicação de outras

normas, princípios e regras, notadamente regras. A partir de um estudo das decisões do Supremo

Tribunal Federal, o autor reconstruiu os critérios implicitamente utilizados no exame da razoabilidade

classificando-a em três tipos:

a) razoabilidade como eqüidade – utilizada como diretriz para aferir a relação entre as

normas gerais e as particularidades do caso concreto de duas formas:

- para mostrar a sua aplicação ao caso concreto, considerando aquilo que normalmente

acontece. Indica quais circunstâncias de fato presumem-se dentro da normalidade, ou seja, a

atividade de interpretação das normas deve considerar a normalidade dos fatos e não a

excepcionalidade, exemplo do autor, julgado do STF, 2ª Turma, HC 71.408-i- rj, REL. Min.Marco

Aurélio, j.16.8.1999, DJU 29.10.1999:

A um Procurador do Estado, que interpôs agravo de instrumento em folha de papel timbrado da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, foi exigida a comprovação da condição de Procurador pela juntada do título de nomeação para o cargo ou de documento emitido pelo Procurador-Geral do Estado. Alegada a falta de

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instrumento de mandato, a questão foi levada a julgamento, momento em que se asseverou ser razoável presumir a existência de mandato quando o procurador possui mandato legal. Na interpretação das normas legais deve-se presumir o que normalmente acontece, e não o extraordinário, como a circunstância de alguém se apresentar como procurador do Estado sem que possua, realmente, essa qualificação. Em virtude disso, foi determinado o conhecimento do agravo de instrumento em razão de sua ineficácia afetar diretamente o direito de ampla defesa pelo mero fetichismo da forma.

- para indicar quais as especificidades do caso concreto que não permite a sua aplicação. A

aplicação das normas deve pautar-se nas especificidades do caso, uma vez que a generalização das

normas pode levar a não aplicação ao caso, por esse ser anormal. Por exemplo: decisão da 2ª Câmara,

do 2º Conselho de Contribuintes, de 18.10.2000, no processo 13003.000021/99-14:

Uma pequena fábrica de sofás, enquadrada como empresa de pequeno porte para efeito de pagamento conjunto dos tributos federais, foi excluída desse mecanismo por ter infringido a condição legal de não efetuar a importação de produtos estrangeiros, De fato, a empresa efetuou uma importação. A importação, porém, foi de quatro pés de sofás, para um só sofá, uma única vez. Recorrendo da decisão, a exclusão foi anulada, por violar a razoabilidade, na medida em que uma interpretação dentro do razoável indica que a interpretação dever se feita “em consonância com aquilo que, para o senso comum, seria aceitável perante a lei”. Nesse caso, a regra segundo a qual é proibida a importação para a permanência no regime tributário especial incidiu, mas a conseqüência do seu descumprimento não foi aplicada (exclusão do regime tributário especial), porque a falta de adoção do comportamento por ela previsto não comprometia a promoção do fim que a justifica (estímulo da produção nacional por pequenas empresas).

A razoabilidade é um método que permite demonstrar que para a aplicação da norma, não

basta sua incidência, é necessário que o caso concreto se ajuste à generalização da norma geral. A

razoabilidade decorre do princípio da justiça consagrado no preâmbulo e no art. 3º da Constituição

Federal.

Uma regra não é aplicável somente porque as condições previstas em sua hipótese são satisfeitas. Uma regra é aplicada a um caso se, e somente se, suas condições são satisfeitas e sua aplicação não é excluída pela razão motivadora da própria regra ou pela existência de um princípio que institua razões contrárias. Nestas hipóteses as condições de aplicação da regra são satisfeitas, mas a regra, mesmo assim, não é aplicada (2006, p.142).

b) razoabilidade como congruência – diretriz que exige uma vinculação das normas

jurídicas com a realidade, no sentido de existir ou um suporte fático ou uma relação de congruência

entre o critério e a medida. Em primeiro lugar a atividade legislativa exige vinculação com a

realidade, há um dever de congruência e de fundamentação na natureza das coisas. Essa vinculação à

realidade decorre dos princípios constitucionais do Estado de Direito (art.1º) e do devido processo

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legal (art.5º, LIV) que impedem o uso de argumentos arbitrários e a deturpação dos procedimentos

institucionais utilizados. Em segundo a razoabilidade exige que os critérios distintivos escolhidos

pela norma não podem ser arbitrários ou aleatórios, devem manter uma relação de congruência com a

medida por ela adotada. Ressalte-se que não é relação entre meio e fim, mas entre o critério e a

medida, e que os critérios distintivos devem ser adequados, “diferenciar sem razão é violar o

princípio da igualdade”.

c) razoabilidade como equivalência – diretriz que exige a relação de equivalência entre duas

grandezas: a medida adotada e o critério que a dimensiona, ou seja, há uma relação de

correspondência entre duas grandezas e não uma relação de causalidade.

A razoabilidade, conclui o autor, é um método de interpretação que decorre do princípio da

justiça expressamente previsto no preâmbulo e no art. 3º da CF, e serve para provar que a incidência

da hipótese normativa é condição necessária, mas não suficiente para aplicação da regra.

O postulado da razoabilidade aplica-se, primeiro como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas (ÁVILA, 2006, p. 169).

- a proporcionalidade atua, também, como as demais metanormas, estruturando a aplicação

de outras normas, adquirindo destaque na interpretação no Direito brasileiro, segundo a teoria de

Humberto Ávila. No entanto, apresenta problemas na sua aplicabilidade quer quanto à acepção da

palavra “proporção”, quer quanto ao seu funcionamento.

Para Ávila a proporcionalidade “constitui-se em um postulado normativo aplicativo,

decorrente do carácter principial das normas e da função distributiva do Direito, cuja aplicação,

porém, depende do imbricamento entre bens jurídicos e da existência de uma relação meio/fim

intersubjetivamente controlável” (2006, p. 150).

A proporcionalidade depende da relação de causalidade entre meio e fim. Fim significa um

estado de coisas desejado, quanto mais preciso e exato for, melhor será a estruturação da

proporcionalidade. De acordo com a determinação dos fins é possível a modificação do próprio

exame da medida, ou seja, a verificação da adequação da medida se dará em razão da própria

determinabilidade do fim.

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Os fins podem ser internos ou externos. Os fins internos buscam um resultado que está na

própria pessoa ou situação que são comparados ou diferenciados, enquanto os fins externos buscam

resultados que não são propriedades ou características dos sujeitos atingidos, mas são finalidades do

próprio Estado além de possuir dimensão extrajurídica.

Os fins externos impõem uma relação de causalidade entre meio e fim e podem ser

empiricamente dimensionados. Nesses casos há um fim específico que exige a verificação de

casualidade entre o meio e a finalidade, e a medida adequada para essa verificação será buscada pelo

exame da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Com efeito, a aplicação do postulado da proporcionalidade exige o exame da:

a) adequação – verifica a possibilidade da medida a ser adotada promover à realização do

fim.

Ávila entende que o meio adequado para a realização de um fim é aquele que observa as

várias espécies de relação existente entre os meio disponíveis e o fim que se objetiva. Essa

observação deve ser pautada sob os aspectos quantitativo (intensidade), qualitativo (qualidade) e

probabilístico (certeza). O que se espera neste exame é que o meio escolhido por qualquer dos

poderes atinja ao menos o mínimo do fim, mesmo que esse não tenha sido o mais intenso, o melhor,

o mais seguro.

