Dissertsacao 3 Passos

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    "OPERAO TRS PASSOS" :A HISTRIA, O DIREITO E O POLTICO

    Daniela Mesquita Leutchuk de Cademartori

    Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao

    em Direito da Universidade Federal de Santa Catarinacomo requisito obteno do ttulo de mestre em

    cincias humanas - especialidade em direito

    Orientador: Prof. Dr. Nilson Borges Filho

    Florianpolis1993

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    CENTRO DE CINCIAS JURDICAS

    CURSO DE POS-GRADUAAO EM DIREITO

    A Dissertao "OPERAAO TRES PASSOS": A HISTORIA, O DIREITO E O

    POLTICO

    elaborada por DANIELA MESQUITA LEUTCHUK DE CADEMARTORI

    e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora, foi julgada

    adequada para a obteno do titulo de MESTRE EM CINCIAS HUMANAS

    - ESPECIALIDADE DIREITO

    Florianpolis, 29 de novembro de .1993

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Cesar Luiz Pasold

    Prof. Dr. Antnio Carlos Wolkmer

    Professor Orientador

    Prof. Dr. Nilson Borges Filho

    Coordenador do Curso

    Prof. Dr. Leonel bevero Kocna

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    Para Sergio

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    "A histria assim con-

    cebida n&o tuna su-

    cesso de fatos mudos,

    mas tuna seqncia de

    passados oprimidos

    que tem consigo um

    'ndice misterioso%

    que os impele para a

    redeno."

    Srgio Paulo Rouanet

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    Biblioteca Universitria

    U F S C

    SUMARIO

    INTRODUO:..............

    1. Objeto e Objetivos ....

    2. Aspectos Metodolgicos

    3. Do contedo e da forma

    Notas ...................

    1

    2

    5

    9

    12

    CAPITULO I - A QUESTO POLTICA: DO GOLPE MILITAR A ABERTURA

    POLTICA BRASILEIRA (1964-1979) .......................... 13

    1.1. 0 golpe de 1964 ..................................... 14

    1.2. A consolidao da ditadura ......................... 41

    1.3. O grande silncio ............................ ....... 52

    1.4. A abertura .......................................... 74

    Notas .................................................... 106

    CAPITULO II - A QUESTO FATICA: A "OPERAAO TRES PASSOS"... 113

    II. 1. A fase preparatria: o exlio no Uruguai ............. 114

    11.1.1. 0 golpe de 1964 no Rio Grande do Sul ......... 114

    11.1.2. A chegada dos exilados ao Uruguai ............. 120

    11.1.3. 0 coronel Jefferson ......................, . 123II. 1.4. A chegada de Brizola ao Uruguai............... 126

    II. 1.5. 0 dinheiro de Cuba ............... ............ 130

    II. 1.6. Os planos para a insurreio ................. 132

    II.1.7. A atuao do Servio de Informaes Brasilei

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    ro no Uruguai .................................144

    11.1.8. Vsperas da "Operao Trs Passos" ....... .....147

    11.1.9. 0 plano "Operao Trs Passos" ............. ...152

    11.1.10. A "contra-ordem" de Brizola ..................155

    II. 2. A ao militar no Brasil ..............................157

    11.2.1. Preparativos ............................... ...157

    11.2.2. A tomada de Trs Passos .................... ...169

    11.2.3. Os guerrilheiros de estrada" ..................172

    II. 2.4. 0 combate ..................... ................176

    11.2.5. A reao militar ..............................17811.2.6. A captura dos rebeldes .........*..............181

    Notas ................. ......................................192

    CAPITULO III - A QUESTO JURDICA: "A INVASAO DAS ESTRUTURAS

    LEGAIS PELAS ESTRUTURAS AUTORITARIAS" ...... .................202

    III.l. As repercusses de ordem jurdica do episdio ...... 203

    111.1.1. A priso e o Inqurito Policial Militar .... 203

    111.1.2. A denncia .................................. 212

    III. 1.3. A sentena de 1Q grau ....................... 219

    III. 1.4. A sentena de 2Q grau ....................... 239

    III. 1.5. A anistia ................................... 242

    111.2. 0 julgamento dos crimes polticos no Brasil (1964

    1979).................................................248

    111.3. A Justia Poltica e a Aplicao da Lei...... ........ 268

    III. 4. O esvaziamento da lei ............ ................... 298

    Notas ...................................................... 317

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    CONSIDERAQesFINAIS ..................................... 326

    Notas ..................................................... 342

    BIBLIOGRAFIA ............................................. 343

    ANEXOS ................. .................................. 348

    1. Denncia

    2. Sentena de 19 grau

    3. Acrdo

    4. Deciso do STM cassando a anistia5. Sentena de 1Q grau concedendo anistia

    6. Deciso do STM em Embargos, mantendo a cassao do benefcio

    7. Roteiro da "Operao Trs Passos"

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    RESUMO

    Esta pesquisa estabelece um fato; no caso, a primeira reao

    armada ao regime militar instaurado com o golpe de 31/03/1964, no

    Brasil, como situao paradigmtica a partir da qual elaborada

    lima anlise do poltico e do jurdico durante o perodo que vai

    desde o golpe militar at o incio da abertura poltica

    (1964-1979).

    Esta anlise, no tocante questo poltica, abrange, alm do

    fato em si, todo o complexo poltico que originou o golpe militar

    e a aparente nSLo-reao do governo deposto, a consolidao do re

    gime militar e o processo que envolveu o inicio da abertura pol

    tica.

    Quanto questojurdica, a partir do julgamento a que foram

    submetidos os rus no episdio em questo, s feitas observaes

    sobre a natureza do Direito no qual foram enquadrados,e de como asua ao, possibilitada pelo instrumental tcnico-jurdico dis

    posio dos operadores da lei, vincula-se perpetuao dos inte

    resses polticos hegemnicos e acaba por atuar como um importante

    fator para legitimar o governo militar.

    Embora seja feita uma diviso que parece demonstrar a possi

    bilidade de fracionar o trabalho em trs objetos de anlise, (o

    histrico, o poltico e o jurdico), esta diviso, na medida em

    que entra em contradio com o prprio contedo da dissertao,

    serve justamente para demonstrar a impossibilidade de tal fracio

    namento .

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    ABSTRACT

    This research establishes a fact: in case, the first armed

    raction against the military regime installed with a "coup

    d'fitat in the march 31th of 1964, in Brazil, as a paradigmatic

    situation since what is done an analisys on politics and juridi

    cal situations during the period since the military "coup" to the

    beginning of the political distention (1964-1979).

    This annalisys, concerning the political question, enclo

    ses, in addition of.the fact itself, all the political complexthat originated the military coup and the apparent non-reaction

    from the defeated government, the consolidation of the military

    regime and the process that environned the beginning of political

    distention.

    Concerning juridical question, starting from the judgement

    that were subjugated the defendant in that episode, here are made observations on the nature of law that they were subjected,

    and how its action, allowed by the technical-juridical instrumen

    tal disposable to the operators of law, is joined to the perpe

    tuation of the political interests in hegemony, and ends acting

    as an important mean to legitimate the military government.

    However be done a division that seems show the possibility

    of fractionize the essay in three analisys objects (historical,

    political and juridical), that division, in contradicting with

    the contents of the text itself, its able to demonstrate exactly

    the impossibility of that fragmentation.

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    ABREVIATURAS E SIGLAS

    ACISO : Aa0 Cvico-Social

    AI : Ato Institucional

    ALN : Aliana Libertadora Nacional

    AMFORP : American Force and Power Co..

    AP : Ao Popular

    ARENA : Aliana Renovadora Nacional

    ASI : Assessoria de Segurana e Informaes

    BNM : Brasil Nunca Mais

    CAMDE: Campanha da Mulher Democrtica

    CBA : Comit Brasileiro pela Anistia

    CEB : Comunidade Eclesial de BaseCELAM : Conferncia do Episcopado Latino-Americano

    CENIMAR : Centro de Informaes da Marinha

    CGI : Comisso Geral, de Investigaes

    CGT : Central Geral dos Trabalhadores

    CIA : Agncia Central de Inteligncia

    CIEX : Centro de Informaes do Exrcito

    CISA : Centro de Informaes e Segurana da Aeronutica

    CJM : Circunscrio Judiciria Militar

    CNBB : Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil

    COLINA : Comando de Libertao Nacional

    CPI : Comisso Parlamentar de Inqurito

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    CPPM : Cdigo de Processo Penal Militar

    CSN : Conselho de Segurana Nacional

    DCT : Departamento de Correios e Telgrafos

    DEOPS: Departamentos Estaduais de Ordem Poltica e Social

    DOI-CODI: Departamento de Defesa Interna - Centro Operacional de

    Defesa Interna

    DOPS : Departamento de Ordem Poltica e Social

    DSI : Diviso de Segurana e Informaes

    DSN : Doutrina da Segurana Nacional

    EGEPRON : Empresa Gerencial de Projetos NavaisEMBRAER : Empresa Brasileira de Aeronutica

    ESG : Escola Superior de Guerra

    ESNI : Escola do Servio Nacional de Informaes

    FAR : Foras Armadas Revolucionrias

    FAUR : Fraterna Amizade Urbana e Rural

    FFAA : Foras ArmadasFMI : Fundo Monetrio Internacional

    FMP : Frente de MobilizaSo Popular

    IBAD : Instituto Brasileiro de Ao Democrtica

    IMBEL: Indstria de Material Blico

    IML : Instituto Mdico Legal

    IPES : Instituto de Planejamento Econmico e Social

    IPM : Inqurito Policial - Militar

    LEEX : Lealdade ao Exrcito

    LOJM : Lei de Organizao Judiciria Militar

    LSN : Lei de Segurana Nacional

    MCV : Movimento pelo Custo de Vida

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    MDB : Movimento Democrtico Brasileiro

    MFA : Movimento Feminino pela Anistia

    MMD : Movimento Militar Democrtico

    MMDC: Movimento Militar Democrtico Constitucionalista

    MNR : Movimento Nacionalista Revolucionrio

    MP : Ministrio Pblico

    MR-8 : Movimento Revolucionrio 8 de outubro

    MRT : Movimento Revolucionrio Tiradentes

    MTR : Movimento Trabalhista Renovador

    OAB : Ordem dos Advogados do BrasilOBAN r Operao Bandeirantes

    PCB : Partido Comunista Brasileiro

    PC do B : Partido Comunista do Brasil

    PCBR: Partido Comunista Brasileiro Revolucionrio

    PSD : Partido Social Democrtico

    PTB : Partido Trabalhista BrasileiroRM : Regio Militar

    SBPC: Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia

    SNI : Servio Nacional de Informaes

    SRB : Sociedade Rural Brasileira

    STF : Supremo Tribunal Federal

    STM : Superior Tribunal Militar

    SUPRA:Superintendncia para a Reforma Agrria

    UCF : Unio Cvica Feminina

    UDN : Unio Democrtica Nacional

    UNE : Unio Nacional dos Estudantes

    USP : Universidade de So Paulo

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    VAR-Palmares: Vanguarda Armada Revolucionria

    VPR : Vanguarda Popular Revolucionria

    'i

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    INTRODUO

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    1. Objetos e Objetivos

    Uma reportagem no ano de 1965, publicava:

    "Dentro do caminho, cruzando o Iguau, vo alguns

    homens que, esta semana, tentaram iniciar, no Sul

    do Brasil, um movimento de guerrilhas contra o go

    verno. Aprisionados pelas tropas do Exrcito, les

    parecem ilustrar a frase inscrita no pra-choque do

    prprio Mercedes Benz que lhes serviu na aventura:

    ' triste sonhar com um amor e acordar szinho'.

