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Rodolpho Ortenblad Filho: estudo sobre as residências
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Pós Graduação
Sabrina Souza Bom Pereira
Dissertação de Mestrado
São Paulo, Setembro de 2010
Rodolpho Ortenblad Filho: estudo sobre as residências
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Pós Graduação
Sabrina Souza Bom Pereira
Orientação: Profº Dr. Abilio Guerra
Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie para obtenção do título de mestre. Área de Concentração: Projeto de Arquitetura e Urbanismo. Linha de Pesquisa: Arquitetura Moderna e Contemporânea: representação e intervenção
São Paulo, Setembro de 2010
P436r Pereira, Sabrina Souza Bom
Rodolpho Ortenblad Filho: estudo sobre as residências. / Sabrina Souza Bom Pereira – 2010.
238 f. : il. ; 30cm.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010.
Bibliografia: f. 176-182.
1. Arquitetura paulista. 2. Arquitetura da década de 1950. 3. Influência norte-americana. I. Título.
III
Agradecimentos
Agradeço ao professor Abilio Guerra pela confiança desde o início e
pelas inestimáveis orientações.
Agradeço às professoras Ruth Verde Zein e Mônica Junqueira pelos
comentários valiosos na banca de qualificação.
Agradeço ao arquiteto Guilherme Ortenblad por me ter tão prontamente
colocado em contato com seu avô, Rodolpho Ortenblad Filho, e pela
ajuda com os desenhos e imagens.
Agradeço aos arquitetos Pedro Paulo de Mello Saraiva, Jorge Wilheim,
Arnaldo Paolielo, Carlos Lemos, José Luiz Fleury de Oliveira e Francisco
Segnini Jr. pelas entrevistas que contribuíram não só para esta
dissertação, mas para minha carreira como arquiteta.
Agradeço às alunas de graduação Vanessa Shiroma e Laís Fernandes
pela tão importante ajuda nos redesenhos.
IV
Agradeço aos colegas de curso pela troca de aprendizagem nas
disciplinas e por poder compartilhar nossas angústias e conquistas
durante a pesquisa.
Agradeço à secretária da pós-graduação Fernanda Freire pela simpatia
de sempre.
Agradeço aos funcionários da Biblioteca da Faculdade de Arquitetura
Mackenzie e da Biblioteca da FAU Maranhão.
Agradeço em especial ao arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho pelas
longas conversas e disposição em contar sua trajetória. Agradecimento
que se estende a sua esposa Vilma Ortenblad, sua filha Adriana e sua
nora Catarina, que sempre me receberam com um carinho imenso.
Por fim, agradeço com todo meu amor ao meu marido, meus pais, meus
irmãos e meus avós – de quem sinto tanta saudade – pessoas para as
quais tento fazer sempre o meu melhor.
V
Resumo
O arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho, logo após a conclusão do curso
de arquitetura na Universidade Mackenzie, em 1950, teve a
oportunidade de viajar para os Estados Unidos, motivado pela vontade
de conhecer as “obras modernas”, que até então só havia visto em
revistas. É flagrante a influência que esta viagem teve na sua forma de
ver arquitetura, que acabou se refletindo na concepção de seus projetos.
Não é de se estranhar que os projetos de Ortenblad – embora em pouco
número e em poucas vezes – sempre foram citados em trabalhos
acadêmicos em contextos que relacionam a produção arquitetônica
residencial paulista e a casa moderna norte-americana. Esta dissertação
de mestrado, intitulada "Rodolpho Ortenblad Filho: estudo sobre as
residências", é a primeira pesquisa acadêmica com tema centrado
exclusivamente em sua obra, o que implicou – para uma maior
inteligibilidade de seus projetos residenciais, que mereceram análises
que delineiam suas principais características – na necessária
apresentação de sua trajetória pessoal e de um panorama geral dos
VI
projetos realizados, que envolvem concursos e projetos para programas
diversos: escola, clube, indústria.
Rodolpho Ortenblad Filho realizou centenas de projetos entre os anos
de 1950 e 1984, muitos deles publicados na revista Acrópole – da qual
foi diretor de 1953 a 1955, período correspondente às edições 182 até
200. Sua obra foi notada e respeitada no meio profissional, como
atestam diversos depoimentos atuais de colegas de sua geração e a
publicação de duas de suas casas na revista japonesa World's
Contemporary Houses (ed. 5), ladeadas pela Casa de Vidro, de Lina Bo
Bardi, a Casa do Morumbi, de Oswaldo Bratke, a Casa de Canoas, de
Oscar Niemeyer, a Casa Milton Guper, de Rino Levi, e casas de
importantes arquitetos da Argentina, México e Uruguai.
VII
Abstract
The architect Rodolpho Ortenblad Filho, soon after completing college of
architecture at Mackenzie University, in 1950, had the opportunity to
travel to the United States of America, motivated by the desire to know
the "modern works”, which until then he had only seen in magazines.
The influence of this trip on his way to see architecture is noteworthy,
and also being reflected in the design of his projects. So, it's no surprise
that Ortenblad’s projects were cited always – though few in number and
in a few times – in scholarly works in contexts that relate to residential
architectural production from Sao Paulo and the American modern
home.
This dissertation, entitled "Rodolpho Ortenblad Filho: estudo sobre as
residências", is the first academic research topic focused exclusively on
his work, what involve – for greater intelligibility of his residential projects,
which have received reviews that outline its main features – the
necessary submission of his personal background and an overview of
VIII
completed projects involving concourses and projects for various
programs: school, club, industry.
Rodolpho Ortenblad Filho realized hundreds of projects between the
years 1950 and 1984, many of them published in Acrópole magazine -
from which he was director from 1953 to 1955, a period corresponding to
editions 182 to 200. His work was noticed and respected in professional
circles, as demonstrated by several current testimonials from colleagues
of his generation and the publish of two of his homes in the Japanese
magazine World's Contemporary Houses ((ed. 5), flanked by Casa de
Vidro (The Glass House), by Lina Bo Bardi, Casa do Morumbi, by
Oswaldo Bratke, Casa de Canoas, by Oscar Niemeyer, Casa Milton
Guper, by Rino Levi, and houses of renowned architects from Argentina,
Mexico and Uruguay.
1
Sumário
Dedicatória II
Agradecimentos III
Resumo V
Abstract VII
Introdução 04
Capítulo I – A trajetória de Rodolpho Ortenblad Filho 22
Características cariocas dos projetos iniciais 22
1. Ginásio Modelar 24
2. Residência Engº Rodolpho Ortenblad 28
3. Residência Rodolpho Ortenblad Filho I 31
A casa moderna 37
Influências norte-americanas 45
De volta ao Brasil 49
As Bienais de São Paulo 53
IAB e outras artes 57
2
Revista Acrópole 60
Concursos e projetos institucionais 64
1. Colégio Nossa Senhora das Dores 65
2. Clube Alto de Pinheiros 71
3. Concurso Complexo Industrial Cosipa 73
4. Sesi de Sorocaba 76
5. Faculdade de Histologia da Universidade de São Paulo 81
Capítulo II – Projetos residenciais 89
Residências particulares 89
1. Residência Leopoldo Raimo 91
2. Residência Olavo Quintela 94
3. Residência Alfredo e Clemância Assad 98
4. Casa da Fazenda Santa Cecília 102
5. Residência Arnaldo Melão 107
6. Residência Carlos Barros 110
7. Residência Rodolpho Ortenblad Filho II 114
8. Residência Baltazar Fidélis 118
9. Residência Joaquim Freire 120
10. Residência Fábio Guimarães 123
Residências para o setor imobiliário 126
1. Conjunto de sobrados na Rua Campos Bicudo 127
2. Conjunto de sobrados na Rua Pedroso Alvarenga 130
Residências para o Banco Hipotecário Lar Brasileiro 133
1. Quatro residências para Campinas 135
3
2. Três residências para São Paulo 139
3. Três residências para Campinas 143
Capítulo III – Análise dos projetos residenciais 148
Categorias 148
1. Setorização 149
2. Distribuição e organização da planta 153
3. Planos cheios e vazios 157
Industrialização da construção 161
1. Coberturas 165
2. Caixilhos 168
Considerações finais 172
Bibliografia 176
Anexos 183
Entrevistas 183
1. Rodolpho Ortenblad Filho, 04 mai 2009 183
2. Rodolpho Ortenblad Filho, 21 mai 2009 192
3. Rodolpho Ortenblad Filho, 13 out 2009 203
4. Rodolpho Ortenblad Filho, 01 dez 2009 208
5. Pedro Paulo de Mello Saraiva, 03 nov 2009 216
6. Jorge Wilheim, 17 nov 2009 221
7. Carlos Lemos, 24 nov 2009 225
4
Introdução
Rodolpho Ortenblad Filho nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 25 de
janeiro de 1927. Seu avô paterno, Artur Ortenblad, de origem
dinamarquesa, era engenheiro e veio para o Brasil ainda jovem, onde se
casou com uma imigrante italiana oriunda de Livorno. Seus avós
maternos, da família Camargo Penteado, eram da cidade de Tietê,
interior paulista. Sua avó materna demonstrava sensibilidade para as
artes, organizando festas com apresentações e montagens de fantasias.
Sua mãe apresentava “uma certa vocação” para arquitetura e ainda no
Rio de Janeiro teve a oportunidade de comprar alguns apartamentos
antigos remodelando suas plantas e reformando-os. Seu tio Alberto
Ortenblad, engenheiro, era proprietário da Construtora Ortenblock, no
Rio de Janeiro, em sociedade com um inglês de sobrenome Locke.
Estudou nos Estados Unidos, onde defendeu uma tese de mecânica dos
solos.
5
Rodolpho Ortenblad Filho mudou-se para São Paulo aos dezesseis
anos, quando, por ocasião da Segunda Guerra, seu pai, também
engenheiro, foi transferido para a capital paulista. Assim que chegou na
cidade ingressou no curso de Engenharia Civil da Escola de Engenharia
Mackenzie. Neto, filho e sobrinho de engenheiros, sua família não
escondia a preferência em vê-lo com o mesmo diploma, mas seu
interesse pela arquitetura foi maior que os desejos da família:
“Assim que cheguei em São Paulo fui logo para o Mackenzie e me
adaptei bem ao espírito de lá. Eu estava cursando Engenharia e fui
reprovado duas vezes pelo professor Sonino em Cálculo Estrutural. Um
dia ele chegou pra mim e disse: ‘Rodolpho, você não vai ser
engenheiro, você vive enfiado no ateliê dos arquitetos. Por que você
não muda para arquitetura logo? Eu vou te reprovar outra vez’. ‘Então
vou mudar’, respondi. Eu perdi um ano – naquela época podia fazer
isso – e tive que fazer cadeiras que faltavam de arquitetura. Aí entrei
para o ateliê dos arquitetos. Naquela época o curso de arquitetura, que
depois veio ser a Faculdade de Arquitetura Mackenzie, tinha
pouquíssimos alunos. O Christiano das Neves teve muito valor, pois ele
conseguiu manter o curso de arquitetura com pouquíssimos alunos –
alguns anos tinha um aluno”.1
Em 1946, Ortenblad ingressou no então Curso de Arquitetura e se
formou no final de 1950. Sua turma foi a primeira desta instituição a
1 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 04 maio 2009.
6
receber o diploma de arquiteto; antes dela, a formação era de
engenheiros-arquitetos. Entre seus colegas de turma, alguns se
tornariam arquitetos de grande importância no cenário regional e mesmo
nacional: Roberto Aflafo, Arnaldo Paolielo, Carlos Lemos, Alberto Botti,
Marino Barros e Plínio Croce.2
O curso era dirigido pelo arquiteto Christiano Stockler das Neves,
formado pela Escola de Arquitetura da Universidade da Pensilvânia
(Filadélfia, EUA) em 1911, sob a influência da Escola de Belas Artes de
Paris. Fundou a Faculdade de Arquitetura Mackenzie em 1947, sendo
vice-reitor desta mesma Universidade durante os anos de 1952 a 1955.
Foi prefeito da cidade de São Paulo entre os meses de março e agosto
de 1947. Stockler das Neves, certamente devido à sua formação
segundo os preceitos da escola de Belas Artes, era extremamente
conservador em relação ao ensino e prática da arquitetura. Sob sua
direção, o curso de arquitetura foi conduzido dentro dos pressupostos da
arquitetura neoclássica.
Muitos dos depoimentos coletados para esta pesquisa apontam para
uma posição intransigente de Christiano Stockler das Neves ao refutar
os conceitos da nova arquitetura – a arquitetura moderna. Em
2 Enquanto a turma de Rodolpho Ortenblad Filho cursava o primeiro ano de arquitetura o ainda estudante Plínio Croce já cursava seu último ano, porém como havia apenas um ateliê de projeto os alunos de todos os anos se encontravam tendo acesso aos trabalhos dos colegas.
