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Especialista alerta: Crianas esto a ser mal educadas A psicoterapeuta infantil Asha Phillips diz que a incapacidade dos pais modernos de contrariarem os filhos est a criar uma gerao de tiranos. No seu livro "Um Bom Pai Diz No" explica como impor-lhes limites. Desde o bero. Raquel Moleiro
21:32 | Tera feira, 28 de julho de 2009
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A Maria tem trs anos e adora a palavra "no". Gosta de diz-la - com dedinho indicador a abanar e cabea a
acompanhar o compasso - em relao sesta da tarde, arrumao dos brinquedos, hora de ir dormir,
escurido do quarto, aos sapatos que no so tnis, roupa que no tem a "Hello Kitty", comida que no
massa, ao brinquedo que no seja plasticina, ao canal de televiso que no seja o Panda, ao DVD que no
tenha o Ruca, rua onde no exista um parque. A resposta pronta e negativa s muda para sim, se a me
disser no. Porque na boca da mam a palavra perde a graa, limita-lhe as vontades ilimitadas, traa fronteiras
entre o possvel que ela no quer e o impossvel que deseja, gere-lhe o comportamento infantil. "Impor barreiras
di, negar algo custa, mas uma forma de amar. uma prenda que se d aos filhos e que lhes assegura uma
entrada firme no mundo real", explicou ao Expresso a psicoterapeuta infantil Asha Phillips, autora de "Um Bom
Pai Diz No", um livro best-seller mundial lanado agora em Portugal.
Confessa a me da Maria que dizer no nem uma tarefa herclea, o pior mesmo mant-lo. Porque a seguir
s trs letrinhas vem logo a tristeza chantageante da petiz, ou a insistncia repetida exausto que leva ao
limite a pacincia de qualquer adulto, ou a vergonha que sobe vermelha ao rosto materno quando a birra se
esparrama no cho do supermercado. "Os pais modernos tm muita dificuldade em dizer no aos filhos e essa
permissividade tem consequncias terrveis. Esto a criar pequenos tiranos, que no sabem reagir a
adversidades porque nunca foram contrariados. Ou ento criam crianas medricas, absolutamente
dependentes, que no sabem fazer nada sozinhas."
J a imaginar a Maria no seu pedestal de ditadora, ou com 40 anos e grudada que nem lapa casa dos pais, a
me vai procurar socorro e solues no livro de Asha. O ttulo duplamente apelativo (ainda que faa torcer o
nariz quanto tirada lgica de que mau pai aquele que diz sim). No h pai que no deseje ser perfeito e
ponho as duas mozinhas no lume se algum tem certezas absolutas sobre os limites que deve impor aos filhos
para atingir essa plenitude parental. Pode dormir de luz acesa? E na cama dos pais? Quantas horas de
televiso? Pode escolher o que vai comer? E o que vai vestir? O que fazer perante uma birra? Quando se pode
dizer sim? E quando se deve comear a dizer no? E quando tarde de mais para comear a traar limites?
A psicoterapeuta britnica conhece cada uma das dvidas de cor, ri-se sempre quando se sente como o manual
de instrues onde os pais querem encontrar solues concretas. "No h uma resposta nica nem o meu livro
de receitas", diz com um sorriso aberto. Mas reconhece-se nestas dvidas. Ela tambm me, de duas
raparigas agora j adultas, e foi a sua enorme dificuldade em contrari-las que a levou a procurar literatura de
ajuda. Como no encontrou, escreveu ela o livro - a primeira edio de 1999 -, dividido por conselhos para
bebs, crianas dos dois aos cinco anos, os anos da escola primria e os adolescentes.
"Os limites devem comear a ser colocados quando ainda andam ao colo. geralmente nessa altura que
dizemos pela primeira vez sim quando devamos ter dito no". Para Asha, os erros cometidos pelos pais nesta
fase prendem-se com a ansiedade de tudo quererem fazer e sempre bem. Ao mnimo rudo do beb, a me
entra no quarto. Mal abre os olhos pega-lhe. Mal ouve um choro d-lhe de comer. A chucha cai e a me
apanha. O beb quer colo e a me d. "Os pais querem o seu beb sempre a sorrir, fazem-lhe todas as
vontades, dizem que sim a tudo e ele consegue tudo sem esforo. Nem lhe do a possibilidade de descobrir o
que consegue fazer sozinho".
O medo dos pais de errar grande, mas em vez de transmitirem segurana asfixiam o desenvolvimento da sua
independncia e criam crianas infelizes e inadaptadas. "s vezes acertamos, outra no. normal. No existem
pais ou mes perfeitos, no se espera que acertemos sempre. Alis, o encaixe perfeito - uma me que poupa o
filho a todo e qualquer tipo de irritao - no benfico. A recuperao de um desencontro promove o
desenvolvimento, e certo que sero sempre mais as vezes em que as necessidades do beb so satisfeitas
do que o inverso."