    " ( 1 )

    Se realmente o movimento era uma guerrilha ou at mesmo se

    existia a inscrio no pra-choque do Mercedes Benz e, ainda, se

    o verdadeiro lder do movimento havia abandonado os revoltosos

    * sua prpria sorte, esta situao no deixar de ser apenas mais

    2

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    uma das ironias do acaso, pois passados quase trinta anos do re

    lato isto j nao mais importa. 0 que se pretende reeealtar aqui,

    no o relato inflamado do reprter e nem a existncia de trai

    o por parte de lderes, e sim a possibilidade de recuperao

    de um fato histrico enquanto instncia privilegiada de observa

    o do Direito, e em ltima e derradeira instncia, do Poltico.

    Se por um lado a narrativa da "Operao Trs Passos" recupera

    a dimenso de toda uma poca - recolocando o momento d* prprio

    golpe militar de 1964, a nvel da impossibilidade do governo de

    posto ver retornar situao anterior ao golpe - por outro o seu

    desenrolar ao nvel jurdico, isto , do destino dado aos seus

    integrantes, traz cena toda a complexidade do relacionamento

    Direito-Poltica.

    Analisar esta temtica a nvel de trabalho de concluso de

    curso de Mestrado dever ento constituir o objeto desta Disser

    tao, que para tanto dever satisfazer a exigncia de corporifi-

    car uma pesquisa a ser apresentada de -forma metodologicamente

    correta.

    Neste sentido, o objetivo desta pesquisa constitui-se na an

    lise da interpretao decisria ou aplicao da lei num caso con

    creto, o dos revoltosos da "Operao Trs Passos".

    Ou seja, aqui afirma-se que a partir de um fato nico e com

    plexo, possvel apreender dimenses diversas, diferentes ima

    gens que nos falam da Histria, do Direito e do Poltico. A posi

    o da narrativa dos acontecimentos ou seja, da Histria, funcio

    naria como a ponte para estabelecer a relao entre as outras

    instncias.

    3

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    Sem pretender discutir a justia ou a injustia da condenao

    dos rus, e mesmo a legalidade dos procedimentos judiciais que os

    condenaram - embora sem descartar a possibilidade de que estas

    valoraes surjam no prprio texto - pois implicariam num julga

    mento sobre um julgamento, salienta-se aqui a forma como a lei

    foi aplicada e o papel desempenhado pelo instrumental jurdico na

    consolidao da ordem poltica vencedora.

    Constata-se que, num primeiro momento, correspondente ao pe

    rodo de consolidao do regime militar, os rus seriam condena

    dos pela Justia Militar Federal. Para tanto, seria feita -uma

    diviso dos acusados entre lderes no exlio e "ativistas", o

    que possibilitaria justificar a condenao de exilados brasilei

    ros no Uruguai. A Justia Militar enquadraria estes ltimos na

    categoria de "lderes intelectuais" ou "cabeas" do movimento,

    conseguindo com este artifcio condenar, exilados no-participan-

    tes do movimento, tais como Leonel Brizola, Dagoberto Rodrigues,

    Jos Wilson e Paulo Schilling, a penas extremamente pesadas e in

    clusive, na deciso de 1& instncia, mais gravosas que as com que

    foram penalizados os ativistas (2)

    Num segundo momento, cerca de quinze anos aps o golpe mili

    tar - quando pelo menos ao nvel do discurso, o regime militar

    encontra-se disposto a anistiar e pacificar as animosidades em

    relao aos opositores, a fim de que o pas pudesse retornar

    democracia - ser a prpria aplicao da lei da anistia neste ca

    so concreto que demonstrar os limites deste desejo. Nesta oca

    sio, o fiel da balana iria pender para o extremo oposto :

    4

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    aqueles que haviam sido condenados anteriormente, apesar de naQ

    terem tido participao direta no episdio, seriam anistiados,

    j os que haviam tomado parte da "Operao" no seriam beneficia

    dos com o instituto (3). Entre os que foram beneficiados encon

    trava-se Leonel Brizola, considerado pelo "mago" da abertura, ge

    neral Golbery do Couto e Silva, como importante pea no novo ce

    nrio poltico, cenrio este que deveria ter como pano de fundo a

    imploso do partido oposicionista (4).

    Assim, nestes dois momentos, podem ser percebidas desde j,

    decises jurdicas politicamente condicionadas pelos interesses

    hegemnicos do momento (5). A abordagem da correlao de foras

    polticas subjacentes deciso e a insero da justia militar

    federal nesta correlao de foras, a fim de estabelecer a rela

    o entre a deciso judicial militar e o contexto poltico, com

    preenderia o aspecto latu seusu da relao Direito-Poltica.

    J o aspecto strictu sensu desta relao consistiria na an

    lise do papel da justia militar - que passaria a funcionar,

    nesta fase, como verdadeiro tribunal de exceo (6) - unindo ins

    trumentos tradicionais justia poltica com aqueles tradicio

    nais justia comum para realizar a operao de dar legitimidade

    a decises eminentemente polticas.

    2. Aspectos Metodolgicos

    Assim como MOLL afirmo que,

    5

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    "Acredito que as tentativas para se resolver um

    problema so em geral, determinadas pela forma como

    ele colocado, e justamente o esforo para enfocar

    objetivamente uma situao problemtica significa

    desde logo a prpria soluo: o mais so explica

    es e justificativas" (7)

    Para a elaborao deste trabalho foi utilizado, em linhas ge

    rais, o mtodo indutivo, colhendo informaes fragmentrias para

    chegar-se a formulaes gerais a respeito do tema.

    Todavia, como explanao paralela, faz-se necessrio informar

    que durante o desenrolar da pesquisa, tentei aplicar a categoria

    de pesquisa denominada de "estudo de caso. Apesar desta catego

    ria surgir vinculada a pesquisas onde de antemo j est dada uma

    dimenso apriorstica, nela encontrei alguns pontos de contato

    que auxiliaram o confronto de diferentes perspectivas de entendi

    mento do real (8) Vejamos: nesta categoria de pesquisa temos

    que o objeto uma unidade que dever ser analisada profundamen

    te. Assim que:

    "O caso sempre bem delimitado, devendo ter seus

    contornos claramente definidos no desenrolar do es

    tudo. O interesse, portanto, incide naquilo que ele

    tem de nico, de particular, mesmo que posterior

    mente venham a ficar evidentes certas semelhanas

    com outros casos e situaes." (9)

    6

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    Entre as caractersticas desta categoria de pesquisa que pos

    suem pontos de contato com o presente trabalho, salientam-se: o

    fato do pesquisador procurar manter-se atento a novos elementos

    que podero surgir como importantes durante o estudo, e dos tra

    balhos procurarem enfatizar a interpretao do contexto:

    "Um princpio bsico desse tipo de estudo que,

    para uma apreenso mais completa do objeto, pre-

    sico levar em conta o contexto em que ele se situa.

    Assim, para compreender melhor a manifestao geral

    de um problema, as aes, as percepes, os com

    portamentos e as interaes das pessoas devem ser

    relacionadas situao especfica onde ocorrem ou

    a problemtica determinada a que esto ligadas

    (10)

    Os estudos recorrem a uma variedade de fontes de informao

    procurando representar os diferentes e s vezes conflitantes pon

    tos de vista sobre uma situao e no relato utilizar uma lingua

    gem e vima forma mais acessvel que os outros relatrios de pes

    quisa.

    Este trabalho, encontra-se fundamentado, basicamente, na Le

    gislao aplicada aos acusados de participao no episdio ( Lei

    de Segurana Nacional nQ 1802, de 5/01/53; Cdigo Penal Militar;

    Cdigo de Processo Penal Militar; e Lei de Organizao Judici

    ria Militar); em peas dos autos do processo judicial-militar

    7

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    que envolveu os rus da "Operao Trs Passos" (denncia, senten

    a de 1 e 29 graus de condenao e sentena de 1Q e 2Q graus

    concernente anistia); nas entrevistas concedidas por partici

    pantes e testemunhas orgos da imprensa e a pesquisadores; em

    trabalhos monogrficos e em pesquisa bibliogrfica.

    Para a elaborao do captulo II, referente questo fti-

    ca, foi feita vima recomposio de relatos sobre o acontecimento,

    a partir de trs fontes bsicas: de participantes ativos do movi

    mento, de um exilado que participou das articulaes e planos no

    Uruguai considerado pelo processo judicial-militar como "lder

    intelectual" do movimento (tenente Jos Wilson da Silva) e da

    grande imprensa da poca. Cada uma destas fontes implica, mesmo

    quando apenas narram os acontecimentos, em posies ideolgicas

    bem definidas quanto ao ocorrido, o que de certa forma fica

    transparente em alguns, pontos daquele captulo .

    A elaborao do item 1 do captulo referente questo jur

    dica ("As repercusses jurdicas do episdio") foi feita com base

    na consulta a peas dos autos do processo judicial-militar, gene

    rosamente cedidas pelo ento ru Valdetar Antnio Dornelles, em

    razo da impossibilidade desta pesquisa ter acesso direto to

    talidade destes autos num prazo razovel, compatvel com as

    exigncias do curso. Isto porque, no incio deste ano de 1993,

    depois de inmeros telefonemas 5 Circunscrio de Justia Mi

    litar (CJM) de Curitiba, fui informada por funcionrios da mesma

    que este processo encontrava-se arquivado junto ao Superior Tri

    bunal Militar (STM), tendo naquele momento sido pedido vistas dos

    autos pelo dr. procurador da 5 CJM.