Turma de formandos do Curso de Arquitetura da Faculdade Mackenzie de 1950. Abaixados (da esquerda): 2º Diogo Faria Cradoso; 4º Arnaldo Paoliello. Em pé ao centro (da esquerda): 1º Vicente Ignati; 2º Rodolpho Ortenblad Filho; 3º Jorge Isciter; 4º Marino Barros; 5º Roberto Aflalo; 6º Carlos Lemos. Arquivo pessoal Rodolpho Ortenblad Filho
7
contrapartida, os mesmos entrevistados reconhecem o valor deste
arquiteto por ter conseguido manter um curso que, durante algum
tempo, formava apenas cinco ou seis alunos por ano. Em algumas
outras pesquisas foram citadas inúmeras cenas que demonstram sua
oposição à arquitetura moderna, do mesmo modo que também é sabido
que os alunos não tinham acesso, dentro da escola, às publicações
estrangeiras que apresentavam essa nova arquitetura, o que fez com
que esses mesmos alunos as procurassem fora do ambiente da
universidade.3
O fato é que esta visão sobre Stockler das Neves, que se tornou um
verdadeiro lugar comum nos depoimentos dos alunos daquela época,
mostra-se um tanto estereotipada quando nos deparamos com o
trabalho desenvolvido por Rodolpho Ortenblad Filho no terceiro ano do
curso, cujo tema era “projeto para um ginásio modelar”. O projeto, que
será apresentado no primeiro capítulo desta dissertação, recebeu
Primeira Menção (que era considerada a melhor avaliação na época) e
foi concebido totalmente nos moldes da arquitetura moderna, com
influências claramente apontadas como corbusianas.
3 Sobre o ensino de arquitetura no Mackenzie e o papel desempenhado por seu diretor Christiano Stockler das Neves, ver: FERRONI, Eduardo Rocha. Aproximações sobre a obra de Salvador Candia; CARRANZA, Edite Galote Rodrigues. Eduardo Longo na arquitetura paulista: 1961-2001.
8
Neste ambiente conservador do Mackenzie, aonde eram constantes os
conflitos com Stockler das Neves, muitos jovens passaram de alunos
para arquitetos vivenciando discussões acaloradas com os colegas de
curso entremeadas com consultas nas revistas estrangeiras.4
Conformou-se, assim, um curioso ambiente de autodidatismo coletivo,
onde os alunos tentavam trazer para seus projetos a certeza de que a
arquitetura moderna seria responsável pelo progresso social do país,
mesmo que não soubessem exatamente do que se tratava tal
modernidade. Carlos Lemos retrata muito bem a efervescência jovial
deste momento mackenzista:
“éramos dezesseis recém-chegados, para que não fôssemos
influenciados pelos veteranos, menos numerosos, não chegavam
possivelmente a dez alunos, dentre os quais estavam Plínio Croce,
Salvador Cândia, Carlos Bahiana, Gastão Rachou, todos visceralmente
‘desobedientes’ às ordens classicizantes. (...) Logo, logo todos se
irmanaram num só bloco coeso, defensor da modernidade, afrontando
o diretor, ou ‘dono’ do curso, que, no entanto, não tinha poder nem
autoridade suficiente para impedir que se projetasse dentro da
4 Em depoimento à autora, Arnaldo Paoliello lembra o “grupo OPA” – iniciais de Ortenblad, Paoliello e Aflalo – sigla cunhada por Christiano Stockler das Neves para o trio, que tinha o hábito provocativo de realizar dois trabalhos para os professores – um moderno e outro neoclássico –, sendo que o segundo somente era entregue após Christiano se enfurecer com o projeto moderno. A mesma história narrada por Paoliello aparece em IRIGOYEN, Adriana. Da Califórnia a São Paulo: referências norte-americanas na casa moderna paulista 1945-1960 (op. cit.), p. 103.
9
contemporaneidade arquitetônica. Modernidade que não sabíamos bem
como fosse, no entanto”.5
Uma vez formados, muitos dos jovens arquitetos mackenzistas, em
geral oriundos de famílias de posses, puderam viajar para os Estados
Unidos para conhecer ao vivo a arquitetura norte-americana que, até
então, só era admirada em revistas e livros.
Um dos exemplos mais conhecidos é a viagem que os amigos Miguel
Forte e Jacob Ruchti fizeram aos Estados Unidos durante o período de
março a agosto de 1947. O objetivo principal dessa viagem era
conhecer a arquitetura americana, em especial o trabalho de Frank
Lloyd Wright. Embarcaram em um navio cargueiro, chegando ao porto
de New Orleans. Visitaram Los Angeles, Pasadena, Las Vegas, Santa
Fé, Oklahoma, Filadélfia, Nova York, Boston, Chicago, Taliesin East,
Taliesin West, Santo Antônio, Santa Mônica, entre outros lugares.
Conheceram os arquitetos Richard Neutra, Philip Johnson, John Gaw
Meen, Rudolf Mock, Tour e Bianculli, Gustavo Pulitzer, Paul Lester
5 LEMOS, Carlos. Viagem pela carne, p. 137. Em entrevista, Carlos Lemos se recorda de outros elementos, que dão vida a este período: “Não tinham salas de aula, espaços apropriados, tinha apenas um enorme salão isolado. Neste salão todas as turmas tinham aula de ateliê juntos, o primeiro ano, o segundo, terceiro, quarto e quinto. Quando eu estava no primeiro ano, as turmas do segundo ao quinto ano pegaram ainda o regime como curso complementar ao de engenharia. Eles faziam cinco anos de engenharia e um ano de arquitetura. Havia muita confusão, mas ao mesmo tempo era muito engraçado porque os calouros trocavam idéias com os colegas mais velhos. Todos detestando o Christiano, era um complô comandado pelos mais velhos, sobre tudo pelo Plínio Croce”. LEMOS, Carlos. Depoimento à autora, 24 novembro 2009.
10
Wiener, Lütgen, William Wurster e Frank Lloyd Wright, além de visitarem
o ateliê de Alexander Calder. De volta ao Brasil, anos depois fundaram a
loja Branco e Preto – especializada em móveis e tecidos para decoração
– junto com seus colegas de faculdade Carlos Milan, Plínio Croce,
Roberto Aflalo e Chen Y Hawa.6
Em 1947 Salvador Candia, também formado arquiteto pela Faculdade
Mackenzie, realizou uma viagem aos EUA e Europa acompanhando
uma comitiva de arquitetos organizada pelo IAB. Conheceu o ateliê de
Le Corbusier e visitou a Ville Savoye e a Capela Ronchamp. Em sua
passagem por Nova York, fez contato com o arquiteto Bernard
Rudofsky, que havia trabalhado em São Paulo, e conheceu Philip
Johnson, que estava organizando na ocasião uma exposição sobre Mies
van der Rohe. O contato com os trabalhos de Mies, segundo Eduardo
Ferroni, teve
“um impacto significativo para o desenvolvimento posterior de seu
trabalho. Auto definindo-se como miesiano, o arquiteto procuraria
interpretar, através de seus projetos, determinados aspectos da
linguagem plástica e construtiva desenvolvida pelo mestre alemão
6 FORTE, Miguel. Diário de um jovem arquiteto: minha viagem aos Estados Unidos em 1947. Muitos dos móveis da loja Branco e Preto foram usados nas residências de Rodolpho Ortenblad Filho, sendo que alguns deles ainda se encontram em excelente estado no apartamento em que vive com sua esposa e filha.
11
principalmente em sua fase norte-americana, compreendendo-os
dentro das circunstâncias do clima e da indústria da construção locais” 7
O arquiteto Oswaldo Bratke visitou em 1948 as obras de Frank Lloyd
Wright e Richard Neutra.8 Poucos anos antes, em 1946, João Vilanova
Artigas esteve nos Estados Unidos como aluno bolsista da Fundação
Guggenheim, demonstrando que o interesse pela arquitetura norte-
americana não era exclusiva dos arquitetos mackenzistas.9 Hoje há
praticamente um consenso sobre uma fase “wrightiana” no início de
carreira de Artigas.
Assim que se formou no final do ano de 1950, Rodolpho Ortenblad Filho
teve a oportunidade de viajar para os Estados Unidos e Europa. Sua
principal intenção foi conhecer a arquitetura que, até então, só era vista
nas revistas que assinava junto com seus colegas de turma durante o
curso de arquitetura. Seu pai concordou e o ajudou a ficar pouco mais
de um ano viajando. “Eu pedi ao meu pai, porque eu queria conhecer
arquitetura de qualidade, tanto dos Estados Unidos quanto da Europa, e
ele inclusive uniu o útil ao agradável, e disse – então fica um ano fora e
você me traz um carro! Naquela época, quem ficasse um ano fora do
7 FERRONI, Eduardo Rocha. Op. cit., p. 47. 8 SEGAWA, Hugo; DOURADO, Guilherme Mazza. Op. cit. 9 IRIGOYEN, Adriana. Wright e Artigas: duas viagens.
12
país podia trazer um automóvel sem pagar impostos; no Brasil não tinha
indústria automobilística e os carros importados eram muito caros.”10
No início de 1951, no porto de Santos, Ortenblad embarcou em um
navio frigorífico com capacidade para oitenta passageiros e seguiu para
o sul da América do Norte. Ao desembarcar em Nova Orleans tratou
logo de comprar o carro que seu pai havia encomendado e começou
sua viagem. Sozinho e de carro novo, o jovem arquiteto brasileiro
percorreu todo o leste americano, hospedando-se em hotéis e
conhecendo cidades vizinhas, chegando até o Canadá. As intenções
eram mais ambiciosas do que apenas conhecer os projetos vistos nas
revistas. “A minha viagem”, diz Ortenblad, “não foi só de pesquisa
arquitetônica, mas também para conhecer a cultura americana. Visitava
os museus e parques nacionais”.11 É possível ter uma noção de sua
passagem pelos Estados Unidos a partir de fragmentos de suas próprias
lembranças:
“Iniciei a viagem em Nova Orleans, cidade de influência francesa muito
interessante, até do ponto de vista arquitetônico, e que foi
recentemente destruída por aquele tufão. Mas eu conheci Nova Orleans
em plena efervescência. Eu gostava muito de jazz, gosto. Frequentava
aqueles bares onde a orquestra era no meio de um círculo e os
10 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 04 maio 2009. 11 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 21 maio 2009.
13
expectadores ficavam em volta. Vi Louis Armstrong e vários nomes que
se tornaram ícones do jazz. Depois segui pelo Leste passando por
todos os parques nacionais”.
“Passei por Nova York, onde conheci tudo. Já tinha arquitetura boa por
lá – o Guggenheim, as Nações Unidas...”
“Permaneci em Nova York algum tempo, conheci os prédios do Mies,
Philip Johnson”.
Depois fui até Quebec, no Canadá, e voltei por outro itinerário,
passando por Chicago, aonde visitei algumas obras do Frank Lloyd
Wright. Naquela época sua obra já era motivo de preservação e a Casa
da Cascata não era mais habitada”.
