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98 R. Periodontia - Setembro 2007 - Volume 17 - Número 03 INTRODUÇÃO A formação das estruturas corporais apresenta três fases básicas: fase de informação genética, fase de for- mação intra-uterina e fase de formação pós-natal. Qual- quer alteração em uma destas levará à formação de estruturas diferentes das normais, que podem ser de- nominadas de anomalias, distúrbios de desenvolvimen- to, malformações ou disgenesias. Os distúrbios de desenvolvimento podem manifes- tar-se na cavidade oral em diferentes níveis e formas, uns de maneira inócua, outros atingindo a estética e a função com intensidade variável. Também acompanham síndromes e atuam como marcadores genéticos, mo- dificando a anatomia normal e promovendo o enfra- quecimento das estruturas correlatas . A ectopia do esmalte é um distúrbio de desenvolvi- mento onde a extensão local de esmalte em direção cervicoapical modifica o contorno da junção amelocementária alterando a anatomia da raiz dentária. Pode se apresentar em forma de pérolas ou projeções cervicais de esmalte podendo acometer uma ou mais faces dentárias e ainda serem simultâneas ou não. As implicações clínicas destes distúrbios de desen- volvimento fundamentam-se na observação da união dentogengival, pois na presença de esmalte não há in- serção de fibras conjuntivas, mas de uma adesão DISTÚRBIOS DE DESENVOLVIMENTO (ECTOPIAS DE ESMALTE) NA QUEBRA HOMEOSTÁTICA DA ÁREA DE FURCA Development disorders (enamel ectopy) on homeostatic break at furcation area. Aline Franco Siqueira 1 , Daniel Romeu Benchimol de Resende 2 , Armando Rodrigues Lopes Pereira Neto 3 RESUMO Alterações nas fases de desenvolvimento corporal podem levar a formação de distúrbios de desenvolvimento, podendo estes apresentar manifestações na cavidade oral, como por exemplo, a ectopia do esmalte. Esta anomalia pode se apre- sentar de várias maneiras tais como pérolas de esmalte ou pro- jeções cervicais de esmalte, podendo acometer quaisquer fa- ces dos elementos dentais, alterando a inserção dos tecidos periodontais no dente, o que pode ocasionar a quebra da homeostasia marginal, uma vez que o sulco periodontal fica mais profundo possibilitando um maior acúmulo de placa bacteriana, aumentando o risco de desenvolvimento de doen- ças periodontais. Este trabalho tem por objetivo elucidar as características peculiares de distúrbios de desenvolvimento (ectopias do esmalte), projeção cervical de esmalte e pérolas do esmalte, por serem focos de negligência e/ou desconhecimento de grande parte dos profissionais e por possuírem inter-relação com a ocorrência de doenças periodontais localizadas. UNITERMOS: 1 Doutoranda em Implantodontia pela UFSC 2 Doutor em Periodontia pela FOB-USP 3 Aluno da Especialização em Periodontia pela FOB-USP Recebimento: 01/03/07 - Correção: 20/07/07 - Aceite: 04/08/07 Distúrbios de desenvolvimento, Lesão de Furca, Doenças Periodontais, Pérolas de esmalte, Projeções de esmalte. R Periodontia 2007; 17:98-104. revsetembro1a.pmd 19/3/2008, 13:08 98

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R. Periodontia - Setembro 2007 - Volume 17 - Número 03

INTRODUÇÃO

A formação das estruturas corporais apresenta trêsfases básicas: fase de informação genética, fase de for-mação intra-uterina e fase de formação pós-natal. Qual-quer alteração em uma destas levará à formação deestruturas diferentes das normais, que podem ser de-nominadas de anomalias, distúrbios de desenvolvimen-to, malformações ou disgenesias.

Os distúrbios de desenvolvimento podem manifes-tar-se na cavidade oral em diferentes níveis e formas,uns de maneira inócua, outros atingindo a estética e afunção com intensidade variável. Também acompanhamsíndromes e atuam como marcadores genéticos, mo-dificando a anatomia normal e promovendo o enfra-quecimento das estruturas correlatas.

