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Revista do TRF – 1ª Região — junho/2002 — Artigos doutrinários — 21 com a sociedade instituída pelos brancos. Não bastava dizer, como ficou expresso no caput do art. 231, que o Estado lhes reconhecia a organização social, os costumes, as crenças e tradições. O verdadeiro instrumento para o resgate da identidade indígena, e esse foi um dos raros momentos de grande sensibilidade do legislador constituinte, estava em meio ao capítulo que cuidava da educação. Às comu- nidades indígenas foi conferido, pela norma constitucional, o direito de utilizarem os seus próprios processo de aprendizagem, bem como a sua língua materna (art. 210, § 2º), no ensino fundamental regular. Vale lembrar que, de acordo com as normas jurídicas ante- riores, apenas a língua portuguesa era admi- tida na alfabetização oficial. A escola indígena passou a ser conce- bida, desse modo, como uma escola diferen- ciada e, sobretudo, bilíngüe. Deverá ser um espaço adaptado aos usos e costumes de cada tribo (e no Brasil são aproximadamente du- zentas), onde a língua-mãe conviva pacifica- mente com o português, em intercâmbio po- sitivo de culturas, como marca da diversida- de tão peculiar ao nosso País. A Lei de Diretrizes e Bases da Educa- ção (Lei 9.424/96) foi fiel a esse espírito, afir- mando que a educação escolar fornecida aos índios deverá lhes proporcionar “a recupera- ção de suas memórias históricas, a reafirma- ção de suas identidades étnicas, a valoriza- ção de suas línguas e ciências”. Lamentavelmente, o processo de im- plantação das escolas indígenas tem sido len- to: novas filosofias impõem mudanças de men- talidades tanto no Governo que as executa, como na sociedade que as recebe e multipli- ca. Urge se tomem providências concretas, mais rápidas e eficazes, não sendo demais lem- brar-se de que o tempo torna irreversíveis al- guns males. A escola indígena é a esperança de que afinal renasça, pelas crianças, a identi- dade cultural e, com ela, o respeito e a digni- dade de cada um desses povos, herdeiros le- gítimos de um Brasil que já foi completamen- te verde, azul e amarelo. Do lançamento por homologação e o direito de obtenção de certidão negativa de débito relativo a valores compensados Marco Aurélio Carvalho Gomes* Malgrado tratar-se de tema de grande relevância e amplitude, a emissão de Certi- dão Negativa de Débito necessário às empre- sas para a prática de diversos atos hodiernos no exercício de suas atividades estatutárias (conforme imposição do art.205 do CTN), a doutrina pátria muito pouco tem se posicio- nado acerca do referido tema, sobretudo, quando analisadas as situações adstritas aos tributos sujeitos ao lançamento por homolo- gação, tendo em vista o momento a partir do qual poderá ser negada, pelo órgão emissor do mencionado documento, a expedição da aludida certidão. Apesar de que a emissão da certidão se insere na competência dos três entes federados e suas autarquias, o presen- *Advogado em Brasília/DF Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região, Brasília, v. 14, n. 6, p. 21-34, jun. 2002.

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com a sociedade instituída pelos brancos. Nãobastava dizer, como ficou expresso no caputdo art. 231, que o Estado lhes reconhecia aorganização social, os costumes, as crenças etradições. O verdadeiro instrumento para oresgate da identidade indígena, e esse foi umdos raros momentos de grande sensibilidadedo legislador constituinte, estava em meio aocapítulo que cuidava da educação. Às comu-nidades indígenas foi conferido, pela normaconstitucional, o direito de utilizarem os seuspróprios processo de aprendizagem, bemcomo a sua língua materna (art. 210, § 2º),no ensino fundamental regular. Vale lembrarque, de acordo com as normas jurídicas ante-riores, apenas a língua portuguesa era admi-tida na alfabetização oficial.

A escola indígena passou a ser conce-bida, desse modo, como uma escola diferen-ciada e, sobretudo, bilíngüe. Deverá ser umespaço adaptado aos usos e costumes de cadatribo (e no Brasil são aproximadamente du-zentas), onde a língua-mãe conviva pacifica-mente com o português, em intercâmbio po-

sitivo de culturas, como marca da diversida-de tão peculiar ao nosso País.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educa-ção (Lei 9.424/96) foi fiel a esse espírito, afir-mando que a educação escolar fornecida aosíndios deverá lhes proporcionar “a recupera-ção de suas memórias históricas, a reafirma-ção de suas identidades étnicas, a valoriza-ção de suas línguas e ciências”.

Lamentavelmente, o processo de im-plantação das escolas indígenas tem sido len-to: novas filosofias impõem mudanças de men-talidades tanto no Governo que as executa,como na sociedade que as recebe e multipli-ca. Urge se tomem providências concretas,mais rápidas e eficazes, não sendo demais lem-brar-se de que o tempo torna irreversíveis al-guns males. A escola indígena é a esperançade que afinal renasça, pelas crianças, a identi-dade cultural e, com ela, o respeito e a digni-dade de cada um desses povos, herdeiros le-gítimos de um Brasil que já foi completamen-te verde, azul e amarelo.

Do lançamento por homologação e o direito deobtenção de certidão negativa de débito relativoa valores compensados

Marco Aurélio Carvalho Gomes*

Malgrado tratar-se de tema de granderelevância e amplitude, a emissão de Certi-dão Negativa de Débito necessário às empre-sas para a prática de diversos atos hodiernosno exercício de suas atividades estatutárias(conforme imposição do art.205 do CTN), adoutrina pátria muito pouco tem se posicio-nado acerca do referido tema, sobretudo,

quando analisadas as situações adstritas aostributos sujeitos ao lançamento por homolo-gação, tendo em vista o momento a partir doqual poderá ser negada, pelo órgão emissordo mencionado documento, a expedição daaludida certidão. Apesar de que a emissão dacertidão se insere na competência dos trêsentes federados e suas autarquias, o presen-

*Advogado em Brasília/DF

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te trabalho visa abordar, exclusivamente aCND expedida no âmbito federal, mais espe-cificamente, pela Receita Federal.