Explica que a relação de adequação da medida deve ser analisada sob a dimensão da

abstração/concretude, em que a avaliação pode ser feita em abstrato ou em concreto. No plano

abstrato, a medida deve ser apta para a concretização do fim. Esta será adequada se for possível a

realização do fim. No caso concreto, normalmente em normas de caráter individual, a medida só será

adequada se, concreta e individualmente, funcionar como meio para atingir o fim. Somente se o fim

for de fato realizado é que a medida será adequada; generalidade/particularidade é permitido exigir

que a medida a ser adotada seja aquela em que geralmente atenda o fim. A medida será considerada

adequada se, com a sua adoção, o fim for concretizado na maioria dos casos. O fato de em alguns

casos o fim não ser realizado não importará na inadequação da medida. É possível, também, que a

medida seja individualmente adequada para concretização do fim. Nesse caso a medida somente será

adequada se em todos os casos individuais o fim foi concretizado; antecedência/posteridade a

avaliação da adequação da medida será feita no momento de sua adoção. É nesse momento que o

administrador avaliará se a medida promove o fim, mesmo que futuramente a medida se mostre

inadequada. Por outro lado, a medida também poderá ser avaliada no momento em que for julgada,

podendo ser anulada caso seja considerada equivocada.

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Assim, a adequação do meio escolhido pelo Poder Público será analisada no caso de atos

jurídicos gerais do ponto de vista da dimensão abstrata, geral e prévia e nos atos jurídicos individuais

do ponto de vista da dimensão concreta, individual e prévia.

Ensina Ávila, que a intensidade de controle das decisões adotadas pelo Poder Público, no

Brasil, em decorrência do princípio da separação de poderes, é pequena. Com efeito, somente a

comprovação clara, evidente e fundamentada da incompatibilidade entre o meio e o fim pode levar a

invalidade da medida adotada pelo legislador ou pelo administrador. A anulação pelo Judiciário das

medidas adotadas pelo Legislativo e pelo Executivo só é possível se sua inadequação for evidente e,

não for, de qualquer modo, justificável.

Desta forma, Ávila afirma que:

Um meio é adequado quando promove minimamente o fim. Na hipótese de atos jurídicos gerais a adequação deve ser analisada do ponto de vista abstrato, geral e prévio. Na hipótese de atos jurídicos individuais a adequação deve ser analisada no plano concreto, individual e prévio. O controle da adequação deve limitar-se, em razão do princípio da separação de Poderes, à anulação de meios manifestamente inadequados (2006, p. 169).

b) necessidade – verifica se a medida, a ser tomada para a realização da finalidade, é a

menos restritiva aos direitos envolvidos.

O exame da necessidade demanda a análise da existência de meios alternativos àquele

inicialmente escolhido, e que promovam da mesma forma o fim sem restringir, na mesma

intensidade, os direitos fundamentais envolvidos.

Assim o exame da necessidade exige em primeiro lugar o “exame da igualdade de

adequação dos meios”, que consiste em relacionar e comparar os meios alternativos que realizam

igualmente o fim. A comparação deverá ser entre os efeitos produzidos pelos meios alternativos e os

efeitos decorrentes do uso do meio adotado pelo Poder Legislativo ou pelo Poder Executivo; e em

segundo lugar, o “exame do meio menos restritivo”, que consiste na comparação do grau de restrição

aos direitos fundamentais ocasionados pelos meios alternativos com o grau de restrição produzido

pela medida adotada.

A verificação da proporcionalidade do meio frente ao elemento da necessidade não é um

processo simples principalmente quando a finalidade pública apresenta grau diverso de promoção

desta. Nesses casos os meios são diferentes não só no grau de restrição dos direitos fundamentais,

mas também no grau de promoção da finalidade.

Para Ávila:

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Um meio é necessário quando não houver meios alternativos que possam promover igualmente o fim sem restringir na mesma intensidade os direitos fundamentais afetados. O controle da necessidade deve limitar-se, em razão do princípio da separação dos Poderes, à anulação do meio escolhido quando há um meio alternativo que, em aspectos considerados fundamentais, promove igualmente o fim causando menos restrições (2006, p. 169).

c) proporcionalidade em sentido estrito – verifica se a finalidade a ser atingida pela adoção

da medida justifica o grau de restrição provocado no direito fundamental, ou seja, esse parâmetro visa

aferir se o benefício pela promoção do fim é proporcional ao dano provocado pela adoção da medida.

Também não é um exame simples, é um método extremamente subjetivo já que requer uma decisão

daquilo que será considerado benefício e daquilo que será tido como dano. Na maioria dos casos o

Estado adota uma medida para atingir uma finalidade pública, relacionada ao bem comum, impondo,

em regra, uma restrição aos direitos fundamentais do cidadão.

Um meio é proporcional quando o valor da promoção do fim não for proporcional ao desvalor da restrição dos direitos fundamentais. Para analisá-lo é preciso comprar o grau de intensidade da promoção do fim com o grau de intensidade da restrição dos direitos fundamentais. O meio será desproporcional se a importância do fim não justificar a intensidade da restrição dos direitos fundamentais (Ávila, 2006, p. 169).

A aplicação do postulado da proporcionalidade pelo Poder Judiciário no controle dos atos

dos Poderes Executivo e Legislativo decorre do princípio democrático e da proteção constitucional

aos direitos fundamentais bem como da concretização do princípio da universalidade da jurisdição.

O controle será maior quanto maior for a restrição aos direitos fundamentais envolvidos e a

sua importância na Constituição. As decisões dos Poderes somente estarão isentas do controle se

contiverem medidas que realizem os direitos fundamentais e os fins do Estado.

A razoabilidade se diferencia da proporcionalidade uma vez que o teste da razoabilidade não

se fundamenta na relação de causalidade entre um meio e um fim.

A doutrina confunde muitas vezes a proporcionalidade, a razoabilidade e a proibição de

excesso, alegando tratar-se de confusão meramente terminológica.

Ávila explica que esses postulados são metanormas que estruturam a aplicação de outras

normas no caso de conflitos relacionando critérios e elementos diferentes para o exame. Não importa

o nome que seja dado proporcionalidade, razoabilidade ou excessividade. Importa que se entenda que

cada um demanda um exame específico que pode levar a resultados diversos. Assim, a questão

colocada pelo autor é que não se trata de usar essa ou aquela expressão, mas em não confundir os

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exames exigidos em cada uma delas. “O problema não está em usar uma palavra para três

fenômenos, mas não perceber que há três fenômenos diferentes a analisar” (Ávila, 2006, 165).

A razoabilidade-equivalência busca a relação entre duas grandezas ou entre a medida e o

critério que a dimensiona. A proporcionalidade busca a relação de causalidade entre o meio adotado e

o fim a ser atingido e o grau de restrição aos direitos fundamentais envolvidos. A proibição de

excesso busca investigar se houve lesão ao núcleo essencial de um direito fundamental

Ressalta-se que em todos esses exames sempre há uma reflexão, uma lógica que é feita

visando à aplicação de outras normas da ordem jurídica. Assim as exigências impostas pelas idéias da

razoabilidade, proporcionalidade e proibição de excesso recaem sobre outras normas simplesmente

para determinar o modo de aplicação, estabelecendo critérios e medidas para aplicação delas, sem

atribuir-lhes sentido.

Sempre há uma norma por trás da aplicação da razoabilidade, da proporcionalidade e da excessidade. Por esse motivo, é oportuno tratá-las como metanormas. E, como elas estruturam a aplicação de outras normas, com elas não se confundindo, é oportuno fazer referência a elas com outra nomenclatura. Daí a utilização do termo “postulado”, a indicar uma norma que estrutura a aplicação de outras (Ávila, 2006, 166).

É fundamental esta sustentação científica para a imposição do tributo no Estado brasileiro,

em razão de ser um Estado Democrático com características Fiscal e Social e abrigar valores liberais

e sociais expressados no momento da realização da tributação, exigindo a ponderação, como técnica

de harmonização desses princípios e direitos, desde a atividade do legislador até a do aplicador da lei.

