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ANAIS DO III SEMINÁRIO DISCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO DA UFRGS ISBN: 978-85-9489-172-3

DO III SEMINÁRIO DISCENTE DO PROGRAMA DE …...PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO DA UFRGS Prof. Dr. Rudimar Baldissera Coordenador Profa. Dra. Nı sia Maria do Rosário

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ANAIS

DO III SEMINÁRIO

DISCENTE DO PROGRAMA

DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

COMUNICAÇÃO DA UFRGS

ISBN: 978-85-9489-172-3

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Seminário Discente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFRGS

ANAIS DO III SEMINÁRIO DISCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-

GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO DA UFRGS

17 a 19 de Outubro de 2018

Porto Alegre

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

2019

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO DA UFRGS

Prof. Dr. Rudimar Baldissera Coordenador

Profa. Dra. Nısia Maria do Rosario Coordenadora Substituta

ORGANIZAÇÃO DOS ANAIS

Cássia Aparecida Lopes da Silva Débora Gallas Steigleder

Luis Felipe Abreu Thaís Leobeth

REVISÃO

Eliege Maria Fante Luis Felipe Abreu

PROJETO GRÁFICO E CAPA

Mariana Amaro

LOGO Mariana Amaro Mario Arruda

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 9

GT COMUNICAÇÃO E CIDADANIA

DESCONSTRUÇÕES, MITOLOGIAS: O FANTASMA DO MÉTODO ARTHUR WALBER VIANA - UFRGS ------------------------------------------------------------------- 12

AUDIODESCRIÇÃO E CIDADANIA: APROPRIAÇÕES COMUNICACIONAIS DE

SUJEITOS CEGOS MARCELA RIBAS CAMPANHÃ - UNISINOS ---------------------------------------------------------- 17

COMUNICAÇÃO E CONFLITOS URBANOS: APONTAMENTOS PARA PESQUISA SINARA SANDRI - UFRGS ----------------------------------------------------------------------------- 22

GT COMUNICAÇÃO E CIÊNCIA

FAKE NEWS E CIÊNCIA: UM MAPEAMENTO DAS PRODUÇÕES CIENTÍFICAS DE

2005 A 2018 CAROLINA GANDON BRANDÃO - UFRGS ----------------------------------------------------------- 28

PRÁTICAS DE AGRADECIMENTO NA CIÊNCIA BRASILEIRA: INDICADORES DE

COLABORAÇÃO GONZALO RUBÉN ALVAREZ - UFRGS --------------------------------------------------------------- 35

IDENTIFICAÇÃO E MAPEAMENTO DE PÚBLICOS PARA INICIATIVAS

BRASILEIRAS DE ARQUIVAMENTO DA WEB NO ÂMBITO ACADÊMICO MARINA RODRIGUES MARTINS - UFRGS ----------------------------------------------------------- 40

GT COMUNICAÇÃO E INSTITUIÇÕES

COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E (IN)SUSTENTABILIDADE NO DISCURSO

DA DIVERSIDADE: LEITURAS POSSÍVEIS A PARTIR DOS SENTIDOS POSTOS EM

CIRCULAÇÃO PELAS TRÊS MAIORES EMPRESAS DO SEGMENTO DE BELEZA

BRASILEIRAS BRUNO CASSIO LOPES FERREIRA - UFRGS ------------------------------------------------------- 48

SEGREDO E COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL: SOBRE GESTÃO DA

INFORMAÇÃO E DA (IN)VISIBILIDADE BRUNO VINHOLA - UFRGS ---------------------------------------------------------------------------- 53

PATEMIZAÇÃO, O DISCURSO INFLAMADO E A MIDIATIZAÇÃO NO

TELEVISIONAMENTO DAS SESSÕES DO STF LETÍCIA PEREIRA PIMENTA -PUCRS ----------------------------------------------------------------- 59

GT COMUNICAÇÃO E MEMÓRIA

TRANSPARÊNCIA PÚBLICA E A PRESERVAÇÃO DA COMUNICAÇÃO

GOVERNAMENTAL EM SITES OFICIAIS ANA JAVES LUZ

- UFRGS ------------------------------------------------------------------------------ 64

JORNALISMO E DEVER DE MEMÓRIA: TENSÕES ENTRE LEMBRAR E

ESQUECER DANIELA SILVA HUBERTY - UFSM -------------------------------------------------------------------- 69

EXPOSIÇÃO E CIRCULAÇÃO DA MEMÓRIA ESPÍRITA: OLHANDO QUATRO

MUSEUS

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JOÃO DAMASIO - UNISINOS -------------------------------------------------------------------------- 74

A PERSONALIZAÇÃO DOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA E A NECESSIDADE DE

PRÁTICAS DE ARQUIVAMENTO DA WEB EM REDES SOCIAIS LISIANE BRAGA FERREIRA - UFRGS ----------------------------------------------------------------- 80

GT COMUNICAÇÃO E POLÍTICA

O VOTO CAPTURADO: A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE LULA (PT) A

PARTIR DO ACONTECIMENTO POLÍTICO DO ATO PRÓ-LULA NO ABC E PRISÃO ÂNGELO JORGE NECKEL - UFRGS ------------------------------------------------------------------ 87

O DIA DO AFASTAMENTO DA PRESIDENTA DILMA ROUSSEFF: ACONTECIMENTO E DEBATE PÚBLICO BRUNA ANDRADE - UFRGS --------------------------------------------------------------------------- 92

NARRATIVAS POLARIZADAS: PROPOSTA E DISCUSSÃO DO CONCEITO FELIPE BONOW SOARES - UFRGS ------------------------------------------------------------------- 97

COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL DOS CANDIDATOS NOS ÚLTIMOS PROCESSOS

ELEITORAIS ENTRE BRASIL E PERU. GABRIELA PACHECO DÁVILA- UFRGS ------------------------------------------------------------- 103

GT COMUNICAÇÃO E VIRTUALIDADE

JOGOS DENTRO DE JOGOS: ESPECULANDO O CONCEITO DE INCRUSTAÇÃO

COMO VIRTUALIDADE CAMILA DE ÁVILA - UNISINOS ----------------------------------------------------------------------- 109

PING-PONG: DA CONDIÇÃO TÉCNICA DOS JOGOS DE COMPUTADOR À SUA

DISPOSIÇÃO COMO OBSERVATÓRIO DA TECNOCULTURA CONTEMPORÂNEA EDUARDO HARRY LUERSEN - UNISINOS ---------------------------------------------------------- 115

O USO DA INFORMACAO GEOGRAFICA NA CONSTRUCAO DE AMBIENTES

VIRTUAIS: UM ESTUDO POSSIVEL? FABIANA ROSSI DA ROCHA FREITAS – UFRGS --------------------------------------------------- 120

REMEDIAÇÕES EM SITES DE GEOLOCALIZAÇÃO: O “EU SOU AMAZÔNIA”, DO

GOOGLE EARTH MADYLENE BARATA - UNISINOS -------------------------------------------------------------------- 126

A BIBLIOTECA E O JOGADOR: RELAÇÕES HERMENÊUTICAS E NÃO-HERMENÊUTICAS EM SKYRIM NATAN FRITSCHER KUSSLER - UFRGS ------------------------------------------------------------ 132

GT COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E MEIO AMBIENTE

SOBRE QUAL SUSTENTABILIDADE ESTAMOS FALANDO? POLISSEMIAS DA

SUSTENTABILIDADE NA PUBLICIDADE CAROLINE MALDANER JACOBI - UFRGSL ---------------------------------------------------------- 137

A CRÍTICA DA MÍDIA ATRAVÉS DAS PRÁTICAS JORNALÍSTICAS CRISTINE RAHMEIER MARQUETTO - UNISINOS -------------------------------------------------- 141

APROXIMAÇÕES ENTRE JORNALISMO E EDUCOMUNICAÇÃO A PARTIR DOS

PRINCÍPIOS DO JORNALISMO AMBIENTAL DÉBORA GALLAS STEIGLEDER - UFRGS----------------------------------------------------------- 147

O CORREIO DO POVO E A POLÍTICA AMBIENTAL DO RIO GRANDE DO SUL ELIEGE MARIA FANTE - UFRGS --------------------------------------------------------------------- 152

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GT COMUNICAÇÃO, E ESTRATÉGIAS EM REDE

SUBJETIVIDADES NA REDE: OS SENTIDOS PRODUZIDOS PELO ESTUPRO

COLETIVO NO RIO ANA ÁVILA - UNISINOS ------------------------------------------------------------------------------- 158

AFETAÇÕES EM REDE: O PROCESSO DE MIDIATIZAÇÃO-CIRCULAÇÃO DO

BOICOTE RELIGIOSO À TELEVONELA BABILÔNIA ACIONADA PELA PÁGINA

AGENTE GOSPEL ÉVELLIN VERAS- UNISINOS ------------------------------------------------------------------------- 162

PROFESSOR UNIVERSITÁRIO YOUTUBER E SUAS DISTINTAS ESTRATÉGIAS

DISCURSIVAS NO AMBIENTE MIDIATIZADO FRANCIELI JORDÃO FANTONI - UFSM -------------------------------------------------------------- 168

PUBLICIDADE CONTEMPORÂNEA NO CONTEXTO DIGITAL: RISCOS E

POTENCIALIDADES PAULA VIEGAS - UFRGS ------------------------------------------------------------------------------ 173

PENSANDO A ESTÉTICA FOTOGRÁFICA: UMA REFLEXÃO TEÓRICA ACERCA

DAS MATERIALIDADES E DOS FASCÍNIOS DO ESPORTE DE GUMBRECHT

TRANSPOSTOS PARA PENSAR ESTÉTICA NA FOTOGRAFIA INDIE NO

INSTAGRAM RODRIGO BRASIL DE MATTOS - UNISINOS ------------------------------------------------------- 178

GT CORPO, RAÇA E GÊNERO

AS “MULHERES REAIS” NA PAUTA: UMA ANÁLISE DA CAMPANHA

#SOUDONNADEMIM DA REVISTA DONNA CAROLINE ROVEDA PILGER - UFRGS -------------------------------------------------------------- 185

O ACONTECIMENTO PÚBLICO MARIELLE FRANCO: DISPUTA E ENGAJAMENTO

MIDIATIZADO FERNANDA BASTOS PIRES – UFRGS -------------------------------------------------------------- 190

A INDETERMINAÇÃO DO CORPO NA PUBLICIDADE JOÃO BATISTA NASCIMENTO DOS SANTOS - UFRGS -------------------------------------------- 196

RELAÇÕES DE GÊNERO E NEGRITUDE NA COMUNICAÇÃO: COMO AS MÍDIAS

INCIDEM SOBRE O RECONHECIMENTO E O IMAGINÁRIO DAS MULHERES DO

QUILOMBO DO AREAL, EM PORTO ALEGRE RENATA CARDOSO - UNISINOS--------------------------------------------------------------------- 202

LANA DEL RAY VEVO: INVESTIGANDO UMA FORMA DE MEDIAÇÃO EM UMA

SOCIEDADE MIDIATIZADA RODRIGO DUARTE BUENO DE GODOI - UNISINOS ---------------------------------------------- 206

GT EPISTEMOLOGIAS DA COMUNICAÇÃO

DA ESCUTA REDUZIDA ÀS ESCUTAS EXPANDIDAS CÁSSIO DE BORBA LUCAS - UFRGS ---------------------------------------------------------------- 212

REINVENTANDO PRÁTICAS DE DISCIPLINA ACADÊMICA DOUGLAS OSTRUCA - UFRGS ----------------------------------------------------------------------- 218

PESQUISA DE AUDIOVISUAL E O CAMPO DA COMUNICAÇÃO JARDEL ORLANDIN – UNISINOS -------------------------------------------------------------------- 223

DESCREVER IMAGENS, CORTAR OS FLUXOS: UM PROBLEMA DE ANÁLISE

SEMIÓTICA LENNON MACEDO - UFRGS -------------------------------------------------------------------------- 229

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PARADOXOS DO PLÁGIO: (DES)CONSTRUINDO UMA PERSPECTIVA PARA O

ESTUDO DA APROPRIAÇÃO LUIS FELIPE SILVEIRA DE ABREU - UFRGS -------------------------------------------------------- 233

MEDITAÇÃO E GRAU ZERO DA COMUNICAÇÃO MARIO ARRUDA - UFRGS ---------------------------------------------------------------------------- 238

O REMIX CINE-OLHO PEDRO BUGHAY ACETI - UNISINOS --------------------------------------------------------------- 243

SEMIOFAGIAS XAMÂNICAS RICARDO DE JESUS MACHADO - UFRGS ---------------------------------------------------------- 248

OS MOVIMENTOS METODOLÓGICOS: CAMINHOS EXPERIMENTAIS NA

PESQUISA EM COMUNICAÇÃO YVETS MORALES MEDINA - UNISINOS ------------------------------------------------------------ 253

GT ESTUDOS EM CINEMA

RASTROS E VESTÍGIOS. O GRÁFICO NA CINESCRITA DE AGNÈS VARDA GIULIANNA NOGUEIRA RONNA - PUCRS ----------------------------------------------------------- 258

A POLÍTICA DO COTIDIANO EM OS SETE GATINHOS: UMA PROBLEMATIZAÇÃO

CONCEITUAL A PARTIR DAS REPRESENTAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS DAS

PORNOCHANCHADAS GUILHERME FUMEO ALMEIDA

– UFRGS ----------------------------------------------------------- 262

MONICA SCHMIEDT: O PROTAGONISMO DA MULHER ATRÁS DAS CÂMERAS NO

RIO GRANDE DO SUL PRISCILA RIGONI - PUCRS --------------------------------------------------------------------------- 267

RECEPÇÃO CINEMATOGRÁFICA: PERCURSO SOBRE AS CONCEPÇÕES DO

CONCEITO DE VISUALIDADE SUELEM LOPES DE FREITAS - UFRGS ------------------------------------------------------------- 271

GT JORNALISMO E REPRESENTAÇÃO

HOMOSSEXUALIDADES, AIDS E O PROCESSO DE ESTIGMATIZAÇÃO: UMA

LEITURA DE ANGGLETON E PARKER AMANDA CAMPO - PUCRS --------------------------------------------------------------------------- 277

OS REFUGIADOS SÍRIOS NOS ENQUADRAMENTOS DO JORNALISMO

BRASILEIRO: ABORDAGENS DOS PORTAIS G1 E BBC BRASIL (2012-2017) MELISSA NEVES GOMES - UFRGS ------------------------------------------------------------------ 281

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NO JORNALISMO SOBRE OS POVOS

INDÍGENAS PATRÍCIA KOLLING – UFRGS ------------------------------------------------------------------------ 286

GT JORNALISMO, HISTÓRIA E DISCURSO

REFLEXÕES ACERCA DE RUPTURAS E DE APROXIMAÇÕES: UMA DAS TANTAS

HISTÓRIAS POSSÍVEIS SOBRE O COOJORNAL, O JORNAL DA COOPERATIVA

DOS JORNALISTAS DE PORTO ALEGRE RAFAEL GLORIA - UFRGS ---------------------------------------------------------------------------- 292

IDENTIDADE E DISCURSO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A ZONA FRANCA

DE MANAUS NA MÍDIA VANESSA DA COSTA SENA - UFSM ----------------------------------------------------------------- 297

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GT PRÁTICAS E RECONFIGURAÇÕES NO JORNALISMO

O JORNALISMO TAL COMO O CONHECEMOS É PASSADO: UMA ANÁLISE DOS

DESAFIOS QUE SE IMPÕEM FABÍOLA BRITES - PUCRS ---------------------------------------------------------------------------- 302

TENSIONAMENTOS SOBRE O USO DE MÉTRICAS DE AUDIÊNCIA NAS ROTINAS

PRODUTIVAS DE JORNALISTAS JANAÍNA KALSING - UFRGS -------------------------------------------------------------------------- 307

O APROFUNDAMENTO DO CONCEITO DE FONTE JORNALÍSTICA NA GERAÇÃO

DE CONTEXTO E TRANSPARÊNCIA MARÍLIA GEHRKE - UFRGS --------------------------------------------------------------------------- 311

PODEM FERRAMENTAS INTERATIVAS SER CONSIDERADAS PRODUTOS

JORNALÍSTICOS? MARLISE BRENOL - UFRGS -------------------------------------------------------------------------- 316

EFEITO DE TRANSPARÊNCIA COMO ESTRATÉGIA DE CREDIBILIDADE NO

JORNALISMO SÍLVIA LISBOA - UFRGS ------------------------------------------------------------------------------ 323

ACESSO DE NOTÍCIAS EM DISPOSITIVOS MÓVEIS TÁSSIA BECKER ALEXANDRE - UNISINOS -------------------------------------------------------- 329

DAS NARRATIVAS AUTÔNOMAS ÀS FAKE NEWS: AS PEQUENAS VERDADES E

A INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE TIAGO SEGABINAZZI - UNISINOS ------------------------------------------------------------------- 334

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APRESENTAÇÃO

Com muita alegria, constatamos que a terceira edição do Seminário Discente

do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (PPGCOM/UFRGS), realizada de 17 a 19 de outubro de 2018, supriu

com sucesso a demanda de mestrandos e doutorandos por encontros presenciais com

colegas que compartilham inquietações teóricas e metodológicas semelhantes. Neste

ano, contabilizamos a apresentação de 61 resumos expandidos em 14 grupos de

trabalho, distribuídos nos seguintes temas: Comunicação e Cidadania, Comunicação e

Ciência, Comunicação e Instituições, Comunicação e Memória, Comunicação e Política,

Comunicação e Virtualidade, Comunicação, Educação e Meio Ambiente, Conversação

e Estratégias em Rede, Corpo, Raça e Gênero, Epistemologias da Comunicação,

Estudos em Cinema, Jornalismo e Representação, Jornalismo, História e Discurso e

Práticas e Reconfigurações no Jornalismo.

O evento, portanto, consolida-se como um espaço acolhedor de debate entre

pós-graduandos especificamente a respeito de seus projetos de teses e dissertações.

Também se constitui enquanto atividade acadêmica de referência para mestrandos e

doutorandos de todo o Rio Grande do Sul: além dos discentes do PPGCOM/UFRGS,

contamos, mais uma vez, com a participação de estudantes do Programa de Pós-

Graduação em Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul;

do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale

do Rio dos Sinos; e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade

Federal de Santa Maria.

O objetivo do III Seminário Discente do PPGCOM/UFRGS foi incentivar a

circulação do conhecimento para além dos debates de grupos de pesquisa, ressaltando

a importância do diálogo com outras linhas de pesquisa, programas de Pós-Graduação

e universidades. Para tanto, ampliamos o espaço das oficinas ofertadas pelos próprios

mestrandos e doutorandos. Neste ano, foram seis atividades que exploraram os mais

diversos espectros do campo da comunicação e suas possibilidades de estudo:

Estudando Mídias: o que são mídias em nossas pesquisas?, com Marcio Telles da

Silveira (PPGCOM/UFRGS); A pergunta pelo comunicacional: olhares nas pesquisas de

comunicação, com Jardel Orlandin e João Damasio (Unisinos); Refletindo e construindo

metodologias transformadoras a partir da transmetodologia, com Paulo Júnior Melo da

Luz, Renata Cardoso de Almeida e Vitória Brito Santos (Unisinos); Raça e

Comunicação, com Fernanda Bastos Pires (PPGCOM/UFRGS); Delineamento e

execução do estado da arte na pesquisa em comunicação, com Dulce Mazer (Pós-

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Doutoranda do PPGCOM/UFRGS) e Laura Wottrich (Professora da Fabico/UFRGS); e

Como fazer o anteprojeto de pesquisa de Mestrado, com Camila Freitas

(PPGCOM/UFRGS), esta voltada especialmente a estudantes de graduação. Outra

novidade foi o diálogo Como apresentar trabalhos acadêmicos, com Mariana Amaro

(PPGCOM/UFRGS), que precedeu a atividade de encerramento.

A fim de intensificarmos o contato com outras áreas do conhecimento,

promovemos mesa de abertura com o tema Diálogos interdisciplinares sobre pesquisa

e métodos e participação dos professores Solange Mittmann (PPG-Letras/UFRGS),

Adriano Premebida (PPG-Sociologia/UFRGS) e do doutorando Pedro Silveira (PPG-

História/UFRGS), com mediação de Dulce Mazer. A palestra de encerramento, A Teoria

na Atualidade, foi proferida pelo professor da Universidade de Brasília Luiz Claudio

Martino, com mediação do professor do PPGCOM/UFRGS Alexandre Rocha da Silva,

e provocou uma importante reflexão final sobre os rumos dos estudos sobre

comunicação.

O conteúdo que segue na presente publicação apresenta especialmente as

problemáticas que têm desafiado as pesquisas de mestrandos e doutorandos dos quatro

Programas de Pós-Graduação envolvidos na terceira edição do Seminário, bem como

reúne um panorama de orientações teóricas, metodológicas, paradigmas, temas e

objetos. Como o evento se propõe a ser um espaço de diálogo de pesquisadores em

formação, o leitor encontrará projetos de pesquisa que se encontram em diferentes

estágios de desenvolvimento. Ou seja, há resumos que tratam de questões primárias

da elaboração de um projeto de pesquisa e outros com desafios finais da elaboração de

dissertações e teses.

Boa leitura!

Cássia Aparecida Lopes da Silva

Débora Gallas Steigleder

Luis Felipe Abreu

Thaís Leobeth

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GT COMUNICAÇÃO E

CIDADANIA

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DESCONSTRUÇÕES, MITOLOGIAS: O FANTASMA DO MÉTODO

Arthur Walber Viana1 - UFRGS

Palavras-chave

Metodologia. Análise da narrativa. Actantes. Boca de Rua.

Este é um recorte de uma dissertação de mestrado ainda por nascer e, devido

a isso, um texto posto à prova de maneira prematura – não que haja, certamente não

há, a ilusão de que em algum momento o texto estará de fato encerrado; e talvez. na

sua abertura inevitável. que descanse qualquer potencial que tenha, seja intelectual,

político ou criativo, ou mesmo todos, uma vez que separá-los parece ato equivocado,

se não impossível. Deve-se desconfiar, entretanto, dos feitos solitários e, ao pensarmos

no seminário ao qual aqui nos submetemos, por vez a sua potência parece estar

exatamente no encontro, ao proporcionar a construção coletiva, o espaço para a troca

e as sugestões, para a crítica anterior, quando há ainda tempo – curto que seja, e

sempre é – para a correção de rumos e o aprimoramento de um resultado que

eventualmente deverá ser dito final. Devido a expectativas tais, o recorte escolhido é

precisamente aquele que mais perturba, o mais distante de um ideal “suficiente” e sobre

o qual evitamos as conversas mais profundas, menos pelo assunto em si que pela

insegurança gerada pelo fantasma da palavra: metodologia. Pois não é sem receios que

vamos a ela.

A intenção é construir uma metodologia que de fato extraia do objeto alguma

profundidade, alguma das verdades sempre plurais, ao menos um tanto de informações,

convenientes ou não – isso devemos avaliar somente ao fim –, mas que de toda forma

nos ajude a responder às inquietudes por nós encaradas neste trecho do percurso

acadêmico. Contudo, antes de um método, antes mesmo das teorias aprendidas,

apropriadas e desenvolvidas, havia já o objeto, e ele desde o início nos disse algo,

provocante, sem que pudéssemos erguer qualquer escudo metodológico. Eis o cuidado,

do princípio, de não entregar-nos a um “guia passo-a-passo” que somente reforçasse

aquilo que já previamente queríamos encontrar ou que pensávamos que

1 Mestrando no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Mediações e Representações Culturais e Políticas, orientado pelo Prof. Dr. Valdir Jose Morigi. E-mail para contato: [email protected].

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encontraríamos; buscamos algo que, ao contrário, nos leve a algum ponto

desconhecido; que obrigue o nosso olhar, tão viciado e preguiçoso por vezes,

acostumado a ver o que visto está, a recair sobre partes dos textos analisados que

insistem em nos passar despercebidas; ou que somente deixamos passar sob a

justificativa, exatamente, de um outro método que permite que caminhemos por trilhas

já bem demarcadas, por outros e por nós.

Desacostumar os olhos acostumados, seja talvez esta a explicação mais

razoável sobre a tática de pesquisa por ora adotada. Ler com calma e repetidas vezes

para extrair do texto do Jornal Boca de Rua (o objeto empírico de estudo eleito) tudo o

que dali podemos extrair, os encontros e desencontros que o levaram a ser tal é, tentar

desenhar suas intenções e limitações – sabendo já da inevitável falha, que algo

certamente nos escapara. Não deve se esconder que esta “leitura profunda” surge

inspirada pela desconstrução de Derrida (1995; 2008) e pela (des)mitologia de Barthes

(2012). Pretendemos efetuar mesmo uma desconstrução exorbitante, que nos arranque

da órbita do texto, permita-nos a fuga de sua sempre pretendida e jamais alcançada

clausura e nos leve a desnaturalizar seus mitos – sem esquecer que “[...] a produção,

se procura dar a ver o não-visto, não sai aqui do texto” (DERRIDA, 2008, p.200). O texto

do Boca de Rua e suas significações são nossas mais preciosas matérias-primas, e

únicas de fato, e delas que extrairemos qualquer conclusão válida.

Vemos na narrativa uma ordem performática (BARTHES, 1976). A narrativa é,

pois, uma mediadora fundamental na interpretação de si (BARBOSA, 2003), com

potencial de reconstrução do self ao performar a experiência. Perceberemos, já que o

que buscamos é compreender como se dá a inscrição de si da população de rua no

Jornal Boca de Rua, que a prática narrativa mostra-se uma interessante maneira de

contrapor representações já construídas sobre si a partir de outros discursos e, por isso,

ferramenta valiosa à população de rua, costumeiramente tão desvalorizada em relatos

jornalísticos (LAGO, 2010; SODRÉ, 2004).

Porém, mesmo que sempre intencionais, os relatos de si (ou de outros)

inevitavelmente encontrarão barreiras ao seu querer dizer (BARTHES, 1976; DELEUZE,

1998; DERRIDA, 2008; BUTLER, 2012), uma vez que moldados exatamente por elas

(as “barreiras”). Dependem das possibilidades de uma língua convencionada e

ensinada; das possibilidades técnicas do meio e de quem o opera; e das relações

diversas que construíram o relato, levando-o ao ponto de recepção, de onde se extrairá

qualquer sentido. Enxergamos as narrativas como resultados das tensões, do choque

de intenções e possibilidades, dos encontros e desencontros que moldam a “coisa” sob

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análise: narrativa é relação, e o nosso olhar parte do objeto para as relações das quais

é, além de fruto, (re)criador – o Boca de Rua afeta as relações estabelecidas pela

população de rua entre si e com os outros grupos sociais e também o olhar que o

pesquisador lança sobre seu objeto o modificará, um e outro, uma vez que relacionados.

Em termos práticos, focaremos em especial na categoria dos actantes, que

são, em resumo, tudo aquilo que produz diferença e põe em movimento, ou seja, faz o

outro fazer (GREIMAS; FONTANILLE, 1993; LATOUR, 2012; LEMOS, 2013;

SANTAELLA; CARDOSO, 2015), sejam coisas, artefatos, animais – humanos ou não.

Tal visão compartilha a responsabilidade da ação, livrando-a da tutela de um sujeito ou

de uma consciência: falamos, antes, do encontro de actantes – a arma, a mão, o medo,

o discurso de ódio de um candidato à presidência –, das possibilidades deste encontro

ocorrer e do que decorre a partir dele. Assim que o primeiro passo metodológico será

observar o que fazem e como aparecem moradoras e moradores de rua nas notícias –

adjetivos, linguagem utilizada, pronomes dados, descrições e, principalmente, as suas

ações. Atentaremos também, por tratar de certa forma de uma autorreferencialidade, ao

entorno: os cenários – onde está e com quem se relaciona a população de rua; o que a

faz fazer o que faz e, também, o que responde ao que é feito por ela. É esse o segundo

passo: ver a cidade inscrita no papel; compreender quem são os “outros” desses que

estigmatizamos de Outros: que locais frequentam; como se relacionam com os cenários

e seus coabitantes; que actantes surgem nas narrativas e quais as pautas mais

recorrentes. Por último, em uma leitura mais ampla e relativamente “livre” de métodos

enclausurantes, praticaremos a errância em sua máxima potência: a busca será pelas

metanarrativas emergentes das reportagens, no que os passos anteriores (e

concomitantes) nos ajudarão; queremos discernir os mitos que escorrem por frases e

palavras e pontuações, e que partem sempre e apenas do expresso, resultado das

possibilidades sintáticas e léxicas de códigos e mensagens e meios disponíveis e que,

no entanto, indicam temas de fundo que se conectam a uma rede de discursos que nos

antecede e ultrapassa, e que seguirá seu fluxo de conexões e desconexões, levando

alguma significação sempre adiante.

Serão, portanto, três momentos de leitura e análise, que retroalimentam-se: 1)

os actantes excêntricos2, que habitam as ruas, calçadas e viadutos de Porto Alegre; 2)

2 A escolha do termo “excêntrico” para fazer referência às pessoas em situação de rua não é casual ou mero adorno estilístico: excêntrico pode significar tanto “fora do centro” quanto “de centro diferente” (definições do dicionário online Priberam. Diponível em: https://priberam.pt/dlpo/exc%C3%Aantrico. Acessado em: 22/04/2018). Não estar no centro (dentro), contudo estar/ter outro (fora), dialoga com a nossa compreensão do que dizem Derrida (1995; 2008) e Deleuze e Guattari (1995; 2010) em seus esforços de

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suas relações com a cidade e com outros actantes; e 3) os mitos que emergem do texto.

Eis um método, algo pragmático para acalmar ganas cientificistas: um olhar sistemático

em busca das significações e dos sentidos múltiplos. Porém, afeta-nos a necessidade

da definição quando nos vemos sempre em um meio de caminho, eterno processo, nem

tudo nem nada: e sequer há o nada, toda parte é ocupada, seja pelo ar, pela matéria,

por um átomo algum; tanto quanto não há todo, posto que a dispersão cresce sempre,

não é agrupável, não há vazio nem cheio independentemente de seu pessimismo ou

otimismo ou de quantos copos estão à sua frente: o movimento não fecha-se em si

jamais. Por isso a dificuldade do método, que precisa de alguma maneira parar o

movimento e dizer algo. Compartilhamos do medo de Derrida (1995, p.21): “Falar mete-

me medo porque, nunca dizendo o suficiente, sempre digo também demasiado”. Vemo-

nos por isso na ética inescapável, sempre na relação e na errância: no infinito

levinasiano e na espectrologia derridiana: um que é um, posto que nenhum outro, e

deve ser reconhecido; e, ainda assim, nunca um, pois nunca completo, tropeçando rumo

a um angustiante algo além que parece escapar a qualquer análise.

Referências

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descentramento de um Eu Uno e de combate às essencialidades e à noção de origem. O “centro” em relação ao qual as pessoas em situação de rua são ex-cêntricas, do qual elas são postas como “fora”, esta baseado em uma política de exclusão que busca uma unidade específica, que parte deliberadamente a multiplicidade do ser; é uma tomada de poder (DELEUZE; GUATTARI, 1995). Lembrá-los excêntricos, portanto, pretende ressaltar que o são somente frente aos idealismos do Eu narcísico autocentrado.

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AUDIODESCRIÇÃO E CIDADANIA: APROPRIAÇÕES COMUNICACIONAIS DE SUJEITOS CEGOS

Marcela Ribas Campanhã1 - UNISINOS

Palavras-chave

Audiodescrição. Apropriações comunicacionais. Cegos. Cidadania comunicativa. Acessibilidade.

As recentes transformações nos meios de comunicação, sobretudo após o

surgimento da internet, acarretaram mudanças significativas na forma como nos

relacionamos. Com a inserção da tecnologia no cotidiano das pessoas, vimos alterar

também a maneira como recebemos, registramos, compartilhamos informações e

construímos significados. Para pessoas que possuem particularidades culturais e

comunicacionais, como os sujeitos cegos, a tecnologia pode ser muito mais significativa,

ela pode mediar a inclusão de determinados grupos em seu meio social, reforçando e

até mesmo ampliando sua cidadania. Este é o caso da audiodescrição.

A audiodescrição, ou AD, como também é referida, consiste na transformação

de imagens em palavras para que informações-chave ofertadas visualmente não

passem despercebidas e possam também ser acessadas por pessoas cegas ou com

baixa visão (FRANCO; SILVA, 2010). O recurso existe há pouco mais de 30 anos, é

bastante utilizado em produções culturais (filmes, peças de teatro, programas de TV,

etc.) de países da Europa e nos Estados Unidos e vem gradualmente ganhando maior

visibilidade e projeção também em outros locais, à medida que o direito das pessoas

com deficiência é reconhecido e garantido. Para Pozzobon (apud PENA; SANTOS

SILVA, 2014), uma característica importante e definidora da audiodescrição é que ela

traduz as imagens sem interpretar a mensagem, o que significa dizer que um

audiodescritor não deve dizer sua opinião, mas sim o que está sendo visto. Ele é a ponte

entre a imagem e o sujeito cego, devendo dar a este os subsídios necessários e

pertinentes à compreensão do evento.

Apesar de possuir um caráter mais técnico e prático é interessante observar

que a audiodescrição, como conceito formal de atividade, surgiu no ambiente acadêmico

1 Mestranda do PPGCOM da Universidade do Vale do Rio do Sinos, Linha Cultura, Cidadania e Tecnologias da Comunicação, Orientada pela Profa Dra Jiani Bonin. E-mail para contato: [email protected]

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em 1975, a partir das ideias desenvolvidas por Gregory Frazier em sua dissertação de

mestrado. No entanto, somente na década de 80 iniciou-se o processo de utilização

efetiva da técnica em espetáculos de teatro e, posteriormente, em filmes no cinema e

televisão. Na década de 1990 surgiram novas pesquisas sobre o tema, principalmente

nos Estados Unidos e Inglaterra. Os primeiros estudos buscaram traçar um perfil dos

espectadores com deficiência visual e seus hábitos de consumo televisivo. O intuito era

de verificar se a audiodescrição seria um recurso apreciado por esses sujeitos e

determinar se o seu uso contribuiria para facilitar a compreensão dos dispositivos

audiovisuais. Os resultados mostraram que, além de aumentar o entendimento da

programação, a AD também auxiliaria a aquisição de conhecimentos sobre o mundo

visual, sobretudo àqueles ligados a normas de interação social, tais como: linguagem

corporal e estilos de roupas. (FRANCO; SILVA, 2010).

No Brasil, a primeira ocorrência de utilização de audiodescrição em um

espetáculo público foi em 2003, durante o festival temático Assim Vivemos: Festival

Internacional de Filmes sobre Deficiência, que reproduz a ideia do festival Wie Wir

Leben (Como Nós Vivemos) de Munique, na Alemanha. Dois anos mais tarde foi

lançado em DVD o primeiro filme audiodescrito do país, Irmãos de Fé, seguido de

Ensaio sobre a Cegueira, em 2008. Neste mesmo ano foi reproduzida na televisão

brasileira a primeira propaganda audiodescrita, promovida pela empresa Natura. Após

esse período outras ações foram tomadas no sentido de inclusão social de pessoas

cegas, sendo grande parte realizadas por iniciativas privadas. Importante salientar que

quando se fala em acessibilidade, não se trata apenas de fazer com que sujeitos

portadores de necessidades especiais sejam incluídos em atividades ou consumam

produtos e serviços adequados. É, sobretudo, fazer com que os direitos de uma grande

parcela da população brasileira sejam reconhecidos, respeitados e colocados em

prática. Segundo dados do Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística (IBGE), existem no Brasil mais de 6,5 milhões de pessoas com deficiência

visual, sendo 582 mil cegas e seis milhões com baixa visão.

A Constituição Brasileira é clara ao dizer, em seu artigo 215, que “O Estado

garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura

nacional, e apoiara e incentivara a valorização e a difusão das manifestações culturais.”

(BRASIL, 1988). Apesar de garantido constitucionalmente, na prática a primeira

tentativa de ampliar e promover maior inclusão veio por meio da promulgação da Lei

10.098, de 2000, conhecida como Lei da Acessibilidade. A redação estabelece normas

gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de

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deficiência ou com mobilidade reduzida (BRASIL, 2000). A regulamentação ocorreu

somente quatro anos depois por meio do Decreto 5.296 (BRASIL, 2004), alterado pelo

Decreto 5.645 (BRASIL, 2005) e pelo Decreto 5.762 (BRASIL, 2006b). A partir desse

momento os recursos de audiodescrição e de libras tornaram-se um direito garantido

pela legislação brasileira. A Lei previa que em um período máximo de dois anos as

emissoras de televisão seriam obrigadas a oferecer, pelo menos, duas horas de

programação diária com recurso de audiodescrição. Esse número deveria aumentar

gradativamente visando a acessibilidade total da programação até o ano de 2016, fato

que não ocorreu. Entre 2008 e 2012 o Governo Federal se manifestou, pelo menos, 10

vezes, por meio de Decretos e Portarias, alterando o prazo estipulado inicialmente. Em

julho de 2015 foi promulgada uma nova regulamentação sobre o assunto, a Lei 13.146,

conhecida como Lei Brasileira de Inclusão (LBI) ou Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Em relação a audiodescrição, a norma contribuiu para a construção da Resolução 667

(ANATEL) que trata da acessibilidade nos serviços de telecomunicações e para a

Instrução Normativa nº 128 (ANCINE) que dispõe sobre as normas gerais e critérios

básicos de acessibilidade visual e auditiva a serem observados nos segmentos de

distribuição e exibição cinematográfica.

Na pesquisa em desenvolvimento, pretende-se analisar como se dão os usos

e apropriações da audiodescrição por um grupo de pessoas cegas de Porto Alegre,

sobretudo, pensando as possibilidades para o desenvolvimento de cidadania

comunicativa destes sujeitos. Na construção teórica, reconhecemos a necessidade de

problematizar perspectivas para pensar usos e apropriações, sujeitos comunicantes

cegos, audiodescrição e cidadania comunicativa. Para trazer evidências vinculadas a

esta questão, serão analisados diferentes contextos nos quais a audiodescrição é

utilizada. Por meio de uma concepção transmetodológica - que tem como características

a “[...] confluência de métodos; entrelaçamento de lógicas diversas (formais, intuitivas,

para-conscientes, abdutivas, experimentais e inventivas); estruturação de estratégias,

modelos e propostas mistas.” (MALDONADO, 2008, p. 29), propõe-se um olhar

multidimensional na medida em que se problematiza não só a Ciência da Comunicação,

mas a cultura cega.

Em termos empíricos, a construção da pesquisa inclui a realização de pesquisa

exploratória, acompanhando alguns espetáculos – cinema e teatro - em que a

audiodescrição é utilizada. Para Bonin (2006), essa prática metodológica traz

contribuições importantes para a construção investigativa e oportuniza experimentar,

vivenciar e testar métodos e procedimentos para compor arranjos metodológicos

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sensíveis às demandas da problemática e das lógicas dos objetos empíricos. Também

será observada e analisada como a audiodescrição é difundida no ambiente digital por

meio da descrição de imagens que utilizam as hashtags #PraCegoVer e

#PraTodosVerem, verificando, assim, como os sujeitos cegos interpretam essa prática.

Para a pesquisa sistemática, propõe-se a análise dos conteúdos de audiodescrições

selecionadas e entrevistas em profundidade. Do ponto de vista da recepção, importa

verificar como ocorrem as produções de sentidos, sobretudo pensadas nos vínculos

com a cidadania, atravessados pelo recurso da audiodescrição.

Referências

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_______. Portaria nº 403, de 27 de junho de 2008. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 30 jun. 2008c. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/atos/detalhe/29912>. Acesso em: 16 set. 2018. _______. Portaria nº 466, de 30 de julho de 2008. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 jul. 2008b. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/destaques/inclusao-para-pessoas-com-deficiencia/Portaria_MinComunicacao_466.2008>. Acesso em: 16 set. 2018. _______. Portaria nº 661, de 14 de outubro de 2008. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15 out. 2008a. <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2008/prt0661_14_11_2008.html>. Acesso em: 16 set. 2018.

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COMUNICAÇÃO E CONFLITOS URBANOS: APONTAMENTOS PARA PESQUISA

Sinara Sandri1 - UFRGS

Palavras-chave

Produção do Espaço. Comum Urbano. Comunicação.

Ao evidenciar componentes que dizem respeito à forma de apropriação do

espaço e aos limites do direito à cidade, os conflitos urbanos contemporâneos dão

oportunidade para analisar os processos modelizantes que ocorrem na constituição de

um espaço que é efêmero, mas tem memória informacional. Ao pensar sobre as

chamadas jornadas de junho, David Harvey (2013) postula que o direito à cidade não

se trata apenas de franquear o acesso ao que já existe:

A liberdade da cidade é, portanto, muito mais que um direito de acesso àquilo que já existe: é o direito de mudar a cidade de acordo com o desejo de nossos corações… A liberdade de fazer e refazer a nós mesmos e as nossas cidades dessa maneira é, sustento, um dos mais preciosos de todos os direitos humanos. (HARVEY, 2013, p. 28).

A vaga de protestos recolocou em pauta a relação entre a produção do espaço,

as condições do habitar e o ambiente para o desenvolvimento das características

humanas. Ao considerar que os movimentos de atualização capitalista e de instalação

do neoliberalismo gravam seus resultados nas formas espaciais das cidades, é possível

supor que fica dificultada a realização de demandas geradas por um contingente

humano que já experimenta interfaces de mobilidade e velocidade nas infovias

comunicacionais. O ambiente físico não corresponde ao virtual e o direito à cidade é

uma demanda por visibilidade, mesmo quando estas reivindicações não correspondem

aos parâmetros vigentes de urbanidade.

Partilhamos do pressuposto de Ferrara (2015) de que a cidade está em

permanente confronto com o espaço urbano porque a materialidade deste espaço é

submetida à uma lógica de planejamento que pré-determina sua funcionalidade e

impede a fruição de suas qualidades de fluxo e mudança, limitando portanto seu

1 Doutoranda no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Cultura e Significação, Orientada pela Profa. Dra. Nísia Martins do Rosário. E-mail para contato: [email protected]

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potencial comunicativo ja que o “[...] uso imprevisto é confundido com a própria

degenerescência do urbano.”. (FERRARA, 2015, p. 140).

Consideramos a vida cotidiana – entendida como território onde bens e

necessidades se confrontam e se transformam em desejos – como arena para

mudanças e para a produção do comum, entendido aqui não como um objeto, ativo ou

de um processo social, mas sim:

“[...] uma relação social instavel e maleavel, entre determinado grupo social autodefinido e os aspectos já existentes ou ainda por criar do meio social e/ou físico, considerada crucial para sua vida e subsistência.”. (HARVEY, 2014, p. 145).

No centro dessa definição, temos uma prática social cujo cerne é a relação

entre o grupo social e o aspecto do ambiente tratado como um comum que supera a

lógica da troca mercantil e das avaliações de mercado. Cabe diferenciar bens público e

comum, qualidade que resulta de uma ação política de quem pretende apropriar-se de

espaço e concretizá-la, tendo relevância as situações em que as ruas se tornam comuns

urbanos.

A rua é um espaço público que histórica e frequentemente se converte pela ação social em um comum do movimento revolucionário, assim como em um espaço de repressão sangrenta. (HARVEY, 2014, p. 144).

Tonucci (2017) lembra que comum urbano geralmente se afirma nas práticas

socioespaciais insurgentes e contra-hegemônicas em processos de apropriação e

experimentação que “[...] cultivam o sentido do uso, da obra e da diferença contra o

valor de troca e a dominação, nas aberturas e desestruturações que desafiam as

tentativas de manter a cidade ‘na linha.’”. (TONUCCI, 2017, p. 137).

Nessa perspectiva, algumas experiências de ocupação de espaços públicos

em Porto Alegre chamam atenção. A primeira ocorre na área do viaduto Imperatriz

Leopoldina que passou a ser conhecido como Brooklin. Com a instalação de uma obra

de arte e a intervenção de skatistas para otimizar a estrutura para a prática de esporte

durante a noite e aos finais de semana, o local entrou em um circuito de uso que interliga

a pista de skate do Parque Marinha do Brasil, frequentada durante o dia, expandindo a

jornada do esporte para o turno da noite. A presença dos skatistas atraiu comerciantes

para o lugar e abriu possibilidades para realização de outras iniciativas como festas,

Slam e as batalhas de rap, eventos que também fazem parte de um circuito que inclui o

Parque Farroupilha (Redenção).

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A experiência oferece uma possibilidade para análise e formulação de um

conceito de ocupação, a partir da pesquisa de ações e situações comunicativas que

utilizam a estrutura urbana para provocar o seu colapso, além das estratégias

envolvidas no ajuste da correlação entre uso efetivo e o uso permitido do espaço urbano,

assim como o nível de tolerância com a invenção de novas formas de vivência e de

criação de lugares. A situação é interessante também para observar a captura de formas

desviantes com a geração de situações de consumo como oportunidade de

gentrificação do lugar.

O segundo caso é a ocupação noturna do Parque da Redenção, na chamada

Serenata Iluminada. O evento desafia a ideia de que o parque é uma área perigosa

durante a noite e propõe a ativação de um novo circuito de uso. A ocupação com

atividades culturais autônomas é divulgada exclusivamente pelas redes sociais. Este

aspecto expõe o fator presente nos casos propostos e abre para análise sobre interação

entre circuitos que conformam os espaços da cidade e ativam experiências de fruição

do espaço urbano. Dessa forma, para a realização deste trabalho é incontornável

enfrentar a relação entre os fluxos informacionais e a lógica espacial das organizações

econômicas e sociais, problema pontuado por Castells (1995) ao descrever a cidade

informacional como uma “circunstância” onde o surgimento histórico do espaço dos

fluxos supera o significado do espaço de lugares.

Estes movimentos de ocupação têm uma forte dinâmica de articulação e

desenvolvimento no ambiente digital, sendo campo de estudo para os conflitos entre a

dimensão política da cultura urbana e a dimensão relacional aberta como possibilidade

pelas linguagens digitais. O tema vem sendo tratado por Massimo Di Felice (2009, p. 20)

em um esforço de tomar “formas do habitar” ou a natureza relacional do habitar o centro

teórico de sua crítica aos media. Ao pontuar a “crise da experiência urbana”, manifesta

na “perda do significado único do espaço e a ulterior transformação qualitativa das

práticas habitativas”, propõe a análise das interações entre mídia, sujeito e território no

interior das arquiteturas comunicativas específicas de cada época tecnológica. Interessa

particularmente a abordagem de Di Felice sobre a “digitalização do território”, onde

postula que o ambiente foi reduzido a um código informativo, produzindo pela primeira

vez uma “superação da distância entre sujeito e território, permitindo a alteração da

natureza do mesmo e a interpenetração e interdependência entre ambiente e indivíduo.”.

(DI FELICE, 2009, p. 21).

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Essa relação comunicativa entre sujeito e ambiente tem um momento especial

na modernidade onde a construção do espaço social fica associada ao uso de objetos de

consumo e à eficácia dos meios de comunicação. A experiência urbana ocidental esteve

associada à experiência do construir e do limitar os territórios identitários, linguísticos e

arquitetônicos. Com a digitalização da vida, “a experiência do habitar e o significado da

localidade são hoje indizíveis.” (DI FELICE, 2009, p. 54).

Dessa forma, o objeto desta pesquisa está ligado aos processos

comunicativos envolvidos nos movimentos urbanos que colocam a apropriação, uso e

autogestão como uma prática espacial de produção do comum. O objetivo é analisar

processos comunicativos envolvidos nas experiências de produção do espaço urbano

contemporâneo, abordando experiências que fazem um uso imprevisto dos espaços

públicos. Trabalhamos com a premissa que as demandas por acesso e fruição da

estrutura urbana colocam em cheque a percepção que qualifica como degradação os

usos imprevistos dos espaços da cidade. Assim, tentaremos descrever os componentes

comunicativos presentes nos movimentos de ocupação, desconstrução e reapropriação

do espaço urbano, em especial, na constituição e a gestão de formas autônomas e

solidárias de organização.

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GT COMUNICAÇÃO E

CIÊNCIA

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FAKE NEWS E CIÊNCIA: UM MAPEAMENTO DAS PRODUÇÕES CIENTÍFICAS DE 2005 A 2018

Carolina Gandon Brandão1 - UFRGS

Palavras-chave

Fake news. Ciência. Bibliometria. Web of Science

Introdução

Este trabalho objetiva mapear as publicações científicas internacionais com o

tópico fake news. A partir de técnicas bibliométricas, analisa dados quantitativos

coletados na base do sistema Web of Science (WoS) para verificar a evolução dos

estudos sobre o fenômeno.

O termo fake news foi eleito como “palavra do ano” de 2017 pelo Collins

Dictionary, que o definiu como “informações falsas, muitas vezes sensacionalistas,

disseminadas como se fossem notícias”. A expressão tornou-se evidente em 2016,

quando foi amplamente utilizada por Donald Trump enquanto concorria às eleições

presidenciais nos Estados Unidos, sobretudo em ataques à imprensa. No mesmo ano,

notícias falsas ampararam campanhas que resultaram na vitória de Trump como

presidente, na saída da Grã-Bretanha da União Europeia e na rejeição do acordo de

paz entre o governo colombiano e as FARC. Nesse contexto, as menções ao termo

aumentaram exponencialmente, 365% entre os anos de 2016 e 2017, de acordo com o

dicionário.

A repercussão de notícias falsas nas redes sociais e as possíveis interferências

da desinformação nas opiniões ressignificou o debate sobre informação, veracidade e

democracia. Para identificar o desenvolvimento dos estudos científicos acerca desse

fenômeno, verificou-se métricas sobre produções indexadas na base de dados do

sistema WoS, a partir de preceitos bibliométricos.

A bibliometria avalia a produção da ciência a partir de indicadores (LOPES et

al, 2018). Possibilita observar a dinâmica dos estudos sobre determinado tema ou

1 Mestranda no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Mediações e Representações Culturais e Políticas, orientada pela Profa. Dra. Ana Cláudia Gruszynski. E-mail para contato: [email protected].

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campo, identificar tendências e crescimentos de pesquisa, pela observação de

publicações científicas indexadas em repositórios, que possibilitam o gerenciamento

das informações. Entre eles, está a WoS, uma ferramenta de indexação que, segundo

Wouters et al (2015), está entre as bases de dados bibliográficas multidisciplinares mais

importantes, incluindo índices de citação que abrangem revistas, artigos de periódicos,

livros, capítulos de livros, revisões e anais de eventos. Lopes et al (2018) salientam que,

entre as vantagens da WoS, está a excelente cobertura temporal, a inclusão de

monografias, a atualização e o incremento da cobertura regional.

Metodologia

Os dados foram coletados na base de dados da WoS no dia 26 de julho de

2018. Na pesquisa básica, foi inserido o termo fake news entre aspas na busca por

tópico, que inclui títulos, resumos e palavras-chave. O recorte temporal abrangeu todos

os anos da coleção, período de 1945 a 2018. Na análise dos resultados, foram

verificados os registros por tipo de documento, ano de publicação, país e categoria.

Também foi gerado o relatório de citações.

Resultados e discussão

A busca apresentou 284 resultados, sendo 145 artigos. A primeira publicação

com o termo registrada no sistema foi de 2005, quando foram publicados dois artigos.

Entretanto, foram os anos de 2017 e 2018 que tiveram maior número de publicações:

139 em 2017, e 113 em 2018; o que corresponde, respectivamente, a 48,94% e 39,78%

dos resultados.

Esses números indicam a rápida resposta da pesquisa aos fatos. Em 2016,

quando iniciam a popularização do termo fake news e o debate sobre os seus possíveis

impactos sociais, as produções dobram em relação ao ano anterior. Em 2017,

entremente ao desenvolvimento da discussão, são publicados 139 trabalhos. Targino

(2000, p. 2) lembra que “a ciência busca, essencialmente, desvendar e compreender a

natureza e seus fenômenos, através de métodos sistematicos e seguros”. A partir de

investigações metódicas, visa a descobrir verdades e ampliar o conhecimento, atuando,

nas palavras de Bernal (1939), como um instrumento para a satisfação das

necessidades sociais.

Os resultados apontaram predomínio de trabalhos na área da Comunicação,

47, o que corresponde a 16,54%, seguida pela Ciência da Informação e Biblioteconomia,

com 26 publicações. Diante a esses dados, é importante ressaltar que, de acordo com

Wouters et al (2015), as Ciências Sociais e Humanas são um desafio para as análises

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bibliométricas. Com forte orientação nacional e regional, se estruturam principalmente

em livros e periódicos nacionais, publicações geralmente menos indexadas em bases

de dados. Além disso, os anais de conferências são relevantes para esses campos, mas

pouco se sabe sobre a sua cobertura pelos indexadores. O autor também destaca que

há o risco de ocorrer a dupla contagem de trabalho publicado em anais e em periódicos.

Dos 284 trabalhos registrados com o tópico fake news, 116 foram publicados nos

Estados Unidos, o que corresponde a 40,84% das publicações, 25 na Inglaterra, 19 na

Austrália, 12 no Canadá, nove na China, sete na Itália, sete na Espanha e cinco na

Holanda. Os demais países apresentaram menor número de publicações, que variaram

entre duas e quatro.

Os resultados das investigações científicas se traduzem em publicações, que

são produzidas de forma cumulativa, referenciando trabalhos anteriores, de forma que

“a informação produzida por um cientista tem valor porque serve para outros cientistas

gerarem novas informações” (HOCHMAN, 1994, p. 22). Assim, a elevação no número

de produções sobre o tema alavancou o número de citações. Os trabalhos com o termo

fake news no tópico foram citados 462 vezes, 339 se excluídas as autocitações, nas

publicações indexadas. O número de citações foi maior em 2018, 168, o que

corresponde a 36,36%, seguido pelo ano anterior, 89, 19,26%. Nos demais períodos,

os números de citações foram: duas em 2006; oito em 2007; oito em 2008; 17 em 2009;

12 em 2010; 27 em 2011; 33 em 2012; 34 em 2013; 26 em 2014; 18 em 2015; 20 em

2016. A média de citações por ano foi de 35,54.

A referência a outros trabalhos, prática institucionalizada do campo científico,

contribui para o avanço do conhecimento. Através das citações, os autores creditam a

apropriação legítima da informação, guiam o leitor às fontes e evidenciam o

reconhecimento aos pares (MERTON, 1988). Para Rousseau (1998), o número de

citações é, também, uma medida de visibilidade. Nesse horizonte, há duas publicações

que se destacam, com o total de 171 e 52 citações, enquanto o terceiro trabalho mais

referenciado teve 17 referências. O artigo mais citado entre as publicações encontradas

foi The Daily Show: Discursive integration and the reinvention of political journalism,

publicado em 2005 por Baym e indexado na categoria Comunicação e Ciência Política.

O estudo propõe uma leitura interpretativa do programa The Daily Show, que mescla

comédia, notícias e conversas políticas, propondo que, apesar de frequentemente

denominado como fake news, constitui um experimento jornalístico.

A segunda publicação mais citada, Social Media and Fake News in the 2016

Election, de 2017, desenvolvida por Hunt & Matthew e indexada na categoria Economia,

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discute a economia das fake news e apresenta dados sobre o seu consumo antes da

eleição presidencial americana de 2016. O estudo evidencia que as notícias falsas

favoráveis a Trump foram compartilhadas cerca de 22 milhões de vezes mais do que as

que beneficiaram a oposição. Essa abordagem vai ao encontro da problematização

atual acerca da propagação de fake news pelas mídias sociais. Assim, apesar de

recente, essa publicação tem alto índice de citações.

Segundo Wouters et al (2015), as citações não são medidas de qualidade, mas

indicadores básicos de impacto. Como há singularidades em cada área do

conhecimento quanto à média de citações por publicação, os totais não devem ser

comparados entre diferentes campos ou entre períodos diferentes: publicações recentes

precisam de tempo para acumular citações e pesquisas levam mais tempo para serem

citadas em determinadas áreas. Como alternativa de equalização dos indicadores,

propõe verificar as citações médias e as publicações altamente citadas. Os artigos

encontrados como mais citados, de diferentes áreas do conhecimento, foram publicados

em períodos distintos. Apesar do mais citado, publicado em 2005, ter acumulado

citações ao longo do tempo, o segundo mais referenciado, de 2017, tem média de 25,5

citações anual, número que supera o dobro da média anual do primeiro, de 12,21.

A busca por respostas, certezas ou verdades organiza a comunidade científica,

“unidade produtora e legitimadora do conhecimento” (KUHN apud HOCHMAN, 1994, p.

4), em um processo de investigação contínua e resultados provisórios, que faz da

ciência uma “instituição social, dinâmica, contínua e cumulativa” (TARGINO, 2000, p.

2). Essa busca pelo conhecimento, segundo Morin (2010), nunca chega à plenitude,

pois se constrói, sempre, na limitação e na relatividade. Nesse percurso, a bibliometria

pode oferecer dados relevantes, como a indicação de tendências de estudo ou

comportamento de determinado campo, a avaliação do impacto de publicações,

pesquisadores e fontes, e a relação entre disciplinas e áreas do conhecimento.

Entretanto, é fundamental considerar as insuficiências de cada ferramenta.

Considerações

Segundo Costa et al (2005), as bases de dados bibliométricas divergem quanto

aos conteúdos que indexam, à cobertura de tipologia de documento, temática, tempo,

localidade e idioma. Também há predomínio de trabalho da área das ciências e

tecnologias em relação às artes e humanidades. Já Wouters et al (2015) destacam que

os índices de citação cobrem principalmente periódicos de língua inglesa, com pouca

cobertura de livros e publicações de conferências.

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Os resultados demonstraram crescimento exponencial de investigações

durante o período de 2017 e 2018. Também revelaram a predominância de trabalhos

na área da Comunicação e a preeminência de publicações nos Estados Unidos. Esse

estudo métrico suscitou reflexões sobre a hegemonia de publicações em língua inglesa:

a produção de outros países é menor ou menos inserida?

Referências

BERNAL, J.D. The Social Function of Science. Londres: George Routledge & Sons Ltd., 1939.

COLLINS DICTIONARY. Disponível em: <https://www.collinsdictionary.com/pt/woty>. Acesso em: 27 jul. 2018.

COSTA, T. et al. A Bibliometria e a Avaliação da Produção Científica: indicadores e ferramentas. Lisboa: Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, out., 2012.

HOCHMAN, G. A ciência entre a Comunidade e o Mercado: leituras de Kuhn, Bourdieu, Latour e Knorr-Cetina. In: PORTOCARRERO, V. (Org). Filosofia, história e sociologia das ciências I: abordagens contemporâneas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1994.

LOPES, S. et al. A bibliometria e a avaliação da produção científica: indicadores e ferramentas. In: CONGRESSO NACIONAL DE BIBLIOTECÁRIOS, ARQUIVISTAS E DOCUMENTALISTAS, 11, 2012. Disponível em: <http://www.bad.pt/publicacoes/index.php/congressosbad/issue/view/10>. Acesso em: 28 jul. 2018.

MERTON, R.K. The Matthew Effect in Science, II - Cumulative Advantage and the Symbolism of Intellectual Property. Chicago: The University of Chicago Press, 1988.

MORIN, Edgar. O Método 3. Porto Alegre: Sulina, 2010.

ROUSSEAU, R. Indicadores bibliométricos e econométricos para avaliação de instituições científicas. Ciência da Informação, Brasília, v. 27, n. 2, p. 149-158, maio/ago, 1998.

TARGINO, M. G. Comunicação científica: uma revisão de seus elementos básicos. Informação e Sociedade: João Pessoa, v. 10, n. 2, p. 37-85, 2000.

WOUTERS, P. et al. The Metric Tide: Literature Review (Supplementary Report I to the Independent Review of the Role of Metrics in Research Assessment and Management). Londres: HEFCE, 2015

Apêndices

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Figura 1 – Número de trabalhos com o termo fake news por ano de publicação.

Fonte: Web of Science (2018).

Figura 2 – Registros por área de conhecimento.

Fonte: Web of Science (2018).

Figura 3 – Registros por área geográfica.

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Fonte: Web of Science (2018).

Figura 4 – Número de citações por ano.

Fonte: Web of Science (2018).

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PRÁTICAS DE AGRADECIMENTO NA CIÊNCIA BRASILEIRA: INDICADORES DE COLABORAÇÃO

Gonzalo Rubén Alvarez1 - UFRGS

Palavras-chave

Agradecimentos. Colaboração Científica. Subautoria. Ciência Brasileira.

Bibliometria.

No âmbito dos estudos bibliométricos, a tendência crescente nas taxas de

coautoria na ciência brasileira no decorrer da última década, observada por Adams e

King (2009) e Vanz e Stumpf (2012), é um retrato da importância e da evolução da

colaboração na pesquisa científica nacional.

Na visão clássica, a colaboração científica é um processo social que tende a

começar dentro dos colégios invisíveis, através da comunicação informal (encontros,

eventos, seminários, conferências etc.) entre pesquisadores (KATZ, 1994). A eficiência

da comunicação e a troca de ideias e experiências científicas entre os membros desses

colégios invisíveis podem definir, na maior parte dos casos, o rumo e a estratégia das

pesquisas em andamento (SOLLA PRICE; BEAVER, 1966).

A colaboração científica pode ser definida como um processo de interação

entre dois ou mais cientistas dentro de um espaço social determinado, que permite a

distribuição e o intercâmbio de tarefas com a finalidade de alcançar um objetivo

previamente estabelecido (KATZ; MARTIN, 1997), envolvendo “[...] o empréstimo de

capital material ou intelectual, sob a forma de instrumentos, técnica, espaço e

credibilidade.” (VANZ; STUMPF, 2010, p. 45). Pode-se afirmar que a colaboração

científica como prática social é sustentada pelo trabalho em conjunto entre indivíduos

na busca de um mesmo objetivo e pelo compartilhamento de conhecimentos.

Entretanto, a colaboração nem sempre é facilmente alcançada e nem sempre é garantia

de sucesso, embora a natureza da pesquisa científica exija, frequentemente, a

cooperação e a partilha de ideias, recursos e responsabilidades.

1 Doutorando no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Informação, Redes Sociais e Tecnologias, Orientado pela Profa. Dra. Sônia Elisa Caregnato. E-mail para contato: [email protected]

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Embora a coautoria seja um indicador eficiente de medição, Melin e Persson

(1996) destacam algumas limitações do mesmo a serem consideradas na avaliação da

colaboração científica. Os autores enfatizam que o simples computo do número de

publicações em coautoria não proporciona uma ideia completa acerca da qualidade da

colaboração, ao mesmo tempo em que se corre o risco de negligenciar outros efeitos

da prática colaborativa. Katz e Martin (1997) identificaram vários casos de colaboração

entre pesquisadores que não terminaram com a publicação de um documento escrito

de maneira conjunta, ressaltando que a coautoria não passa de um indicador parcial.

Laudel (2002) comprovou que quase a metade das colaborações na ciência é

despercebida pelos indicadores bibliométricos tradicionais de coautoria visto que elas

não foram recompensadas com a publicação em um canal formal de comunicação. A

partir de uma amostra de cientistas entrevistados, a pesquisa também mostrou que

cerca de 1/3 das colaborações são recompensadas apenas por agradecimentos. Devido

à maior presença em artigos de periódicos, tal como observada em vários estudos, os

textos de agradecimento inseridos pelos autores, como medida de colaboração de

“subautoria” (PATEL, 1973; HEFFNER, 1981), se tornam uma fonte de informação

confiável, quando utilizados conjuntamente com outras medidas de interdependência e

interação acadêmica, para desvelar tendências e avaliar “aspectos invisíveis” das

colaborações na pesquisa científica.

Na teoria de Subramanyam (1983), a colaboração na pesquisa científica pode

assumir muitas formas de atividade que vão desde a simples oferta de conselhos e

opiniões informais até a ativa e sustentada participação e contribuição de recursos

físicos e intelectuais. Além da colaboração em nível de autoria, no entanto, Heffner

(1981) esclarece que a pesquisa coletiva frequentemente envolve as contribuições de

outros que são mencionados apenas na seção de agradecimentos de um artigo. Na

percepção de Patel (1973), tais categorias de assistentes ou “subautores”’ se referem a

qualquer pessoa que tenha proporcionado apoio suficientemente substancial durante a

realização da investigação, a ponto de ser reconhecido pelos autores. A intensificação

da colaboração na pesquisa científica acompanha o crescimento das coautorias e

subautorias, indicando que, pelo menos, existe uma correlação positiva entre essas

variáveis ao nível dos atores individuais (GLÄNZEL; SCHUBERT, 2004).

Durante algumas décadas, os agradecimentos, no contexto dos estudos

bibliométricos, foram um assunto relativamente negligenciado em virtude da dificuldade

para coletar informações (CRONIN; SHAW; LA BARRE, 2003). Desde 2008, entretanto,

observa-se um importante crescimento do número de investigações desenvolvidas,

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provavelmente, como consequência do exaustivo e sistemático processamento de

dados sobre agradecimentos presentes em artigos científicos de revistas indexadas por

bases bibliográficas como, por exemplo, a Web of Science (WoS) (PAUL-HUS et al,

2015), oferecendo novas possibilidades para explorar facetas ‘ocultas’ da investigação

colaborativa.

As primeiras pesquisas bibliométricas sobre agradecimentos como indicadores

de “subautoria” focaram-se em análises de frequência e prevalência do tipo de apoio

agradecido, sendo agora necessária, conjuntamente, a realização de pesquisas

qualitativas baseadas em depoimentos para distinguir padrões e concentrações que

capturam as intenções e motivações (profissionais, acadêmicas, sociais) dos autores

das publicações científicas para agradecer a assistência e contribuições recebidas de

pares e outros atores durante o processo de produção de conhecimento.

Os agradecimentos são aspectos inerentes à comunicação e colaboração no

processo de produção do conhecimento científico, capazes de capturar importantes

contribuições de pesquisadores que não adquiriram o status de coautor, mas que sem

as quais, o desenvolvimento do trabalho investigativo teria sido inviável (ROA-

ATKINSON; VELHO, 2005). Outros especialistas como Paul-Hus et al (2015) percebem

os agradecimentos como uma das muitas convenções pelas quais os cientistas

demonstram sua gratidão para aqueles indivíduos, organizações ou agências de

fomento à pesquisa que desempenharam um papel importante no trabalho que terminou

em publicação. Para Cronin e Weaver (1995), os agradecimentos são atos voluntários

de caráter endêmico regidos, da mesma maneira que as citações, por um código

implícito de conduta profissional. Em decorrência disso, muitos autores escolhem

agradecer de maneira formal as contribuições que eles têm recebido de colegas e

outros.

Agradecimentos, tratados aqui como indicadores de influência intelectual

(CRONIN, 1991), podem ser realizados por diversas razões na visão de Díaz-Faes e

Bordons (2014). Entretanto, eles são, na maioria das vezes, expressões de

reconhecimento dos pesquisadores no que se refere aos diferentes tipos de apoio

(moral, editorial, técnico/instrumental, conceitual) recebidos dos subautores, ou seja,

daqueles que não adquiriram o status de autor em uma publicação.

Portanto, partindo da afirmação de que os agradecimentos presentes em

artigos científicos são uma fonte de informação confiável em estudos bibliométricos,

quando utilizados conjuntamente com indicadores de coautoria, para desvelar aspectos

invisíveis das colaborações e conexões sociocognitivas dentro e entre comunidades de

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discurso acadêmico, apresenta-se como problema de pesquisa a seguinte questão:

Como as práticas de agradecimento identificadas nos artigos brasileiros de 2009-2016

indexados na WoS refletem a colaboração científica e as motivações dos

pesquisadores/autores para agradecer o apoio recebido?

Mediante indicadores bibliométricos, a pesquisa, de caráter quali-quantitativo,

analisa padrões de “subautoria” em diferentes disciplinas/areas da ciência brasileira,

observando particularmente as publicações com agradecimentos de natureza “não

financeira”. Ao mesmo tempo, o estudo analisa, mediante entrevistas pessoais, as

motivações (individuais, acadêmicas, profissionais) dos pesquisadores/autores

brasileiros que incentivam a declaração formal de agradecimentos na investigação

científica.

Referências

ADAMS, J.; KING, C. Global Research Report: Brazil. Research and collaboration in the new geography of science. Leeds: Thomson Reuters, 2009.

CRONIN, B. Let the credits roll: a preliminary examination of the role played by mentors and trusted assessors in disciplinary formation. Journal of Documentation, v. 47, n. 3, p. 227-239, 1991.

CRONIN, B.; WEAVER, S. The praxis of acknowledgement: from bibliometrics to influmetrics. Revista Española de Documentación Científica, v. 18, n. 2, p. 172-177, 1995.

CRONIN, B.; SHAW, D.; LA BARRE, K. A cast of thousands: co-authorship and sub-authorship collaboration in the twentieth century as manifested in the scholarly journal literature of Psychology and Philosophy. Journal of the Association for Information Science and Technology, v. 54, n. 9, p. 855-871, jul. 2003.

DÍAZ-FAES, A. A.; BORDONS, M. Acknowledgments in scientific publications: presence in Spanish science and text patterns across disciplines. Journal of the Association for Information Science and Technology, v. 65, n. 9, p. 1834-1849, 2014.

GLÄNZEL, W.; SCHUBERT, A. Analyzing scientific networks through coauthorship. In: MOED, H. F.; GLÄNZEL, W.; SCHMOCH, U. Handbook of quantitative science and technology research. Netherlands: Kluwer Academic, 2004. p. 257-276

HEFFNER, A. Funded research, multiple authorship, and subauthorship collaboration in four disciplines. Scientometrics, Amsterdam, v. 3, n. 1, p. 5-12, 1981.

KATZ, J. S. Geographical proximity and scientific collaboration. Scientometrics, Amsterdam, v. 31, n. 1, p. 31-43, 1994.

KATZ, J. S.; MARTIN, B. R. What is research collaboration? Research Policy, Amsterdam, n. 26, p. 1-18, 1997.

LAUDEL, G. What do we measure by co-authorships? Research Evaluation, v. 11, n. 1, p. 3-15, 2002.

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MELIN, G.; PERSSON, O. Studying research collaboration using coauthorships. Scientometrics, Amsterdam, v. 36, n. 3, p. 363-377, 1996.

PATEL, N. Collaboration in the professional growth of American Sociology. Social Science Information, v. 12, n. 6, p. 77-92, 1973.

PAUL-HUS, A. et al. Acknowledgment research genealogy for today’s quantified academia. In: ANNUAL CONFERENCE OF THE CANADIAN ASSOCIATION FOR INFORMATION SCIENCE, 43., 2015, Ottawa. Proceedings… Ottawa: CAIS, 2015.

ROA-ATKINSON, A.; VELHO, L. Interactions in knowledge production: a comparative case study of immunology research groups in Colombia and Brazil. Aslib Proceedings: New Information Perspectives, v. 57, n. 3, p. 200-216, 2005.

SOLLA PRICE, D. J. de; BEAVER, D. de B. Collaboration in an invisible college. American Psychologist, Washington, v. 21, p. 1011-1018, 1966.

SUBRAMANYAM, K. Bibliometric studies of research collaboration: a review. Journal of Information Science, v. 6, p. 33-38, 1983.

VANZ, S. A. de S; STUMPF, I. R. C. Colaboração científica: revisão teórico conceitual. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v.15, n.2, p.42-55, maio/ago. 2010.

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IDENTIFICAÇÃO E MAPEAMENTO DE

PÚBLICOS PARA INICIATIVAS

BRASILEIRAS DE ARQUIVAMENTO DA

WEB NO ÂMBITO ACADÊMICO

Marina Rodrigues Martins1 - UFRGS

Palavras-chave

Identificação de públicos. Mapeamento de públicos. Relações Públicas.

Arquivamento da Web. Públicos organizacionais.

A pesquisa a que se refere este resumo se encaixa na razão de ordem

intelectual uma vez que é motivada pela investigação pura, pelo desejo de conhecer

para aprender. Ela busca descrever o contexto do fenômeno conhecido por

arquivamento da web e o micro ambiente relacional de iniciativas implantadas por

organizações universitárias no exterior, tendo como objetos de observação a Columbia

University e a Harvard University. Todavia, também se enquadra na razão de ordem

prática, pois anseia estudar o fenômeno, a fim de premeditar a possível rede de

relacionamentos para implantar este tipo de iniciativa no Brasil, de maneira mais

eficiente e eficaz (GIL, 2002). O estudo tem como campo de projeção o micro ambiente

relacional da estrutura organizacional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

(UFRGS).

À vista disso o problema de pesquisa discorre sobre “Como se configura a

potencial rede de públicos estratégicos para organizações públicas federais brasileiras

de ensino superior, visando promover iniciativas de arquivamento da web no âmbito

acadêmico?” Trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva voltada a identificar e

mapear os públicos que dão origem às iniciativas, consequentemente criam parte das

coleções e podem vir a ser potenciais usuários desta rede de memória web. Para

embasamento teórico sobre arquivamento da web são referenciados os autores

Masanès (2006); Gomes et al (2011); International Standard Organization (2012); Costa

et al (2017) e Rockembach (2018). Na parte de públicos em Relações Públicas Steffen

(2008), França (2003; 2009; 2012) e Fortes (2003). Sobre estrutura organizacional de

1 Mestranda no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Informação, Redes Sociais e Tecnologias, Orientada pelo Prof. Dr. Moisés Rockembach. E-mail para contato: [email protected]

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universidades públicas federais brasileiras Drucker (1977); Maximiano (1985); Rocha

(1985); Vasconcellos (1986); Stoner (1995) e Machado (1998). Como orientadores

metodológicos, Gil (2002), Bardin (2004), Moreira; Júnior; Stumpf (2008) e França

(2012).

O arquivamento da web é um processo que coleta dados disponibilizados via

Rede Mundial de Computadores (em inglês: World Wide Web) visando formar uma

memória, e assim possibilitar o acesso desta aos usuários interessados

(ROCKEMBACH, 2018). A captura destes dados depende de políticas, objetivos, metas

e tecnologias de cada organização que o implanta. Pode ser extensiva, arquivando

maior quantidade de websites num nível superficial de coleta e preservação de links

navegáveis. Ou intensiva, capturando em menor escala, mas em maior profundidade de

navegação (MASANÈS, 2006). A captura também é classificada por perfil de conteúdo,

por exemplo, nas esferas acadêmico-científica, institucional, nacional, por

regiões/continentes, por fatos, entre outros (GOMES et al, 2011).

Atualmente, se tornou atividade comercial de empresas no exterior, sendo

prioritariamente desenvolvida por organizações não governamentais e públicas

(INTERNATIONAL STANDARD ORGANIZATION, 2012). Muitos estabelecimentos de

ensino já atuam, a fim de preservar o conhecimento científico digital produzido no âmbito

universitário (FERREIRA et al, 2018). É importante compreender que a tecnologia e as

políticas são desenvolvidas por organizações e estas formadas por pessoas que

trabalham e são orientadas para atingir um objetivo em comum (CHIAVENATO, 2003).

Estas pessoas são entendidas como públicos/grupos de influência que podem interferir

de modo positivo ou negativo nas iniciativas, impactando nas missões e visões das

organizações (SIMÕES, 2001; FRANÇA, 2012).

A partir deste entendimento o processo investigativo ocorre em três etapas e

se configura como desafio. O problema versa sobre públicos e a metodologia não

abrange aplicar técnicas de coleta que visam descobrir expectativas e anseios destes

atores. Isso não é algo ortodoxo nos conhecidos métodos adotados para investigar

organizações e seus públicos. Porém, o contexto de novidade do tema na perspectiva

brasileira e o tempo para a realização do estudo exigiu adaptação metodológica, não

limitando a ambição de descobrir sobre o problema em questão.

Assim sendo a observação se desenvolve por meio de pesquisa bibliográfica

para fundamentação teórica e subsídio informativo sobre o micro ambiente relacional

dos objetos observados. Ela conta com materiais de livros, artigos e informações

veiculadas por meio eletrônico. A pesquisa documental também é empregada, tendo

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como fontes os websites oficiais da Columbia University, da Harvard University e da

UFRGS (GIL, 2002).

A primeira etapa teve como objetivo entender o contexto de arquivamento da

web; processo; iniciativas, políticas/tecnologias e estudos relacionando às temáticas do

problema. A verificação foi realizada na Scopus, Web of Science, Google Scholar e

SciELO Citation Index. A escolha das bases se deu por serem os maiores bancos de

dados de publicações acadêmicas nas áreas de Ciências Sociais, Artes, Humanidades

e Tecnologia. O Google Scholar foi contemplado, pois utiliza analisadores léxicos e

sintáticos para identificar as publicações relacionadas com a busca solicitada,

oferecendo resultados satisfatórios (PIGNATARI, [201-]).

O foco foram os artigos publicados entre os anos de 2010 a 2017, com a

finalidade de levantar as publicações mais recentes sobre os assuntos. As palavras-

chave são escolhidas a partir de: 1) temas centrais - arquivamento da web, públicos e

organizações; 2) a partir dos resultados e das leituras, termos vêm sendo identificados

e agregados na intenção de melhorar as buscas. As expressões são buscadas em inglês

devido à transnacionalidade e emergência do tema de arquivamento da rede no Brasil.

O resultado do mapeamento que cruzou os conceitos centrais demonstra que até o

momento (set/2018) não existem publicações relacionando as temáticas. Acredita-se

que por ser um assunto novo no país e talvez por não existir conexão de autores da

área de Relações Públicas ligados ao arquivamento da web e às organizações que

promovem a tecnologia.

A segunda etapa recai sobre a Columbia University e a Harvard University e

suas iniciativas. Consiste na coleta de dados disponibilizados de modo aberto nos

respectivos websites. A escolha destas organizações se deu a partir do fato de serem

membros do Consórcio Internacional de Preservação da Internet (IIPC) e fazerem parte

da lista das 42 iniciativas citadas pelos autores Gomes et al (2011) em survey realizada

em 2010. Observam-se informações referentes: a) organizações: classificação

(universidade pública/privada), missão, visão, governança e estrutura; b) iniciativas:

missão e visão (se identificado), coleções, descrição, direitos autorais, tempo de

arquivamento, assuntos, quem coleta, categoria do URL (se interno e/ou externo aos

ambientes digitais da universidade - indicando interesse pelos domínios).

Os públicos estratégicos são reconhecidos a partir da Conceituação Lógica da

Identificação e Mapeamento dos Públicos (IMP), de França (2012).

Figura 1: Rede de Públicos - Conceituação Lógica

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Fonte: FRANÇA, p. 252 (2009).

Categoria 1 - Essenciais: o cerne do relacionamento, indispensável para a

existência e atividade-fim da organização e da iniciativa. Dividem-se em Constitutivos,

os quais promovem a iniciativa e Não constitutivos ou de sustentação, os quais mantêm

a produtividade e colaboram para as atividades-fim. Estes dois se segmentam em

primários (maior grau de dependência) - e secundários (viabilizam-na em menor grau

de dependência).

Categoria 2 - Não essenciais: redes de interesse específico que possuem maior

ou menor grau de participação na organização e se envolvem apenas nas atividades-

meio.

Categoria 3 - Redes de Interferência: geralmente ligados à concorrência (para

instituições públicas abrange entidades congêneres - semelhantes) que atuam com os

mesmos objetivos e características. Como também a Redes de comunicação de massa

(impressa, eletrônica e digital) que podem interferir na opinião pública e possuem alto

risco relacional; ativistas e ideológicas: estruturadas nacional e internacionalmente, que

atingem a opinião pública para defender diferentes causas. Nesta categoria ainda

podem ser identificados grupos de pressão e redes digitais, que se formam em situações

especiais de crises por motivos econômicos, sociais, legais e outros. Os públicos

originados nesta categoria não constituem e nem mantêm a iniciativa, porém interferem

no desenvolvimento e na sobrevivência dos negócios.

O passo a passo da IMP se baseia nos seguintes indicadores (FRANÇA, 2012):

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● Tipo de relação: administrativa, operacional, parceria total, negócios, social,

político (caso alguma mais seja percebida, será incluída);

● Nível de envolvimento: frequente, permanente, ocasional, sazonal ou nenhum;

● Classificação do público: conforme uma ou mais, dentro das três categorias

citadas;

● Critérios de relacionamento que originam os públicos e suas categorias: I. Grau

de dependência jurídica ou situacional da organização perante seus públicos; II.

Maior ou menor Grau de participação dos públicos nos negócios da organização,

na defesa de seus interesses e na sua promoção institucional; III. Grau de

interferência que determinado público pode exercer sobre a organização e suas

atividades.

A terceira etapa disserta sobre a estrutura organizacional da UFRGS, a fim de

projetar o potencial micro ambiente relacional para uma iniciativa de arquivamento da

web no contexto acadêmico brasileiro. Esta fase tem como foco o Estatuto e o

Regimento Geral da Universidade (1995-1996) e o website http://www.ufrgs.br/propg,

visando coletar subsídios que vão ao encontro dos coletados nos objetos observados

para estabelecer padrões e realizar análises de conteúdo e documental. É importante

ressaltar que os objetos observados se tratam de universidades privadas e a projeção

se dará numa estrutura organizacional pública federal, o que pode apresentar uma

perspectiva diferenciada de micro ambiente relacional.

Referências

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GT

COMUNICAÇÃO E INSTITUIÇÕES

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COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E (IN)SUSTENTABILIDADE NO DISCURSO DA DIVERSIDADE: LEITURAS POSSÍVEIS A PARTIR DOS SENTIDOS POSTOS EM CIRCULAÇÃO PELAS TRÊS MAIORES EMPRESAS DO SEGMENTO DE BELEZA BRASILEIRAS

Bruno Cassio Lopes Ferreira1 - UFRGS

Palavras-chave

Comunicação Organizacional. Diversidades. Gênero.