Nota-se que a autoridade administrati-va vem, através de diversos artifícios, procu-rando restringir a emissão da Certidão Nega-tiva de Débito, amparada somente nas infor-mações prestadas no ato de entrega dasDCTF’s - Declaração de Contribuições e Tri-butos Federais, onde, mediante dados preen-chidos de forma errônea, ou onde se constataa realização de compensação de tributos re-colhidos a maior ou indevidamente, desam-parado de medida judicial suspendendo a exi-gibilidade do crédito compensado, sem, con-tudo, efetuar a constituição do crédito tribu-

tário através do lançamento, ato este, privati-vo da autoridade administrativa.

Por considerarmos esta atitude arbitrá-ria e em desconformidade com o Estado De-mocrático de Direito preconizado pela nossaCarta Magna, e por caracterizar este ato, maisuma forma coativa de exigência do tributo de-vido, resolvemos tecer algumas consideraçõesacerca do tema, com o escopo de fomentardebates, visando, sobretudo, a extinção des-tes vícios impostos pelo Fisco, através de umpronto pronunciamento do Poder Judiciário,e de uma maior análise doutrinária, vislum-brando, com isto, preservar, o nosso já com-balido desenvolvimento econômico.

I – Algumas peculiaridades sobre o lançamento por homologação

O lançamento por homologação tem asua exigência relacionada com tributos que, porsua natureza, são recolhidos antecipadamen-te pelo sujeito passivo independentemente deprévia manifestação do sujeito ativo; vale di-zer, sem que este tenha efetuado qualquer atono sentido de constituir o crédito tributário,para, assim, tornar exigível a prestação tribu-tária.

Portanto, no caso, até o momento emque se efetua o lançamento, inexiste o crédi-to tributário, pois este somente se constitui,com o efetivo lançamento, dando origem aocrédito e possibilitando, a partir daí, sua exi-gência pelo sujeito ativo da obrigação tribu-tária. Este é o entendimento do ilustre Pro-fessor Luciano Amaro, quanto aos efeitos dolançamento:

Como vimos, o lançamento é neces-sário para que o sujeito ativo possa exi-gir o recolhimento de tributos, quandoestes se sujeitem ao lançamento de ofí-cio ou por declaração. Nessas hipóteses,cabe à autoridade efetivar o lançamen-to antes de tomar qualquer outra provi-

dência tendente à cobrança do tributo.Assim, o efeito do lançamento é o de con-ferir exigibilidade à obrigação tributá-ria, quando o recolhimento do tributodependa da sua consecução (de ofícioou à vista de declaração do sujeito pas-sivo ou de terceiro).

Se se trata de tributo que deva serrecolhido pelo sujeito passivo indepen-dentemente de prévio exame pela au-toridade (ou melhor, independentemen-te de prévio lançamento), nas situaçõesem que se deva implementar o proce-dimento que o Código batizou de lan-çamento por homologação, a própria leireclama do devedor que proceda ao re-colhimento do tributo, no prazo que elaassinala, sem que se aguarde providên-cia do sujeito ativo no sentido de lançaro tributo. Cumprido esse dever, o quefaz a autoridade administrativa é o con-trole de acurácia do recolhimento, ho-mologando-o se estiver correto. O lan-çamento (se for praticado na modalida-de requerida pelo art. 150 – homologa-ção expressa), além de firmar a concor-

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dância da autoridade administrativacom o montante recolhido e, portanto,com os critérios legais que levaram àapuração desse montante, tem, em co-mum com as demais formas de lança-mento, a marca de inalterabilidade,como regra (art. 145). Esses efeitos se-riam reconhecíveis também à figura dolançamento por homologação tácita.

Se, porém, o devedor se omite nocumprimento do dever de recolher o tri-buto, ou efetua recolhimento incorreto,cabe à autoridade administrativa pro-ceder ao lançamento de ofício (em subs-tituição ao lançamento por homologa-ção, que se frustrou em razão da omis-são do devedor), para que possa exigiro pagamento do tributo ou da diferençado tributo devido. O lançamento de ofí-cio tem, aí também, o efeito de permitirque a autoridade administrativa tome asprovidências necessárias à cobrança,caso o devedor, notificado, deixe de efe-tuar o pagamento. A autoridade nãopode cobrar o tributo simplesmente àvista da alegação de que o sujeito pas-sivo descumpriu o seu dever legal; épreciso lançar o tributo e notificar o su-jeito passivo, para que a autoridade pos-sa, se ele ainda assim resistir ao reco-lhimento, prosseguir com as providên-cias necessárias ao efetivo recebimentodo valor devido.1

A excessiva transcrição dos ensinamen-tos do Professor da Faculdade Mackensie, per-mite-nos concluir que a figura do lançamen-to por homologação somente se perfaz no Di-reito brasileiro, quando os valores recolhidospelo sujeito passivo estiverem corretos; emsendo aferidos como incorretos os valores re-colhidos antecipadamente, os débitos apura-dos somente poderão ser exigidos após o seulançamento de ofício e a devida notificação

do sujeito passivo.

Este posicionamento consagra a TeoriaDualista da Obrigação, adotada pelo CódigoTributário Nacional como forma de distinçãoentre o debitum (shuld, relação de débito) e aobligatio (haftung, relação de responsabilida-de), caracterizando, de forma clara, situaçõesindependentes dentro das espécies de obri-gações. Neste sentido, é o ensinamento doProf. Hugo de Brito Machado, que assenta:

É sabido que obrigação e crédito, noDireito Privado, são dois aspectos damesma relação. Não é assim, porém, noDireito Tributário brasileiro. O CTN dis-tinguiu a obrigação (art. 113) do crédi-to (art. 139). A obrigação é um primeiromomento na relação tributária. Seu con-teúdo ainda não é determinado e o seusujeito passivo ainda não está formal-mente identificado. Por isto mesmo aprestação respectiva ainda não é exigí-vel. Já o crédito tributário é um segun-do momento na relação de tributação.No dizer do CTN, ele decorre da obri-gação principal e tem a mesma nature-za desta (art. 139). Surge com o lança-mento, que confere à relação tributárialiquidez e certeza.