“Quando eu voltei à Nova York, quis embarcar o carro para a França;
como era plena temporada turística, a única coisa que encontrei para
levá-lo era um navio cargueiro grego”.12
De Nova York, Ortenblad seguiu para a França em um navio cargueiro
que havia sido usado para comboio na guerra. Ao desembarcar
encontrou com Vilma, sua namorada na época e com quem se casou
anos mais tarde no Brasil. Vilma Ortenblad, uma senhora muito
simpática e também carioca como o marido, e que continua até hoje
muito interessada e participativa no trabalho de Ortenblad, foi
companheira de parte da viagem:
12 Idem, ibidem.
14
“Em Paris encontrei com Vilma e suas amigas. Fiquei amigo do guia,
era uma viagem de ônibus pela Europa toda. O rapaz disse assim: ‘tem
um banco lá atrás, você pode ficar lá, mas tem uma coisa, nas paradas
você vai ter que arrumar lugar para dormir, você vai só de carona, não
pode participar da hospedagem’. De carona, fiz a Provance, uma parte
na Suíça, depois ela (Vilma) voltou ao Brasil.”13
Ao voltar para Paris, após seu passeio com a namorada Vilma,
Ortenblad iniciou uma fase mais séria de sua viagem. Antes de iniciar
sua aventura, Ortenblad conheceu em São Paulo, por intermédio de seu
colega Carlos Lemos, um arquiteto português que trabalhava no ateliê
de Le Corbusier. Agora em Paris, de posse do endereço deste arquiteto,
o procurou com intuito de conseguir uma colocação. Por orientação do
arquiteto português, Ortenblad foi até o ateliê de Le Corbusier,
apresentou seu currículo e, como havia uma “mesa vaga”, foi aceito
para integrar a equipe. Teve a sorte de estar o escritório naquele
momento envolvido com projeto de extrema relevância histórica:
“Trabalhei no detalhamento de um palácio de Chandigarh, porque Le
Corbusier na época estava fazendo o projeto dos edifícios públicos da
capital da Índia, Chandigarh. Ele parava na minha mesa e dizia, em
francês: ‘você é brasileiro?’; queria saber tudo sobre o Brasil, não tanto
a arquitetura, mas como era o país; e eu dizia: ‘lá é tudo grande,
13 Idem, ibidem.
15
professor, tudo muito grande, as propriedades agrícolas são enormes,
têm rebanhos de trinta, quarenta mil bovinos’.”14
Mesmo reconhecendo a importância do trabalho de Le Corbusier,
Ortenblad, ao visitar algumas de suas obras na França, fez alguns
reparos aos projetos do mestre suíço-francês:
“Estavam terminando a Unidade de Habitação de Marselha, que, por
sinal, eu não gostei; os quartos eram muito pequenos, teto muito baixo,
os móveis eram todos de concreto, meio esquisito. Era uma concepção
muito restrita de espaço, com pequenos cubículos onde havia uma
cama e uma banqueta. Estava praticamente pronto, não tinha sido
inaugurado. [...] A Capela de Ronchamp também é mais bonita em
fotografia, não é tão espaçosa, é pequena”. 15
Além da viagem aos Estados Unidos e Europa, o aprendizado dos
arquitetos brasileiros se beneficia da reabertura do trânsito internacional
no segundo pós-guerra e com a presença do Brasil dentre os destinos
dos grandes arquitetos modernos. O relato de Mônica Junqueira sobre o
início de carreira de Oswaldo Bratke é exemplar na descrição da
extrema importância deste momento, quando a ida ao exterior e a vinda
de estrangeiros foi fundamental tanto para o conhecimento e
entendimento das obras internacionais dentro dos seus contextos
14 Idem, ibidem. 15 Idem, ibidem.
16
específicos, como para o desenvolvimento de uma obra própria no
ambiente local:
“As viagens que passou a fazer ao exterior a partir de 1942, onde teve
a oportunidade de visitar obras significativas, o contato com
profissionais americanos e europeus e a publicação de algumas obras,
como Arquitetura social em países de clima quente, de Richard Neutra,
publicado aqui em São Paulo em 1948, tiveram papel preponderante no
seu processo de transformação. Nesse livro, lançado logo após a sua
estada no Brasil, quando teve a oportunidade de visitar as obras de
Bratke, Neutra defende veemente a idéia de uma arquitetura própria
para cada local, segundo suas especificidades de clima, topografia,
cultura e sociedade, e contesta a arquitetura européia e americana
como modelo para outros países. A filosofia de Neutra – ‘há que
conhecer os homens antes de servi-los’ – contribuiu para o
desenvolvimento de uma arquitetura característica da Califórnia [...] que
foi uma forte referência no trabalho de Bratke”.16
16 CAMARGO, Mônica Junqueira. Princípios da arquitetura moderna na obra de Oswaldo Arthur Bratke, p. 105.
17
Percurso da viagem feita por Ortenblad. A linha preta se refere ao primeiro trecho da viagem saindo de New Orleans, passando pela Carolina do Norte, Washington, Nova York, chegando em Quebec no Canadá; a linha vermelha é o segundo trecho que descendo para Montreal e Toronto volta para os Estados Unidos, passando por Detroit e Chicago, volta para Nova York e parte para a Europa; o trecho azul se refere aos trajetos feitos na Europa; e a linha verde é a volta para o Brasil. O percurso foi desenhado pela autora a partir das entrevistas feitas com o arquiteto. Janeiro de 2010.
18
Neste período, a comunicação entre os arquitetos brasileiros e os
arquitetos estrangeiros, muitos deles radicados nos Estados Unidos, era
bastante viva, o que contribuiu para a vinda de alguns deles para o
Brasil. Em 1945, Richard Neutra, recebido pelo IAB de São Paulo, ficou
três meses percorrendo alguns países da América Latina, incluindo as
cidades de Santo Domingo, Porto Príncipe, Havana, Rio de Janeiro, São
Paulo, La Paz, Lima, Montevidéu e Buenos Aires. Voltou ao Brasil em
1959 para participar do Congresso Internacional de Críticos de Arte, que
teve lugar em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, ocasião em que
aproveitou para visitar as obras de Brasília com Oscar Niemeyer.17
Walter Gropius visitou São Paulo em 1954, em função da Bienal e se
reuniu com outros arquitetos no IAB/SP.18 Marcel Breuer participou do
júri da IV Bienal em 1957 e já havia estado no Brasil em 1947, passando
três dias no Rio de Janeiro.19 Mies também foi um dos convidados para
fazer parte deste júri, mas sua viagem foi motivada pelo projeto do
Consulado dos EUA em São Paulo, entre as ruas Itapeva e Rio Claro,
17 Sobre a presença de Richard Neutra no Brasil, ver RIBEIRO, Patrícia Pimenta Azevedo. Teoria e prática: a obra do arquiteto Richard Neutra. 18 Cf. IRIGOYEN, Adriana. Da Califórnia a São Paulo: referências norte-americanas na casa moderna paulista 1945-1960. 19 Idem, ibidem.
19
que não foi executado.20 Outros arquitetos como Kenzo Tange e Philip
Johnson participaram da IV Bienal com um quarto das obras
residenciais.21
Esta edição da Bienal teve enorme repercussão no meio arquitetônico, e
contou com a participação de diversos arquitetos mackenzistas, que
puderam assim marcar seu alinhamento ao ideário que vinha da
América. “Dos participantes brasileiros, muitos exibiam projetos
reverberantes com a arquitetura americana dentre eles, Oswaldo Bratke,
Plínio Croce, Ortenblad Filho, Galiano Ciampaglia e Miguel Forte. Estes
últimos ficaram conhecidos pela fidelidade ao ideário wrightiano.”22
É dentro deste cenário de troca de informações entre arquitetos
nacionais e estrangeiros, com a importação do modo de vida moderno
norte-americano no ambiente doméstico paulistano e na tentativa árdua
de muitos arquitetos desenvolver uma arquitetura que viesse de
encontro com as novas necessidades de uma sociedade que se
modernizava, que esta pesquisa abordará os projetos residenciais
20 Sobre Mies van der Rohe e o projeto do Consulado dos Estados Unidos em São Paulo, ver GALEAZZI, Ítalo. Mies van der Rohe no Brasil. Projeto para o Consulado dos Estados Unidos em São Paulo, 1957-1962. 21 LINS, Paulo de Tarso Amendola. Arquitetura nas Bienais Internacionais de São Paulo (1951-1961). 22 BERNARDI, Cristiane Kröhling Pinheiro Borges. Luiz Gastão de Castro Lima: trajetória de um arquiteto, p. 66.
20
desenvolvidos pelo arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho, considerando o
período que vai de sua formação profissional até o ano de 1984, ano em
que o arquiteto deixou de atuar profissionalmente para cuidar dos
negócios de família.23
No primeiro capítulo será feito um panorama geral da carreira de
Ortenblad, iniciando pelos projetos que foram desenvolvidos ainda
durante os anos de formação na Universidade Mackenzie – e que
apresentam semelhanças com a arquitetura carioca – passando pela
sua colaboração na revista Acrópole, presença no Instituto de Arquitetos
do Brasil e participação na IV Bienal, e finalizando com a apresentação
de alguns projetos desenvolvidos para concursos e instituições. Esta
narrativa panorâmica, tendo como pano de fundo o cenário histórico da
época, servirá como solo aonde se apoiarão o entendimento das obras
selecionadas por este trabalho, que será apresentado em dois
momentos, nos capítulos seguintes.
O trabalho se deterá com um pouco mais de profundidade na série de
projetos residenciais desenvolvidos entre os anos de 1952 (após sua
volta da viagem) até 1970 (último projeto encontrado de sua autoria), a
23 Segundo Ortenblad, em 1984 encerrou sua carreira como arquiteto e passou somente a administrar os negócios da família, mas esta pesquisa se limitou a estudar seus projetos entre os anos de 1948 até 1970, pois após esta data nenhum outro projeto de sua autoria foi encontrado. ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 21 maio 2009.
21
partir da hipótese que é nesse programa, mais constante na obra de
Ortenblad, que é possível se detectar a influência norte-americana e o
desenvolvimento de um repertório próprio a partir daquela. Então, no
segundo capítulo serão apresentadas cada uma destas residências
para, por fim, no terceiro capítulo, os seus projetos serem analisados
segundo os princípios de setorização, distribuição e volumetria. O
principal intuito dessas análises – que se apóia a partir nos redesenhos
feitos pela autora – é tentar encontrar tipologias e elementos recorrentes
que exemplifiquem o processo projetual do trabalho de Rodolpho
Ortenblad Filho.
22
Capítulo I – A trajetória de Rodolpho Ortenblad Filho
Características cariocas dos projetos iniciais
Os primeiros projetos de Rodolpho Ortenblad Filho são marcados por
fortes características da arquitetura moderna carioca, que – como é
unanimemente reconhecido hoje – foi bastante influenciada pela obra de
Le Corbusier. O arquiteto francês-suíço esteve pela primeira vez no Rio
de Janeiro em 1929, quando ministrou uma série de conferências sobre
arquitetura. Retornou poucos anos mais tarde, em 1936, por convite do
arquiteto Lúcio Costa e do Ministro Gustavo Capanema, para dar
consultoria à equipe responsável pelo projeto do edifício sede do
Ministério de Educação e Saúde a ser erguido no centro do Rio de
Janeiro. A equipe era formada pelos arquitetos Lúcio Costa
(coordenador), Jorge Machado Moreira, Affonso Eduardo Reidy, Carlos
Leão, Ernani Vasconcellos e Oscar Niemeyer. A presença de Le
Corbusier entre os arquitetos cariocas foi bastante marcante para o
desenvolvimento da chamada “Escola Carioca”, tendo como ponto de
23
partida a estrutura em concreto armado e os princípios defendidos pelo
mestre.24
Outra importante influência que a consultoria de Le Corbusier deixou
para a arquitetura brasileira foi grande sensibilidade pelas condições
culturais locais, que se expressou na valorização do uso de materiais e
técnicas locais. No edifício do Ministério da Educação e Saúde foi
usado, por sugestão do mestre, o granito cinza e rosa extraído de
montanhas que circundavam a cidade. O apreço de Le Corbusier pelos
azulejos portugueses levou seus seguidores a os utilizarem em painéis,
agregando ao projeto o efeito plástico e o caráter funcional eficaz contra
a umidade característica do clima local presentes no material.
O emprego de materiais locais em seus projetos é bastante recorrente
no trabalho de Ortenblad e garantiu o 2° Prêmio Gov erno do Estado no
VII Salão Paulista de Arte Moderna pelo “seu esforço de adequação da
obra às possibilidades materiais do local”25 no projeto da casa da
Fazenda Santa Cecília, datado de 1955.
24 “A experiência transmitida por Le Corbusier, nas seis semanas de trabalho intensivo desenvolvido com a equipe, influenciou profundamente os jovens brasileiros que dela faziam parte, modificando-os profundamente com esse breve contato. Desse trabalho, resultou o célebre edifício do Ministério da Educação e Saúde, concluído em 1943, marco da transformação decisiva da arquitetura contemporânea no Brasil”. BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil, p. 81. 25 Premiação publicada no Caderno de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo de um jornal da época. Ortenblad guardou apenas o recorte, sem identificação do jornal.
24
1. Ginásio Modelar
Sem local específico, São Paulo SP
1948
Não construído
Publicações: Revista de Engenharia Mackenzie, out. 1949
Em seu trabalho de faculdade para um Ginásio Modelar datado de 1948,
é possível notar características não só das idéias de Le Corbusier e que
foi utilizada por alguns arquitetos da época, sobretudo aqueles que
estiveram sob sua orientação no projeto do Ministério, mas também do
funcionalismo europeu. Com o tema “Projeto para um ginásio modelar”,
Ortenblad distribuiu os blocos de sala de aula paralelamente, enquanto
dispôs os edifícios de uso específico nas extremidades da implantação,
sendo que todo o conjunto foi interligado por uma marquise e separado
por pátios ajardinados. O esquema empregado na implantação dos
edifícios foi muito utilizado por outros arquitetos brasileiros, como é o
caso de Affonso Eduardo Reidy, que a adotou na parte não construída
da Unidade Residencial da Gávea (1952).