Este é um recorte de um projeto em desenvolvimento, por isso aqui

apresentamos dados iniciais que contribuem para a compreensão de panorama geral e

dos desafios do trabalho. A diversidade nas organizações não está relacionada apenas

na inclusão de pessoas com deficiência física. Com o avanço da globalização

econômica, ela se tornou algo mais amplo. Essa complexidade nos permite identificar

esse fenômeno como sendo o das diversidades, no plural, e que pode ser compreendido

como uma forma de potencializar as organizações nos seus propósitos. De acordo com

Cox (1991), o aumento dessas diversidades influencia positivamente a presença da

criatividade e inovação. Ao analisarmos as organizações devemos compreender esses

sinais, identificando quais os valores que a presença dessa característica pode agregar

ao ambiente organizacional. Neste trabalho analisaremos as mensagens oficiais das

instituições Avon, O Boticário e Natura, limitando a análise na compreensão da

utilização da diversidade de gênero através dos seus materiais de comunicação.

As mensagens oficiais das organizações possuem um papel fundamental na

divulgação das iniciativas de inclusão das diversidades, principalmente no que se refere

na percepção dos seus públicos. Ao adotar um posicionamento sobre uma determinada

temática, as organizações podem despertar a curiosidade dos seus interlocutores sobre

1 Mestrando no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Mediações e Representações Culturais e Políticas, Orientado pelo Prof. Dr. Rudimar Baldissera. Pós-graduando em Inteligência Competitiva e de Mercado da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Relações Públicas, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail para contato: [email protected]

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a propriedade com que ela é trabalhada em outros âmbitos organizacionais. A

conferência dessas informações ou dados, nos tempos atuais, é facilitada em virtude do

acesso a grandes banco de dados e informações através da internet, que, segundo o

IBGE (2015), está presente em mais de 50% dos domicílios brasileiros.

Os interlocutores não interagem apenas com os produtos, mas sim com as

marcas e seus discursos. Por isso, segundo Ries (2002), é necessária a criação de

marcas através da utilização de estratégias de posicionamento. A coerência entre as

mensagens e os discursos também se torna fundamental, até porque há pouco tempo

os indivíduos eram limitados pelas referências culturais dos locais onde estavam

inseridos (THOMPSON, 1998). Desta forma a identidade nacional, ou regional, era a

maior referência de cultura dessas pessoas e eram refletidas em seus costumes ou

hábitos locais. Segundo Bakhtin (1979) é o exterior (a cultura, a sociedade, o mundo)

que organiza o interior (os discursos). E com as organizações não é diferente. A

diversidade, considerando todas as suas evidências em pesquisas ou campanhas de

comunicação nos sinaliza que a coerência entre discurso e práticas organizacionais

deva ser analisada.

Interlocutores mais bem informados e críticos sobre determinados assuntos

são frutos de uma sociedade com inúmeras mensagens diariamente. Isso corrobora

para a percepção de uma “sobrecarga simbólica” (THOMPSON, 1998, p. 186) existente

pela ampla variedade de canais de comunicações utilizados atualmente.

Segundo Baldissera (2009), podemos pensar a comunicação organizacional

sob três dimensões, que são: a “organização comunicada”, a “organização

comunicante” e a “organização falada”. A “organização comunicada” se refere a todas

as falas oficiais de uma organização, formal e informal; a “organização comunicante”,

que analisa, além da fala autorizada, todas as relações dos sujeitos com a empresa2; e

a “organização falada”, que considera todos os tipos de comunicação que são realizados

de forma indireta, como em reuniões ou publicações nas redes sociais que tenham a

organização como referente, porém sem vínculo direto com a mesma. Essas

conceituações visam trazer uma ideia geral do que de fato é trabalhado pelo autor que,

possui em suas reflexões originais, análises mais complexas.

2 Embora saibamos que o termo organizações e empresas possuam diferenças conceituais, utilizamos ambos como sinônimos no decorrer do texto.

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Optamos por trabalhar com a dimensão da “organização comunicada”. Como

corpus de análise utilizaremos as campanhas de comunicação e as informações

encontradas nos portais institucionais e que são de domínio público das empresas

selecionadas para esta pesquisa, essencialmente os que tiverem alguma relação com

a diversidade de gênero no seu conteúdo. A dimensão da “organização comunicada”

consiste em

[...] toda a comunicação formal da organização, a fala autorizada, aquilo que é selecionado como merecedor de divulgação visando retornos de imagem-conceito, de capital simbólico, de legitimidade, de capital financeiro etc. Sendo assim, propagandas institucionais, comunicados oficiais por parte das lideranças organizacionais, todo o tipo de comunicação formal realizada pela organização está contemplada nessa dimensão [...]. (BALDISSERA, 2010, p. 6).

Nesse momento há uma busca pela identificação das variáveis e caminhos

possíveis para a realização do estudo para compreender como a diversidade de gênero

é percebida e trabalhada em organizações que usam a temática nas suas falas oficiais.

Tendo em vista os desafios explicitados anteriormente, a presente investigação tem

como objetivos: Refletir sobre a (in)sustentabilidade da noção de diversidade de gênero

adotada pelas maiores organizações brasileiras do segmento de produtos de beleza; e

Compreender os encontros e desencontros entre o que é visibilizado nos materiais das

campanhas de promoção de marca/posicionamentos e outras manifestações

comunicacionais ‘oficiais’ dentro das organizações.

Quanto à abordagem, trata-se de uma pesquisa qualitativa. Propomos a análise

das campanhas de comunicação e portais institucionais das empresas Avon, O Boticário

e Natura. Para que houvesse uma igualdade sobre natureza de atuação, eliminamos as

empresas que possuíam um portfólio de produtos para além do segmento analisado,

que foram os casos da Unilever e P&G. Dessa forma, para o presente trabalho

analisaremos as três organizações que trabalham exclusivamente com produtos de

beleza/cuidados pessoas.

Em relação aos procedimentos metodológicos, inicialmente faremos uma

pesquisa documental que, segundo Moreira (2009), é exploratória em sua essência e

contribui para a identificação e contextualização de fatos, situações ou momentos

específicos que contribuam para uma análise mais acurada dos materiais utilizados para

esta investigação. Para um recorte de pesquisa, selecionamos o período entre 2012 e

2017 para a coleta destas peças de comunicação oficial. Após a consolidação dos dados

e organização da amostra, utilizaremos o processo de análise de conteúdo para

interpretar as informações levantadas na primeira etapa. Pelo levantamento que

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realizamos e pelo acompanhamento de estudos na área da comunicação

organizacional, compreendemos que é um tema ainda pouco estudado, com pesquisas

incipientes.

Qualquer novo estudo nos leva ao desenvolvimento de conhecimento,

análises, reflexões e impacto no mundo atual. Quando nos propomos investigar a

diversidade de gênero nos materiais oficiais de comunicação das organizações do

segmento produtos de beleza/cuidados pessoais, entendemos que esta análise pode

contribuir para a percepção da diversidade que, segundo Lopez-Rocha (2005; 2006), é

o resultado da integração de diferentes experiências culturais em um mesmo sistema

social que deveria ser usado tanto no nível pessoal quanto no nível organizacional.

Perpassar pelas documentações a serem levantadas por esse projeto de

pesquisa e contribuir para a discussão de assuntos relevantes para a sociedade nos

incentiva e motiva a encarar este desafio como uma oportunidade acadêmica, mas para

além disso, uma perspectiva de compreender os diálogos diretos e indiretos que existem

na sociedade contemporânea sobre a diversidade de gênero nas organizações.

Referências

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1979.

BALDISSERA, Rudimar. Comunicação organizacional da perspectiva da complexidade. Organicom (USP), v.10-11, pp.115-120, 2009.

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LOPEZ-ROCHA, Sandra. Diversity in the workplace: issues, strategies, and perspectives. International Journal of the Diversity, v. 5, n. 5, p. 11-18, 2005/2006

MOREIRA, Sonia. Análise documental como método e como técnica. In: BARROS, Antonio; DUARTE, Jorge (Orgs). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. Sâo Paulo: Atlas, 2009

RIES, A.;TROUT, J. Posicionamento: a batalha por sua mente. São Paulo : Makron Books, 2002.

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THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Editora Vozes, 1998.

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SEGREDO E COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL: SOBRE GESTÃO DA INFORMAÇÃO E DA (IN)VISIBILIDADE

Bruno Vinhola1 - UFRGS

Palavras-chave

Comunicação organizacional. Segredo. Invisibilidade. Informação.

Ao longo do tempo, muitas organizações constituíram-se em “zonas de

sombra”, aperfeiçoando modos de ser conformados pelo segredo e pela invisibilidade.

Bobbio (2015) nos dá alguns exemplos, como o segredo comercial, relacionado à

superioridade de um saber especializado inacessível à concorrência, ou o segredo

oficial, invenção específica da organização burocrática. Ambos, segundo o autor, como

todo e qualquer segredo, tem a ver com um poder invisível.

Para Bobbio (2015), esse poder secreto e invisível contempla técnicas.

Algumas flertam com a ilicitude, outras não, dependendo de como esse poder se

relaciona com o poder visível. Procurar a invisibilidade para tomar decisões; mascarar-

se quando obrigado a uma apresentação pública; ocultar-se usando de linguagem

compreensível apenas aos que integram o círculo. Todas são técnicas do poder secreto

que, segundo o autor, tem a ver com uma questão maior e estratégica para as

organizações: a prudência nas relações políticas.

A Maçonaria está entre as organizações que mais se destacam no que se

refere a formas de vida social conformadas pelo segredo e pela invisibilidade. No senso

comum, os maçons são historicamente conhecidos por não revelarem seu

pertencimento à Ordem em público, por identificarem-se a partir de sinais dominados

apenas por iniciados, por reunirem-se em locais restritos. Contudo, irrompem alguns

indícios de uma espécie de abertura por parte da organização, em que a regulação da

(in)visibilidade parece se afastar do secreto, aproximando-se de um carater “discreto” e,

por vezes, até mesmo flertando com a alta exposição, como na Figura 1:

1 Doutorando no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Linha Mediações e Representações Culturais e Políticas. Orientado pelo Prof. Dr. Rudimar Baldissera. E-mail: [email protected].

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Figura 1 – Site do Grande Oriente do Brasil

Fonte: Grande Oriente do Brasil (2018)

A Figura 1 é um fragmento do site do Grande Oriente do Brasil, uma espécie

de associação de Lojas Maçônicas regulares2. A pagina “Como eu posso me tornar

maçom”, em destaque, deriva do menu principal e culmina em um botão de registro de

interesse, que encaminha a um formulário de preenchimento de dados aos interessados

em se tornarem novos iniciados. Imagens como a Figura 1 provocam inquietações sobre

o porquê de um regime historicamente fechado adotar essa iniciativa de abertura,

aventurando-se para além do espaço de invisibilidade.

Para Baldissera (2017), a visibilidade ampliada é uma das características

“conformadas pela” e “conformadoras da” sociedade contemporânea, podendo ser

considerada tanto uma potência quanto uma fragilidade. O autor chama atenção para

uma naturalização do “estar conectado”, do “estar visível” e do “dizer de si”, que

redimensiona valores, crenças, padrões culturais e imaginários. Nesse sentido, há uma

década Thompson (2008) já salientava que a sofisticação da comunicação mediática

conferia uma importante transformação no regime societário de visibilidade: a liberdade

em relação às amarras espaço-temporais do aqui e agora. Para ele, o campo da visão

foi dilatado e passou a respeitar outros limites, peculiares aos fatores sociotécnicos de

cada (nova) mídia.

O atual regime de visibilidade, segundo Thompson (2008), permitiu o despontar

de uma sociedade da autopromoção. Nesse novo modo de ser, é natural revelar

aspectos de si e da vida pessoal a públicos distantes, o que fortalece o que o autor

2 A Maçonaria define-se como uma sociedade fraternal, filosófica e iniciática. De caráter universal, os iniciados estruturam-se nas chamadas Lojas, que são as subunidades fundamentais da organização. A Loja é uma comunidade de encontros regulares e que possui certa autonomia. As chamadas Potências ou Obediências são os “órgãos reguladores”, que agrupam certo número de Lojas e verificam se os trabalhos das mesmas estão em conformidade com a principiologia da ordem. As Potências são conhecidas pela denominação de Grande Oriente ou Grande Loja. No contexto brasileiro, há três Potências reconhecidas pela chamada Maçonaria Regular: o Grande Oriente do Brasil, a Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil e a Confederação Maçônica do Brasil.

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denomina de um outro tipo de intimidade mediada. A necessidade de visibilização da

imagem própria, para Bruno (2004), tem a ver com a constituição de uma subjetividade

exteriorizada. Para ela, não se trata da exteriorização de uma interioridade constituída,

mas de uma subjetividade que se constitui prioritariamente no ato de se fazer visível.

As organizações habitam esse regime de visibilidade ampliada, constituídas

por indivíduos que estão em avançado processo de naturalização das lógicas do “estar

conectado”, do “estar visível” e do “dizer de si”. Dessa forma, assumir as organizações

como construções sociais entre subjetividades implica reconhecer que tais lógicas são

naturalmente conduzidas aos processos de comunicação no âmbito das organizações.

Como na Figura 2, uma postagem da página do Facebook do Grande Oriente do Brasil,

que faz referência à comemoração do aniversário de fundação de uma de suas Lojas

filiadas. Mais uma imagem que o senso comum não está acostumado a observar:

maçons paramentados assumindo publicamente seu pertencimento à Ordem.

Figura 2 – Página do Facebook do Grande Oriente do Brasil

Fonte: Grande Oriente do Brasil (2018)

A capacidade de domínio das técnicas e lógicas das novas mídias

comunicacionais confere aos indivíduos maior competência e probabilidade para

interferirem nos processos comunicativos das organizações. Baldissera (2014) lembra

que cada sujeito é atravessado por diferentes formações culturais e objetivos de vida,

que podem ser distantes ou até contrários aos organizacionais. Dessa forma, as

experimentações comunicativas desses atores perturbam e (re)dinamizam os

processos de visibilidade organizacional, através de seu potencial desviante.

Voltando à Figura 2, ela parece revelar certo afinamento entre a Potência, sua

Loja afiliada e seus membros no que se refere ao processo - formal e autorizado - de

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visibilização do aniversário da Loja. Contudo, tanto nos ambientes online quanto off-line,

também podem ser observadas iniciativas de visibilização individuais de maçons. Como

exemplos, nas mídias sociais: a exposição de momentos informais entre iniciados;

discussões políticas com não-iniciados; check-ins por ocasião da presença nas Lojas;

selfies no interior dos templos. Nos ambientes off-line: colocação de adesivos de

símbolos maçônicos em veículos; exposição do pertencimento à Ordem em conversas

informais.

Nesse sentido, há uma espécie de pressão endógena sobre os processos de

visibilização organizacionais. A visibilidade planejada estará sempre atravessada pelos

desvios das subjetividades. Contudo, há um outro tipo de pressão, exógena (ao menos

inicialmente), que vem dos atores individuais não pertencentes à organização e das

demais organizações e que costuma cobrar ainda mais visibilidade.

Vejamos a figura 3. Trata-se de uma publicação da página no Facebook da

Maçonaria Mista Universal do Brasil, uma ordem paralela e não reconhecida como

regular pelos maçons, criada por não-iniciados e dissidentes da Maçonaria que

desejavam resgatar valores e práticas maçônicas em um novo contexto.

Figura 3 – Maçonaria Mista Universal do Brasil

Fonte: Maçonaria Mista Universal (2018)

Esse é apenas um exemplo em meio à infinidade de produções não oficiais que

versam sobre a Maçonaria. Frente à heterogeneidade produtiva, revela-se a disputa por

conferência de sentido entre diferentes jogadores. Para Thompson (2008), as disputas

por visibilidade assumiram importância substancial nos dias de hoje, pois conquistar

visibilidade é conseguir reconhecimento e, da mesma forma, a inabilidade em conquistar

visibilidade pode levar à obscuridade. Fazer parte dessa sociedade da autopromoção

não parece ser uma escolha. A pressão por abertura e a cobrança por transparência

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reforçam imperativos de conduta nos processos de comunicação organizacional,

especialmente aos que se referem à dimensão da fala auto-orientada e autorizada

(BALDISSERA, 2009).

Contudo, não se pode rejeitar o histórico de uma organização fechada e

suportada pelo segredo, que ainda atravessa intensamente a Maçonaria e a mantém

resistente a muitas lógicas desse atual regime. Um fechamento bem próximo do caráter

“total” característico das organizações estudadas por Goffman (2001), nas quais

convivem indivíduos separados da sociedade mais ampla. As chamadas “instituições

totais” são locais que restringem frequência, verdadeiros refúgios do mundo e que

podem servir como espaços de instrução. O carater “total” vem da barreira à relação

com o mundo externo, construída com base na restrição de informações.

Ocorre que a curiosidade também é consequência do fechamento, pois o

segredo provoca o “mundo externo”. O invólucro de uma instituição total favorece a

constituição de uma espécie de aura que a envolve, que tem a ver com o caráter único

de uma realidade. Conforme Benjamin (1985), a manifestação única de uma “lonjura”,

algo que ao mesmo tempo está perto e longe, pois é inacessível a quem está fora desse

invólucro, ainda que se saiba de sua existência. E, até então, nas disputas por

reconhecimento, a organização exercia seu poder simbólico fazendo uso dessa “aura”.

Então, se por um lado, há uma organização constituída a partir do segredo e

da invisibilidade, em sentido oposto, está a visibilidade ampliada como valor central para

a cultura. Os indícios sugerem um processo de deslizamento da organização de um lado

a outro, como uma nova estratégia de regulação da (in)visibilidade. É essa relação entre

informação, segredo e (in)visibilidade que delimita o tema da pesquisa e constitui a

seguinte pergunta: como a Maçonaria, uma organização historicamente constituída pelo

segredo, gerencia a informação e a (in)visibilidade em seus processos de comunicação,

no contexto de um regime societário de visibilidade ampliada? Ainda em aberto, as

questões acerca dos aspectos metodológicos e referenciais teóricos a serem acionados

na tentativa de elucidar o problema.

Referências

BALDISSERA, Rudimar. Comunicação organizacional e imagem-conceito: sobre gestão de sentidos no ambiente digital. Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Braga, p. 71-87, 2017

BALDISSERA, Rudimar. Comunicação organizacional, tecnologias e vigilância: entre a realização e o sofrimento. E-Compós, Brasília, v.17, p. 1-15, 2014.

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BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e técnica, arte e política: Obras Escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1985.

BOBBIO, Norberto. Democracia e segredo. São Paulo: Editora Unesp, 2015.

BRUNO, Fernanda. Máquinas de ver, modos de ser: visibilidade e subjetividade nas novas tecnologias de informação e comunicação. Revista Famecos, Porto Alegre, v. 11, n. 24, p 110-124, 2004.

COMO eu posso me tornar maçom. Grande Oriente do Brasil, Brasília, 2018. Disponível em: <https://www.gob.org.br/como-posso-me-tornar-macom/>. Acesso em: 20 set. 2018.

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974.

LOJA Universitária Ordem, Luz e Amor comemora 11 anos de fundação. Página Grande Oriente do Brasil no Facebook, 2018. Disponível em: https://pt-br.facebook.com/GrandeOrientedoBrasil. Acesso em: 20 set. 2018.

QUER ser maçom? Página Maçonaria Mista Universal - Brasil no Facebook, 2018. Disponível em: https://pt-br.facebook.com/MaçonariaMistaUniversal. Acesso em: 20 set. 2018.

THOMPSON, John B. A nova visibilidade. Matrizes, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 15-38, 2008.

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PATEMIZAÇÃO, O DISCURSO INFLAMADO E A MIDIATIZAÇÃO NO TELEVISIONAMENTO DAS SESSÕES DO STF Letícia Pereira Pimenta1 -PUCRS

Palavras-chave

Patemização. Emoções. Televisionamento. Retórica. Midiatização.

No atual Estado Democrático de direito brasileiro, bem como em qualquer setor

da sociedade, a informação é sinônimo de poder e, enquanto disseminador de tal poder,

a mídia exsurge como um dos principais focos de discussão quando o assunto é sua

relação com o Poder Judiciário. Isto devido ao fato de que, assim como a sociedade é

atraída e apegada às informações e acontecimentos mormente trágicos e polêmicos

que abalam seus valores e opiniões, é de igual modo afetada pelos direcionamentos

que a mídia faz de tais acontecimentos ao se valer da (manipulação) da informação, o

que pode vir a causar grandes danos no que atine à visão que a sociedade possui do

complexo e crucial papel do judiciário.

Dentre os principais caracteres da mídia estão a sua unidirecionalidade e

produção centralizada e padronizada de conteúdos. Assim, de modo concreto quando

se fala de mídia, se refere ao conjunto de emissoras de rádio e televisão, de jornais e

de revistas, de cinema e outras instituições que se valem de recursos tecnológicos na

designada comunicação de massa. Para que a comunicação reste efetiva, existem os

órgãos da mídia, ou meios de comunicação em massa, que envolvem todos os veículos

e profissionais que têm como escopo comunicar, transmitir, repassar, divulgar, revelar

ao maior número de pessoas informações ou notícias ocorridas no mundo, e ademais,

promover aos cidadãos a educação, a cultura, respeitando os valores éticos e sociais

através das distintas espécies de mídia. Consoante Cornu, “a missão geral da imprensa

é informar o cidadão, para que este seja capaz de formar a sua própria opinião."

(CORNU apud ANDRADE, 2007, p. 48).

1 Doutoranda em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Bolsista CAPES. Linha de pesquisa: Política e práticas profissionais na comunicação, orientada pelo Prof. Dr. Jacques Wainberg. E-mail para contato: [email protected].

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A ideia de que a mídia ocupa um lugar insubstituível na sociedade advém

justamente do fato de que as emissoras de rádio, jornais e veículos televisivos

constantemente bombardeiam o público com notícias e informações com o intuito de

formar cidadãos assumindo, de forma pretensiosa, o papel de formadora de opinião. A

postura dominante da mídia, outrossim, se relaciona com o fato de que a mente humana

nada mais é do que um reflexo do comportamento do sujeito. Uma vez que o

comportamento humano é fruto das informações e do conhecimento que absorve, e

como uma das principais formas de absorção de conhecimento se dá por meio de

disseminação da informação, esta pode ser considerada como foco do poder disciplinar,

podendo ser usado como forma de manipulação do homem por meio da mídia.

Os órgãos da mídia distanciaram-se de sua função inicial (reportar, narrar) para, vagarosamente, destacarem-se como intervenientes e invasores do fato. Com isso, não mais noticiam, mas opinam. Deixaram de informar para formar opinião. Neste contexto verificado, a relação entre a mídia e a opinião pública chegou a um tamanho grau de hegemonia do primeiro e submissão do segundo que, atualmente, pode-se dizer que, a opinião pública reduziu-se à opinião publicada pelos órgãos da mídia. (ANDRADE, 2007, p. 47)

Em face de seu caráter manipulador, a mídia é considerada o quarto poder,

sendo a maior fonte de informação e entretenimento que a população possui. Assim,

subliminarmente, por meio da televisão, das novelas, jornais e internet, é transmitido por

meio da mídia um discurso ideológico, que gera modelos a serem seguidos,

homogeneizando estilos de vida, funcionamento como uma espécie de controle social,

que gera um processo de massificação social.

A mídia, pouco a pouco, busca ocupar o espaço central das sociedades democráticas, com o pretexto de ser o potente instrumento capaz de iluminar os cantinhos mais obscuros da vida econômica, política e social. (...) em nome da informação devida ao público, tenta impor-se como o Quarto Poder da República. (CLEIMAN apud ANDRADE, 2007, p.78).

Verifica-se a existência de um abismo entre o Judiciário e o cidadão, levando-

se em consideração não só a dificuldade de acesso à justiça como a falta de informação,

tanto do povo como dos próprios jornalistas, sobre os trâmites processuais, essenciais

para apreender o funcionamento da justiça. Deste modo, considerando a falta de

informação da sociedade em relação a questões envolvendo o funcionamento do

judiciário, a forma como o campo midiático manipula a informação, faz emergir o clamor

público que passa a pressionar os magistrados a ceder à pressão popular.

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A midiatização e a judicialização dos fatos da vida são fenômenos

exaustivamente debatidos nos últimos anos. Em uma sociedade que se tornou

consumidora do Judiciário, a demanda por notícias acerca dos fenômenos jurídicos é

crescente. O judiciário é um campo fértil para o espetáculo visado pelos meios de

comunicação. O próprio ambiente que circunda o trâmite dos processos já possui um

viés cênico. (CÂMARA, 2011).

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal completou 120 anos de história.

Instituído pelo Decreto n° 848 de 11 de outubro de 1890, editado pelo Governo

Provisório da República, que conferia ao órgão a posição na cúpula da justiça no Brasil.

No decorrer de sua história, o Supremo sofreu muitas modificações em sua estrutura,

composição e atribuições, inerentes à própria história política e constitucional brasileira.

O Poder Judiciário e, em especial o STF experimentou, no final dos anos 1990, uma

verdadeira crise institucional tendo em vista a grande demanda de processos, o número

insuficiente de magistrados e o aumento excessivo de demandas.

Em 2002, face à lei 10.461, o STF principia as atividades da TV Justiça, canal

de televisão público de caráter institucional, que pretende ser um espaço de

comunicação e aproximação entre os cidadãos e o Poder Judiciário, o Ministério

Público, a Defensoria Pública e a advocacia. Consoante Trindade e Rosa (2016):

Se hoje as pessoas não sabem mais a escalação da seleção brasileira (sem adentrar, aqui, nas razões para tanto), o mesmo não ocorre com a composição de nossa Suprema Corte. Todos conhecem os atuais ministros pelo nome. Tal fenômeno, além de inédito, não resulta, porém, da tomada de consciência do povo brasileiro. Tampouco se deve à defesa da democracia, ao exercício da cidadania e dos direitos políticos. Na verdade, esse “interesse” decorre da obscena exibição — sempre em nome da transparência — dos julgamentos da Suprema Corte. E a mídia sabe explorar isso.

As sessões de julgamento do Plenário são assistidas nos diversos veículos de

comunicação, seja pelo rádio, seja pela televisão, YouTube ou Twitter. Aliam-se a isso

os incontáveis pronunciamentos de ministros sobre fatos e processos em jornais,

entrevistas, eventos, etc. A publicidade e divulgação do trabalho instituído pelo STF por

intermédio de canais diretos de comunicação se transformaram rapidamente em um

impeditivo para diálogos espontâneos e sinceros. As questões examinadas precisam

ser previamente maquiadas, revelando a pavonice da Corte e de seus membros. Os

votos vêm prontos para que possam ser lidos, recheados de uma linguagem

profundamente empolada.

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O presente trabalho possui por escopo analisar o fenômeno patêmico e a

linguagem empolada empregada pelos ministros do STF no televisionamento dos

julgamentos. Em face disso, procura-se pensar como o processo de patemização

constitui elemento central do discurso tribunício, e por que tais discursos precisam ser

pensados e estudados a partir da perspectiva da patemização. Deste modo, como uma

história das emoções corrobora para a discussão teórica sobre os processos de

convencimento e persuasão? Como funciona a teatrocracia?

De que modo o "espelho de Narciso", definitivamente, fundiu as esferas pública

e privada? Deste modo, se busca, por conseguinte, traçar um perfil e o papel do

Supremo Tribunal Federal enquanto corte suprema e sua visibilidade, que sai do limbo

e surge tal como um reality show; um jogo performático muito próximo do real.

Referências

ANDRADE, Fábio Martins de. Mídia e poder judiciário: a influência dos órgãos da mídia no processo penal brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007.

CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. Sistema penal e mídia: breves linhas sobre uma relação conflituosa. Evocati Revista. N. 70. Disponível em http://www.evocati.com.br/evocati/interna.wsp?tmp_page=interna&tmp_codigo=497&tmp_secao=16&tmp_topico=direitopenal&wi.redirect=L8G9G33P41RV44OM032V. Acesso em 22.ago. 2018.

TRINDADE, André Karam; ROSA, Alexandre Morais da. Protagonismo do STF, a mídia e o cotidiano da população brasileira. 2016. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-mai-21/diario-classe-protagonismo-stf-midia-cotidiano-populacao-brasileira>. Acesso em: 07 set. 2018.

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GT COMUNICAÇÃO E

MEMÓRIA

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TRANSPARÊNCIA PÚBLICA E A PRESERVAÇÃO DA COMUNICAÇÃO GOVERNAMENTAL EM SITES OFICIAIS

Ana Javes Luz1 - UFRGS

Palavras-chave Comunicação Pública. Comunicação Governamental. Preservação de sites oficiais. Transparência Pública. Memória.

A publicidade é dimensão imprescindível do Estado contemporâneo (SILVA,

2017). Relacionada à obrigação dos governos de exporem suas ações e motivações na

esfera pública, permite que a sociedade exerça vigilância e fiscalize os negócios

públicos (GOMES, 2007; GOMES, 2008), favorecendo processos de accountability.

A pesquisa de doutorado à qual este trabalho está vinculado tem por objeto a

comunicação governamental empreendida por governos democráticos e, como tema, a

preservação dessa comunicação nos sites oficiais. A hipótese, em desenvolvimento, é

de que a preservação e a garantia de acesso à comunicação governamental colabora

com a promoção da transparência pública e com a memória política e administrativa dos

governos. Para isso, aciona teorias relacionadas à Comunicação Pública, à

Comunicação Governamental, à Democracia Digital, à Transparência Pública, ao

Arquivamento da Web e à Memória.

A oferta de informações oficiais para acesso público tem crescido

significativamente na última década, resultado do desenvolvimento e da adoção de

políticas públicas de transparência em diversos países (GOMES; AMORIM; ALMADA,

2018). O Brasil, seguindo essa tendência, possui atualmente importantes marcos legais

que favorecem, em especial, a e-transparência, ou seja, o uso da internet para oferta de

informações oficiais. São eles: a Lei da Transparência (Lei Complementar 131/2009) e

a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) – dispositivos que incrementaram os

processos pelos quais cidadãos brasileiros podem acessar ou requisitar informações

produzidas pelo (ou sob a custódia do) Estado brasileiro. Mas, será que apenas a

garantia de acesso a informações oficiais é suficiente para que o cidadão comum tenha

plenas condições de acompanhamento e de fiscalização dos governos?

1 Doutoranda em Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM/UFRGS), linha de pesquisa Mediações e Representações Culturais e Políticas, sob orientação da profa. Dra. Maria Helena Weber. E-mail: [email protected]

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Compreender peças orçamentárias e dados brutos de execução fiscal –

informações cuja divulgação passaram a ser exigidas pela Lei da Transparência –

implica conhecimentos sobre finanças públicas que a maioria da população não detém.

No que tange à Lei de Acesso à Informação, os procedimentos necessários para solicitar

informações nos órgãos públicos, via Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao

Cidadão (e-SIC)2, também exige que o solicitante tenha alguma familiaridade com

formulários eletrônicos e a burocracia estatal.

Almeida (2016) aponta ainda que promover a transparência não se trata

somente de saber o quê os representantes fazem, mas como e porquê. Para a autora,

é preciso ter acesso às informações e, igualmente, conhecer as razões pelas quais

alguma decisão foi tomada para que os cidadãos possam “sancionar” ou não as ações

dos seus representantes. Nessa direção, Almada e Carreiro (2014) afirmam que a

dimensão cognitiva das informações precisa ser considerada:

A simples obtenção de informação não pode ser de tida como transparência, pois mesmo que a informação seja de grande valia ao cidadão, trata-se apenas de visibilidade e publicidade. A transparência, portanto, vai além do ato de tornar uma informação pública, preocupando-se com a inteligibilidade da informação por parte do cidadão comum (ALMADA; CARREIRO, 2014, p. 11).

Partindo desse entendimento, esta pesquisa propõe relacionar a comunicação

governamental a processos de transparência e de accountability, na medida em que a

comunicação empreendida pelos governos tem por objetivo coletar e interpretar as

informações brutas produzidas pelo Estado, divulgando-as de forma compreensível, a

um público abrangente, em diversos formatos e suportes. Em outras palavras, a

comunicação governamental traduz as informações oficiais, permitindo ao cidadão

comum receber informações de interesse público em diversas mídias e linguagens –

websites, mídias sociais, publicações impressas, propagandas institucionais e de

interesse público – colaborando, inclusive, para o que se compreende como

transparência ativa, isto é, a oferta de informações sem a necessidade de solicitação

prévia por parte dos cidadãos.

Sob o aspecto normativo, a Comunicação Pública deve ser a categoria de

análise necessária das ações comunicativas do Estado democrático, a serem norteadas

pelo interesse público e terem o debate público como seu principal processo constitutivo

(WEBER, 2011; WEBER, 2017).

2 https://esic.cgu.gov.br

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O Estado desempenha papel central para a existência da comunicação pública, seja na promoção de participação da sociedade em torno de questões que lhe concerne, ou por desencadear rejeição ou apoio à adoção de medidas políticas. A abrangência e a qualidade das tecnologias de informação e comunicação que permitem caracterizar a democracia digital tornaram possível amplificar discursos estatais, os procedimentos de transparência e accountability. (WEBER, 2017, p. 46).

Ainda conforme Weber (2011, p. 115), o Estado cumpre os princípios da

comunicação pública, regida pelo interesse público, ao informar, explicar, disponibilizar,

treinar, habilitar, ouvir e contribuir para o exercício da cidadania. São atividades

previstas e exigidas pela Constituição brasileira, segundo a qual é dever do Estado dar

publicidade aos seus atos, programas, obras e serviços, bem como realizar campanhas

publicitárias, desde que estas respeitem o caráter educativo, informativo ou de

orientação social (BRASIL, 1988). Além disso, a ação de comunicação do Estado

brasileiro deve estar fundada sobre os princípios da democratização do acesso às

informações, do pluralismo, da multiplicidade das fontes de informação e da visão

pedagógica da comunicação dos órgãos e entidades públicas.

Mas, apesar dos dispositivos legais citados, quando se investiga como a

comunicação governamental é disponibilizada nos sites oficiais brasileiros – atualmente

o principal espaço de armazenamento e de fonte de pesquisa sobre essa comunicação,

tendo em vista a crescente digitalização dos processos comunicacionais – constata-se

que não há uma política de preservação e de garantia de acesso aos conteúdos desses

espaços. Ao contrário, o que se verifica é a exclusão indiscriminada de conteúdos como

notícias, entrevistas, notas oficiais, registros audiovisuais, publicações, dentre tantas

outras formas através das quais as atividades de comunicação dão visibilidade às ações

de governo (LUZ, 2016; LUZ; WEBER, 2018). Como resultado, milhares de informações

sobre temas de interesse público, que informam e documentam o Estado e a política

brasileira, podem estar sendo perdidas. Algumas, talvez, definitivamente.

Isso nos leva ao tema do arquivamento da web, uma agenda de pesquisa ainda

recente, especialmente no Brasil. De acordo com Rockembach (2018, p. 242), “os

arquivos e o acesso amplo e irrestrito à informação pública representam também o

exercício pleno da democracia, transparência e responsabilidade social. Isso se

potencializa com o digital, se adequadamente tratado”. No entanto, alerta o autor, ha

escassez de estudos que comportem a realidade brasileira no que tange ao

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arquivamento da web. Rockembach cita como exemplo a plataforma Internet Archive3,

considerada o maior arquivo da web do mundo. Nela, afirma, os sites brasileiros

arquivados são encontrados de forma esparsa (ROCKEMBACH, 2018, p. 251).

Se o tema da preservação da web, especificamente associado à necessidade

de preservação da comunicação governamental como forma de incremento às ações

de transparência pública e de promoção de uma política de memória, é prática

institucional ainda incipiente na administração brasileira, o tema de pesquisa se revela

promissor, posto que é carente de investigações.

Partindo desses entendimentos, elencam-se a seguir algumas das questões

que compõem a problematização desta pesquisa:

- Em que medida as informações acessadas através da comunicação

governamental podem ser relacionadas às políticas de transparência pública

e de accountability exigidas em governos democráticos?

- Como ampliar o entendimento sobre Transparência Pública e,

especialmente, sobre e-transparência, quando se verifica que a literatura

ainda é, majoritariamente, voltada à análise da oferta de dados brutos

governamentais e/ou informações fiscais e orçamentárias?

- Qual a importância da preservação da comunicação governamental para

constituição da memória política e social dos locais governados e dos seus

cidadãos?

- Como os estudos sobre arquivamento da web podem colaborar para esta

pesquisa, tendo em vista que a comunicação é uma atividade cujos produtos

são, em sua maioria, nativos digitais, o que transforma os sites oficiais em

repositórios privilegiados para acesso presente e futuro a esses conteúdos?

O debate acerca dessas indagações orienta a construção teórica e

metodológica necessárias para o prosseguimento da pesquisa, cujos resultados visam

colaborar para o enriquecimento dos campos da Comunicação Pública, da Democracia

Digital e da Memória.

Referências

ALMADA, Maria Paula; CARREIRO, Rodrigo. Qualidade da informação pública: uma análise do grau de transparência dos portais de cinco estados brasileiros. In: Comunicologia - Revista de Comunicação da Universidade Católica de Brasília, v. 6, n. 2, p. 03-24, 2014.

3 https://archive.org/web/

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ALMEIDA, Debora Rezende. Instituições participativas, accountability e mídias sociais: o Conselho Nacional de Assistência Social. In: SILVA, Sivaldo Pereira da; BRAGADO, Rachel Callai e SAMPAIO, Rafael Cardoso (Orgs.). Democracia digital, comunicação política e redes: teoria e prática. Rio de Janeiro: Folio Digital: letra e imagem, 2016.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Casa Civil; Presidência da República, 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 23 julho 2018.

GOMES, Wilson. Democracia digital: que democracia. II Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Comunicação e Política. UFMG, Belo Horizonte, v. 5, 2007.

GOMES, Wilson. Esfera Pública Política. In: GOMES, Wilson; MAIA, Rousiley C. M. Comunicação e Democracia: Problemas & Perspectivas. São Paulo: Paulus, 2008.

GOMES, Wilson; AMORIM, P. K., & ALMADA, M. P. Novos desafios para a ideia de transparência pública. In: E-Compós, v. 21 n. 2, 2018.

LUZ, Ana Javes A. da. Comunicação pública e memória das cidades: a preservação dos sistemas de comunicação nos sites das capitais brasileiras. 2016. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Informação). Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2016.

LUZ, Ana Javes A. da; WEBER, M. H. . Comunicação governamental e memória política. In: Marcia Benetti; Rudimar Baldissera. (Org.). Pesquisa e Perspectivas de Comunicação e Informação. 01ed.Porto Alegre: Sulina, 2018, p. 15-37.

ROCKEMBACH, Moisés. A web retrospectiva como campo de pesquisa: arquivamento da web e preservação digital. In: BENETTI, Marcia; BALDISSERA, Rudimar. (Orgs.). Pesquisa e Perspectivas de Comunicação e Informação. 01ed.Porto Alegre: Sulina, 2018, v. , p. 240-256.

SILVA, Sivaldo Pereira. Exigências democráticas e dimensões analíticas para a interface digital do Estado. In: MAIA, Rousiley Celi; GOMES, Wilson; MARQUES, Francisco Jamil Almeida. Internet e participação política no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2017.

WEBER, Maria Helena. Estratégias da comunicação de Estado e a disputa por visibilidade e opinião. In: KUNSCH, Margarida (Org.). Comunicação Pública, sociedade e cidadania. São Caetano do Sul: Difusão, 2011.

WEBER, Maria Helena. Nas redes de comunicação pública, as disputas possíveis de poder e visibilidade. In: WEBER, M. H.; COELHO, M. P.; LOCATELLI, C.. (Org.). Comunicação Pública e Política: pesquisa & práticas. Florianópolis: Insular, 2017, v. 01, p. 23-56.

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JORNALISMO E DEVER DE MEMÓRIA: TENSÕES ENTRE LEMBRAR E ESQUECER

Daniela Silva Huberty1 - UFSM

Palavras-chave: Jornalismo. Memória. Dever de memória

A produção do passado não está mais nas mãos apenas dos historiadores. A

mídia, assim como as testemunhas e o poder público, entre outros atores, também o

produzem, sendo ele um universo de significados que vão ser disputados

conflitivamente no tempo presente (BABO-LANÇA, 2012). O passado está

constantemente presente na mídia em meio aos acontecimentos atuais. Ao retornar ao

presente, esse passado se apresenta como trabalho de memória e os acontecimentos

se revestem de um certo tipo de valor de memória (BERGER, 2005).

A memória é tema de estudo de diversas disciplinas2, ocupando lugar também

nas pesquisas da comunicação. O jornalismo, campo do nosso estudo, apesar de estar

baseado, preferencialmente, no imediatismo dos acontecimentos, também está

orientado por uma lógica rememorativa. A narrativa jornalística recorre à memória para

produzir conteúdo, entre ele aqueles de caráter comemorativo e retrospectivo, ou

mesmo para acompanhar processos que se estendem ao longo do tempo. O recurso à

memória na produção jornalística, no entanto, não se restringe a isso: ela está, quase

que naturalmente, presente na construção das narrativas da atualidade, pois a

contextualização das notícias, a explicação de um evento ou o emprego de sentido

através do histórico de um acontecimento é corriqueiro na profissão. Relembrar o

passado é, portanto, essencial ao campo jornalístico para construir a narração dos

acontecimentos.

Para Tavares e Antunes (2015), o jornalismo e a memória possuem uma

relação simbiótica, já que o jornalismo necessita da memória para, ao posicionar e

recontar os eventos, poder contextualizá-los ao público; enquanto que a memória

precisa do jornalismo pois é este quem vai fornecer a ela o que eles chamam de

“rascunho público” dos acontecimentos. No entanto, esta é também uma relação

1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática (POSCOM) da Universidade Federal de Santa Maria, linha de pesquisa Mídia e Identidades Contemporâneas, orientada pela Profa. Dra. Márcia Franz Amaral. E-mail: [email protected]. 2 Alguns dos mais importantes teóricos que abordam o tema da memória e guiarão parte de nossa pesquisa são Halbwachs (2004), Huyssen (2000), Le Goff (1990), Nora (1993), Pollak (1992; 1989) e Ricoeur (2007).

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desigual em que há cruzamentos, mas também total autonomia e, por isso, não há a

aparência de dependência entre eles.

Tomamos como ponto de partida para nosso projeto de pesquisa, e a proposta

deste resumo expandido, a compreensão de que o jornalismo vai entender os

acontecimentos a partir de determinados repertórios e é nesse momento que o passado

é reatualizado para que se possa entender os fatos do presente. Além disso, que a

memória constrói elos entre o passado e o futuro e que existe uma relação entre mídia,

e mais especificamente o jornalismo, e a memória. Porém, concordamos com Lage

(2013) quando este afirma que a mídia (e estendemos esse entendimento para o

jornalismo) não pode ser considerada um repositório de memórias. Seu papel vai no

sentido de ser um espaço de construção, disputa, ressignificação e enquadramento da

mesma. Assim, é possível perceber que há diversas problemáticas a serem exploradas

no estudo entre jornalismo e memória.

Nossa pesquisa busca refletir sobre essa relação e o papel do jornalismo nesse

processo. Essa relação do passado com o presente, e também com o futuro, e o

acionamento da memória como condição de produção da narrativa jornalística emerge

no contexto de grandes acontecimentos, aqueles que mobilizaram coletivamente um

número considerável de indivíduos, como é o caso das catástrofes ambientais. As

catástrofes – sejam naturais ou não – ocorrem, em todo o mundo, há centenas de anos.

Elas portam crenças e visões sociais de mundo, constituindo experiência para quem as

vivenciou (AMARAL, 2013), deixando expressivas marcas às pessoas atingidas por elas

e aos locais afetados. São acontecimentos que rompem com o cotidiano e sua

normalidade, mudando o campo do possível e, por isso, ganham destaque na cobertura

jornalística. Nossa pesquisa tem por objetivo investigar a cobertura desse tipo de

acontecimento para além do dia do desastre. Por ser um trabalho inicial, apresentamos,

nesse momento, algumas inquietações que o norteiam e precisam ser amadurecidas.

Percebemos já, a partir de estudos exploratórios, a necessidade do jornalismo

lembrar esse tipo de acontecimento, principalmente ao completarem uma nova

passagem de ano. Essas são datas propícias para a produção de textos rememorativos.

Ao atualizar esses acontecimentos, a narrativa jornalística traz o passado de volta à

pauta organizando-os com diferentes ou novos sentidos, personagens, fontes e mesmo

explicações. O que buscamos agora compreender é de que forma essa memória é

ativada pela instância jornalística: como o jornalismo retorna a esses acontecimentos

anos depois e o que resta, agora, em sua cobertura? O que é acionado nessas novas

matérias e o que não é e, portanto, acabou esquecido? Que sentidos são conferidos a

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esse discurso atualizado? Pretendemos perceber se há rupturas ou continuidades

referentes ao passado na cobertura desses acontecimentos.

Para responder essas perguntas, em um primeiro momento nossa pesquisa se

atém a compreender a relação entre o campo jornalístico e a memória a partir da noção

de Ricoeur (2007) de “dever de memória”. Apesar do autor tratar especialmente das

narrativas historiográficas, suas inquietações em torno da memória não ficam restritas

a elas e podemos usá-las para compreender a narrativa jornalística. Conforme explicado

por ele, resumidamente “o dever de memória é o dever de fazer justiça, pela lembrança,

a um outro que não o si” (RICOEUR, 2007, p. 101). Não diz respeito apenas à

rememoração característica da memória, é sobretudo o dever de não esquecer. Uma

obrigação, um imperativo da justiça e projeção do luto, uma ideia de dever para com os

outros

É a justiça que, ao extrair das lembranças traumatizantes seu valor exemplar, transforma a memória em projeto; e é esse mesmo projeto de justiça que dá ao dever de memória a forma do futuro e do imperativo. Pode-se então sugerir que, enquanto imperativo de justiça, o dever de memória se projeto à maneira de um terceiro termo no ponto de junção do trabalho de luto e do trabalho de memória (RICOEUR, 2007, p. 101).

Como salientamos, a memória ocupa um espaço privilegiado na narrativa

jornalística. No entanto, entendemos que se ocupar da memória, no jornalismo, não é

apenas fazer uma volta ao passado. Ela não surge apenas como uma simples

lembrança no presente. Compreender que o jornalismo possui um dever de memória é

perceber que ele tem a função de narrar acontecimentos passados para que os mesmos

não caiam no esquecimento e, a partir dessas lembranças invocadas, haja esperança

de que eles não se repitam e se faça justiça para com as vítimas. Um empenho

jornalístico de ligar o passado ao futuro, reconhecendo que a memória ocupa um lugar

político (RICOEUR, 2007) e torna-se uma questão de fundo ético (LAGE, 2013) pelo

esforço de lembrar determinados acontecimentos marcantes e lutar por justiça e contra

o esquecimento.

Por isso, ao falar sobre a memória não podemos esquecer de outra dimensão:

a do esquecimento. Conforme pressupõe Ricoeur (2017), o esquecimento não pode ser

somente entendido como uma falha da memória e sim como condição da mesma,

assumindo os riscos e as tensões dialéticas existentes entre ambos. Até porque, “é o

esquecimento que torna possível a memória” (RICOEUR, 2007, p. 405). A narrativa,

atuando como instância configurada de memória, teria uma função mediadora de acordo

com o autor, não sendo capaz de lembrar completamente de tudo o que aconteceu.

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“Assim como é impossível lembrar-se de tudo, é impossível narrar tudo. A ideia de

narração exaustiva é uma ideia performativamente impossível. A narrativa comporta

necessariamente uma dimensão seletiva” (RICOEUR, 2007, p. 455), e, portanto, ela

também se caracteriza por sua função organizadora da memória.

Assim como a narrativa, a memória também é seletiva (BABO-LANÇA, 2012).

Lage (2013) afirma que ela está sujeita a estratégias de manejo e que o jornalismo,

enquanto espaço de memória, utiliza estrategicamente tanto da memória quanto do

esquecimento, não sendo apenas essa uma simples relação de presentificação do

passado na narrativa jornalística, mas de organização e gestão. O jornalismo, portanto,

faz lembrar e esquecer. É preciso que se escolha o que será lembrado e aquilo que será

esquecido.

Ao mesmo tempo que se lida com uma forma de “dever de memória” instaurada pela experiência de determinados acontecimentos – especialmente os traumáticos – e incorporada pela própria lógica produtiva jornalística que tudo quer lembrar, corre-se o risco de cometer “abusos de memória/esquecimento”, lembrando ou esquecendo em demasia (LAGE, 2013, p. 225).

O jornalismo, ao trazer à tona novamente o relato das catástrofes ambientais

com o passar dos anos, se configura como espaço de memória, produzindo-a, em um

primeiro momento, como luta contra o esquecimento desses acontecimentos. Porém,

mesmo entendendo que a memória tem papel importante na narrativa jornalística, não

podemos esquecer o que diz Lage (2013) quando este afirma que, mesmo ao se

convocar a memória de um acontecimento para que este possa ser narrado, tanto como

forma de passado ou dever de se lembrar, é preciso que haja certo presente nesse

mesmo acontecimento, pois é essa temporalidade que permeia o jornalismo: um

presente interpelado pelo passado. É essa narrativa memorial que queremos analisar,

a partir do resgate dos conceitos de memória e catástrofes ambientais, além do

amadurecimento das questões aqui propostas. Uma narrativa sobre o passado que

responde às demandas próprias do presente e então a construção de possíveis futuros.

Referências

AMARAL, Márcia Franz. Fontes testemunhais, autorizadas e experts na construção jornalística das catástrofes. Revista Líbero, São Paulo, v. 18, n. 36, 2015. p. 43-54.

BABO-LANÇA, Isabel. Acontecimento e memória. In: FRANÇA, Vera Regina Veiga; OLIVEIRA, Luciana de (Orgs.). Acontecimento: reverberações. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. p. 55-65.

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BERGER, Christa. Proliferação da memória (a questão do reavivamento do passado na imprensa). In: BRAGANÇA, Aníbal; MOREIRA, Sonia Virgínia (Orgs.). Comunicação, acontecimento e memória. São Paulo: Intercom, 2005. p. 60-69.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2004.

HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.

LAGE, Leandro Rodrigues. Jornalismo e o dever de memória. In: Encontro Nacional de História da Mídia, 9., 2013, Ouro Preto. Anais do 9º Encontro Nacional de História da Mídia. Ouro Preto: UFOP, 2013. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/9o-encontro-2013/artigos/gt-historiografia-da-midia/jornalismo-e-o-dever-de-memoria>.

LAGE, Leandro Rodrigues. Jornalismo, memória e esquecimento: o massacre de Realengo na retrospectiva de Veja. Brazilian Journalism Research, v. 9, n. 1, 2013. p. 214-229.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Unicamp, 1990.

NORA, Pierre. Entre história e memória: a problemática dos lugares. Revista do Programa de Pós-Graduação em História, São Paulo, n. 10, 1993. p.. 37-44.

POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 1989. p. 3-15.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento e silêncio. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992. p. 200-212.

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Unicamp, 2007.

TAVARES, Michele da Silva; ANTUNES, Elton. Jornalismo, memória e mito: um olhar sobre a vitória de Barack Obama em 2008. Revista Líbero, São Paulo, v. 18, n. 35, 2015. p. 99-110.

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EXPOSIÇÃO E CIRCULAÇÃO DA MEMÓRIA ESPÍRITA: OLHANDO QUATRO MUSEUS

João Damasio1 - UNISINOS

Palavras-chave

Midiatização. Espiritismo. Memória. Usos de imagem.

Este texto se refere ao estágio atual (exploratório e inicial) do projeto de tese

do autor em direção à delimitação do objeto e formulação do problema de pesquisa.

Descrevo o trajeto da pesquisa que levou ao tema do trabalho (midiatização do

espiritismo) e ao objeto que este texto perscruta (museus espíritas). Em seguida, busco

desenvolver uma descrição densa, que articula os observáveis ao mesmo tempo em

que aciona os conceitos em questão. Por fim, sintetizo os impasses que reconheço de

antemão para a constituição do caso de pesquisa2.

Os espíritas, desde que foram assim agrupados a partir de Allan Kardec no

século XIX, negam doutrinariamente a ritualidade, a imagem e a materialidade, em favor

do valor teológico do mundo espiritual, do qual tudo o que é matéria seria uma cópia

imperfeita. A despeito de uma linearidade histórica deste movimento social da França

ao Brasil, sua tematização em produtos midiáticos audiovisuais, por meio de

reportagens, novelas e filmes, dispõe uma diversidade considerável de representações

que disputam a imagem do espiritismo.

Uma disputa simbólica entre campos e tipos de conhecimento já é clássica no

espiritismo: sua tripla autorreferencialidade como religião, ciência e filosofia, tendo como

objeto de estudo o “mundo invisível”. (KARDEC, 2003). Não se estabelecendo como

religião cristã entre os demais cristãos, nem como ciência entre os demais cientistas,

nem como filosofia na história filosófica, o espiritismo francês fruiu entre a homeopatia,

o mesmerismo, e o magnetismo na França (AUBRÉE; LAPLANTINE, 2009) e se

expandiu no Brasil no espaço bordejado por outras referências, como o catolicismo, as

religiões de matrizes africanas – num contato tão intenso que gerou a Umbanda na

1 Doutorando no PPGCC da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Linha Midiatização e Processos Sociais, Orientado pela Profa. Dra. Ana Paula da Rosa. E-mail para contato: [email protected] 2 É prerrogativa dos aportes metodológicos da linha de pesquisa a constituição de casos (abdução) antes dos movimentos dedutivos e indutivos na pesquisa.

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década de 1920, como uma nova religião, tipicamente brasileira –, as simbologias

orientais, os mercados editoriais de romance e autoajuda, as terapias integrativas etc.

Exploramos inicialmente algumas destas referências em exposições

(DAMASIO, 2018), a partir dos quais notamos a presença dos museus espíritas.

Segundo o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), há dois museus espíritas no país: o

Museu Nacional do Espiritismo (MUNESPI) e o Museu Espírita de São Paulo. Além

destes, mapeamos duas iniciativas em andamento: o Museu Histórico de Palmelo e o

Centro de Documentação e Obras Raras. Os quatro museus estão atualmente em

formulação ou reformulação, pelo que passamos a observá-los como “arranjos

disposicionais”, que buscam estabelecer relações por meio de “estratégias tentativas”

em sua “experimentalidade social”, típica da sociedade em vias de midiatização

(BRAGA, 2018, p. 18-19).

O que estes arranjos, instituídos como museus espíritas, performam? Ou

melhor, a que urgências buscam responder? Duas questões centrais comparecem: a

memória e a imagem.

Primeiramente, o museu é um lugar de memória. Abreu (2013, p. 42), que

teoriza o museu prioritariamente como instituição de Comunicação Social, sintetiza que

“[...] os museus, enquanto espaços de conservação e exposição, devem ser vistos como

lugares de memória, guardiões de identidades coletivas e individuais.”. Verón (1991, p.

34, tradução livre3) classificou o museu como “[...] um meio de comunicação de massa

cuja ordem dominante, que define sua estrutura básica, é metonímica: a exposição se

constitui como uma rede de referências no espaço, temporalizadas pelo corpo

significante dos sujeitos, enquanto se apropriam.”.

Em segundo lugar, a memória só se configura nos museus por meio da

exposição de imagens, objetos ou performances que a indiquem, ainda que o espiritismo

negue culto a quaisquer destes artefatos culturais. Assim, a exposição talvez seja um

problema central no estudo da midiatização do espiritismo. Tanto o aspecto conceitual

do “ato de comunicação que consiste em expor/propor”4, quanto a observação empírica

em espaços culturais e museus espíritas dizem respeito às “materializações de

sentidos”5. Quais são os fundamentos com os quais os museus espíritas compõem uma

3 “C’est un mass-média dont l’ordre dominant, celui qui définit as structure de base, est l’ordre métonymique: l’exposition se constitue comme un réseau de renvois dans l’espace, temporalisé par le corps signifiant du sujet, lors de l’appropriation” (VERÓN, 1991, p. 34). 4 “l’acte de communication consistant à ex-poser” (VERÓN, 1991, p. 27, tradução nossa). À forma “ex-poser”, Verón antecede “proposer”, fornecendo o sentido que quer dar ao conceito. 5 “Materializaciones de la semiosis” (VERÓN, 2013, p. 147, tradução nossa).

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imagem que, por um lado, representa e aciona a memória e, por outro, confronta seu

próprio imaginário de imagem?

Em seu aspecto de mídia, os museus compareceram nos estudos de Verón

(1991; 2013) sobre midiatização como casos exemplares à medida em que a produção

de sentidos das operações e gramáticas de produção e reconhecimento se tornam

perceptíveis no momento mesmo em que se dão – na visitação ao museu.

Com o estágio atual do uso popular da internet e das redes sociais em geral,

poderíamos supor que a visitação se complexifica com o acesso ampliado às técnicas

de registros e compartilhamento da experiência museal. A isto, nos estudos de

midiatização, Ferreira (2017) chama de circulação, de modo que, mais do que a

exposição de imagens constituidoras de uma memória espírita, a circulação destes

conteúdos ocuparia a centralidade de uma questão sobre midiatização ao deixar ver a

dinâmica de reconhecimento social destas imagens – o imaginário.

Para avançar até a questão que nos aparece agora como um impasse entre

exposição e circulação da memória espírita, voltamos a atenção aos museus espíritas

que mapeamos no Brasil buscando destacar aqui apenas os dados gerais de sua

organização: nome, instituição promotora, situação de funcionamento e

experimentações técnicas para com a imagem (ou usos de imagem, que são o que de

fato enfocamos).

O Museu Nacional do Espiritismo (MUNESPI) foi fundado pela Sociedade

Brasileira de Estudos Espíritas (SBEE) em 1965 e está localizado na Vila Tingui, em

Curitiba (PR). (SBEE, 2018). Conforme exploração inicial in loco, constatamos que a

exposição fixa deste museu contém um acervo com objetos de personalidades espíritas,

documentos e fotografias, mas destacamos produtos mediúnicos do grupo espírita ao

qual pertence, como psicopictografias6 e objetos resultantes de materializações.

O Museu Espírita de São Paulo fica no bairro da Lapa na capital paulista em

1992, passando a ser de propriedade da Federação Espírita Brasileira (FEB) em 2013.

O acervo tem obras pedagógicas (não espíritas) e documentos pessoais de Kardec

trazidos da França, além da reprodução de quadros de Monvoisin, mencionados por

Kardec. Este museu está atualmente em reforma, mas funcionando com palestras,

como seccional da FEB. (FEBNET, 2018).

6 Pinturas mediúnicas assinadas conjuntamente por um médium e um espírito, geralmente de pintores reconhecidos no passado.

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O projeto do Centro de Cultura e Obras Raras (FEAL, 2018) foi lançado

recentemente, em maio de 2018, pela Fundação Espírita André Luiz (FEAL), em

convênio com a Fundação Herculano Pires e anunciando parceria com o Instituto

Canuto Abreu, detentor da maior documentação sobre espiritismo no mundo, e que

antes se vinculava ao Museu Espírita de São Paulo e à FEB. Está em fase de

restauração, preservação e catalogação da documentação, além de um segundo

esforço de digitalização das obras raras. (QUADRO 1).

Segundo levantamos anteriormente (DAMASIO, 2017), o projeto do Museu

Histórico de Palmelo data de mais ou menos 2010. De responsabilidade do Centro

Espírita Luz da Verdade (CELV), com apoio da Sociedade de Divulgação Espírita Auta

de Souza (SODEAS), deve narrar a história do espiritismo até a fundação desta cidade,

considerada a “cidade espírita”7. Notamos um dado curioso: para a ocasião de uma

visitação turística guiada na construção do museu, que acompanhamos, as paredes do

sanatório espírita, com desenhos dos ex-internos, foram pintadas de branco.

Quadro 1 – Síntese sobre os museus espíritas e seus usos de imagem

Museu Instituição Situação Usos de imagem

Munespi SBEE Funcionando

Materializações:

psicopictografias,

peças em parafina

Centro de

Documentação e

Obras Raras

FEAL / Instituto

Canuto Abreu

Acervos em

organização Digitalização

Museu Histórico

de Palmelo

CELV /

SODEAS

Em obras /

arrecadação Parede em branco

Museu Espírita de

São Paulo FEB

Em manutenção /

palestras Didático-pedagógico

Fonte: Elaboração do autor a partir do trabalho de exploração in loco.

Se atentarmos aos usos de imagem, perceberemos diferentes estratégias em

cada museu. Em termos gerais, os museus espíritas não aparentam ser conhecidos e

7 Nesta cidade, no mestrado, estudei as transições simbólicas entre espiritismo e urbanismo nos registros sociais, na cultura comunitária e nas sínteses identitárias. (DAMASIO, 2017).

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não geram por si próprios uma circulação expressiva de pessoas ou conteúdos. Ao

contrário, constituem tentativas em andamento para lidar com a memória espírita, a par

com o imaginário acionado no entorno da literatura e das produções audiovisuais

amplamente reconhecidas.

A hipótese ou chave de leitura que vislumbro agora é ver os museus espíritas,

na condição de arranjos disposicionais em elaboração, não como mídias que inscrevem

imagens em uma circulação, mas como possíveis estratégias de reconhecimento nos

circuitos e fluxos de visibilidade (ROSA, 2016) possíveis, diante da história, da memória

e do imaginário espírita.

Assim, pode a exposição se dar como circulação?

Referências

ABREU, João P. C. G. de. Museus: identidade e comunicação, instrumentos e contextos de comunicação na museologia portuguesa. Lisboa: ISCTE/IUL, 2013.

AUBRÉE, Marion; LAPLANTINE, François. A mesa, o livro e os espíritos: nascimento, evolução e atualidade do movimento social espírita entre França e Brasil. Maceió: EDUFAL, 2009.

BRAGA, José Luiz. Interagindo com Foucault: os arranjos disposicionais e a Comunicação. In: Anais do XXVII Encontro Anual da Compós. Belo Horizonte, MG: Compós/PUC-MG, 2018.

DAMASIO, João. A matéria da “cidade espírita” em Palmelo (GO): permanências e transições simbólicas entre urbe e identidade religiosa. In: Anais do XXVI Encontro Anual da Compós, São Paulo – SP, 2017.

______. Preto Velho e Chico Xavier em exposição: referências midiáticas e marginais nos museus espíritas. In: Anais do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Joinville, SC: Intercom, 2018.

FEAL – Fundação Espírita André Luiz. Esclarecendo as principais dúvidas sobre o Projeto Cartas de Kardec. Disponível em: <https://feal.com.br/artigos-feal-2/esclarecendo-principais-duvidas-sobre-o-projeto-cartas-de-kardec/>. Acesso em: 10 nov. 2018.

FEBNET. Palestras Públicas no Museu Espírita de São Paulo. Disponível em: <http://www.febnet.org.br/blog/geral/noticias/palestras-publicas-no-museu-espirita-de-sao-paulo/>. Acesso em: 28 set. 2018.

FERREIRA, Jairo. As metamorfoses da circulação: dos fluxos às questões de reconhecimento. Paper de circulação interna, PPGCC, Unisinos, 2017.

KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 84. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2003.

ROSA, Ana Paula da. Visibilidade em fluxo: os níveis de circulação e apropriação midiática das imagens. In: Revista Interin, v. 21, n. 2, Curitiba: UTP, jul/dez 2016, p. 60-81.

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SBEE. Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas. Munespi. Disponível em: <https://www.sbee.org.br/textos-de-apoio/sbee/unidades-coligadas/munespi>. Acesso em: 28 set. 2018.

VERÓN, Eliseo. La semiosis social, 2: ideas, momentos, interpretantes. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Paidós, 2013.

______; LEVASSEUR, Martine. Ethnographie de l’exposition: l’espace, le corps et le sens. 2. ed. Paris: Centre Georges Pompidou, 1991.

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A PERSONALIZAÇÃO DOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA E A NECESSIDADE DE PRÁTICAS DE ARQUIVAMENTO DA WEB EM REDES SOCIAIS

Lisiane Braga Ferreira1 - UFRGS

Palavras-chave

Arquivamento da web. Eleições presidenciais de 2018. Facebook. Memória

política. Personalização na política.

Este resumo descreve a pesquisa em andamento a qual se desenvolve a partir

do paradigma tecnológico proposto por Castells (2013) e, mais especificamente, no

paradigma pós-custodial, informacional e científico proposto por Silva et al (2009). O

paradigma tecnológico, segundo Castells (2013), tem como primeiro aspecto o fato de

a informação ser a sua matéria-prima, uma vez que as tecnologias precisam,

necessariamente, agir sobre as informações. O segundo aspecto determina que somos

moldados pelo novo meio tecnológico e, a terceira característica, afirma que, ao se usar

essas novas tecnologias de informação, qualquer sistema ou conjunto de relações

seguirá a lógica de redes. Para o autor, o crescimento das redes, após sua difusão, é

exponencial – pois as vantagens que surgem a partir de seu uso são igualmente

exponenciais e quanto mais ela cresce mais aumenta a penalidade por estar fora em

razão do declínio de oportunidades de se obter outros elementos fora da rede

(CASTELLS, 2013). O paradigma custodial, a partir de 1980, dá espaço ao paradigma

pós-custodial, informacional e científico, proposto por Silva et al (2009) no campo da

Ciência da Informação (CI), que traz a emergência do cientista da informação onde, em

uma sociedade da informação e da globalização da informação, é potencializado o

acesso pelos Sistemas de Informação. Nesta pesquisa, adotamos este paradigma, pós-

custodial, concomitantemente ao paradigma tecnológico por entendermos que ambos

1 Mestranda em Comunicação e Informação no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na Linha Informação, Redes Sociais e Tecnologias, sob orientação do prof. Dr. Moisés Rockembach. E-mail para contato: [email protected]

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se complementam nesse contexto onde a era da informação é impulsionada pelas

tecnologias.

Para delinear e delimitar nosso objeto de pesquisa, buscamos respaldo na

Ciência da Informação (CI), a partir da teoria de Silva (2006), onde a informação a partir

da interação contínua desenvolve a capacidade humana e social de representar e

conhecer o mundo atuando, assim, como objeto central. A investigação neste campo

busca compreender “como se produz, com que fim, quando e como, como se guarda,

como se transmite, usa e transforma o fluxo humano e social de signos, de símbolos,

de representações de todo o tipo” (SILVA, 2006, p.104).

E a partir da identificação do objeto de pesquisa (os Lives), situamos a estrutura

de comunicação desses registros dentro do fenômeno info-comunicacional (SILVA,

2009), que, a partir da representação parcial ou dividida pela Informação e pela

Comunicação, identifica um fenômeno humano e social. Assim, temos a representação

dos três eixos propostos pelo autor na Figura 1:

Figura 1 – Representação do Fenômeno Info-comunicacional nos Lives.

Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

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Nosso objeto de pesquisa envolve os vídeos ao vivo ou transmissões ao vivo

(Lives) publicados pelos candidatos à Presidência nas eleições brasileiras de 2018 em

suas fanpages oficiais do Facebook, sendo que um dos principais objetivos será a

coleta, análise e disponibilização destes conteúdos a fim de contribuir para a

preservação da memória política do Brasil.

Sobre as principais teorias utilizadas, trazemos a personalização da política

(ENLI; SKOGERBØ, 2013; ABEJÓN, SASTRE; LINARES, 2012; ROSS, FOUNTAINE;

COMRIE, 2015) provendo estudos atuais sobre a nova forma de se fazer política e

campanha a partir do uso, cada vez mais popular, das redes sociais – onde os políticos

vêm investindo em aparições espontâneas, separadas de seus respectivos partidos e

que os mostrem como pessoas comuns e, consequentemente, mais próximos de seus

eleitores. Já o arquivamento da web (BROWN, 2006; BRÜGGER, 2011; COSTA;

GOMES; SILVA, 2017; CROOK, 2009; DAY, 2006; LOMBORG, 2012; MASANÉS, 2006;

MILLIGAN; RUEST; LIN, 2016; NIU, 2012; RUEST; MILLIGAN, 2016) faz emergir, a

nível de Brasil, uma preocupação que, desde 1996 – com a criação da iniciativa Internet

Archive, vem sendo fonte de pesquisas, estudos e projetos internacionais. Assim, com

o aumento da produção informacional e da comunicação via web, a necessidade de

projetos que visem a preservação desses conteúdos se faz urgente e inadiável, mesmo

que se dê de forma independente e sem incentivos governamentais. É preciso

demonstrar que grande parcela das informações que irão compor a memória nacional

serão perdidas se não houver o fomento de iniciativas de arquivamento da web e, em

especial, das informações produzidas em redes sociais.

Considerando os estudos teóricos citados, justificamos que a memória de um

país deve contemplar as novas formas de comunicação, pois trata-se de uma forma de

agir, comunicar e informar típica de uma determinada época. Essa nova comunicação

torna-se muito importante para a memória, uma vez que desencadeia uma interação

entre produtor e receptores e vice-versa.

Com isso, nossa problemática questiona: “Como acontece o fenômeno da

personalização nos Lives publicados pelos candidatos à Presidência e por que as

práticas de arquivamento da web em plataformas comerciais são necessarias?”

A metodologia deste estudo dividiu-se em quatro etapas. A primeira consistiu

na identificação dos candidatos à Presidência, bem como suas fanpages oficiais na rede

social Facebook; a segunda visou coletar todos os conteúdos audiovisuais publicados

pelos candidatos, de forma semi-automatizada, juntamente com o conteúdo descritivo

textual e os respectivos metadados. A terceira etapa - em vias de iniciar, destina-se a

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análise do conteúdo (BARDIN, 2016; FOSSÁ, 2013; SILVA; FOSSÁ, 2013) dos Lives

da amostra selecionada e a quarta etapa se propõe a preservar o conteúdo coletado e

disponibilizar para futuras pesquisas na base de dados do projeto AWEB (Arquivamento

das Eleições Brasileiras), em desenvolvimento pelo Núcleo de Pesquisa em

Arquivamento da Web e Preservação Digital - NUAWEB (2018).

Buscamos identificar, nas amostras dos conteúdos, algumas categorias iniciais

que compõem os aspectos gerais do uso das redes sociais na personalização das

campanhas, como vida pessoal; carreira e realizações políticas; metas e compromissos;

manifestação; e posicionamento sobre adversários.

A partir do objetivo geral “compreender o fenômeno da personalização na

política, a partir da análise dos Lives publicados pelos candidatos à Presidência e a

necessidade de praticas de arquivamento da web em plataformas comerciais”,

buscamos nos objetivos específicos identificar se acontece o fenômeno da

personalização nas campanhas políticas dos candidatos à presidência; analisar se

houve a perda de registros anteriormente publicados na fonte de origem que possam

justificar a necessidade de práticas de arquivamento da web em redes sociais. Por fim,

pretendemos apresentar um protótipo de arquivamento dos registros coletados,

inclusive dos metadados, e da análise realizada – descrevendo os desafios

encontrados.

No entanto, alguns desafios surgiram a partir da redefinição da metodologia de

coleta, a qual seria totalmente automatizada, mas que pelas atuais mudanças na política

de desenvolvimento de aplicativos do Facebook tornou-se inviável. Seria, então, usado

um filtro cronológico – que contaria 24h da publicação do Live e aplicaria um filtro de

interação – o qual listaria as Lives publicadas nas 24h anteriores por ordem de maior

interação (soma de reações, comentários e compartilhamentos). Dessa lista seriam

selecionadas as cinco Lives com maior interação para análise. Entretanto, com a

mudança na metodologia de coleta, se tornou necessária a análise diária, sendo

impreterível a reelaboração dos filtros, principalmente o cronológico.

Além disso, outros fatores afetaram a linearidade pretendida na análise, fatores

políticos envolvendo o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT). Até o dia 10 de

setembro de 2018, o candidato à Presidência era Luiz Inácio Lula da Silva, porém ao

ser impedido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a candidatura para Fernando

Haddad. A questão paira sobre duas possibilidades de análise:

a) considerar os Lives publicados na fanpage de Lula (até 10 de set.) e na

fanpage de Haddad para extrair a amostra a ser analisada; ou

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b) desconsiderar os Lives publicados na fanpage de Lula aproveitar apenas os

Lives publicados na fanpage de Haddad para extrair a amostra a ser analisada.

Cabe salientar que qualquer uma das opções precisa ser justificada de maneira

clara e científica.

Por fim, a aplicação da categorização também tem despertado dúvidas quanto

a inclusão ou não de uma Live em mais de uma categoria.

Referências

ABEJÓN, Paloma; SASTRE, Ana; LINARES, Virginia. Facebook y twitter en campañas electorales en españa. Anuario electrónico de estudios en comunicación social. Volumen 5, Número 1 / Enero-Junio, 2012.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.

BROWN, Adrian. Archiving Websites: a practical guide for information management professionals. Facet publishing, London, 2006.

BRÜGGER, Niels. Web archiving—Between past, present, and future. The handbook of Internet studies, p. 24-42, 2011.

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. São Paulo: Paz e Terra, 6ª ed.,vol. 1, 2013.

COSTA, Miguel; GOMES, Daniel; SILVA, Mário J. The evolution of web archiving. International Journal on Digital Libraries, v. 18, n. 3, p. 191-205, 2017.

CROOK, Edgar. Web archiving in a Web 2.0 world. The Electronic Library, v. 27, n. 5, p. 831-836, 2009.

DAY, Michael. The long-term preservation of Web content. In: Web archiving. Springer, Berlin, Heidelberg, 2006. p. 177-199.

ENLI, Gunn Sara; SKOGERBØ, Eli. Personalized Campaigns In Party-Centred Politics. Information, Communication & Society. 2013. DOI:10.1080/1369118X.2013.782330

FOSSÁ, M. I. T. Proposição de um constructo para análise da cultura de devoção nas empresas familiares e visionárias. Tese (Doutorado em Administração) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.

LOMBORG, Stine. Researching communicative practice: Web archiving in qualitative social media research. Journal of Technology in Human Services, v. 30, n. 3-4, p. 219-231, 2012.

MASANÉS, Julien. Web Archiving. Springer, Berlin, Heidelberg, 2006.

MILLIGAN, Ian; RUEST, Nick; LIN, Jimmy. Content selection and curation for web archiving: The gatekeepers vs. the masses. In: Proceedings of the 16th ACM/IEEE-CS on Joint Conference on Digital Libraries. ACM, 2016. p. 107-110.

NIU, Jinfang. An overview of web archiving. D-Lib magazine, v. 18, n. 3/4, 2012.

Núcleo de Pesquisa em Arquivamento da Web e Preservação Digital (NUAWEB). Disponível em: <https://www.ufrgs.br/nuaweb/>. Acesso em set. de 2018.

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ROSS, Karen; FOUNTAINE, Susan; COMRIE, Margie. Facing up to Facebook: politicians, publics and the social media (ted) turn in New Zealand. Media, Culture & Society, v. 37, n. 2, p. 251-269, 2015.

RUEST, Nick; MILLIGAN, Ian. An open-source strategy for documenting events: The case study of the 42nd Canadian federal election on Twitter. 2016.

SILVA, Andressa Hennig; FOSSÁ, Maria Ivete Trevisan. Análise de Conteúdo: exemplo de aplicação da técnica para análise de dados qualitativos. IV Encontro de Ensino e Pesquisa em Administração e Contabilidade - EnEPQ. Brasília/DF, 3 a 5 de novembro de 2013.

SILVA, Armando Malheiro da. A informação. Da compreensão do fenómeno e construção do objecto científico. Porto: Edições Afrontamento, 2006.

SILVA, Armando Malheiro da. et al. Arquivístiva: teoria e prática de uma ciência da informação. Vol. 1, 3ª ed. Porto: Ed.: Afrontamento. 2009. 254p.

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GT COMUNICAÇÃO E

POLÍTICA

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O VOTO CAPTURADO: A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE LULA (PT) A PARTIR DO ACONTECIMENTO POLÍTICO DO ATO PRÓ-LULA NO ABC E PRISÃO

Ângelo Jorge Neckel 1 - UFRGS

Palavras-chave

Acontecimento público. Comunicação Pública. Imagem Pública. Lula.

As eleições de 2014 estabeleceram um novo desenho para a democracia

brasileira capaz de abrigar mudanças radicais e dúvidas em relação aos princípios

universais como interesse público e à relativa harmonia entre os poderes da República.

O dito golpe parlamentar que depôs por impeachment a presidenta Dilma Rousseff, em

31 de agosto de 2016, também ampliou os poderes da Operação Lava Jato; identificou

a força do empresariado nacional; empossou um vice-presidente (Michel Temer)

submisso às leis do mercado; tornou visível uma faceta da sociedade à direita e

desqualificou a esquerda. Em meio a esse processo, o Partido dos Trabalhadores (PT),

se beneficiou do carisma e da dita perseguição ao ex-presidente da República, Luiz

Inácio Lula da Silva (Lula), para iniciar a sua campanha pré-eleitoral à presidência da

República, nas eleições de 2018.

Em vista deste cenário, o tema de pesquisa abrange aspectos que incidem

sobre a formação da imagem pública de Lula (PT) a partir do acontecimento público a

manutenção da sentença seguida da resistência de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos

de São Bernardo do Campo (SP) seguida de apresentação à Polícia Federal, nos dias

04, 05, 06 e 07 de abril de 2018, acontecimentos cercados de espetacularidade e

mobilização social. Neste sentido, Weber (2000, p. 3) afirma que o espetáculo-político

é construído “[...] a partir de qualquer acontecimento capaz de estabelecer algum nível

de convergência entre o campo da política, o sistema de comunicação midiática e a

sociedade. Cria-se assim uma interdependência e repercussões, simbolicamente

benéficas.”.

1 Mestrando no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Representações e Mediações Socioculturais e Políticas, Orientado pela Profa. Dra. Maria Helena Weber. E-mail para contato: [email protected]

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Entende-se que com o julgamento, sentença, resistência e prisão de Lula,

ocorre o acirramento de tensões entre o governo, sociedade, os poderes Executivo,

Legislativo e Judiciário e as organizações midiáticas. De um lado, a aposta no

encarceramento de Lula e no impedimento de disputar as eleições e, do outro, a busca

de legitimação para presidenciável e/ou partido voltar ao poder, nos braços do povo. O

protagonismo do ex-presidente Lula, afastado do poder desde 2010, desequilibrou as

perspectivas dos organizadores do Golpe que - em tese - teriam a retomada de um novo

projeto de desenvolvimento para o país com a legitimidade do apoio popular pelo voto.

A reputação de Lula está marcada por sua história, trajetória política, identificação como

o presidente dos benefícios sociais que exercita seu carisma. Execrado pela direita e

até louvado pela esquerda, Lula está no centro das tensões sociais, políticas e

midiáticas, como demonstram os índices de intenção de voto das pesquisas eleitorais.

O tema guarda relação com conceitos caros às dimensões normativa e fáctica

da comunicação pública (ESTEVES, 2016; WEBER, 2017). Quanto à primeira, ocorre

de maneira direta através das disputas de narrativas da sociedade civil e organizada

bradando nas ruas a favor da condenação ou do direito de concorrer às eleições

presidenciais e de maneira indireta em função do objeto de pesquisa – acontecimentos

de viés judiciário envolvendo Lula e a imagem do ex-presidente, que se constitui como

parte importante para compreensão de um amplo debate em sociedade – civil e

organizada - sobre as eleições majoritárias de 2018. Este é um acontecimento de

interesse público porque pode ser relacionado ao atendimento de vontades da

coletividade, através da escolha de representantes políticos de maneira livre e regular.

A noção de interesse público empregada para legitimar temas e ações do campo político

é disputada por diferentes atores sociais para conferir legitimidade às próprias versões

sobre determinado acontecimento, especificamente: sujeitos políticos, para enaltecer

feitos e promessas ou na tentativa de deslegitimar adversários; os meios de

comunicação de massa e imprensa, na seleção de quais fragmentos de realidade serão

descartados ou selecionados e transformados em produtos jornalísticos em nome do

interesse público, também de modo a colocar sob dúvida a imagem de sujeitos e

instituições políticas, e de potencializar a própria credibilidade.

Quanto à discussão sobre a dimensão fáctica da comunicação pública, esta

indica processos desencadeados por instituições políticas para governar, legislar e

julgar. Com isso, a estratégia desses atores é visibilizar ações e discursos de instituições

e sujeitos políticos que a ela ascendem por meio de produção e veiculação de produtos

publicitários, jornalísticos e eventos em busca da recepção de opiniões que resultem

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em uma imagem favorável e de apoios manifestados por votos. O conceito Imagem

Pública permite identificar o modo com que a imagem de um sujeito político é desejada

e promovida, através de dispositivos estratégicos, discursivos e simbólicos, servindo

como balizador dos pactos e disputas em torno de poder engendrados entre o campo

da política, dos media e da sociedade.

O presente tema de pesquisa possui perspectivas contextuais e de caráter

científico, com pretensão de contribuição ao campo da Política e da Comunicação. O

primeiro ponto consiste na necessidade de se descrever e compreender questões

atinentes ao objeto de pesquisa, que resume momentos de instabilidade na democracia

contemporânea, sob o ponto de vista de tensões políticas quanto aos humores,

posicionamentos políticos e nas relações entre atores da sociedade civil – organizada

ou não, a força do Poder Judiciário após o dito golpe parlamentar que depôs por

impeachment a então presidenta Dilma Rousseff, da submissão do governo sucessor

às vontades do mercado em detrimento do interesse público em prol de interesses

privados, além da importância das construções da realidade percebida por parte das

coberturas jornalísticas. Ainda, o projeto de dissertação aborda um tema que perfaz a

discussão sobre comunicação pública dentro das possibilidades da mesma.

Parte-se das seguintes premissas teóricas para a construção do objeto de

pesquisa: a política depende da imagem pública dos políticos e instituições formada

entre pactos e disputas simbólicas entre diferentes atores sociais. Outra premissa

consiste em a imagem pública ser uma construção relacionada à reputação política e

histórica e da necessidade de reconhecimento junto ao partido político, aos meios de

comunicação de massa e à sociedade para obtenção de uma imagem pública favorável.

Parte-se do pressuposto que essa mesma reputação política não é sinônimo de imagem

pública, podendo ser mantida mesmo diante de ataques contra a credibilidade do sujeito

político.