(...)

Na obrigação tributária existe o de-ver do sujeito passivo de pagar o tribu-to, ou a penalidade pecuniária (obriga-ção principal) ou, ainda, de fazer, de nãofazer ou de tolerar tudo aquilo que a le-gislação tributária estabelece no interes-se da arrecadação ou da fiscalização dostributos. Essas prestações, todavia, nãosão desde logo exigíveis pelo sujeito ati-vo. Tem este apenas o direito de fazercontra o sujeito passivo um lançamen-to, criando, assim, um crédito. O crédi-to, este sim, é exigível.2

1Amaro, Luciano da Silva. Direito Tributário Brasileiro. 4ª ed. Editora Saraiva. São Paulo. 1999. p. 351/52.

2 Machado, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, Malheiros Editores, 16ª ed. rev., ampl., São Paulo, 1999, p.97.

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Somente em ocorrendo o lançamento dodébito tributário, este se transmuta no crédi-to devido; inexistindo o procedimento de lan-çamento, não há falar-se em crédito e, por-tanto, não há vedação à expedição de CND. Adeclaração dos valores recolhidos antecipa-damente, não torna o débito lançado, por sereste um procedimento exclusivo da autorida-de administrativa, o que impossibilita de sê-lo, por isto, considerado como crédito.

Inexistindo o crédito tributário definiti-vamente constituído pelo lançamento, torna-se imperioso a concessão de Certidão Nega-tiva de Débito ao sujeito passivo, pois, somen-te com a constituição do crédito tributário éque a emissão da referida certidão há que serimpedida.

O ilustre Professor Américo Masset La-combe, utilizando-se dos ensinamentos domestre argentino Dino Jarach, confirma quea atuação do sujeito passivo no lançamentopor homologação corresponde a uma meracolaboração:

Segundo Dino Jarach o lançamentosó pode ser praticado pelo Estado. As-sim, quer a declaração prestada no lan-çamento misto pelo sujeito passivo, quera prática por este mesmo sujeito passi-vo de todos os atos que antecedem olançamento por homologação, tais comoa interpretação das leis tributárias subs-tantivas sua aplicação aos fatos identi-ficados como fatos imponíveis previstosna hipótese de incidência da norma, avaloração de tais fatos e, finalmente , aaplicação da alíquota devem ser consi-deradas como mera colaboração do re-ferido sujeito passivo.3

A própria redação do art. 150 do CTN,conceituando o lançamento por homologação,permite a clara diferenciação entre os termosobrigação e crédito tributário e a necessidade

de realização do ato administrativo para tor-nar exigível o débito e instituir restrição a frui-ção de direitos pelo sujeito passivo:

Art. 150 – O lançamento por homo-logação, que ocorre quanto aos tributoscuja legislação atribua ao sujeito passi-vo o dever de antecipar o pagamentosem prévio exame da autoridade admi-nistrativa, opera-se pelo ato em que areferida autoridade, tomando conheci-mento da atividade assim exercida peloobrigado, expressamente a homologa.

§ 1º – O pagamento antecipado peloobrigado nos termos deste artigo extin-gue o crédito, sob condição resolutóriada ulterior homologação do lançamen-to.

§ 2º – Não influem sobre a obrigaçãotributária quaisquer atos anteriores àhomologação, praticados pelo sujeitopassivo ou por terceiro, visando à ex-tinção total ou parcial do crédito.

§ 3º – Os atos a que se refere o pará-grafo anterior serão, porém, considera-dos na apuração do saldo porventuradevido e, sendo o caso, na imposição depenalidade, ou sua graduação.

§ 4º – Se a lei não fixar prazo à ho-mologação, será ele de 5 (cinco) anos, acontar da ocorrência do fato gerador,expirado esse prazo sem que a FazendaPública se tenha pronunciado, conside-ra-se homologado o lançamento e defi-nitivamente extinto o crédito, salvo secomprovada a ocorrência de dolo, frau-de ou simulação.

A dicção do artigo em comento nos per-mite afirmar que, toda a ação desenvolvidapelo sujeito passivo, após a ocorrência do fatogerador do tributo, está somente relacionadocom a obrigação tributária surgida e não como crédito tributário, pois, se assim não fosse,

3 Lacombe, Américo Masset. in Curso de Direito Tributário. Coord. Ives Gandra da Silva Martins. V. 01 5ª ed. Editora Cejup. Belém. 1997.p. 283

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o legislador ao mencionar a pessoa respon-sável pelo adimplemento do crédito (se já de-vidamente constituído), o qualificaria como de-vedor e não como obrigado ou sujeito passi-vo da obrigação, como se depreende de análi-se literal dos §§ 2º e 3º do artigo em comento.

Desta feita, resta impossível considerarum contribuinte que, cumprindo com a obriga-ção acessória de prestar informações ao Fiscoatravés da entrega da DCTF, como devedor sema realização do necessário ato administrativode lançamento. Ato contínuo, negar a este con-tribuinte o direito de obter certidão para o nor-mal desenvolvimento de suas atividades eco-nômicas, consubstanciado apenas nas informa-ções prestadas, na forma descrita acima, cons-titui grave violação aos direitos da livre inicia-tiva, conforme veremos a frente.