A ectopia do esmalte é um distúrbio de desenvolvi-mento onde a extensão local de esmalte em direçãocer vicoapical modifica o contorno da junçãoamelocementária alterando a anatomia da raiz dentária.Pode se apresentar em forma de pérolas ou projeçõescervicais de esmalte podendo acometer uma ou maisfaces dentárias e ainda serem simultâneas ou não.

As implicações clínicas destes distúrbios de desen-volvimento fundamentam-se na observação da uniãodentogengival, pois na presença de esmalte não há in-serção de fibras conjuntivas, mas de uma adesão

DISTÚRBIOS DE DESENVOLVIMENTO (ECTOPIAS DEESMALTE) NA QUEBRA HOMEOSTÁTICA DA ÁREA DEFURCADevelopment disorders (enamel ectopy) on homeostatic break at furcation area.

Aline Franco Siqueira1, Daniel Romeu Benchimol de Resende2, Armando Rodrigues Lopes Pereira Neto3

RESUMO

Alterações nas fases de desenvolvimento corporal podemlevar a formação de distúrbios de desenvolvimento, podendoestes apresentar manifestações na cavidade oral, como porexemplo, a ectopia do esmalte. Esta anomalia pode se apre-sentar de várias maneiras tais como pérolas de esmalte ou pro-jeções cervicais de esmalte, podendo acometer quaisquer fa-ces dos elementos dentais, alterando a inserção dos tecidosperiodontais no dente, o que pode ocasionar a quebra dahomeostasia marginal, uma vez que o sulco periodontal ficamais profundo possibilitando um maior acúmulo de placabacteriana, aumentando o risco de desenvolvimento de doen-ças periodontais. Este trabalho tem por objetivo elucidar ascaracterísticas peculiares de distúrbios de desenvolvimento(ectopias do esmalte), projeção cervical de esmalte e pérolas doesmalte, por serem focos de negligência e/ou desconhecimentode grande parte dos profissionais e por possuírem inter-relaçãocom a ocorrência de doenças periodontais localizadas.

UNITERMOS:

1 Doutoranda em Implantodontia pela UFSC

2 Doutor em Periodontia pela FOB-USP

3 Aluno da Especialização em Periodontia pela FOB-USP

Recebimento: 01/03/07 - Correção: 20/07/07 - Aceite: 04/08/07

Distúrbios de desenvolvimento, Lesão deFurca, Doenças Periodontais, Pérolas de esmalte, Projeções deesmalte. R Periodontia 2007; 17:98-104.

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epitelial; há, portanto, a formação de um epitélio juncional longoe, conseqüentemente, um aprofundamento do sulco gengivalpropiciando o acúmulo de placa bacteriana (LEIB et al, 1967).

Sendo assim, a morfologia radicular pode contribuir para odesenvolvimento da doença periodontal por providenciar ummeio favorável à retenção de placa. O conhecimento da anato-mia radicular e de suas variações de desenvolvimento aumenta apossibilidade e perspectiva de tratamento periodontal.

O objetivo deste trabalho é elucidar as características pecu-liares das ectopias do esmalte, projeção cervical de esmalte epérolas do esmalte, por serem focos de negligência e/ou desco-nhecimento de grande parte dos profissionais e possuírem inter-relação com a ocorrência de doenças periodontais localizadas.

REVISÃO DE LITERATURA

PROJEÇÕES CERVICAIS DE ESMALTE – PCE

A projeção cervical do esmalte é uma faixa anômala de es-malte em direção à área de furca dos molares, alterando o con-torno da junção amelocementária (Figura 1). Neste trajeto, aprojeção adquire desenho e contornos diversos, com espessu-

ra, largura e comprimento variáveis (NEUVALD et al, 1996). Esteesmalte radicular pode estar recoberto total ou parcialmentepor cemento (MOSKOW & CANUT, 1990a; MOSKOW & CANUT,1990b), sendo mais uma variável em relação ao seu desenhofinal, dando à projeção a condição de interrompida (ZEE, 1991).