A condenação, o ato de resistência no ABC paulista e a apresentação de Lula

à Polícia Federal de São Paulo no período pré-eleições possuem como uma das

principais características em comum, o ineditismo. Pela primeira vez no Brasil um ex-

presidente é julgado, sentenciado a cumprir pena, resiste e se apresenta para ser preso,

mantendo incondicionalmente a liderança em pesquisas de intenção de votos. A partir

dos acontecimentos públicos que têm Lula como protagonista, mobilizam-se o próprio

pré-candidato, o PT, órgãos do Judiciário, aliados e adversários políticos, meios de

comunicação de massa e imprensa, empresários e o mercado, militantes favoráveis e

contrários à liberdade dele.

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Em meio à tensão desse processo, Lula se move entre as acusações e

condenações da Justiça que o tornam protagonista da discussão sobre verdade,

corrupção, justiça etc. Símbolo do povo pela esquerda e demonizado pela direita, Lula

é colocado no centro do debate político nacional. O próprio partido o coloca no centro

da sua revitalização e da reconstrução do País. Antes da irrupção desses

acontecimentos, durante o período do PT à frente da presidência da República, nos

mandatos de Lula e Dilma Rousseff, membros do partido foram acusados e alguns

condenados por crimes de corrupção após a instauração de Comissão Parlamentar de

Inquérito para apuração do dito Mensalão - a ação penal 470, da Operação Lava Jato e

consequentes acusações contra Dilma e Lula, além do posterior impeachment da

primeira e da condenação do ex-presidente. Apesar de denúncias e condenações

envolvendo o PT e Lula, a priori desfavoráveis à imagem do mesmo, esteve à frente nas

sondagens de votos divulgadas por institutos de pesquisa a partir do final de 2016 até a

data da prisão. Além disso, a permanência de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos no

ABC paulista foi capaz de mobilizar a cobertura jornalística de veículos nacionais e

estrangeiros, garantindo, assim, ampla visibilidade midiática, demonstrando apoio de

correligionários e centralidade de sua figura no acontecimento público e midiático. Em

vista disso, algumas das questões que causam inquietação para a construção do

problema de pesquisa são: Por que a imagem pública de Lula se mantém, mesmo diante

de acusações e condenações? Qual o papel do partido e do ex-presidente para a

configuração dos acontecimentos públicos e midiáticos e o impacto gerado na

imprensa? Quais as principais narrativas na imprensa de referência quanto aos

acontecimentos referidos?

Diante da apresentação do tema e de questionamentos levantados com a

pretensão de auxiliar na construção do problema de pesquisa, a problemática deste

resumo reside na incerteza quanto à validade das interrogações do parágrafo acima em

vista da necessidade de adequação à análise dos aspectos que incidem sobre a

formação da imagem pública de Lula e construção de objetivos geral e específicos de

pesquisa e demais etapas que constituirão o texto da dissertação.

Referências

ESTEVES, J. Sociologia da Comunicação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2016.

WEBER, Maria Helena. Comunicação e Espetáculos da Política. 1. ed. Porto Alegre: Editora da Universidade UFRGS, 2000. v. 1.

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__________________. Nas redes de comunicação pública, as disputas possíveis de poder e visibilidade. In: WEBER, M. H.; COELHO, M. P.; LOCATELLI, C. (Orgs.). Comunicação pública e política - pesquisa e práticas. Florianópolis: Insular, 2017. p. 23-56.

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O DIA DO AFASTAMENTO DA PRESIDENTA DILMA ROUSSEFF: ACONTECIMENTO E DEBATE PÚBLICO

Bruna Andrade1 - UFRGS

Palavras-chave:

Comunicação Pública. Acontecimento. Impeachment.

O tema desta pesquisa é o debate público desencadeado pelo processo de

impeachment sofrido por Dilma Rousseff (PT) em 2016, tendo como objeto o dia de seu

afastamento em 12 de maio daquele ano. Entendemos que esse processo de

comunicação pública é instaurado a partir de um acontecimento público (QUÉRÉ, 2013),

o impeachment, que provoca pactos e disputas discursivas ao gerar rupturas e suscitar

diferentes sentidos possíveis, mobilizando seus públicos, nos âmbitos da mídia, da

sociedade civil e do Estado. Cada um desses âmbitos do debate tem um papel

fundamental e é disputado pelos demais. O Estado é a instância de tomada da decisão

política, a mídia é o espaço de mediação dos discursos e de visibilidade dos atores e

argumentos, fundamental à comunicação pública contemporaneamente, e a sociedade

civil é o lugar da mobilização e de cuja opinião e adesão são disputadas.

Este processo é desencadeado em um contexto absolutamente complexo,

onde confluíram diferentes fatores econômicos, políticos e sociais que pesaram como

questões relevantes no impeachment e permitiram o afastamento da presidenta eleita

por crimes que, se existiram e foram de sua responsabilidade, pareciam não justificar a

dureza da pena imposta. É por esse motivo que o debate público sobre o processo de

impeachment importa. Havia, naquele momento, um contexto propício ao impeachment,

com aspectos apontados por Pérez-Liñan (2007), em Presidential Impeachment and the

New Political Instability in Latin America, como situação econômica desfavorável,

escândalos midiáticos, falta de apoio parlamentar e mobilizações de rua contra o

governo. E esses fatores presentes na conjuntura em que se deu o debate público sobre

o impeachment de Dilma Rousseff, também aparecem como tópicos da discussão

(ANDRADE, B., 2017).

1 Mestranda no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul , Linha Mediações e representações sociais e políticas, Orientada pela Profa. Dra. Maria Helena Weber. E-mail para contato: [email protected]

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O impeachment como forma de tirar Dilma Rousseff da Presidência da

República começa a aparecer em manifestações realizadas por movimentos de

oposição já nos dias seguintes à sua reeleição (GALINARI, 2017). Em 2015, os

protestos contra o governo ganham corpo e ressonância na Câmara dos Deputados,

onde foram protocolados mais de 50 pedidos de impeachment contra a ex-presidenta

entre fevereiro de 2015 e abril de 2016, alguns deles por parlamentares. No mesmo ano,

movimentos contrários ao impeachment e/ou favoráveis ao governo também se

articulam em duas grandes frentes: a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo.

No entanto, essas disputas que já vinham acontecendo nas ruas nos discursos de atores

da mídia, da sociedade civil e do Estado pelo afastamento ou permanência de Dilma

ganham um referente institucional apenas em dezembro de 2015, quando começa a

tramitar na Câmara Federal o processo que levou ao efetivo afastamento de Dilma em

31 de agosto de 2016.

Com o aceite da petição, o debate público sobre o afastamento de Dilma

Rousseff, que já acontecia, ganha força pelo impacto e poder de ruptura do

acontecimento. Mesmo que o impeachment da ex-presidenta já fosse algo debatido

naquele momento, a aceitação do pedido e o início de sua tramitação geraram uma

falha, um corte no curso da democracia no Brasil. Isso porque um(a) presidente(a) é

eleito(a) para cumprir um mandato de quatro anos e o que for diferente disso, ainda que

com alguma previsão legal, gera uma quebra naquilo que era esperado. Outro fator de

ruptura, nesse caso, é que todos os presidentes do período pós-redemocratização

tiveram pedidos de impeachment protocolados. No entanto, até 2015, com exceção de

Fernando Collor de Mello (então no PRN), todos tiveram seus processos arquivados. O

desfecho do processo movido contra Collor a História registrou. E o acontecimento tem,

justamente, a capacidade de mobilizar passado, os antecedentes e precedentes; e

futuro, o que será e significará o presente experienciado.

O processo de impeachment de Dilma Rousseff é configurado como

acontecimento público na medida em que mobiliza o Estado, a sociedade civil e a mídia

e se desenvolve como tema de inegável interesse público, ao colocar em debate não

apenas o futuro do governo, mas outros temas caros como o futuro da Educação no

país e de programas sociais, o desenvolvimento da Economia e a própria manutenção

da democracia brasileira. É por isso que, mesmo que o argumento do processo fosse

os crimes de responsabilidade, diversos outros temas permearam os discursos e as

justificativas para o afastamento ou permanência da presidenta eleita. O acontecimento

público gera um corte no cotidiano do qual emergem diferentes diferentes fatores

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conjunturais e significados possíveis. É nesse sentido que os públicos do acontecimento

se colocam em ações e discursos que visam “suprir a falha” (COELHO, 2013) deixada

e disputam a cristalização dos sentidos do acontecimento através de processos de

comunicação pública.

Neste sentido, compreendemos, com Weber (2017), o debate público como

processo de comunicação pública constituído por redes de comunicação formadas por

públicos “organizados com proximidades ideológicas, interesses comuns, interesses

particulares, representações ou pela singularidade de sua natureza e ação” (WEBER,

2017, p. 45-46) e que perpassa os âmbitos do Estado, da sociedade e midiático. Assim,

nos interessam, em um esforço de compreender melhor as características do debate

público sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff, os discursos de alguns

protagonistas desse debate, nos três âmbitos que o constituem (Estado, sociedade civil

e mídia), na semana do dia 12 de maio, quando ocorre o afastamento temporário da

então presidenta. Acreditamos que este seja um episódio representativo do debate que

se estabelecia naquele momento por desencadear uma mudança (provisória) de

governo e porque os discursos sobre o processo de impeachment, naquele momento,

já traziam o acúmulo de um debate sobre o afastamento de Dilma que vinha ocorrendo

desde as Eleições de 2014 e também disputavam ainda o desfecho do processo, para

além do seu significado enquanto acontecimento público que marcou a História do país.

Nessa temática, algumas questões iniciais impulsionam esta pesquisa:

Há um debate público que se configura a partir do processo de impeachment

sofrido por Dilma Rousseff? Quem são os protagonistas do debate? Quais os temas

que são acionados nas argumentações desses protagonistas sobre o impeachment?

Quais são os argumentos acionados pelos protagonistas sobre o impeachment? Por

que esses argumentos são acionados no contexto do afastamento provisório da ex-

presidenta? Quais pactos e disputas discursivas podem ser percebidas entre as

argumentações dos diferentes protagonistas? Quais são os argumentos que constituem

os nós centrais que aproximam diferentes protagonistas? Quais grupos de

argumentos são configurados pelas aproximações e afastamentos desses nós

centrais? Quais são os sentidos sobre o impeachment percebidos em cada grupo de

argumentos?

Com isso, chegamos às seguintes questões-problema que fundamentam os

objetivos deste estudo: Quais argumentos os protagonistas do debate público

sobre o impeachment de Dilma Rousseff acionam em seus discursos para

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disputar os significados desse processo e que pactos e disputas discursivas se

constituem a partir dos argumentos centrais dos diferentes atores?

A partir do tema desta pesquisa e das perguntas por ele suscitadas, o objetivo

geral desta pesquisa é: Compreender os sentidos sobre o processo de impeachment de

Dilma Rousseff mobilizados pelos principais protagonistas do debate público e as

disputas e pactos discursivos estabelecidos entre eles.

Alguns eixos teóricos nos parecem fundamentais na realização desta pesquisa.

O primeiro é o de acontecimento, especialmente, a noção de acontecimento público,

que provoca o envolvimento da mídia, da sociedade civil e do Estado, instaurando

espaços comunicativos (COELHO, 2013; FRANÇA, 2012a, 2012b; QUÉRÉ 2005, 2012,

2013; MARQUES, 2012; WEBER, 2013). O segundo é o dos “públicos”: esfera pública,

comunicação pública, debate público e opinião pública, compreendendo seu caráter

fundamental ao imprimir qualidade às democracias, permitindo a visibilidade dos

poderes e a circulação de opiniões através de redes de comunicação que envolvem os

mais diversos setores do tecido social (ESTEVES, 2011; GOMES, W., 2008; MAIA,

2011; WEBER, 2006, 2017). Acreditamos que a articulação desses dois eixos nos

possibilita compreender os processos de disputa de sentidos desencadeados pelas

rupturas instauradas pelo acontecimento público.

A proposta metodológica inclui Análise de Conteúdo com o objetivo de

categorizar núcleos argumentativos comuns aos diferentes atores e Análise de Rede

Social (ARS), para que se possa compreender as conexões argumentativas

estabelecidas entre os atores. Essa proposta ainda está em definição, nesse sentido, é

uma questão que se coloca para discussão. Outra questão com a qual nos deparamos

é a validade de analisar apenas um dia de todo o processo de debate público que se

estabelece desde a eleição de 2014. Entendemos que o dia 12 de maio é um dia

importante por ser um episódio onde já há um acúmulo do debate, ao mesmo tempo em

que há ainda um processo em disputa. No entanto, a questão que se coloca é o que os

discursos dos atores nesse contexto específico podem revelar sobre o debate público

em geral e se podem, ou se importam apenas na compreensão desse episódio de um

acontecimento absolutamente complexo como o impeachment de Dilma Rousseff.

Referências

COELHO, Marja Pfeifer. O acontecimento público Satiagraha, entre o Estado e a mídia entre o Estado e a mídia. Tese (Doutorado em Comunicação e Informação) Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Porto Alegre, 2013.

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ESTEVES, João Pissarra. Sociologia da Comunicação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.

FRANÇA, Vera. O acontecimento para além do acontecimento: uma ferramenta heurística. In: FRANÇA, Vera; OLIVEIRA, Luciana de. (Orgs.). Acontecimento: reverberações. Belo Horizonte: Autêntica, 2012a. p. 39-54.

FRANÇA, Vera. O acontecimento e a mídia. Galáxia, São Paulo, n. 24, p. 10-21, dez. 2012b.

GALINARI, Fabiana Flores de Carvalho. Ativismo na internet e o impeachment de Dilma Rousseff: as estratégias de convocação dos movimentos pró e contra a presidenta do Brasil, 2014-2016. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Informação), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Porto Alegre, 2017.

GOMES, Wilson. Da discussão à visibilidade. In: GOMES, Wilson; MAIA, Rousiley. Comunicação e Democracia: problemas & perspectivas. São Paulo: Paulus, 2008. p. 117-162.

MAIA, Rousiley. Em busca do interesse público: tensões entre a argumentação e a barganha. In: KUNSCH, Margarida. (Org.). Comunicação pública, sociedade e cidadania. São Caetano do Sul: Difusão, 2011. p. 259-275.

MARQUES, Ângela Cristina Salgueiro. Acontecimento e criação de comunidades de partilha: o papel das ações comunicativas, estéticas e políticas. In: FRANÇA, Vera; OLIVEIRA, Luciana de. (Orgs.). Acontecimento: reverberações. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. p. 143-156.

PÉREZ-LIÑÁN, Aníbal. Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.

QUÉRÉ, Louis. A dupla vida do acontecimento: por um realismo pragmatista. In: FRANÇA, Vera; OLIVEIRA, Luciana de (Org.). Acontecimento: reverberações. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. p. 21-38.

QUÉRÉ, Louis. A individualização dos acontecimentos no quadro da experiência pública. Caleidoscópio: Revista de Comunicação e Cultura, [s.l.], n. 10, p. 13-37, set. 2013.

QUÉRÉ, Louis. Entre facto e sentido: a dualidade do acontecimento. Trajectos: Revista de Comunicação, Cultura e Educação, Lisboa, n. 6, p. 59-75, jun. 2005. WEBER, Maria Helena. Nas redes de comunicação pública, as disputas possíveis de poder e visibilidade. In: WEBER, Maria Helena; COELHO, Marja Pfeifer; LOCATELLI, Carlos. (Orgs.). Comunicação pública, sociedade e cidadania. Florianópolis: Insular, 2017. p. 23-58.

WEBER, Maria Helena. Do acontecimento público ao espetáculo político-midiático. Caleidoscópio: Revista de Comunicação e Cultura, Lisboa, n. 10, p. 189-203, jun. 2013.

WEBER, Maria Helena. Visibilidade e Credibilidade: tensões da comunicação pública. In: MAIA, Rousiley; CASTRO, Maria Céres Pimenta Spínola. (Orgs.). Mídia, Esfera Pública e Identidades Coletivas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. p. 117-136.

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NARRATIVAS POLARIZADAS: PROPOSTA E DISCUSSÃO DO CONCEITO

Felipe Bonow Soares1 - UFRGS

Palavras-chave

Análise de redes sociais. Câmaras de eco. Multidões polarizadas. Narrativas Polarizadas. Polarização política.

O objetivo deste trabalho é propor e discutir o conceito de “narrativas

polarizadas” para explicar um fenômeno que ocorre em conversações políticas em rede.

Por meio da discussão do conceito proposto é possível fortalecer a argumentação na

defesa de seu uso.

O contexto de polarização política tem feito com que conversações em

plataformas de redes sociais assumam estruturas polarizadas. Quando estas são

analisadas, frequentemente formam o que Smith et al (2014) e Himelboim et al (2017)

chamam de “multidões polarizadas” (polarized crowds). Esta rede típica de

conversações políticas é formada por dois grupos antagônicos com alta densidade

interna, porque os usuários que compartilham posições interagem frequentemente, mas

que possuem conexões externas muito esparsas, reflexo da pouca interação entre

usuários que não compartilham a mesma posição sobre o que é debatido. Assim, os

grupos ficam estruturalmente isolados. Este tipo de rede de conversação também é

comum nas interações entre assuntos da política brasileira no Twitter2 (RECUERO;

ZAGO; SOARES, 2017).

Este tipo de contexto favorece a formação de câmaras de eco, como tem sido

observado em conversações políticas em rede (GRUZD; ROY, 2014; BASTOS;

MERCEA; BARONCHELLI, 2017; RECUERO; ZAGO; SOARES, 2017; SOARES,

RECUERO; ZAGO, 2018). A ideia de câmaras de eco foi desenvolvida por Sunstein

(2001; 2017). O autor argumenta que em cenários de divisão política, indivíduos tendem

a formar grupos homogêneos e isolados, seguindo a tendência a homofilia - quando

indivíduos se conectam com outros indivíduos que compartilham preferências

semelhantes (MILSOVE et al, 2010; SUNSTEIN, 2017). Sunstein argumenta que as

1 Doutorando no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Informação, Redes Sociais e Tecnologias, Orientado pela Profa. Dra. Raquel Recuero. E-mail para contato: [email protected]. 2 www.twitter.com

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câmaras de eco tendem a formar grupos com posições mais extremistas e dificuldade

de compreender pensamentos antagônicos.

Baseado neste cenário de conversações políticas propõe-se o conceito de

“narrativas polarizadas” para explicar um fenômeno comum nas discussões políticas

com formações de câmaras de eco. Para melhor definição do conceito e do contexto

em que pode ser aplicado, apresenta-se a análise de duas redes de conversação em

que existem estruturas semelhantes a multidões polarizadas e formação de câmaras de

eco. As duas redes são formadas por conversações no Twitter sobre entrevistas do

programa Roda Viva da TV Cultura. Na primeira, em 25 de junho de 2018, Manuela

D’Ávila (PC do B) foi entrevistada. A pré-candidata posteriormente retirou sua

candidatura e passou a ser candidata à vice-presidência em chapa com Fernando

Haddad (PT). A segunda rede é formada pela conversação em torno da entrevista de

Jair Bolsonaro (PSL), em 30 de julho de 2018.

O método de coleta utilizado para estudar as conversações no Twitter sobre as

duas entrevistas consistiu no acesso a API3 do site com o auxílio do software NodeXL.

Para a seleção dos tweets4 coletados, utilizou-se nas duas situações (em 25 de junho e

30 de julho) como palavra-chave a hashtag5 do programa (#RodaViva). A rede formada

sobre a entrevista com Manuela tem 24.146 tweets e 9.215 usuários. A rede da

conversação sobre a entrevista de Bolsonaro possui 49.182 tweets e 28.141 usuários.

Para a análise destas redes, utiliza-se como método a análise de redes sociais

(ARS) (WASSERMAN; FAUST, 1994; RECUERO; BASTOS; ZAGO, 2015). A ARS

serve para observar os laços relacionais entre atores, permitindo identificar as conexões

entre estes atores. Neste caso, os atores são os usuários do Twitter e as conexões entre

eles são as menções e retweets (RT)6. Assim, é possível analisar como se deram as

interações entre os usuários nas redes analisadas.

A ARS conta com métricas de análise que permitem explorar determinadas

características das redes. Neste caso, duas métricas são especialmente importantes. O

grau (degree), que representa o peso das conexões de um nó (ator), ou seja, o quanto

um nó está conectado a outros nós da rede (FREEMAN, 1979). As redes aqui

analisadas possuem conexões direcionadas, já que elas não são necessariamente

recíprocas (um nó pode mencionar ou retuitar outro sem que o inverso ocorra), portanto,

3 Ferramenta do Twitter que permite a solicitação de dados ao site, como metadados de tweets. 4 Mensagens de até 280 caracteres do Twitter. 5 Hashtag é uma palavra-chave antecedida pelo sinal “#” que identifica o tema do conteúdo compartilhado. 6 Retuíte (retweet) é a ação de compartilhar um tweet de outro usuário.

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existem o grau de entrada (indegree) e o grau de saída (outdegree) (RECUERO;

BASTOS; ZAGO, 2015). O grau de entrada representa o número de conexões que um

nó recebe, enquanto o grau de saída representa o número de conexões que um nó

realiza. Para esta análise o grau de entrada é especialmente importante, já que permite

identificar usuários que alcançaram maior visibilidade na rede (visto que foram mais

mencionados ou retuitados). A segunda métrica importante é a de modularidade, cálculo

que permite identificar a formação de grupos em uma rede em função das conexões

entre os nós (BLONDEL et al, 2008). Esta métrica observa a densidade de conexões

entre os diversos nós da rede e identifica módulos onde a conexão entre os nós é mais

densa. Com este cálculo é possível reconhecer a formação de multidões polarizadas

(SMITH et al, 2014; HIMELBOIM et al, 2017).

Com o uso destas métricas foi possível formar a visualização das duas redes

de conversação (Figura 1 e Figura 2). A cor dos nós se dá em função da modularidade

(cada módulo da rede possui uma cor diferente). O tamanho dos nós é calculado em

função do grau de entrada (quanto maior o nó, maior seu grau de entrada).

Figura 1 – Rede de conversação sobre a entrevista de Manuela7

Fonte: Elaboração de Soares, 2018.

Figura 2 – Rede de conversação sobre a entrevista de Bolsonaro.

7 Esta rede visualmente se diferencia da estrutura de multidões polarizadas, já que as conexões centrais não são esparsas. Isto ocorre porque os dois grupos mencionaram Manuela (manueladavila) em suas mensagens, criando a aparência de maior interação entre os módulos, ainda que esta não tenha ocorrido. O mesmo acontece, em menor grau, com Bolsonaro (jairbolsonaro) na Figura 2.

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Fonte: Elaboração de Soares, 2018.

Com o auxílio da métrica de grau de entrada foram identificados os usuários

com maior circulação na rede. Em seguida, os tweets destes usuários foram analisados.

Tendo em vista o foco desta proposta, a atenção nesta análise se dá a mensagens que

formam “narrativas polarizadas”, conceito que se pretende discutir. O que se observa é

que usuários de grupos antagônicos discordam profundamente em diversos sentidos,

ainda que partam da mesma referência (as entrevistas do programa Roda Viva). Com

isto, argumenta-se que são geradas “narrativas polarizadas”, ja que os usuarios de cada

módulo parecem interpretar acontecimentos históricos, declarações de candidatos e

participação de jornalistas de formas bastante distintas, apoiando suas interpretações

em uma narrativa que é gerada a partir da posição homogênea compartilhada dentro

das câmaras de eco. Alguns exemplos podem ser discutidos a partir de tweets

destacados para esta análise.

O primeiro exemplo é a discussão sobre o fundamento ideológico de fascismo

e nazismo, ocorrido na conversação sobre a entrevista com Manuela. No grupo com

posicionamento favorável a Manuela, dois tweets sobre o tema alcançaram grande

visibilidade:

Esse programa precisa escolher melhor seus entrevistadores. Como alguém num programa sério, pode afirmar para Manuela que Hitler era de esquerda usando o argumento de Partido Nacional SOCIALISTA dos Trabalhadores Alemães. Isso é argumento de retardado de internet. #RodaViva Manuela D’avila sobre Bolsonaro: ‘O que ele defende é um BR sem democracia, dos torturadores, em que as mulheres sejam inferiores aos homens, que os pobres sejam fuzilados por helicópteros. E todo mundo sabe que o fascismo era um movimento de direita’ #rodaviva.

Já no módulo contrário a Manuela estão os seguintes tweets:

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De @ManuelaDavila no #rodaviva: ‘Todo mundo sabe que o fascismo é um movimento de direita.’ FALSO: O fascismo era um movimento de esquerda, antiliberal e anticapitalista, criado por Benito Mussolini. Olha la... Falou que o ‘socialismo’ do nazismo não tem nada a ver com a esquerda, aliás, misturou nazismo com fascismo, aumentou o tom de voz e ainda falou pro entrevistador ‘Ain, tu tens o msm sobrenome q o meu e tu apoia o Bolsonaro’... Putz. #RodaViva.

Na conversação sobre a entrevista de Bolsonaro seu grupo de apoio destacou

sua capacidade de argumentar com os jornalistas enquanto criticava a participação

destes na entrevista. Ao mesmo tempo, o grupo contrário a Bolsonaro ressaltava a

dificuldade do então pré-candidato a responder as questões. No módulo pró-Bolsonaro

circularam com destaque as mensagens abaixo:

Bom, galera, é isso, Bolsonaro JANTOU os jornalistas e é o próximo presidente do Brasil. Vamos dormir. #RodaViva Do #RodaViva: Este é o nível dos jornalistas brasileiros em quase sua totalidade. O desespero ideológico supera o profissionalismo. #BolsonaroNoRodaViva.

No grupo crítico a Bolsonaro estão os tweets:

Não entende de história, não entende de economia... Nem sabe contar. #RodaViva Bolsonaro não era pra tá concorrendo a presidência, era pra ele estar estudando para o ENEM. É absurdo atrás de absurdo. #RodaViva

Nos dois casos acima apresentados o que se vê é que os usuários de cada

módulo possuem percepções opostas de acontecimentos históricos (na primeira

discussão) e da participação do candidato e de jornalistas na entrevista (na segunda

discussão). Argumenta-se que isto ocorre em função da formação de câmaras de eco

nas redes em que se estruturam multidões polarizadas e que por meio da constância de

interações de usuários em grupos homogêneos isto gera “narrativas polarizadas”. Este

conceito, ainda em construção, se refere a distopia no discurso gerado por usuários que

fazem parte de câmaras de eco nas conversações políticas.

Referências

BASTOS, Marco; MERCEA, Dan; BARONCHELLI, Andrea. The Spatial Dimension of Online Echo Chambers. arXiv:1709.05233v1 [physics.soc-ph], 2017. Disponível em: <https://arxiv.org/ftp/arxiv/papers/1709/1709.05233.pdf>. Acesso em: 19 set. 2018.

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BLONDEL, Vincent D.; GUILLAUME, Jean-Loup; LAMBIOTTE, Renaud; LEFEBVRE, Etienne. Fast unfolding of communities in large networks. [physics.soc-ph], 2008. Disponível em: <http://lanl.arxiv.org/abs/0803.0476>. Acesso em: 19 set. 2018.

FREEMAN, Linton C. Centrality in Social Networks: Conceptual clarification. Social Networks, v. 1, p. 215-239, 1979.

GRUZD, Anatoliy; ROY, Jeffrey. Investigating Political Polarization on Twitter: A Canadian Perspective. Policy and Internet, v. 6, n. 1, p. 28-45, 2014.

HIMELBOIM, Itai; SMITH, Marc A.; RAINIE, Lee; SCHNEIDERMAN, Ben; ESPINA, Camila. Classifying Twitter Topic-Networks Using Social Network Analysis. Social Media + Society, v. 3, n. 1, p. 1-13, jan./mar. 2017. Disponível em: <https://doi.org/10.1177/2056305117691545>. Acesso em: 19 set. 2018.

MILSOVE, Alan; VISWANATH, Bimal; GUMMADI, Krishna P.; DRUSCHEL, Peter. You are who you know. In: ACM INTERNATIONAL CONFERENCE, 3., 2010, Nova York. Anais... Nova York: ACM Press, 2010.

RECUERO, Raquel; BASTOS, Marco; ZAGO, Gabriela. Análise de Redes para Mídia Social. Porto Alegre: Sulina, 2015.

RECUERO, Raquel; ZAGO, Gabriela; SOARES, Felipe Bonow. Mídia social e filtros-bolha nas conversações políticas no Twitter. In: Encontro Anual da Compós, 26., 2017. São Paulo. Anais... São Paulo: Compós, 2017. Disponível em: <http://www.compos.org.br/data/arquivos_2017/trabalhos_arquivo_XH5ITTDY1PYGE7PDUQJM_26_5374_18_02_2017_12_53_33.pdf>. Acesso em: 19 set. 2018.

SMITH, Marc; RAINIE, Lee; HIMELBOIM, Itai; SHNEIDERMAN, Ben. Mapping Twitter Topic Networks: From Polarized Crowds to Community Clusters. Washington: Pew Research Center, 2014.

SOARES, Felipe Bonow; RECUERO, Raquel; ZAGO, Gabriela. Influencers in Polarized Political Networks on Twitter. In: International Conference on Social Media and Society, 9., 2018, Copenhagen. Anais... Toronto: Social Media and Society, 2018. p. 168-177.

SUNSTEIN, Cass. Echo Chambers. Princeton: Princeton University Press, 2001.

SUNSTEIN, Cass. #Republic. Princeton: Princeton University Press, 2017.

WASSERMAN, Stanley; FAUST, Katherine. Social Network Analysis: Methods and Applications. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.

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COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL DOS CANDIDATOS NOS ÚLTIMOS PROCESSOS ELEITORAIS ENTRE BRASIL E PERU.

Gabriela Pacheco Dávila1- UFRGS

Palavra-chave:

Debate presidenciais. Comunicação não verbal. Ccomunicação. Performance.

Performativo.

Os debates presidenciais estão presentes desde os anos 1960, com o primeiro

encontro entre Richard Nixon e John F. Kennedy, que lutavam pelo posto de próximo

presidente dos Estados Unidos. No Peru, o primeiro debate presidencial aconteceu no

dia 3 de junho de 1990, entre os candidatos Mario Vargas Llosa, líder do partido

FREDEMO, e Alberto Fujimori, representante do partido CAMBIO 90. No caso do Brasil,

um dos debates exibidos na televisão e com maior popularidade foi entre os candidatos

Fernando Collor e Luís Inácio Lula da Silva, em 1985. Depois de 29 anos, os brasileiros

participavam do processo eleitoral para escolher ao próximo presidente da República.

Collor era o candidato do PRN (Partido de Reconstrução Nacional). No entanto, Lula da

Silva era o representante do PT (Partido dos Trabalhadores).

Compostos por candidatos, jornalistas, um cenário, o público e as câmeras de

televisão: os debates presidenciais são peças fundamentais em cada campanha

política. Principalmente, os candidatos mostram uma performance política. Eles se

preparam, ensaiam, leem um discurso e utilizam as palavras0chaves e o corpo para se

expressar, com o fim de convencer os cidadãos.

Considera-se importante definir o significado da palavra performance,

principalmente utilizada em temas artísticos, mas que com o transcorrer do tempo

aparece em diversas áreas acadêmicas. Valoriza-se a perspectiva do autor Gilberto Icle

(2010), indicando que “como linguagem artística híbrida, confluída nas fronteiras entre

teatro, dança, música, artes visuais, ritual, experimento, acontecimento e, sobretudo,

intervenção, parece aduzir a face mais reconhecível do que chamamos de Performance”

(ICLE, 2010, p. 12). Tendo em vista a discussões, o autor Joseph Roach (apud

1 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Linha de pesquisa Cultura e Significação. Orientada pela Profa. Dra. Nísia Martins do Rosário. E-mail para contato: [email protected].

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TAYLOR, 2012, p. 46) indica que “a performance, embora frequentemente se refira à

teatralidade como a metáfora mais fértil para as dimensões sociais da produção cultural,

conglomera uma gama muito mais ampla de comportamentos humanos”.

A campanha eleitoral no Peru tem sido considerada por muitos como uma

teatralidade, seja pelo comportamento dos candidatos, pelas brigas e até pelo

desinteresse dos cidadãos para conhecer mais sobre as propostas do governo. Um

estudo realizado pelo JNE (Jurado Nacional de Elecciones) indica que 22% dos

peruanos decidem seu voto no mesmo dia do processo eleitoral. Diferentes fatos tentam

apresentar a vida do candidato desde o começo da sua campanha até o dia das

eleições, mas será que esses fatos são decisivos para definir o voto? Para além do

discurso verbal, o que os candidatos expressam atrás da linguagem não verbal? Quais

são as atitudes que eles mostram? Como eles se preparam para enfrentar o processo

eleitoral considerando aparência, comportamentos, gestos, expressões faciais, entre

outros?

As performances transmitem conhecimento através do corpo. O aperto de

mãos, a vestimenta, a postura, o sorriso. Desde o momento que temos uma pessoa

atrás de uma bancada, apresentando suas propostas de governo, competindo com

outros, já está tendo uma performance. Está pedindo a audiência para fazer algo: votar

por ele.

A proposta da pesquisa é estudar as manifestações midiáticas de candidatos a

eleições do Peru e do Brasil, considerando sobretudo o uso da linguagem não verbal,

descobrindo o modo como esta articula o conjunto de suas comunicações. No caso do

Peru, foram escolhidos os candidatos do segundo turno das eleições do ano de 2016: o

ex-presidente Pedro Pablo Kuczynski Godard, do partido Peruanos por el Kambio, e a

ex-candidata Keiko Sofia Fujimori Higushi, do partido Fuerza Popular. No caso do Brasil,

serão escolhidos os dois candidatos que disputarão o segundo turno das eleições de

2018: Jair Bolsonaro e Fernando Haddad.

Subestima-se o efeito que tem a comunicação não verbal na decisão dos

eleitores. As linguagens verbais e não verbais são inerentes, mesmos assim se

contradizem em alguns casos, revelando atitudes e sentimentos das pessoas.

Considerando os fatores de preparação dos candidatos e, ao mesmo tempo, a

necessidade de organizar informações sobre eles por parte dos votantes, constrói-se o

seguinte problema de pesquisa: Como se configura a linguagem não verbal dos

candidatos a eleições no Peru e no Brasil em programas de televisão e em vídeos de

divulgação?

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É importante mencionar como o uso de J.L Austin do termo performativo pode

complementar a perspectiva de Icle: a emissão do enunciado é a execução de uma ação

(AUSTIN, 1962). Os interlocutores, destinador e destinatário, devem estar aptos para

realizar a ação. O destinador deve ter as condições para realizar a ação e ter a intenção

de realizá-la, por outro lado, o destinatário deve ser consciente que deve cumprir o que

o destinador está advertindo. Do mesmo modo, é imprescindível que o ato seja

realizado de acordo com as circunstâncias institucionais.

No debate político, a presença dos candidatos e os eleitores formam uma

performance performativa. O candidato seria o destinador, que por meio de seu discurso

tenta persuadir os cidadãos. O público, como o destinatário, tentará entender o que

aquele quer dizer e dará um significado ao esse discurso, produzindo assim um efeito,

seja votar por ele, julgá-lo, etc.

Os assessores políticos estão presente o tempo todo durante os debates,

programas televisuais e vídeos de divulgação, recomendando e tentando melhorar o

desempenho dos seus candidatos, permitindo a possibilidade que a sua performance

mude em benefício próprio. Mas o que veem os cidadãos? Estão vendo a performance?

Taylor (2012) indica que os vídeos e fotos não são performances políticas, mas sim uma

parte delas. Os cidadãos assistem o debate através de um televisor e olham o que as

câmeras lhes permitem. Enxergam uma parte do que o candidato quer comunicar,

principalmente quando eles tentam se aproximar por meio das emoções, do sentimento.

Para conseguir desenvolver a pesquisa, determinou-se os seguintes objetivos:

estudar o uso da linguagem não verbal na composição de comunicações televisuais de

candidatos a eleições do Brasil e Peru em debates políticos e seus processos de

semiose; identificar a linguagem não verbal utilizada desses candidatos e sua relação

com os processos culturais de cada país; comparar a realidade dos processos eleitorais

no Brasil e Peru, nas últimas eleições; comparar a realidade dos votantes entre Brasil e

Peru e seu processo de aquisição de informações sobre os candidatos.

Este trabalho tem um objeto empírico, a princípio: vídeos de debates e

campanhas eleitorais a serem coletados no Peru e no Brasil. O estudo está sendo

direcionado para conhecer o tema da comunicação não verbal nos processos políticos

eleitorais. Portanto se está utilizando uma metodologia qualitativa de análise de

imagens, como direcionamento para a semiótica da cultura.

Nesse primeiro semestre de mestrado dei início a pesquisa exploratória dos

debates presidenciais das últimas eleições no Peru e reconheço que foi difícil tentar

focar nas imagens apenas, sem considerar o discurso verbal. Percebeu-se que existiam

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alguns temas e palavras que incomodavam aos candidatos, observando como

mudavam seus gestos. Portanto, como parte da metodologia, se decidiu assistir os

debates sem áudio e desse jeito estudar melhor os movimentos do corpo. Essa foi uma

das estratégias metodológicas que mais surtiram resultados.

Outro aspecto que resulta de uma primeira mirada exploratória sobre os vídeos

é a dificuldade de analisar o corpo do candidato quando eles estão atrás de bancadas,

tendo somente a possibilidades de ver os braços, torso, mãos e rosto. Mesmo assim,

essa dificuldade permitiu ter mais dois caminhos para percorrer. O primeiro foi analisar

e revisar os vídeos dos candidatos no café de manhã (evento importante nas eleições

no Peru) e tentar observar como é o comportamento com um enquadramento da

imagem que permita observar mais que um plano médio. Reconhecer gestos, posturas,

expressões faciais e até palavras-chaves que utilizam no seu discurso será muito

importante. A observação dos vídeos dos candidatos em outros cenários permite pensar

que eles poderiam estar utilizando uma “ fachada” para cada evento. Lembro do texto

de Goffman:

Afirmei que quando um individuo chega diante de outras suas ações influenciarão a definição da situação que se vai apresentar. Às vezes, agirá de maneira completamente calculada, expressando-se de determinada forma somente para dar aos outros o tipo de impressão que irá provavelmente leva-los a uma resposta específica que lhe interessa obter (GOFFMAN, 1959, p. 15).

O segundo ponto são os jornalistas dos debates: os moderadores. Eles

acompanham a contenda eleitoral e sua percepção termina sendo outra acerca dos

debates e entrevistas, já que estão no mesmo espaço e momento, compartilhando

cenário com os políticos, posição diferente dos cidadãos. Por tal motivo, decidi

considerar como parte da minha pesquisa de campo, entrevistar aos principais

moderadores de debates presidenciais no Peru para ter sua percepção e opinião de

como foram os 120 minutos de contenda eleitoral. Também buscarei entrevistar os

moderadores de debates no Brasil.

Contudo, é importante ter em mente que os debates presidenciais se tornaram

emblemáticos nas campanhas políticas, mas para conhecer o lado mais autêntico de

uma cultura é necessário o estudo das performances.

Referências

Así votan los peruanos según el último estudio sobre el perfil del elector. JNE. Disponível em < http://www.eleccionesenperu.com/informacion-electoral-jne-perfil-del-elector-peruano-segun-encuesta-307.html > Acesso em: 10 set. 2018

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107

AUSTIN, John Langshow. How to do Things with words. Oxford: Oxford University Press, 1962.

GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1959.

ICLE, Gilberto. Para apresentar a Performance à Educação. Educação & Realidade. Porto Alegre, v.35, n.2, p.11-22. Disponível em: http://www.seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/15861/9473, 2010.

KANASHIRO, Lilian. Debates presidenciales televisivos em el Perú (1990-2011). Lima: Ed. Lima: Universidad de Lima, 2016.

TAYLOR, Diana. Performance. Buenos Aires: Ed. Asunto Impreso, 2012.

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GT COMUNICAÇÃO E VIRTUALIDADE

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JOGOS DENTRO DE JOGOS: ESPECULANDO O CONCEITO DE INCRUSTAÇÃO COMO VIRTUALIDADE

Camila de Ávila1 - UNISINOS

Palavras-chave

Jogos digitais. Incrustação. The Witcher 3. Gwent.

Com um olhar para os primórdios da história, Huizinga (2000) sugere que o

jogo se refere à um elemento primitivo, precedendo o surgimento da cultura quando

dividido com outros animais. A partir desta ideia, Huizinga (2000) traz a definição de

jogo como uma ação lúdica em conjunto a um ato voluntário caracterizado como um

escape da vida real, com limitação de tempo e espaço, contemplando uma ordem

mesmo que temporária: o jogo como uma qualidade de ação.

Encontramos o jogo na cultura, como um elemento dado existente antes da própria cultura (...). Em toda a parte, encontramos, presente o jogo, como uma qualidade de ação bem determinada e distinta da vida “comum”. (HUIZINGA, 2000, p. 7)

Um videogame é um objeto cultural, ligado à história e à materialidade,

composto por um dispositivo computacional eletrônico e um jogo simulado em software.

Para Pias (2011):

Um programa de jogo é (…) não apenas um conjunto de instruções, uma espécie de código de leis para o mundo do jogo em particular, que tenho o dever de seguir quando estou na companhia de computadores, mas ao mesmo tempo também um agente da polícia que monitora precisamente minhas ações2. (PIAS, 2011, tradução nossa)

Esse conjunto de instruções que constitui o jogo, indicam não apenas “a

actividade específica que nomeia, mas também a totalidade das imagens, símbolos ou

instrumentos necessários a essa mesma atividade ou ao funcionamento de um conjunto

complexo” (CAILLOIS, 2001, p. 10). Em um determinado tempo e em um lugar tangível,

para Huizinga (2014) "o jogo cria dentro do mundo ordinário outro universo próprio,

1 Mestranda no PPGCC da Unisinos, Linha Mídias e Processos Audiovisuais. Orientada pelo Prof. Dr. Gustavo Daudt Fischer. E-mail para contato: [email protected] 2 A game program is […] not only a set of instructions, a kind of law code for the world of the particular game, that I have a duty to follow when I am in the company of computers, but at the same time also a police agent that precisely monitors my actions.

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extraordinário e delimitado no qual os jogadores se movem de acordo com uma lei

especial e imperiosa. (...) O jogo cativa e captura em um mundo específico, em sentido

figurado”3. Não apenas criações de universos: temos jogos que são possíveis serem

jogados dentro de jogos. Com este raciocínio, surge a ideia de pensar a incrustação de

games como um objeto de pesquisa. Como a incrustação de games em games atualiza

o game? Partindo desta questão, a intenção é explorar camadas de jogos e como

nessas camadas dentro dos jogos se atualizam as qualidades que estes constroem no

seu interior.

Para entender os jogos dentro de jogos, é importante trazer a reflexão sobre o

conceito de duração bergsoniana. Ao pensar a duração, é preciso propor multiplicidades

que deem conta ao mesmo tempo da espacialidade e da temporalidade. Deste modo, é

viável enunciar que a duração é continuidade e fluxo, o que faz com que ela seja uma

linha que sustenta o devir. “O universo dura. Quanto mais nos aprofundarmos na

natureza do tempo, mais compreenderemos que duração significa invenção, criação de

formas, elaboração contínua do absolutamente novo” (BERGSON, 2006, p.8).

Partindo para a ideia de virtualidade, conforme Bergson (2011), tudo possui

dois modos: um modo de ser (virtual) e um modo de agir (atual). No seu modo de ser a

coisa é (virtualmente) algo; no seu modo de agir, a coisa atualiza-se de alguma maneira

na matéria. Temos presente na virtualidade a coexistência de todas as durações, as

quais estão praticamente imbricadas. Por conta de uma simultaneidade de durações, é

possível que a virtualidade tenha vida própria no seu processo de atualização: suas

múltiplas virtualidades possibilitam um indeterminado número de atualizações.

A virtualidade nos dá a possibilidade teórica de afirmar que o empirismo de Bergson implica (...) na retomada de novos processos de subjetivação, ou ainda, na invenção de novos modos-de-vida e na configuração de novas subjetividades. (...) A virtualidade abre um grande campo de possibilidade para pensarmos as relações entre sujeito e objeto, extinguindo-os como referências de conhecimento e também como pressupostos da representação clássica. (VASCONCELLOS, 2005, p. 13)

Figura 1 – The Witcher 3: Wild Hunt

3 Discurso de fevereiro de 1933 na Universidade de Leiden. O texto completo pode ser lido no livro De lo lúdico y lo serio, editora Casimiro Libros (Madrid, 2014).

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Fonte: Moby Games. <https://bit.ly/2D0qGgX>

Aqui, a virtualidade seria o game The Witcher 3: Wild Hunt4 (Figura 1), porém

uma virtualidade que necessita ser construída dentro dos parâmetros deste tipo de

game. Há um momento dentro do próprio jogo, o Gwent5 (Figura 2): um minijogo de

cartas, jogável em uma taberna ou desafiado por personagens no universo do jogo do

The Witcher 3, podendo ou não aceitar jogar. O jogo dentro do jogo não é outro jogo

(ainda é The Witcher), a não ser quando este momento do primeiro se autonomiza e se

torna um outro game, um game independente. O caso de Gwent: a desenvolvedora do

jogo, CD Projekt Red6, percebeu o sucesso do minijogo e decidiu fazer um jogo novo

totalmente a parte, fora do jogo maior. Temos a presença de um jogo dentro do jogo

que se emancipa: mantém as mesmas regras, mas com melhorias para ser um jogo

standalone7. A versão singleplayer8 do Gwent (fora do The Witcher) é um spinoff9 do

The Witcher. Possuímos a virtualidade The Witcher 3 a qual possui um modo de ser

Witcher que existe no jogo com suas ethicidades10, onde se atualizam no Gwent

durando em um jogo no formato standalone.

Figura 2 – Gwent

4 The Witcher 3: Wild Hunt é um jogo RPG de ação desenvolvido pela CD Projekt Red e publicado pela Atari. https://thewitcher.com/en/witcher3 5 Gwent é um jogo de cartas do The Witcher, derivado do minijogo que pode ser jogado dentro do The Witcher 3: Wild Hunt. https://www.playgwent.com/pt-BR 6 CD Projekt: distribuidora polonesa de jogos. A principal divisão da empresa é o estúdio de desenvolvimento CD Projekt RED, conhecido pela série The Witcher. https://en.cdprojektred.com/ 7 Standalone é um jogo independente: não é necessário um outro jogo para o seu funcionamento. 8 Singleplayer é uma modalidade de jogo para um único jogador. 9 Thronebreaker, expansão de Gwent: jogo independente e spinoff da franquia The Witcher. https://bit.ly/2NlpuJW 10 Ethicidades são as características, o modo de ser, a virtualidade do território.

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Fonte: Moby Games. <https://bit.ly/2QtWmhr>

Com o olhar para a virtualidade do jogo, nos inquieta pensar na possibilidade

de uma coalescência de tempos. Ou então poderíamos dizer, de maneira tentativa, que

nesse game que foi gerado, o qual surgiu de outro game, coalescem imagens de outros

tempos da duração desse tipo de jogo. Percebemos a presença da incrustação de uma

coisa em outra coisa, que em princípio seria a mesma coisa. “Mas, e isso é uma

particularidade do efeito eletrônico, jamais a integridade da imagem incrustada será

destruída; ela poderá ser restituída a todo instante em sua totalidade” (DUGUET, 1991,

p. 65). Onde está presente a incrustação do jogo? Neste objeto e utilizando metáfora,

temos o jogo The Witcher sendo a “pedra” e Gwent o “coral”: Gwent enquanto um

momento dentro do jogo é um “coral” incrustado na “pedra” The Witcher (Figura 3).

Figura 3 – Gwent dentro do The Witcher

Fonte: Combo Infinito. <https://bit.ly/2paG5Bl>

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Conforme Arlindo Machado, podemos especular a incrustação como um virtual:

“um elemento pode penetrar em outro sem deixar traço, mas pode também reaparecer

novamente” (MACHADO, 2015, p. 250-251). Nota-se que o personagem principal do

jogo é retirado de sua rota de missões (Figura 4) ao se aproximar de um personagem

se incrustando em um espaço artificial autônomo dando início a partida de Gwent, onde

a imagem atravessa e acaba reencontrando outra. A partir do ensaio de uma análise

prévia em cima de um determinado jogo, é possível partir para uma reflexão sobre como

pensar o game, e também como o game se atualiza em outros games. Pensando nos

próximos passos, a pesquisa pretende ser constituída de uma arqueologia, bem como

escavação, com a intenção de identificar outras incidências de incrustação de games

em games. Desse modo, nos restam pistas para pensarmos em uma evolução

criadora11 de games através da incrustação, inscritos em uma tecnocultura audiovisual.

Figura 4 – Gwent dentro do The Witcher

Fonte: Game Blast. <https://bit.ly/2OpeBmz>

Referências

BERGSON, Henri. Memória e vida. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

BERGSON, Henri. Memória e memória. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Lisboa: Cotovia, 2001.

11 Para Henri Bergson a vida é o centro e na natureza tudo é da ordem do imprevisível, o que se caracteriza como uma evolução criadora: a vida que evolui se diferenciando das espécies. Portanto, as razões são da vida, não da consciência ou da ciência. Pensando nos games e na atualização de games em si, cabe refletir a partir deste olhar bergsoniano como se dá a evolução criadora por essa incrustação, tendo numa possível genealogia dos games.

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DUGUET, Anne-Marie. Jean-Christophe Averty. Paris: Dis Voir, 1991.

HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5. Ed.[S1]: Perspectiva, 2003.

MACHADO, Arlindo. Por um audiovisual gráfico. Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, ano 4, ed. 7, jan./jun. 2015.

PIAS, Claus. The game player’s duty: the user as a gestalt of ports. In: HUHTAMO, Erkki; PARIKKA, Jussi (Orgs.). Media Archaeology: approaches, applications and implications. Berkeley: University of California Press, 2011, p. 164-183.

VASCONCELLOS, Jorge. Arte, Subjetividade e Virtualidade: ensaios sobre Bergson, Deleuze e Virilio. Rio de Janeiro: PUBLIT, 2005.

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PING-PONG: DA CONDIÇÃO TÉCNICA DOS JOGOS DE COMPUTADOR À SUA DISPOSIÇÃO COMO OBSERVATÓRIO DA TECNOCULTURA CONTEMPORÂNEA

Eduardo Harry Luersen1 - UNISINOS

Palavras-chave

Design de jogos. Tecnocultura. Estéticas da comunicação. Filosofia da técnica.

Ao escrever sobre a experiência do jogador compulsivo que atravessava as

noites nas casas de jogos de azar de Paris, Walter Benjamin (2002), no projeto das

Passagens, menciona que uma particularidade importante da ação de jogar se mostra

na transformação da experiência do tempo daquele que joga: “as fantasmagorias do

espaço às quais o flâneur se devota”, escreve Benjamin, “encontram uma contraparte

nas fantasmagorias do tempo pelas quais o jogador é viciado. O jogar converte o tempo

em um narcótico” (BENJAMIN, 2002, p. 12).

Nos game studies, uma associação a esta ideia se dá na recorrente menção à

teoria psicológica do fluxo (flow), desenvolvida por Mihaly Csikszentmihalyi (1990). Tal

abordagem, todavia, prevê a manifestação do que o psicólogo chama de estado de fluxo

em atividades tão variadas quanto o treinamento esportivo e a prática de improviso

musical. Segundo esta teoria, um sincronismo específico entre ritmo, antecipação e

engajamento na execução de uma atividade é capaz de propiciar um estado de

envolvimento emocional intenso, relacionado diretamente às condições de desafio,

iteração e ao desenvolvimento de domínio técnico na execução de uma atividade.

Ao abordarmos as experiências dos jogos de computador, todavia, algumas

diferenças importantes com relação aos jogos de azar devem ser consideradas. A

começar pelo que podemos definir, largamente, como um “ajuste” da temporalidade do

fluxo no jogo, decorrente da indissociável ingerência da máquina nesta atividade. Na

ponderação de Benjamin, a condição de expectativa pela rodada seguinte ocupa um

papel fundamental sobre o domínio da atenção do jogador inveterado. Já a experiência

1 Doutorando no PPG em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Linha Mídias e Processos Audiovisuais, Orientado pela Profa. Dra. Suzana Kilpp. E-mail para contato: [email protected]

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sensível do jogo computacional demanda o alinhamento perceptivo do jogador ao jogo

(e à máquina) de maneira sincrônica, através da ingerência do movimento de resposta

entre jogador e máquina. Durante a experiência do fluxo do jogo, tal agenciamento se

daria através da decomposição dos gestos do jogador em unidades discretas,

descargas sincopadas de sinais e bits de entrada, do joystick para a placa-mãe, e de

volta para o monitor (BOGOST, 2018, p. 243).

Instigado por uma postura mídia-arqueológica, Peter Krapp (2018) propõe que

pensemos nos jogos de computador menos em função das habituais histórias

evolucionistas que ouvimos com frequência sobre o meio, e mais como artefatos do

estrato material da tecnocultura contemporânea. Inserindo-os, podemos dizer, no

contexto mais abrangente de uma “softwarização” da cultura (FISCHER; GREBIN,

2012). Krapp (2018) pretende, com isso, que ultrapassemos também as abordagens

que se baseiam prioritariamente em aspectos formais, de modo a tomarmos um desvio

do loop das discussões que as primeiras décadas de game studies exauriram. Ao invés

da linha do tempo e da discussão sobre o aspecto “textual”, por assim dizer, o

pesquisador se atém às condições técnicas que possibilitam aos jogos ser o que são.

Define, com isso, que para além das imagens e sons que vemos e ouvimos através da

tela e dos alto-falantes, o jogo exprime-se essencialmente por meio de duas lógicas de

razão técnica, descritas pelo autor como ping e pong: a primeira se relaciona com a

operabilidade de um tipo de verificação militar da informação que age nos videogames

e, de modo mais amplo, no software; a segunda faz menção a um imperativo industrial

por eficiência, derivado dos estudos em ergonomia, e que desponta nas interfaces de

usuário.

Ping, em uma analogia à testagem de sinais de sonares e radares da checagem

militar, portanto, corresponde ao modelo de transmissão de informação computador-

computador, que analisa o sinal e confirma ou não seu recebimento. O design de jogos

depende disso para o processamento de dados que opera no interior do sistema da

máquina e que atualiza sucessivamente as imagens e sons visíveis e audíveis.

O design dos videogames depende também, todavia, do estabelecimento de

condições de interação humano-computador, que exerce papel fundamental no seu

desenvolvimento técnico-estético. Tal forma de relação, assim, antes de apontar para

uma lógica de operação ping-ping, sugere o engendramento simultâneo de duas lógicas

distintas: ping-pong, sendo que pong se refere à gestão programada dos movimentos

de reação ao sinal inicial através da interface. É esta segunda condição que instala a

ingerência interdependente entre os movimentos consecutivos realizados entre humano

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e máquina, essencial ao efeito de controle que se estabelece na operação do jogo pelo

jogador. Esta relação também permite sublinhar o papel decisivo do desenvolvimento

tecnocultural dos jogos digitais na história do design de interação, particularmente no

estudo da economia de movimentos e da produção de condições de interfaceamento

proposta pelos artefatos computacionais – o que permitiu delegar responsabilidades de

operação ao operador, o co-criando como jogador ou usuário. Se trata do esforço de

“compatibilização” de que fala Claus Pias (2011, p. 180), em que ocorre uma espécie

de sutura entre a lógica da máquina e o corpo humano, com o computador sendo

“humanizado” através da codificação de linguagem simbólica, e o humano sendo

moldado à máquina, por meio da sua conformação técnica.

Sob tais aspectos, estamos trabalhando com questões atinentes às

problemáticas da tecnocultura e da computadorização da cultura, pertinentes à linha de

pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais. Neste contexto, considerando as lógicas

operacionais descritas por Krapp e Pias, podemos aferir que, se ping se oferece como

um exemplo da automatização disseminada na cultura do software, pong é exemplar do

modo como, ao mesmo tempo, os interfaceamentos humano-computador operam sobre

as economias da atenção dispersas na tecnocultura contemporânea através de outros

agenciamentos e artefatos computacionais. Este ponto permite aproximar a experiência

do operador de jogos digitais, sob o aspecto do seu uso, muito mais da experiência

daquele que opera outros artefatos da cultura digital, do que da experiência do jogador

de cartas, de jogos de tabuleiros etc., na medida em que ambos partilham da usabilidade

como pré-condição particular a esta forma de comunicação (KRAPP, 2011, p. 107-108).

Portanto, a partir de suas disposições materiais e condições de operação

implicadas, os jogos digitais podem deixar entrever traços de mecanismos básicos de

funcionamento de outros dispositivos da cultura contemporânea. Reside aí, sobretudo,

sua importância em uma ecologia de mídias que disputam o controle da atenção

(CRARY, 2013), de modo muito mais incisivo (e mesmo fisiológico) do que comumente

é observado. Pelo vestígio da forma como delega responsabilidades do funcionamento

do aparelho ao usuário, o jogo de computador seria uma forma para entrevermos

algumas das configurações técnicas mais rudimentares que propiciam o funcionamento

da camada computacional (MANOVICH, 2001) da tecnocultura contemporânea.

Portanto, a observação de como o regime de ping-pong opera sobre as dinâmicas de

uma cultura computadorizada – desde expressões criativas de artistas da arte-mídia,

passando pelos usos mais banais de aplicações para smartphones, até as rotinas de

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trabalho realizadas através de computadores pessoais -, torna-se central para a

compreensão dos fenômenos e agenciamentos da (tecno)cultura contemporânea.

Estas passagens, por entre as formatações técnico-estéticas dos jogos e a

tecnocultura, também são expressas pela máxima de Alexander Galloway que, na sua

descrição da performance de ações realizada nos jogos, compara que “viver hoje é, em

suma, aprender a operar menus” (2006, p. 17). Galloway procura ressaltar que aqueles

habituados aos videogames já estariam bem afeiçoados a tal atividade, embora não

necessariamente à sua crítica. Em uma tecnocultura mediada por dispositivos que

disciplinam os corpos a regimes de imersão e atenção, que produzem modos de ser e

de agir consonantes com as demandas destes próprios dispositivos, estudar os

elementos constituintes dos regimes de atenção desatenta promovidos no uso destes

aparelhos se torna uma via para perscrutamos sua construção histórica, e entendermos

as implicações de suas formas de emergência mais díspares, elaborando sua análise e

crítica. Decodificar os videogames a partir de tais traços de sua construção pode levar

pesquisas da área de volta às condições técnicas de uma cultura computacional, ou

ainda, como sugere Krapp (2011, p. 100), em direção às conformações culturais da

ergonomia das interfaces, dos gráficos computacionais e das formas e usos dos bancos

de dados.

Tratamos aqui, portanto, de expor ainda incipientemente algumas questões,

abertas a partir da possibilidade de abordar a tecnocultura através dos jogos digitais, e

vice-versa. Longe de pretendermos esfriar aqui a discussão com conclusões a respeito

do tema, preferimos sugerir, como consideração parcial para o seminário, que tal

reflexão pode contribuir para investigações paralelas e previamente percorridas no

âmbito da tecnocultura e da investigação da técnica subjacente nos meios que

operamos e que operam através de nós. Com isso, sobretudo, vislumbramos encontrar

outras inscrições possíveis para a pesquisa sobre jogos no âmbito da cultura. Tais

perspectivas carregam consigo, implicitamente, a premissa de circunvir as retóricas que

visam instrumentalizar a discussão sobre gamificação (BOGOST, 2014; FUCHS, 2014),

e que a cooptam por meio de estratégias (e estéticas) corporativas, sob um baluarte de

inovação. A partir de outra angulação, portanto, buscamos tirar da opacidade a relação

entre artefatos culturais como os videogames e os modos de ser e agir (KILPP, 2010)

no atual estágio da técnica. Nos parece que tal movimento viabiliza uma alternativa para

a problematização e investigação crítica dos meios digitais, em direção às condições da

experiência sensível que os mesmos engendram.

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Referências

BENJAMIN, Walter. The Arcades Project. Cambridge: MIT, 2002.

BOGOST, Ian. A fenomenologia dos videogames. In: Eco-Pós (UFRJ), v. 21, n. 2, pp. 230-247, 2018.

BOGOST, Ian. Why gamification is bullshit. In: WALZ, Steffen; DETERDING, Sebastian. The gameful world: approaches, issues, applications. Cambridge: MIT Press, 2014.

CRARY, Jonathan. Suspensões da percepção: atenção, espetáculo e cultura moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2013

CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Flow: the psychology of optimal experience. New York: Harper & Row, 1990.

FISCHER, Gustavo D.; GREBIN, Bárbara. Interfaces culturais e agir arqueológico: reflexões teórico-metodológicas para dissecar websites e softwares que operam pela Internet. In: Colóquio semiótica das mídias, João Pessoa: Ciseco, 2012.

FUCHS, Mathias. Rethinking gamification. Lüneburg: Meson-Press, 2014.

GALLOWAY, Alexander. On gaming: essays on algorithmic culture. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2006.

KILPP, Suzana. A traição das imagens. Porto Alegre: Entremeios, 2010

KRAPP, Peter. Noise channels: glitch and error in digital culture. Minneapolis: Minnesota University Press, 2011.

KRAPP, Peter. Seminário Déjà vu: aberrações da memória cultural. 11/05/2018. Notas de aula. Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

MANOVICH, Lev: The Language of New Media. Cambridge: MIT, 2001.

PIAS, Claus. The game player’s duty: the user as a Gestalt of ports. In: HUHTAMO, Erkki; PARIKKA, Jussi. Media archaeology: approaches, applications and implications. Berkeley: University of California Press, 2011.

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O USO DA INFORMACAO GEOGRAFICA NA CONSTRUCAO DE AMBIENTES VIRTUAIS: UM ESTUDO POSSIVEL?

Fabiana Rossi da Rocha Freitas1 – UFRGS

Palavras-chave

GIS. Sistemas de informação geografica. Ambientes. Games. Paisagem.

As tecnologias de informação geográfica (TIGs), cada vez mais portáteis e

acessíveis, estão mudando a natureza e importância da informação geográfica na vida

dos indivíduos. Elas incluem o GPS, os sistemas de auto-navegação e os celulares

geograficamente sintonizados, bem como seus sub-produtos, tais como os serviços

baseados em localização (SHEPPARD, 2008), viabilizados, geralmente, através de

Sistemas de Informação Geográfica (SIG), também reconhecidos pela sigla GIS

(Geographical Information Systems).

As diversas definições do termo Sistemas de Informação Geográfica estão

relacionadas, geralmente, à aplicação ou ao campo teórico a que os dados espaciais

estão relacionados. Nos guiaremos, aqui, por Peter Burrough, autor de uma primeiras

definições do termo, criado na década de 80, para designar "um poderoso conjunto de

ferramentas para coletar, armazenar, recuperar, transformar e exibir dados espaciais do

mundo real para determinadas finalidades" (BURROUGH; MCDONNELL; LLOYD, 2015,

p.3, tradução nossa)2.

A popularização no uso da informação geográfica exige, segundo Lin e Batty

(2009), que as interfaces com o usuário sejam cada vez mais realistas, o que configura

um desafio especialmente em termos de efeitos gráficos visuais. É o caso dos

ambientes virtuais, representações em 3D criadas, geralmente, a partir de

sensoriamento remoto com o intuito de criar diferentes experiências para os usuários,

engajando o indivíduo em interações não apenas de forma visual, mas também áudio e

de forma tátil. Tais representações são criadas geralmente tendo como base imagens

captadas por satélites.

1 jornalista e doutoranda do PPGCOM/UFRGS. Linha 1: Informação, Redes Sociais e Tecnologias. Orientadora: Suely Fragoso. Email: [email protected] 2 "a powerful set of tools for collecting, storing, retrieving at will, transforming and displaying spacial data from the real world for a particular set of purposes".

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Um exemplo é o projeto Virtual London3, criado a partir de sensoriamento

remoto pelo Centre for Advanced Spatial Analysis (CASA) da Universidade College de

Londres (Figura 2). O material foi criado para interação através do desktop e para

artefatos de realidade virtual, que pressupõe o uso de óculos especiais ou o celular para

imersão no conteúdo.

Figura 1 - Projeto Virtual London

Fonte: BURROUGH; MCDONNELL; LLOYD ( 2015)

Os chamados Virtual Geographic Environments (VGEs) são construídos a partir

de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) e da chamada Ciência da Informação

Geográfica (GI Science). De acordo com Lin e Batty (2009), a interação com o usuário

-- em relação ao computador, interface e a própria imersão -- é um componente chave

no uso desses sistemas. Segundo os autores, os ambientes virtuais sugerem uma

realidade aumentada, em que o real e o virtual estão misturados. É o caso das cidades

e paisagens virtuais, consideradas pelos pesquisadores como os precursores e mais

tradicionais tipos de ambientes geográficos virtuais.

Para Lin e Batty (2009), a expressão tradicional da realidade nos SIG sempre

foi em termos de representação e simulação de paisagens, inclusive em decorrência

dos dados serem distribuídos em camadas -- atributo característico dos SIG -- para

representar a topografia, vegetação, clima, assentamento humano, geologia,

agricultura, etc.

3 Virtual London: https://vimeo.com/226302687

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No campo da Comunicação, os autores fazem referência ao desenvolvimento

surpreendente, segundo eles, no uso dos SIG para a criação de jogos de computador e

na criação de mundos virtuais, visto que jogar traz consigo a necessidade de realidade,

que pode ser em parte ficcional (LIN; BATTY, 2009).

Nosso estudo tende a se posicionar, portanto, na fronteira entre o real e

ficcional. Sendo assim, a fim de estudar expressões espaciais dos indivíduos na relação

com paisagens virtuais criadas a partir de SIG (DI FELICE, 2009), nossa proposta para

debate está centrada na busca por perspectivas possíveis para problematizar o

tema a partir do campo da Comunicação, levando em consideração tanto o campo

dos sentidos quanto das materialidades (GUMBRECHT, 2010). Essa opção reside

no fato de acreditarmos, como postula Jean-Marc Besse acerca da paisagem, que

estamos diante de um espaço de experiências sensíveis, inclusive sensoriais (BESSE,

2014).

Paisagens virtuais

No que tange à criação de ambientes virtuais, a discussão nos remete à

minissérie Marte (Mars), que mistura ficção e realidade para mostrar (e imaginar) a

primeira missão tripulada à Marte4. A produção foi criada pela Net Geo (National

Geographic) e é considerada um drama documental por mesclar uma história ficcional

com documentário (Figura 3).

O programa foi exibido no Brasil pela primeira vez em 20165. Ao longo de seis

episódios da primeira temporada, o roteiro se utiliza de depoimentos de cientistas,

estudiosos e empresários reais da atualidade, alternando os testemunhos reais com a

fictícia Marte do ano de 2033, ano da chegada dos primeiros astronautas. As

informações divulgadas no programa, porém, não são baseadas em dados

governamentais oficiais, ou seja, da NASA, e sim da empresa privada SpaceX, que

pretende colonizar o planeta. A série foi filmada em Budapeste, na Hungria, e no deserto

do Marrocos (cenário de Marte) e seus criadores, oriundos do cinema, tinham como

meta criar uma boa dramaturgia com efeitos realistas.

O docudrama é baseado no livro "De Mudança para Marte” do escritor e

jornalista de ciência e tecnologia Stephen Petranek. O livro é uma adaptação de uma

4 Detalhes em: <https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/11/1831657-misto-de-ficcao-e-

documentario-serie-marte-coloniza-o-planeta-em-2033.shtml> 5 A série, atualmente, está disponível no Netflix.

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palestra ministrada na conferência TED, que ganhou popularidade depois do sucesso

de um outro filme, "Perdido em Marte"”, de Ridley Scott.

Além da série criada para TV, a Net Geo também lançou dois jogos de realidade

virtual (Figuras 4 e 5) na página oficial do programa no Brasil6, que permitem que o

jogador, com a ajuda de dispositivos especiais, tenha acesso ao conteúdo,

experimentando a 'sensação', ainda que imaginada, de pousar no planeta vermelho.

Figura 2 - Jogo de realidade virtual da série Marte

Fonte: página oficial/Nat Geo

Figura 3 - Captura de tela de um dos jogos de realidade virtual da série Mart

Fonte: página oficial/Nat Geo

Outro produto midiático que chama nossa atenção é o game Cities Skylines.

Nele, o jogador é o criador de sua própria cidade, tendo poder para modificar e

personalizar mapas, construir estradas, administrar recursos financeiros e erguer

6 Disponível em: http://mars.natgeotv.com/br/vr-games-brasil/

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monumentos7. Assim, considerando que o jogador define a extensão de sua cidade por

meio de suas decisões administrativas, que acumulam pontos e dão direito à

recompensas, o acesso à informação e dados sobre a cidade fazem diferença no jogo

do ponto de vista estratégico e deixam rastros estruturados sobre as táticas do jogador.

Dessa forma, a partir das trajetórias dos indivíduos, é possível observar as

decisões administrativas do jogador para manter ou escapar a disciplina de organização

da cidade (CERTEAU, 1994). Isso nos sugere, por exemplo, que as escolhas feitas

pelos jogadores na criação de suas cidades ou a maneira com que exploram as

paisagens podem apontar caminhos para o pesquisador observar sua ação, captando

percepções individuais e atitudes dos atores presentes na dinâmica. Do ponto de vista

do indivíduo, também é possível entender sua perspectiva perante as materialidades no

mundo real e virtual.

Figura 4 - Captura de tela do jogo City Skylines

Fonte: manual do jogador

Conclusões preliminares

Propomos, aqui, uma reflexão acerca do uso de Sistemas de Informação

Geográfica (SIG) na criação de ambientes virtuais, a fim de encontrar caminhos para

problematizar o tema a partir do campo da Comunicação. Trouxemos, para fins de

7 O game também pode ser acessado através de dispositivos de realidade virtual (https://youtu.be/hltskiyMAlY).

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ilustração, diferentes exemplos de paisagens virtuais que chamam nossa atenção,

especialmente em jogos de computador. Nosso interesse pelo uso dos SIG, porém,

abrange narrativas hipermídia audiovisuais de forma geral, tendo como objetivo

entender de que forma os dados geolocalizados são utilizados para contar histórias reais

e ficcionais. É o caso do uso de SIG por jornalistas, por exemplo, para criar mapas

interativos em investigações baseadas em localização.

Nesse resumo, concentramos nossa atenção nas paisagens construídas para

ambientalizar produtos midiáticos, tentando tecer relações entre os sentidos e as

materialidades acionadas desde a criação do produto até a experiência do usuário. Essa

breve observação nos leva a questionar se o uso dos SIG na criação de ambientes

virtuais é capaz de influenciar, de alguma forma, as práticas espaciais dos indivíduos.

Do ponto de vista da produção dos produtos, tais problematizações nos

tensionam a levar em consideração, ainda, possíveis interfaces com a computação, a

fim de observar de que forma esses produtos são criados a nível dos metadados dos

SIG, etapa do trabalho em que é possível justapor dados espaciais e -- quem sabe --

influenciar na percepção dos indivíduos perante a realidade.

Referências

BESSE, Jean-Marc. O gosto do mundo: exercícios de paisagem. Rio de Janeiro: UERJ, 2014.

BURROUGH, Peter A; MCDONNELL, Rachael A; LLOYD, Christopher. Principles of Geographical Information Systems. Nova York: Oxford University Press, 2015.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Editora Vozes, 1994.

DI FELICE, Massimo. Paisagens pós-urbanas: o fim da experiência urbana e as formas comunicativas do habitar. São Paulo: Annablume, 2009.

GUMBRECHT, Hans U. Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro, Contraponto/Editora da PUC Rio, 2010, p. 7-118

LIN, Hui; BATTY, Michael. Virtual geographic environments: a primer. In: LIN, Hui; BATTY, Michael. Virtual Geographic Environments. Science Press, Beijing.

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REMEDIAÇÕES EM SITES DE GEOLOCALIZACAO: O “EU SOU AMAZÔNIA”, DO GOOGLE EARTH

Madylene Barata1 - UNISINOS

Palavras-chave:

Webdocumentário. Eu sou Amazônia. Google Earth. Remediação.

O presente trabalho propõe uma reflexão acerca dos processos de remediação

no webdocumentário Eu sou Amazônia, do site de geolocalização Google Earth. Como

aporte teórico, utilizou-se o livro Remediation: understanding new media (2000), de

Bolter e Grusin, uma obra indispensável para se discutir as apropriações de

novas/velhas mídias.

Este exercício é um recorte da pesquisa de mestrado em andamento, que

possui até então o título “Atualizações audiovisuais em softwares: o Webdocumentario

“Eu sou Amazônia”, do Google Earth, em que pretendo entender como o

webdocumentário apresentado pelo Google Earth atualiza modelos narrativos

audiovisuais através de novos recursos técnicos e estéticos - como o suporte em tempo

real de uma geolocalização e a criação de diversas telas.

O Google Earth é um produto da empresa estadunidense Google. Faz parte de

um ambiente digital que agrega o mesmo princípio de outros softwares, como o Google

Maps e o Google Street View. Além de outros produtos informacionais, encontra-se o

Webdocumentário Eu sou Amazônia, na ferramenta “Viajante”, do software Google

Earth, possui versão em inglês e português.

O webdocumentário é composto por onze histórias interativas, que contam com

produções do diretor cinematográfico brasileiro Fernando Meireles, da O2 Filmes, e com

a parceria com o Instituto Socioambiental (ISA). Os títulos de cada narrativa do Eu sou

Amazônia são: Eu sou mudança; Eu sou água; Eu sou raiz; Eu sou Alimento; Eu sou

Inovação; Eu sou Liberdade; Eu sou Resistência; Eu sou Resiliência; Eu sou Aventura;

Eu sou Conhecimento e Terras Indígenas. O conteúdo deste webdocumentário busca

uma conscientização acerca da importância da Amazônia para o mundo.

1 Mestranda do segundo semestre no PPGCOM da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Linha Mídias e Processos Audiovisuais, Orientada pelo Prof. Dr. Gustavo Fischer. E-mail para contato: [email protected]

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Figura 01: Imagem da janela inicial do webdocumentário “Eu sou Amazônia”

Fonte: Google Earth

O programa de computador Google Earth se mostra em busca constante de

aperfeiçoamento e de ambientes para produção de novos circuitos. Utiliza de suas

interfaces para potencializar as competências interativas que seu software possibilita.

Com o webdocumentário Eu sou Amazônia, o objetivo principal é de criar e expandir

uma ideia de pertencimento com o território amazônico.

Os aportes teóricos pensados para o desenvolvimento da pesquisa se

encaminham para a discussão da Tecnocultura, Audiovisualidades e Softwares e

interfaces da cultura. Para corresponder ainda mais aos objetivos da pesquisa e

seguindo a percepção do formato do objeto, compreendeu-se a necessidade de se

incluir concepções de remediação.

Assim, compreende-se as audiovisualidades (KILPP, 2010) que se desdobram

em atualizações. Propõe-se, também, movimentos reflexivos a partir do conceito de

interfaces culturais da web, segundo Manovich (2001), partindo da premissa de que elas

se situam em um contexto tecnocultural (FISCHER, 2013). Os estudos sobre

remediação e simultaneidade ainda estão em desenvolvimento, tendo como principais

teóricos Bolter e Grusin (2000) e Bergson (2006), respectivamente.

Remediação foi um termo amplamente trabalho por Bolter e Grusin em uma

publicação com o título em inglês Remediation: understanding new media, com data da

primeira publicação em 1999. Desde lá, a obra é referência para quem busca entender

as mídias em seu processo de revitalização. A obra possui três capítulos e se manifesta

por discussões teóricas e utilizações práticas do conceito.

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Para chegar a concepção de remediação, Bolter e Grusin (2000) trabalham

com a noção de imediação e hipermediação, ambos são pensados como lógicas

contraditórias e servem de base para enxergar o processo de remediação nas mídias.

Na obra, a hipermediação pode ser compreendida como os materiais que facilitam a

experiência em diversas mídias, seriam as janelas de acesso, a interferência e utilização

dos meios; e a imediação como transparência, em que se pode entrar em contato direto

com o conteúdo, sem uma interferência direta do meio

Remediação traz a ideia de que uma mídia renova ou aperfeiçoa as formas de

uma mídia anterior, ou seja, todas as mídias que entramos em contato não se

configuram como um objeto inovador, elas são fruto de um processo de aprimoramento

de uma mídia antiga, com outros traços e visuais. Assim, as velhas mídias são realçadas

por mídias atuais, recebendo, por vezes, uma outra utilização ou, eventualmente, uma

forma de acesso diferente. Para os autores:

Remediarion did not begin with the introduction of digital media. We can identify the same process throughout the last several hundred years of Western visual representation. A painting by the seventeenth-century artist Pieter Saenredam, a photograph by Edward Weston, and a computer system for virtual reality are different in many important ways, but they are all attempts to achieve immediacy by ignoring or denying the presence of the medium and the act of mediation. (BOLTER; GRUSIN, 2000, p. 11)

Os meios não podem ser pensados isoladamente, porque o hibridismo se

configura como inerente às atuais tecnologias, apesar disso as mídias não se

apresentam como algo novo, recente. Desde antes de um avanço tecnológico era

possível perceber modos de pensar o mundo de forma aperfeiçoada, utilizando de

mecanismos antigos para um produto novo ou mídias renovadas, segundo Bolter e

Grusin (2000).

A interação e a utilização de vários elementos (textos, imagens, jogos) para

tratar de um tema é inerente a qualquer produto webdocumentário. O que é pertinente

destacar no caso Eu sou Amazônia, é como o Google Earth adaptou a sua proposta,

aliando uma plataforma sistêmica, contendo unidades de conteúdos que podem ser

agregadas a um só ambiente. Assim, o programa do Google traz o webdocumentário

Eu sou Amazônia para atribuir outras dinâmicas de interação em um novo contexto de

produção de sentido para o seu conteúdo.

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Figura 02: Imagem de uma das narrativas do webdocumentário “Eu sou Amazônia”, relacionada ao povo Tembé.

Fonte: Google Earth

A imagem acima é um print retirado do webdocumentário, nela é possível

enxergar as múltiplas janelas de acesso. É possível saber da localização exata em que,

neste caso o Povo Tembé, se encontra, ao mesmo tempo que posso explorar o mapa

com as atividades do povo, posso acessar informações e assistir a vídeos e ver

fotografias retiradas na mesma região. Uma antiga mídia como um mapa se torna, nessa

experiência, um acesso plural a uma comunidade fisicamente distante.

O caráter heterogêneo do software se potencializou através de um formato com

recursos audiovisuais. É possível durante a experiência no webdocumentário, passear

pelas regiões em um ambiente 3D, o que reforça a ideia de imediação, na qual nos

coloca mais próximo da realidade da região e de cada população cartografada.

A partir da ideia de Bolter e Grusin (2000), em que todo meio é capaz de mediar,

compreendemos que o software Google Earth em suas várias possibilidades de

produção de conteúdo é um caso em que a remediação se torna explícita. Com o “Eu

sou Amazônia”, o encontro entre diferentes mídias, o aperfeiçoamento do acesso,

demonstram um outro modo de ser para sites e aplicativos de geolocalização.

A busca por atingir transparência e multiplicidade é contida desde o início do

acesso ao webdocumentário, principalmente ao reforçar a utilização dessas diversas

telas simultaneamente. Como é visto a seguir:

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Figura 03: Imagem de uma das narrativas do webdocumentário Eu sou Amazônia, relacionada aos Yanomami.

Fonte: Google Earth

Em um momento de observação do objeto e a reflexão do conceito de

remediação, buscou-se compreender qual o meio que está remediando o outro. Mas

dentro dessa discussão foi possível refletir que todos os meios envolvidos são

impactados. Aqui as velhas mídias são remediadas, como por exemplo, na imagem

anterior é possível encontrar as características das velhas mídias como o mapa, o jornal

impresso, a fotografia e o cinema.

Nesse sentido, a questão da experiência do eu com as mídias é um foco

pertinente para pensar a remediação, entendendo que as mídias atuais, aperfeiçoadas

com a ajuda de novas tecnologias, apresentam experiências aos usuários que o torne

cada vez mais próximo do conteúdo e o garanta uma facilidade na utilização.

Utilizando da técnica e da arte cinematográfica, o Google Earth inseriu em seu

software uma nova proposta para o usuário, que, com maior vigor, se torna modificador

e protagonista. As mídias contemporâneas apresentam ao usuário experiências que se

tornam necessidades emergentes, e através de um velho modo de representar o mundo

(ao contar histórias, mapear localizações distantes, entre outros) cria oportunidades de

interação e construção de sentido em mídias remediadas.

A proposta de discussão com o recorte aqui apresentado da pesquisa é refletir

como diferentes mídias se atualizam em softwares e se tornam capazes de produzir

diferentes modos de agir no ambiente da web, tal como o Google Earth se torna produtor

de narrativas que vão além da localização geográfica em determinados pontos do mapa

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virtual, o software agora faz parte de um ambiente híbrido de texto, vídeo, fotografia e

mapa, em que o sujeito narrador vai desvendando velhas mídias em novo ambiente, a

partir do tensionamento do webdocumentario “Eu sou Amazônia”.

Referências

BOLTER, Jay David; GRUSIN, Richard. Remediation: understanding new media. Cambridge: MIT Press, 2000.

FISCHER, Gustavo D. Cinema em devir nos Games: por um olhar arque-genealógico nas interfaces culturais. In: GERBASE, Carlos; GUTFREIND, Cristiane Freitas (org). Cinema em choque: Diálogos e Rupturas. Porto Alegre: Sulina, 2013. p. 195 - 214.

KILPP, Suzana. Imagens Conectivas da Cultura. In: SILVA, Alexandre; ROSÁRIO, Nísia M.; KILPP, Suzana (org.). Audiovisualidades da Cultura. Porto Alegre: Entremeios, 2010. p.19-36.

MANOVICH, Lev. The Language of New Media . Cambridge: Massachusetts Institute of Technology, 2001.

SILVEIRA, Fabrício. Remediação e extensões tecnológicas do grafite. Disponível em http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R0319-1.pdf , acesso em 23 jul. 2018.

Site visitado

Eu sou Amazônia, do Google Earth. Disponível em: https://goo.gl/GfJhGo. Acesso em 13 set. 2018.