    8

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    Num contato telefnico posterior com o procurador, este

    afirmou-me que havia pedido vistas em razao das recentes denn

    cias feitas na imprensa pelo ex-agente da DOPS, Marival Chaves,

    envolvendo a atuao do ru Alberi Vieira dos Santos junto aos

    rgos de informao e que, caso eu desejasse ter acesso aos au

    tos deveria dirigir um ofcio ao juiz auditor esclarecendo minhas

    motivaGes acadmicas e solicitando vistas. 0 passo seguinte se

    ria o dr. juiz auditor - caso decidisse favoravelmente ao meu

    pedido - encaminh-lo ao STM. Se o STM decidisse positivamente,

    depois que os autos fossem entregues quela Corte pelo dr. procu

    rador, seria-me dado acesso aos autos. Ficou claro para mim na

    quele momento, que todo este procedimento, alm de nao neces

    sariamente implicar em que eu tivesse acesso aos autos, demanda

    ria uin tempo incompatvel com o exigido para a concretizao des

    te trabalho.

    3. Do contedo e da forma

    Conforme j foi entrevisto acima, este trabalho foi dividido

    em trs partes, respectivamente: a questo poltica, a questo

    histrica ou questo ftica e a questo jurdica.

    Esta diviso arbitrria, salientada pelo prprio ttulo do

    trabalho, foi aconselhada pelo professor orientador, tendo como

    objetivo salientar exatamente sua impossibilidade . Neste senti

    do o titulo funcionaria como um contra-discurso do texto propria

    mente dito. 0 contedo do texto demonstra que esta linha divis-

    9

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    ria tnue, movendo-se no decorrer da narrativa de um lado para

    o outro.

    A anlise da questo ftica ou histrica, coincide com o es

    tabelecimento dos antecedentes - ou seja, do contexto histrico-

    1 poltico que levou os exilados a elaborar e pr em a&o a "Opera

    o Trs Passos" - e com acontecimentos militares que envolveram

    a dita operao, finalizada com a priso dos revoltosos pelas

    foras leais ao governo militar.

    Neste captulo, deixo como pressuposto uma compreenso da

    Histria enquanto processo de construo humana, onde so poss

    veis inmeras vises, nenhuma delas abarcando a totalidade desta

    construo. Assim,.

    A Histria nunca Histria, mas sim Histria-pa-

    ra. Parcial mesmo quando nega a s-lo, permanece

    inevitavelmente parcial, o que ainda um modo de

    parcialidade. "(11)

    A questo poltica compreende uma narrativa do contexto geral

    que originou o golpe de 1964 e do regime instaurado com este gol

    pe, salientando-se os principais acontecimentos, as foras neles

    envolvidas, bem como as modifies do regime em funo das neces

    sidades histrico-polticas de cada momento. 0 perodo analisado

    abrange cerca de quinze anos, coincidindo com a instalao,

    consolidao do autoritarismo - que seria garantida pela cons

    tante modificao do regime militar, objetivando a sua permann-

    10

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    24/462

    cia no poder por um longo tempo (12) e a prpria manutena0 ^as

    Foras Armadas enquanto corporao - e incio da abertura, sa

    lientando-se todo o processo que envolveu a opo por um tipo de

    descompresso poltica gradativa que iria caracterizar-se pelo

    controle direto exercido pelo prprio regime em questo.

    Adotando um conceito de "poltica" enquanto "luta desenvol

    vida pelos diferentes grupos com o fim de participar do po

    der" (13), no decorrer da pesquisa, fica evidenciada a amplido

    desta categoria que termina por abarcar todos os espaos que

    deveriam ser especficos da histria e da instncia jurdica.

    J a questo jurdica abrange, alm da legislao aplicada

    aos revoltosos da "Operao Trs Passos", suas condenaes e pos

    terior concesso e no-concesso de anistia, operao ltima que

    envolveu uma verdadeira seletividade na aplicao da lei . Num

    segundo momento, amplio o referencial para abordar em linhas ge

    rais, o procedimento e a legislao de segurana nacional, apli

    cada pela justia militar federal, objetivando a diferenciao

    entre este tipo de justia e a justia comum, e marcando para

    tanto, suas caractersticas especficas que a vinculam mais que

    qualquer outro tipo de justia ao contexto poltico do momento.

    Trago aqui tambm noes gerais sobre interpretao da lei,

    o que possibilita a demonstrao de como todo o instrumental

    terico dos juristas esconde a natureza poltica de suas deci

    ses. Passando para uma rea que envolve a sociologia do Direito,

    trabalho as noes de legitimidade, o que permite ampliar o en-

    11

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    25/462

    foque da observao da aplicao do Direito ( ou seja, do seu

    funcionamento), para abranger seus resultados na obteno do con

    senso em uma Sociedade.

    > Saliento tambm, que a aprovao do presente trabalho acad

    mico no significar o endosso do Professor Orientador, da Banca

    Examinadora e do Curso de Ps-Graduao em Direito da Universida

    de Federal de Santa Catarina ideologia que o fundamenta ou nele

    exposta.

    NOTAS

    (1) Revista Manchete, 10/04/1965, Rio, ano 13, nS 677,

    (2) Sentena de 1Q grau - cf. anexos.

    (3) cf. anexos.

    (4) cf. cap. I.

    (5) Entendida hegemonia, conforme Gramsci, como direo cultu

    ral .

    (6) A definio corrente de Tribunal de Exceo a que o contra

    pe ao tribuna ordinrio; aquele que institudo em carter

    especialssimo para julgar questes excepcionalmente ocor -

    ridas ou suscitadas.

    (7)M0LL, Luiza H.M., "Direito Administrativo: Relaes Sociais e

    Espaos Polticos". Dissertao de Mestrado. Florianpo -

    lis, CPGD/UFSC, 1986. p.l

    12

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    26/462

    t

    (8)TRIVIftOS, Augusto N.S., Intr.gducaQ Pesquisa em Cincias So

    ciais. So Paulo, Ed. Atlas S.A., 1987. p.123.

    (9)LDKE, Menga & ANDR, Marli E.D.A. Pesquisa em Educaco: abor

    dagens qualitativas. E.P.U., So Paulo, 1986. p.17

    (10)id. pp.18/19;

    (11)LVI-STRAUSS, Claude, apud SILVA, Maria B. N. da. Teoria da

    Histria. S. Paulo, Cultrix, 1976.

    (12) cf. cap. I

    (13) cfe. FARIA, Jos E. "Sociologia Jurdica - Crise do Direito

    e Prxis Poltica" Rio, Forense, 1984. p. 40

    13

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    27/462

    CAPITULO I

    A QUESTO POLTICA: DO GOLPE MILITAR A ABERTURA POLTICA

    BRASILEIRA (1964-1979)

    "Esses gritos medonhos

    ao nosso redor s&o o

    que vocs chamam de

    silncio. "Werner HER-ZOG," 0 Enigma de Cas-

    par Hauser"

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    O golpe militar de 31 de maro de 1964 deu fim entaD frgil

    e nascente democracia brasileira, iniciando uma era de milita

    rizao do Estado e sufocamento da sociedade civil que perdura

    por quase trinta anos, se tivermos em mente a promulgao da

    Constituio de 1988.

    Antes de ver o golpe como sbito e intempestivo, a anlise da

    correlao de foras nos anos imediatamente anteriores nos mostra

    ter sido ele a resposta derradeira a uma crise institucional onde

    o golpismo surgia como uma forte alternativa.

    "Durante o ano de 1963, no Brasil, todo mundo conspi

    rava. Civis e militares, udenistas, petebistas, oper

    rios e camponeses, todos se reuniam em pequenos gru

    pos, as deshoras, disfaradamente ou nSo. E ningum

    pensava em sustentar o governo legal; pelo contrrio,

    todos se declaravam dispostos a tomar o poder, embora

    no soubessem como faz-lo ou que fazer depois com

    ele. No havia uma conspirao. Era uma poro de

    conspiraeszinhas, pequenos grupos a se reunirem em

    casas particulares, desde as pobres malocas do inte

    rior de Pernambuco ou do Rio Grande do Sul, aos luxuo

    sos apartamentos de Copacabana ou as ricas manses de

    Petrpolis, o que era muito mais distinto, preferidas

    1.1. 0 GOLPE DE 1964

    14

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    naturalmente pelo conspirador-aristocrata Jlio de

    Mesquita Filho.(1)

    0 projeto de estado de stio, apresentado por Jango em outubro de

    1963, demonstra que esta alternativa tambm era cogitada pelo go

    verno deposto em maro de 1964. Embora este projeto tenha sido

    rejeitado pelo Congresso, num momento subsequente, acabou por

    confirmar um temor dos setores contrrios ao governo: de que o

    presidente ao estimular a mobilizao popular, estaria preparando

    a instrumentalizao de um golpe de Estado. (2)

    Para um historiador marxista,

    "... o perodo 1960-1964 marca o ponto mais alto das

    lutas dos trabalhadores brasileiros neste sculo, at

    agora. O auge da luta de classes, em que se ps em

    xeque a estabilidade institucional da ordem burguesa

    sob os aspectos do direto de propriedade e da fora

    coercitiva do Estado. Nos primeiros meses de 1964 es

    boouse uma situao prrevolucionria e o golpe

    direitista se definiu, por isso mesmo, pelo carter

    contra-revolucionrio preventivo. A classe dominante

    e o imperialismo tinham sobradas razes para agir an

    tes que o caldo entornasse.

    A hegemonia da liderana nacionalista burguesa, a

    falta de unidade entre as vrias correntes, a compe

    tio entre chefias personalistas, as insuficincias

    15

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    organizativas, os erros desastrosos acumulados, as

    iluses reboquistas e as incontinncias retricas -

    tudo isto em conjunto explica o fracasso da esquerda.

    Houve a possibilidade de vencer, mas foi perdida."

    (3)

    Na viso de DREIFUSS, a articulao de foras que desencadeou

    o golpe de 1964 deve ser vista como de carter civil-militar:

    "A elite orgnica, durante a presidncia de Joo Gou

    lart, havia ajudado a conduzir o Estado brasileiro pa-

    ra uma situao em que uma interveno protoboha>ar-

    tista pelas Foras Armadas poderia ser encarada por um

    grande nmero de militares como uma soluo adequada

    para as contradies da sociedade e do governo brasi

    leiros. O complexo IPES/IBAD e os oficiais da ESG;or

    ganizaram a tomada o aparelho do Estado e estabelece

    ram uma nova relao de foras polticas no poder."(4)

    Esta viso do golpe militar seria contestada por GORENDER,

    j que sua aceitao implicaria numa mudana nas estratgias ge

    rais de luta contra o regime:

    "Deve ficar claro que a articulao golpista no visou

    conquista da hegemonia da frao multinacional-asso-

    ciada da burguesia, conforme pretende Dreifuss no seu

    16

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    1964: a conquista do Estado, incidindo em aplicaao

    equivocada da teoria de Gramsci. A articulao golpis

    ta teve em vista o oposto - a cessao do controle j

    ineficiente das classes subalternas por meio da ideo

    logia consensual d populismo e sua substituio pelo

    controle coercitivo extremado. Em termos gramscianos,

    tratava-se de realar o elemento da forca em detrimen

    to do elemento do consenso. Na execuo dessa revira

    volta, a frao modernizadora da burguesia agiu de ma

    neira que lhe coubesse a chefia de toda a classe bur

    guesa. (5)

    No cenrio internacional, o golpe de 1964, no Brasil, deve

    ser visto como o corolrio da poltica de guerra fria, surgida a

    partir do antagonismo Leste-Oeste, subseqente II Guerra Mun

    dial. A reao dos Estados Unidos a um provvel predomnio da

    Unio Sovitica sobre o mundo, configurou-se no plano ideolgico

    atravs de uma mudana de sentido na Doutrina de Segurana Nacio

    nal:

    ". ..o conceito de isolacionismo, fundamentado com ba

    se na Doutrina Monroe foi abandonado. A partir desse

    momento a segurana dos Estados Unidos estava ligada

    segurana do bloco ocidental, uma vez que com o clima

    permanente da guerra fria, um sistema de segurana

    isolado no era mais admissvel no mundo capitalista.