MASTER & HOSKINS (1964) classificaram-na quanto suamorfologia em grau I, II e III de acordo com seu tamanho e suarelação com a área de furca. O grau I apresenta uma pequenaalteração na junção amelocementária em direção à área de furca(Figura 2); o grau II está próximo a furca, mas não faz contatocom ela (Figura 3); e o grau III projeta-se para dentro da área defurca (Figura 4). Estes autores não classificaram a projeção leve-mente insinuada a partir da junção amelocementária em dire-ção à furca. Para esta projeção, LEITE et al. (1994), propuseramchamá-la de classe incipiente ou classe 0. Uma outra variante daclassificação anteriormente proposta, foi apresentada por ZEEet al. (1991), acrescentando a esta os subtipos IIIa e IIIb. Ocritério usado para esta subdivisão foi o de continuidade. Assim,a variante IIIa apresenta-se como a projeção contínua até a re-gião de furca e na variante IIIb a projeção mostra-se descontínua,mas igualmente alcançando a bifurcação.

Figura 1Figura 1Figura 1Figura 1Figura 1 – Projeção Cervical de Esmalte (PCE). Figura 2 Figura 2 Figura 2 Figura 2 Figura 2 – Projeção Cervical de Esmalte, grau I da classificação de MASTER & HOSKINS.

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MASTERS & HOSKINS (1964), examinaram um total de 474molares selecionados ao acaso, sendo que, dos 304 molaresinferiores e 170 superiores, 87 (29%) e 28 (17%) apresentaramPCE, respectivamente, situando-se preferencialmente na facevestibular. Ainda, por meio de observações clínicas, associaramestas projeções com aproximadamente 90% dos casos deenvolvimento isolado da furca.

O retrospecto de alguns trabalhos foi realizado por SHILOAH& KOPCZYK (1979), resumindo e compilando os dadosconsonantes (MASTERS & HOSKINS, 1964; GREWE, et al 1965;BISSADA & ABDELMALEK, 1973) como se segue: 15 a 34% e 9a 25% dos molares inferiores e superiores apresentaram PCE,respectivamente. Em ambas arcadas, a PCE é mais prevalentenos segundos molares, sendo a face mais envolvida a vestibular(75%). Com relação à sua extensão, 70% das PCE são curtas.

Estudos ressaltaram a influência da questão racial naprevalência da projeção cervical de esmalte, sendo que os chine-ses (HOU & TSAI, 1987) apresentaram uma prevalência trêsvezes mais alta em relação aos europeus (RISNES, 1974), ameri-

canos (MASTERS & HOSKINS, 1964) e egípcios (BISSADA &ABDELMALEK, 1973).

GASPERSIC (1992) analisou a estrutura e composição doesmalte ectópico humano. Os resultados mostraram uma com-posição semelhante ao esmalte coronário, com uma pequenaalteração na concentração de cálcio e fósforo de aproximada-mente 2% a menos. A PCE apresenta todas as camadas doesmalte normal, com uma estrutura irregular, sugerindo umaforma “degenerativa” do esmalte. A sua irregularidade pode es-tar relacionada a uma simplificação dos elementos formadoresdo esmalte (GASPERSIC, 1991).

LIMA et al. (1991) estudaram 220 dentes humanos, primei-ros e segundos molares superiores e inferiores, medindo minu-ciosamente a extensão da PCE verificando uma variação de 0,1a 1,0 mm. Os autores consideraram que quanto menor a dis-tância entre a linha cervical do esmalte e o vértice da furca maiora chance de instalação de doença periodontal, mesmo em facede projeção cervical de grau I, devido à proximidade do epitéliojuncional e a furca. Assim, não só o tamanho da PCE influenciana instalação e progressão da doença periodontal isolada, mastambém e, principalmente, sua relação topográfica com a re-gião de furca.

