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ROSEMEIRY DE CASTRO PRADO DO ENGENHEIRO AO LICENCIADO: OS CONCURSOS À CÁTEDRA DO COLÉGIO PEDRO II E AS MODIFICAÇÕES DO SABER DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA DO ENSINO SECUNDÁRIO MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA PUC – SP 2003

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ROSEMEIRY DE CASTRO PRADO

DO ENGENHEIRO AO LICENCIADO:

OS CONCURSOS À CÁTEDRA DO COLÉGIO PEDRO II E AS

MODIFICAÇÕES DO SABER DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA

DO ENSINO SECUNDÁRIO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

PUC – SP

2003

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ROSEMEIRY DE CASTRO PRADO

DO ENGENHEIRO AO LICENCIADO:

OS CONCURSOS À CÁTEDRA DO COLÉGIO PEDRO II E AS

MODIFICAÇÕES DO SABER DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA

DO ENSINO SECUNDÁRIO

Dissertação elaborada no Curso de Pós-

Graduação em Educação Matemática da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial à graduação de

MESTRE EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA,

sob a orientação do Prof. Dr. Wagner

Rodrigues Valente.

PUC – SP

2003

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Banca Examinadora

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total

ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura: _______________________________ Local e Data: ___________

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“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o Mundo é composto de mudança,Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,Diferentes em tudo da esperança;

Do mal ficam as mágoas na lembrança,E do bem (se algum houve...) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,Que já coberto foi de neve fria,

E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,Outra mudança faz de mor espanto:

Que não se muda já como soía".

Luís de CamõesLuís de CamõesLuís de CamõesLuís de Camões

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Dedico este trabalho aos meus pais, José Carlos e Nair,

exemplos de honestidade e lisura; aos meus queridos e

amados irmãos, Renato e Raquel, e às minhas sobrinhas,

Talita e Laura, amores de minha vida.

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Meus agradecimentos especiais ao Professor

Doutor Wagner Rodrigues Valente, pela

integridade, competência, profissionalismo,

dedicação, paciência e compreensão ao longo

desse trabalho, sem o que, não seria possível a

realização deste sonho e o término desta

pesquisa.

À Professora Célia Maria Carolino Pires que ao

aceitar participar da banca examinadora, muito

enriqueceu este trabalho com suas críticas e

sugestões.

Ao querido amigo e mestre de outrora, Antonio

Vicente Marafioti Garnica, a quem devo grande

parte de minha inspiração e amor pelo magistério

e que, ao constituir a banca de defesa, mais uma

vez contribuiu de modo significativo na

concretização de mais um projeto pessoal.

Aos Professores do Programa de Estudos Pós-

Graduados em Educação Matemática da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, que

contribuíram na formação, apropriação e

construção de um imenso tesouro que jamais

poderá ser roubado ou destruído: a valorização do

saber.

À querida professora e amiga Ana Paula Jahn,

que muito me encorajou e incentivou ao longo

dessa caminhada.

AGRADECIMENTOS

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Aos meus amigos do grupo de pesquisa e do

Mestrado da PUC/SP, por compartilharem

momentos alegres e difíceis nessa minha batalha,

dando força e carinho para que pudesse

finalmente chegar ao término desse trabalho.

À minha família, sem a qual jamais conseguiria

tanta força e firmeza para retirar todas as pedras e

obstáculos que surgiram ao longo desta difícil mas

compensadora trajetória. A ela, devo toda a

realização desse projeto.

Aos mais que amigos que encontrei no decorrer

do curso, Benedito Afonso Pinto Junho e

Aparecida Duarte e seus familiares, com os quais

compartilhei as minhas dificuldades e desfrutei

das alegrias dessa amizade. É muito bom poder

olhar para trás e perceber que, acima de tudo, o

amor, o carinho e o companheirismo são o que de

melhor plantamos. E, se vencemos, é porque

unidos começamos e unidos alcançamos nosso

objetivo.

Aos amigos queridos da família “OAPEC”, aos

quais sei que devo muito, pois me deram muita

força e muito carinho. A todos, sem exceção,

funcionários, alunos, coordenadores, professores

e diretores da Organização Aparecido Pimentel de

Educação e Cultura, a minha gratidão eterna.

Ao meu namorado Marcio que, além de toda a

paciência no decorrer desses anos, também

sempre esteve ao meu lado incentivando e

torcendo para que este trabalho fosse finalizado.

À minha irmã Raquel que, de modo direto, várias

vezes me acompanhou nesta trajetória. Juntas,

mais uma vez, vencemos...

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Enfim, a todos aqueles que direta ou indiretamente

contribuíram para que este projeto se tornasse

uma realidade.

A autora

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O presente trabalho estuda alguns elementos para a história da formação

do professor de matemática do ensino secundário. Mais especificamente, através

da análise de concursos à cátedra do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro,

buscamos compreender historicamente as alterações exigidas ao saber dos

professores de matemática. Procuramos mostrar que o saber profissional do

professor de matemática está referenciado pelos concursos, sofrendo alterações

com a criação das faculdades de filosofia. O período abordado permite estudar

elementos que estão presentes na transição dos engenheiros para os licenciados.

Essa passagem é analisada a partir das alterações relativas às exigências do

saber profissional daqueles que ensinam Matemática no secundário.

Palavras-chave: Colégio Pedro II, cátedra, Faculdade de Filosofia, Educação

Matemática, formação de professor.

RESUMO

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The present work studies some elements for history of mathematics’

teacher formation to secondary school. Through the specific analysis of the

contests to Pedro II School cathedra in Rio de Janeiro we try historically to

understand the changes demanded from knowledge of mathematics’ teachers. We

try to show that professional knowledge of mathematics’ teacher is referred by the

contests suffering changes with the creation of philosophy universities. The

approached period permit to study elements that are present on the transition from

the engineers to the licensed teachers. That passage is analyzed from the

changes related to the demands of professional knowledge of those who teach

mathematics on secondary school.

Palavras-chave: Pedro II School, cathedra, Philosophy University, Mathematic

Education, formation of teachers.

ABSTRACT

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INTRODUÇÃO ................................................................................................. 13

CAPÍTULO 1

CONSIDERAÇÕES TEÓRICO METODOLÓGICAS.........................................17

1.1. Sobre a história da formação do professor de matemática no Brasil .... 30

1.2. Escolhendo um lugar de pesquisa para análise da transição engenheiro-

licenciado ......................................................................................................39

CAPÍTULO 2

O ENGENHEIRO-PROFESSOR DE MATEMÁTICA.

2.1. Os os engenheiros militares e o ensino da Matemática no Brasil ..........62

2.2. As Escolas Politécnicas: O engenheiro-professor................................. 64

2.3. A cátedra: a principal referência para o ensino secundário e superior . 68

2.4. O concurso à cátedra de Matemática do Colégio Pedro II em 1934: o fim

de uma era....................................................................................................71

2.4.1. Os postulantes à cátedra de Matemática do Pedro II ...................... 74

2.4.2. Os examinadores do concurso de Matemática de 1934 .................. 78

2.4.3. A prova de defesa de tese referente à cátedra de Matemática........ 80

2.4.4. A prova escrita dos candidatos .........................................................81

2.5.5. A prova oral do concurso de Matemática......................................... 84

SUMÁRIO

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CAPÍTULO 3

O MOVIMENTO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO ENSINO DE MATEMÁTICA,

AS FACULDADES DE FILOSOFIA E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE

MATEMÁTICA.

3.1. O ensino da Matemática no cenário internacional e nacional ....................88

3.2. Os reflexos do movimento de internacionalização do ensino da Matemática

e a necessidade da formação do professor secundário....................................91

3.3. A Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo ..........................97

3.4. A Faculdade Nacional de Filosofia...........................................................101

CAPÍTULO 4

O CONCURSO À CÁTEDRA DE MATEMÁTICA EM TEMPOS DAS

FACULDADES DE FILOSOFIA: DO ENGENHEIRO AO LICENCIADO.

4.1. 1948: Um novo concurso é aberto no Colégio Pedro II para uma cátedra de

Matemática .....................................................................................................109

4.1.1. Os postulantes à cátedra ....................................................................111

4.1.2. As provas dos candidatos à cátedra de Matemática...........................113

4.1.3. As provas de defesa de tese dos candidatos......................................115

4.1.4. A prova escrita do concurso................................................................115

4.1.5. A prova prática dos candidatos...........................................................116

4.1.6. A prova didática do concurso..............................................................118

CAPÍTULO 5

CONCLUSÕES ...................................................................................................122

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................129

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O presente trabalho que denominamos “Do engenheiro ao licenciado: os

concursos à cátedra do Colégio Pedro II e as modificações do saber do professor

de matemática do ensino secundário”, é parte integrante dos trabalhos que vêm

sendo desenvolvidos no âmbito do projeto “História da Educação Matemática no

Brasil, 1920-1960”, no interior do Programa de Estudos Pós-Graduados em

Educação Matemática da PUC-SP.

O objetivo maior desse projeto é:

(...) escrever a história do percurso seguido pelo ensino de Matemática noBrasil, no período compreendido entre o primeiro movimento demodernização desse ensino e o chamado movimento da matemáticamoderna. Noutros termos, a pesquisa busca reconstruir o trajeto seguidopela matemática escolar situada entre a crítica ao formalismo clássico e asua adesão à axiomática moderna. Tomando a Matemática como um tipode produção cultural, a ser apropriada e desenvolvida em diferentescontextos, inclusive o escolar, o estudo pretende preencher uma lacunaimportante existente na história da Educação Matemática brasileira(VALENTE, 2001c).

Nossa pesquisa aborda aspectos do trajeto histórico de formação do

professor de matemática brasileiro.

Na tentativa de melhor compreender a trajetória da formação do professor

secundário de matemática no Brasil, remetemo-nos a dois momentos-chave: o

primeiro, anterior à criação das Faculdades de Filosofia; o segundo, em período

posterior, considerando os egressos dessas faculdades.

INTRODUÇÃO

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Esses dois momentos são analisados a partir de dois concursos à cátedra

de Matemática do Colégio Pedro II, instituição-modelo para o ensino secundário

no Brasil desde sua criação, em 1837.

A análise desses concursos intenta responder questões como:

- que modificações ocorrem nos conhecimentos exigidos do professor de

matemática?

- de que modo os concursos interferem na especificidade do professor de

matemática?

- em que medida os concursos analisados representam marcos históricos

da profissionalização do professor de matemática no Brasil?

Essas questões configuram nosso problema de pesquisa que pode ser

sintetizado na indagação sobre a trajetória do profissional do ensino da

Matemática: como se dá a passagem do engenheiro ao licenciado em

Matemática?

Longe de tentar escrever uma história da profissionalização do professor

secundário, a proposta de nosso trabalho, busca alguns elementos para a história

da formação do professor de matemática do ensino secundário brasileiro.

Ao mencionarmos a história da formação do professor de matemática, nos

parece relevante focalizar uma época em que ocorre a transição dos engenheiros

para os licenciados.

Essa mudança pode ser analisada a partir da modificação do saber

profissional daqueles que ensinam Matemática no secundário. Neste contexto,

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consideramos saber profissional, o saber de referência para o exercício de uma

profissão. No caso presente, saber de referência ao exercício do magistério da

Matemática no ensino secundário brasileiro.

Procuramos mostrar também, que num primeiro momento, especificamente

para o primeiro concurso – anterior à criação das Faculdades de Filosofia, o

saber profissional do professor de matemática é referenciado pelos concursos à

cátedra do Colégio Pedro II. Num segundo momento, ulterior à criação das

Faculdades, estas passam a representar um lugar de formação e apropriação do

saber dos professores secundários. Os exames passam a avaliar as condições

dos professores egressos dessas Faculdades. Deste modo, o exame daqueles

que se candidatam a uma cátedra de Matemática do ensino secundário sofrem

alterações mediante a parametrização estabelecida pelas Faculdades de Filosofia

existentes.

Na medida em que percebemos o centro de referência, que se torna o

Colégio Pedro II, encontramos em outros colégios, seus professores dando aulas

a partir de referências desse Colégio, seja pelos seus livros didáticos adotados e

escritos por autores do Pedro II, pelas próprias leis nacionais estabelecidas e

referenciadas à Instituição ou mesmo através de cursos de capacitação instituídos

para preencher as demandas de professores de matemática não supridas pelas

poucas Faculdades de Filosofia criadas nos anos 1930.

O objetivo geral deste trabalho é, pois, estudar alguns elementos para a

história de formação do professor de matemática no ensino secundário brasileiro.

De modo específico, através da análise de dois concursos de cátedra, de dois

momentos distintos da nossa história, procura-se mostrar que ocorrem

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modificações e alterações nas exigências dos professores que atuam no

magistério da Matemática.

Logo, dividimos este estudo em cinco capítulos. No primeiro, tratamos da

fundamentação teórico-metodológica na qual se baseia este trabalho, levando em

conta, sobretudo, os ensinamentos da Nova História das Ciências. Neste capítulo,

selecionamos as ferramentas necessárias ao desenvolvimento de nosso estudo.

No segundo capítulo discorremos sobre os nossos primeiros professores

de matemática e tratamos das origens destes profissionais. Abordamos algumas

considerações sobre a cátedra no ensino brasileiro e, apresentamos o concurso à

cátedra de Matemática do Colégio Pedro II, em 1934.

Já no terceiro capítulo, consideramos o movimento de internacionalização

do ensino de Matemática, seus reflexos e discussões geradas em torno de suas

aspirações. Também tratamos das Faculdades de Filosofia implantadas no Brasil

a partir da década de 1930, destacando a Faculdade de Filosofia da Universidade

de São Paulo e a Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro.

No quarto, tratamos do concurso realizado em tempos da criação das

Faculdades de Filosofia.

Finalmente, no quinto capítulo, apresentamos as conclusões do trabalho.

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CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

A tentativa de compreender como se dá a passagem histórica do

engenheiro ao licenciado em Matemática busca amparo teórico-metodológico na

perspectiva da Nova História das Ciências (NHC). Neste caso, dois textos de

Dominique Pestre orientam nosso primeiro olhar com vistas à resolução de nosso

problema de pesquisa: Les sciences et l’histoire aujourd’hui e Por uma nova

história social e cultural das ciências: novas definições, novos objetos, novas

abordagens. Como explica Pestre (1996, p. 5), esse novo modo de escrever a

história científica foi diretamente influenciado pela Nova História, por uma história

cultural, que ganha fôlego a partir dos anos 1920:

(...) Num certo sentido, guardadas as proporções devidas para umadisciplina de menor amplitude, a História das Ciências se encontra hojenuma posição homóloga àquela que prevaleceu nos anos 1930 para aHistória em seu conjunto. Seja porque Marc Bloch, Lucien Fèbvre eoutros redefiniam o que eram os objetos legítimos da disciplina, sejaporque propunham submeter a seu domínio uma gama de atividades atéentão mantidas fora de sua jurisdição, seja ainda porque anexavam outraspráticas disciplinares, eles abriam um espaço novo a conquistar,ofereciam à sagacidade do historiador a possibilidade de historicizarpráticas até então não consideradas por ele. Mais especificamente – e aanalogia com o que se passa na História das Ciências é absolutamentepertinente - , eles tornavam caduca a assimilação de uma formahistoriográfica particular à disciplina em seu conjunto, aboliam asupremacia de um gênero único e dominante (o ‘grande gênero’, como sediz em pintura), e tornavam legítimas abordagens até então marginais oumenores.

CAPÍTULO 1

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Ao se repensar aspectos como a redefinição científica, a universalidade do

saber científico, a reprodução e apropriação do saber, novas idéias e renovações

são sugeridas por essa historiografia. Contudo, o autor não negligencia que a

influência dessa Nova História das Ciências é, antes de tudo, um reflexo nítido de

uma nova história que não se limita ao relato das guerras e à política.

Essa Nova História se configura como a análise da existência de novos

objetos, considerados até então banais e pouco nobres (PESTRE, 1996).

Na verdade, o que se destaca é que, num dado momento histórico, a

maioria das produções e obras se atêm ao convencionalismo, aos feitos dos

grandes homens de sua época, a seus acontecimentos políticos e a seus países.

No entanto, a história tradicional se defronta com momentos de rupturas e de

insatisfações aos anseios e às exigências do novo homem que surge na

sociedade. Fica evidenciado em Burke (1992, p. 7), que não é mais possível dar

continuidade a esta história convencional:

A necessidade de uma história mais abrangente e totalizante nascia dofato de que o homem se sentia como um ser cuja complexidade em suamaneira de sentir, pensar e agir, não podia reduzir-se a um pálido reflexode jogos de poder, ou de maneiras de sentir, pensar e agir dos poderososdo momento. Fazer uma outra história [grifo do autor], na expressãousada por Febvre, era portanto menos redescobrir o homem do que,enfim, descobri-lo na plenitude de suas virtualidades, que se inscreviamconcretamente em suas realizações históricas (...).

Com a abertura de novas possibilidades do fazer historiográfico, busca-se

um novo tipo de história que não despreza o subjetivo, o indivíduo e seu

comportamento. Além da preocupação com as mudanças do domínio histórico ao

redor dos acontecimentos políticos, esta nova história traz inovação no âmbito

interdisciplinar, aproximando os diversos ramos das ciências. A abordagem

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diferenciada dessa história apoia-se nos grupos e não somente nos indivíduos e

eventos que protagonizam uma época.

Mas, em que condições temos o nascimento desta nova história? Quais os

representantes deste novo engajamento histórico? Quais os frutos do novo

trabalho histórico? Estas são algumas questões que ajudam melhor entender todo

o franqueamento das fronteiras da nova história.

O nascimento da nova história se dá na França, entre os anos 1920 e

1930, e, uma possível explicação para este fato é que, depois da Revolução

Francesa e com o surgimento da historiografia romântica, a sensibilidade histórica

do povo francês aguçou-se, permitindo que a história se enraizasse em seu

cotidiano (BURKE, 1992).

Entre os diversos representantes da diversificação do fazer historiográfico,

encontramos Marc Bloch e Lucien Febvre1, que além de produzirem uma obra

pessoal significativa, fundam a revista Annales, com o explícito objetivo de fazer

dela um instrumento de enriquecimento da história, por sua aproximação com as

ciências vizinhas e pelo incentivo à inovação temática (BURKE, 1992).

Fundada com o intuito de promover uma nova espécie de história, a revista

aponta diretrizes que encorajam a substituição da tradicional narrativa de

1 Lucien Febvre e Marc Bloch tornaram-se os grandes líderes dos Annales. Febvre foi admitido na EscolaNormal Superior de Paris, em 1897. Professor universitário, despertou grande interesse pela introduçãogeográfica e pela geografia histórica. Bloch também freqüentou a École Normale, onde seu pai ensinavahistória antiga. Sua maior influência foi a do sociólogo Émile Durkheim. Apesar de seu interesse pela políticacontemporânea, optou por especializar-se em história medieval. Ambos pensavam de maneira interdisciplinare sob uma perspectiva de uma história – problema. (BURKE, 1992).

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acontecimentos por uma história-problema2, enfatizando a história das atividades

humanas e que contribuísse com as outras disciplinas.

Dividido em três fases, o movimento dos Annales apresenta características

diversas no decorrer da história. Em sua primeira fase (1920 a 1945), temos um

grupo ainda pequeno lutando radicalmente contra a história tradicional, que se

debruça na história política e de seus eventos. Num segundo momento, depois da

Segunda Guerra Mundial, temos a presença de conceitos diferentes e novos

métodos, especialmente aos das tendências das mudanças na longa duração

das obras históricas. Já, numa terceira fase, por volta de 1968, temos a

fragmentação e a transferência de alguns membros do grupo da história

socioeconômica para a história sociocultural. Devido à grande influência do grupo,

especialmente na França, perdem-se muito algumas especificidades anteriores.

Esta forma de narrativa histórica acaba impregnando toda uma época e

seus reflexos atingem as diversas áreas das ciências. Segundo Burke (1992), a

mais importante contribuição do grupo dos Annales é a expansão do campo da

história por diversas áreas:

(...) O grupo ampliou o território da história, abrangendo áreasinesperadas do comportamento humano e a grupos sociais negligenciadospelos historiadores tradicionais. Essas extensões do território históricoestão vinculadas à descoberta de novas fontes e ao desenvolvimento denovos métodos para explorá-las. Estão também associadas à colaboraçãocom as outras ciências, ligadas ao estudo da humanidade, da geografia àlingüística, da economia à psicologia. Essa colaboração interdisciplinarmanteve-se por mais de sessenta anos, um fenômeno sem precedentes dasciências sociais. (BURKE, 1992, p. 127).

A Nova História das Ciências também é influenciada pelas concepções

desta nova história, ou melhor, é fruto dessa alteração e desse novo modo de

2 História-problema foi um slogan de Lucien Febvre para defender sua idéia de que toda história deveriatomar essa forma. É “uma história orientada por problemas” (Burke, 1992).

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liberdade de idéias e de relações entre estrutura social e ação humana. Essa

nova história influencia também os trabalhos sobre a história das ciências e, em

particular, vem influenciando a escrita da história da Matemática.

Assim, não diferentemente das demais áreas, as contribuições da Nova

Histórica lançam seus efeitos de modo direto nos diversos ramos da ciência.

Apesar de ainda não ser um paradigma dominante em nossos dias, a NHC

contrapõe-se ao tradicional, redefinindo o significado das práticas científicas antes

apresentada como sistemas de proposições e enunciados, valorizando-se

exclusivamente o seu caráter abstrato. Através de uma redefinição operada pela

NHC, a ciência é repensada como instituição social e está arraigada na sociedade

que a produz.

Assim, através de uma ciência que está envolvida pela sociedade que a

produz, redefine-se aquilo que é interessante, havendo flexibilidade nas

interpretações e modificações que dependem do contexto na qual está a prática

científica inserida (PESTRE, 1998).

A atividade científica também tem sua natureza redefinida pela NHC e

Pestre (1996, p. 17) considera que:

(...) pode-se dizer que toda atividade científica é uma atividade prática deinterpretações e de invenção implicando saberes e saber-fazer, certezasformalizadas e convicção íntima, e que consiste em trazer julgamentos[grifo do autor] sempre contextualmente situados. Entre os atorescientíficos, os modos e critérios de julgamento não são nem dados, nemsempre explicitados. Ao contrário, a definição do que se faz prova e doque é aceitável é precisamente essência do debate.

O caráter de universalidade da produção científica é também redefinido

pela NHC. No dizer de Pestre (1996, p. 20), os saberes científicos circulam e são

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validados mediante essa circulação e reutilização, adquirindo o caráter de

universal:

Por essa razão, a aparente universalidade dos enunciados científicos, ofato de que eles sejam descritos como “verdadeiros em qualquer parte” ecompreendidos “nos mesmos tempos” por todos não pode constituir umbom ponto de partida para uma análise histórica das ciências. Se ossaberes científicos (da mesma forma que outras formas de saberes)circulam, não é porque sejam universais. É porque eles circulam – isto é,porque são (re) utilizados em outros contextos e um sentido lhes éatribuído por outros - , que eles são descritos como universais (...).

Ao se produzir algo, em um determinado contexto, e depois, ao sair do seu

domínio local de produção, ocorrem processos de apropriação, ou seja, jamais se

transporta intocavelmente produtos culturais de um contexto para outro. A idéia

tradicional de que se é possível transmitir conceitos e seus produtos de maneira

idêntica de uma cultura para outra, dá lugar à idéia de que a transmissão de um

produto cultural que se faz de modo não mais idêntico ao original, sofrendo

transformações e adaptações durante o processo. É o caso da Matemática, que

produzida pela comunidade de matemáticos e nas universidades, assume o

caráter de saber científico. Entretanto, ao transportá-la de uma instituição para

outra, várias são as formas que este saber assume, podendo estar relacionada à

instituição de ensino e sua forma didática de apresentar o saber matemático ao

aluno. Também podemos considerar o tripé - professor, aluno e o saber - ,

repensando na instituição classe e aluno como locais de inserção do saber em

suas diversas formas de apropriação. De todo modo, no momento em que se

transporta uma determinada produção, de um local para outro, ocorrem

transformações e apropriações diversas em relação a este produto.

Outro assunto tratado pelo autor, em sua síntese das propostas da NHC,

refere-se à análise das controvérsias.

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A análise das controvérsias objetiva focar de perto a prática do cotidiano da

comunidade científica, implica um método que recusa a história julgada,

oferecendo demonstrações eloqüentes no que diz respeito aos “fatos científicos”.

“Esse modo historiográfico combina a escolha de um objeto empírico

documentado dia-a-dia e a centralização de uma polêmica aberta (PESTRE,1996,

p. 10)”.

Tal análise, além de fazer referência à questão do saber permite a

interrogação sobre o que faz com que um consenso particular surja após superar

as diversas proposições iniciais de um debate, torna-se atenta à negociação da

legitimidade dessas proposições na comunidade de especialistas.

As análises são capazes de mostrar, por exemplo, que o estabelecimento

do fato experimental e a interpretação dos resultados não são jamais separáveis.

“Provas, fatos e normas da prova são definidos no mesmo movimento” (PESTRE,

1996, p. 17).

Através da análise das controvérsias é possível evidenciar a construção de

fatos e dar maior clareza a certas situações. As controvérsias podem nos oferecer

os momentos importantes, que possibilitam riquezas e detalhes, oriundos de um

dado acontecimento.