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A BIBLIOTECA E O JOGADOR: RELAÇÕES HERMENÊUTICAS E NÃO-HERMENÊUTICAS EM SKYRIM

Natan Fritscher Kussler1 - UFRGS

Palavras-chave

Bibliotecas. Representações de bibliotecas. Games.

As relações entre usuários e bibliotecas têm sido estudadas por muito tempo

no campo da Biblioteconomia. A biblioteca, uma das instituições mais antigas que

perdura até hoje, nem sempre procurou servir aos usuários como na atualidade. Dessa

forma, algumas representações podem diferenciar bastante do tipo de biblioteca que

procuramos construir atualmente. Nesse sentido, procuro pesquisar não só como a

biblioteca é representada em um mundo bem diferente do nosso (dentro de um game),

mas também gostaria de pesquisar como os jogadores se relacionariam com uma

biblioteca em um mundo tão diferente do nosso (no caso, um mundo de fantasia

medieval). Aqui, busco tanto os significados abstratos que os jogadores dariam à

biblioteca, quanto possíveis afetos e emoções que eles tenham em relação a ela

enquanto jogam. Para isso, selecionei o game The Elder Scrolls V: Skyrim (2011), mais

popularmente conhecido apenas como Skyrim, não apenas por conter uma biblioteca,

mas também por dar uma razoável liberdade de interação ao jogador, onde ele pode

não apenas fazer coisas “normais” como ler os livros e conversar com o bibliotecario,

como também pode, se desejar, roubar os livros, incendiar a biblioteca e matar o

bibliotecário. O game também conta com uma versão em que é possível jogar com um

Óculos de Realidade Virtual, o que pode facilitar o estudo, principalmente ao analisar as

emoções dos jogadores enquanto jogam, por ser uma experiência bastante material e

intensa.

Os games são um objeto de estudo razoavelmente recente, ainda mais no

Brasil. Vejo esse projeto como uma possibilidade de unir dois campos que gosto e que

raramente se cruzam: games e Biblioteconomia. Compreender como os jogadores se

relacionam com uma biblioteca em um game pode ajudar possíveis estudos sobre

1 Mestrando no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Informação, Redes Sociais e Tecnologias, Orientado pela Profa. Dra. Suely Dadalti Fragoso. E-mail para contato: [email protected]

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usuarios de bibliotecas que, muitas vezes, se focam apenas em “necessidades de

informação”, ou seja, no campo abstrato, dando prioridade ao pensamento, ao invés de

possíveis afetos entre usuário e biblioteca. Isso pode ser interessante principalmente no

cenário atual, onde muitas bibliotecas estão sendo digitalizadas, algo que ainda é visto

com muita resistência por alguns bibliotecários.

Para analisar a biblioteca em Skyrim, pretendo utilizar como referencial teórico

a Teoria das Representações Sociais (TRS) de Serge Moscovici (2011), que disserta

sobre como nossos diversos tipos de representações são modos de compreender um

objeto, entidades que têm vida própria dentro de uma determinada sociedade. Outros

autores também dissertam sobre a teoria de Moscovici, como Jodelet (2001) e

Jovchelovitch (2004). Dessa forma, seria uma análise basicamente hermenêutica (aqui,

utilizando o conceito de hermenêutica de Gumbrecht [2010] em que hermenêutica é a

tentativa de compreender significados abstratos) da biblioteca. Autores que falem

especificamente sobre representações ficcionais também podem ser muito úteis.

É minha intenção, também, formar um panorama da biblioteca na atualidade,

principalmente em face ao período da Modernidade e de uma nova forma de capitalismo

(que pode surgir com nomes diversos). Entre os autores sobre Modernidade que podem

ser úteis e que são de meu conhecimento, destaco Latour (1994), Benjamin (1996),

Crary (2012), entre outros, como autores da Escola de Frankfurt e, muito provavelmente,

autores que eu ainda desconheço. Muitos também dissertam sobre esse novo tipo de

capitalismo, como Deleuze (1992), Corsani (2003), Freedman (2012), entre outros.

Autores que falem sobre a história das bibliotecas, como Santos (2012) e Martins (2002)

também podem ser úteis nesse sentido. Pretendo, assim, relacionar a biblioteca com

diversos conceitos como a reprodutibilidade de Benjamin, o hibridismo de Latour, o

produto nunca finalizado de Deleuze, a inovação do conhecimento de Corsani, a

Indústria Cultural de Adorno e Horkheimer (2011), entre diversas características para

melhor compreender a constituição da biblioteca na atualidade e suas relações tanto

com seus usuários quanto com seus produtos, que não são (e talvez nunca foram)

apenas os livros.

Como desejo também estudar a parte não-hermenêutica, abordando

principalmente o afeto dos jogadores com a biblioteca do game, utilizarei autores que

falem da importância da materialidade, algo que comecei a estudar recentemente e que

tem me interessado bastante. Destaco, principalmente, Gumbrecht (2010), que fala do

campo “não-hermenêutico”. O campo não-hermenêutico seria, de acordo com o autor,

o que leva em questão a materialidade em oposição ao mero sentido abstrato (ou

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metafísico) para formar significado. Ou seja, que o aspecto material de um objeto é tão

importante quanto seu aspecto metafísico, sua “ideia”. É o que nos leva, por exemplo,

a nos sentirmos afetados, fascinados por algum produto ficcional mesmo que ele esteja

em um idioma que não compreendemos, ou mesmo quando compreendemos o idioma,

porém a história nos confunde. Contudo, é importante ressaltar que Gumbrecht fala de

campo “não-hermenêutico”, e não “anti-hermenêutico”. Ou seja, o significado de algo é

composto tanto pela materialidade do objeto quanto por possíveis significados

abstratos, sendo esses últimos normalmente mais “favorecidos” em pesquisas. Ainda

almejo, talvez, utilizar o conceito de afeto do filósofo Baruch Spinoza para melhor

compreender a relação jogador-biblioteca-game. Embora nunca o tenha lido, sei que ele

conceitua o afeto de forma diferente ao que estamos habituados quando a palavra

“afeto” é utilizada no senso comum, e que pode ser um conceito interessante para esse

projeto.

Por fim, pretendo também dissertar sobre os games, que são justamente o meu

objeto teórico, e aqui entra meu maior problema teórico até o momento, visto que sou

basicamente um novato nos chamados game studies, e meu conhecimento sobre

experiências de gameplay e relações jogador-game é praticamente nulo, necessitando,

portanto, de muitos referenciais nessa área, visto que a considero como crucial para

compreender a relação jogador-game.

Como metodologia, visto que quero compreender as relações de outros

jogadores com a biblioteca em Skyrim, gostaria de convidar um grupo de jogadores

(ainda não sei como, mas provavelmente utilizando alguma rede social) para jogar por

alguns minutos o game dentro do cenário da biblioteca (sem informá-los sobre o que é

o estudo), onde eles poderão fazer o que quiserem, inclusive ir embora da biblioteca.

Após a sessão de gameplay onde, possivelmente, haverá o uso do Óculos de Realidade

Virtual, serão realizadas entrevistas com os jogadores. Aqui entra também uma grande

dificuldade: entrevistar os jogadores sobre o que eles acharam da biblioteca e pedir para

atribuírem significados parece simples. No entanto, como “medir” o afeto, as emoções

dos jogadores em relação à biblioteca? Isso poderia ser feito com uma simples

entrevista? Essa é a grande questão não só dessa pesquisa, mas, ao meu ver, de todo

trabalho que busque pesquisar a materialidade dos games. Ainda, para analisar a

biblioteca, pretendo utilizar a análise de audiovisuais ou a análise de conteúdo. O estudo

se constitui, assim, com metodologia qualitativa, de cunho básico.

Em suma, creio ter um grande desafio pela frente. Reconheço que o projeto

parece ser ambicioso demais, e creio que inicialmente deva ser assim. Afinal, todo

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projeto sofre recortes, e algo só sofre recortes se for grande, e, assim, procurei incluir

um grande número de conceitos e possibilidades já tendo em mente que elas podem

ser recortadas na versão final do projeto. O que não tenho ideia ainda é do que cortarei.

Creio que, além disso, minhas maiores dúvidas estão no tamanho do meu referencial

teórico, visto que venho de um campo bastante técnico que é a Biblioteconomia, e na

metodologia, principalmente na parte da materialidade.

Referências

ADORNO, T; HORKHEIMER, M. A indústria cultural: o iluminismo como mistificação de massa. In: LIMA, Luiz Costa. Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 179-238.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996. (Obras escolhidas).

CORSANI, Antonella. Elementos de uma ruptura: a hipótese do capitalismo cognitivo. In: COCCO, Giuseppe; GALVÃO, Alexander Patez; SILVA, Gerardo (Orgs.). Capitalismo cognitivo: trabalhos, redes e inovação. Rio de Janeiro: Dp&a, 2003. p. 15-32.

CRARY, Jonathan. Técnicas do observador: visão e modernidade no século XIX. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.

DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedades de controle In: DELEUZE, G. (Org.). Conversações: 1972-1990. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. p. 219-226.

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136

GT COMUNICAÇÃO,

EDUCAÇÃO E MEIO AMBIENTE

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SOBRE QUAL SUSTENTABILIDADE ESTAMOS FALANDO? POLISSEMIAS DA SUSTENTABILIDADE NA PUBLICIDADE

Caroline Maldaner Jacobi1 - UFRGSl

Palavras-chave

Publicidade e Propaganda. Recepção. Meio ambiente. Sustentabilidade.

Para o autor porto-riquenho Colón Zayas (2001), o gênero comunicacional da

publicidade, desde seu surgimento, exerce papel protagonista na manutenção do

sistema capitalista a partir da criação de um novo tipo de subjetividade humana

fragmentada. Ele retoma que seu nascimento acontece após as primeiras crises do

sistema capitalista, as quais denotaram que o novo modelo econômico necessitava de

formas para fomentar o consumo, garantindo sua orientação para um desenvolvimento

desenfreado (COLÓN ZAYAS, 2001). Mais recentemente, por volta dos anos 1970,

Colón Zayas (2001) sublinha que a publicidade também deu suporte a intensificação do

sistema capitalista, ocorrida na forma de grandes transformações nos sistemas

financeiros e de tecnologias da comunicação, culminando na globalização e na

suavização dos embates entre classes (HARVEY, 1989 apud COLÓN ZAYAS, 2001).

Dessa forma, Colón Zayas (2001) ressalta que a publicidade atua como um

sistema de enculturação ao capitalismo, legitimando o projeto moderno burguês. Para

isso, ela também se vale de um discurso estético que aborda a sensorialidade e a

sensualidade dos corpos, o qual acompanha o momento em que as novelas caem na

graça das massas, e no qual ocorrem quebras nas fronteiras das esferas público-

privadas (COLÓN ZAYAS, 2001).

Com finalidade declaradamente oposta, a emergência dos movimentos

ambientalistas, ocorrida nos anos 1960, declarou a necessidade de se encarar a

insustentabilidade da proposta de desenvolvimento desenfreado nos moldes

exponenciais e predatórios do projeto capitalista, registrada por cientistas em manifesto

na publicação The Ecologist.

1 Mestranda no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul , Linha Cultura e Significação, Orientado pelo Profa. Dra. Elisa Reinhardt Piedras. E-mail para contato: [email protected]

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Dessa forma, percebemos que, desde os anos 1960, está lançada a

necessidade de uma mudança de paradigma, com um clamor por uma reorganização

de sociedade em direção à ecologia, sem deixar os fins econômicos sobreporem a

preservação das condições de vida da Terra como a conhecemos. Conforme Zhouri et

al (2005), na mesma época, o campo das ciências sociais também propôs

questionamentos às dicotomias objetividade-subjetividade, agente-estrutura e natureza-

cultura que vinham sendo fortemente propagadas desde o século XIX:

Nos anos de 1960, diversos movimentos sociais, acompanhados por debates epistemológicos no campo da ciência, lançaram novas bases para as tentativas de superação desses pares dicotômicos próprios do pensamento ocidental. Como esforço de recuperação da imbricação entre natureza e cultura, interessa destacar a emergência de uma crítica ambiental à moderna sociedade industrial representada pela ecologia política. (ZHOURI et al, 2005, p. 13)

Contudo, juntamente com os movimentos transformadores de ecologistas e de

grupos de cientistas, também ocorre uma adequação da pauta ambiental ao

crescimento econômico, o chamado "ambientalismo de resultados", pautado pelas

diretrizes do "desenvolvimento sustentável" e da "modernização ecológica". Assim, este

se configura como uma "revolução da eficiência" que atua em lógica diversa da

"revolução da suficiência" orientada pelos princípios ecológicos (ZHOURI et al, 2005).

Nesse cenário, a palavra sustentabilidade, que surgiu com sentido ecológico, ganha

roupagens de "desenvolvimento sustentável", pois, como discorre Baldissera (2009), é

uma expressão da ordem do polissêmico. Por ter significado abrangente que

compreende três objetivos em um só é, comumente vinculado ao sentido econômico e

é frequentemente expropriada, apropriada e mistificada para fins diversos.

A partir de um breve histórico dessas esferas sociais com objetivos

aparentemente oposicionais, este projeto se propõe a ir além das declaradas

divergências entre a publicidade e a sustentabilidade ambiental, observando as formas

pelas quais a publicidade procura comunicar as temáticas ambientais e como receptores

percebem tais controvérsias entre discursos e práticas ambientais das marcas.

Para Piedras (2009), a publicidade não se restringe à venda de produtos e a

promoção de mensagens comerciais, acionando sentidos valorizados na cultura

(PIEDRAS, 2009). Abordando a publicidade no meio televisivo, Martín-Barbero (2003)

aponta que esta se vale tanto da linguagem da programação da televisão, que gera

proximidade com o cotidiano, quanto da linguagem mágica do cinema, valendo-se de

diversas linguagens e recursos para persuadir o receptor. Essa também estabelece

relações intertextuais múltiplas tanto com a própria programação de entretenimento da

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televisão quanto com tópicos de relevância social abordados nos noticiários dos

telejornais. E apesar de ser, por vezes, considerada um gênero secundário, em virtude

de ter como característica o consumo involuntário2, é preciso lembrar que a publicidade

ainda é a forma de sustentação financeira que permite a produção dos demais gêneros

midiáticos para a população de forma "gratuita".

Assim, multifacetada e controversa, a publicidade torna-se um objeto de estudo

digno de ser observado em sua articulação com a sociedade, o que dá destaque aos

estudos de recepção, foco deste trabalho que aborda a produção de sentido de

consumidores de televisão adultos de alta escolaridade sobre a sustentabilidade

ambiental a partir das representações de natureza e meio ambiente presentes no fluxo

televisivo da mídia de maior audiência do país, o horário nobre da emissora Globo.

Por compreender a comunicação em sua forma processual, a metodologia

deste projeto contempla duas etapas de coleta, descrição e análise, sendo a primeira

composta de dados documentais (revisão bibliográfica, estado da arte e análise do fluxo

televisivo) e a segunda de dados observacionais (entrevistas semi-estruturadas com

assistência de um trecho do fluxo televisivo).

A partir da realização da etapa de coleta, descrição e análise da etapa referente

aos dados observacionais, é possível observar que existe, atualmente, uma forte

presença das representações de natureza e meio ambiente no fluxo publicitário

televisivo da emissora Globo de televisão. Essa fica denotada a partir de trechos

educativos como os de Globo Natureza, no oferecimento de novelas por parte da marca

Natura e, em diversos outros anúncios, no protagonismo de elementos naturais, os

quais são utilizados como recursos estéticos.

No entanto, a sustentabilidade ambiental e a abordagem de temas referentes

à preservação do meio ambiente não é abordada, o que pode ter como causa as

restrições aos apelos de sustentabilidade reforçadas pelo CONAR a partir da publicação

do anexo U em 7 de junho de 2011. Também fica evidente a superficialidade com que

a sustentabilidade ambiental é debatida, baseada na individualização das

responsabilidades pelos problemas ambientais, como o descarte correto dos bens e no

não-desperdício de recursos.

Já a partir da etapa de análise dos dados observacionais, é possível sintetizar

que, apesar de tenderem a restringir suas produções de sentido sobre sustentabilidade

ao âmbito das práticas individuais de consumo e descarte, os receptores percebem

2 É veiculada na pausa ou interrupção dos demais produtos midiáticos.

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muitas controvérsias nas representações de natureza e nas tematizações da

sustentabilidade, como a campanha da Globo "Agro é Pop", patrocinada pela JBS e pela

Ford Ranger. Os receptores também acreditam ser positivo que o tema ganhe

visibilidade a partir da publicidade, apesar de perceberem que este é tratado de forma

superficial nos anúncios.

O debate é, então, aberto à leitura e contribuição dos colegas, e enriquece o

exercício analítico do pesquisador, o auxiliando a procurar caminhos que possam

responder às suas dúvidas: é possível pensar uma forma de publicidade das grandes

marcas nas mídias de comunicação de massa que não distorça o sentido ecológico da

sustentabilidade em detrimento do desenvolvimento sustentável? É necessário e

positivo vincular o aporte teórico à visão de poucos autores referentes às questões

ambientais em meio a uma grande quantidade de bibliografias?

Referências

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COLÓN ZAYAS, Eliseo. Publicidad y hegemonía: matrices discursivas. Bogotá: Editorial Norma, 2001.

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PIEDRAS, Elisa Reinhardt. Fluxo publicitário: anúncios, produtores e receptores. Porto Alegre: Sulina, 2009.

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A CRÍTICA DA MÍDIA ATRAVÉS DAS PRÁTICAS JORNALÍSTICAS

Cristine Rahmeier Marquetto1 - UNISINOS

Palavras-Chave

Crítica da Mídia. Educação para mídia. Práticas Jornalísticas. Procedimentos

de Controle. Alfabetização em Jornalismo.

Introdução

Este artigo apresenta as colocações iniciais da pesquisa de doutorado em

andamento que tem como tema a crítica da mídia, especificamente a jornalística, e o

relacionamento dos sujeitos sociais com a mídia. A intenção é ofertar maneiras de os

sujeitos interpretarem os conteúdos jornalísticos com discernimento e autonomia,

favorecendo as democracias modernas. Nesse cenário de sobrecarga de informações,

fake news e desinformação, o assunto da educação para mídia começa a ser debatido

com mais frequência, utilizando-se ultimamente o termo da alfabetização midiática.

Existem estratégias para formar cidadãos mais conscientes em relação à mídia

e que são voltadas para educação para mídia – além da alfabetização midiática, mídia-

educação e educomunicação mais regularmente. Esses conceitos não estavam

suficientemente esclarecidos para que fosse possível dar sequência à pesquisa, o que

ocasionou uma busca exploratórias dos termos. O que encontramos de mais essencial

nas iniciativas observadas foi a questão da crítica: sem ela, as abordagens ficam

superficiais ou meramente didáticas.

Mas para que seja viável fazer crítica, é preciso conhecer o objeto a ser

criticado. Não se faz crítica sobre o que não se conhece, sobre um assunto cujo qual

não se está familiarizado. A prática jornalística é composta por procedimentos de

controle (e de resistência) que determinam sua atuação, sua forma de agir. Os sujeitos

precisam conhecer essas práticas para poder fazer inferências críticas sobre elas.

Educação para Mídia

1 Doutoranda no PPG em Ciências da Comunicação da Unisinos, linha Linguagem e Práticas Jornalísticas, orientada pelo Profa. Dra. Beatriz Marocco. E-mail para contato: [email protected].

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Buscando compreender as circunstâncias do conceito de educomunicação,

identificamos que a preocupação gira em torno das melhorias e aperfeiçoamentos dos

processos pedagógicos, no sentido de integrar as mídias dentro da sala de aula,

auxiliando a educação. Para Soares (2011), a comunicação é vista como um

componente do processo educativo, onde a comunicação se torne um eixo central na

educação para educar através dela. A ideia é capacitar os estudantes da educação

básica, fazê-los compreender como a mídia funciona e poderem atuar com mais

propriedade nas mídias. Mas fica claro em alguns textos de pesquisadores da área

(BACCEGA 2011; FIGARO 2011; TODA y TERRERO 2011) que o foco está em uma

metodologia da educação, voltada aos meios, na ideia de repensar práticas de sala de

aula que contemplem a mídia e sua utilização por professores e alunos.

A preocupação dos aspectos teórico-metodológicos de mídia-educação,

segundo Fantin (2011), é com as mediações escolares também. A ideia é trazer a

temática das mídias para ser problematizada na escola, potencializando as práticas

escolares. Essas mediações pedagógicas:

visam capacitar crianças e professores para uma recepção ativa e uma produção responsável que auxilie na construção de uma atitude mais crítica em relação ao que assistem, acessam, interagem, produzem e compartilham, visto que a precariedade da reflexão sobre linguagens, conteúdos, meios e interesses econômicos impede uma compreensão mais rica (FANTIN, 2011, p. 28).

Fantin (2005) situa a mídia-educação no âmbito das ciências da educação e do

trabalho educativo, considerando as mídias como um recurso para a formação. As

mídias seriam, então, um recurso para formar melhor os alunos, formar cidadãos. É

como se a comunicação fosse um objeto do campo mídia-educação, que pode aparecer

como metodologia de trabalho, análise de texto, análise do consumo, entrevistas,

etnografia, etc. A ideia de transformar a escola está muito presente, reconduzindo-a

para a centralidade da problemática.

Muito significativas, as ações de mídia-educação e educomunicação refletem

um cuidado com os currículos educativos e com um aprimoramento pedagógico. Esse

não é, entretanto, o cerne da questão desta pesquisa. Outro termo, mais usado no

século XXI devido em grande parte à adoção pela UNESCO, é alfabetização midiática.

O termo se refere às capacidades e habilidades de encontrar, selecionar, analisar,

avaliar e armazenar informações, independente dos códigos e técnicas envolvidas. A

pesquisadora suíça Feilitzen (2014, p. 15) descreve:

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Alfabetização midiática, ou o termo mais em voga, alfabetização midiática e informacional, refere-se a conhecimentos, habilidades ou competências que nós devemos adquirir em relação à mídia. Já a educação midiática – ou educação para mídia, educação para comunicação, etc. – refere-se a um dos processos para obter alfabetização midiática. Assim, enquanto alfabetização midiática é o objetivo, educação midiática é um meio para atingir esse objetivo.

No entanto, a pesquisadora enfatiza que os significados entre estes termos são

comuns em âmbito internacional, pois tanto um quanto outro “sugerem que todas as

pessoas devem ter acesso à mídia, entender como a mídia atua e opera na sociedade,

devem ter condições de analisar e refletir criticamente sobre os conteúdos presentes na

mídia, e participar da produção midiática ou comunicar-se numa série de contextos”

(FEILITZEN, 2014, p. 15). O entendimento de Media Literacy, ou alfabetização midiática,

é tido como “Entender como a mídia de massa trabalha, como ela constrói a realidade e produz

significado, como a mídia é organizada e saber como usá-la sabiamente2” (JACQUINOT-

DELAUNAY et al, 2008, p. 21).

Os termos apresentados têm em comum a relação entre educação e

comunicação e a intenção de promover ações de educação para mídia. As mídias são

os meios para a informação, para a cultura, para cidadania e, mais do que nunca, é

preciso aprender a questionar suas mensagens, mas não apenas isso: para garantir

uma democracia representativa, é preciso munir os sujeitos das ferramentas para que

se expressem e participem socialmente. O mundo globalizado e tecnológico implica

mudanças, e entre elas estão as múltiplas alfabetizações, principalmente a voltada para

mídia.

Alfabetização em Jornalismo: conhecendo os procedimentos de controle

A crítica se apresenta como um fator chave para pensar os processos que

envolvem a educação para mídia, mas também os de enfrentamento ao jornalismo. A

dedicação desta pesquisa é em compreender as maneiras possíveis de aprimorar a

crítica social, desenvolver o pensamento crítico, prover discernimento. Parece ser essa

a tentativa das ações descritas que se voltam para o ensino de mídia. Mas é fato que,

pelo menos nacionalmente, não experimentamos mudanças significativas neste setor

(BÉVORT; BELLONI, 2009; ZANCHETTA, 2009).

2 No original: “Understanding how mass media work, how they construct reality and produce meaning, how the media are organized, and knowing how to use them wisely”.

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Talvez um dos motivos seja o fato de que pretendemos ensinar a crítica sobre

um assunto o qual os sujeitos não dominam. É difícil pensar, por exemplo, em fazer

crítica jurídica sem compreender a prática jurídica. Como é possível fazer uma crítica a

um procedimento médico sem conhecer a prática da medicina? Da mesma forma,

estamos tentando ensinar uma postura crítica frente a mídia jornalística sem oferecer

uma base sobre o que está sendo criticado. Talvez resida aí uma das dificuldades da

educação para mídia, e também um caminho norteador dos processos de crítica à mídia.

A prática jornalística, segundo contextualiza Marocco (2015) apropriando-se de

conceitos foucaultianos, pode ser compreendida/analisada a partir dos procedimentos

de controle. Faz parte da prática jornalística alguns movimentos de resistência a esses

controles, dentre eles a questão de assumir a autoralidade no trabalho jornalístico, por

meio dos livros de repórter, por exemplo, e também optar por uma abordagem com

princípios de alteridade, que não impõe uma verdade sobre o outro e busca escutar os

sujeitos mais do que fazê-los falar sobre o que interessa para a matéria.

Mas, talvez, a essa resistência do sujeito jornalista se possa somar uma ação

crítica do público a quem se destina o jornalismo. A leitura crítica proposta pelas

investigações de educação para a mídia seria potencializada, ao nosso ver, a partir da

abordagem não só do texto, mas das práticas jornalísticas – e seus procedimentos de

controle. A crítica das práticas jornalísticas é exercida por acadêmicos e profissionais

da área, mas que poderiam ganhar um aliado poderoso. Como resultado de uma

sociedade bem informada e crítica, seria possível até mesmo modificar a produção dos

conteúdos midiáticos, pluralizando as vozes a serem ouvidas e debatendo outros temas,

avançando democraticamente.

Como seria possível oferecer, para o sujeito submerso na exposição e acesso

à mídia, um ponto de apoio para uma interpretação independente e consciente?

Não se trataria, portanto, de “ensinar o usuario a se defender da mídia”, ou dizer-lhe como deve interpretar (com o risco consequente de levar ao usuário em geral interpretações prontas, assumidas como verdadeiras, elaboradas pelos setores intelectuais e políticos “críticos”); mas sim [...] estimular uma cultura de opções pessoais e de grupos que qualifique os usuários a fazerem sua própria crítica, por sua conta e risco. (BRAGA, 2006, p.63).

Para além de fazer julgamento simplista acerca dos conteúdos veiculados e de

apresentar uma didática de postura crítica aos sujeitos, precisamos oferecer maneiras

de qualificar os sujeitos a fazerem a crítica autonomamente. As perguntas que

possibilitam um movimento heurístico na pesquisa se direcionam às estratégias

voltadas para uma alfabetização, para uma leitura do jornalismo. Como que se debatem

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os procedimentos de controle com os não jornalistas? Para que a população tenha

consciência da matéria a ser criticada é preciso desnudar as práticas jornalísticas e

torná-las acessíveis. Alfabetizar para o jornalismo implica fazer conhecer o sistema em

que opera o jornalismo e assim tornar a crítica possível.

Referências

BACCEGA, Maria Aparecida. Comunicação/educação e a construção de nova variável histórica. In: CITELLI, Adílson Odair; COSTA, Maria Cristina Castilho (Org). Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, 2011.

BÉVORT, Evelyne; BELLONI, Maria Luiza. Mídia-Educação: conceitos, história e perspectivas. Educ. Soc., Campinas, v. 30, n. 109, p.1081-1102, set./dez. 2009.

BRAGA, José Luiz. A sociedade enfrenta a sua mídia: dispositivos sociais de crítica midiática. São Paulo: Paulus, 2006.

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FANTIN, Mônica. Novo olhar sobre a Mídia-Educação. In: 28a. Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação, 2005, Caxambu. Anais da 28a.Reunião Anual da ANPED, 2005.

FEILITZEN, Cecília von. Educação para mídia na perspectiva das crianças e adolescentes. In: MACEDO, Alessandra Xavier Nunes; PIRES, David Ulisses Brasil Simões; ANJOS, Fernanda Alves dos. Educação para a mídia. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Justiça, 2014.

FIGARO, Roseli. Estudos de recepção para a crítica da comunicação. In: CITELLI, Adílson Odair; COSTA, Maria Cristina Castilho (Org). Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, 2011.

JACQUINOT-DELAUNAY, Geneviève; CARLSSON, Ulla; TAYIE, Samy; TORNERO, José Manuel Pérez. Introduction: Empowerment Through Media Education: An Intercultural Aprouch. In: CARLSSON, Ulla; TAYIE, Samy; JACQUINOT-DELAUNAY, Geneviève; TORNERO, José Manuel Pérez (Eds.). Empowerment Through Media Education: An Intercultural Dialogue. UNESCO, 2008.

MAROCCO, Beatriz Alcaraz. Os procedimentos de controle e a resistência na prática jornalística. Galaxia (São Paulo, Online), n.30, p.73-85, dez. 2015. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/1982-25542015221336>.

SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação: um campo de mediações. In: CITELLI, Adílson Odair; COSTA, Maria Cristina Castilho (org). Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, 2011.

TODA Y TERRERO, José Martinez de. Avaliação de metodologias na educação para os meios. In: CITELLI, Adílson Odair; COSTA, Maria Cristina Castilho (org). Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, 2011.

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ZANCHETTA, Juvenal. Educação para mídia: propostas europeias e realidade brasileira. Educ. Soc., Campinas, v. 30, n. 109, p. 1103-1122, set./dez. 2009.

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APROXIMAÇÕES ENTRE JORNALISMO E EDUCOMUNICAÇÃO A PARTIR DOS PRINCÍPIOS DO JORNALISMO AMBIENTAL

Débora Gallas Steigleder1 - UFRGS

Palavras-chave

Jornalismo ambiental. Paradigma complexo. Alfabetização ecológica.

Educomunicação socioambiental.

A partir de um ponto de vista epistemológico, quais são as possibilidades e os

limites para a presença do Jornalismo em uma instituição social onde predomina o

campo da Educação, como os espaços de educação formal?2 Tal questionamento surge

na medida em que tentamos avançar na contribuição entre os campos da Comunicação

e da Educação, que originaram diversas práticas e perspectivas de estudo, tais como a

Educomunicação – campo de conhecimento e de intervenção social (BRASIL, 2008)

que prevê a produção participativa dos sujeitos.

Nesse espaço de interrelação entre Comunicação e Educação (SOARES,

2000), avaliamos que as contribuições do Jornalismo ainda são pouco abordadas em

âmbito acadêmico. Tal constatação não condiz com a grande recorrência aos gêneros

e linguagens características da atividade jornalística nos projetos empíricos de

Educomunicação no Brasil. Esses projetos estão associados, sobretudo, à prática da

comunicação comunitária, não hegemônica, polifônica, capaz de produzir novas formas

de linguagem (PAIVA, 2007).

O Jornalismo, neste sentido, aliar-se-ia ao processo de formação pessoal e de

fomento da cidadania já conduzidos pela Educomunicação3, que “[...] por um lado, tenta

pensar os meios de comunicação em sua relação com a vida social e, por outro, tenta

pensar o espaço educativo como permeado por estes meios” (LAGO; ALVES, 2004, p.

1 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Linha de Pesquisa Jornalismo e Processos Editoriais, orientada pelo Profa. Dra. Ilza Maria Tourinho Girardi. E-mail para contato: [email protected]. 2 A partir de Peruzzo (2007), diferimos a educação formal, praticada em instituições de ensino, da educação informal, que não condiz com uma organização curricular, por exemplo, e da não-formal, mais flexível em relação à formal. 3 Entre os autores essenciais para a formulação do conceito de Educomunicação, empreendida por Ismar de Oliveira Soares (2000), estão Paulo Freire e Mario Kaplún.

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5). Segundo Girardi et al. (2012, p. 6), o jornalismo ambiental acredita no jornalismo

como uma “atitude de alteridade”, calcado no fim da negligência em relação ao outro.

Neste sentido, concordamos com os autores ao posicionarem o jornalismo ambiental

como um conceito e uma prática que engloba o compromisso educativo, pois parte de

viés sistêmico – no qual toda informação relativa à temática ecológica pode se

desdobrar e dialogar com incontáveis outras tematizações:

[...] tal proposta pode ser incorporada ao jornalismo pelo seu potencial de percepção das dimensões significativas da realidade, considerando as diversas leituras possíveis: ideias, concepções, conflitos, saberes; uma interação dialética de singularidades, oposições e possibilidades. (GIRARDI et al., 2012, p. 18).

Importante ressaltar que entendemos aqui a distinção realizada por Franciscato

(2005) entre a instituição e a atividade jornalísticas. Enquanto a primeira se refere à

legitimidade social historicamente conquistada pelo jornalismo, a segunda é relativa o

conjunto de práticas, normas e saberes que circulam no campo. Esta classificação nos

é útil porque o campo educomunicativo tem como foco a práxis jornalística – a

reprodução dos processos produtivos consolidados nas organizações desde o início do

século XX –, e não tem a pretensão de interferir no jornalismo enquanto instituição social

ordenadora da realidade.

Ora, certamente a prática reverbera a demanda por maior representatividade e

diversidade de informações disponíveis, que emerge a partir do advento da

comunicação popular comunitária e alternativa na América Latina nas últimas décadas

do século XX (PERUZZO, 2007) e é intensificada a partir da popularização de recursos

digitais e do acesso à Internet a partir do século XXI. Em acréscimo, ressalta-se que a

Educomunicação crê na comunicação como direito, e está imbricada nesta lógica a ideia

da democratização dos meios de comunicação (BRASIL, 2008), o que lhe fornece

caráter transformador. No entanto, o enfoque educomunicativo é no impacto do

processo de produção e veiculação de saberes relevantes para e a partir de pequenos

grupos e comunidades específicas por vez. Assim, em um primeiro momento, sua

prioridade será o desenvolvimento de habilidades e técnicas oriundas do campo

jornalístico, ainda que tenha em vista uma brecha para a revolução de valores em um

segundo momento.

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O campo da Educomunicação Socioambiental é um braço da

Educomunicação4 que objetiva construir essa ponte entre as disciplinas, uma vez que

está comprometido com uma educação ambiental pautada pela promoção de

“ecossistemas educativos” (BRASIL, 2008, p. 9), que se realiza na transdisciplinaridade.

O jornalismo ambiental, por sua vez, tem por princípio promover uma “ecologia dos

saberes” (GIRARDI et al, 2012, p. 135) e superar a ideia de uma cobertura

compartimentada entre áreas temáticas que não conversam entre si e previamente

programada.

Para a visada do jornalismo ambiental, o paradigma complexo de Edgar Morin

(2011) fornece as bases para a compreensão do ser enquanto sujeito. Desta forma,

segundo o autor, é possível perceber a singularidade dos indivíduos, sua consciência e

sua autonomia frente à visão tradicional da ciência, determinista e reificante. Ao pensar

a complexidade, ele defende que o todo está na parte e a parte está no todo5.

De forma complementar, a alfabetização ecológica de Fritjof Capra (1997) faz

a ponte com a proposta da educomunicação socioambiental. A partir do princípio de

organização dos ecossistemas, a alfabetização ecológica propõe a criação de

comunidades humanas sustentáveis, que não somente se inspiram nas comunidades

ecológicas, mas que reverberam nas manifestações mais elementares de tudo aquilo

que é próprio da sociedade – a política, a educação, a administração. Capra (1997)

parte do pressuposto de que ambas as comunidades são sistemas vivos, são redes

sujeitas a mudanças estruturais, são compostas de relações baseadas na

interdependência e são cíclicas – ao contrário da linearidade que permeia os sistemas

industriais da sociedade moderna, baseados na extração de recursos e posterior

descarte. É neste âmbito que é possível haver uma articulação teórica entre disciplinas

em prol da superação dos problemas socioambientais.

4 No Brasil, foi sistematizado a partir da publicação de um texto-base pelo Ministério do Meio Ambiente em 2008, que contou com diversos jornalistas da área ambiental entre os colaboradores. Fundamenta-se em eventos e documentos de abrangência global, como as conferências das Nações Unidas sobre meio ambiente, e em marcos legais, como a Política Nacional de Educação Ambiental, estabelecida em 1999, e a criação do Programa Nacional de Educação Ambiental, em 2003 Alguns documentos que sustentam o posicionamento crítico e dialógico na formulação da Educomunicação Socioambiental são o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (1992), a Carta da Terra (2000), e a Conferência Nacional do Meio Ambiente (cuja primeira edição foi realizada em 2003) (BRASIL, 2008). 5 Morin (2011, p.74) explica esse processo a partir de três princípios: o dialógico, que “associa dois termos ao mesmo tempo complementares e antagônicos”; o recursivo, embasado na “[...] ruptura com a ideia linear de causa/efeito” e segundo o qual “tudo o que é produzido volta-se sobre o que produz num ciclo ele mesmo autoconstitutivo, auto-organizador e autoprodutor”; e o hologramatico, no qual cada parte de um objeto possui a essência do todo.

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Dessa forma, concluímos que o jornalismo ambiental, na medida em que

disponibiliza em âmbito comunitário as especificidades da atividade jornalística para que

estejam a serviço da cidadania, contribui para o fortalecimento do campo da

educomunicação socioambiental. Entendemos que é no âmbito dos que compartilham

a especificidade de um saber que a revolução e a mudança nas estruturas sociais

devem iniciar. Isto porque estamos falando de um processo longo, que envolve a ruptura

de um paradigma e de uma racionalidade pouco aberta ao questionamento e à

expressão do sujeito. No entanto, cremos que o campo do Jornalismo, por meio de sua

consistência transdisciplinar – seja em relação à diversidade de temas trabalhados, seja

referente à amplitude da esfera pública em que circula desde a sua criação – esteja

disponível para cruzar caminhos com as demandas oriundas de um contexto como o

educativo, ainda tão negligenciado por políticas públicas.

Trata-se de mais uma oportunidade para o Jornalismo cumprir o interesse

público que lhe é caro. Isto pode ocorrer não somente através da produção jornalística

em meios tradicionais e hegemônicos pautadas neste propósito, mas também pelo

compartilhamento de suas linguagens e técnicas visando a um maior alcance social a

fim de contribuir para a constituição dos sujeitos enquanto cidadãos autônomos e

conscientes do impacto de sua presença no mundo.

Referências

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental. Programa Nacional de Educação Ambiental. Educomunicação socioambiental: comunicação popular e educação. Organização: Francisco de Assis Morais da Costa. Brasília: MMA, 2008. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/educamb/_arquivos/txbase_educom_20.pdf>.

CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1997.

FRANCISCATO, Carlos Eduardo. Contornos do jornalismo contemporâneo. In: FRANCISCATO, Carlos Eduardo. A fabricação do presente: como o jornalismo reformulou a experiência do tempo nas sociedades ocidentais. São Cristóvão: UFS, 2005. p. 164-173.

GIRARDI, Ilza et al. Caminhos e descaminhos do jornalismo ambiental. Revista C&S, São Bernardo do Campo, v. 34, n. 1, p. 131-152, jul./dez. 2012.

LAGO, Cláudia; ALVES, Patrícia Horta. Educom.Rádio: uma política pública que pensa a mudança da prática pedagógica. Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo, 2004. Disponível em: <http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/1.pdf>. Acesso em: 21 jul. 2018.

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2011.

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PAIVA, Raquel. Para reinterpretar a comunicação comunitária. In: PAIVA, Raquel (Org.). O retorno da comunidade: os novos caminhos do social. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007. p.133-148.

PERUZZO, Cicilia M. Krohling. Rádio Comunitária, Educomunicação e Desenvolvimento. In: PAIVA, Raquel (Org.). O retorno da comunidade: os novos caminhos do social. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007. p.69-94.

SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação: um campo de mediações. Comunicação e Educação, São Paulo, n.19, p.12-24, set./dez.2000. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/comueduc/article/view/36934/39656>. Acesso em: 20 jul. 2018.

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O CORREIO DO POVO E A POLÍTICA AMBIENTAL DO RIO GRANDE DO SUL

Eliege Maria Fante1 - UFRGS

Palavras-chave

Jornalismo. Política ambiental. Análise do Discurso. Correio do Povo.

O Rio Grande do Sul (RS) é pioneiro na construção de políticas públicas

ambientais, as quais contribuíram para a construção dessas políticas em outros estados

do país, como é o caso do Código Estadual do Meio Ambiente, aprovado em 2000.

Entretanto, em plena fase de maior organicidade (OLIVEIRA; MARTINS, 2010), seguiu-

se desde 2003 um desmonte crescente e com o foco em determinadas áreas, até

culminar, em 2018, com a desconstrução dos órgãos constituidores das políticas

públicas ambientais gaúchas. O caso da extinção da Fundação Zoobotânica (FZB/RS)

é emblemático por nos indicar um caminho escolhido e anunciado, há mais de uma

década, porém não tão noticiado pelo Jornalismo, instituição social a qual atribuímos

este papel em nome da premissa que tem de atuar atendendo ao interesse público. A

referida extinção, autorizada pelo Legislativo e Executivo gaúchos, mas sob

impedimento do Judiciário, portanto uma situação indefinida, destrói um dos principais

órgãos do Sistema Estadual de Proteção Ambiental (SISEPRA, Lei Estadual

10.330/1994), porque as suas atividades subsidiam, embasam, fornecem as

informações técnicas e especializadas necessárias à atuação dos demais órgãos.

Os quatro governos estaduais condutores do desmonte da política ambiental

do RS mantiveram em comum, nesses 15 anos, o uso da palavra “progresso” para

legitimar o discurso do desenvolvimento, em nome do qual propuseram a dita

“flexibilização” das leis. Em acordo com Magalhães (2007, p. 265, grifo da autora),

defendemos “a necessidade de desnaturalizar a normalidade ou a inevitabilidade do

sofrimento social imposto pelo ‘desenvolvimento’”. Não obstante, neste período, um dos

governos estaduais tenha sido de esquerda (2010-2014), vimos a convergência com a

lógica do progresso e do desenvolvimento. Assim como leis foram modificadas e

conflitos exacerbados nos países da América do Sul por governos também de esquerda,

conforme Scotto (2011, p. 7), com o neoextrativismo e a repetição de “estratégias

1 Doutoranda no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Jornalismo e Processos Editoriais, Orientanda da Profa. Dra. Ilza Girardi. E-mail para contato: [email protected]

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empresariais baseadas na competitividade, redução de custos, aumento da

rentabilidade e persistência dos impactos sociais e ambientais.”.

A partir da perspectiva evidenciada no início do século XX, de Otto Groth sobre

o poder do jornalismo, entendemos a prática jornalística voltada ao público. Os efeitos

que nele provoca faz do jornalismo um agente social importante para a existência do

debate público. Uma das maneiras de atuar atendendo ao interesse público é gerar,

provocar, substancializar o debate público. O Jornalismo Ambiental nos mostra que é

possível expor as diversas questões envolvidas em disputas políticas com

equanimidade. Em acordo com Gelós2, vemos que é a especialização que “aborda com

a mesma ênfase os aspectos científicos, sociais, políticos, econômicos, culturais,

ambientais e éticos”. A seleção do jornal impresso Correio do Povo (CP) para realizar a

nossa pesquisa se deve a condição de pertencer a um dos dois grupos3 que dominam

a comunicação gaúcha através de meios impressos, radios e tv’s, e do acesso a maior

parcela das audiências/de assinantes/de patrocínios governamentais e de empresas.

Contudo, tão relevante quanto ou mais, é a longevidade deste jornal (1895- ) e a

capacidade de se manter como um dos principais meios na capital do Estado e nos

demais municípios. Conforme a Associação Nacional de Jornais (ANJ), o CP foi o nono

colocado na categoria dos maiores jornais do país de circulação paga, com a tiragem

de 102.3354 exemplares impressos.

O tema da pesquisa é o discurso jornalístico sobre a política ambiental do Rio

Grande do Sul pelo Correio do Povo. O problema de pesquisa é: como o discurso

jornalístico do CP tratou a política ambiental do RS de 2003 a 2018. Por isso, o objetivo

geral é compreender como o jornalismo do Correio do Povo construiu o discurso sobre

a política ambiental do RS entre 2003 e 2018. Com a teorização da Análise do Discurso

de Michel Foucault, analisaremos como o dispositivo política ambiental do RS por meio

da sua cobertura noticiosa. Pois, Foucault (2012, p. 52), diz que a verdade “[...] esta

submetida a uma constante incitação econômica e política (necessidade de verdade

tanto para o poder econômico, como para o poder político)”, e são os aparelhos políticos

econômicos que a produzem e a transmitem sob o seu controle.

Os objetivos específicos são: a) Analisar discursivamente as notícias sobre

política ambiental do jornal Correio do Povo; b) Evidenciar os efeitos de sentido

2 GELÓS, Hernán Sorhuet. Periodismo Ambiental: eje comunicacional del siglo XXI. In: GIRARDI, Ilza; SCHWAAB, Reges (Org). Jornalismo Ambiental – Desafios e Reflexões. Porto Alegre: Editora Dom Quixote, 2008. p. 70. 3 Nos referimos ao Grupo Record RS. O outro é o Grupo RBS. 4 Disponível em: <http://www.anj.org.br/maiores-jornais-do-brasil/> Acesso em: jun. 2018.

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compartilhados; c) Descrever o funcionamento do discurso de desconstrução da política

ambiental do Estado.

Ao analisar os discursos do Correio do Povo sobre a política ambiental do RS

entre 2003 e 2018, buscando compreender o funcionamento da cobertura noticiosa dos

acontecimentos, colocaremos em questão a nossa hipótese: de que o jornalismo

exerceu um papel coadjuvante e convergente com a desconstrução da política

ambiental do RS. A hipótese a ser confirmada é de que o Correio do Povo atuou como

desmobilizador do debate público ao noticiar mais as respostas/agenda dos governos

do que problematizar os anúncios de alterações nas leis e órgãos ambientais do Estado.

Para Maia (2008, p. 216, grafia original), “[...] a passagem pelos media [de

discursos] contribui para promover a ampliação do debate, com a generalização das

temáticas em público, o que é extremamente relevante para o processamento cognitivo

e coletivo de problemas de interesse comum.”. Na direção de Maia citamos Dallari

(1984, p. 35) ao abordar a origem das informações para o exercício da participação

política pelo público:

[...] qualquer pessoa consciente, [...], pode, com relativa facilidade, obter informações necessárias para decidir sobre a orientação básica em relação aos grandes problemas. Isso pode ser conseguido pela leitura constante de jornais, pelo acompanhamento do noticiário do rádio e da televisão, pela leitura de livros e revistas, pela troca de ideias e informações com outras pessoas interessadas, bem como pelo acompanhamento de conferências de debates públicos sobre assuntos de interesse geral.

Ao mesmo tempo, Dallari (1984, p. 41) ressalta a fundamental “plena liberdade

de informação” para a formação livre da opinião com o acesso ao “maior número

possível de dados”. Além dos governos, o interesse das empresas dos meios de

comunicação já restringia, quando da sua publicação, a informação ao povo, como disse

o autor, o enganando “com frequência”.

Desta maneira, vemos este jornalismo aliado de poderes, que segundo

Foucault (1999, p. 27), produzem saberes: “O poder produz saber; poder e saber são

implicados; não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber

nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder.”.

A partir da apresentação do projeto de tese (em andamento), propomos como

questão a ser debatida neste Seminário: o período de seleção do corpus, entre 2003 e

2018 que contempla os quatro últimos governos estaduais do RS, teria a mesma

validade e relevância para a pesquisa se contemplasse apenas os dois governos

indicados pelo movimento ambientalista como os principais responsáveis pela

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desconstrução da política ambiental gaúcha: Yeda Crusius (2007-2011) e José Ivo

Sartori (2015-2018)?

Por fim, destacamos a manifestação do presidente da Associação Gaúcha de

Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), Francisco Milanez, sobre a demanda da

entidade quando assumia a presidência há um ano. A resposta5 explicita a fase política

vivenciada no RS: “A grande demanda tem sido, pelo menos nos últimos 10 anos, a

legislação ambiental, que se levou 40 anos para conquistar, e que infelizmente a maioria

dos congressistas irresponsavelmente esta destruindo.”. Entre as alterações legais que

representam retrocessos, citamos: o Decreto Estadual 53.888, de 16 de janeiro de 2018,

que regulamenta o procedimento de cadastro dos produtos agrotóxicos e biocidas

instituído pela Lei nº 7.747, de 22 de dezembro de 1982, por admitir a entrada no RS de

produtos não autorizados nos próprios Países onde se criaram os princípios ativos; o

Decreto 52.431/2015 que admite a declaração de campos nativos do bioma Pampa,

portanto areas de pastoreio, como “area rural consolidada”, o que é incorreto sob o

ponto de vista dos pesquisadores.

Referências

DALLARI, Dalmo de Abreu. O que é participação política. São Paulo: Abril Cultural: Brasiliense, 1984. Coleção primeiros passos.

GELÓS, Hernán Sorhuet. Periodismo Ambiental: eje comunicacional del siglo XXI. In: GIRARDI, Ilza; SCHWAAB, Reges (Org). Jornalismo Ambiental – Desafios e Reflexões. Porto Alegre: Editora Dom Quixote, 2008.

MAIA, Rousiley. Conversação cotidiana e deliberação. In: GOMES, Wilson; MAIA, Rousiley (Orgs). Comunicação e democracia: Problemas & perspectivas. SP: Paulus, 2008. (Coleção Comunicação) p. 195-219.

MAGALHÃES, Sônia Maria Barbosa. Lamento e Dor. Uma análise sócio-antropológica do deslocamento compulsório provocado pela construção de barragens. Belém, 2007. Tese (Doutorado), Ciências Sociais, Universidade Federal do Pará, Brasil; Universidade Paris 13, França, 2007.

OLIVEIRA, Naia; MARTINS, Clítia Helena Back. Fundação de Economia e Estatística – Brasil. Política e gestão ambiental no Rio Grande do Sul, Brasil: descentralização e participação social. XI Seminário Internacional da Rede Iberoamericana de Investigadores sobre Globalizacion y Territorio. Mendoza, Argentina, 26 al 30 out. 2010. Disponível em: <http://institutocifot.com/seminario_rii/pdfs/grupo3/03.09-Oliveira-Backx%20Martins.pdf> Acesso em: set. 2018.

SCOTTO, Gabriela. Estados Nacionais, Conflitos Ambientais e Mineração na América Latina. IV Seminário de Pesquisa do Instituto de Ciências da Sociedade e

5 Disponível em: <https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/2017/07/politica/572572-movimento-ambientalista-deve-pautar-acoes-positivas-diz-milanez.html> Acesso em: jul. 2018.

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Desenvolvimento Regional, da Universidade Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro: Campos dos Goytacazes, 2011. Disponível em: <http://www.uff.br/ivspesr/images/Artigos/ST03/ST03.2%20Gabriela%20Scotto.pdf> Acesso em: set. 2018.

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GT COMUNICAÇÃO, E ESTRATÉGIAS EM

REDE

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SUBJETIVIDADES NA REDE: OS SENTIDOS PRODUZIDOS PELO ESTUPRO COLETIVO NO RIO

Ana Ávila1 - UNISINOS

Palavras-chave

Ciberacontecimento. Subjetividades. Redes sociais digitais.

Em 25 de maio de 2016, o noticiário brasileiro estampava a manchete sobre

uma jovem de 16 anos estuprada por mais de 30 homens na zona oeste do Rio de

Janeiro. O caso ganhava notoriedade após um vídeo com imagens da garota nua e

desacordada cercada por homens ser propagado pelas redes sociais digitais. Em um

dos primeiros registros publicizados sobre o episódio, um rapaz compartilha as imagens

no Twitter, no dia 24 de maio, com a frase "Amassaram a mina, intendeu ou não ou não

intendeu? Kkk" (sic). Na gravação é possível ouvir frases como: "essa aqui, mais de 30

engravidou" e "olha como que tá. Sangrando. Olha onde o trem passou. Onde o trem

bala passou de marreta" (sic).

A partir da repercussão nas redes, uma pessoa foi ao Ministério Público do Rio

de Janeiro e fez uma denúncia anônima à ouvidoria. Ela levou o vídeo e fez prints das

manifestações a respeito nas redes sociais. Na sequência, cerca de 800 comunicações

chegaram à ouvidoria do MP sobre o caso. A própria família da adolescente só soube

do ocorrido ao ver o vídeo em que a jovem aparece desacordada.

Após a divulgação nas redes e a denúncia no MP, o jornalismo se apropriou do

caso e passou produzir notícias diárias sobre ele. Paralelamente, o fato seguia se

desenrolando nas redes sociais digitais sob lógicas nem sempre alinhadas àquelas

utilizadas pelos meios de comunicação tradicionais.

Levando em conta que a pesquisa se propõe a investigar como as redes sociais

digitais afetam a abordagem da mídia tradicional na cobertura da violência contra a

mulher, estabelecemos aqui um recorte que, primeiramente, indica seu amparo no

conceito de ciberacontecimento, usado por Henn, Höehr e Berwanger (2012, p. 104-

105) “para designar acontecimentos que se constituem a partir de lógicas específicas

1 Mestranda no PPGCOM da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Linha Linguagem e Práticas Jornalísticas, Orientada pelo Prof. Dr. Ronaldo César Henn. E-mail para contato: [email protected]

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das plataformas instituídas no ambiente digital tanto no que diz respeito à sua produção

quanto à sua disseminação”.

Para mapear os sentidos que produz e sua relação com a cobertura noticiosa,

nos atemos a três hashtags usadas no Twitter, que tanto concentraram manifestações

dentro da plataforma, quanto extrapolaram seus limites e se fizeram mencionadas em

pautas jornalísticas, direcionando aspectos da cobertura midiática: #EstuproNuncaMais,

#UmDiaSemEstupro e #EstuproNãoÉCulpaDaVítima.

Para além desse recorte inicial, tencionamos no presente trabalho avançar na

tentativa de tecer tramas possíveis entre o objeto de pesquisa e, mais especificamente,

uma das seis categorias para o ciberacontecimento propostas por Ronaldo Henn (2015):

mobilizações globais, protestos virtuais, exercícios de cidadania, afirmações culturais,

entretenimentos e subjetividades. Sobre esta última, o autor afirma:

Suscetibilidades, alegrias, sofrimentos, celebrações, nascimentos, mortes. Os ritos de passagem reiteram-se e reinventam-se: desde os que, em tempos anteriores, eram apenas vividos no universo particular da intimidade até os que já se engendravam publicamente, mas com visibilidade limitada. Os modos de subjetivação contemporâneos, tecidos na textura das redes digitais, são todos, potencialmente, acontecimentos públicos, e isso dinamiza a cultura, transformando-a: o jornalismo vê-se, às voltas, com narratividades que tocam delicadamente no campo do sensível, do universo qualitativo da proposta fenomenológica de Peirce (HENN, 2015, p.219):

Consideramos que o caso de violência, que se dá no ambiente privado e ganha

notoriedade e desdobramentos a partir de sua divulgação nas redes digitais, se

aproxima da categoria de subjetividades, revelando lógicas que lhe são muito

particulares. O episódio, que a adolescente poderia desejar unicamente esquecer, sem

sequer procurar a polícia ou qualquer outra instância capaz de auxiliá-la, assume novos

contornos ao ganhar o ambiente das redes digitais. Em um post no Facebook dois dias

após o caso virar notícia, ela agradece o apoio, se diz surpresa e afirma “ter realmente

pensado que seria julgada mal”.

Observando o caso com mais atenção, no entanto, entendemos que o

acontecimento tem a potência de gerar mobilizações capazes de se desdobrar em outra

das categorias elencadas por Henn: os protestos virtuais, que, de acordo com o autor,

“não extrapolam as redes e concentram nelas sua força contestadora. Tendem a gerar

narrativas aparentemente mais focadas, mas com probabilidade de incorporarem

ruídos, como foram detectados no caso do #EuNãoMereçoSerEstuprada” (HENN, 2015,

p 214). No mencionado caso ocorrido no Rio de Janeiro, as hashtags acabaram por

direcionar a mobilização principalmente daqueles que demonstravam apoio à vítima.

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Vemos, no entanto, que tensionamentos surgem dentro do próprio grupo que seria

articula por elas. No dia 28 de maio de 2006, por exemplo, um usuário do Twitter usa a

marcação #EstuproNuncaMais para defender o porte de arma de fogo. “A mulher tem o

direito de se defender, fim do estatuto do desarmamento, porte de arma sim”. Na mesma

linha, no dia 27 de maio, outro utiliza a mesma hashtag para opinar: “Aí quando se fala

em pena de morte ninguém aceita, ah é ‘desumano’. desumano é isso 30 monstros e

uma jovem de 16 anos”.

Por que, então, a propagação do caso de violência envolvendo a adolescente

não se trataria exclusivamente de um protesto virtual? Em uma observação ainda inicial,

acreditamos que a dimensão, a materialidade e a personificação da violência que

envolvem o acontecimento e sua propagação pelas redes estão, ainda que de maneira

tênue, mais alinhados às subjetividades. O primeiro vídeo, compartilhado em diferentes

redes e que acaba por ser excluído de muitas plataformas em razão de seu teor, vai se

aproximar de situações de cyberbullying ou de outros tipos de violência que exigem,

idealmente, abordagens jornalísticas delicadas.

Henn (2015) vai chamar atenção para o fato de que os sites de redes sociais

vão atuar em processos antes restritos ao jornalismo. Essa potencialidade de assuntos

corriqueiros ou do âmbito do privado ganharem notoriedade na cobertura jornalística a

partir de sua publicização via WhatsApp, Twitter, Facebook ou Instagram é algo que

redimensiona o processo jornalístico.

Em entrevista à Agência Patrícia Galvão, em outubro de 2016, Lívia Perez,

diretora do documentário Quem matou Eloá?, disse ver poucas mudanças na forma

como a imprensa brasileira noticia casos de violência contra a mulher, quase uma

década depois do episódio envolvendo a adolescente que acabou morta pelo ex-

namorado sob o olhar de milhões de espectadores.

Não se falava sobre como a TV tratou Eloá como algoz em vez de vítima e hoje continuamos vendo isso, por exemplo no estupro coletivo no Rio. Falavam em “suposto estupro” mesmo quando eles ja haviam cometido o crime mas muitas pessoas caíram em cima do G1 no Twitter, a própria população já está pressionando nas redes sobre coisas que a mídia não pode falar. Vejo que esse tipo de abordagem sensacionalista de espetacularizar continua acontecendo muito com as camadas mais pobres. Acho que estamos avançando a passos lentos na discussão sobre a mulher mas ainda há uma exploração da miséria muito forte na mídia2.

2 Fonte: https://goo.gl/g1BziY. Acesso: 08 set. 2018.

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Oliveira e Henn (2014) observam uma transformação no processo de

representação com a proliferação instantânea das semioses em redes digitais, com

destaque para a possibilidade de o público interferir no processo noticioso, que se dá

justamente pela popularização do acesso e pela simplificação das tecnologias.

Que nuances próprias situações que podemos caracterizar como

subjetividades adquirem na cobertura noticiosa? Conseguimos perceber mudanças de

lógica na abordagem jornalística quando o caso em questão envolve as particularidades

da violência de gênero? E como vai sendo estabelecida a trama entre aquilo que

articulam os sujeitos via hashtags no Twitter e o jornalismo? Consideramos para a

análise uma costura que leve em conta tanto a Análise da Construção de Sentidos em

Redes Digitais, metodologia do Laboratório de Investigação do Ciberacontecimento que

permite mapear rastros nas operações nas redes digitais, reuni-los em constelações de

sentidos e elaborar inferências pertinentes à análise, quanto nosso interesse pela

linguagem e por aquilo que a atravessa. Assim, dirigimos o olhar a certos artifícios

presentes nos textos capazes de ajudar a compreender que valores norteiam o

conteúdo e como dialogam com o reforço ou com a luta contra a violência de gênero.

Referências

HENN, Ronaldo; HOEHR, Kellen; BERWANGER, Gabriela. Transformações do acontecimento nas redes sociais: das mobilizações contra a homofobia à crise de dupla sertaneja. Brazilian Journalism Research, São Paulo, v.8, n.1, p.100-117, 2012. Disponível em: <https://bjr.sbpjor.org.br/bjr/article/view/392>. Acesso em 07 set. 2018.

HENN, Ronaldo. Seis categorias para o ciberacontecimento. Semiótica da Comunicação II, São Paulo, 2015. Disponível em: <http://fasam.edu.br/wp-content/uploads/2016/07/Semiotica-da-comunicacao.pdf>. Acesso em: 06 set. 2018.

OLIVEIRA, Felipe Moura de; HENN, Ronaldo. Jornalismo, redes sociais e movimentos de ocupação global: uma crise sistêmica na semiosfera contemporânea. Brazilian Journalism Research, v.10, n.1, p.44-63, 2014. Disponível em: <https://bjr.sbpjor.org.br/bjr/article/view/581>. Acesso em: 07 set. 2018.

Agência Patrícia Galvão. Quando a violência contra a mulher vira espetáculo na mídia: o que aprendemos com o caso Eloá. São Paulo, 04 out. 2016. Disponível em: <https://agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/noticias-violencia/quando-violencia-contra-mulher-vira-espetaculo-na-midia-o-que-aprendemos-com-o-caso-eloa/>. Acesso em: 08 set. 2018.

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AFETAÇÕES EM REDE: O PROCESSO DE MIDIATIZAÇÃO-CIRCULAÇÃO DO BOICOTE RELIGIOSO À TELEVONELA BABILÔNIA ACIONADA PELA PÁGINA AGENTE GOSPEL

Évellin Veras1- UNISINOS

Palavras-chave

Boicote religioso. Telenovela. Circulação. Midiatização. Ambiente virtual.

Estudar sobre o comportamento do receptor de telenovelas, a partir dos usos,

práticas e apropriações em redes digitais, é um dos objetivos desta pesquisa; que nos

conduziu a investigar sobre o processo de circulação dos boicotes religiosos promovidos

pelas páginas Agente Gospel e FaceCatólico e pela comunidade Vendaval de Axé.

Porém, neste resumo vamos nos ater as análises primárias em relação ao boicote

religioso promovido pela página Agente Gospel.

No período de divulgação da estreia da primeira “novela bíblica” da TV Record

(Os Dez Mandamentos), circulou no aplicativo Whatsapp Messenger um boicote

religioso à novela Babilônia, da TV Globo. Além de criticar temas polêmicos abordados

pela novela, o boicote incentivava as pessoas a assistirem a nova produção da Rede

Record. Desse modo, após pesquisa exploratória realizada em site de notícias sobre o

boicote, pretendemos investigar o comportamento dos sujeitos que comentaram e

compartilharam o boicote na página Agente Gospel – portal que assinou a campanha

contra a novela Babilônia na internet.

Esse processo de midiatização-circulação em redes digitais (FERREIRA, 2017)

aciona práticas de reconhecimento e produção de sentido. Gomes (2017) observa que

por meio das redes sociais “as pessoas envolvem-se em discussões, emitem opiniões,

defendem seus pontos de vista. Deslocam-se do espaço passivo de ouvinte e

telespectadores para entrar nos debates estabelecidos em rede”. Essa pratica pode ser

mediada por diferentes elementos, conforme cita Braga (2012): “a linguagem, a história

de vida, a inserção de classe, as experiências praticas e o ‘mundo local’, o trabalho, a

1 Mestranda no PPGCOM da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, Linha Midiatização e Processos Sociais, Orientada pelo Prof. Dr. Jairo Ferreira. E-mail para contato: [email protected].

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educação recebida, os campos sociais de inserção”, ou seja, a trajetória cultural

atravessa o modo de interação dos sujeitos. Eles aderem ou criticam discursos de

acordo com seus objetivos e valores. Esses pensamentos entram em consonância com

o objeto da pesquisa, que se refere a um movimento social motivado por crenças

religiosas, chamado de boicote religioso.

Friedman (1999) aponta alguns tipos de boicotes mais frequentes nos Estados

Unidos e Inglaterra, entre eles destacamos as características do boicote religioso

apresentadas pelo autor:

Historicamente grupos religiosos tentam dominar seus fiéis por meio de suas crenças. O boicote é uma forma destes grupos atingirem seus objetivos. O boicote mais comum nesta situação é criticar filmes novelas ou comerciais com conteúdo inapropriado para seus fiéis. (FRIEDMAN apud CRUZ, 2011, p. 6)

A midiatização é um conceito que contribui para a compreensão da

propagação, do entrelaçamento e da influência da mídia sobre outros campos ou

instituições sociais (HJARVARD, 2014). À custa da técnica de mediação se interpondo

no contexto de interações humanas é que se constitui um novo processo de contato

entre os indivíduos. Produtores e receptores se conectam de outra maneira, pela

facilitação tecnológica, o que Gomes (2017) chama de “um novo modo de ser no

mundo”. A midiatização quando afeta as praticas sociais é dentro de suas

especificidades. Mas também recebem das práticas sociais o feedback das afetações.

O desenvolvimento de tecnologias torna esse feedback cada vez mais rápido. Mas, não

basta apenas o acesso às mídias. O acesso às condições de mensagens não é

suficiente às construções de sentido. As construções de sentido dependem das

condições de manejo das mensagens (VERÓN, 1997). “Com a midiatização crescente

dos processos sociais em geral, o que ocorre agora é a constatação de uma aceleração

e diversificação de modos pelos quais a sociedade interage com a sociedade” (BRAGA,

2012, p. 35).

A “sociedade em vias de midiatização” aciona processos de interação e

afetação, desenvolvendo práticas de reconhecimento e produção de sentido. O

processo interacional é assimétrico: os modos de emitir e os modos de receber

(produção e recepção) mobilizam interpenetrações complexas (FAUSTO NETO, 2010).

Nessa perspectiva, Ferreira (2017) debate (enquanto processo e disrupção) as

transformações no processo de midiatização-circulação em redes digitais e propõem a

compreensão da midiatização a partir de três esferas: a) os fluxos informacionais; b) os

usos, as práticas e as apropriações dos meios e c) a circulação.

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A partir desses pensamentos, buscaremos compreender as afetações do

processo de midiatização-circulação da propagação do boicote religioso à telenovela

Babilônia acionado pela página Agente Gospel. Essa circulação será analisada através

do método de Estudo de Caso. Para a coleta de dados utilizaremos a Netnografia e a

Análise Documental e para a análise de dados, o primeiro passo é utilizar a técnica de

Análise de Conteúdo.

A página Agente Gospel é um espaço de mediação de propagação de

ideologias por meio de divulgações de notícias, músicas e artes gospel. Não é restrita

aos evangélicos e qualquer pessoa pode acessar seu conteúdo. Na publicação do

boicote é possível identificar pessoas de diferentes crenças que interagem com opiniões

divergentes. Nessa fase da pesquisa analisamos também o processo de interação de

alguns comentários e informações de consumo televisivo dos perfis dos sujeitos

selecionados (estratégia experimental de coleta de dados). No exemplo a seguir, Sandra

se posiciona a favor da campanha ao declarar que não assiste a Rede Globo há muitos

anos:

Figura 1 – Captura da tela do smartphone.

Fonte: Elaborado pela autora.

Como podemos observar, o comentário de Sandra foi curtido por sete pessoas

onde uma delas afirma ter o mesmo posicionamento de Sandra e outra que a critica.

Sandra não se manifestou em relação aos pontos de vista citados e o processo de

interação, especificamente nesse caso, foi encerrado.

Na análise realizada no perfil de Sandra não está explícita a sua religião, mas

é possível encontrar postagens da Igreja Universal. Além disso, entre os programas de

TV curtidos por Sandra aparece a telenovela da Record Os Dez Mandamentos. Mas, o

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que mais nos chamou a atenção foi o fato de que ela curtiu as seguintes páginas dos

programas de TV da Rede Globo: Malhação e The Voice Brasil, o que contraria o

comentário feito na postagem do boicote e deixa dúvida sobre sua aderência ao boicote.

Será que realmente ela não assiste a TV Globo e não assistiu a novela Babilônia? Se

não assiste, então por que curte páginas referentes a programação da emissora?

No comentário a seguir também não fica claro se houve adesão ao boicote:

Figura 2 – Captura da tela do smartphone.

Fonte: Elaborado pela autora.

Nesse caso houve apenas interação não-verbal de outras pessoas (três

curtidas). Em seu perfil observamos que ela curtiu páginas de novelas da TV Globo e

do SBT. Não aparece curtida na página da novela que ela incentiva a assistir (Os Dez

Mandamentos), mas ela curtiu páginas de programas de entretenimento e jornalístico

da Rede Record.

A seguir, são apresentados comentários que criticam o boicote e incentivam a

assistirem a novela que está sendo boicotada (Babilônia):

Figura 3 – Captura da tela do smartphone.

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Fonte: Elaborado pela autora.

Nessa análise preliminar, como observador oculto, é inviável obter informações

precisas sobre os sujeitos somente a partir da observação de seus perfis no Facebook.

Por isso, não podemos afirmar se quem se posiciona contra o boicote de fato assistiu a

novela Babilônia. Pelo contrário: quem se posiciona a favor do boicote de fato não

assistiu a novela Babilônia.

No Facebook, de modo geral, é comum observarmos pessoas que se envolvem

em discussões ao defender suas opiniões. Mas, no caso da postagem que está sendo

analisada, há poucos embates. Observa-se também que há mais curtidas e

compartilhamentos do que comentários. Outro fato que nos chama a atenção é a forma

como os sujeitos compartilham a imagem: não há comentários que intensifiquem o

objetivo do boicote, somente apropriam-se da imagem como mensagem persuasiva

suficiente para propagar a ideia. Tal forma de apropriação é um tanto incomum nesse

ambiente virtual.

Por fim, destacamos algumas reflexões que serão investigadas de forma mais

ampla nas próximas etapas dessa pesquisa: as diferenças de repercussão e interesse

entre instituições midiáticas canônica (notícia) e gospel (apoio ao boicote), como

observamos na análise dos sites de notícias; a assimetria dessa repercussão a partir

dos atores sociais: a instituição promotora do boicote que diz para boicotar; a instituição

midiática que noticia o boicote, mas entre os atores sociais este boicote apresenta

controvérsias, opções de outra telenovela (Os Dez Mandamentos) e apoios contra

evidentes ao boicote (caso de quem curte a Globo, afirmando não assistir).

Referências

BRAGA, José Luiz. Circuito versus campos sociais. In: MATOS, Maria Ângela; JANOTTI JUNIOR, Jader; JACKS, Nilda Aparecida. Mediação e midiatização: livro Compós 2012. Salvador: UFBA; Brasília. DF: COMPÓS, 2012. p. 31-52.

CRUZ, B. de P. A. Boicote de Consumidores: Demarcação de Conceitos e Casos no Brasil. Angrad. Anais do Enangrad, 2011. São Paulo: Andrad, 2011.

FAUSTO NETO, Antonio. A circulação além das bordas. Mediatización, Sociedad y Sentido: Diálogos Brasil y Argentina. Rosário: UNR, 2010. p. 2-17.

FERREIRA, Jairo. As metamorfoses da circulação: dos fluxos às questões de reconhecimento. Paper de circulação interna, PPGCC – Unisinos, 2017.

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GOMES, Pedro Gilberto. Dos meios à midiatização: um conceito em evolução. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2017.

HJARVARD, Stig. A midiatização da cultura e da sociedade. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2014.

VERÓN, Eliseo. Esquema para el análisis de la mediatización. Diálogos Lima, n. 48, 1997. p. 9-17.

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PROFESSOR UNIVERSITÁRIO YOUTUBER E SUAS DISTINTAS ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS NO AMBIENTE MIDIATIZADO

Francieli Jordão Fantoni1 - UFSM

Palavras-chave

Midiatização Profunda. Estratégias discursivas. Visibilidade. Legitimação. Youtuber Docente Universitário.

O presente trabalho objetiva discutir a proposta de tese, em andamento, que

tem como temática as estratégias discursivas de Youtubers2 docentes universitários em

um contexto de midiatização profunda (COULDRY; HEPP, 2017) da sociedade. A

universidade (BARICHELLO, 2001) apresenta-se como pano de fundo para a questão

maior que são os professores universitários e suas práticas/operações no Youtube. Para

a apresentação presencial no Seminário Discente da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (UFGRS), se analisará o canal3 do Prof. Dr. Christian Dunker,

psicanalista e professor do Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo

(USP) com base na discussão teórica aqui desenvolvida. O canal possui 79.504 mil

inscritos, 3.808.978 visualizações e mais de 300 vídeos upados (23/09/2018). Dito isso,

salienta-se que após a discussão dos aspectos teóricos referentes à pesquisa, propõe-

se alguns questionamentos a serem problematizados e debatidos no espaço do

Seminário, bem como impasses da pesquisa.

A proposta desta investigação centra-se na discussão de que apesar da crise

da ciência, da totalidade, da razão, do sujeito e da verdade (LYOTARD, 2015)

provocada pela aceleração tecnológica, principalmente a partir do final dos anos 50 -

era pós-industrial -, a universidade se mantém como instância legítima através do que

o autor (2015) chama de legitimação da paralogia. Ou seja, a universidade é uma

1 Doutoranda no POSCOM da Universidade Federal de Santa Maria. Linha Estratégias Midiáticas, Orientada pela Profa. Dra. Eugênia M.M. da Rocha Barichello. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Email para contato: [email protected] 2 Por Youtubers entende-se atores sociais que se profissionalizam na atividade de criação de conteúdo por meio da abertura de um canal próprio na rede social Youtube. 3 O canal no Youtube está disponível através do link: <https://www.youtube.com/channel/UCF6VjYfikYP2vfUx3c6GvVw>. Acesso em: 23 set. 2018.

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comunidade do saber (BARICHELLO, 2001), sendo o termo comunidade entendido não

como espaço apenas de consensos, mas dissensos. Assim, a paralogia estabelece a

importância deste espaço da diferença, da discordância, para que se evite a

previsibilidade e paradigmas que estabilizem o ambiente. Só com as discussões é que

se fundamentam inovações no âmbito universitário.

Entretanto, a visibilidade (THOMPSON, 2008; BARICHELLO, 2017) e a

legitimidade (LYOTARD, 2015) ofertada pela Universidade não parecem serem

suficientes para os atores sociais da atualidade, que estão imersos em uma sociedade

da exposição, positiva e do desempenho (HAN, 2017) de grande valor cultural das

tecno-imagens (FLUSSER, 2007). Tais características estão ambientadas na

midiatização profunda do social (COULDRY; HEPP, 2017), entendido como um

fenômeno de ação visto pelo local, através de práticas e interações que se desenrolam

no ambiente digital, considerando a intensa interdependência midiática.

Os professores/docentes universitários inseridos neste contexto decidem por

desterritorializar o conhecimento para além dos muros universitários, promovendo a

legitimação e visibilização de suas práticas no ambiente digital, com estratégias e fins

variados. Portanto, a partir desta (re) organização midiática, a problemática centra-se

na seguinte questão: de que forma e como se articula discursivamente/estrategicamente

o Professor Youtuber Universitário para se legitimar e se visibilizar no contexto da atual

midiatização profunda? Parte-se do pressuposto/hipótese que o professor

universitário youtuber busca midiatizar, visibilizar e legitimar a si, discursivamente,

tornando-se um projeto/marca que joga com os conceitos de

institucionalização/desinstitucionalização e legitimação/deslegitimação da universidade.

A partir disso, estabelece-se como objetivo geral analisar de que forma e

como se articula discursivamente/estrategicamente o professor youtuber universitário

para se legitimar e visibilizar no contexto da atual midiatização profunda. Os objetivos

específicos são: 1) Descrever a articulação entre sistemas nos quais o professor

youtuber universitário e a universidade estão imersos; 2) Discutir o processo de

visibilidade e legitimidade na atual ambiência digital midiática tendo como foco o

Youtube; 3) Investigar a construção discursiva do professor youtuber universitário

através de suas práticas e; 4) Analisar as estratégias discursivas do professor

universitário youtuber para se visibilizar e legitimar neste contexto.

Metodologicamente opta-se por ver o objeto a partir de um viés qualitativo

(STAKE, 2011) e holístico proporcionado pelo emprego da Teoria dos Sistemas

(LUHMANN, 2005, 2010), em um primeiro momento. Dois são os sistemas latentes a

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serem identificados para se trabalhar com a problemática (Figura 1): o educacional

(composto pelos professores, alunos, universidades, escolas), e o midiático (composto

pela profusão de mídias, estando as redes sociais engendradas neste sistema maior).

Em ambos temos práticas institucionais que afetam as práticas do professor

universitário youtuber. O Youtube é um subsistema ou micro manifestação de um

sistema comunicacional maior, em que os dois sistemas seriam macro manifestações.

Figura 1: Sistemas em Interação

Fonte: elaboração da autora

Neste ponto, cabe ressaltar que Flusser (1985; 2007) auxiliará na discussão

sobre o Youtube. A técnica chamada de scanning, ou seja, um aprofundamento, um

vaguear sobre a imagem, o olhar circular, é que revelará o significado da imagem

técnica - gerenciadas por aparelhos. Flusser (1985) fala especificamente sobre o

aparelho fotográfico, mas pode ser ampliado, sem prejuízo de entendimento, para o

dispositivo Youtube. Para o autor, a análise deve levar em conta a intenção do fotógrafo

(neste caso, do youtuber), bem como as limitações e intenções do aparelho/dispositivo.

Devido à dificuldade de apreensão verbal-imagética do discurso no Youtube, a

proposta a seguir pretende, assim como a escolha pela Teoria dos Sistemas, reduzir a

complexidade do processo. Assim, Maingueneau (1993; 1995) dará a base para se

pensar sobre aspectos discursivos através da cenografia discursiva, ethos e

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heterogeneidade do discurso. Bakhtin (1992) atuará na compreensão do gênero

discursivo.

Com Maingueneau (1993) busca-se entender a linguagem como uma forma de

ação, realizado por alguém que possua as condições para tal e que deve ser

validado/partilhado pelos interlocutores. A cenografia, para o autor (1995) deve ser vista

como integrante e constitutiva do discurso e não como simples plano de fundo, pois

como se observa em vídeos de youtubers, o cenário é flutuante e sempre intencional.

Além disso, o enunciador considera os efeitos que o cenário causa no destinatário, no

reconhecimento do discurso. Com a cenografia, aspectos temporais e espaciais são

destacados, possibilitando situar os interagentes e evidenciando uma heterogeneidade

constitutiva, pois cada indivíduo e cada discurso é formatado segundo fatores

contextuais e históricos. Destaca-se que a heterogeneidade pode ser marcada ou não

marcada. O ethos discursivo se relaciona ao momento da enunciação bem como a uma

imagem prévia que é construída pela audiência. Também se leva em consideração a

imagem de si que é uma representação.

Em consonância com Maingueneau (1993), para Bakhtin (1992) a linguagem é

uma manifestação de enunciados concretos e individuais que apresentam três aspectos

inseparáveis e determinados por situações comunicacionais específicas: conteúdo

temático, estilo e estrutura de composição. É a partir dessa tríade que Bakhtin (1992)

comenta os gêneros discursivos. Eles carregam consigo elementos como a

interdiscursividade e a intersubjetividade. A primeira diz respeito à elaboração de um

texto novo a partir do pré-existente. O segundo é referente à interrelação de sentidos

entre os sujeitos, pois o discurso só existe entre sujeitos. Assim, será possível a análise

do gênero envolvido na criação: vlog, documental, tutorial, gameplay, dentre outros.

Pretende-se apontar os gêneros mais comuns da criação de conteúdo para Youtube e

identificar quais deles estão presentes nas estratégias do professor docente

universitário.

A partir destas ferramentas metodológicas, acredita-se que é possível cercar o

objeto em sua totalidade, possibilitando uma investigação que dê conta de responder

ao problema proposto. Dito isso, suscita-se as seguintes questões: Como trabalhar com

a legitimidade no ambiente digital, sendo o mesmo um ambiente fluído e de constante

contestação? Como definir um youtuber: pela linguagem, pela monetização, pela

profissionalização, pela exposição, pela empresa? Para considerar uma universidade

como midiatizada: 1) basta ela estar inserida no atual contexto? 2) implantar mídias para

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comunicação com o público? 3) implantar e gerenciar as mídias? A metodologia

consegue realmente analisar a complexidade do objeto?

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

BARICHELLO, Eugenia M.M. da Rocha. Comunicação e comunidade do saber. Santa Maria, (RS): Pallotti, 2001.

___________. Visibilidade e Legitimidade na Atual Ecologia Midiática. Revista Estudos em Comunicação, nº 25, vol. 2, dez. de 2017.

COULDRY, Nick.; HEPP, Andreas. The Mediated Construction of Reality. Cambridge, UK: Polity Press, 2017.

FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: Por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

_______. Filosofia da Caixa Preta. São Paulo: Hucitec, 1985.

HAN, Byung-Chul. Sociedade da Transparência. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.

LUHMANN, Niklas. A Realidade dos Meios de Comunicação. São Paulo: Paulus, 2005.

__________. Introdução à teoria dos sistemas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 16. ed. São Paulo: José Olympio, 2015.

MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso.

Campinas: Pontes, 1993.

_____. O contexto da obra literária. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

STAKE, Robert. Pesquisa qualitativa: Estudando como as coisas funcionam. Porto Alegre: Penso, 2011.

THOMPSON, John Brookshire. A nova visibilidade. Matrizes - Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo. Ano I, n.2. São Paulo: ECA/USP, 2008.

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PUBLICIDADE CONTEMPORÂNEA NO CONTEXTO DIGITAL: RISCOS E POTENCIALIDADES

Paula Viegas1 - UFRGS

Palavras-chave

Comunicação. Sistema publicitário. Ferramentas digitais.

É notável que a Publicidade busca se modificar e se atualizar frente às novas

tecnologias de Comunicação. Seja na mídia impressa, na televisão, no rádio ou na

internet, os discursos publicitários circulam de forma adaptada, buscando a atenção de

seus públicos. Atualmente, as novas ferramentas de Comunicação e Informação na

internet trazem novas necessidades de adaptação pela Publicidade.