Há de se argumentar ainda que, uma veznegada a homologação da obrigação que ante-riormente estava suspensa por cláusula reso-lutiva, qual seja o pagamento antecipado dotributo, somente após a verificação de incor-reção dos valores recolhidos, é que poderá osujeito ativo, e somente este, lançar de ofícioos valores tidos como não observados e incor-retos. Mais uma vez, preciosas são as liçõesdo ilustre Juiz Federal aposentado, AméricoLacombe:

Tão logo o sujeito passivo efetue opagamento, o crédito do sujeito ativo ex-tingue-se. Mas esta extinção só se veri-fica se ocorrer a homologação futurapela administração. Trata-se, conformedetermina expressamente o §1º, de con-dição resolutiva, isto é, a relação jurídi-co-tributária entre os sujeitos ativo epassivo só se extingue após a ocorrên-cia do lançamento por homologação.Uma vez negada a homologação, a obri-gação mantém-se, dando margem aolançamento de ofício. Nota-se que o que

se extingue, por ocasião do pagamen-to, sob condição resolutiva da homolo-gação ulterior é o crédito (obligatio, haf-tung, relação de responsabilidade),mantendo-se a obrigação até a homo-logação pela Administração Fazendária.É este o entendimento do §2º. Mas seos atos praticados pelo sujeito passivoou terceiro, antes da homologação, nãoinfluem sobre a obrigação tributária(debitum, shuld, relação de débito), con-forme determina o §2º, serão sempreconsiderados na apuração do saldo por-ventura devido na imposição e gradua-ção da pena, se for o caso, consoantedeterminação expressa do §3º. Se o re-colhimento do tributo, extinguindo ocrédito (obligatio, haftung, relação deresponsabilidade) sob condição resolu-tiva não é suficiente para extinguir aobrigação (debitum, shuld, relação dedébito), no caso deste recolhimento serinsuficiente, o sujeito ativo, de ofício,efetuará um lançamento suplementar,sobre a mesma obrigação, da qual de-corre o crédito, a fim de que possa exis-tir uma perfeita adequação entre os doiselementos da relação obrigacional. Aofazer o lançamento suplementar, de ofí-cio, o sujeito ativo considerará a ativi-dade do sujeito passivo anterior a estelançamento decorrente da não-homolo-gação da atividade anterior. Efetuado opagamento, extingue-se o crédito e aobrigação.4

Com isto, pode-se afirmar categorica-mente que, inexistindo o lançamento de ofí-cio, e, conseqüentemente, não sendo consti-tuído o crédito tributário, ainda que presentea obrigação (debitum, shuld, relação de dé-bito) entre o sujeito passivo e o sujeito ativo,não pode o Fisco Federal negar a emissão daCertidão Negativa de Débito, haja vista nãoter surgido a relação de responsabilidade

4 Lacombe. Américo Masset. Ob. Cit. P. 285.

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(obligatio, haftung, crédito), esta sim, passí-vel de ser exigida pelo sujeito ativo. Ademais,acentua-se que sendo constituído o referidocrédito, poderá o sujeito passivo, após a noti-ficação do lançamento, aviar recurso adminis-trativo que nos termos do art. 151 do CTN5 ,suspende a exigibilidade deste crédito e pos-sibilita a emissão da referida certidão.

Em se tratando de contribuição federalde lançamento por homologação (autolança-mento), como é o caso daquelas administra-das e arrecadadas pelo Fisco Federal, pode-mos concluir que, a exigência somente se tor-nará possível com a legal constituição do cré-dito tributário – mediante lançamento – queé vinculado e obrigatório, emergindo-se após

prazo para defesa em processo administrati-vo ou pagamento. Tendo transcorrido esseprazo in albis e não sendo efetuado o neces-sário pagamento, podemos afirmar que a de-cisão administrativa manifestadora destesacontecimentos, constitui-se em decisão ad-ministrativa transitada em julgado, quedan-do fim ao processo administrativo em voga.

Com isto, somente os créditos constitu-ídos definitivamente, ou cuja exigência nãoesteja suspensa, poderão obstar ao contribu-inte, obter certidão comprovadora de sua re-gularidade fiscal. Inexistindo crédito consti-tuído, não há falar-se em impedimento à con-cessão de Certidão Negativa de Débito.

II - A compensação de tributos e a vedação administrativa à obtenção de Certidão Negativa deDébito

A situação encontra-se ainda mais vici-ada quando temos em foco o exercício, pelocontribuinte, da faculdade de efetuar a com-pensação pro domo sua, de tributos havidospor inconstitucionais ou ilegais.

Temos percebido, com certa regularida-de, que a compensação desenvolvida pelocontribuinte, ao ser informada na Declaraçãode Contribuições e Tributos Federais - DCTF,vem sendo utilizada pelo Fisco como instru-mento similar a uma confissão de dívida,quando negada a regularidade e a legalida-de desta compensação (o que ocorre na qua-se totalidade dos casos), gerando uma prer-rogativa à autoridade administrativa, quan-do provocada, negar a emissão da Certidão

5 Art. 151 – Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:I – moratória;II – o depósito de seu montante integral;III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança.Parágrafo único – o disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias, dependentes da obrigaçãoprincipal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes”.

Negativa de Débito, sem, contudo, ter sido re-alizado o ato administrativo de lançamentodos débitos porventura existentes, baseando-se, tão-somente, nas informações prestadas.

Este procedimento realizado pelo Fisco,qual seja, a negativa da emissão do documen-to de regularidade fiscal, fundada nos débi-tos supostamente constituídos, através deuma simples reprodução singela dos valorescompensados, e tidos como irregulares pelaFazenda Nacional, sem uma prévia realizaçãodo ato administrativo de lançamento, não con-fere os requisitos de certeza e liquidez aos va-lores exigidos e havidos como irregulares.Este o entendimento da Professora MizabelDerzi, que atualizando o livro do imortal mes-

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tre baiano Aliomar Baleeiro, escreveu:

O título executivo que se forma pormeio da reprodução singela do débito,constante da DCTF, sem os abatimen-tos relativos à compensação juridica-mente assegurada, está despido de cer-teza e liquidez. O Poder Judiciário, nãoobstante, como aliás registra aqueleautor citado, embora aceitando a exe-cução, não tolera a recusa ao forneci-mento da certidão negativa se inexistiulançamento direto contra o sujeito pas-sivo.

(...)