Mas, o que talvez nos pareça mais fértil, em termos de nosso objeto de

estudo, nos textos de Pestre, diz respeito à compreensão dos saberes presentes

no meio escolar. Ao afirmar que em cada contexto ocorre uma nova forma de

escrita da ciência, o autor repensa a atividade científica, relacionado-a com o seu

meio social:

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A atividade científica é portanto, repensada como uma atividade práticade invenção implicando saberes e saberes-fazer, convicções formalizadas,interações controladas com o mundo material e convicções íntimas. Ela éanalisada como uma atividade humana que consiste em formular osjulgamentos contextualmente situados (...). Estes julgamentos – osenunciados científicos - são apreendidos como os atos de representação,de construções que são o fazer do homem em sociedade (PESTRE, 1998,p. 54, grifo do autor).

A possibilidade de circulação do saber em diferentes contextos efetiva a

importância do papel da escrita da ciência nesses locais. De outro modo, a cada

contexto, temos uma forma de escrita da ciência circulando por ele. E, mais

especificamente, no contexto que estamos analisando – o escolar - , encontramos

uma forma de escrita da Matemática.

Os exames de cátedra, por exemplo, fontes para nosso estudo, estão

submersos no mesmo tipo de contexto, que é o escolar. Contudo, a forma de

escrita da ciência Matemática é dada em função de parâmetros diferenciados e

analisados em termos de um dado momento histórico, o que nos permite

encontrar julgamentos diferenciados acerca dos conteúdos e do saber do

professor de matemática exigidos durante a circulação desse saber na ambiência

escolar em dois momentos diferentes.

Também no âmbito da NHC e, tratando em particular da Matemática,

Bruno Belhoste (1998) é outro autor que consideramos fundamental para ajudar-

nos a compreender o processo de profissionalização do professor de matemática.

Em seu texto Pour une reévaluation du rôle de l’enseignement dans l’histoire des

mathématiques, o autor realiza análises importantes como: o papel do ensino na

organização do campo disciplinar, a profissionalização do meio matemático e a

estandardização das carreiras.

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Ressalta que ainda hoje, em sua grande maioria, os matemáticos são

professores cujo desenvolvimento da carreira e a organização das suas

atividades se dão principalmente em nível escolar universitário. Deste modo, a

sociedade, em geral, atribui à Matemática o status de disciplina do ensino e ao

profissional da área a figura do especialista relacionado ao campo pedagógico e

escolar. Contudo, para os matemáticos, a atividade de pesquisa é o elemento

primordial que define sua identidade profissional. Segundo seus pares, o ensino

da matemática não é suficiente para ser matemático; é preciso, sobretudo,

produzir resultados matemáticos e contribuir para o progresso da Matemática.

Informa-nos o autor, que é principalmente pelo ensino que a atividade

matemática se profissionalizou na Europa, dando origem à figura moderna do

matemático e às questões referentes a esta profissionalização. Mas, quais são as

relações entre a dinâmica das atividades escolares e a evolução do status

profissional dos matemáticos? Como, em particular, a diferenciação das formas

de ensino influi sobre a organização do saber matemático? Qual a influência do

contexto sobre a periodização da história da Matemática?

Belhoste (1998), na busca da origem da profissionalização do professor de

Matemática salienta que nas universidades medievais, a Aritmética, a Geometria,

a Música e a Astronomia ocupam um lugar marginal, ignorando-se quem são os

profissionais que ensinavam esses saberes.

O autor observa que, apesar de no século XIV, na Itália, França e

Alemanha, os algarismos e o ábaco serem ensinados por uma comunidade de

matemáticos e professores e se constatar a existência de escolas onde se

ensinam a Aritmética Comercial a futuros mercadores, é sobretudo no século XVI

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que o ensino matemático se desenvolve na Europa. A aparição de novas técnicas

militares, em particular a artilharia, a fortificação e a cartografia suscitam a forte

demanda da formação de matemáticos. A necessidade de dominar e transmitir os

conhecimentos matemáticos leva à criação de cadeiras de Matemática nas

universidades e nos colégios. Entretanto, ressalta Belhoste, os matemáticos

criadores, aqueles de que a história da Matemática retém os nomes, são em sua

maioria originária da corte ou do gabinete de serviços dos príncipes e, somente

depois, são integrados às instituições acadêmicas.

Belhoste nos chama a atenção ao fato de que é no século XVIII que

surgem os ecos dos trabalhos de pesquisa; os historiadores através de fontes

exploram mais sistematicamente os meios ainda não tão conhecidos, tomando

contato com os saberes, os ensinos e suas produções. O período ente 1770 e

1820 simboliza o surgimento do estatuto do matemático profissional, ao mesmo

tempo em que é implantada a pesquisa matemática nas instituições de ensino. O

professor de matemática surge primeiramente na França e depois no sul da

Europa.

Duas razões fundamentais são apontadas pelo pesquisador para

explicarem as modificações ocorridas no processo de profissionalização do

matemático: a necessidade do Estado em poder contar com especialistas desta

área devido a sua consagração como elemento tradicional de sua cultura

profissional (em particular os militares consagrados matemáticos) e a crise do

modelo humanista de cultura escolar do século XVI, sendo a Matemática

introduzida como elemento fundamental na formação intelectual e moral no

ensino de nível secundário, cujo estado vem assegurar sua informação e seu

enquadramento nesses estabelecimentos.

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O trabalho do historiador ainda aponta que na França, no século XVIII, os

examinadores dos candidatos à admissão à artilharia da engenharia e da marinha

militar são os matemáticos e membros acadêmicos. Antes dos exames, os

preparatórios são criados nos colégios de elite, abrindo carreira para os

professores de matemática. Depois dos exames, as escolas de engenheiros são

abertas dando o primeiro lugar aos estudos da Matemática. A Escola de

Politécnicos herda a experiência acumulada nas escolas de engenheiros e uma

reorganização do meio matemático em torno da atividade do ensino é cogitada na

Europa. A maioria dos professores de matemática do século XIX é formada na

Escola Politécnica (escola de engenheiros) e à Escola Normal compete a

formação dos professores dos liceus, ignorando as atividades de pesquisa. Na

Alemanha, diferentemente, os universitários associam a formação dos

professores dos ginásios às atividades de pesquisa da Matemática.

Na França, encontramos o meio matemático do século XIX estruturado de

modo a colocar num pólo os engenheiros politécnicos e noutro, os professores

agregados à universidade. Os primeiros são hegemônicos à Academia de

Ciências e nos altos estabelecimentos parisienses de ensino e de pesquisas. Os

segundos se concentram quase que exclusivamente nos liceus e nas faculdades

das províncias. A dominação dos politécnicos é devida pelo controle que eles

exercem sobre o ensino da Matemática no nível secundário e superior, tanto pela

intermediação do exame de admissão da Escola Politécnica quanto pelo

Conselho de Inspeção Pública e Inspeção Geral. É preciso esperar o

desenvolvimento do ensino superior, a partir do final do ano de 1870, para que a

situação se transforme progressivamente: os professores das novas

universidades, formados em sua maioria pela Escola Normal Superior, começam

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a se impor no meio matemático, tanto no ensino como na pesquisa, recuando a

influência dos politécnicos.

Quanto às práticas de ensino e de pesquisa, o pesquisador destaca que

uma melhor compreensão dos diferentes contextos de ensino pode esclarecer

alguns temas clássicos de história da Matemática, como por exemplo, a análise

da produção matemática e seus modos de organização e de representação dessa

disciplina num certo momento e em um dado lugar. Assim sendo, as instituições

de ensino, além de estruturarem o campo disciplinar, também determinam as

práticas e o modo de trabalho que modelam a atividade matemática.

Belhoste afirma que não é surpresa a ação e a interferência das práticas

de ensino nas práticas de pesquisa. A prática de um dado problema em situação

didática pode originar uma prática do problema de situação de pesquisa. Aponta

que muitas vezes a prática didática do problema é reinventada pelos matemáticos

em suas atividades de pesquisa, podendo chegar à invenção de novos conceitos,

de novos métodos, de novas teorias e de novas escolhas que impliquem uma

visão da estrutura do saber matemático. Assim, uma aula magistral, além de

instrumento motivador, pode ser considerada atividade de criação matemática,

tornando-se responsável pelo surgimento de um trabalho de pesquisa. A

colaboração entre professores e alunos, num trabalho coletivo, ilustra a dimensão

da atividade didática e o encorajamento dos alunos na iniciação de um trabalho

pessoal, podendo encadear confrontos e modificações de resultados já

existentes.

No contexto referente ao nosso trabalho, a produção matemática

obrigatória como um dos requisitos necessários à habilitação dos candidatos à

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cátedra de Matemática do Colégio Pedro II, por conjetura, pode estar intimamente

relacionada ao impacto dos ensinamentos magistrais de seus professores e,

deste modo, tornam-se fontes privilegiadas, elementos da problemática e alvo de

interesse dos historiadores de Matemática. Podemos dizer que, abre-se aqui, um

campo de pesquisa capaz de tocar a história das culturas profissionais e das

culturas científicas no decorrer dos próximos trabalhos na área.

Vimos que, apesar de Pestre não analisar de modo específico a

Matemática, ele se debruça na história do ensino científico, que também a

engloba. Apresenta suas idéias alicerçadas na Nova História das Ciências e

estuda a importância dos diferentes contextos e suas interferências no papel da

escrita da ciência.

De modo mais direto, Belhoste defende uma reavaliação do papel do

ensino na história da Matemática, estudando a profissionalização do meio

matemático, o ensino e o campo intelectual de produção matemática, as práticas

de ensino e práticas de pesquisa.

Ao considerarem que a produção científica e, conseqüentemente, a

produção matemática, não é independente das circunstâncias sociais de uma

determinada época, nem do contexto que em esta está submersa, ambos

proporcionam questionamentos que estão relacionados com o nosso trabalho: em

que medida os contextos dos concursos de 1934 e 1952 demandam um

determinado saber do professor secundário de matemática? Existem, nestes

contextos, mudanças em torno do saber exigido desse professor?

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1.1. SOBRE A HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA

NO BRASIL.

Em relação ao tema da história de formação do professor de matemática

no Brasil, há ainda poucos trabalhos. Dentre eles, é possível citar textos como os

de Wagner Rodrigues Valente (2002), André Luís Mateddi Dias (2002), Clóvis

Pereira da Silva (1999), Circe Mary Silva da Silva (2002).

Em texto publicado pela Revista da Sociedade Brasileira de Educação

Matemática, Valente (2002) tece alguns comentários sobre a História da formação

do professor de matemática brasileiro. Remete-nos às escolas militares existentes

no final do século XVII, na tentativa de buscar as origens do desenvolvimento da

Matemática no Brasil. Afirma que é nas Aulas de Artilharia e Fortificações,

suprindo as necessidades das práticas de guerra e de defesa do território

nacional, constituindo ingredientes fundamentais na formação militar, que a

Matemática aparece como conhecimento prático e útil. Segundo o autor, é essa

Matemática, inicialmente ligada à pratica e, posteriormente, organizada e dividida

para as diferentes classes das escolas militares, que passará para os colégios e

cursos preparatórios do século XX.

Assim, segundo o autor, o sistema escolar de ensino dessa época reúne

tanto uma Matemática considerada como um saber técnico e especializado cuja

finalidade é a formação do futuro engenheiro militar e guarda- marinha, bem

como, uma Matemática integrante do programa secundário propedêutico do

Colégio Pedro II.

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As transformações das escolas militares nas escolas politécnicas

influenciam de modo direto na formação dos engenheiros. “São eles os

professores de matemática dessas escolas até o início da década de XX, quando

são implantadas as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras” (VALENTE, 2002,

p. 88).

Os trabalhos de André Mateddi destacam, dentro do tema considerado, o

protótipo do profissional atuante no ensino da Matemática no final do século XIX

até meados do século XX, procurando mostrar quem era o professor de

matemática no Brasil em nossas primeiras instituições oficiais de ensino. De

acordo com o autor, existem pelos menos quatro grandes períodos envolvendo a

história da Matemática em nosso país, cada qual com seus respectivos marcos

característicos:

O primeiro período, das atividades matemáticas desenvolvidas quase quesomente nos colégios jesuítas, foi drasticamente interrompido com aexpulsão dessa ordem religiosa do país em 1759; o segundo período, dasatividades matemáticas desenvolvidas nas escolas de engenharia militar ecivil, que foi demarcado pelas aulas de artilharia e fortificações (1738),pela fundação da Academia Real Militar (1810), da Escola Politécnica doRio de Janeiro (1874) e de outras escolas de engenharia no final do séculoXIX, a depender da região do país, se estendeu inclusive ao século XX; oterceiro período, das atividades matemáticas desenvolvidas nasfaculdades de filosofia, foi demarcado pela fundação de instituições comoa FFCL (1934), a Faculdade de Ciências da Universidade do DistritoFederal (1935), que alguns anos depois foi absorvida pela FNFi (1939), eas outras faculdades de filosofia dos diversos estados do país, ondepassaram a funcionar os cursos de matemática até o advento da ReformaUniversitária em 1968; finalmente, o quarto período, das atividadesmatemáticas desenvolvidas nos institutos ou departamentos dematemática autônomos, como o Instituto de Matemática Pura e Aplicada(IMPA,1952) e o Instituto de Física e Matemática do Recife (IFM, 1954),que se estende até nossos dias (DIAS, 2002a, p. 188).

Sobre o primeiro período analisado, que envolve o desenvolvimento da

Matemática nos colégios jesuítas do Brasil, o autor questiona se é possível negar

as influências e ou repercussões dos padrões institucionalizados nesses colégios,

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mas não tece detalhes sobre o assunto. Relativamente ao período em que se dá

a implantação dos cursos militares e a fundação das primeiras Faculdades de

Filosofia no país, considera que a Matemática esteve intimamente ligada à

Engenharia. Os professores de matemática, os matemáticos, as pessoas

retentoras do conhecimento matemático são engenheiros formados pelas escolas

politécnicas e pelas academias militares existentes. “As escolas politécnicas e as

academias militares foram os espaços institucionais que centralizaram a produção

e a difusão da Matemática nesse período” (DIAS, 2002a, p.189).

Para Mattedi (2002b, p. 32), trata-se de uma época na qual quem gosta e

sabe Matemática geralmente é engenheiro. O engenheiro identifica-se com o

matemático e a Matemática faz parte da profissão de Engenharia. As escolas de

engenharia são os principais espaços destinados à produção e reprodução dos

conceitos matemáticos.

Como ressalta o historiador, os professores atuantes no ensino secundário

brasileiro ou nas escolas de nível superior são engenheiros, e ensinar Matemática

não é incompatível com as demais atividades dessa profissão. Muitas vezes

incorpora-se o exercício do magistério da Matemática como uma função a mais

devido à escassez de indivíduos qualificados para exercer a profissão. Contudo,

os egressos das Escolas Politécnicas ensinavam a disciplina não somente nos

estabelecimentos oficias ou particulares, também atendiam particularmente os

filhos de famílias abastadas em suas casas como forma alternativa ou

complementar em suas carreiras.

Mattedi nos informa, também, que com a implantação das faculdades de

filosofia no Brasil, as atividades matemáticas sofrem transformações tanto quanto

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ao espaço físico das mesmas, como na identificação profissional dos especialistas

que atuam nessa área. Já não temos mais os engenheiros predominando como a

figura do professor de matemática. São os licenciados em Matemática que irão

atuar no ensino secundário e superior de nossas instituições, transmitindo o

conhecimento matemático apropriado nas Faculdades de Filosofia do país.

Finalmente, numa última etapa, o historiador ressalta o desenvolvimento

das atividades matemáticas nos institutos ou departamentos de matemática

autônomos, como o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA, 1952) e o

Instituto de Física e Matemática do Recife (IFM, 1954).

Contudo, parece-nos relevante ressaltar que, ainda hoje, há indícios da

prática das matemáticas apropriadas nesses diferentes períodos e contextos. De

outro modo, não é possível abordar os períodos considerado-os como estanques,

como marcos de um determinismo predominante numa época e sem correlação

entre os períodos mencionados. São diversas as influências e interferências das

atividades matemáticas desenvolvidas nas diferentes épocas. Temos arraigadas

ao sistema educacional e ao ensino e aprendizagem da Matemática as marcas

dos diversos períodos de desenvolvimento da disciplina no país.

Ainda, o mesmo pesquisador, Mateddi Dias, levanta algumas questões que

se encontram, segundo ele, em aberto e que são plausíveis de aprofundamento:

Como foi essa passagem da matemática dos engenheiros nas escolas deengenharia, para a matemática dos matemáticos nas faculdades defilosofia e, posteriormente, nos departamentos e institutos de matemáticaautônomos, dos institutos de pesquisa e das universidades brasileiras?Como ocorreu no Brasil a formação dessa nova corporação científica dosmatemáticos? Quando e como esses novos profissionais ocuparam o lugardos engenheiros no monopólio do exercício das atividades matemáticas?Quais estratégias, quais alianças, quais interesses foram mobilizados paraque conseguissem ocupar um território até então exclusivo dosengenheiros? Que contribuições para esse processo decorreram da

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fundação das universidades e das faculdades de filosofia? Como se deu aconquista, pelos matemáticos, dos novos espaços institucionais ondepuderam implantar o novo modo de fazer matemática, atendendo a seusinteresses e objetivos, organizados segundo suas normas e valores? Comoocorreu esse processo de transformações institucionais nas diversasregiões do país, nas diversas localidades onde existia uma escola deengenharia, onde foi fundada a faculdade de filosofia, onde passou afuncionar um curso de matemática? (DIAS, 2002a, p. 190).

No contexto dessas interrogações, consideramos pertinente aquela

definidora de nosso problema de pesquisa: como se dá a passagem do

engenheiro ao licenciado em Matemática?

Outra historiadora e matemática que se debruça em questões pertinentes

ao nosso tema de pesquisa é Circe Mary da Silva (2002). A autora identifica as

décadas de trinta e quarenta, do século XX, como marcos fundamentais às

transformações da sociedade brasileira. Afirma que o êxodo rural, o crescimento

industrial, os movimentos ideológicos que se manifestam no país, as crescentes

necessidades de recursos humanos devido ao modelo econômico em

emergência, são alguns fatores que geram o interesse ao preparo de

pesquisadores para as investigações nas áreas básicas e da formação de

professores especializados para o ensino secundário, principalmente das

disciplinas específicas do conhecimento, como a Matemática. E, com idéias

liberais e muitas vezes com propósito positivista, as Faculdades de Filosofia

assumem como objetivo a formação das elites culturais e políticas do país. São

elas inauguradas com o propósito de se tornarem o centro de formação para os

professores do ensino secundário (SILVA, 2002).

Ainda, de acordo com a autora, há uma preocupação com a qualificação

dos profissionais da área do ensino bem como a do pesquisador para suas

investigações e produções. A preocupação com o saber científico é claramente

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notada no interior dessas instituições e se deve, em grande parte, à transmissão

direta do conhecimento matemático proporcionada pelos matemáticos

estrangeiros que aqui chegam a fim de suprir a crescente demanda e necessidade

das escolas secundárias e dos cursos criados nas faculdades e universidade do

país.

A presença de matemáticos estrangeiros é fundamental para aproximar

alunos e pesquisadores brasileiros da Matemática atualizada produzida no

exterior, para mostrar a importância dos intercâmbios e incentivar os iniciantes a

darem prosseguimento a seus estudos (SILVA, 2002, p. 26).

Nas afirmações de Circe, fica evidenciado o interesse com a formação e o

desenvolvimento da pesquisa por parte dos professores egressos das Faculdades

de Filosofia implantadas no Brasil:

Foi com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras daUniversidade de São Paulo (FFCL), em 1934, e da Faculdade Nacional deFilosofia integrante da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro (FNFi),em 1939, que foram estabelecidos cursos específicos visando à formaçãode professores secundários. Essas duas instituições exerceram umaliderança na orientação dos cursos que começaram a surgir nos demaisestados do País, servindo como modelos. Todavia, desde o início dacriação dos cursos de bacharelado e licenciatura, houve uma nítidaseparação entre conteúdo específico e formação pedagógica. Assim, osbacharéis que se graduavam na FNFi poderiam receber licença paralecionar no magistério secundário somente após terem concluído o cursode Didática. O professor secundário aparecia como um subprodutoaltamente especializado daquela instituição que visava, em primeirolugar, a promover a pesquisa. (SILVA, 2002, p. 2).

Contudo, a autora também destaca que após o estímulo à formação de

pesquisadores em Matemática na FNFi, começam a surgir interesses pela disputa

de poder. Torna-se visível a luta de interesses e de demarcação de espaços

mediante a liderança no meio acadêmico.

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De todo modo, considera Circe (2002), é através da criação da Faculdade

de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em 1934, e da

Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, em

1939, que são implantados os cursos específicos para a formação de professores

do ensino secundário e que temos um grande desenvolvimento da pesquisa

científica no país; portanto, marcos fundamentais ao estudo da trajetória do ensino

da Matemática do país.

Clóvis Pereira da Silva (1999) é outro autor que analisa a história do

desenvolvimento da Matemática no Brasil. Segundo ele, temos várias reformas

ocorridas nos Estatutos da Escola Militar até a implantação da Escola Politécnica

no Rio de Janeiro (1874), onde as cadeiras de Matemática desses cursos

abordam um ensino arcaico, com objetivos técnicos e específicos destinados ao

ensino das engenharias. “O principal objetivo da Escola Politécnica foi graduar

engenheiros e não matemáticos” (SILVA, 1999, p. 144). São essas instituições, no

entanto, que formam os engenheiros-matemáticos atuantes no ensino da

Matemática no Brasil nessa época.

Clóvis também atribui à fundação, em 1934, da Universidade de São Paulo

– USP e sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – FFCL, uma parcela de

responsabilidade na formação de profissionais ligados ao magistério e à pesquisa.

Ao se formarem nessas instituições, dão origem a um novo ciclo do ensino da

Matemática, com diferenciais em relação aos profissionais oriundos das

Politécnicas, da Escola Naval e Militar. “O curso de matemática oferecido pela

USP passa a graduar matemáticos e professores de matemática para o nosso

ensino secundário” (SILVA, 1999, p. 213).

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Através de uma breve síntese da historiografia da Matemática no Brasil,

percebemos que quase todos os trabalhos colocam acento maior na

profissionalização do matemático, tomando até, a questão do professor como uma

atividade marginal, secundária do matemático.

Falta, no entanto, parece-nos, a esses estudos, um olhar mais focado na

profissionalização do professor de matemática.

O questionamento em torno do surgimento das Faculdades de Filosofia e

o seu papel mediante a demanda da formação dos profissionais que atuam no

magistério do ensino secundário, leva-nos a uma maior reflexão em relação à sua

finalidade inicial e à efetivação do seu objetivo.

De acordo com Amado (1973, p.13), as Faculdades de Filosofia são criadas

com dupla finalidade: formação do professorado do ensino secundário e

aprofundamento cultural. A oscilação entre os dois objetivos acaba não atendendo

bem a nenhum dos dois, ou então, se concentrando em um e menosprezando o

outro. O sistema de formação de professores não acompanha o ritmo de

crescimento do ensino, não só no aspecto quantitativo como no de corresponder

aos novos objetivos e exigências do ensino médio (AMADO, 1973).

Além disso, entre 1933 e 1958, o discipulado do ensino secundário

brasileiro cresce cerca de onze vezes e o atendimento da demanda de

professores deste ensino influencia a função das faculdades de filosofia do país.

Sobre o crescimento demasiado do ensino secundário e as dificuldades com a

formação do professor de matemática, Silva (1969, p. 409) nos informa:

É em larga medida verdadeiro que isto se deu sem que padrõessatisfatórios de preparação de professores fossem atingidos por muitas

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das faculdades, além de se observar a criação, principalmente dos cursosde mais fácil instalação. O setor constituído pela matemática e pelasciências físicas e naturais, por exigirem dos cursos instalações maiscustosas, além de docentes mais dificilmente improvisáveis, foram osmenos florescentes: de um total de 507 cursos das faculdades de filosofiaem todo o país, apenas 86, ou 17%, eram dessas especialidades.

A idéia inicial é de que todas as Faculdades de Filosofia implantadas no

país, após 1939, assumam como referência a Faculdade Nacional de Filosofia,

tornando-as formalmente idênticas, com mesmas seções e mesmos cursos,

mesmos números de anos de estudo para cada disciplina e os mesmos processos

de verificação do rendimento escolar (SILVA, 1969). Contudo, tal propósito acaba

se perdendo mediante o aumento significativo dessas faculdades.

Neste sentido, será que mesmo com o aumento substancial dessas

faculdades, tais instituições dão conta de suprir a demanda dos profissionais que

atuam no ensino secundário? Tal questão fica evidenciada em Bernardo (1986, p.

66), que destaca o interesse inicial dos alunos por estas instituições:

(...) Um bom exemplo é a criação da F.F.C.L., segundo relata Fernandode Azevedo, que ao serem abertas as inscrições apareceram menos alunosdo que era o número de professores estrangeiros contratados e que ele,pessoalmente, foi de sala em sala convencer os alunos do curso deespecialização e aperfeiçoamento, que eram normalistas, sobre asvantagens de prestarem exames para ingressarem na Faculdade deFilosofia, Ciências e Letras. Diz ele que, no final, os alunos seinscreveram, na reabertura de inscrições feitas pela Faculdade, passaramnos exames, matricularam-se condicionalmente, até verem regularizadasua situação e muitos vieram a ser intelectuais de peso.