Este estudo busca compreender como a Publicidade tem se apropriado das

ferramentas de Comunicação e Informação na internet no contexto contemporâneo. O

objetivo é explorar as possibilidades da Publicidade, lançando um olhar crítico para os

riscos e potencialidades de sua apropriação. Para isso, foi realizada uma pesquisa

exploratória através de uma revisão bibliográfica. Posteriormente, será desenvolvido um

estudo de caso para analisar como essas ferramentas estão sendo utilizadas na prática.

A Publicidade está sendo considerada como um sistema complexo de

usos e agentes que têm utilizado de novas tecnologias para comunicar e persuadir. A

presença constante da mídia revela a sua importância no contexto brasileiro e a

necessidade de problematizá-la. Neste sentido, pode-se entender o sistema publicitário

como um “[...] conjunto de elementos inter-relacionados, mediante processos mais ou

menos complexos, claramente hierarquizados, por sua vez, bastante estruturados

também, e que conduzem o sistema a um objetivo comercial determinado.” (GOMES,

2008, p. 11).

Para cercar os consumidores com este sistema, diversas estratégias

publicitárias buscam os melhores meios de comunicação para veicular suas

mensagens. De acordo com Jenkins (2009, p. 98), “[...] os profissionais de marketing

procuram moldar a reputação das marcas não através de uma transação individual, mas

1 Doutoranda no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Informação, Redes Sociais e Tecnologias, Orientada pela Profa. Dra. Raquel Recuero. E-mail para contato: [email protected]

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através da soma total de interações com um cliente.”. Dessa forma, os anunciantes

diversificam seus orçamentos de publicidade e procuram se estender por múltiplos

pontos de distribuição, alcançando diversos nichos menores.

Atualmente, a evolução tecnológica dos meios de comunicação e a

popularização dos sites de rede social proporcionaram um espaço aberto para pessoas

debaterem sobre produtos, serviços e sobre a própria publicidade em si. Segundo

Castells (1999, p. 425), a mensagem é o meio, isto porque "[...] as características da

mensagem moldarão as características do meio.". Isso aponta que o conteúdo da

mensagem publicitária deve se adaptar ao seu meio de propagação.

Nesse cenário, mais que analisar essas ferramentas, se torna necessário

observar como elas têm sido utilizadas. Para isso, toma-se o conceito de apropriação

(LEMOS, 2006) para pensar como as estratégias do publicitário têm sido elaboradas no

contexto digital. Nesse sentido, considerando a complexidade do sistema publicitário

(GOMES, 2008) e sua apropriação com a convergência das mídias (JENKINS, 2009),

serão pontuadas e problematizadas algumas ferramentas atualmente utilizadas, direta

ou indiretamente, na produção e consumo publicitário. É preciso ressaltar que esta não

é uma definição única e eterna. É preciso considerar a efemeridade das ferramentas

digitais e suas transformações constantes, além das fronteiras quase inexistentes entre

cada uma delas na prática cotidiana.

Sites de rede social

Segundo Elisson e Boyd (2013), os sites de rede social surgiram por volta de

1997. Para as marcas, os sites de rede social se mostraram como uma oportunidade de

compartilhar seu conteúdo contextualizado. Assim como em outros meios, o que importa

não são apenas as características no produto anunciado, mas suas potencialidades

sociais e culturais. De acordo as autoras, o desejo de comunicar e compartilhar

conteúdo é o principal norte dos sites de rede social, que passam a ser menos centrados

nos perfis pessoais e mais em mídia, seja ela em texto, vídeo ou foto.

Beer (2008) aponta que a definição de sites de rede social (BOYD; ELISSON,

2007) é usada de forma ampla para descrever muitas coisas diferentes e há pouca

clareza na terminologia. Isso porque a cultura online possui uma vasta gama de

aplicações, muitas vezes bastante diferentes. O autor aponta que é preciso considerar

o contexto capitalista desses sites, para que isso não se torne um ponto inexplorado nos

estudos da área.

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Sendo assim, é preciso pontuar como as lógicas econômicas estão presentes

de forma central nas práticas discursivas publicitárias, através de relações de poder. De

acordo com Boyd (2014), no ecossistema dos sites de rede social, captar atenção é

importante tanto para ganhos pessoais, quanto financeiros. Isso aponta que a atenção

gerada para os conteúdos publicitários traz consequências sociais significativas e

potencialidades na construção social da realidade.

Algoritmos e Big Data

A publicidade quantificada, os dados estruturados, os dados não estruturados

e os processos daí resultantes são ferramentas de organização e aproveitamento das

informações. Através do processo de coleta e preparo da base de dados é possível

achar padrões e dissonâncias relevantes em uma grande quantidade de informação.

Por um lado, para a publicidade, há mais foco no usuário e uma comunicação assertiva.

Por outro lado, diversas consequências negativas surgem a partir desse fenômeno,

como a formação de “bolhas” sociais, a falta de privacidade e o controle excessivo.

Perez (2016, p. 5) sugere pensar a constante atualização da publicidade

contemporânea como um “ecossistema publicitario”. Isso porque “o mercado, com sua

identidade fugidia e imprecisa, se impõe com toda a diversidade de ações possíveis que

buscam pôr em contato marcas e públicos”, seja por ações transmidiaticas, estratégias

gamificadas ou tecnologias vestíveis.

Dessa forma, “[...] o ambiente criado pelas redes digitais metamorfoseou

práticas e relações sociais. O valor de um dado já não está no uso primário, mas surgem

resultados secundarios não planejados.” (ABREU; NICOLAU, 2017, p. 136). Ou seja,

organizações tem se dedicado a extrair valor do big data e o uso de algoritmos na

publicidade faz emergir diversas preocupações e críticas em relação a segurança e

proteção do usuário.

Dispositivos vestíveis e mídias locativas

O avanço dos dispositivos de informação também trouxe telas menores e

comandos mais personalizados. Atualmente, algumas marcas disponibilizam acessórios

vestíveis e móveis, que vem em forma de relógios, óculos, pulseiras e jaquetas

inteligentes, por exemplo. Eles colaboram na mobilidade e ubiquidade, desenvolvendo

ainda mais a relação entre o espaço geográfico e suas informações.

De acordo com Donati (2004, p. 94), um computador vestível é aquele que “[...]

deve estar incorporado ao espaço pessoal do wearer – usuário, potencializando um uso

mais integrado, sem limitar os movimentos corporais ou impedir a mobilidade.”. Ou seja,

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ele funciona de forma sobreposta ao próprio corpo, apreendendo informações do

usuário e seu ambiente, integrado à rotina do usuário.

Mídias que agregam informação a um determinado local, também conhecidas

como mídia locativa, tratam-se “de processos de emissão e recepção de informação a

partir de um determinado local” (LEMOS, 2008, p. 207). De acordo com Lemos, esse

conjunto de processos e tecnologias tem sido utilizado como forma de marketing,

publicidade e controle de produto, atualizando a relação entre a cidade e as tecnologias

sem fio. O autor acredita que além da publicidade é preciso olhar para outros processos

dessas mídias, como a produção de conteúdo, a invasão da privacidade, o controle e a

vigilância.

Rumos possíveis para o estudo

Reconhecendo as constantes atualizações sociais e tecnológicas no sistema

publicitário, em uma busca constante pelo novo em que nenhuma marca quer ficar para

trás, observa-se um consumidor cercado pela cultura da convergência. Numa sociedade

capitalista, ao mesmo tempo que ele se sente dentro de uma liberdade de escolhas, há

um favorecimento ao individualismo, como aponta Lipovetsky (1989), dentro uma

universalização de padrões da moda.

Este consumidor nem sempre percebe as fronteiras do que é anúncio e o que

não é visto que há uma grande quantidade de pontos de contato na relação entre cliente

e marca. Se por um lado sempre houve preocupação ao se apresentarem novos meios

para uma determinada sociedade, por outro é clara a existência de problemáticas como

a invasão de privacidade, a publicidade online excessiva e o reforço das “bolhas

sociais”.

Os riscos apontados pela apropriação de ferramentas digitais com o viés do

consumo não são apenas um problema relacionado à Publicidade. Reforça-se que o

poder funciona através da articulação de diversos agentes em uma rede. Entretanto, o

sistema publicitário, através de seu discurso persuasivo e suas lógicas econômicas,

parece se potencializar no contexto contemporâneo por meio das ferramentas de

Comunicação e Informação na internet, e favorecer o controle, a vigilância e a

individualização do sujeito.

Um próximo passo da pesquisa será realizar um estudo de caso para analisar

como essas ferramentas estão sendo utilizadas na prática, ou utilizar outra metodologia

que possibilite esta investigação. Nesse sentido, levar esta discussão para o Seminário

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Discente irá possibilitar a reflexão de uma pesquisa empírica que observe e questione

a apropriação dessas ferramentas no contexto contemporâneo brasileiro.

Referências

ABREU, Giovanna; NICOLAU. Marcos. Big Data, publicidade e o consumidor dataficado: o caso da série House of Cards. Cultura Midiática. Ano X, n. 18 - jan-jun., 2017.

BEER, David. Social network(ing) sites… revisiting the story so far: A response to Dannah Boyd & Nicole Ellison. Journal of Computer-Mediated Communication, v. 13, n. 2, 2008, p. 516-529.

BOYD, Dannah. It’s complicated: the social lives of networked teens. New Haven: Yale University Press, 2014.

BOYD, Dannah; ELISSON, Nicole. Social Network Sites: Definition, History, and Scholarship. Journal of Computer-Mediated Communication. 2007, vol. 13, nº 1, p. 210–230.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

DONATI, Luísa Paraguai. Computadores vestíveis: convivência de diferentes espacialidades. Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul, v. 3, n. 6, 2004, p. 93-102.

ELISSON, Nicole; BOYD, Dannah. Sociality through Social Network Sites. In: Dutton, W. H. (Ed.), The Oxford Handbook of Internet Studies. Oxford: Oxford University Press, 2013.

GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: Comunicação persuasiva. Porto Alegre: Sulina, 2008.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009.

LEMOS, A. Mídia locativa e territórios informacionais. In: SANTAELLA, Lucia; ARANTES, Priscila (Orgs.). Estéticas tecnológicas. Novos modos de sentir. São Paulo: EDUC, 2007, p. 207-230.

______. Apropriação, desvio e despesa na cibercultura. Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, [s. l.], 2006. Disponível em: <http://revistas.univerciencia.org/index.php/famecos/article/viewArticle/282>. Acesso em: jul. 2018.

LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

PEREZ, Clotilde. Ecossistema publicitário: o crescimento sígnico da Publicidade. In: Anais do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, São Paulo, 2016.

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PENSANDO A ESTÉTICA FOTOGRÁFICA: UMA REFLEXÃO TEÓRICA ACERCA DAS MATERIALIDADES E DOS FASCÍNIOS DO ESPORTE DE GUMBRECHT TRANSPOSTOS PARA PENSAR ESTÉTICA NA FOTOGRAFIA INDIE NO INSTAGRAM

Rodrigo Brasil de Mattos1 - UNISINOS

Palavras-chave

Estética na Comunicação. Fascínio. Fotografia. Materialidade. Teorias da

Comunicação.

O que denominamos de fotografia indie diz respeito às produções fotográficas

que tenham em sua concepção o uso do recurso estético da ressignificação do olhar2

perante os assuntos fotografados em questão. Assim, essas imagens tornam-se

alternativas em termos de narrativa e composição (quando comparadas à tantas outras

produções no âmbito do Instagram), requisitando uma estratégia de visualização

(NEWMAN, 2011) que leve o espectador para além do olhar naturalizado. Essas

produções muitas vezes tomam uma dimensão artística e experimental, o que também

acaba por se tornar característica dessa categoria de fotografia na qual desejamos

contribuir para a reflexão. Como forma de exemplificação e possível recorte, citamos

trabalhos presentes nos perfis de Rich McCor3, Marius Perlich4 e Flora Borsi5 nos

1 Mestrando no PPGCOM da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Linha Mídias e Processos Audiovisuais, Orientado pelo Prof. Dr. João Martins Damasceno Ladeira. E-mail para contato: [email protected]

2 Entendemos que essa compreensão do que é a ressignificação do olhar se dá no processo de scanning, conforme Flusser (1995) apresenta. Um simples golpe de vista traria uma visão e entendimento superficial sobre a obra em questão, portanto é necessário realizar um exercício de scanning em certa profundidade, tratando de todos os planos da imagem fotográfica, assim realizando uma melhor síntese das intencionalidades entre emissor e receptor e desnaturalizando o olhar dessa mesma visão naturalizada e superficial.

3 Disponível em: <https://www.instagram.com/paperboyo/>. Acesso em: 24 jul.2018.

4 Disponível em: <https://www.instagram.com/mariussperlich/>. Acesso em: 24 jul. 2018.

5 Disponível em: <https://www.instagram.com/floraborsiofficial>. Acesso em: 24 jul. 2018.

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mostrando essa desnaturalização do olhar através de trabalhos com diferentes assuntos

enquadrados.

Nesse movimento de questionamento sobre a característica inovadora deste

padrão estético fotográfico, se torna necessário investigar temas deixados de lado,

ideias excluídas e práticas que inicialmente eram consideradas desinteressantes. É

justamente seguindo por esse eixo que nos deparamos com o trabalho de Eugéne Atget,

citado por Walter Benjamin (1986), pois o mesmo:

[…] buscava as coisas perdidas e transviadas, e, por isso, tais imagens se voltam contra a ressonância exótica, majestosa, romântica dos nomes de cidades; elas sugam a aura da realidade como uma bomba suga a água de um navio que afunda. (BENJAMIN, 1986, p. 101)

Esta citação de Benjamin chama a atenção para pensarmos as produções fotográficas

contemporâneas, pois o que percebemos em comum nos trabalhos citados

anteriormente é justamente a ressignificação do olhar através da concepção fotográfica

a partir de assuntos que normalmente nos passam despercebidos aos olhos. Nas

fotografias de Rich McCor, por exemplo, temos paisagens cotidianas que são

ressignificadas através de montagens em papel, que em seguida fazem parte da

composição fotográfica de suas obras. Nas obras de Marius Perlich, podemos perceber

a temática do corpo como principal, porém esta não se atém apenas a eles e nos induz

a um exercício de scanning mais profundo que nos leva a reinterpretar esse primeiro

golpe de vista, nos apresentando uma segunda camada, aquela que nos faz identificar

elementos diversos onde uma nádega humana se transforma em uma bola de

basquetebol ou vice-versa (Figura 1).

Figura 1: REAL GIRLS HAVE BALLS

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Fonte: elaborado pelo autor a partir do perfil @mariusperlich no Instagram6

Já para Flora Borsi, que também tem a temática do corpo como central, o

conceito de ressignificação se encaixa por trazer elementos da natureza se integrando

a esses mesmos corpos.

Teoria das Materialidades, presença e seus papéis para pensarmos a estética da Comunicação

Hans Ulrich Gumbrecht nos apresenta pistas para pavimentar “[...] uma via de

entendimento do mundo para além da ‘metafísica’ do sentido.” (SILVEIRA, 2010, p. 2).

Constrói-se aí um campo chamado por Gumbrecht (2010) de não-hermenêutico, que é

composto pelos “[...] fenômenos e condições que contribuem para a produção de

sentido, sem serem eles mesmos, sentido.” (GUMBRECHT, 2010, p. 28). Atrelado a

este campo esta o conceito de presença que, ao olhar de Silveira (2010, p. 02), “[...] é

algo tangível, com o qual mantenho uma relação no espaço e que tem algum tipo de

impacto sobre meu corpo e os meus sentidos.”. Pincelamos estes conceitos na tentativa

de compreender como as medialidades e como os suportes contribuem para a

construção de sentido nestas obras. Eis o questionamento que surge: como o suporte

afeta a nossa relação com essas produções? Para aproximarmos essa discussão dos

exemplos já citados neste trabalho, podemos também tentar algo provocativo: o que

muda na experiência estética e na produção de sentido da fotografia quando alteramos

o seu suporte?

Os fascínios do esporte transpostos para pensarmos a estética comunicacional nas imagens fotográficas

Caminhando para uma linha de pensamento ainda dentro da teoria das

materialidades, chegamos no que Gumbrecht (2007) chama de fascínios do esporte. O

autor alemão enumera estes em sua obra “Elogio da Beleza Atlética” sendo que os que

julgamos serem pertinentes à discussão em questão sobre estética dizem respeito

especificamente aos fascínios da graça, dos instrumentos e timming. No processo de

reflexão sobre tais fascínios como categorias teóricas, torna-se necessário a

compreensão destes como conceitos que não dependem da racionalidade técnica, pois

eles a transcendem, nos levando ao que percebemos por ser algo plasticamente

6 Disponível em: <https://www.instagram.com/p/Bka70xPlXBe/?taken-by=mariussperlich>. Acesso em: 24 jul. 2018.

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atraente em sua essência, assim nos apresentando novamente para aquele campo não-

hermenêutico anteriormente citado.

Indo em direção ao primeiro fascínio que nos interessa, o da graça, Gumbrecht

coloca que ela “[...] pertence àqueles conceitos que, quando examinados e pensados a

fundo, revelam sacadas surpreendentes e uma complexidade insuspeitada.” (2007, p.

119). Mais adiante, o mesmo comenta que a graça:

[...] é o produto de um distanciamento do corpo e seus movimentos em relação à consciência, à subjetividade e à sua expressão […] A graça, como objeto de uma experiência estética, faz-nos lembrar que às vezes somos incapazes — felizmente incapazes, devo acrescentar — de associar os movimentos do corpo que vemos às intenções ou pensamentos daqueles que os executam. (GUMBRECHT, 2007, p. 120).

Pensando na experiência estética da fotografia podemos refletir sobre o

processo de produção de determinadas obras, que associadas ao timming específico

(abordaremos este mais adiante) resultam em obras que são concebidas justamente

pela incapacidade natural de seu autor em associar seus movimentos às intenções ou

pensamentos que aquele ato de captura normalmente exigiria. Gumbrecht segue em

sua reflexão:

[...] ao executar esses movimentos inúmeras vezes, os atletas programam seus corpos de forma que o conhecimento passe do cérebro para os nervos, para os músculos dos braços e pernas (“a alma no cotovelo”) — e graças a pesquisas recentes, a ciência cognitiva está se tornando uma descrição empírica, e não apenas uma metáfora. (GUMBRECHT, 2007, p. 121).

De forma semelhante, compreendemos que um autor que manuseia um

aparato fotográfico pode também desenvolver espécie de memória hábito (BERGSON,

2006), trazendo a racionalidade do cérebro para a “ponta dos dedos”. Seguindo para o

fascínio dos instrumentos, o autor reflete que:

[...] o fascínio dos esportes que envolvem animais e máquinas baseia-se na sensação de que esses elementos não-humanos de alguma forma fundem-se com o corpo humano […]. Podemos encarar “instrumentos” como cavalos e carros como extensões ou complexificações do corpo humano num sentido duplo. Em primeiro lugar, eles tornam possível superar os limites de um desempenho exclusivamente humano, ao, por exemplo, multiplicar a velocidade máxima à qual um corpo pode se mover no espaço. (GUMBRECHT, 2007, p. 124)

Da mesma forma, os aparatos fotográficos complexificam os sentidos

humanos, sendo principalmente a câmera em conjunto com as lentes objetivas tratadas

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como uma extensão potencializada do olho humano, na qual o mesmo “adquire” as

habilidades de zoom e amplitude de campo, por exemplo. O segundo aspecto em

relação aos instrumentos que Gumbrecht cita diz respeito à capacidade do sujeito

adaptar seu corpo a um outro externo. Nesta relação, quanto mais o atleta se adapta

com perfeição a este outro corpo, melhor será a eficácia do seu. Neste sentido, também

realizamos essa conexão para pensar no sujeito produtor de imagens fotográficas em

sua relação com o aparato técnico em questão, pois quanto melhor o sujeito se adapta

à forma e aos movimentos do aparelho, melhor ele o controla, e mais potencializa a

eficácia de seu corpo. (GUMBRECHT, 2007). Sobre o fascínio do timming, temos que

ele é

[...] a capacidade de fazer os movimentos certos na hora certa […]. Esse timming é a capacidade intuitiva de colocar o corpo num espaço específico no momento exato em que ele precisa estar lá. É uma habilidade, aliás, que até certo ponto pode ser adquirida pela prática. (GUMBRECHT, 2007, p. 138, 140).

Julgamos o timming ser um dos mais relevantes fascínios a serem transpostos

para a produção de sentido na experiência estética da fotografia, pois como citado

anteriormente em conjunto com a graça, certas obras só adquirem aspectos plásticos

específicos e atraentes em sua essência quando o produtor da obra coloca seu corpo

num espaço-tempo que é crucial para a concepção daquela obra com tais aspectos.

Apontamentos

A discussão aqui proposta nos instiga e apresenta olhares alternativos para

pensarmos a estética, tanto num âmbito geral da Comunicação, como especificamente

na Fotografia. As indagações que aqui se iniciam a partir desse processo reflexivo nos

apresentam que a Teoria das Materialidades, por mais que seja um campo da

Comunicação ainda em desenvolvimento, dispõe de recursos ricos para nos auxiliar a

melhor ampliar o pensamento para além da racionalidade técnica. Juntamente com as

diferentes classificações do conceito de fascínio, entendemos que a produção de

sentido não encontra-se apenas em lugares “ocultos” e “profundos” (SILVEIRA, 2010),

mas que esta pode estar ligada à simples intensidade do momento, que diz respeito ao

campo não-hermenêutico anteriormente citado. Tratar sobre um campo subjetivo como

a estética demanda estratégias e métodos que nos permitam ultrapassar a instância da

racionalidade técnica. Por isso, pensamos que a discussão aqui fomentada levanta

aspectos importantes para refletirmos sobre o campo

Referências

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BENJAMIN, Walter. Pequena História da Fotografia. In: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1986.

BERGSON, H. A memória ou os graus coexistentes da duração. In: Memória e Vida. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. Editora Hucitec: São Paulo, 1995.

GUMBRECHT, Hans Ulrich. Elogio da Beleza Atlética. Companhia das Letras: São Paulo, 2007.

GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010.

NEWMAN, Michael. Indie - An American Film Culture. Columbia University Press: Nova Iorque, 2011.

SILVEIRA, Fabrício. Além da atribuição de sentido. Revista Verso e Reverso XXV, n. 57, Unisinos, set.-dez., 2010.

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GT CORPO, RAÇA E

GÊNERO

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AS “MULHERES REAIS” NA PAUTA: UMA ANÁLISE DA CAMPANHA #SOUDONNADEMIM DA REVISTA DONNA

Caroline Roveda Pilger1 - UFRGS

Palavras-chave

Revista Donna. Diversidade. Discurso. “Mulheres reais”. #soudonnademim.

Diversidade é a palavra de ordem no discurso da campanha de

reposicionamento da revista Donna2, do Grupo RBS, lançada no dia 13 de maio de 2017.

Em uma tentativa de aproximação ao movimento feminista, a revista lançou a campanha

#SouDonnademim. Conforme o texto, a reformulação editorial e ideológica da revista se

deu com o objetivo principal de valorizar a liberdade de escolha e a diversidade, bem

como promover a aceitação e o desenvolvimento de diferentes perfis de mulheres.

O mote do novo posicionamento, conforme a revista, é “inspirar a mulher do

Rio Grande do Sul a ser a melhor versão de si mesma, provocando reflexões e

traduzindo tendências e caminhos do universo feminino” (GRUPO RBS, 2017). Em um

claro discurso que se aproxima de movimentos sociais de resistência, como o

feminismo, a revista se utiliza de termos reconhecidos e legitimamente utilizados pelos

mesmos, como “sororidade” e “empoderamento”.

Portanto, o objetivo é analisar o lançamento do reposicionamento de Donna

com a campanha publicitaria “#SouDonnademim”. É objetivo deste texto compreender

quais discursos a revista aciona quando se direciona às leitoras e quais ethos3 esses

discursos constroem para a revista. O foco de análise aqui recairá nos cinco anúncios

impressos. Além disso, é intuito problematizar uma espécie de mercantilização e

espetacularização da diversidade e tensionar o novo discurso ideológico/editorial da

revista com o conteúdo publicitário/mercadológico. Como questão central de

problematização, nos perguntamos: como essa diversidade aparece na revista? Que

1 Doutoranda no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Mediações e Representações Culturais e Políticas. Orientada pela Profa. Dra. Ana Cláudia Gruszynski. E-mail para contato: [email protected]. 2 A revista Donna tem 25 anos de existência, completados no dia 9 de maio de 2018. Ela estreou como suplemento do jornal Zero Hora em maio de 1993. Em maio de 2012, a Zero Hora apresentou a transformação do caderno Donna em revista. 3 De uma forma geral, segundo Maingueneau (2008), podemos definir o ethos como a imagem de si que o enunciador constrói através de seu discurso, ou seja, o ethos só é construído e percebido discursivamente.

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lugar ela ocupa? Como é representada? Quem são essas “mulheres reais”? Essas

questões não serão respondidas neste texto, mas servem como fio condutor das

reflexões. Este resumo é um recorte de análise do objeto empírico (revista Donna) que

formará o corpus principal da tese.

Refletindo sobre a “nova cara” de Donna

Conforme explicitado no início deste texto, o novo posicionamento da revista

Donna veio acompanhado do lançamento de uma campanha publicitária para divulgar

a marca, intitulada: #SouDonnademim. A hashtag e a frase “inspirar você a ser a melhor

versão de si mesma”, são o norte da campanha e da marca Donna em todas as suas

plataformas e foi o discurso difundido no rádio, na TV, no jornal, site e nas redes sociais

(GRUPO RBS, 2017). A campanha, que foi coordenada por Cristina Francioni, tem cinco

anúncios impressos, que são as peças principais, além de spots de rádio e vídeos para

a TV e internet.

Figura 1 - Cinco anúncios principais da campanha #SouDonnadeMim

Fonte: Elaborada pela autora.4

As cinco peças publicitárias principais da campanha apresentam, conforme

visto acima na Figura 1, cinco diferentes tipos de mulheres: Loiras, morenas, ruivas,

brancas, negras, de diferentes idades e cortes de cabelo, com piercings e tatuagens.

Em cada uma das peças, da esquerda para a direita, temos as seguintes frases: Peça

1: “As mulheres davam, os caras pegavam. Teve época em que mulher estava ali só

para dar prazer. Hoje o prazer é para nós: para mim e para ele. E sem o “pra mim” não

tem jogo”; Peça 2: “Adonar- se. Assumir comando, tomar posse de algo. Adonar-se de

seu próprio destino, de sua vida. Do mercado de trabalho, de novos estilos, de modas,

de causas, do seus corpo, ou até do coração de alguém. Adonar-se dos espaços da

4 Imagens retiradas de matéria divulgada na revista Donna na edição especial de lançamento da campanha #SouDonnaDeMim. In: REVISTA DONNA. Vem com a gente- Donna lança campanha e convida você a usar a #SouDonnaDeMim. Revista Donna/ Zero Hora, Porto Alegre, 13 e 14 maio, 2017, p.14.

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vida, das redes sociais. Adonar-se de você mesma”; Peça 3: “Uma amiga minha quer

ser mãe. Não quero. Outra amiga não sai da academia. Nem entro. Outra amiga não

tem tatuagem. Eu tenho. Uma amiga é lésbica. Não sou. Você pode estar se

perguntando: Por que a gente se dá tão bem? Eu é que pergunto: por que a gente não

se daria?”; Peça 4: “A gente não tem tempo para perder tempo. Você é adulta? Você

faz as suas escolhas? Não abra mão do amor em nome de gênero, classe,

nacionalidade, religião ou idade. Amor é amor. É bem-vindo. O que não é bem-vindo:

preconceito”; e, por fim, peça 5: “Do meu nariz. De uma grande empresa. De um

cachorro (ou de uma gata). De um blog. De uma bicicleta. De uma tatuagem. De um

novo par de óculos. De nada disso, ou de tudo isso ao mesmo tempo. Eu decido do que

vou ser donna”.

Nesses cinco anúncios a revista tenta evidenciar a diversidade do que é “ser

mulher” na contemporaneidade através de cinco perfis diferentes, com algumas coisas

em comum, como o uso da tatuagem e do piercing, por exemplo, que discursivamente

pode, talvez, representar o poder e atitude dessas mulheres. Além disso, é importante

notar o uso das cores dos cinco anúncios que também demonstram o apoderamento de

um discurso de outro grupo identitário importante da contemporaneidade, de resistência

social e cultural: o LGBTQ5, quando os anúncios são extremamente coloridos e

remetem, claramente, às cores do arco-íris, usado, há décadas, como símbolo principal

da bandeira do movimento. Nas frases dispostas nos anúncios percebe-se também,

novamente, o apoderamento de características de outro movimento social e cultural de

resistência, o feminismo, pois os discursos utilizam-se de temáticas, apesar de

históricas para o movimento, que estão agora efetivamente “fervendo” nas discussões

sociais como: libertação sexual das mulheres, atitude de ser dona das suas escolhas, a

escolha ou não pela maternidade, a decisão pelo corpo, sexualidade, gênero, classe,

nacionalidade, religião, idade, mercado de trabalho, enfim, tudo visando o protagonismo

feminino.

Ao aproximar-se e utilizar-se desses recursos discursivos a revista está, mais

uma vez, tentando construir uma imagem de si, ou seja, um ethos (MAINGUENEAU,

2008) que demonstra ser um veículo de comunicação, acima de tudo, preocupado com

questões sociais, como o preconceito, por exemplo, e que está acompanhando as

mudanças sociais que ocorrem, apresentando um ethos discursivo de não-alienação,

de politização e, até mesmo, de militância. Também mostra-se com um ethos de um

5 Coletivo que abrange Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Travestis, Transgêneros e Queer.

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veículo que não tem medo de expor sua opinião, assim como devem ser as mulheres

contemporâneas.

Outro fator que merece ser problematizado é que, apesar da revista se esforçar

para representar essa “mulher real” e dar voz a ela, com a apresentação de uma

diversidade e o presente discurso da mesma como forma de afirmação de uma espécie

de posicionamento político a favor da aceitação da diferença, tanto estética quanto

cultural e étnica, analisando de uma forma geral as edições que foram publicadas após

o reposicionamento, recorrentemente podemos observar que a maneira com que estas

diversidades são expostas na revista Donna parecem seguir um limite. O que nos

parece é que as reportagens que se propõem a evidenciar essa “mulher real” são

sempre muito bem demarcadas e enquadradas na categoria diversidade, como algo

diferente, fora do “padrão”, ou seja, para que a mulher gorda apareça, deve ser em um

editorial ou em uma matéria sobre a moda e tendência “plus size”. Assim como a mulher

negra que tem seu espaço bem definido e limitado nas publicidades, mas também nas

pautas da revista. A diversidade parece ter um “cercadinho” para ela. A liberdade da

diversidade encontra limites nas bordas da página da colunista Thamires Tancredi, por

exemplo, que se propõe a fazer algo genuíno. Quando se propõe a abordar a

diversidade quase como uma obrigação de pauta, e a incluir outras identidades,

historicamente periféricas, a revista parece fazê-lo de uma forma não natural, não

autêntica.

O avanço editorial da revista, que ainda precisa de mudanças, não parece ter

sido acompanhado pelo conteúdo mercadológico, não somente dos anunciantes, como

também dos espaços de marketing e branding da revista, ou nos editoriais de moda,

que, salvo alguma exceção, ainda continuam bem longe das curvas da mulher real, e

reproduzem somente fotos de modelos extremamente magras, altas e jovens.

Outro fator importante é que a forma de incluir (e marcar) a diversidade acaba

por, paradoxalmente, a excluir. A própria inclusão demarca o lugar daquela identidade

como diferente, excêntrica e fora da “normalidade”, como a “plus size”, por exemplo. Ou

seja, pratica-se neste processo uma inclusão excludente (KUENZER, 2005), pois

mesmo que inclua na narrativa da revista o faz de uma maneira que demarca sua

“anormalidade” e, dessa forma, legitima sua exclusão.

Quando refletimos sobre a relação do diverso com o espaço midiático e seus

artefatos culturais, Fürsich (2016, p. 60) afirma que somente o “conserto” da mídia não

irá resolver o problema do silenciamento da diversidade cultural, precisamos, antes,

estabelecer relações sociais, culturais e econômicas mais justas entres os grupos dentro

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e entre as sociedades. Segundo Bauman (1999, p. 292) a “diversidade” e a “tolerância”

promovida pelo mercado não nos leva para um caminho da solidariedade, pois ela

“fragmenta, em vez de unir”. É preciso deixar claro que acreditamos que a inclusão da

diversidade, principalmente no universo feminino, é uma maneira relevante de contribuir

com uma luta social importante no caminho para a reinvindicação de espaço dessas

identidades marginalizadas na sociedade e sua conquista de políticas públicas e

direitos, por exemplo. A visibilidade, neste cenário, torna-se imprescindível. Porém, por

outro lado, o que devemos e desejamos problematizar, não é a simples inclusão da

diversidade, ou de um discurso da diversidade na mídia, mas sim a maneira como ela é

feita e com que propósito.

Concluímos com o pensamento de Louro (2003, p. 46), que afirma que

devemos, acima de tudo, sair de uma perspectiva da simples “contemplação,

reconhecimento ou aceitação das diferenças” para a pratica de um exercício que nos

permita ampliar o foco e analisar as formas por meio das quais essas diferenças são

produzidas, identificadas e nomeadas. E é isso que este trabalho pretende fazer.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

FÜRSICH, Elfriede. O problema em representar o Outro: mídia e diversidade cultural. Revista Parágrafo, v.4, n. 1 – jan/jun, p. 51-61, 2016.

GRUPO RBS. Donna lança novo posicionamento. Grupo RBS, 2017. Disponível em: <http://www.gruporbs.com.br/noticias/2017/05/12/donna-lanca-novo-posicionamento/>. Acesso em: 15 nov. 2018.

KUENZER, Acácia. Exclusão includente e inclusão excludente: a nova forma de dualidade estrutural que objetiva as novas relações entre educação e trabalho. In: SAVIANI, D.; SANFELICE, J.L.; LOMBARDI, J.C. (Org.). Capitalismo, trabalho e educação. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 77-96.

LOURO, Guacira Lopes. Currículo, gênero e sexualidade – O “normal”, o “diferente” e o “excêntrico”. In. LOURO, Guacira Lopes; NECKEL, Jane; GOELLNER, Silvana Vilodre. (Org.). Corpo, gênero e sexualidade: Um debate contemporâneo na educação. Petrópolis, R.J: Vozes, 2003. p.41 -52.

MAINGUENEAU, Dominique. Ethos, cenografia, incorporação. In: AMOSSY, Ruth (org). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. 1 ed., São Paulo: Contexto, 2008.

REVISTA DONNA. Vem com a gente- Donna lança campanha e convida você a usar a #SouDonnaDeMim. Revista Donna/ Zero Hora, Porto Alegre, 13 e 14 maio, 2017, p.14.

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O ACONTECIMENTO PÚBLICO MARIELLE FRANCO: DISPUTA E ENGAJAMENTO MIDIATIZADO

Fernanda Bastos Pires1 – UFRGS

Palavras-chaves

Acontecimento. Marielle Franco. Comunicação. Enquadramento. Racismo.

Executada no Centro do Rio de Janeiro, a vereadora fluminense Marielle

Franco tornou-se um símbolo global de resistência à violência. A mobilização social foi

crescente depois do assassinato em 14 de março de 2018; engajou milhares de pessoas

nas redes e nas ruas, forçando a mídia tradicional a aumentar o acompanhamento sobre

o caso. Parlamentar do PSOL, Marielle era relatora de comissão responsável por apurar

abusos na intervenção federal no Rio de Janeiro e analisava criticamente as políticas

de segurança na sua cidade, com atenção destacada para a violência contra populações

faveladas, de mulheres pobres, negros e LGBT.

A reação à morte da parlamentar emergiu nas redes. No Twitter, a repercussão

foi mundial e pautou diversos veículos de comunicação, como Estadão, Exame e R7.

Também a rede abrigou o debate sobre as motivações para o assassinato de Marielle,

que tornaram-se instantaneamente objeto de disputa, especialmente entre aqueles que

a consideraram vítima da criminalidade local e os que deduziram do caso perseguição

política a uma ativista dos direitos humanos. A repercussão na rede chegou a 54 países

e 34 idiomas somente nas 42 horas após o crime, de acordo com apuração da FGV

DAPP2. O alcance também levou o tópico à imprensa internacional — The Guardian3

1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM/UFRGS) sob orientação da Profa. Dra. Maria Helena Weber, da linha 4 Mediações e Representações Culturais e Políticas do Ppgcom Ufrgs. Participa do Núcleo de Pesquisa em Comunicação Pública e Política (NUCOP) e do Observatório de Comunicação Pública (OBCOMP). Contato: [email protected].

2 FGV DAPP. Morte de Marielle Franco mobiliza mais de 567 mil menções no Twitter, aponta levantamento da FGV DAPP. FGV DAPP, 2018. Disponível em: <http://dapp.fgv.br/morte-de-marielle-franco-mobiliza-mais-de-567-mil-mencoes-no-twitter-aponta-levantamento-da-fgv-dapp/> Acesso em 16 de ago de 2018.

3 THE GUARDIAN. The Guardian view on the brazilian politicians Marielle Franco legacy. The Guardian, 2018. Disponível em: <https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/mar/16/the-guardian-view-on-the-of-brazilian-politicians-marielle-francos-legacy> Acesso em 16 de ago de 2018.

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descreveu Marielle como alguém que, a despeito das condições históricas

desfavoráveis em seu país, conseguiu um espaço privilegiado na política.

O presente trabalho visa a analisar de que modo o caso Marielle configura-se

como acontecimento público, mobilizando sujeitos, nas ruas e nas redes, e pautando a

mídia. O objetivo da dissertação é relacionar as noções de experiência e acontecimento

para observar como os conceitos atuam sobre a percepção da morte de Marielle Franco,

acionando sujeitos e discursos, que emergem da mobilização de atores engajados.

Também nesse estudo, pretende-se entender de que forma o jornalismo apropria-se da

noção de experiência coletiva para produzir suas pautas sobre esse tema e outros que

surgem atrelados ao caso, como o respeito aos direitos humanos.

O acontecimento está situado no devir por conta de sua potência de

deslocamento da temporalidade, conforme Babo-Lança (2011). A autora relaciona o

acontecimento à noção de memória construída, que é consolidada pela necessidade de

registro e constituição de um passado por meio do presente. Para Babo-Lança, as ideias

tomam forma em pessoas e grupos que atuam deixando marcas na memória coletiva.

Assim, um fato do como a morte de uma vereadora no presente cria pontes para que

reconheçamos, por exemplo, o desrespeito às vidas negras desde o período de

escravização africana no Brasil. A mídia é um espaço de institucionalização e

reconstrução da memória coletiva, sendo os veículos de comunicação dispositivos de

configuração de significados e narrativas da realidade (BABO-LANÇA, 2011).

Quéré (2011, p. 27), enfatiza o acontecimento público como “o dos problemas

públicos e do seu tratamento pela ação pública”. O autor enfatiza que, nos

acontecimentos, o problema público é movido para a cena pública, com o objetivo de

que a ordem material e

simbólica atingida seja restabelecida. Essa ordem diz respeito a valores tão

fundamentais quanto desrespeitados, como a equidade, a justiça, a solidariedade, o

respeito às identidades, entre outros.

O engajamento com o acontecimento, para Quéré (2011), passa pelo caráter

subjetivo e objetivo das experiências, pois aciona níveis de vivência que se modificam

conforme a trajetória dos atores do espaço público e das repercussões do

acontecimento sobre suas vidas. Simões (2012) aponta o acontecimento como um

ponto de encontro entre experiências do eu e do outro com o mundo, pois sempre

partimos de uma perspectiva pessoal e relativa ao todo.

A experiência pública é um meio de individualização dos acontecimentos

públicos e sua recepção será sempre marcada pela emoção (QUÉRÉ, 2011). Weber

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(2013, p. 201) percebe o papel central da paixão nos debates e sustenta que as paixões

servem como “dispositivo de compreensão teórica do espetaculo em meio ao complexo

debate sobre globalização e pós-modernidade, sobre indivíduo e sociedade e a

midiação de conceitos e ações políticas, econômicas, culturais e midiaticas”. Nesse

sentido, Prudêncio (2009) nota que a espetacularização é um recurso utilizado pelos

ativistas para explorar os critérios de noticiabilidade, buscando reproduzir o

enquadramento jornalístico. E é justamente em casos sem consenso e de disputa de

versões que os ativistas encontram mais espaço para inserir a leitura da realidade em

desvantagem.

O enquadramento da ação política é encontrado nos processos discursivos,

por meio de interações orais ou escritas entre ativistas, que permitem o alinhamento de

quadros interpretativos e a emergência de quadros da ação política (SNOW; BENFORD,

1988). Essa ação prevê diagnosticar um quadro, bem como definir um prognóstico para

sugerir soluções e estratégias para encarar o problema. Os atores se sentem motivados

para fazer apelo às forças armadas ou uma ação racional, como a criação de leis; sem

perder de vista a identificação de possíveis culpados.

As hashtags do Twitter serviram para reunir os atores engajados no caso e

localizar os quadros interpretativos e de ação relacionados ao debate. Os agentes

apaixonados pelo acontecimento evidenciaram a sensação de desconformidade com o

caso, enfatizando a necessidade de punição aos culpados.

Além das manchetes, o caso Marielle virou alvo de notícias falsas. O esforço

das fake news coaduna com a disputa pela versão da memória coletiva do

acontecimento. Nessa concorrência de visibilidade e versão da realidade na memória

coletiva, um movimento dos veículos em contraposição às fake news foi o de divulgar

checagem de boatos sobre Marielle4 com elucidação de falsidades sobre sua trajetória.

O ganho de visibilidade do caso pode ser acompanhado pela progressão do

conteúdo noticioso. As primeiras notícias sobre o assassinato enfatizam as

circunstâncias do crime e a investigação. Na sequência, surge material que acompanha

a repercussão nas ruas, nas redes e no cenário internacional. Outra abordagem dedica-

se a elucidar o que são os direitos humanos5 à luz do caso, relacionando a atuação de

4 FÁBIO, André Cabette. Como falar com quem acha que Marielle merecia morrer por 'defender bandido'. Nexo, 2018.<https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/03/15/Como-falar-com-quem-acha-que-Marielle-merecia-morrer-por-%E2%80%98defender-bandido%E2%80%99> Acesso em: 16 de ago de 2018.

5 EXTRA. Marielle, os direitos e os humanos: esclarecimento do EXTRA aos leitores. Extra, 2018. <https://extra.globo.com/noticias/marielle-os-direitos-os-humanos-esclarecimento-do-extra-aos-leitores-

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Marielle com essa causa e tentando responder à acusação do senso comum de que os

defensores dos direitos humanos no Brasil defendem bandidos.

O jornal O Globo minimizou a representatividade de Marielle no que chamou

de “'trinômio ‘preta, mulher, favelada', tão usado em proselitismos”6: “Fosse Marielle

“branca e rica”, a execução precisaria provocar a mesma reação do Estado e na

sociedade”. Discursos como o do jornal carioca ecoaram nas redes, criticando o suposto

excesso de repercussão dado à morte, denotando que o silêncio e a conformidade com

o caso seriam o padrão.

Para Dijk (2008), é no cotidiano que os sujeitos reproduzem o racismo,

interagindo e contando textos sobre o Outro. No Brasil, a população negra e pobre é

sub-representada nas esferas de poder, de modo que Marielle Franco era exceção em

um cenário de falta de diversidade e de discursos carentes de contraponto nas esferas

de poder. Crenshaw (2004) pontua que as discriminações de raça e a de gênero operam

juntas para criar barreiras ao desenvolvimento de mulheres negras no mercado de

trabalho e em esferas de poder. A autora identifica que as mulheres de pele escura e

mais pobres são as mais atingidas pelas violações de direitos humanos em

consequência direta por serem mantidas à margem dos espaços privilegiados.

Mobilizando a memória coletiva, o caso Marielle Franco força a interação entre

diferentes grupos da sociedade brasileira, passando por problemas públicos como a

insegurança e a defesa dos direitos humanos, além da produção de desigualdade e

opressão histórica contra o povo negro brasileiro e a violência contra as mulheres

pobres. Os sujeitos são mobilizados conforme o engajamento que possuem com o caso,

sinalizando a importância da noção de experiência para a emergência desse

acontecimento.

Weber (2017) ressalta que a tensão move a discussão na esfera de visibilidade

pública. A falta de consenso mobiliza diferentes grupos e públicos, que disputam a

discussão em torno de temas de interesse público, a partir de sua compreensão do

acontecimento e também de seu interesse, que não deixa o assunto sair da pauta. Ainda

conforme Weber, o debate, que reúne opiniões e manifestações sobre temas de

interesse público, faz parte da engrenagem ideal da esfera pública, indicando a

22493662.html> Acesso em: 16 de ago de 2018.

6 O GLOBO. Sectarizar morte de Marielle é um desserviço. O Globo, 2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/opiniao/sectarizar-morte-de-marielle-um-desservico-22499032> Acesso em: 16 de ago de 2018.

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qualidade da comunicação e da democracia. Com relação a essas postulações, o caso

mobiliza diferentes setores da sociedade, fazendo também emergirem tópicos que

ultrapassam o fato da morte da vereadora ou a violência urbana de seu país. Com a

manutenção do caso em pauta, a imprensa passa a abordar outros temas de interesse

público como os direitos humanos.

A complexidade desse acontecimento orbita pela observação de que até quem

não enxergou Marielle como vítima ou como alguém que merecesse que sua morte se

tornasse notícia em algum momento se viu mobilizado pela abordagem sobre o

assassinato. A origem de Marielle Franco e sua trajetória política despertam paixão

imediata depois de sua morte, transformando o acontecimento em espetáculo midiático

e ajudando a explicar a repercussão do ocorrido. Apesar da ausência de resolução na

esfera criminal, a mobilização nas ruas e nas redes contra a execução de Marielle, assim

como o acompanhamento midiático tem mantido o caso em debate, arrebatando

paixões e versões. Também introduzem-se soluções para o quadro, como a criação de

leis7.

Referências

BABO-LANÇA, Isabel. Configuração mediática dos acontecimentos do ano. Revista Caleidoscópio. V. 1, n. 10. Lisboa: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2011. Disponível em: <http://revistas.ulusofona.pt/index.php/caleidoscopio/article/view/3706> Acesso em 16 ago. 2018.

BENNET, W. Lance; SEGERBERG, Alexandra. The logic of connective action. Information, Communication & Society. Londres: Routledge, 2012, p. 739-768.

CRENSHAW, Kimberle W. A interseccionalidade na discriminação de raça e gênero. In: VV.AA. Cruzamento raça e gênero. Brasília Unifem. 2004.

DJIK, T. V. Racismo e discurso na América Latina. São Paulo: Contexto, 2008.

PRUDENCIO, Kelly. Comunicação e mobilização política na internet. Extensão em Foco, [S.l.], n. 4, dez. 2009. ISSN 2358-7180. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/extensao/article/view/24885>. Acesso em: 24 set. 2018. doi:http://dx.doi.org/10.5380/ef.v0i4.24885.

QUÉRÉ, Louis. A individualização dos acontecimentos no quadro da experiência pública. In: Caleidoscópio Revista de Comunicação e Cultura. Lisboa, Edições Universitárias Lusófonas, n. 10, p. 41-58, 1° sem. 2011.

7 O GLOBO. Pezão sanciona lei que cria dia Marielle Franco contra o genocídio da mulher negra. O Globo, 2018. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/pezao-sanciona-lei-que-cria-dia-marielle-franco-contra-genocidio-da-mulher-negra-22898278> Acesso em 16 de ago de 2018.

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SIMÕES, Paula G. Acontecimento, mídia e experiência: uma perspectiva para a análise das celebridades. Teoria e Sociedade nº 20.2 - julho-dezembro de 2012 . Disponível em: <http://www.fafich.ufmg.br/revistasociedade/index.php/rts/article/viewFile/57/50> Acesso em 16 ago. 2018.

SNOW, David; BENFORD, Robert. Ideology, Frame Resonance and Participant Mobilization. International Social Movement Research. 1988. p.197-217.

WEBER, Maria Helena. Do acontecimento público ao espetáculo político-midiático. Caleidoscópio Revista de Comunicação e Cultura, S.l. , n. 10, sep. 2013.

WEBER, Maria Helena; COELHO, Marja; LOCATELLI, Carlos (org). Comunicação Pública e Política – pesquisa e práticas. Florianópolis: Insular, 2017.

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A INDETERMINAÇÃO DO CORPO NA PUBLICIDADE

João Batista Nascimento dos Santos1 - UFRGS

Palavras-chave Corpo. Publicidade. Consumo. Cultura.

Comumente, a Publicidade engendra representações do corpo em que este é

apresentado magro, harmônico, jovem e branco. Mas em algumas situações observa-

se que a Publicidade se volta para a exposição de corpos que não se enquadram nesse

padrão hegemônico. O objeto deste estudo é, assim, constituído pelos comerciais

apresentados nos canais de empresas no site YouTube que apresentam corpos que

não se enquadram no padrão hegemônico da representação do corpo na Publicidade.

Tendência já percebida por Safatle (2015) em alguns comerciais dos anos 1990, que

constituem o início de uma reconfiguração de representações sociais relacionadas ao

corpo e a sexualidade nos meios de Comunicação. Atualmente, a apresentação de

corpos fora do padrão mencionado anteriormente tem sido o foco de alguns comerciais

veiculados nos Canais de Empresas do YouTube. A seguir são mostradas imagens de

alguns comerciais.

Figura 1- Cena comercial Avon

Fonte: YouTube2

Figura 2 - Cena comercial Avon

1 Doutorando no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Cultura e Significação, Orientado pelo Profa. Dra. Nísia Martins do Rosário. E-mail para contato: [email protected] 2 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=B8HIHaP73E8>. Acesso em: jun. 2018.

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Fonte: YouTube3

Figura 3 - Cena comercial Dove

Fonte: YouTube4

Figura 4 - Cena comercial Skol

Fonte: YouTube5

Compreende-se a Publicidade como um processo de Comunicação, capaz de

influenciar a cultura e, do mesmo modo, passível de ser engendrada por esta. Pretende-

se, assim, entender como a Publicidade é elaborada, considerando as manifestações

identitárias que buscam reconhecimento e, nesse sentido, levando em conta também a

proposta de subjetividade neoliberal. Objetiva-se, ainda, o entendimento de como a

3 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=wCLkaXKYRBA>. Acesso em: jun. 2018. 4 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mQx_VmCQu5w>. Acesso em: jun. 2018. 5 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3yNnWVgCJg8>. Acesso em: jun. 2018.

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Publicidade se relaciona com a recusa à subjetividade neoliberal e com as reações

contrárias à representação das diferentes identidades.

O texto publicitário pode ser entendido como documento representativo em

parte da produção cultural (TRINDADE, 2012). A Publicidade apresenta uma dimensão

cultural, a qual engendra representações sociais que colaboram com a atualização do

imaginário contemporâneo (PIEDRAS, 2009). Além disso, a Publicidade influencia a

sociedade e também acaba por ser sugestionada por essa mesma cultura.

As representações do corpo, bem como o conhecimento que essas

apresentam, são subordinadas ao estado social, bem como a percepção do mundo (LE

BRETON, 2011). Já há algum tempo, são produzidos instrumentos por parte dos

campos da Publicidade e do Marketing, voltados para a compreensão acerca da relação

entre os indivíduos e os produtos no que concerne a “[...] imagens do eu, de seu mundo

interior, de seu estilo de vida e, sobretudo, de seu invólucro corporal.” (SANTAELLA,

2004, p. 126). As representações nos meios de Comunicação e na Publicidade

produzem grande efeito relativo às experiências do corpo e tornam possível que se

imagine, se diagrame e se fantasie sobre certas existências corporais, manifestações

que se apresentam no modo de sonhar e ambicionar o que é proposto.

Identidade e subjetividade são questões interrelacionadas fundamentais para

entender a relação dos indivíduos com seus corpos e a apropriação destas questões

nos textos publicitários. Com o conceito de subjetividade é possível analisar os

sentimentos implicados no processo de produção da identidade, bem como do

investimento pessoal que é realizado em determinadas posições de identidade. Este

conceito possibilita elucidar os motivos da adesão a determinadas identidades

(WOODWARD, 2012).

As identidades pessoais e culturais passam por grandes transformações a

partir da mudança estrutural ocorrida nas sociedades modernas no final do século XX

(HALL, 2001). As mutações na apresentação do corpo na Publicidade possivelmente

têm relação, entre outras coisas, também com esse processo maior de transformação

que teve lugar nas sociedades modernas. Nesse contexto, surge o sujeito pós-moderno,

o qual tem origem, segundo Hall (2001), em um processo em que a identidade, unificada

e estável, é entendida como fragmentada, de modo que o sujeito seria formado não por

uma, mas por várias identidades, as quais podem apresentar contradições entre si ou

não ser adequadamente resolvidas. Entre os elementos descentradores das identidades

fixas, destacam-se também os novos movimentos sociais surgidos na década de 1960.

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De acordo com Harvey (2008), os anos 1960 foram o contexto em que surgiram diversos

movimentos contraculturais e antimodernistas.

Bauman (2001), em Modernidade Líquida, observa que, na fase moderna

anterior, a contingência, a variedade e a ambiguidade, a instabilidade e a idiossincrasia

não eram bem-quistas. Embora a sociedade moderna hodierna, como Bauman (2001)

observa, não seja menos moderna que a do período anterior, é, ainda assim, moderna,

mas de uma maneira distinta.

Conforme Harvey (2011), com o colapso do sistema fordista-keynesiano desde

1973, teve início uma fase de transformações rápidas, caracterizada também pela

fluidez e a incerteza com o estabelecimento do neoliberalismo. O neoliberalismo, além

de ser uma forma de regulação dos sistemas de trocas econômicas, fundamentada na

maximização da concorrência e do que é definido como livre comércio, também é um

regime voltado para a gestão social e a construção de formas de vida, sendo que este

engendra uma corporeidade própria. (SAFATLE, 2015).

O neoliberalismo estabeleceu o ideal empresarial de si enquanto dispositivo

disciplinar. Safatle (2015) observa que, com a internalização do ideal empresário de si,

a questão da insegurança social gerada com a desregulamentação do trabalho após o

período fordista-keynesiano, veio a ser sobrepujada por meio da promessa de total

plasticidade das formas de vida. Mas a noção trazida por Safatle (2015) a respeito do

relativo sucesso do neoliberalismo com a implantação do ideal empresário de si não

ecoa em autores como Lazzarato (2014). Nesse sentido, sobre o aspecto da produção

de subjetividade no neoliberalismo é interessante observar também o que argumenta

Lazzarato (2014), quando afirma que não foi construída uma nova produção de

subjetividade a partir da desterritorialização neoliberal, sendo que esta aniquilou as

relações sociais até então estabelecidas, bem como suas formas de subjetivação, tais

como a subjetivação operária ou mesmo a subjetividade nacional burguesa. O

empreendedor fomentado pelo neoliberalismo não resolve a questão.

Neste contexto, antigos territórios e valores pré-capitalistas são revisitados.

Surge, então, a necessidade de evocar as religiões e morais instituídas de longa data,

além de subjetivações como racismo e fascismo, com a intenção de alcançar a

manutenção dos vínculos sociais desconstruídos pelo capitalismo. A subjetivação

empreendedora, onipresente na contemporaneidade, está expressa no estímulo de

fazer com que todo indivíduo venha a ser convertido em um negócio, mas esta teve

como consequência muitos contra-sensos. “A autonomia, a iniciativa e o compromisso

subjetivo exigidos de cada um de nós constituem novas formas de empregabilidade e,

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portanto, estritamente falando, uma heteronomia.” (LAZZARATO, 2014, p. 14). Em

paralelo a isso, as exigências colocadas aos indivíduos, no sentido da tomada de

iniciativa e, com isso, a tomada para si dos riscos, estão gerando uma depressão que

se dissemina de forma abrangente, pois existe resistência em se submeter à

homogeneização e a uma existência pobre, a partir de questões advindas com a noção

de sucesso individual, oriunda do modelo empreendedor.

Possivelmente, a Publicidade seja resultado de tensões entre os que almejam

o “corpo ideal” e os que desejam ver a valorização de corpos que não se enquadram

nesse padrão, além de interesses mercadológicos com a busca pela melhor recepção

e assimilação de suas mensagens por parte dos distintos públicos, embora com pouca

representação das diferenças. A diversidade de corpos, em relação à identidade fixa,

parece ter origens diferentes para teóricos como Hall (2001) e Woodward (2012) em

relação a Safatle (2015), ao se observar o papel atribuído aos movimentos sociais no

descentramento do sujeito por parte dos primeiros em comparação a Safatle (2015), o

qual atribui tal questão muito mais ao papel do sistema econômico vigente. Entretanto,

a relação entre subjetividade e identidade demonstra a necessidade de uma

subjetividade com determinada flexibilidade, para acomodar as identidades

engendradas pelas transformações da modernidade tardia.

A Publicidade participa do processo de elaboração da cultura e, ao mesmo

tempo, é influenciada por essa mesma cultura. Assim, possivelmente, sua forma de

abordar o corpo talvez esteja relacionada às tensões entre os ideais dos diferentes

grupos identitários, a subjetividade neoliberal e a recusa dessa que se apresenta na

busca por valores pré-capitalistas como as religiões, as morais instituídas de longa data

e, da mesma forma, as subjetivações como racismo e fascismo, o que apontaria para o

conservadorismo da cultura que também seria contrário à representação das diferenças.

Referências

AVON. Linha de Lingerie Avon Signature Apresenta: #IssoEPraMim – Avon. 2017, (3 min 06 s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=B8HIHaP73E8>. Acesso em: 27 jun. 2018.

AVON. Avon attraction - nova fragrância – Avon. 2016, (1 min 03 s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=wCLkaXKYRBA>. Acesso em: 27 jun. 2018.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.

DOVE. Dove - A beleza nos meus próprios termos #MinhaBelezaMinhaEscolha. 2016, (1 min 30 s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3yNnWVgCJg8>. Acesso em: 27 jun. 2018.

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201

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

HARVEY, David. O neoliberalismo história e implicações. São Paulo: Loyola, 2011.

HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2008.

LAZZARATO, Maurizio. Signos, Máquinas, Subjetividades. São Paulo: N-1 Editora, 2014.

LE BRETON, David. Antropologia do corpo e modernidade. Petrópolis: Vozes, 2011.

PIEDRAS, Elisa R. Fluxo Publicitário. Anúncios, produtores e receptores. Porto Alegre: Sulina, 2009.

SAFATLE, Vladimir. O circuito dos afetos. São Paulo: Cosac & Naify, 2015.

SANTAELLA, Lúcia. Corpo e comunicação: sintoma da cultura. São Paulo: Paulus, 2004.

SKOL. Skolors. 2017, (1 min 22 s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mQx_VmCQu5w>. Acesso em: 27 jun. 2018.

TRINDADE, Eneus. Propaganda, identidade e discurso. Brasilidades midiáticas. Porto Alegre: Sulina, 2012.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença. Uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.); HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença. A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis/RJ: Vozes, 2012.

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RELAÇÕES DE GÊNERO E NEGRITUDE NA COMUNICAÇÃO: COMO AS MÍDIAS INCIDEM SOBRE O RECONHECIMENTO E O IMAGINÁRIO DAS MULHERES DO QUILOMBO DO AREAL, EM PORTO ALEGRE

Renata Cardoso1 - UNISINOS

Palavras-chave

Negritude. Mulheres. Recepção. Cidadania.

Negros e pardos representam 54,9% da população brasileira o que, em

números absolutos, significa 112,7 milhões de pessoas, de acordo com a Pesquisa

Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 20162, feita e divulgada pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o documento Atlas da Violência

20183, em 2016, por exemplo, a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia

superior à de não negros (16,0% contra 40,2%). Cabe também comentar que a taxa de

homicídios de mulheres negras foi 71% superior à de mulheres não negras.

Os dados acima descortinam uma alarmante realidade da desigualdade social

e racial vivida em nosso país. Desigualdade que se apresenta também na Academia:

entre 2013 e 2018, nenhum trabalho com a palavra negritude foi apresentado na

Compós (Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação),

por exemplo.

Nesse cenário, nota-se nas sociedades latino-americanas, com especial

ênfase para a brasileira, a urgente necessidade de um fazer comunicacional mais

compromissado com o esclarecimento e a educação dos povos, por meio de uma mídia

crítica e cidadã, que colabore para a expressão das pluralidades através de uma

1 Mestranda no Programa em PPGC da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Linha Cultura, Cidadania e Tecnologias da Comunicação, Orientada pelo Prof. Dr. Alberto Efendy Maldonado. E-mail para contato: [email protected] 2 Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282-pnad-c-moradores.html> Acesso em: jun. 2018. 3 Disponível em:<http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/7/2018> Acesso em: jun. 2018.

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cidadania comunicativa que promova a compreensão do diverso. Especificamente no

caso das mulheres negras, um fazer comunicacional cidadão não só é necessário como

urgente: não raras vezes as construções midiáticas reduzem ou mesmo invisibilizam a

complexidade de suas identidades, o que gera exclusão e preconceito.

Considerando esta realidade, a pesquisa científica em construção tem como

proposta investigar de que modos as mídias incidem na constituição das identidades

das mulheres do Quilombo do Areal, em Porto Alegre.

Para dar suporte teórico à pesquisa que pretendo empreender, julgo necessária

a reflexão acerca de três conceitos, permeados por aportes de diversas áreas como a

Sociologia, a Antropologia4, os Estudos Culturais5 e a Economia, na busca pela reflexão

o mais completa e diversa possível. Para isso, são problematizadas perspectivas para

pensar Comunicação6, Gênero7 e Negritude. A problematização teórica sobre Gênero

inclui as propostas de autoras como Scott (1990), Silva (2014), Rosaldo, (1995) e Bonetti

e Souza (2011). A negritude está sendo discutida sob a perspectiva de autoras como

Sueli Carneiro, Nilma Lino Gomes, e Luiza Bairros; as interrelações com a mídia estão

sendo pensadas a partir de aportes dos estudos de recepção latino-americanos. Cabe

salientar que esta é uma primeira seleção de alguns autores e autoras considerados

importantes, e que o trabalho de leitura e reflexão será aprofundado em diversas frentes

para conseguir dar conta de modo produtivo das problemáticas propostas.

O trilhar metodológico deste trabalho é concebido dentro da cultura

investigativa do grupo de pesquisa Processocom8 e da Rede AMLAT9, dos quais faço

parte desde 2013. Dentro da perspectiva destes dois coletivos, trabalhamos de modo a

construir o objeto de pesquisa em Comunicação dentro de suas necessidades e

especificidades, uma que vez que ele não está dado, ou seja, precisa ser construído

4 Ver: FURTADO, Cláudio Alves. Periferias geográficas e periferias epistêmicas e a negação de saberes e práticas endógenas e emancipatórias: um olhar a partir da África. In: GADEA, Carlos A.; MELO, José Luis Bica de; LOPES, José Rogério (Org.). Periferia, territórios e Saberes. São Leopoldo: Oikos, 2012. p. 69–93 e SAID, Edward W. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 5 Ver: HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. 1. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. 6 Ver: KARAM, Francisco José Castilhos. Jornalismo, ética e liberdade. São Paulo: Summus, 2014. p. 15-32. 7 Ver: MACÊDO, Márcia dos Santos. Feminismo e pós-modernidade: com discutir essa relação? In: BONNETI, Alinne; SOUZA, Ângela Maria Freire de Lima (Org.). Salvador: EDUFBA: NEIM, 2011. Gênero, mulheres e feminismos. 8 Site do Grupo de Pesquisa Processocom. Disponível em: <http://www.processocom.org>. Acesso em: 26 de jun. 2018. 9 Site da Rede AmLat. Disponível em: <http://www.redeamlat.org>. Acesso em: 26 de jun. 2018.

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pelo pesquisador com base em seus argumentos e teorias, de modo artesanal10, sem

fórmulas prontas.

Dessa forma, a primeira fase metodológica desta investigação será a pesquisa

da pesquisa; após será realizada a pesquisa teórica que atravessará todo o

desenvolvimento deste trabalho, principalmente com foco nos conceitos considerados

chave desta investigação.

No atual momento da pesquisa a principal indagação que se coloca e apresento

como problemática é: como realizar as visitas de modo que minha presença não seja

vista como algo negativo e que apresente ou agregue algum valor para a comunidade?

No dia 05 de setembro de 2018 realizei a primeira visita ao Areal. Julguei mais

pertinente me apresentar pessoalmente, então, fui até a Avenida Luiz

Guaranha, número 112, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, acompanhada de

Lucilene Athaide, amiga e ativista do movimento negro, que já havia estado no local. O

Quilombo, fisicamente falando, é uma pequena rua sem saída. Deve ter cerca de 15

casas e uma associação de moradores. As crianças pareciam bastante à vontade na

rua, sentadas no meio fio em frente às casas. Logo ao chegar no local, três meninas

que deveriam ter entre seis e 11 anos nos cumprimentaram sorrindo. Perguntamos onde

era a casa de Fabiane, líder do quilombo. Rapidamente nos indicaram a casa número

02. Batemos, mas não fomos atendidas. Fomos então até o final da rua e voltamos.

Batemos novamente e também não obtivemos resposta. Alexandre e Fabiane, os

líderes da comunidade não estavam. Buscamos informações na associação de

moradores do quilombo, que fica em frente à casa Nº 2. Nos indicaram falar com Maitê,

outra liderança da comunidade. Fomos até a porta da casa dela, onde fomos muito bem

recebidas. Rapidamente ela nos atendeu e se mostrou solícita, passando o número do

celular de Alexandre.

Desde então venho tentando marcar um horário para tentar apresentar minha

proposta de pesquisa e poder conversar melhor com os moradores do local. Até o

momento temos agendada uma visita no dia 25 de setembro.

No processo de amadurecimento deste estudo pretendo realizar uma fase

exploratória inicial de aproximação com as mulheres participantes, para após definir os

10 Ver: MILLS, Charles Wright. Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009, e Pensar os processos sociocomunicacionais em recepção na conjuntura latino-americana de transformação civilizadora. In: BONIN, Jiani Adriana; ROSÁRIO, Nísia Martins (Org.). Processualidades metodológicas: Configurações transformadoras em Comunicação. Florianópolis: Insular, 2013. p. 87-103

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procedimentos da fase sistemática da pesquisa, que podem incluir dinâmicas ou

entrevistas em profundidade com as mulheres pesquisadas.

Referências

FURTADO, Cláudio Alves. Periferias geográficas e periferias epistêmicas e a negação de saberes e práticas endógenas e emancipatórias: um olhar a partir da África. In: GADEA, Carlos A.; MELO, José Luis Bica de; LOPES, José Rogério (Org.). Periferia, territórios e Saberes. São Leopoldo: Oikos, 2012. p. 69–93.

HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. 1. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

KARAM, Francisco José Castilhos. Jornalismo, ética e liberdade. São Paulo: Summus, 2014. p. 15-32.

MACÊDO, Márcia dos Santos. Feminismo e pós-modernidade: como discutir essa relação? In: BONNETI, Alinne; SOUZA, Ângela Maria Freire de Lima (Orgs.). Salvador: EDUFBA: NEIM,2011. Gênero, mulheres e feminismos.

______. Pensar os processos sociocomunicacionais em recepção na conjuntura latino-americana de transformação civilizadora. In: BONIN, Jiani Adriana; ROSÁRIO, Nísia Martins (Org.). Processualidades metodológicas: Configurações transformadoras em Comunicação. Florianópolis: Insular, 2013. p. 87-103

MILLS, Charles Wright. Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

SAID, Edward W. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das letras, 1990.

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LANA DEL RAY VEVO: INVESTIGANDO UMA FORMA DE MEDIAÇÃO EM UMA SOCIEDADE MIDIATIZADA

Rodrigo Duarte Bueno de Godoi1 - UNISINOS

Palavras-chave

Midiatização. Facebook. Grupos. Mediação. LDRV.

A proposta de ingresso inicial ao Programa de Pós-Graduação (PPG), trazia

como contexto de pesquisa o estudo sobre o fenômeno mimético nas mídias digitais.

Tendo em mente tal conjuntura, o pré-projeto de pesquisa buscava entender como

acontece a construção dos memes no Facebook através das comunidades formadas

pela ferramenta grupos. Para se chegar a uma resposta, havia sido elencado um objeto

para observação, o grupo LDRV.

Com o ingresso no PPG, ao cursar as disciplinas, ter contato com as leituras

propostas, discussões em aulas, conversas com a orientadora e observações

sistemáticas sobre o objeto, algumas características passaram a se sobressair e

surgiram coisas outras que, a partir de um olhar (que passou a ser outro após o ingresso

no PPG) começaram a chamar mais atenção.

O objeto empírico elencado no pré-projeto de pesquisa trata-se de um grupo

formado na plataforma Facebook, denominado LDRV2 ou Lana Del Ray Vevo, que hoje

(31 de agosto de 2018) conta com 436.003 mil membros, e 63

administradores/moderadores.

Tecnicamente este objeto possui as mesmas características que outros grupos

no Facebook. Mas é através dos usos e apropriações feitos da ferramenta Grupos do

Facebook, que se percebe - ou se evidencia - a possibilidade dos usuários criarem

sentidos outros, e que estes sim precisam ser estudados para que se entenda as

transformações nas relações entre os atores sociais. Uma das características é o fato

deste grupo ser fechado, e esse aspecto de privacidade possibilitado pela técnica, por

1 Mestrando na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Linha Midiatização e Processos Sociais, Orientado pela Profa Dra. Ana Paula da Rosa. E-mail para contato: [email protected] 2 Link do grupo (possivelmente não se tenha acesso devido a característica da privacidade do grupo ser fechado): <https://www.facebook.com/groups/LDRV12/?hc_ref=ARQrWxz5VMjorJVcO6NzwI2qPzDFXMACrW6o9i0PKV_bAbnmjX_IFBg365lagBOvHtA>. Acesso em: 27 jul. 2018.

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sua vez torna o acesso ao grupo mediado pela possibilidade de aceitação (ou não) por

parte da administração. Para fazer parte do grupo é necessário responder a um

questionário que será submetido a avaliação da administração/moderação do grupo.

Ainda nesta breve contextualização sobre o objeto, vale lembrar também de

uma outra característica: são elencadas regras sobre o comportamento dos atores

sociais, que por sua vez possuem respectivas consequências, delimitando algumas

ações que os atores não podem ter (ou não deveriam). A consequência mais observada

é o “banimento” dos atores que descumprem as regras da comunidade. O banimento

consiste no fato de retirar e/ou excluir este membro do âmago da comunidade. Estes

regramentos, por sua vez, ficam expostos logo na seção “sobre” do grupo. A instância

que observa se os membros seguem ou não as regras é a administração do grupo.

Um outro aspecto importante para esta contextualização são as ramificações

do grupo. São outros grupos que funcionam como “braços” ligados a comunidade

principal, mas que, possuem destinações específicas, com o intuito de não “floodar”3 as

discussões do grupo principal em torno de alguns assuntos. Até o momento pode-se

observar cerca de 10 ramificações, além de quatro páginas que também são ligadas ao

grupo principal, e ainda uma conta no Instagram e uma no Twitter. As ramificações são

“independentes” e cada uma possui destinações específicas. Uma das ramificações que

chama a atenção é a página Reclama LDRV4 que opera como um “serviço de

atendimento” aos membros do grupo, resolvendo questionamentos trazidos pelos

membros acerca dos mais variados assuntos.

Reelaboração do problema de pesquisa

Como já mencionado acima, o problema de pesquisa vem passando por

profundas transformações, decorrentes de vários elementos que vêm contribuindo para

o amadurecimento da pesquisa. O objeto empírico foi selecionado, em suma, pelo gosto

do pesquisador, uma vez que ele já fazia parte e era membro ativo dentro do grupo.

Para os fins a que se destina este texto é necessário mencionar o fato de que

neste momento, estão sendo produzidos textos descritivos resultantes de observações,

com o intuito de sistematizar e relatar as características do objeto empírico, que podem

vir a colaborar para a construção do caso da pesquisa. Subsequente disso, a proposta

de problema principal paira sobre a seguinte questão: Como as lógicas de midiatização

incidem a tal ponto de construir/conduzir a noção de identidade e pertencimento através

3 Termo utilizado pelos membros para definir quando um mesmo post ou assunto se repete várias vezes. 4 Disponível em: <https://www.facebook.com/SAMLDRV/?ref=br_rs>. Acesso em: 16 ago. 2018.

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da ferramenta grupos do Facebook? Para tanto, se faz pertinente a tentativa de

investigar de que maneira as lógicas da midiatização incidem sobre as práticas

comunicacionais e apropriações de atores sociais em grupos formados no Facebook.

Pensando a partir de uma revisão bibliográfica inicial surgiram

questionamentos, como por exemplo: como entender o comportamento destes atores

sociais inseridos em lógicas próprias no processo de midiatização, mas que nos

lembram lógicas voltadas à centralidade dos meios? No sentido de que os próprios

atores reproduzem regramentos e mantêm a privacidade da comunidade que decide

“fechada”, deixando o acesso a ela mediado. Ha uma certa alusão ao fato de que o

aspecto técnico da plataforma em possibilitar a uma comunidade ser fechada, media as

relações entre as pessoas, nos lembrando assim as lógicas da “sociedade dos meios”.

Braga (2012) aponta para as novas formas de interação possibilitadas por esse

fenômeno: “Com a midiatização crescente dos processos sociais em geral, o que ocorre

agora é a constatação de uma aceleração e diversificação de modos pelos quais a

sociedade interage com a sociedade”. (BRAGA, 2012, p. 35). Que tipo de interação é

essa que emerge deste objeto que está sendo observado? Supõe-se que há aí uma

disputa de sentidos: por um lado, os atores que reproduzem de certa forma lógicas que

nos lembram a centralidade dos meios, mas que por outro, estão inseridos em lógicas

de midiatização.

Como podemos entender esse espaço (que se propõe a ser um espaço

“alternativo”), mas que é subversivo aos aspectos técnicos da plataforma? Através das

observações percebe-se também que ha um certo tipo de “imbricamento” entre as

lógicas do algoritmo do Facebook e também as lógicas dos comportamentos pelos

atores sociais, no sentido de que, de um lado o algoritmo da ferramenta impõe regras,

induz conteúdos e organiza a forma como veremos aquilo que esta sendo discutido na

comunidade, de outro lado, os próprios atores buscam instalar regras com o intuito de

mediar o acesso ao conteúdo da comunidade, sobrepondo as regras da própria

ferramenta. Esse atravessamento de regramentos e lógicas pode nos indicar alguma

coisa? Podemos entender esses comportamentos como rastros de um linguagem

própria, ou de uma identificação atravessada pelo processo de midiatização da

sociedade?

Uma característica levantada por Gomes (2017) para entender os processos

de transformações é a diluição das centralidades dos campos e dos processos. “Não ha

um centro que esboça valores, mas um grupo de pessoas que oscilam entre liberdade

e segurança e conformam uma moral social que procura responder aos imperativos do

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momento.” (GOMES, 2017, p. 148). Entende-se que na medida em que essa

centralidade passa a se diluir, os mediadores perdem força, e consequentemente a sua

função de trazer elementos de referência para as pessoas também se perde. Mas como

entender neste contexto este objeto que traz em certa medida uma mediação?

Braga (2012) chama a atenção para a ideia de fluxo sempre em movimento,

desenvolvida a partir de percepções sucessivas sob o conceito de circulação: “Indo além

das relações diretas entre produtor e receptor, importa o fato de que este último faz

seguir adiante as reações ao que recebe.” (BRAGA, 2012, p. 39). O autor ainda discorre

que em macro-ambientes de interação social (como por exemplo as redes sociais) essa

noção de circulação torna-se evidente, deixando cada vez mais indistintas as fronteiras

que separam o que seriam “pontos de saída” e “pontos de chegada” (BRAGA, 2012).

Sendo assim, essa noção de circulação contribui para o objeto de forma a questionar

e/ou complexificar o entendimento sobre como esse objeto se coloca neste contexto de

dinâmicas e lógicas de circulação tão diversas, nessa ambiência de uma sociedade em

midiatização. Entende-se que neste processo de midiatização, os polos de receptores

e produtores passam a se interpenetrar, de tal forma que não há como conseguir

distingui-los. Buscar entender como ocorrem os processos interacionais neste contexto

é fundamental, pois é através deles que emergem a capacidade de visualizar este

fenômeno. É caro aqui trazer a visão de Braga (2006), quando o autor comenta sobre

processos interacionais: “Podemos assumir que a sociedade não apenas produz sua

realidade através das interações sociais a que se entrega; mas igualmente produz os

próprios processos interacionais que utiliza para elaborar sua realidade.” (BRAGA,

2006, p. 5). Que tipo de interação se evidencia nesse objeto, e como ela pode ser

entendida nesta realidade de midiatização da sociedade? Como entender esse grupo

que de certa forma não quer floodar com conteúdos que façam parte deste “fluxo sempre

adiante”?

Ante ao cenário exposto acima, destaca-se a necessidade de aprofundamento

em vários conceitos trazidos aqui brevemente e o fomento de novos questionamentos

sobre o objeto empírico.

Referências

BRAGA, José Luiz. Sobre mediatização como processo interacional de referência. In: Trabalho apresentado no GT Comunicação e Sociabilidade do XV Encontro Anual da Compós – UNESP – Bauru, 6 a 9 de junho de 2006. 16pp. Disponível em: <http://www.compos.org.br/data/biblioteca_446.pdf> Acesso em: 18 jul. 2018.

BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais. In: MATOS, Maria Ângela; JANOTTI JUNIOR, Jeder; JACKS, Nilda Aparecida. Mediação e Midiatização: Livro

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Compós 2012. Salvador/Brasília: UFBA/COMPÓS, 2012. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/6187/1/MIDIATIZACAO_repositorio.pdf>. Acesso em: 18 jul. 2018.

GOMES, Pedro Gilberto. Dos meios à Midiatização: um conceito em evolução. São Leopoldo: UNISINOS, 2017.

RODRIGUES, Adriano; BRAGA, Adriana. Interação, discurso, e espaço público em ambiente digital. In: CASTRO, Paulo César (Org.). Dicotomia público/privado: estamos no caminho certo? Maceió: EDUFAL, 2015.

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GT EPISTEMOLOGIAS

DA COMUNICAÇÃO

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DA ESCUTA REDUZIDA ÀS ESCUTAS EXPANDIDAS

Cássio de Borba Lucas1 - UFRGS

Palavras-chave

Escuta. Escuta musical. Semiótica.

O tema desta pesquisa são as produções comunicacionais de escutas musicais

– e mais especificamente de escutas que viemos chamando de expandidas – que

propomos investigar pelos dispositivos teóricos da intersemiótica e da significância.

Partimos da constatação, melhor apresentada na próxima seção, de que a

escuta é concebida, tradicionalmente, como um tipo de redução fenomenológica aos

aspectos puramente sonoros da música; ou, no caso da musicologia e da semiologia

musical, aos elementos partiturais como significantes; ou, no caso da canção, a seus

aspectos melódicos e semântico-verbais, e assim por diante. Da perspectiva da

Comunicação, vemos aí uma limitação da significação da música a suas relações

intratextuais, como se houvesse, se não um, somente alguns poucos jogos codificados

de escuta musical. A escuta musical, contudo, enquanto fenômeno comunicacional, só

adquire sentido no cruzamento destes sistemas propriamente musicais com outras

materialidades de Comunicação, em agenciamentos concretos de corpos, tecnologias

e signos.

Projetamos abordar, portanto, como objeto de pesquisa, para aquém de uma

decifração da significação da música, os fenômenos de produtividade (no sentido que

Kristeva, leitora de Marx, dá ao termo) de significação da música, que investigaremos

como práticas de significância (KRISTEVA, 1975) que problematizam e expandem

escutas. Neste texto, porém, procuramos especificar, desta discussão comunicacional

mais ampla, a questão da escuta musical, que nos parece marcada por um projeto

inconsciente de redução semiótico-comunicacional que exploraremos a seguir.

Buscamos elencar, pois, teses significativas que apontam, de um lado, para uma

departamentalização e interdição da escuta como fenômeno “reduzido” e, de outro, para

uma expansão da escuta como fenômeno relacional, isto é, comunicativo.

1 Doutorando no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Cultura e Significação, Orientado pelo Prof. Dr. Alexandre Rocha da Silva. E-mail para contato: [email protected]

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A escuta como comunicação reduzida

O pensamento sobre a escuta musical parece marcado por uma tendência de

interdição das relações que trabalham comunicacionalmente esta escuta. Pensamos,

por exemplo, na célebre tripartição da escuta promovida por Michel Chion (2012), para

quem só podem haver uma escuta causal, uma escuta semântica e uma escuta

reduzida. A primeira consiste em “ouvir um som para coletar informação sobre sua

causa (ou fonte)”. A escuta semântica “se refere a um código ou linguagem para

interpretar uma mensagem” – sendo, portanto, similar ao modelo de comunicação

horizontal estruturada. E, por fim, concebe-se a escuta reduzida, que se concentra “nos

caracteres do som por si próprio, independentemente de sua causa e de seu significado”

(CHION, 2012, p. 48-50).

A noção de escuta reduzida discutida por Chion, como se sabe, está ligada à

proposta “acusmatica” de Pierre Schaeffer (1967), que falava em uma supressão das

relações da escuta com os significados, as fontes ou os contextos, desembocando em

uma fenomenologia do som puro2. Trabalhando em meio às novas tecnologias de

fixação e reprodução sonoras, Schaeffer inventa, no pós-guerra dos anos 1950, a

música concreta.

O autor fala em uma “escuta reduzida” como correspondente desta música

concreta porque depurada de relações comunicacionais de referência: o som deve ser

ouvido por si mesmo. Chamou-a também de escuta acusmática, remetendo ao século

VI a.C., em que Pitágoras falava aos seus discípulos escondido por uma cortina, para

ressaltar o significado de suas lições orais (SCHAEFFER, 2013, p. 77). Esta construção

teórica parece-nos um ponto culminante da tendência de interdição da escuta a que nos

referimos. A escuta será, para Schaeffer, puramente sonora, conscientemente

reduzindo-se a uma dimensão sensorial pré-determinada.