Supomos, ao contrário, que em prin-cípio os dados postos e contrapostos emdocumentos de arrecadação e declara-dos à Receita (da mesma forma queaqueles que lastreiam sua escrita) nãoafastam a necessidade de autuação elançamento específico, assim como deprévio procedimento administrativo, emque se conceda o amplo direito de de-fesa. Andou bem a jurisprudência emcompelir a Administração a fornecer ascertidões negativas, se não houve lan-çamento definitivo. Somente erra nomomento em que admite a inscrição emdívida ativa, formadora de título ilíqui-do, para lastrear a execução.6

Como embasamento jurisprudencialacerca do entendimento exposto, transcrevea ilustre professora mineira os seguintes ares-tos:

Tributário. Certidão negativa. Tribu-to sujeito à lançamento por homologa-ção. Crédito tributário não constituído.

À míngua de lançamento fiscal defi-nitivo, a Fazenda Nacional não pode in-deferir o pedido de certidão negativa de

tributos federais. (TRF da 4ª Região. 1ªTurma. MS 94.04.36582-3-RS. Rel. JuizAri Pargendler, j. em 17/11/94).

Tributário. Certidão de débito. Cré-dito tributário ainda não constituído.

Mesmo que o tributo esteja sujeito alançamento por homologação, o Fiscodeve proceder ao lançamento, notificar odevedor e promover o respectivo proces-so administrativo-fiscal. E, não havendocrédito tributário regularmente constituí-do, a certidão negativa de débito não podeser negada.

(TRF da 4ª Região. 2 ª Turma. AgRg.no MS 95.04.08303-0-SC. Rel. Juiz Dó-ria Furquim, DJ de 12/07/95, p.44.113).7

Não há que se argumentar, como funda-mentação para a prática do referido ato nega-tivo, que a compensação efetuada não estavaamparada por decisão judicial suspendendoa exigibilidade do crédito, pois, o que se exi-ge é, em havendo lançamento sujeito a homo-logação, e, apurando o Fisco erro no valor re-colhido na forma antecipada, necessariamen-te deveria este, efetuar o lançamento do cré-dito tributário, para aí sim, passar a negar aemissão da CND, com base em crédito defini-tivamente constituído. Sem o lançamento nãohá crédito, obstando se falar em suspensão daexigibilidade por ser algo ainda inexistente.

Por isto, tendo o contribuinte efetuado acompensação de valores relativos a tributos en-tendidos como indevidos, em virtude de in-constitucionalidade ou ilegalidade das normasinstituidoras destes gravames, e sendo estasexações sujeitas ao lançamento por homolo-gação, uma vez inexistindo o lançamento dosuposto débito apurado, encontrando-se so-mente a informação da compensação realiza-

6 Baleeiro, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizadora Mizabel de Abreu Machado Derzi. 11ª ed. Editora Forense. Rio de Janeiro.

1999. p. 10227 Baleeiro, Aliomar. Ob. Cit. p. 1022 e 1023.

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da, prestada pelo contribuinte, quando da en-trega da DCTF, não há falar-se, até o momento,em crédito tributário, sendo factível apenasuma expectativa de direito originária de umaobrigação contraída pelo sujeito passivo.

Outro não é o entendimento esposadona doutrina de Hugo de Brito Machado, queanalisando as situações em que se tornam exi-gíveis as Certidões Negativas de Débito pararealização de diversos atos da vida privada,assim se posicionou:

Tem sido freqüente a recusa de cer-tidão negativa pelas repartições da Ad-ministração Tributária em face de não-comprovação, pelo requerente, do pa-gamento dos tributos a que está sujei-to, mesmo sem existir lançamento. Essaprática é desprovida de fundamento ju-rídico, porque o contribuinte não podeser considerado em débito enquanto nãofor contra o mesmo constituído o crédi-to tributário.

O Superior Tribunal de Justiça já de-cidiu que, em se tratando de tributo su-jeito a lançamento, enquanto este nãose verificar, o contribuinte tem direito acertidão negativa de débito fiscal – eisque não existe, ainda, crédito tributárioexeqüível.

Ocorre que, nos termos do CTN, to-dos os tributos estão sujeitos a lança-mento. Mesmo em relação aos tributoscujo pagamento deve ser feito antes dolançamento, como previsto em seu art.150, não se pode afirmar existente umdébito tributário, e assim um obstáculoao fornecimento da certidão, se não exis-te crédito tributário regularmente cons-tituído.

Se o contribuinte não fez a declara-ção que lhe cabia fazer, ou não anteci-pou o pagamento, nos casos que a lei o

obriga a isto, a autoridade da Adminis-tração Tributária tem o dever de proce-der ao lançamento do tributo, valendo-se das informações das quais possa dis-por, e só depois poderá recusar o forne-cimento da certidão negativa.

É que se o contribuinte não declarou,ou não antecipou o pagamento, podeser, em princípio, que não estivesseobrigado a declarar, ou a antecipar pa-gamento algum. Pode não ter ocorridoa situação de fato da qual decorreria oseu dever de declarar, ou de pagar an-tecipadamente. Não existe, portanto,certeza alguma quanto à existência dedívida tributária, e por isto não pode aAdministração Tributária recusar o for-necimento da certidão”.8

Deve-se mencionar a clareza da decisãodo Superior Tribunal de Justiça citada peloeminente jurista cearense, que demonstra aimperiosa necessidade de haver o lançamen-to, por parte do Fisco, constituindo o créditotributário, para a partir deste momento se obs-tar a emitir a CND:

Tributário. Tributo sujeito a lança-mento. Certidão negativa.

Em se tratando de tributo sujeito alançamento, enquanto este não se veri-ficar, o contribuinte tem direito a certi-dão negativa de débito fiscal – eis quenão existe, ainda, crédito tributário exe-qüível. (REsp. 98.353; Primeira Turma).

Voto:

O Exmo. Sr. Ministro Humberto Go-mes de Barros (Relator): O indeferimen-to do pedido de Certidão Negativa deDébito justifica-se somente após a cons-tituição definitiva do crédito tributário,situação que não se afigura no caso dosautos.