Evidentemente, as Faculdades de Filosofia atuam de modo insuficiente em

relação à demanda da formação do professor de matemática na carreira do

magistério do ensino secundário, seja pelo interesse despertado pela profissão e

a pouca procura aos cursos ou mesmo pela escassez de estabelecimentos

instalados com a finalidade específica de formar os profissionais da área de

educação. Assim, outras instituições assumem papel significativo na constituição

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do profissional da área da educação e, em particular, o da matemática. As

Escolas Normais, do mesmo modo como outras instituições, também representam

meios de profissionalização do professor de matemática e lançam tentativas de

adequar o seu currículo às necessidades de um novo professor, para a sociedade

em mudança, principalmente com a nova demanda educacional (BERNARDO,

1986).

Mas, se é verdade que as Faculdades de Filosofia implantadas no Brasil a

partir da década de 1930 não dão conta da demanda da profissionalização do

professor, é também notória a grande influência e referência em que se tornam

essas instituições. Nas Faculdades de Filosofia encontramos um ambiente

destinado à formação do professor e embora muitas vezes possam ser criticadas

pela alienação para com os compromissos sociais da sua nação, conseguem as

faculdades, através de seus discípulos, semear fertilmente incrementos na

produção científica do nosso país (BERNARDO, 1986).

1.2. ESCOLHENDO UM LUGAR DE PESQUISA PARA ANÁLISE DA

TRANSIÇÃO ENGENHEIRO-LICENCIADO.

Consideramos que uma atenção mais centrada na trajetória do professor

de matemática deva levar em conta uma documentação relativa às atividades

docentes dos militares, engenheiros e, posteriormente, licenciados. Levando em

consideração que a referência para o ensino secundário, desde o Império é o

Colégio Pedro II, procuramos fontes de pesquisa nesse estabelecimento para

abordar a transição engenheiro-licenciado.

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Estabelecimento-modelo dos estudos secundários brasileiro, criado na

Corte em fins de 1837, pelo ministro e secretário de Estado e Justiça e interino do

Império, Bernardo Pereira de Vasconcelos, o Colégio Pedro II respalda-se no

modelo oferecido por seus congêneres franceses, adotando o sistema de estudos

seriados desenvolvidos em cursos de regular duração.

Oriundo do antigo Seminário de São Joaquim, o Colégio Pedro II torna-se o

único estabelecimento secundário a ser supervisionada pelo Ministério do Império.

Divide-se em Internato e Externato, cada qual, sob a competência de seu

respectivo reitor. O primeiro, instala-se afastado da cidade, na Chácara da Mata,

no Engenho Velho, hoje Campo de São Cristóvão, a fim de garantir espaço

suficiente para os recreios e exercícios ginásticos. O Externato, tem suas

dependências fixadas no antigo Seminário de São Joaquim, no centro do Rio de

Janeiro. O Imperador, sempre que possível, acompanha de perto as atividades do

Colégio Pedro II, às vezes até assiste às suas aulas, demonstrando sua

preocupação com sua escola predileta (CASTARDO, 2001).

Apesar dos estudos das matemáticas, das línguas modernas, da história,

das ciências naturais e físicas, são as letras clássicas que recebem a maior

atenção e predominam neste período. A criação do Colégio Pedro II, representa

um primeiro passo na direção de mudanças no ensino secundário brasileiro

(MIORIM, 1998).

O ensino secundário, mesmo após a independência do país, ainda se

encontra fragmentado em poucas aulas avulsas, das quais os professores

escolhem seus horários de aula e conteúdos de suas lições. Os alunos, de várias

idades e níveis, assistem à mesma aula, matriculam e retiram-se de modo livre;

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estudam nas aulas menores até passarem nos exames preparatórios e

parcelados ao ingresso no curso superior, beneficiando a diminuta parcela da

população que almeja alcançar este curso. Além de uma escola preparatória, o

ensino secundário no Brasil se encontra de modo livresco, privilegiando o estudo

das línguas clássicas e uma educação humanística. Não há nenhuma educação

específica para ensinar a viver, ou a trabalhar, ou a produzir; mas, simplesmente,

a ministrar uma educação literária e de modo clássico. A escola, não resolve

nenhum problema presente; os homens se cultivam para ficar de posse de uma

herança literária da humanidade e se fazem os seus apreciadores, seus

comentadores ou continuadores (TEIXEIRA, 1976, p. 143).

É timidamente, através do Ato Adicional3, que encontramos num mesmo

local as aulas avulsas, antes dispersas. O Colégio Pedro II passa a seguir

vigorosamente a tendência de pôr num mesmo local as aulas avulsas. Concede o

grau de bacharel em letras a seus alunos que completam os sete anos de estudos

dos seus dois cursos distintos4, habilitando-os à matrícula em qualquer curso

superior existente, independentemente de novos exames junto às faculdades.

Em meados de 1870, os estudos secundários se encontram de modo

parcelado na grande maioria dos liceus e colégios particulares, visando ao maior

acesso aos cursos superiores das camadas menos favorecidas. O Colégio Pedro

II, mantém os estudos organizados e regulares. Entretanto, começa a sofrer as

3 O Ato Adicional de 1834, destina às Assembléias Legislativas provinciais, o direito de “legislar sobreinstrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la”, com exceção, as escolas superiores jáexistentes e os outros estabelecimentos que no futuro fossem criados por lei geral. Assim, possibilita-se acriação de sistemas paralelos de ensino em cada província (HAIDAR, 1998).4 Os estudos no Colégio da Corte são divididos em dois cursos distintos: primeira e segunda classes. O da 1ªclasse, com duração de 4 anos e estuda-se Gramática Nacional, Latim, Francês, Inglês, Aritmética e Álgebra,até equação do segundo grau, Geometria e Trigonometria retilínea, Geografia e História Moderna, Geografiae História do Brasil, Ciências naturais, Desenho, Música, Dança e Exercícios Ginásticos. Na 2ª classe, comduração de 3 anos, estuda-se Alta latinidade, Grego, Alemão, Geografia e História antiga, Geografia eHistória da Idade Média, Filosofia racional e moral, Retórica e Poética, Italiano (HAIDAR, 1972, p. 113-114).

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influências dos exames parcelados de preparatórios. Com o número de matrículas

reduzidas nas séries terminais do curso, buscam, seus alunos, de modo mais

acelerado, o ingresso nos estudos superiores, através dos exames parcelados.

Premido pela concorrência que lhe moviam os estabelecimentos particulares

favorecidos pelo funesto sistema de exames, o Colégio de Pedro II acabou por

render-se à desorganização geral (HAIDAR, 1998, p. 71).

A reforma Paulino de Souza, em 1870, procura imprimir aos estudos

realizados no Colégio Pedro II o caráter formativo não somente para os estudos

superiores mas, também, para a vida. Assim, com o intuito de colocá-lo em

condições de competir com os outros estabelecimentos particulares, a reforma

simplifica e racionaliza o plano de estudo do Colégio e admite matrículas avulsas

ao Externato, insistindo nos exames finais por disciplina, equivalentes para fins de

matrícula nos cursos superiores, aos exames gerais (HAIDAR, 1998).

A reforma Leôncio de Carvalho, de 1878, consagra definitivamente a

manutenção das matrículas avulsas e a introdução da freqüência livre e os

exames vagos no Externato do Colégio Pedro II. Entretanto, muitos protestos são

realizados, reivindicando a volta da organização primitiva do Colégio. Exigia-se a

extinção do sistema de exames parcelados, a exigência do bacharelado como

condição de matrícula nos cursos superiores e a equiparação dos

estabelecimentos provinciais ao Colégio Pedro II, bem como a liberdade de abrir

escolas independentemente das provas prévias de moralidade e da capacidade

das províncias. Com exceção da liberdade de ensino, que não chega a ser

legalmente instituída no Município da Corte, mas que é consagrada de fato, as

demais reivindicações nos anos 70 e 80 não chegam a se efetivar (HAIDAR,

1998, p. 76).

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Em todas as reformas pelas quais passam os planos de ensino do Colégio

Pedro II, durante o período imperial, seja dominando o ensino clássico ou o

científico, as matemáticas sempre se fazem presente, variando na quantidade de

horas e na profundidade de seus conteúdos (MIORIM, 1998).

Com a Reforma Benjamin Constant, em 1890, o sistema educacional passa

por uma ruptura com a tradição clássico-humanista existente até então. Há uma

tentativa de introduzir uma formação científica em substituição à formação literária

existente. A reforma também converte efetivamente o Colégio Pedro II, doravante

Ginásio Nacional, em padrão para os estabelecimentos de ensino secundário.

Não há mais exames parcelados de preparatórios. Para ingressar nos cursos

superiores, é necessário passar por exames de madureza realizados no Ginásio

Nacional ou nos estabelecimentos provinciais a ele equiparados (HAIDAR, 1972).

Com o advento da República, é ainda o Colégio Pedro II tido como

referência ao ensino secundário brasileiro. Os adjetivos “modelo” e “padrão” que

recebe por várias vezes são sinônimos de referências aos estudos secundários

em nosso país durante décadas. A confirmação da importância do Colégio no

cenário nacional se reflete na própria legislação que o assume, em inúmeras

vezes, como referencial às suas atribuições e dispositivos. O Colégio é referência

para o secundário também em tempos da 2ª República ou República Nova.

As legislações que regulamentam o ensino secundário brasileiro de, 1931 a

1961, reúnem Circulares, Portarias, Leis e Decretos referentes a este ensino.

Dentre as várias referências desta legislação, temos aquelas que dizem respeito

ao corpo docente e, portanto, tornam-se alvo de nosso interesse, visto que, a

legislação oficial do ensino secundário brasileiro se debruça em pontos que

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fazem menção aos professores e que são referenciados pelo Colégio Pedro II.

Melhor especificando, ao analisarmos a legislação e suas diretrizes acerca dos

docentes do curso secundário, notamos que ao serem mencionadas em suas

disposições e em seus respectivos capítulos, estas o fazem sempre tomando

como referência o Colégio Pedro II. Os itens relacionados aos professores, ao

corpo docente, ao concurso de admissão do catedrático, a prática pedagógica

desses professores, têm como referência o Colégio Pedro II e se encontram de

forma explícita na legislação do ensino secundário brasileiro no período

mencionado5.

Até o final da década de 1920, encontramos o sistema de “preparatórios” e

de exames parcelados imperando no ensino secundário, visando ao ingresso ao

ensino superior. Nem mesmo o Colégio Pedro II, modelo da educação secundária

para todo o país, foge à regra e submete-se ao regime de exames parcelados que

eliminam a seriação dos cursos secundários (ROMANELLI, 2000).

A Reforma Francisco Campos6, proposta, primeiramente, através do

Decreto 19.890, de 18 de abril de 1931, e depois consolidada pelo Decreto nº

21.241, de 4 de abril de 1932, traz consigo medidas significativas ao ensino

secundário brasileiro:

(...) A Reforma Francisco Campos teve o mérito de dar organicidade aoensino secundário, estabelecendo definitivamente o currículo seriado, afreqüência obrigatória, dois ciclos, um fundamental e outrocomplementar, e a exigência de habilitação neles para o ingresso noensino superior. Além disso, equiparou todos os colégios secundáriosoficiais ao Colégio Pedro II, mediante a inspeção federal e deu a mesmaoportunidade às escolas particulares que se organizassem, segundo odecreto, e se submetessem à mesma inspeção. Estabeleceu normas paraadmissão do corpo docente e seu registro junto ao Ministério da

5 Ver Joaquim de Campos Bicudo, O Ensino Secundário no Brasil e sua Atual Legislação, São Paulo, 1941.6 Ver ROCHA, José Lourenço, A matemática do curso secundário na Reforma Francisco Campos. Rio deJaneiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001. Dissertação de Mestrado.

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Educação e Saúde Pública. Estabeleceu também as normas para arealização da inspeção federal, criou a carreira de inspetor e organizou aestrutura do sistema de inspeção e equiparação de escolas(ROMANELLI, 2000, p. 135).

Assim, cabe à Reforma Campos, dentre outros aspectos, a superação dos

exames parcelados, o estabelecimento do currículo seriado, a freqüência

obrigatória, a divisão do curso secundário em dois ciclos e a sua ampliação para

sete anos.

Observamos que o Decreto que dispõe da organização do ensino

secundário brasileiro e, em seu capítulo II, apresenta resoluções sobre o corpo

docente desse ensino, referenciadas pelos professores do Colégio Pedro II.

Assim, por exemplo, no artigo 16, encontramos a lei fazendo menção aos

professores deste Colégio:

Art. 16 ~ Enquanto não houver diplomados pela Faculdade de Educação,Ciências e Letras, o cargo de professor no Colégio Pedro II será providopor concurso nas condições estabelecidas para a escolha dos catedráticosdos institutos de ensino superior, devendo ser indicados pelo ConselhoNacional de Educação os três membros da comissão examinadoraestranhos à Congregação.

Como vimos, a legislação Campos estabelece que o professor catedrático

deve passar por um crivo até finalmente se estabelecer como tal. Para assumir

uma cátedra no Colégio Pedro II devem os professores, enquanto não forem

diplomados pelas Faculdades de Educação, prestar concursos nos mesmos

moldes aos dos cursos superiores existentes. Face à inexistência das Faculdades

de Educação, os professores são submetidos a provas que constam dos mesmos

conteúdos e objetivos dos professores egressos do ensino superior brasileiro.

Assim, nesta época em que vige a legislação Campos, o programa destinado aos

professores do ensino secundário oficial e aos dos cursos superiores são

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idênticos. O saber matemático exigido dos candidatos à cátedra do Colégio Pedro

II é o mesmo, por exemplo, daquele exigido na Escola Politécnica e na Escola

Militar.

Contudo, ao assumir o Ministério da Educação e Saúde, em 26 de julho de

1934 e permanecendo no ministério até 1945, Gustavo Capanema7, baixa, neste

período, várias instruções sobre o ensino secundário e promulga a Lei Orgânica

do Ensino Secundário8, em 9 de abril de 1942, mediante o decreto-lei n.º 4244.

As instruções baixadas para o concurso de professores de

estabelecimentos secundários, Portaria n.º 187, de 24 de junho de 1939, do

Ministro da Educação, toma como referência, novamente, o Colégio Pedro II.

Relativos às inscrições para o concurso aos cargos de professor

catedrático do Pedro II, são estabelecidos os documentos obrigatórios e o prazo

determinado para o seu encerramento. Quanto à comissão julgadora temos seu

processo de escolha, atribuições e particularidades inerentes especificados na lei.

Os detalhes da realização do concurso, a comprovação do mérito dos candidatos

através da apreciação de seus títulos e de suas respectivas provas (escrita, de

defesa de tese, prática e didática) também são mencionados na legislação. O

julgamento e classificação dos candidatos estão determinados em seus

respectivos artigos e parágrafos. O processo subseqüente e as disposições

diversas relacionadas aos concursos realizados para o preenchimento de

7 Para maiores detalhes, ver DASSIE, Bruno Alves, A matemática do curso secundário na Reforma GustavoCapanema. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001. Dissertação deMestrado.8 Veja O Ensino Secundário no Brasil, Organização ~ Legislação Vigente ~ Programas. Ministério daEducação e Saúde. Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – Publicação n.º 67, 1952.

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cátedras do Colégio Pedro II apresentam artigos que ressaltam os trâmites legais

a serem cumpridos mediante as normas estabelecidas:

Art. 23. Do julgamento do concurso dentro do prazo de dez dias a contarda aprovação do parecer da comissão julgadora, caberá recurso,exclusivamente de nulidade, para o Ministro de Educação, ouvida acongregação do Colégio Pedro II.

Art. 24. Uma vez aprovado o parecer da comissão julgadora, caso nãoseja interposto recurso de nulidade, nos termos do artigo anterior, odiretor da respectiva seção do Colégio fará organizar processo do qualconstem cópias dos atos essenciais do concurso e encaminhá-lo-á porintermédio do diretor geral do Departamento Nacional de Educação, aoMinistro de Educação e Saúde, que, tomando conhecimento do processotransmitirá ao Presidente da República o nome do candidato indicadopara o preenchimento do cargo.

§ único. São peças essenciais do processo a ata da reunião da comissãojulgadora em que foi decidida a classificação do candidatos, o parecer damesma comissão e a ata da sessão da congregação em que foi votado oaludido parecer.

A Portaria n.º 966, de 2 de outubro de 1951, na qual o Ministro da

Educação e Saúde, trata da incumbência, anteriormente feita à Congregação do

Colégio Pedro II, da elaboração dos programas das diversas disciplinas dos

cursos secundários e, resolve:

Art. 1º. – Ficam aprovados os programas que a esta acompanham, para oensino de Português, Francês, Inglês, Latim, Grego, Espanhol, GeografiaGeral e do Brasil, Matemática, Ciências Físicas e Naturais, Desenho,Física, Química, História Natural, Filosofia, História Geral e do Brasil,Economia Doméstica e Trabalhos Manuais no curso secundário.

Art. 2º - Os programas aprovados pela presente portaria serão adotadospor todos os estabelecimentos de ensino secundário do país e entrarão emvigor progressivamente, a começar pelo ano vindouro, pela primeira sérieginasial e colegial.

Art. 7 – Aos Governos Estaduais e dos Territórios ficará facultada aelaboração de planos de desenvolvimento próprios, que poderão seradotados nos estabelecimentos de ensino secundário equiparados ouparticulares do respectivo Estado, depois de aprovados pelo Ministro daEducação.

Parágrafo único – Nos Estados ou Territórios, em que não houver planode desenvolvimento aprovado nos termos do art. 7º esta portaria, todos osestabelecimentos de ensino secundário ficarão sujeitos ao plano aplicadopelo Colégio Pedro II.

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Analisando a legislação das reformas mencionadas anteriormente e a

Portaria de 1951, o que nos salta aos olhos, em grande medida, é o papel da

referência que tem o Colégio Pedro II. Na Reforma Campos, fica clara a

equiparação de todos os colégios secundários oficiais ao Colégio Pedro II,

mediante a inspeção federal. Na Portaria de 1951, notamos que os programas do

ensino secundário brasileiro são elaborados por comissões designadas pelo

Ministro da Educação e que após a reivindicação do Colégio Pedro II em elaborar

seus próprios programas de suas matérias ensinadas, além da confirmação do

pedido, este também passa a fornecer os programas oficiais aos demais

estabelecimentos secundários do país.

Tais ingredientes reafirmam o papel do Colégio Pedro II como referência,

não só como já se sabe, no estabelecimento dos programas oficiais do ensino

secundário mas, como referência também, à condição profissional do professor

de matemática. É, também, neste cenário, que se apresenta uma proposta de

alteração da seriação do curso secundário, na qual se pensa em uma mudança

radical para os programas de ensino de Matemática no secundário, refletindo uma

nova proposta educacional, unificando as disciplinas matemáticas sob o título de

Matemática.

O fato de ser o Pedro II considerado como um modelo do nosso ensino,

refletindo nitidamente na demanda de suas vagas, fica evidenciado por Amado

(1973, p. 23), que assume a direção do Colégio de 1947 a 1956:

Vínhamos da direção do Externato do Colégio Pedro II, que havíamosexercido de março de 1947 a abril de 1956. Tivéramos essa oportunidadede uma experiência que nos tinha causado profunda impressão. O númerode alunos e de professores do Externato crescera extraordinariamente. OPedro II suportava o maior peso do ensino médio público no entãoDistrito Federal. A falta de ginásios da Prefeitura e o renome “colégio-

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padrão” faziam-lhe afluir aos exames de admissão dezenas de milharesde candidatos (...).

E, mesmo hoje em dia, com todas as reformas pela qual o ensino se

deparou no decorrer dos anos, ainda há uma disputa acirrada pelas vagas

oferecidas pelo Colégio a seus futuros alunos. Há indícios de diferenças das

épocas anteriores e da atual: os alunos, agora pobres e ricos, religiosos e leigos,

marcam a existência de uma clientela eclética, distinta da elite de outrora.

Contudo, ainda existem os exames de seleção aos aspirantes das vagas, o que

de certa maneira, lembra-nos um tempo em que se reflete a tradição da

seletividade e, mais ainda, um tempo em que as camadas populares ou a classe

média emergente visualizam o ensino secundário como uma forma de ascensão

social ou uma forma de acrescentar prestígio a seu status (ROMANELLI, 2000).

A análise do trajeto histórico da profissão de professor de matemática, nos

parece, deve considerar, assim o Colégio Pedro II e a legislação que o toma por

padrão, para se pensar o ensino secundário. Essa referência, dada por lei, por

certo é reapropriada ao gosto de diversos contextos que ela deve parametrizar.

Cabe destacar que o que garante o sentido da universalidade das leis não

é o fato de sua obrigatoriedade, mas sim, a sua (re) utilização nos diversos

contextos em que circula e a atribuição de um sentido, que se torna possível

assumir o caráter de universal (PESTRE, 1998). Sempre ligada a seus

portadores, a legislação não tem existência independente. Apropriada, traduzida,

adaptada e transformada por aqueles que a usam, a lei é um dispositivo que

produz e inventa uma ordem.

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Conforme já mencionado, além da possibilidade de aplicabilidade da lei em

diversos contextos, podemos ter sua reutililização, citação e apropriação,

assumindo a característica de universalidade (PESTRE, 1998). Não queremos

dizer que todas as instituições secundárias a utilizem em seu interior exatamente

do mesmo modo. Mas, em contrapartida, todos os estabelecimentos do ensino

secundário brasileiro têm uma referência: a legislação. Esta tem seu peso e

influência nos meios em que circula; constrói representações, significados sociais,

delimita identidades profissionais à medida que ocorre seu uso no cotidiano pelos

vários sujeitos, enquanto indivíduos ou grupos, atravessando a política

educacional até as suas salas de aula (FARIA FILHO, 1998).

Para Faria Filho (1998), existem vários modos de relacionamento com a lei

e, seja através do seu ordenamento jurídico, da sua constituição de linguagem e

do seu papel como prática social, esta se constitui como “guardiã das formas de

garantia e controle da legalidade”. Além disso, no campo da educação escolar,

organizado segundo os moldes da legislação, temos a possibilidade de vislumbrar

uma interação entre as práticas pedagógicas e legais, relacionando-as com a

produção de novas práticas. A legislação passa a ser inspiradora de novas

práticas, o que coloca o processo de apropriação, ou seja, a ação do sujeito

supostamente inspirada pela legislação. E, de acordo com o autor, uma outra

dimensão da legislação, aborda o aspecto da prática ordenadora das relações

sociais da lei, resgatando o caráter histórico e político, relacionado-os com os

sujeitos responsáveis por esta interação social.

As práticas e representações que circulam ao redor da legislação

constituem objeto de investigações históricas, contribuindo para o entendimento

de fenômenos educativos, como o nosso, que está diretamente relacionado à

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passagem do engenheiro ao licenciado em Matemática e que é analisado de

forma objetiva através dos concursos e de nossas fontes históricas – os arquivos

escolares. “A legislação, pode se tornar estabelecedora de produtos, ou de

artefatos e dispositivos em sua realização” (FARIA FILHO, 1998, p. 110).

Como resultado destes produtos ou artefatos, está a própria documentação

dos concursos de 1934 e 1952, produzida como fontes e utilizada em nossa

pesquisa. Esta, ao mesmo tempo em que permite perceber uma lógica de

controle do saber matemático, permite também perceber as informações

consideradas, em determinada época, de seus candidatos.

A importância dos concursos se concentra na referência atribuída ao mais

alto grau daquilo que se exige do professor do ensino secundário: ser professor

catedrático. Eles dão referência a uma instituição que é modelo e que a própria

legislação assim o determina.

Assim, não cabe pensar que o saber exigido do professor de matemática

de qualquer lugar do país seja o mesmo daqueles analisados em nossos

concursos, mesmo porque, em outras instituições, nem mesmo há a realização do

concurso de cátedra. Mas, mesmo as determinações não se passando de acordo

com o que está na lei, há uma referência a ser adotada pelos demais

estabelecimentos de ensino secundário brasileiro. É ela fonte primária de

apropriação.

Instituição que se torna referência não somente para a especificidade da

legislação mas também para a prática pedagógica e delimitações do saber

matemático do professor, para a veiculação e circulação dos livros didáticos

utilizados no ensino secundário, para estabelecimento dos parâmetros das

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instruções dos concursos de admissão do corpo docente dos colégios, o Colégio

Pedro II revela características que o tornam modelo para as questões que

envolvem o secundário; haja vista, a própria legislação se apoiar nesse

paradigma de instituição. Os diversos professores que atuam nos cursos

secundários dessa época ministram suas aulas a partir de referências de livros

didáticos de professores e autores do Colégio Pedro II, como Euclides Roxo, Cécil

Thiré e Malba Tahan, dentre outros. A própria CADES (Campanha de

Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário) lança suas orientações, em

grande proporção, emanadas nos trabalhos dos professores do Colégio Pedro II,

além de tê-los como professores ministrantes de suas aulas e cursos, exemplo

disso, é o do professor Júlio César de Mello e Souza (Malba Tahan),que lecionou

durante oito anos, Didática Geral e Didática da Matemática nos cursos oferecidos

pelo órgão (OLIVEIRA, 2001, p. 35). Assim, os professores dos cursos fornecidos

pela CADES, formadores de outros professores do ensino secundário são,

também, professores do Colégio Pedro II.