Muito antes de Schaeffer, já se pode reconhecer – premissas epistemológicas

à parte – um tratamento similarmente “redutivo” da comunicação da escuta nos escritos

de Eduard Hanslick (1825-1904), o célebre crítico musical vienense que chegou a

elaborar uma estética da música (HANSLICK, 1994). Também para as coisas da

estética, ele dizia, é preciso uma revolução do método indutivo, revolução que já se

passava nas ciências naturais. Contra a “acientífica estética da sensação” (HANSLICK,

1994, p. 13), que abordava o belo em relação à percepção do sujeito senciente, em

2 Esta reivindicação de pureza, porém, se expressa em uma série de diagramas e análises físico-matemáticas que não dispensam toda uma rede de materialidades científicas.

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relação à aesthesis, Hanslick queria que o objeto da escuta fosse analisado por seus

“elementos inerentes e puros” (HANSLICK, 1994, p. 14).

A comunicação, não passando em absoluto pelo efeito da música no ouvinte,

nem pela psicologia (HANSLICK, 1994, p. 19), é reduzida aqui às “ideias puramente

musicais” (HANSLICK, 1994, p. 25). O único e exclusivo “conteúdo” da música seriam

“formas sonoras em movimento” (HANSLICK, 1994, p. 41).

Mais próximo de nossos dias, novamente identificamos uma escuta musical

reduzida em Adorno. Em sua teorização da escuta (2009), o pensador frankfurtiano

estabelece os “comportamentos típicos de escuta musical” (ADORNO, 2009, p. 55). O

critério central é – e aqui retomamos um conceito que parece central à questão da

significação da escuta como um todo – “a adequação ou inadequação da escuta com

relação ao que é escutado”. Vai-se da “[...] completa adequação da escuta, tal como

esta corresponde à consciência desenvolvida dos músicos profissionais mais

avançados, até a total falta de compreensão e a completa indiferença ao material.”

(ADORNO, 2009, p. 59).

O expert, como tipo-modelo, é capaz de uma “escuta totalmente adequada”. É

o “ouvinte plenamente consciente, ao qual, a princípio, nada escapa”, estabelecendo

uma forte contiguidade entre as sequências de instantes passados, presentes e futuros

de modo a cristalizar uma “interconexão de sentido” (ADORNO, 2009, p. 60). A esta

escuta o autor dá o nome de escuta estrutural (o que novamente se conecta à

concepção de obra musical estruturada como unidade). Daí passamos ao “bom ouvinte”,

deste ao “ouvinte de cultura ou consumidor cultural”, e, por fim, ao “ouvinte emocional”

(ADORNO, 2009, p. 65), em uma curva ascendente de fetichismo.

A escuta como fenômeno comunicacional acaba, de todo modo, depurada de

outras relações constituintes de seu sentido para além da adequação ao material

sonoro. Não pretendemos dizer que há, nos autores comentados como estando na

linhagem da escuta “depurada”, efetivamente uma escola subjacente de pensamento,

com influências hereditárias entre eles, sobre a escuta como comunicação; somente

que o conceito de escuta, observado por diferentes momentos de sua dispersão, parece

reiteradamente conduzir a um exercício, digamos, de depuração fenomenológica, de

redução semiótica, e em última instância de interdição linguageira que coloca a escuta

como fenômeno de comunicação o mais isolado e insondável.

Expandindo a comunicação da escuta

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Parece-nos surgir, ao contrário, a partir da reflexão propriamente

comunicacional, uma outra concepção de escuta como fenômeno de cultura e

significação. Se em Adorno a escuta ainda é adequada em geral, Ola Stockfelt indica

que a comunicação tem a vantagem de poder pautar-se por uma investigação não

homogênea de seus objetos: a adequação da escuta se faz no interior de sistemas ou

“modos de escuta” múltiplos, produzidos em contato ou não, como resultados de

associações de códigos, gêneros, circunstâncias – em suma, materialidades

comunicacionais heterogêneas. “Nunca houve somente uma escuta adequada e

autônoma em existência.” (Stockfelt, 2013, p. 92).

A escuta se pluraliza em sistemas de signos resultantes de produções

comunicacionais de sentido do audível. O compositor Livio Tragtenberg, em uma

reflexão tanto musical quanto de comunicação, os pensava como “sistemas de

unificação do pensamento musical” (TRAGTENBERG, 1991, p. 12). Também

poderíamos pensar este estabelecimento de parâmetros de significação no caso dos

modos gregos pré-diatônicos, que tinham uma codificação bastante clara: o modo dórico

representava o caráter viril e solene, o frígio representava o dionisismo, etc. (WISNIK,

2014, p. 85). Portanto, Wisnik (2014, p. 75) dira que um modo “[...] não é apenas um

conjunto de notas mas uma estrutura de recorrência sonora ritualizada por um uso.”.

Tais “sistemas” e “estruturas” indicados por Tragtenberg e Wisnik podem ainda

ser aparentados à noção ja mencionada de “escuta adequada” de Sotckfelt (2013). A

escuta é indissociavel, para o autor, da “situação de escuta concreta” e da questão do

gênero musical, não sendo, absolutamente, “livre”, mas apresentando praticas

codificadas como “pré-requisito para o uso da música como linguagem”, como “um meio

para comunicação real” (STOCKFELT, 2013, p. 89-91). Se não há comunicação sem

codificação, isto não significa, porém, que não haja mutação destas codificações, e que

não haja um trabalho de diferenciação do audível.

Contra uma escuta maior3, universalmente válida, Tragtenberg (1991, p. 59)

afirmava que “sistema musical significa paralisia”. Propomos, portanto, investigar o

engendramento paradoxalmente produtivo e paralisante de escutas adequadas que não

deixam de produzir, ao mesmo tempo, suas inadequações4. É neste mesmo viés

3 No sentido do termo desenvolvido por Deleuze e Guattari: uma literatura menor como a de Kafka desestruturava e reestruturava, por dentro, a língua maior que funciona como modelo dominante. 4 Assim, por exemplo, a investigação coletiva dos samples presentes na obra dos produtores australianos de música sampleada The Avalanches, levada a cabo e compartilhada na internet, estabelece um conhecimento preciso acerca do que pode ou não ser ouvido em cada música e acerca de que práticas se associam à escuta.

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desconstrucionista da noção de escuta que reconhecemos, também, trabalhos recentes

de nossa área como os de Simone Pereira de Sá (2010), em que a chave de encontro

entre Música e Comunicação são os chamados sound studies: “[...] os Estudos de Som

(sound studies) têm se consolidado, nas últimas duas décadas, como uma importante

vertente da discussão sobre as articulações entre som, música e tecnologias da

comunicação.” (SÁ, 2010, p. 91).

Corrente nesta perspectiva, o termo “regime de escuta”, que também aparece

em Peter Szendy (2008), é central para nosso estudo. Mais que apontar sua pertinência

epistemológica, Jonathan Sterne “investiga as condições de possibilidade da

audibilidade moderna” (SÁ, 2010, p. 99). Aponta, neste sentido, para “técnicas de ouvir”

(SÁ, 2010, p. 103).

É no sentido também de uma “ecologia maquínica da escuta”, isto é, da

produção micropolítica de “escutas, desejos de escutas, mundos sônicos” (OBICI, 2008,

p. 123), que compreendemos os desafios futuros desta pesquisa.

Em face do exposto, propomos debater, no Seminário Discente, as atuais

inquietações da pesquisa. Em primeiro lugar, a questão da temática: é pertinente

investigar a escuta como fenômeno de Comunicação? Perifericamente, também

questionamos: é possível um estudo da significação da música sem passar pela escuta?

Como se comunica uma escuta (questão similar à trazida por Peter Szendy ao longo de

seu livro sobre a escuta e, classicamente, por Barthes quando se perguntava sobre as

traduções verbais para o que escutamos)? Que metodologias de pesquisa adotar em

face dos múltiplos caminhos possíveis na Comunicação?

Referências

ADORNO, T. 2009. Introdução à sociologia da música. São Paulo, SP: UNESP, 2009.

CHION, M. The three listening modes. In: STERNE, J. The sound studies reader. EUA, Nova Iorque: Routledge, 2012.

HANSLICK, E. Do belo musical. Portugal: Edições 70, 1994.

KRISTEVA, J. Pratique signifiante et mode de production. In : KRISTEVA, J. (Org.). La Traversée des Signes. Paris, França: Éditions du Seuil, 1975.

OBICI, G. Condição da escuta: mídias e territórios sonoros. Rio de Janeiro, RJ: 7 Letras, 2008.

SÁ, Simone Pereira. A trilha sonora de uma história silenciosa?: som, música, audibilidades e tecnologias na perspectiva dos Estudos de Som. In: SÁ, Simone Pereira. (Org.). Rumos da cultura da música: negócios, estéticas, linguagens e audibilidades. Porto Alegre, RS: Sulina, 2010.

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SCHAEFFER, P. La musique concrète. Paris, França: Presses Universitaires Françaises, 1967.

SCHAEFFER, P. Acousmatics. In: COX, C. WARNER, D. (Orgs.) Audio Culture: readings in modern music. EUA: Bloomsbury, 2013, pp. 76-81.

STERNE, J. The audible past: cultural origins of sound reproduction. Durham, EUA: Duke University Press, 2003.

STOCKFELT, O. Adequate modes of listening. In: COX, C.; WARNER, D. Audio culture: readings in modern music. EUA: Bloomsbury, 2013, pp. 88-93.

SZENDY, P. Listen: a history of our ears. Nova Iorque, EUA: Fordham UP, 2008.

TRAGTENBERG, L. Artigos musicais. São Paulo, SP: Perspectiva, 1991.

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REINVENTANDO PRÁTICAS DE DISCIPLINA ACADÊMICA

Douglas Ostruca1 - UFRGS

Palavras-chave Cartografia. Práticas de pesquisa. Processos de trabalho.

No decorrer do meu processo de estudo em relação ao método da cartografia,

me deparei com questões que me provocaram, produzindo crises e solicitando

reinvenções. Enquanto viajante principiante por essas águas, náuseas e vertigens me

acometem no decorrer do percurso, passo por deslocamentos na maneira de fazer

pesquisa, mas também, nos modos de experienciar a vida. Alguns dos enfrentamentos

são em relação à maneira predominantemente linear com a qual me deparo ao planejar

o caminho da pesquisa. Além disso, os modos de me relacionar com os diversos

materiais de estudo e com o objeto empírico parecem tender à lógica cognitiva

representacional, onde há uma busca por informações como se elas já estivessem

dadas. Acredito que esses pontos evidenciam certo modo de operacionalizar provindos

de heranças cartesianas da minha formação, as quais são desestabilizadas no encontro

com outras possibilidades de desenvolver uma pesquisa e estabelecer relações, essas

conexões me desorganizam e geram sensação de angústia. A partir disso, proponho

dar continuidade às reflexões sobre a cartografia como método para desenvolver o

percurso da pesquisa, assim como para pensar as implicações do fazer científico em

suas diferentes etapas. Nesse momento meu foco é sobre as relações estabelecidas

com os materiais teóricos.

O método da cartografia propõe-se a acompanhar os movimentos de produção

da realidade, considerando o plano de organização onde se efetuam as segmentações

e codificações e o plano de consistência que é atravessado por fluxos intensivos dos

quais emergem as formas instituídas. Nessa perspectiva colocam-se em questão alguns

pressupostos da tradição positivista, como por exemplo, a separação entre sujeito e

objeto, o ideal de objetividade, a neutralidade científica, entre outros pontos2. Além

disso, ao voltar-se para a processualidade inverte-se o sentido tradicional de método,

1 Mestranda no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Cultura e Significação, orientada pela Profa. Dra. Nísia Martins do Rosário. E-mail para contato: [email protected] 2 Ver Mitos e cartografias: novos olhares metodológicos na comunicação (ROSÁRIO, 2013).

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em que ao invés de seguir um percurso dado de antemão para alcançar determinadas

metas, volta-se para as singularidades do objeto e para o próprio percurso da pesquisa.

Existem diferentes apropriações da cartografia, a qual pode ser operacionalizada

enquanto procedimento específico, metodologia e/ou método (PASSOS; BARROS,

2015; ROSÁRIO, 2013). Em Deleuze e Guattari (2011) ela é proposta como sendo um

dos princípios do rizoma, o qual se caracteriza enquanto um emaranhado de linhas que

constituem formações em processos contínuos de transformação, um “mapa movente”.

O rizoma não possui um centro, nem hierarquizações, se prolifera para todos os lados

produzindo novas conexões que nem sempre são previsíveis, logo, essa perspectiva

implica uma postura de abertura e sensibilidade aos desvios encontrados no caminho.

Dessa forma “tanto o percurso feito como a construção do mapa são frutos de uma

experimentação que se abre à aventura e à turbulência no mar da cientificidade”

(ROSÁRIO, 2013, p.97).

Em vista disso, além de ser deslocada quanto ao modo de pensar o método de

desenvolvimento da pesquisa, também passei a observar as maneiras como organizo o

meu processo de trabalho, práticas de estudo que até então eram operacionalizadas de

modo automático. Percebi que era possível prever os próximos passos a serem dados

no decorrer da semana, quais livros seriam lidos no mês, a média de páginas a serem

percorridas para cumprir com a meta preestabelecida. Além disso, permanecia a maior

parte do tempo em salas fechadas, lendo ou escrevendo em um ciclo interminável. A

rotina me levou ao esgotamento, fui acometida pelo estado de permanente cansaço,

houve um desencanto em relação ao processo de trabalho que deixou de ser

interessante para se tornar somente trabalho. As múltiplas possibilidades de

encaminhamento oferecidas pela cartografia me causaram ansiedade e indecisão.

Nessas condições não existem possibilidades de abertura do corpo para os fluxos

intensivos, com a atenção toda voltada para cronogramas e prazos parece que há o

predomínio de uma postura positivista mais tradicional, onde trabalha-se com métodos

e procedimentos fixos que visam alcançar maior controle e objetividade. Portanto, como

sugere a pista da cartografia enquanto atividade, também é importante notar as práticas

desenvolvidas no decorrer do processo de trabalho, havendo necessidade de cultivar

uma sensibilidade crítica para com os territórios e práticas tomados como dados, os

quais podem se apresentar como cristalizações construídas e sedimentadas no decorrer

do trajeto de formação de quem está pesquisando (BARROS; SILVA, 2016).

Em suas reflexões Suely Rolnik (2016) considera que as instabilidades

implicadas nos processos de transformação dos territórios são capazes de produzir

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angústia e medo, sendo que as diferentes relações estabelecidas com essas incertezas

caracterizam distintos modos de produção de subjetividade. Em outros termos, a

maneira de lidar com as instabilidades produzidas pelo movimento incessante dos fluxos

intensivos, caracteriza distintos modos de experienciar a realidade. Dessa maneira,

acredita-se que quando a lógica racional é privilegiada em relação aos fluxos desejantes

- que podem até mesmo ser ignorados - tende-se à estabilização e à estratificação em

práticas e rotinas rígidas, as quais passam a ser reconhecidas como mais adequadas

por supostamente garantirem melhores resultados, sendo, portanto, perpetuadas e

aplicadas de modo generalizado a qualquer situação. Em alternativa, talvez os

cronogramas estabelecidos para serem seguidos rigidamente, as leituras organizadas

previamente em blocos para serem realizadas em determinados espaços de tempo, as

rotinas de trabalho, entre outras práticas de disciplina acadêmica, devam ser

repensadas para incorporar maior flexibilidade e permitir modificações de acordo com

cada situação em sua singularidade e, quem sabe, com isso, aumentar as possibilidades

de afetabilidade pelo que não está planejado previamente ou não passa pelos domínios

racionais.

Quando falam das relações com os livros, Deleuze e Guattari (2011) revelam

certa desconfiança de leituras meramente interpretativas, considerando que essa

operacionalização tende a coletar informações para serem aplicadas posteriormente

sobre os objetos empíricos, segundo os autores

não se perguntará nunca o que um livro quer dizer, significado ou significante, não se buscará nada compreender num livro, perguntar-se-á com o que ele funciona, em conexão com o que ele faz ou não passar intensidades, em que multiplicidades ele se introduz e metamorfoseia a sua, com que corpos sem órgãos ele faz convergir o seu (p.18).

Nesse sentido, importa a abertura para os atravessamentos intensivos que se

dão no plano de consistência, sendo que essas movimentações podem produzir

conexões entre heterogeneidades e gerar transformações e deslocamentos

imprevisíveis. Essa questão é desdobrada por Letícia Barros e Maria Barros (2016) na

pista da análise na cartografia, onde considera-se a necessidade de traçar as relações

de forças que constituem as formas instituídas do plano de organização. Portanto, não

se trata de interpretar a realidade a partir de determinados modelos ou de ler livros

visando coletar informações que possam ser replicadas posteriormente, mas de acessar

os fluxos intensivos dos quais emergem os “modos de criação de si e do mundo”, de

permitir-se variar no encontro com o outro e aceitar as instabilidades que podem

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decorrer dessas experiências, indo além de uma política cognitiva representacional.

Nesse sentido, Rolnik (2016) pontua que a tarefa do cartógrafo não é entender, explicar

ou revelar algo que estava oculto, mas dar passagem para afetos desterritorializados,

traçando as linhas de produção da realidade ao mesmo tempo que participa de sua

criação, portanto, trata-se de um processo de coengendramento.

Como pontuado anteriormente, exercendo práticas de estudo com uma postura

positivista de aprisionamento em rotinas rígidas, sou deslocada ao entrar em contato

com as múltiplas possibilidades oferecidas pelo método da cartografia. Diante disso,

passo a questionar minhas próprias práticas e sou atravessada por sensações de

angústia que me desorientam, a crise me leva à necessidade de aceitar uma postura

que permita certo grau de desordenamento, dando abertura para as imprevisibilidades

e para as possibilidades de reinvenção, sendo que como lembra Rosario (2013) “o caos

é apenas outra ordem”. Além disso, uma das sugestões de Deleuze (1998) é que a

leitura de um livro seja feita como se escuta uma música, como se assiste um filme,

talvez seja possível acrescentar dizendo: como se faz um passeio no parque, e por que

não fazer a leitura no parque? Além disso, pode ser importante estabelecer relações

mais flexíveis, tendo em vista que algumas práticas se adequam à determinados

momentos, mas em outras situações as mesmas são capazes de produzir

despotencializações e desencantamentos. Portanto, ao invés de criar outras regras

quem sabe seja mais interessante experimentar novas possibilidades, construir

processos que convenham para cada situação, cultivar uma sensibilidade para com os

fluxos intensivos, conviver com as inseguranças e fazer das crises oportunidades para

reinvenção.

Por consequência, para além de observar as relações com o objeto empírico e

as maneiras de organizar o trajeto da pesquisa, também pode ser necessário questionar

as dinâmicas de trabalho, as relações desenvolvidas com os materiais teóricos e outras

atividades envolvidas no processo de pesquisa, as quais também são construídas e

naturalizadas no decorrer da formação.

Referências

BARROS, Letícia Maria Renault; BARROS, Maria Elizabeth Barros. O problema da análise em pesquisa cartográfica. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; TEDESCO, Silvia (Org.). Pistas do método da cartografia: a experiência da pesquisa e o plano comum. Porto Alegre: Sulina, 2016.

BARROS, Maria Elizabeth Barros; SILVA, Fábio Herbert. O trabalho do cartógrafo do ponto de vista da atividade”. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; TEDESCO,

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Silvia (Org.). Pistas do método da cartografia: a experiência da pesquisa e o plano comum. Porto Alegre: Sulina, 2016.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 1. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011.

DELEUZE, Gilles; PARNET, Clair. Diálogos. São Paulo: Editora Escuta, 1998.

PASSOS, Eduardo; BARROS, Regina Benevides. A cartografia como método de pequisa-intervenção. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana. (Org.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2015.

ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformaçoes contemporâneas do desejo. 2ed., Porto Alegre: Sulina, 2016.

ROSÁRIO, Nísia Martins. Mitos e cartografias: novos olhares metodológicos na comunicação. In: MALDONADO, Alberto Efendy; BONIN, Jiani Adriana; ROSARIO, Nísia Martins. (Org.). Perspectivas metodológicas em comunicação: novos desafios da prática investigativa. Salamanca-Sevilha: Comunicación Social Ediciones y Publicaciones, 2013.

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PESQUISA DE AUDIOVISUAL E O CAMPO DA COMUNICAÇÃO

Jardel Orlandin1 – UNISINOS

Palavras-chave

Audiovisual. Teoria da Mídia. Teorias da Comunicação. Epistemologia da

Comunicação.

Introdução

Enquanto pesquisadores do campo da comunicação, debatemos para torná-lo

autônomo, com visão e objetos de estudos particulares. Não desejamos isolar o campo

das demais áreas do conhecimento, pois, conforme Braga (2011), confiamos no trânsito

natural e produtivo entre campos.

Ao mesmo tempo, deparamo-nos, por vezes, com listas de teorias que parecem

possuir pretensões totalizantes – como o livro Teorias da Comunicação, de Wolf (1987).

Ao olhar despreparado, Wolf (1987) parece explorar todo espaço teórico do campo da

comunicação; contudo o autor aborda os paradigmas funcionalistas, a teoria crítica, os

estudos culturais e algumas hipóteses. Outras perspectivas são vistas de forma breve.

Inúmeras não são mencionadas.

Questão semelhante é observada por Martino (2008) ao apontar a coincidência

de menos de 25% das teorias expostas em publicações recentes no Brasil – ou seja, a

maior parte do conteúdo é composto por escolhas dos autores. As perspectivas comuns

são: paradigmas funcionalistas, teoria crítica, Marshall McLuhan, estruturalismo francês,

semiótica, latino-americanos, comunicação na pós-modernidade, os estudos culturais,

autores brasileiros e estudos de recepção. Outras escolas aparecem uma única vez.

Notamos que o campo da comunicação permanece em tensão, pois questões

estruturais continuam sendo debatidas. Aqui, tomamos as perspectivas que aparecem

com mais frequência como principais. Nesse espaço, buscamos um ângulo de entrada

para a pesquisa do audiovisual na web com uma investida teórico-epistemológica. Com

Braga (2011, p. 66), defendemos que o objetivo do campo da comunicação “é observar

1 Mestrando em Ciências da Comunicação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais, orientado pela Dra. Sonia Montaño. Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda pela mesma instituição. E-mail para contato: [email protected].

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como a sociedade conversa com a sociedade”, estudando, dentre outros materiais, o

que envolve a mídia – meios, práticas, produtos e recepção.

Empírico

Para fomentar a heurística, adicionamos objetos empíricos à reflexão, tomando

uma decisão prática. Dado o nosso interesse pelo audiovisual na web, selecionamos o

YouTube como plataforma. Conforme Pariser (2012), é um dos maiores sites da web, o

único que possui a exibição de vídeos como característica principal.

No YouTube, encontramos uma lista com os vídeos mais acessados pelos seus

usuários (MYTOP100VIDEOS, 2018). Desses, selecionamos o número um, o videoclipe

da música Despacito, de Luis Fonsi com Daddy Yankee (LUIS FONSI OFICIAL, 2017)2,

apresentado na Figura 1. Com essa abordagem, a interação possibilitada pela interface

da mídia é perdida. Convidamos os interessados a navegarem pelo YouTube e a buscar

o vídeo antes de prosseguirem.

Figura 1 – Videoclipe de Despacito no YouTube.

Fonte: Elaborado pelo autor a partir do YouTube (LUIS FONSI OFICIAL, 2017).

Para a composição da Figura 1, capturamos uma imagem do YouTube com o

videoclipe sendo reproduzido. Prontamente, notamos outros elementos do site, como a

identificação do canal que cadastrou a obra, a descrição do vídeo, comentários escritos

por usuários do portal e vídeos que o YouTube apresenta como relacionados.

Teoria da mídia

Dentre os paradigmas da comunicação mais utilizados, a teoria inaugurada por

McLuhan aparece como um ângulo de entrada profícuo para nossa pesquisa. McLuhan

(1974), na sua principal obra, inicia discussões importantes: a) “o meio é a mensagem”

2 Outros conteúdos poderiam ser utilizados como suporte empírico. O material é auxiliar e pouco interfere na proposta do trabalho.

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e, logo, deve ser observado; b) o conteúdo de uma mídia é composto por outras mídias,

pré-existentes3.

O estilo de escrita de McLuhan, discorre Silveira (2011), tornou suas propostas

verdadeiros bordões e slogan publicitários – o que, de alguma forma, auxiliou a propagar

a obra do autor. O fato é que ocorre uma virada no campo da comunicação, que passa

a observar o impacto das mídias no ambiente cultural humano. Para McLuhan, conforme

Silveira (2011, p. 134), “a atenção ao ‘conteúdo’ das mensagens nos impede de ver que

é a própria forma midiatica (isto é, sua natureza medial) que mais nos impacta”.

Nessa direção, encontramos os estudos de Castells (2003)4 e Lévy (2012), por

exemplo, que pesquisam a internet e transformações que a mídia causa na sociedade

em áreas como cultura, economia e política. Os meios e o campo da comunicação, nas

obras, aparecem como interfaces para estudos de outras áreas do conhecimento, como

a sociologia e a ciência política.

Por outro lado, Recuero (2009), que observa o funcionamento das redes sociais

online, e Pariser (2012), que investiga a personalização de sites, realizam trabalhos com

olhares comunicacionais. Respectivamente, os autores apontam uma mídia que atua de

forma descentralizada e para uma pratica que pode acarretar na criação de “bolhas de

conteúdo”. Ora, embora outros campos do conhecimento sejam acionados, é observada

a interação social e o impacto da web nesse processo.

A ideia de que o conteúdo de uma mídia é constituído de mídias pré-existentes

é outro ponto central na obra de McLuhan. Como exemplos, Silveira (2011) aponta para

a literatura, que serve ao cinema, que serve à TV. Notamos a sombra de McLuhan na

obra de Manovich (2014), que trata o computador digital como metameio de linguagens

híbridas, que simula antigas mídias e oferece ferramentas para a criação de novas.

Certamente estamos caminhando rumo a uma visão comunicacional. Contudo

a nossa intenção é observar o audiovisual inserido na internet. Sendo assim, precisamos

adicionar mais uma camada às nossas reflexões.

Estudo do audiovisual

3 Já na primeira metade do século XX, Benjamin (1986) também escreve sobre a técnica e o seu impacto sobre a cultura e o ser humano. 4 Na obra, Castells (2003) faz referência ao trabalho de McLuhan. Os títulos do livro, A galáxia da internet, e do primeiro capítulo, A rede é a mensagem, são exemplos significativos.

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Dentre as questões suscitadas nas pesquisas sobre possíveis impactos da web

no audiovisual, notamos que muitas tratam da natureza dos materiais. Essas reflexões

podem ser aproximadas da teoria da mídia.

Dubois (2004), por exemplo, reflete sobre características do material, como: a

presença de máquinas nos processos de produção-transmissão-reprodução; com qual

fidelidade um conteúdo produzido mimetiza a realidade; e, por fim, qual a materialidade

do produto final5. Para isso, Dubois (2004) analisa técnicas da pintura, da fotografia, do

cinema, da TV-vídeo e da imagem informática. Com isso, podemos examinar questões

técnicas e estéticas do videoclipe e da interface do YouTube.

No videoclipe, máquinas estão presentes durante todo o processo de produção,

transmissão e reprodução da obra, que, além de capturar imagens fidedignas do mundo,

as grava em movimento. Por outro lado, a interface do site é independente do universo

físico e constitui um “novo real”, visto que é inteiramente criada por maquinas e, assim,

não demanda qualquer relação com a realidade. Em ambos os casos, os produtos finais

são imateriais, pois são código informático. As máquinas que reproduzem o YouTube e

o videoclipe representam as únicas materialidades efetivamente presentes.

O amálgama de elementos com diferenças tecno-estéticas – da TV-vídeo e da

imagem informática, principal e respectivamente – faz com que retornemos a Manovich

(2014) e ao computador como mídia universal ou metameio de linguagem híbrida. Para

além de devorar as mídias anteriores, como denunciaria McLuhan, evidenciamos que o

computador digital disponibiliza ferramentas para que novas mídias sejam criadas.

Ainda podemos pensar, com Arantes (2005), como a interface do site age sobre

o vídeo. No ambiente digital, surgem novas possibilidades de interação com produções

artísticas, porque as obras se tornam mais flexíveis e manipuláveis. Na internet, vídeos

podem ser reproduzidos, pausados e avançados; mais, são avaliados, comentados e

compartilhados. A relação entre vídeo e interface o fez ultrapassar as cinco bilhões de

visualizações, destacar-se e, por exemplo, chegar até nós6.

Assim, notamos que a técnica transforma os modos de produção, a estética do

que é produzido e a forma como o público usufrui das obras. Da mesma forma, Marshall

McLuhan impacta o campo da comunicação com a sua perspectiva.

5 Flusser (1995) diferencia “imagens” de “imagens técnicas”, que são produzidas por aparelhos que o autor aponta como “caixas-pretas”, pois não revelam, ao operador, como funcionam. 6 No rádio, é possível que a obra não chamasse a nossa atenção, visto que o seu estilo não faz parte das nossas preferências musicais. Esse, obviamente, não é um julgamento de valor.

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Considerações finais

Agimos de forma teórico-epistemológico em busca de espaço, nos paradigmas

da comunicação, para a pesquisa do audiovisual na internet. Defendemos que o campo

deve observar como a sociedade interage consigo mesma, sendo que uma parte cada

vez maior desse processo perpassa ambientes midiáticos. Em um cenário tão plural, é

difícil circunscrever um objeto único. O procuramos, não obstante, no entorno midiático

– o que envolve meios, práticas, produtos e a recepção.

Por fim, em maior ou menor medida, fazemos três movimentos. Debatemos os

objetivos e objetos das pesquisas de comunicação; apontamos possibilidades de estudo

do audiovisual nas teorias do campo; e investimos sobre as fronteiras da comunicação

– que, ainda assim, pode e deve manter relações com as outras áreas do conhecimento.

O campo da comunicação, como os demais, não se encontra isolado, e pode tanto servir

de interface quanto incorporar perspectivas estrangeiras que sejam produtivas. Todavia

é preciso que se busque um olhar comunicacional.

Ora, cada pesquisa demanda escolhas e renúncias. Contudo como a ambição

de manter um olhar comunicacional talha nossos objetos de estudo? Que dimensões da

pesquisa podem estar sendo negligenciadas nesse movimento? Ao observar o impacto

da mídia, não deixamos de lado aspectos tecno-estéticos dos vídeos? Ou seja, de que

forma a web atua nas lógicas internas dos vídeos?

Referências

ARANTES, Priscila. Em busca de uma nova estética. IN: ARANTES, Priscilla, @rte e mídia: perspectivas da estética digital. São Paulo: Senac, 2005. P. 155- 177.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1986.

BRAGA, José Luiz. Constituição do campo da Comunicação. São Leopoldo – RS, Unisinos. Revista Verso & Reverso, XXV (58): 62-77, janeiro-abril, 2011.

CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. – Rio de Janeiro, RJ. Zahar, 2003.

DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. Editora Hucitec: São Paulo, 1995.

LÉVY, Pierre. Ciberdemocracia. 1a edição – Lisboa. Instituto Piaget, 2012.

LUIS FONSI OFICIAL. Luis Fonsi - Despacito ft. Daddy Yankee. [S. l.], 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=kJQP7kiw5Fk>. Acesso em: 16 jul. 2018.

MANOVICH, Lev. El software toma el mando. (2014).

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MARTINO, Luís Mauro Sá. A ilusão teórica no campo da comunicação. Porto Alegre – RS. Revista FAMECOS, nº 36, agosto, 2008.

McLUHAN, Marshall. Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem. São Paulo: Cultrix, 1974.

MYTOP100VIDEOS. Most Viewed Videos of All Time. [S. l.], 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/playlist?list=PLirAqAtl_h2r5g8xGajEwdXd3x1sZh8hC>. Acesso em: 16 jul. 2018.

PARISER, Eli. O filtro invisível: o que a internet esta escondendo de você / Eli Pariser; Tradução Diego Alfaro. – Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

SILVEIRA, Fabrício. A Galáxia de McLuhan. São Leopoldo – RS, Unisinos. Revista Verso & Reverso, XXV (59): 129-139, maio-agosto, 2011.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. 191 p.

WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987.

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DESCREVER IMAGENS, CORTAR OS FLUXOS: UM PROBLEMA DE ANÁLISE SEMIÓTICA

Lennon Macedo1 - UFRGS

Palavras-chave

Cinema de fluxo. Metodologia. Análise fílmica.

O presente trabalho sobrevoa um problema metodológico específico que é a

construção de um corpus de pesquisa em cinema. Não sabemos ao certo quais as

nossas unidades mínimas de significação, nem como rearranjá-las. Seriam imagens,

frames? Seriam imagens-movimento, planos? Ou cenas, ou sequências inteiras, ou

ainda blocos distintivos de imagens? Poderíamos tomar um filme por inteiro como objeto

de análise?

Nossa dificuldade de formular um corpus está intrinsecamente conectada à

estética que estudamos. O cinema de fluxo (OLIVEIRA JR., 2013) nasce como uma

corrente transnacional não auto-organizada, um termo guarda-chuva cunhado pela

Cahiers du Cinéma para aglutinar uma série de filmes desde os anos 1990 até a

atualidade. Em outras palavras, o cinema de fluxo não simpatiza com a história das

cinematografias nacionais, tampouco oferece um manifesto ou qualquer carta de

intenções. O nome “cinema de fluxo” surge em 2002 num escrito do crítico Stephane

Bouquet para esboçar o denominador comum entre diferentes cineastas que intrigavam

a redação dos Cahiers, notadamente Claire Denis, Hou Hsiao-Hsien, Gus Van Sant,

Wong Kar-Wai, Pedro Costa, Naomi Kawase, Apichatpong Weerasethakul e Philippe

Grandrieux, dentre outros. Esse denominador comum repousava menos numa estilística

do que numa atitude cinematografica, “uma nova relação do olhar que convida

primeiramente a sentir, para apenas depois racionalizar” (VIEIRA JR., 2012, p. 15). Além

disso, tais filmes lançam mão de uma diluição da narrativa em que os planos se alongam

em torno de situações cotidianas, estas funcionando como “eternos presentes” (VIEIRA

JR., 2012, p. 37) no tempo de tela. Este cinema, portanto, tem como prioridade o

desencadeamento de afetos, relegando à sucessão narrativa um papel secundário.

1 Mestrando no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Cultura e Significação, Orientado pelo Prof. Dr. Alexandre Rocha da Silva. E-mail para contato: [email protected]

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Essa minimização da narrativa nos levou a estudar as cenas destes filmes como

descrições, ou como pontos de disputa entre a narração e a descrição. Na busca de

compreender as dinâmicas de significação que percorrem as formas de expressão deste

cinema, optamos por pensar as relações descritivas a partir do escopo da semiótica do

cinema, especialmente a semiologia de Christian Metz e a filosofia de Gilles Deleuze.

Para Christian Metz (2014), o estudo dos filmes se faz a partir de uma análise

sintagmática do cinema narrativo. Em meio a essa tipologia, identificamos no sintagma

descritivo um primeiro ponto de abordagem semiótica da descrição no cinema. Este tipo

sintagmático é o único em que as relações temporais não apresentam consecução,

apenas simultaneidade. “No sintagma descritivo, a única relação inteligível de

coexistência entre os objetos que as imagens apresentam é uma relação de

coexistência espacial” (METZ, 2014, p. 150). E por não apresentar relação de

consecução entre os enunciados, este sintagma é o único segmento cronológico não

narrativo na sintagmática de Metz.

O semiólogo define a narrativa como um “discurso fechado que irrealiza uma

sequência temporal de acontecimentos” (METZ, 2014, p. 42), e é quanto à definição de

sequência temporal que a narração se opõe à descrição. Há dois tempos engendrados

na narrativa: o tempo da narração (tempo do significante) e o tempo do narrado (tempo

do significado). A narração se dá, portanto, numa transformação temporal, em que um

tempo (significado) é operacionalizado por outro tempo (significante). Já na descrição,

diferentemente, o tempo do significante traduz um instantâneo espacial como

significado. A narração traduz um tempo para um outro tempo e a descrição traduz um

espaço para um tempo.

Metz, ainda, ira definir a descrição como um “momento descritivo no seio da

narração” que não existe, portanto, fora da narração. Ha uma clara hierarquia entre os

dois procedimentos na obra do autor. Alguns discípulos de Metz, ainda, irão qualificar

esse momento como pausa, como “uma duração determinada da narrativa a qual não

corresponde nenhuma duração diegética (da história)” (JOST & GAUDREAULT, 2009,

p. 149). Portanto, é à maneira de um repouso, de um intervalo que se pensa a descrição

na pesquisa semiológica do cinema. Ainda assim, é importante frisar que, para Metz,

não há juízo sobre a descrição ser mais ou menos capaz de significar, apenas que toda

descrição está ao serviço de uma narração.

Acerca da obra de Gilles Deleuze (1990), o debate em torno da relação entre

descrição e narração ganha texturas diferentes. Posto que “não ha narração (nem

descrição) que seja um “dado” imediato das imagens”, tampouco ha uma narratividade

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a priori no cinema à qual irão se encaixar humildemente alguns momentos descritivos.

Narração e descrição são igualmente consequência das imagens cinematográficas, e,

portanto, desempenham diferentes funções conforme as imagens agenciadas. Deleuze

irá tratar de dois regimes da imagem neste sentido: regime orgânico e regime cristalino.

No regime orgânico, a descrição pressupõe independência do meio ou objeto

descrito, ou seja, faz valer a crença numa realidade preexistente. Essa realidade que

preexiste ao ato descritivo torna a descrição uma mera qualificação de um meio ou

objeto que a excede. Reencontramos aqui a função semiológica da descrição: é um

momento subserviente à narração que qualifica algo que será posto em movimento pela

ação narrativa. A narração, no regime orgânico, é o desenvolvimento do que Deleuze

irá caracterizar como esquemas sensório-motores, “nos quais as personagens reagem

a situações, ou então agem de modo a desvendar situações”. A descrição qualifica o

meio no qual se narram as situações sensório-motoras.

Contudo, é importante afirmar que tais descrições orgânicas não configuram

uma pausa no sentido que a semiologia o define. Tal pausa implica uma duração X do

significante correlacionada a uma duração nula do significado. No regime orgânico

deleuzeano, as imagens estão sempre em movimento. Elas são movimento, as próprias

imagens-movimento. E como as descrições são consequências das imagens-

movimento, elas nada pausam. Pelo contrário, elas têm como funcionalidade manter,

reafirmar, qualificar o movimento. Se na rítmica da semiologia a descrição é uma parada

da melodia narrativa, no regime orgânico o momento descritivo é um falso repouso, é

um intervalo que dita o ritmo do movimento, é um catalisador da narração.

Já no regime cristalino da imagem, as descrições passam a valer por si. Elas

criam o meio. Elas substituem o objeto. Ou, dito de outra forma, os meios e objetos nada

mais são do que suas descrições. Se as descrições se autonomizam, a narração

cristalina se dá justamente pela quebra do esquema sensório-motor, pois as

personagens já não agem sobre o meio, não reagem aos objetos. Surgem situações

ótico-sonoras que envolvem as personagens, personagens em crise de ação. Os termos

narrativos, aqui, não são mais de um cinema de actante, mas de um cinema de vidente.

Se a narração que antes conduzia o movimento já não age sobre as descrições, estas

impõem ao movimento uma descrição puramente ótica e sonora de um meio, de um

objeto, ou mesmo de uma personagem.

Voltemos à pausa semiológica. Nos parece que é no regime cristalino que se

pode encontrar um correlato para a pausa, ainda que a equação opere de forma distinta.

Há uma parada no regime cristalino, mas não é o tempo que interrompe seu curso. Pelo

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contrário, é o movimento que se vê em crise, é o esquema sensório-motor que não mais

liga uma percepção a uma ação. Da crise do movimento surge uma apresentação direta

do tempo, uma imagem-tempo. Se no regime orgânico a descrição é um intervalo,

quando esta se autonomiza é justamente o intervalo que adquire duração, fazendo das

inações narrativas os intervalos dessa duração.

A partir do regime cristalino podemos pensar a relação entre descrição e

narração sem cairmos na hierarquia metziana em que a descrição só existe contida na

narração. Tampouco, porém, é a inversão da hierarquia que o regime cristalino da

imagem produz. A descrição só dura em relação a uma inação narrativa. A narração só

rompe o esquema sensório-motor em relação a uma descrição puramente ótico-sonora

de um meio ou objeto.

[Nas imagens ótico-sonoras puras,] o que entraria em relação seria algo real e imaginário, físico e mental, objetivo e subjetivo, descrição e narração, atual e virtual... O essencial, de todo modo, é que os dois termos em relação diferem em natureza, mas, no entanto, “correm um atras do outro”, refletem-se sem que se possa dizer qual é o primeiro, e tendem, em última análise, a se confundir caindo num mesmo ponto de indiscernibilidade (DELEUZE, 1990, p. 61).

Essa indiscernibilidade entre descrição e narração parece um ponto de

chegada teórico para nós. Mas, ainda sobre o conceito de descrição, é preciso salientar

um certo ruído na maneira de pensar essa palavra em nosso estudo. Descrição é um

procedimento estético articulado junto da narração, mas é também um procedimento

metodológico muito usado, inclusive, pela ciência estrutural que inspira a presente

pesquisa. O que acontece quando a metalinguagem, ou seja, o procedimento

metodológico se torna, também ela, linguagem-objeto? Como se descreve uma

descrição? Esta pergunta segue sem resposta, e dessa maneira a própria descrição fica

despossuída de materialidade.

Referências

DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 1990.

GAUDREAULT, André; JOST, François. A narrativa cinematográfica. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2009.

METZ, Christian. A significação no cinema. São Paulo: Perspectiva, 2014.

OLIVEIRA JR., Luiz Carlos. A mise en scène no cinema: Do clássico ao cinema de fluxo. Campinas: Papirus, 2013.

VIEIRA JR., Erly Milton. Marcas de um realismo sensório no cinema contemporâneo. 2012. 242f. Tese (Doutorado em Comunicação). Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2012.

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PARADOXOS DO PLÁGIO: (DES)CONSTRUINDO UMA PERSPECTIVA PARA O ESTUDO DA APROPRIAÇÃO

Luis Felipe Silveira de Abreu1 - UFRGS

Palavras-chave

Plágio. Apropriação. Desconstrução.

Comecemos de forma panorâmica, um plano-geral estabelecendo o cenário.

Um cenário polar, como na metáfora do poeta e artista visual Kenneth Goldsmith (2001):

se cada palavra dita durante um dia qualquer em Nova York se materializasse em flocos

de neve, o caso seria de contínuas nevascas.

Essa permanência e visibilização da linguagem – própria, mas sobretudo alheia

– é uma espécie de acúmulo significante, como lê Goldsmith. Que resultaria em uma

reciclagem, traduzida na produção contínua de formas de expressão que se valem da

tomada dos discursos alheios, incorporados parcial ou integralmente. Os textos do

próprio Goldsmith como exemplo: a cópia integral de uma edição do New York Times

(GOLDSMITH, 2003), ou a transcrição de boletins de trânsito de uma rádio

(GOLDSMITH, 2016). Vamos nos aproximando do objetivo aqui demarcado: tal

reutilização da matéria expressiva alheia tem se revelado um tema candente para os

estudos da linguagem, em uma visada da Comunicação, conforme visto em importantes

estudos tais como a reflexão sobre o “gênio não-original” da poesia midiatica feita por

Marjorie Perloff (2013), ou o extensivo panorama sobre as formas do remix, realizado

por David Gunkel (2016). A citação, o CTRL+C CTRL+V, enfim: formas piratas do dizer.

Derivado de um processo de tese voltado a pensar as formas de significação –

e, daí, de comunicação – revolvidas por essas práticas de escritura, este resumo visa

compartilhar algumas inquietações a respeito do estudo das cópias. Discutir, sobretudo,

um desenvolvimento primeiro, vacilação da proposta do projeto inicial, nomeado Da

palavra do outro como palavra de si: semioses plagiárias da Comunicação.

Semioses plagiárias: pois intentamos chamar de plágios esses modos de

apropriação, em uma saída idiossincrática, mas que se mostrava com potencial de

1 Doutorando no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Linha Cultura e Significação. Orientado pelo Prof. Alexandre Rocha da Silva. E-mail para contato: [email protected]

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“abrir” a pesquisa a horizontes outros, bastante distendidos – afinal, o projeto de uma

tese é a abertura de muitos possíveis. Se o termo não aparece nas discussões até aqui

apontadas, como as de Gunkel ou de Perloff, que permanecem nas mais bem aceitas

terminologias do remix e da apropriação, há textos mais agudos que apostam nesse

termo como expressão da mais radical das cópias – leia-se os manifestos O ecstasy da

influência, de Jonathan Lethem (2011) e, mais significativamente, Plágio utópico,

hipertextualidade e produção cultural eletrônica, do Critical Art Ensemble (s.d.).

A postura radical desses textos, que postulam o aspecto político de tomada da

comunicação alheia, nos despertou curiosidade pela operação conceitual dessas cópias

enquanto plágio, na tentativa de investigar em nossa tese novos aspectos desse

problema. Essa experiência de “cópia limite” auxiliaria também contra a permanência

residual de um apelo à “criatividade”, visível em diversos estudos sobre a cópia – Gunkel

(2016), de forma mais central, realiza também uma crítica a essa postura em toda

produção visível sobre o remix, em específico, e sobre a apropriação, no geral. Assim,

o plágio agiria como uma espécie de dispositivo de desconstrução da apropriação.

E um movimento inicial de constituição de Estado da Arte nos revelou alguns

caminhos neste sentido: consultamos teses e dissertações sobre o plágio, produzidas

fora do escopo da discussão do Direito, em campos como a Linguística e mesmo a

Comunicação, e percebemos ali um desafio à visão moral ao conceber o “plagio” como

uma categoria discursiva, aplicada a posteriori (cf. CHRISTOFE, 1996; HENNING, 2013;

SCHMITT, 2015). Desnaturaliza-se a nomenclatura, em prol de uma visão produtiva,

ponto de vista sintetizado nas conclusões da tese de Michelle Schmitt (2015, p. 112):

"Somos levados a ressignificar o que se compreende por plágio, destituindo-lhe do

aspecto ético e moral, e atribuindo-lhe o lugar de sintoma e resistência ao discurso da

produtividade na ciência, um lugar de recalque da memória".

De olho nestes sintomas, começa a se desenhar em nosso projeto um olhar

voltado aos discursos da apropriação (como os textos de Goldsmith), mas também aos

discursos sobre a apropriação, que a formatam, aceitam ou rejeitam, sob rubricas que

vão da dócil citação ao venenoso plagiato: o que a apropriação nos diz, e o que se diz

sobre ela, em uma economia comunicacional complexa, conflitos de (con)textos.

Na trilha dessas leituras, tomamos esta comunicação como um experimento de

exploração dos paradoxos inerentes tanto ao gesto de cópia textual quanto ao ato

subsequente de apontar esta cópia, reservando a ela o lugar bastardo do plágio. Para

tal, propomos a exposição de dois casos singulares de “apropriação plagiaria”: as

reescritas de livros de Jorge Luis Borges por Pablo Katchadjian, em El Aleph engordado

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(KATCHADJIAN, 2009), e por Agustín Fernández Mallo, em El hacedor (de Borges),

Remake (FERNÁNDEZ MALLO, 2011). Mallo reescreve trechos e narrativas dos contos

de El Hacedor, um a um; Katchadjian, de modo ainda mais extensivo, copia todo texto

El Aleph e a ele adiciona cerca de 5 mil novas palavras, mas sem alterar o teor geral de

seu argumento.

Se Borges é tido como um autor exemplar às práticas intertextuais, explorando

em sua obra os fluxos de sentido possíveis nos deslocamentos e reescrituras – veja-se

a tomada de Dom Quixote em Pierre Menard, autor de Quixote (BORGES, 2007) ou as

experiências de cópia extensa em Homenagem a César Paladión (BORGES; BIOY

CASARES, 2014) –, as apropriações de seus próprios textos são cercadas de disputas.

Não raro, disputas judiciais. É o caso de Katchadjian e Mallo, processados pelo espólio

do escritor argentino, por plágio (cf. CHACOFF, 2013).

O que o affair borgeano aí revelado nos leva a pensar são os paradoxos

intrínsecos à atividade de apropriação: em Borges, ela se lê como dispositivo criativo,

forma estética, ao passo que nas apropriações dele, crime e castigo. Esse caso

demonstra a constituição discursiva dessa categoria plágio, como identificado pelos

trabalhos lidos até aqui. Seu uso, em nossa pesquisa, seria assim desconstrutivo, nos

moldes de Jacques Derrida: “O primeiro momento de que se chama a ‘desconstrução’

encaminha-a para esta ‘crítica’ do fantasma ou do axioma da pureza ou para a

decomposição analítica de uma purificação que reconduziria à simplicidade

indecomponível da origem” (DERRIDA, 2001, p. 64).

A crítica ao fantasma ou ao axioma da pureza: é impossível precisar um lugar

claro ao plagio, e, assim, ele auxiliaria a desmontar a oposição hierarquica entre “cópia”

e “original”. Do Quixote copiado por Menard ao Aleph engordado por Katchadjian, a

distância parece construída por forças discursivas que entendem o texto original como

“verdadeiro”, e sua apropriação enquanto plagio, sendo este uma deturpação: contextos

comunicativos, enfim, foco talvez, de nossa reflexão. Com Derrida também, pensemos

em sua distinção da Justiça ao Direito (2010), e como este é uma aplicação de força

daquela, criando categorias e formalizando noções abstratas. O plágio encarnaria uma

dualidade constitutiva na cultura (o discurso – e desprezo – sobre a mimesis); mas há

que se pergunta, se é apenas isso? De fato, podemos aproximar uma apropriação

extensiva, como a de O Aleph engordado, com outras formas, mais “dóceis”, de citação?

E, se encararmos o plágio desse forma como esboçada até aqui, a que caminhos a

reflexão leva: validação de toda cópia, mesmo aquela em contextos acadêmicos e

burocráticos?

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Tendo em conta tanto o estado da arte de estudos sobre a apropriação reunido

até aqui, quanto este caso modelo da constituição paradoxal da categoria de plágio,

entre a forma expressiva e a categoria criminal, chegamos a um ponto de inflexão na

reescrita do projeto de tese. Mas com cuidado às respostas fáceis, tentadoras nesse

momento de organização da pesquisa, mas perigosas por vedarem perspectivas.

Assim, como dúvidas (des)norteadoras, questionamos: Qual a validade do plágio

enquanto objeto de estudo comunicacional? Como abordá-lo apartado das discussões

jurídicas que o modulam – ou, ainda mais, longe das discussões éticas que suscita? De

que formas ele poderia ajudar a desconstruir os discursos sobre e da apropriação? Sua

aproximação de outras formas de cópia não seria ingênua?

Referências

BORGES, Jorge Luis; BIOY CASARES, Adolfo. Crônicas de Bustos Domecq; Novos contos de Bustos Domecq. São Paulo: Globo, 2014.

BORGES, Jorge Luis. Ficções. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

CHACOFF, Alejandro. A viúva e a vanguarda. Revista piauí. n. 78. mar. 2013. Disponível em: <https://piaui.folha.uol.com.br/materia/a-viuva-e-a-vanguarda/>. Acesso em 14 set. 2018.

CHRISTOFE, Lilian. Intertextualidade e plágio: questões de linguagem e autoria. Tese (Doutorado em Linguística). Campinas: UNICAMP, 1996.

CRITICAL ART ENSEMBLE. Distúrbio eletrônico. São Paulo: Editora Subta, s.d.

DERRIDA, Jacques. Força de Lei: o fundamento místico da autoridade. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

DERRIDA, Jacques. Posições. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

FERNÁNDEZ MALLO, Agustín. El hacedor (de Borges), Remake. Madrid: Alfaguara, 2011.

GOLDSMITH, Kenneth. Day. Great Barrington: Figures, 2003.

GOLDSMITH, Kenneth. Soliloquy. Nova Iorque: Granary Books, 2001.

Goldsmith, Kenneth. Trânsito. São Paulo: Luna Parque Edições, 2016.

GUNKEL, David J. Of Remixology: ethics and aesthetics after remix. Cambridge: MIT Press, 2016.

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KATCHADJIAN, Pablo. El Aleph engordado. Buenos Aires: IAP, 2009.

LETHEM, Jonathan. The ecstasy of influence: nonfictions, etc. Nova York: Doubleday, 2011. Edição digital para Kindle.

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PERLOFF, Marjorie. O gênio não original: poesia por outros meios no novo século. Belo Horizonte: UFMG, 2013.

SCHMITT, Michele. Plágio no Brasil: entre o modelo, a cópia, a autoria. Tese (Doutorado em Linguística). Campinas: UNICAMP, 2015.

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MEDITAÇÃO E GRAU ZERO DA COMUNICAÇÃO

Mario Arruda1 - UFRGS

Palavras-chave Comunicação. Meditação. Grau zero.

Grau zero. Chegar em um estado em que o sentido já não impede as relações

de virem a acontecer. Instante em que a memória se esvai, o conflito cede passagem

ao fluxo, o eu desaparece. Quando algo simplesmente impossível de descrever

acontece.

Que caminhos trilhar para alcançar uma existência na qual as ideologias, as

polaridades, os interesses não mais constituam uma fortaleza estruturada e inabalável?

Isso é desejável? Há motivo para desejar algum tipo de existência que não a do alerta

constante, da resistência e da luta?

No Brasil 2018 – 201X do não e do sim, da impossibilidade de não falar – do

panóptico algorítmico, da comunicação digital como planilha de tendências vitais, da

sociedade de controle controlada; de que maneira se pode conceber uma existência

que esteja em uma velocidade distinta da impulsionada pelas tecnologias técnicas e

sociais do smartphone, da ritalina e da cafeína? Há modo de conceber alguma

composição rítmica com o mundo atual em que surja alguma alternativa de existência

sem constantes e infinitos atos de comunicação ostensiva e violenta? Ou será preciso

parar para sentir o movimento?

Talvez seja preciso criar desvios comunicativos ao invés de comunicar pura e

simplesmente no jogo marcado. “O importante talvez venha a ser criar vacúolos de não-

comunicação, interruptores, para escapar ao controle.” (DELEUZE, 2008, p. 217). Ainda

assim, não se trata de negar a comunicação – trata-se de comunicar pela parada,

comunicar pela ausência e pelo não dito. Dada a tamanha enxurrada de manifestações

expressivas diárias, a não-expressão – o silêncio – pode se tornar um grande estrondo,

uma anormalidade capaz de produzir sensibilidades ao que acontece diante de nossos

olhos, e que o passado sempre presente nos impede de enxergar.

Se libertar do conhecido

1 Doutorando no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Cultura e Significação, Orientado pelo Prof. Dr. Alexandre Rocha da Silva. E-mail para contato: [email protected]

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Jiddu Krishnamurti foi o oitavo filho de sua família. Seguindo a tradição

brâmane, a casta sacerdotal na sociedade hinduísta, por ter chegado após o sétimo a

nascer, recebeu o nome Krishna em homenagem a Sri Krishna, o oitavo avatar de

Vishnu, uma das divindades mais cultuadas de toda Índia. Com treze anos passou a ter

ensinamentos da Sociedade Teosófica por ser considerado um dos grandes mestres do

mundo pelos mestres que o ensinavam. No entanto, a partir de uma profunda

experiência causada pela morte de seu irmão, Krishnamurti se afasta de toda e qualquer

religião e passa a procurar uma revolução do pensamento – uma revolução nem

exclusivamente interior nem exterior, mas um processo pelo qual se pudesse passar a

enxergar os acontecimentos do mundo a partir do que eles apresentam, sem

necessariamente recorrer a uma memória que os posicionem tal qual a história agencia.

A filosofia de Krishnamurti propõe uma libertação do conhecido para que se

possa observar o desconhecido, para que se consiga ver o invisível. Em Se libérer do

connu, Krishnamurti (1978) evoca uma descolonização do pensamento dado pela

suspensão da memória, do tempo, da história. O desapego a tais estratificações ocorre

através de uma forma que não preconiza a ação, mas justamente se faz através da

parada, da aceitação sem valoração.

Ora, mas não se trata de alienação. É a constatação de que há sempre um

perspectivismo envolvido em qualquer olhar que exige a suspensão do observador. E o

observador é uma construção constante entre escolhas e recusas, forças externas a ele

que atraem e repelem outros corpos, ações, pensamentos. E, assim, o observador, ele

mesmo, é uma construção objetal (o observador é observado), o objeto é objeto também

daquilo que analisa. Há reciprocidade, imanência, influência de corpos uns sobre os

outros. E aí que, em um primeiro momento, não se pode compreender e representar

algo a não ser tornando-se esse algo. Por isso a fábula do pintor chinês: para

representar uma árvore, o pintor sentou-se ao seu lado por dias, meses, anos. Para se

tornar árvore. E se tornar outro é a suspensão de uma dada memória através da criação

de outra. Um xamanismo ao estilo Viveiros de Castro (2018).

E de objeto em objeto, observador em observador, a questão se complexifica

quando o que se observa são os desastres, as mortes, os conflitos. Como não sofrer?

Como não se tornar agente potencializador do problema? Comunicadores da era

algorítmica dos sites de redes sociais, estamos acostumados às estratégias do

compartilhamento e da denúncia. Será que não nos passa que nem só de razão são

formadas as opiniões e as perspectivas?

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Temos visto toda a questão política atual a partir de perspectivas históricas.

Nada mais comum: o pensamento tem origem na memória, na história, segundo

Krishnamurti (1978). Então, será mesmo que o que acontece é uma repetição tal qual?

Se assim fosse, os interessados na manipulação dos rumos do mundo a fariam a seu

bel prazer sem muito esforço. Mas o que acontece são arranjos bastante diferentes,

assumindo os papéis de agentes. Como então perceber? Parece que tudo está em um

outro nível, em um outro campo de visibilidade – tudo parece tão anuviado, precisamos

fazer algo e fazer agora. Será?

Foucault (2008) fala de algo similar. Mostra como só se pode ver e falar aquilo

que já está codificado e mantém sentido com grandes regimes complexos. É a partir da

existência de regimes de visibilidade e de enunciação que o autor demonstra como as

perspectivas e os atos são agenciados pelos documentos que constituem a história, a

deusa do arquivo, que com seus mecanismos avalia o que é pertinente e o que não é

de entrar nos arquivos que regem os regimes citados.

Em sua análise, Foucault (2008) nos dá o caminho da arqueologia para a

constituição de novos campos de visibilidade – uma espécie de ação sobre o arquivo

através de encontros que desmontem suas regras, gerando a necessidade de produção

de novos códigos de organização. O que fazem esses encontros é evidenciar uma

artificialidade da história e do arquivo.

Mas, não é isso que faz a todo momento o maquinismo da internet através de

seus links e de sua produção incessante de documentos? É possível pensar em

pequenos regimes de visibilidade e enunciação espalhados e sem muita conexão

coexistindo hoje sem muito se tocarem, são as chamadas bolhas algorítmicas

(ARRUDA, 2018). A história baseada em museus e bibliotecas tem sofrido constantes

transformações pelos movimentos de usuários de sites de redes sociais do mundo todo.

Sendo assim, acelerar o processo de derrubada da história é, hoje, apenas compor com

a lógica capitalista contemporânea: a lógica da sociedade de controle (DELEUZE,

2008).

Uma alternativa a isso poderia ser pensar não em uma aceleração das lógicas

capitalistas como pensou Steven Shaviro (2013), mas na parada completa do processo

ou o máximo que se pode chegar perto disso. Não se fala de uma greve geral.

Tampouco necessita-se organizar grupos que acordem uma parada, um não fazer nada.

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Fala-se da parada do microcorpo2. E o microcorpo é o corpo que nada fala, nada

expressa.

A produção do microcorpo não seria nem a repressão sobre o desejo de ação

nem a repressão do pensamento. A possibilidade de produção do microcorpo seria uma

espécie de meditação, mais especificamente, uma meditação que pode ser relacionada

com a proposta por Krishnamurti (1978). É um silêncio do pensamento. E

[...] a mente só pode ficar em silêncio quando entende seu próprio movimento como pensar e sentir e, para entendê-lo, não deve condenar durante a sua observação. Observar dessa maneira é uma disciplina fluida e livre que não é o de conformidade. (KRISHNAMURTI, 1978, p. 148, tradução nossa).

É a tentativa de encontrar um modo de permitir a existência dos outros ao passo

que se permite a própria existência. É sobre estar ciente de todo pensamento e de todo

sentimento sem julgá-los, mas mantendo-se apenas observando, movendo-se com

eles. E é nesse mover-se que se começa a entender todo o movimento de pensar e

sentir, segundo Krishnamurti (1978). É dessa lucidez que nasce o silêncio.

Um estado de concentração completo ao fluxo do próprio pensamento. E o

fluxo de pensamento não é humano ou tampouco pós-humano. É apenas o fluxo do

pensamento destituído de qualquer valoração ou sentido.

Um silêncio absoluto que não é a simples ausência de ruído, mas um silêncio

que não pode ser descrito porque não existe. Um silêncio que se aproxima do vácuo

completo – mas não um vácuo que come o mundo, não se trata do esquecimento da

existência do mundo. Trata-se de um vácuo sobre si mesmo e sobre as relações que

nos constituem como observadores. É quando o observador se torna o fluxo que

observa.

É aí que se pode perceber algo que não pode ser descrito. Durante a meditação

já não há mais eu e seu passado para atrapalhar, para modelizar. É uma morte em vida

que permite reconhecer novas experiências sem fazer elas parecerem velhas. Nesse

sentido, a meditação é um processo que muda aquele que a pratica. É um processo em

que só se pode ser auto cobaia, como propõe Preciado (2018). É uma aventura na

medida em que não se sabe onde se vai chegar. Porque a meditação acaba e, quando

acaba, há um novo começo.

A comunicação que parece interior se prolonga ao exterior ao infinito. A não

comunicação é um ato comunicativo, a presença que nada expressa contém uma

2 Termo cunhado pela referência à micropolítica de Guattari e Rolnik (1996).

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expressividade tão ou mais transformadora do que aquele que sempre grita. Mais do

que isso, a passagem pelo microcorpo é a transformação de um corpo que,

posteriormente, anda por aí. Cada encontro posterior pode ser completamente diferente

para aquele que reduziu seu corpo ao seu estado micro.

Consequentemente, o pós-microcorpo é um atrator de transformações para

aqueles que com ele se relacionem, principalmente para aqueles que antes não tinham

possibilidade de relação devido aos sentidos que constituíam o corpo. Reside aí a

dimensão comunicativa da produção do microcorpo: a possibilidade de relação se

alarga, o microcorpo é o processo de energização magnética pelo qual passa um corpo.

Referências

ARRUDA, Mario. Ecologia da bolha algorítmica – liberdade e controle nas redes de comunicação online. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.

DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 2008.

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2008.

GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1996.

KRISHNAMURTI, Jiddu. Se libérer du connu. Paris: Éditions Stock, 1978.

PRECIADO, Paul B.. Testo junkie – sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. São Paulo: n-1, 2018.

SHAVIRO, Steven. Sobre o aceleracionismo. Lugar Comum – Estudos de mídia, cultura e democracia. Laboratório Território e Comunicação – LABTeC/ESS/UFRJ – Vol 1, n. 1, (1997) – Rio de Janeiro: UFRJ, n. 41 – set-dez 2013.

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas Canibais – elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: Ubu Editora; n-1 edições, 2018.

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O REMIX CINE-OLHO

Pedro Bughay Aceti1 - UNISINOS

Palavras-chave

Mídia Ninja. Junho 2013. Cine-olho. Remix. Dziga Vertov.

O impasse por causa do extinto website PósTV (www.postv.org) foi o espaço

escolhido para o Mídia Ninja para transmitir vídeos ao vivo dos debates e protestos de

junho de 2013 que eram pautados contra a corrupção, gastos excessivos do governo

com a Copa do Mundo de 2014, a falta de infraestrutura e de investimentos na área da

saúde, educação, entre outros motivos.

A grande repercussão e evidência do Ninja se deu por uma cobertura sobre o

que estava acontecendo nas ruas e segundo o sociólogo Venício A. De Lima “O Ninja

estava presente onde a grande mídia não esteve.” (KRIEGER, 2013, s/p). Desta

maneira, o grupo vem preencher o vazio deixado pela grande imprensa de “documentar

a realidade”, porque muitos manifestantes não autorizavam ou expulsavam repórteres

e cinegrafistas de grandes veículos, pois estes denunciavam a "violência dos

manifestantes” porque se utilizavam de fontes oficiais e assessorias de imprensa.

Esta crítica questionou a credibilidade da TV Globo e tornou o Mídia Ninja uma

fonte confiante de informação para as pessoas que estavam nas ruas protestando, e

assim, transmitiu ao vivo pela internet estas pessoas.

Ainda em junho 2013, a professora da Universidade Federal Fluminense do Rio

de Janeiro Sylvia Moretzsohn, comentava na época, que Mídia Ninja precisava

encontrar uma maneira de contextualizar a informação. "Acho um pouco complicado se

eles forem protagonistas dos próprios episódios. Acho que eles rejeitam a ideia de

editar, e editar é uma forma de sintetizar para que as pessoas compreendam o que está

acontecendo.” (KRIEGER, 2013, s/p).

Um mês depois de junho de 2013, mais precisamente 17 de julho, posta no seu

canal no Youtube o vídeo intitulado “Ninja Ruas”, um “remix" de varios registros

audiovisuais do próprio grupo e parte da grande imprensa para demonstrar o que foi as

1 Mestrando no PPG de Comunicação da Unisinos, Linha Meios e Processos Audiovisuais, Orientado pelo Prof. Dr. João Martins Ladeira. E-mail para contato: [email protected]

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manifestações e também como a própria descrição se refere “Remix feito para ilustração

da exposição Calar a Boca Nunca Mais no Matilha Cultural em São Paulo”.

Ao longo dos 04 minutos e 55 segundos de duração, o vídeo traz uma série de

colagem de vídeos das manifestações de junho de 2013, confronto de policiais e

manifestantes e sobre estes materiais está o áudio de políticos e jornalistas contrários

ao que estava acontecendo nas ruas. Assim, o presente trabalho pretende pensar a

teoria do cine-olho, as interfaces e o uso da montagem através da reconstrução do

passado através da técnica do remix.

Durante as manifestações de junho 2013, vídeos realizado nas ruas durante

possuíram uma grande importância ganhando um o caráter de dramático porque estes

muitas vezes poderiam estar sujeitos a receber qualquer tipo de violência, e assim,

concordaram em estar nas ruas conforme aponta André Bazin:

[…] como gladiadores escravizados na arena do circo. E graças ao cinema, o mundo está economizando dinheiro com o custo de suas guerras, já que este último é usado para duas finalidades, história e cinema, […]. (BAZIN, 2001, p. 61, tradução nossa).

Atualmente, o uso dos registros do cotidiano com smartphones pode derivar de

uma necessidade psicológica e moral de relatar algo e nada nos convém melhor que

filmar no local e no momento de sua criação. (BAZIN, 2001). Será que é possível

comparar com filmes de ficção? Estes registros possuem uma superioridade dramática

muito maior devido ao cenário e ao posicionamento de atores nos locais da cena. Assim,

para Bazin:

[…] o fator moral acima mencionado e diria que a crueldade e a violência da guerra nos ensinaram a respeitar - quase a fazer um culto aos fatos reais, em comparação aos quais qualquer reconstituição, mesmo feita de boa fé, parece duvidosa, indecente e sacrílega. (BAZIN, 2001, p. 62, tradução nossa).

Assim, este gosto por registros das manifestações de junho de 2013 e

combinado com o cinema, talvez reflita o gosto do homem de estar presente na

construção do fato histórico, precisando uma possível esperança de evolução política.

(BAZIN, 2001). Se voltarmos para Bazin e sua analise de filmes de guerra, “O

cinegrafista corre tantos riscos quanto o soldado, cuja morte ele deve filmar mesmo ao

custo de sua própria vida, mas quem se importa, contanto que a filmagem seja salva!”.

(BAZIN, 2001, p. 61, tradução nossa).

Ao analisarmos “Ninja Ruas”, percebemos que ele não somente possui vídeos

nos protestos de junho de 2013, mas também contém pequenos clips de programas de

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televisão, vinheta de abertura do pronunciamento da ex-presidente da República Dilma

Rousseff, o discurso de Arnaldo Jabor contra os manifestantes e etc., desta maneira,

para traduzir como Dziga Vertov se refere “o principal, o essencial é a cine-sensação do

mundo”, ou seja, uma experimentação ou resumo do que foi aquele mês. (VERTOV

apud XAVIER, 1983).

Assim, Vertov defende a utilização da câmera como cine-olho, uma versão

mais aperfeiçoada do olho humano que permite se mover no tempo e espaço para uma

proposta de ampliar nossa visão do caos visual e dos fenômenos que preenchem o

espaço/imagem. (VERTOV apud XAVIER, 1983).

No entanto, será que o objeto escolhido possui duas características bastante

distintas para a teoria do Cine-Olho? Seria, a primeira, em relação às imagens dos

protestos estão reféns ao olhar do manifestante, não buscando se movimentar durante

os fatos que lhe são mostrados a sua frente, o olhar e a câmera estão fixos para registrar

tudo na sua totalidade, sem cortes, e que posteriormente deseja compartilhar nas redes

sociais. Este advento tecnológico talvez tenha sido algo que André Bazin e Dziga Vertov

pensaram em seus textos.

A segunda característica de “Ninja Ruas” acontece na manipulação da imagem

como forma de discurso estético como por exemplo a mudança de plano de um plano

médio para um close durante a fala de Arnaldo Jabor que diz: “[…] realmente, esses

revoltosos de classe média, não valem nem 20 centavos [...]” e o uso da textura de um

filme fotográfico, dando a entender que este está já ultrapassado. (NINJA RUAS, 2013).

Ou pela inserção de uma mão segurando um controle remoto para mudar de canal, e

assim, conforme Vertov apud Xavier (1983, p. 257) aponta:

[…] experiências de estiramento do tempo, de fragmentação do movimento ou, ao contrário, de absorção do tempo em si mesmo, da deglutição dos anos, esquematizando, assim, processos de longa duração inacessíveis ao olho normal… Para ajudar a máquina-olho, existe o piloto-kinok que não apenas dirige os movimentos do aparelho, como também se entrega a ele ao vivenciar o espaço. O futuro verá o engenheiro-kinok que à distância, irá dirigir os aparelhos.

Desta forma, Vertov (apud XAVIER, 1983) questiona a ideia que a máquina

deve fazer uma representação visual do mundo dada pelo olho humano e que propõe

“eu vejo” e apresenta a figura do montador como organizador da vida. Logo, podemos

fazer um paralelo com o filme Why We Fight (1945) de Frank Capra, que através dos

materiais brutos de noticiários de guerra, conseguiu extrair o evento de forma tão íntima

no fato histórico, que para André Bazin:

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A teoria de Vertov do Cine-Eye é o começo da teoria do Cine-Eye. Mas a câmera, única como é entre a imagem dos caçadores do mundo, não poderia ter alcançado essa onipresença no espaço e no tempo por si mesma - uma onipresença que hoje existe. Naturalmente, a intervenção humana era necessária. (XAVIER apud BAZIN, 2001, p. 61, tradução nossa).

Será que podemos pensar na intervenção se deve ao fato da popularização da

tecnologia, barateamento de câmeras filmadoras e programas de computador, e pensar

conforme Walter Benjamin já apontava:

[…] processo de reprodução da imagem, a mão foi liberada das responsabilidades mais importantes, que agora cabiam unicamente ao olho. Como o olho apreende mais depressa do que a mão desenha o processo de reprodução das imagens experimentou tal aceleração que começou a situar-se no mesmo nível que a palavra oral. (BENJAMIN, 1986, p. 167).

Esta aceleração ganha ainda mais força com a internet, redes sociais e os

smartphones porque os registros do cotidiano possuem talvez uma existência única ou

uma autoridade única que seria a imagem. Assim, a noção de realismo “[...] foi

transmitido pela tradição, a partir de sua origem, desde sua duração material até o seu

testemunho histórico.”. (BENJAMIN, 1986, p. 167).

Se analisarmos o objeto, perceberemos que há uma inversão da estrutura da

memória do futuro, ou seja, a reconstrução do passado e causando uma reescritura

dessa hierarquia dos fatos de junho de 2013. (KRAPP, 2004). Talvez, esquecemos essa

revisão do passado por uma pretensa novidade das “novas mídias”, desta forma, as

mídias eletrônicas são interpretadas por muitos "[...] instrumentos de esquecimento, ou

como um meio de retorno ao antigo - como quando a Internet é vista como a

implementação do espírito Hegeliano.”. (KRAPP, 2014, p. XI, tradução nossa).

Esta reconstrução do passado através do uso da montagem, trazendo um

desafio para a memória cultural que é constantemente reconstruída pelo meio de

metáforas, acumulação, anotação ou correção, dispersão ou esquecimento. (KRAPP,

2014). Esta experiência da reduplicação ou o sentimento de que algo é familiar no

momento presente, causa no indivíduo a pergunta: "Eu vagamente lembro de ter

experimentado isso antes”. Ou também a frase: “Hmm, Eu estou tendo uma experiência

de Dèja Vu agora”. (KRAPP, 2014, p. X, tradução nossa). A partir destes conceitos, o

projeto de dissertação é direcionado a levarmos o papel dos grupos midiáticos nos

acontecimentos do cotidiano. As dificuldades de nomenclatura que impedem de ser

chamadas documentaristas ou repórteres se o ofício é similar e, como a popularização

da técnica audiovisual é demonstrada nos conteúdos audiovisuais? De que forma se

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aplica a teoria de Dziga Vertov do Cine-Olho? Finalmente, qual o papel da distribuição

destes “registros” nas plataformas de comunicação como “Twitter”, “Facebook” e

“Youtube”?

Referências

BAZIN, André; CARDULLO, Bert. On Why We Fight: History, Documentation, and the Newsreel (1946). Film & History: An Interdisciplinary Journal of Film and Television Studies, vol. 31 n. 1, 2001, p. 60-62. Project MUSE. Disponível em: <https://muse.jhu.edu/article/400679/pdf>. Acesso em: 01 ago. 2018.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 165-196.

KRAPP, Peter. Deja Vu - Aberrations of Cultural Memory. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2014.

KRIEGER, Renate. Ascensão da Mídia Ninja põe em questão tradicional no Brasil. Deutsch Welle. 01 ago 2013. s/p. Disponível em: <http://www.dw.com/pt-br/ascensão-da-m%C3%ADdia-ninja-põe-em-questão-imprensa-tradicional-no-brasil/a-16989948>. Acesso em: 01 ago. 2018.

MÍDIA NINJA. Ninja Ruas - 17/07/2013. Youtube, 2013. (04 min. 45 seg.). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pMu8vF5X4sI>. Acesso em: 01 ago. 2018.

XAVIER, Ismail (Org.). A Experiência do Cinema: antologia. Graal. Rio de Janeiro: Edições Graal, Embrafilme, 1983. v. n. 5. Disponível em: <https://www.academia.edu/7047622/38145313-Ismail-Xavier-A-Experiencia-Do-Cinema>. Acesso em: 01 ago. 2018.

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SEMIOFAGIAS XAMÂNICAS

Ricardo de Jesus Machado1 - UFRGS

Palavras-chave

Semiótica. Antropofagia. Comunicação. Antropologia. Filosofia.

Este resumo pretende apresentar os eixos gerais que articulam a pesquisa de

doutorado, ora em seu quarto semestre, que busca fazer uma aproximação entre a

Semiótica da Cultura de Lotman (1996 e 1998) e o Xamanismo de Davi Kopenawa

(2015), relacionando a antropofagia com a Comunicação. Reconhecemos o choque de

mundos que representa a aproximação entre saberes ocidentais estabilizados

cientificamente com os saberes ameríndios não reconhecidos pelo campo científico.

Não se trata tão somente de uma questão teórica, mas engendra dimensões imanentes

e transcendentes.

A investigação se insere na Linha de Pesquisa de Cultura e Significação. O

projeto de pesquisa teve como mote impulsionador a hipótese da possibilidade de uma

semiótica brasileira, que levou necessariamente aos povos nativos. Em específico aos

estudos sobre as cosmologias dos povos ameríndios. Disso partiu-se para os estudos

da antropologia e da autoetnografia.

Em termos metodológicos poderíamos dizer que o objeto de pesquisa é o

pensamento ameríndio e os objetos empíricos, que servem de base para as

aproximações teóricas, são o livro de Kopenawa A queda do céu (2105), os livros da

Coleção Tembetá – Sônia Guajajara (2017), Ailton Krenak (2017), Álvaro Tukano (2017)

e Kaká Werá (2017) – e o conjunto de entrevistas da edição 527 da Revista IHU On-

Line, intitulada Ore Iwy (2018). O problema de pesquisa até então posto é o seguinte:

Como o pensamento ameríndio produz semioses sobre o mundo? Antes de postular

uma possível hipótese dedutiva, que precisa ser muito melhor desenvolvida, é

necessário dar alguns passos atrás para explicar como chegamos até aqui.

A origem da pesquisa remete à minha monografia da especialização em

Filosofia intitulada Eu como outro. Ensaio de antropofagia filosófica (2017), que tinha

por objetivo pensar a antropofagia oswaldiana (1978) como uma “filosofia brasileira”.

Esse trabalho levou às leituras das obras de Viveiros de Castro (2002 e 2015). Dado

1 Doutorando no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Cultura e Significação, Orientado pela Profa. Dra. Nísia Martins do Rosário. Jornalista. Mestre em Comunicação e especialista em Filosofia pela Unisinos. E-mail para contato: [email protected]

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que é próprio do gesto antropófago tomar o lugar do Outro (da alteridade), passamos a

investigar como isso poderia engendrar formas de representação/interpretação dos

fenômenos, filiando-nos à tese perspectivista de Viveiros de Castro de que o ponto de

vista muda o mundo (2002).

Tal visão é capaz de produzir uma ruptura muito consistente em termos de

estudos da Comunicação. Isso porque nessa via teórica não haveria a possibilidade de

multiculturalismo, mas, sim, de multinaturalismo, de modo que há uma só cultura

expressa por mundos/naturezas distintos. Ocorre, porém, que o perspectivismo não é

exclusividade do pensamento ameríndio, encontrando eco nas teorias de Leibniz

(2009), Tarde (2018) e Peirce (2015), para ficar em três importantes exemplos. Portanto,

ao longo de todo o período da pesquisa fomos provocados a pensar o que seria a

especificidade do perspectivismo ameríndio em relação aos demais no que diz respeito

à produção de sentidos sobre o mundo. Tais estudos nos levaram à hipótese de que o

xamanismo é a mais particular forma de perspectivismo em relação às demais.

Perspectivas xamânicas

É muito comum no meio acadêmico o preconceito contra saberes outros que

não habitam a biblioteca de Alexandria. O Xamanismo é um desses saberes cujo

passaporte à cidadania acadêmica precisa ser ampliado para o campo da Comunicação.

Não exatamente porque os indígenas fazem questão (o que não me parece ser o caso),

mas sobretudo porque esse tipo de ciência tem muito a contribuir para a vida no planeta,

uma vez que o modo de vida Moderno tem levado à existência de todas as formas de

vida do globo ao colapso. Nesse sentido, o Xamanismo oferece uma nova organização

social, política e ambiental entre os diferentes seres que habitam o cosmos. Postulamos

que só é possível produzir uma fratura nesse sistema desde dentro, razão pela qual

trabalhamos o conceito e as conformações engendradas pelo Xamanismo desde a

Semiótica da Cultura de Lotman.

Para entender o Xamanismo é preciso um dedinho de prosa sobre o

perspectivismo. Basicamente a noção tem os seguintes pressupostos: todos nós

partilhamos de uma mesma cultura manifesta conforme os corpos/naturezas de quem

a observa – enquanto o ser humano bebe vinho ou cerveja a onça bebe o sangue

humano. Em ambos casos tratam-se de bebidas cerimoniais, não para saciar a sede, já

que nos dois casos é saciada com agua. “Só poderia ser assim, pois, sendo gente em

seu próprio departamento, os não humanos veem as coisas como a gente vê. Mas as

coisas que eles veem são outras: o que para nós é sangue, para o jaguar é o caium;

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(…) o que vemos como um barreiro lamacento, para as antas é uma grande casa

cerimonial.” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 379). Outro aspecto relevante é

considerar que todos veem o mesmo mundo, mas de mundos diferentes, o que muda o

valor semântico dos seres e dos objetos. Vejamos: tanto um engenheiro quanto um

guaxinim ao observarem uma árvore veem uma árvore, mas enquanto para o primeiro

a árvore é também a materialização de mesas e cadeiras, para o segundo é um local

onde ele pode encontrar alimentos, uma casa para habitar, um refúgio dos predadores,

etc.

Vale ressaltar que nas cosmologias ameríndias o ser humano não sofre da

violência de estar condenado a ser ele próprio por toda a vida, pois há espaços

ritualísticos de transes e trânsitos dos corpos2. Essa habilidade é o que possibilita a

existência do Xamanismo, pois “ser capaz de ocupar o ponto de vista é sem dúvida uma

potência da alma, [...] mas a diferença entre os pontos de vista – e um ponto de vista

não é senão diferença – não esta na alma. […] a diferença deve então ser dada pela

especificidade dos corpos.” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 380).

É próprio do Xamanismo engendrar um tipo de comunicação que se dá por

meio de uma dupla dobra da invisibilidade. Trata-se de uma comunicação de seres

invisíveis (afinal os xamãs não são reconhecidos como sujeitos dotados de

conhecimento científico) com seres invisíveis (aqueles seres da floresta capazes de

agência humana).