No conjunto proposto pelo jovem estudante Ortenblad, os prédios para
salas de aula obedecem um rigor geométrico e contam com estrutura
modulada e aparente, além de caixilhos também modulados entre os
pilares de concreto armado em forma trapezoidal. Em contrapartida os
edifícios de uso específico – biblioteca, administração, auditório e
Unidade Residencial da Gávea, Rio de Janeiro RJ, 1952. Arquiteto Affonso Eduardo Reidy. Fonte: BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil
25
ginásio de esporte – possuem uma solução plástica diferente, de acordo
com sua função. No prédio para administração e biblioteca é possível
encontrar alguns dos elementos da arquitetura moderna corbusiana:
todo o programa do edifício está distribuído em dois pavimentos, sendo
que o pavimento térreo está recuado em relação ao superior e este está
apoiado sobre pilotis; a estrutura independente torna a fachada livre
para grandes aberturas, que em uma das faces estão protegidas por
brises dispostos verticalmente; na cobertura foi colocado um volume
curvo, diferente do volume prismástico dominante do restante do
edifício; para acessar o pavimento superior foi desenhado um volume
trapezoidal também apoiado sobre pilotis que abriga e protege a rampa
que se conecta, já no nível do solo, com a marquise.
A solução plástica deste edifício é bastante próxima do projeto para o
Cassino da Pampulha (1942), do arquiteto Oscar Niemeyer, que, a partir
de 1957, passou a funcionar como Museu de Arte de Pampulha. Anterior
a este projeto, também pode ser citado o Edifício para Estação de
Hidroaviões do Rio de Janeiro (1937) do engenheiro-arquiteto Attilio
Corrêa de Lima, formado em 1925 pela Escola Nacional de Belas Artes
do Rio de Janeiro. Este projeto foi considerado umas das primeiras
manifestações da arquitetura moderna no Brasil e está presente na capa
do mitológico catálogo Brazil Builds.
Seguindo a lógica de apresentar uma solução plástica diferente para
cada função do edifício, o ainda aluno de arquitetura Rodolpho
Estação de Hidroaviões, Rio de Janeiro RJ, 1937. Arquiteto Attilio Corrêa Lima. Fonte: GOODWIN, Philip. Brazil Builds
Cassino de Pampulha, Belo Horizonte MG, 1942. Arquiteto Oscar Niemeyer. Fonte: CAVALCANTI, Lauro. Quando o Brasil era moderno – guia de arquitetura 1928-1960
26
Ortenblad, projetou o ginásio de esportes com uma cobertura curva
sobre estrutura em viga-pilar. Esta solução também foi usada, entre
inúmeros outros, no projeto para o ginásio do Conjunto Residencial
Pedregulho (Rio de Janeiro, 1946), de Affonso Eduardo Reidy, e no
projeto para o Museu de Arquitetura da Faculdade Nacional de
Arquitetura (Rio de Janeiro, 1957), de Jorge Machado Moreira. Esta
modulação estrutural permite obter grandes vãos, propícios para abrigar
um ginásio de esporte ou um museu (como é o caso do projeto de Jorge
M. Moreira), que requer espaços livres de interferências, além da
facilidade de estandardização dos elementos estruturais.
Ginásio da Escola de Pedregulho, Rio de Janeiro, 1950. Arquiteto Affonso Eduardo Reidy. Fonte: BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (atual reitoria também); à direita Museu de Arquitetura, não construído, Rio de Janeiro RJ, 1957. Arquiteto Jorge Machado Moreira. Fonte: CZAJKOWSKI, Jorge (org.). Jorge Machado Moreira
27
Ginásio modelar, trabalho de faculdade, São Paulo SP, 1948. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Revista de Engenharia Mackenzie, out. 1949
28
2. Residência Engº Rodolpho Ortenblad
Praça Guadalupe, Jardim América, São Paulo SP
1948
Demolida
Publicações: Revista de Engenharia Mackenzie, jan. 1952
A primeira casa que projetou foi para seu pai enquanto cursava o
segundo ano da faculdade. Ortenblad Filho, ainda solteiro, morava com
os pais e seus dois irmãos em uma casa térrea na antiga Praça General
San Martin – hoje chamada de Praça Guadelupe –, no Jardim América.
A casa era pequena e seu pai pediu para que o filho, ainda estudante,
fizesse um projeto de ampliação. Ortenblad teve receio e, argumentando
não ter experiência, disse que não saberia fazer os desenhos para
execução. Seu pai entendeu a situação e conseguiu uma vaga para ele,
como estagiário na construtora de seu amigo Barreto Xandi. Este foi seu
primeiro estágio e Ortenblad começou a fazer desenhos técnicos para
execução. Poucos meses depois, Ortenblad, mais confiante, fez a
proposta para a reforma da casa de seus pais. Essa casa foi publicada
anos depois na revista Time, em uma matéria sobre o boom imobiliário
em São Paulo.
Residência Engº Rodolpho Ortenblad, São Paulo SP, 1948. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Revista de Engenharia Mackenzie, jan. 1952
29
Residência Engº Rodolpho Ortenblad, São Paulo SP, 1948. Arquiteto Rodolpho Ortenblad. Fonte: Revista de Engenharia Mackenzie, jan. 1952. Redesenho da autora
30
Esta casa foi projetada e construída para a família Ortenblad morar. Por
se tratar de três irmãos ainda jovens – Rodolpho, Dorival e Arthur – o
projeto teve como partido uma casa com dois pavimentos, onde o piso
superior fosse destinado aos filhos. Dessa maneira, no pavimento térreo
estão as áreas sociais, de serviço e a suíte dos pais. No pavimento
superior foram feitos três dormitórios, dois banheiros e uma sala íntima,
denominada studio. As salas são voltadas para um terraço cuja
cobertura é feita com o prolongamento do beiral do próprio telhado.
Toda a casa é rodeada por jardim; neste projeto Ortenblad não chegou a
usar os pátios, elemento bastante empregado nas próximas casas.
Conforme nota na Revista de Engenharia Mackenzie, “os elementos
plásticos foram orientados para a utilização de materiais naturais
simples (pedra, madeira, tijolos à vista, etc), sem compromisso algum
com cânones de simetria ou equilíbrio forçados”.26 Neste primeiro projeto
Ortenblad adotou o partido de colocar a escada de acesso ao pavimento
superior junto ao hall de entrada da casa. Esta solução se repetiu na
maioria de seus projetos, o que fez com que as áreas de circulação se
tornassem mínimas.
26 Revista de Engenharia Mackenzie, jan./fev. 1952.
31
3. Residência Rodolpho Ortenblad Filho I
Rua Campos Bicudo, Itaim Bibi, São Paulo SP
1952
Demolida
Publicações: Acrópole, n. 192, set. 1954
Esta casa foi projetada em seu último ano de faculdade (1950) e
construída no início de 1952, após sua volta da viagem aos Estados
Unidos e Europa. Foi a primeira casa onde viveu com sua esposa logo
que se casaram e onde tiveram seus três filhos – Cláudio, Adriana e
Sérgio. Neste projeto foram dadas algumas soluções que se repetiram
em outras residências: o pátio de serviço localizado próximo à cozinha e
dependências de empregada; as salas voltadas para o pátio social no
fundo do lote e o hall de entrada distribuindo e interligando todos os
setores da casa. Neste projeto, em particular, a fachada possui
inclinação que foi determinada após estudos que demonstraram o
melhor ângulo para incidência da luz solar e de observação de quem a
vê da rua, além dos motivos plásticos. O sistema estrutural, em concreto
armado, é independente das paredes, o embasamento recuado em
relação ao pavimento superior foi revestido com um tipo de litocerâmica
bastante usado na época e o muro que fecha o pátio de serviço foi
construído em pedra. Os materiais usados de forma aparente também
foi outro recurso bastante empregado pelo arquiteto. Este projeto foi
publicado na revista japonesa (editada também em inglês) World's
Residência Rodolpho Ortenblad Filho I, São Paulo SP, 1952. Arquiteto Rodolpho Ortenblad. Croqui do arquiteto. Fonte: Acrópole, n. 192, set. 1954
Residência Rodolpho Ortenblad Filho I, São Paulo SP, 1954. Arquiteto Rodolpho Ortenblad. Foto José Moscardi. Fonte: Acrópole, n. 192, set. 1954
32
Contemporary Houses, onde também foram divulgadas as seguintes
obras: a casa de Vidro, de Lina Bo Bardi, a casa do Morumbi de
Oswaldo Bratke, a casa de Canoas, de Oscar Niemeyer, a casa Milton
Guper, de Rino Levi, e casas de outros arquitetos da Argentina, México
(casas do Pedregal) e Uruguai.
Esta casa, cujo projeto é anterior a sua viagem de estudo aos Estados
Unidos e Europa, ainda possui fortes características que se aproximam
da chamada “Escola Carioca”, como o embasamento em pedra recuado
em relação ao pavimento superior, o uso de pilotis, o formato
trapezoidal, o pátio, a fachada modulada e a cobertura com pouca
inclinação e embutida no corpo da casa.
No corte longitudinal, pode-se notar a inclinação do telhado de duas
águas voltadas para uma única calha central que garantia a captação
dessas águas, compondo uma cobertura de forma trapezoidal. Esta
solução foi utilizada anteriormente por Oscar Niemeyer em Belo
Horizonte, nos projetos do Iate Clube de Pampulha (1942) e da Casa
Kubitschek (1943). Segundo Yves Bruand, “o sucesso desta original
solução deveu-se às suas vantagens práticas e, mais ainda à atração
que exerciam a originalidade e elegância do conjunto, cuja elevação
Iate Clube de Pampulha, Belo Horizonte MG, 1942. Arquiteto Oscar Niemeyer. Fonte: GOODWIN, Philip. Brazil Builds
Casa do arquiteto, Mendes RJ, 1949. Arquiteto Oscar Niemeyer. Fonte: GOODWIN, Philip. Brazil Builds
33
longitudinal era constituída de dois trapézios retangulares unidos pela
base menor”.27
Oscar Niemeyer em sua casa em Mendes (Rio de Janeiro, 1949) usou
este mesmo recurso de inclinar a fachada e fechá-la em partes com uma
treliça de madeira, que fazia às vezes de brise-soleil, criando um espaço
intermediário entre a área externa e o jardim e protegendo as varandas
dos quartos sala.
No projeto da primeira residência de Rodolpho Ortenblad Filho existem
também várias semelhanças com o projeto para a residência Carmem
Portinho de Affonso E. Reidy – e temos a curiosa coincidência que
ambos os projetos são do mesmo ano de 1950. Além das características
já mencionadas, pode-se notar que as duas casas são formadas por
dois volumes trapezoidais, ligados por um pátio interno que está
localizado praticamente no centro da planta no sentido longitudinal,
separando as áreas de serviço e estar das residências.
Cabe ressaltar que os projetos apresentados até aqui – Projeto para um
Ginásio Modelar, Residência do Engº Rodolpho Ortenblad e a Rodolpho
Ortenblad Filho I – foram desenvolvidos por Ortenblad enquanto ainda
era aluno de arquitetura, sendo anteriores a sua viagem aos Estados
Unidos e Europa. A aproximação desses projetos aos projetos dos
27 BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil, p. 112.
Residência Carmen Portinho, Rio de Janeiro, 1950. Arquiteto Affonso Eduardo Reidy. Fonte: BONDUKI, Nabil. Affonso Eduardo Reidy
34
arquitetos cariocas – Attilio Corrêa Lima, Oscar Niemeyer, Affonso E.
Reidy e Jorge M. Moreira – aponta para a natural atração que exerciam
sobre os jovens daquele período, devido à enorme projeção que tinham
naquele momento. O contato direto com as obras norte-americanas –
principalmente as de Frank Lloyd Wright e Richard Neutra – foi de certa
forma transformadora no processo projetual de Ortenblad.
35
Residência Rodolpho Ortenblad Filho I, pavimento térreo ainda em construção, hall de entrada e escada com o piso em pedra e as paredes revestidas com as ripas de madeira provenientes de containers, São Paulo SP, 1954. Arquiteto Rodolpho Ortenblad. Fotos José Moscardi. Fontes: Acrópole, n. 192, jul. 1952, p 359 (1ª) e Arquitetura e Design, n. 20, 1956 (2ª e 3ª)
Residência Rodolpho Ortenblad Filho I, pátio social e sala de estar com móveis da loja Branco e Preto, São Paulo SP, 1954. Arquiteto Rodolpho
Ortenblad. Fotos José Moscardi. Fonte: Arquitetura e Design, n. 20, 1956
36
Residência Rodolpho Ortenblad Filho I, 1952. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 192, set. 1954. Redesenhado pela autora.