    (6)

    17

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    nesse sentido que durante esse perodo os Estados Unidos adota

    riam uma poltica de interveno e/ou apoio aos regimes militares

    latino-americanos comprometidos com o seu iderio.

    A vitria de Fidel Castro em 1959 e a entrada de Cuba na es

    fera de influncia da Unio Sovitica foram fatores que acir

    ram esta poltica.

    dentro deste contexto, que o Presidente Kennedy lana um

    projeto econmico e social denominado de "Aliana para o Progres

    so. Com ele, os Estados Unidos se propunham a auxiliar economi

    camente os pases capitalistas dependentes, cujas contradies no

    seu desenvolvimento pudessem ensejar focos de subverso.

    Implcita a situao de dependncia, est o fato destes pa

    ses possurem o seu desenvolvimento capitalista local, vinculado

    expanso de todo um sistema capitalista mundial, e de, conse

    qentemente, no controlarem o seu processo de desenvolvimento -

    em mos de protagonistas e instituies externas si prprios

    "Dessa maneira, a dependncia implica o desenvolvimen

    to de classes clientelisticaa". cujos interesses as

    soe iam- se , por meio da propriedade conjunta e de meca

    nismos formais de cooperao, ao capital estrangeiro,

    e que portanto apiam ativamente a penetrao interna

    cional da economia nacional. A essncia do capitalismo

    dependente s pode ser compreendida, assim no contexto

    das relaes de dominao que caracterizam o sistema

    internacional.

    18

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    O desenvolvimento dependente e os especficos in

    teresses internacionais e nacionais a ele associados

    formam o Pano de fundo indispensvel avaliaaQ

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    A interveno ideolgica da Doutrina de Segurana Nacional

    norte-americana, nos pases de capitalismo dependente, no impli

    cava numa estratgia para a segurana coletiva tendo em vista

    apenas a defesa do inimigo externo, mas tambm a organizao mi

    litar contra a subverso interna.

    No quadro desta poltica e sob a influncia das teo

    rias do general Maxel Taylor (guerras limitadas), a

    formao de foras especiais e no convencionais tomou

    um lugar muito importante na defesa coletiva.

    A partir de 1961, diversos centros de instruo

    foram criados, nos quais a formao ideolgica era to

    importante quanto a formao estritamente militar. Os

    centros tinham por misso no de formar unidades espe

    cializadas na luta antiguerrilha, mas tambm de ini

    ciar a maioria dos oficiais latino -americanos con

    cepo de segurana interna e ao cvica. Paralela

    mente aos centros de treinamento, as misses militares

    norte-americanas controlavam os programas de assistn

    cia militar."(8)

    Dentro de todo este contexto, no Brasil,

    "A tomada do poder de Estado foi precedida de uma bem

    orquestrada poltica de desestabilizao que envolveu

    corporaes multinacionais, o capital brasileiro asso-

    20

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    ciado-dependente, o governo dos Estados Unidos e mili

    tares brasileiros - em especial um grupo de oficiais

    da Escola Superior de Guerra (ESG). Documentos recentemente tornados pblicos demonstram que o governo

    norte-americano atravs da CIA, agiu em coordenao

    com civis e oficiais militares - membros das classes

    clientelisticas - no preparo e realizao de planos

    para desestabilizar o governo Goulart. A conspirao

    foi levada a efeito atravs de instituies civis de

    fachada, em especial o Instituto Brasileiro de Ao

    Democrtica (IBAD) e o Instituto de Pesquisa e Estudos

    Sociais (IPES). A Escola Superior de Guerra coordenava

    as iniciativas de conspiradores civis e militares. A

    necessria justificao ideolgica da tomada do Estado

    e da modificao de suas estruturas para impor uma va

    riante autoritria foi encontrada na DSN..."(9)

    Este "complexo poltico-militar" (10), constitudo por

    IPES/IBAD e posteriormente pela ESG, tinha como objetivos agir

    contra o governo nacional-reformista de Jango e tambm contra o

    alinhamento de foras sociais que apoiavam a sua administrao.

    O IPES apresentava uma dupla face poltica: uma pblica, onde

    surgiam "respeitveis homens de negcio" e intelectuais preocupa

    dos em estudar as reformas propostas por Jango e outra encober

    ta, coordenadora de uma complexa campanha ideolgica.

    J o IBAD, junto com outras organizaes subsidirias, atua

    21

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    vam como unidades tticas do IPES, rgo centralizador das opera

    es. Saliente-se a posio de superioridade do IPES, que difi

    cilmente era atingido por algum reflexo dos insucessos das orga

    nizaes que controlava.

    No perodo anterior ao golpe, o IBAD teve uma atuao to ex

    plcita, corrompendo o Poder Legislativo e a rea militar, que

    chegou a gerar um inqurito no Exrcito e duas CPIs no Legislati

    vo. Os depoimentos na segunda CPI foram to concludentes que o

    governo decretou o fechamento deste instituto, antes mesmo das

    concluses da Comisso.

    "Embora fundado em 1959, sua existncia passara desa

    percebida, pois que funcionava abertamente mas em ab

    soluto sigilo, nos bastidores. Compunha-se de uma di

    retoria de quatro ou cinco membros, mas na qual somen

    te um mandava, o seu presidente, um tal Ivan Hasslo-

    cher. Esse Instituto no tinha scios nem contribuin

    tes conhecidos. Sua atividade consistia em fornecer

    dinheiro e outros meios materiais tais como peruas.

    faixas, cartazes de propaganda e mais o que fosse ne

    cessrio para ajudar a eleio de determinados candi

    datos a postos eletivos em todo o pas. A princpio,

    somente interessavam deputados, senadores, e mesmo go

    vernadores. Mais tarde pretendia o IBAD penetrar nas

    Assemblias Legislativas e mesmo nas Cmaras Munici

    pais. Essa ajuda era, porm, condicionada a uma decla

    22

  • 8/12/2019 Dissertsacao 3 Passos

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    rao do candidato, devidamente assinada, que dizia:

    "Compromento-me, se elito, a seguir a orientao

    ideolgica do IBAD". ". (11)

    Segundo BASBAUM, se a CPI tivesse ido at o final, teria aca

    bado por perceber a vinculao de Ivan Hasslocher com a CIA.

    Uma importante tarefa desenvolvida pelo complexo

    ESG/IPES/IBAD antes de 31 de maro foi a implantao de uma rede

    de informaes concomitantemente ao desenvolvimento de uma sofis

    ticada Doutrina de Segurana Nacional, imprescindveis para um

    Estado centralizado. Esta operao foi desenvolvida por oficiais

    da ESG, conjuntamente com o IPES, salientando-se a atuao de

    Golbery do Cout e Silva. 0 fato que s vsperas do golpe, este

    grupo estava de posse de um amplo dossi de informaes sobre

    mais de 400.000 cidados brasileiros" (12).

    Todavia, se o papel dos Estados Unidos na desestabilizao do

    governo constitucional brasileiro era conhecido desde a poca

    dos acontecimentos , a possibilidade de sua atuao no sentido de

    uma interveno direta, apoiando os golpistas, ficou durante mui

    to tempo obscura para a maior parte da populao.

    0 tema era objeto de debates, salientando-se posies como a

    do brasilianista Thomas Skidmore, que passara a noite de 31 de

    maro hospedado com o embaixador Lincoln Gordon e, negava qual

    quer interferncia do governo norte-americano nos acontecimentos

    deste dia. SKIDMORE reconhecia que havia de parte deste para com

    os rebeldes solidariedade e simpatia, mas nunca a possibilidade

    de uma invasSo como a ocorrida no Panam (13).

    23

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    Esta questo ficou definitivamente esclarecida com o decurso

    do prazo legal de "classificao" dos documentos que marcavam a

    passagem do Presidente Johnson pela Casa Branca- No ano de 1977,o jornalista brasileiro CORREA teve acesso a eles numa biblioteca

    do Texas (14). Entre estes documentos 17 comunicados do Estado

    -Maior Conjunto norte-americano registram a operao militar que,

    no dia 31 de maro de 1964 foi acionada para funcionar como apoio

    estratgico aos golpistas.

    "Ela tinha um nome em cdigo - Brother Ram (Irmo

    Sam). Mobilizou um porta-avies, seis destriers, um

    navio para transporte de helicpteros quatro petro

    leiros. E ainda seis avies de carga,* oito de abaste

    cimento , um de comunicaes, oito caas e um posto de

    comando aerotransportado. Previu embarques de munio

    e um reforo de carabinas calibre 12 carregado para

    Porto Rico.

    O Comando-Geral da operao foi entregu ao Gene-a

    ral-de-Diviso George S. Brown e de seus detalhes a

    Casa Branca tomou conhecimento atravs de um breve me

    morando endereado ao Assessor Especial de Segurana

    Nacional, McGeorge Bundy. A Brother Sam no entrou em

    ao efetiva: foi gradualmente desmobilizada a partir

    do dia 2 de abril, quando ainda se encontrava distante

    do ponto da costa brasileira para a qual se dirigia:

    Santos, no Brasil. Os navios deveriam chegar entre 8 e

    11 ao objetivo da misso." (15)

    24

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    Em 1964, a perspectiva de uma interveno direta do governo

    norte-americano era uma realidade. No entanto, a mobilizao daoperao "Brother Sam" ficou para a histria como uma precauo

    desnecessria, pois a conspirao civil-militar brasileira havia

    sido vitoriosa no intento de depor o presidente constitucional.

    Este golpe de Estado marca o final de um processo gradual,

    iniciado em 1945, em que a democracia deixava de ser mera forma

    lidade e tambm o final de uma poltica determinada de governo: o

    populismo.