O xamanismo amazônico, como já disse, é a continuação da guerra por outros meios. Isso porém nada tem a ver com a violência em si mesma, mas com a comunicação – uma comunicação transversal entre incomunicáveis, uma comparação perigosa e delicada entre perspectivas onde a posição de humano está em perpétua disputa. A que cabe a posição de humano aqui? (VIVEIROS DE CASTRO, 2015, p. 171).

Basicamente o Xamanismo pode ser explicado como um estado de transe

estabilizado, que no caso de Davi Kopenawa se dá após um ritual de rapé – quando é

soprado nas narinas dele pó de yakoãna – e ele assume a perspectiva de espíritos

ancestrais, particularmente de uma espécie de vespa que permite ele tomar a

perspectiva desses seres para compreender questões relacionadas ao mundo

yanomami. Foi dessa forma que ele descobriu, por exemplo, que o motivo dos indígenas

de sua comunidade ficarem adoecidos estava relacionado ao descarte de dejetos de

2 Sobre o tema escrevi um artigo para a Intercom com o título Semioses da ayahuasca: transes e trânsitos entre o saber ancestral e a Semiótica da Cultura. Ainda não foram publicados os anais do evento.

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mineração no rio que corta a comunidade a dezenas de quilômetros de onde fica a

aldeia.

Talvez a principal contribuição do pensamento ameríndio esteja na absoluta

descrença à tese kantiana em relação à razão humana, da divisão do que é da ordem

do sujeito/cultura e do que é da ordem da natureza, isto é, ao dualismo da lei moral

dentro de si e do céu de estrelas sobre si. O pensamento ameríndio segue caminhos

outros, que não atendem a essa dicotomia. “As palavras de Omama e as dos xapiri3 são

as que prefiro. Essas são minhas de verdade. Nunca irei rejeitá-las. O pensamento dos

brancos é outro. Sua memória é engenhosa, mas está enredada em palavras

esfumaçadas e obscuras.” (KOPENAWA, 2015, p. 75). Para os indígenas nossas

palavras são obtusas e, parece-me, que há um fundo de profunda razão nisso. Sua

crítica volta-se para o fato de que elas não têm memória, razão pela qual somos

obsessivos em ficar observando as “peles de papel” (2015, p. 76), a forma como ele

chama os livros. O preconceito mais comum em relação ao Xamanismo é reconhecê-lo

tão somente em sua dimensão espiritual/transcendente, sem levar em conta a radical

relação imanente. “A partir de seus espelhos [os xapiri], revelam-nos a aproximação das

fumaças de epidemia, dos seres maléficos da floresta e dos espíritos do vendaval. Os

brancos não conhecem isso. No entanto, é assim que, desde sempre, nossos maiores

têm se tornado xamãs. Apenas seguimos seus passos.” (KOPENAWA, 2015, p. 142).

Na obra, Kopenawa se refere à poluição como fumaça do metal e atesta as implicações

do efeito estufa com a propriedade de um cientista climático.

Todo esse arranjo demonstra uma abertura semiótica sem par, de modo que a

produção de sentido sobre o mundo é mediada não somente por aspectos humanos,

mas por toda uma economia cosmológica entre diferentes seres, imanentes e

transcendentes. É a partir dessa economia que postulamos a hipótese de uma

semiofagia. Ou seja, a construção de semioses, nos termos de Lotman, que se dão por

essa relação antropófaga entre diferentes agências humanas, antropomórficas ou não,

onde há uma certa relação de troca recíproca – o xamã empresta sua agência humana

a outros seres para que seja capaz de produzir sentidos outros sobre o mundo.

A “resposta” ao problema de pesquisa apresentado no início do texto não está

colocada neste resumo porque segue em construção. Optamos por apresentar um

panorama geral da pesquisa para permitir um debate com mais subsídios.

3 Xapiri é o termo utilizado por Kopenawa para se referir aos espíritos da floresta.

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Referências

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______. Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

WERÁ, Kaká. Kaká Werá – Coleção Tembetá. Rio de Janeiro: Editora Azougue, 2017.

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OS MOVIMENTOS METODOLÓGICOS: CAMINHOS EXPERIMENTAIS NA PESQUISA EM COMUNICAÇÃO

Yvets Morales Medina1 - UNISINOS

Palavras-chave Metodologias. Transmetodologias. Travestis. Sujeitos comunicantes. Pesquisa em comunicação.

No trabalho aqui proposto vamos refletir sobre os movimentos metodológicos

feitos para realizar uma pesquisa com pessoas que se autodefinem como travestis: os

discursos, os corpos, a periferia como lugar de enunciação, o gênero como categoria

problemática. Assim, apresentaremos encontros e desencontros dentro do processo de

pesquisa do mestrado, o qual encontra-se na etapa final, no andamento da elaboração

da dissertação. Os movimentos metodológicos se constituíram em um desafio

transmetodológico (MALDONADO, 2009; 2011; 2012), a partir da compreensão

abrangente do método como uma dimensão que vai se construindo junto com os

problemas/objetos da pesquisa, portanto, sendo os mesmos não fixos e inamovíveis. O

reconhecimento do fluxo dinâmico e a vida orgânica dos problemas/objetos, bem como

da metodologia, se constituem em princípios fundamentais da nossa compreensão da

transmetodologia2. Para abordar a pesquisa em comunicação, foi importante proceder

à problematização metodológica, que se focou na observação atenta do objeto empírico,

nos levando, muitas vezes, a conformar um processo metodológico adequado ao nosso

problema/objeto.

Assim, uns dos desafios foi construir a metodologia, desde uma perspectiva

transmetodológica, na dimensão epistemológica, teórica, empírica, que nos permitisse

interagir com o sujeito da pesquisa (BOSI, 2004) em termos de equidade, respeito,

confiança, cumplicidade durante todo o processo investigativo. É dizer que, na pesquisa,

1 Mestranda no PPGCC Universidade do Vale do Rio dos Sinos/CNPq. Linha Cultura, Cidadania e Tecnologias da Comunicação, Orientada pelo Prof. Dr. Efendy Maldonado. E-mail para contato: [email protected] 2 Segundo Efendy Maldonado: “Uma opção epistémica que permite configurar alternativas enriquecedoras de investigação é a linha (concepção) estratégica transmetodológica que se caracteriza por: confluência de métodos; entrelaçamento das lógicas diversas (formais, intuitivas, para-consistentes, adutivas, experimentais e inventivas); estruturação de estratégias, modelos e propostas mistas, midiáticas, que interrelacionem os varios aspectos das problematicas comunicacionais [...].”. (MALDONADO, 2013, p. 33, grifos do autor).

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não só intervêm o pesquisador como sujeito ativo, como também os sujeitos da pesquisa

(as pessoas travestis), e seus entornos, que nos auxiliaram na escolha dos caminhos,

táticas e estratégias que desenvolvemos.

Na sequência apresento os movimentos metodológicos que foram

problematizados e teorizados na experiência da nossa investigação. Em um gesto de

organização didática vamos fragmentar os processos, antecipando que todos eles

dialogam e interacionam na consecução dos objetivos, respostas e questionamentos.

Pesquisa exploratória. Um processo que atravessa toda a metodologia se

constituindo numa coluna vertebral, capaz de ser a articuladora dos processos teóricos

e empíricos. Equivale a dizer que continuamos ainda fazendo movimentos exploratórios,

devido a dialética do problema/objeto, que necessita de uma atenta observação sobre

as mudanças, trocas e estancamentos, na lógica de uma exploração permanente das

teorias, do objeto empírico, das experiências, dos ambientes em que se desenvolvem

os sujeitos travestis. Essa condição faz com que as teorias e autores com os quais

dialogamos cada dia também estejam em permanente movimentação e tensão.

Pesquisa teórica. Acreditamos que nas primeiras escolhas teóricas feitas

intervieram nossos interesses, empatias com autores, escolas, teorias, porém, durante

a construção teórica, nos encontramos com autores que nos ajudaram a pensar e refletir

com maior amplitude e profundidade para com as problematizações planejadas para ir

até o desenvolvimento do espírito científico que nos desafia a desdobrar um

pensamento crítico no agir investigativo. Foi importante reconhecer que é o

problema/objeto a chave para ir ao encontro das teorias. Muitas vezes escutamos que

é um erro tentar enquadrar o problema/objeto nas teorias predefinidas, nossa

experiência confirma que é um erro mesmo, já que limita as possibilidades abrangentes

do processo da pesquisa. Sob essa perspectiva, levando em conta a

multidimensionalidade do problema/objeto, dialogamos com diferentes teorias e autores

que nos auxiliaram no recorte da pesquisa, como por exemplo: na dimensão

comunicacional trabalhamos com a metafora do “organismo”, de Lucien Sfez (2000), e

a proposta da “creatura”, de Gregory Bateson (1979). Estes nos permitiram entender os

processos comunicacionais dos sujeitos inseridos nos seus ambientes. Assim, os

contornos, entornos e sujeitos estariam em completa ligação e participação. Os

processos midiáticos foram entendidos como campos em disputa, olhados desde a

periferia como lugar de apropriações simbólicas, ressignificação das subjetividades,

tanto dos sujeitos como nos sistemas midiáticos. Além dos processos comunicacionais

e midiáticos, pensamos a construção de um sistema formado por corpo-discurso-gênero

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para desdobrar as possibilidades de interação e “relação rede” das categorias na

configuração do sujeito comunicante travesti. Refletimos com as teorias do poder,

disciplinamento e normalização com Michael Foucault (1998; 1999; 2005); gênero e

corpo com Judith Butler (1999; 2002) e Guacira Louro (1997). Os feminismos nos

auxiliam para entender algumas perspectivas do gênero e as transversalidades como

classe, etnia, raça, território.

Pesquisa empírica. A proposta é ir construindo tanto as reflexões teóricas,

como os caminhos metodológicos, de jeito orgânico junto com a pesquisa empírica.

Nosso problema/objeto abarca a configuração do sujeito comunicante travesti. Para

tanto, o trabalho empírico se focou nos sujeitos que se autodefinem como travestis e

seus entornos e contornos, traduzindo-se em dizer que o sujeito não é isolado no

processo da pesquisa, ele está inserido na complexidade dos ambientes sociais,

familiares, trabalho, políticos, organizativos que habitam. A experiência arquitetada a

partir da percepção do objeto empírico torna-se um sofisticado insumo no planeamento

da metodologia e seu futuro desdobramento. “Os estudos de metodologia e os mestres

da linguagem reconhecem que o processo metodológico nasce das leituras de mundo

e palavra que o investigador realiza no interior das significações do discurso” (ALVES,

2014, p. 101). Desta forma, uma vez mais estamos conscientes que a metodologia não

está pronta. Na nossa experiência, a percepção atenta do objeto empírico, junto com o

acompanhamento do sujeito da pesquisa, permitiu advertir a formulação de métodos

baseados numa experiência inicial, da construção da realidade/real idealizada.

Além desses processos aqui descritos, também tomamos contato com a

pesquisa da pesquisa (BONIN, 2011) que foi um mergulhar nas teses e dissertações

de pesquisadores que estão trabalhando a problemática travesti sob diferentes

perspectivas. Esse procedimento permite estabelecer um diálogo com as pesquisas dos

outros pesquisadores (os iguais), os quais em outras universidades nacionais ou

internacionais estão também pesquisando problemáticas relacionadas com a nossa, e

o reconhecimento desses trabalhos, nos ajuda, para ampliar o acervo de nosso campo

de pesquisa.

No momento atual estamos na sistematização do processo, e tentando

construir uma cartografia de histórias de vidas comunicacionais que nos permitam

explicar e refletir sobre as subjetividades dos sujeitos travestis inseridos nos processos

comunicacionais, tendo como matriz as subjetividades dos corpos em transição.

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Referências

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LOURO, Guacira. Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

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_____. Pensar os processos sociocomunicacionais em recepção na conjuntura latino-americana de transformação civilizadora. In: BONIN, Jiani e MARTINS DO ROSÁRIO, Nísia (Orgs.). Processualidades metodológicas: Configurações transformadoras em Comunicação. Florianópolis: Insular, 2013, p. 87-103.

SFEZ, Lucien; Crítica da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2000.

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GT ESTUDOS EM

CINEMA

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RASTROS E VESTÍGIOS. O GRÁFICO NA CINESCRITA DE AGNÈS VARDA

Giulianna Nogueira Ronna1 - PUCRS

Palavras-chave

Cinema. Gráfico. Agnès Varda. Cinescrita. Vestígios.

Se refletir o cinema hoje nos conduz aos lugares de encontros,

entrelaçamentos e contaminações, é por que alcançamos uma paisagem heterogênea

contrária a um esforço em categorizar, opor e especificar as artes, o que permite um

olhar naquilo que emerge do cruzamento entre as diversas linguagens e nas ocorrências

que atravessam a imagem cinematográfica.

É neste lugar que me coloco ao propor uma reflexão mais atenta e detalhada à

particularidade gráfica. Considerando o gráfico incluído na imagem (no registro

executado pela câmera ou na pós-produção), que se afirma como matéria fílmica,

presença visível e sensível, passando a responder aos tempos cinematográficos,

assumindo também os efeitos de montagem, enquanto recurso e substância narrativa.

Nessa perspectiva, o propósito não é tipificar ou classificar, mas sim abrir um

espaço para problematizar a forma como a instância gráfica contamina uma imagem no

espaço fílmico - sobretudo nos filmes de Agnès Varda - e assim, contribuir para o debate

acerca das ocorrências inscritas no ecrã, capazes de se interligar à narrativa,

reconfigurado os componentes visíveis e legíveis da imagem.

Agnès Varda transitou por diferentes formatos e gêneros, ao longo de mais de

meio século de trabalho. Com uma produção contínua e diversa, seu trabalho é marcado

por características muito particulares onde a narrativa é constantemente subvertida a

favor da sua concepção de linguagem cinematográfica, o que ela chama de cinescrita,

do francês cinécriture.

Para a cineasta, seu trabalho se legitima na expressividade e autenticidade que

emergem do ritmo e dos elementos que compõem as imagens. Nada está ali sem

objetivo: espaço, cores, música, forma, objetos, falas, são dispostos cuidadosamente,

amparados pela técnica e pela linguagem, formando uma estrutura que organiza a

1 Mestranda no PPGCOM da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Linha Cultura e tecnologias das imagens e dos imaginários. Orientada pelo Profa. Dra. Cristiane Freitas Gutfreind. E-mail para contato: [email protected]

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história e traduz uma marca, uma autoria. Portanto, uma assinatura, uma escrita. Tudo

é rigorosamente estruturado, todos os elementos convergem para uma atmosfera

específica.

Segundo Mcguire (2004), o cinema vardiano se constitui não somente em uma

relação com a linguagem, mas principalmente por suas particularidades: toda presença,

e também ausência, é escolhida com rigor e precisão, compondo uma geografia interna

que dá ritmo às imagens, fundamentando a expressividade do seu cinema. São

decisões atentas e estruturadas pela própria cineasta que assina, na grande maioria

dos seus filmes, não apenas direção, como também roteiro, narração e montagem.

Dito isto, trabalho com a perspectiva de que a instância gráfica nos filmes de

Agnès Varda cria visualidades que ganham luz a partir de uma concepção

cinematográfica que privilegia um tipo de escrita de imagens, em arranjos tipográficos

variados, em traços, linhas e desenhos. Um cinema de natureza gráfica, no qual a

câmera muitas vezes percorre os espaços repousando em placas de trânsito, cartazes,

muros, painéis, em um trajeto particular que rompe com as escolhas usuais, como um

filtro que subverte um padrão de imagem e conteúdo.

Para tanto, ao investigar as relações entre o cinema e o gráfico, levo em conta

as possíveis tensões e resistências que esta contaminação convoca, uma vez que é

capaz de desestabilizar a imagem, constituindo uma visualidade além da sua

representação, o que aproxima a reflexão do conceito de filme-texto de Dubois (2004):

não somente um elemento fílmico, mas o próprio filme em sua premissa enunciativa;

quando a palavra é acomodada na imagem e esta ajustada a uma outra qualidade.

Partem daí algumas questões transversais que auxiliam nos processos desta

investigação: considerando que o gráfico, quando inscrito na película, não apenas

aparece, mas age no interior da imagem, trago o conceito de vestígio, em

desdobramentos enquanto voz e lugar, para amparar as categorias de análise dos

filmes, uma vez que possibilita auxiliar a reflexão do gráfico como um recurso que revela

rastros, presenças e ausências.

Arrisco dizer que a forma como a cineasta realiza sua cinescrita, utiliza o gráfico

como um recurso estético que explora os rastros na construção daquilo que não é nem

visível, nem tangível, mas lá está, presente e ausente, como uma imagem dialética que

desestabiliza essas posições. A partir de Derrida (2001), entendo esse rastro como um

movimento entre a presença e a ausência, um entre liberto das dicotomias rígidas, em

uma relação que procura distender tais polaridades. Indo na direção daquilo que Didi-

Huberman (2010) também aponta como dialética do visivel, quando o ver é também um

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tensionamento entre o apagamento e a evidência, comparecimento e desaparecimento,

e o traço, não uma presença, mas o simulacro da mesma.

A voz e o lugar, viabilizam a reflexão centrada na percepção dos vestígios, a

partir do gráfico, enquanto recurso estético que se posiciona como a presença de uma

voz; explorando o rastro do eu-narrador; de uma voz que emerge do silêncio do gráfico:

um gráfico-voz que diz algo sobre o filme que o próprio filme não é capaz de dizer. Bem

como, uma presença que contribui para a construção dos lugares de memória, naquilo

que agrega o que foi e o vir a ser, desestabilizando a relação entre passado e presente;

onde a materialidade da memória torna possível a aproximação de um passado

eclipsado; onde a rememoração aproxima tempos distintos; daquilo que já não esta mais

presente, mas deixa seu rastro, encontrando seu lugar em algum objeto. Um gráfico-

lugar, dando a ver as relações entre as imagens e a memória; conferindo uma espessura

a este lugar, na perspectiva social, histórica e política que o gráfico é capaz de

transportar.

Alcanço estas figuras que sugerem o lugar em placas, letreiros, cartazes, bem

como, nas formas tipográficas ou ilustrações presentes em objetos. E a voz, nos

recursos técnicos como primeiros planos e transições de foco que privilegiam o gráfico

na composição do quadro. Tomando tais figuras como uma marca estética, presente em

um tipo de visibilidade, que convoca algo que não está ali, mas se faz presente por

rastros e vestígios.

Exposto isto, este trabalho tem como objetivo investigar como se configura o

gráfico na cinescrita da cineasta Agnès Varda, ao considerar a forma como esta

instância se apresenta e como ela atua nos filmes observados. Avançando nos

seguintes objetivos específicos: efetuar uma aproximação da cinescrita vardiana para

alcançar suas principais marcas, auxiliando na compreensão de como o gráfico ali se

apresenta; mapear o gráfico nos filmes a serem observados verificando como ele

aparece na imagem; refletir a escrita no cinema enquanto inscrição na película e o

próprio cinema como uma forma de escrita, uma vez que tal reflexão oportuniza o exame

das formas de atravessamento, entrelaçamento e contaminação do gráfico na imagem.

Para tanto, o aporte teórico central parte dos seguintes autores: Philippe Dubois

(2004) e Jean-François Lyotard (2005) para uma compreensão do figural no cinema que

perpassa a reescrita das figuras que reconfiguram o visível, o legível e o dizível; em

Jacques Derrida (2001), Walter Benjamin(2006) e Didi-Huberman (2010) busco os

conceitos de traço, rastro e vestígio para amparar as categorias de análise da pesquisa,

bem como, reflexões sobre a memória e as visualidades.Trago também os autores Clara

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Rowland (2015) e Tom Conley (2015), pesquisadores do projeto Falso Movimento,

Estudos sobre Escrita e Cinema, do Centro de Estudos Comparatistas, da Faculdade

Letras/ Universidade de Lisboa, para explorar as relações entre escrita e cinema na

perspectiva das interferências, sobreposições e transposições, que apontem para uma

reflexão acerca das formas de representação e desestabilização no cruzamento da

palavra e do gráfico com o cinema.

Identifico, assim, um percurso que ampara a problemática aqui levantada,

manifesta em questionamentos que me acompanham até o momento: de que modo as

formas de aparição e atravessamento desse gráfico, enquanto inscrição na superfície

fílmica, seriam capazes de promover rupturas, modificando internamente o filme e a

percepção do mesmo? o que emerge dessa contaminação dos elementos gráficos

inscritos na película? Se voz e lugar ali aparecem, como a cinescrita vardiana utiliza o

gráfico como um recurso para potencializar essas figuras?

Referências

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BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: UFMG, 2006.

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DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

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ROWLAND, Clara. A Escrita No Cinema: ensaios. Lisboa: Documenta. 2015.

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A POLÍTICA DO COTIDIANO EM OS SETE GATINHOS: UMA PROBLEMATIZAÇÃO CONCEITUAL A PARTIR DAS REPRESENTAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS DAS PORNOCHANCHADAS

Guilherme Fumeo Almeida 1 – UFRGS

Palavras-chave Política do cotidiano. Pornochanchadas. Os Sete Gatinhos.

Este trabalho se configura enquanto recorte de uma tese de doutorado em

andamento e pretende apresentar as bases iniciais da relação entre o conceito de

política do cotidiano e a análise das dinâmicas sociopolíticas expressas nas

pornochanchadas através do exemplo do filme Os Sete gatinhos (Neville d´Almeida,

1980), adaptação cinematográfica da peça homônima de Nelson Rodrigues. Para fazer

a ponte entre o conceito e sua presença no objeto em análise, o estudo será estruturado

a partir de duas diretrizes: a) a problematização do conceito de política do cotidiano,

que, neste momento, toma como ponto de partida o diálogo com perspectivas

complementares da noção de poder e b) a aplicação das bases deste conceito

relacionada à análise do filme, considerando as especificidades de Os Sete gatinhos

enquanto pornochanchada pertencente a uma determinada fase de tal gênero

cinematográfico brasileiro e inserida no contexto sociopolítico do país nesta época.

Assim, a pergunta problema que norteia a discussão é: De que forma é possível

problematizar as bases do conceito de política do cotidiano a partir da análise das

pornochanchadas, através do exemplo de Os Sete gatinhos?

Pensando na construção do conceito de política do cotidiano a partir do diálogo

com a noção de poder, serão levadas em considerações duas perspectivas desta noção:

a de Pierre Bourdieu (2009) e a de Michel Foucault (1979), vistas dentro de um conjunto

complementar. Na perspectiva de Bourdieu, chega-se à ideia de um poder simbólico, se

relacionando com o papel das ideologias como representantes de interesses

1Doutorando no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Mediações e Representações Culturais e Políticas, Orientado pela Profa. Dra. Miriam de Souza Rossini. E-mail para contato: [email protected].

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particulares que se mostram enquanto coletivos e que impactam na configuração das

relações de poder.

Em termos de função política, o poder simbólico conta com a atuação dos

sistemas simbólicos, que cumprem o papel de instrumentos de imposição ou de

legitimação de formas de dominância de violência simbólica (de uma classe em relação

à outra, por exemplo) e de domesticação. Consolidando e camuflando suas relações de

força, para ser efetivo, este poder precisa ter sua legitimidade reconhecida, o que ocorre

através de uma “relação determinada – e por meio desta – entre os que exercem o poder

e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se

produz e se reproduz a crença” (BOURDIEU, 2009, p. 15).

Dentro da relação que os indivíduos constroem com o mundo social, o poder

simbólico se manifesta através da cumplicidade entre as atitudes e a posição de cada

indivíduo, que por sua vez acarreta um processo de posse do possuidor por aquilo que

ele possui, acredita ter legitimidade em possuir e deseja continuar possuindo. Este

processo gera um jogo de dominância, que se pauta pelo disfarce das relações de força

próprio ao exercício do poder simbólico, dentro de uma dinâmica social marcada por

regramentos econômicos, sociais, políticos e ideológicos, com os últimos tendo como

um de seus principais marcos o uso do corpo. Por meio da manipulação corporal, são

ativados os mais variados mecanismos de dominância, especialmente em relação às

mulheres, sobre os modos de se movimentar, se pronunciar e esconder certas partes

corporais, como os seios e as pernas.

Na perspectiva de Foucault (1979), por sua vez, a análise do poder pelo seu

lado interno, pelos seus instrumentos de dominação e manutenção, é substituída pela

problematização da sua faceta externa, através da compreensão dos modos de

funcionamento dos processos de sujeição dos corpos e orientação dos comportamentos

sociais. Pela perspectiva foucaultiana, portanto, o poder não pode ser dividido entre

dominantes e dominados: ele circula e é exercido por meio de um processo contínuo

em rede, dentro da construção de uma cadeia de relações. Nesta cadeia, a circulação

do poder passa pela mutação constante do papel do indivíduo enquanto quem tanto

exerce quanto é alvo do poder.

Dentro deste processo circulatório, a sexualidade se destaca enquanto objeto

de mecanismos de controle e repressão, dentro da produção de um dispositivo que foi

inicialmente aplicado ao corpo, aos órgãos sexuais e aos prazeres para depois ser

ligado ao sexo em si. A consequência foi a formação de um conjunto de sentidos

materializado no discurso de sexualidade enquanto valorização central do sexo.

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Ao destacar a dinâmica do cotidiano em tempos autoritários, em uma análise

que dialoga com as perspectivas de estudo do poder propostas por Bourdieu e Foucault,

Ximena Barraza (1980) defende a capacidade da imaginação artística de captar as

dinâmicas da vida cotidiana sob a ordem autoritária, assimilando as subjetividades que

se materializam enquanto efeitos da vivência dos indivíduos em tempos de autoritarismo

político. Através desta capacidade das manifestações artísticas, como as ficções

cinematográficas, é possível apreender as consequências da ordem autoritária no dia a

dia, como o ensimesmamento e o encerramento em dinâmicas familiares, dentro de

uma falta de comunicação dos indivíduos com seu espaço e seu tempo. Este processo,

aponta Barraza, também está relacionado ao disciplinamento de cada relação social,

fazendo com que todas elas sejam economicamente rentáveis e politicamente

dominadas, dentro de um processo abrangente de pacificação e domesticação.

Centrada em uma dramaturgia que transformava em temas elementos de

sedução e de humor ambíguo, a pornochanchada também se fortaleceu enquanto

gênero cinematográfico que representava e sofria os reflexos de seu tempo. Nuno Cesar

Abreu (2002) vincula o erotismo da pornochanchada a um determinado contexto social

e considera-o enquanto comercialização de versões sobre questões sociais e sexuais

dos anos 1970 e início dos 1980. A partir desta lógica de comercialização, a construção

narrativa se pautava pela apresentação e resolução de algum conflito sexual, com o seu

desfecho resultando em elementos eróticos como sedução, voyeurismo ou formas de

violência. A partir do final dos anos 1970, tal lógica aproximou o gênero de uma

abordagem mais dramática, em que um contexto político de ditadura, com autoritarismo

político e crise econômica, era refletido em títulos que substituíam a leveza da comédia

erótica pelo drama sexual, nos quais o desencanto social se ligava ao sexo de formas

muitas vezes trágicas.

Inserida neste contexto sociopolítico e cinematográfico, enquanto

pornochanchada com forte viés dramático, Os Sete Gatinhos faz uma representação do

cotidiano da família de classe média baixa do contínuo da Câmara dos Deputados

Noronha (Lima Duarte), que vive no subúrbio do Rio de Janeiro com a esposa, Aracy

(Telma Reston), a quem chama de Gorda, e as cinco filhas. Chefe de família violento,

moralista, irritadiço e oscilante, Noronha tenta desesperadamente se impor perante a

esposa e as filhas, ao mesmo tempo em que se sente fracassado por sua posição social

subalterna.

Muitas vezes, Noronha falha em ser reconhecido, dentro da ideia do poder

simbólico de Bourdieu (2009), como o chefe de família que une os demais em torno de

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suas vontades, sendo desafiado em alguns pontos da trama até sua deposição mortal

do posto de dominância paterna no fim do filme, com Aracy e as filhas suplantando seu

poder familiar a punhaladas. Ao mesmo tempo, até certo momento, Noronha consegue

mobilizar a família em torno da consagração da pureza da filha caçula, Silene (Cristina

Aché), através de um casamento imaculado e com enxoval completo, sacrificando assim

a situação moral e material das outras filhas, que são obrigadas a se prostituir. Em sua

obstinação pela moralidade, por um lado, e pelas concessões imorais em defesa desta

obstinação, por outro, o contínuo encarna as ideias de dominância e domesticação dos

sistemas simbólicos.

Problematizando a análise foucaultiana do poder em Os Sete Gatinhos, dentro

da construção da política do cotidiano da família de Noronha, a defesa familiar da pureza

de Silene deixa de ser analisada enquanto um instrumento de dominação de Noronha

para ser encarada enquanto um elemento nesta cadeia de relações em que todos

podem tanto sofrer quanto exercer o poder, como consolida a construção do filme e sua

deposição mortal do pai enquanto baluarte do disciplinamento familiar. Na dinâmica

desta cadeia, o moralismo obsessivo de Noronha em torno da pureza de Silene se

mostra como uma forma de dispositivo de sua influência familiar através da sexualidade.

Ela deveria se manter imaculada até o casamento, e quando sua gravidez é descoberta,

o pai continua a controlar a sexualidade dela e das outras filhas tornando-as prostitutas

dentro da própria casa como uma punição do prazer da instância de controle paterna à

fuga da norma, da ideia de pureza.

Dentro desta dinâmica familiar ensimesmada e opressiva, representação de

um espírito do tempo politicamente autoritário, no qual as relações sociais são

disciplinadas em termos de rentabilidade econômica e dominação política, como aponta

Barraza (1980), Noronha consolida um domínio, uma política do cotidiano sobre a

esposa e as filhas fortemente baseada na simbiose entre moralidade e mercantilização.

Morto Noronha, a casa familiar segue neste ritmo de mercantilização, com Aracy

controlando o lar que ainda se configura também enquanto bordel, mostrando a

perpetuação de mecanismos de controle social que sobrevivem às mudanças nas

dinâmicas de poder.

Referências

ABREU, Nuno Cesar. Boca do Lixo: cinema e classes populares. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2002.

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BARRAZA, Ximena. Notas sobre a vida cotidiana numa ordem autoritária. In: MAIRA, Luís et. al. América Latina: novas estratégias de dominação. Petrópolis: Vozes, 1980. p. 135-167.

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro; Bertrand Brasil, 2009.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

OS Sete Gatinhos. Direção: Neville D´Almeida. Produção: Scarlet Moon; Nelson Rodrigues e Neville D´Almeida. Intérpretes: Thelma Reston; Cristina Aché; Regina Casé; Lima Duarte e outros. Roteiro: Gilberto Loureiro; Nelson Rodrigues e Neville D´Almeida. Música: Roberto Carlos e Erasmo Carlos. Rio de Janeiro: Cineville Produções Cinematográficas; Embrafilme e Terra Filmes, 1980. 109 min, color. Baseado na peça “Os Sete Gatinhos” de Nelson Rodrigues.

SIMÕES, Inimá. Sexo à brasileira. Revista ALCEU - v.8, n.15, jul./dez. 2007.

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MONICA SCHMIEDT: O PROTAGONISMO DA MULHER ATRÁS DAS CÂMERAS NO RIO GRANDE DO SUL

Priscila Rigoni1 - PUCRS

Palavras-chave

Cinema. Rio Grande do Sul. Relações de gênero. Monica Schmiedt.

Este trabalho é oriundo de um projeto de dissertação desenvolvida no

Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul, financiado pela CAPES e sob orientação do professor Dr. João

Guilherme Barone. Esta pesquisa tem como intuito discorrer sobre a participação de

mulheres em postos de trabalho de hierarquia mais elevada nas equipes de produção

de cinema. O recorte temático é o estudo da atuação de Monica Schmiedt como mulher

produtora e diretora de ficção e de documentários no Rio Grande do Sul.

Minha motivação para realizar este trabalho decorre da minha trajetória

acadêmica em estudar produções audiovisuais entrelaçando com questões de gênero

e feminismo. Além disso, nas buscas realizadas em repositórios da CAPES e de

universidades, percebi que existem poucas pesquisas relacionadas a mulheres que

atuam em equipes de produção audiovisual no Brasil. Especificamente no Rio Grande

do Sul, da mesma forma, foram contemplados escassos trabalhos acerca deste tema.

O ambiente audiovisual, ainda é predominado por homens, de acordo com uma

pesquisa desenvolvida pela Agência Nacional do Cinema (ANCINE)2 que explana em

dados quantitativos a presença de mulheres no Audiovisual Brasileiro. Nesta pesquisa

foram analisadas 2.583 obras que compreendem documentários, ficção, vídeo musical,

variedades, animação e reality-show, na categoria referente à participação geral

exclusiva de mulheres, as estatísticas são as seguintes: 17% na direção, 21% roteiro,

41% produção executiva, fotografia 8% e arte 58%. Dessa forma, percebe-se a

desigualdade destoante em relação à participação de mulheres e homens no mercado

1 Mestranda no PPGCOM da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Linha Cultura e Tecnologias das Imagens e dos Imaginários, Orientada pelo Prof. Dr. João Guilherme Barone Reis e Silva. E-mail para contato: [email protected] 2 Presença Feminina no Audiovisual Brasileiro. Disponível em: <https://www.ancine.gov.br/sites/default/files/apresentacoes/2017%20-%20Mulheres%20-%20Forum%20Telas%20nov.pdf>. Acesso em: 19 set. 2018.

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de trabalho audiovisual, que, possivelmente, tenha relação com fatores históricos e

culturais que envolvem questões de gênero e imaginários referentes aos papéis sociais

designados aos homens e às mulheres.

Segundo Saffioti (2001), em sociedades diversas, entre elas a brasileira, é

comum observar o desempenho de funções desiguais entre homens e mulheres. São

atribuídos papéis distintos para cada um dos gêneros, com base em argumentos

biológicos. O espaço doméstico é reservado para as mulheres devido à sua capacidade

de serem mães. Portanto, conforme a autora, é uma característica dos seres humanos

naturalizar fenômenos sociais, tornando-se difícil apartar natureza e aquilo que foi

transformado em um processo social. Isso explica porque é considerado normal e

incontestável que as mulheres ocupem o âmbito privado, enquanto os homens se

apropriam de espaços públicos.

Manghirmalani (2018) ao resenhar sobre o livro Feminino e plural: mulheres no

cinema brasileiro, que foi organizado por Karla Holanda e Marina Cavalcanti, ressalva

que a participação de mulheres em áreas artísticas do cinema existe desde o princípio

das atividades do mercado audiovisual, contudo, durante muito tempo, elas foram

omitidas por questões culturais, de forma que somente os homens têm sido exaltados

nesta área. Portanto, este livro trata, de certa forma, de um resgate da memória da

atuação das mulheres na produção e na realização de cinema, bem como, atua como

um manifesto que reivindica devida atenção acerca da autoria de mulheres na história

do âmbito cinematográfico do Brasil. Em 1930, foi lançado o primeiro filme dirigido por

uma mulher no país, Jacyra Martins de Oliveira, que adotou o pseudônimo de Cléo de

Verberena. Verberena lançou o filme intitulado o Mistério do dominó preto, porém, ela

recebeu duras críticas, e há registros de documentos da época que divulgavam Cléo

como atriz ou em fotos posadas em estúdio, nunca em retratos dela dirigindo ou

liderando sua equipe.

De acordo com Holanda (2015), entre os anos 1960 e 1970 no Brasil, várias

mulheres iniciaram suas atividades como diretoras de cinema, de maneira que a

abordagem temática de diversos destes filmes dizia respeito aos assuntos de interesse

das mulheres, como inserção no mercado de trabalho e na política, aborto, filhos,

feminismo e indagações acerca dos modelos patriarcais dominantes.

Conforme Becker (1986), devido à prosperidade econômica no Brasil nos anos

1970, ocorreu uma mudança no cenário cinematográfico no Rio Grande do Sul, fazendo

com que este ocupasse, entre os anos 1970 e 1973, a terceira posição atrás de Rio de

Janeiro e São Paulo em relação à quantidade de produções cinematográficas. O autor

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destaca que os primeiros filmes abrangiam a temática da representação da figura do

gaúcho inserido em um cenário campesino e rústico. Essa representação salienta o

imaginário de uma cultura reconhecidamente machista.

Becker ainda salienta nomes que atuaram na direção e na produção dos

primeiros filmes realizados no estado, contudo, a maioria é referente aos homens, de

forma que as mulheres ganhavam notoriedade no âmbito cinematográfico somente

como atrizes. A revisão acerca da história do cinema gaúcho que o autor faz, traz a

dúvida se presença de mulheres na produção e na autoria de filmes no Rio Grande do

Sul em seus primórdios foi omitida, por um lado; e, por outro, se realmente o campo do

cinema não tinha inserção de mulheres a não ser como atrizes.

Monica Schmiedt, uma mulher que exerceu de forma ativa no cenário

audiovisual em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, começou sua trajetória no cinema

nos anos 1980, durante o movimento dos longas-metragens gravados em super-8 e,

posteriormente, em 35mm. Ademais, ela foi uma das fundadoras da Casa de Cinema

de Porto Alegre, junto com um grupo de amigos. Como produtora executiva, Monica

trabalhou com diversas produções reconhecidas, entre elas, o documentário Ilha das

Flores, em 1989, que recebeu diversos prêmios. Além do reconhecido curta-metragem,

ela atuou também na produção executiva do filme O Quatrilho que foi indicado ao Oscar

de melhor filme estrangeiro em 1996. Como diretora, ela realizou os documentários

Doce Brasil Holandês (2010) e Extremo Sul (2004).

Esta pesquisa se caracteriza pelo diálogo entre áreas do conhecimento tais

como a Ciência da Comunicação e as Ciências Humanas. Como instrumentos

metodológicos serão utilizados a pesquisa documental para fazer um mapeamento das

obras produzidas e dirigidas por Monica Schmiedt, levando em consideração estes

aspectos: título, ano de produção, gênero, sinopse, duração, direção, área de atuação

de Monica Schmiedt. Além disso, serão feitas entrevistas semiestruturadas, com

pessoas que trabalharam com Monica, sendo que o roteiro da entrevista contempla as

seguintes categorias: experiência, feminismo, dominação masculina e mercado de

trabalho no âmbito cinematográfico.

Dessa maneira, a abordagem teórico-metodológica acerca-se do conceito de

memória, de Maurice Halbwachs, que é apresentado no texto de Schmidt e Mahfoud

(1993). Para Halbwachs, a memória é sempre construída em grupo, mas também se

trata de um trabalho do sujeito, porque um indivíduo que lembra está inserido e habitado

por grupos. Para fazer isto, é primeiramente necessário percorrer pelo significado do

grupo, como requisito para a concepção da memória. Este grupo de referência precisa

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ser necessariamente um grupo no qual determinado indivíduo já fez parte, e pelo qual

tenha estabelecido certa identificação, bem como pensamentos em comum no seu

passado. A presença física não é necessária, o que tem relevância é o resgate dos

modos de pensamento e das experiências comuns deste grupo, este processo coletivo

constitui a lembrança. Assim, é possível lembrar e pensar um determinado membro

deste grupo. Portanto, as entrevistas com o grupo ou grupos nos quais Monica Schmiedt

esteve inserida em seu âmbito de trabalho, irão viabilizar o reconhecimento, no sentido

de visto e vivido coletivamente, assim como a reconstrução, que resgata

acontecimentos e vivências contextualizadas nos aspectos de interesses e de

inquietações relativos ao presente.

Referências

BECKER, Tuio. Cinema Gaúcho: uma breve história. Porto Alegre: Movimento, 1986.

BRASIL. Agência Nacional de Cinema. Disponível em: <https://www.ancine.gov.br/sites/default/files/apresentacoes/Presença%20Feminina%20-%20RCM%202.pdf>. Acesso em: 19 set 18.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.

HOLANDA, Karla Documentaristas brasileiras e as vozes feminina e masculina. Rio de Janeiro: Significação, 2015.

MANGHIRMALANI, Juily. Sobre Karla Holanda e Marina Cavalcanti Tedesco. (Orgs.) Feminino e plural: mulheres no cinema brasileiro. Campinas, SP: Papirus, 2017, 225 pp., ISBN: 978-85-449-0265-3. In: Revista de la Asociación Argentina de Estudios de Cine Y Audiovisual. Disponível em: <www.asaeca.org/imagofagia>, n. 17, 2018, ISSN 1852-9550.

SAFFIOTI, Heleieth. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 2001.

SCHMIDT, Maria Luisa Sandoval; MAHFOUD, Miguel. Halbwachs: memória coletiva e experiência. Periódicos Eletrônicos em Psicologia. São Paulo, 1993, vol.4, n.1-2, p. 285-298.

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RECEPÇÃO CINEMATOGRÁFICA: PERCURSO SOBRE AS CONCEPÇÕES DO CONCEITO DE VISUALIDADE

Suelem Lopes de Freitas1 - UFRGS

Palavras-chave

Visualidade. Recepção cinematográfica. Estudos culturais.

Este resumo propõe fazer uma discussão teórica que compõe os apontamentos

iniciais para a dissertação em desenvolvimento sobre a recepção cinematográfica. O

objetivo é problematizar os modos de ver do receptor de cinema. Para tanto é realizada

uma incursão sobre pesquisas produzidas acerca do conceito de visualidade realizadas

em diversas áreas, tais como História da Arte, Ciências Sociais, Antropologia, Filosofia

e Comunicação.

Ulpiano de Meneses (2005) ao introduzir o livro, O imaginário e o poético nas

Ciências Sociais, com o texto Rumo a uma “História Visual”, apresenta três dimensões

necessárias para que se pense a visualidade na História: o visual, o visível e a visão.

Através desses três grandes feixes de questões, o autor explica que não pretende definir

epistemologicamente o que é história visual, mas sim apontar a necessidade de

investigar o campo do visual por via desses “eixos gravitacionais que se relacionam”

(MENESES, 2005, p. 35). O texto de Meneses destaca-se pela forma que o autor

organiza e sintetiza a estrutura da visualidade. Assim, ele propõe uma reflexão frente

aos fenômenos visuais em busca da “dimensão visual presente em todo o social”

(MENESES, 2005, p. 35). A seguir, explicamos as três dimensões para tentar localizar

o enfoque desta pesquisa.

O primeiro eixo, o visual, abrange a “iconosfera”, que é formada por “imagens-

guia”, que através da recorrência, tornam-se referência de grupos sociais ou da própria

sociedade. Conforme o autor coloca, para ela ser descrita é necessário que, antes, se

investigue os sistemas de comunicação visual e os ambientes visuais das sociedades.

E, além disso, pesquisar as imagens que constroem esse ambiente significa investigar:

1 Mestranda no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Cultura e Significação, Orientada pela Profa. Dra. Nilda Jacks. E-mail para contato: [email protected]

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[...] as instituições visuais ou os suportes institucionais dos sistemas visuais (p. ex., a escola, o museu, o cinema [...]), as condições técnicas, sociais e culturais de produção, circulação, consumo e ação dos recursos e produtos visuais. (MENESES, 2005, p. 35).

Já o visível pertence ao âmbito das formações de regras, do fechamento, do

poder de escolha. Representa o domínio do poder e do controle, o ver/ser visto, dar-

se/não se dar a ver, os objetos de observação obrigatória [...], as prescrições culturais

e sociais e os critérios normativos de ostensão ou discrição - em suma, de visibilidade

e invisibilidade2. Meneses inclui, aqui, três focos: o “regime escópico”3 (pensamento

produzido a partir do campo do cinema, onde se identifica a passagem para um modelo

em que ha “tecnologias do olhar” produzindo um novo contexto cultural da visão); a

espetacularização da sociedade (sociedade do espetáculo, em que há relações

mediadas por imagens, onde o espetáculo se torna o próprio capital); o oculocentrismo

(“privilegiamento epistemológico da visão, cuja hegemonia caracteriza a modernidade”),

superioridade do sentido da visão como forma de acesso ao mundo). O autor também

acrescenta a “invisibilidade” como fator a ser investigado no campo do visível, e a coloca

como expressão da desmaterialização que ocorre contemporaneamente na vida social:

“o sensoriamento remoto, o diagnóstico médico por imagens, o desaparecimento da

compreensão de tempo e espaço como categorias de experiência.”. (MENESES, 2005,

p. 36-37).

Dentre estes seguimentos, o que mais se aproxima do receptor é o terceiro, a

visão, que “compreende aos instrumentos e técnicas de observação, o observador e

seus papéis, os modelos e modalidades do olhar (olhar de relance, o olhar patriarcal, o

olhar reificador, o olhar masculino, o olhar turístico, o olhar erótico, o olhar casto, etc.”.

Para esse enfoque, Meneses retoma alguns pontos das questões discutidas por

Jonathan Crary a respeito do surgimento da figura do observador, o autor expõe que,

“[...] a visão é uma construção histórica, que não ha universalidade e estabilidade na

experiência de ver e que uma história da visão depende de muito mais do que de

alterações nas práticas representacionais.”. (MENESES, 2005, p. 38).

2 “A ideia de que certas coisas são visíveis ou não em certos contextos culturais gera novas questões em torno de noções de visibilidade e invisibilidade: por exemplo, se elas sempre funcionam como processos de exclusão ou se o fato da invisibilidade pode fornecer espaços privilegiados.” (CHANEY, 2000, p. 114). 3 A expressão “regime escópico” foi utilizada primeiramente por Christian Metz (1980), na obra O Significante imaginário. Mas Martin Jay é quem o utiliza amplamente; no texto Scopic Regimes of Modernity, Jay (1988) sistematiza três subculturas visuais dentro do regime escópico moderno: a perspectiva cartesiana; a arte da descrição e o Barroco.

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Jonathan Crary (2012), no ensaio Técnicas do Observador, trata do

aparecimento da figura do observador que acompanha o surgimento da modernidade,

além de abordar as mudanças epistêmicas dos modelos clássicos de visualidade. O

autor coloca que ha uma “pluralidade de forças e regras que compõem o campo no qual

a percepção ocorre” (CRARY, 2012, p. 15), uma dessas forças é a criação de

dispositivos ópticos que surgiram no século XIX.

Nessa obra, o autor deixa explícito que na sua visão a definição da sociedade

se dá por uma coleção de coisas, por diversas forças e não unicamente por suas

ferramentas. Para Crary, não é possível reduzir uma história do observador às

transformações técnicas: “As ferramentas só existem em relação às combinações que

possibilitam ou que as tornam possíveis.” (CRARY, 2012, p. 17), ou ainda, existem como

“efeito de um sistema irredutivelmente heterogêneo de relações discursivas, sociais,

tecnológicas e institucionais.” (CRARY, 2012, p. 15). Ou seja, as tecnologias junto das

relações sociais, da vida cotidiana e dos aspectos culturais são colocados como

responsáveis por mudanças na percepção do observador.

A abordagem de Crary é importante, pois ela abre espaço para a discussão de

uma perspectiva que vai para além das técnicas, permite observarmos as relações

culturais que são produzidas em determinados espaço-tempo, para que as visualidades

do espectador se modifiquem. Nesse sentido, podemos pensar que nós transformamos

as imagens e elas nos transformam.

Martin Jay (1996), organizou o livro Vision In Context: Historical and

contemporary perspectives on sight, em que aponta uma “virada figurativa” (“pictorial

turn”) nas Ciências Sociais. O livro de Jay reúne textos de diversos pesquisadores para

discutir e defender essa virada figurativa, trazendo questões acerca de visualidades do

passado e discussões sobre visualidades contemporâneas. Dessa forma, mostra

através de relatos históricos, que há uma complexidade nas dinâmicas da visualidade,

que esta para além de possíveis generalizações que apontam para “a homogeneidade

de regimes escópicos específicos.”. (JAY, 1996, p. 12). Jay defende que a virada

figurativa se estabelece a partir do momento em que os modelos de observação e

visualidade já não cabem mais em termos linguísticos. O figurativo está resistindo à

subordinação sob a rubrica da discursividade; a imagem está reivindicando o seu próprio

modo de análise. (JAY, 1996, p. 3).

A visualidade também foi tema abordado por Martín-Barbero e Berkin (2017),

no livro Ver con los otros, em que os autores buscam problematizar os modos de ver

que circundam a sociedade atual. Dessa forma, levanta-se a discussão sobre as

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visualidades contemporâneas, que canalizam as transformações no mundo globalizado.

Para eles, há uma hegemonia ocidental sobre os modos de conhecer, de saber na

América Latina. E essa predominância também se sobressai sobre os modos de ver,

que se dão pelos meios midiáticos, tais como cinema, televisão, vídeo, fotografia.

Existiria, então, a possibilidade de se criar espaço para outros modos de ver?

Entendemos, então, a visualidade como formações culturais, pensando assim

em um receptor que sofre influências de diversas forças sociais na construção de seu

olhar. A proposta foi em recorrer ao conceito de visualidade, ainda que tratado de um

modo geral, para buscar um pano de fundo que nos leve a uma concepção de

visualidade cinematográfica contemporânea.

A visualidade atual globalizada implica em um paradigma de aceleração e de

sobreposições. Uma visualidade do receptor contemporâneo estaria implicada dentro

da questão de um jogo com relação à modernidade, que ora é uma visualidade que

obedece a ordem hegemônica ora traz aspectos múltiplos. É uma visualidade dinâmica

em seus aspectos culturais, tecnológicos e sociais. Dessa forma coloco as seguintes

questões: Como pensar o olhar, os modos de ver? Qual seria a relação entre a

potencialidade do cinema em transformar os modos de percepção e a potencialidade do

receptor, através de sua percepção – formada pela cultura, pelas instituições, pela

tecnologia - em se apropriar da imagem cinematográfica?

Por fim, ressaltamos ainda, que para o desenvolvimento dessa proposta de

dissertação, pretendemos abranger no objeto aspectos que envolvem questões de

gênero e sexualidade e as possíveis diferenças na construção de visualidades de

espectadoras de cinema, partindo de um recorte geracional, por exemplo.

Referências

CHANEY, David. Contemporary socioscapes. Books on Visual Culture. In: Theory, Culture & Society (London), v.17, n.6, p. 111-124, 2000.

CRARY, Jonathan. Técnicas do observador. Visão e modernidade no século XIX. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.

JAY, Martin. Vision in Context: Reflections and Refractions. In: JAY, Martin; BRENNAN, Teresa. (Org.). Vision in Context: Historical and Contemporary Perspectives on Sight. New York: Routledge, 1996. p. 2-11.

JAY, Martin. Scopic regimes of modernity. In: FOSTER, Hal. Vision and visuality (Org.). Seattle: Bay Press, 1988. p. 3-28.

MARTÍN-BARBERO, Jesús; BERKIN, Sarah. Ver con los otros. Comunicación Intercultural.1. ed. Ciudad de México: Fonde de Cultura Económica. 2017.

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MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Rumo a uma “História Visual”. In: MARTINS, José de Souza; ECKERT, Cornélia; NOVAES, Sylvia Caiuby (Org.). O imaginário e o poético nas Ciências Sociais. Bauru: Edusc, 2005, p. 33-56.

METZ, Christian; DURÃO, António. O significante imaginário: psicanálise e cinema. 1980. Lisboa: Estúdios Horizonte. 1980

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GT JORNALISMO E

REPRESENTAÇÃO

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HOMOSSEXUALIDADES, AIDS E O PROCESSO DE ESTIGMATIZAÇÃO: UMA LEITURA DE ANGGLETON E PARKER

Amanda Campo1 - PUCRS

Palavras-chave

Homossexualidades. Saúde. Estigmatização.

Este trabalho é parte de minha dissertação de mestrado que investiga a

epidemia de HIV/Aids no Rio Grande de Sul e seus desdobramentos sociais, sobretudo

na comunidade LGBT, observados pelas lentes do Jornal do nuances. Neste resumo,

pretendo proporcionar uma reflexão sobre o processo de estigmatização que tem como

elemento de discriminação a Aids, pela perspectiva de Richard Parker e Peter Anggleton

(2001). Falaremos de uma doença social, de um mal que violentou, e ainda violenta,

aqueles que destoam da “normalidade”, que tem suas diferenças valorizadas de forma

tão negativa quanto silenciada. Nosso caminho para estudar o HIV/Aids enquanto

elemento de discriminação começa por pensar que o vírus, a doença e a estigmatização

configuram três diferentes epidemias distintas. A mais silenciosa delas é o primeiro

estágio da epidemia da Aids: a transmissão do vírus nas diferentes comunidades. A

segunda, já ligada à ação do vírus no corpo, seria a própria Aids enquanto doença que

reflete essa agência, uma vez que, como é sabido, o vírus atinge diretamente o sistema

imunológico dos corpos. A terceira epidemia, a mais potente e rumorosa, vem com a

respostas das esferas sociais, culturais e políticas à doença.

Sendo biologicamente tão complexo como é o Vírus da Imonodeficiência Humana, essa complexidade se empalidece em comparação com a complexidade das forças sociais envolvidas na produção e na reprodução do estigma em relação ao HIV e à Aids (PARKER e ANGGLETON, 2001, p. 8).

Sobre isso, assinalamos com nitidez o terreno onde assentaremos nosso

trabalho: a Aids enquanto recurso de estigmatização, muito mais do que o estigma

enquanto atributo inerente às diferenças. Observaremos com atenção os elementos que

estigmatizam, e a discriminação enquanto processo das conexões sociais. Desta forma,

1 Jornalista pela PUC-Campinas, mestranda em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUCRS. Linha de pesquisa: Cultura e tecnologias das imagens e dos imaginários. Orientada pela Profa. Dra. Juliana Tonin. E-mail para contato: [email protected].

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caminharemos pelas relações de poder e seus mecanismos de manutenção de uma

hierarquia social, de uma ordem cultural. A doença figurou, com propriedade, um

importante personagem para a preservação de privilegiados e privilégios em detrimento

de marginalizados, da relação de dominação sobre dominados.

Fundamental, portanto, direcionar nosso pensamento para que possamos

questionar algumas estruturas de ordem social que são aceitas de forma indiscutível

(percebo que, no Jornal do nuances, instituições como o casamento, a monogamia, a

heteronormatividade, o sexo pela reprodução foram, ao longo de sua existência,

amplamente ironizados e questionados). Embora este trabalho opte por observar o

processo de estigmatização, muito mais do que o estigma em si, recuperamos alguns

estudos fundamentais para que as pesquisas com essa perspectiva fossem possíveis.

Um deles é de Erving Goffman (1988). Nele, o autor nos apresenta o estigma como

algo, antes de qualquer coisa, depreciativo, fruto de uma característica, ou melhor, de

uma “indesejavel diferença”. Ora, uma vez que se assume existir um “diferente”, em

nossa análise se torna nítida a existência de um esforço mínimo para concentrar

padrões de opressão (MARSHALL, 1998), bem como de dominação (como é a relação

homossexual x heterossexual).

Desta forma, não perderemos de vista características de processos de

estigmatização importantes: o estigma (enquanto elemento central da estigmatização)

é histórico (quando são recuperados valores e instituições sociais aceitas e tidas como

padrão); é contextual (ou seja, invariavelmente ele se flexibiliza de acordo com o que

acontece naquele contexto); é apropriado e aplicado de forma estratégica (por exemplo,

a categorização da Aids enquanto Peste Gay) e, por fim, ele é fruto de relações de

dominação, bem como as reproduz, configurando cenários de desigualdade social.

Finalmente, podemos dizer que aquelas estruturas das elites do conhecimento (termo

adotado do Richard Parker quando recupera Foucault em seu raciocínio e ironiza outras

áreas de conhecimento) legitimam a estigmatização. Elas são, no que cabe na ironia,

as estruturas da verdade (PARKER; ANGLLETON, 2001).

Sobre a crítica de Parker e Anggleton às elites de conhecimento, pude perceber

esse movimento de categorizar e discriminar e um artigo da área da saúde consultado

para a dissertação. Na virada no século, enquanto a proporção de era de dois homens

para cada mulher, as ciências médicas observavam a epidemia e, de acordo com Brito,

Castilho e Szwarcwald (2000), no artigo da Revista da Sociedade Brasileira de Medicina

Tropical, essa diferença – notada e categorizada como heterossexualização,

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feminização, interiorização e pauperização – é reflexo da difusão geográfica das

infecções:

Inicialmente restrita aos grandes centros urbanos e marcadamente masculina, a atual epidemia do HIV e da AIDS caracteriza-se pelos processos de heterossexualização, feminização, interiorização e pauperização. As mudanças no perfil da AIDS no Brasil devem-se à difusão geográfica da doença a partir dos grandes centros urbanos em direção aos municípios de médio e pequeno porte, ao aumento da transmissão por via heterossexual e ao persistente crescimento dos casos entre usuários de drogas injetáveis. O aumento da transmissão por contato heterossexual implica no crescimento substancial de casos em mulheres, o qual tem sido apontado como uma das mais importantes características do atual quadro da epidemia no Brasil (p. 207).

Sobre isso, conseguimos anunciar um primeiro tensionamento: o termo

heterossexualização; que, embora não tenha sido conceituado anteriormente, nos

aciona um movimento de transição da epidemia que passa de corpos que, antes de um

conjunto de órgãos, seriam manifestações homossexuais para corpos que são

essencialmente heterossexuais. Construímos esse raciocínio com todas as

relativizações necessárias e fundamentais: a parte essencial é o efeito discursivo da

palavra heterossexualização, mas a transição a que nos referimos está, em síntese, em

tornar algo que em sua essência pertence aos corpos homossexuais para corpos

heterossexuais.

Além disso, essa informação nos fez pensar um pouco mais sobre duas

categorias que também destacamos no início deste trabalho: há, segundo a Unaids,

dois grupos que são diferentes e que estão igualmente figurando nessas categorias de

exposição: homossexuais e homens que fazem sexo com homens. A questão está,

neste momento, em pensar a diferença das categorias. O que são homens que fazem

sexo com homens, como categoria de exposição, e o que os difere dos homossexuais?

A homossexualidade, mesmo nos relatórios, já são compreendidas pela chave das

identidades?

Para finalizar, gostaria de convidar nosso leitor a pensar o papel da

comunicação para a criação, perpetuação e disseminação de processos

discriminatórios e estigmatizantes. Em 1983, o jornal Notícias Populares colocava em

circulação uma edição em que trazia a manchete “Peste-gay ja apavora São Paulo”.

Ainda, no “chapéu” da chamada, encontrava-se a sentença: “É a pior e mais terrível

doença do século – dois brasileiros mortos”. No mesmo ano, o Brasil assistia ao primeiro

caso de Aids entre mulheres, ao mesmo tempo em que a população mundial registra a

primeira notificação de infecção pelo vírus entre crianças. Também nesse ano,

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aparecem os primeiros casos dentre heterossexuais e a manchete “Brasil registra dois

casos de câncer gay”, do Jornal do Brasil, era veiculada.

Referências

BRITO A.; CASTILHO E.; SZWARCWALD C. AIDS e infecção pelo HIV no Brasil: uma epidemia multifacetada. Rio de Janeiro: Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsbmt/v34n2/a10v34n2 Acesso em: 20 set. 2018

GIAMI, A. De Kinsey à Aids: a evolução da construção do comportamento sexual em pesquisas quantitativas. In: LOYOLA, Maria Andrea. (Org.). Aids e sexualidade: o ponto de vista das Ciências Humanas. Rio De Janeiro: Relume Dumará, 1994.

Goffman, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.

MARSHALL, G. Oxford Dictionary of Sociology. Oxford and New York: Oxford University Press, 1998.

PARKER, R. ANGLLETON, P. Estigma, discriminação e Aids. Rio de Janeiro: Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, 2001.

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OS REFUGIADOS SÍRIOS NOS ENQUADRAMENTOS DO JORNALISMO BRASILEIRO: ABORDAGENS DOS PORTAIS G1 E BBC BRASIL (2012-2017)

Melissa Neves Gomes1 - UFRGS

Palavras-chave

Jornalismo. Enquadramento jornalístico. News Framing. Jornalismo digital. Refugiados sírios.

O Jornalismo informa e enforma: dá contornos à apreensão de sentidos,

construindo a realidade social por meio de quadros – ou enquadramentos – que

orientam a interpretação de fatos, acontecimentos e conjunturas. É nessa noção

construtivista da atividade jornalística (D’ANGELO, 2002; ALSINA, 2005) que mora a

ideia do estudo aqui apresentado.

O trabalho tem como objetivo geral analisar as coberturas jornalísticas dos

portais G1 e BBC Brasil acerca dos refugiados sírios, esmiuçando aspectos latentes em

ambas e estabelecendo relações entre essas coberturas. Como objetivos específicos,

propomos a análise dessas relações de sentido encontradas nas coberturas sobre o

tema e o teste da ferramenta metodológica da análise de enquadramento jornalístico.

Neste estudo nos deparamos com a complexidade de relatar o aspecto

humanitário de uma guerra, o que será discutido sob o ponto de vista da abordagem

jornalística da questão dos refugiados sírios, mas também se impõe a questão

epistemológica do Jornalismo, nas discussões sobre a análise de enquadramento e

sobre as mudanças provocadas pelas inovações digitais, tanto na prática da profissão

(produção) quanto no consumo dos textos jornalísticos. Assim, faz-se necessária a

reflexão sobre três pilares que compõem este trabalho. O primeiro diz respeito à pauta

contida no objeto de pesquisa (notícias do G1 e portal BBC Brasil), que é a situação dos

refugiados sírios que vivem no Brasil, atrelada ao conflito que já dura sete anos e

permanece como uma incógnita a ser decifrada pelos agentes que tentam solucioná-lo;

o segundo é ligado à ferramenta metodológica escolhida para a realização da pesquisa,

1 Mestranda no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Mediações e Representações Culturais e Políticas, Orientada pela Profa Dra. Karla Maria Muller. E-mail para contato: [email protected]

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a análise de enquadramento noticioso (news framing analysis), que ainda é nova para

o campo do Jornalismo e deve ser colocada à prova para trazer contribuições à ciência

da Comunicação; e o terceiro, o contexto em jogo extrapola o lado comunicacional e

técnico para dizer sobre transformações sociais, econômicas e até mesmo cognitivas

com as quais lidamos desde a criação do meio digital, relacionado aos portais de

notícias.

A respeito dos pontos de contato, da questão humanitária da Guerra Síria, com

o Brasil ainda que não exerçamos protagonismo no conflito, o maior grupo de refugiados

registrados nacionalmente é de sírios, número que coloca o país como o que mais

recebe refugiados desse país na América Latina. De 2011 até 2017, o número de

solicitações de sírios pelo reconhecimento da condição de refugiado subiu de quatro

pedidos, no início da guerra, para 823 solicitações em 2017, como detalhado a seguir

(Gráfico 1). Em 2014, quando o Estado Islâmico entra na guerra, há um pico da vinda

de refugiados, assim como em 2015, ano de eclosão da crise migratória global.

Gráfico 1- Os pedidos de sírios por reconhecimento da questão de refugiado no Brasil

Fonte: Melissa Gomes, 20182

O conflito que entrou no sétimo ano de duração iniciou-se por questões

políticas, em especial pela insatisfação da população com o governo vigente, mas desde

a instauração de conflitos entre civis, se desdobrou em problemas econômicos,

religiosos e principalmente humanitários. Segundo a Organização das Nações Unidas

(ONU), meio milhão de pessoas foram mortas na Guerra, mais de 5 milhões de pessoas

2 Número oficial fornecido pelo Conare (Ministério da Justiça), em abril de 2018.

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tiveram que deixar o país em busca de segurança e outros 500 mil sírios se deslocaram

dentro do território nacional depois de abandonar suas casas.

Para analisar as matérias sobre esse aspecto do conflito, partimos da definição

de news framing proposta por Robert Entman, que entende o termo como a atividade

de "[...] selecionar e destacar algumas facetas de um evento ou problema, fazendo

conexões entre elas a fim de promover avaliação, interpretação particular e/ou solução

para os mesmos." (ENTMAN, 2004, tradução nossa, p. 5). Observamos 26 matérias ao

todo, sendo 16 matérias do portal G1 e 10 matérias da BBC Brasil, contidas entre 2012

e 2017 e coletadas a partir de amostragem proporcional de um total de 104 publicações

(71 do G1 e 33 da BBC Brasil) no período considerado. A fim de viabilizar o estudo

desse material em dois anos, sorteamos 25% das matérias de cada ano por meio de

cálculos numéricos de porcentagem.

Após a leitura do material como um todo, as questões-chave encontradas foram

transformadas em variáveis, códigos que estruturassem a leitura de cada reportagem.

Foram elaboradas 12 perguntas a partir do primeiro contato com o corpus, que

funcionaram como tópicos respondidos para cada uma das matérias analisadas,

aproveitando como base o livro de códigos elaborado por pesquisadoras da

universidade de KU Leuven, na Bélgica (D'HAENENS; BERBERS; RIBBENS, 2014). As

respostas foram dispostas em planilhas para melhor visualização e organização desse

mapeamento de enquadramentos. Cada item do codebook elaborado por D’Haenens,

Berbers e Ribbens (2014) foi revisto de acordo com a leitura das matérias e foram

mantidas - e adaptadas – 12 das 36 variáveis do livro de códigos que se encaixavam

com este trabalho, as quais indicam frames a serem considerados ou buscados, nas

notícias.

Ao agrupar as respostas encontradas em cada uma das reportagens do corpus,

os chamados clusters oferecem números e índices sobre material, o que se mostrou

adequado para analisar textos sobre um assunto tão complexo, que gera tantas

perguntas, e identificar nele enquadramentos frequentes. Como apontamentos iniciais

do trabalho, destacamos que nos ângulos contidos na abordagem do tema refugiados

na cobertura dos portais G1 e BBC Brasil, chamam atenção os pontos faltantes nas

notícias, mais do que os pontos contemplados nas matérias jornalísticas analisadas.

Embora ambos os veículos sugiram formas de ajudar os sírios que fogem do conflito

(anexando às matérias links para sites de doação e voluntariado) e incluam na maioria

dos textos depoimentos dos refugiados, os dois focam na contextualização do problema

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de migração no mundo em vez de priorizar as implicações da chegada de sírios no Brasil

- que é o ponto da Guerra que nos toca diretamente.

Há que se ressaltar que apesar da necessidade de aprofundamento e

contextualização dos temas tratados pelo Jornalismo, dando a ideia do todo sobre um

assunto, essa prática também deve levar em consideração a realidade do leitor, ligando

a pauta aos seus impactos na vida dos leitores ou da audiência. Isso porque, quando

se trata de fronteiras entre continentes diferentes, como essas envolvidas na abordagem

de um conflito tão distante geograficamente e culturalmente, surge o limite simbólico e

cultural tanto para a mídia nacional, que produz pautas sobre o tema, quanto para os

refugiados que chegaram ao Brasil, o que deveria provocar entendimentos mútuos

sobre os povos que interagem no novo contexto.

Considerando o que foi visto até aqui, a pesquisa contém limitações, tanto pelo

recorte do corpus, que é uma necessidade empírica, quanto pela escolha de apenas

dois portais3 de notícias, adequada para o tempo de realização do estudo, e carece de

continuidade e ampliação da discussão aqui iniciada. Outra questão é que num primeiro

momento, estudar um conflito ainda em curso, a partir de notícias elaboradas para a

internet, que também é um meio em constante transformação, pode parecer ir contra o

distanciamento necessário em relação ao objeto de estudo. Entretanto, pouco mais de

duas décadas depois da invenção da World Wide Web, ou grande rede, vê-se que a

mudança é uma constante e torna as transições de contexto e de tecnologia cada vez

mais fluidas.

Pesquisadores já discutem a vigência de um eterno presente (CAETANO;

BARBOSA; QUADROS, 2011), que sugere um processo interminável, não de

atualizações abruptas ou de quebras de paradigmas, mas de adaptações praticamente

diárias e disponibilização de um volume inebriante de informações, sobre inúmeros

contextos. Passado o período de ineditismo das plataformas digitais e meios pensados

para a sociabilidade em rede, a iminência de novos dispositivos e novas lógicas de

mercado torna-se comum, habitual.

Em concordância com essa conjuntura, os eventos em pauta na mídia digital

são acompanhados em tempo real, a partir de diversas fontes e enquadramentos

3 Com base na ferramenta de SEO Alexa foi possível identificar os sites de notícias mais acessados no Brasil. No ranking, o G1 aparece em primeiro lugar, o que justifica sua escolha para estudo. Já o britânico BBC, possui sucursal no Brasil e versão brasileira do portal de notícias do veículo - representando um grupo de mídia internacional.

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jornalísticos. Assim também terá de ser a pesquisa, guardadas as proporções, para que

a Ciência dê conta de compreender as transformações de acordo com a velocidade em

que elas se apresentam. Nesse sentido, as notícias analisadas no presente trabalho

compreendem um passado recente, um frame temporal da guerra que ainda acontece

na Síria, de forma que os apontamentos aqui contidos deverão ser debatidos e

atualizados com maior frequência. Vemos um ponto de partida para levar a discussão

adiante e compreender retratos midiáticos conferidos às pessoas que reinventam suas

vidas após deixarem o país em guerra.

Referências

ALSINA, Miquel Rodrigo. La construcción de la notícia. Barcelona: Paidós, 2005.

CAETANO, Kati; BARBOSA, Marialva; QUADROS, Claudia. Dispositivos e práticas jornalísticas em um mundo sem fronteiras. In: QUADROS, Claudia et al. Jornalismo e convergência: ensino e práticas profissionais. Editora: Lab-Com, UBI, Covilhã, Portugal, 2011.

D’ANGELO, P. News Framing as a Multiparadigmatic Research Program: a Response to Entman. In: Journal of Communication, 2002.

D'HAENENS, L.D; BERBERS, A.; RIBBENS, W. What’s in a frame? Framing the Syrian War. LEUVEN, KU. Faculteit Sociale Wetenshappen. In: Master of Science in de communicatiewetenschappen. 2014.

ENTMAN, Robert. M. Projections of Power: Framing news, Public Opinion and U.S Foreign Policy. The University of Chicago Press, 2004.

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AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NO JORNALISMO SOBRE OS POVOS INDÍGENAS

Patrícia Kolling1 – UFRGS

Palavras-chave:

Representações sociais. Jornalismo. Povos Indígenas.

Este artigo apresenta um projeto de pesquisa que tem como tema as

representações sociais e o campo jornalístico, tendo como foco as matérias jornalísticas

produzidas sobre os povos indígenas. As representações sociais são uma forma de

atribuir sentidos, através de sistemas linguísticos e culturais. Nos processos de

representações sociais, as influências da comunicação servem como meio para

estabelecer ligações e conexões significativas com as quais nos relacionamos e

interagimos uns com os outros. O jornalismo é um campo intermediário entre vários

outros, que atua na difusão coletiva de informações e opiniões sobre fatos e

acontecimentos, é formador de opiniões e realidades, transformador do cotidiano, dos

valores e práticas sociais. Ao estudar as representações sociais, como produtoras de

significações, é necessário olhar para questões da linguagem e das produções de

identidades e diferenças, através das quais elas passam a existir. São instâncias

estreitamente vinculadas, determinando posições de sujeitos e marcadas por relações

sociais e de poder.

O interesse em estudar as questões indígenas, por meio do jornalismo, vem da

percepção inicial da invisibilidade desses povos na mídia e das formas preconceituosas

como são tratados. Uma análise superficial de dezoito matérias publicadas em

diferentes mídias, em 2017, identificou que treze delas eram relacionadas à violência ou

a conflitos (tendo os indígenas como vítimas ou autores), duas sobre questões

econômicas e somente três tinham como foco questões culturais e sociais. Mais de 90%

delas não traziam nenhum indígena como fonte.

Outros estudos sobre o assunto demonstram a falta de interesse da imprensa

em se debruçar com profundidade sobre esses temas. Os jornalistas raramente fazem

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação – da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM – UFRGS). Linha de pesquisa: Mediações e representações culturais e políticas. Orientadora: Professora Doutora Karla Müller. E-mail: [email protected]

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cobertura jornalística in loco de pautas indígenas, normalmente é por meio de fontes

oficiais como Polícia Rodoviária, Ministério Público e Funai, que as informações chegam

aos jornais. As informações são fragmentadas, sem contextualização, sem

conhecimentos históricos, sem ouvir os diferentes lados que uma cobertura jornalística

precisaria realizar.

Para tanto, buscamos propor neste projeto uma caminhada teórica pelas

representações sociais e a comunicação, tendo como principais fontes teóricas Denise

Jodelet e Valdir Morigi. Jodelet (2001) explica que as representações sociais nos guiam

no modo de nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária,

no modo de interpretar esses aspectos, tomar decisões e, eventualmente, posicionar-

se frente a eles de forma decisiva. “Elas circulam nos discursos, são trazidas pelas

palavras e veiculadas em imagens midiáticas, cristalizadas em condutas e em

organizações materiais e espaciais” (p. 18, grifo nosso).

O jornalismo é disseminador de representações sociais, que passam, conforme

Morigi (2004), a constituir realidades, transformar a ordem cotidiana (criando novos

valores, novas formas de interação e de exercícios de poder), além de integrar o perfil

da opinião pública em forma de discursos da atualidade, tornando parte do senso

comum.

Estudar os sentidos e as representações sociais a partir da análise da mídia é

fazer um estudo avançado, devido à interação social complexa que ela promove entre

diversos campos: “A midiatização é uma fala intermediaria a tantas outras, mas com o

poder de articulação e enquadramento das demais” (MORIGI, 2004, p. 7). Além da

credibilidade, sua força está no caráter persuasivo, em dar visibilidade aos

acontecimentos e interpretações, possibilitando o acesso coletivo e a produção de

sentido social.

Os estudos de Jodelet (2001), que reconhecem que as representações sociais

– enquanto sistemas de interpretação que regem nossa relação com o mundo e com os

outros – orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais. Ou seja, ao

mesmo tempo que o jornalismo é uma representação social, também é orientado por

elas. Por isso, a necessidade de olhar o sistema das representações como um todo,

considerando as identidades e o discurso jornalístico.

Considerando os espaços jornalísticos como espaços de representações

sociais, buscamos Woodward (2014), para compreender que “a representação inclui as

práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são

produzidos, posicionando-nos como sujeitos”. Ou seja, além de produzirem sentidos e

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significados em toda a sociedade, essas matérias influem no posicionamento do leitor e

do indígena, como sujeito e na sua subjetivação política. Pois é “por meio dos

significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência

e aquilo que somos”.

É necessário considerar que indígenas e não-indígenas apresentam valores

culturais muitos diferentes, com formas de agir e pensar diferenciados. Por exemplo,

enquanto para nós, brancos ocidentais, a terra tem um valor de troca (compra e venda),

para os indígenas a terra possui um valor de uso, utilizada para viver, produzir, coletar.

Como a mídia, mais precisamente o jornalismo, está encarando essas diferenças?

Compreender esse outro, inserido no contexto e na posição de sujeito que ele ocupa é

fundamental. Mas, parece que o jornalismo e os meios de comunicação não estão se

dando conta dessa necessidade.

Porém, não basta olhar o campo midiático, jornalístico, de forma isolada, pois

então estaríamos fazendo exatamente o que criticamos na produção midiática: a

fragmentação e o reducionismo. Precisamos olhar o todo, os contextos em que se

inserem tanto a prática jornalística, como nas práticas das tradições indígenas. Assim,

esta proposta extrapola o campo do jornalismo, pois como reforça o professor Morigi

(2004, p. 08) “o processo midiatico não pode ser compreendido através de uma

configuração polarizada de campos sociais, mas como um fenômeno recorrente de

múltiplas, complexas e plurais interações”.

Se toda vez que o sujeito participa de relações de produção ou de significação

é colocado em relações de poder muito complexas, que não estão nem acima e nem

abaixo dos nexos sociais, mas nela entremeadas, é necessário compreender as

conexões que se estabelecem em todo esse sistema.

Para falarmos em relações de poder, recorremos a Michel Foucault (1985), que

identifica relações de poder como um modo de ação de alguns sobre a ação dos outros.

Viver em sociedade é, de qualquer maneira, viver de modo que seja possível a alguns

agirem sobre a ação dos outros. Uma sociedade “sem relações de poder” só pode ser

uma abstração (FOUCAULT, 1995, p. 246).

O poder não deve postular, como dados iniciais a soberania do Estado, a forma

da lei ou a unidade global de dominação. “Estas são apenas e, antes de mais nada suas

formas terminais” (FOUCAULT, 1985, p. 102). O poder precisa ser compreendido pela

multiplicidade de correlações de força imanentes ao domínio onde se exercem e

constitutivas de sua organização. O poder não é uma instituição e nem uma estrutura:

é o nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada, em

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que está incluída a liberdade e consequentemente a resistência, que nunca se

encontram em posição de exterioridade em relação ao poder.. Por isso, olhar para a

questão indígena e o jornalismo, que parecem estar em situações opostas (resistência

x hegemonia), exige uma compreensão aprofundada de conexões, relações, interesses,

mediações nas interações que se estabelecem.

Para olhar esses sistemas de representação, precisamos considerar que a

linguagem não se limita a proposição de somente descrever uma ação, uma situação

ou estado das coisas, mas ela também pode fazer com que algumas coisas aconteçam.

Essas proposições podem ser identificadas como performativas. Porém, em muitos

casos embora uma sentença pareça ser somente descritiva, com o passar do tempo, e

a sua repetição pode produzir o fato que somente deveria descrevê-lo. A representação

inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais os

significados são produzidos, posicionando-nos como sujeitos.

Silva (2014, p. 94) acrescenta que a eficácia produtiva dos enunciados

performativos à identidade depende de sua incessante repetição. “É de sua repetição e,

sobretudo, da possibilidade de sua repetição, que vem a força que um ato linguístico

desse tipo no processo de produção de identidade”. Parece perigoso informar sobre

aquilo que é diferente. Quando não há como evitar a novidade, há uma tentativa de

tornar familiar e transformar para integrar o universo de pensamento preexistente.

Assim, quando o jornalista (repórter e/ou editor) escolhe produzir uma pauta

sobre esses fatos e dar as notícias esse enfoque e título não está manifestando uma

opinião que tem origem plena e exclusiva em sua intenção, em sua consciência ou em

sua mente. Como explica o autor, o jornalista está efetuando uma relação de recorte e

colagem, no sentido de que recorta a expressão do contexto social mais amplo em que

ela foi tantas vezes enunciada. Na verdade o jornalista está apenas citando, ou seja, a

pauta e o texto jornalístico são apenas mais uma ocorrência de uma citação que tem

sua origem em um sistema mais amplo de operações de citação, de performatividade e

finalmente de definição, produção e reforço da identidade cultural. Por que o processo

de produção jornalística não faz essa tarefa, de interromper de questionar, de contestar?

Por que não repete outras informações, porque não traz outras pautas, como a luta pela

terra? Por que a necessidade do jornalismo somente reproduzir o que está

institucionalizado?

A pesquisa empírica precisa compreender tanto as produções jornalísticas,

como as condições sociais, econômicas, culturais e os jogos de interesses em que estão

inseridos, as genealogias do poder, como também as condições sociais da atividade

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cognitiva e a sua perspectiva na formação da opinião e das atitudes. Para tal se propõe

alguns métodos, como a entrevista, a observação participantes, a análise de conteúdo

perfazendo uma pesquisa qualitativa.

Referências

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: vontade de saber. v. 1. São Paulo: Graal, 1985.

FOUCAULT, Michel. O Sujeito e o poder. In: DREYFUS, Hubert L.; RABIZNOW, Paul. Michel Foucault: uma trajetória filosófica. Para além do estruturalismo e da hermenêutica. Tradução Vera Porto Carrero. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

JODELET, Denise. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, Denise (Org.) As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001.

MORIGI, Valdir José. Teoria Social e Comunicação: representações sociais, produção de sentidos e construção dos imaginários midiáticos. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação. dez. 2004: Disponível em: <http://www.compos.org.br/e-compos> . Acesso em: 21 ago. 2017.

SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org). Identidade e diferença. A perspectiva dos Estudos Culturais. 14. ed. Petrópolis, (RJ): Vozes, 2014.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org). Identidade e diferença. A perspectiva dos Estudos Culturais. 14 ed. Petrópolis, RJ : Vozes, 2014

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GT JORNALISMO, HISTÓRIA E DISCURSO

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REFLEXÕES ACERCA DE RUPTURAS E DE APROXIMAÇÕES: UMA DAS TANTAS HISTÓRIAS POSSÍVEIS SOBRE O COOJORNAL, O JORNAL DA COOPERATIVA DOS JORNALISTAS DE PORTO ALEGRE

Rafael Gloria1 - UFRGS

Palavras-chave

História do Jornalismo. Imprensa Alternativa. História Cultural. Coojornal.

Este resumo visa refletir sobre questões relacionadas à trajetória da minha

pesquisa de mestrado, cujo objetivo principal é traçar uma história cultural do periódico

Coojornal, um dos expoentes do que ficou conhecido como imprensa alternativa durante

o período da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985). Para ser mais específico, usarei

este espaço para compartilhar reflexões que surgiram durante meu caminho no

mestrado e principalmente a partir da escolha da metodologia (História Oral e Análise

de Conteúdo) e da fundamentação teórica (História Cultural, aproximação entre História

e Comunicação) que tomo como base. Antes de tudo é importante apresentar o objeto

e a sua relevância para fomentar uma pesquisa acadêmica.

Contexto histórico

Os jornais alternativos da década de 1970 caracterizaram-se principalmente

por uma oposição direta ao regime instaurado e à violação aos direitos humanos. Muitos

deles desempenharam um papel fundamental na luta contra a censura e têm sua

importância reconhecida nas pesquisas sobre a história do jornalismo brasileiro. O

Coojornal, criado no Rio Grande do Sul em 1975, editado pela primeira cooperativa de

jornalistas do país, e que teve sua circulação até 1983, é um desses periódicos

expoentes do período. Ainda que na metade final da década de 1970, no governo de

Ernesto Geisel, tenha começado a abertura política, o período foi marcado pela

1 Mestrando no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Jornalismo e Processos Editoriais, Orientado pela Profa. Dra. Cida Golin e Co-orientação da Profa. Dra Aline Strelow. E-mail para contato: [email protected]

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realidade ditatorial e pela censura. Diferentemente da grande imprensa da época que,

de modo geral, era complacente com o regime militar, os jornais alternativos cobravam

a restauração da democracia e o respeito pelos direitos humanos, até mesmo na época

do milagre econômico, em que o discurso do governo triunfava e era ecoado pelos

grandes jornais (KUCINSKI, 1991).