Toda essa complexidade da tentativa de manutenção da unidade em torno

da legislação e suas conseqüências, ressalta o papel do Colégio Pedro II

enquanto instituição de referência para se levantar as bases e os argumentos

plausíveis em torno das leis que regem o ensino secundário brasileiro durante

décadas. É neste Colégio que a legislação lança seus olhares a fim de constituir

um corpo homogêneo e exemplar de referências à educação secundária do país.

A criação das Faculdades de Filosofia irá, de certo modo, abalar a

hegemonia do Colégio Pedro II, em sua referência para a profissionalização do

professor de matemática. No entanto, se elas idealmente organizam um padrão

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de formação, serão os concursos à cátedra da instituição do ensino secundário,

que darão chancela a essa formação.

Assim, para além das Faculdades de Filosofia, que constituem referência à

profissionalização do professor, temos o Colégio Pedro II e, mais

especificamente, seus concursos de cátedra de matemática, referenciando o

saber exigido ao mais alto grau da profissão. De outro modo, estes concursos

representam o mais alto posto da hierarquia do professor do ensino secundário,

em particular, o do professor de matemática, e acabam constituindo uma

referência para o saber desse professor.

A pesquisa nos arquivos do Colégio Pedro II e a análise de seus concursos

de cátedra de Matemática nos revelam a existência de uma documentação

importantíssima para estudo do percurso histórico da profissionalização do

professor de m atemática no Brasil.

A opção pelos arquivos escolares remete-nos a textos como os de Ribeiro

(1992). O texto mencionado é esclarecedor. O autor pondera que um fenômeno

positivo e crescente vem se caracterizando em nosso cotidiano: a preocupação

com a preservação da memória e da identidade cultural de nosso povo. O

acúmulo e a divulgação de fontes de informação que interessam e envolvem a

comunidade estão sendo estimulados e apoiados pelos diversos grupos e

instituições que se agregam à sociedade.

Aos arquivos se aglomeram as fontes de pesquisas que possibilitam,

dentre vários aspectos, sentir a importância da dimensão do tempo do trabalho

científico; além do que, o estado de organização e conservação dos arquivos

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estão revelando crescente interesse pela preservação da sua memória (RIBEIRO,

1992).

De acordo com o autor, começar a conhecer os acervos documentais,

sensibilizando os seus proprietários para a necessidade de preparação e

preservação dos mesmos, constitui atitudes fundamentais de conscientização da

importância do valor probatório e informativo desse material, o qual contribui para

a obtenção de valiosa fonte de pesquisa.

A importância do valor dos documentos de arquivos é ressaltada em

Ribeiro (1992, p. 48):

O levantamento da situação dos documentos de arquivo, incluindoinformações sobre o acesso para a consulta, é importante, dado o duplovalor desses documentos. Além do significado testemunhal, essesdocumentos são de uso patrimonial, servindo a fins administrativos etécnicos. Sua preservação, por isso, deveria levar em conta tanto ointeresse para a pesquisa acadêmica, quanto a sua utilização pelainstituição que o acumulou.

Para o autor, os acervos documentais escolares na atividade educacional

proporcionam uma forma motivadora e eficaz de ensinar e educar, fortalecendo os

laços da comunidade com a instituição. Os arquivos escolares, além de

verdadeiros “celeiros da história”, são verdadeiros depósitos da memória coletiva,

podendo se tornar um local ideal para a reconstrução e reapropriação da pesquisa

histórica e para a aprendizagem de disciplinas; além do que alguns documentos

podem ser aproveitados para refletir e repensar sobre a atividade pedagógica da

escola.

O acervo arquivístico de uma escola é formado, essencialmente, em

decorrência de atividades administrativas e pedagógicas. As atividades

administrativas das escolas são específicas da secretaria, do departamento de

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pessoal, da tesouraria, da diretoria e da associação mantenedora. Já, as

atividades pedagógicas, encontram seu principal locus na sala de aula,

produzindo materiais e informações diretamente relacionados ao ensino e

aprendizagem.

Embora haja um certo cuidado com os documentos, nem sempre estão

organizados. Sua ordenação está baseada em noções empíricas e de senso

comum, revelando limitações da sua importância para a administração. O próprio

nome atribuído aos mesmos – “ativos ou inativos” (ou “mortos”) – vem acentuar

um sistema de arquivos que não está baseado em um processo criterioso de

avaliação, acumulados organicamente de modo a espelhar as atividades e

funções da instituição (RIBEIRO, 1992, p. 53-54).

Nos dizeres do autor, a dispersão parcial dos documentos, a falta de

identificação e higienização, a inexistência de critérios sistemáticos de

organização, a eliminação indiscriminada de documentos ou da sua perda por

acidente ou negligência, as falhas nas normas que regulam a preservação, a

conservação e qualidade dos documentos, são alguns agravantes e empecilhos

ao acesso aos arquivos como instrumentos de pesquisa e resgate da história

cultural em nosso país. Todavia, algumas normas legais, ressalta o autor, têm

influenciado diretamente na produção, acumulação e preservação de documentos

pelos estabelecimentos de ensino. Através da Lei de Diretrizes e Bases (1961) há

uma sistematização das exigências acerca das documentações relativas ao

ensino primário e médio. Torna-se obrigatória a organização e a escrituração

escolar, registrando os fatos da vida escolar dos alunos e desses

estabelecimentos em seus respectivos arquivos.

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Ao fazer um relato sobre datas significativas ao tema considerado, Ribeiro

lembra que, em 1965, o Parecer n° 903, emitido pela Câmara de Ensino Primário

e Médio, do Conselho Federal de Educação, determina aos estabelecimentos de

ensino a livre escolha da organização dos seus arquivos e da sua escrituração,

assim como, o modelo a ser estabelecido a seus documentos escolares,

recomendando a regulamentação da eliminação dos mesmos. O ensino de 1° e 2°

graus, em 1976, sob a responsabilidade do estado e do município passa, através

da Deliberação n° 10, do CFE, a obrigar as escolas a manter um sistema de

escrituração e arquivo.

Quanto aos cursos superiores, o texto analisado aponta que o Parecer n°

214/67, vem autorizar as escolas de 3° grau a incinerarem alguns documentos

(provas de exames, listas de presença de alunos, diários de classe) após vinte

anos da data de registro do diploma do aluno. Este parecer retifica a decisão do

extinto Conselho Nacional de Educação (Parecer n° 227/46) que não permitia a

incineração ou destruição das provas escritas e das listas dos pontos das demais

provas realizadas pela instituição. O Decreto n° 68.902, de 13 de julho de 1971,

artigo 9°, permite a permanência nas escolas das provas e documentos de

candidatos inscritos no concurso vestibular “por prazo não superior ao referido

período letivo”. Em 25 de abril de 1975, as escolas superiores recebem a

instrução de guardar suas provas escritas por 2 anos, bem como arquivar as atas

dos resultados finais e a documentação relativa à trajetória escolar dos seus

alunos.

Ainda sobre algumas instruções relativas aos arquivos, Ribeiro nos informa

que a Indicação n° 72/76 do CFE induz à diminuição do volume de documentos a

serem preservados, podendo os originais serem substituídos por microfilmes, e as

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provas não-finais e relatórios incinerados após determinado prazo estabelecido.

Trata-se de preservar os documentos em função do seu valor probatório e não do

valor informativo que se refere ao uso científico dos mesmos, considerando os

problemas de espaço:

De criação relativamente recente, essas normas mostram-secondicionadas, no entanto, pelo problema do crescimento dos acervos edas dificuldades de armazenamento. Alguns estabelecimentos, muitasvezes esperando solucionar estes problemas com a microfilmagem,buscaram esclarecimentos junto aos conselhos de educação sobre osprazos de guarda dos documentos e eliminação. A orientação geral temsido no sentido de ampliar o leque das espécies documentais que podemser destruídas e reduzir os prazos de guarda temporária (RIBEIRO, 1992,p. 57).

Segundo o autor, o Parecer n° 324/78 do CFE acentua o dever das

instituições de ensino de preservar ‘a História do próprio País’, conservando sua

documentação. Além de recomendar a microfilmagem dos documentos, o Parecer

n° 158, de 19/02/1978, do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro,

indica documentos que deveriam ser preservados indefinidamente. A Portaria n°

21, regulamenta o recolhimento dos arquivos de rede pública e privada, municipal

e estadual do Rio de Janeiro, em caso de extinção do estabelecimento de ensino,

verificando a integridade da documentação.

Citando Jacques Le Goff, Ribeiro (1992, p. 59) observa que “a reflexão

histórica se aplica hoje à ausência de documentos, aos silêncios da história (...)”.

Falar dos silêncios da historiografia tradicional não basta; é preciso ir além e

“questionar a documentação sobre as lacunas, interrogar-se sobre os

esquecimentos, os hiatos, os espaços brancos da história, fazendo seu inventário

a partir da existência e ausência de documentos”.

Assim, compete aos historiadores e arquivistas, informar a respeito dos

seus documentos, sobre suas produções e conservação. Como menciona Ribeiro

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(1992, p. 59) em seu texto, o papel do arquivista vai além do que a separação de

documentos; é um processo cauteloso e complexo:

O papel do arquivista, no caso, é justamente evitar a formação dos hiatosocasionados pela dispersão e destruição dos acervos. Sua ação consisteem estabelecer planos de destinação para os documentos de arquivo,fixando critérios para os estágios de arquivamento; em organizar econservar os documentos, de modo que o acervo espelhe a totalidade e aorganização das atividades e funções desempenhadas pela instituição oupessoa que o acumulou, além de divulgar o seu conteúdo e significado.Assim, a indagação sobre as lacunas existentes nos arquivos, bem comosobre o seu estado de organização e conservação, interessam tanto aospesquisadores acadêmicos, quanto à comunidade em geral. O interessenão é, pois, exclusivo de ninguém.

Ribeiro delega às secretarias das escolas a responsabilidade pela guarda

da maioria de seus documentos, retendo informações de valor probatório, que

testemunham sobre a vida escolar dos alunos e do funcionamento da escola,

permitindo ao pesquisador estudar o ‘exercício do poder disciplinar e o cotidiano

da vida escolar’. Assegura aos historiadores e arquivistas a competência de

informações a respeito dos documentos, das produções e conservação dos

arquivos.

Apesar do valor informativo de alguns documentos (à exceção dos dossiês

dos alunos), não há atualmente proteção legal referente à guarda permanente

destes. Fica a critério da escola a valorização e a conservação do seu arquivo,

bem como a tomada de consciência do valor destinado ao uso pedagógico dos

arquivos escolares através do contato, da análise crítica de seus documentos e do

conhecimento histórico apreendido pelo cidadão. A recuperação e preservação

dos valores fundamentais à memória de um povo estão intimamente arraigados à

educação e, deste modo:

É este papel ativo que pode ser estimulado através da educação. O colégioque cria o seu museu, que envolve os seus alunos na organização deexposições, na coleta de depoimentos das pessoas mais velhas ou que,

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utopia possível, organiza o seu arquivo, pondo-o à disposição dacomunidade em geral e da comunidade escolar em particular, este colégioestá de fato contribuindo para a consolidação de valores essenciais para aformação da cidadania (RIBEIRO, 1992, p. 62).

O desenvolvimento de um trabalho que visa resgatar e despertar a

memória coletiva de um povo através de sua história, concorre diretamente com o

desenvolvimento da consciência da necessidade da preservação de valores

essenciais à formação dos diferentes grupos sociais.

Os arquivos escolares são também objeto de reflexão no texto “Exames e

provas como fontes para a História da Educação” escrito por Valente (2001d).

Nele, o autor destaca que nas pesquisas culturais em história da educação, os

arquivos escolares ocupam lugar de destaque. Em particular, o texto destaca um

dos materiais encontrados nos arquivos das escolas: os exames e provas.

Segundo Valente (2001d, p. 6):

Os exames e provas escolares são documentos valiosos para o estudo daapropriação realizada pelo cotidiano escolar das reformas educacionais,por exemplo. Essa documentação cria a possibilidade, dentre outrascoisas, de análise dos conteúdos selecionados pelos professores comomais significativos de seu trabalho pedagógico com os alunos; os examese provas podem revelar também a concepção de avaliação dominante numdeterminado contexto histórico; podem ainda, através da análise dosenunciados dos exercícios e questões, possibilitar a leitura que o cotidianoescolar realiza de uma determinada época histórica (...).

Sobretudo, vale ressaltar que ao debruçarmos sobre os arquivos a fim de

compreendermos certas ortodoxias da história, jamais deixamos de lado a

importância e os atributos de outras escolhas. Sabemos que os arquivos não são

os únicos instrumentos capazes de salvaguardar e sanar ‘os silêncios da história’.

Ele é um dos delimitadores de nosso trabalho.

Na tentativa de estudar a passagem do engenheiro ao licenciado de

matemática e a mudança do saber referenciado no ensino secundário brasileiro,

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lançamos olhares aos arquivos; são eles nossas fontes de pesquisa e nos

revelam a importância dos concursos de cátedras. São os arquivos que nos

auxiliam e que nos dão as ferramentas para a nossa análise em torno das

modificação ocorridas no saber exigido ao professor de matemática nos

concursos de 1934 e 1952. Os concursos dão referências, apontam as

especificidades e as mudanças ocorridas no mais alto grau da posição do

profissional da área do ensino da Matemática.

Grande parte da documentação que utilizamos possui origem em algum ato

legal; representa a realização, a expressão da própria lei e é produzida

obedecendo à legislação em vigor. As práticas de arquivos interferem diretamente

nas pesquisas devido à forma como eles são organizados, à ausência de guias de

fontes, o modo de conservação, organização e acesso aos mesmos. Além do que,

o Estado exerce uma influência em nosso poder de “interpretar os arquivos”

devido sua égide. Produzir a legislação como um corpo documental significa dar

um enfoque em suas diversas dimensões, dar um enfoque em sua dinamicidade e

inter-relacioná-la com o fazer pedagógico no campo educacional, uma vez que o

poder judiciário historicamente vem se relacionando com a legislação do ensino

(FARIA FILHO, 1998, p. 100).

A preocupação com a compreensão da legislação escolar como um

ordenamento jurídico específico fica evidenciada pelo autor:

Aproximar a lei enquanto ordenamento jurídico significa, além de se darconta de uma tradição e de suas relações com outras tradições e costumes,entender uma certa lógica em funcionamento. Como se sabe, a lei precisaser legítima e legitimada, o que, por sua vez, requer não apenas umaretórica de igualdade mas, minimamente, a colocação em funcionamento,no discurso legal, de uma lógica de igualdade. Se assim não fosse, a leinão seria legítima e, muito menos, necessária (FARIA FILHO, 1998, p.101).

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Outra dimensão da lei enfocada trata do seu aspecto discursivo, ou seja, a

lei como linguagem. Segundo Faria Filho (1998, p. 102), a lei é “a linguagem da

tradição e dos costumes, do ordenamento jurídico e da prática social e, a lei

somente é lei, porque encontra sua expressão numa determinada linguagem

legal”.

O autor distingue dois momentos fundamentais relacionados à lei: o

momento de produção e o momento de realização da lei. No primeiro, é preciso

estar atento ao tipo específico de legislação de que se trata e aos sujeitos

envolvidos na produção da legislação; o segundo, relaciona-se com a produção

de novas práticas num processo de apropriação do sujeito, estabelecendo novos

produtos.

Destarte, questões relacionadas à história da educação brasileira podem

buscar respaldo na legislação como fonte de pesquisa para historiadores e

estudiosos comprometidos com seus diversos problemas. Através da lei do ensino

secundário brasileiro vislumbramos a importância do Colégio Pedro II mediante a

sociedade da época analisada. É na legislação que encontramos referências a

essa Instituição e a seu corpo docente. O Colégio é referência para os programas

escolares; para o conteúdo didático que o professor tem que saber; para a adoção

de livros didáticos a partir de autores que são professores do Pedro II; é referência

também para os exames de professores catedráticos no país, o ponto mais alto na

hierarquia do magistério. E quem determina essa referência? A própria legislação

e sua circulação nos diversos meios. Deste modo, a lei passa a ser entendida

como uma prática ordenada das relações sociais, resgatando o caráter histórico e

político, ao mesmo tempo em que se relaciona com os sujeitos responsáveis pela

intervenção social (FARIA FILHO, 1998, p. 111).

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O ENGENHEIRO-PROFESSOR DE MATEMÁTICA

2.1. OS ENGENHEIROS MILITARES E O ENSINO DA MATEMÁTICA NO

BRASIL

Em seus estudos sobre a Matemática escolar no Brasil, Wagner Valente

(1999) analisa, dentre vários aspectos, o aparecimento das Aulas de Artilharia e

Fortificações. Lembra que a relação entre “a arte da guerra” e a Matemática é

remotíssima, remetendo-nos a uma época em que a mecânica se separa da

geometria, tornando-se um ramo da arte militar. Na verdade, a geometria acabou

sendo considerada como geometria prática, ligada intimamente à mecânica e a

geometria especulativa, atrelada à filosofia (VALENTE, 1999, p. 39).

Após mencionar a relação existente entre a Matemática e a guerra, Valente

destaca a transição da Idade Média para a Era Moderna, salientando o

aparecimento das primeiras armas de fogo, sua evolução e aperfeiçoamento no

uso da infantaria, cavalaria e artilharia. Com o surgimento do canhão, a artilharia

interfere de modo direto nas formas de construção das fortificações. As grandes

modificações exigem mão-de-obra especializada, dando origem às Aulas de

Artilharia e Fortificação. A Matemática passa a ser vista de modo predominante

como um conhecimento útil e prático para as construções militares e de artilharia.

CAPÍTULO 2

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Tal tendência também é verificada entre nós e, dada a preocupação com a

defesa das suas riquezas e das terras conquistadas pela Colônia, a Coroa

Portuguesa impulsiona a formação de militares, treinando-os ao manuseio das

peças de artilharia e à construção de fortes. Com o objetivo de ensinar a

desenhar e a fortificar é criada a Aula de Fortificações no Rio de Janeiro, que

passa a ser obrigatória a todo oficial.

O profissional formado pelas Aulas de Artilharia e Fortificações dá origem

ao novo engenheiro, cuja competência está direcionada às estratégias de ataque

e às defesas através das fortificações resistentes ao inimigo.

A Matemática constitui um elemento integrante dessas Aulas e a Aritmética

torna-se requisito prévio às mesmas. Com status de ensino prático e técnico, a

Matemática passa a ter caráter utilitário para as “artes mecânicas”. Assim como a

Geometria passa a ser extremamente útil para os carpinteiros, arquitetos e

agrimensores, a Aritmética destina-se aos cálculos do comércio tanto quanto à

artilharia e sua utilização na guerra tornam-se instrumentos indispensáveis a uma

matemática prática cumpridora de seus fins. A “geometria prática” representa

matéria fundamental para as Aulas de Artilharia e Fortificações.

Todos os cursos militares são organizados de modo a buscar nas

matemáticas a base e o respaldo inicial dos seus programas. O engenheiro

assume característica de um oficial militar cujos estudos estão centrados nas

Matemáticas. É preciso começá-los pelas abstrações, uma vez que, o trabalho

dos engenheiros deve consistir na tomada inicial de princípios geométricos para

progressivamente concretizá-los com a ajuda de diferentes processos de medida,

de experimentações, etc. (VALENTE, 1999, p. 42).

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A criação do ensino militar está atrelada às necessidades de defesa dos

domínios ultramarinos gerando seu desenvolvimento nas Academias Militares do

país. Aos oficiais militares formados por estas academias fica reservado o

primeiro ensino de Matemática até a Independência do Brasil. De acordo com

Bruno Belhoste, que prefaciou o livro de Valente (1999, p. 11), essa origem

caracteriza as matemáticas escolares em quase todos os países da América e da

Europa até o início do século XIX.

Assim, o autor também considera que o berço da Matemática no Brasil está

nas escolas militares e não nas escolas jesuítas por aqui já existentes. Segundo

Valente, a Matemática, no decorrer dos duzentos anos de escolarização jesuítica

no país, não tem origem constituída nesses colégios e sim, no ensino leigo e

militar. E, com as transformações ocorridas nas escolas militares, gerando as

escolas politécnicas, temos os engenheiros sendo formados por estas

instituições. Conseqüentemente, são estes engenheiros que, em sua grande

maioria, atuam em nossos estabelecimentos de ensino secundário e superior

como professores de Matemática até o início do século XX. A eles, compete ser

um bom matemático, com domínio dos conteúdos da disciplina e com intensa

cultura especializada, herança das escolas militares. São estes profissionais que

encontramos no Colégio Pedro II, atuando no ensino secundário da Matemática

até o surgimento das Faculdades de Filosofia.

2.2. AS ESCOLAS POLITÉCNICAS: O ENGENHEIRO – PROFESSOR.

Com o intuito de prover a defesa militar do Reino, criam-se em 1808, a

Academia de Marinha e, em 1810, a Academia Militar; para atender as

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necessidades médicas e cirúrgicas do exército, é fundado, na Bahia, em 1808, um

curso de Cirurgia e, posteriormente, criam-se aulas e cursos de Comércio,

Agricultura, Química e Desenho Técnico. No Rio de Janeiro, são instaladas,

inicialmente, aulas de Anatomia, Cirurgia, Medicina e, mais tarde, temos aulas de

Química, a implantação do Curso de Agricultura, A Escola Real de Ciências, Artes

e Ofícios, que dá origem à Academia de Artes.

A chegada da Corte Portuguesa (1808) representa um marco fundamental

também para as Matemáticas no Brasil. A Academia Real dos Guardas-Marinha

(atual Escola Naval) vinda concomitantemente com a Coroa e a criação da

Academia Real Militar, tornam-se instituições responsáveis em referenciar o

ensino das Matemáticas no país. A Academia Real Militar vem substituir a Real

Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, destinando-se ao ensino das

ciências exatas e da engenharia em geral ( VALENTE,1999, p. 92).

A Matemática introduzida nessas instituições assume uma postura de

saber técnico e especializado, reservado à formação técnica do futuro engenheiro

militar e guarda-marinha. Contudo, a Matemática ganha status a partir das

técnicas militares, como as de artilharias, fortificações, cartografia e

desenvolvimento da marinha de guerra. A necessidade da criação do

conhecimento matemático leva à criação de cadeiras da disciplina.

Os regulamentos, normas e currículos da Academia Real Militar têm como

referência a École Polytecnhique de Paris (1794), cujo lema “pela ciência, pela

instrução e pela pátria” está arraigado às suas origens. Na Academia são

formados os oficiais topógrafos, geógrafos e os das armas de engenharia,

infantaria e cavalaria para o exército do rei, num período de 7 anos divididos em

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dois períodos: um de 4 anos, básico e que recebe o nome de Matemático, e outro,

de 3 anos, conhecido como Curso Militar.

Os professores que ministram as aulas no curso matemático no Brasil pós-

colônia, constituem a primeira geração de engenheiros-matemáticos formados em

instituições portuguesas, nas quais a pesquisa matemática atrelada ao ensino não

é fator preponderante (SILVA, 1999, p. 67).

Nesse sentido, a historiadora Circe Mary Silva da Silva (2002), destaca a

contaminação da concepção positivista no Brasil durante o final do período

colonial e o início do Império, originada da metrópole portuguesa e influenciando

as posições ideológicas da Academia Militar do Rio de Janeiro e de seus

professores. Há um ânimo do espírito que vê na ciência uma nova atitude

intelectual e que deve contaminar a atividade educativa.

Após a Independência do Brasil, em 1822, a Academia Real Militar tem seu

nome modificado para Academia Imperial Militar e, em 1832, após a extinção da

mesma, fica instituída a Academia Militar e de Marinha do Brasil. Neste mesmo

ano, há novamente a modificação da denominação da Escola do Exército,

recebendo o nome de Academia Militar da Corte e, posteriormente, Escola Militar

(1840). Não é somente a denominação que sofre alteração; seu regulamento

também é modificado, devendo habilitar os oficiais das três armas do exército, os

engenheiros militares e do estado-maior. Contudo, devido às transformações

sociais, políticas e econômicas que atingem o país, torna-se necessária a criação

de uma outra instituição de ensino destinada à formação de engenheiros civis,

separando-a do ensino militar. É criada a Escola Central (1858), que de acordo

com Silva (1999, p. 72):

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Ainda não houve a separação definitiva dos ensino civil e militar. AEscola Central continuou sendo o centro dos estudos científicosnecessários à formação de engenheiros militares, civis, bem como àformação dos oficiais para as armas do exército e de estado-maior. Porém,com a evolução que se processava no mundo, com relação à ciência e àtécnica, havia necessidade de que tais conhecimentos fossem ministrados,quer aos militares, quer aos civis, e, nas décadas seguintes, isto é, de 1860a 1870, houve forte pressão , junto ao Imperador, para que houvesse aseparação definitiva entre o ensino militar e o ensino civil (...).

A Escola Central é transformada na Escola Politécnica, isto é, uma escola

exclusiva ao ensino das engenharias e subordinada a um Ministro não militar. O

professor mais antigo, Dr. Inácio da Cunha Galvão, assume interinamente a

direção da Escola que, num período ulterior, tem o Professor José Maria da Silva

Paranhos, o Visconde do Rio Branco, como diretor da Politécnica.

A respeito das novas atribuições da Escola Politécnica, Castardo (2001, p.