37
A casa moderna
Com a Europa devastada após a Segunda Guerra, os Estados Unidos
passou a ser visto como o novo centro mundial na política, economia,
cultura e técnica. Era o país das oportunidades, que consolidou um novo
modo de vida, de onde viria a ser exportado entre outras coisas, a casa
americana – embarcada de todos seus eletrodomésticos – e o
automóvel, que se tornaram os objetos do desejo de famílias em
diversos países. Conforme afirmou Marcelo Tramontano,
“com a vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial, a cultura norte
americana consagrou-se como referencial de costumes para toda a
sociedade mecanizada que pretendesse ser moderna e difundida.
Diante disso, o cinema de Hollywood tornou-se perfeito para a
divulgação da maneira de morar americana, que incluía
eletrodomésticos, automóvel, o marido no papel forte e a esposa, no
papel da intuitiva, dependente e sentimental, mas sempre satisfeita
gerenciadora de uma habitação impecavelmente limpa, então elevada à
categoria de bem de consumo.”28
O governo de Franklin Delano Roosevelt (1933-1945) introduziu uma
série de reformas, como o New Deal, para tentar neutralizar os efeitos
da Grande Depressão após a crise da Bolsa de Valores de Nova York, 28 TRAMONTANO, Marcelo. Novos modos de vida, novos espaços de morar – uma reflexão sobre a habitação contemporânea, p. 189. Apud ZUFFO, Élida Regina de Moraes. Do rádio à Internet: os equipamentos de comunicação nos apartamentos paulistanos, p. 52.
Case Study House n. 22, Residência Stahl, Wood Drive, 1960. Arquiteto Pierre Koenig. Foto Julius Shulman. Fonte: Smith, Elizabeth, 2006.
38
em 1929. O programa incluiu um projeto de planejamento, o Tennessee
Valley Authority (TVA), obras de infraestrutura (redes de auto-estradas)
e o apoio estatal para a construção de moradias através da criação do
Federal Housing Administration (FHA), concedendo empréstimos em
longo prazo com juros baixos. O governo federal era fiador das
hipotecas, deixando o sistema bancário privado fora de riscos. Enquanto
a Europa investia em moradia coletiva, os Estados Unidos apoiavam a
construção de casas individuais.
Durante os anos 1930, arquitetos e engenheiros norte-americanos
desenvolveram projetos com intuito de racionalizar a construção,
baixando o custo das casas. Uma das propostas era o sistema de
painéis pré-fabricados que pudessem ser montados conforme a
necessidade do usuário. Frank Lloyd Wright desenvolveu as Usonian
Houses – seguindo os mesmos princípios de casas de baixo custo – a
planta foi reorganizada centralizando os espaços de serviço e em forma
de L, uso de novas tecnologias que facilitasse a construção, painéis
divisórios montados após a cobertura sobre um esquema em grelha e
sistema de aquecimento a vapor pelo piso. Assim, nos primeiros anos
do segundo pós-guerra, os Estados Unidos ergueram 800.000 casas,
em 1948 chegaram a 931.000 e em 1949 ultrapassaram um milhão de
moradias. Na década de 1950 foram construídas um milhão de novas
casas por ano.
Case Study House n. 20, Casa Bass, Altadena, 1958. Arquitetos Buff, Straub e Hensman. Foto Julius Shulman. Fonte: Smith, Elizabeth, 2006.
39
Essa produção foi colocada em evidência por diversos meios de
comunicação. Os editores de livros e revistas colocaram ao alcance do
público as vantagens de se viver em uma casa moderna. O MoMA
organizou exposições sobre o assunto: Modern Architecture in Califórnia
(1935-1939), A new house by Frank Lloyd Wright on Bear Run (1938-
1941), Modern houses in America (1938-1941), Modern interiors (1939-
1943), The wooden house in America (1940), Planning the modern
house (1942), Five California houses (1943), The house in the Museum
garden, onde Marcel Breuer e Gregory Ain, foram convidados a construir
uma casa-modelo nos jardins do museu em escala 1:1, para os
visitantes poderem admirar as virtudes do modo de viver moderno.
Foram criados o how-to-books que mostravam como planejar uma casa
moderna e o quanto suas propostas eram mais avançadas que os
tradicionalismos que a maior parte da população aceitava sem
questionar.29
O comportamento moderno exigia um novo programa, que incluía
reorganizar a planta espacialmente, a utilização dos espaços externos, o
uso de novos materiais, novos sistemas construtivos e a integração de
29 A síntese histórica dos parágrafos acima é baseada nos seguintes trabalhos: IRIGOYEN, Adriana. Da Califórnia a São Paulo: referências norte-americanas na casa moderna paulista 1945-1960; RIBEIRO, Patrícia Pimenta Azevedo. Teoria e prática: a obra do arquiteto Richard Neutra.
Case Study House n. 8, Casa Eames, Pacific Palisades, 1945-1949. Arquitetos Charles e Ray Eames. Foto Julius Shulman. Fonte: Smith, Elizabeth, 2006.
40
todos esses aspectos. Foi incorporado ao projeto residencial o family-
room, um espaço de uso para toda a família, que se converteria no hit
da casa americana. As tipologias tradicionais norte-americanas eram:
bungalow (layout simples, com uma área de dormitórios lado a lado com
o setor familiar – estar, jantar e cozinha, no centro do terreno,
valorizando a integração exterior-interior) e o ranch (retângulo simples,
alinhado frontalmente, com a ala familiar que fluía para o externo, de um
lado os quartos e do outro a garagem, essa forma evoluiu para as
formas em L e U), foram os mais utilizados entre 1945 e 1960.
A casa moderna era baseada no princípio da utilidade, objetividade e
funcionalismo. O conceito de open plan era baseado na integração dos
espaços, onde a cozinha não precisava mais ser separada da sala de
jantar e podia-se usar divisórias corrediças tornando esses espaços
mais flexíveis. Os sistemas construtivos se alternavam em novos e
tradicionais de acordo com as condições locais. A planta era zoneada
em áreas funcionais e atividades afins. A casa teria então um ou dois
setores de repouso, isolados das dependências com ruídos; uma parte
de serviços e uma ala para as atividades familiares incluindo os espaços
externos. A cozinha foi o sinônimo da casa moderna, com seu mobiliário
padronizado e repleto de eletrodomésticos. Assim, a racionalidade do
projeto, flexibilidade espacial, dissolução de janelas tradicionais em
fechamentos com vidros, integração dos ambientes, normatização das
Case Study House n. 20, Casa Bass, Altadena, 1958. Arquitetos Buff, Straub e Hensman. Foto Julius Shulman. Fonte: Smith, Elizabeth, 2006.
41
instalações, padronização estrutural e preocupação com o entorno, se
tornaram as principais características da casa moderna americana.
“O conceito de funcionalismo, associado ao ideal de beleza na
arquitetura, foi introduzido por Carlo Lodoli ao entender que não há
nada que seja representado que não tenha função e que o caráter da
arquitetura deveria resultar da natureza dos materiais empregados em
sua construção. [...] J. F. Blondel foi responsável por uma escola de
arquitetura, da qual saíram Étinne-Louis Boullé, Claude Nicholas
Ledoux, Jean-Baptiste Rondelet, que tiveram destacadas participações
no processo de formulação de idéias que vieram a constituir o
movimento moderno.”30
O Case Study House foi outro programa que abriu as portas para a
aceitação da casa moderna, propondo a realização de casas
experimentais. Uma iniciativa proposta por John Dymock Entenza para a
revista Arts & Architecture lançadas em 1945. O objetivo deste programa
era incentivar os arquitetos a desenvolverem projetos residenciais cujas
características deveriam ser: simplicidade de projeto; flexibilidade dos
espaços internos e externos; a localização da cozinha ao lado da family
room; uso de paredes de vidro; luz natural; integração de aquecimento,
ventilação e sistema elétrico; preocupação com o entorno e com a
paisagem circundante; facilidade de manutenção; uso de novos
30 CAMARGO, Mônica Junqueira de. Op. cit., p. 20.
Case Study House n. 20, Residência Bailey, Pacific Palisades, 1947-1948. Arquiteto Richard Neutra. Fonte: SMITH, Elizabeth A.T, 2006, p. 43
Case Study House n. 16, Residência Salzman, Bel Air, California, 1951-1952. Arquiteto Craig Ellwood. Fonte: Internet
42
materiais e novas técnicas construtivas (os materiais mais usados eram
madeira, tijolo, estrutura metálica e caixilhos de madeira padronizados);
e principalmente, projetos com baixos custos.
A revista Arts & Architecture era quase uma “fonte de referência” para
muitos arquitetos americanos e europeus. Arquitetos como Richard
Neutra, Eero Saarinen, Chales e Ray Eames, Raphael Soriano, Wiliam
Wilson Wurster, Kemper Nomland, Pierre Koenig, Craig Ellwood, Ed
Killingsworth e outros tiveram projetos publicados durante os vinte e
quatro anos em que a revista foi editada e publicada por John Entenza.
Em outubro de 1948 foi publicada a casa da rua Avanhadava, de
Oswaldo Bratke. Em 1949 foi publicada a casa Tremaine em Santa
Bárbara, projeto de Oscar Niemeyer e obras de Lúcio Costa e Roberto
Burle Marx. Na década de 1950, trabalhos de arquitetos latino-
americanos puderam ser vistos em suas páginas, entre eles estão Luís
Barragán, Juan O’Gorman e Felix Candela.31
Arts & Architecture, também serviu de modelo para edição de outras
revistas e em São Paulo, durante os anos de 1948 e 1951, um grupo de
alunos da Faculdade Mackenzie – contrários ao ensino de Christiano
Stockler das Neves – criou a revista Pilotis. Jorge Wilheim, conta que
junto com Salvador Candia e Carlos Milan, criou a revista que além de
tratar de assuntos sobre arquitetura, falava sobre cinema e teve sua
31 SEGAWA, Hugo; DOURADO, Guilherme Mazza. Oswaldo Arthur Bratke.
Case Study House n. 4, Casa Greenbelt (não construída), 1945. Arquiteto Ralph Rapson. Fonte: Smith, Elizabeth, 2006.
43
primeira capa desenhada por Alexander Calder. Jorge Wilheim nesta
ocasião trabalhava no Museu de Arte de São Paulo organizando uma
exposição sobre as obras de Calder. O contato com o artista fez com
que Wilheim solicitasse um desenho para a capa da primeira revista.
Calder aceitou e a revista Pilotis nasceu com uma capa de fundo
amarela e as letras do título “jogadas” sobre este fundo.32
A presença de Bratke na revista californiana é uma das múltiplas
expressões da crescente presença norte-americana no Brasil, tanto
econômica quanto culturalmente, após a Primeira Guerra Mundial.
Influência que se torna ainda mais forte após a Segunda Guerra, graças
à “política da boa vizinhança” de Roosevelt, em especial a ofensiva
cultural capitaneada por Nelson Rockefeller, Coordinator of Inter-
American Affairs. Após isso “a casa moderna americana é alvo de
grande interesse, incentivado pelo cinema e pelas revistas, que
promovem as ilimitadas vantagens do American way of life, com suas
conotações de modernidade, progresso e futuro”.33 São Paulo, ponta de
lança do desenvolvimento industrial capitalista brasileiro, apresentava
algumas semelhanças com os Estados Unidos – industrialização e
32 Jorge Wilheim em depoimento à autora em 17/11/2009.
33 IRIGOYEN, Adriana. Da Califórnia a São Paulo: referências norte-americanas na casa moderna paulista 1945-1960 (op. cit.), p. 11.
Ateliê na Rua Avanhandava, São Paulo, 1947. Arquiteto Oswaldo Arthur Bratke. Fonte: SEGAWA, Hugo; DOURADO, Guilherme Mazza, 1997
44
urbanização aceleradas, grande número de imigrantes e um certo
pragmatismo.