Chinem (1995) ressalta a oposição intransigente ao regime militar no Brasil

que caracterizava esses periódicos. O movimento alternativo contou com publicações

de diferentes estilos e propostas, algumas mais voltadas para a discussão política

propriamente dita, outras com enfoque cultural dedicadas ao diálogo com os grupos

minorizados ou à crítica ao cerceamento que limitava as expressões artísticas. O que

as unia e fazia desse grupo heterogêneo um conjunto afinado era a oposição à ditadura

e a luta pelo retorno da democracia. Kucinski esclarece o embrião desse tipo de

imprensa:

A imprensa alternativa surgiu da articulação de duas forças igualmente compulsivas: o desejo das esquerdas de protagonizar as transformações que propunham e a busca, por jornalistas e intelectuais, de espaços alternativos à grande imprensa e à universidade. É na dupla oposição ao sistema representado pelo regime militar e às limitações à produção intelectual jornalística sob o autoritarismo que se encontra o nexo dessa articulação entre jornalistas, intelectuais e ativistas políticos. (KUCINSKI, 1991, p.6).

O artigo definidor ajuda a entender melhor. Quando se coloca previamente o

“a” esta se falando sobre a Cooperativa, surgida em 1974 em Porto Alegre. Já o artigo

“o” remete ao mensario Coojornal, principal objeto jornalístico oriundo dessa

Cooperativa de Jornalistas, que Bernardo Kucinski classificou em seu livro Jornalistas e

Revolucionarios como a “mais elaborada alternativa de propriedade para jornais dos

anos 70”. A Cooperativa dedicou-se inicialmente a boletins empresariais, mas teve no

Coojornal, lançado em 1975, sua publicação mais marcante. Era o sonho do “jornal dos

jornalistas”, de um espaço em que poderia ser publicado tudo aquilo que era censurado

na grande imprensa - muitas vezes antes mesmo de chegar ao censor, em um processo

de autocensura que envolvia desde a direção dos jornais até os repórteres. As primeiras

edições circulavam apenas entre os associados, nas redações dos jornais da época,

nas agências de publicidade e em faculdades de Comunicação.

Ao se consolidarem com publicações para terceiros, principalmente na

produção de House Organs, e assim conseguirem uma situação financeira favorável, os

integrantes da cooperativa lançaram seu boletim, em novembro de 1975, de modo

quinzenal que, menos de um ano depois, em setembro de 1976, tornou-se um mensário.

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As páginas do Coojornal traziam críticas abertas ao governo. Anistia e eleições diretas

eram algumas de suas bandeiras. Um de seus diferenciais era o espaço reservado às

questões da imprensa, como a censura, o autoritarismo nas redações e o lançamento

de novos jornais alternativos (KUCINSKI, 1991). O periódico circulou por oito anos, o

que não é pouco para um alternativo – a maioria teve vida efêmera, alguns, inclusive,

com menos de dez edições. A crise financeira que chegou com a década de 80,

provocada pelo governo ditatorial, foi de tal modo profunda que, apesar das inúmeras

tentativas, o jornal não conseguiu mais se reerguer (ROSA, 2002, p.125-166). O fim da

Cooperativa, dado como melancólico por varios envolvidos, fez algumas “vítimas” que

sempre acreditaram no projeto. Durante o processo de liquidação solicitado pelo último

presidente, Gerson Schirmer, alguns associados juntaram dinheiro necessário para

evitar que João Batista Aveline e Marques Leonam Borges da Cunha - fiadores na

locação dos imóveis da Coojornal - tivessem que arcar sozinhos com uma dívida de Cr$

12 milhões em aluguéis atrasados. Já Clarice Aquistapace e Antônio Firmo Gonzalez,

fiadores de um financiamento bancário, não tiveram a mesma sorte e precisaram vender

bens imóveis para pagá-lo (UCHA, 1988).

Aproximações e Rupturas

Após esse breve histórico, fica evidente que o Coojornal foi tema de pesquisas

aprofundadas e é assunto corrente quando se fala da imprensa alternativa brasileira.

Entretanto, quando fiz o Estado da Arte notei uma lacuna: uma pesquisa que contasse

a trajetória do mensário a partir das suas matérias e de entrevistas realizadas com

profissionais que foram determinantes para a sua realização. Com o passar do tempo

da minha pesquisa notei que, na verdade, para contar essa trajetória do Coojornal seria

quase impossível separar a experiência dos profissionais que trabalharam na

Cooperativa e tomaram decisões também na própria administração relacionada ao

empreendimento, que influenciava também nas escolhas sobre o impresso.

Essa questão tem a ver com a fundamentação teórica baseada nessa

aproximação entre História e Comunicação, principalmente nos estudos da

pesquisadora Marialva Barbosa, que utiliza frequentemente como aporte teórico a

História Cultural, inspiração para a minha pesquisa. Ela aponta que a Comunicação

sempre se refere a ações e processos envolvendo atores sociais que colocaram em

prevalência atos comunicacionais. São justamente esses atos realizados no passado

que chegam sob a forma de indícios e vestígios nos dando pistas sobre aquele passado.

“A história seria, em última instância, também uma relação comunicacional.”

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(BARBOSA; RIBEIRO, 2011, p. 10). Nesse sentido, nos processos comunicacionais há

sempre uma seleção memorável produzida no presente, ou seja, no ato mesmo de

construir as histórias transvestidas em acontecimentos jornalísticos.

Foi a partir de um olhar particular, ou seja, daquele que foi chamado periodista,

editor, redator, repórter e, por último, de maneira indiferenciada, jornalista, que os fatos

foram agrupados, produzindo uma espécie de atestado do que ocorreu naquele

presente que a passagem do tempo transforma em passado. As notícias são

construídas não apenas para o presente, mas também para o futuro (BARBOSA;

RIBEIRO, 2011). Sabe-se que há nelas uma configuração narrativa, por exemplo, nas

estratégias de edição, nas quais se destacam na capa aqueles que, em tese, seriam os

acontecimentos mais duradouros, no qual se produz textos para os leitores do presente

e do futuro, incluídos nesse universo os que procuram por informações sobre um

passado próximo ou distante.

Percebi ao longo da pesquisa a tensão latente sobre alguns episódios centrais

dentro da história da Cooperativa, sendo um dos mais marcantes a assembleia de

setembro de 1978, um momento em que havia uma “violenta colisão das posições

administrativas defendidas por ângulos opostos dos jornalistas”, como afirma Pereira

(2015). Pela primeira vez, houve uma oposição em relação à situação que, desde a

fundação da entidade, em 1974, reelegia-se para dirigir a cooperativa em chapa única.

A principal discussão foi o lançamento de um semanário da cooperativa chamado Rio

Grande que transpareceu a divergência vital entre as duas visões conjunturais opostas.

O semanário começou a circular em maio de 1979, e não chegou ao final do ano, sendo

fechado em outubro de 1979.

Essa tensão é sentida até hoje. No momento em que realizei as entrevistas,

utilizando a história oral, com os seis escolhidos para narrar suas versões sobre os

acontecimentos daquela época e também sobre a importância do periódico notei a

dificuldade e a emoção de alguns. Minhas reflexões agora seguem a ideia de traçar a

história do periódico usando as capas, os vestígios impressos, e eventos importantes

ocorridos na cooperativa e que também refletiam no Coojornal, juntamente com os

depoimentos. Como pontos narrativos a procura de momentos de aproximações e de

rupturas. Porém as dúvidas sobre os diferentes aspectos que se pode abordar por um

objeto histórico continuam pairando no horizonte. O que fica para mim é que ao

fazermos escolhas sobre os modelos metodológicos e sobre quem entrevistar também

deixamos abertas diferentes interpretações para futuras pesquisas. A contribuição

acadêmica é o diálogo com o passado e com o futuro.

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Referências

BARBOSA, Marialva C.; RIBEIRO, Ana Paula G. Comunicação e história: um entre-lugar. In: BARBOSA, Marialva C.; RIBEIRO, Ana Paula G. Comunicação e história: partilhas teóricas. Florianópolis: Insular, 2011, p. 9-28.

CHINEM, Rivaldo. Imprensa Alternativa: Jornalismo de oposição e inovação. São Paulo: Ática, 1995.

KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: Scritta, 1991.

PEREIRA, André. Coojornal, um novo olhar sobre uma história conhecida. In: ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA DA MÍDIA, 10. 2015, Porto Alegre. Anais... . Porto Alegre: Alcar, 2015. p. 1 - 10.

ROSA, Susel Oliveira da. Exemplar, Pato Macho e Coojornal: trajetórias alternativas. 2002. 177 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós- Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002.

UCHA, Danilo da Silva. História da Coojornal. In: O poder da imprensa alternativa pós-64: históricos e desdobramentos. Rio de Janeiro: Rio Arte, 1985.

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IDENTIDADE E DISCURSO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A ZONA FRANCA DE MANAUS NA MÍDIA

Vanessa da Costa Sena1 - UFSM

Palavras-chave

Mídia. Identidade. Discurso. Memória. Zona Franca de Manaus.

De caráter inicial, a pesquisa procura abordar a articulação entre midiatização

– jornais locais e nacionais - e as instituições econômico-produtivas e de comércio de

eletroeletrônicos na Zona Franca de Manaus (ZFM). Nesse sentido, a proposta desse

resumo é a apresentação de inquietações em relação ao conteúdo teórico-

metodológico, pois propõe-se a realização de uma análise dos discursos produzidos

pela mídia sobre a Zona Franca de Manaus. Antes de iniciar a exposição das

inquietações, faz-se necessária uma breve contextualização sobre a região onde está

localizada a ZFM.

No decorrer de seu desenvolvimento, Manaus (Amazonas-Brasil) viveu

diversas transformações que resultaram em mudanças sociais, econômicas, políticas e

culturais, particularmente no final do século XIX e início do século XX, fases ápice e de

declínio do Ciclo da Borracha e também posteriores à abertura do rio Amazonas para

navegação de países vizinhos (1857), quando a paisagem urbana e os hábitos da

população foram influenciados por costumes de cidades europeias e, principalmente

pelo capitalismo.

Nessa época, foram construídos prédios luxuosos e a capital amazonense foi

chamada de Paris dos trópicos. Entretanto, no início do século XX, houve queda na

produção do látex, em virtude do contrabando de mudas de seringueiras para a Malásia.

Manaus retornou ao cenário nacional com a regulamentação do modelo atual de Zona

Franca de Manaus (ZFM), na década de 60 do século XX, do qual foi possível se

reerguer novamente como um importante polo da região Norte.

1 Doutoranda do POSCOM da Universidade Federal de Santa Maria, Linha Mídias e Identidades Contemporâneas, Orientada pela Profa. Dra. Ada Cristina Machado Silveira. Bolsista do Programa Propg Capes/Fapeam. Jornalista do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM). E-mail para contato: [email protected]

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Por meio da Lei Nº 3.173 de 06 de junho de 1957, a Zona Franca de Manaus

(ZFM) foi criada como Porto Livre, tendo dentre suas finalidades o armazenamento,

conservação, beneficiamento e retirada de produtos e mercadorias de qualquer

natureza oriundas do estrangeiro e destinados ao consumo interno da Amazônia, como

dos países interessados, limítrofes do Brasil ou que sejam banhados por águas

tributárias do rio Amazonas. E assim, viabilizar uma base econômica na Amazônia

Ocidental, promover a melhor integração produtiva e social dessa região ao país,

garantindo a soberania nacional sobre suas fronteiras.

Após dez anos de criação, o Governo Federal publicou o Decreto-Lei Nº 288,

de 28 de fevereiro de 1967, ampliando a legislação anterior da ZFM. A nova resolução

tinha como propósito criar condições econômicas para permitir o desenvolvimento da

Zona Franca de Manaus, considerando os fatores locais e distância dos centros

consumidores de seus produtos. Ainda no mesmo documento, para administrar suas

instalações e serviços, foi criada a Superintendência da Zona Franca de Manaus

(Suframa).

Atualmente, o modelo econômico engloba os estados da Amazônia Ocidental

(Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima) e as cidades de Macapá e Santana, no Estado

do Amapá. Assim, a instituição da Zona Franca de Manaus como um modelo de

desenvolvimento pode ser percebida a partir da imprensa, como um acontecimento

histórico e midiático direcionado à região Amazônica, principalmente aos moradores

locais, e consequentemente como resultado da amplitude que a ZFM adquire, alcança

regiões nacionais e internacionais, principalmente quando houve sua regulamentação,

a partir de 1967.

Por isso, o estudo pretende inicialmente, analisar os desdobramentos da Zona

Franca de Manaus a partir dos discursos produzidos e reproduzidos em jornais locais e

nacionais que circularam desde a criação da ZFM em 1957 até o seu aniversário de 60

anos em 2017. Parte-se da ideia de que a produção de discurso na sociedade:

[..] é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. (FOUCAULT, 1996, p. 08-09).

Sendo assim, os discursos são disseminados por meio dos tecidos sociais que

são infiltrados nas escolas, nos ambientes de trabalho, nas conversas cotidianas, nas

marcas e campanhas publicitárias e nas páginas dos jornais. Foucault (1996) alega que,

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ainda que o discurso aparente ser bem pouca coisa, as interdições que o atingem

indicam rapidamente a relação com o desejo e com o poder.

Foucault nunca trata do poder como uma entidade coerente, unitária e estável, mas de "relações de poder" que supõem condições históricas de emergência complexas e que implicam efeitos múltiplos. (REVEL, 2005, p. 67).

Pretende-se também observar de que forma os periódicos atuaram como um

dos agentes no reforço do discurso da modernidade, salientando que essa ideia era

voltada para a ordem e o progresso. Por isso, a necessidade também de apreender as

relações de poder que sustentam as representações da ZFM nos jornais e procuram

tornar certa perspectiva discursiva hegemônica.

Nesse aspecto, remete-se ao jornalismo que materializa e até mesmo

institucionaliza alguns discursos dominantes, por esse motivo a importância de

considerar as especificidades de cada discurso. Direcionando o discurso para esta

proposta, a região Norte, distante dos centros decisórios nacionais, é responsável pelo

provimento dos aparatos de infraestrutura de produção/recepção do sistema

comunicacional midiático do Brasil, como aparelhos de TV, rádio, telefone celular,

câmera de vídeo, câmera fotográfica, aparelho de som, gravadores e computadores. E

assim, origina o principal questionamento de um projeto de pesquisa, de onde se parte

esta proposta de trabalho aqui apresentada: O estudo dos desdobramentos dos

acontecimentos na mídia fornece compreensão desta problemática?

É possível observar as diversas representações que a mídia produz e reproduz

sobre a ZFM, reforçando o pensamento de Gregolin (2007) sobre os textos da mídia

não serem a realidade, “[...] mas uma construção que permite ao leitor produzir formas

simbólicas de representação da sua relação com a realidade concreta” (GREGOLIN,

2007, p. 16). A autora afirma ainda que,

Na sociedade contemporânea, a mídia é o principal dispositivo discursivo por meio do qual é construída uma “história do presente” como um acontecimento que tensiona a memória e o esquecimento. É ela, em grande medida, que formata a historicidade que nos atravessa e nos constitui, modelando a identidade histórica que nos liga ao passado e ao presente. (GREGOLIN, 2007, p. 16).

Ou seja, na afirmação de Gregolin (2007), o público está sempre submetido

aos movimentos de interpretação/reinterpretação das mensagens que a mídia veicula.

É durante esses movimentos que “[..] os discursos se confrontam, se digladiam,

envolvem-se em batalhas, expressando as lutas em torno de dispositivos identitarios.”

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(GREGOLIN, 2007, p. 17), e as identidades aqui passam a ser entendidas como

construções discursivas.

A análise dos discursos produzidos e reproduzidos pelos jornais baseia-se nas

ideias da descolonialidade a fim de pensar também como os discursos que possuem

relação com a colonialidade do poder são estabelecidos numa região que concentra a

maior população indígena do Brasil e mantém uma das maiores florestas tropicais do

mundo, a Floresta Amazônica. Para contextualizar o descolonial, recorre-se a Mignolo

(2011) e Quijano (2005) para abordar a colonialidade, além das ideias da

descolonialidade que se mostra necessária para romper a colonialidade.

Por fim, esta proposta de trabalho se justifica por entender que quando se trata

de economia no Amazonas, o primeiro agente a aparecer é a Zona Franca de Manaus,

por meio do Polo Industrial de Manaus, onde há a concentração de indústrias que

empregam grande parte da população manauara, sendo um acontecimento sempre

presente na mídia, quando remete ao desenvolvimento e progresso da região,

reconstruindo e construindo passados, presentes e até mesmo futuro da e para a região,

e colocando o modelo como saída para a sobrevivência de Manaus e demais cidades

da Amazônia Ocidental, no Brasil, mesmo com os entraves que existem.

Referências

BRASIL. Decreto-Lei Nº 288, de 28 de fevereiro de 1967. Altera as disposições da Lei número 3.173 de 6 de junho de 1957 e regula a Zona Franca de Manaus. Brasília, DF, 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0288.htm>. Acesso em: 11 jul. 2017.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.

GREGOLIN, Maria do Rosário. Análise do discurso e mídia: a (re)produção de identidades. Comunicação, Mídia e Consumo. São Paulo, vol. 4, n. 11, p. 11 - 25, nov. 2007.

MIGNOLO, Walter. Epistemic disobedience and the decolonial option: a manifesto. In: Transmodernity, 2011.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais perspectivas latino-americanas. Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. Set. 2005.

REVEL, Judith. Foucault: conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005.

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GT PRÁTICAS E

RECONFIGURAÇÕES NO JORNALISMO

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O JORNALISMO TAL COMO O CONHECEMOS É PASSADO: UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS QUE SE IMPÕEM

Fabíola Brites1 - PUCRS

Palavras-chave

Jornalismo. Internet. Imprensa. Ecossistema midiático. História do jornalismo.

A internet e os dispositivos móveis alteraram o jornalismo de tal forma que este,

na maneira como o conhecemos até então, apresenta suas memórias póstumas. O

assunto foi tema de seminário ministrado pelo professor doutor João Canavilhas, da

Universidade da Beira Interior, de Portugal, a alunos do Programa de Pós-graduação

em Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. As

mudanças irreversíveis para o jornalismo não deixam outra saída senão encarar os

desafios que se impõem, no tocante ao exercício e ao ensino da profissão nas

universidades. Este texto se propõe a analisar em que medida a internet e os aparelhos

de telefone celular influenciaram a imprensa e o ecossistema midiático. Para análise, é

utilizado como objeto o jornal O Sul, que circulou na forma impressa de 2 de julho de

2001 a 8 de abril de 2015.

De acordo com estudo apresentado durante o seminário, o jornal, na forma

como o conhecemos, vai desaparecer no Brasil em 2027 (FUTURE EXPLORATION

NETWORK, 2006-2015). Assim como na Holanda, Irlanda e Itália. Em Portugal, se

extinguirá um ano mais tarde. Nosso vizinho Uruguai terá vida mais longa ao impresso,

tendendo a desaparecer em 2035, e para a Argentina, a previsão é 2039. A linha do

tempo desta morte anunciada começou a se configurar já no século passado, com o

surgimento da internet. Mas foi nos primeiros anos deste século que a rede mundial de

computadores dispersos por todo o planeta começou a produzir seus efeitos mais

significativos em relação ao jornalismo. Até passar a ser considerada a primeira fonte

de notícias, em 2011 (informação verbal)2, a internet fez surgir, em 2004, o Google e o

Facebook; em 2005, o YouTube; em 2006, o Twitter; e em 2009, o WhatsApp. No

1 Mestranda no PPGCOM da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Linha Política e Práticas Profissionais na Comunicação. Orientada pelo Prof. Dr. Antonio Hohlfeldt. E-mail para contato: [email protected] 2 Informação fornecida por João Canavilhas em aula na PUCRS em ago. 2018.

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mesmo período, a Apple lançou o Iphone (IOS), em 2007, o Ipad, em 2010, e o iWatch,

em 2014. Em 2008, o Google apresentou o Android e, em 2013, o Google Glass.

Mesmo quem afirme viver sem celular ou computador é influenciado pelas

inovações listadas. De acordo com Canavilhas (2010, p. 3): “(...) a emergência da

Internet veio alterar o ecossistema mediático e a forma como nos relacionamos com os

meios”. Ou, como profetizou McLuhan (1964, p. 199): "Um nôvo meio nunca se soma a

um velho, nem deixa o velho em paz. Êle nunca cessa de oprimir os velhos meios, até

que encontre para êles novas configurações e posições". No tocante ao jornalismo, as

novas configurações podem ser entendidas como a nova forma de apresentar e

consumir notícia. Em um cenário em que a informação é abundante, a partir do momento

em que a internet passou a ser um meio, a perda de leitores foi uma consequência

natural.

A adaptação a este cenário ocorre de maneira desordenada, uma vez que as

mudanças no campo jornalístico se fazem notar em quatro diferentes frentes,

envolvendo tecnologia, profissionais, conteúdos e empresas. Dado que "quando uma

nova tecnologia é introduzida num ambiente social, ela não cessa de agir nesse

ambiente até a saturação de tôdas as instituições" (MCLUHAN, 1964, p. 203),

analisemos como se portou o jornal O Sul, tentando identificar algumas dessas

mudanças. Editado em Porto Alegre, o jornal O Sul nasceu na era da internet e deixou

de ser publicado na forma impressa pouco depois de completar uma década de

existência, migrando para a internet. Pertence ao grupo Rede Pampa de Comunicação,

proprietário de emissoras de rádio e TV no Estado do Rio Grande do Sul.

No período analisado, que compreende a primeira e a última semana de

circulação em papel, totalizando 14 edições, O Sul apresentou mudanças significativas

em seu conteúdo. A mais saliente delas é a ausência de matérias próprias na última

semana. Comparando os dois períodos, o jornal apresenta, de 2 a 9 de julho de 2001

(no início, circulou com edição conjunta em fim de semana, sendo a edição de 7 e 8 de

julho), 57 matérias assinadas por profissionais da redação, identificados pela assinatura

no alto dos textos e que constam no Expediente publicado pelo jornal. Na última

semana, 2 a 8 de abril de 2015, foram somente duas matérias assinadas por

profissionais da redação, identificados no alto dos textos, e uma matéria assinada por

profissional da redação, identificado no fim do texto. Outra mudança é a ausência de

temas locais em chamadas de capa em duas edições na última semana, sendo que das

cinco restantes, em uma delas, o destaque local foi para os times de futebol da capital

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do Estado, Internacional e Grêmio, que disputaram partidas consideradas normais

(nenhuma decisão de competição).

No corpo das edições, as matérias assinadas do primeiro período retratam

assuntos locais, com reportagens exclusivas e outras ampliando assuntos nacionais,

mas sempre com um olhar local do veículo sobre temas que dizem respeito à

comunidade na qual está inserido. As questões que ganham destaque na cobertura feita

pelo jornal O Sul na sua primeira semana são de ordem política, econômica e de

segurança. O investimento em investigação e reportagem própria nesta fase é visível,

quando o jornal tentava se firmar perante o leitor, procurando se destacar dos demais

veículos impressos existentes à época na cidade, com públicos consolidados: Zero

Hora, Correio do Povo, Diário Gaúcho e Jornal do Comércio. O mesmo não podendo

ser verificado na última semana, quando predominam matérias de agências e sites, e

os assuntos em destaque são os internacionais, de saúde e relacionados a

celebridades.

Como vimos, as mudanças no ecossistema midiático a partir do início dos anos

2000 foram intensas, proporcionando a entrada de novos players no mercado, como

blogueiros e influenciadores digitais, o aparecimento de novas ferramentas e

plataformas, a incorporação de novas rotinas de busca e produção de informação, a

mudança na perecibilidade de conteúdos e o surgimento de uma nova audiência, muito

mais exigente e empoderada. Mudar e transformar-se faz parte da essência do

jornalismo, cuja trajetória, analisada a partir da realidade da América do Norte por

Charron e De Bonville (2016), evidencia as diferentes fases pelas quais a imprensa

transitou ao chegar até aqui. Começa com um jornalismo de transmissão, verificado no

século XVII, quando os primeiros gazeteiros se limitavam a divulgar informações e

correspondências que lhes eram enviadas. Passa pelo jornalismo de opinião, no século

XIX, quando o jornal está a serviço de lutas políticas, se reinventa como jornalismo de

informação, no fim do século XIX e começo do seguinte, quando a notícia surge como

um produto vendável, até chegar ao estágio do jornalismo de comunicação, que tomou

força a partir dos anos 1970 e 1980, impulsionado pela multiplicação dos suportes

midiáticos e dos serviços de informação.

É nesta última fase que, como defendem os autores, “os jornalistas deixam

transparecer mais abertamente sua subjetividade e tentam estabelecer com o público,

cada vez mais ‘especializado’, laços de conivência e de intersubjetividade” (CHARRON;

DE BONVILLE, 2016, p. 30). O Sul, pelo que o levantamento mostra, procurou valer-se

da internet no que ela tem de mais abundante: a oferta de conteúdo. A variedade de

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temas na última semana - além dos já destacados - coloca à disposição do leitor um

farto cardápio de notícias. Que podem ser encontradas em sites, outros veículos

impressos, blogs e redes sociais de personalidades, cada vez mais abastecidas pelos

smartphones, mas em O Sul estão todas no mesmo lugar. Tudo está nas páginas de O

Sul na sua derradeira semana como veículo impresso, o que pode ser uma vantagem

para o público da época que encontrava no jornal um apanhado do que estava na rede.

Mas que em nada se assemelha a uma tentativa de criar laços com os leitores.

O nome de um jornal, como evidenciam Hohlfeldt e Buckup (2002) ao

analisarem a gênese do nome do jornal Última Hora, é um dos dispositivos jornalísticos

que contribui para a identidade do veículo e diz muito sobre ele. O Sul, que tem a região

em que atua como o próprio nome, não investe em reportagens locais na segunda

semana analisada. Ostenta na capa uma denominação que não se reflete em seus

temas prioritários. Depois do jornalismo de transmissão, de opinião, de informação e de

comunicação, O Sul demonstra ter investido no que se pode classificar como jornalismo

de internet, apresentando ao leitor uma colagem de textos e matérias publicadas em

diferentes plataformas.

A falta de investimento em reportagens próprias que retratassem a

comunidade a qual pertence pode ter sido um dos fatores que contribuíram para o

término da circulação na forma impressa, além da alegação de que a receita publicitária

não acompanhou os custos em função da alta do dólar, expressa em editorial publicado

na capa da última edição. Pode-se especular que tal estratégia tenha levado o veículo

a dizimar sua relevância social, um dos desafios que se impõem ao jornalismo como

profissão e produto no cenário pós-internet, ao lado de práticas que contribuam para a

ampliação de seu público junto a novas gerações, além da urgência na descoberta de

novos modelos econômicos que façam frente à hiperconcorrência. Para o ensino do

jornalismo, entre os desafios que se impõem, estão formar profissionais multitarefas,

multiplataformas e cada vez mais autônomos, além de encontrar formas para destacar

sua relevância.

Como problemática de pesquisa, a autora pretende investigar quais os valores-

notícia O Sul apresenta nas suas primeira e última semanas de circulação na forma

impressa, procurando traçar um panorama do que ocorreu entre os dois períodos. A

proposta é tentar entender que jornalismo O Sul praticou neste cenário marcado por um

novo ecossistema midiático. Como hipótese de pesquisa, o projeto apresenta a tipologia

de um jornalismo de internet, conceito diverso dos de webjornalismo e jornalismo on-

line. Definir tal conceito, procurando entender em que medida O Sul inovou ou

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retrocedeu na prática jornalística, também é questão a ser explorada na pesquisa, que

tem por objetivo lançar luz sobre o futuro do jornalismo partindo de um estudo de caso

de capítulo recente da história da imprensa no Rio Grande do Sul.

Referências

CANAVILHAS, João. O novo ecossistema mediático. Covilhã. 2010. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/canavilhas-joao-o-novo-ecossistema-mediatico.pdf>. Acesso em: 16 set. 2018.

CHARRON, Jean; DE BONVILLE, Jean. Natureza e transformação do jornalismo. Florianópolis: Insular, 2016.

FUTURE Exploration Network. Future of media. 2006-2015. Disponível em: <http://futureexploration.net/future-of-media>. Acesso em: 17 set. 2018.

HOHLFELDT, Antonio; BUCKUP, Carolina. Última Hora: populismo nacionalista nas páginas de um jornal. Porto Alegre: Sulina, 2002.

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1964.

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TENSIONAMENTOS SOBRE O USO DE MÉTRICAS DE AUDIÊNCIA NAS ROTINAS PRODUTIVAS DE JORNALISTAS

Janaína Kalsing1 - UFRGS

Palavras-chave

Métricas. Audiência. Jornalismo digital. Rotinas produtivas.

O presente resumo expandido apresenta dúvidas acerca do objeto e do

referencial teórico a ser utilizado no projeto de qualificação de doutorado em andamento

no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação na Universidade

Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM/UFRGS). A tese buscará compreender de que

maneira o uso de softwares de audiência operam nas rotinas produtivas dos jornalistas.

Para tanto, a análise deve ocorrer por meio de entrevistas em profundidade com

jornalistas e gestores de uma redação de referência do país, ainda indefinida.

O surgimento de ferramentas sofisticadas para rastrear as preferências do

público online começou a mudar a forma como os produtores de mídia pensam sobre

as audiências da mídia. Pesquisas sugerem que, depois de resistir ou ignorar as

preferências do público, jornalistas estão se tornando cada vez mais conscientes e

adaptáveis aos gostos dos consumidores. Preferências manifestadas por meio de

métricas de audiência, medidas por meio de programas específicos, como Chartbeat2 e

o Google Analytics3.

Por outro lado, estudos apontam que há um tensionamento entre a autoridade

do jornalista e a do software, uma vez que fluxos e rotinas são alterados e surgem

questionamentos sobre valores tradicionais do jornalismo, como decidir o que é notícia

e o que merece ser destacado. Com esse novo ingrediente nas redações, pode estar

havendo um tensionamento entre a perseguição das métricas x relevância e valores do

jornalismo. Considerando esse contexto, o questionamento norteador desta pesquisa é:

que impactos as análises de métricas de audiência têm sobre as rotinas produtivas?

1 Doutoranda no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Jornalismo e Processos Editoriais, orientada pelo Profª. Dra. Ana Cláudia Gruszynski. E-mail para contato: [email protected] 2 Software de exibição de métricas em tempo real, utilizado especialmente para monitorar a homepage de sites jornalísticos. 3 Serviço gratuito de recursos analíticos para sites/empresas que criam conta em sua plataforma.

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O objetivo geral da tese é investigar como as métricas de audiência operam

nas rotinas produtivas da redação. Os específicos são: descrever a relação dos

jornalistas com as métricas de audiência e de que forma elas têm agido na rotina

produtiva de jornalistas; e tensionar a visão que os jornalistas têm sobre a audiência.

Embora o projeto ainda não tenha sido apresentado à banca de qualificação,

uma das alternativas encontradas seria compreender como as métricas incidem em

quatro instâncias: rotinas produtivas, valores éticos, questões tecnológicas e de gestão.

Entende-se, também, que pistas podem ser encontradas na convergência dos estudos

de cultura organizacional, sociologia das profissões e teorias do jornalismo.

De acordo com Scolari (2008), desde a última década do século XX, processos

de produção comunicativa incorporaram novos perfis profissionais, ao mesmo tempo

em que redesenharam as funções dos papéis tradicionais. Se de um lado algumas

funções tendem a desaparecer, outras surgem ou são amplamente modificadas. O autor

afirma que, desde o momento em que a comunicação se volta para a interatividade e

para a multimedialidade, a força de trabalho muda e são geradas novas rotinas

produtivas. No caso dos jornalistas, as transformações levam os profissionais a se

converter em produtores-gestores polivalentes da informação em diferentes suportes e

formatos. A polivalência, explica, se dá em diferentes níveis, não excludentes.

O papel do jornalista de outrora deixou de existir, avalia Adghirni (2005).

Segunda ela, "o jornalista hoje se tornou um burocrata da notícia sentado diante de um

computador que lhe serve de fonte de informação, sala de redação, tela de texto" (p.

47). Pessimista, diz que o profissional, assim como a sociedade, não acredita mais na

função do jornalismo. A autora vai além na crítica, ao avaliar que a ideia do jornalismo

como contra-poder e vigia dos poderes está ameaçada pela "concepção puramente

mercadológica das empresas". Citando a Escola de Frankfurt, sustenta que os

"processos decisórios nas seleções das notícias não estão restritos às redações de

jornais, entre repórteres e editores, mas se submetem aos serviços das estratégias de

pessoas e organizações com vista à influência da cobertura jornalística" (ADGHIRNI,

2005, p. 46).

No mesmo sentido, o aprimoramento do uso de ferramentas para acompanhar

a audiência de forma instantânea parece ecoar no que Neveu (2006) chamou de

jornalismo de mercado: o conjunto de fatores em que a busca de rentabilidade máxima

redefine a prática jornalística, fazendo com que as lógicas do campo econômico

pressionem a autonomia do campo jornalístico.

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A disputa pela atenção da audiência e a possibilidade de medí-la em tempo

real influencia a rotina jornalística: as decisões editoriais de manter em destaque no site

e de produzir um conteúdo deixa de ser somente relevância para se tornar o

desempenho ou o potencial de “cliques” de uma notícia. Em um campo profissional

movediço em que os trabalhadores são “chantageados pelo desemprego”

(MARCONDES FILHO, 2000, p. 58), o “bom jornalista”:

[...] era aquele capaz de prever as construções de manchetes e títulos que mais atrairiam audiência, fosse via cliques diretos na capa do webjornal, fosse através de boas práticas de SEO4 que posicionassem as matérias favoravelmente em resultados de ferramentas de busca. (TRASEL, 2014, p. 84-85)

Para Marcondes Filho (2000), a perseguição do alto tráfego do conteúdo faz

parte de duas das três tendências advindas da união da lógica da convergência digital

com uma força de trabalho flexível: 1) empregos em perigo e autônomos condenados a

cobrir ampla variedade de temas por salários baixos; 2) desaparecimento dos jornalistas

especializados de áreas de coberturas mais custosas e menos capazes de capitalizar

audiência e 3) foco na busca pela atenção das audiências, em que o jornalismo visa

atrair a atenção, oferecendo proximidade e simplicidade.

Os critérios de noticiabilidade sempre estiveram relacionados à ideia de

construção da audiência, explica Mesquita (2015, p. 2-3). O que mudou, diz, é que antes

da internet a audiência era presumida pelos repórteres, pelos editores e pelas

empresas. Agora, ela é potente e "manifesta seu interesse ou descontentamento junto

aos veículos de comunicação na forma de likes, compartilhamentos, visualizações,

comentários", assim como clicando, permanecendo conectada e dando informações de

perfil por meio de login em um determinado link ou falando sobre um tema específico e

tornando-o relevante em sites de redes sociais, por exemplo.

Sendo assim, este resumo expandido traz algumas dúvidas e inquietações que

surgiram durante a elaboração do projeto de qualificação, tais como: há, efetivamente,

um problema de pesquisa? O objetivo está claramente delimitado? Esse estudo, com o

aporte teórico pretendido, torna possível inferir conclusões acerca das alterações nas

rotinas produtivas? As respostas a tais perguntas certamente ajudarão o

desenvolvimento do projeto.

4 Search Engine Optimization (SEO) são técnicas e estratégias para aumentar os acessos do site melhorando o posicionamento de seu conteúdo nos resultados orgânicos (naturais e não pagos) dos mecanismos de busca da internet, como a criação otimizadas de palavras-chaves e atenção às tendências do que o público está procurando na internet no momento.

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Referências

ADGHIRNI, Zélia Leal. O Jornalista: do mito ao Mercado. In: Estudos em Jornalismo e Mídia. Volume II, nº 1 - 1º Semestre de 2005.

MARCONDES FILHO, C. Comunicação e Jornalismo: A saga dos cães perdidos. São Paulo: Hacker, 2000.

MESQUITA, Giovana Borges. Já não se faz notícia como antigamente: as mudanças que a audiência tem provocado na relação com o jornalismo. XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Rio de Janeiro, 4-7 set. 2015.

NEVEU, Erik. Sociologia do jornalismo. São Paulo: Loyola, 2006.

SCOLARI, C. A. Hipermediaciones: elementos para uma Teoria de la Comunicación Digital Interativa. Barcelona: Gedisa, 2008.

TRÄSEL, Marcelo. Entrevistando planilhas. Tese de doutorado. PUCRS, 2014.

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O APROFUNDAMENTO DO CONCEITO DE FONTE JORNALÍSTICA NA GERAÇÃO DE CONTEXTO E TRANSPARÊNCIA

Marília Gehrke1 - UFRGS

Palavras-chave

Jornalismo. Fontes. Contextualização. Hipertexto. Transparência.

O estudo das fontes jornalísticas é o tema principal deste resumo expandido.

Discuto, neste trabalho, a necessidade de refletir sobre esse conceito. Após exercitar o

olhar sobre o uso documentos no jornalismo guiado por dados (GEHRKE, 2018), em

que detectei uma lacuna teórica, percebo que há espaço para aprofundar a discussão

sobre o que se entende por fonte jornalística.

Uma das principais dificuldades que encontrei, ao escrever a dissertação, foi

definir um conceito operacional de fonte para identificar a origem da informação utilizada

nas notícias que analisei. O conceito com o qual trabalhei é que fonte significa “[…]

pessoa ou documento, incluídas as bases de dados, cuja informação ou conhecimento

foi empregado de forma explícita em uma notícia, seja ao longo do texto, seja por meio

de escrita hipertextual ou apenas como referência para uma visualização.” (GEHRKE,

2018, p. 29).

Essa foi uma primeira aproximação com uma tentativa de definição que leva

em conta o uso de escrita hipertextual como parte do conceito. Dessa forma, o texto

deixa de ser algo estático e passa a operar em camadas de aprofundamento. Minha

hipótese é que, a partir dessas camadas, viabilizadas pela clareza na origem da fonte,

o jornalismo está apto a promover contextualização e transparência no método à medida

que indica materiais consultados e caminhos de leitura. Este é um início de discussão

para os estudos que proponho no doutorado, caminho sobre o qual ainda tenho dúvidas.

Empregadas no texto jornalístico para atribuir a origem da informação, as

fontes jornalísticas são definidas, basicamente, como pessoas ou documentos

consultados para a elaboração de conteúdo (GANS, 2004; PINTO, 2000). Ainda que

1 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Jornalismo e Processos Editoriais, Orientada pela Profa. Dra. Marcia Benetti. Jornalista, membro do Núcleo de Pesquisa em Jornalismo (Nupejor – CNPq/ UFRGS) e do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Digital (JorDi – CNPq/UFRGS). E-mail para contato: [email protected]

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tenha observado pessoalmente algum acontecimento, o repórter baseia-se no

depoimento ou informação de outras pessoas ou instituições para descobrir, corroborar

ou complementar aquilo que já é de seu conhecimento. Nos últimos 50 anos, as

principais classificações teóricas levaram em conta as fontes oficiais, oficiosas e

alternativas. E, para além da classificação genérica, as principais discussões

bibliográficas ocorreram em torno das fontes pessoais, abrindo uma lacuna para o

estudo de fontes documentais.

Parto da perspectiva de sociedade em rede (CASTELLS, 2015), termo utilizado

para designar um conjunto de práticas sociais da atualidade levando em conta uma

estrutura global permeada por redes ativadas por tecnologias de Comunicação e

Informação processadas digitalmente. Esse cenário de mudanças tecnológicas é

observado desde os anos de 1970, principalmente nos Estados Unidos. Para Castells

(2016), existe uma interação entre as fontes de conhecimento tecnológico e a aplicação

da tecnologia para aprimorar o processo da informação.

É fato que, com as redes digitais e a informatização das redações,

especialmente a partir dos anos de 1980, e na sequência com a internet, dos anos de

1990 em diante, cresceram as possibilidades de consulta às fontes. Machado (2003),

por exemplo, discute o ciberespaço como fonte para os jornalistas, a partir de técnicas

de pesquisa e apuração. Ainda que a inserção dos primeiros jornais na Web tenha sido

tão somente uma transposição de notícias publicadas na versão impressa,

caracterizando o que Mielniczuk (2003, p. 32) chamou de “Webjornalismo de primeira

geração”, nota-se que, atualmente, existe maior preocupação no estabelecimento de

narrativas jornalísticas próprias para a Web.

O hipertexto é a primeira das sete características apontadas na publicação de

Canavilhas (2014) sobre o Webjornalismo, que ainda envolve multimidialidade,

interação, memória, instantaneidade, ubiquidade e personalização. Neste resumo

expandido, discuto brevemente seu uso na relação com as fontes em termos de

transparência e contextualização. O texto é o elemento fundamental no Webjornalismo

(CANAVILHAS, 2014). O termo hipertexto, segundo o autor, foi utilizado pela primeira

vez nos anos de 1960 por Theodor Nelson para representar uma escrita não sequencial,

ou seja, um texto com vários caminhos de leitura, interligando blocos informativos.

Coddington (2012) lembra que os links são utilizados, hoje, em diversas atividades

online, incluindo mecanismos de busca e também na obtenção de informações. O

hiperlink ainda envolve o aproveitamento da estrutura digital de escrita, em oposição

aos canais tradicionais de mídia impressa e radiodifusão.

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Meus estudos têm o jornalismo guiado por dados (JGD) como principal fundo

teórico. O conceito tem raízes em práticas científicas e tomou forma principalmente a

partir dos anos 2000, mesma época em que foi ampliada a quantidade de portais da

transparência, repositórios públicos e a legislação sobre dados abertos e informação

pública massiva disponível à população. Desde então, os jornalistas e o público geral

têm acesso às mesmas fontes documentais de informação, que classifiquei em três

tipos: arquivo documental, estatística e reprodução (GEHRKE, 2018).

Os documentos, segundo Coddington (2015), caracterizam uma forma muito

particular de evidência no Jornalismo, e isso está conectado com as estruturas

burocráticas do poder. Os documentos traduzem uma espécie de realidade social e

conferem uma credibilidade difícil de atingir simplesmente a partir da descrição.

Segundo o autor, o uso de documentos perdeu espaço no início dos anos de 1900,

dando lugar principalmente à entrevista como forma de obter informações, mas voltou

a crescer nos anos de 1980, com as práticas da Reportagem Assistida por Computador

(RAC), um dos precursores do JGD.

Para Coddington (2012), a função do hiperlink vai além de apenas citar a fonte,

pois estabelece uma conexão entre os leitores e a origem da informação. Assim, permite

que eles tenham uma experiência personalizada sobre o quanto desejam avançar no

conhecimento e na contextualização do mesmo tema. É diferente do processo

tradicional de apenas citar a fonte, pois pressupõe outra camada de conhecimento. Além

disso, o leitor pode aferir a qualidade da fonte consultada. Outra possibilidade de uso

do hiperlink é levar o leitor ao passo a passo da produção noticiosa. No caso de práticas

do JGD, pode incluir o código de programação utilizado.

Lückmann e Fonseca (2017) entendem a contextualização no jornalismo em

relação aos acontecimentos anteriores dentro de um mesmo tema gerador da notícia,

considerando a tecnologia disponível para tal. Zamith (2011) é um dos autores que

analisa a contextualização no jornalismo digital. Para ele, o jornalismo contextualizado

aproveita as potencialidades da internet, incluindo as características específicas do

meio. Dessa forma, o uso de escrita hipertextual é uma das formas de promover a

contextualização e permitir que o leitor busque informações adicionais.

Além da contextualização, o uso de escrita hipertextual, no jornalismo, auxilia

no processo de transparência no método, já que remete à origem de consulta às fontes

e aos procedimentos empregados. Parto da premissa de que a discussão sobre

transparência, a exemplo do que defendem autores como Karlsson (2010), Kovach e

Rosenstiel (2004), Vos; Craft (2016) e Weinberger (2009), pode somar ao debate já

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existente sobre a objetividade jornalística. A transparência no método vem sendo

discutida como valor jornalístico especialmente a partir dos anos 2000 (VOS; CRAFT,

2016). Para Weinberger (2009), a transparência jornalística só faz sentido neste

ambiente conectado.

O hiperlink foi a ferramenta de transparência mais lembrada pelos leitores que

participaram de um longo estudo sueco sobre o tema entre 2013 e 2015 (KARLSSON;

CLERWALL, 2018). Nos grupos focais, os leitores apontaram que temas complexos não

têm sua abordagem contemplada em apenas uma notícia, por isso os hiperlinks são

estratégicos para apontar caminhos e promover mais informação. Os leitores

consultados também acreditam que os hiperlinks têm de fornecer conteúdo de fontes

credíveis e relevantes.

Procurei mostrar, neste resumo, que, utilizado de forma combinada às fontes,

o hipertexto auxilia no processo de contextualização e transparência do conteúdo

jornalístico. Tradicionalmente estruturado em pilares como verdade, verificação,

investigação e fiscalização (KOVACH; ROSENSTIEL, 2004; REGINATO, 2016), o

jornalismo assim se justifica como prática vital à orientação da vida em sociedade,

levando ao público informação qualificada e checada.

Diante das reflexões, proponho um debate em torno do conceito de fonte

jornalística. Entre os questionamentos pertinentes, estão: o que levar em conta para

definir fonte no ambiente digital? É preciso estabelecer níveis de contextualização e

transparência? Trata-se de uma questão importante para leitores ou apenas para

jornalistas e pesquisadores? Como melhorar a qualidade do jornalismo ou torná-lo mais

credível a partir do aprofundamento do conceito de fonte jornalística? Quais são as

análises possíveis?

Referências

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PODEM FERRAMENTAS INTERATIVAS SER CONSIDERADAS PRODUTOS JORNALÍSTICOS?

Marlise Brenol1 - UFRGS

Palavras-chave

Produtos jornalísticos. Jornalismo digital. Ferramentas interativas.

A internet possibilitou ao Jornalismo o desenvolvimento de narrativas com

características específicas do meio digital. Autores da Comunicação elencaram estas

características a partir de estudos que evidenciaram ao longo das duas primeiras

décadas a utilização de recursos específicos. Ao sistematizar estas características,

Bardoel e Deuze (2001) indicaram quatro elementos: Interatividade, Customização de

conteúdo, Hipertextualidade e Multimidialidade. Palácios adicionou ainda a memória e

a instantaneidade do acesso como características do meio, por possibilitar a atualização

contínua do material informativo (PALACIOS et al, 2002). Para Mielniczuk (2003), as

características do webjornalismo são: interatividade, customização de conteúdos ou

personalização, hipertextualidade, multimídia ou convergência e memória. Em 2014,

Canavilhas reuniu artigos de pesquisadores da área para consolidar sete características

que marcam o webjornalismo. Além dos cinco elementos citados acima, Paul Bradshaw

(2014) conceitua e amplia a instantaneidade e John Pavlik (2014) a ubiquidade.

Os estudos das gerações do webjornalismo e jornalismo digital apontam para

a metáfora do jornal impresso na configuração do Jornalismo na internet. Essa metáfora

conota a dificuldade que os veículos de jornalismo de impresso e radiodifusão

encontraram ao adotar a internet como meio. No entanto, a natureza interativa da nova

mídia (MANOVICH, 2000) abriu o potencial para criação - e autoria - de conteúdos

jornalísticos estruturados com o uso de softwares ou códigos de programação capazes

de traduzir o formato centrado no texto narrativo em um formato centrado em dados e

interação. Esse é o argumento do texto publicado em 2006 com o título "Uma mudança

fundamental para sites de jornais" escrito por Adrian Holovaty. O autor argumenta que

os jornalistas são por natureza estruturadores de informações e dados, no entanto, ao

1 Marlise Brenol é mestre pelo PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Mediações e Representações Culturais e Políticas, Orientada pela profa. Dra. Maria Helena Weber. E-mail de contato: [email protected]

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transformá-los em textos os desestruturam e perdem os rastros das fontes de origem

por descartar as informações fragmentadas contidas na apuração. O raciocínio do autor

pode ser ilustrado com um exemplo prático extraído do site de notícias Gaúcha ZH. Na

notícia intitulada "Região Metropolitana tem o Natal menos violento em sete anos", as

informações estão apresentadas em forma de texto, com um infográfico de barras

mostrando um comparativo de números desde 2011. A notícia tem origem em

informações estruturadas em números exatos: "seis pessoas assassinadas, duas por

dia em média, de acordo com um levantamento feito pela editoria de Segurança de Zero

Hora e Diário Gaúcho". Essas informações são comparadas com o mesmo período de

2016, quando foram registrados 10 homicídios em 48 horas. Os dados estruturados

pelos jornalistas mostram uma organização e arquivamento de memória de dados locais

para consulta interna. No entanto, a apresentação desses dados segue o modelo

"grande gota de texto" (HOLOVATY, 2006). Os dados não estão fragmentados em

unidades manipuláveis e não podem ser consultados pelos leitores separadamente em

íntegra de documentos ou planilhas brutas. A informação estruturada que poderia ser

ela mesma um produto jornalístico no ambiente interativo e de criação (MURRAY, 2003)

acabou empacotada em texto e gráfico estático.

Diakopoulos (2012) ao tratar sobre inovação no Jornalismo também defende a

estruturação de dados no entendimento de jornalismo computacional. Para ele o

Jornalismo tem potencial de lidar com a parte das Ciências da Computação ligada às

ferramentas interativas. Ele separa em Ciências da Computação central e interativa. A

central lida com conceitos e operações matemáticas para funcionamento de um

computador como programação e desenvolvimento de softwares. A computação

interativa lida com extração de informação, modelagem e apresentação, vinculadas à

interação homem-máquina, visualização gráfica e sistemas inteligentes. Em diálogo

com as ideias Diakopoulos, para Stavelin (2014) o jornalismo computacional é o

encontro da produção jornalística e a programação computacional. Para o autor, este

tipo de jornalismo está vinculado a três critérios: 1) ser centrado em plataformas capazes

de pesquisa, discussão e narrativas de histórias; 2) gestão de modelos computacionais

capazes de analisar dados, para além da coleta; 3) ser baseado em pensamento

computacional para desenvolver softwares moldados para encontrar as melhores

soluções para o jornalismo. Stavelin aborda a produção de notícias orientada por

softwares como uma prática social em redações. O autor testou na tese doutoral o

desenvolvimento de softwares para o jornalismo na produção de uma aplicação de

interface de programação para análise de mensagens do Twitter agrupadas em clusters

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que possam ser úteis como fonte de informação e o desenvolvimento de softwares como

jornalismo a partir de um protótipo de uma ferramenta para fiscalizar os dados do

parlamento norueguês utilizando a base de dados pública das atividades no site de

transparência pública data.stortinget.no. A ferramenta experimental desenvolvida para

a tese se chamou samstemmer e estava fora do ar em janeiro de 2018.

O jornalismo computacional é estruturado em bases de dados e guiado por dados,

o que nos leva a outros dois conceitos desenvolvidos na mesma linha de raciocínio que

tensiona o encontro do Jornalismo e da Computação. O jornalismo em base de dados

(BARBOSA, 2015) é derivado do paradigma Jornalismo Digital em Base de Dados

(JDBD, BARBOSA, 2007) modelo que tem os dados como estruturantes e

organizadores da produção, criação, apresentação e circulação das informações e

produtos jornalísticos. Esta estruturação é moldada por especificidades que resultam

em sete categorias descritivas: dinamicidade, automatização, inter-

relacionamento/hiperlinkagem, flexibilidade, densidade informativa, diversidade

tematica e visualização. Assim o JDBD é um conceito amplo e abrangente para

compreender a relação funcional das bases de dados para o jornalismo em todas as

dimensões, diferente do jornalismo guiado por dados (JGD), mais instrumental. Para

Barbosa (2013), o JGD é compreendido como uma das extensões do paradigma JDBD,

pois "[...] demarca a ampliação das possibilidades de emprego das bases de dados no

processo de produção de conteúdos jornalísticos, no seu consumo e circulação."

(BARBOSA, 2013, p. 154). Para Träsel, o jornalismo em base de dados considera as

bases de dados não apenas como fontes de informação, mas como a própria estrutura

sobre a qual o jornalismo se assenta. Esse é um ponto importante de diferenciação, pois

no JGD as bases de dados são consideradas fontes para produção de conteúdos que

podem ou não ser apresentados em formatos digitais. Assim, o JGD compreende

diversas práticas profissionais tendo como fontes de informação as bases de dados e

envolvem técnicas da "[...] RAC, visualização de dados, infografia, criação e

manutenção de bases de dados e a políticas de acesso à informação e transparência

pública de governos." (TRÄSEL, 2014, p. 106).

Weaver e McCombs já na década de 1980 perceberam uma mudança da

produção da notícia como descrição de eventos específicos “na era objetividade para

buscadores mais ativos no interpretativo, investigativo, relações públicas e jornalismo

de precisão” (WEAVER, MCCOMBS, 1980, p. 491). Essa consideração se aplica, em

especial, aos jornalistas que ambicionam ser mais independentes em relação ao que as

fontes dizem e possam efetivamente investigar e ser mais relevantes no processo

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democrático, influenciando nas pautas públicas. Com as leis de transparência, como a

Lei de Acesso à Informação de 2012 no Brasil, abre-se uma oportunidade para os

jornalistas manipularem dados e construírem produtos diferentes de uma notícia textual.

Percebemos que iniciativas de formatos inovadores com o uso de bases estatísticas e

recursos de interação começaram a ser produzidos em redações. Um destes exemplos

é o caso do Government Salaries Explorer, do Texas Tribune. O jornal aciona a Lei de

Informação do Estado do Texas (Texas Public Information Act) para solicitar

periodicamente a atualização dos dados de todos os salários de funcionários estaduais,

municipais, de agências públicas, universidades públicas, escolas distritais e outras. É

uma ferramenta jornalística que se encaixaria no que Stavelin (2014) chama de

desenvolvimento de softwares como jornalismo.

Figura 1: Ferramenta interativa de pesquisa por salários públicos

Fonte: Site do Texas Tribune

O acesso aos dados também permite desenvolvimento de produtos digitais

interativos com resultado individualizado, num modelo de inserção de dados pessoais

para calcular um resultado específico. É o caso do interativo do Nexo para descobrir o

clima ideal de acordo com a preferência de cada leitor. O jornal utilizou o Banco de

Dados Meteorológico para Ensino e Pesquisa numa série histórica com registros a partir

de 1961.

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Figura 2: Ferramenta interativa sobre o clima ideal por Estado Brasileiro

Fonte: Site do Nexo

Os exemplos empíricos citados podem ser observados sob o ponto de vista da

arquitetura da informação, ou seja, da organização dos conteúdos jornalísticos, e

diferem-se do texto jornalístico em formato de gota (HOLOVATY, 2006). Em comum,

eles utilizam dados estruturados e características do webjornalismo como

personalização, interação, memória, sendo arquitetados a partir do desenvolvimento de

programação para a internet. Como indicou Barbosa (2005), as bases de dados como

estrutura têm potencial de "[...] originar novos gêneros ou híbridos entre gêneros, assim

como remediações em relação aos gêneros jornalísticos tradicionais." (BARBOSA,

2005, p. 1455).

Essas caracterizações são suficientes para configurar um conceito de produto

jornalístico de mídia automatizada? As ferramentas digitais são elas mesmas produtos

jornalísticos independentes das leituras textuais e narrativas delas derivadas? O uso

das características do jornalismo digital e o lugar onde a ferramenta é publicada são

suficientes para configurar uma delimitação de produto jornalístico?

Referências

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TRÄSEL, Marcelo Ruschel. Entrevistando planilhas: estudo das crenças e do ethos de um grupo de profissionais de jornalismo guiado por dados no Brasil. Tese (Doutorado em Comunicação) Faculdade de Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS, Porto Alegre, 2014.

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EFEITO DE TRANSPARÊNCIA COMO ESTRATÉGIA DE CREDIBILIDADE NO JORNALISMO

Sílvia Lisboa1 - UFRGS

Palavras-chave

Jornalismo. Transparência. Credibilidade. Discurso. Conhecimento.

Minha proposta de tese busca investigar o funcionamento discursivo do

jornalismo através da definição e análise do efeito de transparência como estratégia de

construção da credibilidade. Apesar de ser bastante estudada em campos como o da

política e administração, especialmente após a aprovação da Lei de Acesso à

Informação2, a transparência ainda é um conceito marginal nos estudos de jornalismo

no país. No exterior, porém, o termo, normalmente classificado como um novo valor,

tem sido alvo de importantes pesquisas, e sua emergência e importância tem sido

comparada à da objetividade no início do século 20 (KOVACH; ROSENSTIEL, 2014;

WEINBERGER, 2009; VOS; CRAFT, 2008; KARLSSON, 2010; KARLSSON;

CLERWALL, 2018; TANDOC; THOMAS, 2017; PLAISANCE, 2007; INGRAM, 2010;

WEINBERGER, 2009; PETERS; BROERSMA, 2013; CRAFT, HEIM, 2008; MEIJER,

2009; DEUZE; WITSCHGE, 2015). Meu interesse partiu especialmente devido a relação

da transparência com a credibilidade jornalística, tema da minha dissertação de

mestrado.

Na tese, um dos meus objetivos será o de sistematizar a literatura americana e

europeia das últimas duas décadas que investigam como a transparência se manifesta

do ponto de vista institucional (veículos), individual (jornalistas), no discurso jornalístico

propriamente dito, e sua relação com a credibilidade, um tema caro para mim. Pretendo

avançar também na expressão discursiva da transparência – que chamo aqui de efeito

de transparência – e sua relação com a justificação do discurso jornalístico enquanto

conhecimento e a percepção da sua relevância por parte do leitor. Para isso, serão

apresentados os vários modos de funcionamento do efeito de transparência com

exemplos da imprensa nacional e internacional, os códigos deontológicos atualizados

1 Doutoranda no PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Linha Jornalismo e Processos Editoriais, Orientada pela Profa. Dra. Marcia Benetti. E-mail para contato: [email protected] 2 A Lei de Acesso à Informação, LAI, foi aprovada em 2012.

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na última década – principalmente para aumentar a abrangência do conceito de

transparência entre os deveres profissionais –, e projetos de caráter internacional que

visam aumentar a confiança no jornalismo em nível mundial.

Meu interesse neste tema vem desde o mestrado, no qual investiguei os

valores que embasam a credibilidade percebida do jornalismo3. Na dissertação, a

transparência apareceu em terceiro lugar, dentro do valor honestidade, e ao lado de

coragem institucional. Era, portanto, um valor essencial para a crença – confiar em uma

fonte de informação depende da percepção de sua honestidade e no quanto ela deixa

clara suas intenções –, mas que poderia se tornar um risco para a credibilidade se ao

invés de desnudar virtudes deixasse expostas motivações e interesses alheios ou

opostos aos princípios deontológicos do jornalismo, como a verdade e o interesse

público, ou aos valores da credibilidade mais importantes na opinião do leitor, como a

independência (LISBOA, 2012).

A transparência também se insere dentro da justificação, isto é, nas provas

trazidas pelos relatos jornalísticos que conferem efeito de verdade ao seu discurso. Para

se tornar conhecimento conforme o significado mais corrente de conhecimento na

Filosofia, o jornalismo precisa ser uma crença verdadeira justificada (LISBOA, 2012;

LISBOA, BENETTI, 2015, grifo da autora). Enquanto o conceito de verdade – entendida

aqui por meio de sua correspondência com a realidade – se mantém estável ao longo

do tempo, o de justificação se modifica e conforma em função de mudanças culturais,

sociais, econômicas e sobretudo tecnológicas que alteram o ecossistema midiático. A

discussão sobre a emergência da transparência como valor ou estratégia de

credibilidade só passou a ser pautada quando o jornalismo em rede se consolidou,

abrindo uma nova gama de possibilidade de oferecer (novas ou mais) garantias para

embasar a crença no seu discurso, como hyperlinks, espaços para comentários,

correção de erros, explicações adicionais sobre a cobertura etc. (KARLSSON,

CLERWALL, 2018).

Uma das hipóteses que norteia esta pesquisa é a de que redes sociais

modificam o jornalismo: como e o que isso acarreta para a legitimação do seu discurso

é o que pretendo descobrir. Uma das minhas premissas é que as redes sociais

repercutem na conformação dos valores associados à credibilidade, sendo que os

valores que as redes ensejam e reforçam, como a transparência e a honestidade,

3 Na pesquisa encontrei cinco valores que embasam a credibilidade percebida do jornalismo: independência, imparcialidade, honestidade, objetividade e coerência.

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ganham força nesses novos dispositivos que não são jornalísticos por excelência. Esses

novos sentidos que ganham importância podem ter o poder de reconfigurar questões

essenciais do discurso jornalístico, desde sua apresentação até a seleção de pautas,

passando pelo aprofundamento da mediação jornalística pelo contato mais direto e

próximo com o leitor. Kovach e Rosenstiel (2014) sustentam que saímos de uma era do

“confie em mim”, para a era do “mostre-me”, em que a transparência ativa do jornalismo

se tornaria uma questão central para sustentar a crença no seu discurso.

Dito isso, apresento abaixo os pressupostos que embasarão a minha tese e

sustentam o problema de pesquisa apresentado a seguir, que trago aqui para serem

debatidos pelos colegas.

Considerando que:

a) O jornalismo é um gênero discursivo particular (BENETTI, 2008), inscrito

em um contrato de comunicação (CHARAUDEAU, 2010), uma espécie de acordo

prévio que estabelece um quadro de referências comum e no qual os interlocutores

(veículos, jornalistas e leitores) devem reconhecer as permissões e restrições que

definem o gênero discursivo;

b) Dois elementos que norteiam esse contrato são a condição de dispositivo

(em que condições se diz) e condição textual (como se diz), alvos de mudanças com

a emergência do jornalismo pós-industrial, que serão problematizadas nesta

pesquisa;

c) A relação de confiança que legitima e torna possível a existência do

jornalismo tem um caráter ético (BUCCI, 2000), isto é, são valores éticos que

norteiam e dão sustentação à prática jornalística e, por essa razão, são também o

esteio de sua credibilidade na visão do público;

d) O conhecimento produzido pelo jornalismo se orienta sobre os pilares da

verdade e da justificação (LISBOA; BENETTI, 2015) e está orientado por um sentido

de fidelidade entre relato jornalístico e fato, que sustenta o imaginário social sobre

o que deva ser a prática (BENETTI; HAGEN, 2010);

g) O jornalismo é um sistema perito (MIGUEL, 1999), o que implica a crença,

por parte do público, em sua competência especializada. A credibilidade deriva da

percepção (histórica e social) de que o jornalismo é uma prática autorizada a narrar

a realidade (SERRA, 2006);

h) A emergência do jornalismo em rede (HEINRICH, 2011) coloca o público

em evidência e pressiona os veículos a explicar suas escolhas e seus métodos de

produção;

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i) A desritualização do consumo de notícias (BROERSMA; PETERS, 2013)

impõe desafios ao estudo da credibilidade jornalística, na medida que ocorre uma

mudança na percepção social do jornalismo, e o jornalismo passa a estar presente

em várias esferas/momentos da vida o leitor;

j) As mudanças na condição de dispositivo também tensionam (e

aprofundam) a função de mediação, através da qual podemos tomar conhecimento

do que ocorre no mundo (REGINATO, 2016; MORETZSOHN, 2002);

k) Apesar das transformações resultantes da tecnologia, existem valores

inegociáveis e fundamentais que sustentam a credibilidade percebida pela

audiência, como a independência, a imparcialidade, a honestidade, a objetividade e

a coerência (LISBOA, 2012);

Com base nesses pressupostos, as perguntas que norteiam o projeto de tese

são: Como o jornalismo utiliza a transparência enquanto estratégia discursiva de

construção de credibilidade? O leitor percebe esse valor como condição para a crença

no jornalismo?

Referências

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ACESSO DE NOTÍCIAS EM DISPOSITIVOS MÓVEIS

Tássia Becker Alexandre1 - UNISINOS

Palavras-chave

Jornalismo móvel. Acesso a notícias. Smartphones. Tablets. Pesquisa

aplicada.

O presente trabalho traz resultados de um levantamento sobre o acesso a

notícias em dispositivos móveis por universitários, a fim de suscitar o debate entre os

participantes do seminário acerca do tema e produzir questões para o andamento da

investigação. O estudo integra uma pesquisa de doutorado cujo objetivo geral é elaborar

um modelo de linguagem para produtos jornalísticos autóctones para smartphones e

tablets por meio de uma pesquisa aplicada.

A tese inclui a produção de um protótipo do modelo para testagem com

usuários. O protótipo será elaborado a partir de uma adaptação da metodologia projetual

do design, que tem como objetivo organizar e delimitar as etapas, os procedimentos e

as técnicas necessários à elaboração de um produto (BACK et al., 2008). Entre as

concepções de metodologia projetual, utilizo como base o Projeto E, destinado ao

desenvolvimento de interfaces gráficas amigáveis para sistemas e produtos interativos

dígito-virtuais, e constituído em seis etapas: estratégia, escopo, estrutura, esqueleto,

estética e execução (MEURER; SZABLUK, 2010).

A etapa de estratégia inclui, entre outros itens, as definições das questões

projetuais, voltada à escolha do tipo de objeto, delimitação de público e de tecnologia.

Neste texto, abordo os principais resultados do levantamento realizado para a definição

do público do protótipo, que além de servir de referência para esta produção, também

permite produzir inferências a respeito do acesso de notícias em dispositivos móveis.

O estudo foi elaborado em 2017 com estudantes de ensino superior brasileiros

(graduação, especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado) por meio de um

questionário on-line. Apesar de o ideal para a delimitação dos usuários ser a realização

de uma pesquisa mais ampla, foi preciso realizar este recorte antes da aplicação do

1 Doutoranda no PPGCC da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Linha Linguagem e Práticas Jornalísticas, Orientada pela Profa. Dra. Maria Clara Aquino Bittencourt. E-mail para contato: [email protected]

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questionário em virtude do tempo e dos recursos disponíveis. A escolha por este grupo

se deu pelo fato de que brasileiros com idade até 49 anos são os que mais utilizam

dispositivos móveis (NIELSEN, 2015), e uma grande parcela dos alunos de ensino

superior no Brasil está nestas faixas etárias mais jovens da população2. Outro fator que

contribuiu para a seleção é a minha proximidade com universitários, facilitando a

realização do estudo.

O questionário on-line, elaborado através do Google Formulários, com 25

questões, foi divulgado no meu perfil do Facebook e em grupos específicos de

estudantes e universidades, além de compartilhamentos realizados a partir da postagem

original. O questionário foi disponibilizado no dia 23 de outubro de 2017 e recebeu

respostas até 13 de novembro de 2017. Ao todo, 463 pessoas responderam à pesquisa,

sendo que uma sinalizou que não aceitava participar e outras 30 indicaram que não

eram estudantes, resultando em 432 participações válidas à proposta do estudo.

Os participantes da pesquisa possuem idades entre 17 e 61 anos, com maior

concentração nas faixas etárias de 17 a 22 anos (37,8%) e 23 a 28 anos (35%). Em

relação ao local de residência, foram mencionadas 115 cidades de 21 estados

brasileiros e Distrito Federal. O maior número informou morar no Rio Grande do Sul

(45,8%), seguidos por moradores de Santa Catarina (10%), São Paulo (8,6%), Rio de

Janeiro (8,1%) e Pernambuco (5,8%).

Embora os resultados não possam ser generalizados devido à amostra não ser

calculada estatisticamente, o levantamento foi importante para a compreensão dos

hábitos de acesso à notícia em smartphones e tablets por esses usuários e, também,

para a própria delimitação da proposta da pesquisa. O projeto original voltava-se à

elaboração de um telejornal para os devices, entretanto, muitos respondentes

sinalizaram uma preferência maior por textos (96,3%) e fotografias (60,5%), em que os

vídeos foram destacados em quase 50% das respostas. Alguns inclusive indicaram que

não possuem o hábito de assistir vídeos porque geralmente estão sem fones de ouvido

e não podem escutar o áudio que acompanha as imagens. Ainda, há a preocupação

com o gasto de dados móveis e de bateria do aparelho. Desta forma, observei que a

linguagem audiovisual pode compor uma narrativa para os dispositivos móveis,

entretanto, deve ser combinada a outros formatos multimídia – o que impulsionou a

mudança da proposição inicial.

2 Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2014, 58,5% dos estudantes com idades entre 18 e 24 anos frequentavam o ensino superior no país (IBGE, 2015).

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Com o levantamento foi possível verificar que quase a totalidade dos

estudantes possui smartphone (98,4%) e o utiliza para acessar notícias. Apenas 0,5%

dos participantes usa exclusivamente o tablet para consumir conteúdos noticiosos e

16% informa-se tanto em tablets quanto em smartphones. Tais resultados permitem

inferir que um produto jornalístico para dispositivos móveis deve ter como parâmetro

tamanhos menores de tela para a sua elaboração, com atenção à dimensão dos

conteúdos, a fim de assegurar o conforto na visualização das informações.

Aqueles que responderam que não acessam notícias em smartphones e/ou

tablets apontaram como principais motivos questões individuais, como a preferência por

outros suportes e a falta de tempo, mas também aspectos técnicos, a exemplo do fato

de os dispositivos atrapalharem a visualização das notícias. Isso corrobora com a

necessidade em se atentar para a dimensão das informações, tornando a experiência

de navegação mais prazerosa ao usuário.

Apesar de a conexão banda larga via Wi-Fi ser a mais usada para acessar

notícias nos dispositivos, dois terços dos participantes ressaltaram que também utilizam

redes móveis. Trata-se de uma informação importante, pois, considerando a realidade

brasileira, em que a desigualdade de acesso entre classes sociais e regiões, e a

abrangência e qualidade do sinal de internet móvel são entraves à navegação3, é

possível que conteúdos não sejam exibidos dependendo da conexão. Aliás, alguns

estudantes sinalizaram que uma das dificuldades para o acesso às notícias em

smartphones e tablets é justamente a conexão lenta. O gasto de dados móveis também

é identificado como um dos motivos para a não visualização de transmissões ao vivo.

Além disso, quase metade dos participantes afirmou acessar informações em períodos

de mobilidade, o que, em geral, demanda o uso de dados móveis, reforçando o cuidado

com o formato e tamanho dos conteúdos.

As notícias são acessadas nos dispositivos móveis principalmente durante os

momentos de espera e/ou os intervalos entre atividades, períodos de mobilidade, antes

de dormir ou ao acordar. Também foi registrado um baixo interesse pelas transmissões

ao vivo. Estes resultados dão pistas de que a busca por informações não segue uma

rotina prévia, pelo contrário, diversas questões apontam a preferência por um consumo

sob demanda, de acordo com a disponibilidade do usuário. Isso não exclui a

3 Baseado em dados da Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação no Brasil (TIC Domicílios 2016) (CETIC, 2017) e Global State Mobile of Networks 2017 (OPEN SIGNAL, 2017).

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possibilidade de se realizar exibições em tempo real ou com hora determinada, mas é

preciso permitir também que o material esteja disponível para posterior acesso.

Dentre os canais para acesso às notícias em dispositivos móveis listados no

questionário, o Facebook é o mais mencionado (85,9%). Em seguida, aparecem os sites

de notícias acessados por meio do navegador (71,3%), WhatsApp (39%), Instagram

(31,8%), aplicativos noticiosos (31,3%), Twitter (27,3%) e Youtube (21,1%). O uso das

redes sociais como principal fonte de notícias nos devices configura-se como um desafio

à elaboração de um produto autóctone, pois envolve refletir sobre como conquistar a

confiança dos usuários em meio à proliferação de notícias falsas, os recursos nativos

dos smartphones e tablets a serem aplicados aos conteúdos, e a questão dos algoritmos

e os limites à visualização das notícias ofertadas por meio desses sites.

Os estudantes destacaram também que o layout desagradável é um entrave à

navegação, enfatizando o cuidado que se deve ter com o design das informações.

Vídeos demorados e textos grandes foram referenciados como aspectos negativos,

sugerindo o interesse por materiais mais curtos e objetivos. Ainda, anúncios e paywall

foram assinalados como dificuldades para o acesso, reforçando a necessidade em se

planejar um modelo de negócio eficaz, adequado e específico para o meio digital, como

já vem sendo abordado por pesquisadores da área (COSTA, 2014; ANDERSON; BELL;

SHIRKY, 2013).

A busca pela facilidade para acessar notícias, as conexões ruins como entraves

à navegação, o acesso em mobilidade e em períodos de inatividade, dentre outros

aspectos identificados no levantamento, sugerem que o planejamento de um produto

jornalístico para dispositivos móveis, independente do formato que possua, deve buscar

uma comunicação objetiva e rápida. O desafio, entretanto, é oferecer conteúdo

aprofundado e diferenciado nesse formato.

Mesmo que aponte indicativos sobre produtos jornalísticos móveis, o

levantamento suscita questionamentos: Como balancear a busca por conteúdo objetivo

com o uso das potencialidades dos dispositivos móveis para oferecer conteúdo

aprofundado e diferenciado? Como planejar um produto dessa natureza quando a

pesquisa mostrou que o acesso às notícias ocorre mais via sites de rede social? Acredito

que as colocações e sugestões dos colegas no Seminário Discente possam lançar luzes

a algumas destas questões.

Referências

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DAS NARRATIVAS AUTÔNOMAS ÀS FAKE NEWS: AS PEQUENAS VERDADES E A INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE

Tiago Segabinazzi1 - UNISINOS

Palavras-chave

Fake news. Pós-verdade. Narrativas. Verdade.

Já há algum tempo que não se pode mais falar em comunicação sem levar em

conta as narrativas autônomas que têm emergido, mais notadamente, neste século. São

propostas que trazem discursos e valores alternativos – por exemplo, ao jornalismo

industrial – e permitem que grupos e culturas não representados, se mostrem e mostrem

suas lutas e reivindicações.

Frequentemente o que se vê é um choque entre a visão de mundo destas

iniciativas e uma ótica, digamos, mais tradicional das mídias. Por isso, estas práticas

também são chamadas de midiativismo: formas de contracomunicação que inserem

outros pontos de vista na composição do panorama midiático-noticioso – a partir de uma

perspectiva de que haja culturas invisibilizadas e, portanto, oprimidas simbolicamente e

também nas formas daí decorrentes.

Tecnologias de informação e comunicação têm contribuído neste processo ao

serem adotadas e direcionadas para processos midiáticos por estas iniciativas; e os

sites de rede social se mostram um ambiente propício e aglutinador para a

materialização do fenômeno que Castells (2011) chamou de “autocomunicação de

massas”.

Na afirmação identitária de grupos excluídos e na exposição de culturas

alternativas, com visões de mundo minoritárias, é possível que haja um estreitamento

discursivo: visões de mundo específicas que podem não ter os mesmos valores do que

está estabelecido. Na produção, circulação e consumo em rede, o ambiente

proporcionado pelas ferramentas de comunicação – ao permitir que se opte por escapar

de uma representação hegemônica da realidade pela indústria midiática – não

1 Mestrando do PPGCOM da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Linha Cultura, Cidadania e Tecnologias da Comunicação, Orientado pelo Prof. Dr. Fabrício Silveira. E-mail para contato: [email protected]

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raramente cria uma “bolha”, em que os usuarios têm contato fundamentalmente com

aquilo que está de acordo com suas crenças pessoais.

A conversação em rede na internet (RECUERO, 2012), em sites como o

Facebook e o Twitter, se utilizam mecanismos para oferecer conteúdo aos usuários de

forma customizada, conforme a experiência individual e também coletiva (STRIPHAS,

2015). Nisso, têm papel essencial os algoritmos e os motores de busca, dispositivos que

visam identificar informações relevantes ao usuário e que contribuem para que tenham

cada vez mais contato com aquilo que está disposto a consumir.

Em pesquisa durante o período de campanha para as eleições de 2014 no

Brasil, Mitozo, Massuchin e Carvalho (2017) constataram, a partir de análise quantitativa

sobre os comentários em matérias sobre os candidatos àquele pleito nas páginas dos

três maiores jornais brasileiros – Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e O Globo

– no Facebook, que o debate é “majoritariamente monológico”: ou seja, não havia

reciprocidade. Apesar da grande quantidade verificada neste trabalho, os usuários

falavam sozinhos e quando havia reciprocidade boa parte se destinava a radicalizar o

discurso. A tentativa de persuasão era o que marcava as postagens.

A rede tem caráter de comunidade acima de tudo, pois aglutina pessoas com

pontos de vista em comum, segundo Wolton (2010) e conforme já constatado

empiricamente também em pesquisa sobre oferta de conteúdos e perfis ideológicos:

“[...] buracos estruturais que limitam o contato entre os grupos na rede, e a ação de filtro

dos atores faz com que em seus grupos circulem, principalmente, aqueles discursos

que ecoam seu posicionamento político e suas visões de mundo.” (RECUERO; ZAGO;

SOARES, 2017, p. 24).

A crescente personalização de conteúdo contribui para a formação de filtros

bolha: o consumo de informações de nosso interesse e do que é indicado a partir do

interesse de nossos contatos pode nos distanciar da heterogeneidade disponível na

realidade e alterar nossa forma de pensamento a partir daquilo que consumimos: “[...] a

ascensão do filtro bolha não afeta apenas a forma como processamos as notícias.

Também pode afetar como pensamos.” (PARISER, 2011, p. 76)2.

Ao que tudo indica, este é o caldeirão que permite que “pós-verdade” seja eleita

a palavra do ano de 2016 pelo Dicionário Oxford para tentar explicar como pequenos

discursos e até notícias falsas têm ganhado proporção mesmo diante de fatos – ou

2 Do original: “[…] the rise of the filter bubble doesn’t just affect how we process news. It can also affect how we think”. Tradução própria.

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somente da lógica. Conflitos por disputas de sentidos – sobre política, moral, meio

ambiente, religião... – se estabelecem quando uma bolha sopra seu ar a outra: e isso

nos mostra que as visões de mundo não “veneram o mesmo totem” (MAFFESOLI,

2010): há verdades e verdades.

Segundo Humberto Maturana (2001), não conseguimos distinguir entre

percepção e ilusão porque quando isto se coloca em jogo, na hora da experiência, não

podemos distinguir verdade e erro: o equívoco é sempre a posteriori. A partir disso,

podemos pensar na velocidade de consumo e distribuição de informações e na

possibilidade de checagem do que é factual. A informação já não precisa ser verdadeira

para ser legítima devido à sua velocidade de produção e consumo, sua efemeridade:

“Ha muito tempo que a informação ultrapassou a barreira da verdade para evoluir no

hiperespaço do nem verdadeiro nem falso, pois que aí tudo repousa sobre a

credibilidade instantânea.” (BAUDRILLARD, 1997, p. 59).

Dizer que a informação independe de verdade para ser legítima apoia-se na

ideia de legitimação: as pessoas podem legitimar práticas, governos, discursos,

informações sociais, lógicas ou eticamente questionáveis. A credibilidade e a confiança

são questões de atribuição de valor a partir do público e a sua percepção – não de uma

possível “verdade” intrínseca aquilo a que nos referimos: uma notícia, assim, independe

da verdade para ser legítima.

Pode independer da verdade, mas dá uma aparência de verdade ao que se

refere.

Isso, é claro, nos remete para a problemática das notícias falsas. Muito já foi

dito e ainda será sobre fake news: a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, o

Brexit na Inglaterra e tantas manifestações, discursos de ódio e confrontos físicos

impulsionados por informações falsas – como aquelas que buscavam “queimar a bruxa”

que é “a favor da pedofilia” e busca “acabar com a família”, durante a passagem da

filósofa Judith Butler no Brasil (que veio para falar de democracia).

Parece ocorrer nos memes, nas notícias falsas, nas narrativas autônomas um

processo de redução, complexificação e direcionamento de sentidos. “Um signo é

sempre, no entendimento de Eco, uma instrução para a interpretação”, conforme

Rabenhorst (2002, p. 4).

Um discurso que oferece entendimentos, uma interpretação da realidade, que

aciona a sedução – mas que depende da aceitação de quem está para ser seduzido,

conforme Maturana (2001): a explicação deve ser aceita por um observador, pois se

este não a aceitar, não é uma explicação (como quando a criança deixa de aceitar a

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história da cegonha, esta deixa de ser uma explicação). Há tantos explicares quanto

modos de aceitar reformulações da experiência.

Ao mesmo tempo em que temos movimentos sociais – feministas, pela

igualdade étnica, pela diversidade sexual – que reivindicam direitos e trazem pontos de

vista até então silenciados pela sociedade, surgem também aqueles que, igualmente

indignados e esperançosos (CASTELLS, 2013), querem um mundo melhor de seu

modo: com a volta da ditadura, com a manutenção da família tradicional, com o

fechamento de fronteiras.

As soluções são tão específicas quanto os problemas que as motivam: e o que

é problema para um não necessariamente o é para outro. Esta é uma época que já não

obedece a uma grande autoridade: da verdade, da moral, da ciência, da política... as

metanarrativas que guiaram a modernidade entraram em crise (LYOTARD, 2004) e

deram lugar a discursos específicos, localizados conforme o contexto sociocultural. Os

processos comunicacionais a que nos referimos são sintomas desta época.

Não é possível invocar um imperativo epistêmico para julgar estas questões, o

que leva a um paradoxo: “se minha posição é uma possibilidade tão valida e tão fragil

quanto outra, como tratar deste problema” – já que a ciência é só mais um discurso

possível (FEYERABEND, 1977)? Esta primeira questão, antes de conduzir ao abismo

lógico, é só uma condição que perpassa a reflexão que se pretende fazer ao longo deste

trabalho, que se concentrará nas questões relativas ao tensionamento e à relativização

da verdade.

Se agora estamos na pós-verdade, o que era considerado antes? Verdade?

Por que? O que faz com que se acredite nas narrativas “pós-verídicas”? Que lógicas

são aí acionadas? De que forma isso nos ajuda a pensar também no que concebia uma

“anterior verdade”? Não seria uma grande verdade que sufocava outras tantas verdades

menores? Como as dos movimentos sociais? Como as que pedem a volta da ditadura?

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