18-19) nos informa:

Desligada das finalidades militares, agora seria destinada apenas a alunoscivis. Segundo seu projeto original, formaria além de engenheiros ebacharéis, doutores em ciências físicas e naturais. A formação deengenheiros militares, bem como a de oficiais em geral, passou a serrealizada na Escola Militar da Praia Vermelha (1874-1904). A EscolaPolytécnica [grifo do autor] inicialmente oferecia, após a conclusão docurso geral, cursos específicos para a formação de engenheiro de civil, deminas, engenheiro geógrafo ou industrial, além dos cursos de artes emanufaturas; e duas especialidades: em ciências físicas e naturais, e emciências físicas e matemáticas.

O Curso de Ciências Físicas e Naturais, sucessor do Curso Matemático da

Academia Real Militar, tem duração de 3 anos e é mantido até 1896 na instituição

quando, além da nova denominação da Escola – Escola Politécnica do Rio de

Janeiro – são extintos os cursos científicos. De 1896 até 1933, o ensino da

Matemática superior no Brasil passa a ser feito exclusivamente como cadeiras dos

cursos de engenharia, cessando a formação de engenheiro-matemático (SILVA,

1999, p. 73-74).

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Todavia, as escolas politécnicas e as academias militares representaram

espaços institucionais centralizadores da produção e difusão do conhecimento

matemático nesse período (DIAS, 2002b, p. 24).

Assim, em tempos da inexistência de Faculdades de Filosofia, para

formação dos professores de Matemática, são as Escolas Politécnicas, sobretudo,

que suprem a falta de professores para o ensino secundário e superior, uma vez

que, no dizer de Dias (2002b, p. 32), “quem gostava de matemática normalmente

era engenheiro e quem era engenheiro normalmente sabia Matemática”.

2.3. A CÁTEDRA: A PRINCIPAL REFERÊNCIA PARA O ENSINO

SECUNDÁRIO E SUPERIOR.

Ao que tudo indica, o aparecimento de cátedra no Brasil tem sua

constituição histórica no ensino superior quando, em 1808, com a chegada do

Príncipe Regente, D. João VI, é expedida a Carta Régia, criando escolas

superiores para os brasileiros que não podiam estudar na Europa e autorizando a

escolha de professores para ministrarem essas aulas. Dentre as cadeiras criadas

estão a de Cirurgia, em Salvador e a de Anatomia, no Rio de Janeiro;

posteriormente transformadas em Faculdades de Medicina dessas cidades

(SILVA, 1999, p. 64-65).

D. Pedro I, em 11 de agosto de 1827, sanciona a Carta de Lei, instituindo

os cursos jurídicos no Brasil; um em São Paulo e outro em Olinda, criando-se

cadeiras para tais cursos e a idéia presente em nossas instituições de ensino

durante mais de um século ‘da propriedade de cátedra' (FÁVERO, 2000, p. 87).

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O Decreto n° 9.360, de 7 de janeiro de 1885, aborda aspectos sobre o

concurso de professor catedrático, constando de defesa de tese e dissertação,

prova escrita, prova oral estudada e de improviso (MOACYR, 1938,v. III, p. 142

apud FÁVERO, 2000, p. 88).

No período que compreende a Proclamação da República e o final dos

anos de 1920, a questão relativa à idéia de cátedra é reforçada pelas reformas no

aspecto das exigências de concurso de títulos e provas, bem como da

vitaliciedade (FÁVERO, 2000, p. 88).

A Reforma “Francisco Campos”9, como ficou conhecida, inicialmente por

meio do Decreto n.º 19.890, de 18 de abril de 1931, depois consolidada pelo

Decreto n.º 21.241, 4 de abril de 1932, vem ratificar o professor catedrático como

o primeiro no patamar do corpo docente, mantendo-se a exigência de concurso

público de títulos e provas para o preenchimento de uma cátedra do ensino

superior e do secundário (decreto n° 19.851 de 11 de abril de 1931, art. 54). Após

a nomeação do catedrático, este poderia gozar de uma validade de 10 anos em

seu cargo e, após findado este prazo, poderia o lente novamente se candidatar ao

cargo, valendo-se apenas do concurso de títulos. Ao reassumir o cargo, o

professor catedrático adquiria garantia de vitaliciedade e inamovibilidade,

perdendo-os somente com o abandono do cargo ou sentença judiciária.

Transcorridos 30 anos de magistério ou quando atingisse 65 anos, o professor

poderia ser aposentado, havendo possibilidade de prorrogar por mais 5 anos as

suas funções no magistério.

9 Francisco Luís da Silva Campos, natural de Dores do Indaiá, Minas Gerais, nasceu em 18/11/1891 efaleceu em Belo Horizonte no dia 1/11/1968. Formado na Faculdade Livre de Direito de Belo Horizonte, emdezembro de 1914, além do trabalho na advocacia, ocupou vários cargos públicos: professor concursado deDireito Público Constitucional da faculdade onde se formou, tendo início em 1918; Deputado Federal porMinas Gerais (1926 - 1930), Ministro da Educação e Cultura (1930 – 1932), Consultor Geral da República(1933 – 1937) e, finalmente, Ministro da Justiça (1937 – 1941) (ROCHA, 2001, p. 178-179).

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A Constituição de 1934 vem reforçar a idéia de cátedra contida no Estatuto

das Universidades Brasileiras: garante a liberdade de cátedra, vitaliciedade e

inamovibilidade aos professores nomeados para as instituições do governo;

aproveita o lente em outra cadeira em caso de extinção da cátedra inicial; proíbe

a dispensa do concurso de títulos e provas no provimento dos cargos oficiais do

magistério. Quanto ao julgamento inicial dos títulos dos candidatos para o

concurso de cátedras, este consta de uma apreciação apenas para os fins de

justificar a admissão, ou não, de cada candidato às provas do concurso,

importando em verificar se os mesmos satisfazem as formalidades legais e as

exigências constantes do edital de abertura. As instruções não exigem que seja

atribuída uma nota de julgamento dos títulos de cada candidato, salvo em caso de

empate dos candidatos igualmente classificados no concurso das provas.

Com a Constituição de 1946, que vigorou por mais de duas décadas,

também é exigida a realização de concurso de títulos e provas para o ensino

secundário oficial e ensino superior (oficial ou livre), assegurando aos professores

admitidos a vitaliciedade e liberdade de cátedra.

A partir de 1967, o Decreto-lei n° 252/67 reduz legalmente a autonomia da

cátedra, integrando-a ao Departamento Universitário.

Com a Lei n° 5.540 de 1968, através do art. 33, § 3°, torna-se extinta a

cátedra na organização do ensino superior no Brasil. Ocorre, então, o

desaparecimento legal da figura do catedrático, centralizador das decisões

acadêmicas (FÁVERO, 2000, p. 96).

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2.4. O CONCURSO À CÁTEDRA DE MATEMÁTICA DO COLÉGIO PEDRO II

EM 1934: FIM DE UMA ERA.

Já dizia Anísio Teixeira (1976) que o segredo da eficiência do ensino

superior estava no professor e que, embora muitas vezes este curso não

oferecesse todas as condições práticas para a formação do estudioso, o lente

poderia despertar e provocar no aluno o gosto pelos estudos. Os especialistas e

homens de alta cultura dessa época eram frutos do estímulo desses

profissionais. E ainda: “a vitória do aluno nos concursos de catedráticos sempre

representou a sua verdadeira graduação como colega de magistério de sua alma

mater” (TEIXEIRA, 1976, p. 230).

A escolha dos professores catedráticos é, então, feita por um concurso

público e competitivo, para o qual os estudos se dão de modo prolongado e

requerem aptidão para os mesmos. A lei, o governo e a opinião pública dão a

esse professor uma posição de grande prestígio e privilégios especiais.

O poder para a direção das escolas compete à congregação dos

professores catedráticos, elegendo um diretor para melhor representá-la. Em se

tratando do Colégio Pedro II, instituição do ensino secundário, a Congregação é

também formada por catedráticos e professores do Internato e do Externato, cuja

competência lhe assegura legislar sobre os concursos para catedráticos. Para ser

catedrático do Pedro II, é necessário seguir os mesmos moldes das escolas

superiores existentes. O professor deve ser especializado numa determinada

área do conhecimento, elaborar determinada obra científica, defender idéias

renovadoras em sua área, fazer exame de cátedra, passar pelo crivo da banca

examinadora e ser nomeado pelo ministro competente (TAVARES, 2002).

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Em relação à legislação vigente no concurso de 1934, percebemos que os

mesmos dispositivos legais que regulamentam os concursos para o provimento

de uma cátedra no ensino superior também são extensivos ao ensino secundário

durante um certo período da nossa história, inclusive na década considerada.

Logo, o concurso para o provimento das cátedras do Pedro II obedece aos

preceitos do decreto n° 19.851 de 11 de abril de 1931, relativo ao ensino

universitário (determinação feita pelo decreto n° 19.890 de 18 de abril de 1931).

O processo 12.238, que se encontra nos arquivos do Colégio Pedro II, no

Rio de Janeiro, torna-se fonte preciosa e privilegiada de um dado momento

histórico, capaz de referenciar o conteúdo necessário para o mais alto grau da

profissionalização dos professores de matemática – o catedrático. Em meio a

documentos de difícil acesso devido à maneira de organização, ordenação dos

mesmos e sem instrumentos de pesquisa (fichas, guias, etc.), consegue-se

levantar, dentre as prateleiras de aço, documentos nos mais variados estado de

conservação. Mas, o que poderia representar tais papéis e documentos?

Percebemos que a aparência inofensiva dos papéis já desbotados e com certa

dificuldade de manuseio, representa fontes depositárias da memória coletiva e

dignas de pesquisa histórica e aprendizagem (RIBEIRO, 1992). Contudo, como

qualquer documentação que busca tornar-se fonte histórica, não é suficiente

encontrar exames e provas de professores realizados noutros tempos. Há

necessidade de contextualizar, enredar esses documentos em todo um conjunto

de outros materiais que possibilitem construir significados (VALENTE, 2003).

Assim, consta, na página do Diário Oficial, no dia 02 de abril de 1933, que

para o preenchimento de uma cátedra de Matemática no Colégio Pedro II, são

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necessários documentos e procedimentos preestabelecidos aos candidatos e

confirmados no ato da inscrição:

a) prova de que é brasileiro, nato ou naturalizado;

b) prova de sanidade e de idoneidade moral;

c) prova de haver completado o concurso de humanidades ou diploma de

instituto idôneo onde se ministre o ensino da disciplina em concurso;

d) documentação relativa ao exercício do magistério, da atividade literária

ou científica do candidato;

e) recibo do pagamento da taxa de inscrição na importância de 300$000

Quanto às provas, o Diário Oficial contendo informações do concurso,

estabelece que devem constar da:

a) defesa de tese;

b) prova escrita para as cadeiras de Português, Latim e Matemática, e

prova experimental para as de Química;

c) prova didática;

Com relação à tese, esta deve englobar uma dissertação sobre assunto da

cadeira e de livre escolha do candidato.

A prova escrita e a experimental versam sobre questões ou temas

propostos por ocasião da prova e relativas ao ponto sorteado de uma lista de

vinte, organizada pela comissão examinadora e aprovada pela Congregação do

Colégio.

Essa lista é publicada 30 dias antes do início do concurso.

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A prova didática, que deve ter duração de 50 minutos, é oral e consta de

uma dissertação sobre ponto sorteado com 24 horas de antecedência, de uma

lista de 30 pontos, estabelecida no dia do sorteio pela comissão organizadora e

aprovada pela Congregação.

O candidato deve apresentar 100 exemplares da tese, que poderá ser

impressa, mimeografada ou datilografada.

As inscrições têm prazo de 120 dias, contados do dia imediato ao da

publicação em edital, para serem efetuadas pelos candidatos interessados ao

cargo do magistério oficial.

De acordo com os documentos do processo (12.238, p. 59), ao término das

inscrições do concurso para provimento do cargo de professor de matemática do

Colégio Pedro II, Internato, temos os seguintes professores inscritos: Alberto

Nunes Serrão, Cesar Dacorso Netto, Haroldo Lisboa da Cunha, Julio Cesar de

Mello e Souza. Posteriormente, em 27 de outubro de 1933, Luiz Sauerbronn tem

sua inscrição oficializada após recurso interposto pelo candidato, devido ao

indeferimento da mesma, por motivo de atraso na entrega dos documentos na

secretaria do Colégio.

2.4.1. OS POSTULANTES À CÁTEDRA DE MATEMÁTICA DO COLÉGIO

PEDRO II.

Os cinco candidatos ao provimento da cátedra de Matemática no Colégio

Pedro II, cumprem as exigências legais do concurso. O Diário Oficial de 31 de

agosto de 1934 informa que a comissão examinadora habilita todos os inscritos

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para o concurso de Matemática mediante análise de títulos e documentos

exigidos por lei. Os pedidos de inscrições no concurso e os documentos

apresentados pelos candidatos encontram-se anexados ao processo instaurado

no final do concurso (12.238, p. 89-97). A documentação apresentada pelos

candidatos aspirantes à cátedra de Matemática do Pedro II estão selecionadas a

seguir:

Alberto Nunes Serrão, engenho civil e geógrafo pela Escola Politécnica do

Rio de Janeiro, apresenta seu diploma de engenheiro civil; dois exemplares do

trabalho “A parte vaga da cadeira de Cálculo Infinitesimal da Escola Politécnica do

Rio de Janeiro”; recibo de pagamento da taxa de inscrição; atestados diversos

provando exercício do magistério; exemplar do livro “Lições de Álgebra Superior”,;

atestado de assistente da cadeira de Cálculo Infinitesimal da Escola Politécnica;

um exemplar datilografado do trabalho inédito “Sobre as singularidades de alguns

tipos de equações diferenciais ordinárias”; atestado relativo ao curso secundário

pelo Colégio Santa Rosa, em Niterói e certidão da Escola Politécnica relativa ao

exame de Cálculo realizado pelo requerente. O candidato também apresenta 100

exemplares de sua tese “Sobre a resolução algébrica das equações”.

Cesar Dacorso Netto, engenheiro geógrafo e aluno da Escola Politécnica

do Rio de Janeiro, apresenta, no ato de sua inscrição ao concurso, atestado da

Escola Politécnica por onde prova ser diplomado pela mesma no curso de

engenheiros geógrafos; atestado de exercício no magistério assinado pelo reitor

do Ginásio de São Bento; certificado da Diretoria Geral de Educação, provando

ser professor registrado; certidão da Escola Politécnica sobre prêmio obtido no

exame vestibular; certidão do Ginásio de São Bento sobre prêmios obtidos no

curso secundário; quatro exemplares da revista “Alvorada”, órgão oficial do

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Ginásio São Bento, contendo os artigos “Nota sobre função e o seu conceito

moderno”, “Matemática”, e “A Matemática e a sua importância”. Apresenta 100

exemplares da tese “Esboço sobre a transformação em Matemática elementar“.

Haroldo Lisbôa da Cunha, 24 anos, natural do Distrito Federal, engenheiro

geógrafo, civil e eletricista pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, professor de

Matemática Elementar da Escola Profissional Paulo de Frontin, exibe seus

documentos relacionados à sua inscrição, como o diploma de engenheiro civil e

eletricista pela Escola Politécnica da Universidade do Rio de Janeiro; título de

engenheiro geógrafo, conferido em virtude do Decreto n°19.150 de 27 de março

de 1930, que restabeleceu para os alunos que, em 1929, terminaram o curso de

engenheiros civis (quarto ano da Escola); certidão da Diretoria Geral de Instrução

Pública da Prefeitura do Distrito Federal atestando ser professor de matemática

Elementar; título de nomeação de professor e assistente na Escola Nacional de

Belas Artes e na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, respectivamente;

certificado do registro de professores de matemática; trabalho original intitulado “A

Matemática e o conceito de função”; artigo intitulado “Equação da linha elástica”,

publicado na Revista da Escola Politécnica; o artigo “Sobre a quadratura do

círculo”, a ser publicado na Revista Nacional de Educação; certidão da Escola

Politécnica, pelo que foram concedidos ao candidato vários prêmios no decorrer

de sua vida estudantil. Cem exemplares de sua tese “Sobre as equações

algébricas e sua resolução por meio de radicais”.

Julio Cesar de Mello e Souza, engenheiro civil, catedrático interino do

Colégio Pedro II, adjunto de Matemática do Instituto de Educação, apresenta os

documentos exigidos pelo edital de concurso para o provimento efetivo do cargo

de professor catedrático de matemática: certidão da Escola Politécnica da

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Universidade do Rio de Janeiro declarando que é engenheiro civil por aquela

Escola; certidão da Escola Nacional de Belas Artes relativa à nomeação do

mesmo como professor interino da cadeira de Matemática; portarias do Diretor

Geral do Departamento Nacional do Ensino de nomeação para reger

interinamente a cadeira de Matemática do Internato do Colégio Pedro II (5 de

novembro de 1926), nomeação como examinador de vários concursos,

declaração do curso realizado na antiga Escola Normal; apresenta obras e artigos

publicados, bem como os 100 exemplares da tese cujo título é “Estudo elementar

das curvas planas – Funções modulantes”.

Luiz Sauerbronn, engenheiro geógrafo pela Escola Politécnica do Rio de

Janeiro, professor adjunto da cadeira de Matemática do Colégio Pedro II, com 26

anos de idade, apresenta seus documentos relacionados ao concurso. Entre eles,

a certidão da Escola Politécnica da Universidade do Rio de Janeiro, declarando

que era aluno matriculado na 4ª série do curso de engenheiros civis; declaração

de participação nas comissões julgadoras dos exames; atestado das atividades

realizadas no magistério, bem como os bancos de honra que alcançou na cadeira

de Matemática por haver obtido notas distintas; atestado passado pelo secretario

da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, declarando que o Sr. Luiz Sauerbronn,

saiu do prédio onde leciona às 16:45 h. do dia 31 de julho de 1933. O candidato

apresentou os 100 exemplares da tese “Teoria das Frações Contínuas”.

Devido ao atraso de 5 minutos da inscrição do candidato Luiz Sauerbronn,

chegando às 17:05h. do último dia das inscrições, a Congregação do Colégio

Pedro II, em sessão realizada no dia 3 de agosto de 1933, não aceita o pedido de

inscrição do requerente no concurso de Matemática. Todavia, o candidato recorre

ao ato da Congregação que lhe negou a inscrição e fica decido em última

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instância, pelo Ministro da Educação e Saúde Pública, Washington Pires, apoiado

pelo diretor do Colégio do Internato do Colégio Pedro II, Euclides Roxo, a inclusão

do mesmo no rol dos candidatos. Em 27 de outubro de 1933, Luiz Sauerbronn

tem seu nome colocado na lista juntamente com seus concorrentes a uma cátedra

de Matemática do único estabelecimento federal de ensino secundário civil da

República.

2.4.2. OS EXAMINADORES DO CONCURSO DE MATEMÁTICA DE 1934.

Em 05 de outubro de 1933, Euclides Roxo, diretor do Internato do Colégio

Pedro II, nos termos do artigo 16 do decreto n° 19.890, de 18 de abril de 1931 –

Reforma “Francisco Campos”, envia ao Diretor Geral da Educação, Dulcídio

Cardoso, os nomes dos dois professores que farão parte como examinadores do

concurso, escolhidos pela Congregação do Colégio e que irão se juntar aos

outros três professores de outras instituições superiores ou profissionais

especializados de instituições técnicas ou científicas, escolhidos pelo Conselho

Nacional de Educação. São eles: Joaquim Ignácio de Almeida Lisboa e Agliberto

Xavier (12.238, p. 60).

Existem catedráticos do Pedro II que não se encontram em condições legais

de participar do concurso como membros da comissão julgadora, como é o caso

do próprio Euclides Roxo, além de Cécil Thiré, por serem co-autores de livros

didáticos com Mello e Souza, um dos candidatos inscritos no concurso e,

portanto, não satisfazem os seus dispositivos regulamentares.

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No dia 11 do mesmo mês, Euclides Roxo comunica ao professor Almeida

Lisboa sua designação para fazer parte da comissão examinadora, que acaba

aceitando a escolha (12.238, p. 62). No dia 20, Agliberto Xavier, em resposta ao

ofício enviado anteriormente, agradece à Congregação pela escolha, mas recusa

o convite (12.238, p.63). Mesmo com o apelo de Euclides Roxo, o professor não

fará parte da banca examinadora.

Os nomes de Octacílio Novaes, Maurício Joppert da Silva, Júlio Cesar

Noronha e dos suplentes Sebastião Sodré da Gama e Aurélio Falcão são

designados pelo Conselho Nacional de Educação para membros da comissão

julgadora do concurso de Matemática (12.238, p. 67). Os professores Maurício

Joppert e o almirante Júlio César de Noronha, por motivos de força maior, não

aceitaram examinar o concurso. Sendo escolhido para substituir Júlio Cesar de

Noronha, o professor Sodré da Gama, também não faz parte dos componentes da

banca. Finalmente, a comissão é constituída pelos professores catedráticos do

Colégio Pedro II, Joaquim Almeida Lisboa e George Sumner; pelos professores

designados de outras instituições, Augusto de Brito Belford Roxo e Octacílio

Novaes da Silva (catedráticos da Escola Politécnica do Rio de Janeiro), Raul

Romeu Braga Antunes (professor catedrático da escola Naval do Rio de Janeiro).

Dentre as atribuições competentes aos membros da comissão constituída

estão a apreciação dos títulos apresentados, aprovação dos pontos selecionados

para as provas, classificação dos candidatos por ordem de merecimento,

fundamentação minuciosa do parecer, acompanhamento da realização de todas

as provas do concurso e julgamento das competências do catedrático de

matemática.

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De acordo com o que reza a lei, a comissão conta com membros cujo

conhecimento é aprofundado na disciplina em concurso.

2.4.3. A PROVA DE DEFESA DE TESE REFERENTE À CÁTEDRA DE

MATEMÁTICA.

A comissão, em 22 de agosto de 1934, analisa os títulos apresentados

pelos candidatos e, através de um julgamento inicial, justifica a admissão de todos

os cinco inscritos, por terem satisfeito às exigências legais estabelecidas no edital

de abertura de inscrição e às respectivas instruções referentes aos processos de

concursos de títulos e provas destinados ao provimento das cadeiras vagas

existentes no corpo docente do Colégio Pedro II (12.238, p. 97).

É deliberado pela comissão julgadora que o relator do parecer e

conclusões sobre o exame de títulos e documentos fica a cargo do professor

George Sumner. Ao professor Almeida Lisboa compete a direção das provas do

concurso.

Em 23 de agosto de 1934 é comunicado ao diretor do Colégio que, por

unanimidade, todos os concorrentes estão julgados e habilitados a prosseguirem

nas demais provas do concurso (12.238, p. 98).

No dia seguinte, em 24 de agosto, o Diário Oficial (12.238, p. 99), informa a

decisão da comissão examinadora em habilitar os candidatos e estabelece que

as provas de defesa de tese serão realizadas no salão nobre do Externato, às 16h

dos dias indicados, observando a ordem de inscrição:

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Candidato 1 – Alberto Nunes Serrão – 2ª feira – 03/09/1934 – Tese:

“Resolução Algébrica da Equações”;

Candidato 2 – Haroldo Lisboa da Cunha – 2ª feira – 10/09/1934 – Tese:

“Equações Algébricas e suas Resoluções por meio de Radicais”;

Candidato 3 – Cesar Dacorso Netto 6ª feira – 14/09/34 (transferida para

24/09) – Tese: “Esboço sobre as transformações em Matemática Elementar;

Candidato 4 – Julio Cesar de Mello e Souza – 6ª feira – 21/09/1934

(transferida para 01/10) – Tese: “Estudo elementar das curvas planas – Funções

Modulantes”;

Candidato 5 – Luiz Sauerbronn – 3ª feira – 25/09/1934 (transferida para

08/10) – Tese: “Teoria da Frações Contínuas”.

Todos os candidatos têm assegurado, de acordo com os termos da lei, o

tempo de 20 minutos para sua defesa sobre as objeções formuladas pelos

senhores examinadores.

O candidato Haroldo Lisboa da Cunha é impedido de assistir aos trabalhos

da prova do seu oponente Alberto Nunes Serrão por se tratar de teses de mesmo

assunto em questão.

Em 11 de outubro de 1934, foi feito o julgamento das provas de defesa de

tese a que foram submetidos os candidatos.