    Embora o populismo - surgido como poltica de governo com a

    ascenso de Vargas em 1930 - configure-se, no dizer de DREIFUSS,

    enquanto "bloco histrico construdo pelas classes dominantes

    dentro das condies particulares do Brasil"(16), trata-se de um

    fenmeno complexo que desencadeia conseqncias sobre a populao

    como um todo.

    Em realidade, o populismo algo mais complicado que

    a mera manipulao e a sua complexidade poltica no

    faz mais que ressaltar a complexidade das condies

    histricas em que se forma. 0 populismo foi um modo

    determinado e concreto de manipulao das classes po

    pulares mas foi tambm um modo de expresso de suas

    insatisfaes. Foi, ao mesmo tempo, uma forma de es

    truturao do poder para os grupos dominantes e a

    principal forma de expresso poltica da emergncia

    25

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    popular no processo de desenvolvimento industrial e

    urbano. Foi um dos mecanismos atravs dos quais os

    grupos dominantes exerciam seu dominio mas foi tambmuma das maneiras atravs das quais esse dominio se en

    contrava potencialmente ameaado. Esse estilo de go

    verno e de comportamento poltico essencialmente am

    bguo e, por certo, deve muito ambiguidade pessoal

    desses polticos divididos entre o amor ao povo e o

    amor ao poder."(17)

    Assim, por sua prpria natureza de apelo direto massa de

    eleitores, este fenmeno desperta para a participao poltica as

    massas nos setores urbano e rural. Como conseqncia ocorre uma

    diminuio no raio de ao das operaes de elite.

    No caso brasileiro, como decorrncia da forma populista de

    governo, vemos surgir, alm das massas populares, os interesses

    multinacionais e associados. Estas duas foras opostas exigiam do

    Estado uma participaa0 mais efetiva, distinta do mito do Estado

    neutro, desenvolvido pela administao de Kubitschek. Os interes

    ses multinacionais e associados estimularam a criao de uma ad

    ministrao paralela e foram endossados em seu projeto por uma

    parcela da elite nativa, representada pela UDN e pelos "ideais

    antipopulares" e modernizantes da Escola Superior de Guerra. J

    as classes trabalhadoras industriais, fizeram do Congresso uma

    plataforma de seus interesses opondo-se ao bloco oligrquico in

    dustrial e contra os interesses multinacionais e associados.

    26

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    Entendida a democracia como "conjunto de instituiOes que re

    gulam os confitos e processam as demandas da sociedade",(18)

    constatamos ter ela propiciado o ambiente para o embate destasduas foras, no interregno que vai de 1945 a 1964.

    Sao estes conflitos, emergentes graas incipiente democra

    cia instaurada em 1945, os que estabelecem uma verdadeira "crise

    institucional" na dcada de sessenta, latente nas tentativas de

    golpear esta ordem democrtica e que teriam como soluo o regi

    me militar instaurado em 1964. Os trs primeiros golpes foramdesbaratados, sucessivamente, atravs do suicdio de Vargas; de

    v

    um contra-golpe preventivo garantidor da ordem legal efetuado pe

    lo Marechal Teixeira Lott; e por uma soluo conciliatria repre

    sentada pela instituio do parlamentarismo no pas . A quarta

    tentativa de golpe seria a derradeira, por ter prosperado m seu

    intento de interromper a ordem democrtica, fazendo prevalecer os

    interesses multinacionais e associados.

    Quando, em 1960, a coligao partidria encabeada pela UDN

    derrota o PSD-PTB, alando Jnio Quadros presidncia da Rep

    blica, parecia que finalmente iriam prevalecer os interesses

    multinacionais com os quais aquele partido possua uma grande

    afinidade.

    0 pas que Jnio encontrou ao assumir a presidncia, em 12 de

    janeiro de 1961, convivia com uma inflao e uma dvida externa

    explosivas, seu dficit oramentrio havia crescido de cento e

    noventa e trs para seiscentos bilhes de dlares, herana do

    crescimento econmico vivido durante o perodo Kubitscheck

    (1956-1960).

    27

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    Uma das versOes existentes sobre sua renncia pretende ver

    neste ato uma tentativa fracassada de Jnio de provocar uma rea

    o de apoio que o reinstalasse na presidncia com plenos poderes. Esta possibilidade no chegou nem a ser cogitada - como se o

    pas tivesse cansado das excentricidades do presidente - a Cons

    tituio deveria ser obedecida, assumindo o vice-presidente Joo

    Goulart, naquele momento, em viagem diplomtica na China.

    Todavia, esta situao configurava-se como altamente desfavo

    rvel para o bloco multinacional e associado, em razo da prtica

    poltica de Joo Goulart lev-lo automaticamente para uma lide

    rana do bloco nacional-reformista. Assim, lanada uma campanha

    a fim de conseguir um novo arranjo poltico que expressasse os

    interesses ameaados. Neste sentido, o "Manifesto Nao", emi

    tido pelos ministros militares de Jnio em 28 de agosto, expondo

    s razes que impediam a posse de Joo Goulart, representava uma

    manifestao destas foras, que acabaram por lanar o pas em uma

    complicada crise poltica conhecida historicamente como "Campanha

    da Legalidade".

    Descrevendo os acontecimentos deste perodo, BASBAUM afirma

    que o memorial chocou mais a populao que a prpria renncia de

    Quadros. De imediato o pas dividiu-se em dois: a imprensa ude-

    nista e muitos parlamentares endossam a posio dos chefes mili

    tares; ferrovirios paralisam suas atividades em sinal de apoio

    legalidade. Partidrios de Jango ameaam a Embaixada Americana e

    iniciam o empastelamento de jornais favorveis a uma interveno

    militar. Por ordem de Carlos Lacerda, so feitas centenas de pri

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    ses de pessoas contrrias ao golpe, inclusive a do marechal re

    formado Teixeira Lott. Dentro das FFAA ocorrem tentativas de in

    subordinao .A maior reao ocorreria no Rio Grande do Sul, liderada pelo

    ento governador Leonel Brizola, que alm de ser do mesmo partido

    do vice-Presidente (PTB) era cunhado do mesmo. Num clima em que a

    populao ia para as ruas disposta a lutar fisicamente pela posse

    de Jango, as emissoras de rdio formam uma "Rede da Legalidade"

    que permanentemente irradiava discursos contra o golpe. Finalmen

    te, com a deciso do Comandante do III Exrcito (general Jos Ma

    chado Lopes) apoiada pela Brigada Militar do Rio Grande do Sul,

    favorvel ao cumprimento da Constituio, "quebra-se o dispositi

    vo do golpe" (20)

    Em 4 de setembro encontrada vima sada institucional cri

    se, atravs de vuna emenda constitucional que institua o regime

    parlamentarista a fim de reduzir os poderes presidenciais. Assu

    mia Joo Goulart como Presidente, tendo como primeiro-ministro

    Tancredo Neves.

    WEFFORT estabeleceu uma caracterizao da histria do governo

    Goulart (setembro de 1961 abril de 1964), dividindo-a em trs

    etapas. A primeira, iniciada em setembro de 1961 vai at janeiro

    de 1963 e possui como eixo central a questo da liquidao do

    parlamentarismo, objetivo de Jango neste momento. Com o fim do

    parlamentarismo inicia-se a segunda fase, que vai at o ms de

    junho de 1963 e tem como caracterstica fundamental,a tentativa

    de implantao da orientao econmica expressa no Plano Trie-

    30

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    nal. Finalmente, na ltima fase, embora o governo permanea com

    prometido com o Plano Trienal, ele aproxima-se cada vez mais de

    uma poltica de reformas estruturais (21).Na tentativa de renegociar o pagamento da dvida externa, em

    abril de 1962 Jango faz uma viagem Washington. 0 governo ameri

    cano estabelecia as seguintes condies para renegociar a dvida:

    o rompimento das relaes diplomticas com Cuba, liberdade de re

    messa de lucros e dividendos para as empresas americanas no Bra

    sil, a compra da AMFORP (conjunto de empresas americanas de ser

    vios eltricos no Brasil), e um compromisso de no estabelecer

    relaes diplomticas com o leste europeu.

    Se Jango aceitasse estas condies, teria de alterar total

    mente o rumo de sua poltica. Inicialmente, no poderia sancionar

    a lei de remessa de lucros, aprovada em novembro de 1961. Desta

    maneira, no seria Jango quem iria renegociar a divida.

    nesta primeira fase de seu governo, que comea a consoli

    dar-se o temor dos grupos oposicionistas de que Jango liderasse

    um bloco nacional-reformista. Foi um momnto frtil para a orga

    nizao da classe trabalhadora que consegue evoluir para formas

    de organizao efetivas.

    "A descentralizao do sistema poltico e econmico

    deu aos Estados real autonomia decisria, o que ficou

    particularmente patente em Pernambuco, durante a ges

    to de Miguel Arraes, e no Rio Grande do Sul, com a

    gesto de Leonel Brizola. Embora continuasse a expan-

    31

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    nal. Finalmente, na ltima fase, embora o governo permanea com

    prometido com o Plano Trienal, ele aproxima-se cada vez mais de

    uma poltica de reformas estruturais (21).Na tentativa de renegociar o pagamento da dvida externa, em

    abril de 1962 Jango faz vima viagem Washington. 0 governo ameri-

    cajno estabelecia as seguintes condies para renegociar a dvida:

    o rompimento das relaes diplomticas com Cuba, liberdade de re

    messa de lucros e dividendos para as empresas americanas no Bra

    sil, a compra da AMFORP (conjunto de empresas americanas de ser

    vios eltricos no Brasil), e um compromisso de no estabelecer

    relaes diplomticas com o leste europeu.

    Se Jango aceitasse estas condies, teria de alterar total

    mente o rumo de sua poltica. Inicialmente, no poderia sancionar

    a lei de remessa de lucros, aprovada em novembro d 1961. Desta

    maneira, no seria Jango quem iria renegociar a dvida.

    nesta primeira fase de seu governo, que comea a consoli

    dar-se o temor dos grupos oposicionistas de que Jango liderasse

    vim bloco nacional-reformista. Foi um momnto frtil para a orga

    nizao da classe trabalhadora que consegue evoluir para formas

    de organizao efetivas.