Quanto à largura da projeção, quando analisada na suaporção mais coronal, a mesma varia de 1,37mm a 1,55mm eem uma posição mediana, os valores situam-se entre 0,74mm a0,96mm, decrescendo até desaparecer quando se trata de umaprojeção triangular, filiforme ou insular, o que não ocorre nasprojeções tipo gotiforme. A sua espessura mensurada na por-ção coronária ou próxima a ela, apresenta valores entre 0,24mme 0,26mm e na área de furca está entre 0,13mm a 0,15mm(CHAN, 1988; LIMA et al, 1991).

O comprimento da PCE constitui-se o elementodiferenciador e nele são baseados os critérios de classificaçãohoje aceitos (MASTERS & HOSKINS, 1964). Os números relati-vos à PCE de grau I mostram valores aproximados de 1,5 mm,os de grau II mostram-se com 2,7 mm e os de grau III, podemapresentar mais de 3,1 mm de comprimento.

PÉROLAS DE ESMALTE – PE

A pérola de esmalte é definida por SHILOAH & KOPCZYK(1979) como um glóbulo de esmalte ectópico, localizado maisfreqüentemente na bi ou trifurcação dos dentes (Figura 5.a e5.b), podendo aparecer também em pré-molares com uma únicaraiz. A PE geralmente está unida ao esmalte coronal pela proje-ção cervical do esmalte (BOWER, 1993).

Quanto à sua prevalência, as PE foram avaliadas por váriosautores (TURNER, 1945; CAVANHA, 1965; BERNABA &WATANABE, 1973; NEGRA & OLIVEIRA 1974; LOH, 1980;RISNES, 1982; GASPERSIC, 1985). A maioria desses estudos

Figura 3Figura 3Figura 3Figura 3Figura 3 – Projeção Cervical de Esmalte, grau II da classificação de MASTER & HOSKINS.

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está em relativa concordância, exceção feita ao estudo dePEDERSON (1949). Os resultados apresentados por este autormostraram uma prevalência de pérola de esmaltesignificantemente maior em uma população de esquimós (9,7%)do que as encontradas em outras raças avaliadas (1,1% e 5,7%).

Em todos os estudos realizados, a maior prevalência de PEfoi encontrada nas raízes de terceiros molares superiores,correspondendo a aproximadamente 75% (MOSCOW &CANUT, 1990a). Os terceiros molares inferiores e segundosmolares superiores são o segundo local mais comum para ocor-rência de tal distúrbio, sendo os primeiros molares superiores esegundos molares inferiores menos acometidos (RISNES, 1974;LOH, 1980). Quando estão presentes nos molares superiores,as pérolas ocorrem mais comumente entre as raízesdistovestibular e palatina enquanto nos molares inferiores estãopresentes entre as raízes mesial e distal da face vestibular (RISNES,1974).

Em aproximadamente 8,7% dos casos, as PE são múltiplas,geralmente constituídas por duas pérolas. No entanto já foramdescritos casos onde três ou até mesmo quatro pérolas foramencontradas (CAVANHA, 1965; LOH, 1980).

Apesar de sua semelhança com o esmalte coronário, o es-malte que recobre as pérolas apresenta algumas particularida-des que variam de pérola para pérola e de região para regiãodentro da mesma pérola. O curso dos prismas de esmalte seapresenta mais irregular, sendo comparado ao esmalte das pon-tas de cúspide. Macroscopicamente, o esmalte das pérolas apre-

senta uma textura diferente do esmalte coronário, podendo,neste contexto, significar um menor agrupamento dos cristaise, portanto, uma maior porosidade do esmalte (RISNES, 1989).