Na semana de 1922, o arquiteto espanhol radicado em São Paulo,
Antonio García Moya apresentou, segundo Yves Bruand, alguns
“desenhos de uma arquitetura visionária que agradava aos futuristas
por sua fisionomia extravagante. (...) Portanto de um ponto de vista
objetivo, não exerceu a Semana de Arte Moderna qualquer influência
sobre a arquitetura. (...) Ela criou um clima novo, revelou um espírito de
luta contra o marasmo intelectual, contra a aceitação incondicional dos
valores estabelecidos”.34
As primeiras manifestações no Brasil realmente modernas na área de
arquitetura foram apresentadas em dois textos: Arquitetura e a estética
das cidades, de Rino Levi, e Acerca da arquitetura moderna, de Gregori
Warchavchik. Publicados na imprensa diária, em 1925, ambos os artigos
defendiam a necessidade da arquitetura acompanhar os progressos
sociais e dar conta das demandas criadas pela intensa urbanização
decorrente da industrialização. Logo a seguir, foram construídas as
primeiras casas modernas, tendo a casa de Warchavchik na Rua Santa
Cruz, de 1927, entrado para a história como a primeira obra moderna do
país, com suas formas puras, ausência de elementos decorativos,
superfícies brancas, aberturas que sugerem a estrutura independente e
34 BRUAND, Yves. Op. cit., p. 63.
Residência Laaf, Massachusetts, 1957. Arquiteto Marcel Breuer. Fonte: Mônica Junqueira, 2000, p. 170
Residência do arquiteto, Morumbi, 1950. Arquiteto Oswaldo Arthur Bratke. Fonte: Mônica Junqueira, 2000, p. 170
45
planta funcional. A laje plana – princípio canônico das arquiteturas
modernas de extrato corbusiano e bauhausiano –, ausente da primeira
casa, seria também utilizada nas casas seguintes, como é o caso das
situadas nas ruas Bahia e Itápolis.
Influências norte-americanas
Nos últimos anos, diversas pesquisas têm demonstrado a influência da
arquitetura norte-americana na obra de arquitetos paulistas – alguns
deles ainda não haviam sido estudados – revelando uma arquitetura de
grande valor para a formação do cenário brasileiro, um dos principais
objetivos, também, deste trabalho. Dentre outros, tal preocupação está
presente na pesquisa de Débora Foresti, que aponta as características
do organicismo de Frank Lloyd Wright na arquitetura paulista, em
especial no trabalho do arquiteto José Leite de Carvalho e Silva,
formado em 1956, pela Faculdade de Arquitetura da Universidade São
Paulo. Em entrevista, Carvalho e Silva reconhece a influência de Wright
no uso dos materiais locais e na integração da arquitetura com a
natureza.35 Em sua tese de doutorado,36 Patrícia Pimenta Ribeiro aborda
as relações Brasil – Estados Unidos ao apresentar a obra do arquiteto
Richard Neutra e conta o interesse deste arquiteto em conhecer os
35 FORESTI, Débora Fabbri. Aspectos da arquitetura orgânica de Frank Lloyd Wright na arquitetura paulista: a obra de José Leite de Carvalho e Silva. 36 RIBEIRO, Patrícia Pimenta Azevedo. Teoria e prática: a obra do arquiteto Richard Neutra.
Residência Rio Branco Paranhos, São Paulo SP, 1943. Arquiteto Vilanova Artigas. Fonte: Irigoyen, 2002, p. 142
Casa Tomek, Riverside, 1904. Arquiteto Frank Lloyd Wright. Fonte: Irigoyen, 2002, p. 142
46
problemas locais, políticos e econômicos, além de conhecer os
trabalhos dos arquitetos atuantes nestas áreas, quando fez sua viagem
aos países da América do Sul. Em sua passagem por São Paulo foram
organizadas discussões e palestras nas universidades e com jovens
arquitetos. Gregori Warchavchik afirmou após sua visita: “se de longe, já
era tão grande a sua influência sobre todos nós, que dizer o que foi a
sua presença aqui?”37 Em 1950, o Masp montou a exposição “Neutra –
Residências”, mais um episódio que marca sua presença no país. A
conciliação entre racionalização e adequação climática nas obras de
Neutra é que as tornavam atrativas para o ambiente intelectual
brasileiro.
Durante o Movimento Moderno, a coerência entre os trabalhos de vários
arquitetos mostra o diálogo entre alguns países, principalmente aqueles
com afinidades políticas, econômicas, culturais e climáticas. Este último
aspecto tem peso considerável neste diálogo e é flagrante sua presença
na arquitetura brasileira, como detecta com perspicácia Philip Goodwin
na exposição “Brazil Builds”, organizada em 1943 pelo Museu de Arte
Moderna de Nova York. Goodwin, curador da mostra, afirma em seu
texto introdutório do catálogo que foi motivado pelo “desejo de conhecer
melhor a arquitetura brasileira, principalmente as soluções dadas ao
37 WARCHAVCHIK, Gregori. Introdução. In NEUTRA, Richard J. Arquitetura social em países de clima quente, p. 20.
Residência Tomás Marinho de Andrade, São Paulo SP, 1952-1953. Arquiteto Carlos Millan. Fonte: Sergio Matera, 2005, p. 147
47
problema do combate ao calor e aos efeitos da luz sobre as grandes
superfícies de vidro na parte externa das construções”.38 Rodolpho
Ortenblad Filho também admite as presenças de Wright e Neutra em
seu trabalho:
“Eu tinha uma influência muito grande de Frank Lloyd Wright e
posteriormente do Richard Neutra. Frank Lloyd Wright dava muita
importância aos materiais naturais, pedra, tijolo, madeira e minhas
casas têm muitos detalhes com materiais naturais; não usava pastilhas
na fachada, essas coisas eu nunca gostei.”39
O primeiro contato de Ortenblad com a arquitetura norte-americana
aconteceu quando ainda era estudante na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo do Mackenzie, onde ele e seus colegas de turma compravam
revistas e livros estrangeiros de um “vendedor italianinho” que tinha uma
banca com essas publicações dentro da própria faculdade:
“eu comprei muitos livros; por exemplo, tem um livro que eu gostava,
era muito bom, o Sun & Shadow, Sol e Sombra, do Marcel Breuer. Era
um livro importante. Eu comprava todos os livros que saíam sobre a
arquitetura de Richard Neutra e de Frank Lloyd Wright.”40
38 GOODWIN, Philip. Brazil Builds – Architecture new and old 1652-1942, p. 7. 39 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 21 maio 2009. 40 Idem, ibidem.
Casa de Castor Delgado Perez, São Paulo SP, 1958-1959. Arquitetos Rino Levi, R. Cerqueira Cesar e L. R. Carvalho Franco. Fonte: ANELLI, Renato; GUERRA, Abilio; KON, Nelson, 2001.
48
De volta ao Brasil – após sua viagem aos Estados Unidos e Europa,
onde pôde visitar algumas obras de Frank Lloyd Wright – Ortenblad
passou a assinar revistas estrangeiras especializadas em residências,
como Progressive Architecture, Architectural Record e a francesa
L’Architecture d’Aujourd’Hui. Como editor da revista Acrópole, o contato
com a arquitetura estrangeira se intensificou, uma vez que Ortanblad se
tornou correspondente de algumas revistas e editoras internacionais:
“me registraram como diretor responsável (da revista Acrópole), constava salário, mas eu não recebia, trabalhava de graça. Mas para mim foi muito bom, porque passei a ser correspondente de várias publicações internacionais. Eles me mandavam. Como eu era diretor da maior revista de arquitetura – praticamente a única – aqui no Brasil, eu recebia livros para fazer resenhas e essas resenhas eu fazia num boletim separado da revista Acrópole, onde se davam notícias sobre livros e revistas internacionais.”41
Algumas características das obras de Richad Neutra e Frank Lloyd
Wright, como o uso de grandes beirais, paredes em pedras ou tijolos
aparentes, amplas aberturas envidraçadas, madeiramento do telhado
aparente, integração do interior com o exterior da residência,
setorização e racionalização dos espaços e usos são bastante
presentes e recorrentes nos projetos residenciais de Ortenblad. Essas
características serão apresentadas com maiores detalhes nos capítulos
seguintes.
41 Idem, ibidem.
Residência Antonio Maurício da Rocha, São Paulo SP, 1957. Arquiteto David Libeskind. Fonte: Luciana Tombi, 2007, p. 84
49
De volta ao Brasil
De volta ao Brasil no início do ano de 1952, após sua viagem aos
Estados Unidos e Europa, Ortenblad abriu seu escritório na Rua Sete de
Abril, esquina com a Rua Xavier de Toledo. Sua família era proprietária
de inúmeros terrenos na região do Jardim Paulistano e Itaim Paulista,
um fator de grande importância para o início de sua carreira, uma vez
que a partir do desenvolvimento de alguns projetos encomendados pela
família e construído de imediato pelo próprio arquiteto, atraiu a atenção
de seus novos futuros clientes, que tinham acesso ao seu portifólio,
aonde constavam obras em construção ou já construídas. Assim,
Ortenblad projetou e dirigiu a obra de mais de trinta casas através da
contratação de empresas empreiteiras.
Ortenblad, ao ser contratado para desenvolver um projeto, fazia questão
de acompanhar sua execução; este hábito era imposto ao cliente, o que
garantia, segundo pensava, qualidade à construção. Ortenblad conta
que outra condição importante para “fechar negócio” com seus clientes é
que esses não poderiam interferir no partido adotado por ele. Isso até se
tornou, por várias vezes, motivo de discussões entre o arquiteto e sua
esposa, que dizia que ele não poderia dispensar o trabalho caso o
cliente não concordasse com suas idéias, afinal eles eram recém-
casados e não podiam correr o risco de perder o projeto. Mas Ortenblad
se colocou firme e, segundo seus depoimentos, chegou a deixar de
fazer alguns trabalhos por esse motivo. Ortenblad conta que na época
50
havia poucos arquitetos, principalmente os especializados em casas, e
assim se tornou muito conhecido como o “arquiteto especialista em
residências e muitos vinham por indicação, porque visitavam a casa de
um cliente e gostavam.”42
Antes de iniciar um projeto, Ortenblad visitava o terreno e conversava
com o cliente para definir o programa e estimar um orçamento para
execução da obra. Depois de aprovado o anteprojeto, fazia-se o projeto
executivo. Os projetos complementares eram feitos por especialistas,
mas revisados sob sua supervisão. Tanto o cálculo estrutural, o projeto
de formas e o projeto hidráulico eram analisados por ele para que não
ocorressem possíveis interferências no projeto arquitetônico. Os projetos
hidráulicos eram desenvolvidos pelo engenheiro e amigo Eurico Freitas
Marques. O projeto elétrico, na época, era “menos importante” e os
pontos de luz e energia eram incorporados e indicados no projeto
executivo de arquitetura.
O engenheiro Roberto Zuccolo era um de seus colaboradores e foi
responsável pelo projeto estrutural da Casa Clemância Assad. Cabe
aqui ressaltar a importância deste engenheiro civil, que se formou na
Escola de Engenharia Mackenzie em 1946 e é lembrado entre os
engenheiros calculistas como “a maior autoridade em concreto
42 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 13 out. 2009.
51
protendido no seu tempo”,43 tendo realizado quase duas mil obras. Sua
relação com os arquitetos se estreitou em 1953, ao assumir a cadeira de
Sistemas Estruturais da Faculdade de Arquitetura Mackenzie, onde foi
professor por mais de quinze anos. Entre seus alunos estavam Fábio
Penteado, Paulo Mendes da Rocha, João De Gennaro, Alfredo Paesani,
Pedro Paulo de Melo Saraiva, Francisco Petracco e Decio Tozzi, sendo
que de todos foi o arquiteto Pedro Paulo de Mello Saraiva quem mais
contratou seus serviços de calculista.44
As manhãs de Ortenblad no escritório eram reservadas para visitar as
obras, orientando e tirando possíveis dúvidas sobre o projeto. Por vezes,
seus clientes tinham um construtor ou empreiteiro de confiança; quando
não, Ortenblad indicava a construtora. Marino Barros, seu antigo colega
de turma, construiu várias de suas casas: “Marino Barros construía
muito bem, ele era perfeccionista”.45 Outro colaborador constante era
Delto Teixeira, proprietário da Construtora Panamericana.
43 SERAPIÃO, Fernando. Uma história para ser contada. A saga de Roberto Rossi Zuccolo, professor de todos os arquitetos modernos saídos do Mackenzie e alinhados com a escola paulista. Fernando Serapião afirma ainda o seguinte: “Nas recentes pesquisas sobre a escola paulista, a relação entre calculistas e arquitetos ainda revela uma lacuna. A importância do trabalho conjunto de ambos se dá, sobretudo, pelo significado da estrutura na linguagem do movimento. Nesse sentido, um dos profissionais mais destacados é o engenheiro Roberto Rossi Zuccolo (1924-1967). Ele foi professor do Mackenzie de 1953 a 1967, justamente o período em que saiu dos bancos mackenzistas a geração de ouro da escola paulista”. 44 Idem, ibidem. 45 Rodolpho Ortenblad Filho em depoimento à autora em 13/10/2009.