2.4.4. A PROVA ESCRITA DOS CANDIDATOS.

Em 26 de junho de 1934, a comissão examinadora do concurso seleciona

os 20 pontos (12.238, p. 81-83) para a prova escrita de Matemática. Em 06 de

julho, os pontos são publicados em Diário Oficial, reeditados no dia 25 do mesmo

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mês, sofrendo retificações em 22 de agosto de 1934. Os pontos selecionados

para a prova escrita são:

1. Interpolação – Fórmula de Newton e de Lagrange – Fórmula do resto –

Figuras homotéticas planas

2. O desenvolvimento da idéia de função – A noção de continuidade –

Homotetia e semelhança no espaço – Homotetia de 4 esferas

3. A fórmula de Taylor – Plano radical e plano polar

4. Cálculo das raízes incomensurávies – Métodos de Newton – Raphson, de

Daniel Bernoulli, de Ruffini- Horner, de Graeff – As raízes

incomensuráveis calculadas sob formas de séries polar e polar no

círculo

5. As generalidades da idéias de número – Os números algébricos e sua

classificação – Os números algébricos do segundo grau – Problemas

que resolvem com a régua e compasso

6. As funções simétricas – Peso – Fórmulas de Waring – Semi-invariante e

semi- covariantes – Eixos radicais e círculos ortogonais no plano

7. Formulação dos invariantes e covariantes. Discriminantes – Eixos

radicais e círculos ortogonais na esfera

8.Transformações ortogonais – Invariantes – Covariantes – Interpolações

geométricas – Transformações por polares recíprocas

9. Transformações de Tschirnhausen – Estudo de Hermitte – Polo e polar

nas cônicas

10. O teorema de Sturm – Cônicas polares recíprocas

11. Os grupos simples e compostos – Os subgrupos invariantes – Estudo

dos grupos de grau 3 e de grau 4. O teorema de Frobenius. Involução

12. O grupo de uma equação algébrica em um domínio dado –

Redutibilidade e irredutibilidade – Divisões e feixes homográficos

13. A função n! valores – As resolventes de Galois – Os grupos

transpositivos

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Relações anarmônicas na esfera

14. Equações solúveis pelos radicias – Os grupos cíclicos regulares –

Equações Ciclotônicas

Teoremas de Galois, Jordan e Holder sobre a resolução das equações

pelos radicias – Inversão – Figuras analagmáticas

15. As equações solúveis e irredutíveis de grau primo. Estudo de seu grupo

– A relação anarmônica no plano

16. A teoria dos grupos característicos – propriedades das funções

pertencentes a um mesmo grupo -

Homografia e homologia

17. As equações abelianas – O princípio de dualidade em Geometria

18. Eliminação pelas frações simétricas – Ordem e peso do resultante – Os

poliedros regulares

19. Os resultados sob forma de determinantes – Estudos de Sylvester e

Cayley – Teoremas de Pascal, Brianchon e Desargues relativos às

cônicas

20. As substituições lineares – sua classificação. Os grupos lineares de

duas variáveis. Os grupos de poliedros regulares. As pseudo-

substituições lineares. Aplicações geométricas.

Inicialmente, a data estabelecida para a prova escrita está marcada para

02 de outubro de 1934. Contudo, com as mudanças das datas das provas de

defesa de tese, o candidato Luiz Sauerbronn, sendo o último a defendê-la e,

contando com o apoio dos demais candidatos, pede ao Presidente da

Congregação do Colégio Pedro II, Raja Gabaglia, o adiamento da prova escrita,

marcada até então para 18 de outubro de 1934. Seu pedido é deferido, sendo

transferida para o dia 26 do mesmo mês. As datas são alteradas novamente, de

02 de novembro, para 12 de novembro de 1934, às 13h.

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O ponto sorteado pelo candidato Alberto Nunes Serrão é o de número 19.

Após a entrega do papel devidamente rubricado aos referidos candidatos, em

suas respectivas mesas sorteadas, passaram eles a se ocupar da prova. A

comissão estabelece o tempo de 8 horas para a realização do trabalho. A prova

escrita é a única a ser realizada sem a presença do público, de acordo com o que

reza os preceitos legais. Em 14/11/1934 concretizou-se a leitura das provas

escritas por cada um dos candidatos e em 23/11 o julgamento das mesmas.

2.4.5. PROVA ORAL DO CONCURSO DE MATEMÁTICA.

Em 22 de novembro de 1934, é aprovada pela comissão julgadora a lista

dos pontos para a prova oral (12.238, p. 102). A seguir, às 13h 10mim, os

candidatos, depois de assistirem à inclusão, na respectiva urna, dos 20 pontos,

numerados de 1 a 20, ficam cientes da retirada, por Alberto Nunes Serrão, do

ponto, novamente o de número 19, escolhido para a preleção. Os pontos para a

prova oral são os seguintes:

1. Teorema de Rouché – Aplicações

2. Propriedades elementares das funções contínuas. Teorema de Rolle,

Lagranje e Cauchy

3. Estudo da função exponencial

4. Os polígonos regulares

5. Eixos e Planos radicais

6. O cálculo de ¶

7. Homotetia e semelhança

8. Figuras esféricas

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9. Poliedros regulares

10. Transformações de equações

11. Teorema de Sturm

12. Separação de raízes

13. Teorema das raízes iguais

14. Funções simétricas

15. Dedução e discussão da fórmula de Taylor

16. Números imaginários

17. Polos e polares ( geometria pura)

18. Relação anarmônica

19. Cálculo das raízes incomensuráveis

20. Estudos das cônicas sob o ponto de vista da Geometria Antiga

Em 23 de novembro, às 13h35min, são realizadas as provas orais dos

candidatos referentes ao ponto já sorteado no dia anterior. A seguir, temos o

julgamento dessa mesma prova e às 19h 40 min, do mesmo dia, terminadas as

provas orais, a Comissão examinadora, passa ao julgamento final do concurso de

Matemática. Em 28/11 do referido ano, ocorre a votação do parecer da comissão

julgadora que indicou ao governo da cátedra de matemática do Internato do

Colégio Pedro II o candidato Dr. Haroldo Lisboa da Cunha, por 9 votos contra 8.

Contudo, devido à interposição do candidato Alberto Nunes Serrão,

pedindo nulidade do concurso, inicia-se o processo que acaba ouvindo a

Congregação do Colégio Pedro II. Após examinados os documentos constantes

do processo e seus anexos, verifica-se que nenhum dos dispositivos

regulamentares deixou de ser observado na realização do concurso, ratificando o

nome de Haroldo Lisboa da Cunha ao provimento do cargo de professor

catedrático do colégio. Este contou com o apoio do Diretor do Colégio Pedro II,

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Euclides Roxo, sendo nomeado pelo próprio presidente Getúlio Vargas, em

documento assinado pelo então Ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo

Capanema, em 24 de junho de 1935.

A hipótese de que o concurso de 1934 seja um dos últimos concursos que

revelam a figura do engenheiro predominando no ensino da Matemática no Brasil,

leva-nos ao fim de uma era em que para ser professor de matemática significa

passar por um concurso que, seja o da Escola Politécnica, o da Escola Militar ou o

do Colégio Pedro II, respalda-se num mesmo programa e rol de conteúdos. De

outro modo, os professores que atuam nessas instituições possuem um cabedal

de conhecimento matemático que garante aos mesmos suas atuações na carreira

do magistério e no ensino superior da Matemática. Exige-se dos candidatos um

saber matemático que é o mesmo exigido tanto na Escola Politécnica, na Escola

Militar ou no Colégio oficial do ensino secundário, o Colégio Pedro II. Contudo, o

conteúdo determinado pela lista de pontos para as provas do concurso à cátedra

do Colégio Pedro II não nos dá indícios de que os mesmos são abordados,

necessariamente, em sala de aula. Ao contrário, o programa de ensino da

Reforma Campos em nada tem a ver com esses conteúdos. Não fica registrada a

preocupação com o saber a ser ensinado pelo professor em suas atividades com

seus alunos. Há sim, uma preocupação com o domínio dos conteúdos exigidos.

Conteúdos estes, de estágio avançado do conhecimento dessa ciência.

Ser professor de matemática é ter domínio do conteúdo adquirido em seus

cursos de engenharia e que qualificam ao magistério, seja do curso secundário ou

do curso superior. Os candidatos aspirantes ao cargo de professor dessa

disciplina nesse período são procedentes das Escolas Politécnicas, engenheiros

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formados com cursos de Matemática e, assim sendo, habilitam-se como

professores de um conteúdo que dominam (PRADO; VALENTE, 2002).

Os conteúdos exigidos no concurso de 1934, e que vêm habilitar os

candidatos ao cargo de professor catedrático do Colégio Pedro II, também são

conteúdos ensinados nas escolas de engenheiros, podendo este concurso ser

aplicado concomitantemente às outras instituições de ensino superior, haja vista a

própria lei estabelecer tal fato. A preocupação com o saber matemático do

professor se debruça no rol dos conteúdos da Matemática superior exigidos pelos

concursos, mesmo que estes não sejam abordados em sala de aula.

O concurso de 1934 chancela como saber profissional, do professor de

matemática do ensino elementar, os conteúdos do ensino superior, de formação

do matemático.

Atualmente, tais conteúdos são os abordados em cursos superiores e até

mesmo de pós-graduação em Matemática. Além disso, quanto às exigências

estabelecidas pelo concurso no ato da inscrição, temos a obrigatoriedade da

entrega de teses que dissertam sobre os assuntos da cadeira. A produção

matemática é requisito necessário para a habilitação dos candidatos e envolvem

áreas do conhecimento superior em Matemática, que supostamente revelassem

suas habilidades e competências na área de domínio.

Assim, dominar a produção matemática de alto nível e demonstrar-se

produtor de tal saber qualifica o professor catedrático de matemática do Colégio

Pedro II para o ensino elementar desse saber. É essa a condição principal da

cátedra preenchida por engenheiros da Escola Politécnica.

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O MOVIMENTO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO ENSINO DE

MATEMÁTICA, AS FACULDADES DE FILOSOFIA E A FORMAÇÃO

DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA.

3.1. O ENSINO DA MATEMÁTICA NOS CENÁRIOS INTERNACIONAL E

NACIONAL.

Até o final do século XIX e início do século XX, ainda nos deparamos com

uma batalha entre os defensores do desenvolvimento lógico mais rigoroso da

Matemática euclidiana e os partidários de uma matemática mais ligada às

aplicações práticas; que partisse do intuitivo e indutivo; do concreto para o

abstrato; com predominância essencial do ponto de vista psicológico no ensino da

matemática elementar e secundária.

Contudo, somente no final do século XIX surgem as primeiras iniciativas,

ainda que escassas, que vieram incorporar um movimento internacional de

reações à forma de ensino da Matemática nas escolas secundárias:

(...) existiam alguns “humanistas” que perceberam que o rigor exageradono ensino da matemática poderia tornar tal disciplina inacessível à quasetotalidade dos jovens, passando a se preocupar mais com o estudante(sujeito do ensino) do que com a matéria a ser ensinada (objeto doensino). Entretanto, foram iniciativas isoladas e só começaram a tomarvulto e integrar-se em um movimento internacional a partir do final doséculo XIX (ROCHA, 2001, p. 73).

CAPÍTULO 3

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Em abril de 1908, na Itália, mais precisamente em Roma, matemáticos se

encontram reunidos no Quarto Congresso Internacional, a fim de discutirem

questões ligadas ao ensino da Matemática, além da reorientação dos métodos de

ensino voltados para a intuição e suas aplicações (VALENTE, 2003).

Aprova-se, então, a criação da comissão internacional para o ensino de

Matemática, designada pelos alemães de IMUK - Internationale Mathematische

Unterrichtskommission - e pelos franceses de CIEM - Comission Internationale de

l’Enseignement Mathématique.

Após a constituição da comissão, é eleito um comitê central formado pelos

matemáticos Félix Klein (1849-1925), presidente; Henri Fehr, secretário geral e

George Greenhill, vice-presidente.

Dentre os objetivos oficiais do movimento de reforma da Matemática estão

a reorganização dos métodos de ensino no sentido da intuição e das aplicações,

bem como a apresentação de relatos aos delegados nomeados dos diversos

países participantes sobre o estado atual do ensino de Matemática no que diz

respeito à organização, finalidade, método e tendências modernas da disciplina.

Segue-se ao Congresso de Roma, o V Congresso Internacional de

Matemática, em Cambridge, no ano de 1912. Inicialmente, o comitê também

deveria apresentar relatórios a respeito do estado da instrução Matemática nos

diversos países. Essa tarefa é ampliada buscando-se ajuntar aos objetivos iniciais

a disseminação de uma proposta de reforma do ensino de Matemática

(SCHUBRING, 2003).

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No entanto, somente no final de 1920, essas discussões internacionais

sobre o ensino de Matemática começaram a fazer eco no Brasil:

No Brasil, até finais da década de 20, imperou no ensino, a matemáticatradicional. Isto é, o ensino da Matemática em seus diferentes ramosindependentes, pensada como elemento de exercício intelectual, dedesenvolvimento do raciocínio conseguido através do trabalho com alógica dedutiva. É no âmbito da chamada Reforma Francisco Campos, em1931, que se intenta abalar e transformar a matemática a ser ensinada nasescolas brasileiras. Essa pretendida transformação busca incorporarpontos defendidos pelo Movimento Internacional para a Modernização doEnsino da Matemática, que teve seu início organizado a partir do IVCongresso Internacional de Matemática, em 1908, realizado em Roma(VALENTE, 2000a).

Euclides Roxo, professor de Matemática e diretor do Colégio Pedro II, foi o

introdutor, no Brasil, dos debates ocorridos nos congressos internacionais sobre a

reforma do ensino de Matemática. Sua proposta de inovação dos programas e do

ensino de Matemática aparentemente é bem aceita pelos membros da

Congregação do Colégio Pedro II. Contudo, o retorno de Almeida Lisboa às suas

funções e ao Colégio, modifica a situação:

Com o falecimento de Eugênio de Barros Raja Gabaglia e a viagem deJoaquim Almeida Lisboa ao exterior, uma nova geração assume ocomando, no Colégio Pedro II, do ensino da matemática. Essa novageração, encabeçada por Euclides Roxo aparentemente não encontradificuldades de produzir inovações no ensino através da modificação deseus programas. Porém, logo essas inovações começarão a sercombatidas. Lisboa retorna ao Colégio e assim se pronuncia na Reuniãoda Congregação cuja ordem do dia era a votação dos programas para oano de 1931: “Declaro que voto contra os programas de matemática”(VALENTE, 2003, p. 79-80).

Voto vencido, Lisboa não se contenta. Procura a imprensa com o intuito de

fazer eco ao seu descontentamento quanto às idéias modernizadoras do ensino

de matemática.

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3. 2. OS REFLEXOS DO MOVIMENTO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO

ENSINO DA MATEMÁTICA E A NECESSIDADE DA FORMAÇÃO DO

PROFESSOR SECUNDÁRIO.

O descontentamento do professor Lisboa torna-se público e notório através

da utilização da imprensa como meio fortalecedor de suas opiniões, insatisfações

e manifestações provenientes que se reduziam a um único ponto: os programas

de matemática possuíam um caráter utilitário e essencialmente prático (DASSIE,

2001).

O Jornal do Commercio de 21 de dezembro de 1930 dá voz ao

descontentamento do professor Joaquim Inácio de Almeida Lisboa relativamente

à reforma do ensino de Matemática. A reforma, inicialmente levada a cabo no

Colégio Pedro II, posteriormente foi transformada em lei nacional com a Reforma

‘Francisco Campos’. Lisboa inicia seu artigo, intitulado “Os programas de

Matemática do Colégio Pedro II” (afirmando ser o mais antigo professor

catedrático do Colégio Pedro II): “declaro não ter colaborado, nem de leve, nos

seus atuais programas de Matemática. Sou fundamentalmente contra eles: não os

considero sequer programas de ensino, porque tudo destróem”.

Lisboa busca ridicularizar a renovação do ensino de Matemática no Brasil,

tentando destruir a argumentação que vinha, na própria imprensa, sendo utilizada

por Euclides Roxo para defender a reforma. Além disso, desafia as determinações

legais recusando-se a adotá-las em suas aulas:

É puro disparate apresentar a horrível mutilação do nosso atual ensinocomo prelúcio da nova orientação que resultou do CongressoInternacional. É como se os mais eminentes arquitetos tivessem fixado asregras da elegância e proporção, definindo a nobreza dos estilos e, nointerior da África, uma tribo selvagem apresentasse seu pobre casebrecomo fruto desses preceitos modernos. Perdoe-me o meu ilustre colega a

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desagradável comparação; mas não vejo outra para sua reforma de ensinomatemático. A competência que reconheço no jovem professor fazia-meesperar coisas bem diferentes: os programas de Matemática nãocorrespondem ao juízo que formo desse autor. Quanto a mim, nadapretendo reformar, se não a mim próprio: mas não seguirei os novosprogramas, por oficiais que sejam. Não posso lecionar futilidades. É compesar que digo.

Para Lisboa que valoriza exclusivamente o rigor matemático no ensino da

disciplina, os livros didáticos de Euclides Roxo, escritos a partir da legislação

renovadora do ensino, são alvos de crítica e descontentamento:

Não há vestígio da mais simples demonstração de qualquer teorema, pormais elementar que seja; existem apenas verificações materiais, e portantoimperfeitas e grosseiras. Desapareceu o raciocínio modelar, característicode uma demonstração da própria Matemática. Há noções erradas ouimprecisas. Foi abolido tudo o que era útil ao desenvolvimento intelectualdo aluno.

Uma semana depois, exatamente no domingo seguinte, Euclides Roxo

responde a seu oponente, através do mesmo Jornal do Commercio. Roxo faz

publicar, no dia 28 de dezembro de 1930, o artigo intitulado “O ensino de

Matemática na escola secundária – réplica ao Sr. Professor Almeida Lisboa”.

Roxo inicia sua réplica considerando que Lisboa não entende de questões

ligadas ao ensino de Matemática:

Surpreendeu-me o artigo do Sr. Professor Almeida Lisboa. Surpreendeu-me, não porque eu não esperasse ataques ainda mais violentos contra areforma do ensino de Matemática no Pedro II, nem porque supusesseestar S.S. de acordo com a nova orientação: conheço a sua completainciência no que diz respeito ao ensino secundário. Por várias razões,entretanto, eu não podia esperar o artigo do Sr. Lisboa. Primeiro, porquenunca supus que, depois de 15 ou 20 anos de completo alheamento àscoisas do ensino, se é que esse alheamento jamais deixou de existir,pudesse ainda o Sr. Lisboa tornar-se de tamanho ardor por uma questãodesta natureza.

Em seguida, Roxo destaca, ao que parece, de modo inédito até então, as

diferenças existentes entre o conhecimento matemático e o ensino de

Matemática. Para ele, Almeida Lisboa é caso exemplar: um grande conhecedor

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de Matemática e ignorante das questões ligadas ao ensino da disciplina. Euclides

Roxo toma como exemplo Almeida Lisboa para defender a necessidade que tem

o país de estruturar a formação do professor secundário. Diz o replicante:

Quero, entretanto, antes de começar a rebater as críticas do Sr. Lisboa,explicar, as causas desta profunda divergência entre dois colegas decátedra em estabelecimento oficial, com as responsabilidades do Pedro II.Mesmo porque, da rápida análise que vou fazer da vida professoral do Sr.Lisboa, podem-se tirar ilações em benefício do aperfeiçoamento doensino secundário entre nós. Com efeito, o Sr. Almeida Lisboa é a provamais eloqüente e a demonstração mais viva da necessidade inadiável emque estamos (e para a qual sei que felizmente o Sr. Ministro da Educaçãovolta as suas vistas) de cuidar da formação do professorado secundário. OSr. Lisboa entrou para o Colégio Pedro II, graças a um memorável ebrilhantíssimo concurso, em que revelou profundo conhecimento deMatemática. Foi isto em 1902. Quando em 1904, entrei como aluno parao primeiro ano do Internato, ainda lá retumbavam os ecos desse famosocertame, ecos que ainda não morreram de todo...Pois bem, comparável aoruído desse concurso, só o fragoroso desastre da sua carreira nomagistério ginasial. Não há talvez notícia de um maior fracasso noprofessorado daquela casa.

Com detalhes da trajetória profissional de Lisboa no Colégio Pedro II, Roxo

busca reforçar a tese de que a seu oponente falta formação pedagógica e, deste

modo, os reflexos de sua prática pedagógica geram resultados negativos ao

aprendizados dos alunos:

(...) nas suas aulas, o prof. Lisboa só tinha em mente mostrar aosespantados meninos do Pedro II a sua vasta cultura Matemática. Lembro-me ainda de quando, em 1906, sendo eu aluno do Internato, o Sr. Lisboavoltou da Europa, no meio do ano e foi dar a sua primeira aula naquelacasa. Perguntou aos alunos em que ponto estavam e como estes lherespondessem que em equações do segundo grau, o prof. Lisboa começoua expor àqueles pobres indigenazinhos os métodos de Viète, de Grünnert,de Clebseh, de Heilermann, etc., para dedução da fórmula. Era acontinuação da sua prova de concurso. Daí por diante, a ineficiência doseu ensino no Pedro II foi, cada vez mais, se acentuando, até tornar-seproverbial. Não sei se, de algumas centenas de meninos, que passarampor suas mãos, haverá meia dúzia que tenham podido com ele aprenderalguma coisa.

Se para Lisboa falta conhecimento pedagógico, sobra-lhe matemático. É o

que Euclides Roxo reafirma ao tentar mostrar que seu colega de profissão

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encontra-se deslocado no ensino secundário. Roxo revela seu pensamento a

respeito dos grandes matemáticos, conhecedores profundos dos conteúdos da

disciplina mas, sem nenhum envolvimento com as questões relativas ao ensino

da Matemática:

(...) entretanto, o Sr. Lisboa é um belo talento, um grande matemático, umbom professor de “curso anexo” ou vestibular da Politécnica. Disso possodar testemunho porque fui seu aluno e muito apreciava as suas bonitaspreleções; mas eu tinha 20 anos de idade e seis ou oito de estudo deMatemática, criteriosamente orientados. Digo mais, e é o que todossentem. O Sr. Lisboa deveria ser um ótimo professor da Politécnica,talvez uma notabilidade no nosso magistério superior se as circunstânciasnão tivessem privado aquela alta escola desse verdadeiro luminar dasciências exatas. No Pedro II, porém, ele concretiza a maior catástrofe quese poderia imaginar no magistério. Esses fatos que, para muitos, pareceráencerrar uma contradição chocante, nada têm, entretanto, deextraordinário: imaginem que WEIERSTRASS fosse ensinar Matemáticana primeiras classes de uma höhere Schule alemã; o desastre seria talvezmaior do que o do prof. Lisboa.

Continuando sua réplica, Euclides Roxo retoma o tema da necessidade da

criação de escolas para a formação do professor secundário, a fim de evitar,

segundo ele, exemplos catastróficos ao ensino, como o de Almeida Lisboa:

(...) desculpe-me o Sr. Lisboa estas análise em público. Mas já que S.S. seexpôs, eu não posso deixar de apresentá-lo como o mais forte argumentoque encontro em favor da criação, entre nós, de uma escola normal paraprofessores secundários, ou melhor, de um instituto de educação, nosmoldes dos teachers colleges americanos, onde se formem professoresdignos desse nome, isto é, indivíduos que, além de uma forte culturaespecializada, conheçam a psicologia infantil e se possuam das modernasidéias sobre pedagogia e metodologia.

De acordo com a opinião de Euclides Roxo, a admissão de professores ao

magistério também merece crítica. Ao mesmo tempo que prega a criação de

cursos e institutos para a formação do professor secundário, faz uma análise

crítica do processo de seleção dos professores envolvidos com o ensino da

Matemática. Os concursos realizados para o preenchimento das cátedras da

disciplina no ensino secundário, praticamente em nada se diferem dos que

atualmente selecionam professores para darem cursos de formação a futuros

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matemáticos e pós-graduados. As falhas na seleção e no tratamento de suas

provas são apontadas por Roxo:

(...) não se pode mais admitir, como processo de recrutamento deprofessores secundários o simples concurso, que, no dizer acertado domeu colega, Professor Delgado de Carvalho, “é uma prova falha nas suasvirtudes seletivas porque, se evidencia às vezes competências, nãopermite julgar das capacidades, metodológica e pedagógica, docandidato: a chamada prova didática tem sido a monstruosidadepedagógica mais evidente deste processo seletivo”. Se isso já não fossemais que evidente, bastaria o “caso Lisboa” para demonstrá-lorigorosamente.

Como já mencionado, as críticas lançadas por Roxo e que envolvem o

sistema de avaliação e seleção que habilitam os candidatos que realizam os

concursos de Matemática existentes até então, não são eficientes e capazes de

julgar as capacidades pedagógicas e metodológicas dos mesmos. Para ele, ser

matemático não basta; é necessário capacitar a figura do professor que atua na

formação dos alunos do ensino secundário. O matemático e o professor de

matemática não são figuras idênticas e, por isso, critica Lisboa enquanto

matemático atuante no ensino da Matemática, grande retentor de conhecimentos

matemáticos mas carente de conhecimentos ligados ao ensino da disciplina.

Assim, vemos que a defesa da reforma no ensino de Matemática no Brasil,

resultado das apropriações feitas por Euclides Roxo do movimento internacional

iniciado em 1908, enseja uma discussão pública sobre o problema da formação

do professor de matemática para o ensino secundário brasileiro.

Toda essa controvérsia gerada pelas opiniões antagônicas dos professores

Euclides Roxo e Almeida Lisboa perante a problemática da formação de

professores de matemática para o ensino secundário brasileiro, faz emergir, em

meio aos debates, a idéia da formação do professor de matemática, apesar da

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questão não ser descrita nesses termos, preocupado não somente com o

conteúdo a ser ensinado, mas também com outros aspectos que envolvem o

ensino e aprendizagem da Matemática. São fornecidos muitos ingredientes

preciosos para a compreensão de concepções diferentes acerca do ensino de

Matemática10. É questionado o processo de produção da Matemática, o ensino

dessa disciplina e o papel do seu professor:

Além de partilhar dessa consciência da necessidade da criação de umaescola para formar professores do ensino secundário, na explanação doprofessor Euclides Roxo fica bem clara a sua visão, ainda hoje bastanteatual, da distinção entre o matemático e o professor de matemática(principalmente da escola secundária); além disso, percebe-se que, pelomenos de forma incipiente, ele possuía a idéia de que a disciplina“Matemática” era algo distinto da ciência Matemática (ROCHA, 2001,p.126).