    "A descentralizao do sistema poltico e econmico

    deu aos Estados real autonomia decisria, o que ficou

    particularmente patente em Pernambuco, durante a ges

    to de Miguel Arraes, e no Rio Grande do Sul, com

    gest3o de Leonel Brizola. Embora continuasse a expan-

    31

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    dir-Be o poder do capital multinacional e dos setores

    nacionais a ele associados, grupos cada vez melhor or

    ganizados exigiam participao e uma reforma da alta

    mente distorcida estrutura social brasileira." (22)

    Em Pernambuco, o governo popular de Miguel Arraes que em

    pouco tempo conseguira derrotar os latifundirios legalmente,

    propicia a organizao da populao rural, em grupos como os de

    Francisco Julio:

    "Se a estrela de Arrais brilhava, a de Julio murchava

    a sua luz. Ao abandonar a linha legalista, passou a

    pregar a reforma agriria 'na lei ou na marra, com flo

    res ou com sangue'. A 21 de abril de 1962, lanou em

    Ouro Preto o Movimento Revolucionirio Tiradentes

    (MRT)."(23)

    J no Rio Grande do Sul, o prprio governo de Brizola quem

    planejou uma reforma agrria, organizando camponeses para execu

    t-la. Dentro de uma linha nacionalista, o governo encampou a

    mpresa norte-americana que explorava os servios de luz no Esta

    do, a "Bond and Share, subsidiria da AMFORP.

    Para recuperar os plenos poderes do presidencialismo, Jango

    teve que fazer um jogo muito cauteloso: urgia antecipar a reali

    zao do plebiscito previsto para o ano de 1965 sem desgastar-se

    politicamente durante este perodo anterior. Para tanto, procla

    mou a ingovernabilidade do pas sob um regime parlamentarista.

    32

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    o/zi*. O t o - O

    Finalmente, antecipada a data do plebiscito para 13 de ja

    neiro de 1963. Neste dia, a populao comparece maciamente as

    urnas, vencendo o presidencialismo com cerca de 80% dos votos v

    lidos.

    Com o plebiscito inaugura-se uma nova fase de tentativa de

    implementao de uma poltica econmica. SKIDMORE afirma que,

    neste momento, Jango deparou-se com um dilema: ou prosseguir den

    tro de uma linha moderada, ou exercer o papel populista, dinmico

    que seu passado lhe conferia (24).

    Pouco antes do plebiscito, Jango havia encarregado Celso Fur

    tado de organizar um plano que detivesse a inflaSo sem acabar

    com o desenvolvimento. Quando de sua implementao prtica, veri-

    ficou-se que era impossvel conciliar a manuteno da reserva

    emissria necessria para conter a inflao e uma poltica econ

    mica em que o Estado era obrigado por presses da populao a in

    jetar constantemente moeda no mercado.

    Sem poder implementar o seu Plano Trienal, Jango via-se acos

    sado pela direita, cujo porta-voz mais eficiente era o governador

    Carlos Lacerda, da Guanabara, e pela "esquerda", onde sobressaa-

    se o ento deputado federal pela Guanabara, Leonel Brizola. Neste

    momento Brizola acabava de lanar a idia de ampliao da Frente

    de Mobilizao Popular, pretendendo aglutinar UNE, CGT, etc., om

    o objetivo de dar incio luta revolucionria pela libertao

    nacional.Na viso de GORENDER, Brizola,

    "... ambicionava a Presidncia da Repblica e percebia

    33

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    gue Jango lhe cortava o caminho- Brizola apelou para a

    organizao do Grupo dos Onze - veladamente, grupos de

    ao armada - e desfechou uma campanha para ocupar a

    pasta da Fazenda. A resposta de Jango veio com a subs

    tituio de Carvalho Pinto pelo pfio negocista Ney

    Galvo. (25)

    Em setembro de 1963, amotinam-se os sargentos da Marinha e da

    Aeronutica das guarnies de Braslia, revoltados contra uma de

    ciso jurdica que lhes negava o direito de serem eleitos. Esta

    revolta reflete o profundo descontentamento que grassava entre os

    suboficiais e praas e significou a prpria subverso na hierar

    quia, situao que ameaava a unidade das FFAA. Apesar do governo

    haver debelado a revolta - anistiando posteriormente os revol

    tosos - por pretender punies mais rigorosas, a oficialidade se

    indispe com o Presidente.

    No momento anterior ao golpe de 1964, as FFAA estavam longe

    de possuir a propalada unidade ideolgica. Havia comunistas de

    vrias cepas; nacionalistas "progressistas"; nacionalistas pen

    dentes a um determinado tipo de populismo, embora ferozmente an

    ticomunistas, dentre outros. As eleies do Clube Militar, antes

    de 1964, haviam dado a vitria a grupos democrticos e partid

    rios das reformas estruturais propostas por Jango.

    Mas havia ainda outras divises como as agrupadas no denomi

    nado "grupo da Sorbonne", representativo da intelectualidade das

    FFAA. Este grupo refletia as transformaes ocorridas na esfera

    34

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    do ensino nas escolas militares, da Escola Superior de Guerra

    (ESG) e da Escola do Estado Maior, com o abandono progressivo da

    Filosofia e da Literatura e sua substituio pela Histria doBrasil,e dos problemas polticos e econmicos brasileiros, sobre

    tudo a questo da segurana nacional. A doutrina de segurana na

    cional pregada no Brasil, atravs da influncia da teoria de se

    gurana norte-americana, abandonava gradativamente sua definio

    defensiva e voltava-se para o combate a um inimigo interno.

    "Esse novo conceito de 'segurana nacional' criou a

    necessidade do fortalecimento do poder__central.com

    militarizao de todo o Pas, dado que essa seguran

    a nacional pressupe um governo total e umamobili-

    zao totalde todas as foras, inclusive as civis,

    e prev mesmo a distribuio de gneros alimentcios

    e outros entre as populaes rurais, como parte da

    estratgia, para neutralizar e impedir que se aliem

    aos guerrilheiros.(26)

    Quando este grupo, m 1964, ascende ao poder, est munido de

    um amplo programa de reformas destinadas a remover os obstculos

    expanso do capitalismo no pas, elaboradas pelo complexo

    ESG/IPES/IBAD.

    Havia tambm um grupo, denominado "linha dura", com existn

    cia potencial naquele momento, pois s iria constituir-se organi

    camente depois do golpe. Era composto por oficiais nacionalistas

    35

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    no-comunistas que depois se transformariam em ardorosos antico

    munistas .

    Um ms aps a revolta dos sargentos, Jango envia ao Congresso

    vima mensagem, pedindo a decretaco do Estado de Stio, a fim de

    conter as agitaes que intranqilizavam o pas, impedindo-o de

    governar.

    "A finalidade desse estado de stio era, principalmen

    te intervir na Guanabara, afastar Carlos Lacerda do

    Governo, fechar o jornal 'Tribuna da Imprensa' e, pos

    sivelmente outros jornais, mas eis que se levanta uma

    nova onda contra ele partindo de todos 03lados, da

    direita e da esquerda. At os comunistas foram contra.

    E Miguel Arrais, um dos poucos homens respeitveis que

    ainda restavam s foras de esquerda do pas, naquela

    conjuntura tambm vetou: era contra, pois acreditava

    que o projeto do estado de stio visava principalmente

    sua cabea. Tudo n&o seria mais do que um projeto de

    barganha com a direita; a cabea de Lacerda contra a

    cabea de Arrais." (27)

    A negativa do Congresso, a falta de apoio dos setores popula

    res para vima poltica de governo mais moderada, a impossibilidade

    de governar com um Congresso onde no detinha a maioria e a opo

    sio das FFAA, que j conspiravam para dep-lo, levam Jango para

    a nica alternativa que lhe parecia possvel no momento: a radi-

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    calizao, o apelo direto ao povo, atravs de decretos-leis popu

    lares que atendessem s suas reivindicaes.

    "As Reformas de Base do Presidente Goulart tinham como

    principais metas os seguintes pontos: reforma agrria,

    com emenda do artigo da constituio que previa a in

    denizao prvia em dinheiro; reforma poltica, com

    extenso do direito de voto aos analfabetos e praas,

    segundo a doutrina de que os alistveis devem ser ele

    gveis: reforma universitria, assegurando plena li

    berdade de ensino e abolindo a vitaliceidade de cte

    dra; reforma da Constituio para delegao de poderes

    legislativos ao Presidente da Repblica; e consulta

    vontade popular, atravs de plebiscito, para o refe

    rendum das Reformas de Base.

    Evidentemente__que essas reformas no tinham qual

    quer cunho soclalizante,aocontrrio elas visavam.so

    bretudo modernizar o capitalismo brasileiro dando-lhe

    uma maior autonomia e no permitir que houvesse um au

    mento de tenses nas ZQnaa_mr_ais." (28)

    A aproximao do governo com esta poltica, expressa no fa

    moso comcio de sexta-feira 13 (13/03/1964), junto Estao Cen

    tral do Brasil, no Rio de Janeiro. Ele reflete o rompimento defi

    nitivo do precrio compromisso que mantinha o regime populista.

    A tenso aumenta ainda mais, quando em 25 de maro, ocorre a

    37

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    (

    "revolta dos marinheiros": 1.200 marinheiros, liderados pela As

    sociao dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, protestam contra as

    punies de diretores da associao pelo Ministrio da Marinha. A

    posio do governo, favorvel aos insurretos, tem um reflexo ne

    gativo nos escales superiores das FFAA. Oficiais passam a criti

    car abertamente o governo.

    Em 30 de maro, discursando no Automvel Clube do Rio de Ja

    neiro, Goulart reafirmaria sua poltica de reformas e responderia

    s crticas a ele feitas pelos oficiais das Trs Armas.

    Foi dentro de todo este quadro que se viabilizou a conspira

    o para a deposio de Jango. Ela pode ser caracterizada como

    uma rede onde atuavam no s os militares, mas tambm civis: em

    presrios, atravs do IPES; partidos polticos; entidades como a

    Campanha da.Mulher Democrtica (CAMDE), Fraterna Amizade Urbana e

    Rural (FAUR), Unio Cvica Feminina (UCF), Sociedade Rural Brasi

    leira (SRB) e outras. Neste perodo crtico, estas entidades ar

    ticularam, nas principais cidades do pas, passeatas intituladas

    "Marchas da Famlia com Deus pela Liberdade", onde manifestavam

    sua inconformidade com o rumo dos acontecimentos.

    Anunciando bombasticamente em entrevistas, ainda no ano de

    1963, a queda do Presidente, ia o Governador Lacerda, como que

    "comandando a parada" composta por todos estes setores que viam o

    golpe como a nica soluo para seus problemas.

    Em janeiro de 1964, o chefe do Estado Maior das Foras Arma

    das e tambm da faco "sorbonista", general Castello Branco,

    elabora e distribui um documento reservado, entre a oficialidade:

    38

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    o LEEX (Lealdade ao Exrcito).Neste documento, por um lado, era

    declarada expressamente a no-inteno de derrubar o governo, e

    por outro, em suas entrelinhas, admitia-se esta possibilidade,

    prepar.ando o esprito dos comandos militares para quando chegasse

    a ocaaio.