52
Ortenblad realizava seus desenhos com grafite, desde o projeto de
prefeitura até os detalhamentos executivos. Segundo ele, aprendeu a
trabalhar muito bem com o grafite quando estagiou no escritório do
arquiteto Oswaldo Bratke:
“Lá no Bratke, onde eu estagiei, só usávamos lápis. Ele ensinava usar o
lápis, seja pela dureza ou pela finura do apontamento. Fazia parede
com lápis mais mole e detalhe com lápis mais duro.”46
Suas casas eram setorizadas em áreas de serviço, social e íntima. A
área de serviço englobava cozinha, lavanderia, dormitório e banheiro de
empregada, e sempre que possível possuía um pátio exclusivo, por
onde se fazia a circulação de empregados e funcionários responsáveis
pela entrega de materiais e manutenção. A área social era composta por
salas de estar e jantar voltadas para outro pátio, que muitas vezes,
recebeu vigamentos de concreto armado – pérgulas – que além de
sombrear, era usado como medida de segurança. Na área íntima
ficavam os dormitórios e banheiro. Uma recorrência bastante forte em
seus projetos residenciais é a colocação da escada que dá acesso ao
pavimento superior no hall de entrada. Desta maneira o hall além de
recepcionar serve como distribuidor para os todos os outros ambientes,
inclusive para o pavimento superior. O que também faz com que a área
46 Idem, ibidem.
53
de circulação, por estar centralizada, ocupe menos área construída
possível.
As Bienais de São Paulo
Os princípios modernos invadiram o Brasil também pela área artística.
Em 1947, o curador Pietro Maria Bardi e o jornalista Assis
Chateaubriand fundaram o Museu de Arte de São Paulo (Masp), cuja
primeira sede ficava nas dependências dos “Diários Associados”, na
Rua Sete de Abril. O objetivo deste museu era formar um acervo de arte
que representasse os principais movimentos artísticos da Europa.
Através de doações do próprio Assis e de seus amigos o acervo cresceu
de tal maneira que passou a ocupar quatro andares do edifício dos
“Diários”, somando cerca de 4.500 m², que foram reformados a partir do
projeto da arquiteta Lina Bo Bardi. Em 1950 a reforma foi concluída e o
Museu inaugurado por Nelson Rockfeller, na ocasião presidente do
Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York.
Em 1948 foi o proprietário das Indústrias Matarazzo, Ciccillo Matarazzo
que, a partir de sua coleção particular composta por trabalhos feitos por
Picasso, Léger, Arp, Chagall, Kandinsky, Miró, Di Cavalcanti, Tarsila,
Bonadei entre outros artistas estrangeiros e nacionais, criou o Museu de
Arte Moderna de São Paulo, o MAM. No mesmo edifício dos “Diários”
onde estava instalado o Masp e com projeto de João Vilanova Artigas,
foram adaptados espaços para receber este acervo. Foi também Ciccillo
Desenho Edifício Diários Associados, São Paulo SP, 1947. Arquiteta Lina Bo Bardi. Fonte: Ferraz, Marcelo, 1996
54
Matarazzo que após a abertura do MAM, junto com sua esposa Yolanda
Penteado, tiveram a iniciativa de criar a Bienal Internacional de Artes.
Em outubro de 1951, organizada pelos críticos de arte Lourival Gomes
Machado e Sérgio Milliet, em um edifício projetado pelos arquitetos
Jacob Ruchti, Miguel Forte e Luís Saia, a I Bienal de São Paulo foi
aberta no antigo Trianon da Avenida Paulista. A mostra exibiu obras de
mais de quarenta países, na seção de arquitetura foram “cerca de 400
projetos apresentados por 150 arquitetos brasileiros e estrangeiros”.47
A II Bienal de São Paulo surgiu do reconhecimento conquistado com a
mostra anterior. Atendendo ao pedido do governador de São Paulo
Lucas Nogueira Garcez, Ciccillo Matarazzo ficou responsável por
escolher um lugar onde seria a sede permanente da bienal e onde fosse
possível realizar as comemorações do IV Centenário da cidade, que
veio a acontecer em 1954. O local escolhido era uma área de 2 milhões
de metros quadrados que resultou no Parque do Ibirapuera com seus
pavilhões projetados por Oscar Niemeyer e um grupo liderado por
Zenon Lotufo formado por jovens arquitetos, dentre eles o mackenzista
Eduardo Kneese de Mello.
47 ACAYABA, Marlene Milan. Branco e Preto: uma história de design brasileiro nos anos 50, p. 11.
Desenho Edifício Diários Associados, São Paulo SP, 1947. Arquiteta Lina Bo Bardi. Fonte: Ferraz, Marcelo, 1996
55
Esta Bienal, de grande importância, apresentou trabalhos de Picasso,
Paul Klee, Henry Moore e Calder, entre outros. Em conjunto foi feita a
Exposição Internacional de Arquitetura, que contou com obras do mundo
todo, em especial as casas: Ceasar Cottage (1951) de Marcel Breuer,
Casa e Estúdio (1949) de Charles Eames, a residência Warren Trimaine
(1948) de Richard Neutra, a residência Farnsworth (1950) de Mies van
der Rohe e a residência Herbert Jacobs (1948) de Frank Lloyd Wright.
Entre as casas brasileiras, destacam-se a Casa das Canoas (1952) de
Oscar Niemeyer e a Casa Enzo Segri (1953) de Miguel Forte e Galiano
Ciampaglia. Ainda nesta bienal foi organizada uma sala especial com os
trabalhos de Walter Gropius.48 São Paulo estava, definitivamente,
colocando o Brasil no circuito da Arte Moderna mundial.
A III Bienal, em 1955, por ter acontecido apenas um ano após a bienal
anterior, decidiu dedicar a Exposição Internacional de Arquitetura
somente para o Concurso Internacional de Escolas de Arquitetura.49 Já
em 1957, a IV Bienal promoveu uma sala especial para o projeto
vencedor para o Plano Piloto de Brasília, de Lúcio Costa e para os
projetos do Palácio da Alvorada e do Congresso Nacional. A residência
Oscar Americano (1952), projeto de Oswaldo Bratke, foi apresentada no
48 BRASIL, Luciana Tombi. David Libeskind: ensaio sobre as residências unifamiliares. p. 50-51. 49 LINS, Paulo de Tarso Amendola. Arquitetura nas Bienais Internacionais de São Paulo (1951-1961), p. 226.
Residência Warren Trimaine, Santa Barbara, 1948. Arquiteto Richard Neutra. Fonte: Internet
Residência Herbert Jacobs, Madison, 1948. Arquiteto Frank Lloyd Wright. Fonte: Internet
56
programa de residências unifamiliares. Nesta bienal foram apresentados
dois projetos residenciais do arquiteto – a residência Rodolpho
Ortenblad Filho II, de 1956, e a casa da Fazenda Santa Cecília, de
1955.
Rodolpho Ortenblad Filho II, São Paulo SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Arquivo pessoal do arquiteto
Casa da Fazenda Santa Cecília, Uchoa, 1955. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Arquivo pessoal do arquiteto
57
IAB e outras artes
O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) era, entre outras coisas, um
ponto de encontro de arquitetos e estudantes. Com sede na Rua Bento
Freitas, aonde se encontra até hoje, muitos profissionais que tinham
seus escritórios na região central de São Paulo o frequentavam
assiduamente. O arquiteto Pedro Paulo de Mello Saraiva, ingressou no
curso de arquitetura da Faculdade Mackenzie em 1950, tendo convivido
com Ortenblad quando este cursava seu último ano; em seguida este
convívio continuou nas reuniões do IAB. Pedro Paulo comenta:
“o IAB era interessante, porque ficava muito próximo das duas escolas,
a FAU Maranhão e o Mackenzie, e todo mundo tinha escritório na
Barão ou do outro lado do Viaduto do Chá. Esses escritórios eram
sempre onde nós fazíamos estágio. No próprio IAB havia muitos
arquitetos que tinham sido estagiários. O IAB era um ambiente bom:
embaixo tinha o clubinho dos artistas, um lugar onde se discutia as
coisas da arquitetura e era a oportunidade da gente ter contato com os
arquitetos mais velhos”.50
O Instituto promovia exposições, debates e organizava a visita de
arquitetos estrangeiros. Richard Neutra, em visita por algumas cidades
latino-americanas, esteve no instituto em 1945. Gropius se reuniu com
outros arquitetos no IAB/SP em 1954, em função da Bienal. Os
50 SARAIVA, Pedro Paulo de Mello. Depoimento à autora, 03 novembro 2009.
Rodolpho Ortenblad Filho e o mercado de arte na revista Senhor, n. 3, mar. 1971. Arquivo pessoal
58
arquitetos Mies van der Rohe, Kenzo Tange, Marcel Breuer e Philip
Johnson estiveram em São Paulo para compor a banca julgadora que
premiou os projetos da IV Bienal em 1957.51
O arquiteto Jorge Wilheim se lembra de uma ocasião onde o então
presidente Jânio Quadros havia prometido a um arquiteto carioca que
pagaria todas as despesas para um grupo de arquitetos estrangeiros
que viria ao Brasil participar de um seminário que deveria ser
organizado pelo IAB/SP. Porém Jânio Quadros renunciou antes que
fosse organizado este seminário e Jorge Wilheim descreve assim os
desdobramentos:
“O presidente do IAB era o Ícaro de Castro Mello, que ficou com o
abacaxi para estourar nas mãos. Então ele pediu para o Joaquim
Guedes e a mim, para dividirmos essa turma no Rio. Levamos o
pessoal para viajar por cinco ou seis dias, cada um para um lugar. Eu
51 “Em 1957, realizou-se em São Paulo, a IV Bienal do Museu de Arte Moderna. Mies van der Rohe, Marcel Breuer, Kenzo Tange, Phillip Johnson, Francisco Beck, Jacob Mauricio Ruchti e Mario Glicerio Torres foram os arquitetos convidados para compor o júri que selecionaria os melhores projetos apresentados na Exposição Internacional de Arquitetura da IV Bienal. Entretanto, segundo a ata publicada na revista Acrópole nº 227 de 1957, onde estão divulgados os profissionais premiados, o nome de Mies van der Rohe não está relacionado entre aqueles já referidos, responsáveis pelas menções. Desconhecidos os motivos da provável ausência de Mies nas atividades que lhe haviam reservado na Bienal, sabe-se que o arquiteto esteve em São Paulo para visitar o terreno onde projetaria o edifício do Consulado dos Estados Unidos, como se pode comprovar na nota publicada por Philipp Lohbauer na revista Acrópole nº 230 de dezembro de 1957”. GALEAZE, Ítalo. Mies van der Rohe no Brasil. Projeto para o Consulado dos Estados Unidos em São Paulo, 1957-1962.
Rodolpho Ortenblad Filho em seu apartamento, janeiro de 2010. Foto Sabrina Bom
59
escolhi a Bahia e o Guedes foi para Ouro Preto, para só depois
chegarmos em Brasília, que tratou de organizar alguma coisa que se
parecesse com um seminário. Não me lembro como foi financiado tudo
isso; acho que teve um empréstimo bancário e depois de alguma forma
foi coberto”.52
No final da década de 1950, Rodolpho Ortenblad Filho, sócio do
instituto, foi convidado a fazer parte da diretoria do IAB/SP. Como
secretário redigia as atas de reunião e organizou um caderno de
arquitetura que era impresso semanalmente no jornal Folha de São
Paulo. Este caderno tratava de exposições e concursos de arquitetura.
Uma delas, o Salão Paulista de Arte Moderna, que acontecia todos os
anos na Galeria Prestes Maia. Era um salão de arquitetura, pintura,
escultura e artes gráficas e Ortenblad, por algumas vezes, foi convidado
a fazer parte do júri.
No subsolo do Instituto aconteciam as atividades do Clube dos Artistas.
Ortenblad, por ser apreciador da arte moderna – em todos os campos,
não só o de arquitetura – frequentava o clube e gostava de conversar
com os frequentadores. A partir do contato com esses artistas,
Ortenblad, teve a oportunidade de começar sua coleção de pinturas
modernas. Hoje possui um acervo grande onde ele próprio intitula como
“parte pioneira da pintura moderna brasileira”, que inclui obras de Di
52 WILHEIM, Jorge. Depoimento à autora, 17 nov. 2009.
60
Cavalcanti, Candido Portinari, Ismael Nery e Tarsila do Amaral. Mais
tarde adquiriu trabalhos de Volpi, Bonadei, Benack, Clóvis Graciano e
Francisco Rebolo. Em 1958, em uma das vezes que fez parte do júri do
Salão Paulista de Belas Artes, idealizado e organizado por Gomes
Cardin, premiou junto com os demais jurados, um trabalho do artista
Manabu Mabe, sendo este o primeiro prêmio de importância do artista.