O tributo quando é fruto unicamente da lei positiva não se justifica. Pode-se afirmar que o

Estado de Direito Democrático ao deslocar o centro de gravidade do ordenamento jurídico para o

respeito aos direitos fundamentais supera a formulação estritamente legal da ordem estatal e retoma

as relações entre o direito e a ética, considera os valores éticos consolidados pelos princípios

jurídicos que desempenham a função de fundamentação e interpretação do ordenamento jurídico,

como elementos fundantes desse ordenamento, os quais se abrem, por sua vez, à ponderação, que se

apresenta como a grande ferramenta para a solução dos conflitos das normas, dos valores liberais e

sociais, para a concretização da Constituição.

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3.3 A constitucionalização do Direito Tributário

A interpretação sistemática dos termos normativos é que constrói o sentido do texto e

resultam na norma, sendo assim, o dispositivo é o objeto da interpretação, enquanto a norma é o seu

resultado.

Não há uma correspondência única entre dispositivo e norma, já que de um único dispositivo

é possível a construção de várias normas e de vários dispositivos uma única norma, o que evidencia a

desvinculação entre o texto e seu sentido. A Ciência do Direito não é simplesmente uma mera

descrição do significado. Primeiro porque o significado não está incorporado ao conteúdo das

palavras, mas depende do uso e da interpretação que se faz delas, o que se comprova com as

modificações dos sentidos dos termos no tempo e no espaço e as divergentes posições doutrinárias

sobre qual o sentido mais adequado que se deve atribuir a um dispositivo legal. Segundo, porque o

processo legislativo se qualifica como um processo complexo que não reflete a vontade específica de

um autor individual. Portanto, a interpretação não se qualifica como ato de descrição de um

significado predeterminado, mas como ato de decisão que constitui o significado e o sentido de um

texto. Entender que a expressão provisória significa permanente ou trinta dias é igual a mais de trinta

dias, manifestação concreta da capacidade econômica como manifestação provável da capacidade

econômica não corresponde à concretização da norma constitucional.

Com efeito, a atividade do intérprete não se resume em descrever o significado e sim

consiste em construí-lo.

O ordenamento jurídico estabelece a realização de fins, a preservação de valores e a manutenção ou a busca de determinados bens jurídicos essências à realização daqueles fins e à preservação desses valores. O intérprete não pode desprezar esses pontos de partida. Exatamente por isso a atividade de interpretação traduz melhor uma atividade de reconstrução: o intérprete deve interpretar os dispositivos constitucionais de modo a explicitar suas versões de significado de acordo com os fins e os valores entremostrados na linguagem constitucional (ÁVILA, 2006, p. 34-35).

A atividade jurídica é um dos objetos da ciência conhecida como hermenêutica. Pode-se

definir a hermenêutica jurídica como ciência que objetiva o estudo da sistematização dos processos

lógicos de interpretação, integração e aplicação do Direito. Busca o verdadeiro significado e o

alcance dos textos legais para sua correta e adequada aplicação. Todas as leis necessitam de

interpretação. É absolutamente ultrapassada a idéia medieval de que apenas as normas jurídicas

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obscuras e/ou duvidosas estariam sujeitas à interpretação. Baseava-se, essa tese, no brocardo “in

claris cessat interpretatio”, há muito superado. Por esse motivo, não é concebível a idéia de que a

aplicação do direito é uma atividade subsuntiva entre conceitos prontos antes do processo de

aplicação.

A Constituição, como norma jurídica, também deve ser objeto de interpretação. É o

documento político mais importante, a Lei suprema nascida de uma decisão de natureza política que

determina o modo de existência e organização da sociedade, define as linhas de todo ordenamento

jurídico, refletindo a vontade soberana do povo. Ocupa o ápice da pirâmide normativa, da qual

decorrem todas as demais normas.

[...] a norma constitucional é de natureza política, porquanto rege a estrutura fundamental do Estado, atribui competência aos poderes, dispõe sobre os direitos humanos básicos, fixa o comportamento dos órgãos estatais e serve, enfm, de pauta à ação dos governos, visto que no exercício de suas atribuições não podem eles evidentemente ignora-los. As relações que a norma constitucional, pela sua natureza mesma, costuma disciplinar, são de preponderante conteúdo político e social e por isso mesmo sujeitas a um influxo político considerável, senão essencial, o qual se reflete diretamente sobre a norma, bem como sobre o método interpretativo aplicável (BONAVIDES, 2002, p. 420).

No processo de interpretação da norma constitucional caberá ao intérprete observar as

características que a diferenciam das demais normas: supremacia da Constituição – subordina todo o

ordenamento jurídico impossibilitando a validade, no âmbito do Estado, de qualquer ato jurídico

incompatível com alguma norma constitucional; natureza da linguagem – a norma constitucional

possui linguagem própria, por conter normas principiológicas, normas que organizam o Estado e

normas que definem os direitos fundamentais do homem, portanto apresentam maior abertura e grau

de abstração do que as demais normas; conteúdo específico – estrutura as normas constitucionais em

três categorias, quais sejam: as normas de organização que estruturam organicamente o Estado,

normas definidoras de direito que em regra tem a estrutura de normas de conduta – prevêem um fato

e a ele atribuem uma determinada conseqüência jurídica –, e normas programáticas, que contém

valores e fins a serem preservados e alcançados; caráter político – a Constituição é um fenômeno

jurídico oriundo de um pacto político, e, assim, cabe ao direito constitucional dar tratamento jurídico

a fatos políticos (BARROSO, BARCELLOS, 2003, p. 359).

O pós-positivismo introduziu a ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade

dos princípios, a essencialidade dos direitos fundamentais como realização do ideal democrático e

redefiniu a posição da Constituição, que passa a ser o centro do sistema. A Lei fundamental acrescida

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de uma valia material e axiológica, intensificada pela abertura do sistema jurídico e pela

normatividade dos seus princípios, passou a ter uma supremacia não mais meramente formal.

O pós-positivismo influencia a hermenêutica constitucional moderna, a Constituição Federal

de 1988 passa a ser considerada como um sistema normativo aberto de princípios e regras, permeado

por valores jurídicos, tendo como foco a idéia de justiça e a realização dos direitos fundamentais.

Somente frente ao caso concreto e observando os princípios aplicáveis e o fim a ser realizado é que

será construído o sentido da norma.

A idéia de uma nova interpretação constitucional objetiva a concretização da vontade da

Constituição que depende de uma pré-compreensão do problema e da própria Constituição. Não

importa em desprezo ou abandono do clássico método da subsunção da aplicação de regras, nem dos

métodos tradicionais da hermenêutica gramatical, histórico, sistemático e teleológico, que, embora

relevantes e desempenhando importante papel na construção dos sentidos das normas e na solução de

casos concretos, mostraram-se insuficientes para atender às necessidades jurídicas e políticas do

Estado Democrático de Direito.

Com efeito, na Velha Hermenêutica interpretava-se a lei, e a lei era tudo, e dela tudo podia ser retirado que coubesse na função elucidativa do intérprete, por uma operação lógica, a qual, todavia, nada acrescentava ao conteúdo da norma; em a Nova Hermenêutica, ao contrário, concretiza-se o preceito constitucional, de tal sorte que concretizar é algo mais do que interpretar, é, em verdade, interpretar com acréscimo, com criatividade. Aqui ocorre e prevalece uma operação cognitiva de valores que se ponderam. Coloca-se o intérprete diante da consideração de princípios, que são as categorias por excelência do sistema constitucional (grifo nosso) (BONAVIDES, 2002, p. 585).

Na lição de Luiz Roberto Barroso “É a superação do legalismo, não de forma abstrata ou

metafísica, mas pelo reconhecimento de valores fundamentais, quer positivados ou não, expressos

por princípios dando ao ordenamento unicidade e condicionando a atividade do intérprete” (2002, p.

433).

Os princípios da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa, dos valores sociais do

trabalho e da livre iniciativa, do pluralismo político, contidos no art. 1º da Constituição de 1988,

fundantes da República Federativa do Brasil, são princípios de legitimidade do Estado Democrático

de Direito e passam a ser ponderados frente aos interesses do caso concreto. Assim, o princípio da

soberania passa a ser ponderado com os direitos fundamentais e princípio da dignidade da pessoa

humana, o fundamento da soberania volta-se para a liberdade do homem e para o contrato social. O

princípio da cidadania se fundamenta no estatuto jurídico do cidadão, compreendendo

simultaneamente a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho da livre iniciativa.