Em substituição ao professor de matemática, habilitado por sua ciência do

conteúdo matemático, tem início o debate sobre a necessidade da formação

pedagógica desse profissional. Almeida Lisboa é símbolo do matemático, do

engenheiro que virou professor. Por outro lado, Euclides Roxo erige-se como uma

figura preocupada com as questões relacionadas ao ensino da matemática de

nosso país, diferentemente dos engenheiros que atuam em nosso magistério. De

acordo com Prado e Valente (2002):

Até o início dos anos 1930, não há escolas para formação do professor deMatemática para o ensino secundário. A cátedra de Matemática éreservada, sobretudo, aos egressos das escolas politécnicas. Não está, atéessa altura, colocada em questão, a condição do engenheiro comoprofessor de Matemática. Engenheiros são profissionais que foramformados com cursos de Matemática e, assim sendo, habilitam-se comoprofessores de um conteúdo que dominam. São os concursos que irãooficializar e transformar engenheiros em professores e catedráticos deMatemática.

10 Além dos textos que Euclides Roxo continua publicando aos domingos no Jornal do Commercio, com o fimde justificar a reforma do ensino de Matemática, segue o debate entre ele e Almeida Lisboa. Vários são osestudos existentes e que envolvem essa disputa que possibilita a retirada de elementos importantes para ahistória da Educação Matemática no Brasil: Carvalho (2002), Rocha (2001) e Duarte (2002).

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Ao considerar, dentre outros fatores, que o conhecimento do processo

através do qual o aluno realiza mentalmente suas operações é também um fator

importante para a efetivação da aprendizagem, Euclides Roxo trava seu discurso

e apóia-se em idéias renovadoras do ensino da matemática escolar em nosso

país, entrando em oposição direta ao então colega de profissão Joaquim Lisboa.

Num contexto diferente do atual, Roxo já é capaz de trazer consigo preocupações

renovadoras ao ensino e aprendizagem das disciplinas escolares e que são

pertinentes às questões da Educação Matemática atualmente estudadas.

3.3. A FACULDADE DE FILOSOFIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO.

As questões políticas e econômicas surgidas na década de 1920 e

agravadas na década de 1930, causadas pela insatisfação do Estado com o

Governo de Getúlio Vargas, culminando na Revolução Constitucionalista de 1932,

vêm suscitar medidas capazes de amenizar as perdas ocorridas no Estado; entre

elas, a criação da USP e da FFCL, pelo Governador de São Paulo, Armando de

Salles Oliveira em 12 de janeiro de 1934 (SILVA, 1999, p. 92). A Universidade de

São Paulo nasce do empenho de uma elite inconformada com a derrota do

Estado, na Revolução de 1932, e que deseja sua supremacia cultural e política

(BERNARDO, 1986, p. 32). Trata-se de uma época em que o nosso ensino

superior e o nosso ensino secundário são organizados em função das

necessidades da elite que então dirige o pais. Daí, a atenção dos fundadores da

Universidade de São Paulo ter-se voltado principalmente para as elites da época

(RODRIGUES, 1959).

Considerado como um dos marcos fundamentais para o ensino e

desenvolvimento das Matemáticas no Brasil, a criação da Universidade de São

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Paulo (USP), juntamente com sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras

(FFCL), vem estabelecer, de modo sistemático, os primeiros cursos de

Matemática com o objetivo de formar professores especializados na área,

atuando na pesquisa e no ensino dessa disciplina. Contudo, como ressalta

Rodrigues (1959), a preocupação principal dos candidatos pioneiros das

Faculdades de Filosofia da Universidade de São Paulo é, em sua maioria, com a

busca da alta cultura e de suas realizações como matemáticos, físicos,

sociólogos, etc., o que reflete nitidamente na baixa procura pelos cursos nos

primeiros anos de existência da Faculdade. Não há necessariamente uma procura

específica por uma profissão que lhes assegure uma conveniente posição social

e econômica.

Em seu estudo sobre formação de professor de Matemática, Edda Curi

(2000), faz referência à fundação da Faculdade de Filosofia da USP e de sua

estruturação:

Em 1934, por Decreto Estadual, foi criada a Universidade de São Paulo –USP. A criação da Faculdade de Filosofia, com idéias liberais, tinha comoobjetivo a formação das elites culturais e políticas de São Paulo. Oprojeto original da USP incluía, além da Faculdade de Filosofia, Ciênciase Letras, uma Faculdade de Educação, criada apenas em 1970. Nestaestrutura, a Faculdade de Educação deveria ser o centro de formação paraprofessores do Ensino Secundário, e a Faculdade de Filosofia deveria sero centro de cultura livre no qual se desenvolveria uma espécie de cursobásico preparatório para todas as escolas profissionais, inclusive para aFaculdade de Educação, que complementaria a formação pedagógica aoslicenciados na Faculdade de Filosofia (CURI, 2000, p. 2-3).

Fundada com o objetivo de formar os professores para as novo ciclo para o

ensino e o desenvolvimento das Matemáticas no Brasil, com um curso de

graduação na área, formando exclusivamente matemáticos e professores de

matemática para o ensino superior e secundário; dotada de filosofia distinta das

instituições existentes até então, a FFCL da USP tem preocupação com a

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pesquisa básica e continuada, atrelada ao ensino e atuante em diversas áreas do

conhecimento (SILVA,1999, p. 93).

Recentemente, em seu trabalho publicado pela Sociedade Brasileira de

História da Matemática, o pesquisador André Luiz Mattedi (2002) analisa algumas

narrativas de matemáticos sobre suas versões formuladas em torno da história da

Matemática no Brasil.

Mattedi destaca a existência de historiografias distintas relativas ao

desenvolvimento da Matemática no país. Entre as diferentes perspectivas,

encontra-se aquela que divide a história da Matemática do Brasil em duas fases

distintas: uma anterior à fundação da FFCL da USP e, a outra, posterior a essa

criação. Tal historiografia aponta que, na primeira fase, encontramos uma

matemática praticada nas escolas de engenharia, com caráter utilitário, visando à

formação de engenheiros e desprendida da pesquisa científica. Já na fase ulterior

à existência das universidades e faculdades de filosofia implantadas no Brasil,

destaca-se a preocupação com a formação do professor secundário e com a

pesquisa científica, conseqüência da chegada de professores estrangeiros neste

estabelecimento de ensino.

Entretanto, outros historiadores destacam a importância histórica de outras

instituições na formação de nossos docentes. Dentre eles, Bernardo (1986)

analisa a idéia inicial dada à Faculdade de Educação, voltada à pesquisa e com

“status” igual ao da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de

São Paulo. Para a autora, a Faculdade não consegue atingir totalmente seu

objetivo e êxito. Atribui à Escola Normal as raízes da formação do professor

secundário e justifica essa origem:

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“Re-vendo” a formação do professor secundário nas universidadespúblicas, do Estado de São Paulo, verificamos que suas raízes advêm daEscola Normal e não da primeira Universidade, fundada em 1934, como aprincípio se poderia supor. Essa origem se dá porque o projeto de criaçãoda Universidade de São Paulo não integrou uma Faculdade de Educação,voltada que estava para o saber desinteressado, sustentado por umaconcepção elitista de preparar apenas pesquisadores. A formação doprofessor veio para a Universidade como um apêndice, inicialmente, porforça da lei e, subseqüentemente, por força do processo histórico-social(BERNARDO, 1986, p. 122).

De caráter pioneiro na América Latina, a primeira Escola Normal é criada

em 1830, em Niterói, no Rio de Janeiro. É também, a primeira escola normal de

todo o continente, de cunho público. Com mais de uma dezena de escola normais

criadas até 1881, estas escolas experimentam um desenvolvimento mais

acelerado no período republicano. Porém, não têm organização fundada em

diretrizes estabelecidas pelo Governo Federal. Com cursos de habilitação e

especialização, conforme determina a lei, assumem a responsabilidade, dentre

outras, de especializar professores para educação pré-primária, ensino

complementar primário e ensino supletivo. Por muito tempo e em muitos locais,

torna-se o único fornecedor de pessoal docente qualificado no ensino primário

(ROMANELLI, 2000, p. 165). Entretanto, ocorre a predominância de matérias de

cultura geral sobre as de formação profissional em seu programa, descuidando

das disciplinas de formação especial, uma vez que se trata de um curso

profissionalizante.

Bernardo (1986) afirma que com a criação das Escolas Normais à época do

Império, notamos uma série de entraves e obstáculos de ordem sócio-cultural que

dificultam a propagação de um magistério de categoria entre nós. Inspirada nos

modelos das nações desenvolvidas, a Escola Normal sedimenta um ensino

enciclopédico em detrimento da formação pedagógica de seus professores.

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De todo modo, é fato notório e inquestionável a importância da criação da

USP e da FFCL. É um marco histórico que produz um período novo na História da

Matemática no Brasil e que se torna referência ao ensino do país. Levando em

conta nossas considerações anteriores, esse estudo dá ênfase à referência em

que se tornam as Faculdades de Filosofia, através das quais se lança um

paradigma do saber do professor de matemática do ensino secundário no país.

Além de ser a primeira Faculdade de Filosofia instalada no seio de uma

Universidade, correspondendo de modo próximo à Faculdade de Educação,

Ciências e Letras prevista por Francisco Campos, a Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras da Universidade de São Paulo realiza um trabalho criador e

renovador considerável, constituindo um palco de debates em torno do papel

cabível à Faculdade de Filosofia na estrutura universitária (SILVA, 1969). As

estruturas de nossas Faculdades de Filosofia são construídas, durante certo

período, sobre o padrão da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo.

3.4. A FACULDADE NACIONAL DE FILOSOFIA (FNFi).

Com acentuado atraso e estruturação tradicional, o ensino superior

brasileiro se dá de modo embasado na organização da maioria dos países

europeus, transplantada desde cedo para as colônias americanas de origem

espanhola e inglesa (SILVA,1969). Inspiradas num respeito pela cultura

intelectual herdada de nossas tradições humanísticas de aristocracia do espirito e

da inteligência (TEIXEIRA, 1976), a implantação das universidades no país revela

demasiada resistência, seja por parte dos jesuítas que tentam trazê-la para a

colônia, indo de encontro aos interesses da Coroa ou mesmo após a

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independência do Brasil. E, mesmo depois com a República, é somente em 1920

que finalmente é criada a Universidade do Rio de Janeiro.

Já, o ensino secundário, através do seu currículo fixo e enciclopédico, da

uniformidade dos programas e da seriação rígida, assume, em grande proporção,

um sentido de caminho para a universidade, de alcance de um grupo reduzido e

que representa o ensino básico para a formação da elite intelectual (AMADO,

1973).

Até 1930, sob a vigência da Constituição de 1931, é da responsabilidade

do Distrito Federal a manutenção do ensino primário e normal. A Constituição

também considera competência privativa do poder federal o provimento do ensino

secundário e superior na capital do país (SILVA, 1969, p.399). Além do Colégio

Pedro II, a União mantém os institutos de ensino superior que, em 1920, dão

origem à Universidade do Rio de Janeiro.

A origem da Faculdade de Filosofia no Brasil remonta de 1931, quando a

lei de reorganização da Universidade do Rio de Janeiro prevê a criação de uma

Faculdade de Educação, Ciências e Letras. Contudo, somente oito anos mais

tarde é que temos a criação de uma unidade universitária correspondente àquela

prevista por Francisco Campos, com objetivos de desenvolvimento cultural

desinteressado, fora dos moldes tradicionais das Faculdades de Medicina, Direito

e Engenharia, bem como, atender as necessidades de preparo dos professores

para o ensino secundário.

Vinculada à Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, a Faculdade

Nacional de Filosofia, criada em 1939, inicia, como na Faculdade de Filosofia da

USP, o processo de formação dos profissionais ligados ao magistério e a

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pesquisa científica no país e no estado. Com a criação da Faculdade Nacional de

Filosofia, as demais faculdades de filosofia passam a ministrar cursos constantes

da estrutura do padrão federal e, cada curso adota o currículo e seriação

prescritos pela faculdade “nacional” (SILVA, 1969).

Com um tipo de ensino superior distinto do profissionalizante desenvolvido

nas escolas já existentes, o ensino da Matemática neste estabelecimento passa a

vivenciar um novo ciclo, desvinculado das Escolas de Engenharia, consideradas

como o “berço da Matemática no Brasil”.

Em um de seus trabalhos sobre o tema, a historiadora Circe Mary Silva da

Silva (2002) dedica algumas páginas à importância da fundação da Faculdade

Nacional de Filosofia, contribuindo na formação de professores e pesquisadores

de Matemática; bem como, os reflexos da contratação de professores

estrangeiros para atuarem no ensino e pesquisa na área.

De acordo com a autora, antes da criação da Faculdade Nacional de

Filosofia, são as escolas politécnicas que atuam, de modo isolado, na formação

dos pesquisadores de Matemática, cujo objetivo maior está voltado para a

resolução de problemas práticos e de interesses da Matemática pura quanto na

aplicada e áreas afins (SILVA, 2002, p. 2).

Com a chegada de professores estrangeiros na FNFi, autorizada pelo

presidente Getúlio Vargas, em 1939, torna-se responsabilidade destes o ensino

da Matemática e a formação dos professores desta disciplina que são

preparados a atuar nas escolas secundárias e nos cursos criados nas faculdades

e universidades do país. Além disso, há um estímulo da pesquisa matemática,

aproximando alunos e pesquisadores brasileiros da Matemática atualizada

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produzida no exterior, incentivando os intercâmbios e o prosseguimento dos

estudos dos alunos (SILVA, 2002, p. 26).

A autora também nos informa que a preparação do professor de

matemática nas FFCL da USP e na FNFi, integrante da Universidade do Brasil,

ocorria de forma semelhante: um curso com duração de três anos, para formar o

bacharel, a quem é oferecida a possibilidade de se tornar licenciado, com mais

um ano complementar. Assim, aos concluintes dos cursos ministrados nas várias

seções – Línguas, Matemática, Filosofia, etc. – é conferido o diploma de

‘bacharel’. Os alunos, ao concluírem o bacharelado e o “curso de Didática”

recebem o diploma de licenciado. Forma-se assim, o professor de matemática,

isto é, Matemática + Didática = Licenciatura em Matemática. Essa forma que, logo

em seguida, passa a ser conhecida como 3 + 1, torna-se modelo das

licenciaturas: três anos de conhecimentos específicos somados a um ano de

formação pedagógica (VALENTE, 2002b). Seis são as disciplinas que constituem

o quarto ano de Didática: Didática Geral, Didática Especial, Psicologia

Educacional, Administração Escolar, Fundamentos Biológicos da Educação e

Fundamentos Sociobiológicos da Educação.

Contudo, ao conjeturar sobre a distinção existente entre o curso de

bacharelado e licenciatura oferecidos pela FNFi, Circe aponta para um possível

dicotomia entre as preocupações e objetivos iniciais da Faculdade:

A proposta inicial do curso de Matemática da FNFI, visando à formaçãode bacharéis com a duração de três anos, e com um curso adicional deDidática de um ano para a formação de professores de Matemática,evidencia, em primeira instância, uma preocupação com a transmissão dosaber científico, e só em segundo lugar uma preocupação com a formaçãopedagógica, semelhante ao modelo da FFCL da USP. O curso visava emprimeiro lugar à formação de pesquisadores em Matemática e em segundoplano à formação de professores (...) (SILVA,2002, p. 25 ).

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A separação entre conteúdo específico e formação pedagógica interfere na

atuação dos bacharéis formados pela FNFi, os quais passam a lecionar na

escolas secundárias somente após o término do curso de Didática.

Silva (2002) inclui em seu texto, impressões diversas de alguns ex-alunos

da Faculdade Nacional de Filosofia sobre o curso de licenciatura que fizeram.

Sobre o curso de Didática, colhe opiniões diferenciadas. Ana Barroso, licenciada

em 1949, afirma que o curso de Didática “era o fim da picada, tirando o Lourenço

Filho que era um bom professor”. No entanto, a também ex-aluna de licenciatura

em Matemática da FNFi, Maria Laura Mouzinho, ao lembrar de suas aulas, afirma

que os alunos consideravam “uma babozeira o professor Mattos ensinando

apagar o quadro”. Numa análise a posteriori, porém, a professora considera que o

trabalho desse professor, em Didática Geral, foi inovador e propiciou aos alunos

as primeiras leituras de Dewey.

No entanto, num Estado que, numa determinada época, é considerado

médio em matéria de desenvolvimento, o Rio de Janeiro, na década de 1950,

aponta cerca de 9% de seus professores de ensino de segundo grau diplomados

por Faculdades (AMADO, 1973). A julgar pela atuação dos professores no interior

dos estados, geograficamente distante, portanto, dos grandes centros onde se

encontram as Faculdades de Filosofia e de difícil acesso mediante as condições

da época, esta se dá de modo acentuadamente prático.

O problema da falta de professores chama a atenção do Ministério e de

legisladores, que buscam formas para complementar o processo regular de

habilitação das Faculdades de Filosofia.

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Com a implantação de outras instituições relativas ao ensino secundário,

como a CADES11 (Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino

Secundário), cria-se a possibilidade de aperfeiçoamento dos professores,

técnicos, pessoal administrativo e difusão do ensino secundário no país. Ao

programa de treinamento inicial, associa-se o de aperfeiçoamento, envolvendo os

professores graduados ou não, bem como os mais qualificados. Depois de um

ano de orientação, prolonga-se a preparação do professor na atividade de

serviço, em comunicação com a CADES, que lhe responde a consultas e lhe

envia publicações. Procurando encaminhar soluções objetivas para os problemas

urgentes de um ensino secundário que aumenta de modo significativo, a CADES

busca atender certas necessidades e aspirações dos professores, levando em

consideração suas diversidades e dificuldades, principalmente a do profissional

das cidades do interior, que deparam com vários obstáculos para a sua

qualificação e aperfeiçoamento:

A área que atacou mais contínua e extensivamente foi a do professoradoque, nas cidades do interior e até em algumas capitais, era recrutadocomo o permitiam as limitadas possibilidades locais. Da multiplicação deginásios na maioria dos Estados havia resultado a improvisação denumeroso corpo de professores, não só sem preparo específico para afunção, como em muitos casos, de baixo nível cultural. Essa proliferaçãode escolas secundárias, que demonstrava vigoroso impulso de extensãode oportunidades de educação, teve que enfrentar uma quase totalcarência de meios materiais e humanos. Era entretanto uma arrancada nosentido da generalização do ensino e da exploração deste como fatorprimordial de desenvolvimento (...) (AMADO, 1973, p. 37).

Através da realização de cursos e estágios de especialização e

aperfeiçoamento para professores para além do domínio das Faculdades de

11 Criada em novembro de 1953, a CADES nasce com os objetivos de “promover, por todos os meios a seualcance, as medidas necessárias à elevação do nível e à difusão do ensino secundário no país, com afinalidade de tornar a educação secundária mais ajustada aos interesses e possibilidades dos estudantesbem como às reais condições e necessidades do meio a que a escola serve, conferindo ao ensino secundáriomaior eficácia e sentido social” e de “possibilitar a maior número de jovens brasileiros o acesso à escolasecundária” (AMADO, 1973, p. 22-23).

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Filosofia, figura a possibilidade de desafogar um pouco a demanda do professor

secundário formado por estas Faculdades, além do que, a questão das

dificuldades encontradas pelos professores do interior também refletem na

profissionalização e especialização dos mesmos.

Um estudo da posição do professor secundário no interior sugere uma

certa improvisação do profissional, gerando um certo inconveniente devido à falta

de preparo prévio desse pessoal, fica evidenciado a seguir:

A observação nos mostra que, em grande volume de casos, há umcompanheiro constante na fundação de um estabelecimento de ensinomédio no interior: a improvisação. Ressalvando o que acontece nascidades mais desenvolvidas, em geral, os ginásios são frutos de umespírito sonhador que se manifesta numa abnegação louvável, mas que,nem sempre contribui efetivamente para o aprimoramento do educando.Nessa improvisação, requisitam-se os intelectuais da terra: o padre, omédico, o juiz. Quando esses titulares não são suficientes em números,vêm as professoras primárias e estará formado o corpo docente da casa(TORRES, 1957, p. 170).

Todavia, o progresso científico passa a exigir do mestre um conhecimento

da matéria que leciona e gera a necessidade da preparação do profissional que

se dedica ao ensino. A complexidade da vida social, a divisão do trabalho, as

atividades de cada elemento na sociedade geram a estratificação dos grupos

profissionais. Assim, a dedicação dos abnegados não é suficiente para

transformá-los em professores. Há necessidade de uma preparação prévia

daquele que se debruça aos ensinamentos do magistério (TORRES,1957).

De todo modo, não podemos deixar de considerar a influência da

Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro,

contribuindo para a formação dos professores em termos de referência para a

formação e ensino. As idéias precípuas de formação do professor para o

magistério do ensino secundário, atuação e preparação de especialistas e

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pesquisadores, contribuem de modo significativo para o desenvolvimento das

pesquisas relativas ao ensino no país. Dando a seus cursos um cunho

acadêmico, de predominância do conhecimento das matérias, da teoria

pedagógica e informação mais que vivência dos métodos de ensino, a

preocupação maior das Faculdades de Filosofia se concentra na transmissão da

cultura assentada, sem relação com o processo da expansão escolar, e na

formação de professores conscientes das mudanças sociais (AMADO, 1973).

E, de modo análogo à Faculdade de Educação da Universidade de São

Paulo, a FNFi do Rio de Janeiro, também não dá conta da demanda do

profissional que atua no ensino secundário, ela se torna uma referência ao saber

do professor e representa marco significativo à formação do professor secundário

e às pesquisas científicas no país. O fato de termos um número reduzidíssimo de

Faculdades de Filosofia implantadas no país no período analisado, ou mesmo,

considerarmos os seus estudos centrados nas capitais e, portanto, de difícil

acesso às demais regiões, não pode negligenciar o papel dessas instituições

mediante a referência na qual se tornam. Além da elevação do índice cultural, as

Faculdades de Filosofia passam a possibilitar a equiparação do profissional da

educação mediante a outros intelectuais de nível universitário. O trabalho dessas

Faculdades, dá importância significativa à formação do professor secundário,

trazendo uma melhoria acentuada da situação moral para este profissional

(TORRES, 1957).

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O CONCURSO À CÁTEDRA DE MATEMÁTICA EM TEMPOS DAS

FACULDADES DE FILOSOFIA: DO ENGENHEIRO AO

LICENCIADO.

4.1. 1948: UM NOVO CONCURSO É ABERTO NO COLÉGIO PEDRO II PARA

UMA CÁTEDRA DE MATEMÁTICA.

Os arquivos do Colégio Pedro II contêm, além de papéis referentes ao

concurso de 1934, documentos relativos a um outro concurso à cátedra de

Matemática da instituição. Trata-se do concurso que inicia sua primeira

convocação em 1948.

O edital publicado no Diário Oficial de 1 de outubro de 1948, folhas

14.394/95, de ordem do Sr. Diretor Professor Vandick Londres de Nóbrega,

anuncia que de acordo com as instruções baixadas pelo Exmo. Sr. Ministro da

Educação e Saúde, com a portaria n° 187, de 24 de junho de 1939, e publicadas

no Diário Oficial de 31 de julho do mesmo ano, torna-se público, para

conhecimento dos interessados, que desta data, 1 de outubro de 1948, até 29 de

março de 1949, às 15 horas, estão abertas as inscrições para o provimento de

uma cadeira de Matemática, no internato do Colégio Pedro II, conforme decidiu a

Congregação desse Colégio, em sessão de 15 de agosto do corrente ano.

CAPÍTULO 4

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Para a inscrição, os candidatos devem apresentar requerimentos instruídos

com os seguintes documentos, encaminhados ao Sr. Diretor do Internato:

a) prova de ser brasileiro nato ou naturalizado;

b) atestado de sanidade;

c) prova de bons antecedentes, mediante folha corrida;

d) carteira de reservista ou prova de estar quite com o serviço militar;

e) prova de haver completado o curso de humanidades ou diploma de

Instituto idôneo onde se ministre o ensino da disciplina em concurso;

f) 50 exemplares de uma tese sobre assunto da disciplina em concurso,

de livre escolha do candidato, podendo ser impressa, datilografada ou

mimeografada;

g) documentação relativa ao exercício do magistério e a atividades

literárias, artísticas ou científicas, relacionadas com a disciplina em

concurso;

h) recibo de pagamento da taxa de inscrição de Cr$ 100,00 (cem

cruzeiros).

Além do selo de petição, os candidatos devem colocar, em cada um dos

pedidos de inscrição, a estampilha Federal de Cr$ 20,00, conforme prescreve o

Decreto-lei n° 4.665, de 3 de dezembro de 1942. Este selo de Cr$ 20,00 será

inutilizado pelo Secretário. O concurso consta sucessivamente de:

a) apreciação dos títulos e documentos que tiverem sido apresentados

pelo candidato no ato da inscrição;

b) prova de defesa de tese;

c) prova escrita;

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d) prova didática.

Todas as provas e julgamentos do concurso devem ser realizados em

sessão pública, excetuada a prova escrita e, todos os atos do concurso seguem o

que estabelece a Portaria n° 187.

Os candidatos podem assistir às defesas de teses dos seus concorrentes,

salvo aqueles que não tenham sido chamados, por terem apresentado tese sobre

o mesmo assunto, caso em que devem ficar incomunicáveis durante a defesa.