8 Machado, Hugo de Brito.in Revista Dialética de Direito Tributário 40 p. 56. São Paulo 1999

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A matéria já é conhecida. Em hipóte-se semelhante assim decidi:

“Tributário. Tributo sujeito a lança-mento. Certidão negativa.

Em se tratando de tributo sujeito alançamento, enquanto este não se veri-ficar, o contribuinte tem direito a certi-dão negativa de débito fiscal – eis quenão existe, ainda, crédito tributário exe-qüível” (REsp. 98.353; Primeira Turma;DJ de 16/12/1996).

A jurisprudência do STJ assim seconsolidou:

“Administrativo. Tributário. Forneci-mento de certidão negativa. CTN, art.205.”

1. Sem crédito constituído definitiva-mente, líquido, certo e exigível, o con-tribuinte tem direito à Certidão Negati-va de Débito.

2. Precedentes.

3. Recurso Improvido”. (REsp.110.059; Primeira Turma; DJ de 31/03/1997; Rel. Ministro Milton Luiz Pereira; nomesmo sentido os REsp.’s 89.936 e89.810, entre outros).

Como se percebe a Jurisprudência daTurma conduz ao provimento deste re-curso.

(REsp 127.375/GO, Rel. Min. Hum-berto Gomes de Barros, j. 04/12/1997,DJ de 03/03/1998 p. 21).

A inexistência de procedimento com oqual se confira certeza e liquidez ao débito tri-butário, sendo este realizado após a aferiçãode regularidade e legalidade das informaçõesprestadas acerca de compensação desenvol-vida espontaneamente pelo contribuinte, tor-nando-o este definitivamente constituído,confere ilegitimidade à decisão impeditiva daexpedição de Certidão Negativa de Débito so-licitada pelo contribuinte. Outro entendimentoinviabiliza o desenvolvimento do instituto dacompensação, quando não acompanhada pormedida liminar suspendendo a exigibilidadedo crédito tributário, pois, a simples presta-ção de informações em cumprimento a umaobrigação acessória impede o contribuinte àobtenção de documento essencial ao desen-volvimento de suas atividades fins.

Deve-se ressaltar que permanecendocomo legal o procedimento adotado pelo Fis-co, restará extinto o instituto da compensa-ção, visto que o STJ, em sua Súmula 212, de-terminou a impossibilidade de concessão deliminar para se efetuar compensação de tri-butos, invalidando, assim, a única forma dese suspender a exigibilidade do crédito com-pensado.

III - Da necessidade de Certidão Negativa de Débito como requisito prévio para contratação com oPoder Público

Inicialmente, devemos consignar que, aexigência de regularidade fiscal das pessoasjurídicas contratantes com o Poder Público, tor-nou-se uma forma, necessária, de se assegu-rar que o erário não incorrerá no vício de con-tratar com aqueles que lhe devem, gerando,assim, uma forma ainda que derivada de pre-servação do patrimônio público. Contudo, asimples apuração da existência de débitos pormeio da análise da declaração do sujeito pas-

sivo, onde se verifica a compensação indevidade valores, não pode ser considerada como ir-regularidade fiscal, vez que, não existe até estemomento qualquer ato fiscalizatório realizadopelo Fisco, para tornar exigível, certo e líquidoo débito anteriormente apurado.

Lado outro, torna-se imperioso analisara legalidade da exigência de documento com-probatório de regularidade fiscal, como pres-

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suposto da contratação com o Poder Público,bem como, o desenvolvimento de outras ati-vidades, cuja apresentação do referido docu-mento torna-se essencial. Impedir a emissãoda Certidão Negativa de Débito, na formacomo praticada pelo Fisco, está a violar o dis-posto no art. 170, parágrafo único da CF/88,que assegura o pleno e livre exercício de qual-quer atividade econômica, independente-mente de autorização dos órgãos públicos.

Desta forma, há que se apontar comoperfeitos os ensinamentos do Professor Hugode Brito Machado, que analisando questão se-melhante, assim se posicionou:

Inconstitucionalidade formal haveráporque, como dito acima, cuida-se dematéria que só por lei complementar podeser regulada. Inconstitucionalidade subs-tancial também haverá porque tal lei es-tará em aberto conflito com normas daConstituição, em pelo menos dois impor-tantes aspectos. Primeiro, porque afrontao art. 170, parágrafo único da Constitui-ção Federal. Segundo, porque institui for-ma oblíqua de cobrança de tributos, per-mitindo que esta aconteça sem a obser-vância do devido processo legal.

A Constituição Federal garante taxa-tivamente a liberdade de exercício daatividade econômica, independente-mente de autorização de órgãos públi-cos (art. 170, parágrafo único). Garan-te, outrossim, que ninguém será priva-do da liberdade, ou de seus bens, semo devido processo legal (art. 5º, incisoLIV), e que aos litigantes, em processojudicial ou administrativo, são assegu-rados o contraditório e a ampla defesa,com os meios e recursos a ela inerentes(art. 5º, inciso LV).

Ressalte-se ainda que a exigência dequitação de tributos será inconstitucio-

nal, ainda que estabelecida em lei com-plementar federal, na medida em queimplicar cerceamento da liberdade deexercício da atividade econômica, oupropiciar ao Fisco a cobrança do tributosem o devido processo legal, vale dizer,sem a apuração em regular processo ad-ministrativo, e sem o uso da via própria,que é a execução fiscal.

(...)Para Ferreira Jardim, ‘a exigibilidade

de certidões negativas, a exemplo doquanto consta em diplomas de índoletributária e administrativa, exprime ab-surdez vitanda absolutamente incompa-ginavel com uma série de princípiosconstitucionais, dentre eles, o postula-do assegurador ao livre exercício dequalquer trabalho, ofício ou profissão,gravado no art. 5º, XIII, bem como noprimado proclamador da livre ativida-de econômica, insculpido no art. 170,parágrafo único, bem como o vector queprestigia o direito de propriedade e odireito concernente à igualdade’.