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No Estado Democrático de Direito, finalmente, o equilíbrio de todos os princípios fundantes é

realizado com a intermediação da ponderação.

Nas palavras de Ricardo Lobo Torres:

Tais princípios fundantes, que são princípios de legitimidade do Estado Democrático de Direito abrem-se para a ponderação e o balanceamento frente aos interesses em jogo em cada situação específica. Legitima-se por princípios formais que se irradiam por todo o sistema normativo, ético e jurídico.

A Constituição, portanto, não mais representa um sistema em si, com a sua ordem, unidade e

harmonia, mas também como modo de ver e interpretar todos os demais ramos do direito. Neste

contexto, a realidade do Direito Tributário é também influenciada. Assim, os valores de liberdade,

segurança, justiça, expressos em princípios constitucionais orientam a tributação desde o legislador

até o aplicador da lei.

Esse fenômeno identificado por alguns autores como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e aprendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. A constitucionalização do direito infraconstitucional não identifica apenas a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sobre uma ótica constitucional (BARROSO, 2003, p. 44).

O Direito Tributário, portanto, passa a desempenhar uma nova função, ampliando o seu

espaço de atuação, até então considerado como o “estatuto do contribuinte” ou como mera diretriz

normativa para a atuação fiscal do Estado, devendo agora realizar a sua função social como

instrumento para a instituição de um tributo justo, com respeito aos direitos fundamentais e em busca

da concretização destes.

Há muito se abandonou a idéia de que a legislação tributária seria especial ou excepcional,

pacificando-se a posição segundo a qual é ela Direito comum, como qualquer outro conjunto de

normas jurídicas. Com isso, foram abandonadas as presunções e posições apriorísticas defendidas no

passado, como a que entendia odiosa a legislação tributária, pregando o brocardo “in dubio contra

fiscum” ou a posição oposta, quem por entender a legislação tributária como essencial aos interesses

maiores da coletividade, apregoava a aplicação da interpretação “indubio pro fiscum”. Todas essas

posições são incompatíveis com o Estado de Direito, no qual a interpretação das normas jurídicas

deve ser simplesmente “ex lege”, expressão última da vontade geral.

A interpretação do Direito Tributário foi considerada durante muitos séculos como excepcional, a coincidir com as próprias normas fiscais, que se afastariam do direito

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comum. Ora prevalecia o princípio do in dubio contra fiscum, ora o do in dubio pro fisco. Essas posições hoje estão inteiramente superadas, da mesma forma que o direito fiscal já não pode ser considerado excepcional. [...] Assim, a sua interpretação deve se fazer à luz das mesmas idéias e princípios que informam a interpretação do Direito Civil, do Penal, do Constitucional etc (TORRES, 2000, p. 124).

Assim como a hermenêutica constitucional sofreu diversas transformações a hermenêutica

do Direito Tributário também passou por um processo evolutivo. Acompanhando as alterações

jusfilosóficas realizadas pelo direito, principalmente nas últimas décadas, com a superação do

positivismo e o retorno dos valores, da ética e da justiça, concretizados na normatividade dos

princípios, como parâmetros de interpretação e aplicação do Direito, subordina-se o Direito

Tributário ao pluralismo metodológico.

Ricardo Lobo Torres ao tecer comentários a respeito da interpretação do Direito Tributário,

relata:

A interpretação do Direito Tributário se subordina ao pluralismo metodológico. Inexiste a prevalência, sendo os métodos aplicados de acordo com o caso, e com os valores ínsitos na norma; ora se recorre ao método sistemático, ora ao teleológico, ora ao histórico, até porque não são contraditórios, mas se completam e intercomunicam. No direito tributário, os métodos podem variar de acordo até mesmo com o tributo a que se aplicam. [...] Os métodos de interpretação, por conseguinte, devem ser estudados dentro da visão pluralista. Entre eles não há hierarquia (2006, p. 153-154).

Neste contexto impõe-se um breve aprofundamento dessa evolução que partiu de posições

firmadas no campo da teoria geral da interpretação com as jurisprudências dos conceitos, dos

interesses e dos valores.

A jurisprudência dos conceitos, fase da ciência jurídica que coincide com o Estado Liberal e

o individualismo possessivo, refletiu no campo fiscal a interpretação formalista e conceptualista,

partindo da idéia de que os conceitos e as categorias jurídicas eram fechados e unívocos,

representando inteiramente a realidade social e econômica subjacente à norma, não cabendo ao

intérprete preocupar-se com a realidade fática. Na área fiscal prevalecia o direito civil sobre o direito

tributário, a legalidade estrita, a ajuridicidade da capacidade contributiva, a superioridade do papel do

legislador, a autonomia da vontade e do caráter pleno da propriedade (TORRES, 2005, p. 408-409).

Essa idéia do século XIX teve como defensor e criador Puchta que ensina que a construção

dedutiva do sistema depende inteiramente do pressuposto de um conceito fundamental estabelecido

quanto ao seu conteúdo. Essa escola lança as bases para a retomada do formalismo jurídico, que no

século XX, será desenvolvida por Hans Kelsen, que acolhe também o positivismo formalista

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caracterizado pela separação entre o direito e a moral, pela redução de todo direito a direito positivo,

pela exclusão do direito natural da categoria de direito, em que a justiça somente interessaria ao

direito se introduzida por uma norma do ordenamento jurídico (LARENZ, 1991, p. 23).

Nessa concepção formalista da jurisprudência dos conceitos elevou-se o valor de segurança

jurídica, que teve no princípio da legalidade a viga mestra do ordenamento jurídico, nomeando o

método sistemático como o mais importante de todos, e, assim, os conceitos do direito tributário

foram subordinados aos do direito civil, com prejuízo da realidade econômica subjacente ao fato

gerador fixado em lei. O contribuinte, nesse contexto, estava livre para planejar os seus atos

camuflando a situação definida como fato gerador do tributo, o que permitia a elisão fiscal e

conseqüentemente o não cumprimento do dever fundamental de pagar o tributo .

A jurisprudência dos interesses, que coincide com o Estado do Bem-Estar Social, surgiu em

oposição, no final do século XX, ao formalismo da jurisprudência dos conceitos, produziu efeitos no

campo fiscal com a interpretação econômica do fato gerador, defendia a liberdade, a autonomia do

direito tributário diante do direito privado; permitiu o processo de interpretação pela analogia;

reconheceu a excelência da capacidade contributiva efetivada diretamente dos fatos sociais;

introduziu limitações à propriedade e restrições a autonomia da vontade (TORRES, 2005, p. 223-

224).

Enquanto a jurisprudência de conceitos limitava o juiz a uma atividade subsuntiva lógica da

matéria do fato nos conceitos jurídicos, a jurisprudência dos interesses, em oposição, permite a

função criadora do juiz na valorização do fato econômico, introduzindo a idéia de ponderação de

interesses na aplicação do direito.

A jurisprudência dos valores, da era pós-positivista, na metade do século XX, rompe com o

positivismo da jurisprudência dos conceitos e da jurisprudência dos interesses. Essa escola

influenciou a interpretação do direito tributário ao introduzir na ciência do direito: a superioridade

dos princípios contidos no art. 1º da Constituição Federal como soberania, cidadania, dignidade da

pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político, princípios

fundantes do Estado Democrático de Direito; a ponderação dos princípios da capacidade contributiva

e da legalidade; a possibilidade do Poder Judiciário controlar políticas fiscais adotadas pelo

legislador, em razão do equilíbrio entre os poderes; a harmonização entre direito e economia dada a

influencia da ética nessas duas ciências; e o pluralismo metodológico como forma de interpretação do

direito tributário (TORRES, 2006, p. 375-379).

