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DNA DA PROSA PARANAENSE – SÉCULO 20

Consangüinidade nada aparente

Prosa paranaense traduz no realismo ou linguagem algumas

das contradições do século 20

Roberto Nicolato

A prosa paranaense pertence a uma árvore geneológica de

muitos frutos, mas com raízes que saltam à terra. Para o bem ou

para o mal, carece do peso e dos fortes lastros da tradição e do

passado. Sendo uma produção mais recente do que a de outros

estados brasileiros, está ancorada no novo, como produto da

modernidade. E assim traduz, na sua timidez, algumas das

contradições do século 20.

Seus representantes mais ilustres poderiam descender

diretamente da vertente simbolista, que encontrou terreno fértil

para se alastrar em Curitiba. Um exemplo típico dessa

experiência é o único romance simbolista brasileiro, No

Hospício, escrito por Rocha Pombo em 1905, e considerado

como o único que pode levar este nome na história da literatura

brasileira, segundo o crítico Moisés Massaud.

No Hospício é o que se poderia chamar de romance-ensaio, com

justaposição de outras linguagens fazendo parte da estrutura

narrativa. Sem muita ação, se passa num hospício para onde o

personagem Fileto se refugia, como numa torre de marfim, se

utilizando do monólogo interior para falar de religião, filosofia,

história e literatura.

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Se para Massaud é o romance simbolista brasileiro por natureza

e que antecipa alguns elementos da narrativa moderna, para o

crítico Wilson Martins seu valor resume-se ao fato de apenas

ser representativo de um movimento. Não mais que isso. "Mais

modernamente, a prosa paranaense começa com Newton

Sampaio, no final da década de 30. Ele era um moderno entre

aspas, preocupado com a temática urbana, família da qual

descende Dalton Trevisan", observa.

Na verdade, não se pode pensar o projeto literário de Dalton

Trevisan sem a revista Joaquim e a influência do escritor

paranaense Newton Sampaio, que faleceu em 1938, com apenas

24 anos de idade, vítima de tuberculose. Sampaio morreu antes

de ver publicadas as suas obras: Irmandade (1938), que foi

premiada pela Academia Brasileira de Letras e Contos do

Sertão Paranaense (1939).

Dalton Trevisan o elegeu como o maior contista do Paraná. Em

artigo da Joaquim, de número 11, diz que Newton Sampaio

deixou uma obra talentosa, mas inacabada, e por isso mesmo

irregular, alternando contos medíocres – como quase todos os

que compõem Contos do Sertão Paranaense – e narrativas

exemplares, de grande valor literário, presentes em Irmandade.

Essa literatura mais voltada para os dramas humanos, para a

gente comum ou da baixa clase média que circula pelas ruas e

bairros da cidade também será em Dalton Trevisan um

contraponto à literatura ufanista e da estética vazia dos

simbolistas paranaenses (Leia-se Emiliano Perneta).

Wilson Martins observa um certo ar de família entre os autores

paranaenses contemporâneos, mas, assim como os integrantes

de um mesmo clã, cada um com uma personalidade muito

própria. Ao mesmo tempo, faz uma ressalva: "Essa similaridade

não deve ser levada muito a fundo, pois estou oferecendo uma

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visão impressionista", explica Martins, para quem nestas

famílias há muita bastardia. Contigüidade, influências

recíprocas e involuntárias, uma vez que a maioria vive numa

mesma contemporaneidade.

Assim, a temática urbana (como diria Wilson Martins, aquele

interesse pela Praça Tiradentes, às 16 horas da tarde) aproxima

Dalton Trevisan, Jamil Snege, Leminski e Cristóvão Tezza, da

mesma forma que o experimentalismo literário se projeta nas

obras de Wilson Bueno, Valêncio Xavier e Leminski. "O que

existe hoje são heranças já diluídas do modernismo dos anos 20

e 30 e não da vertente simbolista", arremata.

O crítico Miguel Sanches Neto também não acredita em

qualquer influência direta do romance simbolista na literatura

contemporânea do Paraná. "Talvez possa haver alguma conexão

entre Catatau, de Leminski, e No Hospício, de Rocha

Pombo...", arrisca. Na realidade, Sanches prefere colocar os

autores paranaenses em dois campos, embora não muito

delimitados: aqueles que buscam valorizar mais a linguagem

que o enredo e os que apresentam uma dicção mais ligada ao

conceito modernista de percepção da realidade.

No primeira caso, se filiaria a prosa neobarroca de Wilson

Bueno em Mar Paraguaio; o experimentalismo de Leminski,

em Catatau, a valorização da estrutura narrativa em Manoel

Carlos Karan ou o vanguardismo de Sossélla, em Nova

Holanda, sem falar na prosa imagética de Valêncio Xavier.

Numa vertente mais realista (sem desprezar, no entanto, o apuro

no trato da linguaguem), se situaria Dalton Trevisan, Cristovão

Tezza, Roberto Gomes, Domingos Pellegrini, Jamil Snege e o

próprio Miguel Sanches Neto, cada um com suas características

e dicções muito próprias.