Efetivamente, a exigência de certidãonegativa de débito tributário pode, emmuitos casos, consubstanciar cercea-mento ao direito de exercer trabalho,ofício ou profissão, ou ao direito de exer-cer atividade econômica, e assim con-flitar com normas da Constituição, queasseveram serem garantidos esses di-reitos. Nestes casos configuram verda-deiras sanções políticas, vale dizer, mei-os indiretos de compelir o contribuinteao pagamento de tributos, cuja incons-titucionalidade tem sido afirmada portorrencial jurisprudência, inclusive doSupremo Tribunal Federal.9

Entendemos que a exigência da Fazen-da Pública, quanto à regularidade fiscal do con-

9 Machado, Hugo de Brito. Ob. Cit. pp. 55 e 57.

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tribuinte com o qual irá contratar, deve estarrelacionada apenas, a uma concessão ou nãode privilégio a ser concedida ao contratado,isto é, estando o contribuinte com os tributosem dia, este poderá obter vantagens nos con-tratos a serem firmados com o Poder Público,desde que estes privilégios não interfiram nalivre concorrência, enquanto que os contribu-intes em débito com o Fisco estariam impedi-dos de auferir as mencionadas vantagens.

Restringir o acesso a contratos a seremfirmados, eventualmente, com o Poder Públi-co, tendo em vista créditos fiscais “definitiva-mente” constituídos provoca grave ofensa aospreceitos constitucionais, sobretudo ao art.170, parágrafo único da CF/8810 , bem como,estabelece uma nova forma de cobrança dodébito tributário, agora sem a inconveniên-cia, para a Fazenda Pública, de observânciaao devido processo legal, ao contraditório e àampla defesa.

IV - Da jurisprudência sedimentada acerca da matéria

10 Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,

conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(....)Parágrafo único – É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãospúblicos, salvo nos casos previstos em lei”.

Os tribunais pátrios têm se posicionadode forma pacificada quanto à obrigatorieda-de de expedição da Certidão Negativa deDébito e Certidão Positiva com Efeito de Ne-gativa, quando encontram-se, os débitos emque se fundamentado o Fisco Federal paranegar o pedido, suspensos por meio de deci-são judicial ou não foram inscritos devidamen-te em Dívida Ativa.

Certidão Negativa de Débito. Com-pensação sem sujeição, administrativaou judicialmente. Confissão de dívida.

(Despacho do Juiz Fábio Bittencourtda Rosa, do TRF da 4ª Região)

Despacho

O despacho agravado tem o seguin-te teor:

A impetrante é pessoa jurídica de di-reito privado, e optou por compensarpor conta própria créditos que detémjunto ao INSS.

Requereu CND, sendo essa indeferi-da pela ilustre autoridade impetrada, aoargumento de estar em débito com a

autarquia.

Solicitadas previamente as informa-ções, confirmou a autoridade impetra-da a negativa e as razões que a levarama tanto, qual seja, a compensação de tri-butos.

Relatado. Decido.

Em que pese o atual posicionamentoda jurisprudência, que não admite con-cessão de liminar e/ou antecipação detutela para efeitos de compensação detributos, sempre entendi que em se tra-tando de tributo sujeito à homologaçãoe, não sendo a compensação causa ex-tintiva do crédito tributário, tem o con-tribuinte direito de promovê-la sob suaconta e risco, aguardando a homologa-ção pelo sujeito ativo.

Sendo assim, vejo como legal a pos-tura da impetrante ao ter compensadoem conta gráfica os créditos que alegapossuir, incumbindo ao Fisco homologarou lançar os valores, o que até agoranão fez.

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Sendo assim, malgrado alegue o INSSa existência de débitos, não houve até opresente momento lançamento, razão pelaqual não pode negar a certidão negativarequerida.

Se o Fisco discorda da compensaçãorealizada pelo lançamento, e não obs-truir a consecução das atividades soci-etárias não fornecendo certidões.

Diante do exposto, não havendo cré-dito constituído, concedo a liminar re-querida pela impetrante para que lheseja fornecido Certidão Negativa deDébitos.

Já entendi que a inexistência de lan-çamento pela autoridade fiscal impediaa negativa de CND, mesmo havendocompensação por parte da empresa.

Todavia, a compensação efetuadapor iniciativa própria do contribuinte,sem sujeitar sua pretensão, administra-tiva ou judicialmente, é confissão deexistência de dívida.

Não se sabe, exatamente, o quantumdos valores a compensar, sendo inviá-vel presumir-se a regularidade da situ-ação tributária, no caso. Sendo assim,impõe-se seja negada a CND.

Defiro, pois, o efeito suspensivo pos-tulado. Oficie-se.

(DJ 2 de 15/10/98, p. 725).

Certidão Negativa de Débito. Débitoem fase de pré-execução. Aplicação doart. 206 do CTN.

(Despacho do Juiz Paim Falcão, Pre-sidente do TRF da 4ª Região)

Despacho:

Trata-se de agravo de instrumentocontra decisão que, em mandado de se-gurança, indeferiu liminar requeridapara o fim de assegurar à impetrante aexpedição de Certidão Negativa de Dé-

bito por parte do Instituto Nacional doSeguro Social, a qual foi negada sob oargumento de que a empresa possuidébito exigível.

Com fulcro no art. 206 do CTN e ale-gando de que necessita usufruir dos in-centivos fiscais relativos ao draw-backe ao crédito-prêmio do IPI, a agravanterequer a reforma da decisão recorrida ea concessão da liminar para que o agra-vado forneça a aludida CND.

Tenho que a espécie efetivamentecomporta provimento liminar, eis quepresentes os requisitos legais.

O fumus boni está consubstanciado nofato de que o alegado débito da reque-rente encontra-se em fase de pré-execu-ção, incidindo, portanto a disposição con-tida no art. 206 do CTN, segundo a qualtem os mesmos efeitos daquela previstano art. 205 a certidão de que conste a exis-tência de créditos não vencidos, em cursode cobrança executiva em que tenha sidoefetiva a penhora ou cuja exigibilidadeesteja suspensa.