Hodiernamente, com a superação do positivismo e a consolidação da jurisprudência dos

valores e dos princípios, que, baseado nos postulados normativos da ponderação, da razoabilidade e

da proporcionalidade, busca nortear a interpretação do direito tributário pelo balanceamento entre os

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princípios da segurança jurídica, da justiça, da legalidade, da capacidade contributiva, da separação

dos poderes legislativo, executivo e judiciário para aplicação ao caso concreto.

Com o triunfo do pós-positivismo acalantado pela jurisprudência dos valores não é aceitável

no Direito a afirmação de que:

Se o indivíduo não excede das balizas legais, não se pode cogitar de fraude, mas do exercício de direito nascido da liberdade de modelar cada qual, como melhor lhe aprouver, seus negócios e patrimônios. [...] Se o legislador descura de sua eficácia prática, quer conscientemente ... quer involutariamente ao desperceber-se de vazamento ou trincas na norma fiscal, não é judiciária, (e muito menos administrativa) estar a suprir-lhe as falhas, no pressuposto da impotência legislativa para corrigir tais anomalias (DORIA, 1977, p. 77 e 120).

As dificuldades inerentes à interpretação dos princípios e das regras jurídicas, sejam na

construção das normas pelo legislativo ou na sua aplicação pelo executivo e judiciário, têm raízes não

apenas na tarefa, já por si complexa, mas, sobretudo, em dirimir eventuais entraves na adequada

compreensão do texto interpretado. A dificuldade é maior em razão do próprio embate entre os

valores conflitantes na norma sujeita à interpretação, embate esse que tem suas raízes mais remotas

na cizânia entre os jusnaturalistas e os positivistas, que encontra um ponto intermediário no pós-

positivismo com o reconhecimento da normatividade dos princípios.

É o Estado Democrático de Direito, do pós-guerra, que supera a legalidade estrita da ordem

estatal, que desloca o centro de gravidade do ordenamento jurídico para a reverência aos direitos

fundamentais, concretiza a reaproximação entre o direito e a ética, reconhece a positivação de valores

e os princípios fundantes do Estado.

O ponto marcante de toda essa evolução é a necessidade de que a interpretação deverá partir

sempre dos princípios constitucionais, eleitas pelo contribuinte como normas de fundamento e

qualificação essencial no ordenamento, que espelham todo o ordenamento jurídico, instituindo a

ideologia da Constituição, seus fundamentos e fins. A ordem jurídica se encontra em um verdadeiro

processo de constitucionalização.

Afirmando essa idéia Ricardo Lobo Torres relata:

Mas o dado mais importante é que a Constituição, sob a perspectiva dos direitos fundamentais, e não a lei formal, passa a ser o centro da normatividade jurídica. No Direito Tributário é visível a nova abordagem constitucional da relação jurídica tributária, que continua a se definir como obrigação ex lege, mas que aparece totalmente vinculada pelos direitos fundamentais (2005, p. 411-412).

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A ordem jurídica, inclusive o Direito Tributário, em um processo de constitucionalização,

passa a ser compreendida por meio dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais e, tanto

a sua fundamentação, realizada na atividade legislativa, quanto a sua aplicação, realizada em

momento de concretização, são permeadas pela ponderação.

É justo e necessário que a ponderação como técnica de harmonização dos princípios e

direitos, consagrados na Constituição Federal de 1988, estrutura pelos postulados da razoabilidade,

proporcionalidade e proibição de excesso, esteja presente na legislação tributária, por exemplo:

- na declaração de ajuste anual de imposto de renda do professor fosse permitido deduzir dos

rendimentos tributáveis as importâncias despendidas com aquisição de livros e assinatura de jornais e

revistas para determinação da base de cálculo do imposto de renda. Teríamos um critério distintivo,

mas razoável e que não viola o princípio da igualdade, pois o conhecimento advindo da leitura é

importante para todos, porém para o professor é indispensável para o exercício de sua profissão.

Diferenciar com razão não é violar o princípio da igualdade.

- as despesas com educação só podem ser deduzidas dos rendimentos tributáveis até o valor

estabelecido por lei, por exemplo, de R$ 2.592,29, para o exercício de 2009. Desta forma os gastos

com educação que ultrapassam esse limite são oferecidos à tributação como renda tributável, o que

não é nem razoável nem adequado, visto que parte desta renda foi despendida com despesas de

instrução do contribuinte ou de seus dependentes. Já que a educação é um direito fundamental, os

pagamentos de despesas com instrução deveriam ser integralmente dedutíveis dos rendimentos

tributáveis auferidos pelo contribuinte.

- as universidades públicas apresentam um elevado nível de ensino, porém não dispõe de

vagas suficientes. Desta forma a concorrência é grande e as vagas normalmente são preenchidas por

estudantes que tiveram a oportunidade de cursar um ensino fundamental nas escolas particulares.

Nesse caso, seria razoável e adequado que para o contribuinte que desfruta de uma situação

financeira e patrimonial elevada e que tenha um dependente estudante de universidade pública, as

alíquotas do imposto de renda sejam majoradas. Esse critério de diferenciação promoveria a

igualdade de oportunidades.

- as alíquotas do imposto de renda, no Brasil, se restringem a 15% e 27,5% enquanto em

outros países oscilam entre 5% e 55%. A progressividade é um princípio expresso no texto

constitucional e corolário necessário da capacidade contributiva. A imposição de apenas duas

alíquotas demonstra que faltou razoabilidade ao legislador.

Seguindo essa linha crítica sobre a legislação tributário no Brasil, há de se ressaltar os

impostos indiretos que são aqueles em que o contribuinte de fato não é o mesmo que o contribuinte

de direito, por exemplo, o ICMS, IPI e o ISS. Que são impostos que estão embutidos nos preço das

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mercadorias vendidas. É um imposto regressivo, por não considerar o poder aquisitivo nem mesmo a

capacidade econômica do contribuinte, assim todos pagam o mesmo imposto que está embutido no

preço de um produto.

Não é razoável e nem proporcional que o milionário pague num pacote de arroz a mesma

alíquota que um assalariado.

Ofende o postulado da proibição de excesso quem gasta praticamente tudo o que ganha no

consumo de produtos como é o caso de muitos assalariados, isto porque o tributo embutido nesses

produtos prejudicará a aquisição de outros bens necessários e indispensáveis para a própria

subsistência do contribuinte. Dessa forma ofende-se o postulado da proibição de excesso já que este

não permite que seja haja restrição excessiva de qualquer direito fundamental.

Assim, no Estado de Direito Democrático brasileiro exige-se que o tributo tenha sua

fundamentação e aplicação estruturadas pela ponderação desses princípios e direitos fundamentais,

por meio dos postulados normativos da razoabilidade, proporcionalidade e proibição de excesso.

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CONCLUSÕES

O Estado contemporâneo se vê diante de imperiosa necessidade de implementar mudanças

nas suas atribuições perante a sociedade brasileira, no sentido de realizar uma tributação que garanta

e proteja os direitos fundamentais constitucionalmente consagrados respeitando a dignidade da

pessoa humana e proporcionando igualdade de oportunidades e redistribuição de riquezas. Para tanto

cabe ao Estado buscar suporte instrumental no Direito e na Constituição Federal de 1988.

A Constituição tem como um dos fundamentos a dignidade da pessoa humana e a cidadania,

reconhece a efetividade dos direitos fundamentais individuais, políticos e sociais, e, ainda, prevê a

existência de deveres fundamentais.

Os deveres fundamentais podem ser considerados como a face oculta dos direitos

fundamentais, uma vez que estes são limitadores e corretivos daqueles. O fundamento desses deveres

está na Constituição, e, portanto, a base de cada dever fundamental deve estar na própria

Constituição, quer expressa quer implicitamente. Desta forma, devem ser reconhecidos, assim como

os direitos fundamentais como categorias constitucionais próprias e considerados vetores essenciais

do cidadania.