O convívio e o trabalho no Instituto dos Arquitetos deram a oportunidade
de Rodolpho Ortenblad Filho participar de exposições e eventos de
arquitetura. Um desses foi o Congresso Internacional de Arquitetura em
Cuba, ocorrido em 1963. O IAB organizou uma comissão de arquitetos
para assistir e participar deste congresso. Entre eles estavam: Rodolpho
Ortenblad Filho, Marino Barros, Jorge Wilheim, Paulo Mendes da Rocha
e Ruy Ohtake. Ortenblad fez duas apresentações: uma referente às
novas leis de zoneamento de São Paulo, onde se regulamentou o limite
de 4 vezes a área do terreno para construção (ele era a favor desta lei e
a comparou com o que havia acontecido em Copacabana, que sem o
limite de construção fechou toda sua orla com prédios encostados uns
nos outros); e uma segunda, que tratou sobre o clima brasileiro e o uso
do brise-soleil.
Revista Acrópole
A 1ª edição da revista Acrópole é datada de maio de 1938, sob a
direção de Roberto Corrêa de Brito. Durante sua direção, a revista
61
apresentava obras de variadas vertentes, refletindo um panorama
eclético da arquitetura. Foi em 1952, a partir do número 174, que Max
M. Gruenwald se tornou o novo diretor da revista e a arquitetura
moderna teve um peso muito maior em suas páginas. Com
periodicidade muito regular, a Acrópole foi publicada mensalmente de
maio de 1938 a dezembro de 1971, sendo que alguns números tiveram
publicação bimestral. A revista era dedicada ao tema de arquitetura,
com a intenção de informar e mostrar o desenvolvimento da arquitetura
contemporânea no país53. Durante o período em que Roberto A. Corrêa
de Brito foi seu diretor geral, a revista publicava, principalmente, projetos
recentemente construídos, reservando poucos espaços à reprodução de
textos. Posteriormente, com a entrada de Max M. Gruenwald foram
reservados espaços para textos com temas específicos, geralmente
publicados em série, além de textos complementares aos projetos
publicados. Apesar desta reforma, a linha editorial não sofreu uma
mudança profunda, pois a ênfase continuou a ser dada à publicação de
projetos arquitetônicos.
53 “Em números, a revista de Roberto Corrêa Brito publicou a maioria dos projetos do Estado de São Paulo, 88,86%. (...) A revista de Max Grunwald, também publicou a maioria dos seus projetos do Estado de São Paulo (78,91%), ‘por força da circunstância’, segundo Manfredo Grunwald, já que havia grande dificuldade em conseguir projetos de outros Estados, por causa da necessidade de viagens e outras questões que dificultavam esse processo. Nessa fase, há um predomínio de obras vinculadas ao movimento moderno, e a publicação de projetos públicos passa a aumentar, enquanto diminuíam as obras privadas”. OLLERTZ, Aline. Morte e vida de uma revista de arquitetura.
62
Entre 1953 e 1955 (edições 182 à 200), o arquiteto Rodolpho Ortenblad
Filho foi diretor da revista Acrópole. Foi um período breve, “mas
determinante na história da revista, que começou a reproduzir textos
lendários de Rino Levi e Gregori Warchavchik, além de organizar uma
atualização da obra de um bom número de profissionais atuantes em
São Paulo”54. Além de reproduzir textos sobre arquitetura brasileira,
Ortenblad redigia pequenos artigos onde comentava sobre projetos e
livros referentes à arquitetura estrangeira. Na edição de nº 180, datada
de outubro de 1953, Ortenblad comenta sobre uma residência projetada
por Frank Lloyd Wrigth no Estado de Michigan, onde destaca que a casa
contempla: “todos os princípios pelos quais Wright debate e as inúmeras
idéias de que foi pioneiro. O plano livre, horizontalidade das elevações,
janelas contínuas, sabedoria no emprego dos materiais e a riqueza das
texturas (...). Os grandes beirais, as lareiras generosas, as janelas de
canto (tão deturpadas nas casas pseudo-modernas), os forros
inclinados, enfim, um vocabulário arquitetônico criado por ele e
composto com tal sabedoria que o conjunto transpira humanidade e
sentido eclético”.55 Na edição de n. 183, de janeiro de 1954, Ortenblad
faz menção sobre a importância dos “mestres e pioneiros do movimento
54 IRIGOYEN, Adriana. Da Califórnia a São Paulo: referências norte-americanas na casa moderna paulista 1945-1960 (op. cit.), p. 90. 55 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. A modulação do espaço interno é transmitida ao exterior: a harmonia resultante é intencional, p. 451-453.
Residência em Michigan, vista externa e detalhe da lareira. Arquiteto Frank Lloyd Wright. Fonte: ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. A modulação do espaço interno é transmitida ao exterior: a harmonia resultante é intencional. Acrópole, n. 180, out. 1953, p. 451
63
moderno” (Neutra, Gropius, Mies, Aalto e Wright) a partir da
apresentação do livro Built in U.S.A: Post-war Architecture de Henry-
Russel Hitchcock e Arthur Drexler (Museu de Arte Moderna de Nova
York, 1953), enfatizando a qualidade da arquitetura que estava sendo
produzida no país norte-americano e comunicando aos leitores que
alguns dos projetos apresentados neste livro poderiam ser vistos
durante a II Bienal de São Paulo, fazendo parte da representação
americana. Ortenblad termina o texto dizendo: “Esperamos que a
análise dos mesmos seja proveitosa aos nossos arquitetos tão
arraigados nos princípios estabelecidos por Le Corbusier. Por menor
que seja a influência que venhamos a receber, sempre será um sopro
de ar fresco revigorante no ambiente já viciado de academismos
decadentes e arquiteturas fáceis”.56 Em dezembro de 1957, mesmo
Ortenblad não sendo mais seu diretor, a edição nº 230 da revista
publicou um texto onde o arquiteto apresenta a residência Joseph Staller
(Califórnia) de Richard Neutra, onde destaca o uso dos materiais e o tipo
de “estrutura de grande beleza e simplicidade, na qual cada detalhe se
justifica e cada material desempenha uma função de acordo com suas
características naturais”.57
56 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Sobre arquitetura pós guerra, p. 120-121. 57 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. A arquitetura de Richard Neutra, p. 56-57.
Residência em Michigan, detalhe do corredor. Arquiteto Frank Lloyd Wright. Fonte: ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. A modulação do espaço interno é transmitida ao exterior: a harmonia resultante é intencional. Acrópole, n. 180, out. 1953, p. 451
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No final de 1971 saiu o número 390-391, o volume derradeiro da revista
Acrópole. Os anunciantes rarearam e não foi mais possível manter a
publicação.
Concursos e projetos institucionais
A seguir serão apresentados os projetos de caráter institucional que
Rodolpho Ortenblad Filho desenvolveu durante sua carreira. Como já foi
mencionado, infelizmente o acervo do arquiteto se limita apenas aos
projetos que foram publicados em periódicos da época, de onde
Ortenblad arquivou somente as páginas correspondentes aos seus
trabalhos. Em algumas dessas páginas nem se quer estava anotado o
nome e data da publicação, o que tornou bastante difícil e trabalhoso
consultar o exemplar original.
Esses projetos foram na maioria das vezes desenvolvidos em parceria
com outros arquitetos, como é o caso do Clube Alto de Pinheiros e do
projeto para o concurso Cosipa, desenvolvidos com o arquiteto José
Luiz Fleury de Oliveira; do projeto para o Colégio Nossa Senhora das
Dores, feito com os arquitetos e colegas de turma, Carlos Lemos e
Marino Barros; e dos edifícios administrativos para a Indústria Helca,
projetados em parceria com o arquiteto Paulo Renan Mamede, que
também colaborou nos projetos para a residência Baltazar Fidélis e
Joaquim Renato Freire (apresentadas no próximo capítulo).
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1. Colégio Nossa Senhora das Dores, Uberaba
Co-autores Carlos Lemos e Marino Fernandes Barros Uberaba MG 1952 Não construído Publicações: Acrópole, n. 175, maio de 1953
Em parceria com os arquitetos Carlos Lemos e Marino Barros, que se
formaram na mesma turma de Ortenblad, e por intermédio de uma
conhecida de Marino Barros, os três jovens arquitetos desenvolveram
este projeto no início do ano de 1952. O projeto, não construído, deveria
prever a ampliação das áreas de ensino do Colégio Nossa Senhora das
Dores na cidade de Uberaba, Minas Gerais.
Além de uma capela, já existia no terreno um edifício linear de salas de
aula, que acabou servindo de “régua” para a implantação dos dois novos
edifícios, também lineares, que abrigariam as novas instalações.
Aproveitando o desnível do terreno, os edifícios do ginásio e da
administração foram colocados em paralelo com o edifício existente. Na
parte posterior do terreno foi disposto o auditório, implantado
perpendicular em relação aos demais blocos e com características
formais e construtivas que diferem da linearidade e horizontalidade do
restante do conjunto, contraste que, como já foi comentado
anteriormente, é bastante peculiar no modernismo de Le Corbusier e
dos arquitetos cariocas. Atrás da capela foi colocado o convento com
Colégio Nossa Senhora das Dores, planta e corte do Auditório, Uberaba MG, 1952. Arquitetos Carlos Lemos, Marino Barros e Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 175, maio de 1953
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planta em “H”. Os prédios são interligados por passarelas cobertas e
entremeados por pátios ajardinados.
O primeiro edifício, colocado logo na frente do conjunto, abriga os
departamentos administrativos e os setores que já funcionavam no
colégio (serviços sociais, cursos para noivas e apartamentos para
hóspedes). Concebido em dois pavimentos, seu térreo, sob pilotis, se
integra com o jardim. Com estrutura independente, as fachadas frontal e
posterior possuem grandes aberturas em vidro. O prédio intermediário,
já existente, foi interligado aos demais blocos pela passarela coberta.
O terceiro edifício era destinado para o ginásio, colégio, curso de música
e internato. Como solução acústica e tomando partido do desnível do
terreno, as salas de música foram colocadas no subsolo, por onde se
teria acesso em nível pela calçada que vem do auditório. As salas de
aula ficaram no pavimento térreo (acessado pelas passarelas) e no
primeiro andar, enquanto que o segundo pavimento foi destinado aos
dormitórios.
O pavimento inferior, aberto para o auditório e para o jardim, está parte
sob pilotis e parte sob os muros em pedra que fecham as áreas do
vestiário e do conservatório. Esses fechamentos em pedras, diferentes
da ortogonalidade restante do edifício, são em formatos curvos que
fogem dos ângulos retos do projeto.
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Colégio Nossa Senhora das Dores, proposta de implantação, Uberaba MG, 1952. Arquitetos Carlos Lemos, Marino Barros e Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 175, maio de 1953
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Colocado no nível dos demais edifícios e acessado pela marquise, os
pavimentos térreo e superior abrigam as salas de aula e mantém o
conceito funcionalista moderno com as salas colocadas lado a lado,
voltadas para as faces externas do edifício e acessadas por um único
corredor central. Também no centro da planta, mas em sentido oposto
ao corredor foram colocados a escada e bloco de sanitários. Esta
escada em curva sobe até o terceiro pavimento onde foi destinado para
o grande dormitório das alunas internas que ocupa apenas metade do
andar.
O convento, também interligado aos demais edifícios, inclusive à capela
existente, pela marquise, foi projetado em forma de “H” o que contrubui
para a formação de dois pequenos pátios (um deles deveria ser
totalmente fechado e de uso exclusivo das noviças, conforme as regras
do convento). Seguindo o desnível do terreno, foi colocado um
pavimento inferior para os departamentos de serviços. No nível térreo,
sob pilotis, foram colocados alguns dormitórios e as salas de estudos,
costura e conferências de uso das freiras e noviças. Nos dois andares
superiores foram colocados os demais dormitórios, todos voltados para
as faces externas do edifício e um único corredor central no pavimento.
Por último o auditório, que foi colocado próximo da escola de música
podendo ser acessado pela comunidade também pela rua lateral ao
terreno. Foi projetado com uma sequência de pilares/vigas de concreto
em formato curvo que difere das linhas retas do restante do conjunto.
Colégio Nossa Senhora das Dores, perspectiva e desenhos esquemáticos do Convento, Uberaba MG, 1952. Arquitetos Carlos Lemos, Marino Barros e Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 175, maio de 1953
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Colégio Nossa Senhora das Dores, perspectiva e plantas do Edifício de salas de aula, Uberaba MG, 1952. Arquitetos Carlos Lemos, Marino Barros e Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 175, maio de 1953
3º Pavimento 2º Pavimento
Pavimento Inferior Pavimento térreo