Todavia, ANDERSON et al. (1996) mostraram que o conteú-do mineral do esmalte e da dentina nas pérolas de esmalte com-postas (presença de esmalte e dentina) é similar ao encontradonos dentes permanentes. E, também, como ocorre com o es-malte coronário, a concentração de cálcio e fósforo diminui emdireção ocluso-cervical, confirmando os resultados deGASPERSIC (1992). Conclui-se, portanto, que esta variabilidadeestrutural da coroa para a região cervical é determinada antes daerupção do dente (RATTNER, 1979).

Em outro trabalho realizado GASPERSIC (1995), mostrouque o esmalte presente nas pérolas compostas possuía umamicrodureza similar a do esmalte coronário por possuir caracte-rísticas estruturais e biomecânicas idênticas a este. Esta caracte-rística diminuía de oclusal para cervical tanto no esmalte da co-roa do dente como no esmalte das pérolas. Já nas pérolas deesmalte de menor diâmetro, a microdureza do esmalte foisignificantemente mais baixa em relação ao esmalte da coroadentária.

Figura 5.aFigura 5.aFigura 5.aFigura 5.aFigura 5.a – Pérolas de esmalte.

Figura 4Figura 4Figura 4Figura 4Figura 4 – Projeção Cervical de Esmalte, grau III da classificação de MASTER & HOSKINS.

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As excrescências presentes nas raízes podem ser formadassomente por esmalte ou por esmalte e dentina. As primeiras, ouseja, as pérolas de esmalte simples apresentam um diâmetro deaproximadamente 0,3 mm (GÖLLNER, 1928; CAVANHA, 1965)enquanto que as pérolas compostas são maiores e dependen-do do seu diâmetro podem até apresentar tecido pulpar em seuinterior.

DISCUSSÃO

Várias hipóteses tentam explicar a etiopatogenia dos distúr-bios de desenvolvimento do tipo ectopias do esmalte. Uma de-las seria a hipótese de que a PCE representa a atividade prolon-gada e focal de ameloblastos a partir da bainha epitelial de Hertwigdepois de terminada a formação da coroa, os quais permane-cem retidos sobre a superfície dentinária (PINDBORG, 1970;GASPERSIC, 1992) fazendo, portanto, parte do processo for-mador das raízes.

De acordo com BOWER (1983), este conceito pode estarligeiramente equivocado, sugerindo que o esmalte da área defurca pode ser formado por ameloblastos do órgão do esmalteprodutores da coroa dentária.

A teoria de BOWER (1983) parece ser mais consistente prin-cipalmente quando relacionada à cronologia da odontogênese,mesmo quando confrontada com o mecanismo provável deformação da pérola de esmalte. Elas são resultados da real de-posição ectópica de matriz de esmalte por indução anômalapara a diferenciação das células mais internas da bainha epitelialde Hertwig em ameloblastos (CAVANHA, 1965; MOSKOW,1971; BERNABA & WATANABE, 1973; RISNES, 1974;BASARABA, 1978). Como esta indução se dá na segmentaçãoda bainha epitelial de Hertwig, ela ocorre posteriormente àquelaformadora da projeção cervical de esmalte.

Outro mecanismo provável reside na ausência de apoptoseem pontos focais promovendo distúrbios no processo desegmentação da bainha epitelial de Hertwig. Assim sendo, emambos os casos o grau de persistência dos ameloblastos deter-minará a formação ectópica de esmalte (LOURENÇO &CONSOLARO, 1997)

A natureza hereditária destas estruturas, PE e PCE, pode serpensada a partir da freqüência variável nas diferentes popula-ções, configurando uma forte característica racial, comprovadapor muitos trabalhos (CAVANHA, 1965; LEIB, 1967; BISSADA& ABDELMALEK, 1973; RISNES, 1974; HOU & TSAI, 1987).