Da Constituição é possível extrair o caráter fiscal e social do Estado Democrático brasileiro,

portanto, o Estado brasileiro assume tarefas de Estado fiscal e social. O Estado com caráter fiscal

depende da arrecadação de tributo, com limites constitucionais, e, por outro lado, o Estado com

caráter social precisa proporcionar a realização da sociedade. O Brasil assume seu caráter fiscal,

exigindo tributos, muitas vezes excessivos, acabando por tolher a própria fonte de recursos, sem que

resolva propriamente o caráter social, restando à sociedade o cumprimento dessas tarefas sociais.

Desta forma e considerando que a Constituição não acatou o conceito positivista de tributo

como mero poder do Estado que decorre da soberania estatal, e não o trata como ônus imposto ao

indivíduo, membros da comunidade estatal, mas, de acordo com seu texto, o tributo é uma

contraprestação entre Estado e contribuinte, em que o contribuinte financia as atividades do Estado

para que este possa permitir o desenvolvimento do indivíduo, que só ocorre dentro de uma sociedade

organizada.

Assim o tributo, no direito tributário compreendido como a face oculta dos direitos

fundamentais ou como o preço da liberdade, apresenta-se como custo nascido do pacto social firmado

entre o contribuinte e o Estado e entre os próprios contribuintes. O contribuinte cede parcela do seu

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patrimônio em favor do Estado, que lhe fornecerá bens e serviços para uma vida digna e tranqüila em

sociedade.

O tributo não pode ir além do máximo permitido pela própria Constituição, mas também não

pode ficar aquém do mínimo suficiente para atender as necessidades financeiras do Estado que tem

como atividade atender os objetivos fundamentais de construir uma sociedade livre, justa e solidária;

garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,

sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação, previstos na Constituição.

O Estado Democrático brasileiro de característica fiscal e social, numa visão pós-positivista,

em que se destaca a jurisprudência dos valores, traz ao direito questões voltadas aos direitos

fundamentais, à normatividade dos princípios e ao pluralismo metodológico.

Esse Estado exige um Estado de ponderação. A ponderação é a ferramenta para a solução

dos conflitos das normas e dos princípios. Está presente na ordem jurídica, inclusive no Direito

Tributário, que passa a ser entendida, em um processo de constitucionalização, por meio dos

princípios constitucionais e direitos fundamentais desde a sua fundamentação, aplicação até à sua

concretização.

No atual contexto de Direito em que se reconhece que a Constituição não mais representa

um sistema em si, mas sim o modo de ver e interpretar todos os demais ramos do direito, o Direito

Tributário passa a desempenhar uma função social como instrumento de uma tributação mais justa,

com respeito aos direitos fundamentais e em busca da concretização destes.

O cidadão consciente do seu papel pode tornar concreto todos os direitos previstos e

garantidos na Constituição e, ainda, manter o sistema tributário nacional mais eficiente e equilibrado

por meio do exercício da cidadania. Esse exercício deverá exigir um tributo pautado na harmonia

necessária e no balanceamento suficiente do ordenamento jurídico para amenizar os conflitos de

interesses existentes, equilibrando os bens protegidos e fazendo valer os objetivos estabelecidos na

carta constitucional brasileira na busca de se efetivar a verdadeira justiça.

Se o exercício da cidadania não for suficiente para exigir do Estado uma tributação que

respeite a Constituição pode o cidadão se valer do poder judiciário para garantir o respeito do

interesse público e a imposição de um tributo que não infrinja os direitos fundamentais do cidadão,

utilizando uma interpretação pluralística das normas tributárias considerando os princípios

constitucionais.

Somente um tributo fundamentado e aplicado pela ponderação dos princípios e dos direitos,

abrigados na Constituição, por meio dos postulados normativos da razoabilidade, proporcionalidade e

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proibição de excesso poderá promover a justiça social, promovendo a liberdade, a igualdade e a

dignidade do cidadão com a concretização dos direitos humanos.

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ANEXO I

Taxa de analfabetismo (15a e+) por Ano segundo Unidade da Federação Período: 2002-2006

Unidade da Federação 2002 2003 2004 2005 2006 Total

TOTAL 11,83 11,55 11,38 11,05 10,38 11,22 Rondônia 8,63 8,58 10,61 9,98 10,79 9,92

Acre 12,98 16,87 18,13 21,14 17,59 17,73 Amazonas 6,33 6,61 9,03 6,7 7,84 7,4

Roraima 12,13 9,67 10,34 12,2 8,27 10,46 Pará 10,72 10,66 14,08 12,71 12,49 12,33

Amapá 6,21 9,25 8,33 7,23 5,04 7,15 Tocantins 18,11 17,62 17,24 16,3 14,93 16,8 Maranhão 22,9 23,77 23,11 23 22,79 23,11

Piauí 29,59 28,4 27,31 27,37 26,23 27,75 Ceará 22,63 22,73 21,77 22,59 20,6 22,04

Rio Grande do Norte 22,68 23,42 22,29 21,47 21,81 22,32

Paraíba 27,11 25,21 25,31 25,21 22,73 25,08 Pernambuco 21,51 21,74 21,28 20,47 18,48 20,67

Alagoas 31,18 30,41 29,51 29,26 26,44 29,32 Sergipe 20,25 19,17 19,38 19,67 18,22 19,32

Bahia 21,7 21,34 20,42 18,78 18,57 20,13 Minas Gerais 11,04 11,04 9,88 10,05 9,04 10,19

Espírito Santo 10,72 10,26 9,49 8,69 9,49 9,71 Rio de Janeiro 5,1 4,62 4,83 4,84 4,2 4,71

São Paulo 5,86 5,41 5,52 5,41 4,98 5,43 Paraná 7,87 7,79 7,95 7,08 6,51 7,43

Santa Catarina 5,5 5 4,8 5,17 5,06 5,1 Rio Grande do Sul 6,3 5,76 5,48 5,21 5,22 5,59

Mato Grosso do Sul 8,99 9,6 9,52 9,06 8,46 9,12 Mato Grosso 10,2 10,7 10,1 9,74 9,23 9,98

Goiás 11,29 10,9 10,69 10,22 9,6 10,52 Distrito Federal 5,67 4,48 4,2 4,68 3,77 4,54

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD 1992 a 1993, 1995 a 1999 e 2001 a 2006.

Notas: 1. Taxa de analfabetismo: % da população de 15 ou mais anos não alfabetizada.

2. Informações da PNAD não disponíveis, até o ano de 2003, para as áreas rurais de RO, AC, AM, RR, PA e AP.

3. Uma vez que a amostra da PNAD não foi desenhada para ser representativa para todas as raças, os indicadores para índios e amarelos não devem ser utilizados e os dos pretos devem ser vistos com muita cautela, pois este grupo é muito pequeno em alguns estados. Quanto aos brancos e pardos, suas amostras são mais robustas, oferecendo mais garantia de uso.