    Um dos grupos conspiradores tinha sua localizao geogrfica

    em Juiz de Fora, Minas Gerais, sede da 4a Regio Militar, coman

    dada pel general Olympio Mouro Filho. Conspirava com ele o ge

    neral Carlos Lus Guedes, que servia na mesma regio, ambos sob a

    inspirao do marechal reformado Odilo Denis, e a complacncia do

    Governador Magalhes Pinto.

    "Faltava apenas algum que tivesse a coragem de amar

    rar a campainha no rabo do gato. E faltava um pretex

    to . como queria Magalhes Pinto. Desejavam algo que

    "chocasse o povo", que criasse uma oportunidade, , um

    clima psicolgico de tenso, para 'partir', na expres

    so de outro conspirador eminente, o general Olimpio

    Mouro."(29)

    O discurso de Jango no Automvel Clube-, transformar-se-ia no pre

    texto esperado para desencadear o golpe, j aguardado pelos Es

    tados Unidos desde o dia 27 de maro,(30)

    A primeira atitude dos golpistas foi a elaborao, pelo gene

    ral Olympio, de um manifesto: "A Nao e as Foras Armadas". Ne

    le, .autodenominando-se "Comandante das Foras de Defesa da Demo

    39

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    cracia do Estado de Minas Gerais, o general acusava Jango de ser

    chefe de um governo comunista que precisava ser afastado do po

    der. 0 manifesto foi tornado pblico por Magalhes, enquanto o

    general Antnio Carlos Muricy comandava um destacamento de van

    guarda rumo Guanabara.

    Tomando conhecimento do que se passava em Minas, Jango atra

    vs de um ato puramente formal exonera os generais Mouro e Gue

    des, ordenando a um destacamento comandado pelo general Cunha Me

    lo que se dirija para l a fim de combater os inssurretos.

    Posteriormente, o ainda Presidente, contacta o comandante do

    IV Exrcito, recebendo informaes falsas a respeito de sua si

    tuao. Depois de outros contactos com militares, finalmente Jan

    go conversa com o Gen. Kruel, que coloca como condio para

    apoi-lo, uma proclamao anticomunista e contra a CGT do prprio

    Presidente. Jango no aceita condies.

    Aproveitando-se da confuso instaurada, aglutinam-se as for

    as anti-Jango, perdendo o governo o controle da situao no es

    tado da Guanabara.

    Jango ainda ir a Braslia, na expectativa de organizar uma

    resistncia. Apesar de populares sarem s ruas para apoi-lo,

    no h nenhum apoio na rea militar.

    De Braslia, o Presidente embarca para Porto Alegre, onde

    Brizola conseguira a adeso do general Ladrio, comandante do III

    Exrcito para uma eventual resistncia e o governador Meneghetti,

    temendo as forcas brizolistas, refugia-se no interior do estado.

    L havia sido reativado o clima da "Campanha da Legalidade" e a

    40

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    populao invadia as ruas manifestando-se a favor do presidente.

    Neste mesmo momento, no Congresso Nacional, o senador Moura An

    drade declarava vago o cargo de Presidente da Repblica

    Dissuadindo aqueles que pretendiam que ele resistisse ao gol

    pe, Joo Goulart decide embarcar para o Uruguai.

    Muito se especulou sobre a possibilidade de uma reao de

    Jango ao golpe e sobre o por qu dela no ter ocorrido. Para BAS-

    BAUM, Jango desejava a sua prpria deposio.

    "Pode-se perguntar: em que momento preciso lhe veio a

    idia de desistir e querer ser deposto? Talvez viesse

    de longe, de algumas semanas ou mesmo meses, desde que

    renunciou ao projeto de estado de stio, combatido que

    foi pelos seus prprios amigos. Mas era, ainda uma

    idia vaga, apenas, um cansao de uma luta desigual.

    Acreditamos que a deciso de cessar a resistncia lhe

    veio na festa dos sargentos no Automvel Clube, na

    noite de 30 de maro. Foi ento que compreendeu que

    no liderava nada, que era apenas um instrumento de

    seus 'amigos' que o arrastavam para um futuro imprevi

    svel, numa torrente que no mais poderia deter."(31)

    1.2. A C0NS0LIDAA0 DA DITADURA

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    Nos momentos seguintes ao golpe, desencadeou-se uma explosi

    va campanha de busca e deteno de opositores, efetuada conjunta

    mente por Exrcito, Marinha e Aeronutica- Estas operaes eram

    denominadas de "varredura com pente fino.

    "Ruas inteiras eram bloqueadas e cada casa era subme

    tida a busca para a deteno de pessoas cujos nomes

    constavam de listas previamente preparadas. O objetivo

    era 'varrer' todos os que estiveram ligados ao governo

    anterior, os partidos polticos considerados comunis

    tas ou altamente infiltrados por comunistas e os movi

    mentos sociais do perodo anterior a 1964. Especial

    mente visados eram os lderes sindicais e estudantes,

    intelectuais, professores, estudantes e organizadores

    leigos dos movimentos catlicos lias universidades e no

    campo."(32)

    Como conseqncia destas operaes, que visavam uma estrat

    gia geral de intimidao, a esquerda iria dispersar-se, acabando

    por procurar uma rearticulao na clandestinidade.

    A nvel de governo formaram-se, logo aps a queda de Jango,

    dois poderes paralelos: um civil, representado pelo Congresso que

    havia decretado a vacncia antes da hora do cargo de presidente,

    dando posse ao presidente da Cmara de Deputados, Ranieri Maz-

    zili, e outro militar, representado pelo "Comando Revolucion

    rio", integrado pelo general Costa e Silva, tenente-brigadeiro

    42

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    nizado de oposio da opinio pblica, suficientemente forte para

    impor modificaes nas estratgias do Estado de Segurana Nacio

    nal" (34). como se gradativamente o regime fosse adquirindo fei

    es cada vez mais autoritrias, impensveis naqueles momentos

    iniciais.

    Em junho de 1964, Castello cria, atravs de um decreto, o

    Servio Nacional de Informaes (SNI), rgo que seria o encarre

    gado das questes ligadas segurana nacional , coletando e ana

    lisando informaes e contra-informaes. Para a organizao des

    te servio seria fundamental a experincia do general Golbery do

    Couto e Silva junto ao IPES. Com o decorrer do tempo o SNI se

    transformaria, no dizer de BORGES FILHO, no "crebro dos apare

    lhos repressivos", tendo alado para a presidncia da Repblica

    dois de seus chefes (generais Mdici e Figueiredo)(35).

    Estruturalmente o SNI era constitudo por uma agncia cen

    tral, localizada no Distrito Federal e agncias setoriais nos Es

    tados e Territrios. Vinculavam-se a ele as DivisOes de Segurana

    e Informaes (DSIs) dos ministrios, as Assessorias e Segurana

    e Informao (ASIs), que operavam nas empresas pblicas, autar

    quias, fundaes e sociedades de economia mista e a Escola Nacio

    nal de Informaes (ESNI), formadora dos quadros encarregados das

    informaes e mesmo de suas anlises.

    Com o endurecimento do regime, a filosofia deste departamento

    passou a ser a de infiltrar agentes por todas as partes - sindi

    catos, universidades, foras armadas, etc.-, a fim de controlar

    tudo o que era dito ou falado em qualquer parte do pas.

    44

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    embarcado num avio da Fora Area Brasileira, sob o beneplcito

    do ento embaixador Antnio Azeredo da Silveira e entregue no

    Centro de Informaes e Segurana da Aeronutica (CISA), anexo

    base area do Galeo (37).

    Um ms aps a criao do SNI, deu-se a prorrogao do mandato

    do Presidente Castello, para 15 de maro de 1967 e a aprovao de

    uma nova lei de remessa de lucros, agora do agrado das multina

    cionais e associados. Tudo dentro de -uma mesma poltica de boas

    relaes com os Estados Unidos que determinaria a devoluo das

    refinarias particulares encampadas por Jango e a compra da AM-

    FORP.

    Nesta mesma "enxurrada de vero" de decretos e leis despeja

    das pelo governo Castello, situar-se-ia a Lei de Greve (Lei n

    4.330 de 1Q/06/1964) que definia.as greves como legais ou ile

    gais, enquadrando nesta ltima categoria a sua ampla maioria (as

    realizadas por funcionrios pblicos, por setores que realizavam

    servios essenciais e as que envolvessem servidores de empresas

    de solidariedade e as consideradas de natureza poltica, social(

    ou religiosa), penalizando seus integrantes com suspenso, de

    misso ou at afastamento da liderana sindical e os sindicatos

    com multas e cancelamento de sua inscrio.

    Neste perodo, fica patente a preocupao do governo em ten

    tar dar uma cobertura legal s suas decises, mesmo s mais arbi

    trrias. Esta idia est expressa no prembulo do Ato Institu

    cional nQ 1:

    46

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    "A Revoluo vitoriosa se investe no exerccio do Po

    der Constituinte;" a Revoluo vitoriosa, como o Po

    der Constituinte, se legitima por si mesma";"Ela edita

    normas jurdicas, sem que nisto seja limitada pela

    normatividade anterior sua vitria"."Os chefes da

    Revoluo vitoriosa ... representam o povo e em seu

    nome exercem o Poder Constituinte, de que o Povo o

    nico titular".Fica bem claro que a revoluo no

    procura legitimar-se atravs do Congresso. Este quem

    recebe deste Ato Institucional... a sua legitimao.

    "(38)

    Uma outra faceta desta preocupao legalista verificada pe

    la obra "Brasil: Nunca Mais". As fontes documentais utilizadas

    para a concretizao deste projeto, no caso, a justia militar,

    acabam por provocar - numa comparao com a represso do regime

    militar argentino -, a constatao de SKIDMORE, de que no Brasil

    "a represso ficou ao alcance dos canais burocrticos regulares"

    (39)

    0 final do ano de 1964 descrito, por CRUZ e MARTINS, como

    uma poca em que a arbitrariedade parecia ter acabado, apesar das

    reclamaes dos setores da "linha dura".

    "Quando comea o ms de dezembro de 1964 o pior pare

    cia j ter passado. Apesar dos arranhes, reinava a

    constituio de 46 e o governo, ainda que desgostado,

    47

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    encontravase a cavaleiro da situao. Os focos de

    tenso remanescentes do pr-64, embora no extintos,

    estavam pelo menos sob controle. Para o governo, tra-

    tava-se de olhar para a frente. O grande passo seguin

    te, no caminho da recuperao da normalidade, seria

    dado se a sociedade civil, organizada nos diversos

    partidos polticos, conseguisse atravessar as eleies

    de outubro de 65 sem se chocar contra a resistncia

    das forcas radicais." (40)

    Em maro de 1965 ocorre a primeira reao armada ao golpe de

    1964, capitaneada pelo coronel reformado do Exrcito, Jefferson

    Cardim de Alencar Osrio, prontamente debelada pelas foras do

    governo.