Quanto ao periculum in mora, enten-do configurado nos prejuízos que deve-rão advir da paralisação das atividades daempresa.

Ademais, a propósito do tema em tela,tenho mantido o entendimento de que(...) se a autoridade fiscal vem se negan-do a solucionar os procedimentos admi-nistrativos, ou iniciar os processos deexecução, embora decorrido lapso tem-poral expressivo, lesado está o direitoda impetrante em prosseguir, normal-mente, com sua atividadenegocial.Omitir-se a solução das ques-tões é, inquestionavelmente, valer-se desanção administrativa para impor ocumprimento de uma obrigação repu-tada indevida. Desse modo, a meu juí-zo, a autoridade judicial impetrada não

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poderia ter-se negado ao deferimentoda liminar. Muito embora satisfativa. Oque não esgota a lide, como acertada-mente observou a impetrada, tenho quetal fato não se constitui em óbice para aconcessão da provisão liminar. Não seconstitui porque a Fazenda Nacional po-derá, no prazo legal, intentar a compe-tente ação de cobrança.

Em face do exposto, defiro o pedido,determinado a expedição da CND re-querida.

Intime-se o agravado para os fins doart. 527, inc. III, do CPC.

Ao término do recesso, remetam-seos autos ao eminente Relator.

Publique-se. Intimem-se.

Porto Alegre, 30 de dezembro de1996.

Juiz Paim Falcão, Presidente.

(DJ 2 de 23/1/97, p. 2602).

Apelação em Mandado de Seguran-ça 97.04.43135-0/SC

Ementa

Tributário. Compensação realizada noâmbito do lançamento por homologaçãoperante a Receita Federal. Comunicaçãoao fisco. Suspensão da exigibilidade docrédito tributário. Expedição de CertidãoPositiva com Efeitos de Negativa. Possi-bilidade.

1- De acordo com a novel orientaçãojurisprudencial ditada pelo STJ, no casode compensação realizada no âmbito dolançamento por homologação, a expe-dição de CND pressupõe o prévio exa-me da autoridade fiscal competente so-bre o procedimento compensatório, quedeve ser regularmente informado ao Fis-co (hoje, através dos próprios formulá-rios de DCTF), sendo dispensada a ho-mologação formal apenas quando o cré-

dito utilizado na operação tiver origemno recolhimento de tributo inconstitu-cional.

2- Entretanto, no primeiro caso, en-quanto aguarda uma manifestação fis-cal, tem o contribuinte o direito de re-ceber certidão positiva com efeitos denegativa, na forma do artigo 206 doCTN. É que se a compensação deve sercomunicada ao fisco, e se este procedi-mento tem por finalidade viabilizar ahomologação dos valores compensadose o lançamento de eventuais diferençasconstatadas a menor, logicamente queele equivale à instauração de processoadministrativo-fiscal, pois implica ma-nifestação fiscal de cunho decisivo. E asreclamações e aos recursos administra-tivos, nos termos do artigo 151, III, doCTN, acarretam a suspensão da exigi-bilidade do crédito tributário.

Acórdão

Vistos relatados estes autos em quesão partes as acima indicadas,decide a2ª Turma do TRF/4ª Região, por unani-midade, dar parcial provimento às ape-lações, na forma do relatório, voto e no-tas taquigráficas que ficam fazendo par-te integrante do presente julgado.

Apelação em Mandado de Seguran-ça – 97.04.37993-5/SC

Ementa

Tributário. Expedição de CertidãoNegativa de Débito. Tributo objeto decompensação.

1. Tem o contribuinte o direito à Cer-tidão Negativa de Débito quando estáefetuando compensação de valores pa-gos a maior em tributo declarado in-constitucional pelo STF com tributo damesma espécie.

2. Precedentes do STJ: REsp114.296, Relator Min. Ari Pargendler

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DJU 2 de 12/11/97, p. 96.288.

Nota-se que a posição do Poder Judici-ário, tem se direcionado no sentido de impe-dir qualquer forma de restrição ao livre de-senvolvimento da atividade econômica, sejaobstando a expedição de documento essen-cial a realização da referida atividade, sejaconstringindo o contribuinte ao pagamento dedébito, ainda não exigível ou com a exigibili-dade suspensa, por outra via que não o devi-do processo legal.

V - Conclusão

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em quesão partes as acima indicadas, decide a2ª Turma do TRF/4ª Região, por unani-midade, negar provimento à remessaoficial e à apelação, na forma do relató-rio, voto e notas taquigráficas que ficamfazendo parte integrante do presentejulgado.

Porto Alegre, 15 de outubro de 1997(data do julgamento)

Pelo exposto, podemos concluir que, arestrição quanto à emissão de Certidão Ne-gativa de Débito, tendo como fato impeditivoa apuração, por parte do Fisco, de débitos tri-butários sem que tenha sido realizado o atoadministrativo de lançamento, constituindo,assim, definitivamente o crédito tributáriofere a Carta Magna, vez que somente após olançamento é que surge para o contribuinte,a relação de responsabilidade com o adim-plemento da obrigação, possibilitando, assim,

ao Fisco agredir o patrimônio do sujeito pas-sivo para o recebimento de seus direitos.

Não obstante, entendemos que a exi-gência da Certidão Negativa de Débito nostermos do art. 205 do CTN, ou da CertidãoPositiva de Débito com Efeito de Negativa,como preconizada pelo art. 206 do mesmo di-ploma legal, está em dissonância com a novaordem constitucional, sobretudo, por violar olivre exercício da atividade econômica nos ter-mos do art. 170, parágrafo único, da CF/88.

Leia na próxima Revista:

Deixar de registrar empregadonão é crime.Prof. Damásio de Jesus

Ação modificativa da coisajulgada.

Juiz Federal Substituto Osmane Antônio dos Santos

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