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?idb2007/b01.def

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ANEXO II

Taxa de desemprego (%) por Ano segundo Unidade da Federação Período: 2002-2006

Unidade da Federação 2002 2003 2004 2005 2006 Total

TOTAL 9,15 9,73 8,9 9,31 8,42 9,09 Rondônia 6,38 9,09 4,33 5,39 5,71 5,88

Acre 5,65 7,1 6,64 8,21 5,6 6,67 Amazonas 12,29 15,4 10,42 10,51 8,55 11,08

Roraima 5,68 10,77 8,18 12,56 7,95 9,3 Pará 10,1 9,67 6,33 7,24 7,17 7,8

Amapá 20,36 12,77 13,4 10,67 6,16 12,3 Tocantins 7,4 6,71 4,39 5,86 5,77 5,99 Maranhão 5,3 5,84 6,67 6,21 7,03 6,23

Piauí 4,78 5,25 3,91 5,71 4,08 4,74 Ceará 7,86 8,07 7,67 7,83 7,52 7,78

Rio Grande do Norte 6,57 9,72 8,56 10,63 8,89 8,94

Paraíba 7,38 9,2 8,54 7,49 7,63 8,04 Pernambuco 9,85 10,59 11,09 11,16 9,65 10,47

Alagoas 8,41 7,68 9,36 8,57 8,92 8,6 Sergipe 10,2 9 10,44 12,7 9,36 10,37

Bahia 9,85 9,82 10,47 9,94 9,2 9,85 Minas Gerais 9,01 9,03 8,95 8,46 7,71 8,61

Espírito Santo 9,85 9,21 7,39 9,63 6,84 8,56 Rio de Janeiro 11,61 12,97 11,47 12,62 11,8 12,09

São Paulo 11,53 12,36 11,25 11,55 10,03 11,32 Paraná 6,95 7,16 6,15 6,71 6,54 6,69

Santa Catarina 4,49 5,66 4,42 4,53 4,72 4,76 Rio Grande do Sul 6,67 7,09 5,96 6,4 6,14 6,45

Mato Grosso do Sul 7,87 7,93 6,95 8,57 7,8 7,83

Mato Grosso 6,78 7,15 5,71 7,98 8,4 7,22 Goiás 6,54 8,31 7,32 9,24 7,24 7,75

Distrito Federal 14,09 13,79 14,34 13,33 11,54 13,37 Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD.

Notas: 1. Taxa de desemprego: Percentual da população de 10 anos e mais desocupada.

2. Até o ano de 2003, informações não disponíveis para a área rural de RO, AC, AM, RR, PA e AP.

3. Dados não disponíveis para 2000, tendo em vista que as diferenças entre os planos amostrais do Censo-2000 e da PNAD impossibilitam a comparação entre os indicadores obtidos destas fontes.

4. Uma vez que a amostra da PNAD não foi desenhada para ser representativa para todas as raças, os indicadores para índios e amarelos não devem ser utilizados e os dos pretos devem ser vistos com muita cautela, pois este grupo é muito pequeno em alguns estados. Quanto aos brancos e pardos, suas amostras são mais robustas, oferecendo mais garantia de uso.

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?idb2007/b06.def

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ANEXO III

Número de óbitos infantis (menores de 1 ano) por 1.000 nascidos vivos Brasil, 2001-2005

2001 2002 2003 2004 2005 Região

Taxa Estimat. Taxa Estimat. Taxa Estimat. Taxa Estimat. Taxa Estimat. Brasil³ X 25,63 x 24,34 x 23,56 x 22,58 x 21,17

Norte X 27,79 x 26,98 x 26,22 x 25,51 x 23,35 Nordeste X 39,22 x 37,24 x 35,48 x 33,94 x 31,61 Sudeste X 16,81 x 15,73 x 15,61 x 14,92 x 14,2

Sul 16,4 x 16,05 x 15,78 x 14,98 x 13,8 x

Centro-Oeste X 20,63 x 19,26 x 18,71 x 18,7 x 17,83 Fontes:

MS/SVS - Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - SINASC

MS/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM

Convenção:

(x) indica dado numérico omitido na construção do IDB-2007

Notas:

1. Calculada diretamente dos sistemas SIM e SINASC, para os estados que atingiram indice final (cobertura e regularidade do sim) igual ou superior a 80% e cobertura do SINASC igual ou superior a 90%.

2. Estimada pelo MS a partir de métodos demográficos indireto.

3. Média das taxas estaduais, obtidas por método direto ou indireto.

*Estimat. = Estimativa

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2007/c01.htm

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ANEXO IV

Número de óbitos maternos pro 100.000 nascidos vivos segundo Região Brasil, 2001-2005

Brasil, 2001-2005 2001 2002 2003 2004 2005

Região Observ Estimat. Observ Estimat. Observ Estimat. Observ Estimat. Observ Estimat.

Brasil³ x 70,91 x 75,87 x 72,99 x 76,09 x 74,68 Norte x x x x x x x x x x

Nordeste x x x x x x x x x x Sudeste² 47,64 x 48,98 x 43,18 x 45,49 x 43,38 x

Sul 52,65 x 57,62 x 51,58 x 59,02 x 55,09 x

Centro-Oeste² 54,05 x 59,49 x 48,08 x 63,1 x 54,96 x

Fontes:

MS/SVS – Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - SINASC

MS/SVS – Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM

Convenção:

(x) indica dado numérico omitido na construção do IDB-2007

Notas:

1. As razões foram calculadas diretamente dos sistemas SIM e SINASC para os estados que atingiram percentual de cobertura igual ou superior a 80% dos óbitos femininos de 10 a 49 anos de idade, correspondendo a todos os estados das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, com exceção de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás.

2. Os totais para as Regiões foram calculados apenas com as UFs consideradas.

3. Para o Brasil, usou-se o total de óbitos maternos coletados pelo SIM e de nascidos vivos coletados pelo SINASC; a partir de 2001, para o Brasil, este total foi corrigido pelo fator de ajuste (1,4) obtido na Pesquisa sobre a Mortalidade de Mulheres de 10 a 49 anos, em 2002 (Laurenti e col., 2004).

4. Valores elevados da mortalidade materna podem estar refletindo os esforços realizados, em cada estado, para melhorar a qualidade da informação.

*Observ. = Observado - *Estimat. = Estimado

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2007/c03.htm

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ANEXO V

Óbitos Adolescente violência por Ano segundo Região Período: Jul/2002-Out2008

Região 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Total TOTAL 2.476 4.647 4.818 5.677 5.896 5.100 28.614

Norte 168 309 314 297 331 466 1.885 Nordeste 962 1.837 1.755 1.847 1.794 1.761 9.956 Sudeste 746 1.423 1.605 2.299 2.576 1.757 10.406

Sul 405 721 767 895 856 807 4.451 Centro-

Oeste 195 357 377 339 339 309 1.916 Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informação de Atenção Básica - SIAB

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?siab/cnv/SIABSbr.def

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ANEXO VI

Carga Tributária no Brasil – 2007 Tabela INC 02-A

Série Histórica - Receita Tributária por Base de Incidência em R$ milhões - 2003 a 2007 % PIB

Cód. Tipo de Base 2003 2004 2005 2006 2007 0000 Total da Receita Tributária 31,41% 32,24% 33,35% 33,51% 34,79% 1000 Títulos sobre a Renda 5,82% 5,57% 6,28% 6,26% 6,71%

1100 Pessoa Física 1,96% 2,01% 2,16% 2,14% 2,30% 1200 Pessoa Jurídica 2,23% 2,19% 2,71% 2,72% 3,10% 1900 Outros 1,63% 1,36% 1,41% 1,40% 1,31%

1910 Não Residentes 0,36% 0,31% 0,32% 0,34% 0,33% 1920 Retenções não Alocáveis 1,28% 1,04% 1,09% 1,06% 0,98%

2000 Títulos sobre a Folha de Salários 6,83% 7,04% 7,33% 7,48% 7,85% 2100 Previdência Social 4,71% 4,89% 5,15% 5,19% 5,49%

2110 Empregador 2,95% 3,06% 3,15% 3,10% 3,25% 2120 Empregado 1,22% 1,31% 1,44% 1,51% 1,64% 2130 Autônomo 0,23% 0,22% 0,22% 0,22% 0,22% 2190 Outros 0,30% 0,31% 0,34% 0,36% 0,38%

2200 Seguro Desemprego 1,47% 1,46% 1,50% 1,54% 1,60% 2900 Outros 0,66% 0,69% 0,68% 0,75% 0,75%

3000 Tributos sobre a Propriedade 1,06% 1,03% 1,06% 1,11% 1,17% 3100 Propriedade Imobiliária 0,47% 0,46% 0,44% 0,45% 0,45%