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Para a professora de Literatura Brasileira da Universidade

Federal do Paraná, Marilene Wanhardt, quando se fala em DNA

da literatura paranaense o primeiro nome que surge é do

contista Dalton Trevisan. "Ele encarna por excelência na sua

ficção esse estereótipo do curitibano contido, que fala pouco, e

crítico da província. Uma curitibanidade que também se revela

no modo de expressão da maioria dos autores que vivem na

capital paranaense, numa província que mitifica as suas

manifestações menores ou não deixa aflorar suas expressões

mais significativas".

Se a urbanidade tem certa prevalência como tema na prosa

paranaense, por outro lado são poucas as obras que se dedicam

à ficção histórica, rural ou sobre a imigração. Um levantamento

feito pela professora Marilene na Região Sul, no período de

1955 a 1990, revelou que dos 30 romances históricos

publicados no período apenas quatro eram paranaenses, com

destaque para O Mez da Grippe, de Valêncio Xavier e Casa

Verde, de Noel Nascimento.

"Talvez o fato de sermos pobres na ficção histórica tenha a ver

com a questão identitária, já que nosso perfil cultural não é

muito divisado. O que não é exatamente ruim, uma vez que não

tenhamos de ir atrás desta tradição", observa a professora da

UFPR.

Marilene diz ainda que não se pode dizer que exista uma

literatura paranaense na mesma acepção, por exemplo, da

praticada no Rio Grande do Sul. "Embora tenhamos nomes

significativos, a produção não traduz esse perfil do estado. O

que temos é uma literatura no Paraná", afirma.

Neste entrecruzar de influências ou consangüinidade, talvez a

expressão do escritor Wilson Bueno possa resumir o assunto:

"Somos herdeiros dos simbolistas, das vanguardas, das

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retaguardas e não podemos fugir do nosso passado. De Homero,

passando por Rocha Pombo".

Legenda:

Capa do livro “Remorso”, da Coleção Brasil Diferente de

Newton Sampaio, editado pela Imprensa Oficial do Paraná,

em 2002.

Linha do tempo

1907 – É publicado o romance No Hospício, do historiador

Rocha Pombo. O crítico Moisés Massaud o considera como o

principal romance do movimento simbolista. Sem muita ação,

livro traz diálogo com a história, filosofia, religião e literatura.

Antes outros romances simbolistas haviam sido publicados no

Paraná, mas de pouca expressão comoMocidade Morta (1899),

de Gonzaga Duque, e Amigos (1900), de Nestor Vitor.

1939 – Newton Sampaio publica Irmandade, livro de contos

marcado pelo tom pungente e pela sátira ao modo de vida da

província. É considerado como a primeira voz moderna na

literatura paranaense e precursor da geração de Dalton

Trevisan.

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1946 – Revista Joaquim, editada por Dalton Trevisan, surge

com a proposta de homenagear todos os Joaquins e propor uma

arte de caráter cosmopolita e inovadora. Publicação vai servir

como o veículo onde Dalton Trevisan dará visibilidade a sua

produção literária.

1959 – Dalton Trevisan publica seu primeiro livro Novelas

Nada Exemplares, que já o revela um escritor amadurecido.

1968 – Primeiro livro de Jamil Snege, Tempo Sujo revela uma

espécie de narrativa-depoimento da geração que freqüentava a

"Velha Adega", em Curitiba, na década 60. Nas décadas de 80 e

90, se destacou no cenário literário local com as obras Como Se

Fiz Por Mim Mesmo, Viver É Prejudicial à Saúde e Grande

Verão da Leitoa Branca.

1975 – Publicação de Catatau, de Paulo Leminski. Romance

experimental que traz um extenso monológo em que se projeta

a figura do filósofo René Descartes que supostamente teria

vindo ao Brasil junto com Maurício de Nassau. Posteriormente,

Leminski acabará se tornando o principal nome da poesia

brasileira nos anos 80.

1977 – O Homem Vermelho, de Domingos Pellegrini, ganha o

prêmio Jabuti. Com uma prosa ligada à temática social e ao

desbravamento do norte do Paraná, Pellegrini vai escrever ainda

Terra Vermelha, O Caso da Chácara Chão, entre outros livros,

sendo considerado com um dos maiores contistas nacionais.

1981 – Valêncio Xavier começa a ter projeção literária com

o lançamento de Mez da Grippe, livro que foge da narrativa

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tradicional e que tem suscitado polêmicas entre os críticos.

Livro é produzido a partir da montagem de recortes de

jornais, depoimentos, poemas e cartões postais, numa

valorização da imagem, seguindo uma característica

própria na produção do autor. É fundada a editora Criar

Edições, de Roberto Gomes, ˆria Zanoni e do recém-

revelado Cristovao Tezza, que viria se tornar um dos

grandes romancistas da geração 80/90.

Década de 90 - Destaque para Mar Paraguayo,

considerado um dos livros mais importantes da década.

Manoel Carlos Karam ganha o Prêmio Cruz e Souza, com o

livro Cebola; Miguel Sanches Neto lança Chove sobre

Minha Infância, Roberto Gomes retoma a prosa com

Solidão em Curitiba e Valêncio Xavier tem sua obra

reconhecida nacionalmente. Em paralelo, a produção

londrinense revela a prosa de Mário Bortolotto.

Matéria publicada no Caderno G, do jornal Gazeta do Povo.