Dizer no a um beb no ir a correr para o quarto quando ele choraminga, deix-lo encontrar a chucha
sozinho, permitir que ele descubra uma fonte de conforto alternativa me ou ao pai (o polegar, por exemplo).
Dizer no no deixar a luz do quarto acesa ou no mergulhar a casa num silncio sepulcral, para que o beb
cresa no mundo real. "Nesta fase, o estabelecimento de limites surge no tanto como uma restrio mas mais
como uma porta aberta criatividade".
No segundo captulo do manual, Asha Phillips fala das crianas dos dois aos cinco anos, que vivem tudo com
paixo e emoes extremadas. " o perodo mais desafiante. Acham que podem fazer tudo. Conseguem andar,
falar e odeiam ser tratados como bebs", explica a psicoterapeuta. A me de Maria parece que est a ler uma
descrio da filha "Eu j sou grande" (dita em bicos de ps). "Eu fao", "Eu consigo" so as frases mais
repetidas pela menina de trs anos. "Por um lado isso maravilhoso e deve ser encorajado, mas os pais
tambm tm de lhes lembrar que no podem fazer tudo, de uma forma que no esmague o seu
empreendorismo, a sua paixo pela descoberta", explica Asha. Os principais limites devem ser impostos por
estes anos. Com firmeza e consistncia. De nada vale uma nega pouco convicta; a criana reverte-a em trs
tempos. E um sim excepcional nunca mais voltar a ser aceite como no.
Na vida normal de uma casa onde existe uma criana pequena, impulsiva, activa, exigente, curiosa, o no pode
muito bem passar a ser a palavra mais usada - na casa da Maria , garantidamente. Mas o adulto que a diz tem
de acreditar que est a fazer o que est certo. "Se as respostas ao seu comportamento forem consistentes, a
criana adquire uma boa ideia do que permitido e do que proibido, do que seguro e perigoso."
Quando a criana rejeita relutantemente o no, Asha Phillips recomenda o recurso ao castigo ou mesmo uma
"leve palmada ocasional" para deter uma escalada de conflito. "No o castigo em si que importa, mas aquilo
que o seu comportamento transmite. No preciso uma marreta para partir uma noz". O excesso de autoridade
tem, em geral, o efeito oposto ao desejado. O mesmo verdade em relao a perder a calma, humilhar a
criana e entrar numa batalha de vontades. "Mas se alguma vez um pai perder a cabea e disser ou fizer algo
de que se arrepende, no o fim do mundo. Isso pode ajudar a criana a perceber que o pai ou a me tambm
so humanos." A me, humana, de Maria suspira de alvio. Asha Phillips absolveu-a.
Mais importante do que dizer no, mant-lo
Alberto Frias
Asha Phillips explicou ao Expresso como a sociedade actual, de mes trabalhadoras, sem nenhum tempo e
com muito sentimento de culpa, e o aumento das famlias monoparentais, esto a estimular a permissividade
parental.
Porque to difcil dizer no?
Ao negarmos algo, ao contrariarmos uma vontade, somos impopulares e geramos conflitos. E fugimos disso.
uma herana do ps-guerra. As pessoas passaram a achar que tudo o que era rgido era fascista. Ns, os pais
que viveram o flower power, tornmo-nos to contra tudo isso que comemos a fazer o oposto. O legado
negativo dos anos 60 foi deseducar. Essa gerao educou outra que cresceu desamparada, com demasiada
liberdade.
A estrutura actual de famlia, com pai e me a trabalhar, ou mesmo monoparental, no facilita a tarefa.
H uma enorme culpa, por parte das mes que trabalham, e que sentem que no se dedicam a tempo inteiro
aos filhos. O facto de terem de os deixar faz com que pensem no estar a cumprir bem o seu papel. E como a
maioria das mulheres ainda tem a exclusividade das tarefas domsticas mal chega a casa...
E diz-se sim para compensar os filhos e para amainar a culpa...
No queremos discusses porque tivemos saudades deles o dia todo, queremos que nos achem amorosas. E
por isso no dizemos "Chega de televiso" ou "Est na hora de ir para a cama".
Quando que demasiado tarde para se comear a ditar limites?
Nunca. S que quanto mais tarde mais difcil. O ideal comear quando os filhos so bebs. Chegar idade
escolar sem regras, por exemplo, pode ser muito complicado. A forma como os midos reagem ao "no" tem um
enorme impacto na sua capacidade de se adaptarem, fazerem amigos e aprenderem na escola. Tentar impor
regras a um adolescente que nunca as teve quase uma impossibilidade.