3200 Propriedade de Veículos Automotores 0,46% 0,46% 0,49% 0,52% 0,57%

3300 Transferências Patrimoniais 0,14% 0,12% 0,12% 0,14% 0,15% 4000 Tributos sobre Bens e Serviços 15,13% 15,93% 16,00% 15,98% 16,31%

4100 Gerais 9,99% 10,91% 10,90% 10,83% 11,12% 4110 Não Cumulativos 4,25% 6,83% 7,19% 7,08% 7,26% 4120 Cumulativos 5,74% 4,07% 3,71% 3,75% 3,86%

4200 Seletivos 4,66% 4,55% 4,69% 4,73% 4,73% 4210 Automóveis 0,62% 0,65% 0,80% 0,82% 0,84% 4220 Bebidas 0,34% 0,34% 0,31% 0,32% 0,30% 4230 Combustíveis 1,88% 1,73% 1,66% 1,70% 1,60% 4240 Energia Elétrica 0,72% 0,77% 0,81% 0,79% 0,87% 4250 Tabaco 0,22% 0,23% 0,20% 0,20% 0,20% 4260 Telecomunicações 0,89% 0,85% 0,90% 0,91% 0,92%

4300 Comércio Exterior 0,48% 0,47% 0,42% 0,42% 0,47%

5000 Tributos sobre Transações Financeiras 1,62% 1,63% 1,64% 1,64% 1,70%

5100 Tributos sobre Débitos e Créditos Bancários 1,35% 1,36% 1,36% 1,35% 1,40%

5200 Outros 0,26% 0,27% 0,28% 0,28% 0,30% 9000 Outros Tributos 0,95% 1,04% 1,04% 1,05% 1,05%

Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br - Acesso em 15/01/2009

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Carga Tributária no Brasil – 2007 Tabela INC 02-A

Série Histórica - Receita Tributária por Base de Incidência em R$ milhões - 2003 a 2007 R$ milhões

Cód. Tipo de Base 2003 2004 2005 2006 2007 0000 Total da Receita Tributária 533.930,25 626.032,91 716.107,08 794.121,53 903.638,931000 Títulos sobre a Renda 98.976,92 108.046,55 134.875,42 148.255,71 174.187,631100 Pessoa Física 33.310,65 39.077,47 46.344,90 50.675,67 59.720,38 1200 Pessoa Jurídica 37.927,21 42.615,63 58.254,26 64.455,32 80.546,72 1900 Outros 27.739,06 26.353,45 30.276,25 33.124,72 33.920,53 1910 Não Residentes 6.064,09 6.105,56 6.831,55 8.069,76 8.567,02 1920 Retenções não Alocáveis 21.674,97 20.247,89 23.444,70 25.054,95 25.353,51 2000 Títulos sobre a Folha de Salários 116.142,44 136.670,57 157.330,93 177.260,79 203.868,512100 Previdência Social 79.955,51 95.007,80 110.557,92 123.002,43 142.691,862110 Empregador 50.119,14 59.418,69 67.641,66 73.485,93 84.488,31 2120 Empregado 20.789,35 25.371,88 30.848,51 35.797,49 42.727,01 2130 Autônomo 3.968,18 4.208,29 4.681,45 5.271,08 5.698,91 2190 Outros 5.118,83 6.008,94 7.386,30 8.447,93 9.777,63 2200 Seguro Desemprego 24.956,35 28.269,33 32.247,88 36.505,40 41.630,51 2900 Outros 11.190,58 13.393,43 14.525,13 17.752,95 19.546,14 3000 Tributos sobre a Propriedade 18.098,46 20.089,09 22.680,01 26.200,92 30.411,01 3100 Propriedade Imobiliária 7.976,27 8.860,87 9.535,86 10.566,08 11.719,17

3200 Propriedade de Veículos Automotores 7.739,85 8.909,79 10.497,08 12.418,74 14.689,97

3300 Transferências Patrimoniais 2.382,34 2.318,42 2.647,08 3.216,10 4.001,88 4000 Tributos sobre Bens e Serviços 257.185,86 309.363,15 343.663,44 378.677,39 423.782,914100 Gerais 169.822,33 211.774,31 234.120,96 256.622,49 288.818,924110 Não Cumulativos 72.233,16 132.695,27 154.387,00 167.729,86 188.480,554120 Cumulativos 97.589,17 79.079,03 79.733,96 88.892,63 100.388,384200 Seletivos 79.210,88 88.402,48 100.609,78 112.120,25 122.777,664210 Automóveis 10.547,48 12.554,34 17.284,55 19.519,91 21.734,44 4220 Bebidas 5.746,24 6.530,99 6.650,53 7.524,38 7.895,20 4230 Combustíveis 31.903,11 33.558,03 35.744,05 40.172,08 41.515,68 4240 Energia Elétrica 12.241,14 14.928,80 17.347,13 18.670,17 22.537,94 4250 Tabaco 3.663,83 4.381,55 4.293,31 4.721,87 5.287,78 4260 Telecomunicações 15.109,08 16.448,78 19.290,21 21.511,84 23.806,62 4300 Comércio Exterior 8.152,65 9.186,35 8.932,70 9.934,65 12.186,33

5000 Tributos sobre Transações Financeiras 27.458,55 31.618,72 35.143,09 38.792,18 44.114,81

5100 Tributos sobre Débitos e Créditos Bancários 23.029,01 26.399,16 29.188,22 32.057,93 26.319,86

5200 Outros 4.429,53 5.219,56 5.954,86 6.734,25 7.794,95 9000 Outros Tributos 16.068,03 20.244,84 22.414,19 24.934,55 27.274,06

Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br - Acesso em 15/01/2009

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124

Carga Tributária no Brasil – 2007

As tabelas a seguir mostram a distribuição da tributação no Brasil e em alguns países da OCDE, de acordo com a base de incidência.

Distribuição de Arrecadação tributária por Base de Incidência - Brasil e Alguns Países da OCDE. % da arrecadação total

Países Renda Seguridade Social/Folha de Salários (1) Propriedade Bens e Serviços (3)

México 24,1% 16,9% 1,6% 57,4% Brasil 19,28% 22,56% 3,37% 46,90%

Reino Unido 38,50% 18,80% 12,00% 30,30% França 23,50% 39,70% 7,80% 28,80% Japão 33,80% 36,80% 9,70% 19,70% EUA 46,50% 24,70% 11,40% 17,40%

(1) - No caso do Brasil, os tributos da Seguridade Social estão parte na folha e parte em bens e serviços. (2) - Brasil: 2007: OCDE: 2005. (3) - Outros, parcela residual, foi somada ao item Bens e Serviços.

Carga Tributária - Brasil e Países membros da OCDE - 2006 (1) Países Carga Tributária

México (3) 20,60 Grécia 27,40

Japão (4) 27,40 Estados Unidos 28,20

República Eslovaca (2) 29,60 Suíça 30,10

Austrália (4) 30,90 Turquia 32,50 Canadá 33,40 Brasil 33,51

Polônia (4) 34,30 Alemanha 35,70

Luxemburgo 36,30 Nova Zelândia 36,50

República Tcheca 36,70 Espanha (2) 36,70

Média OECD (5) 36,73 Hungría 37,10

Reino Unido 37,40 Holanda 39,50

Islândia (4) 41,40 Áustria 41,90 Itália 42,70

Finlândia 43,50 Noruega (2) 43,60 França (2) 44,50

Bélgica 44,80 Dinamarca (2) 49,00

Suécia 50,10 (1) - Brasil: 2007, OCDE: 2006 (OCDE Facbook 2008)

(2) - A arrecadação total foi deduzida das transferências de capital. Isto se aplica à Dinamarca, França, Noruega e Espanha. (3) - Estimativa do Órgão Fazendário, que inclui receitas esperadas coletadas por estado e governos locais.

(4) - Dados de 2005. (5) - Média estimada. Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br - Acesso em 15/01/2009