    As eleies para governadores, em outubro de 1965, acabaram

    por constituir-se no fato aguardado pela "linha dura para exigir

    do governo o recrudescimento: a oposio vence em cinco estados,

    elegendo entre outros governadores, partidrios de Kubitschek em

    Minas Gerais (Israel Pinheiro) e na Guanabara (Negro de Lima).

    Assim, no mesmo ms das eleies, Castello assina o Ato Ins

    titucional nQ 2, extingindo os partidos polticos e as eleies

    diretas para a presidncia, aumentando as prerrogativas do Execu

    tivo (regulamentao das FFAA, decretao de Estado de Stio,

    etc), suspendendo as garantias constitucionais do judicirio, de

    terminando a competncia da Justia Militar para julgar civis

    acusados de crimes contra a segurana nacional, regulamentando as

    48

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    atividades dos cassados. Entre outras situaes reguladas, o AI-2

    determinava que seus atos no poderiam ensejar apreciao judi

    cial .

    Logo aps, sob a inspirao da poltica norte-americana,

    editado o Ato Institucional nQ 3 que alm de autorizar o governo

    a legislar por decretos-leis, implantava o bipartidarismo. Surgia

    a Aliana Renovadora Nacional (ARENA), para ser o partido do go

    verno e o Movimento Democrtico Nacional (MDB), para ser a opo

    sio. Na verso de RIBEIRO, chefe da Casa Civil no governo Jango

    "Da em diante, todo deputado que se ope efetivamente

    ditadura tem seu mandato cassado. Sai quem tem den

    tes, ficam os que mordem com as gengivas. Eram o par

    tido do 'sim' e do 'sim s e n h o r 41)

    Dentro da disputa acirrada entre "sorbonistas" e"linha-dura"

    que caracteriza toda esta primeira fase do regime militar, Costa

    e Silva, representante deste ltimo grupo, ainda em 1966, ascende

    ao marechalato, impondo-se como candidato nico sucesso de

    Castello.

    Ocorre que diferentemente de qualquer outro grupo militar en

    volvido na atividade conspiratria do pr-golpe, o "sorbonismo"

    ascende ao poder com um amplo programa de reformas que objetivam

    remover os obstculos rumo a uma expanso capitalista do pas,

    programa este realizado por agncias privadas em estreita conexo

    com a ESG. J o rumo da poltica empreendida pela linha dura, ca

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    A esta altura dos acontecimentos, era tarde demais, pois Cas-

    tello Branco, valendo-se do tempo que lhe restava frente da

    presidncia, dedicava-se a elaborar uma nova Constituio que de

    veria entrar em vigor no prximo governo. Ela deveria evitar os

    impasses atribudos Carta de 1946, incorporando dispositivos

    dos atos institucionais at ento publicados. Tambm era necess

    rio mudar a Lei de Imprensa e elaborar uma nova Lei de Segurana

    Nacional (Decreto-lei 314), j que a lei de 1953 mostrava-se ob

    soleta aos propsitos "sorbonistas" de represso interna.

    Este ltimo diploma acabou por constituir-se num verdadeiro

    agregado de "aberraes jurdicas", sendo a primeira de tantas a

    que estabelecia a responsabilidade de todos os cidados pela Se

    gurana Nacional, o que em outras palavras significava a "insti

    tucionalizao da delao"(43). 0 prprio presidente do Superior

    Tribunal Militar, general Olympio Mouro Filho, em julgamento de

    dois "habeas corpus", assim referiu-se a ela:

    ... de que crebro atormentado pelo dio ou pelo medo

    desprendeu-se a emanao mortfera cristalizada no ar

    tigo 48 e seus pargrafos. Trata-se do medo do derro

    tado definitivamente e dio de quem merece compaixo,

    por ser punvel?"(44)

    A posse de Costa e Silva marca duas mudanas significativas:

    a reconstitucionalizao do Estado e a substituio do "partido"

    51

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    no poder. Havia ocorrido uma "reordenao do bloco no poder, via

    bilizando a permanncia da mesma coalizo, embora com novo perfil

    que dava salincia aos adversrios da Sorbonne"(45).

    No final do ano de 1967 e incio de 1968 o pas assiste a uma

    onda de manifestaes contra a ditadura que iam desde os discur

    sos inflamados de Lacerda at as passeatas estudantis. Nas lti

    mas, multiplicam-se os confrontos com a policia, chegando-se at

    a assassinatos como o do menor dson Lus, no Rio de Janeiro. Co

    mo represlia promovida a clebre "Passeata dos Cem Mil", enca

    beada por estudantes, intelectuais e artistas. )

    "Os anos de 64 a 68 aparecem como um processo de ten

    tativa e erro por parte dos generais donos do poder.

    Processo de agitaes dentro do meio militar e de seu

    confronto com as reaes das classes sociais e das or

    ganizaes de esquerda, da interao dos diversos fa

    tores surgir o resultado favorvel a uma das tendn

    cias do regime, que abrira caminho desde o incio.

    "(46)

    I. 3. 0 GRANDE SILENCIO

    Em agosto de 1968, ocorre o "Caso Mrcio", utilizado como

    52

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    pretexto pelo governo para, em dezembro do mesmo ano , dar aquele

    que foi, segundo STEPAN, "o mais violento golpe militar da hist

    ria brasileira, quando eles baixaram o Ato Institucional n2 5"

    (47).

    Assim ocorreram os fatos: atravs de um discurso, o deputado

    Mrcio Moreira Alves havia pedido ao povo que protestasse contra

    o regime militar no comparecendo s festividades da independn

    cia e sugerido s esposas de militares que fizessem o mesmo, s

    que boicotando seus maridos. Ofendidos, os militares pressionaram

    o governo para que processasse o deputado. Como o Congresso Na

    cional rejeitou o pedido do governo, a reaa0 deste deu-se atra

    vs do AI-5.

    0 novo ato abolia os limites constitucionais que obstaculiza-

    vam a ao do governo, autorizando-o a decretar o Estado de S

    tio, sem limites de prazo, intervenes em estados e municpios,

    cassar mandatos eletivos e suspender os direitos polticos de

    qualquer cidado, remover, aposentar ou reformar titulares de

    cargos pblicos, suspender as garantias constitucionais do judi

    cirio e as referentes liberdade de reunio e associao, con

    fiscar bens, estabelecer a censura imprensa, correspondncia,

    s comunicaes e s diverses pblicas, suspender o "habeas cor-

    pus" nos crimes que envolvessem a segurana nacional, etc.

    0 texto legal do AI-5 repete muito do que havia sido j regu

    lado pelos outros atos institucionais, no entanto, cabe salientar

    que agora no mais possuia prazo para sua vigncia e que sua im

    plementao deu-se de maneira absolutamente radical.

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    "A represso abate-se sobre o pas, atingindo pessoas

    e instituies. O Congresso foi posto em recesso. Qua

    tro senadores e noventa e cinco deputados tiveram seus

    mandatos cassados. O MDB perdeu 40 por cento de seus

    parlamentares. Cinco juizes do Supremo Tribunal Fede

    ral e um do Supremo Tribunal Militar foram aposenta

    dos. Cerca de 500 pessoas que ocupavam posies de re

    levo na vida social do pas (professores universit

    rios, jornalistas, militares, diplomatas) perderam

    seus direitos polticos, bem como aquelas posies que

    lhes permitiam influir na formao da opinio pblica.

    Os delegados da censura instalaram-se nas redaes dos

    jornais, nas emissoras de rdio e televiso, nas casas

    de espetculo."(48)

    Em agosto de 1969, com o Congresso ainda fechado, o Presiden

    te sofre uma trombose cerebral. Seu sucessor natural era o vice

    Pedro Aleixo. Como havia uma grande desconfiana dos militares em

    relao aos civis, atravs de um golpe afastado Pedro Aleixo e

    assume a Presidncia da Repblica uma Junta constituda pelos

    trs ministros militares, general Lyra Tavares, almirante Augusto

    Rademacker Grunwal e brigadeiro Mrcio de Souza e Mello.

    0 governo justifica estes atos arbitrrios, argumentando a

    sua necessidade em funo do contexto poltico do pas, onde mul

    tiplicam-se os focos de oposio, com o surgimento de guerrilhas

    urbanas.

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    Ao AI-5 seguiram-se outros: em fevereiro de 1969 sao criados

    os Atos Institucionais nQs 6 e 7, respectivamente, alterando a

    composio do STF e retirando-lhe a competncia para julgar em

    grau de recurso as decises proferidas pela Justia Militar no

    julgamento de civis e suspendendo as eleies para cargos execu

    tivos e legislativos. Em maio, o AI-10 acrescenta outras penali

    dades para os cidados atingidos por atos institucionais. Em

    agosto, o AI-11 prorroga mandatos de prefeitos e vereadores e o

    AI-12 legitima a Junta Militar no poder. Posteriormente a Junta

    baixaria, entre outros, os Atos Institucionais nQs 13, 14 e 17,

    que autorizavam o banimento dos presos polticos trocados por

    ocasio dos seqestros, introduziam as penas de morte e priso

    perptua e facilitavam a transferncia para a reserva de milita

    res que se opusessem ao regime, especialmente quando a questo

    envolvesse a escolha do novo presidente.

    Em janeiro de 1969 baixado o Decreto-lei 477 punindo suma

    riamente e com rigorosas penas os professores, alunos e funcion

    rios de estabelecimentos de ensino que participassem de ativida

    des consideradas como atentatrias ordem pblica. Em setembro a

    Junta promulga uma nova Lei se Segurana Nacional (Decreto-lei

    898) instituindo dispositivos que tinham o propsito especfico

    de combater a luta armada e agravando as penas privativas de li

    berdade

    Ainda em outubro de 1969, oito dias antes do fim do recesso

    do Congresso Nacional, reunido apenas para confirmar o nome do

    futuro presidente, este processo de fortalecimento do Estado te-

    5.5

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    dever militar. Tornou-se presidente, nao porque os

    seus eleitores militares achassem que ele tinha a vi

    so ou os conhecimentos de que um presidente precisa

    va, mas porque era o nico general de quatro estrias

    que podia impedir o aprofundamento da diviso que la

    vrava no Exrcito."(49)

    Analisando o significado da posse de Mdici no panorama geral

    do regime militar instaurado em 1964, CRUZ e MARTINS consideram

    que ela completou o processo de rearticulao interna da coali

    zo dominante, processo que se iniciara em fins de 65 com a edi

    o do AI-2". O novo pacto denominado na poca de sistema":

    0 esquema hierrquico implantado em 64 foi derrubado

    e substitudo por uma diviso horizontal e (at certo

    ponto) funcional do poder. A nova estrutura desmonopo-

    lizava a funo da d