H erros prticos que se devem evitar?
O maior os pais quererem ser perfeitos. Por exemplo, com os bebs: custa-lhes ouvi-los chorar e por isso
correm at eles ao mnimo rudo. Mas vrias investigaes recentes deixam-me descansada como me:
concluram que bom no acertar sempre, que o ajuste perfeito no benfico. O que bom para o
desenvolvimento existirem acertos, erros e reparos. E isso que a vida real.
Todos os pais querem ser perfeitos.
Mas isso o que interessa aos pais. No o que interessa ao filho.
Os filhos podem tomar decises?
Claro que deix-los decidir, de vez em quando, d-lhes independncia, iniciativa, criatividade. maravilhoso ver
o seu entusiasmo e energia. Mas no benfico dar-lhes demasiada escolha, porque depois torna-se uma
responsabilidade deles e isso de mais quando se criana.
Podem, por exemplo, opinar sobre o que vo comer?
Ui. No sei como em Portugal, mas em Inglaterra a hora da refeio tornou-se terrvel. Imagine-se que se tem
trs crianas, e uma quer comer massa, outra carne e a outra vegetariana, e a me cozinha trs refeies
diferentes. Isso de loucos. Deve-se dizer: "Esta a refeio hoje, eu sou tua me e sei o que bom para ti e
por isso isto que vamos comer." Se no quer, pacincia. Porque se a nossa criana quer massa todos os dias
e ns satisfazemos esse capricho, ento quando vamos comer a casa de amigos ou na escola eles no vo
querer comer porque no massa. E a a me tem um grande problema. tudo uma questo de flexibilidade e
de os pais fazerem o seu filho sentir que ele se consegue adaptar s coisas do mundo e que no sempre o
mundo que se adapta a ele.
E dormir na cama dos pais, proibido?
No h um no ou um sim claro. Se a criana dorme bem, se os pais dormem bem no h problema. Mas se
isso feito mais pelos pais do que pelas crianas, se o pai que precisa de conforto, ento est errado.
E o que fazer durante as birras no supermercado, com as crianas que esperneiam no cho?
Mais uma vez, no h uma regra mgica. Se acha que j est h demasiado tempo no shopping e que a criana
est cansada, ento a culpa dos pais e altura de ir para casa. Se, por outro lado, passam o tempo todo "eu
quero, eu quero", muito importante no ceder. E se a criana se atira para o cho, que isso no afecte os pais
porque quando nos preocupamos com o que os outros comentam que se tomam decises erradas. Podemos
deix-la espernear por 5 ou 10 minutos, esperar que acabe e continuar o que se estava a fazer. Regras do-
lhes estrutura, um objectivo e, depois, o sentimento de vitria quando o alcanarem.
Mas como podem os pais saber quando devem dizer sim ou dizer no?
muito difcil. O livro no encerra nenhuma frmula secreta, porque ela simplesmente no existe. importante
no dizer sempre no, porque seria ridculo, temos que escolher os nossos 'nos' com muito cuidado, os
verdadeiramente importantes. E quando os escolhemos temos que os segurar, no ceder. O que realmente no
bom para as crianas dizer no, no, no e depois dizer sim. Porque assim nunca sabero quais so os
limites. E uma criana usar os nossos argumentos, a nossa linguagem, e vai lembrar-se sempre daquela vez
em que dissemos sim - "Se naquele dia deixaste porque no deixas hoje?" So muito lgicos e encostam-nos a
um canto com os seus argumentos.
H alguma altura do dia mais propcia para a transmisso dessas regras?
Se est a tentar impor limites comece nas alturas fceis do dia - nunca de manh quando se corre para a escola
e para o emprego.
Asha Phillips, psicoterapeuta infantil, 55 anos, escreveu a primeira verso do livro em 1999. Um caso perdido na
arte de dizer no s duas filhas, procurou livros que a ajudassem. Como no encontrou, escreveu ela a obra,
com base nos casos que tratou na Tavistock Clinic. "Acredite se quiser: ainda hoje o consulto". Viveu os anos 60
em paris - encontra a a fonte da sua permissividade - e parte da vida na ndia.
Actualmente, exerce a nvel particular, atendendo crianas, famlias e casais, em Londres. Na semana passada
esteve em Lisboa para apresentar a verso portuguesa de "Saying No". A traduo "Um Bom Pai Diz No"
(Editora Lua de Papel) no a satisfaz plenamente - "encerra um certo juzo de valor" -, mas adora o acrescento
no canto inferior direito da capa: "impor limites uma forma de amar".
Texto publicado na edio do Expresso de 25 de Julho de 2009
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