Todas as provas deverão obedecer à ordem das inscrições.

O Diário Oficial, de 11 de abril de 1949, publica os nomes dos candidatos

legalmente inscritos no concurso ao provimento de uma cátedra de Matemática

do internato do Colégio Pedro II. São eles: Cyro da Cruz Soares, Hélio Carvalho

d’Oliveira Fontes, Josué Cardoso d’Affonseca e Lauro Pastor de Almeida.

Posteriormente, em 3 de maio de 1949, é retificado, em Diário Oficial, o nome de

um dos inscritos: Sila da Cruz Soares.

4.1.1. OS POSTULANTES À CÁTEDRA DE MATEMÁTICA DO PEDRO II.

De acordo com a relação dos títulos e documentos que se encontram

anexados ao processo do concurso para catedrático de Matemática do Colégio

Pedro II, os quatro postulantes ao cargo entregam as documentações necessárias

às exigências cabíveis à realização do concurso.

O candidato Lauro Pastor Almeida apresenta, dentre seus documentos, o

diploma de licenciado em Matemática registrado no Ensino Superior; atestado de

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trabalho em várias instituições, inclusive o do próprio Colégio Pedro II; diploma de

bacharel em Matemática; tese de concurso para a Escola Nacional de Agronomia;

artigo publicado na revista “A Escola”; cópia de vários artigos já publicados em

revistas; um exemplar do “Calculador de Médias”; um exemplar de Matemática –

Licença Ginasial em colaboração com o professor Cecil Thiré; o original da

Aritmética Racional – prefaciada pelo professor Cecil Thiré. Entrega, também, 50

exemplares da sua tese “Divisão Harmônica”.

Josué Cardoso D’Affonseca, a fim de concretizar sua inscrição, dispõe da

documentação necessária, como o diploma de bacharel em Ciências e Letras

pelo Ginásio Grambery, Juiz de Fora, Minas Gerais; diploma de engenheiro civil e

eletrotécnico pela Escola de Engenharia de Juiz de Fora, diploma de “Graduate

Student” do Departamento de Educação da Duke University, Durham, North

Carolina. U.S.A; atestados de sua atuação no magistério em várias disciplinas;

atestado de exercido do cargo de diretor e vice-diretor em algumas instituições de

ensino; atestado de membro do Conselho Nacional de Educação; atestado de

Presidente da Federação das Escolas Evangélicas do Brasil; atestado do cargo

de Secretário do Departamento de Educação da Sociedade de Amigos de Alberto

Torres, em Juiz de Fora; atestado da sua designação de examinador em

concursos de provas e títulos de várias faculdades e de colaborador no projeto de

currículo para o curso secundário, apresentado no segundo Congresso de

Estabelecimentos Particulares de Ensino. Também são parte integrante de sua

documentação, suas publicações méritos recebidos no decorrer de sua vida

escolar, além dos exemplares de sua tese “Três Conceitos Fundamentais da

Matemática, sua importância no Ensino Secundário”.

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Helio Carvalho d’Oliveira Fontes, preenchendo as exigências do edital de

concurso para a cadeira de Matemática do Colégio Pedro II, apresenta a folha do

Diário Oficial comprovando seu título de bacharel em Matemática pela Faculdade

Nacional de Filosofia, datado de 31 de dezembro de 1941; atestado do exercício

do magistério no I.N.E.P (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos) e Diário

Oficial, de 9 de junho de 1948; atestado do exercício do magistério na Faculdade

de Filosofia do Instituto La-Fayette e atestado da Fundação Getúlio Vargas.

Apresenta os 50 exemplares de sua tese “A Divisão da Circunferência em Partes

Iguais – Construções Geometrográficas”.

Sylla da Crua Soares, engenheiro metalurgista, com quarenta e quatro

anos de idade, major da reserva de 1ª classe do Exército, residente no Rio

Grande do Sul, após constituir representante seu irmão Cyro da Cruz Soares,

residente no Rio de Janeiro, consegue efetuar sua inscrição no concurso de

Matemática do Colégio Pedro II. Junta ao seu requerimento, seis declarações

firmadas por ex-alunos; uma cópia da carteira de identidade; folha corrida;

diploma de engenheiro; recibo da taxa de inscrição; certificado de boa conduta

emitido pela Repartição Central de Polícia; atestado médico. Sua tese é “Frações

Contínuas”.

4.1.2. AS PROVAS DOS CANDIDATOS À CÁTEDRA DE MATEMÁTICA.

No dia 13 de março de 1952, é enviado ao Jornal do Brasil, Diário de

Notícias, O Jornal, Correio da Manhã, Diário da Noite, A Noite, O Globo e Jornal

do Comércio, o comunicado do secretário da Congregação do Colégio Pedro II,

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da reunião da comissão julgadora do concurso, às 16 horas, do dia 17 de março,

a fim de estabelecer o horário dos respectivos trabalhos.

É solicitada a presença dos senhores candidatos inscritos para o devido

conhecimento.

A comissão estabelece as seguintes resoluções sobre o referido concurso:

18/03 – 10:30h – julgamento dos títulos dos candidatos;

19/03 – 19h – argüição da tese do candidato Sylla da Cruz Soares;

20/03 – 19h – argüição da tese do candidato Hélio Fontes;

22/03 – 19h – argüição da tese do candidato Josué d’Affonseca;

24/03 – 19h – argüição da tese do candidato Lauro Pastor;

25/03 – 8h – aprovação dos pontos para a prova escrita e imediata

comunicação aos interessados sobre os mesmos;

26/03 – realização da prova escrita e leitura do julgamento da mesma;

aprovação e comunicação aos candidatos dos pontos para a

prova prática;

27/03 – prova prática;

28/03 – 8h – leitura e julgamento da prova prática, sorteio do ponto para a

prova didática;

29/03 – 19h – início da prova didática para os candidatos e julgamento final

do concurso.

A presidência dos trabalhos é assumida pelo professor Ciro Romano

Farina. O presidente da Congregação do Colégio Pedro II, na data da realização

do concurso, é o catedrático Gildásio Amado.

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4.1.3. A PROVA DE DEFESA DE TESE DOS CANDIDATOS.

A prova de defesa de tese visa verificar a erudição de cada candidato e,

de acordo com o edital, suas qualidades dialéticas. É realizada em sessão

pública, perante a comissão julgadora e a Congregação do Colégio Pedro II. Os

candidatos obedecem à ordem de inscrição para a realização da mesma,

observando o prazo máximo de 20 minutos cada um para a sua defesa. Cada

membro da comissão julgadora faz a argüição sobre as teses apresentadas. Em

caso de teses do mesmo assunto, os candidatos concorrentes devem permanecer

incomunicáveis durante a defesa; os demais candidatos podem assitir às outras

defesas.

4.1.4. A PROVA ESCRITA DO CONCURSO.

A prova escrita visa verificar o critério com que o candidato procede na

escolha e na apresentação da matéria destinada a constituir as aulas.

Em 25 de março de 1952, às 9:25h, temos a aprovação dos pontos para a

prova escrita dos candidatos e a imediata comunicação aos mesmos:

1. Polinômios

2. Determinantes

3. Equações algébricas de uma incógnita

4. Circunferência e círculo

5. Relações métricas no polígono

6. Sistemas de equações lineares

7. Poliedros

8. Potências e raízes aritméticas, expressões irracionais

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9. Retas e Planos no espaço. Superfícies (definições, propriedades,

classificações)

10. Linhas proporcionais

11. Cálculo numérico aproximado

12. Linhas e funções trigonométricas (definições, cálculo, variações,

relações e transformações)

13. Corpos redondos

Esta é realizada no dia seguinte, às 9:55h. O ponto sorteado é o de número

6: “Sistemas de Equações Lineares”. Às 14h, ocorre a leitura e o julgamento da

prova escrita.

A prova escrita é dissertativa, contendo a distribuição da matéria por aula,

o número de aulas, orientações metodológicas, o conteúdo relativo ao ponto

sorteado, citando referências e tendências da época. Os programas elaborados

pela Congregação do Colégio Pedro II são mencionados no desenvolvimento da

prova, de modo a comparar o número de aulas estabelecidas no curso ginasial e

colegial. Existe uma menção aos moldes do programa antigo e do atual,

ressaltando suas diferenças e adaptações realizadas. Quanto ao ponto sorteado

para a prova, existe uma preocupação com a distribuição dos assuntos por aula,

com metodologia a ser desenvolvida, com os diferentes métodos de resolução e

com os “pré-requisitos” do conteúdo.

4.1.5. A PROVA PRÁTICA DOS CANDIDATOS.

A prova prática versa sobre questões relativas aos pontos de assuntos do

programa da cadeira em concurso. O secretário da Congregação do Colégio

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Pedro II, Dr. Octacílio Álvares Pereira, funcionando no concurso para catedrático

de matemática do mesmo Colégio, torna público, em 26 de março de 1952, às

17:10h, a lista dos pontos aprovada para a prova prática do referido concurso:

1. Logaritmos, Equações e trinômio do 2º grau, corpos redondos usuais

(áreas)

2. As 4 operações aritméticas fundamentais, sistemas de equações lineares,

esfera e suas partes

3. Números primos, determinantes, pirâmide e prisma

4. Cálculo numérico aproximado, propriedades gerais das equações

algébricas, circunferência e círculo

5. Divisibilidade aritmética, variação das funções, cálculo de ¶

6. M.D.C. dos números inteiros, derivadas, linhas proporcionais e

semelhança

7. M. M. C. dos números inteiros, transformações trigonométricas,

poliedros em geral

8. Progressão aritmética, composição de equações e elipse

9. Progressão geométrica, operações sobre polinômios, parábola

10. Arranjos simples, expressões irracionais e racionalizantes, hipérbole

11. Combinações simples, identidades algébricas, relações métricas nos

polígonos em geral

12. Quadrado e raiz Quadrada de números inteiros, divisibilidade algébrica,

corpos redondos usuais (volume)

13. Cubo e raiz cúbica dos números inteiros, equações trigonométricas,

áreas de figuras planas

14. Números fracionários, binômio de Newton, tronco do cone e da pirâmide

Os candidatos, após receberem uma cópia da comunicação da lista, são

convocados a realizar a prova prática, às dezoito horas e quinze minutos do dia

27 de março de 1952. Dentre as 42 questões postas na urna – agrupadas três a

três para corresponderem aos 14 pontos da prova prática aprovados pela

Congregação – foram sorteadas as 3 do ponto número 1:

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- Logaritmo – em que sistema o logaritmo de um número coincide com o

próprio número;

- Trinômio e Equação do 2º Grau – escrever o trinômio do 2º grau para o

qual x = ½ alcança um valor máximo de 25 e para o qual a soma dos cubos

das raízes é 19;

- Corpos Redondos Usuais – tem-se uma esfera de raio dado e pede-se a

determinação do cone à mesma circunscrito, tendo (esse cone) área total

equivalente à área de um círculo dado.

A prova prática também é dissertativa, contendo conteúdos do curso

secundário e que serão ensinados aos alunos que cursam este ensino.

No dia seguinte, às 8h, ocorre a leitura e o julgamento dessa prova.

4.1.6. A PROVA DIDÁTICA DO CONCURSO.

Em 28 de março de 1952, reunida a comissão julgadora do concurso de

Matemática do Colégio Pedro II, às 19h, é divulgada a lista dos pontos

selecionados para a prova didática. São eles:

1. Análise Combinatória Simples;

2. Elipse

3. Parábola;

4. Hipérbole;

5. Seções Cônicas

6. Equações Recíprocas;

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7. Esfera;

8. Transformações Trigonométricas em geral;

9. Circunferência e Círculo;

10. Determinantes;

11. Derivadas;

12. Superfícies em Geral (geração e classificação);

13. Variação das Funções;

14. Propriedades Gerais dos Polinômios;

15. Pirâmide;

16. Trinômio do 2º grau;

17. Poliedros em geral;

18. Áreas das figuras planas;

19. Retas e planos no espaço;

20. Ângulos poliédricos.

A prova didática é marcada para o dia 29 de março de 1952, às 19h. Tem

seu início, mais precisamente, às 19:48h. O presidente da Congregação, Gildásio

Amado, pede ao secretário Octacílio Pereira para conduzir os candidatos, que se

encontravam no recinto da Congregação, ao salão de leitura do externato do

Colégio Pedro II, onde ficaram incomunicáveis, depois de iniciada a prova, os

demais concorrentes ainda não chamados. O primeiro candidato, na ordem de

inscrição, o Sr. Sylla da Cruz Soares é introduzido no local e tem o direito à

palavra após leitura, pelo presidente dos trabalhos, o professor Ciro Romano

Farina, dos dispositivos das instruções. O candidato esgota seu tempo de 50

minutos na realização da prova didática, dissertando publicamente sobre o ponto

sorteado no dia anterior: “Propriedades Gerais dos Polinômios”. Daí por diante,

seguiram-se os demais concorrentes: Helio Carvalho d’Oliveira Fontes, Josué

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Cardoso d’Affonseca e Lauro Pastor Almeida. Às vinte e três horas e cinqüenta

minutos ocorre o encerramento da prova, o julgamento da mesma, apuração final

em sessão pública para verificar a habilitação e a classificação dos candidatos do

concurso.

É levado ao conhecimento do Presidente da Congregação, em 19 de abril

de 1952, que além de aprovado o parecer da comissão julgadora do concurso

para o preenchimento de uma vaga na cátedra de Matemática existente no

internato, Helio Fontes é o vencedor, não sendo interposto recurso de nulidade,

dentro do prazo estipulado pelo art. 23 das respectivas instruções, tendo-se em

vista que o prazo começou a ser contado no dia 9 do corrente mês, com a

publicação do edital levada a efeito no Diário Oficial. Assume a cátedra de

Matemática, um egresso da Faculdade Nacional de Filosofia.

Uma característica marcante do concurso de 1952 é aquela que dá

especificidade ao professor secundário do Colégio Pedro II. As exigências feitas

aos candidatos à cátedra de Matemática agora têm delimitação definida: a

competência nos assuntos que o professor deve ensinar em sala de aula aos

seus alunos do curso secundário. Ser professor de matemática do curso

secundário, neste segundo momento, implica ter domínio dos conteúdos relativos

ao curso que se vai ministrar.

Os candidatos, em sua maioria, têm origem nas faculdades de filosofia já

existentes e possuem formação pedagógica adquirida nos cursos de licenciatura.

A Matemática exigida dos cursos das faculdades de filosofia aos futuros

professores, é aquela que efetivamente eles ensinam aos alunos do secundário

(PRADO; VALENTE, 2002, p. 18).

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Ainda existem engenheiros concorrendo à cátedra mas, estes são em

número reduzido se comparados com os candidatos do primeiro concurso; há

uma predominância dos licenciados aspirantes ao cargo.

Os conteúdos exigidos no concurso de 1952 revelam itens até hoje

presentes nos cursos de ensino médio no Brasil.

As teses que ainda são apresentadas pelos candidatos como exigência

para habilitação dos concursos, mostram uma transformação em relação às

apresentadas no concurso de 1934. A produção matemática destaca assuntos

pertinentes àquilo que o professor secundário deve saber para poder atuar no

ensino da Matemática.

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CONCLUSÕES

Retomemos agora nosso problema de pesquisa: este trabalho buscou

estudar alguns elementos na trajetória da formação do professor do ensino

secundário de matemática. Atentamos para uma época em que está ocorrendo a

transição dos engenheiros para os licenciados.

Escolhemos um cenário principal para focar e levantar questões

subjacentes ao nosso trabalho: o Colégio Pedro II. Criado na Corte em 1837,

como estabelecimento-modelo do ensino secundário no país, o Colégio abriga

uma diminuta parcela da sociedade que busca o ensino superior. No entanto,

torna-se referência para a educação brasileira. É referência para os programas

das demais instituições de ensino secundário, para a adoção dos livros didáticos

de autores que trabalham no Colégio, para os parâmetros adotados nos

concursos de seus professores catedráticos, para os exames de admissão, para o

saber matemático do professor de matemática. E, nos dizeres de Haidar (1972),

mesmo sendo o ensino ministrado no Colégio Pedro II durante o Império um

padrão ideal, é este um padrão real que fornece elementos pertinentes aos

ensinos preparatórios e aos exames parcelados do secundário, forma que

assume esse grau de ensino durante mais de um século.

CAPÍTULO 5

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É neste cenário de referência para a educação brasileira que focamos

nossa pesquisa. Indo ao Colégio Pedro II encontramos, em seus arquivos, nossas

fontes de pesquisa.

Através de dois concursos de cátedra de matemática do Pedro II, em dois

momentos distintos, vislumbramos a possibilidade de interpretar e analisar o

papel desses concursos na trajetória da profissionalização do professor de

matemática.

Os concursos ganham uma importância significativa à medida que se

tornam referência para o saber do professor de matemática. São referência para

o máximo saber exigido para o mais alto grau da posição de um professor de

matemática, o professor catedrático.

Contudo, essa referência do mais alto grau da profissionalização na

carreira do magistério se altera de uma época para outra. E por que se altera? Se

altera, dentre outros fatores, pela criação das Faculdades de Filosofia

implantadas no Brasil na década de 1930. E em que medida ela se altera? Na

medida em que ocorre a valorização do aspecto pedagógico para o ensino da

Matemática.

Estudando objetivamente os concursos, percebemos uma alteração na

exigência do saber do professor de matemática. Tais alterações, são devidas, em

grande parte, à criação das Faculdades de Filosofia.

Como já se disse, se em tempos anteriores a referência para o saber do

professor secundário estava posta pelos concursos ao estabelecimento-padrão, a

partir da criação das Faculdades de Filosofia surge um modelo de formação do

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professor de matemática a ser analisado também por esses concursos à cátedra

do Colégio Pedro II.

Assim, anterior às Faculdades de Filosofia, para além dessas instituições,

encontramos o Colégio Pedro II, quase que de maneira isolada, referenciando o

que o professor de matemática precisa saber para ser considerado como tal. Há

um nítido reflexo, no primeiro concurso, de 1934, do saber matemático exigido

aos candidatos à cátedra de Matemática. Os candidatos à cátedra do Colégio

necessitam dominar um cabedal de conteúdos que são também exigidos pela

Escola Militar ou mesmo pela Escola Politécnica. Matemático e professor de

matemática são considerados categorias sinônimas. Logo, o mesmo concurso

serve de modelo também para as escolas de cunho superior, sem distinção de

conteúdo e de programa a ser seguido. O saber matemático exigido ao lente da

Politécnica ou da Escolar Militar é o mesmo daquele exigido ao professor do

Pedro II, mesmo que este não seja ensinado em sala de aula. Contudo, é

necessário, para o ensino elementar, dominar o conteúdo da Matemática superior.

Mas por que o professor tem que dominar tais conteúdos se não os utiliza no

ensino? Tal questão não é relevante ou mesmo existente no primeiro concurso.

Já o concurso de 1952 nos revela uma especificidade que vem da

influência das Faculdades de Filosofia: é preciso dominar um rol de conteúdos

matemáticos necessários ao profissional que irá dar aula e que os irá ensinar.

A criação das Faculdades de Filosofia chancela o conhecimento didático-

pedagógico do professor de matemática como novo ingrediente de seu saber

profissional. Esse novo saber revela-se na modificação dos concursos à cátedra.

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A partir das listas dos conteúdos exigidas nos dois concursos, encontramos

pontos relevantes de modificações ocorridas ao saber matemático exigido dos

seus professores. A primeira, trata de uma lista com conteúdo destinado às

necessidades de uma matemática pronta a atender o profissional do ensino

superior das engenharias e que não é usada no cotidiano da matemática escolar

elementar. Os 20 itens apresentados envolvem praticamente todas as áreas da

Matemática superior e que hoje são até mesmo abordados em cursos de pós-

graduação em Matemática. A segunda, apresenta conteúdos que são ensinados

em sala de aula pelos professores, abrangendo os diversos assuntos da

disciplina. Os 13 itens nos apontam para conteúdos presentes nos cursos do atual

ensino médio brasileiro.

A importância atribuída às questões pedagógicas do profissional do ensino

agora ganha relevância, haja vista uma prova específica ter sido implementada no

concurso de 1952.

A prova escrita dos concursos analisados assumem características

diferentes e, em 1934, trata de verificar, de modo exaustivo, a capacidade dos

candidatos em relação aos conteúdos matemáticos exigidos nas demonstrações

de teoremas da Matemática superior e rigor no desenvolvimento das questões.

Os conteúdos retratam uma matemática destinada à prática e aos interesses de

uma época.

O concurso de 1952, de forma menos exaustiva, e com conteúdo que

envolve o ensino da Matemática elementar, apresenta a prova escrita sob outro

aspecto. Trata de destacar aspectos do ponto de vista pedagógico, como a

progressividade na aprendizagem da Matemática pelos alunos. Ressalta a

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preocupação com o número de aulas a desenvolver o conteúdo, bem como a

metodologia e procedimentos adotados. Cabe à prova prática a verificação do

domínio dos conteúdos pelos candidatos. Esta se faz de modo a privilegiar os

assuntos que são ensinados em sala de aula até os dias de hoje.

Apesar de receber o mesmo nome da prova de 1934, mas assumindo

características totalmente distintas, a prova escrita de 1952 valoriza aspectos não

considerados anteriormente. O aspecto pedagógico aparece sendo avaliado,

através desta prova, interferindo no âmbito geral das condições exigidas ao futuro

professor de matemática do ensino secundário brasileiro.

Como já mencionado, o saber exigido do professor de matemática se altera

de um concurso para outro, haja vista os próprios conteúdos e as provas

analisadas nos concursos de cátedra do Colégio Pedro II. E por que os concursos

se modificam em relação ao saber exigido nas provas realizadas pelos

candidatos? A julgar pela transição entre esses períodos históricos, podemos

conjeturar que ocorre, por exemplo, a influência das Faculdades de Filosofia

implantadas no país, após a década de 1930, alterando as exigências do saber do

profissional que atua no magistério secundário do estabelecimento-modelo e,

mais especificamente, do saber matemático deste professor.

Vale ressaltarmos que as diferenças relativas às mudanças dos conteúdos

e abordagens exigidas nos concursos analisados não creditam exclusivamente à

criação das Faculadades de Filosofia as diferenças apontadas. Outros fatores

além da crição dessas instituições podem estar agregados às alterações

ocorridas, como por exemplo, a importância do movimento da Escola Nova.

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Contudo, fica aqui uma nova questão a ser analisada posteriormente a futuros

pesquisadores e interessados no assunto.

De todo modo, temos no primeiro contexto escolar analisado, uma

referência muito arraigada com a própria formação do matemático. Há a presença

de um saber matemático exigido do professor do ensino secundário vinculado

àquele fornecido pelos cursos das escolas politécnicas.

Todavia, ao focarmos o mesmo meio escolar, mas num contexto

diferenciado, o concurso de 1952 revela a mudança do saber matemático exigido

aos professores. Estamos num contexto de profissionalização do professor de

matemática e não mais do engenheiro que dá aulas.

As listas de pontos e as provas dos concursos analisados no Colégio

Pedro II para provimento da cátedra de Matemática são frutos da circulação de

saberes matemáticos apropriados em contextos distintos: o da Matemática

produzida nas escolas que formam engenheiros e o da Matemática produzida nas

Faculdades de Filosofia, que formam os professores do ensino secundário. Isto

quer dizer que, a Matemática exigida no concurso de 1934 é uma apropriação das

Escolas de Engenharia da época, constituída por uma seara de engenheiros e, a

solicitada no concurso de 1952, faz parte da Matemática apropriada nas

Faculdades de Filosofia então existentes, geradoras de professores para o ensino

secundário.

Assim, é possível descartar a hipótese adotada pelo senso comum de que,

de modo a-histórico, o ensino de Matemática, analisado nos concursos à cátedra

do Colégio, nos anos de 1934 e 1952, passa por etapas de abaixamento de nível.

Na verdade, um dado modelo disciplinar pode servir numa determinada época e

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mostrar-se inadequado ou inconveniente à outra. Não há um padrão ideal de

saber que possa manter-se único, em trânsito por diferentes etapas históricas. O

que está em jogo são as diversas formas de apropriação e reelaboração do saber,

no contexto ao qual está inserido. Temos a Matemática saindo de um contexto e

sendo praticada em outro, interferindo nas produções e (re) produções dos

professores e alunos, uma vez que, são inseparáveis de suas culturas.

Finalmente através das análises dos dois concursos de cátedra de

matemática, percebemos o fim de uma era e o estabelecimento da transição do

engenheiro ao licenciado. Fim, não no sentido de que não existam mais

engenheiros dando aula de Matemática. Considerar tal fato como verdadeiro é

negar a própria história atual que nos revela ainda hoje esses profissionais

atuando no magistério e no ensino da Matemática. Contudo, queremos dizer que

é fim de uma era no sentido de mudança do saber profissional exigido ao

professor de matemática do ensino secundário.

Logo, as exigências feitas a todo aquele que deseja ser professor de

matemática no ensino secundário também podem levar em consideração duas

fases distintas: a primeira, até a criação das Faculdades de Filosofia,

selecionando professores para darem cursos de formação a futuros matemáticos

e identificando o professor de matemática com o matemático (MATEDDI, 2000) e,

a segunda, posterior à criação dessas instituições, onde os concursos passam a

chancelar o profissional do ensino.

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