A relação da presença de PCE (MASTERS & HOSKINS, 1964;BISSADA & ABDELMALEK, 1973; BASARABA, 1978;GASPERSIC, 1992; ANDERSON, 1996) e PE (GOLDSTEIN, 1979;SKINNER & SHILOAH, 1989; RISNES, 2000) com o envolvimentoperiodontal já foi bem estabelecida. A principal implicação clínica

refere-se ao favorecimento da instalação e progressão da doen-ça periodontal confinada a um único dente em pacientes cujacondição de higiene e de saúde periodontal pode ser considera-da como boa ou ótima. Nestas áreas onde tais distúrbios estãopresentes não há formação de inserção conjuntiva, mas de umepitélio juncional longo tornando a área mais vulnerável à doen-ça periodontal, tanto pela própria morfologia do epitélio juncionalcomo pela maior facilidade de acúmulo de placa bacteriana edificuldade de limpeza da área (GHER & VERNINO, 1980;BOWER, 1983). Estes fatores aliam-se às dificuldades naturaisde diagnóstico da pérola de esmalte e da projeção cervical deesmalte pelo cirurgião dentista.

Para o diagnóstico, deve-se contar com o conhecimento desua morfologia e as taxas de prevalência, considerando o aspec-to racial. Deve-se suspeitar da presença de tais distúrbios diantede um molar com doença periodontal localizada em pacientescom boa higiene e saúde periodontal.

Quanto ao aspecto radiográfico do esmalte ectópico, mes-

Figura 5.bFigura 5.bFigura 5.bFigura 5.bFigura 5.b – Pérolas de esmalte.

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mo considerando espécimes de PCE de grandes dimensões,sua visualização não é possível durante a análise de uma radio-grafia panorâmica ou periapical. Já as pérolas de esmalte, de-pendendo do seu tamanho e local de ocorrência, podem servisualizadas radiograficamente.

Existem poucas informações e estudos longitudinais emrelação ao tratamento destes distúrbios. Os procedimentos in-dicados referem-se a ameloplastia seguida por uma reposiçãodo retalho visando o estabelecimento de uma nova inserçãoconjuntiva. Junto a estes procedimentos são citados tambémcuidados com a área de furca quando esta se encontra com-prometida. Neste caso, dependo do grau de envolvimentoperiodontal, pode-se realizar desde odontoplastia, regeneraçãotecidual guiada, seccionamento e/ ou amputação radicular até aexodontia. Os procedimentos terapêuticos são dificultados tan-to pela presença da inflamação como pela característica da re-gião de furca que, por si só, é um fator complicador.

CONCLUSÃO

O conhecimento de morfologia, prevalência, caráter racial eimplicações clínicas das ectopias de esmalte são de suma impor-tância para a atividade clínica periodontal, uma vez que tanto asectopias como as alterações periodontais são de difícil diagnós-tico precoce. Assim, diante de um molar com doença periodontal

localizada na área de furca em um paciente com boa saúdeperiodontal, o cirurgião-dentista poderá estabelecer uma rela-ção associativa com tais distúrbios e oferecer uma terapia maiseficaz.

ABSTRACT

Alterations during the body development phases may leadto the formation of developmental disorders, which could presentas manifestations on the oral cavity, such as, the enamel defect.This anomaly may occur in several types, such as enamel pearlsor cervical enamel projection, and it could affect any face of thedental element, distributing the insertion of the periodontal tissueson the tooth, which may cause the breakdown of the marginaltissue homeostasis, since the periodontal sulcus becomes deeper,allowing bacterial plaque to accumulate, therefore increasingthe risk of periodontal diseases development. This work’s objectiveis to elucidate the peculiar characteristics of developmentaldisorders (enamel ectopy), cervical enamel projection and enamelpearls, because they are focus of negligence and/or becausethey’re not known by many professionals and because thereare related to the occurrence of localized periodontal diseases.

UNITERMS: Developmental disorders; Furcation lesion;Periodontal disease; Enamel pearls; Enamel projection.

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Endereço para correspondência:

Aline Franco Siqueira

Rua Bartolomeu de Gusmão 3-70, apt. 1604-B - Vila Riachuelo

CEP: 17045-030 – Bauru - SP

E-mail: [email protected]

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